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SABERES DISCIPLINARES E ATIVIDADES DOCENTES: REFLETINDO
SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EDUCAÇÃO INTERCULTURAL
Esta proposta de trabalho tem como finalidade refletir sobre a educação intercultural e
suas implicações. Entende-se que essa questão passa pelos professores, sua formação,
sua valorização profissional e suas condições de trabalho. As transformações das
práticas docentes só se efetivam na medida em que o professor amplia sua consciência
sobre a própria prática, a de sala de aula e a da escola como um todo. Compreende-se
que os professores colaboram para transformar as escolas em termos de gestão,
currículos, organização, projetos educacionais, formas de trabalho pedagógicas. Nesse
sentido, valorizar o trabalho docente significa dotar os professores de perspectivas de
análise que os ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, culturais e
organizacionais nos quais se dá sua atividade docente. A pesquisa “formação de
professores e o ensino de sociologia intercultural: problematizando questões”, situa-se
na intersecção entre a formação do professor de Sociologia da escola básica e a
educação intercultural. Na investigação “formação dos professores: saberes e práticas
para além dos muros escolares”, apresenta-se um estudo de caso que teve como objetivo
gerar ações afirmativas de inclusão para implementar o ensino da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira” no Colégio Estadual Souza Aguiar, localizado no Centro do
Rio de Janeiro. No estudo “desestabilizando o senso comum: o cinema a serviço da
formação de professores”, são abordadas atividades docentes desencadeadas a partir de
recursos audiovisuais, refletindo a construção intercultural do saber sociológico escolar.
Os saberes e atitudes profissionais desenhadas nas concatenações das pesquisas desse
painel proporcionam aprendizagens comprometidas com a educação intercultural e por
isso, a discussão e o debate das práticas, das reflexões e dos discursos aqui apresentados
são fontes para ressignificar as teorias produzidas pelas diferentes ciências da educação.
Palavras-Chave: Formação de Professores, Educação Intercultural, Saberes Docentes
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O ENSINO DE SOCIOLOGIA
ESCOLAR INTERCULTURAL: PROBLEMATIZANDO QUESTÕES
Paulo Pires de Queiroz – UFF
Esta pesquisa situa-se na intersecção entre a formação do professor de Sociologia
da escola básica e a educação intercultural. É nesse cenário que se configuram o
problema e os objetivos norteadores da investigação que se pretende desenhar nesse
relato reflexivo de pesquisa.
Nos tempos atuais, a pluralidade cultural se converte em um aspecto cada vez
mais significativo no senso comum e nas deliberações políticas. Todavia, a mesma
época em que as diferenças culturais se tornam tão evidentes e importantes é quando as
controvérsias e embates violentos entre elas se intensificam. Multiplicam-se os
preconceitos, discriminações e episódios de violência física provocados por confrontos
entre identidades culturais relativas à raça, etnia, gênero, confissão religiosa, orientação
sexual, geração, deficiência física e comunidades de referência. Ou seja, a diferença
cultural mais suscita relações de subalternização e segregação do que relações de
partilha, cooperação e negociação, típicas das sociedades democráticas.
É em meio à recorrente e explosiva convivência entre as culturas que marca o
cotidiano atual que se torna necessário pensar em uma sociedade mais democrática.
Uma sociedade que se baseie no reconhecimento das violências praticadas em nome das
diferenças culturais e em diálogos que preconizem a igualdade de oportunidades, a
liberdade, o respeito e a aprendizagem mútua entre as culturas. Em vista disso, a
contínua realização de tal espécie de interações é um desafio a ser enfrentado em todas
as esferas sociais.
Na atualidade, compreende-se que um dos diversos âmbitos chamados a
desenvolver diálogos interculturais é a escola básica. Em que pese a emergência do
ciberespaço como uma poderosa agência formadora e socializadora na Pós-
Modernidade, à escola ainda é posta a responsabilidade de estimular a produção de
saberes e atitudes que norteiem a atuação de seus egressos nos mundos da cidadania e
do trabalho. Sem dúvida, esses saberes e atitudes podem e devem proporcionar
aprendizagens comprometidas com a interculturalidade. E, como não pode haver ensino
escolar sem a figura do professor, compete a este profissional estar preparado a
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mobilizar saberes e experiências que lhe favoreçam propor currículos e práticas
pedagógicas interculturais nas escolas.
Frente a essas urgências, a investigação que realizamos centrou-se na formação de
professores como um espaço de construção de identidades profissionais comprometidas
com a propositura de práticas pedagógicas interculturais. Certamente, o paradigma
crítico-reflexivo de formação docente tem algo a colaborar ao desenvolvimento desse
tipo de identidade profissional. Entretanto, como tal modelo pode produzir efeitos
especificamente na formação do professor de Sociologia em curso no país? Isto é, como
sujeitos licenciandos em Ciências Sociais podem desenvolver ideias e atitudes crítico-
reflexivas em favor da promoção da educação intercultural no ensino da Sociologia
escolar?
Diante do problema gerador da investigação, a hipótese defendida era que a
realização de dinâmicas dialógicas e práticas de pesquisa e ensino interculturais
realizadas em conjunto com os licenciandos em Ciências Sociais contribui
significativamente à construção de identidades profissionais comprometidas com a
reflexividade crítica e a interculturalidade.
Assim sendo, a investigação alavancou relevantes achados de pesquisa e
intervenções na configuração da identidade profissional dos licenciandos e docentes
participantes do estudo, o que tornou o estudo bastante significativo para os sujeitos
participantes do processo investigativo.
Os campos problemáticos da pesquisa – a educação intercultural e a formação
docente crítico-reflexiva – são bastante profícuos no país. São recorrentes os enfoques
investigativos que busquem diagnosticar os principais problemas relativos à formação
docente intercultural, pensando alternativas práticas. Todavia, o mesmo não se pode
dizer a respeito dos estudos que visem explorar a confluência entre formação docente,
educação intercultural e o ensino escolar de Sociologia: esta se trata de uma lacuna na
pesquisa nacional.
A pesquisa acerca da formação de professores no país abrange diversificadas e
recorrentes tendências temáticas e conceituais há algumas décadas (André, 2002 e 2010;
Lélis, 2010; Lüdke, 2002; Silva, 1991; Warde, 1993). Nesse conjunto, destacam-se
estudos sobre os cursos de formação de professores e os profissionais docentes.
Ademais, são emergentes no país os estudos da educação escolar e da formação de
professores à luz de alguma concepção de interculturalidade nas últimas décadas
(Canen, 1999; Fleuri, 2002; Moreira, 2005; Moreira e Candau, 2008; Rodrigues e
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Abramowicz, 2013; Xavier e Canen, 2005). Esse cenário resulta por certo do diálogo
cada vez mais recorrente da pesquisa educacional com os estudos da diferença cultural e
de sua complexa gestão no âmbito da sociedade global. Ao mesmo tempo em que os
estudos sobre formação docente e educação intercultural se tornam mais recorrentes,
multiplicam-se também as demandas acerca da investigação sobre os desafios que
envolvem a formação intercultural dos professores da escola básica.
A despeito das atenções dos pesquisadores nacionais às questões relativas aos
modelos formativos docentes e à educação intercultural, as intersecções entre esses
campos e a Sociologia escolar formam um nicho investigativo ainda a ser explorado no
país.
A questão que suscitou a pesquisa foi: como sujeitos licenciandos em Ciências
Sociais podem desenvolver ideias e atitudes crítico-reflexivas em favor da promoção da
educação intercultural no ensino da Sociologia escolar? Objetivou-se empreender a
pesquisa considerando a importância desta questão ao debate acadêmico sobre a
educação escolar e suas possíveis contribuições à produção de diálogos interculturais no
ensino básico.
Em conformidade com a proposta investigativa acima discriminada, o objetivo
geral da pesquisa foi, a saber: Analisar os efeitos do desenvolvimento de dinâmicas
dialógicas interculturais e práticas de ensino nas representações sociais sobre a
educação intercultural de sujeitos licenciandos em Ciências Sociais. E, em termos
específicos, buscou-se:
(1) Empreender, conjuntamente com sujeitos discentes do curso de licenciatura
em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense e professores de Sociologia da
escola básica de Niteroí / RJ oficinas pedagógicas interculturais;
(2) Construir práticas de ensino, conjuntamente com os sujeitos acima
mencionados;
(3) Avaliar os achados obtidos nas oficinas e práticas de ensino.
A interculturalidade é um emergente objeto de estudo em várias partes do mundo
(Bhabha, 2013; García-Canclini, 2004; Hall, 1992; Lander, 2005; Santos, 2002). Os
diálogos interculturais são concebidos como alternativas democráticas a se adotar
perante as visões etnocêntricas e excludentes que pautam a gestão social na atualidade.
Todavia, os diferentes olhares sobre a pluralidade cultural frequentam há muito
tempo a pauta da teoria antropológica. Por exemplo, estudos de Lévi-Strauss (1996)
permitem identificar que, historicamente, a diversidade cultural tende a ser concebida
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em um sentido negativo: como uma ameaça aos padrões da cultura dominante. Nessa
perspectiva hegemônica, a adesão a esses cânones é declarada como indispensável,
restando apenas a segregação ou a eliminação aos grupos que discordarem desse ditame.
Segundo diversos autores, esses mecanismos são desenvolvidos também na gestão
educacional, ora impondo aos grupos minoritários a assimilação dos padrões
dominantes, ora excluindo esses grupos da convivência nos estabelecimentos educativos
(Forquin, 1994; McLaren, 1997).
O olhar proposto nesse trabalho investigativo requer que se questione o repúdio à
diversidade cultural que típicamente caracteriza as culturas escolares. Nesse sentido,
devem-se rearranjar as linguagens, os espaços, os tempos e os conhecimentos escolares
usuais, tornando-os campos de diálogo intercultural (Moreira e Candau, 2008).
É imprescindível repensar a docência, visando responder às demandas feitas à
educação escolar, dentre elas a interculturalidade. Para isso, cabe entender esse
exercício profissional como um fenômeno reflexivo e crítico (Geraldi et al, 1998;
Giroux, 1997; Kemmis, 1987; Lüdke, 1997; Monteiro, 2002; Nóvoa, 1992; Pimenta,
1994; Queiroz, 2012; Tardif, 2005; Zeichner, 1993).
A pesquisa se estabeleceu em face do campo problemático revisado, considerando
a importância desses referenciais ao desenvolvimento de identidades profissionais
interculturais na Sociologia escolar, mas, também se manteve aberta a outras
orientações teóricas que foram surgindo no decorrer do processo investigativo, esta
proposta configura as suas estratégias metodológicas.
Com efeito, a pesquisa foi operacionalizada por estratégias metodológicas
qualitativas. Por certo, todos os passos da investigação abordaram objetos que não
podiam ser quantificados: as representações sociais.
No contexto das pesquisas qualitativas utilizou-se a metodologia de pesquisa
participativa envolvendo alunos/estagiários dos cursos de Ciências Sociais da UFF,
professores da escola básica da rede pública do Estado do Rio de Janeiro e professor da
Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense na reflexão sobre as
próprias práticas, sobre os diferentes construtos de saberes envolvidos nos diferentes
contextos de atuação e na tentativa de discutir o ensino de Sociologia intercultural
durante os processos de formação inicial e continuada desses diferentes sujeitos
envolvidos na pesquisa.
O intercâmbio entre os sujeitos envolvidos nesse processo de investigação
desenhou-se da seguinte forma:
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1) Durante os encontros com alunos nas aulas e orientações na disciplina
Pesquisa e Prática de Ensino de Ciências Sociais ( PPECS);
2) Durante os estágios dos alunos da PPECS nas escolas da rede pública do
Estado do Rio de Janeiro;
3) Durante as oficinas coordenadas pelo professor de PPECS na Universidade
Federal Fluminense com os professores da escola básica, supervisores do estágio dos
alunos de PPECS, e alunos de PPECS do curso de Ciências Sociais da UFF.
Durante os encontros com os alunos nas aulas e orientações da disciplina de
Pesquisa e Prática de Ensino de Ciências Sociais (PPECS) foi trabalhada uma formação
de professores na tendência critico-reflexiva, configurando-se como uma política de
valorização do desenvolvimento pessoal-profissional desses futuros professores de
Sociologia e das instituições escolares. Foram planejadas e elaboradas diferentes
atividades interculturais que culminavam em micro aulas, operacionalizadas
individualmente pelos sujeitos da pesquisa, objetivando o exercício da docência
intercultural. Nesse processo de formação dos licenciandos, emergiu muitas
representações sociais a respeito do ensino de Sociologia intercultural e suas
implicações no cotidiano da escola básica. Isso porque trabalhar o conhecimento na
dinâmica da sociedade multimídia, da globalização, da multiculturalidade, das
transformações nos mercados produtivos e na formação dos alunos requer permanente
formação, entendida como ressignificação identitária dos professores.
Na tentativa de compreender a escola enquanto uma forma real que tem
funcionalidades específicas, os licenciandos foram distribuídos para realização do
estágio supervisionado, da disciplina PPECS, para quatro escolas da rede pública da
cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. Nesse momento do estudo em questão,
esses licenciandos já tinham passado por uma formação teórica significativa a respeito
do trabalho docente intercultural, bem como da sua autonomia didática e construção do
saber pedagógico. Após finalização dos estágios supervisionados, os licenciandos
produziram, individualmente, cadernos de atividades onde relatavam as suas
representações sociais a respeito do que vivenciaram no cotidiano escolar.
Os encontros com os professores da escola básica, alunos do curso de Ciências
Sociais e professor da disciplina de PPECS da Universidade Federal Fluminense
ocorreram durante a operacionalidade das oficinas realizadas. Relevantes representações
sociais emergiram durante esses encontros e todas foram documentadas com recursos
audiovisuais específicos. Planejamentos e atividades diversas que buscavam trabalhar o
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ensino de Sociologia intercultural foram operacionalizadas em diferentes performances.
Para nós ficou bem claro, durante esses encontros, que transformar as escolas com suas
práticas e culturas tradicionais e burocráticas que acentuam a exclusão social, em
escolas que eduquem os jovens superando os efeitos perversos da desigualdade social,
propiciando-lhes um desenvolvimento cultural, cientifico e tecnológico que lhes
assegure condições para fazerem frente às exigências do mundo contemporâneo, não é
tarefa simples, nem para poucos. Requer esforço coletivo de profissionais da educação,
alunos, pais e autoridades governamentais.
Com a finalidade de discutir e apresentar alguns achados da pesquisa, nada
melhor e mais adequado do que dar voz aos sujeitos envolvidos no estudo. A partir dai
algumas reflexões se destacam e provocam verdadeiros esclarecimentos à investigação,
vejamos:
“Aprendemos que no mundo de hoje a pluralidade cultural se converte
em um aspecto cada vez mais significativo no senso comum e nas
deliberações políticas. Entretanto, quando chegamos à escola básica a
sensação que temos é que essa afirmação não tem sentido nenhum
naquele espaço e muito menos na prática pedagógica do professor de
Sociologia. Será que a escola e o professor estão acampados em outros
tempos e espaços que geram processos diferentes do que
aprendemos?”
[ Licencianda do Curso de Ciências Sociais – UFF ].
“A escola, enquanto instituição, reproduz uma única cultura que é a
do grupo hegemônico/dominante. O pior de tudo é que a escola
modela toda a sua diversidade cultural numa mesma forma, como se
todos os sujeitos que por ali circulam fossem iguais.”
[ Licenciando do Curso de Ciências sociais – UFF ].
Chegar às escolas que foram observadas pelos sujeitos da pesquisa e registrar o
que se observa supõe múltiplas tensões para o pesquisador. Mesmo quando a preparação
prévia tenha colocado em dúvida os preconceitos e estejam claros os problemas teóricos
que demarcam a busca, impõe-se, de todos os modos, uma vigilância permanente.
Senso comum e interculturalidade alimentaram sistematicamente uma atitude
valorativa na observação do cotidiano escolar. Apesar das preocupações, tudo isso entra
em jogo quando se chega a observar a escola e a prática pedagógica do professor de
Sociologia. O estímulo para compreender, no próprio ato de observar a escola e a
prática pedagógica do professor de Sociologia, associa ao senso comum às categorias
das Ciências Sociais e as do próprio sistema educacional. Apela-se à ideia de
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“instituição” a fim de encontrar parâmetros e modelos, localizar hierarquias, identificar
normas que regem a organização escolar e o comportamento individual.
Não podemos esquecer a ideia de que a escola básica deve ser compreendida
como um dos diversos âmbitos chamados a desenvolver diálogos interculturais. Se ela
não está fazendo isso, precisamos nos mobilizar nessa direção e buscar, a partir de
práticas propositivas, direcioná-la para esse sentido. A formação de professores como
um espaço de construção de identidades profissionais comprometidas com a propositura
de práticas pedagógicas interculturais ganha tamanha importância para alavancar esse
processo e mobilizar recursos humanos necessários à implementação dessa concepção
de educação que não podemos perder de vista.
“Não somos formados, enquanto professores, para implementarmos na
escola básica práticas pedagógicas interculturais. Não fomos e nem
estamos preparados para esse tipo de atuação profissional.”
[ Professor de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ].
“Nós não estamos preparados para mobilizar saberes e experiências
que favoreçam a proposição de práticas pedagógicas interculturais na
sala de aula e na escola básica.”
[ Professora de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ].
“A minha formação de professor não foi critico-reflexiva. Não tenho
capacidade de realizar dinâmicas dialógicas e práticas de ensino
interculturais com os meus alunos. Sinto dificuldades de refletir sobre
minha própria prática em função do meu despreparo profissional.”
[ Professor de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ
O estudo da prática social da educação requer competências que possibilitem
novos modos de compreensão do real e de sua complexidade. Não se pode mais educar,
formar, ensinar apenas com o saber (das áreas do conhecimento) e o saber fazer (
técnico/tecnológico). Faz-se necessária a contextualização de todos os atos, seus
múltiplos determinantes, a compreensão de que a singularidade das situações necessita
de perspectivas filosóficas, históricas, sociológicas, psicológicas, etc. Perspectivas que
constituem o que se pode denominar de cultura profissional da ação docente.
Os professores de Sociologia da escola básica para desenvolverem ideias e
atitudes crítico-reflexivas em favor da promoção da educação intercultural no ensino da
Sociologia escolar precisam passar por uma formação adequada, qualificada e que os
habilitem a esse exercício profissional. Para isso a academia brasileira precisa estar
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repensando os currículos de formação de professores e propiciando a esses profissionais
uma formação profissional de qualidade, considerando a importância dessa questão ao
debate acadêmico sobre a educação escolar e suas possíveis contribuições à produção de
diálogos interculturais no ensino básico.
É extremamente importante preparamos professores pensando a formação do
professor como uma proposta única englobando a formação inicial e a formação
continuada. Nesse sentido, a formação envolve um duplo processo: o de auto formação
dos professores, a partir da reelaboração constante dos saberes que realizam em sua
prática, confrontando suas experiências nos contextos escolares onde atuam; e o de
formação nas instituições acadêmicas onde estudam e atuam. É importante preparar
professores que assumam uma atitude critico-reflexiva em relação ao seu ensino e às
condições sociais que o influenciam. Nessa proposta de formação crítico-reflexiva
reconhecemos uma estratégia para melhorar a formação dos professores, uma vez que
pode aumentar sua capacidade de enfrentar a complexidade, as incertezas e as injustiças
na escola e na sociedade.
“Tive muita dificuldade para executar a minha aula no estágio
supervisionado realizando dinâmicas dialógicas e interculturais com
os alunos. Eles tumultuaram a aula e eu perdi o domínio da turma.
Não consegui colocar em prática o que vivenciei na disciplina de
PPECS e nas oficinas realizadas”.
[ Licencianda do Curso de Ciências Sociais – UFF ].
“A partir do momento que comecei a trabalhar com algumas práticas
de ensino interculturais nas minhas turmas de ensino médio, eu sai da
minha zona de conforto. O planejamento das aulas me tomou mais
tempo, precisei estudar mais um pouco, os alunos se tornaram sujeitos
da ação educativa e mais participativos e a sala de aula tornou-se mais
viva e desafiante”.
[ Professora de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ].
Os problemas se recolocam ao analisarmos os efeitos do desenvolvimento de
dinâmicas dialógicas interculturais e práticas de ensino nas representações sociais sobre
a educação intercultural. Nesse sentido, é imprescindível repensar a docência, visando
responder às demandas feitas à educação escolar, dentre elas a interculturalidade. Para
isso, cabe entender esse exercício profissional como um fenômeno reflexivo e crítico.
Ao considerar o professor como alguém que pensa seu trabalho e sobre seu
trabalho, como alguém que constrói um saber, colocamo-nos diante da diferença entre o
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saber e o conhecimento. O saber constitui-se numa fase do desenvolvimento do
conhecimento, onde apesar de existir já a autoconsciência do saber, é a fase que o
homem apenas sabe que sabe, mas não sabe ainda como chegou a saber.
O professor, na heterogeneidade de seu trabalho, está sempre diante de situações
complexas para as quais deve encontrar respostas, e estas, repetitivas ou criativas,
dependem de sua capacidade e habilidade de leitura da realidade e, também, do
contexto, pois pode facilitar e/ou dificultar a sua prática. As respostas do professor
traduzem-se na sua forma de intervenção sobre a realidade em que atua: a sala de aula.
Nesse sentido, para que a realidade seja transformada, a prática se faz necessária.
O trabalho docente exige, pois, daquele que o exerce, uma qualificação que vai
além do conjunto de capacidades e conhecimentos que o professor deve aplicar nas
tarefas que constitui o seu oficio e que pressupõe uma consciência de sua prática
profissional. Sem esta, sua ação restringir-se-á à práxis repetitiva.
“O curso de PPECS e as oficinas me possibilitaram uma formação
docente que mudou a minha relação com a sala de aula e com a escola
básica”.
[ Licenciando do Curso de Ciências Sociais – UFF ].
“Participar dessa pesquisa e frequentar as oficinas ministradas durante
esse semestre redimensionou a minha carreira profissional e mudou
completamente a minha visão sobre a sala de aula e sobre o que é ser
professor”.
[ Professor de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ].
“Depois de nove anos de carreira, e ao participar desse estudo, percebi
o quanto eu estava equivocada nas minhas concepções sobre a escola
e o meu desempenho profissional”.
[ Professora de Sociologia da escola básica – SEEDUC – RJ].
Como já dito anteriormente, a interculturalidade é um emergente objeto de estudo.
Os diálogos interculturais são concebidos como alternativas democráticas a se adotar
perante as visões etnocêntricas e excludentes que pautam a gestão social na atualidade.
Pensar a formação de professores a partir desses princípios se configura como uma
proposta de valorização do desenvolvimento pessoal-profissional dos professores e das
instituições escolares.
A formação de professores sob os princípios da educação intercultural apresenta-
se como uma perspectiva que se traduz num novo paradigma sobre formação de
professores e suas implicações sobre a profissão docente. Compreende um projeto
humano emancipatório. A academia brasileira precisa propiciar a formação de
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professores sob essa perspectiva, formando profissionais com consciência e
sensibilidade social. Para isso, precisamos formar e educar nossos professores como
intelectuais críticos capazes de ratificar e praticar o discurso da liberdade e da
democracia.
Esse estudo possibilitou compreender que o ensino de sociologia escolar
intercultural pressupõe pensar uma nova formação profissional do professor de
sociologia da escola básica. Também mostrou que a partir de atividades dialógicas e
práticas de ensino interculturais de campo, para além dos muros das escolas,
possibilitam aos licenciandos em Ciências Sociais desenvolverem ideias e atitudes
crítico-reflexivas em favor da promoção da educação intercultural no ensino da
Sociologia escolar.
A partir do empreendimento do curso da disciplina de PPECS, do estágio
supervisionado e das oficinas ministradas na operacionalidade da pesquisa conclui-se
que a escola está no campo de luta, mas não é o principal, ou seja, ela é um instrumento
de luta entre outros. E é um instrumento de luta porque o trabalho educativo é
essencialmente político, e como podemos afirmar, é a intensificação da contradição
politica que permitirá a transformação social ou a emancipação humana do professor de
sociologia da escola básica.
Enfim, é em meio à recorrente e explosiva convivência entre as culturas que
marca o cotidiano atual que se torna necessário pensar em uma sociedade mais
democrática. O professor de sociologia escolar sob os princípios da educação
intercultural são sujeitos do conhecimento e a prática deles, ou seja, seu trabalho
cotidiano, não é somente um lugar de aplicação de saberes produzidos por outros, mas
também um espaço de produção, de transformação e de mobilização de saberes que lhes
são próprios.
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4182ISSN 2177-336X
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES: SABERES E PRÁTICAS PARA ALÉM DOS
MUROS ESCOLARES
Ana Carolina da Rocha – SEEDUC/RJ – Estácio de Sá
Angela Maria Venturini - ISERJ
Mylene Cristina Santiago - UFF
A consolidação dos movimentos sociais no processo de redemocratização do
Brasil resultou na Constituição Federal de 1988, conhecida como constituição cidadã,
que afirma o princípio da igualdade racial. Com a efervescência política desse período,
marcado pelas lutas em defesa dos direitos humanos, a problemática da desigualdade e
da discriminação racial na sociedade e no sistema escolar brasileiro torna-se flagrante,
provocando a necessidade de políticas públicas e educacionais, que assegurem a eficácia
do princípio da igualdade racial, a partir de ações afirmativas.
Dentre as ações visando à promoção da igualdade racial, a Lei Federal nª
10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura da população afro-
brasileira no sistema educacional, representa um marco na histórica na luta do
Movimento Negro.
Esta lei teve como desdobramento a elaboração das Diretrizes Curriculares para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana, que se trata de política curricular, fundada em dimensões
históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, com a intenção de
combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros
(BRASIL/MEC/SEPPIR, 2004).
A mencionada política curricular buscar traduzir bases filosóficas e pedagógicas
pautadas nos princípios de: consciência política e histórica da diversidade;
fortalecimento de identidades e de direitos; e, ações educacionais no combate ao
racismo e às discriminações.
A compreensão de tais princípios se refere a todos os profissionais da educação,
que exercem influência desde a (des) construção de ideias e comportamentos presentes
na sociedade, passando pela valorização dos elementos da cultura afro-brasileira para a
construção da identidade e a promoção de práticas que superem o racismo e o
preconceito existente no cotidiano das escolas. Nosso principal problema de pesquisa se
refere a como concretizar tais intenções em práticas curriculares. Sabemos que a
implementação das diretrizes curriculares com atenção aos princípios mencionados,
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revelam exigências de mudanças de valores, de maneiras de pensar e de agir dos
indivíduos, em particular, assim como das instituições e das suas tradições culturais
(ARANTES & SILVA, 2009).
A incorporação da temática afro-brasileira no currículo escolar trouxe o debate
sobre como essa discussão vinha sendo tratada no cenário da escola e ampliou a
problematização quanto ao processo de folclorização atribuído às questões africanas,
que, preferencialmente, eram abordadas apenas em datas comemorativas, não raras
vezes reduzidas a apresentações de danças ou músicas.
Em nosso ver, esse tratamento curricular mantinha a cultura e os grupos
abordados em uma perspectiva exótica e artificial, que não correspondia à realidade
dos mesmos e que mantinham a inferioridade histórica. Lamentavelmente, esses
processos ainda não foram superados e há um longo caminho a ser percorrido para se
construir uma relação crítica e problematizadora, que elimine práticas pedagógicas
essencializadoras, bastante enraizadas na cultura escolar.
É evidente que a incorporação dessas leis não supera o perigo da essencialização
das identidades e culturas africana e afro-brasileira, mesmo que isto não represente as
intenções legislativas e curriculares. Vemo-nos diante de uma tarefa desafiadora, que
exige de nós um posicionamento crítico e político, para que possamos refletir sobre a
diversidade cultural, com um olhar ampliado, que consiga abarcar seus diferentes
recortes diante da implementação de políticas públicas que respeitem a história e a
diferença de cada grupo social, dentro das suas especificidades, sem perder o rumo do
diálogo, da troca de experiências e da garantia dos direitos sociais (GOMES, 2003).
Nesse trabalho, nossa metodologia consistiu em estudo de caso que teve como
objetivo gerar ações afirmativas de inclusão para implementar o ensino da temática
„História e Cultura Afro-Brasileira‟ no Colégio Estadual Souza Aguiar (CESA),
localizado no Centro do Rio de Janeiro, em parceria com a proposta Kabula Artes e
Projetos, integrante da Associação Cultural Ilê Mestre Benedito de Angola (ACIMBA).
Reiteramos que as mudanças promovidas pela Lei Federal 10.639/03 têm a
pretensão de provocar nos sistemas educacionais uma nova postura política diante da
produção de conhecimentos e saberes oriundos das demandas sociais e culturais de
ascendência, sobretudo, africana que constituem nossa brasilidade. Diante deste novo
cenário, o sistema educacional precisa considerar as diferentes vozes que o constituem.
A partir da legalidade, a escola se depara como o desafio de promover o
interculturalismo em um movimento de transpor as tensões postas pela sociedade que
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vem normatizando e ditando o que é certo, belo e legitimamente posto pelo discurso do
opressor sobre o oprimido ao longo da história, pois como nos mostra Bourdieu (1989):
A cultura dominante contribui para a integração real da classe
dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os
seus membros e distinguindo-os das outras classes); para a integração
fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização
(falsa consciência) das classes dominadas; para a legitimação da
ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções
(hierarquias) e para a legitimação das distinções. (p.10)
Entendemos que só será possível pensar em uma “nova ordem” a partir do
processo de conscientização e participação dos grupos historicamente oprimidos. No
entanto, como promover ações no âmbito escolar que possam ir contra ao
monoculturalismo opressor dominante? A Lei 10.639/03 vem ratificar a obrigatoriedade
do estudo da história e cultura afro-brasileira não como mais uma disciplina específica a
ser trabalhada. A proposta diz respeito à produção de conhecimentos e formação de
atitudes e valores capazes de educar cidadãos conscientes da cultura étnico-racial.
Entretanto, intenções e orientações legislativas não se convertem em práticas
instantâneas. A instituição educacional na tentativa de implementar a demanda da lei
federal 10.639/03 se esbarra, na maioria das vezes, com o desconhecimento dos
educadores, diante da questão, na medida em que estes não foram contemplados em sua
formação acadêmica com a história africana e afro-brasileira. A partir dessa lamentável
realidade, faz-se urgente uma formação continuada docente a fim de trazer essa temática
à tona. Assim, começam a surgir alguns grupos voltados à formação de gestores e
docentes nas secretarias de educação de vários estados.
Desse modo, trazemos a história do Comitê Étnico Racial da Secretaria Estadual
de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC). Esse comitê surge no ano de 2008 pensando
na necessidade de uma formação continuada sobre o estudo da história e cultura afro-
brasileira e com o objetivo de realizar a troca de práticas pedagógicas sobre o assunto
num movimento inclusivo por uma nova cultura no âmbito escolar.
Contudo, como seria possível pensar em novas práticas pedagógicas diante do
currículo normatizador existente? Como transformar tal currículo, se há uma falta de
conhecimento do próprio corpo docente sobre a história africana e afro-brasileira?
Essas questões foram as mais citadas durante as primeiras reuniões do Comitê
Étnico Racial da Coordenadoria Regional X da Secretaria Estadual de Educação do Rio
de Janeiro. O Comitê surge a partir da constatação de que há no cotidiano educacional
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poucas práticas afirmativas interculturais. No âmbito escolar, a prática ainda é
consideravelmente voltada para o multiculturalismo celebratório (CANDAU, 2004).
Podemos perceber que o multiculturalismo celebratório ainda aparece como algo
marcadamente utilizado na medida em que as comemorações acontecem num período
pontual como a “Semana da Consciência Negra” em que através de painéis ilustrativos,
palestras e apresentações, por vezes, caricaturais sobre a cultura africana acabam
segregando, na maioria das vezes, muito mais o que deveria ser prática emancipatória.
Como forma de enfrentar as barreiras pedagógicas e ideológicas sobre as temáticas
raciais, consideramos a possibilidade de investir em processos formativos pautados em
perspectivas interculturais.
Para iniciar a discussão sobre a questão formação docente em uma perspectiva
intercultural, definimos que esse processo tem por base o reconhecimento do direito à
diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social. Tenta
promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a
universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a esta realidade, sem
ignorar as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. (CANDAU,
2005, p. 19).
Desse modo, a busca da construção de práticas pedagógicas atentas às diferenças e
superação de discursos discriminatórios se dá na articulação entre os estudos e
pesquisas sobre o interculturalismo e a formação continuada do professor.
As intenções para formação do professor, visando um projeto contínuo de reflexão
ao longo de toda vida profissional, têm início na década de 1960, como nos apresenta
Nóvoa (2004). Essas intenções se apoiam/apoiaram em valores do neoliberalismo,
atendendo às perspectivas neoliberais de valorização do processo de formação dos
professores e à necessidade de investimentos nos chamados recursos humanos
(GOMES, 2011).
Paulo Freire (2011) nos leva a pensar sobre a necessidade da valorização do
professor como sujeito de uma cultura e em diálogo constante com as culturas dos
estudantes, até então ausentes ou silenciadas na escola, a partir de uma oposição crítica
ao neoliberalismo na formação docente. Nesse sentido, as pesquisas sobre formação dos
professores passaram a considerar a interlocução entre culturas que adentravam cada
vez mais na escola.
Zeichner apud Geraldi et al (2000) aponta para a demanda de reflexão dos
professores sobre a dimensão política e social dentre outras, ampliando as análises sobre
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o que acontece em sala de aula e as escolhas que afetam a vida dos estudantes,
entendendo que a forma como o professor percebe a realidade cultural e escolar
promove, por vezes, entraves que inviabilizam a experimentação de outros pontos de
vistas.
Os docentes ao não meditarem sobre o que, porque e como ensinam, corroboram
com a naturalização do olhar sobre o cotidiano escolar e fomentam práticas tecnicistas
que, fundamentadas na busca de soluções e recursos mais eficientes, encontram em
outros sujeitos, que não o próprio professor, as soluções para os inúmeros desafios que
acontecem nas escolas. De acordo com o autor supracitado, o professor cria saberes,
produzindo culturas e ao pensar sobre o contexto escolar e cultural em que atua, por
exemplo, sobre os resultados das suas práticas, encontra uma diversidade de respostas e
estratégias com e para os estudantes.
Geraldi et al (2000) ressaltam como um dos pressupostos para uma reflexão
crítica sobre a construção de teorias e práticas sobre/do professor, a complexa realidade
escolar imbricada por diferentes culturas. Pensar sobre crenças, percepções, valores,
visões de mundo, representações e opiniões pessoais implica ir além do raciocínio como
ação individual e adentrar em mundo real de conflitos, tensões e disputas ideológica, e
até mesmo física, vivida pelos professores durante as aulas.
Pensar acerca das pesquisas e políticas de currículo para formação dos professores
que atuam nas escolas públicas parece vital, quando não são respeitadas as culturas e
valorizada as diferenças entre sujeitos e culturas históricas. A busca por uma atuação
meramente técnica dos professores torna a reflexão da pesquisa sobre o ensino uma
atividade que não supera o viés tecnicista.
Em contraposição, o compartilhamento de pensamentos/debates dos professores e
pesquisadores em relação às questões culturais, como por exemplo, os conflitos étnicos,
dentre outras questões, podem contribuir para uma transformação da escola com espaço-
tempo da relação entre pesquisa sobre formação continuada de professores e construção
de práticas pedagógicas interculturalmente orientadas.
A partir dessa realidade a Secretaria de Educação promove em 2008 um espaço de
formação continuada sobre a temática com representantes de todos os colégios do
Estado do Rio de Janeiro:
A Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro- SEEDUC, por
seu compromisso e postura de diálogo franco com a sociedade, tem
procurado estabelecer em sua estrutura funcional organismos para
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atingir estratégias pedagógicas. Para tal, foi criado no ano de 2008, o
Comitê Estadual Étnico-Racial, composto por representantes de cada
uma de suas antigas 30 Coordenadorias Regionais. (SANTOS, 2013,
p. 1)
Assim, desde 2008, cada uma das trinta Coordenadorias Regionais se reúne
mensalmente com seus representantes: coordenadores e representantes de cada escola
com o objetivo de trocar experiências sobre o desenvolvimento pedagógico com o
objetivo de promover práticas multiculturais revolucionárias nas adequações
curriculares efetuadas para implementar o ensino da temática „História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena‟:
Expressões como multiculturalismo conservador, liberal, celebratório,
crítico, emancipador, revolucionário podem ser encontradas na
produção sobre o tema e multiplicam-se continuamente. Certamente
são inúmeras e diversificadas as concepções e vertentes multiculturais
(...) O “empoderamento” tem também uma dimensão coletiva,
trabalha com grupos sociais minoritários, discriminados,
marginalizados etc., favorecendo sua organização e sua participação
ativa na sociedade civil. As ações afirmativas são estratégias
orientadas ao “empoderamento”. (CANDAU, 1997, p. 53)
Diante desse desafio, elegemos trazer a abordagem do Colégio Estadual Souza
Aguiar, na medida em que essa instituição vem se comprometendo em promover ações
afirmativas de empoderamento das minorias, na comunidade escolar, pelo viés da
participação.
O Colégio Estadual Souza Aguiar (CESA) foi criado em 29 de março de 1908 e
está localizado no bairro da Lapa, no município do Rio de Janeiro. O CESA recebe
cerca de 1.300 estudantes do Ensino Médio em três turnos. Essa instituição centenária
apresenta um perfil de alunos voltados às linguagens artísticas: a musicalidade, a poesia
e a dança estão presentes no cotidiano dos jovens estudantes.
A partir da dificuldade de um conhecimento abrangente sobre a cultura afro-
brasileira, a equipe docente se preocupou em pesquisar mais sobre a temática e decidiu
buscar novas parcerias para enriquecer a sua prática pedagógica. Através da pesquisa
virtual foi possível perceber que há uma infinidade de projetos relacionada à valorização
da História e da Cultura Afro-Brasileira.
A eleição pelo projeto Kabula foi feita pela equipe pedagógica, ao avaliar que a
proposta educacional representava uma forma didática e artística que viabilizaria o
resgate da cultura africana, enaltecendo a brasilidade numa interlocução prazerosa:
O Kabula Artes e Projetos, integrante da Associação Cultural Ilê
Mestre Benedito de Angola (ACIMBA) e do movimento cultural
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Conexão Carioca de Rodas na Rua (CCRR), desde junho de 2012 até
agora, realiza mensalmente as Rodas de Capoeira do Cais do Valongo,
que são apresentações públicas de capoeira angola, precedidas
pelas Rodas dos Saberes, palestras gratuitas sobre a história,
identidade e manifestações culturais na Região Portuária, realizadas a
céu aberto no antigo Cais do Valongo. (TEIXEIRA, 2014, p. 2)
O objetivo do projeto consiste em colaborar com a preservação da memória;
promover a divulgação e valorização do patrimônio cultural imaterial das culturas de
matriz afro-brasileira no Rio de Janeiro, que têm o seu berço histórico na Região
Portuária. O projeto pode ser considerado como uma lente para todo brasileiro olhar
para si e para seu redor, enquanto produtos do contexto e da cultura afro-brasileira.
Trata-se potencialmente de uma contribuição ao processo de formação de professores ao
promover saberes e práticas, que corroborem com o estudo e ensino dos diversos
aspectos da história e da cultura das etnias africanas.
Entre as atividades realizadas, destacamos a aula passeio (FREINET, 1979), que
permitiu a educandos e professores, realizarem práticas interculturais e as adequações
curriculares efetuadas para implementarem o ensino da temática „História e Cultura
Afro-Brasileira de maneira significativa e prazerosa, rompendo, assim, com os muros
da escola pois:
As saídas ao ar livre readquirem seus direitos, se fazem cada vez mais
números e se transformam, pouco a pouco, em aulas passeio. Saía-se
alegremente e aparentemente sem problemas, mas agora já havia a
preocupação de fazer um relatório de todos os acontecimentos que, ao
longo dos caminhos, atraíam o olhar daqueles que estavam habituados
a ver as coisas mais de perto: uma busca permanente dos olhos,
ouvidos, de todos os sentidos abertos à magia do mundo, fazia surgir
todas essas paisagens, agora vistas como novas, uma incessante
descoberta, imediatamente comunicada e que se tornava coletiva. E,
captada em pleno voo por um professor atento, era a liberação das
almas, uma coesão lentamente construída e mais íntima da
comunidade escolar. (FREINET, 1979, p. 17)
Freinet foi um dos primeiros teóricos da área da educação que buscou aliar a
teoria à prática construindo uma ligação entre professor e aluno jamais estabelecida.
Cabe lembrar que a ordem sempre existiu, todavia nessa prática o aluno passou de mero
espectador à protagonista. Sem dúvida, o caminho trilhado por Freinet trouxe
contribuições incontestáveis à educação. Ao adotar tal perspectiva, o Colégio Estadual
Souza Aguiar (CESA), em parceria com o projeto Kabula promove passeios,
denominados: aulas das descobertas. Essas aulas aconteciam no Cais do Porto do
Valongo:
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O Valongo, lugar de desembarque de centenas de milhares de
africanos escravizados entre 1774 e 1831, passou em seguida quase
dois séculos encoberto e esquecido pelos habitantes do Rio de Janeiro
e seus visitantes. Como era inconveniente lembrar desse lugar de
sofrimento e de profunda injustiça, os donos do poder carioca o
encobriram, primeiro com outro cais, depois com um largo chamado
de “Jornal do Commercio”, o que evoca notícias de uma atividade
decente e normal, não um crime contra a humanidade (...) O Valongo
constitui assim um lugar crucial de memória para lembrar a tragédia
que foi o tráfico transatlântico de seres humanos escravizados, e sua
escala inhumana de quase um milhão de vítimas desembarcadas
apenas nas pedras desse cais. (ASSUNÇÃO, 2014, p. 9)
As aulas das descobertas acontecem mensalmente durante todo o ano letivo desde
2014. Os estudantes do Colégio Estadual Souza Aguiar participam ativamente das
propostas oferecidas pelo projeto Kabula: o passeio ao Cais do Porto, a Roda dos
Saberes, que envolvem diferentes autores promotores de contação de histórias africanas
e atividades de musicalidade que fortalecem processos de resistência e fortalecimento
da memória social.
Figura n° 1: Roda de capoeira – Projeto Kabula
Crédito fotográfico: Maria Buzanosvky. Coordenação: Carlo Alexandre Teixeira Produção: Ana Carolina Oliveira.
Além dessas atividades lúdicas, a roda de capoeira acontece não como ritual
folclórico, mas movimento de militância ativa numa reunião perfeita de alegria e arte. A
parceria CESA e Kabula vem possibilitando novas formas afirmativas para possibilitar
as adequações curriculares, para implementar o ensino da temática „História e Cultura
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Afro-Brasileira e Indígena‟, de forma emancipatória para além dos muros da escola.
Ousamos afirmar que a parceria tem sido também, uma nova forma de experiência
formativa para os professores e educandos.
Ressaltamos que, a escolha da equipe docente do Colégio Estadual Souza Aguiar
(CESA) pela parceria com o projeto Kabula se deu pela empatia pela memória histórica
do Cais do Porto de Valongo. De acordo com Soares (1994, p. 02), “a área do Valongo
teria recebido ao menos meio milhão de escravos entre fins do século XVIII quando o
tráfico negreiro transatlântico foi proibido.”
Para os pesquisadores, essa área do cais representa o maior porto negreiro das
Américas e constitui um lugar emblemático da diáspora africana em nível internacional.
Em 1843, o local teria sido remodelado e transformado no Cais da Imperatriz, com o
intuito de receber a princesa Tereza Cristina das duas Sicílias, que desembarcava da
Europa recém-casada com o imperador D. Pedro II.
A área toda foi aterrada na primeira década do século XX, no âmbito das reformas
urbanísticas promovidas pelo então prefeito Pereira Passos, dando lugar à praça Jornal
do Comércio, localizada na atual avenida Barão de Tefé. O Porto de Valongo apresenta
uma história marcante que ainda é possível ver as cicatrizes da escravidão ao visitar o
território da Praça Mauá.
Para efeito de informação, destacamos alguns fatos marcantes ocorridos nesse
espaço histórico: Local de Nascimento de Machado de Assis, em 1839, no Morro do
Livramento; Palco da Revolta da Chibata, em 1910; Local de fundação do Clube de
Regatas Vasco da Gama, em 1898; Construção do primeiro “Arranha-céu” da América
Latina, o edifício “A Noite”, na década de 20; Local de surgimento da primeira favela
do Brasil, em 1897, o Morro da Providência; Nascimento das rodas de choro e do
samba, na “Pedra do Sal”, Morro da Conceição; Berço da primeira escola de Samba do
Rio, em 1932, Vizinha Faladeira. Em 2015, o cais do Porto do Rio, no seu formato
atual, completou 105 anos.
Desde seu centenário em 2010, o Porto de Valongo vem perdendo sua identidade
a partir do projeto de revitalização do Porto do atual prefeito Eduardo Paes. O prefeito
iniciou um projeto denominado Porto Maravilha. Nele consiste em revitalizar o Cais do
Porto com o objetivo de criar um novo ambiente ao local que tornará os terrenos
atraentes à iniciativa privada. Para isso, a prefeitura do Rio de Janeiro parece imbuída
em apagar a história passada ao promover parceria com empreiteiras e construir prédios
e desalojar antigos moradores dessa região tombada pelo patrimônio cultural.
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Nesse ano de 2016, com a inauguração do Museu do Amanhã, observamos que a
região do Valongo ganha outro sentido. O local em que o Museu do Amanhã foi
construído, enterra a maioria dos corpos negros que já colocaram os pés no continente
americano. Assim, o passado negro é deliberadamente ignorado e substituído pela
construção arquitetônica moderna do Museu do Amanhã. A partir dessa realidade,
aumenta a necessidade de práticas afirmativas nas escolas que envolvam o resgate da
memória do Porto de Valongo.
O projeto Kabula ocupou esse espaço num movimento de resistência à nova
ordem comercial implementada pela prefeitura do Rio de Janeiro e vem dialogando com
o poder público sobre a importância de preservar a identidade da região. Assim, em
2015, foi publicado “Roda dos Saberes do Cais do Valongo”. Esse livro é fruto de
reflexões de pesquisas, memórias e histórias pontuais de culturas populares de
resistência ontem e hoje.
A partir desse livro, os jovens estudantes do Colégio Estadual Souza Aguiar
(CESA), dentre outras instituições de ensino, têm a oportunidade de conhecer algumas
linhas dessa história marcante e que jamais deverá ser esquecida: o Cais do Porto de
Valongo, pois trazendo os versos de Paulinho da Viola: Quando penso no futuro, não
me esqueço do passado. Sendo assim, a proposta do CESA em consonância com o
projeto Kabula possibilita um amanhã menos excludente através do resgate memorial do
Cais do Porto de Valongo.
Cumpre esclarecer que, Kabula se origina do idioma banto falado entre os países
do Congo e Angola e significa: mistério; culto religioso secreto; ritmo religioso tocado,
cantado e dançado. Além disso, Kabula é um verbo e nome próprio feminino (SANTOS
et al., 2010, p. 210).
A articulação deste projeto com o CESA, colégio de ensino médio estadual, local
de matrícula de 1.300 estudantes com o perfil para expressar-se através de diferentes
linguagens da música, poesia e dança dá o tom cultural em ambos os espaços, como
forma de expressão de uma cultura silenciada pelo poder dominante.
Esta articulação entre Kabula e CESA favorece a discussão da Lei Federal de
10.639/2003, pois permite aos estudantes e professores (re) conhecer o processo de
escravidão; a violência e o crime à humanidade; as formas de resistência e o legado do
povo negro para a História do Brasil.
Essa proposta tem viabilizado um processo de formação em que os saberes e
práticas são construídos através da participação de estudantes, professores, capoeiristas
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e outros representantes populares, que juntos, têm compreendido que a História do
Brasil pode e deve ser narrada por todos que dela participaram, de modo a transitar do
processo de invisibilidade do povo africano para o reconhecimento do protagonismo dos
sujeitos/cidadãos negros na transformação tanto da história da Cidade do Rio de Janeiro
quanto da História do Brasil.
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mestre-ile-benedito-de-angola-lancam-o-livro-filme-e-exposicao-fotografica/ Acesso
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DESESTABILIZANDO O SENSO COMUM: O CINEMA A SERVIÇO DA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Fagner Henrique Guedes Neves – UFF
Redesenhar as linguagens, os espaços e os tempos escolares é uma das
providências mais importantes a que deve estar atenta uma formação de professores
voltada à promoção da interculturalidade na educação básica. E, certamente, o cinema
está dentre as múltiplas ferramentas didáticas que podem colaborar a tal ruptura.
Por décadas, o cinema tem sido compreendido pela escola básica ora como
nocivo, ora como valioso ao ensino. Por um lado, compreende-se que a linguagem
cinematográfica compromete as aprendizagens das competências de leitura e escrita.
Por outro lado, essa mesma linguagem é concebida como um instrumento auxiliar à
educação letrada. Esta última perspectiva tem sido cada vez mais dominante nos
discursos políticos e acadêmicos. Com efeito, compreende-se que muitas tramas
cinematográficas (fictícias e documentárias) podem estimular a construção de um senso
critico e humanístico perante as experiências vividas. Nesse cenário, é fundamental que
esse entendimento faça parte das preocupações de uma formação profissional crítico-
reflexiva (Kemmis, 1987; Liston e Zeichner, 1993; Nóvoa, 1992; Pimenta e Ghedin,
2005; Queiroz, 2012; Tardif, 2005), que habilite os professores a refletirem sobre as
condições e as implicações sociais da docência nas escolas populares e a propor práticas
pedagógicas congruentes com esses termos.
No que se refere ao ensino da disciplina de Sociologia, é cabível afirmar que a
exibição de filmes dentro de propostas docentes crítico-reflexivas pode favorecer o
desenvolvimento do olhar sociológico: uma prática investigativa das experiências
sociais e do senso comum (Ianni, 1985; Wright-Mills, 1975). Esse tipo de análise pode
evidenciar os mecanismos de reprodução social de diversas maneiras, em especial por
meio de menções a estereótipos e preconceitos culturais que marcam o cotidiano:
racismo, sexismo, homofobia, xenofobia, intolerância religiosa... Identificar e criticar
esse ideário são objetivos que cabem ser perseguidos pela Sociologia escolar.
Procurando contribuir com o estado da arte nacional relativo à Sociologia escolar,
considero que é possível realizar investigações sobre as apropriações pedagógicas do
cinema nos contextos escolares concretos onde a docência se processa. E, nesse espaço,
vislumbro a seguinte questão de pesquisa: como o cinema pode se constituir em um
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recurso de construção intercultural do saber sociológico escolar? Proponho que o uso
do cinema na Sociologia escolar pode colaborar ao alcance das finalidades da disciplina
e da educação intercultural, desestabilizando concepções preconceituosas e
estereotipadas sobre as minorias culturais que são reproduzidas pelo senso comum.
Diante da questão e da hipótese de pesquisa, a investigação visou analisar os
aspectos constitutivos e as aprendizagens decorrentes de uma proposta pedagógica
desenvolvida com o apoio do cinema no ensino da Sociologia escolar. Especificamente,
esse empreendimento pressupôs:
(1) Construir atividades educativas de exibição e análise dialógica do
documentário nacional O Riso dos Outros, no âmbito de uma escola pública
de Niterói/RJ;
(2) Identificar os pontos de vista dos sujeitos discentes sobre a interculturalidade a
partir das atividades desenvolvidas e
(3) Avaliar os achados obtidos nas práticas de ensino promovidas.
Optei pela apreciação pedagógica de O Riso dos Outros em razão de sua temática
e linguagem serem compatíveis com uma parcela significativa das representações
sociais compartilhadas pelos jovens alunos da escola básica. O humorismo stand-up,
enfocado pela película, tem tido uma alta receptividade entre os jovens, o que pode ser
um importante artifício de estímulo a que os estudantes desenvolvam uma reflexão
sobre as suas próprias experiências sociais. Por fim, a escolha do filme também atendeu
ao disposto no parágrafo 8 do Art. 26 da Lei n° 9394/96 (LDB): “A exibição de filmes
de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à
proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2
(duas) horas mensais (Incluído pela Lei nº 13.006, de 2014)". Por esses motivos, é
importante desenvolver atividades docentes na escola básica que contemplem essa
produção cinematográfica de maneira crítica e reflexiva.
Como a pesquisa está constituída em torno da analise de termos não
quantificáveis, foram selecionadas estratégias qualitativas de coleta e análise de dados.
Em vista dos objetivos da investigação, utilizaram-se metodologias participativas no
cenário de uma escola pública situada em Niterói/RJ. A partir de contatos prévios com
um professor de Sociologia e a Direção da escola, no último bimestre letivo do ano
passado foi realizada uma série de seis encontros pedagógicos de cinqüenta minutos, no
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horário das aulas de Sociologia do primeiro ano do ensino médio. Em diálogo com o
Currículo Mínimo do Rio de Janeiro, procurou-se abordar a temática “Preconceito e
Discriminação” através dos seguintes procedimentos:
Quadro n° 1: Roteiro de atividades pedagógicas
Encontro Procedimentos
1° Apresentação da proposta. Realização de aula expositiva sobre o
conceito de “imagens desestabilizadoras” (Santos, 1996). Identificação
do cinema como uma potencial fonte de imagens desestabilizadoras.
2° Exibição integral do filme O Riso dos Outros.
3° Promoção de debates sobre o filme e as imagens desestabilizadoras.
4° Continuação dos debates. Solicitação de atividade pedagógica de caráter
reflexivo, a ser realizada em casa.
5° Apresentação das atividades realizadas pelos alunos.
6° Continuação das apresentações e avaliação dos trabalhos.
No primeiro encontro, obteve-se o consentimento dos sujeitos em filmar as
discussões. Além disso, foi garantido o anonimato dos participantes. Ao todo, vinte e
nove estudantes participaram das dinâmicas. Das atividades empreendidas resultaram
importantes achados de pesquisa, assim como experiências formativas docentes e
aprendizagens discentes. Vejamos como esses resultados foram alcançados.
A proposta investigativa foi inserida a partir da terceira aula do quarto bimestre,
unidade a qual, segundo o planejamento pedagógico elaborado pelo professor, tratava
dos “processos de estigmação, rotulação, preconceito, discriminação e intolerância que
marcam a convivência das culturas na atualidade” (Professor Participante da Pesquisa).
Procurando contribuir com o debate, realizou-se aula expositiva em torno das imagens
desestabilizadoras (Santos, 1996). A aula buscou levar aos alunos a uma compreensão
do conceito a partir de suas realidades sociais e culturais, mirando a produção de uma
consciência sociológica sobre esses fenômenos.
Para Boaventura de Sousa Santos, o ensino assume um papel epistemológico e
político estratégico, sendo entendido como um “projeto orientado a combater a
trivialização do sofrimento, por via da produção das imagens desestabilizadoras a partir
do passado concebido não como fatalidade, mas como um produto da iniciativa humana”
(Santos, 1996, p. 17). Ou seja, a educação é um instrumento de desestabilização do
ideário comum, que compreende o social como um campo estático e acabado, em favor
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da concepção desse espaço como uma arena construída pelo homem e, como tal, sempre
está aberta a contestações e transformações. Por meio do emprego de imagens como tais,
a aprendizagem de conhecimentos mais compatíveis com a justiça social se torna viável.
É possível inferir a partir das proposições de Santos que as imagens
desestabilizadoras correspondem a todo tipo de ideia, pessoa, instituição ou objeto cuja
menção seja capaz de problematizar desigualdades sociais e preconceitos culturais que,
por vezes, são naturalizados pelo senso comum. Na ótica de Santos, a visão dessas
injustiças pode desencadear atividades pedagógicas favoráveis ao comprometimento dos
estudantes com a promoção do respeito e a valorização das culturas, bem como de sua
livre interlocução nos espaços públicos.
Com efeito, o cinema é um recurso capaz de provocar a desestabilização do
ideário comum. Certamente, o cinema pode cumprir tal função quando não é entendido
como uma representação mimética ou inequívoca do mundo, ou um meio de tornar as
aulas mais lúdicas. Rechaçando esses usos, o debate acadêmico (Bittencourt, 2005;
Duarte, 2006; Ferro, 2002; Turner, 1997; Xavier, 2005) converge à ideia de que o
cinema pode estimular leituras de mundo, questionamentos, estudos e debates que,
enfim, resultem nas aprendizagens que se deseja promover na formação de professores e
na educação escolar. E foi a partir dessa perspectiva que se exibiu o filme O Riso dos
Outros, no segundo encontro.
O Riso dos Outros é um documentário lançado em 2012, sob a direção de Pedro
Arantes e a chancela da TV Câmara. Em um roteiro no qual não se ouve a voz de
qualquer narrador, um coletivo de entrevistados explora o stand-up a partir de pontos de
vista diversos. Os quarenta e sete minutos da película giram em torno de uma polêmica
bastante divulgada na atualidade: os limites políticos, culturais e morais do formato
humorístico stand-up.
Os entrevistados concordam acerca da ideia de que o humor, sobretudo o stand-up,
se sustenta em alguns pilares estéticos e culturais. Em primeiro lugar, o humor carece
sempre de uma relação de compartilhamento de significados entre o humorista e os
interlocutores. Isto é, ambos devem estar de posse de um mesmo imaginário social, para
que as piadas façam sentido a quem as ouve, provocando o riso. Muitas vezes, esses
significados compartilhados são os estereótipos e preconceitos manifestos e velados nas
práticas cotidianas contra o outro, o diferente, sobretudo quando este representa uma ou
mais minorias socioculturais. Em o Riso dos Outros, diversos excertos breves de shows
de stand-up fizeram desfilar vários preconceitos contra as mulheres, os homossexuais, os
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negros, os idosos, os suburbanos, os interioranos, contra determinadas comunidades
estrangeiras e os portadores de algum tipo de deficiência física ou mental... E não faltou
quem risse das piadas.
Os participantes da película identificam que o sucesso das piadas pressupõe uma
“caricaturização” cruel de uma minoria (10‟14‟‟). Por meio desse expediente, o
humorista identifica um aspecto que o senso comum considera característico de uma
minoria (10‟30‟‟), como a subalternidade das mulheres e dos negros, por exemplo, e
destila comentários desrespeitosos sobre o seu alvo. As risadas daqueles que não são
atingidos são garantidas, uma vez que a comunicação de significados entre o comediante
e a platéia foi firmada. Contudo, em outros momentos, aqueles que foram
caricaturizados riem de outros aos quais coube a mesma função. Deste modo, os
preconceitos são sempre reiterados como que em um círculo vicioso.
Todavia, o que opõe as ideias dos entrevistados em dois grupos é a consideração
dos efeitos políticos que as piadas são capazes de engendrar. De um lado, escritores,
cartunistas, políticos e ativistas sociais identificam um acentuado teor discriminatório
contra as minorias culturais nessa linguagem humorística. De outro lado, os humoristas
de stand-up afirmam que suas piadas nada têm de ofensivas aos grupos minoritários,
sendo não mais do que manifestações das suas liberdades de expressão. Ou seja, para os
últimos o humor é como uma “prática politicamente neutra”, ao passo que para os
primeiros, se trata de um artifício de legitimação de violências sociais e culturais através
de uma linguagem artística.
Segundo os humoristas, os shows de stand-up não constroem preconceitos, apenas
os utilizam, por meio de uma espécie de licença poética, para fazer rir. O humor seria
para eles uma expressão jocosa das mazelas sociais, criadas pelos donos do poder.
Conforme os comediantes, as decisões desses atores é que deveriam ser criticadas. As
piadas, ao contrário, são “inofensivas”. Elas serviriam apenas ao intuito de atacar
momentaneamente determinados alvos, mas sem as mesmas intenções opressivas das
elites capitalistas. Para esses artistas, o humor não teria o papel que os críticos apontam.
Entretanto, os defensores dos direitos das minorias fazem atentar ao caráter
profundamente politizado das justificativas dos humoristas: o humor preconceituoso
seria um eficaz instrumento de naturalização de conservadorismos. No entender de
representantes de movimentos negros, feministas e homossexuais, em nenhum momento
os humoristas de stand-up, muitos deles estrelas midiáticas, estariam interessados em
questionar as mesmas mazelas sociais que eles afirmam que sustentam as suas piadas
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(29‟33‟‟). O foco deles seria sempre reproduzir o imaginário social dominante e, de
forma individualista, colher a fama e o retorno financeiro de seus trabalhos.
A polêmica segue com os comediantes criticando o que denominam como “a
ditadura do politicamente correto” (31‟30‟‟), a qual, segundo eles, tem diminuído a sua
liberdade de expressão através da interposição de ações judiciais promovidas por
movimentos sociais minoritários. Os membros desses movimentos, por sua vez,
replicam, defendendo que toda liberdade tem limites e estes são os direitos de
manifestação e valorização dos outros, que devem ser garantidos nas sociedades
democráticas. Não é ditatorial defender direitos: ditatorial é querer negá-los (32‟07‟‟). E
não se pode atribuir a posição de opressores àqueles que sempre foram e são oprimidos.
Em suma, O Riso dos Outros aponta a um impasse entre liberdade individual e
interculturalidade que está longe de ser resolvido nos tempos atuais. Diante do exposto,
o filme pode ser compreendido como um artifício de construção de subjetividades
indignadas e inconformistas perante as injustiças sociais e que se rebelem contra a
continuidade desses conflitos. E muitas dessas atitudes podem ser viabilizadas na
educação básica, através de imagens veiculadas pela película. É frente a essas
proposições que uma educação que se pretenda chamar como intercultural tem muito a
se beneficiar com a exibição pedagógica de produções cinematográficas como essa.
O filme motivou diferentes percepções entre os estudantes, a partir do terceiro
encontro. Para a maioria dos alunos, o stand-up de matiz preconceituoso nada teria de
ofensivo aos direitos das minorias e que esses direitos não são mais importantes do que
as liberdades individuais e a expansão das oportunidades de mobilidade social ao povo.
No entanto, houve estudantes que viram na película uma excelente oportunidade de
aprender sobre uma forma humanística de se conceber a diversidade cultural.
Foram empreendidas dinâmicas dialógicas sobre o filme e sua possível condição
de imagem desestabilizadora do senso comum. Visando criar oportunidades iguais de
manifestação das culturas na constituição dos saberes e das práticas de ensino, buscou-se
estabelecer canais interativos entre os diversos referenciais culturais representados pelos
alunos. Não se trata de uma tarefa fácil, visto que, não raramente, as salas de aula
englobam fronteiras invisíveis, territórios demarcados pelas identidades culturais
dominantes de diferentes grupos de estudantes. Porém, a experiência profissional do
professor participante ofereceu importantes contribuições interculturais à pesquisa:
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“Eu não fui preparado na licenciatura para trabalhar com a
diversidade, mas eu desenvolvi com o tempo de sala de aula um
costume de trabalhar em atividades na sala que eles [os alunos]
possam interagir [...] Muitas vezes, eu determino os grupos
aleatoriamente que vão trabalhar, para tirar um pouco aquela coisa da
„afinidade‟ [...] Já consegui, por exemplo, de pessoas que não se
davam muito bem elas se acabarem se relacionando [...] Por exemplo,
quando eu to trabalhando um conceito relacionado ao preconceito
sexual [...] esquecem que ela é lésbica ou que ele gay [...]” – Professor
Participante da Pesquisa
A partir da reflexão crítica do professor participante sobre a sua prática, procedeu-
se a debates organizados em grupos de quatro ou cinco sujeitos com diversos
referenciais culturais, inclusive conflitantes entre si. Em dois grupos, tais encontros
foram significativas oportunidades para a visibilização dos conflitos, assim como a
negociação de denominadores comuns capazes de estabelecer uma ordem democrática
no espaço educativo. No entanto, quanto aos outros grupos, as dinâmicas não foram
além do descaso com a interculturalidade, afirmando-a como uma questão menos
importante que a liberdade e a mobilidade social: “o que interessa é ficar rico e ser
feliz”, disseram alguns. As declarações de alguns alunos acenam, inclusive, a uma
perspectiva excessivamente individualista e descomprometida com o bem comum.
Por certo, não é possível desenvolver a educação intercultural de maneira
autocrática, tal como procede a educação tradicional. Não se pode querer construir
diálogos interculturais que apontem alternativas democráticas à força,
compulsoriamente. É necessário que se busque convencer a todos, com argumentos, de
que esses encontros são benéficos à ordem social e, por isso, sua realização é válida. E
foi tendo em vista esses fundamentos que se sugeriu aos estudantes que, em caráter
opcional, nas duas aulas seguintes identificassem e comentassem qualquer ideia, objeto,
pessoa ou instituição que pudesse desestabilizar os estereótipos e preconceitos culturais
correntes no país e no estado. Partiu-se da premissa de que os alunos que atendessem a
uma solicitação desvinculada de qualquer premiação escolar estariam verdadeiramente
focados em aprender, desenvolvendo assim o pensamento sociológico.
Porém, poucos alunos responderam à solicitação. Dos vinte e nove alunos,
dezenove não fizeram a atividade, sendo que nove deles nem compareceram aos dois
últimos encontros. Ao contrário, oito estudantes, integrantes dos dois grupos que se
mostraram afeitos à interculturalidade, realizaram a tarefa. Eles mostraram um evidente
crescimento intelectual, ao identificarem imagens referentes a conflitos culturais
diversos. Cabe comentar três dessas atividades na sequência.
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A primeira atividade que destaco foi um relato de experiência de uma aluna, o
qual foi bastante revelador acerca da importância pedagógica das imagens
desestabilizadoras à formação básica:
“Eu tive uma professora de História que era negra e uma vez chegou
na [sic] sala com um vestido esquisito [sic]: todo colorido, que parece
„coisa de africano‟ [...] E aí eu falei: „esse vestido parece que é de
macumba, a Srª é macumbeira?‟ (…) E ela me respondeu: „por que
essa roupa simboliza para algumas pessoas „macumba‟?‟ „E o que é
„macumba‟?‟ [...] O que aconteceu? Uma discussão muito legal sobre
o respeito pelo outro, pela religião alheia, contra os preconceitos
começou e envolveu a sala toda [...] A turma entendeu que, se as
culturas estão por aí [sic] e elas são diferentes, a gente tinha que
aprender sobre elas, para que a gente respeitasse elas [sic] [...]” –
Aluna Participante da Pesquisa
No depoimento, a vestimenta da professora foi o estopim necessário para um
debate humanístico sobre as diferenças religiosas e raciais e a importância do respeito a
elas em uma sociedade democrática. Essa situação foi tão significativa para a aluna que
ela trouxe o ocorrido à tona ao pensar em meios de problematização da diversidade
cultural. Esses apontamentos mostram o quanto as imagens desestabilizadoras podem
marcar toda uma trajetória escolar, motivando o estudante a desenvolver um
comprometimento com reflexões e diálogos humanísticos tempos mais tarde.
Também chamou a atenção a reflexão de um estudante sobre os regionalismos,
que consistiu na comparação entre alguns estereótipos regionais brasileiros através da
apresentação de quatro mapas nacionais alternativos, encontrados em sítios virtuais:
Figura nº 1: “O Brasil segundo os cariocas” Figura nº 2: “O Brasil segundo os paulistas”
Fonte: selocalize.blogspot.com Fonte: osqueridoes.com.br
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Figura nº 3: “O Brasil segundo os gaúchos” Figura nº 4: “O Brasil segundo os acreanos”
Fonte: seumadroga.com Fonte: selocalize.blogspot.com
Os mapas elencados trazem as imagens dos estereótipos regionais que compõem o
senso comum de diferentes estados brasileiros. Nessas imagens, verifica-se
sistematicamente um olhar etnocêntrico, que exalta a própria comunidade regional em
detrimento das outras. Tal como no stand-up, os autores buscam fazer humor através de
caricaturas, atribuindo ao “outro”, sempre quando o nome dele é evocado, rótulos
discriminatórios e reducionistas (“Bichas”, “Gostosas”, “Favelas”, “Bahia”, “Paraíba”,
“Só tem mato” ou “Sem importância”) ou, revanchistas (“Isto não existe” ou “Argentina
Brasileira”). Discordando com esses preconceitos, o aluno que levou os mapas à sala,
“um erro não justifica o outro, e não é por que o „outro‟ constrói uma imagem negativa
de mim que eu vou fazer o mesmo”. Seu depoimento leva a ressaltar que a justiça social
exige a valorização do próximo, seja ele um sujeito ou uma cultura regional.
Por sua vez, a reflexão de um outro aluno indicaram que a desestabilização do
senso comum pode motivar um autorreconhecimento cultural positivo. Nesse sentido, o
estudante exalta o seu orgulho de ser negro, através da menção à letra Afro-Brasileiro,
dos rappers Thaíde e DJ Hum:
[...] Afro-brasileiro (sabe quem eu sou?)
Afro-brasileiro (me diga quem você é)
Afro-brasileiro (sabe quem eu sou?)
Afro-brasileiro
Afro-brasileiro (me diga quem você é)
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Afro-brasileiro (sabe quem eu sou?)
Afro-brasileiro
Somos decendentes de zumbi
Grande guerreiro
[...]
(THAÍDE E DJ HUM, 1995)
Thaíde e DJ Hum exaltam o orgulho das suas origens culturais africanas e que
deve ser o mesmo sentido de si de outros negros. Na íntegra, a letra explora importantes
aspectos das culturas negras suburbanas e periféricas, como as “rodas de capoeira”, as
confraternizações que elas motivam, das crenças religiosas de matriz africana e da
escravidão que marca a sua história no país (“descendentes de Zumbi”). Segundo o
aluno, “ao invés de querer assimilar tudo o que o branco tem a oferecer [a cultura
hegemônica], o negro deve, antes de tudo, valorizar os seus antepassados, jamais se
envergonhando deles”. Sem valorizar a si próprio, como valorizar a outrem? Nesse
sentido, a reflexão do aluno leva a problematizar o autorreconhecimento como uma
dimensão fundamental da interculturalidade.
Portanto, as atividades desencadearam as reflexões de alguns alunos que se
mostraram receptivos às ideias interculturais. Em síntese, essas reflexões apontaram a
importância das imagens desestabilizadoras a uma educação que cultive o respeito
integral a si mesmo e ao próximo, como um semelhante e potencial interlocutor.
Mesmo diante de manifestações como essas, é verdadeiro, por outro lado, que
“não há garantias de que a educação intercultural venha a mudar a forma pela qual os
alunos veem a diversidade e se posicionam diante dela fora da escola” (Professor
Participante). Muitos preconceitos, conflitos e violências culturais persistem nas
instâncias sociais. E possivelmente a interculturalidade, processo construído
necessariamente em caráter voluntário, enfrente a oposição de interesses contrários à
justiça que se estendem coercitivamente sobre as sociedades contemporâneas, sendo
amplamente reproduzidos pelo imaginário social. Neste problema, reside o maior
desafio do projeto da interculturalidade.
Apesar de muitos estudantes desconsiderarem a importância do diálogo
intercultural à promoção de uma sociedade melhor, as atividades desenvolvidas a partir
da exibição de O Riso dos Outros foram significativas oportunidades educativas, para
todos os envolvidos. Além de obter achados importantes sobre as repercussões dos
preconceitos e das discriminações nas impressões dos alunos, os encontros propiciaram
problematizações do imaginário social e de seus conflitos culturais típicos, assim como
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experiências e discussões que podem contribuir à formação profissional continuada do
professor.
A investigação permitiu apontar que o cinema pode se constituir em um recurso
de construção intercultural do saber sociológico escolar. Uma utilização crítica do
cinema na educação escolar, como um aspecto desencadeador de práticas de ensino
reflexivas, engendra imagens referentes a conflitos culturais cujo reconhecimento e
critica são aspectos necessários à formação básica. A película pode veicular na
disciplina de Sociologia imagens do ideário comum, que permanentemente engendra e
naturaliza injustiças sociais e culturais. Diferentes depoimentos presentes no filme
podem propiciar aos estudantes exercícios de desestabilização de concepções ordinárias
e dominantes de mundo que, por vezes, nada mais fazem do que produzir um
conformismo tácito com o status quo excludente e individualista da atualidade. E
somente a partir desses movimentos é possível pensar e propor ideias e práticas que
realmente venham a contestar tal estado de coisas.
O cinema é, pois, um recurso didático benéfico à educação escolar. O cinema está
no rol dos recursos que permitem os educadores redesenhar a educação escolar em
termos interculturais. O emprego desses recursos no ensino de Sociologia pode
colaborar à flexibilização das lógicas linguísticas, espaciais e temporais das escolas, ao
mesmo tempo em que favorece o exercício do olhar discente crítico sobre a experiência
social. Por certo, estas operações favorecem a emergência da escola intercultural.
Não há como negar que o projeto pedagógico intercultural exige que os
professores dominem os saberes constituintes de seu ofício, tornando-os instâncias de
permanente reflexão crítica. E nesse âmbito, o cinema não pode ser concebido através
dos lugares-comuns que o caracterizam como uma linguagem pedagógica escolar. Urge
que eles saibam rejeitar as abordagens miméticas e ilustrativas de filmes em suas
propostas educativas. Primeiro, convém concebê-lo como uma forma particular de
representação do mundo, capaz de fazer pensar, e não como um meio que obriga a
reproduzir modelos pensados pelos outros. Cabe também não utilizar filmes como
expedientes meramente adjacentes ao conhecimento escolar, que tornam as situações
educativas mais lúdicas, ao mesmo tempo em que só confirmam o discurso das aulas
expositivas e dos livros didáticos. O cinema é capaz de colaborar a uma desestabilização
do ideário comum sobre a experiência social, apontando caminhos à reflexão acerca de
alternativas que favoreçam a justiça. Este é, sem dúvida, um vasto e significativo debate
referente à formação de professores que convém ser sempre retomado.
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É indubitavelmente importante que os professores sejam capacitados, em suas
formações iniciais e continuadas, a empregar filmes como elementos disparadores da
reflexão, da crítica, da manifestação dialógica de pontos de vista e da negociação entre
os diferentes em suas aulas. Desta maneira, o cinema pode ser incluído nos roteiros
pensados em prol da educação intercultural nas escolas brasileiras.
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ARANTES, P. (Diretor). O Riso dos Outros. TV Câmara, 2012. 47 min.
Música
THAÍDE e DJ HUM. Afro-Brasileiro. In: Álbum Brava Gente, 1995.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
4206ISSN 2177-336X