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tempo de rever Cleber Gouvêa

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tempo de rever

Cleber Gouvêa

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Cleber Gouvêa

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apresentação

Tive apenas um encontro pessoal com Cleber Gouvêa. Co-nhecia o artista e o professor, somente por meio de imagens e histórias. Na medida em que é possível separar um do outro – o artista do professor –, primeiramente tive contato com suas imagens, depois com algumas de suas histórias como professor e, finalmente, encontrei-o num almoço de confraternização de Natal da Faculdade de Artes Visuais (FAV). O prazer foi imenso!

A afabilidade de Cleber reforçou em mim a impressão causada pelas his-tórias que ouvi sobre ele. Nossa conversa foi amena, preenchida por assuntos triviais do cotidiano daquele artista que tinha sido professor do então Instituto de Artes, hoje FAV. Aproveitei a oportunidade para falar da minha admiração pelo seu trabalho. Cleber ime-diatamente se dispôs a receber-me em seu ateliê para mostrar sua produção recente – a série “Serra Dourada”. Anotei seu telefone e prometi visitá-lo após as férias. De volta de viagem, fui informado de que Cleber havia sido hospitalizado. Após quarenta dias na UTI, ele faleceu. Restou-me a lembrança amarga de uma visita que não ocorrera.

Satisfaz-me, porém, conviver com suas imagens e poder continuamente revê-las. Sei que perdemos um professor, um artista que, conforme muitos relatam, ali-mentava a beleza de ser humano, instigando descobertas nos colegas e alunos.

Ao expor parte de sua produção em Tempo de Rever, a Faculdade de Ar-tes Visuais da Universidade Federal de Goiás não só homenageia Cleber, com a expecta-tiva de que os visitantes e a comunidade universitária possam apreciar fragmentos de um percurso que o situa como uma referência marcante da criação artística brasileira das últimas décadas do século XX, mas também amplia as oportunidades de que ele possa reativar nossos olhares como, o fez enquanto podíamos desfrutar da sua presença.

Raimundo Martins

Diretor da Faculdade de Artes Visuais

Reitor da UFG - Prof. Edward Madureira Brasil

Pró-Reitor de Extensão e Cultura - Prof. Anselmo Pessoa Neto

Diretor da FAV - Prof. Raimundo Martins

Coordenação da Galeria - Profª Selma Parreira

www.fav.ufg.br/galeriadafav

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tempo de rever cleber gouvêa

Na pintura / caixa,

germinam os sonhos.

Na caixa, a pintura acolhe a natureza,

guarda o tempo e os segredos.

Por onde passou, seu olhar recolheu pedras moídas, leves e opacas, negras, ocres amarelas: luz.

Libélulas de rendas, fios riscados, asas douradas: forma.

Fósseis de peixes foscos e frios, caracóis, prata, brancos e azuis: relevo.

Numa folha de papel, no quadrado, o grafite riscou sempre

uma reta, um corte, uma espiral, duas curvas: símbolo.

Na caixa memória, sonho e segredos do homem, magia do tempo: natureza. Foto: Alois Feichtenberger, 1974. Coleção Alois Feichtenberger. Acervo Museu da Imagem e do Som de Goiás.

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Reapresentar obras de Cleber Gouvêa, sujeitando-as ao

tempo, tem o objetivo de instigar novas pesquisas e reflexões conceituais e estéticas sobre

a densa produção desse grande artista e de realizar uma amostragem de várias fases de

sua pintura no decorrer dos anos 60, 70, 80 e 90. Pretende também despertar curiosidade

e novos diálogos sobre os questionamentos, pensamentos e proposições estabelecidos

por Cleber artista nos diversos momentos do seu percurso. Além disso, esses instantes de

convívio e de aproximação com seus trabalhos trarão um pouco de sua saudosa presença,

de seu firme posicionamento diante da arte e da vida.

Na qualidade de curadora desta exposição, senti-me diante de um desafio: não

sabia exatamente que obras encontraria nos acervos das instituições públicas e, princi-

palmente, em que condições de conservação elas estariam. Há muito tempo não são ex-

postas e nem todas constam dos catálogos dos museus. Refiro-me especificamente aos

Cleber Gouvêa, sem título, 1987. Pintura, 100 x 100cm. Acervo UFG - Universidade Federal de Goiás.

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acervos do Museu de Arte Contemporânea de Goiás, do Museu de Arte de Goiânia e

da Universidade Federal de Goiás. O que encontrei nas instituições em condição de ser

exposto foi insuficiente para mostrar o percurso da produção de Cleber com suas espe-

cificidades. Busquei, então, em coleções particulares (de ex-marchands, amigos, colegas

da faculdade e familiares), trabalhos que complementassem a curadoria e mostrassem a

diversidade de linguagens, as abordagens temáticas e a sofisticação da pesquisa técnica e

formal que o artista desenvolveu.

O conjunto de obras da exposição Tempo de Rever confirma um artista singular

que construiu sua carreira sempre com muita liberdade e que não recuava diante da ne-

cessidade ou do desejo de mudanças no seu trabalho. Em meados dos anos 60, Cleber

rompeu com a tradição da pintura local de tendência figurativa e expressionista, dedican-

do-se às abstrações geométricas, às formas orgânicas bipartidas, amorfas e repletas de

conteúdo simbólico. Mesmo provocando um impacto, essa nova abordagem trouxe remi-

niscências da fase anterior: fragmentos e referências da paisagem, acrescidos de relatos

do seu cotidiano, de seus conflitos e de indignação com o momento político.

Contestador do termo “abstração” em relação à sua obra, Cleber, em depoimento

ao crítico de arte Carlos Fernando Magalhães, publicado na Revista Goiana de Artes (v. 2,

n. 2, jul./dez. 1981), assim se expressa:

[...] como exemplo, a “Caixa da Criação” – um útero visto pelo lado de dentro, sendo mais um sentimento que uma visão. Embora constituindo uma outra forma, a intenção [...] não fora abstrata. Noutro trabalho – “Da série massacres: os crânios” – , a ira a um certo crítico de arte é descarregada na concepção de um determinado simbolismo, ainda mais livre e violento em “A caída do verde”, visão agressora do movimento político brasileiro de 1964.

Nos anos 70 e 80 investiu em técnicas e pesquisa de linguagem, explorou texturas

e relevos. Mergulhava na “cozinha” da pintura e aplicava materiais não convencionais para

construir uma sofisticada plasticidade como recurso e suporte para um rico repertório

imagético. As pesquisas arqueológicas e os mergulhos na topografia mostram formas e

dobras subterrâneas, fósseis, caracóis, peixes dos rios do Centro-Oeste, arraias e insetos.

Cleber Gouvêa, sem título, 1969. Pintura, 90 x 150cm. Coleção Cléa Costa.

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Com requinte, Cleber elabora tramas e transparências, superfícies impregnadas de gestos.

Desafia o espaço imitando a realidade com colagens e recursos materiais, explorando o

brilho das folhas de ouro e dos grãos de areia. Segundo Grace de Freitas, no texto “Por

uma vertigem do olhar”, publicado no livro Arte hoje: o processo em Goiás visto por dentro

(São Paulo: Marco Zero, 1985),

o rompimento deste ano de 1985, no que se refere à obra do artista Cleber Gouvêa, não pressupôs uma ruptura em seu percurso figurativo. Ao contrário, se uma e outra de suas isotopias se remetem, precisamente, à geologia e à geometria (rígida ou sensível), este qua-dro, “Cadernos de geologia Minas Gerais”, anota e dá prosseguimento a este esteio de sua criação. Ciências do homem, o artista as configura em imagens que demonstram que tudo se constrói (e também se dissimula) na plasticidade.

Com rigor e sutileza de tons, apresenta a remota memória do homem. Atemporal

e pessoal, constrói seu caminho inventivo e solitário, numa narração repleta de espiri-

tualidade, de suas verdades, simbologias e encantamento. Intimista e isolado, fala das

lembranças de infância, mas não se deixa seduzir por tendências de fáceis efeitos, por

imposições ditadas pelo mercado de arte ou pelo próprio sistema de incluir, validar, dar

credibilidade e visibilidade aos artistas.

Cleber chega aos anos 90 persistindo em pesquisas; deixa sempre claro seus ob-

jetivos na construção de uma pintura intuitiva, mas, ao mesmo tempo, densa, poética e

enigmática. Essa pintura seduz e cria empatias com o olhar do observador. No texto “Ob-

jetos de luz”, incluído no catálogo de exposição da Casagrande Galeria de Arte, em 1997,

Jacob Klintowitz afirmou:

A pintura de Cleber Gouvêa é formada por três vertentes. A memorialística, fósseis, cotidiano, telas reutilizadas; a matéria cromática, com texturas, requintes orientais, reverbe-rações cromáticas; e a mística, com os objetos transformados em votivos. Ocorre que estas fontes de magma ardente não estão separadas entre si, combinam-se e se transformam num único objeto, a pintura que é, neste caso, uma manifestação de certeza da mais elevada função da arte, a ampliação da consciência. O que se evidencia na ordem, na clareza, e na transforma-ção do banal pigmento em estruturas simbólicas.

Cleber Gouvêa, sem título, 1984. Pintura, 60 x 80cm. Coleção Cléa Costa.

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Dentre as principais características da composição de suas pinturas percebem-

se: a racionalidade; o equilíbrio; o espaço sem regras de perspectiva, sempre no pri-

meiro plano; as barras cromáticas que emolduram suas “cenas” e fecham os planos,

tornando-se elemento integrador da composição – às vezes somente nas laterais e, em

outras telas, nos planos inferiores e superiores. São nessas metafóricas “caixas/pintura”,

onde o fundo não é apenas suporte da narração, que se encontram guardadas suas pre-

ciosidades: as construções da memória em que se revelam os sentimentos.

Ao retomar, no final de sua vida, a paisagem como assunto, com a série “Serra

Dourada”, Cleber faz-se fiel aos seus instintos, ao ímpeto de agir sempre e de recomeçar

com total liberdade. Relevo e luz prata.

Profª. Selma Parreira, curadora

Maio de 2009

Cleber Gouvêa, “Caixa de germinar sonhos”, 1996. Pintura, 60 x 80cm. Acervo MAG - Museu de Arte de Goiânia.

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cleber gouvêa, o professor

Cleber construiu e consolidou sua carreira artística em Goiâ-

nia, para onde veio em 1962 com o propósito de integrar o corpo docente da Faculdade de

Artes da UFG. Tornou-se um dos artistas mais importantes do estado, graças ao seu grande

conhecimento das técnicas e dos diversos materiais artísticos. Por essa razão, ganhou de

seus amigos artistas o carinhoso apelido de Dona Benta das Artes Plásticas – uma alusão

à famosa personagem cozinheira de Monteiro Lobato. Esse apelido se lhe ajustava com

perfeição, pois Cleber realmente tinha profundo conhecimento da “cozinha” da pintura,

da escultura e da gravura. Sabia composições e fórmulas de vernizes, tintas etc., e, quando

não sabia, sempre inventava uma saída para os problemas técnicos – e não só técnicos,

mas também estéticos e formais.

Cleber foi o criador do ateliê de gravura como uma habilitação específica

do curso de bacharelado em Artes Plásticas. Foi também o introdutor da litografia na UFG

e em Goiás. Descobriu, em uma gráfica desativada em Minas Gerais, uma prensa e várias

pedras litográficas, providenciou sua aquisição através da Universidade e iniciou aqui o en-

sino dessa difícil arte. Dedicou-se também ao ensino da xilogravura e da gravura em metal.

Cleber Gouvêa, agosto, 1986. Foto: Samuel Costa.

“Brinco muito com as cores.

Gosto do que é novo e da busca constante.

Ainda sou aprendiz de feiticeiro.”

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Cleber Gouvêa, “Confrontados”, 1974.Pintura, 100 x 185cm. Acervo MAC –Museu de Arte Contemporânea de Goiás.

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Como os materiais e as ferramentas adequadas à gravura não eram encontrados em Goiâ-

nia, Cleber improvisava e buscava materiais alternativos. Em substituição ao cobre, por

exemplo, começou a usar o ferro na gravura – material tão utilizado por D. J. Oliveira. Den-

tre suas técnicas não convencionais, destacam-se as matrizes realizadas com colagens,

hoje conhecidas como colagravuras.

Graças a essas improvisações, Cleber estimulava em seus alunos a inves-

tigação e o espírito de pesquisa. De certa forma, creio eu, ele intuía as experiências reali-

zadas nos grandes centros pelos gravadores modernistas brasileiros. Ainda hoje, o ateliê

de gravura da FAV procura desenvolver esse espírito investigativo e se encontra reforçado

com a criação do Mestrado em Cultura Visual, que aprofunda a pesquisa em novos mate-

riais, na gravura experimental e, inclusive, em novas mídias.

Foi como professor de gravura que conheci Cleber Gouvêa. Tive o privilé-

gio de ser seu aluno por cerca de três anos, no então Instituto de Artes da UFG, a honra de

substituí-lo, quando passou a ocupar a cadeira de pintura, e o orgulho de ser seu colega

durante mais ou menos quinze anos. Como professor, Cleber tinha características ímpares.

Não era o professor que fazia chamadas, que cobrava do aluno, que se preocupava com

notas. Pelo contrário, nesse ponto era tido como desorganizado; sempre requisitava um

aluno para ajudá-lo com notas e frequências no final dos cursos. Tampouco tinha grandes

preocupações em acompanhar de perto os trabalhos dos alunos; de modo geral, aqueles

mais interessados sempre o procuravam para orientações. A estes se dedicava com afinco,

ajudava, questionava, levantava dúvidas e incentivava. E assim, por não ser o típico pro-

fessor exigente, havia liberdade e serenidade nas suas aulas e no ateliê de gravura ou de

pintura – um clima muito propício para a produção artística. Ninguém se sentia obrigado a

estar ali, se não produzisse é porque não queria. Se quisesse, tinha o respaldo do Mestre.

Aliás, a palavra Mestre, com a conotação informalmente dada ao termo

– aquele professor que tem um certo carisma para lidar com os alunos –, se aplicava

perfeitamente a ele. Tinha uma maneira de ser que o aproximava muito de seus alunos,

quebrando qualquer possibilidade de distanciamento. Cleber orientava, mais do que

ensinava. Conversava amigavelmente com todos, gostava de contar histórias pessoais,

vivências de ateliê, convivência com outros artistas, galeristas e marchands, para intro-

duzir o aluno no entendimento do meio artístico.

Um dia, Selma Parreira, Dinéia Dutra e eu constatamos, numa conversa,

que, a despeito da orientação de Cleber, cada um de nós desenvolvia uma linguagem

própria. Em nenhum dos nossos trabalhos era possível perceber uma influência direta

da obra de Cleber, isto é, de sua linguagem artística. Percebemos, naquele momento, a

grande qualidade do Mestre – ensinar sem direcionar, fazendo com que o discípulo, ao

aprender, descubra e desenvolva sua própria linguagem.

Percebo hoje em meu trabalho alguns traços de Cleber, mas, sobretudo,

procuro ser herdeiro de sua postura diante do trabalho, marcada pela seriedade, pela

serenidade e pela consciência.

Prof. José César Teatini de Souza Clímaco

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Cleber Gouvêa, sem título, 1979. Pintura, 30 x 30cm. Coleção particular. Cleber Gouvêa, “Libélula”, 1976. Pintura, 60 x 60cm. Coleção Cléa Costa.

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Cleber Gouvêa, sem título, 1980. Pintura, 98 x 150cm. Coleção Nair Câmara.

Cleber Gouvêa, sem título, 1981. Pintura, 100 x 160cm. Coleção Nair Câmara.

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Cleber Gouvêa, sem título, 1986. Pintura, 50 x 60cm. Coleção Carlos Sena.Cleber Gouvêa, sem título, 1983. Pintura, 40 x 50cm. Acervo MAC - Museu de Arte Contemporânea de Goiás.

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Cleber Gouvêa, sem título, 1995.Pintura, 90 x 150cm.

Coleção Violeta Carrara.

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Cleber Gouvêa, sem título, 1977. Pintura, 98 x 98cm. Coleção Nair Câmara. Cleber Gouvêa, “Arraia”, 1993. Pintura, 150 x 150cm. Coleção Elenita Ferreira.

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Cleber Gouvêa, “Serra Dourada”, 1999.Pintura, 90 x 150cm. Coleção Erik Gouvêa.

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cleber gouvêa

Na consolidação do processo artístico em Goiás, um

nome é unanimemente reconhecido por sua participação notória, tanto como artista

quanto como professor: Cleber Gouvêa (Uberlândia/MG, 1942 – Goiânia/GO, 2000).

Em 1954, com apenas 12 anos, Cleber iniciou seu aprendizado de técni-

cas artísticas com Jared Queiroz, em sua cidade natal, Uberlândia (MG). Depois, em 1958,

ambicionando alçar maiores voos, mudou-se para Belo Horizonte, onde estabeleceu con-

tato com o grande pintor modernista Alberto da Veiga Guignard (1896-1962). Em 1962,

atendendo ao convite da escultora Maria Guilhermina, transferiu sua residência para Goi-

ânia para integrar o corpo docente da recém-criada Faculdade de Artes da UFG, onde

desenvolveu uma carreira ligada ao ensino de gravura e de pintura e atuou na formação

de dezenas de artistas locais por cerca de três décadas.

Ao chegar a Goiânia, Cleber logo se entrosou com o meio de arte local,

nele criando inúmeras relações e fincando profundas raízes. Desenvolveu relações de par-

ceria com Nazareno Confaloni (1917-1977), Gustav Ritter (1904-1979) e DJ Oliveira (1932-

2005), e travou amizade duradoura com Siron Franco, com quem dividiu grandes jornadas

de trabalho em um ateliê coletivo. No entanto, a obra de Gustav Ritter, ao que parece, foi

Cleber Gouvêa, sem título, 1984. Pintura, 200 x 160cm. Acervo UFG - Universidade Federal de Goiás.

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a que provocou um maior impacto sobre a obra de Cleber, como se pode observar na sua

produção a partir dos anos 70, com o surgimento de formas orgânicas, biomórficas e sin-

téticas, bem como com o simbolismo que universalizava signos da paisagem regional.

É nesse período que sua obra pictórica deslancha e adquire técnica, poé-

tica e plasticidade singulares. Rompe os limites do pequeno meio artístico goiano e insere

sua produção no circuito nacional com participações em mostras de grande relevância,

como a Bienal Internacional de São Paulo (1971), o Salão Global da Primavera no Distrito

Federal (1973) e três edições do Panorama de Arte Brasileira, promovido pelo Museu de

Arte Moderna de São Paulo (1975, 1979, 1983).

Cleber foi um artista que pensou a “arte como ofício”; o foco de suas

preo cupações se centrava na esmerada fatura e no rigor com que desenvolvia seus proje-

tos. Tornaram-se emblemáticos seu domínio e seu conhecimento do aparato de técnicas

de pintura. Investigava materiais não ortodoxos e ocupava-se em incorporar areia e folhas

de papel na tinta à base de nitrocelulose. As aparências distintas das originais tinham o

objetivo de promover certo grau de ilusão, de seduzir o olhar pelas texturas originadas de

uma memória do mundo.

No seu repertório imagético, passado e presente, natureza e cultura, es-

paço geométrico e configurações orgânicas fossilizadas (como caracóis, peixes e insetos)

mesclam-se à paisagem bruta do sertão, às escritas de um caderno de estudos geológicos

e à vontade de penetrar no interior da terra. Com esse repertório desenvolveu uma enor-

me produção em pinturas – que foram comercializadas em boas galerias nacionais – e

realizou grandes painéis em instituições públicas e privadas de Goiânia. Cleber tinha um

apreço especial pela grande dimensão das telas, aspecto recorrente ao longo de toda sua

obra, mesmo nas suas últimas fases, no final dos anos 90.

Durante as quatro décadas em que produziu, Cleber Gouvêa experimen-

tou a liberdade para recriar sua obra: no início, trabalhou um figurativismo modernista;

quando sua obra amadureceu, nos anos 70, desvelou enormes abstrações de cores densas

e escuras, que destacavam as qualidades materiais da superfície; retomou o figurativo em

suas pesquisas sobre a imagem de fósseis; investigou a plasticidade do caderno de geolo-

gia de onde extraiu o potencial da escritura e os cortes rochosos; retornou à representa-

ção – não óbvia – da paisagem goiana; e, em sua última fase, criou uma série de painéis

sobre a Serra Dourada da Cidade de Goiás. A trajetória de Cleber revela sua liberdade

experimental para decidir os rumos da sua obra, independente dos grupos de referência

ou dos ditames das tendências de época.

Na verdade, Cleber constituiu-se em referência para gerações de artistas

que receberam seus ensinamentos ou que, informalmente, desfrutaram de sua convivên-

cia. A grande lição que ele procurava repassar se norteava na liberdade de escolha: o

método de Cleber procurava dar independência para que, no desenvolvimento de suas

pesquisas, os alunos encontrassem sua linguagem. Em face disso, não incentivou uma

“escola Cleber de pintura” e tampouco deixou discípulos; procurou incentivar os jovens

artistas a descobrirem seus próprios meios e repertórios para empreender uma trajetória

particular de sujeito da sua arte.

A Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, ao per-

mitir que novas gerações entrem em contato com essa pequena amostragem da obra de

Cleber, abre caminhos para futuras pesquisas que adensarão a leitura de sua produção,

instiga futuras exposições retrospectivas sobre um dos artistas mais completos dessa

instituição de ensino de arte, além de permitir o encontro com a memória do grande e

generoso amigo, que não tinha medo de quebrar normas e regras acadêmicas, em favor

do bom desenvolvimento do aprendizado artístico.

Prof. Carlos Sena Passos

Professor de História da Arte Moderna e Contemporânea da FAV/UFG

Diretor do Espaço Cultural da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFG

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cleber gouvêa

Exposições Individuais

1999 – Série “Serra Dourada”. Palácio Conde dos Arcos. Cidade de Goiás – GO.1997 – Fundação Jaime Câmara. Goiânia – GO.1993 – Museu de Arte Contemporânea. Goiânia – GO.1993 – CasaGrande Galeria de Arte. Goiânia – GO.1987 – Manoel Macedo Galeria de Arte. Belo Horizonte – MG.1987 – “Ofício da Arte – A pintura”. SESC. São Paulo – SP.1987 – “18 contemporâneos”. Dan Galeria. São Paulo – SP.1986 – Dan Galeria. São Paulo – SP.1986 – Galeria Cambona. Porto Alegre – RS.1984 – “Pintura Brasileira Atuante”. PETROBRAS. Rio de Janeiro – Brasília.1984 – Galeria Paulo Prado. São Paulo – SP.1983 – Galeria Bonino. Rio de Janeiro – RJ.1981 – Exposição Retrospectiva. Palácio da Cultura. Goiânia – GO.1977 – Fundação Cultura do DF. Brasília – DF.1976 – Galeria do Hotel Bandeirantes. Goiânia – GO.1974 – Galeria Oscar Seraphico. Brasília – DF.1973 – Galeria Guimar. São Paulo – SP.1965 – Galeria do jornal “O popular”. Goiânia – GO.1962 – Teatro Inacabado da AGT. Goiânia – GO.1961 – Instituto dos Arquitetos. Belo Horizonte – MG.

Cleber Gouvêa, sem título, 1971. Pintura, 90 x 70cm. Coleção Erik Gouvêa.

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Exposições Coletivas e Premiações

1983 – Panorama da Pintura Brasileira – MAM. Prêmio Aquisição. São Paulo – SP .1982 – V Salão Nacional de Artes Plásticas. Prêmio Pintura Viagem ao Exterior. Rio de Janeiro – RJ.1981 – Exposição Artes Goiás. Galeria Prestes Maia. São Paulo – SP. 1979 – Panorama da Pintura Brasileira – MAM. São Paulo – SP.1978 – Coletiva de Artistas Goianos. Itinerante: Roma – Milão – Paris. 1977 – Coletiva de Artistas Goianos. Galeria Frei Confaloni – Goiânia – GO.1978 – Coletiva de Artistas Goianos. Exposição Inaugural da Galeria Parnaso. Brasília – DF.1977 – XIV Bienal de Arte de São Paulo. Fundação Bienal de São Paulo – SP.1975 – Noite das Artes. Palácio das Esmeraldas. Goiânia – GO.1975 – Panorama da Arte Atual Brasileira – MAM. São Paulo – SP.1975 – XXIV Salão de Arte Moderna – MAM. Prêmio Isenção do Júri. Rio de Janeiro – RJ.1975 – Sala Brasília. XIII Bienal de Arte de São Paulo. Fundação Bienal de São Paulo – SP.1974 – Salão Nacional de Artes Plásticas da CAIXEGO. 1o Prêmio Pintura. Goiânia – GO. 1973 – I Salão Global da Primavera. Prêmio Viagem ao Peru. Brasília – DF. 1972 – Coletiva de Artistas Goianos. Galeria Porto do Sol. Brasília – DF. 1971 – Artistas Contemporâneos. Fundação Cultural do DF. Brasília – DF. 1971 – XI Bienal de São Paulo. Prêmio Aquisição – Itamarati. Fundação Bienal de São Paulo – SP.1970 – Pré-Bienal de São Paulo. São Paulo – SP.1969 – Primeira Bienal de Artes Plásticas de Goiás. 1o Prêmio Pintura. Goiânia – GO. 1967 – Grupo MacunaÍma. Goiânia – GO. 1967 – Coletiva da Faculdade de Artes. Wyoming – USA.1966 – Coletiva dos Artistas Goianos. MASP – Museu de Arte de São Paulo – SP.1964 – Salão do Artista Goiano – 1o Prêmio Gravura e 3o Prêmio Pintura. Goiânia – GO.1963 – I Salão de Artes Plásticas da UFG. Prêmio Gravura. Goiânia – GO. 1962 – Salão Universitário. Belo Horizonte – MG.1959 – XIV Salão Municipal de Belo Horizonte – MG. 1o Prêmio Escultura.

agradecimentos

A todos que colaboraram na pesquisa, produção e rea-

lização da mostra. Aos colecionadores e instituições que cederam

obras de seus acervos, nossa gratidão.

Adoniran Niz, Amaury Menezes, Ambrosina Costa,

André Barcellos, Antonio da Mata, Bené Fonteles, Carlos Sena,

Ciça Fittipaldi, Cléa Costa, Dilamar Cândida Martins, Edna Goya,

Elenita Ferreira, Erik Gouvêa, Fernando Costa Filho, GRS Home

Center, Irene Tourinho, Leonam Fleury, Luiza Parreira Thomnen,

Mairone Barbosa, Marcela Morela, Marcos Lobo, Maria Pádua,

Mônica Carvalho, Nair Câmara, Nei Clara de Lima, Paulo Rezende,

Raimundo Martins, Rejane Ribeiro, Siron Franco, Stela Horta,

Venerando Ribeiro de Campos, Violeta Carrara, Virginia Goulart.

MAC – Museu de Arte Contemporânea de Goiás.

MAG – Museu de Arte de Goiânia.

MIS – Museu da Imagem e Som - Goiânia.

Laboratório de Arqueologia do Museu Antropológico - UFG.

créditos

Curadoria

Prof.ª Selma Parreira

Assistente de Curadoria

Prof.º José Cesar Clímaco

Secretaria Administrativa

Rejane Ribeiro

Design Editorial e Gráfico

Ciça Fittipaldi

Fotografia

Paulo Rezende

Assistente de Fotografia

Mirela Aquino

Revisão

Edna Lúcia Rodrigues

Montagem

Adoniran Niz

Liosmar Martins

Yves Amui

Monitoria

Marília Toledo

Natália Lopes

Estagiários

Mirela Aquino

Pedro Henrique Mitsui

Voluntários

Érika Ramos

Ricardo Padilha

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Este catálogo foi composto nas fontes Bodoni Bk Bt Book e Calibri Regular e impresso em papel couché matte, 150 gr, pelo CEGRAF - Centro Editorial e Gráfico da Universidade Federal de Goiás, em junho de 2009.

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Na pintura / caixa,germinam os sonhos.

Na caixa, a pintura acolhe a natureza,guarda o tempo e os segredos.

Selma Parreiracuradora