saberes disciplinares e atividades docentes: …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_9934_36727.pdf ·...

37
SABERES DISCIPLINARES E ATIVIDADES DOCENTES: REFLETINDO SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL Esta proposta de trabalho tem como finalidade refletir sobre a educação intercultural e suas implicações. Entende-se que essa questão passa pelos professores, sua formação, sua valorização profissional e suas condições de trabalho. As transformações das práticas docentes só se efetivam na medida em que o professor amplia sua consciência sobre a própria prática, a de sala de aula e a da escola como um todo. Compreende-se que os professores colaboram para transformar as escolas em termos de gestão, currículos, organização, projetos educacionais, formas de trabalho pedagógicas. Nesse sentido, valorizar o trabalho docente significa dotar os professores de perspectivas de análise que os ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, culturais e organizacionais nos quais se dá sua atividade docente. A pesquisa “formação de professores e o ensino de sociologia intercultural: problematizando questões”, situa-se na intersecção entre a formação do professor de Sociologia da escola básica e a educação intercultural. Na investigação “formação dos professores: saberes e práticas para além dos muros escolares”, apresenta-se um estudo de caso que teve como objetivo gerar ações afirmativas de inclusão para implementar o ensino da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” no Colégio Estadual Souza Aguiar, localizado no Centro do Rio de Janeiro. No estudo “desestabilizando o senso comum: o cinema a serviço da formação de professores”, são abordadas atividades docentes desencadeadas a partir de recursos audiovisuais, refletindo a construção intercultural do saber sociológico escolar. Os saberes e atitudes profissionais desenhadas nas concatenações das pesquisas desse painel proporcionam aprendizagens comprometidas com a educação intercultural e por isso, a discussão e o debate das práticas, das reflexões e dos discursos aqui apresentados são fontes para ressignificar as teorias produzidas pelas diferentes ciências da educação. Palavras-Chave: Formação de Professores, Educação Intercultural, Saberes Docentes XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 4170 ISSN 2177-336X

Upload: doanlien

Post on 12-Nov-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

SABERES DISCIPLINARES E ATIVIDADES DOCENTES: REFLETINDO

SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL

Esta proposta de trabalho tem como finalidade refletir sobre a educação intercultural e

suas implicações. Entende-se que essa questão passa pelos professores, sua formação,

sua valorização profissional e suas condições de trabalho. As transformações das

práticas docentes só se efetivam na medida em que o professor amplia sua consciência

sobre a própria prática, a de sala de aula e a da escola como um todo. Compreende-se

que os professores colaboram para transformar as escolas em termos de gestão,

currículos, organização, projetos educacionais, formas de trabalho pedagógicas. Nesse

sentido, valorizar o trabalho docente significa dotar os professores de perspectivas de

análise que os ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, culturais e

organizacionais nos quais se dá sua atividade docente. A pesquisa “formação de

professores e o ensino de sociologia intercultural: problematizando questões”, situa-se

na intersecção entre a formação do professor de Sociologia da escola básica e a

educação intercultural. Na investigação “formação dos professores: saberes e práticas

para além dos muros escolares”, apresenta-se um estudo de caso que teve como objetivo

gerar ações afirmativas de inclusão para implementar o ensino da temática “História e

Cultura Afro-Brasileira” no Colégio Estadual Souza Aguiar, localizado no Centro do

Rio de Janeiro. No estudo “desestabilizando o senso comum: o cinema a serviço da

formação de professores”, são abordadas atividades docentes desencadeadas a partir de

recursos audiovisuais, refletindo a construção intercultural do saber sociológico escolar.

Os saberes e atitudes profissionais desenhadas nas concatenações das pesquisas desse

painel proporcionam aprendizagens comprometidas com a educação intercultural e por

isso, a discussão e o debate das práticas, das reflexões e dos discursos aqui apresentados

são fontes para ressignificar as teorias produzidas pelas diferentes ciências da educação.

Palavras-Chave: Formação de Professores, Educação Intercultural, Saberes Docentes

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4170ISSN 2177-336X

2

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O ENSINO DE SOCIOLOGIA

ESCOLAR INTERCULTURAL: PROBLEMATIZANDO QUESTÕES

Paulo Pires de Queiroz – UFF

Esta pesquisa situa-se na intersecção entre a formação do professor de Sociologia

da escola básica e a educação intercultural. É nesse cenário que se configuram o

problema e os objetivos norteadores da investigação que se pretende desenhar nesse

relato reflexivo de pesquisa.

Nos tempos atuais, a pluralidade cultural se converte em um aspecto cada vez

mais significativo no senso comum e nas deliberações políticas. Todavia, a mesma

época em que as diferenças culturais se tornam tão evidentes e importantes é quando as

controvérsias e embates violentos entre elas se intensificam. Multiplicam-se os

preconceitos, discriminações e episódios de violência física provocados por confrontos

entre identidades culturais relativas à raça, etnia, gênero, confissão religiosa, orientação

sexual, geração, deficiência física e comunidades de referência. Ou seja, a diferença

cultural mais suscita relações de subalternização e segregação do que relações de

partilha, cooperação e negociação, típicas das sociedades democráticas.

É em meio à recorrente e explosiva convivência entre as culturas que marca o

cotidiano atual que se torna necessário pensar em uma sociedade mais democrática.

Uma sociedade que se baseie no reconhecimento das violências praticadas em nome das

diferenças culturais e em diálogos que preconizem a igualdade de oportunidades, a

liberdade, o respeito e a aprendizagem mútua entre as culturas. Em vista disso, a

contínua realização de tal espécie de interações é um desafio a ser enfrentado em todas

as esferas sociais.

Na atualidade, compreende-se que um dos diversos âmbitos chamados a

desenvolver diálogos interculturais é a escola básica. Em que pese a emergência do

ciberespaço como uma poderosa agência formadora e socializadora na Pós-

Modernidade, à escola ainda é posta a responsabilidade de estimular a produção de

saberes e atitudes que norteiem a atuação de seus egressos nos mundos da cidadania e

do trabalho. Sem dúvida, esses saberes e atitudes podem e devem proporcionar

aprendizagens comprometidas com a interculturalidade. E, como não pode haver ensino

escolar sem a figura do professor, compete a este profissional estar preparado a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4171ISSN 2177-336X

3

mobilizar saberes e experiências que lhe favoreçam propor currículos e práticas

pedagógicas interculturais nas escolas.

Frente a essas urgências, a investigação que realizamos centrou-se na formação de

professores como um espaço de construção de identidades profissionais comprometidas

com a propositura de práticas pedagógicas interculturais. Certamente, o paradigma

crítico-reflexivo de formação docente tem algo a colaborar ao desenvolvimento desse

tipo de identidade profissional. Entretanto, como tal modelo pode produzir efeitos

especificamente na formação do professor de Sociologia em curso no país? Isto é, como

sujeitos licenciandos em Ciências Sociais podem desenvolver ideias e atitudes crítico-

reflexivas em favor da promoção da educação intercultural no ensino da Sociologia

escolar?

Diante do problema gerador da investigação, a hipótese defendida era que a

realização de dinâmicas dialógicas e práticas de pesquisa e ensino interculturais

realizadas em conjunto com os licenciandos em Ciências Sociais contribui

significativamente à construção de identidades profissionais comprometidas com a

reflexividade crítica e a interculturalidade.

Assim sendo, a investigação alavancou relevantes achados de pesquisa e

intervenções na configuração da identidade profissional dos licenciandos e docentes

participantes do estudo, o que tornou o estudo bastante significativo para os sujeitos

participantes do processo investigativo.

Os campos problemáticos da pesquisa – a educação intercultural e a formação

docente crítico-reflexiva – são bastante profícuos no país. São recorrentes os enfoques

investigativos que busquem diagnosticar os principais problemas relativos à formação

docente intercultural, pensando alternativas práticas. Todavia, o mesmo não se pode

dizer a respeito dos estudos que visem explorar a confluência entre formação docente,

educação intercultural e o ensino escolar de Sociologia: esta se trata de uma lacuna na

pesquisa nacional.

A pesquisa acerca da formação de professores no país abrange diversificadas e

recorrentes tendências temáticas e conceituais há algumas décadas (André, 2002 e 2010;

Lélis, 2010; Lüdke, 2002; Silva, 1991; Warde, 1993). Nesse conjunto, destacam-se

estudos sobre os cursos de formação de professores e os profissionais docentes.

Ademais, são emergentes no país os estudos da educação escolar e da formação de

professores à luz de alguma concepção de interculturalidade nas últimas décadas

(Canen, 1999; Fleuri, 2002; Moreira, 2005; Moreira e Candau, 2008; Rodrigues e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4172ISSN 2177-336X

4

Abramowicz, 2013; Xavier e Canen, 2005). Esse cenário resulta por certo do diálogo

cada vez mais recorrente da pesquisa educacional com os estudos da diferença cultural e

de sua complexa gestão no âmbito da sociedade global. Ao mesmo tempo em que os

estudos sobre formação docente e educação intercultural se tornam mais recorrentes,

multiplicam-se também as demandas acerca da investigação sobre os desafios que

envolvem a formação intercultural dos professores da escola básica.

A despeito das atenções dos pesquisadores nacionais às questões relativas aos

modelos formativos docentes e à educação intercultural, as intersecções entre esses

campos e a Sociologia escolar formam um nicho investigativo ainda a ser explorado no

país.

A questão que suscitou a pesquisa foi: como sujeitos licenciandos em Ciências

Sociais podem desenvolver ideias e atitudes crítico-reflexivas em favor da promoção da

educação intercultural no ensino da Sociologia escolar? Objetivou-se empreender a

pesquisa considerando a importância desta questão ao debate acadêmico sobre a

educação escolar e suas possíveis contribuições à produção de diálogos interculturais no

ensino básico.

Em conformidade com a proposta investigativa acima discriminada, o objetivo

geral da pesquisa foi, a saber: Analisar os efeitos do desenvolvimento de dinâmicas

dialógicas interculturais e práticas de ensino nas representações sociais sobre a

educação intercultural de sujeitos licenciandos em Ciências Sociais. E, em termos

específicos, buscou-se:

(1) Empreender, conjuntamente com sujeitos discentes do curso de licenciatura

em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense e professores de Sociologia da

escola básica de Niteroí / RJ oficinas pedagógicas interculturais;

(2) Construir práticas de ensino, conjuntamente com os sujeitos acima

mencionados;

(3) Avaliar os achados obtidos nas oficinas e práticas de ensino.

A interculturalidade é um emergente objeto de estudo em várias partes do mundo

(Bhabha, 2013; García-Canclini, 2004; Hall, 1992; Lander, 2005; Santos, 2002). Os

diálogos interculturais são concebidos como alternativas democráticas a se adotar

perante as visões etnocêntricas e excludentes que pautam a gestão social na atualidade.

Todavia, os diferentes olhares sobre a pluralidade cultural frequentam há muito

tempo a pauta da teoria antropológica. Por exemplo, estudos de Lévi-Strauss (1996)

permitem identificar que, historicamente, a diversidade cultural tende a ser concebida

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4173ISSN 2177-336X

5

em um sentido negativo: como uma ameaça aos padrões da cultura dominante. Nessa

perspectiva hegemônica, a adesão a esses cânones é declarada como indispensável,

restando apenas a segregação ou a eliminação aos grupos que discordarem desse ditame.

Segundo diversos autores, esses mecanismos são desenvolvidos também na gestão

educacional, ora impondo aos grupos minoritários a assimilação dos padrões

dominantes, ora excluindo esses grupos da convivência nos estabelecimentos educativos

(Forquin, 1994; McLaren, 1997).

O olhar proposto nesse trabalho investigativo requer que se questione o repúdio à

diversidade cultural que típicamente caracteriza as culturas escolares. Nesse sentido,

devem-se rearranjar as linguagens, os espaços, os tempos e os conhecimentos escolares

usuais, tornando-os campos de diálogo intercultural (Moreira e Candau, 2008).

É imprescindível repensar a docência, visando responder às demandas feitas à

educação escolar, dentre elas a interculturalidade. Para isso, cabe entender esse

exercício profissional como um fenômeno reflexivo e crítico (Geraldi et al, 1998;

Giroux, 1997; Kemmis, 1987; Lüdke, 1997; Monteiro, 2002; Nóvoa, 1992; Pimenta,

1994; Queiroz, 2012; Tardif, 2005; Zeichner, 1993).

A pesquisa se estabeleceu em face do campo problemático revisado, considerando

a importância desses referenciais ao desenvolvimento de identidades profissionais

interculturais na Sociologia escolar, mas, também se manteve aberta a outras

orientações teóricas que foram surgindo no decorrer do processo investigativo, esta

proposta configura as suas estratégias metodológicas.

Com efeito, a pesquisa foi operacionalizada por estratégias metodológicas

qualitativas. Por certo, todos os passos da investigação abordaram objetos que não

podiam ser quantificados: as representações sociais.

No contexto das pesquisas qualitativas utilizou-se a metodologia de pesquisa

participativa envolvendo alunos/estagiários dos cursos de Ciências Sociais da UFF,

professores da escola básica da rede pública do Estado do Rio de Janeiro e professor da

Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense na reflexão sobre as

próprias práticas, sobre os diferentes construtos de saberes envolvidos nos diferentes

contextos de atuação e na tentativa de discutir o ensino de Sociologia intercultural

durante os processos de formação inicial e continuada desses diferentes sujeitos

envolvidos na pesquisa.

O intercâmbio entre os sujeitos envolvidos nesse processo de investigação

desenhou-se da seguinte forma:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4174ISSN 2177-336X

6

1) Durante os encontros com alunos nas aulas e orientações na disciplina

Pesquisa e Prática de Ensino de Ciências Sociais ( PPECS);

2) Durante os estágios dos alunos da PPECS nas escolas da rede pública do

Estado do Rio de Janeiro;

3) Durante as oficinas coordenadas pelo professor de PPECS na Universidade

Federal Fluminense com os professores da escola básica, supervisores do estágio dos

alunos de PPECS, e alunos de PPECS do curso de Ciências Sociais da UFF.

Durante os encontros com os alunos nas aulas e orientações da disciplina de

Pesquisa e Prática de Ensino de Ciências Sociais (PPECS) foi trabalhada uma formação

de professores na tendência critico-reflexiva, configurando-se como uma política de

valorização do desenvolvimento pessoal-profissional desses futuros professores de

Sociologia e das instituições escolares. Foram planejadas e elaboradas diferentes

atividades interculturais que culminavam em micro aulas, operacionalizadas

individualmente pelos sujeitos da pesquisa, objetivando o exercício da docência

intercultural. Nesse processo de formação dos licenciandos, emergiu muitas

representações sociais a respeito do ensino de Sociologia intercultural e suas

implicações no cotidiano da escola básica. Isso porque trabalhar o conhecimento na

dinâmica da sociedade multimídia, da globalização, da multiculturalidade, das

transformações nos mercados produtivos e na formação dos alunos requer permanente

formação, entendida como ressignificação identitária dos professores.

Na tentativa de compreender a escola enquanto uma forma real que tem

funcionalidades específicas, os licenciandos foram distribuídos para realização do

estágio supervisionado, da disciplina PPECS, para quatro escolas da rede pública da

cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. Nesse momento do estudo em questão,

esses licenciandos já tinham passado por uma formação teórica significativa a respeito

do trabalho docente intercultural, bem como da sua autonomia didática e construção do

saber pedagógico. Após finalização dos estágios supervisionados, os licenciandos

produziram, individualmente, cadernos de atividades onde relatavam as suas

representações sociais a respeito do que vivenciaram no cotidiano escolar.

Os encontros com os professores da escola básica, alunos do curso de Ciências

Sociais e professor da disciplina de PPECS da Universidade Federal Fluminense

ocorreram durante a operacionalidade das oficinas realizadas. Relevantes representações

sociais emergiram durante esses encontros e todas foram documentadas com recursos

audiovisuais específicos. Planejamentos e atividades diversas que buscavam trabalhar o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4175ISSN 2177-336X

7

ensino de Sociologia intercultural foram operacionalizadas em diferentes performances.

Para nós ficou bem claro, durante esses encontros, que transformar as escolas com suas

práticas e culturas tradicionais e burocráticas que acentuam a exclusão social, em

escolas que eduquem os jovens superando os efeitos perversos da desigualdade social,

propiciando-lhes um desenvolvimento cultural, cientifico e tecnológico que lhes

assegure condições para fazerem frente às exigências do mundo contemporâneo, não é

tarefa simples, nem para poucos. Requer esforço coletivo de profissionais da educação,

alunos, pais e autoridades governamentais.

Com a finalidade de discutir e apresentar alguns achados da pesquisa, nada

melhor e mais adequado do que dar voz aos sujeitos envolvidos no estudo. A partir dai

algumas reflexões se destacam e provocam verdadeiros esclarecimentos à investigação,

vejamos:

“Aprendemos que no mundo de hoje a pluralidade cultural se converte

em um aspecto cada vez mais significativo no senso comum e nas

deliberações políticas. Entretanto, quando chegamos à escola básica a

sensação que temos é que essa afirmação não tem sentido nenhum

naquele espaço e muito menos na prática pedagógica do professor de

Sociologia. Será que a escola e o professor estão acampados em outros

tempos e espaços que geram processos diferentes do que

aprendemos?”

[ Licencianda do Curso de Ciências Sociais – UFF ].

“A escola, enquanto instituição, reproduz uma única cultura que é a

do grupo hegemônico/dominante. O pior de tudo é que a escola

modela toda a sua diversidade cultural numa mesma forma, como se

todos os sujeitos que por ali circulam fossem iguais.”

[ Licenciando do Curso de Ciências sociais – UFF ].

Chegar às escolas que foram observadas pelos sujeitos da pesquisa e registrar o

que se observa supõe múltiplas tensões para o pesquisador. Mesmo quando a preparação

prévia tenha colocado em dúvida os preconceitos e estejam claros os problemas teóricos

que demarcam a busca, impõe-se, de todos os modos, uma vigilância permanente.

Senso comum e interculturalidade alimentaram sistematicamente uma atitude

valorativa na observação do cotidiano escolar. Apesar das preocupações, tudo isso entra

em jogo quando se chega a observar a escola e a prática pedagógica do professor de

Sociologia. O estímulo para compreender, no próprio ato de observar a escola e a

prática pedagógica do professor de Sociologia, associa ao senso comum às categorias

das Ciências Sociais e as do próprio sistema educacional. Apela-se à ideia de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4176ISSN 2177-336X

8

“instituição” a fim de encontrar parâmetros e modelos, localizar hierarquias, identificar

normas que regem a organização escolar e o comportamento individual.

Não podemos esquecer a ideia de que a escola básica deve ser compreendida

como um dos diversos âmbitos chamados a desenvolver diálogos interculturais. Se ela

não está fazendo isso, precisamos nos mobilizar nessa direção e buscar, a partir de

práticas propositivas, direcioná-la para esse sentido. A formação de professores como

um espaço de construção de identidades profissionais comprometidas com a propositura

de práticas pedagógicas interculturais ganha tamanha importância para alavancar esse

processo e mobilizar recursos humanos necessários à implementação dessa concepção

de educação que não podemos perder de vista.

“Não somos formados, enquanto professores, para implementarmos na

escola básica práticas pedagógicas interculturais. Não fomos e nem

estamos preparados para esse tipo de atuação profissional.”

[ Professor de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ].

“Nós não estamos preparados para mobilizar saberes e experiências

que favoreçam a proposição de práticas pedagógicas interculturais na

sala de aula e na escola básica.”

[ Professora de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ].

“A minha formação de professor não foi critico-reflexiva. Não tenho

capacidade de realizar dinâmicas dialógicas e práticas de ensino

interculturais com os meus alunos. Sinto dificuldades de refletir sobre

minha própria prática em função do meu despreparo profissional.”

[ Professor de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ

O estudo da prática social da educação requer competências que possibilitem

novos modos de compreensão do real e de sua complexidade. Não se pode mais educar,

formar, ensinar apenas com o saber (das áreas do conhecimento) e o saber fazer (

técnico/tecnológico). Faz-se necessária a contextualização de todos os atos, seus

múltiplos determinantes, a compreensão de que a singularidade das situações necessita

de perspectivas filosóficas, históricas, sociológicas, psicológicas, etc. Perspectivas que

constituem o que se pode denominar de cultura profissional da ação docente.

Os professores de Sociologia da escola básica para desenvolverem ideias e

atitudes crítico-reflexivas em favor da promoção da educação intercultural no ensino da

Sociologia escolar precisam passar por uma formação adequada, qualificada e que os

habilitem a esse exercício profissional. Para isso a academia brasileira precisa estar

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4177ISSN 2177-336X

9

repensando os currículos de formação de professores e propiciando a esses profissionais

uma formação profissional de qualidade, considerando a importância dessa questão ao

debate acadêmico sobre a educação escolar e suas possíveis contribuições à produção de

diálogos interculturais no ensino básico.

É extremamente importante preparamos professores pensando a formação do

professor como uma proposta única englobando a formação inicial e a formação

continuada. Nesse sentido, a formação envolve um duplo processo: o de auto formação

dos professores, a partir da reelaboração constante dos saberes que realizam em sua

prática, confrontando suas experiências nos contextos escolares onde atuam; e o de

formação nas instituições acadêmicas onde estudam e atuam. É importante preparar

professores que assumam uma atitude critico-reflexiva em relação ao seu ensino e às

condições sociais que o influenciam. Nessa proposta de formação crítico-reflexiva

reconhecemos uma estratégia para melhorar a formação dos professores, uma vez que

pode aumentar sua capacidade de enfrentar a complexidade, as incertezas e as injustiças

na escola e na sociedade.

“Tive muita dificuldade para executar a minha aula no estágio

supervisionado realizando dinâmicas dialógicas e interculturais com

os alunos. Eles tumultuaram a aula e eu perdi o domínio da turma.

Não consegui colocar em prática o que vivenciei na disciplina de

PPECS e nas oficinas realizadas”.

[ Licencianda do Curso de Ciências Sociais – UFF ].

“A partir do momento que comecei a trabalhar com algumas práticas

de ensino interculturais nas minhas turmas de ensino médio, eu sai da

minha zona de conforto. O planejamento das aulas me tomou mais

tempo, precisei estudar mais um pouco, os alunos se tornaram sujeitos

da ação educativa e mais participativos e a sala de aula tornou-se mais

viva e desafiante”.

[ Professora de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ].

Os problemas se recolocam ao analisarmos os efeitos do desenvolvimento de

dinâmicas dialógicas interculturais e práticas de ensino nas representações sociais sobre

a educação intercultural. Nesse sentido, é imprescindível repensar a docência, visando

responder às demandas feitas à educação escolar, dentre elas a interculturalidade. Para

isso, cabe entender esse exercício profissional como um fenômeno reflexivo e crítico.

Ao considerar o professor como alguém que pensa seu trabalho e sobre seu

trabalho, como alguém que constrói um saber, colocamo-nos diante da diferença entre o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4178ISSN 2177-336X

10

saber e o conhecimento. O saber constitui-se numa fase do desenvolvimento do

conhecimento, onde apesar de existir já a autoconsciência do saber, é a fase que o

homem apenas sabe que sabe, mas não sabe ainda como chegou a saber.

O professor, na heterogeneidade de seu trabalho, está sempre diante de situações

complexas para as quais deve encontrar respostas, e estas, repetitivas ou criativas,

dependem de sua capacidade e habilidade de leitura da realidade e, também, do

contexto, pois pode facilitar e/ou dificultar a sua prática. As respostas do professor

traduzem-se na sua forma de intervenção sobre a realidade em que atua: a sala de aula.

Nesse sentido, para que a realidade seja transformada, a prática se faz necessária.

O trabalho docente exige, pois, daquele que o exerce, uma qualificação que vai

além do conjunto de capacidades e conhecimentos que o professor deve aplicar nas

tarefas que constitui o seu oficio e que pressupõe uma consciência de sua prática

profissional. Sem esta, sua ação restringir-se-á à práxis repetitiva.

“O curso de PPECS e as oficinas me possibilitaram uma formação

docente que mudou a minha relação com a sala de aula e com a escola

básica”.

[ Licenciando do Curso de Ciências Sociais – UFF ].

“Participar dessa pesquisa e frequentar as oficinas ministradas durante

esse semestre redimensionou a minha carreira profissional e mudou

completamente a minha visão sobre a sala de aula e sobre o que é ser

professor”.

[ Professor de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ].

“Depois de nove anos de carreira, e ao participar desse estudo, percebi

o quanto eu estava equivocada nas minhas concepções sobre a escola

e o meu desempenho profissional”.

[ Professora de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ].

Como já dito anteriormente, a interculturalidade é um emergente objeto de estudo.

Os diálogos interculturais são concebidos como alternativas democráticas a se adotar

perante as visões etnocêntricas e excludentes que pautam a gestão social na atualidade.

Pensar a formação de professores a partir desses princípios se configura como uma

proposta de valorização do desenvolvimento pessoal-profissional dos professores e das

instituições escolares.

A formação de professores sob os princípios da educação intercultural apresenta-

se como uma perspectiva que se traduz num novo paradigma sobre formação de

professores e suas implicações sobre a profissão docente. Compreende um projeto

humano emancipatório. A academia brasileira precisa propiciar a formação de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4179ISSN 2177-336X

11

professores sob essa perspectiva, formando profissionais com consciência e

sensibilidade social. Para isso, precisamos formar e educar nossos professores como

intelectuais críticos capazes de ratificar e praticar o discurso da liberdade e da

democracia.

Esse estudo possibilitou compreender que o ensino de sociologia escolar

intercultural pressupõe pensar uma nova formação profissional do professor de

sociologia da escola básica. Também mostrou que a partir de atividades dialógicas e

práticas de ensino interculturais de campo, para além dos muros das escolas,

possibilitam aos licenciandos em Ciências Sociais desenvolverem ideias e atitudes

crítico-reflexivas em favor da promoção da educação intercultural no ensino da

Sociologia escolar.

A partir do empreendimento do curso da disciplina de PPECS, do estágio

supervisionado e das oficinas ministradas na operacionalidade da pesquisa conclui-se

que a escola está no campo de luta, mas não é o principal, ou seja, ela é um instrumento

de luta entre outros. E é um instrumento de luta porque o trabalho educativo é

essencialmente político, e como podemos afirmar, é a intensificação da contradição

politica que permitirá a transformação social ou a emancipação humana do professor de

sociologia da escola básica.

Enfim, é em meio à recorrente e explosiva convivência entre as culturas que

marca o cotidiano atual que se torna necessário pensar em uma sociedade mais

democrática. O professor de sociologia escolar sob os princípios da educação

intercultural são sujeitos do conhecimento e a prática deles, ou seja, seu trabalho

cotidiano, não é somente um lugar de aplicação de saberes produzidos por outros, mas

também um espaço de produção, de transformação e de mobilização de saberes que lhes

são próprios.

Referências Bibliográficas

ANDRÉ, M. A Pesquisa sobre Formação de Professores no Brasil – 1990 – 1998. In:

CANDAU, V. M. A Didática hoje: uma agenda de trabalho. In: CANDAU, V. M.

(Org.) Didática, Currículo e Saberes Escolares. Rio de Janeiro: DP & A, 2002.

CANDAU, V. M. Sociedade, Educação e Cultura(s): Questões e Propostas.

Petrópolis: Vozes, 2002.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4180ISSN 2177-336X

12

CANDAU, V. M. SACAVINO, S. MARANDINO, M. BARBOSA, M. F. MACIEL, A.

G. Oficinas Pedagógicas de Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, 1995.

CANEN, A. Multiculturalismo e Formação Docente: experiências narradas. In:

Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 24, nº 2, 1999.

FLEURI, R.M. Multiculturalismo e Interculturalismo nos processos educacionais.

In: CANDAU, V. M. (Org.) Ensinar e aprender: sujeitos, saberes e pesquisa/ Endipe.

Rio de Janeiro: DP & A, 2002.

FORQUIN, J. C. Escola e Cultura. Porto Alegre: Artmed, 1994.

GARCÍA-CANCLINI, N. Diferentes, Desiguais e Desconectados. Rio de Janeiro:

EdUFRJ, 2004.

GERALDI, C. FIORENTINI, D. PEREIRA, E. M. A. (Orgs.) Cartografias do

Trabalho Docente. Campinas: Mercado de Letras, 1998.

GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias

de reprodução. Petrópolis (RJ): Vozes, 1986.

________. A Escola crítica e a Política Cultural. São Paulo: Cortez, 1988.

da aprendizagem. Porto Alegre: Artes médic as, 1997.

HALL, S. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP & A,

1992.

KEMMIS, S. Critical Reflection. In: WIDDEN; ANDREWS (Orgs.). Staff

Development for School Improvement. Filadélfia: The Falmer Press, 1987.

LÉLIS, I. A. O Trabalho Docente na Escola de Massa: desafios e perspectivas. In:

Sociologias, Porto Alegre, n° 29, jan/abr 2012.

LÉVI-STRAUSS, C. Tristes Trópicos. São Paulo: Cia da Letras, 1996.

LUDKE, M. CRUZ, G. B. A Pesquisa do Professor da Escola Básica. Revista

Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 14, 2009.

MCLAREN, P. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez, 1997.

MONTEIRO, A. M. A Prática de Ensino e a Produção de Saberes na Escola. In:

CANDAU, V. M. (Org.). Didática, Currículo e Saberes Escolares. Rio de Janeiro: DP &

A, 2002.

MOREIRA, A. F. A Recente Produção Científica sobre Currículo e

Multiculturalismo no Brasil (1995 – 2000): avanços, desafios e tensões. In: Revista

Brasileira de Educação. Campinas, nº 18, set/dez 2001.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4181ISSN 2177-336X

13

__________. Currículo e Estudos Culturais: tensões e desafios em torno das

identidades. In: SILVEIRA, R. M. H. (Org.). Cultura, Poder e Educação: um debate

sobre estudos culturais em educação. Canoas: EdUlbra, 2005.

MOREIRA, A. F. CANDAU, V. M. Educação escolar e cultura(s): construindo

caminhos. In: Revista Brasileira de Educação, nº 23, maio/ago, 2003.

__________. Currículo, Conhecimento e Cultura. In: Indagações sobre Currículo.

Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2008.

__________. (Orgs.). Currículos, disciplinas escolares e culturas. Petrópolis: Vozes,

2014.

NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

PIMENTA, S. G. O Estágio na Formação de Professores: unidade teoria e prática?

São Paulo: Cortez, 1994.

PIMENTA, S. G. GHEDIN, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica

de um conceito. São Paulo: Cortez, 2005.

QUEIROZ, P. P. A pesquisa e o ensino de História: espaços/processos de construção

de identidade profissional. In: NIKITIUK, S. (Org.). Repensando o Ensino de

História. São Paulo: Cortez, 2012 (8ª Ed).

_____________. O Ensino de Sociologia na Escola Básica: refletindo sobre saberes

docentes e formação profissional. Anais do III Encontro Nacional sobre o Ensino de

Sociologia na Escola Básica. Fortaleza: EdUFC, 2013.

QUEIROZ, P. P.; NEVES, F. H. Conhecimento Sociológico Escolar e Educação

Intercultural: dilemas e problematizações. In: ALEPH/UFF, Niterói/RJ, n° 20,

dez/2013.

SANTOS, B. S. Para uma Pedagogia do Conflito. In: SILVA, L. H. et al. (Orgs.)

Novos mapas culturais, novas perspectivas educacionais. Porto Alegre: Sulina, 1996.

_____________. Para uma Sociologia das Ausências e uma Sociologia das

Emergências (2002). Disponível em <www.boaventuradesousasantos.pt>. Acessado em

10/07/15.

TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2005.

WARDE, M. J. A Produção Discente nos Programas de Pós-Graduação no Brasil

(1982 – 1991): avaliação e perspectivas. In: Avaliação e perspectivas na área da

educação (1982 – 1991). Porto Alegre: ANPEd/CNPq, 1993.

ZEICHNER, K. A Formação Reflexiva de Professores: ideias e práticas. Lisboa:

Educa, 1993.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4182ISSN 2177-336X

14

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: SABERES E PRÁTICAS PARA ALÉM DOS

MUROS ESCOLARES

Ana Carolina da Rocha – SEEDUC/RJ – Estácio de Sá

Angela Maria Venturini - ISERJ

Mylene Cristina Santiago - UFF

A consolidação dos movimentos sociais no processo de redemocratização do

Brasil resultou na Constituição Federal de 1988, conhecida como constituição cidadã,

que afirma o princípio da igualdade racial. Com a efervescência política desse período,

marcado pelas lutas em defesa dos direitos humanos, a problemática da desigualdade e

da discriminação racial na sociedade e no sistema escolar brasileiro torna-se flagrante,

provocando a necessidade de políticas públicas e educacionais, que assegurem a eficácia

do princípio da igualdade racial, a partir de ações afirmativas.

Dentre as ações visando à promoção da igualdade racial, a Lei Federal nª

10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura da população afro-

brasileira no sistema educacional, representa um marco na histórica na luta do

Movimento Negro.

Esta lei teve como desdobramento a elaboração das Diretrizes Curriculares para

a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana, que se trata de política curricular, fundada em dimensões

históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, com a intenção de

combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros

(BRASIL/MEC/SEPPIR, 2004).

A mencionada política curricular buscar traduzir bases filosóficas e pedagógicas

pautadas nos princípios de: consciência política e histórica da diversidade;

fortalecimento de identidades e de direitos; e, ações educacionais no combate ao

racismo e às discriminações.

A compreensão de tais princípios se refere a todos os profissionais da educação,

que exercem influência desde a (des) construção de ideias e comportamentos presentes

na sociedade, passando pela valorização dos elementos da cultura afro-brasileira para a

construção da identidade e a promoção de práticas que superem o racismo e o

preconceito existente no cotidiano das escolas. Nosso principal problema de pesquisa se

refere a como concretizar tais intenções em práticas curriculares. Sabemos que a

implementação das diretrizes curriculares com atenção aos princípios mencionados,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4183ISSN 2177-336X

15

revelam exigências de mudanças de valores, de maneiras de pensar e de agir dos

indivíduos, em particular, assim como das instituições e das suas tradições culturais

(ARANTES & SILVA, 2009).

A incorporação da temática afro-brasileira no currículo escolar trouxe o debate

sobre como essa discussão vinha sendo tratada no cenário da escola e ampliou a

problematização quanto ao processo de folclorização atribuído às questões africanas,

que, preferencialmente, eram abordadas apenas em datas comemorativas, não raras

vezes reduzidas a apresentações de danças ou músicas.

Em nosso ver, esse tratamento curricular mantinha a cultura e os grupos

abordados em uma perspectiva exótica e artificial, que não correspondia à realidade

dos mesmos e que mantinham a inferioridade histórica. Lamentavelmente, esses

processos ainda não foram superados e há um longo caminho a ser percorrido para se

construir uma relação crítica e problematizadora, que elimine práticas pedagógicas

essencializadoras, bastante enraizadas na cultura escolar.

É evidente que a incorporação dessas leis não supera o perigo da essencialização

das identidades e culturas africana e afro-brasileira, mesmo que isto não represente as

intenções legislativas e curriculares. Vemo-nos diante de uma tarefa desafiadora, que

exige de nós um posicionamento crítico e político, para que possamos refletir sobre a

diversidade cultural, com um olhar ampliado, que consiga abarcar seus diferentes

recortes diante da implementação de políticas públicas que respeitem a história e a

diferença de cada grupo social, dentro das suas especificidades, sem perder o rumo do

diálogo, da troca de experiências e da garantia dos direitos sociais (GOMES, 2003).

Nesse trabalho, nossa metodologia consistiu em estudo de caso que teve como

objetivo gerar ações afirmativas de inclusão para implementar o ensino da temática

„História e Cultura Afro-Brasileira‟ no Colégio Estadual Souza Aguiar (CESA),

localizado no Centro do Rio de Janeiro, em parceria com a proposta Kabula Artes e

Projetos, integrante da Associação Cultural Ilê Mestre Benedito de Angola (ACIMBA).

Reiteramos que as mudanças promovidas pela Lei Federal 10.639/03 têm a

pretensão de provocar nos sistemas educacionais uma nova postura política diante da

produção de conhecimentos e saberes oriundos das demandas sociais e culturais de

ascendência, sobretudo, africana que constituem nossa brasilidade. Diante deste novo

cenário, o sistema educacional precisa considerar as diferentes vozes que o constituem.

A partir da legalidade, a escola se depara como o desafio de promover o

interculturalismo em um movimento de transpor as tensões postas pela sociedade que

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4184ISSN 2177-336X

16

vem normatizando e ditando o que é certo, belo e legitimamente posto pelo discurso do

opressor sobre o oprimido ao longo da história, pois como nos mostra Bourdieu (1989):

A cultura dominante contribui para a integração real da classe

dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os

seus membros e distinguindo-os das outras classes); para a integração

fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização

(falsa consciência) das classes dominadas; para a legitimação da

ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções

(hierarquias) e para a legitimação das distinções. (p.10)

Entendemos que só será possível pensar em uma “nova ordem” a partir do

processo de conscientização e participação dos grupos historicamente oprimidos. No

entanto, como promover ações no âmbito escolar que possam ir contra ao

monoculturalismo opressor dominante? A Lei 10.639/03 vem ratificar a obrigatoriedade

do estudo da história e cultura afro-brasileira não como mais uma disciplina específica a

ser trabalhada. A proposta diz respeito à produção de conhecimentos e formação de

atitudes e valores capazes de educar cidadãos conscientes da cultura étnico-racial.

Entretanto, intenções e orientações legislativas não se convertem em práticas

instantâneas. A instituição educacional na tentativa de implementar a demanda da lei

federal 10.639/03 se esbarra, na maioria das vezes, com o desconhecimento dos

educadores, diante da questão, na medida em que estes não foram contemplados em sua

formação acadêmica com a história africana e afro-brasileira. A partir dessa lamentável

realidade, faz-se urgente uma formação continuada docente a fim de trazer essa temática

à tona. Assim, começam a surgir alguns grupos voltados à formação de gestores e

docentes nas secretarias de educação de vários estados.

Desse modo, trazemos a história do Comitê Étnico Racial da Secretaria Estadual

de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC). Esse comitê surge no ano de 2008 pensando

na necessidade de uma formação continuada sobre o estudo da história e cultura afro-

brasileira e com o objetivo de realizar a troca de práticas pedagógicas sobre o assunto

num movimento inclusivo por uma nova cultura no âmbito escolar.

Contudo, como seria possível pensar em novas práticas pedagógicas diante do

currículo normatizador existente? Como transformar tal currículo, se há uma falta de

conhecimento do próprio corpo docente sobre a história africana e afro-brasileira?

Essas questões foram as mais citadas durante as primeiras reuniões do Comitê

Étnico Racial da Coordenadoria Regional X da Secretaria Estadual de Educação do Rio

de Janeiro. O Comitê surge a partir da constatação de que há no cotidiano educacional

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4185ISSN 2177-336X

17

poucas práticas afirmativas interculturais. No âmbito escolar, a prática ainda é

consideravelmente voltada para o multiculturalismo celebratório (CANDAU, 2004).

Podemos perceber que o multiculturalismo celebratório ainda aparece como algo

marcadamente utilizado na medida em que as comemorações acontecem num período

pontual como a “Semana da Consciência Negra” em que através de painéis ilustrativos,

palestras e apresentações, por vezes, caricaturais sobre a cultura africana acabam

segregando, na maioria das vezes, muito mais o que deveria ser prática emancipatória.

Como forma de enfrentar as barreiras pedagógicas e ideológicas sobre as temáticas

raciais, consideramos a possibilidade de investir em processos formativos pautados em

perspectivas interculturais.

Para iniciar a discussão sobre a questão formação docente em uma perspectiva

intercultural, definimos que esse processo tem por base o reconhecimento do direito à

diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social. Tenta

promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a

universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a esta realidade, sem

ignorar as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. (CANDAU,

2005, p. 19).

Desse modo, a busca da construção de práticas pedagógicas atentas às diferenças e

superação de discursos discriminatórios se dá na articulação entre os estudos e

pesquisas sobre o interculturalismo e a formação continuada do professor.

As intenções para formação do professor, visando um projeto contínuo de reflexão

ao longo de toda vida profissional, têm início na década de 1960, como nos apresenta

Nóvoa (2004). Essas intenções se apoiam/apoiaram em valores do neoliberalismo,

atendendo às perspectivas neoliberais de valorização do processo de formação dos

professores e à necessidade de investimentos nos chamados recursos humanos

(GOMES, 2011).

Paulo Freire (2011) nos leva a pensar sobre a necessidade da valorização do

professor como sujeito de uma cultura e em diálogo constante com as culturas dos

estudantes, até então ausentes ou silenciadas na escola, a partir de uma oposição crítica

ao neoliberalismo na formação docente. Nesse sentido, as pesquisas sobre formação dos

professores passaram a considerar a interlocução entre culturas que adentravam cada

vez mais na escola.

Zeichner apud Geraldi et al (2000) aponta para a demanda de reflexão dos

professores sobre a dimensão política e social dentre outras, ampliando as análises sobre

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4186ISSN 2177-336X

18

o que acontece em sala de aula e as escolhas que afetam a vida dos estudantes,

entendendo que a forma como o professor percebe a realidade cultural e escolar

promove, por vezes, entraves que inviabilizam a experimentação de outros pontos de

vistas.

Os docentes ao não meditarem sobre o que, porque e como ensinam, corroboram

com a naturalização do olhar sobre o cotidiano escolar e fomentam práticas tecnicistas

que, fundamentadas na busca de soluções e recursos mais eficientes, encontram em

outros sujeitos, que não o próprio professor, as soluções para os inúmeros desafios que

acontecem nas escolas. De acordo com o autor supracitado, o professor cria saberes,

produzindo culturas e ao pensar sobre o contexto escolar e cultural em que atua, por

exemplo, sobre os resultados das suas práticas, encontra uma diversidade de respostas e

estratégias com e para os estudantes.

Geraldi et al (2000) ressaltam como um dos pressupostos para uma reflexão

crítica sobre a construção de teorias e práticas sobre/do professor, a complexa realidade

escolar imbricada por diferentes culturas. Pensar sobre crenças, percepções, valores,

visões de mundo, representações e opiniões pessoais implica ir além do raciocínio como

ação individual e adentrar em mundo real de conflitos, tensões e disputas ideológica, e

até mesmo física, vivida pelos professores durante as aulas.

Pensar acerca das pesquisas e políticas de currículo para formação dos professores

que atuam nas escolas públicas parece vital, quando não são respeitadas as culturas e

valorizada as diferenças entre sujeitos e culturas históricas. A busca por uma atuação

meramente técnica dos professores torna a reflexão da pesquisa sobre o ensino uma

atividade que não supera o viés tecnicista.

Em contraposição, o compartilhamento de pensamentos/debates dos professores e

pesquisadores em relação às questões culturais, como por exemplo, os conflitos étnicos,

dentre outras questões, podem contribuir para uma transformação da escola com espaço-

tempo da relação entre pesquisa sobre formação continuada de professores e construção

de práticas pedagógicas interculturalmente orientadas.

A partir dessa realidade a Secretaria de Educação promove em 2008 um espaço de

formação continuada sobre a temática com representantes de todos os colégios do

Estado do Rio de Janeiro:

A Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro- SEEDUC, por

seu compromisso e postura de diálogo franco com a sociedade, tem

procurado estabelecer em sua estrutura funcional organismos para

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4187ISSN 2177-336X

19

atingir estratégias pedagógicas. Para tal, foi criado no ano de 2008, o

Comitê Estadual Étnico-Racial, composto por representantes de cada

uma de suas antigas 30 Coordenadorias Regionais. (SANTOS, 2013,

p. 1)

Assim, desde 2008, cada uma das trinta Coordenadorias Regionais se reúne

mensalmente com seus representantes: coordenadores e representantes de cada escola

com o objetivo de trocar experiências sobre o desenvolvimento pedagógico com o

objetivo de promover práticas multiculturais revolucionárias nas adequações

curriculares efetuadas para implementar o ensino da temática „História e Cultura Afro-

Brasileira e Indígena‟:

Expressões como multiculturalismo conservador, liberal, celebratório,

crítico, emancipador, revolucionário podem ser encontradas na

produção sobre o tema e multiplicam-se continuamente. Certamente

são inúmeras e diversificadas as concepções e vertentes multiculturais

(...) O “empoderamento” tem também uma dimensão coletiva,

trabalha com grupos sociais minoritários, discriminados,

marginalizados etc., favorecendo sua organização e sua participação

ativa na sociedade civil. As ações afirmativas são estratégias

orientadas ao “empoderamento”. (CANDAU, 1997, p. 53)

Diante desse desafio, elegemos trazer a abordagem do Colégio Estadual Souza

Aguiar, na medida em que essa instituição vem se comprometendo em promover ações

afirmativas de empoderamento das minorias, na comunidade escolar, pelo viés da

participação.

O Colégio Estadual Souza Aguiar (CESA) foi criado em 29 de março de 1908 e

está localizado no bairro da Lapa, no município do Rio de Janeiro. O CESA recebe

cerca de 1.300 estudantes do Ensino Médio em três turnos. Essa instituição centenária

apresenta um perfil de alunos voltados às linguagens artísticas: a musicalidade, a poesia

e a dança estão presentes no cotidiano dos jovens estudantes.

A partir da dificuldade de um conhecimento abrangente sobre a cultura afro-

brasileira, a equipe docente se preocupou em pesquisar mais sobre a temática e decidiu

buscar novas parcerias para enriquecer a sua prática pedagógica. Através da pesquisa

virtual foi possível perceber que há uma infinidade de projetos relacionada à valorização

da História e da Cultura Afro-Brasileira.

A eleição pelo projeto Kabula foi feita pela equipe pedagógica, ao avaliar que a

proposta educacional representava uma forma didática e artística que viabilizaria o

resgate da cultura africana, enaltecendo a brasilidade numa interlocução prazerosa:

O Kabula Artes e Projetos, integrante da Associação Cultural Ilê

Mestre Benedito de Angola (ACIMBA) e do movimento cultural

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4188ISSN 2177-336X

20

Conexão Carioca de Rodas na Rua (CCRR), desde junho de 2012 até

agora, realiza mensalmente as Rodas de Capoeira do Cais do Valongo,

que são apresentações públicas de capoeira angola, precedidas

pelas Rodas dos Saberes, palestras gratuitas sobre a história,

identidade e manifestações culturais na Região Portuária, realizadas a

céu aberto no antigo Cais do Valongo. (TEIXEIRA, 2014, p. 2)

O objetivo do projeto consiste em colaborar com a preservação da memória;

promover a divulgação e valorização do patrimônio cultural imaterial das culturas de

matriz afro-brasileira no Rio de Janeiro, que têm o seu berço histórico na Região

Portuária. O projeto pode ser considerado como uma lente para todo brasileiro olhar

para si e para seu redor, enquanto produtos do contexto e da cultura afro-brasileira.

Trata-se potencialmente de uma contribuição ao processo de formação de professores ao

promover saberes e práticas, que corroborem com o estudo e ensino dos diversos

aspectos da história e da cultura das etnias africanas.

Entre as atividades realizadas, destacamos a aula passeio (FREINET, 1979), que

permitiu a educandos e professores, realizarem práticas interculturais e as adequações

curriculares efetuadas para implementarem o ensino da temática „História e Cultura

Afro-Brasileira de maneira significativa e prazerosa, rompendo, assim, com os muros

da escola pois:

As saídas ao ar livre readquirem seus direitos, se fazem cada vez mais

números e se transformam, pouco a pouco, em aulas passeio. Saía-se

alegremente e aparentemente sem problemas, mas agora já havia a

preocupação de fazer um relatório de todos os acontecimentos que, ao

longo dos caminhos, atraíam o olhar daqueles que estavam habituados

a ver as coisas mais de perto: uma busca permanente dos olhos,

ouvidos, de todos os sentidos abertos à magia do mundo, fazia surgir

todas essas paisagens, agora vistas como novas, uma incessante

descoberta, imediatamente comunicada e que se tornava coletiva. E,

captada em pleno voo por um professor atento, era a liberação das

almas, uma coesão lentamente construída e mais íntima da

comunidade escolar. (FREINET, 1979, p. 17)

Freinet foi um dos primeiros teóricos da área da educação que buscou aliar a

teoria à prática construindo uma ligação entre professor e aluno jamais estabelecida.

Cabe lembrar que a ordem sempre existiu, todavia nessa prática o aluno passou de mero

espectador à protagonista. Sem dúvida, o caminho trilhado por Freinet trouxe

contribuições incontestáveis à educação. Ao adotar tal perspectiva, o Colégio Estadual

Souza Aguiar (CESA), em parceria com o projeto Kabula promove passeios,

denominados: aulas das descobertas. Essas aulas aconteciam no Cais do Porto do

Valongo:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4189ISSN 2177-336X

21

O Valongo, lugar de desembarque de centenas de milhares de

africanos escravizados entre 1774 e 1831, passou em seguida quase

dois séculos encoberto e esquecido pelos habitantes do Rio de Janeiro

e seus visitantes. Como era inconveniente lembrar desse lugar de

sofrimento e de profunda injustiça, os donos do poder carioca o

encobriram, primeiro com outro cais, depois com um largo chamado

de “Jornal do Commercio”, o que evoca notícias de uma atividade

decente e normal, não um crime contra a humanidade (...) O Valongo

constitui assim um lugar crucial de memória para lembrar a tragédia

que foi o tráfico transatlântico de seres humanos escravizados, e sua

escala inhumana de quase um milhão de vítimas desembarcadas

apenas nas pedras desse cais. (ASSUNÇÃO, 2014, p. 9)

As aulas das descobertas acontecem mensalmente durante todo o ano letivo desde

2014. Os estudantes do Colégio Estadual Souza Aguiar participam ativamente das

propostas oferecidas pelo projeto Kabula: o passeio ao Cais do Porto, a Roda dos

Saberes, que envolvem diferentes autores promotores de contação de histórias africanas

e atividades de musicalidade que fortalecem processos de resistência e fortalecimento

da memória social.

Figura n° 1: Roda de capoeira – Projeto Kabula

Crédito fotográfico: Maria Buzanosvky. Coordenação: Carlo Alexandre Teixeira Produção: Ana Carolina Oliveira.

Além dessas atividades lúdicas, a roda de capoeira acontece não como ritual

folclórico, mas movimento de militância ativa numa reunião perfeita de alegria e arte. A

parceria CESA e Kabula vem possibilitando novas formas afirmativas para possibilitar

as adequações curriculares, para implementar o ensino da temática „História e Cultura

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4190ISSN 2177-336X

22

Afro-Brasileira e Indígena‟, de forma emancipatória para além dos muros da escola.

Ousamos afirmar que a parceria tem sido também, uma nova forma de experiência

formativa para os professores e educandos.

Ressaltamos que, a escolha da equipe docente do Colégio Estadual Souza Aguiar

(CESA) pela parceria com o projeto Kabula se deu pela empatia pela memória histórica

do Cais do Porto de Valongo. De acordo com Soares (1994, p. 02), “a área do Valongo

teria recebido ao menos meio milhão de escravos entre fins do século XVIII quando o

tráfico negreiro transatlântico foi proibido.”

Para os pesquisadores, essa área do cais representa o maior porto negreiro das

Américas e constitui um lugar emblemático da diáspora africana em nível internacional.

Em 1843, o local teria sido remodelado e transformado no Cais da Imperatriz, com o

intuito de receber a princesa Tereza Cristina das duas Sicílias, que desembarcava da

Europa recém-casada com o imperador D. Pedro II.

A área toda foi aterrada na primeira década do século XX, no âmbito das reformas

urbanísticas promovidas pelo então prefeito Pereira Passos, dando lugar à praça Jornal

do Comércio, localizada na atual avenida Barão de Tefé. O Porto de Valongo apresenta

uma história marcante que ainda é possível ver as cicatrizes da escravidão ao visitar o

território da Praça Mauá.

Para efeito de informação, destacamos alguns fatos marcantes ocorridos nesse

espaço histórico: Local de Nascimento de Machado de Assis, em 1839, no Morro do

Livramento; Palco da Revolta da Chibata, em 1910; Local de fundação do Clube de

Regatas Vasco da Gama, em 1898; Construção do primeiro “Arranha-céu” da América

Latina, o edifício “A Noite”, na década de 20; Local de surgimento da primeira favela

do Brasil, em 1897, o Morro da Providência; Nascimento das rodas de choro e do

samba, na “Pedra do Sal”, Morro da Conceição; Berço da primeira escola de Samba do

Rio, em 1932, Vizinha Faladeira. Em 2015, o cais do Porto do Rio, no seu formato

atual, completou 105 anos.

Desde seu centenário em 2010, o Porto de Valongo vem perdendo sua identidade

a partir do projeto de revitalização do Porto do atual prefeito Eduardo Paes. O prefeito

iniciou um projeto denominado Porto Maravilha. Nele consiste em revitalizar o Cais do

Porto com o objetivo de criar um novo ambiente ao local que tornará os terrenos

atraentes à iniciativa privada. Para isso, a prefeitura do Rio de Janeiro parece imbuída

em apagar a história passada ao promover parceria com empreiteiras e construir prédios

e desalojar antigos moradores dessa região tombada pelo patrimônio cultural.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4191ISSN 2177-336X

23

Nesse ano de 2016, com a inauguração do Museu do Amanhã, observamos que a

região do Valongo ganha outro sentido. O local em que o Museu do Amanhã foi

construído, enterra a maioria dos corpos negros que já colocaram os pés no continente

americano. Assim, o passado negro é deliberadamente ignorado e substituído pela

construção arquitetônica moderna do Museu do Amanhã. A partir dessa realidade,

aumenta a necessidade de práticas afirmativas nas escolas que envolvam o resgate da

memória do Porto de Valongo.

O projeto Kabula ocupou esse espaço num movimento de resistência à nova

ordem comercial implementada pela prefeitura do Rio de Janeiro e vem dialogando com

o poder público sobre a importância de preservar a identidade da região. Assim, em

2015, foi publicado “Roda dos Saberes do Cais do Valongo”. Esse livro é fruto de

reflexões de pesquisas, memórias e histórias pontuais de culturas populares de

resistência ontem e hoje.

A partir desse livro, os jovens estudantes do Colégio Estadual Souza Aguiar

(CESA), dentre outras instituições de ensino, têm a oportunidade de conhecer algumas

linhas dessa história marcante e que jamais deverá ser esquecida: o Cais do Porto de

Valongo, pois trazendo os versos de Paulinho da Viola: Quando penso no futuro, não

me esqueço do passado. Sendo assim, a proposta do CESA em consonância com o

projeto Kabula possibilita um amanhã menos excludente através do resgate memorial do

Cais do Porto de Valongo.

Cumpre esclarecer que, Kabula se origina do idioma banto falado entre os países

do Congo e Angola e significa: mistério; culto religioso secreto; ritmo religioso tocado,

cantado e dançado. Além disso, Kabula é um verbo e nome próprio feminino (SANTOS

et al., 2010, p. 210).

A articulação deste projeto com o CESA, colégio de ensino médio estadual, local

de matrícula de 1.300 estudantes com o perfil para expressar-se através de diferentes

linguagens da música, poesia e dança dá o tom cultural em ambos os espaços, como

forma de expressão de uma cultura silenciada pelo poder dominante.

Esta articulação entre Kabula e CESA favorece a discussão da Lei Federal de

10.639/2003, pois permite aos estudantes e professores (re) conhecer o processo de

escravidão; a violência e o crime à humanidade; as formas de resistência e o legado do

povo negro para a História do Brasil.

Essa proposta tem viabilizado um processo de formação em que os saberes e

práticas são construídos através da participação de estudantes, professores, capoeiristas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4192ISSN 2177-336X

24

e outros representantes populares, que juntos, têm compreendido que a História do

Brasil pode e deve ser narrada por todos que dela participaram, de modo a transitar do

processo de invisibilidade do povo africano para o reconhecimento do protagonismo dos

sujeitos/cidadãos negros na transformação tanto da história da Cidade do Rio de Janeiro

quanto da História do Brasil.

Referências Bibliográficas

ARANTES, A. & SILVA, F.C. História e cultura africana e afro-brasileira:

representação da Lei 10.639 nas escolas municipais da cidade de Petrolina – PE. In:

Educação e Diversidade: estudos e pesquisas. Recife: Gráfica J. Luiz Vasconcelos.

2009, p 09-38.

ASSUNÇÃO, Matthia Röhrig. In: TEIXEIRA, Carlo Alexandre (org). Rodas dos

saberes do Cais do Valongo. Niterói, RJ: Kabula Artes e Projetos, 2015. Disponível

em: <https://kabulartes.files.wordpress.com/2015/02/roda-saberes-dos-saberes-do-cais-

do-valongo.pdf> Acesso em: 30 de janeiro de 2016.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. MICELI, Sérgio (org.). São

Paulo: Perspectiva, 1989.

________________. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil/DIFEL,

1989.

BRASIL/MEC/SEPPIR. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e

Africana. Resolução nº 1. Brasília, DF: MEC/SEPPIR, 17 de junho de 2004.

BRASIL. Lei Federal nº 10.639. Dispõe sobre a alteração da Lei no 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para

incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e

Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da

República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 09 de janeiro de 2003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado

Federal, 05 de outubro de 1988.

CANDAU, Vera Maria. Pluralismo cultural, cotidiano escolar e formação de

professores. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Magistério: construção cotidiana.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

________. Multiculturalismo e educação em direitos humanos. In: MAGDENZO,

Abraham (Ed.). De miradas y mensajes a la educación en derechos humanos. Santiago:

Lom, 2004.

________. Sociedade multicultural e educação: tensões e desafios.

In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Cultura(s) e educação: entre o crítico e o pós-crítico.

Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

FREINET E. O Itinerário de Célestin Freinet: a livre expressão na Pedagogia Freinet.

Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4193ISSN 2177-336X

25

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43ª

ed. São Paulo: Paz e Terra,2011.

GERALDI, Corinta Maria Grisolia et al. Refletindo com Zeicnher: um encontro

orientado por preocupações políticas, teóricas e epistemológicas, In: GERALDI,

Corinta Maria Grisolia FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete Monteiro de Aguiar.

Cartografias do trabalho docente. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2000.

GOMES, Joe. Teoria e prática multicultural: subsídios para formação continuada do

professor de Educação Física. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:

UFRJ/CFCH/PPGE, 2011.

GOMES, N. L. Educação e diversidade étnico-cultural. In: Diversidade na Educação:

reflexões e experiências. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2003,

p. 67-76.

KABULA Artes e Projetos e ACIMBA – Associação Cultural Mestre Ilê Benedito de

Angola lançam o livro, filme e exposição fotográfica. Disponível em:

http://www.sopacultural.com/kabula-artes-e-projetos-e-acimba-associacao-cultural-

mestre-ile-benedito-de-angola-lancam-o-livro-filme-e-exposicao-fotografica/ Acesso

em: 05 de fevereiro de 2016.

NÓVOA, Antonio. Entrevista ao Centro de Referência em Educação Mário Covas.

2004. Disponível em: www.crmariocovas.sp.gov.br Acessado em 31/01/2016.

SANTOS, Elisabete et. al. O Caminho das Águas em Salvador: Bacias Hidrográficas,

Bairros e Fontes. Salvador: CIAGS/UFBA; SEMA, 2010.

SILVA, Selma Maria. Comitê Étnico Racial: Um breve relato, 2012 [ Links ]

SOARES, C. E. L. A negregada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro. Rio de

Janeiro: Divisão de Editoração da Secretaria Municipal de Cultura, 1994. [ Links ]

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4194ISSN 2177-336X

26

DESESTABILIZANDO O SENSO COMUM: O CINEMA A SERVIÇO DA

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Fagner Henrique Guedes Neves – UFF

Redesenhar as linguagens, os espaços e os tempos escolares é uma das

providências mais importantes a que deve estar atenta uma formação de professores

voltada à promoção da interculturalidade na educação básica. E, certamente, o cinema

está dentre as múltiplas ferramentas didáticas que podem colaborar a tal ruptura.

Por décadas, o cinema tem sido compreendido pela escola básica ora como

nocivo, ora como valioso ao ensino. Por um lado, compreende-se que a linguagem

cinematográfica compromete as aprendizagens das competências de leitura e escrita.

Por outro lado, essa mesma linguagem é concebida como um instrumento auxiliar à

educação letrada. Esta última perspectiva tem sido cada vez mais dominante nos

discursos políticos e acadêmicos. Com efeito, compreende-se que muitas tramas

cinematográficas (fictícias e documentárias) podem estimular a construção de um senso

critico e humanístico perante as experiências vividas. Nesse cenário, é fundamental que

esse entendimento faça parte das preocupações de uma formação profissional crítico-

reflexiva (Kemmis, 1987; Liston e Zeichner, 1993; Nóvoa, 1992; Pimenta e Ghedin,

2005; Queiroz, 2012; Tardif, 2005), que habilite os professores a refletirem sobre as

condições e as implicações sociais da docência nas escolas populares e a propor práticas

pedagógicas congruentes com esses termos.

No que se refere ao ensino da disciplina de Sociologia, é cabível afirmar que a

exibição de filmes dentro de propostas docentes crítico-reflexivas pode favorecer o

desenvolvimento do olhar sociológico: uma prática investigativa das experiências

sociais e do senso comum (Ianni, 1985; Wright-Mills, 1975). Esse tipo de análise pode

evidenciar os mecanismos de reprodução social de diversas maneiras, em especial por

meio de menções a estereótipos e preconceitos culturais que marcam o cotidiano:

racismo, sexismo, homofobia, xenofobia, intolerância religiosa... Identificar e criticar

esse ideário são objetivos que cabem ser perseguidos pela Sociologia escolar.

Procurando contribuir com o estado da arte nacional relativo à Sociologia escolar,

considero que é possível realizar investigações sobre as apropriações pedagógicas do

cinema nos contextos escolares concretos onde a docência se processa. E, nesse espaço,

vislumbro a seguinte questão de pesquisa: como o cinema pode se constituir em um

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4195ISSN 2177-336X

27

recurso de construção intercultural do saber sociológico escolar? Proponho que o uso

do cinema na Sociologia escolar pode colaborar ao alcance das finalidades da disciplina

e da educação intercultural, desestabilizando concepções preconceituosas e

estereotipadas sobre as minorias culturais que são reproduzidas pelo senso comum.

Diante da questão e da hipótese de pesquisa, a investigação visou analisar os

aspectos constitutivos e as aprendizagens decorrentes de uma proposta pedagógica

desenvolvida com o apoio do cinema no ensino da Sociologia escolar. Especificamente,

esse empreendimento pressupôs:

(1) Construir atividades educativas de exibição e análise dialógica do

documentário nacional O Riso dos Outros, no âmbito de uma escola pública

de Niterói/RJ;

(2) Identificar os pontos de vista dos sujeitos discentes sobre a interculturalidade a

partir das atividades desenvolvidas e

(3) Avaliar os achados obtidos nas práticas de ensino promovidas.

Optei pela apreciação pedagógica de O Riso dos Outros em razão de sua temática

e linguagem serem compatíveis com uma parcela significativa das representações

sociais compartilhadas pelos jovens alunos da escola básica. O humorismo stand-up,

enfocado pela película, tem tido uma alta receptividade entre os jovens, o que pode ser

um importante artifício de estímulo a que os estudantes desenvolvam uma reflexão

sobre as suas próprias experiências sociais. Por fim, a escolha do filme também atendeu

ao disposto no parágrafo 8 do Art. 26 da Lei n° 9394/96 (LDB): “A exibição de filmes

de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à

proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2

(duas) horas mensais (Incluído pela Lei nº 13.006, de 2014)". Por esses motivos, é

importante desenvolver atividades docentes na escola básica que contemplem essa

produção cinematográfica de maneira crítica e reflexiva.

Como a pesquisa está constituída em torno da analise de termos não

quantificáveis, foram selecionadas estratégias qualitativas de coleta e análise de dados.

Em vista dos objetivos da investigação, utilizaram-se metodologias participativas no

cenário de uma escola pública situada em Niterói/RJ. A partir de contatos prévios com

um professor de Sociologia e a Direção da escola, no último bimestre letivo do ano

passado foi realizada uma série de seis encontros pedagógicos de cinqüenta minutos, no

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4196ISSN 2177-336X

28

horário das aulas de Sociologia do primeiro ano do ensino médio. Em diálogo com o

Currículo Mínimo do Rio de Janeiro, procurou-se abordar a temática “Preconceito e

Discriminação” através dos seguintes procedimentos:

Quadro n° 1: Roteiro de atividades pedagógicas

Encontro Procedimentos

1° Apresentação da proposta. Realização de aula expositiva sobre o

conceito de “imagens desestabilizadoras” (Santos, 1996). Identificação

do cinema como uma potencial fonte de imagens desestabilizadoras.

2° Exibição integral do filme O Riso dos Outros.

3° Promoção de debates sobre o filme e as imagens desestabilizadoras.

4° Continuação dos debates. Solicitação de atividade pedagógica de caráter

reflexivo, a ser realizada em casa.

5° Apresentação das atividades realizadas pelos alunos.

6° Continuação das apresentações e avaliação dos trabalhos.

No primeiro encontro, obteve-se o consentimento dos sujeitos em filmar as

discussões. Além disso, foi garantido o anonimato dos participantes. Ao todo, vinte e

nove estudantes participaram das dinâmicas. Das atividades empreendidas resultaram

importantes achados de pesquisa, assim como experiências formativas docentes e

aprendizagens discentes. Vejamos como esses resultados foram alcançados.

A proposta investigativa foi inserida a partir da terceira aula do quarto bimestre,

unidade a qual, segundo o planejamento pedagógico elaborado pelo professor, tratava

dos “processos de estigmação, rotulação, preconceito, discriminação e intolerância que

marcam a convivência das culturas na atualidade” (Professor Participante da Pesquisa).

Procurando contribuir com o debate, realizou-se aula expositiva em torno das imagens

desestabilizadoras (Santos, 1996). A aula buscou levar aos alunos a uma compreensão

do conceito a partir de suas realidades sociais e culturais, mirando a produção de uma

consciência sociológica sobre esses fenômenos.

Para Boaventura de Sousa Santos, o ensino assume um papel epistemológico e

político estratégico, sendo entendido como um “projeto orientado a combater a

trivialização do sofrimento, por via da produção das imagens desestabilizadoras a partir

do passado concebido não como fatalidade, mas como um produto da iniciativa humana”

(Santos, 1996, p. 17). Ou seja, a educação é um instrumento de desestabilização do

ideário comum, que compreende o social como um campo estático e acabado, em favor

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4197ISSN 2177-336X

29

da concepção desse espaço como uma arena construída pelo homem e, como tal, sempre

está aberta a contestações e transformações. Por meio do emprego de imagens como tais,

a aprendizagem de conhecimentos mais compatíveis com a justiça social se torna viável.

É possível inferir a partir das proposições de Santos que as imagens

desestabilizadoras correspondem a todo tipo de ideia, pessoa, instituição ou objeto cuja

menção seja capaz de problematizar desigualdades sociais e preconceitos culturais que,

por vezes, são naturalizados pelo senso comum. Na ótica de Santos, a visão dessas

injustiças pode desencadear atividades pedagógicas favoráveis ao comprometimento dos

estudantes com a promoção do respeito e a valorização das culturas, bem como de sua

livre interlocução nos espaços públicos.

Com efeito, o cinema é um recurso capaz de provocar a desestabilização do

ideário comum. Certamente, o cinema pode cumprir tal função quando não é entendido

como uma representação mimética ou inequívoca do mundo, ou um meio de tornar as

aulas mais lúdicas. Rechaçando esses usos, o debate acadêmico (Bittencourt, 2005;

Duarte, 2006; Ferro, 2002; Turner, 1997; Xavier, 2005) converge à ideia de que o

cinema pode estimular leituras de mundo, questionamentos, estudos e debates que,

enfim, resultem nas aprendizagens que se deseja promover na formação de professores e

na educação escolar. E foi a partir dessa perspectiva que se exibiu o filme O Riso dos

Outros, no segundo encontro.

O Riso dos Outros é um documentário lançado em 2012, sob a direção de Pedro

Arantes e a chancela da TV Câmara. Em um roteiro no qual não se ouve a voz de

qualquer narrador, um coletivo de entrevistados explora o stand-up a partir de pontos de

vista diversos. Os quarenta e sete minutos da película giram em torno de uma polêmica

bastante divulgada na atualidade: os limites políticos, culturais e morais do formato

humorístico stand-up.

Os entrevistados concordam acerca da ideia de que o humor, sobretudo o stand-up,

se sustenta em alguns pilares estéticos e culturais. Em primeiro lugar, o humor carece

sempre de uma relação de compartilhamento de significados entre o humorista e os

interlocutores. Isto é, ambos devem estar de posse de um mesmo imaginário social, para

que as piadas façam sentido a quem as ouve, provocando o riso. Muitas vezes, esses

significados compartilhados são os estereótipos e preconceitos manifestos e velados nas

práticas cotidianas contra o outro, o diferente, sobretudo quando este representa uma ou

mais minorias socioculturais. Em o Riso dos Outros, diversos excertos breves de shows

de stand-up fizeram desfilar vários preconceitos contra as mulheres, os homossexuais, os

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4198ISSN 2177-336X

30

negros, os idosos, os suburbanos, os interioranos, contra determinadas comunidades

estrangeiras e os portadores de algum tipo de deficiência física ou mental... E não faltou

quem risse das piadas.

Os participantes da película identificam que o sucesso das piadas pressupõe uma

“caricaturização” cruel de uma minoria (10‟14‟‟). Por meio desse expediente, o

humorista identifica um aspecto que o senso comum considera característico de uma

minoria (10‟30‟‟), como a subalternidade das mulheres e dos negros, por exemplo, e

destila comentários desrespeitosos sobre o seu alvo. As risadas daqueles que não são

atingidos são garantidas, uma vez que a comunicação de significados entre o comediante

e a platéia foi firmada. Contudo, em outros momentos, aqueles que foram

caricaturizados riem de outros aos quais coube a mesma função. Deste modo, os

preconceitos são sempre reiterados como que em um círculo vicioso.

Todavia, o que opõe as ideias dos entrevistados em dois grupos é a consideração

dos efeitos políticos que as piadas são capazes de engendrar. De um lado, escritores,

cartunistas, políticos e ativistas sociais identificam um acentuado teor discriminatório

contra as minorias culturais nessa linguagem humorística. De outro lado, os humoristas

de stand-up afirmam que suas piadas nada têm de ofensivas aos grupos minoritários,

sendo não mais do que manifestações das suas liberdades de expressão. Ou seja, para os

últimos o humor é como uma “prática politicamente neutra”, ao passo que para os

primeiros, se trata de um artifício de legitimação de violências sociais e culturais através

de uma linguagem artística.

Segundo os humoristas, os shows de stand-up não constroem preconceitos, apenas

os utilizam, por meio de uma espécie de licença poética, para fazer rir. O humor seria

para eles uma expressão jocosa das mazelas sociais, criadas pelos donos do poder.

Conforme os comediantes, as decisões desses atores é que deveriam ser criticadas. As

piadas, ao contrário, são “inofensivas”. Elas serviriam apenas ao intuito de atacar

momentaneamente determinados alvos, mas sem as mesmas intenções opressivas das

elites capitalistas. Para esses artistas, o humor não teria o papel que os críticos apontam.

Entretanto, os defensores dos direitos das minorias fazem atentar ao caráter

profundamente politizado das justificativas dos humoristas: o humor preconceituoso

seria um eficaz instrumento de naturalização de conservadorismos. No entender de

representantes de movimentos negros, feministas e homossexuais, em nenhum momento

os humoristas de stand-up, muitos deles estrelas midiáticas, estariam interessados em

questionar as mesmas mazelas sociais que eles afirmam que sustentam as suas piadas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4199ISSN 2177-336X

31

(29‟33‟‟). O foco deles seria sempre reproduzir o imaginário social dominante e, de

forma individualista, colher a fama e o retorno financeiro de seus trabalhos.

A polêmica segue com os comediantes criticando o que denominam como “a

ditadura do politicamente correto” (31‟30‟‟), a qual, segundo eles, tem diminuído a sua

liberdade de expressão através da interposição de ações judiciais promovidas por

movimentos sociais minoritários. Os membros desses movimentos, por sua vez,

replicam, defendendo que toda liberdade tem limites e estes são os direitos de

manifestação e valorização dos outros, que devem ser garantidos nas sociedades

democráticas. Não é ditatorial defender direitos: ditatorial é querer negá-los (32‟07‟‟). E

não se pode atribuir a posição de opressores àqueles que sempre foram e são oprimidos.

Em suma, O Riso dos Outros aponta a um impasse entre liberdade individual e

interculturalidade que está longe de ser resolvido nos tempos atuais. Diante do exposto,

o filme pode ser compreendido como um artifício de construção de subjetividades

indignadas e inconformistas perante as injustiças sociais e que se rebelem contra a

continuidade desses conflitos. E muitas dessas atitudes podem ser viabilizadas na

educação básica, através de imagens veiculadas pela película. É frente a essas

proposições que uma educação que se pretenda chamar como intercultural tem muito a

se beneficiar com a exibição pedagógica de produções cinematográficas como essa.

O filme motivou diferentes percepções entre os estudantes, a partir do terceiro

encontro. Para a maioria dos alunos, o stand-up de matiz preconceituoso nada teria de

ofensivo aos direitos das minorias e que esses direitos não são mais importantes do que

as liberdades individuais e a expansão das oportunidades de mobilidade social ao povo.

No entanto, houve estudantes que viram na película uma excelente oportunidade de

aprender sobre uma forma humanística de se conceber a diversidade cultural.

Foram empreendidas dinâmicas dialógicas sobre o filme e sua possível condição

de imagem desestabilizadora do senso comum. Visando criar oportunidades iguais de

manifestação das culturas na constituição dos saberes e das práticas de ensino, buscou-se

estabelecer canais interativos entre os diversos referenciais culturais representados pelos

alunos. Não se trata de uma tarefa fácil, visto que, não raramente, as salas de aula

englobam fronteiras invisíveis, territórios demarcados pelas identidades culturais

dominantes de diferentes grupos de estudantes. Porém, a experiência profissional do

professor participante ofereceu importantes contribuições interculturais à pesquisa:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4200ISSN 2177-336X

32

“Eu não fui preparado na licenciatura para trabalhar com a

diversidade, mas eu desenvolvi com o tempo de sala de aula um

costume de trabalhar em atividades na sala que eles [os alunos]

possam interagir [...] Muitas vezes, eu determino os grupos

aleatoriamente que vão trabalhar, para tirar um pouco aquela coisa da

„afinidade‟ [...] Já consegui, por exemplo, de pessoas que não se

davam muito bem elas se acabarem se relacionando [...] Por exemplo,

quando eu to trabalhando um conceito relacionado ao preconceito

sexual [...] esquecem que ela é lésbica ou que ele gay [...]” – Professor

Participante da Pesquisa

A partir da reflexão crítica do professor participante sobre a sua prática, procedeu-

se a debates organizados em grupos de quatro ou cinco sujeitos com diversos

referenciais culturais, inclusive conflitantes entre si. Em dois grupos, tais encontros

foram significativas oportunidades para a visibilização dos conflitos, assim como a

negociação de denominadores comuns capazes de estabelecer uma ordem democrática

no espaço educativo. No entanto, quanto aos outros grupos, as dinâmicas não foram

além do descaso com a interculturalidade, afirmando-a como uma questão menos

importante que a liberdade e a mobilidade social: “o que interessa é ficar rico e ser

feliz”, disseram alguns. As declarações de alguns alunos acenam, inclusive, a uma

perspectiva excessivamente individualista e descomprometida com o bem comum.

Por certo, não é possível desenvolver a educação intercultural de maneira

autocrática, tal como procede a educação tradicional. Não se pode querer construir

diálogos interculturais que apontem alternativas democráticas à força,

compulsoriamente. É necessário que se busque convencer a todos, com argumentos, de

que esses encontros são benéficos à ordem social e, por isso, sua realização é válida. E

foi tendo em vista esses fundamentos que se sugeriu aos estudantes que, em caráter

opcional, nas duas aulas seguintes identificassem e comentassem qualquer ideia, objeto,

pessoa ou instituição que pudesse desestabilizar os estereótipos e preconceitos culturais

correntes no país e no estado. Partiu-se da premissa de que os alunos que atendessem a

uma solicitação desvinculada de qualquer premiação escolar estariam verdadeiramente

focados em aprender, desenvolvendo assim o pensamento sociológico.

Porém, poucos alunos responderam à solicitação. Dos vinte e nove alunos,

dezenove não fizeram a atividade, sendo que nove deles nem compareceram aos dois

últimos encontros. Ao contrário, oito estudantes, integrantes dos dois grupos que se

mostraram afeitos à interculturalidade, realizaram a tarefa. Eles mostraram um evidente

crescimento intelectual, ao identificarem imagens referentes a conflitos culturais

diversos. Cabe comentar três dessas atividades na sequência.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4201ISSN 2177-336X

33

A primeira atividade que destaco foi um relato de experiência de uma aluna, o

qual foi bastante revelador acerca da importância pedagógica das imagens

desestabilizadoras à formação básica:

“Eu tive uma professora de História que era negra e uma vez chegou

na [sic] sala com um vestido esquisito [sic]: todo colorido, que parece

„coisa de africano‟ [...] E aí eu falei: „esse vestido parece que é de

macumba, a Srª é macumbeira?‟ (…) E ela me respondeu: „por que

essa roupa simboliza para algumas pessoas „macumba‟?‟ „E o que é

„macumba‟?‟ [...] O que aconteceu? Uma discussão muito legal sobre

o respeito pelo outro, pela religião alheia, contra os preconceitos

começou e envolveu a sala toda [...] A turma entendeu que, se as

culturas estão por aí [sic] e elas são diferentes, a gente tinha que

aprender sobre elas, para que a gente respeitasse elas [sic] [...]” –

Aluna Participante da Pesquisa

No depoimento, a vestimenta da professora foi o estopim necessário para um

debate humanístico sobre as diferenças religiosas e raciais e a importância do respeito a

elas em uma sociedade democrática. Essa situação foi tão significativa para a aluna que

ela trouxe o ocorrido à tona ao pensar em meios de problematização da diversidade

cultural. Esses apontamentos mostram o quanto as imagens desestabilizadoras podem

marcar toda uma trajetória escolar, motivando o estudante a desenvolver um

comprometimento com reflexões e diálogos humanísticos tempos mais tarde.

Também chamou a atenção a reflexão de um estudante sobre os regionalismos,

que consistiu na comparação entre alguns estereótipos regionais brasileiros através da

apresentação de quatro mapas nacionais alternativos, encontrados em sítios virtuais:

Figura nº 1: “O Brasil segundo os cariocas” Figura nº 2: “O Brasil segundo os paulistas”

Fonte: selocalize.blogspot.com Fonte: osqueridoes.com.br

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4202ISSN 2177-336X

34

Figura nº 3: “O Brasil segundo os gaúchos” Figura nº 4: “O Brasil segundo os acreanos”

Fonte: seumadroga.com Fonte: selocalize.blogspot.com

Os mapas elencados trazem as imagens dos estereótipos regionais que compõem o

senso comum de diferentes estados brasileiros. Nessas imagens, verifica-se

sistematicamente um olhar etnocêntrico, que exalta a própria comunidade regional em

detrimento das outras. Tal como no stand-up, os autores buscam fazer humor através de

caricaturas, atribuindo ao “outro”, sempre quando o nome dele é evocado, rótulos

discriminatórios e reducionistas (“Bichas”, “Gostosas”, “Favelas”, “Bahia”, “Paraíba”,

“Só tem mato” ou “Sem importância”) ou, revanchistas (“Isto não existe” ou “Argentina

Brasileira”). Discordando com esses preconceitos, o aluno que levou os mapas à sala,

“um erro não justifica o outro, e não é por que o „outro‟ constrói uma imagem negativa

de mim que eu vou fazer o mesmo”. Seu depoimento leva a ressaltar que a justiça social

exige a valorização do próximo, seja ele um sujeito ou uma cultura regional.

Por sua vez, a reflexão de um outro aluno indicaram que a desestabilização do

senso comum pode motivar um autorreconhecimento cultural positivo. Nesse sentido, o

estudante exalta o seu orgulho de ser negro, através da menção à letra Afro-Brasileiro,

dos rappers Thaíde e DJ Hum:

[...] Afro-brasileiro (sabe quem eu sou?)

Afro-brasileiro (me diga quem você é)

Afro-brasileiro (sabe quem eu sou?)

Afro-brasileiro

Afro-brasileiro (me diga quem você é)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4203ISSN 2177-336X

35

Afro-brasileiro (sabe quem eu sou?)

Afro-brasileiro

Somos decendentes de zumbi

Grande guerreiro

[...]

(THAÍDE E DJ HUM, 1995)

Thaíde e DJ Hum exaltam o orgulho das suas origens culturais africanas e que

deve ser o mesmo sentido de si de outros negros. Na íntegra, a letra explora importantes

aspectos das culturas negras suburbanas e periféricas, como as “rodas de capoeira”, as

confraternizações que elas motivam, das crenças religiosas de matriz africana e da

escravidão que marca a sua história no país (“descendentes de Zumbi”). Segundo o

aluno, “ao invés de querer assimilar tudo o que o branco tem a oferecer [a cultura

hegemônica], o negro deve, antes de tudo, valorizar os seus antepassados, jamais se

envergonhando deles”. Sem valorizar a si próprio, como valorizar a outrem? Nesse

sentido, a reflexão do aluno leva a problematizar o autorreconhecimento como uma

dimensão fundamental da interculturalidade.

Portanto, as atividades desencadearam as reflexões de alguns alunos que se

mostraram receptivos às ideias interculturais. Em síntese, essas reflexões apontaram a

importância das imagens desestabilizadoras a uma educação que cultive o respeito

integral a si mesmo e ao próximo, como um semelhante e potencial interlocutor.

Mesmo diante de manifestações como essas, é verdadeiro, por outro lado, que

“não há garantias de que a educação intercultural venha a mudar a forma pela qual os

alunos veem a diversidade e se posicionam diante dela fora da escola” (Professor

Participante). Muitos preconceitos, conflitos e violências culturais persistem nas

instâncias sociais. E possivelmente a interculturalidade, processo construído

necessariamente em caráter voluntário, enfrente a oposição de interesses contrários à

justiça que se estendem coercitivamente sobre as sociedades contemporâneas, sendo

amplamente reproduzidos pelo imaginário social. Neste problema, reside o maior

desafio do projeto da interculturalidade.

Apesar de muitos estudantes desconsiderarem a importância do diálogo

intercultural à promoção de uma sociedade melhor, as atividades desenvolvidas a partir

da exibição de O Riso dos Outros foram significativas oportunidades educativas, para

todos os envolvidos. Além de obter achados importantes sobre as repercussões dos

preconceitos e das discriminações nas impressões dos alunos, os encontros propiciaram

problematizações do imaginário social e de seus conflitos culturais típicos, assim como

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4204ISSN 2177-336X

36

experiências e discussões que podem contribuir à formação profissional continuada do

professor.

A investigação permitiu apontar que o cinema pode se constituir em um recurso

de construção intercultural do saber sociológico escolar. Uma utilização crítica do

cinema na educação escolar, como um aspecto desencadeador de práticas de ensino

reflexivas, engendra imagens referentes a conflitos culturais cujo reconhecimento e

critica são aspectos necessários à formação básica. A película pode veicular na

disciplina de Sociologia imagens do ideário comum, que permanentemente engendra e

naturaliza injustiças sociais e culturais. Diferentes depoimentos presentes no filme

podem propiciar aos estudantes exercícios de desestabilização de concepções ordinárias

e dominantes de mundo que, por vezes, nada mais fazem do que produzir um

conformismo tácito com o status quo excludente e individualista da atualidade. E

somente a partir desses movimentos é possível pensar e propor ideias e práticas que

realmente venham a contestar tal estado de coisas.

O cinema é, pois, um recurso didático benéfico à educação escolar. O cinema está

no rol dos recursos que permitem os educadores redesenhar a educação escolar em

termos interculturais. O emprego desses recursos no ensino de Sociologia pode

colaborar à flexibilização das lógicas linguísticas, espaciais e temporais das escolas, ao

mesmo tempo em que favorece o exercício do olhar discente crítico sobre a experiência

social. Por certo, estas operações favorecem a emergência da escola intercultural.

Não há como negar que o projeto pedagógico intercultural exige que os

professores dominem os saberes constituintes de seu ofício, tornando-os instâncias de

permanente reflexão crítica. E nesse âmbito, o cinema não pode ser concebido através

dos lugares-comuns que o caracterizam como uma linguagem pedagógica escolar. Urge

que eles saibam rejeitar as abordagens miméticas e ilustrativas de filmes em suas

propostas educativas. Primeiro, convém concebê-lo como uma forma particular de

representação do mundo, capaz de fazer pensar, e não como um meio que obriga a

reproduzir modelos pensados pelos outros. Cabe também não utilizar filmes como

expedientes meramente adjacentes ao conhecimento escolar, que tornam as situações

educativas mais lúdicas, ao mesmo tempo em que só confirmam o discurso das aulas

expositivas e dos livros didáticos. O cinema é capaz de colaborar a uma desestabilização

do ideário comum sobre a experiência social, apontando caminhos à reflexão acerca de

alternativas que favoreçam a justiça. Este é, sem dúvida, um vasto e significativo debate

referente à formação de professores que convém ser sempre retomado.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4205ISSN 2177-336X

37

É indubitavelmente importante que os professores sejam capacitados, em suas

formações iniciais e continuadas, a empregar filmes como elementos disparadores da

reflexão, da crítica, da manifestação dialógica de pontos de vista e da negociação entre

os diferentes em suas aulas. Desta maneira, o cinema pode ser incluído nos roteiros

pensados em prol da educação intercultural nas escolas brasileiras.

Referências

BITTENCOURT, C. M. Ensino de História - Fundamentos e Métodos. São Paulo:

Cortez, 2005.

DUARTE, R. Cinema e Educação. In: Coleção Temas e Educação. Belo Horizonte:

Autêntica, 2006.

FERRO, M. O conhecimento histórico, os filmes, as mídias. In: Olho da História, n°

6, jul. 2004.

IANNI, O. O Ensino das Ciências Sociais no 1° e 2° graus. In: Cadernos CEDES,

v.31, n.85, p. 327-339, set/dez 2011.

KEMMIS, S. Critical Reflection. In: WIDDEN; ANDREWS (Orgs.). Staff

Development for School Improvement. Filadélfia: The Falmer Press, 1987.

LISTON, D. ZEICHNER, K. Formación del Profesorado y Condiciones Sociales de

la Escolarización. Madri: Morata, 1993.

NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

PIMENTA, S.G. GHEDIN, E. (Orgs.). Professor Reflexivo no Brasil: gênese e crítica

de um conceito. São Paulo: Cortez, 2005.

QUEIROZ, P. P. A pesquisa e o ensino de História: espaços/processos de construção

de identidade profissional. In: NIKITIUK, S. (Org.). Repensando o Ensino de

História. São Paulo: Cortez, 2012 (8ª Ed).

RIO DE JANEIRO (Estado). Currículo Mínimo: Sociologia. Rio de Janeiro: Secretaria

de Estado da Educação, 2011.

SANTOS, B. S. Para uma Pedagogia do Conflito. In: SILVA, L. H. et al. (Orgs.)

Novos mapas culturais, novas perspectivas educacionais. Porto Alegre: Sulina, 1996.

TARDIF, M. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2005.

TURNER, G. O Cinema como Prática Social. São Paulo: Summus, 1997.

WRIGHT-MILLS, C. Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975 (4ª Ed.).

XAVIER, I. O Discurso Cinematográfico. São Paulo: Cortez, 2005.

Vídeo

ARANTES, P. (Diretor). O Riso dos Outros. TV Câmara, 2012. 47 min.

Música

THAÍDE e DJ HUM. Afro-Brasileiro. In: Álbum Brava Gente, 1995.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4206ISSN 2177-336X