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TEMAS E TEIAS DA DOCÊNCIA: FORMAÇÃO E SABERES NA LICENCIATURA E NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL O tema articulador dos trabalhos desse painel está centrado na formação docente, especialmente explicitando os processos formativos que contribuem para a construção de saberes envolvidos na constituição da docência: a formação inicial, o estágio curricular e a prática docente. Os trabalhos foram produzidos no estado do Rio Grande do Sul em dois Institutos Federais (IF) e uma Universidade Federal (UF). Assim, destacam-se três temas: o primeiro discute a formação e profissão docente no âmbito da educação profissional e tecnológica na modalidade de educação a distância, bem como das práticas pedagógicas e conhecimentos que destas decorrem. O método de investigação foi o fenomenológico, que estruturou-se por meio das análises ideográfica e nomotética oriundas das falas de gestores, professores e tutores da Rede E-Tec Brasil. Articulada a essa discussão o segundo tema enfoca o conhecimento pedagógico do conteúdo, categoria considerada por Shulman (2005) como um dos saberes base para o ensino, analisando como ele se configura na docência da educação profissional. Os dados empíricos foram coletados por meio de entrevistas realizadas com egressos de um Curso de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Básica e Profissional de um IF. O terceiro tema propõe a reflexão acerca da construção de saberes na, para e sobre a docência no âmbito dos estágios supervisionados na licenciatura em Geografia. Traz para o debate as contribuições do estudo realizado com egressos da licenciatura de uma UF, portando como horizonte a reflexão sobre a prática formativa, suas articulações com a educação básica e com o contexto político-pedagógico. Tendo por horizontes tais temáticas os resultados dos trabalhos apontam que a formação de professores ocorre no entrelaçamento de saberes sobre a docência, cuja gênese é a formação inicial, na docência, resultante da experiência e para a docência, que ocorre por meio da reflexão cotidiana sobre o seu fazer profissional. Palavras-chave: Formação de Professores. Saberes Docentes. Educação Profissional. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 4281 ISSN 2177-336X

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TEMAS E TEIAS DA DOCÊNCIA: FORMAÇÃO E SABERES NA

LICENCIATURA E NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

O tema articulador dos trabalhos desse painel está centrado na formação docente,

especialmente explicitando os processos formativos que contribuem para a construção

de saberes envolvidos na constituição da docência: a formação inicial, o estágio

curricular e a prática docente. Os trabalhos foram produzidos no estado do Rio Grande

do Sul em dois Institutos Federais (IF) e uma Universidade Federal (UF). Assim,

destacam-se três temas: o primeiro discute a formação e profissão docente no âmbito da

educação profissional e tecnológica na modalidade de educação a distância, bem como

das práticas pedagógicas e conhecimentos que destas decorrem. O método de

investigação foi o fenomenológico, que estruturou-se por meio das análises ideográfica

e nomotética oriundas das falas de gestores, professores e tutores da Rede E-Tec Brasil.

Articulada a essa discussão o segundo tema enfoca o conhecimento pedagógico do

conteúdo, categoria considerada por Shulman (2005) como um dos saberes base para o

ensino, analisando como ele se configura na docência da educação profissional. Os

dados empíricos foram coletados por meio de entrevistas realizadas com egressos de um

Curso de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Básica e Profissional de

um IF. O terceiro tema propõe a reflexão acerca da construção de saberes na, para e

sobre a docência no âmbito dos estágios supervisionados na licenciatura em Geografia.

Traz para o debate as contribuições do estudo realizado com egressos da licenciatura de

uma UF, portando como horizonte a reflexão sobre a prática formativa, suas

articulações com a educação básica e com o contexto político-pedagógico. Tendo por horizontes tais temáticas os resultados dos trabalhos apontam que a formação de professores

ocorre no entrelaçamento de saberes sobre a docência, cuja gênese é a formação inicial, na

docência, resultante da experiência e para a docência, que ocorre por meio da reflexão

cotidiana sobre o seu fazer profissional.

Palavras-chave: Formação de Professores. Saberes Docentes. Educação Profissional.

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SABERES E DOCÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: ESTÁGIO

SUPERVISONADO E ENSINO DE GEOGRAFIA

Robson Olivino Paim1

Ana Maria de Oliveira Pereira2

Resumo: Partindo da constatação de que existem poucas produções acadêmicas no

Brasil acerca das especificidades da formação do professor de Geografia e sobre a

necessária relação entre Geografia, Pedagogia e Didática para pensar o ensino e a

formação dos professores desta área, o trabalho objetiva contribuir nas discussões

acerca da formação inicial de professores de Geografia no âmbito dos estágios

supervisionados e a construção-mobilização de saberes sobre, na e para a docência.

Utilizando-se de narrativas de estudantes egressos do curso de Licenciatura em

Geografia da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim-RS, apresentam-

se como principais categorias de resultados: no que concerne aos saberes sobre

docência – que e as experiências de estágio supervisionado permitem (re)elaborar

conhecimentos no âmbito didático-pedagógico da Geografia Escolar e sobre a educação

no âmbito teórico-prático; metodologias de ensino, estratégias e recursos didáticos para

a Educação Geográfica, juntamente com o entendimento da organização e dinâmica dos

processos educativos conformam a categoria de saberes construídos na docência,

enquanto os elementos da comunicação didática constituem a categoria analítica mais

presente no que se refere aos saberes para a docência.

Palavras-chave: Estágio supervisionado. Ensino de Geografia. Saberes docente.

Formação inicial de professores.

1. APRESENTAÇÃO

A formação de professores e a importância social da ação docente têm merecido

destaque na contemporaneidade, tanto do ponto de vista dos discursos sociais, quanto

no contexto das políticas públicas educacionais e dos debates acadêmicos. Mesmo com

sucessivas mudanças vislumbradas nas políticas e práticas de formação docente, ainda

encontramo-nos frente a um quadro insatisfatório no que concerne à ação e formação

docente. Saviani (2013) atribui essa insatisfação como resultante de cinco dilemas que

1Doutorando em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre em Geografia. Professor

da Universidade Federal da Fronteira Sul na área de ensino de Geografia. [email protected] 2Doutoranda no PPg Diversidade Cultural e Inclusão social da Universidade Feevale, Mestre em

Educação, professora da Universidade Federal da Fronteira Sul na área de ensino de Geografia.

[email protected]

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permeiam a história da formação de professores no Brasil: por um lado temos um

diagnóstico adequado da situação e, por outro, a incapacidade de encaminhar soluções

satisfatórias; os textos dos documentos e pareceres se mostram excessivos no acessório

e restritos no essencial; Centralidade da noção de “competências” versus incapacidade

de superar a incompetência formativa; a formação do professor técnico versus o

professor culto; Dicotomia entre os dois modelos básicos de formação de professores

(modelo cultural-cognitivo e modelo pedagógico-didático).

A formação profissional para o exercício da docência em Geografia não está

imune a estas tendências. Aliem-se a isto as diferentes correntes teórico-metodológicas

da Geografia enquanto ciência de referência para a Geografia Escolar e os objetivos

sociopolíticos que estas atribuem ao conhecimento geográfico e percebemos o quão

complexas se tornam as atividades de ensinar Geografia e, mais que isso, de formar

professores para esta tarefa. Porém, tal como expresso por Callai (2013, p. 115), “pensar

e teorizar a própria prática” também constitui-se num movimento de formação, ao qual

Paim (2006) denominou como um dos momentos do „fazer-se professor‟, evidenciando

a historicidade da prática docente de cada um.

Entender o professor como sujeito do seu processo de formação implica em

considerar o papel formativo do trabalho na docência e dos saberes que são

mobilizados, construídos e (re)contextualizados para a efetivação do ensino e da

aprendizagem, os quais, segundo Tardif e Raymond (2000, p. 212), são provenientes de

fontes diversas: “formação inicial e contínua dos professores, currículo e socialização

escolar, conhecimento das disciplinas a serem ensinadas, experiência na profissão,

cultura pessoal e profissional, aprendizagem com os pares etc.,” tendo na experiência

profissional a fonte primária do saber ensinar. Neste sentido, ao tratar dos saberes

mobilizados pelos educadores é preciso considerar que o “saber profissional está, de

certo modo, na confluência de várias fontes de saberes provenientes da história de vida

individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educativos, dos

lugares de formação etc.”(TARDIF; RAYMOND, 2000.p.215). São as referências

espaço-temporais da vida e do trabalho do professor as fontes de validação e

legitimidade dos encaminhamentos didático-pedagógicos que empreenderá.

Com o intuito de conhecer os anseios, expectativas, desconfortos e também

ouvir as considerações dos formandos em Geografia da primeira turma do curso da uma

instituição pública do sul do Brasil, optou-se por realizar esta pesquisa sobre o estágio

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supervisionado e os saberes nele mobilizados, a partir das narrativas de egressos do

curso. O eixo da análise é o estágio supervisionado como um dos processos da formação

inicial para a construção da profissionalidade no contexto da formação docente e dos

saberes produzidos sobre, na e para a docência.

2. ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A CONSTRUÇÃO DA DOCÊNCIA

O estágio supervisionado não deve ser tomado isoladamente do processo

formativo que o precede: as atividades formativas para o exercício da docência tem

como objetivo promover a inserção dos licenciandos em atividades integração dos

conhecimentos da Geografia, da Pedagogia e da Didática, no processo formativo, a fim

de que produzam saberes sobre, na e para a docência.

A produção de saberes sobre a docência dinamiza-se desde e a partir dos estudos

epistemológicos, didáticos e pedagógicos da Geografia enquanto ciência de referência

para a disciplina escolar, fundamentando professores em formação para a compreensão

científica do seu temário. Aliando-se a isso os conhecimentos das Ciências da

Educação, basilares ao entendimento dos processos de desenvolvimento e aprendizagem

e da organização dos processos educativos. Entender que a formação docente deve

acontecer também na docência implica pensar atividades didático-pedagógicas que

levem à reflexão acerca dos comportamentos do professor, do aluno e da comunicação-

didática, propiciados por vivências didático-pedagógicas na Educação Básica. Por seu

turno, a formação para a docência implica a constituição pessoal de saberes construídos

na interseção entres os saberes sobre docência e aqueles produzidos na docência,

confrontando-os, na perspectiva da sua reelaboração.

A perspectiva defendida aproxima-se do proposto por Pimenta (1999), que

categoriza os saberes interdependentes e complementares: os saberes da experiência, os

saberes do conhecimento e os saberes pedagógicos. Neste sentido, para além da

perspectiva defendida por Buriolla (2001, p. 13), para quem o estágio supervisionado “é

tido como um campo de treinamento, um espaço de aprendizagem do fazer concreto”,

sustentamos que o estágio constitui-se num momento prático-reflexivo, subsidiado por

referenciais teóricos, metodológicos e conceituais basilares à ação didático-pedagógica.

Aos cursos de formação docente compete, na perspectiva defendida, criar

mecanismos e momentos de aproximação dos licenciandos à realidade escolar,

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possibilitando análises que contribuam para a construção da docência na articulação

universidade-escola, tendo em vista que o estágio é o lócus onde a identidade docente

começa a ser gerada ou reelaborada (BURIOLLA, 2001). Na mesma linha de

pensamento, Garcia (1992, p. 74), advoga que o estágio supervisionado é “a iniciação

profissional dos professores. É uma das fases do aprender a ensinar” e, portanto, faz-se

necessário que os saberes do conhecimento (das ciências da educação e, em nosso caso,

também da Geografia) construídos ao longo da formação para a docência passem pelo

processo de recontextualização para a prática profissional, servindo de parâmetro para a

reorganização e reestruturação dos seus saberes. Neste preâmbulo, o estágio não deve

ser “uma prática imitativa do existente” (PIMENTA, 1994, p.32), mas uma prática que

permita inovar nos diversos aspectos da atividade docente a partir da reflexão na, para e

sobre a docência.

Considerando que a maior parte do processo de (trans)formação do professor

ocorre na docência (re)formulando constantemente seus saberes, é necessário

compreender como, na formação inicial, vão sendo gestados os elementos constituintes

da profissionalidade do professor. Para as instituições formadoras, conhecer tais

elementos permite organizar os processos formativos (no âmbito do ensino, da pesquisa

e da extensão) em diálogo direto com a educação básica, superando a dicotomia entre a

pesquisa educacional e o mundo da escola, buscando elementos para a formação de

novos professores no contexto e na vida concreta da escola.

3. SER ESTAGIÁRIO, VIR-A-SER PROFESSOR: A CONSTITUIÇÃO DE

SABERES DOCENTES

Atentando para o caráter histórico-social da educação, importa considerar que

seus objetivos e condicionantes estão em movimento, processo no qual também estão

inseridas a formação do professor, as políticas para a docência e a produção de

conhecimentos sobre a docência e na docência. Nesta esteira de pensamento, Tardif e

Raymond (2000) trabalham na perspectiva de que há estreita vinculação entre saberes,

tempo e aprendizagem da docência e os saberes produzidos na prática cotidiana servem

para dar sentido às situações de trabalho. Segundo Pimenta (1997), é na leitura crítica da

profissão que devemos buscar os referenciais para modificá-la, tomando a prática

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pedagógica e escolar como ponto de partida e de chegada da formação docente e,

portantoos saberes do professor, são construídos por uma temporalidade que os

estrutura e que “a memorização de experiências educativas marcantes para a construção

do eu profissional constitui o meio privilegiado.” (TARDIFF; RAYMOND, 2000, p.

216. Grifo do autor).

Diante da contribuição da prática da docência na formação dos licenciandos e da

importância dada aos saberes que dela emanam para a formação dos sujeitos, colocamo-

nos a dialogar sobre os saberes mobilizados e (re)construídos pelos egressos da primeira

turma da Licenciatura em Geografia de uma universidade pública do sul do País,

quando da realização do estágio. As reflexões que seguem são oriundas desta análise,

categorizando os resultados em saberes sobre/para docência, saberes construídos na

docência e inquietudes produzidas desde as reflexões engendradas a partir das práticas

de ensino.

Analisar as representações emanadas das falas implica em considerar que o

estágio supervisionado representa, para muitos deles, um período de transição da

condição de estudante para professor, embora as atividades nele desenvolvidas façam

parte do rol de atribuições didático-pedagógicas planejadas para sua formação enquanto

estudante que se prepara para a profissão. Esteve (1999), também considerando este

momento como uma fase de transição, chama-nos a atenção para o “choque de

realidade”, o qual é considerado por Paim (2006), com base nos escritos de Garcia

(1992) e Bollough Jr. (2000), como espaço tempo de tensões e aprendizagens

intensivas, de equilíbrio entre o pessoal e o profissional, numa lógica de ensaio e erro.

Confirmando a tese da transição e da necessidade de manter um equilíbrio entre

o aspecto pessoal e a construção da profissionalidade docente, a Entrevistada 1 assevera

que a maior dificuldade foi no nível pessoal: “a minha dificuldade foi, em primeiro

lugar, porque eu terminei a graduação achando que eu não gostava de Geografia, que

eu não estava no lugar certo. Então, eu acho que com isso eu acabei me limitando

bastante.” No decorrer de sua fala, porém, traz elementos que permitem perceber que

os processos de ensaio-erro também se fizeram presentes na sua formação e durante o

estágio supervisionado: “Em relação ao conteúdo e preparação da aula eu tive um

pouco de dificuldade, embora o Pibid nesse sentido fez uma grande diferença pra gente

elaborar a aula e procurar fazer aulas diferentes, com outras metodologias de ensino.

Eu tive dificuldade nessa coisa de diminuir os conteúdos, de selecionar e ver se era

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aquilo mesmo que eu precisava dar para eles naquela aula, ver se eu não estava

aumentando demais, diminuindo demais. [...] Eu gostei do estágio. Depois que passou

aquela fase assim, aí tu olha para trás e pode dizer „bah, isso eu trabalhei assim, isso

eu acho que não foi legal!‟ Tu analisa [sic] o retorno que os alunos te dão. Eu acho que

aí tu podes sentar e começar a pensar e refletir sobre o que tu fez de ruim, o que pode

melhorar...” Na fala da entrevistada ficam implícitos dois elementos fundamentais

sobre e para a docência: a importância do planejamento e da reflexão sobre os

resultados de sua execução e do processo de didatização dos conteúdos curriculares,

elementos que consideramos faces de um mesmo processo.

Evidencia-se a premissa de que a abordagem dos conhecimentos, no modo como

ocorre na formação acadêmica dos professores precisa ser reorientada para as práticas

docentes no contexto escolar: diminuir conteúdos? Até onde posso ir? Selecionar e ver

se era aquilo mesmo que eu tinha que trabalhar naquela aula. Não estou aprofundando

demais? Não estou abordando de maneira superficial?

Tal como presente nesses excertos, Costella (2011), evidenciou que o problema

dos estágios supervisionados não está no domínio do conteúdo a ser trabalhado, mas no

domínio das formas de abordagem do planejamento do ensino. O „até onde

ir/aprofundar‟ o conteúdo deve considerar que a aula não se dá em função do conceito,

mas que os conceitos devem ser trabalhados em função daquilo que temos como

objetivo para a aprendizagem na aula. Assim, “a compreensão das aplicabilidades e a

condição das análises e relações deverão permear o cotidiano das aulas” (COSTELLA,

2011. p.181).

Os entrevistados são enfáticos ao elogiar a formação acadêmica que lhes foi

propiciada pelo curso no que tange aos conhecimentos disciplinares da Geografia,

salientando a importância dos trabalhos de campo para a compreensão dos conceitos

geográficos e o entendimento dos processos que dizem respeito aos conhecimentos

desta área. Porém, demonstram a necessidade de maior integração destes com

conhecimentos e práticas voltados para a formação em licenciatura: “A base teórica foi

muito boa no curso como um todo. A parte da Didática e das disciplinas de ensino nos

deram condições de pensar a formação mais voltada para dar aula. Nas outras

disciplinas, por exemplo, a gente não teve um direcionamento para dar aula. Tivemos

direcionamento para fazer pesquisa (ENTREVISTADA 1)”.

Na percepção do Entrevistado 3, é necessário contato com as disciplinas

pedagógicas nas fases iniciais do curso. Evidencia tal necessidade alegando que “essa

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parte mais conceitual a gente não consegue transpor ela por si só para a sala de aula.

Tem que aprender mais esta parte de transposição para a escola. Nós fomos ter o

primeiro contato com a ideia de que íamos ser professores com a professora de

Didática Geral, na quarta fase do curso. [...] Eu acho que teria que ser focado mais no

começo do curso. Isso é coisa para trabalhar durante todo o curso, se não chega no

final do curso e tu vai tirar que dúvida? No estágio já vai estar na hora de tu estar

fazendo, não de estar tirando as dúvidas”.

A Entrevistada 2, contribui neste sentido afirmando: “É que na verdade assim:

não adianta a gente ter quinhentas disciplinas pedagógicas e quinhentas disciplinas

específicas se não tem a junção delas.” Tal afirmação vai ao encontro da proposição

de Callai (2011), para quem na formação dos docentes para a educação básica é preciso

olhar para o professor de modo integrado: ver o que ensina e o que sabe sobre o que

deve ensinar.

Na mesma direção, Costella (2013, p. 68), assegura que não é suficiente o

professor mostrar ao aluno o que aprendeu na sua formação, o produto final do

aprendizado. Na perspectiva da autora, “para realmente ensinar é necessário

compreender como o aluno é capaz de articular seu pensamento para aprender, é

necessário ter a preocupação constante em aproximar a Geografia com o ato de

aprender”. Repensar “o que se ensina,” “o porquê se ensina” e o “como ensinar” são

movimentos que devem permear a formação inicial do professor como exercício de

reflexão acerca dos processos educativos que empreende. No entanto, na construção da

profissionalidade docente, este movimento deve ser contínuo, como infere a

Entrevistada 1: “[...] tu vai se fazendo professor todos os dias. Ninguém nasce pronto e

a gente não sai da graduação sendo professora. Tu sai com a titulação. Agora tu ser

professor, tu transformar tua aula, transformar o ensino e transformar tua prática, eu

acho que isso tu vai fazendo todos os dias da tua vida enquanto tu for professora”.

A docência é entendida, nesta afirmativa, em seu caráter dialético: na dinâmica

da escola, da sala de aula e das relações que são estabelecidas (nas diversas acepções

que a educação escolar pode suportar). O professor se constrói enquanto sujeito

epistêmico, cujas ações são prenhes de possibilidades de renovação ou resistências. No

entanto, ao considerar uma dialética da construção da profissionalidade docente, é

necessário também avançar na compreensão dialética dos processos geográficos.

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Nesta direção, quando se trata do Ensino de Geografia na Escola, há intrínseco a

ele o papel de mostrar como os conhecimentos geográficos estão presentes no cotidiano

do estudante. À Geografia cabe instigar os alunos para que “questionem aquilo que é

colocado como verdade absoluta, para que não corram o risco de ficarem alienados.

Mostrar para que a Geografia serve.”(ENTREVISTADA 2).

Evidenciamos, na fala apresentada, a necessidade de superar o ensino de

Geografia pautado na transmissão de conteúdos programáticos, fundamentados na

lógica que tem na rigorosidade, reprodução, linearidade, funcionalidade, mecanicismo e

neutralidade seus princípios fundamentais, para outra mais condizente com o atual

momento da vida em sociedade, na qual os conhecimentos necessários à Educação

Geográfica pautam-se na relatividade, flexibilidade, originalidade, abertura,

complexidade e dialética (RIVERA, 2012). Nestas condições, o ensino de Geografia

deve ser uma “atitude política que confronte as dificuldades sociais e assegure

raciocínios viáveis e confiáveis em direção à compreensão mais humana do mundo”

(RIVERA, 2012, p.42), pois quando o ensino mostra-se inútil ao estudante “produz-se

uma leitura que pode conter uma visão ingênua do mundo”(KAERCHER, 2003,p. 179).

Neste sentido, ao ser inquirido sobre as características fundamentais para

o professor que queira construir pensamento autônomo juntos aos seus alunos, levando-

os à reflexão crítica acerca da realidade – nas diferentes escalas e interações escalares -,

o Entrevistado 3 enfatiza que “sobretudo, o professor precisa ser um cara provocador

de novas ideias e que escute seus alunos. Que não vá tolher as suas iniciativas de

participação em aula. Que tente construir através de diálogos e leituras, um grupo

onde as pessoas possam expressar o que elas sentem sem ter aquele negócio pré-

concebido do que está certo ou está errado. A aula deve ser uma construção coletiva e

a partir disso tentar construir um conhecimento do que vem a ser os diferentes

conteúdos da Geografia.”

Da afirmativa do Entrevistado podemos inferir características da abordagem da

didática nominada por Martins (2008), como sistematização coletiva do conhecimento,

a qual tem como principais características a não-prescritividade do conhecimento

didático, a pesquisa como característica intrínseca ao ensino, horizontalização das

relações didáticas tornando-as coletivas e solidárias e a superação da perspectiva linear

de causa-efeito para um pensamento de causalidade complexa na compreensão dos

fenômenos. Esta leitura traz uma série de contribuições para o ensino da Geografia e a

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construção do pensamento autônomo dos estudantes e do professor. Ao superar o

prescritivismo, típico da concepção verticalizada de ensino e aprendizagem, criam-se as

condições necessárias para a participação do estudante e a (re)construção dos

posicionamentos metodológicos do professor, frente a um ensino mais próximo à

“forma geográfica de pensar, que seja mais ampla e complexa e que contribua para a

formação de sujeitos, para que estes apresentem aprendizagens significativas,

compreendendo os conceitos específicos com que a Geografia trabalha” (CALLAI,

2013, p.40).

No entanto tal abordagem também gera inquietudes relativas ao próprio processo

de formação do professor em relação aos saberes experienciais, pedagógicos e do

conhecimento (PIMENTA, 1999): em que medida sou capaz, a partir destes saberes, de

empreender práticas de ensino nos moldes propostos pela perspectiva da sistematização

coletiva do conhecimento? A estrutura organizacional e pedagógica da escola está

pronta para receber professores que encaminhem práticas pedagógicas neste sentido? A

horizontalização da comunicação didática (PÓRLAN; MARTIN, 1997) é exequível

quando consideradas as características do alunado hodierno?

Outra questão que inquieta os egressos tem ligação com à mediação pedagógica

na prática docente: Como proceder à mediação dos conhecimentos empíricos dos alunos

com os conhecimentos da Geografia? Como ensinar Geografia num contexto em que

boa parte dos estudantes não está disposta à escolarização tal qual ela se apresenta

atualmente? Santos (2004, p. 20), nos dá elementos para pensarmos a Geografia e seu

papel disciplinar neste contexto de inquietudes: “Uma disciplina é uma parcela

autônoma, mas não independente, do saber geral. É assim que se transcendem as

realidades truncadas, as verdades parciais, mesmo sem a ambição de filosofar ou

teorizar”.

Infere-se daí a necessidade de romper com a ideia de que os saberes da

Geografia Escolar são estáticos e distantes da realidade do aluno, do seu mundo de

vivência. Para tanto, ao processo de formação de professores para a educação básica

cabe redimensionar práticas tendo como horizonte a concepção de que “não basta

instruir para aprender, mas é preciso realizar a construção do conhecimento de maneira

que cause estranheza, que conduza o aprendente a desafiar e questionar os conceitos

ditos como acabados, que provoque a tensão no ato de educar” (HAMMES; FORSTER;

CHAIGAR, 2011, p. 133. Grifo das autoras).

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A preocupação do professor-estagiário em saber se seus alunos estão aprendendo

os conteúdos focados em seu planejamento deve ser antecedida por outro desassossego

referente à mobilização do estudante da educação básica para a aprendizagem a qual

está se propondo a trabalhar na aula. Substituir o „dar aula‟ pela construção coletiva da

aula. Esta inquietude remete-nos a uma passagem de Kaercher (2012, p.148), para quem

o conhecimento geográfico produzido na escola não pode “ser feito peruca, bate um

vento e leva,” mas ser elaborado desde uma abordagem que deixe para trás a pressa em

vencer conteúdos. Coloca-se, neste sentido, um desafio para os professores da educação

básica e, de modo ainda mais imperativo, para os professores e instituições formadores

de professores: repensar o currículo, aproximá-lo da vivência dos estudantes de modo

relacional e inter-escalar.

Para tanto, é preciso mobilizar os saberes produzidos na prática escolar e aqueles

saberes e problematizações advindos das práticas cotidianas dos sujeitos em

escolarização. É neste contexto que acreditamos que a ação docente não deve estar

encerrada no contexto do microterritório da sala de aula, mas na interação aula-escola-

lugar-mundo, pois conforme infere o Entrevistado 3, “São muitos elementos que você

precisa ter articulados para conseguir minimamente dar uma boa aula. É um processo

que envolve muitas coisas, desde a formação dos professores, do currículo, da política

pública... É difícil pensar a escola pela escola, a aula pela aula.”

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os movimentos efetuados na constituição do estudo em tela permitiram

contextualizações e reflexões acerca da formação inicial de docentes para a educação

básica no contexto do estágio supervisionado da licenciatura em Geografia.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, buscou-se trazer à luz dos debates os

saberes docentes mobilizados na formação inicial e nos estágios supervisionados, bem

como as lacunas existentes no processo formativo dos sujeitos partícipes do estudo, no

que tange aos saberes constituídos sobre, na e para a docência em Geografia, bem

como as tensões e avanços que demarcam territórios no contexto pesquisado.

Uma vez explicitado o contexto investigativo acerca da temática, partiu-se para

as manifestações do fenômeno no campo empírico em estudo. Como primeira

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constatação advinda dos pesquisados e, em consonância com o referencial bibliográfico

consultado, tem-se o peso das interferências externas à universidade e à escola sobre os

processos formativos, tais como das políticas públicas e das relações sociais que atuam

sobre os sujeitos em formação inicial e em processos de escolarização.

A necessidade de superação das dicotomias existentes entre “a Geografia dos

geógrafos” e a “Geografia dos professores” é outro elemento que ganha força na

argumentação dos pesquisados, uma vez que dificulta estabelecer relações entre

conteúdo e forma no processo de didatização. Ou seja, nas disciplinas ditas “de

conteúdo”, embora haja a determinação das práticas pedagógicas como componentes

curriculares obrigatórios, o tratamento didático e a reflexão sobre o ensinar tais

conhecimentos não acontecem ou, ainda, não tomam a prática escolar como referência.

Não basta ter conhecimentos sobre Geografia para ensinar Geografia na escola.

Uma sólida formação em conhecimentos geográficos é condição essencial para a

educação geográfica, mas “[...] há que se pesquisar sobre o ensino, o que pode

aprender” (CALLAI, 2011, p. 30), considerando que os saberes dos professores da

educação básica não são estáticos, os processos de formação inicial para a docência, em

contexto amplo e também no seio dos estágios curriculares supervisionados necessita

considerar a estrutura organizacional e pedagógica da escola e da sala de aula, tratando

os saberes necessários ao trabalho do professor do ponto de vista do conteúdo a ser

ministrado, mas também aqueles que dizem respeita à educação básica em sua

totalidade e movimento, o que as pesquisas apontam sobre suas dinâmicas, bem como

subsidiar os estudantes para ação prática e reflexiva no contexto da educação básica.

REFERÊNCIAS

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15

OS SABERES DOCENTES DOS PROFESSORES DA REDE E-TEC BRASIL

Roberta Pasqualli – IFSC/UFRGS

Resumo: Este texto pretende contribuir para as discussões sobre a formação e profissão docente

no âmbito da educação profissional e tecnológica na modalidade de educação a distância, bem

como das práticas pedagógicas e conhecimentos que destas decorrem. Inicialmente, destacam-se

aspectos da configuração da educação profissional e tecnológica a distância no Brasil. Na

sequência, estabelecem-se contornos epistemológicos acerca dos saberes docentes para a

educação profissional e tecnológica a distância; e, mais adiante apresentam-se os resultados

apontados pela pesquisa realizada. O método de investigação, fenomenológico, estruturou-se

por meio das análises ideográfica e nomotética oriundas das falas de gestores, professores e

tutores da Rede E-Tec Brasil no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Farroupilha, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Observou-se que as pesquisas referentes

aos processos de constituição dos saberes docentes na educação profissional e

tecnológica na modalidade de educação a distância são alvos de tímidos estudos no

âmbito das Ciências da Educação. Os poucos estudos existentes, apresentam as

fragilidades da modalidade de educação a distância frente aos desafios da formação para

a educação profissional e tecnológica e indicam que as práticas docentes, em suas

diferentes singularidades, demandam novos olhares, fruto das particularidades dos

conhecimentos profissionais que demarcam este nível de formação. Apresenta-se, como

saberes fundamentais a atividade docente na educação profissional e tecnológica a

distância, os saberes da profissionalização docente e, entre eles, destacam-se os saberes

dos contextos dos estudantes, os saberes da linguagem, os saberes da utilização dos

aparatos tecnológicos, os saberes da generosidade, os saberes do mundo do trabalho e,

os saberes da formação humana não utilitarista.

Palavras-Chave: Educação Profissional; Educação a Distância; Saberes Docentes.

1. PARA COMEÇAR

Este texto apresenta uma discussão sobre a problemática dos saberes docentes

mobilizados pelos professores dos cursos de educação profissional e tecnológica, ofertados na

modalidade de educação a distância (EAD), pela Rede E-Tec Brasil, no Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – IFFarroupilha.

Como premissa, compreende-se que a investigação acerca dos saberes docentes

necessários aos professores dos cursos de educação profissional e tecnológica a distância,

significa um avanço para as discussões, até então pouco evidenciadas nas pesquisas em

educação brasileira. Significa também, reafirmar a necessidade de que se discutam ações de

capacitação específica para cada nível e modalidade de ensino nos cursos de profissionalização

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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docente. Significa, no espaço de contradições que são os IFs, observar que a prática docente

não é apenas um objeto de saber para 'os da educação'. Significa que “o que um

professor sabe depende também daquilo que ele não sabe, daquilo que se supõe que ele

não saiba, daquilo que os outros sabem em seu lugar e em seu nome, dos saberes que os

outros lhe opõem ou lhe atribuem”. (TARDIF, 2002, p. 13).

Como lócus para a realização da pesquisa, escolheram-se os Institutos Federais

de Educação, Ciência e Tecnologia – IFs, que são “instituições de educação superior,

básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de

educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na

conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas

pedagógicas” (BRASIL, 2008).

Os IFs são conhecidos por atuar em todos os níveis e modalidades de educação

profissional, tendo como foco a oferta de uma estrutura verticalizada de formação

humana e profissional, não desejando ser apenas um amontoado de cursos sem ligações

entre si. Destaca-se, em suas ações, a promoção da justiça social, da equidade e do

desenvolvimento sustentável, com vistas a soluções técnicas e geração de novas

tecnologias, respondendo às demandas a eles apresentados de forma ágil e eficaz,

enfatizando a formação profissional, a difusão de conhecimentos científicos e o suporte

aos arranjos produtivos locais.

A Lei nº 11892/2008, em seu Art. 7º destaca que os IFs devem oferecer cursos

de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, preferencialmente integrados ao

Ensino Médio; cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores (FIC), cursos

de Licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, Bacharelados,

Engenharias e Graduações Tecnológicas, podendo ainda ofertar cursos de

Especialização Lato e Stricto Sensu, sempre com o olhar para educação profissional e

tecnológica.

Objetivando a discussão acerca dos saberes docentes mobilizados pelos

professores dos cursos de educação profissional e tecnológica, ofertados na modalidade

de EAD, pela Rede E-Tec Brasil, destaca-se o Art. 7º, incisos I, II e VI, da lei

supracitada, pois afirmam ser finalidades e características dos IFs: “ministrar educação

profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para

os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4296ISSN 2177-336X

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adultos”; “ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores,

objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de

profissionais, em todos os níveis de escolaridade, nas áreas da educação profissional e

tecnológica” e “ministrar em nível de educação superior [...].”BRASIL (2008).

Nesta direção, também cabe um breve olhar sobre a orientação pedagógica dos

IFs, apontada por Pacheco (2010), como a possibilidade de

[…] recusar o conhecimento exclusivamente enciclopédico, assentando-se no

pensamento analítico, buscando uma formação profissional mais abrangente e

flexível, com menos ênfase na formação para ofícios e mais na compreensão

do mundo do trabalho e em uma participação qualitativamente superior neste.

Um profissionalizar-se mais amplo, que abra infinitas possibilidades de

reinventar-se no mundo e para o mundo, princípios estes válidos inclusive

para as engenharias e licenciaturas. (PACHECO, 2010, p. 14).

Para dar conta das demandas oriundas de seus objetivos, finalidades e de sua

orientação pedagógicas, os IFs vem oferecendo, por meio da Rede E-Tec Brasil, cursos

de formação profissional, inicial e continuada, na modalidade de EAD.

O decreto nº 7589/2011 afirma que a Rede E-Tec Brasil é uma das ações que

integram o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC)

e tem como finalidade oferecer, na modalidade de educação a distância, por meio da

proposta de verticalização de ensino apresentada pela Rede de Educação Profissional e

Tecnológica (EPT) cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, cursos de

ensino técnico nas modalidades integrado ao ensino médio, concomitante e subsequente

ao ensino médio, cursos superiores de tecnologia e cursos de pós-graduação lato e

stricto sensu.

Acerca deste decreto dá-se destaque ao Art. 3º que, ao apresentar seus objetivos,

destaca, entre outros,

II – expandir e democratizar a oferta da educação profissional e tecnológica,

especialmente para o interior do País e para a periferia das áreas

metropolitanas; III – permitir a capacitação profissional inicial e continuada,

preferencialmente para os estudantes matriculados e para os egressos do

ensino médio, bem como para a educação de jovens e adultos; IV – contribuir

para o ingresso, permanência e conclusão do ensino médio por jovens e

adultos; V – permitir às instituições públicas de ensino o desenvolvimento de

projetos de pesquisa e de metodologias educacionais em educação a distância

na área de formação inicial e continuada de docentes para a educação

profissional e tecnológica. (BRASIL, 2011).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Sendo assim, observa-se a importância de que se elaborem projetos pedagógicos

de curso (PPC) voltados para a formação do homem e do profissional, e que estes

projetos se materializem por meio de práticas pedagógicas que auxiliem no desafio da

construção do conhecimento científico, assegurando sua aplicabilidade no mundo do

trabalho.

Entende-se que esta transformação não seja possível sem que haja uma ruptura

com os moldes da educação tradicional e, é neste sentido que Cunha (2005), apresenta a

ideia de que é necessário romper com o paradigma existente e que, esse rompimento,

deve transformar inquietude em energia emancipatória.

Com o olhar voltado à geração da energia emancipatória apontada por Cunha

(2005), discutem-se os saberes docentes fundamentais para o exercício da docência na

educação profissional e tecnológica a distância brasileira. Que saberes são estes? Eles se

diferem dos saberes empregados na educação presencial? São diferentes dos saberes

mobilizados na educação propedêutica ou na educação superior?

No âmbito da EAD, cabe a preocupação com sua qualidade, visto que a

modalidade, apesar de se apresentar como uma possibilidade de democratização do da

educação brasileira, ainda enfrenta preconceitos e busca encontrar um caminho que a

diferencie da educação presencial (novos saberes, novos fazeres).

É nesse contexto que este texto se inscreve: concebido como uma reflexão, uma revisão

e um processo de investigação articulado à realidade atual da educação brasileira. Partiu-se do

pressuposto de que a produção científica deve se caracterizar como um espaço que busca

qualificar a ação docente na educação profissional e tecnológica, especialmente para a formação

de professores na modalidade de EAD, situando-a como possibilidade de superação da educação

tradicional, presente em boa parte das aulas (e na própria EAD), criando, de fato, rupturas com o

fazer existente.

2. O CAMINHO METODOLÓGICO

Tendo como foco a interrogação “Que saberes docentes são mobilizados pelos

professores dos cursos de educação profissional e tecnológica, ofertados na

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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modalidade de EAD pela Rede E-Tec Brasil, nos Institutos Federais de Educação,

Ciência e Tecnologia?” este texto apresenta resultados de uma investigação que buscou

compreender o sentido dos saberes mobilizados pelos professores da educação

profissional e tecnológica e como tais saberes orientam as ações e tencionam o seu

trabalho.

O lócus da pesquisa foi o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

Farroupilha, localizado no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Até maio de 2015, o

IFFarroupilha ofertava 17 cursos técnicos na modalidade de EAD em 37 polos de EAD.

Os sujeitos investigados foram 11 gestores de EAD (G), 09 professores formadores (PF)

e 20 tutores (T). É importante destacar que alguns dos sujeitos investigados exerciam

mais de uma função no momento da pesquisa e que professores pesquisadores não

fizeram parte da amostra investigada.

Ao procurar possibilidades que abarcassem o desenvolvimento da pesquisa

realizada, optou-se pelas abordagens qualitativa e fenomenológica. Uma vez que a

primeira está relacionada “à capacidade de possibilitar a compreensão do significado e a

descrição densa dos fenômenos estudados em seu contexto e não a sua expressividade

numérica.” (GOLDENBERG, 1997, p. 50). Enquanto que a segunda “não traz consigo a

imposição de uma verdade teórica ou ideológica preestabelecida, mas trabalha com o

real vivido, buscando a compreensão disso que somos e que fazemos – cada um de nós

e todos em conjunto.” (BICUDO, 1999, p. 13).

A pesquisa foi realizada em dois momentos e constitui-se por meio da análise

ideográfica e nomotética dos dados. Buscou-se identificar, direta e indiretamente,

elementos que pudessem indicar os saberes docentes no contexto dos cursos de

educação profissional e tecnológica nos IFs. No que se refere à análise ideográfica, os

resultados foram produzidos a partir das falas de professores formadores, tutores e

gestores, dos cursos técnicos de nível médio em Informática, Vendas, Meio Ambiente,

Agroindústria, Manutenção e Suporte em Informática, Agricultura, Multimeios

Didáticos, Administração, Redes de Computadores e Secretariado, oferecidos por meio

da Rede E-Tec, no IFFarroupilha.

Os depoimentos foram individuais, sem a interferência de terceiros, baseados em

questionamentos previamente elaborados. Entretanto, elementos não existentes nos

questionamentos diretos foram apresentados sem que houvesse interferência do

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pesquisador. Foi o momento de se olhar as frestas, aquilo que se anuncia como saber

sem necessariamente perguntar. Na análise nomotética, as falas dos sujeitos foram

encaminhadas em direção às generalidades, ou seja, de características básicas

compreendidas nas formas de manifestação do fenômeno, passíveis de interpretação.

É esse movimento da pesquisa e seus desdobramentos analíticos que serão

explorados a seguir.

3. DO MÉTODO AOS RESULTADOS

Das falas dos sujeitos investigados tomadas, refletidas e esclarecidas, na

dimensão científica, foi possível seguir para uma síntese de compreensão do fenômeno

investigado, por meio das análises ideográfica e nomotética.

Na análise ideográfica, as falas dos sujeitos da pesquisa foram transcritas na

íntegra. Ao ouvir as falas durante a transcrição, pôde-se perceber as temáticas que

remetem à ideia central da pesquisa, e essas ideias centrais foram nomeadas como

episódios ideográficos. Ao todo, foram apontados cinco episódios ideográficos,

descritos a seguir: (a) saberes fundamentais para os professores que atuam nos cursos de

educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD; (b) saberes didático-

pedagógicos; (c) concepção de educação e trabalho interfere na prática docente; (d)

projeto pedagógico dos cursos de EAD; e (e) práticas inovadoras na EAD.

Esses cinco episódios ideográficos geraram 14 ideias nucleares: (a) formação

didático-pedagógica para o exercício da docência; (b) saberes atitudinais; (c) utilizar

linguagem adequada; (d) domínio das tecnologias da informação e da comunicação -

(TICs); (e) Conhecer a EAD; (f) fragilidades conceituais e técnicas; (g) dificuldade

com as TICs; (h) currículo desconhecido; protagonismo; (i) não há inovações; (j) a

ruptura, com a forma tradicional de ensinar e aprender; (l) generosidade; (m) formação

científica específica; (n) conhecer o estudante; e (o) EAD quebra paradigmas.

Na busca pela redução fenomenológica, na análise nomotética, as falas dos

sujeitos foram encaminhadas em direção às generalidades, ou seja, ao conteúdo de

características básicas compreendidas nas formas de manifestação do fenômeno,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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passíveis de interpretação. Desse trabalho analítico, as ideias nucleares, observadas a

partir das unidades significado que as constituíram, confluíram, cada uma a seu modo,

para a elaboração de duas categorias: saberes didático-pedagógicos e saberes técnico-

científicos. Em um segundo movimento de redução, essas duas categorias

transformaram-se em uma grande categoria aberta chamada saberes da

profissionalização docente. Os saberes da profissionalização docente são fruto de uma

formação inicial e continuada consciente, ética, crítica e pautada em uma trajetória que reflete

continuamente sobre o seu processo de formação, sobre o seu espaço de trabalho e sobre a

mundo que deseja para si e para os outros.

4. SABERES DA PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA A DISTÂNCIA

As pesquisas referentes aos processos de constituição dos saberes docentes na

educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD são alvos de tímidos

estudos no âmbito das Ciências da Educação. Os poucos estudos existente, apresentam

as fragilidades da modalidade de EAD frente aos desafios da formação para a educação

profissional e indicam que as práticas docentes, em suas diferentes singularidades,

demandam novos olhares, fruto das particularidades do conhecimento e das habilidades

profissionais que demarcam este nível de formação. (PASQUALLI, VIEIRA &

VIEIRA, 2015).

Peterossi (1994), reflete que, historicamente, a educação profissional esteve

desarticulada da formação regular e, com isso, as instituições de formação deste nível,

desenvolveram uma mentalidade claramente empresarial, incorporando em sua estrutura

e organização procedimentos eminentemente utilitários. Esta mentalidade utilitarista

existe desde os tempos mais remotos da colonização; os primeiros aprendizes de ofícios

foram os índios, seguidos pelos escravos, e “habituou-se o povo de nossa terra a ver

aquela forma de ensino como destinada somente a elementos das mais baixas categorias

sociais.” (FONSECA, 1961, p. 68).

Em 1909, Nilo Peçanha, então Presidente da República, criou a Rede Federal de

Educação Profissional e Tecnológica, destacando a necessidade de oferecer aos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4301ISSN 2177-336X

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desprovidos de recursos materiais algum preparo técnico e intelectual que lhes

permitisse garantir os meios de sobrevivência, assim como levá-los a “adquirir hábitos

de trabalho profícuo” que os afastassem “da ociosidade, escola do vício e do crime”

(BRASIL, 1909).

Com a redução da educação profissional ao 'saber-fazer', observa-se que até hoje

acredita-se que para ser professor de disciplinas ou áreas tecnológicas, mais vale o

conhecimento dos conteúdos que se vai lecionar que propriamente a formação

pedagógica (Macieira, 2009). Ainda, para Oliveira (2006), o professor de educação

profissional não é considerado um profissional da educação. Ele é um profissional de

uma área específica que também leciona. A autora aponta como obstáculo ao

reconhecimento da docência como profissão que:

[...] as áreas técnicas não contam com um corpo de estudos razoavelmente

denso que, tendo por objetivos a pesquisa da prática pedagógica dos seus

professores e da prática profissional, no mercado de trabalho, auxilie o

entendimento epistemológico do ensino nessas áreas e a pedagogização do

saber a elas correspondente. (OLIVEIRA, 2010, p. 470).

A mesma autora, segue refletindo sobre o fato de que, atualmente, no Brasil, não

existe um marco regulatório que dê conta da formação de professores para a educação

profissional e tecnológica, tampouco para a EAD e estas vem sendo tratadas como algo

especial, emergencial, sem integralidade própria e viabilizando propostas de formação

aligeirada e superficial (OLIVEIRA, 2005).

Tardif (2002, p. 36) define saber docente como “um saber plural, formado pelo

amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de

saberes disciplinares, curriculares e experienciais.” O autor atribui ao saber docente um

sentido amplo, que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou

aptidões) e as atitudes dos docentes, tudo aquilo que é chamado de saber, de saber-fazer

e de saber-ser.

Tardif (2002, p. 120), ainda destaca que “a tarefa do professor consiste, grosso modo,

em transformar a matéria que ensina para que os alunos possam compreendê-la e assimilá-la”.

Essa „transformação‟, na educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD é tarefa

complexa, já requer um olhar para a formação do ser humano integral, não utilitário, mas de

preparação para o mundo do trabalho sem, necessariamente, a presença do estudante em sala de

aula.

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Para Charlot (2000, p. 62) “não é o saber que é prático, mas, sim, o uso dele, em uma

relação prática com o mundo”. Essa perspectiva permite deduzir que a prática pode ser também

uma forma de saber e, na mesma lógica, pode-se inferir que os saberes práticos dos professores

são mobilizados em suas práticas de ensino, com base em sua atuação profissional, durante a

construção da professoralidade.

Kuenzer (2008) reforça a ideia de que existe uma nova concepção de educação

profissional que transita da hegemonia do paradigma taylorista/fordista para uma nova

concepção de trabalho fundado na flexibilização. Esse novo regime de trabalho demanda uma

nova concepção de formação de professores para a educação profissional e tecnológica. A

mesma autora, ao referir-se ao professor da educação profissional destaca a necessidade de

“estudar o trabalho na dimensão ontológica, como constituinte do ser social capitalista; há de

estudar como as bases materiais cimentadas pela ideologia conformam subjetividade que não se

reconhecem como excluídas.” (KUENZER, 2008, p. 33). Aponta ainda que um bom engenheiro

mecânico não necessariamente é um bom professor e as interfaces entre o conhecimento

científico e escolar devem ser observadas com cuidado durante a transposição didática.

Com essas novas exigências, não basta apenas saber na prática e é impossível separar do

trabalho docente o desenvolvimento de saberes cognitivos complexos, o raciocínio lógico-

formal, as capacidades comunicativas e a criatividade, entre outros.

Sendo assim, observa-se que os saberes estão presentes no cotidiano das ações

docentes e obrigam todos os professores a dialogar com o sentido de que não se pode

ser neutro quando se fala em educação.

O conhecimento do professor não é meramente acadêmico, racional, feito de

fatos, noções e teorias, como também não é um conhecimento feito só de

experiência. É um saber que consiste em gerir a informação disponível e

adequá-la estrategicamente ao contexto da situação formativa em que, em

cada instante, se situa sem perder de vista os objetivos traçados. É um saber

agir em situação. Mas não se fique com uma ideia pragmático-funcionalista

do papel do professor na sociedade, porque o professor tem de ser um homem

ou uma mulher de cultura, ser pensante e crítico, com responsabilidades

sociais no nível de construção e do desenvolvimento da sociedade

(ALARCÃO, 1998, p. 104).

No que diz respeito às discussões acerca da formação de professores para a modalidade

de EAD, Litwin (2001) com o olhar em Shulman (1995), há mais de 15 anos já destacava, como

princípios de ação e reflexão, o conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico de tipo

real, especialmente no que diz respeito às estratégias e à organização da classe; conhecimento

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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curricular; conhecimento pedagógico acerca do conteúdo; conhecimento sobre os contextos

educacionais; e conhecimento das finalidades, dos propósitos e dos valores educativos e de suas

raízes históricas e filosóficas.

É neste contexto que as discussões acerca dos saberes docentes para a educação

profissional e tecnológica na modalidade de EAD se constituem, se fundem e se con(fundem)

com os saberes docentes da educação presencial.

Observou-se, durante a pesquisa, que os saberes docentes, defendidos por Tardif (2002)

são reconhecidos e extrapolados; para ser professor da educação profissional e tecnológica na

modalidade de EAD, faz-se necessário saberes outros da educação presencial. Saberes

diferenciados requerem reflexões e práticas diferenciadas, já que “uma aula interessante é uma

aula na qual se estabelece uma forma específica, uma relação com o mundo, uma relação

consigo mesmo e uma relação com o outro” (CHARLOT, 2000, p. 73).

Souza (2004, p. 3), aponta para a reflexão acerca de algumas diferenças entre as

modalidades de EAD e presencial,

as relações estabelecidas e o direcionamento do professor sobre o processo

pedagógico é mais evidente, ou seja, as relações de poder são mais diretas e

ele dispõe de mecanismos de organização e controle já conhecidos,

experienciados. Ao se deparar como educador na EaD, esses mecanismos não

funcionam da mesma forma: o olhar repreensivo ou mesmo complacente e

compreensivo, o gesto brusco ou delicado e o acompanhamento, in loco, do

desempenho do aluno, representam algumas atitudes que têm de ser

reorganizadas e transformadas. (SOUZA, 2004, p.3).

Sendo assim, defende-se que os saberes mobilizados pelos professores da

educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD não podem ser percebidos

de forma isolada, mas sim, como um conjunto das reflexões e das práticas diárias.

Destacam-se, na sequência, os saberes oriundos da profissionalização docente

considerados fundamentais para a docência na educação profissional e tecnológica na

modalidade de EAD: (a) saberes dos contextos dos estudantes; (b) saberes da

linguagem; (c) saberes dos aparatos tecnológicos; (d) saberes da generosidade; (e)

saberes do mundo do trabalho e, (f) saberes da formação humana não utilitarista (ser

humano integral).

Nesta direção, defende-se que sejam elaborados processos de profissionalização

docente – inicial e continuado – para educação profissional na modalidade de EAD que

podem ser constituídos a partir das experiências vivenciadas na prática diária,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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configurando-se como um processo permanente de formação já que a construção e a

re(construção) da docência muitas vezes se dá no próprio percurso da vida profissional.

5. CAMINHANDO PARA UMA SÍNTESE

O movimento efetuado durante as análises ideográfica e nomotética desvelou

articulações que construíram a categoria aberta 'saberes da profissionalização docente'. Esta

categoria revela as faces do fenômeno 'saberes docentes da educação profissional e

tecnológica na modalidade de EAD nos IFs', visualizadas e compreendidas no contexto dos

cursos da Rede E-Tec Brasil no IFFarroupilha.

Durante o processo de pesquisa de campo, o fenômeno 'saberes-dos-'saberes docentes

da educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD nos IFs' foi tratado de

forma a trazer à luz os saberes docentes mobilizados pelos professores, as possibilidades

sinalizadas por esses saberes e os tensionamentos apontados.

Demarcado o contexto teórico em que este estudo se apresentou, partiu-se da

compreensão do saber docente, como saber social, que se manifesta nas relações complexas

entre os professores e os estudantes.

Foram identificadas algumas contradições entre o que se escreve, o que se diz e o que se

faz. Na análise ideográfica, pôde-se perceber fragilidades teóricas no que diz respeito a

compreensão da EAD e sua relação com o mundo do trabalho. Também ficou claro que a

integração entre os pares educacionais da educação profissional e tecnológica poderia ser maior

e isto contribuiria para a qualificação do curso oferecido.

A preocupação relacionada às dimensões ontológica, histórica e intelectual não

apareceu como saber necessário a docência e isso causa um certo estranhamento, já que é

fundamental romper com a dualidade estrutural existente na educação como um todo e refletida

na educação profissional e tecnológica na modalidade de EAD.

Os poucos estudos existente, apresentam as fragilidades da modalidade de

educação a distância frente aos desafios da formação para a educação profissional e

tecnológica e indicam que as práticas docentes, em suas diferentes singularidades,

demandam novos olhares, fruto das particularidades dos conhecimentos profissionais

que demarcam este nível de formação. Apresenta-se, como saberes fundamentais a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4305ISSN 2177-336X

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atividade docente na educação profissional e tecnológica a distância, os saberes da

profissionalização docente e entre eles, destaca-se os saberes dos contextos dos

estudantes, os saberes da linguagem, os saberes da utilização dos aparatos tecnológicos,

os saberes da generosidade, os saberes do mundo do trabalho e, os saberes da formação

humana não utilitarista.

Como conclusões, e respondendo à pergunta principal da pesquisa, compreendemos que

os saberes docentes relacionam-se necessariamente à profissionalização docente. A profissão

docente não é neutra, como afirma Cunha (2005), e, se não neutra, precisa estar munida de

conceitos e práticas voltados para a formação de um sujeito capaz de interagir e transformar um

mundo minado de ideologias e valores.

Ao final, defende-se, a partir da análise dos dados oriundos da análise ideográfica e

nomotética a importância de que os saberes docentes são oriundos da profissionalização

docente, fruto de uma formação inicial e continuada consciente, ética, crítica e pautada em uma

trajetória que reflita continuamente sobre o seu processo de formação, sobre o seu espaço de

trabalho e sobre a mundo que deseja para si e para os outros.

6. REFERÊNCIAS

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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28

CONHECIMENTO PEDAGÓGICO DO CONTEÚDO NA DOCÊNCIA DA

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Marilandi Maria Mascarello Vieira – IFRS - Campus Sertão

Josimar de Aparecido Vieira – IFRS - Campus Sertão

Resumo:

O trabalho trata sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo, categoria considerada

por Shulman (2005) como um dos saberes base para o ensino, analisando como ele se

configura na docência da educação profissional. A abordagem metodológica adotada foi

a pesquisa qualitativa com a combinação da pesquisa bibliográfica e de campo. Os

dados empíricos foram coletados por meio de entrevistas realizadas com dezenove

egressos do Curso de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Básica e

Profissional do IFRS - Campus Sertão. O roteiro das entrevistas foi composto por doze

questões, das quais apenas duas foram utilizadas nesse trabalho. A pesquisa

bibliográfica destaca as características, componentes e as fontes do conhecimento

pedagógico do conteúdo. Os relatos obtidos foram analisados com a interlocução dos

estudos de Shulman, Grossman (2005, Gudmundsdóttir e Shulman (2005), Seggal

(2004), dentre outros. Os resultados indicam que a partir da experiência os docentes

sentem a necessidade de superar o modelo tradicional de ensino e buscam formação

pedagógica que lhes ajudem a articular conteúdo e forma, o que Shulmam chamou de

conhecimento pedagógico do conteúdo.

Palavras-chave: Formação de Professores; Educação Profissional; Conhecimento

Pedagógico do Conteúdo.

INTRODUÇÃO

A formação e a atuação docente tem sido objeto de vários estudos no âmbito

internacional e brasileiro especialmente a partir de 1990. Tem destaque nesse cenário

alguns autores como Gauthier (2006), Tardif (2002), Nóvoa (1995) e Shulman (2005)

que categorizaram os saberes bases para a docência. Neste trabalho foram tomados os

estudos de Shulman sobre a categoria conhecimento pedagógico do conteúdo, dado a

sua originalidade. Essa categoria, identificada pelo autor como Pedagogical Content

Knowledge tem sido traduzida de forma diferente pelos autores. Assim, na tradução em

espanhol do texto de Shulman e em alguns trabalhos de autores espanhóis – como

Balbuena Ussa (2007) e Cedeño e Sachez (2012), por exemplo – o termo utilizado é

Conhecimento Didático do Conteúdo (CDC), enquanto no Brasil é comum o uso da

expressão Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4308ISSN 2177-336X

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Neste sentido, ligado aos saberes docentes e, instigados em contribuir com a

qualificação do processo de formação de professores, especialmente daqueles que atuam

na educação profissional, a questão que direciona este trabalho é como este

conhecimento base da docência proposto por Shulman se faz presente nos discursos

sobre as práticas dos docentes na educação profissional.

Tomando esta problemática, definiu-se como sujeitos da pesquisa dezenove

egressos de seis turmas do Programa de Formação Pedagógica de Docentes para a

Educação Básica e Profissional do IFRS - Campus Sertão, concluintes entre os anos de

2010 e 2014 e que exercem a docência na área da educação profissional. A identidade

dos entrevistados foi mantida em sigilo e, para tanto, atribuiu-se um código para cada

participante (número de ordem da entrevista e turma frequentada – 1 a 6). As entrevistas

foram compostas por doze questões, cuja duração foi em média 45 minutos, que foram

gravadas, transcritas e analisadas segundo a categoria proposta por Shulman (2005).

O trabalho inicia situando a problemática da docência na educação profissional

segundo os entrevistados e na sequência são apresentadas as características, os

componentes e as fontes do conhecimento pedagógico do conteúdo. Por fim, constam as

considerações finais deste estudo.

OS DESAFIOS DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

No princípio era o verbo...

Os professores da educação profissional, em sua maioria, ingressam no

magistério tendo em vista seu domínio do conteúdo da área e/ou o reconhecimento

como profissional em outros espaços. Assim, a concepção inicial é a de que o domínio

do conhecimento da área é requisito suficiente para tornar-se professor. Essa concepção

foi expressa por alguns entrevistados, conforme as declarações que seguem:

Eu imaginava que o professor era só aquele que transmitia o conhecimento, hoje vejo que ele

tem uma função muito além desta de transmitir o conhecimento (E12T2).

Enquanto tu é aluno tem uma visão e quando se torna professor tu tem outra visão. Eu achava

que era mais fácil dar aula, era só ir lá e explicar o conteúdo. Na realidade não é assim porque o professor

tem uma vida bem dura e difícil (E11T2).

A primeira vez que você entra em uma sala de aula não sabe o que fazer, é muito complicado

porque por mais que você tenha o conteúdo e estudo para estar lá a aula é muito mais do que isso. Não

basta saber o conteúdo e falar dele (E18T6).

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4309ISSN 2177-336X

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A forma como conduzia as aulas, antigamente eu dava somente aulas expositivas, hoje eu tenho

trabalhado muito a questão do diálogo com os alunos, construir junto o conhecimento o que até então pra

mim não existia, eu era apenas o professor que ia passar o conhecimento e não tinha que aprender (E5T4).

Os professores da educação profissional aprenderam a ser docentes por meio de

processos informais, notadamente pela observação de seus professores, familiares ou

colegas de trabalho, o que contribuiu para a adoção de modelo tradicional de ensino,

baseado na ideia de transmissão-recepção. Há, nessa fase inicial de exercício da

docência, a primazia da palavra, ou seja, se o papel do professor é o de repassar o

conteúdo, isso se faz, sobretudo, por meio da oralização, da exposição verbal. O

processo ensino aprendizagem não é encarado como ato de construção de

conhecimentos, mas de reprodução-assimilação de informações.

Então, com o exercício da docência, passa-se a vislumbrar os problemas:

Você se dá conta que tem que repensar porque a tua aula hoje é de um jeito, mas amanhã não

pode fazer igual porque não vai funcionar. E o que se faz então? A gente utiliza muito o datashow e se

faltou luz o professor técnico vai parar a aula e ir embora, porque não sabe o que fazer. Aquele professor

que teve formação pedagógica vai ter um plano B e quem te dá isso é a licenciatura porque o técnico não

tem plano B, ele pode ter o domínio de uma área específica, mas não para a sala de aula (E6T1).

Então você começa a perceber que talvez aquela dificuldade que o aluno apresenta em sala de

aula, não seja necessariamente porque você não sabe o conteúdo, mas a maneira como está sendo

transmitido talvez não seja a ideal para certas séries ou são melhores para outras. Então essa reflexão é

contínua (E1T5).

Nós temos excelentes profissionais, mas não excelentes professores, é o que eu digo, não adianta

eu saber para mim se eu não consigo passar para aquela pessoa que está ali do meu lado (E5T4).

Mas minha dificuldade era como utilizar técnicas e trabalhar o perfil do futuro profissional

porque são meninos e meninas novas eu tento ensinar como trabalhar lá fora com algo adverso, formação

de cidadania que eu não fazia antes porque o curso que eu tinha não me preparava para isso (E6T1).

Enfim, o profissional percebe que o espaço/tempo da sala de aula envolve muitos

fatores complexos além do conteúdo da aula:

Então uma coisa é ensinar o conteúdo, outra é a preocupação com o contexto social da sala de

aula, contexto subjetivo, também em relação ao aluno, ao contexto da turma, da região, o que aqueles

alunos procuram no curso, até onde que posso ir no conteúdo, o quão avançado vou ser naquela

disciplina, enfim, atender o público. Não é simplesmente aquela visão mais tradicional de repassar o

conteúdo, mas uma preocupação mais abrangente, é como ele vai prender a atenção de 40, 30, 20 pessoas

na frente dele, como vai passar o conteúdo, de que maneira aquele conteúdo vai ser absorvido (E1T5).

Claro que é importante conhecer o assunto que você vai falar em aula, mas não basta porque a

informação está na rede. O que tem que saber é como mediar o conhecimento (E8T5).

Por mais que você domine um conteúdo, tem que pensar como agregar aquele aluno que está na

aula, depois de ter trabalhado um dia inteiro, que chegou na aula cansado e está desmotivado. Então como

você trazer ele para a tua disciplina, eu acho que isso é ser um bom professor ( E18T6).

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4310ISSN 2177-336X

31

Eu não tinha dificuldade dos termos utilizados do trabalho em si, a grande dificuldade era a

aplicabilidade, transformar o conhecimento que eu tinha como técnico, mais conhecimento pedagógico e

aplicar na sala de aula (E6T1).

Há o reconhecimento de que o domínio de conteúdo não é requisito suficiente

para o exercício do magistério, mas também não se completa com o conhecimento de

técnicas de ensino porque estratégias que se adéquam a um conteúdo ou área nem

sempre promovem a aprendizagem de outros conteúdos. Ao refletir sobre o aprendizado

obtido no curso de Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Básica e

Profissional, vários entrevistados apontaram como contribuições do curso:

A grande contribuição da minha área para o magistério é a prática, eu consigo fazer isso muito

bem. Consigo pegar o conteúdo, transformá-lo e aplicá-lo em situações concretas. A Formação

Pedagógica me proporcionou entender melhor os diversos públicos dentro da sala de aula, do contexto.....

porque a gente precisa entender de onde vem o aluno, a sua origem, seu conhecimento e precisa transferir

o conteúdo para a realidade dele, o que com certeza o curso fez comigo muito bem isso (E2T3)

No estágio do curso de Formação Pedagógica eu tive um suporte muito bom porque a professora

titular da disciplina era formada em fisioterapia e trabalhava com isso, então ela me ajudava nos exemplos

práticos. Para mim ela foi tudo porque sem isso eu não ia conseguir trabalhar (E15T3).

Os entrevistados fazem referência ao que Shulman (1987, 1989, 2005) identifica

como conhecimento pedagógico do conteúdo. O autor demonstrou interesse particular

por essa categoria porque acredita que a capacidade de transformar o conhecimento

disponível sobre um tema em conteúdos escolares e favorecer o aprendizado pelo aluno

é o que caracteriza a docência. Considerada a categoria central dos seus estudos, tem

servido de base a muitas pesquisas no exterior e no Brasil e, como é o enfoque central

desse trabalho, a seguir são detalhadas suas características e componentes, as fontes e o

processo de construção do conhecimento pedagógico do conteúdo.

As características e componentes do conhecimento pedagógico do conteúdo

Shulman (2005, p. 10) caracteriza o conhecimento pedagógico do conteúdo

como “esa especial amalgama entre materia y pedagogía que constituye una esfera

exclusiva de lós maestros, su propia forma especial de comprensión profesional”.

A ideia de amálgama entre conteúdo e pedagogia é expressa em outros trechos

pelo autor na versão em inglês como “blending” (mistura) e na tradução para o

espanhol, como “mescla”. Na literatura brasileira a ideia é expressa com o uso de

termos como fusão, articulação, sincretismo, interseção, mistura, relação ou ligação.

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A categoria representa a articulação entre outras duas: o conhecimento da

disciplina e o conhecimento pedagógico geral e, segundo Segall (2004), no ensino tanto

um quanto outro tipo de conhecimento não existe de forma independente porque o

conteúdo é sempre pedagógico e a pedagogia é sempre conteúdo. Ambos confluem para

o CPC porque é ele quem permite transformar o conteúdo científico em escolar e esse

possa ser ensinado. Configura, portanto, um corpo de conhecimentos que distingue o

professor do especialista de uma área do saber. Grossman, Wilson e Shulman (2005, p.

5) expressam assim essa distinção:

Los profesores y los especialistas tienen diferentes metas primarias. Los

especialistas crean un nuevo conocimiento en la disciplina. Los profesores

ayudan a los estudiantes a adquirir el conocimiento en un área. Estas

diferentes metas requieren comprensiones relacionadas pero distintas de la

materia. Todos nosotros hemos tenido un profesor que obviamente sabía la

materia pero que no podía explicarla a los estudiantes. Los buenos profesores

no sólo conocen su contenido sino que saben cosas sobre su contenido que

hacen posible la instrucción efectiva.

Isso significa que o especialista geralmente tem um amplo domínio sobre a

matéria, mas para ensiná-la o professor vai construindo referenciais que o permitem

compreender “cómo determinados temas y problemas se organizan, se representan y se

adaptan a los diversos intereses y capacidades de los alumnos, y se exponen para su

enseñanza” (SHULMAN, 1986, p. 11).

O autor explicita essa categoria, que identifica como novo tipo de conhecimento:

Dentro da categoria de conhecimento pedagógico do conteúdo incluo, para os

tópicos mais regularmente ensinados de uma área de estudo, as formas mais

úteis de representação dessas idéias, as mais poderosas analogias, ilustrações,

exemplos, explicações e demonstrações, numa palavra, a formas de

representar e formular o assunto que torná-la compreensível para os outros.

[...] Conhecimento pedagógico do conteúdo também inclui uma compreensão

do que torna o aprendizado de temas específicos fácil ou difícil: as

concepções e preconceitos que alunos de diferentes idades e origens trazem

com eles para a aprendizagem desses tópicos e lições mais frequentemente

ensinadas (SHULMAN, 1986, p. 9). (tradução nossa)i.

Então, pode-se perceber que o CPC está constituído de vários componentes. O

primeiro deles é a organização do conjunto de conhecimento produzido pela ciência,

transformando-o em matéria de ensino, o que envolve um processo de seleção,

estruturação, hierarquização e adequada sequenciação do conteúdo. Esse componente

foi mencionado por alguns entrevistados e transcrevemos a título de exemplificação:

Hoje eu dou aula para quatros cursos diferente e nenhum deles é na minha área de formação,

então alguma relação obviamente tem com a engenharia mecânica, mas não direta. Então eu tenho que me

desdobrar muito pra consegui selecionar e inserir o conteúdo da engenharia naquela disciplina em

específico, dentro do curso em que eu estou dando aula (E5T4).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4312ISSN 2177-336X

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Então uma das exigências que a docência faz ao professor é a organização dos

conhecimentos disponíveis sobre o tema da aula, transformando-o em conteúdos

escolares. Grossman (2005), em pesquisa realizada em sua tese de doutorado com

professores iniciantes na docência em escola secundária americana considera o

conhecimento do conteúdo como um dos componentes do conhecimento pedagógico do

conteúdo, que inclui as crenças sobre a seleção e organização dos materiais curriculares.

Grossman, Wilson e Shulman (2005, p. 10) ressaltam a importância do

conhecimento do conteúdo, do conhecimento substantivo e do conhecimento sintático

de sua disciplina por parte do professor para essa tarefa, pois as pesquisas desenvolvidas

sobre o tema e por eles analisadas permitiram concluir que “Los profesores que

comprenden el mapa más amplio de su materia, que entienden la relación de tópicos o

habilidades individuales con tópicos más generales en su campo también pueden ser

más efectivos en la enseñanza de sus matérias”. Os autores ressaltam que o

conhecimento do conteúdo ou a falta dele interfere na forma como o professor estrutura

os conteúdos, seleciona o material para ensinar e como conduz a aula.

Ainda defendem que, pelo impacto que esse tipo de conhecimento pode gerar no

ensino é necessário que os cursos de formação de professores incorporem no currículo

as discussões sobre as estruturas substantivas e sintáticas dos conteúdos das suas áreas.

O segundo componente do CPC é a compreensão acerca da situação concreta

dos estudantes de diferentes idades em relação a um conteúdo particular, tema bastante

recorrente nos discursos dos entrevistados, conforme expresso nas epígrafes a seguir:

É um desafio bem interessante, porque quando teus alunos tem uma média de idade tu fica bem

tranquila, mas quando há muita disparidade a gente precisa dar um enfoque para cada um. Há alguns

conflitos porque a aula não anda por causa da fulana e da cicrana e agente acaba tendo que mudar a aula.

Então a própria prática pedagógica me proporciona isso (E9T2).

Dou aula no curso técnico, mas não sei como trabalhar no curso essa diversidade. Tenho alunos

que recém saíram do nível médio e outros que faz dez anos que não estudam e a visão deles é outra, eles

já tem experiência e estão fazendo o curso para trabalhar em determinado lugar (E15T3).

É preciso enxergar o aluno como uma pessoa, então essa pessoa vive em um lugar e esse lugar

vai influenciá-lo. Tem que levar isso em consideração para trabalhar esse aluno em sala de aula (E12T2).

Considero importante conhecer o contexto que se vive, claro que tem que conhecer o conteúdo,

mas o conteúdo é o de menos, isso a gente estuda. Qualquer um é capaz de estudar e transmitir o

conteúdo, mas aonde tu vive, quem são os seus alunos e o que eles querem... nós temos uma diversidade

muito grande e se não os conhecermos, não vamos conseguir adequar esse conteúdo ao dia a dia (E13T1).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4313ISSN 2177-336X

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Eu acho que o professor precisa ter noção de mercado, noção de quem são os alunos dele, noção

de Proeja, se são pessoas que trabalham durante o dia ou a noite. Precisa ter todo esse contexto de turma

pra conseguir montar as aulas e fazer com que eles aprendam mais (E16T3)

Conhecer quem são os estudantes é um requisito importante do CPC. Grossmam

(2005) concluiu que muitas vezes os professores tomam como referência, ao selecionar

o conteúdo e as estratégias de ensino, as suas próprias trajetórias como estudantes, o que

lhes causa dificuldades na tarefa porque esperam que eles tenham o mesmo grau de

domínio de conhecimentos e motivação que supõem terem tido quando frequentavam a

escola secundária e percebeu que “Al usar sus propias experiencias de estudiantes como

una plantilla para sus expectativas sobre el conocimiento de los estudiantes, Jake, Kate

y Lance encontraron difícil anticipar con lo que los estudiantes podrían tener problemas

o encontrar interesante” (p. 11). O resultado disso, segundo a autora é que

El desajuste entre los ideales implícitos sobre los estudiantes por parte de

estos profesores y las realidades de la capacidad de los estudiantes y su

motivación es particularmente problemático, especialmente cuando los

nuevos profesores es posible que no enseñen en los cursos avanzados en los

que podrían encontrar a los estudiantes que ellos desearían enseñar. Sin

ayuda, los profesores pueden aprender a culpar a los estudiantes por su falta

de capacidad o motivación más que mostrar sus planteamientos sobre la

responsabilidad del profesor de acercarse a un amplio abanico de estudiantes.

(p.16)

O terceiro componente do CPC é a compreensão sobre como os estudantes

poderão interpretar os tópicos do conteúdo a partir de seus conhecimentos prévios,

identificando possíveis equívocos e dificuldades.

O professor, de certa forma, tenta antecipar as formas como o conteúdo pode ser

interpretado pelos estudantes e esse é um exercício difícil particularmente na fase inicial

da docência. Os entrevistados assim expressaram essa dificuldade:

Hoje tento trazer assuntos e atividades que consigam provocar os alunos para exercitar aquele

conhecimento que eles já tem no seu dia a dia, na sua vivência, pois assim vê que as aulas se tornam

melhores, a turma participa mais. Claro que não é fácil, é um desafio, porque quando tu provoca a turma

vai ter pessoas que não sabem nada sobre o assunto até as que dominam aquele assunto. Então é um

aprendizado a cada dia (E5T4).

Eu consigo passar para eles experiências que vivi nessa área. Facilita bastante porque dou

exemplos práticos do que ocorre no trabalho e isso quem tem experiência entende mais fácil (E17T4).

Shulman (1986) acredita que o estudo dos problemas, dos equívocos de

compreensão da matéria pelos estudantes e sua influência na aprendizagem tem sido um

dos temas mais férteis para a investigação cognitiva porque faz parte do conhecimento

que o professor precisa ter para ensinar, transformando as concepções iniciais e indica

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4314ISSN 2177-336X

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que isso exige a interpretação didática a que se refere McEwan (1987). Grossman,

Wilson e Shulman (2005, p. 7) citam as conclusões de estudos desenvolvidos por aquele

autor que indicam que

[...] una tarea central de la enseñanza son las "interpretaciones didácticas" de

la materia, interpretaciones que descansan sobre el conocimiento que los

profesores tienen de las creencias del estudiante acerca de la materia.

McEwan sugiere que, en orden a que los profesores construyan sanas

interpretaciones didácticas, deben de poseer el conocimiento adecuado de las

creencias del estudiante acerca de la materia. Estas creencias incluyen las

preconcepciones y las malas concepciones del estudiante, igual que el

conocimiento previo y la experiencia de los estudiantes en la materia.

Mas os referidos autores (2005, p. 19) ressaltam que não são apenas as crenças e

conhecimento prévios dos estudantes que interferem no processo de ensinar, mas do

próprio professor, que também possui representações acerca da docência, dos

estudantes, da escola e do conteúdo, fatores que influenciam não só na seleção do que

ensinar, mas sobre como ensinar e como os estudantes aprendem.

Grossman (2005, p. 6) considera como um dos importantes componentes do

CPC as crenças que o professor tem sobre as metas, os objetivos de ensinar aquela

disciplina ou conteúdo porque elas funcionam como “[...] un marco organizado, o mapa

conceptual, para la toma de decisiones instructivas, sirviendo como base para

valoraciones sobre libros de texto y materiales curriculares, objetivos de aula, tareas

apropiadas, y evaluaciones del aprendizaje del estudiante”.

O quarto componente do CPC é a seleção de estratégias mais pertinentes para

ensinar cada tópico do conteúdo em circunstâncias específicas em sala de aula. Assim

os entrevistados expressam esse componente:

Eu tento ser bastante objetivo no que falo, tento evitar textos muito longos, propor mais práticas.

Uma coisa que eu não fazia antes e que tenho feito é propor mais discussões em sala de aula, mas

discussões que cheguem a um denominador comum, cheguem a algumas respostas (E5T4).

O que ajuda bastante que são os exemplos do dia a dia, trazer do cotidiano para aula. Eu utilizo

bastante isso, a prática porque às vezes eles anotam mas custam muito a entender como acontece e com

exemplo prático melhora bastante a aprendizagem e consigo ver a coisa acontecer (E6T1).

A enfermagem me deu base nas questões relacionadas às práticas humanas, porque não tem nada

de místico nela, nada de milagres. A gente executa uma técnica que aprendeu e utiliza esse conhecimento

e ponto. Mas fazer com que a pessoa compreenda isso, só com o bacharelado não consegue, precisa ter

argumentos da linguagem que no Formação Pedagógica se adquire. O curso proporciona, como

enfermeira, a ministrar aula em uma turma que tem pessoas com quinta série e outras com pós-graduação.

Então só com a enfermagem não conseguiria fazer isso, tentaria me fazer entender, mas com o Formação

consigo falar pros dois públicos (E9T2).

Acho que o fundamental, pensando no ensino técnico, é traduzir a teoria na prática e os alunos

sentem essa dificuldade quando vão a estágio, pois muitos assuntos que vêem na teoria não conseguem

fazer o link com a prática. É difícil fazer essa relação, foi o que eu senti na graduação, muitos conteúdos,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4315ISSN 2177-336X

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muito conhecimento, mas não conseguia fazer o link. Vejo que as aulas se tornam mais agradáveis

quando consigo aproximar da prática, não necessariamente que vá fazer aulas práticas, mas pra você fazer

a contextualização das atividades, de alguma tarefa que ele possa relacionar com o seu dia a dia (E5T4).

Shulman (1986) faz referência, sobretudo, à forma como o professor constrói as

representações, isso é, interpreta o conteúdo e o transforma para facilitar a compreensão

por parte do estudante, mobilizando-o para o conhecimento. Esse componente envolve,

portanto, a habilidade de transformar o conteúdo da matéria em atividades e

experiências para facilitar o aprendizado, o que inclui as analogias, o uso de exemplos,

explicações e demonstrações daquele tópico específico do conteúdo.

As fontes do conhecimento pedagógico dos conteúdos

Ao tratar da seleção das estratégias de construção da representação, Shulman

(1986, p. 9) identifica duas fontes importantes para a construção do CPC: a “sabedoria

da prática” e a “pesquisa”: “Como não existe forma mais poderosa de representação, o

professor deve ter em mãos um verdadeiro arsenal de alternativas de formas de

representação, algumas das quais derivam da pesquisa, enquanto outras têm origem na

sabedoria da prática”.ii (Tradução nossa). Em texto posterior (2005) o autor abordou de

forma mais explícita a prática como fonte de construção da base profissional para o

ensino, destacando a sua contribuição para a elaboração das máximas que orientam (ou

fornecem racionalização reflexiva para) a prática de professores capazes.

Num estudo de caso desenvolvido na Bahia de São Francisco, Gudmundsdóttir

e Shulman (2005) compararam a prática profissional desenvolvida por dois professores

de Ciências Sociais, sendo um experiente (37 anos de docência) e outro principiante

(primeiro ano). O objetivo do estudo foi analisar as diferenças existentes entre eles em

relação ao domínio do CPC e constataram a contribuição que a prática pode fornecer.

Na citação a seguir recortamos as principais diferenças apontadas no estudo.

Mientras que el profesor experto ha desarrollado una sofisticación em

segmentar y estructurar el currículum y conoce los pros y contras de cada

enfoque, el principiante sólo conoce una forma, la que utiliza. [...] Los

profesores experimentados pueden darle sentido más fácilmente a las

unidades largas como un curso. Los principiantes, por el contrario, piensan

sobre una unidad por partes, sin intentar ver la relación con el todo. [...] Un

principiante puede solo utilizar pequeños fragmentos de información y es

incapaz de emplearlos más ampliamente y en estructuras organizadas. [...] La

mayor parte de las profundas diferencias entre el principiante y el experto son

que el experto tiene conocimiento didáctico del contenido que le capacita

para ver una imagen más amplia de diferentes formas y tiene la flexibilidad

para seleccionar un método de enseñanza que haga justicia al tema. (p. 09-10)

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Dentre seus colaboradores Grossman (2005) estudou as fontes do CPC, pois em

sua tese, a partir do estudo de caso, comparou a prática desenvolvida em sala de aula

por seis professores de inglês principiantes, sendo três graduados em curso de formação

de professores e três sem essa formação. Constatou que as fontes são múltiplas e

destacou quatro: conhecimento da matéria a ser ensinada, experiência do professor

enquanto estudante, aprendizado adquirido nos cursos de formação dos professores e

experiência profissional.

Sobre o conhecimento da matéria a autora não reduz ao domínio do conjunto de

informações produzidas pela ciência, mas enfoca, sobretudo, o papel que aquela

disciplina/conteúdo tem para a formação dos estudantes e dos objetivos de ensiná-la.

Então, constatou que a concepção que o professor constrói acerca disso modifica a

forma como o conteúdo é selecionado, organizado e ensinado. Outro aspecto

mencionado é a experiência do professor como pesquisador porque esse exercício de

investigação o auxilia a tomar decisões mais acertadas no momento de selecionar e

definir a estruturação dos tópicos do conteúdo e as estratégias de ensino.

A experiência do professor como estudante também fornece elementos para

elaboração do CPC, à medida que frequentou a escola durante anos e construiu

referências de boas práticas educativas desenvolvidas pelos professores que lhes servem

de modelos implícitos para a docência. Assim, ele tende a reproduzir as experiências

que vivenciou com seus professores e toma como referência para avaliar o processo de

aprendizagem de seus estudantes sua própria experiência estudantil. Ela conclui que “el

Conocimiento Pedagógico del Contenido que deriva del aprendizaje por observación,

puede ser más tácito que explícito, más conservador que innovador, y puede plantear

resistencias durante la formación del profesorado” (GROSSMAN, 2005, p. 11-12).

Quanto à formação pedagógica dos professores, Grossman (2005, p. 15)

concluiu que ela tem importante contribuição para a construção do conhecimento

pedagógico do conteúdo, especialmente quando o curso frequentado contém

componentes de didáticas específicas: “Este estudio además desafía la literatura sobre

los efectos de los cursos de formación docente demostrando que el curso sobre una

materia específica puede ejercer una poderosa influencia en cómo los profesores

enseñen y piensen sobre sus matérias”.

Dois aspectos podem ser mencionados nesse sentido: o primeiro diz respeito ao

fato de os professores da educação profissional não terem essa formação antes do

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ingresso na docência, conforme já mencionado. O segundo aspecto é ressaltado por

Grossman (2005, p. 13) quando chama a atenção para o fato de que a formação, em si

mesma pode não produzir os resultados desejados, mas contribui muito quando

associada à experiência profissional:

Lo que sugiere este análisis es que la formación del profesorado puede

proporcionar un marco teórico que forme lo que los profesores principiantes

aprenden de la experiência [...]. Sin embargo, a lo que aprendieron de la

experiencia le dieron forma a través de las concepciones sobre la enseñanza

del área de inglés que construyeron en el proceso de formación del

profesorado. [...] Sin estos marcos teóricos el aprendizaje a partir de la

experiencia puede ser fortuito, idiosincrático, e incluso engañoso [...].

Gudmundsdóttir e Shulman (2005) corroboram com esta conclusão, mas

chamam a atenção para a importância dos cursos de formação de professores centrarem

maior atenção no CPC, ajudando o futuro docente a pensar sobre a matéria a ser

ensinada e o processo a desenvolver para facilitar o aprendizado por parte dos

estudantes. Eles tecem críticas à forma como os cursos estão estruturados, pois

inicialmente são oferecidas disciplinas de conteúdos específicos, depois métodos gerais

de ensino, estudos sobre psicologia e sociologia separando conteúdo e forma. Assim,

ambos se esvaziam porque conteúdo sem método não se torna ensinável e princípios

gerais sobre processos de ensinar e aprender somente se efetivam no confronto com a

matéria a ser ensinada.

Por fim os autores ressaltam a importância da formação continuada por meio de

trocas de experiências entre os docentes e acreditam que a assessoria e apoio dos

professores veteranos aos iniciantes poderia ser chave no desenvolvimento do

conhecimento pedagógico do conteúdo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizando este estudo, é possível concluir que a formação pedagógica adquira

em processos formais de educação contribuem para que os docentes da educação

profissional superem os desafios da docência que, inicialmente, pela ausência dessa

formação, se restringe ao repasse de informações e diante da constatação da

insuficiência da estratégia de verbalização como recurso para o ensino, buscam outras

formas de ensinar.

Mas a formação para a docência não se limita a aprender um conjunto de

técnicas de ensino a serem aplicadas na aula. Muito mais do que isso, os docentes vão

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percebendo a amplitude e as exigências do processo ensino-aprendizagem e passam a

construir estratégias de comunicação e interação com os alunos, de investigação e

reconhecimento de seus saberes, de projetar-se neles e tentar compreendê-los, além de

experimentar diferentes formas de ajudá-los a apropriar-se de conteúdos escolares

construindo conhecimentos. É esse conjunto de habilidades que Shulman sintetiza no

conceito de conhecimento pedagógico do conteúdo, que foi objeto do presente trabalho.

REFERÊNCIAS

GROSSMAN, Pamela L; WILSON, Suzzane M; SHULMAN, Lee. S. Profesores de

sustância: el conocimiento de la matéria para la enseñanza. Profesorado. Revista de

currículum y formación del profesorado. Granada-España, ano 9, n. 2, 2005, p. 1-25.

<http://www.ugr.es/local/recfpro/rev92art5.pdf>. Acesso em: 02. mar. 2015.

GROSSMAN, Pamela L. Un estudio comparado: las fuentes del conocimiento didáctico

del contenido en la enseñanza del inglés en secundaria. Profesorado. Revista de

currículum y formación del profesorado. Granada-España, ano 9, n. 2, 2005, p. 1-25.

<http://www.ugr.es/local/recfpro/rev92art5.pdf>. Acesso em: 03. mar.2015.

GUDMUNDSDÓTTIR, Sigrun; SHULMAN, Lee. Conocimiento didáctico en Ciencias

Sociales. Profesorado. Revista de Currículum y Formación de Profesorado, vol. 9, nº.

2, 2005. Universidad de Granada España. Disponível em:

http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=56790206. Acesso em: 10. mar. 2015.

SEGGAL, Avner. Revisiting pedagogical content knowledge: the pedagogy of

content/the content of pedagogy. In: Teaching and Teacher Education. nº 20, 2004, p.

489–504.

SHULMAN, Lee S. Those Who Understand: Knowledge Growth in Teaching.

Educational Researcher. Vol. 15, no. 2. fev. 1986, p. 4-14.

SHULMAN, Lee S. Conocimiento y enseñanza: fundamentos de la nueva reforma.

Profesorado. Revista de Currículum y Formación de Profesorado. v. 9, n. 2,

Granada, España, 2005, p. 01 - 30.

i Within the category of pedagogical content knowledge I include, for the most regularly taught topics in

one's subject area, the most useful forms of representation of those ideas, the most powerful analogies,

illustrations, examples, explanations, and demonstrations-in a word, the ways of representing and

formulating the subject that make it comprehensible to others. [...] Pedagogical content knowledge also

includes an understanding of what makes the learning of specific topics easy or difficult: the conceptions

and preconceptions that students of different ages and backgrounds bring with them to the learning of

those most frequently taught topics and lessons. (SHULMAN, 1986, p. 9) ii Since there are no single most powerful forms of representation, the teacher must have at hand a

veritablea rmamentariumo f alternative forms of representation, some of which derive from research

whereas others originate in the wisdom of practice.

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