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FORMAÇÃO PROFISSIONAL DA DOCÊNCIA: SABERES E EXPERIÊNCIAS DA FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA Este trabalho analisou comparativamente os projetos do Programa Institucional de Iniciação à Docência - PIBID, em duas instituições de ensino superior, localizada em Belo Horizonte, sendo uma pública e a outra privada, com objetivo de identificar os pontos positivos e os limites desta articulação de saberes e experiências entre a Universidade-Escola Básica. A metodologia utilizada foi qualitativa. Os instrumentos foram a análise documental e entrevista semiestruturada. A análise documental foi realizada nos projetos institucionais destas instituições, bem como, nos Relatórios de Gestão de 2009-2012 da DEB/CAPES, buscando compreender a dinâmica da formação inicial e continuada de professores no PIBID. O público alvo da entrevista foi constituído pelos bolsistas do Programa: coordenador institucional, coordenador de área, professor supervisor, licenciandos e licenciados (egressos) dos cursos de Ciências Biológicas, Matemática e Física. Os resultados da pesquisa apresentaram relevância na articulação dos saberes e experiências entre a Universidade-Escola Básica, bem como, levou a identificação de quatro dimensões constituintes do perfil profissional docente à serem desenvolvidas no processo de formação: a dimensão profissional, social e ética; o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; a participação na escola e relação com a comunidade; e o desenvolvimento profissional ao longo da vida. Palavras-chave: Docente. Saberes e Experiência., Articulação Universidade-Ensin. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 7529 ISSN 2177-336X

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FORMAÇÃO PROFISSIONAL DA DOCÊNCIA: SABERES E EXPERIÊNCIAS

DA FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA

Este trabalho analisou comparativamente os projetos do Programa Institucional de

Iniciação à Docência - PIBID, em duas instituições de ensino superior, localizada em

Belo Horizonte, sendo uma pública e a outra privada, com objetivo de identificar os

pontos positivos e os limites desta articulação de saberes e experiências entre a

Universidade-Escola Básica. A metodologia utilizada foi qualitativa. Os instrumentos

foram a análise documental e entrevista semiestruturada. A análise documental foi

realizada nos projetos institucionais destas instituições, bem como, nos Relatórios de

Gestão de 2009-2012 da DEB/CAPES, buscando compreender a dinâmica da formação

inicial e continuada de professores no PIBID. O público alvo da entrevista foi

constituído pelos bolsistas do Programa: coordenador institucional, coordenador de

área, professor supervisor, licenciandos e licenciados (egressos) dos cursos de Ciências

Biológicas, Matemática e Física. Os resultados da pesquisa apresentaram relevância na

articulação dos saberes e experiências entre a Universidade-Escola Básica, bem como,

levou a identificação de quatro dimensões constituintes do perfil profissional docente à

serem desenvolvidas no processo de formação: a dimensão profissional, social e ética; o

desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; a participação na escola e relação com a

comunidade; e o desenvolvimento profissional ao longo da vida.

Palavras-chave: Docente. Saberes e Experiência., Articulação Universidade-Ensin.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7529ISSN 2177-336X

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ARTICULAÇÃO DE SABERES E EXPERIÊNCIAS DOCENTES: PROCESSO

DE QUALIFICAÇÃO DA FORMAÇÃO

Maria Geralda Oliver Rosa

Instituto Federal do Espírito Santo - Campus Vila Velha

Lúcio Mário de Souza

Licenciado em História PUC/MG

FIP/PUC/MINAS

RESUMO

Este trabalho analisou comparativamente os projetos do Programa Institucional de

Iniciação à Docência - PIBID, em duas instituições de ensino superior, localizada em

Belo Horizonte, sendo uma pública e a outra privada, com objetivo de identificar os

pontos positivos e os limites desta articulação de saberes e experiências entre a

Universidade-Escola Básica. A metodologia utilizada foi qualitativa. Os instrumentos

foram a análise documental e entrevista semiestruturada. A análise documental foi

realizada nos projetos institucionais destas instituições, bem como, nos Relatórios de

Gestão de 2009-2012 da DEB/CAPES, buscando compreender a dinâmica da formação

inicial e continuada de professores no PIBID. O público alvo da entrevista foi

constituído pelos bolsistas do Programa: coordenador institucional, coordenador de

área, professor supervisor, licenciandos e licenciados (egressos) dos cursos de Ciências

Biológicas, Matemática e Física. Os resultados da pesquisa apresentaram relevância na

articulação dos saberes e experiências entre a Universidade-Escola Básica, bem como,

levou a identificação de quatro dimensões constituintes do perfil profissional docente à

serem desenvolvidas no processo de formação: a dimensão profissional, social e ética; o

desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; a participação na escola e relação com a

comunidade; e o desenvolvimento profissional ao longo da vida.

Palavras-chave: Formação Docente. Saberes e Experiências. Articulação

Universidade-Ensino Básico.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo analisou comparativamente os projetos institucionais do “Programa

Institucional de Iniciação à Docência” (PIBID) em duas instituições de ensino superior,

sendo uma pública e a outra privada, para investigar os desafios da gestão deste

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7530ISSN 2177-336X

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Programa na constituição dos saberes docentes e da experiência em escolas da educação

básica da rede pública de Belo Horizonte-MG, no período de 2008-2012.

A metodologia utilizada foi à qualitativa. Optamos pelos instrumentos: análise

documental e entrevista semiestruturada. A análise documental foi realizada nos

projetos institucionais destas instituições bem como nos Relatórios de Gestão de 2009-

2012 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior / Diretoria de

Formação de Professores da Educação Básica(CAPES/DEB).

O público alvo da entrevista foi selecionado do grupo estruturante do PIBID:

coordenador institucional, coordenador de área, professor supervisor, licenciandos dos

cursos de Ciências Biológicas, Matemática e Física e egressos. Estes cursos foram

selecionados para análise, por serem comuns as duas instituições pesquisadas e

possuirem subprojetos vinculados ao Programa PIBID.

Neste sentido, foram entrevistados nas duas instituições pesquisadas: dois

coordenadores institucionais; três coordenadores de área (por curso); três professores

supervisores (por área); três licenciandos (por curso) e três licenciados egressos do

Programa. Desta forma, para efeito de melhor estruturação do texto os entrevistados

serão identificados pelas iniciais: (CI) - Coordenador Institucional; (CA) - Coordenador

de Área; (LB) - Licenciando Bolsista; (LE) - Licenciado Egresso; (PS) - Professor

Supervisor.

Nesta perspectiva, dividimos este artigo em três partes. Na primeira, apresenta-

se o percurso metodológico; na segunda o Programa PIBID como referencial de

qualificação da formação inicial e continuada de professores para a educação básica; na

terceira e última parte a análise das entrevistas. Concluí-se com as análises realizadas,a

identificação de quatro dimensões constituintes do perfil profissional docente à serem

desenvolvidas no processo de formação docente: dimensão profissional, social e ética;

desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; participação na escola e de relação com

a comunidade; desenvolvimento profissional ao longo da vida.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

A metodologia utilizada foi qualitativa. Optamos pelos instrumentos: análise

documental e entrevista semiestruturada. A análise documental foi realizada nos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7531ISSN 2177-336X

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projetos institucionais destas instituições bem como nos Relatórios de Gestão de 2009-

2012 da CAPES/DEB.

O planejamento prévio das entrevistas foi realizado juntamente com a

construção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para cada um dos

entrevistados. A escolha dos bolsistas participantes do PIBID foi realizada

aleatoriamente nos cursos comuns das Instituições (pesquisadas) vinculadas ao PIBID:

Ciências Biológicas, Matemática e Física. As entrevistas foram realizadas nas

Coordenações do Programa destas Instituições durante as reuniões quinzenais do PIBID

nos espaços universitários;algumas de imediato e outras agendadas de acordo com a

disponibilidade de cada bolsista. O período de realização das entrevistas foi de 60

(sessenta) dias (BICUDO, 2005).

Nesta vertente, o público alvo da entrevista foi constituído pelo grupo

estruturante do PIBID: coordenador institucional, coordenador de área, professor

supervisor e licenciandos dos cursos de Ciências Biológicas, Matemática e Física e

pelos licenciados egressos destas áreas.

Buscando investigar as práticas docentes e os saberes da experiência destes

bolsistas levantamos diversas questões para adequar as duas melhores opções que

fossem adequadas a todo o grupo a ser entrevistado. Desta forma, duas questões se

destacaram, são elas: a) Como você percebe sua experiência no PIBID? b) Quais as suas

expectativas em relação à profissão docente?

3 PIBID: FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES PARA

A EDUCAÇÃO BÁSICA

Numa perspectiva de valorização da formação docente, a Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), com nova estrutura “[...]

amplia seu atendimento articulado em três vertentes: a formação de qualidade; a

integração entre pós-graduação, formação de professores e escola básica; e a produção

de conhecimento”.

Neste contexto, a CAPES cria em 2007, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação

à Docência (PIBID), “[…] com o objetivo de aperfeiçoar e valorizar a formação de

professores para a educação básica”, disponibilizando bolsas de iniciação à docência

para projetos à serem desenvolvido sem “ Instituições de Educação Superior (IES) em

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7532ISSN 2177-336X

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parceria com escolas de educação básica da rede pública” (ROSA & AMARAL, 2015,

p. 135).

Entretanto, somente em 2010, este Programa é homologado por meio do Decreto

nº 7.219/2010, que define em seu artigo 3º, seus objetivos:

I - Incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação

básica; II - Contribuir para a valorização do magistério;

III - Elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de

licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e educação

básica; IV - Inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de

educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em

experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter

inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas

identificados no processo de ensino-aprendizagem; V - Incentivar escolas

públicas de educação básica, mobilizando seus professores como

coformadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos

de formação inicial para o magistério; VI - Contribuir para a articulação entre

teoria e prática necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade

das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura (BRASIL, 2010).

Nesta perspectiva, o PIBID tem incentivado a formação de professores para a

educação básica e contribuído para melhorar a qualidade da escola pública, conforme

relatos verificados nos Relatórios de Gestão da DEB/CAPES de 2009-2012.

Portanto, investigando os desafios da gestão do Programa PIBID na constituição

dos saberes docentes e dos saberes da experiência em escolas da educação básica,

acredita-se ser necessário destacar as principais atribuições dos bolsistas que constituem

a estrutura deste Programa, segundo informações do site

<http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid>,

a) Bolsista de Iniciação à Docência (ID)

Ao ingressar no PIBID o licenciando deverá: dedicar ao menos 8 (oito) horas semanais

às atividades do projeto; elaborar portfólio com o registro das ações desenvolvidas;

apresentar os resultados de seu trabalho no seminário de iniciação à docência

promovido pela Instituição de Ensino Superior (IES).

b) Professor Supervisor de Escola Pública (PS)

O professor supervisor tem as seguintes atribuições: informar à comunidade escolar

sobre as atividades do projeto; elaborar, desenvolver e acompanhar atividades dos

bolsistas iniciação à docência (ID); controlar a frequência dos bolsistas ID nas

atividades; participar dos seminários de iniciação à docência promovidos pelo projeto;

criar e manter atualizado um currículo na Plataforma Freire.O Ministério da Educação

criou a esta Plataforma para disponibilizar acesso fácil do professor da educação básica

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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às instituições públicas de ensino superior, oferecendo informações sobre cursos de

licenciatura.

c) Coordenador de área (CA)

O coordenador de área (CA) é o gestor de um subprojeto PIBID em cada uma das IES.

Dentre suas atribuições estão: acompanhar as atividades previstas no subprojeto;

dialogar com a rede pública de ensino; participar de comissões para seleção de

supervisores e licenciandos; informar ao CI alterações na relação de participantes para o

pagamento da bolsa; e apresentar ao CI relatórios periódicos sobre o subprojeto. Já o

coordenador de área de gestão de processos educacionais (CG) é o auxiliar do

coordenador institucional (CI).A atribuição principal do CG é apoiar o CI na gestão do

projeto. Portanto, a natureza deste apoio deve ser definida quando o CG assumir sua

função.

Os trabalhos em parceria, as trocas de experiências e saberes entre Universidade-

Escola Básica, são enfatizados em todas as ações articuladas entre os bolsistas.

4 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

Nesta perspectiva, parte-se para a análise das entrevistas, onde os depoimentos

dos bolsistas e suas respectivas experiências foram registradas. Com a análise de cada

depoimento, foi possível compreender a realidade individual de cada área, e por sua vez,

sua relação com as outras áreas, sinalizando um grupo ocupacional que

[…] partilha, por todos os professores, de ideias sobre o que é, para

que serve e como deve ser exercida a docência é um elemento de

enorme importância para a criação e fortalecimento do sentimento de

pertença a um mesmo corpo e para a coesão entre todos os seus

membros (ESTRELA, 1997, p. 165).

As duas instituições pesquisadas, uma pública e a outra privada, foram

identificadas neste texto respectivamente, como Instituição X e Instituição Y.

4.1 EXPERIÊNCIAS DOS COORDENADORES INSTITUCIONAIS (CI)

As experiências relatadas pelos CI das duas instituições X e Y, qualificaram o

Programa como um "campo de possibilidades", ressaltando a função da Universidade

na qualificação da formação profissional docente disponibilizando pesquisas

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“educacional e didática”, bem como, o estudo de “modelos alternativos de formação”

(GATTI, 1992, p. 71).

No entanto, o CI (Instituição Y), descreveu sua experiência no PIBID

valorizando o seu contato anterior como coordenador da área de Matemática em relação

com o seu cargo atual, enfatizando que em ambas oportunidades, presenciou

licenciandos em contato com a realidade do espaço onde deverá atuar após sua

habilitação, portanto, desta forma, entende que “[...]a formação de profissionais

professores para a educação básica tem que partir de seu campo de prática, com seus

saberes, integrando-os com os conhecimentos necessários” (GATTI, 1992, p. 14).

De tal forma, que suas perspectivas são boas quanto ao futuro da docência, pois

acreditam que o PIBID tem fortalecido esta formação, em um cenário de descrença e

desestímulo dos jovens à profissão docente.

4.2 EXPERIÊNCIAS DOS COORDENADORES DE ÁREA (CA)

No caso dos CA das instituições pesquisadas, o fato de possuírem as condições

de “articular ensino teórico das áreas”, com as “práticas vivenciadas” possibilitam nesta

“integração entre os licenciandos bolsistas e os professores supervisores”, “trocas de

saberes” e vivências que fazem a diferença na qualidade desta formação profissional.

Neste sentido, enquanto o CA de Biologia (Instituição X) destaca a “interação da

Universidade-Escola Básica”, qualificando como uma modalidade diferente de

“articulação entre vários setores e aspectos do processo ensino e aprendizagem”; o de

Biologia (Instituição Y), acredita na necessidade de uma “participação mais prolongada

no neste Programa”, pois o PIBID possui uma especificidade em proporcionar ao

licenciando uma inserção institucional mais próxima daquela que o espera após a

graduação. Defende uma profissão docente que “desenvolva os aspectos políticos e

sociais da profissão”, como forma de uma atuação mais “comprometida com a

cidadania”.

Em relação às expectativas à profissão docente, acreditam que o PIBID “aumenta as

expectativas para a profissão docente” ao mesmo tempo em que é uma alerta para o

“valor do processo educativo de seus agentes”.

Por outro lado, o CA de Física (instituição X) descreve sua experiência no

PIBID como uma “possibilidade de retorno aos espaços das salas de aulas”, onde o

ensino de Física é realizado de uma “forma aristotélica, levando o aluno a aceitar como

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verdade o que é proposto”; entranto, suas expectativas são boas em relação ao futuro da

docência, pois percebe o PIBID como “programa exitoso de qualificação e valorização

da formação docente”. Ainda na mesma instituição, outro CA de Física percebe que “o

intercâmbio proporcionado pelo PIBID aos bolsistas do Programa, melhorou suas

expectativas quanto ao futuro da profissão docente”. Percebe ainda, que o PIBID

possibilita ao licenciando abandonar sua idealização da profissão enriquecendo suas

experiências no espaço onde irá atuar, valorizando e qualificando a prática profissional

docente. Com toda a certeza, “ser professor é algo que o estudante deve ir se fazendo,

tornando esta trajetória cada vez mais objeto de uma opção profissional consciente e

crítica respaldada em um compromisso político democrático e em uma competência

profissional” (GATTI 2012, p.03).

4.3 EXPERIÊNCIAS DOS PROFESSORES SUPERVISORES (PS)

A experiência de acompanhar o contato dos participantes com a realidade

escolar, é também sentida pelos PS vinculados ao projeto institucional do PIBID de

ambas as instituições (X e Y), pois eles têm como objetivo real o acompanhamento do

percurso dos licenciandos no espaço escolar do ensino básico da rede pública de ensino.

Neste sentido, o acompanhamento dos licenciandos tem proporcionado aos PS um

retorno à experiência acadêmica. Portanto, “sem diálogo e troca de informações, ficam

comprometidos o trabalho interdisciplinar e os objetivos que se pretende atingir”. Nesta

vertente, o intercâmbio de saberes entre a Universidade-Escola Básica tem enriquecido

as experiências de trocas neste Programa (ROSA, 2007, p. 111 e 106).

De modo que, o PS de Biologia (Instituição X), afirmou que sua experiência no

PIBID tem sido positiva pois mesmo trabalhando a longos anos na educação básica,

somente agora e neste Programa, encontrou espaço para trocas de informações e

conhecimentos entre a Universidade-Escola Básica. Em sua opinião, “esta convivência

mais próxima com os alunos universitários, poderão tecer novas perspectivas para

melhorar suas aulas de Biologia”. Entretanto, ressalta que o “descaso do poder público

com a prática docente é enorme, porém a capacidade da escola de mudar estes conceitos

sociais também é significativa”. Por outro lado, o PS de Biologia (Instituição Y)

descreveu esta experiência no PIBID como “inovadora, uma oportunidade de

aperfeiçoamento que vem melhorando dia-a-dia a educação defasada no nosso país”.

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No entanto, o PS de Matemática (Instituição X) ressaltou a “oportunidade de

crescimento participativo dos novos futuros docentes”, bem como, “a oportunidade de

troca de experiências e compartilhamento de conhecimento nas reuniões e seminários”,

também confirmadas pelo PS Matemática (Instituição Y). Entretanto, ressaltam que

ainda será preciso trilhar muito caminho para qualificar esta formação profissional.

Já os PS de Física (Instituição X e Y) ressaltaram a “ótima oportunidade de

crescimento” e “desenvolvimento de uma prática pedagógica para lidar com os novos

problemas da escola básica”. Porém, compreendem que o cenário é “desanimador para o

exercício da profissão docente”, devido a “precariedade de recursos didáticos, má

manutenção dos ambientes escolares, pequeno interesse dos estudantes”, mas acreditam

que o PIBID é um investimento significativo que chega a escola.

4.4 EXPERIÊNCIAS DOS LICENCIANDOS (LB)

O LB de Biologia (Instituição X) percebe sua experiência no PIBID como

“fundamental para a formação acadêmica qualificada”, pois este programa tem

proporcionado contato direto com a realidade onde irá atuar como docente. Percebe

também, como diferencial neste Programa, a oportunidade de “aplicar os

conhecimentos adquiridos na formação inicial”, atuando nas escolas de ensino básico”

desde o início da graduação, vivenciando as “inúmeras dificuldades presentes nas salas

de aulas da rede pública” garantindo desta forma, uma formação profissional

qualificada. No entanto, o LB de Biologia (Instituição Y) também compreende sua

experiência no PIBID como algo “fundamental na medida em que proporciona a sua

inserção na realidade escolar durante o processo de sua formação”.

O LB de Matemática (Instituição X) acredita que a “valorização do professor

motivado por meio de ações inovadoras da prática docente”, bem como, de “interações

entre os espaços escolares”, tem realizado a diferença nesta formação profissional. Por

outro lado, o LB de Matemática (Instituição Y), comparou a sua “experiência no PIBID

com a do estágio obrigatório”. De acordo com o licenciando, as reuniões com o CA e o

PS duas vezes na semana possibilita “discussões sobre as práticas e saberes

experenciados no ambiente da escola básica”; isso tem ajudado na construção de uma

“visão mais crítica em relação ao futuro local de trabalho”.

Em suma, para o LB de Física (Instituição X), o PIBID é a melhor experiência

que um licenciando pode ter; destaca que o “estágio obrigatório proporciona uma noção

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muito básica do que é a vida escolar, em distinção ao PIBID, que já os coloca em

contato direto com o dia-a-dia das escolas”. Já para o LB de Física (Instituição Y) a

“possibilidade do trabalho em conjunto com um grupo de professores permite melhorar

as práticas pedagógicas de Física, no processo de trocas de experiências”. Ambos

acreditam que o “Programa PIBID é muito bom para qualificar a formação docente”.

Assim, percebendo o depoimento dos LB, nota-se a importância desta formação

nas experiências vivenciadas no espaço escolar da rede pública, diante dos desafios e da

própria realidade enfrentada dentro e fora das salas de aulas. Nesta perspectiva, a

formação docente organiza-se, “preferencialmente, em torno de situações concretas, de

insucesso escolar, de problemas escolares ou de programas educativos” (NÓVOA,

2009, p. 34).

4.5 EXPERIÊNCIAS DOS LICENCIADOS EGRESSOS (LE)

Por fim, pelo ponto de vista dos licenciados egressos (LE), entrevistados nas

escolas parceiras das Instituições X e Y, um diferencial é constatado na formação

profissional docente junto as experiências vivenciadas no PIBID: o trabalho articulado

entre a Universidade e a Escola Básica. Para o LE de Biologia (Instituição X e Y), o

PIBID foi fundamental na sua formação acadêmica, ao “possibilitar experiências no

contexto da escola básica da rede pública de ensino”, “qualificando e valorizando sua

formação profissional”. Acredita que o PIBID será capaz de superar os problemas

identificados no processo de ensino e aprendizagem na medida em que “promove o

incentivo a formação de professores” e a elevação da qualidade da escola pública por

meio de “diálogos e trocas de experiências”.

No entanto, o LE de Matemática (Instituição X), entende a experiência no

PIBID como positiva, acredita que o professor é o “elo que pode transformar a

sociedade, pois além de ser um instrutor é um formador de opiniões”. Já o LE de

Matemática (Instituição Y) considera muito “positiva as reuniões semanais propostas

neste Programa, onde é possível desenvolver ações de intervenção didático-pedagógica,

como forma de buscar solução para os problemas detectados nas salas de aulas”.

O LE de Física (Instituição X) permaneceu dois anos no PIBID e acredita que

esta “experiência foi muito positiva para seu crescimento pessoal e profissional”.

Porém, “não está trabalhando na área no momento, mas futuramente deseja lecionar”.

Já o LE de Física (Instituição Y), compreende que a sua “experiência foi válida, pois

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contribuiu para qualificar seu trabalho como professor, garantindo mais segurança,

conhecimento, controle e didática”. Entretanto, mesmo sabendo que a “profissão

docente não é valorizada”, ambos pretendem “continuar seus estudos pois acredita em

perspectivas melhores ao exercício da profissão.

Portanto, percebeu-se netes relatos de experiências que a maioria dos

participantes do PIBID sente o projeto como um enorme auxílio para sua formação

profissional e consequentemente para a valorização desta profissão, pois “trata-se, sim

de afirmar que as nossas propostas teóricas só fazem sentido se forem construídas

dentro da profissão, se forem apropriadas a partir de uma reflexão dos professores sobre

o seu próprio trabalho” (NÓVOA, 2009, p. 19).

Neste sentido, o PIBID ilustra este pensamento na medida em que possibilita a

capacidade da realização de propostas teóricas que são construídas dentro da própria

profissão, visando um mesmo objetivo e possibilitando-as na prática. Assim, buscando

qualificar a educação básica, é reconhecido como primeiro passo de um longo percurso

de ações que precisam ser realizadas para qualificação a formação profissional docente.

Nesta perspectiva, o exercício da docência deve chegar ou se aproximar de um patamar

que se considere ideal para professores, alunos e responsáveis pela Educação Básica.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, podemos constatar nos objetivos do PIBID, bem como, nos

relatos de experiências dos bolsistas deste Programa, a perspectiva de formação

profissional qualificada de professores, construída na reflexão e problematização das

práticas pedagógicas docente.

Neste contexto, estruturamos um perfil de desempenho profissional, nas

seguintes dimensões: a) prática profissional docente estruturada numa prática ética; b)

desenvolvimento do ensino e da aprendizagem no âmbito de um currículo, no quadro de

uma relação pedagógica de qualidade, integrando os conhecimentos das áreas que o

fundamentam; c) atividade profissional integrada às diferentes dimensões da escola e do

entorno onde atua; d) formação continuada como elemento construtivo de uma prática

profissional capaz de responder as novas demandas que emergem das salas de aulas.

Estas quatro dimensões constituintes do perfil profissional docente necessitam

ser desenvolvidas e estimuladas por meio da articulação dos saberes produzidos pela

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Universidade-Escola Básica estimulando o diálogo e o compartilhamento de

conhecimentos.

A articulação e compartilhamento de saberes pelo Programa, respectivamente,

entre licenciandos-professores e universidade-escola básica, tem proporcionado um

“[...] diálogo que não existia, aproximando a teoria da prática e quebrando paradigmas

existentes na formação docente” (ROSA & AMARAL, 2015, p. 135).

Portanto, é de fundamental importância o contato dos licenciandos durante sua

graduação com professores do ensino básico da rede pública, possibilitando trocas de

saberes e experiências e o desenvolvimento de novas práticas pedagógicas. Este é um

desafio permanente que necessita ser superado nas interações dentro e fora do espaço

escolar “[…] como forma de estabelecer um território para as mudanças no pensar e no

fazer docente” (ROSA & AMARAL, 2015, p. 139).

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 7219, de 24 de Junho de 2010. Dispõe sobre o Programa

Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID e dá outras providências. Diário

Oficial da União, Brasília, Seção I, nº 120, de 25 de jun. 2010.

BICUDO, Francisco. A entrevista-testemunho: quando o diálogo é possível. São Paulo:

Caros Amigos. ed. 333, publicada em 13/06/2005. Disponível em:

<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_entrevistatestemunho_quand

o_o_dialogo_e_ possivel>. Acesso em: 30 de abril de 2014, 15:30.

CAPES.Ministério da Educação. Relatório de Gestão do exercício de 2012.Brasília,

2013. Disponível em

<http://www.capes.gov.br/images/stories/download/Contas_Publicas/Relatorio-de-

Gestao-2012.pdf>. Acessoem: 20 de abril de 2014, 14:00

CAPES. Diretoria de Educação Básica Presencial.Relatório de Gestão 2009-2011.

Brasília, 2011. Disponível em:

<https://www.capes.gov.br/images/stories/download/bolsas/DEB_Pibid_Relatorio-

2009_2011.pdf>. Acessoem: 20 deabril de 2014, 14:20

GATTI, Bernadette Angelina. Políticas e Práticas de formação de professores:

Perspectivas no Brasil. - VI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de

Ensino – UNICAMP, Campinas, 2012.

NÓVOA, Antônio. Professores: Imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7540ISSN 2177-336X

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_______________. Formação de professores e formação docente. In: NÓVOA, A. Os

professores e a sua formação. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1992.

ROSA, M.G.Oliver.Cineclube como estratégia metodológica para a formação inicial de

professores.In: LOSS. A.S.; CAETANO, A.P.V.; PONTE, J.P. Formação de

Professores no Brasil e em Portugal- Perspectivas, debates e práticas. Editora: Appris,

Curitiba/PR, 2015.

ROSA, M.G.Oliver; AMARAL, Cláudia Tavares. Saberes Docentes contextualizados

no cotidiano escolar: mudanças no pensar e no fazer docente. Revista Educação em

Perspectiva. Vol. 6, No 1, 2015.

ROSA, Maria Geralda Oliver. A interdisciplinaridade e as novas formas de organização

do conhecimento. In: Aprender. Caderno de Filosofia e Psicologia de Educação. Vitória

da Conquista, ano V, n.8, jan./jun. 2007.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7541ISSN 2177-336X

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A AUTOFORMAÇÃO NOS CURSOS DE FORMAÇÃO INICIAL E

CONTINUADA DE PROFESSORES

Adriana Salete Loss- Universidade Federal da Fronteira Sul

Agência financiadora: CAPES

RESUMO

O artigo “A autoformação nos cursos de formação inicial e continuada de professores” é

resultado da investigação realizada no processo pós-doutoral no exterior (2015),

financiado pela CAPES, a partir do problema: Como a autoformação pode fazer parte

dos currículos de Ensino Superior de formação inicial e das propostas de formação

continuada tendo em vista o desenvolvimento da formação pessoal, social e

profissional?, com o objetivo de identificar, a partir de vivências práticas, as

contribuições da autoformação para a profissão docente.O trabalho de investigação foi

desenvolvido com estudantes do curso de Pedagogia da Universidade Federal da

Fronteira (UFFS) e educadores em formação continuada e, com estudantes e educadores

já diplomados do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa/Portugal (IE/UL), na

modalidade de formação continuada. A metodologia utilizada foi da pesquisa-formação,

fundamentada em Josso (2004), e que tem como procedimento as narrativas. Assim, a

relevância do estudo encontra-se na necessidade dos cursos de formação de professores

investirem em processos educativos que promovam a permanente autoformação na

dimensão pessoal, social e profissional, a partir de diferentes procedimentos didático-

pedagógicos para o desenvolvimento de conhecimentos, saberes e práticas

comprometidas e responsáveis com a “[...] trindade humana

indivíduo/sociedade/espécie”, e nesta perspectiva, identificar que há “três direções

éticas: uma auto-ética, uma ética para a sociedade, uma ética para a humanidade”,

conforme Morin (2008, p. 174). A dimensão ética reclama o pensamento reflexivo e

crítico nos processos do autoconhecimento e do conhecimento antropológico, filosófico,

sociológico, epistemológico, cosmológico, entre outros.

Palavras-chave: Formação de professores. Autoformação. Formação inicial e

continuada.

1 INTRODUÇÃO

Ao considerarmos que é função dos cursos de formação de professores e/ou

educadores a promoção das relações humanas para o diálogo intercultural, individual e

coletivo e para a sensibilização, na perspectiva do caminhar para si e para o outro no

sentido da troca de experiências, da reflexão das diferentes linguagens (oral, corporal,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7542ISSN 2177-336X

15

escrita, pintura, desenho, poesia, teatro, dança, entre outras), do fazer experiências e

constituir projeções de vida, desenvolvemos uma proposta de formação aos estudantes e

professores da Educação formal, na perspectiva da autoformação. A proposta de

formação foi desenvolvida na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus

de Erechim e no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (IE/UL).

Essa proposta de formação foi organizada no intuito de promover um processo

formativo e investigativo, em que tivemos como questão problema de estudo: Como a

autoformação pode fazer parte dos currículos de Ensino Superior de formação inicial e

das propostas de formação continuada tendo em vista o desenvolvimento pessoal,

social e profissional?. Nesse sentido, propomos oficinas de autoformação nos dois

espaços acadêmicos, na modalidade de formação continuada, instigando os participantes

para a realização de experiências e saberes do cuidar de si, cuidar do outro e cuidar da

profissão.

A proposta de formação como lócus de nossa investigação em que objetivamos

identificar nas vivências de autoformação os processos formativos do desenvolvimento

pessoal, social e profissional, foi desenvolvida a partir de módulos temáticos.

Assim, o que vamos apresentar aqui são alguns processos formativos

vivenciados com os grupos no intuito de destacarmos experiências consideradas

significativas pelos participantes que em seus processos de formação, seja ela inicial ou

continuada, são secundarizadas ou não realizadas por motivo da centralidade num

currículo de formação demasiadamente técnico do profissional.

Nesse sentido, para apresentarmos a experiência de formação continuada e

investigativa, organizamos o texto em três partes. Na primeira há uma breve

fundamentação teórica referente à autoformação como processo educativo formativo, na

segunda a proposta metodológica de formação e investigação e na terceira algumas

experiências e resultados construídos durante os processos formativos.

2 A AUTOFORMAÇÃO NO PROCESSO EDUCATIVO E FORMATIVO DO

PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO

Para além da formação técnica nos cursos de formação inicial e continuada de

professores é importante a formação humana, social, política e ecológica do profissional

da educação, de modo a considerar o que nos diz Josso (2008, p. 48):

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7543ISSN 2177-336X

16

O ensino é uma das profissões mais nobres que existem precisamente porque

ela exige, para cumprir plenamente sua missão, que nós tenhamos a

humildade de um trabalho de desenvolvimento pessoal sem fim. Quando

lemos nas narrativas de vida a importância de certas figuras de educadores

como exemplares ou traumatizantes para a vida, levamos muito a sério o

impacto de nossa profissão sobre o futuro dos seres que nós temos de

acompanhar durante vários meses e às vezes por vários anos.

Assim, a autoformação é a construção de sentido aos nossos sentidos, é a busca

do significado de quem somos e para onde queremos ir. Assim, autoformar-se é

constituir sentido aos afazeres cotidianos, às aprendizagens, às experiências e aos

conhecimentos. De acordo com Josso (2004), a busca de sentido está associada à busca

de conhecimento, à busca de si e de nós e à busca de felicidade.

A autoformação possibilita ao ser humano a reflexão de si mesmo, na dinâmica

da auto-observação, para o alargamento das capacidades de autonomização, de

iniciativa e criatividade. Conforme Josso (2004, p. 191,) o trabalho de autoformação,

desemboca na compreensão de que a procura de uma autonomização do

pensamento, e a construção de uma subjetividade autêntica passam por

colocar em prática um projeto de si como autor-pesquisador por meio da

reinterpretação, para si, das valorizações simbólicas coletivas e dos múltiplos

referenciais para o sujeito pensar a sua vida.

Nessa perspectiva, temos a proposta da pesquisa-formação como dispositivo

metodológico que sugere a constituição de um projeto educativo e formativo, no qual

entra “em cena um sujeito que se torna autor ao pensar na sua existencialidade”

(JOSSO, 2004, p.60). Ou ainda como afirma Josso (2010, p. 121-122): “As Pesquisas-

ações e as Pesquisas-formações são interexperiências da intersubjetividade, busca de

uma troca inter-humana sobre os fatos de nossa humanidade, sobre nossas

subjetividades genéricas e socioculturais”.

A autoformação é a abertura para o diálogo inter e transdisciplinar, inter e

transcultural e holístico. Desse modo, a proposta de autoformação que tem como princípio o

humano em desenvolvimento, busca mobilizar no sujeito para a atenção, autorreflexão e

reflexão crítica de suas relações nos diferentes tempos e espaços. Ela propõe-se como processo

de aprendizagens, de trocas de experiências inter e subjetivas, de revisitação crítica a conceitos,

ideologias, crenças e entre outros, de desconstruções, de desacomodação e de projeções para o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7544ISSN 2177-336X

17

que se quer caminhar na relação do Eu consigo mesmo, com o outro, com o meio ambiente,

com o planeta/cósmico e com o profissional.

3 DESCRIÇÃO DA PROPOSTA METODOLÓGICA DE INVESTIGAÇÃO

O desenvolvimento da investigação ocorreu por meio da metodologia

qualitativa, na perspectiva da pesquisa-formação. A pesquisa-formação, com base em

Josso (2004) é um processo que visa o autoconhecimento na relação dinâmica e ativa

com o outro. Tem como princípio a autoformação que significa predispor o sujeito ao

diálogo consigo mesmo e com o outro a partir das experiências vividas. Ela também é

uma ação educativa que possibilita aos sujeitos o “caminhar para si”, como afirma Josso

(2004), a partir do diálogo e da relação com o outro, para a construção de compreensões

e para assumir responsabilidades frente à vida cotidiana. Assim, a pesquisa-formação

tem como procedimento a narrativa.

Ao buscarmos fundamentos na vertente da biografia educativa, aqui de modo

particular nos estudos de Josso (2004, 2010), realizamos vivências práticas de

autoformação de modo a contribuir para a formação pessoal/social/profissional, tanto

dos participantes/educadores em processo de formação inicial e dos já em efetivo

exercício da docência.

O estudo empírico ocorreu a partir da proposta de formação continuada,

primeiramente, com os estudantes do curso de Pedagogia da Universidade Federal da

Fronteira Sul - UFFS, campus de Erechim, localizado no Rio Grande do Sul, e com os

professores da rede pública de ensino municipal e estadual de Erechim, e,

posteriormente, com estudantes dos mestrados do Instituto de Educação da

Universidade de Lisboa - IE/UL, Mestrado de Educação, Mestrado em Ciências da

Educação e Mestrado em Educação e Formação e, também, com os educadores já

diplomados pela referida instituição.

Anterior a realização prática das vivências de autoformação foi realizado um

período de inscrição em que o número de inscritos ultrapassou o número de vagas

disponíveis. Tínhamos uma proposta de inscrição não acima de 20 participantes no

Brasil e 15 participantes em Lisboa, devido a modalidade investigativa que requer a

abordagem narrativa. Assim, nas vivências desenvolvidas na UFFS (Brasil) trabalhamos

com 25 participantes e na UL (Lisboa) contamos com dois grupos de 15 participantes.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Para a experiência de autoformação com estudantes do curso de Pedagogia da

UFFS e professores em exercício das escolas municipais e estaduais do município de

Erechim/RS, as oficinas foram organizadas em três Módulos de autoformação, e cada

módulo com 4 oficinas, totalizando 12 sessões, a se efetivar semanalmente e com duração

de uma hora e meia. Já na experiência em andamento no IE/UL, as oficinas foram

organizadas com os mesmos módulos e objetivos desenvolvidos no Brasil, mas cada

módulo com 3 oficinas, totalizando 9 oficinas, a se efetivar semanalmente e com duração

de duas horas.

As oficinas foram constituídas de atividades diversas onde predominou o

autoconhecimento, a leitura de textos, os diálogos e as reflexões, a partir das expressões

das linguagens: narração oral e escrita, a dança, o teatro, o desenho, a poesia e

brincadeiras cooperativas e de integração. As atividades desenvolvidas nos diferentes

espaços tiveram pequenas modificações, de modo especial na proposta dos textos para

análise, no sentido de respeitar a diversidade cultural e linguística.

Desse modo, as oficinas organizadas em três módulos, com seus respectivos

princípios norteadores e objetivos, são:

MÓDULO 1 – A CONSCIÊNCIA DE SI

Princípio norteador: “O desafio da humanidade é o próprio Ser humano que necessita se

conhecer; o reconhecimento do Homo Demens que mora em cada ser humano. Que em suas

fragilidades e/ou demências considera-se um deus diante da vida e das vidas. Também, é o

caminhar para a ampliação da consciência de que somos HOMO Sapiens e Demens; é o

dialogizar o Homo Demens, Sapiens Sapiens” (LOSS, 2014).

Objetivo: Vivenciar e refletir a relação do Eu consigo próprio e com o outro, para a tomada de

consciência de si, na perspectiva do autoconhecimento.

MÓDULO 2 – CONSCIÊNCIA DA RELAÇÃO COM O OUTRO

Princípio norteador: Maturana (1997, p. 119) nos ajuda reafirmar que, “somos no corpo e

relação (alma) o que pensamos que somos, o que queremos ser, o que não queremos ser, o que

lamentamos não haver sido e o que nossa cultura é, tanto quanto o que chegamos a ser ao nos

transformarmos, na reflexão, sobre o nosso ser e viver”. O que SOMOS, então? O constante

“tornar-se”; isso significa que estamos no tempo e espaço repletos de possibilidades e,

necessitamos escolher o que queremos SER. Na complexidade da existência, estamos imersos a

várias probabilidades do que podemos nos tornar. Tudo depende de como dialogamos com

nosso mundo interior e exterior; da escuta e atenção que damos para as experiências da vida

cotidiana.

Objetivo: Refletir sobre as relações do Eu consigo mesmo, com o outro e com o planeta para a

autocrítica e para a convivência social e planetária.

MÓDULO 3 – A CONSCIÊNCIA PROFISSIONAL

Princípio norteador: “A reflexão biográfica permite, então, explorar em cada um de nós (se nós

somos capazes de imaginar e de acreditar na possibilidade de poder, querer e ter, a desenvolver

ou a adquirir, saber-fazer, saber-pensar, saber-escutar, saber-nomear, saber-imaginar, saber-

avaliar, saber-perseverar, saber- amar, saber-projetar, saber-desejar, etc.) as emergências

interiores que nos dão acesso ao processo de descoberta e de pesquisa ativa da realização do ser

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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humano em potencialidades inesperadas” (JOSSO, 2008, p. 20).

Objetivo: Analisar as concepções, a escolha e os desafios do Ser educador para fortalecer a

consciência e comprometimento profissional.

Os três módulos caracterizados como processos formativos do saber cuidar de si,

do saber cuidar do outro e do saber cuidar da profissão, foram desenvolvidos com

oficinas temáticas que apresentamos a seguir:

OFICINAS

MÓDULO 1

Oficina 1 – OLHAR PARA SI PRÓPRIO

Oficina 2 – O OLHAR DO QUE EU SOU E DO QUE POSSO SER

Oficina 3 –O OLHAR PARA MINHAS EXPERIÊNCIAS DE VIDA

Oficina 4 – O OLHAR PARA SITUAÇÕES POSITIVAS DA MINHA VIDA

MÓDULO 2

Oficina 1 – RECONHECENDO O OUTRO

Oficina 2 – MINHAS AÇÕES NA RELAÇÃO COM O OUTRO

Oficina 3 – O CUIDAR NA RELAÇÃO CONSIGO PRÓPRIO, COM O OUTRO E COM O

PLANETA/CÓSMICO

Oficina 4 – RELAÇÕES HUMANAS NOS ESPAÇOS EDUCATIVOS E DE TRABALHO

MÓDULO 3

Oficina 1 – CONCEPÇÕES DA PROFISSÃO

Oficina 2 – POR QUE ESCOLHI ESTA PROFISSÃO?

Oficina 3 – OS DESAFIOS DA PROFISSÃO

Oficina 4 – AS COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS À PROFISSÃO

Assim, o trabalho pedagógico de autoformação objetivou mobilizar e\ou

provocar os participantes, por meio de questionamentos, à reflexão do seu eu na relação

consigo mesmo, com o outro e com a dimensão profissional. O ato reflexivo faz o

sujeito voltar o seu “olhar” para suas dimensões internas (pensamentos,

conceitos,sensações, sentimentos) e externas (experiências e ações cotidianas). É uma

ação discursiva que o sujeito estabelece na relação com o outro, constituindo, desse

modo, a percepção do que pode e deve fazer consigo mesmo. Para tanto, a reflexão

como princípio da autoformação requer o despertar do espírito crítico do sujeito, no

sentido de formar opiniões e juízos sobre suas relações e experiências.

Para a análise dos dados da investigação foi necessária a transcrição das

narrativas orais e escritas dos participantes, no sentido de identificar contribuições dos

processos autoformativos. Desse modo, diferentes procedimentos didático-pedagógicos

referendaram as contribuições do diálogo e da reflexão crítica dos participantes na

dimensão pessoal, social e profissional.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7547ISSN 2177-336X

20

Para tanto, a seguir apresentamos a reflexão de três processos formativos que

desencadearam experiências na autoformação da formação pessoal, social e profissional

e que expressam as contribuições formativas e educativas.

4 VIVÊNCIAS DE AUTOFORMAÇÃO – ALGUNS RESULTADOS DA

INVESTIGAÇÃO

O trabalho de autoformação constitui-se em ações de autoconhecimento e de

autotransformação, processos que ocorrem, simultaneamente, na relação com o outro e

promovem a construção de novas experiências, nova maneira de ser, de sentir, de

significar, de relacionar-se e de agir.

Nesse sentido, as vivências de autoformação, realizadas no curso de formação de

professores, apresentaram significativas reflexões dos participantes de modo a reafirmar

a necessidade dos centros educacionais investirem com maior intensidade no processo

autoformativo.

Nas vivências para a formação pessoal, social e profissional foram

desenvolvidas diferentes atividades, entre elas: leituras de textos, o trabalho com

fotografias, expressão corporal, desenho, criação de poesias, teatro e dança. Mas, os

processos formativos que selecionamos para apresentar algumas reflexões estão ligados

à dança, à poesia, aos jogos, às atividades ou brincadeiras cooperativas e de integração e

o teatro.

4.1 A dança

A dança foi um dos processos formativos que possibilitou resultados de bem-estar

dos participantes, conforme fala expressa que apresentamos:

E6: É necessário a gente investir um tempo, mesmo que pequeno, para a

gente ficar menos tensa. Eu agora vou para a aula menos tensa, mais animada

para aprender.

Assim, podemos dizer que as vivências proporcionaram aos participantes o

reconhecimento do Eu enquanto corpo, mente, emoção e energia. O processo de atenção

ao corpo, à respiração, às emoções e aos pensamentos e a própria troca de energia nas

atividades de interação do Eu com o outro vivenciadas nas oficinas permitiram aos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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sujeitos a harmonização entre corpo, emoção e mente, de modo a criar condições para o

melhor aproveitamento intelectual. De acordo com Silva (2008, p. 114):

cuidar do corpo e das emoções cria condições necessárias para o melhor

aproveitamento mental. O nível mental é o responsável pela transformação

da informação trabalhada em sala de aula, em conhecimento incorporado.

Consideramos mente não apenas como mente intelectual ou conceitual.

Vamos além, uma concepção mais ampla de mente, em que os aspectos não-

mecanizáveis como intuição, emoções e criatividade estão incluídos.

Desenvolver o cuidar de si repercute numa ética de si mesmo, do eu responsável

por si. Quando tomada a consciência da responsabilidade com o si mesmo,

indubitavelmente, tem-se a responsabilização com o outro, pois o Eu somente é na

relação com o outro.

Nesse sentido, o cuidar de si é uma dimensão humana que precisa ser aprendida,

vivenciada e experienciada ao longo da vida. Por isso, consideramos importante e

necessário que os centros educativos tenham como propósito a formação humana na

dinâmica do processo do autoconhecimento.

A inteligência intrapessoal é necessária para o desenvolvimento da inteligência

interpessoal, em que ambas permitem a experiência da responsabilização, da ética.

4.2 A poesia

A palavra, indubitavelmente, tem o poder de constituir a auto-imagem do sujeito, a

partir da qual ele projeta os seus pensamentos, as suas emoções e as suas atitudes.

A palavra, como principal manifestação da vontade, tem significados não

explícitos, de modo que ela também é simbólica, e sendo simbólica age sobre

os processos mentais produzindo efeitos de mobilização de energia psíquica

que não compreendemos adequadamente.[...] A palavra tem o poder do

símbolo que nela habita, e a responsabilidade de quem a profere é imensa

(FILHO; BOSSA;BORGES, 2007, p.71-73).

Nesse sentido, em uma vivência os participantes foram convidados a expressar

por meio da poesia os sentimentos, os pensamentos, as emoções acerca das experiências

da vida, na perspectiva do narra-se para si e para o outro. Houve nessa vivência uma

explosão da criatividade versada em palavras. Esse é o sentido da poesia, permitir o

diálogo intersubjetivo do sujeito com ele mesmo, com seus pensamentos.

Nessa perspectiva, Caetano e Afonso (2014, p. 48) nos dizem:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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A poesia acontece e acontece-nos, nos espaços organizados e dinâmicos de

relação, onde comunicamos, nos reconhecemos, nos sentimos fazer parte e

nos comprometemos uns com os outros. Através dela descobrimos o que é

em nós e ainda não se tinha revelado, construímos o novo que só pode ser no

encontro, aprofundamos as nossas identidades pessoais, grupais e culturais,

abrimo-nos à liberdade de rompermos as fronteiras. A poesia como

transgressão e resistência, habitando as margens e nas margens encontrando

as pontes que nos fazem fluir da periferia ao centro, que é aquele onde cada

um se encontra com todos os outros.

Os participantes após a construção das poesias organizaram em outro momento

uma sessão de declamação para o coletivo. As experiências, os sentimentos e

pensamentos individuais compartilhados com o coletivo é a mediação entre o Eu e o Tu.

A expressão livre e criativa conectando as intersubjetividades e as subjetividades da

autobiografia do humano.

A dimensão poética como parte da formação do ser humano, em que saberes

diversos são partilhados, refletidos e reelaborados. “Trata-se, assim, de caminhos onde a

poesia é lugar de construção identitária e relacional, de diferenciação e de pertença aos

mundos pessoais, interpessoais, socioculturais em presença, presença essa direta ou

indiretamente corporificada pela palavra” (CAETANO; AFONSO, 2014, p. 6).

4.3 Atividades para os afetos

Em nossas oficinas de autoformação mobilizamos os participantes à vivência da

afetividade em diferentes perspectivas da relação do Eu consigo mesmo e com o outro e,

verificamos em algumas falas a confirmação dos significativos contributos das práticas

instigadoras da afetividade; são elas:

E 3: A importância da gente estar consigo mesmo e com o outro.

E7: O interagir com o outro parece que a gente se solta mais.

Pela experiência da afetividade nas relações ocorre o desenvolvimento da

inteligência emocional e da inteligência social. A afetividade possibilita a aprendizagem do

respeito do Eu consigo mesmo e do Eu com o Outro, que desemboca na autoconfiança, na

autoestima, na confiança e na responsabilização com o cuidar. A afetividade é a abertura

para o mundo sensível.

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Assim, para contribuir no processo da construção da ética nas relações humanas

damos destaque ao exercício da vivência da afetividade. Ao promovermos nos centros

educacionais a expressão de diferentes linguagens (expressão corporal, dança, poesia,

teatro, narrativas, etc), estaremos possibilitando a ampliação da comunicação entre os

sujeitos, a aprendizagem para o saber dialogar respeitoso. De acordo com Morin (2007,

p. 122), “a afetividade permite a comunicação cordial nas relações interpessoais; a

simpatia e a projeção/identificação com outro permitem a compreensão”.

O desafio da formação seja ela inicial e continuada, está na capacidade de

promover o desenvolvimento da razão e da emoção, pois como afirma Morin (2007, p.

122): “A vida humana necessita da verificação empírica, da correção lógica, do

exercício racional da argumentação. Mas precisa ser nutrida de sensibilidade e de

imaginário”.

4.4O teatro

Provocamos nas vivências de autoformação com sujeitos em processo de

formação inicial e de formação continuada, para além da reflexão do cuidar de si e do

cuidar do outro, a reflexão sobre a profissão de ser educador, no sentido de pensarmos

sobre os desafios da profissão na perspectiva da construção do profissional como

intelectual emancipado e ético. Então, nas oficinas propomos aos participantes que

expressassem por meio do teatro os desafios da profissão do ser educador, os dilemas ou

dificuldades da profissão.

Assim, durante a avaliação dos processos formativos do módulo Cuidar da

profissão, uma participante apresentou a seguinte fala:

E 14 – [...] foi importante os teatros para nos darmos “puxões de orelha”, pois

a gente às vezes na rotina do trabalho considera estar fazendo tudo certo; mas

nas vivências dos teatros a gente conseguia se ver que muitas vezes deixamos

de fazer o melhor para nossos estudantes. As vivências me ajudaram a

fortalecer-me, a desacomodar-me e a rever algumas coisas.

O teatro é outra modalidade de dinamização para os processos de autoformação,

que coloca em jogo também as expressões inter e subjetivas do humano, o aprender um

com o outro.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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O cuidar da profissão ao constituir-se no processo relacional diário e permanente

entre os sujeitos, é desafio para os cursos de formação inicial e continuada dos

profissionais da educação e nessa dimensão Nóvoa (2009) argumenta que:

[...] Assim sendo, é importante estimular, junto dos futuros professores e nos

primeiros anos de exercício profissional, práticas de auto-formação,

momentos que permitam a construção de narrativas sobre as suas próprias

histórias de vida pessoal e profissional. (idem, p. 39)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nosso desafio se encontra no fato de recriarmos o currículo, conforme Morin

(2001), na perspectiva da religação dos saberes, que é pressuposto para a religação de

pessoas, grupos e nações. Isso nos coloca a assumirmos a perspectiva da Complexidade,

em que todos os conhecimentos são incompletos, que há diferentes conhecimentos para

propósitos diferentes e que a diversidade de conhecimentos nos permite fugir da

barbárie humana.

Conhecemos a partir da emoção, do corpo, da razão, das experiências, da poesia,

da literatura, da arte, etc. Na complexidade das relações que os conhecimentos se

entrecruzam e revelam-se a conhecer.

Desse modo, o cuidado com o educador deve ser tema dos cursos de formação

inicial e continuada como processo autoformativo das relações consigo mesmo, com o

outro e com a profissão. Contribui para essa afirmativa as palavras de Nóvoa (2009, p.

41),

[...] a ideia de docência como colectivo, não só no plano do conhecimento

mas também no plano da ética. Não há respostas feitas para o conjunto de

dilemas que os professores são chamados a resolver numa escola marcada

pela diferença cultural e pelo conflito de valores. Por isso, é tão importante

assumir uma ética profissional que se constrói no diálogo com os outros

colegas.

A autoformação é um processo significativo para despertar os sujeitos à

ampliação da consciência, ou seja, à tomada de decisões frente a maneira de ser e de se

relacionar consigo mesmo e com o outro. Ela possibilita o autoconhecimento das

subjetividades humanas para a constituição da sensibilização e da autotransformação do

eu individual e coletivo.

REFERÊNCIAS

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7552ISSN 2177-336X

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7553ISSN 2177-336X

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O FORMADOR DE PROFESSORES NO PROCESSO FORMATIVO

Cláudia Tavares do Amaral

Universidade Federal de Goiás

Juçara Gomes de Moura

Universidade Federal de Goiás

RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa qualitativa para

conhecer e caracterizar as concepções de formação e o lugar do formador nessa

formação. Como metodologia, foi realizada pesquisa bibliográfica e entrevista com

professora que atuava nos cursos de licenciatura em Matemática e Pedagogia, tanto em

disciplinas pedagógicas como na supervisão de estágio. A escolha da inquirida se deu

mediante critério estabelecido anteriormente para a delimitação da pesquisa: que o

entrevistado fosse um professor universitário que também tivesse uma atuação em

docência em formação continuada e que se dispusesse a contribuir com a investigação.

Essa pesquisa foi realizada em 2013 e a professora que se dispôs possuía há época 55

anos e tinha graduação em matemática e arquitetura, mestrado em educação e doutorado

em educação. A entrevista foi gravada e transcrita de forma a possibilitar melhor

tratamento dos dados coletados. Buscou-se compreender como essa concebe a formação

e o ensino, o papel do formador e do professor e em qual lugar se estabelece o aluno na

formação e no ensino. Também foram recepcionadas as questões referentes à

diferenciação dos conteúdos da formação e do ensino e o contexto de vivência dos

atores da formação. Constatou-se que a adequada formação pedagógica do formador é

essencial para que o processo de formação dos professores não seja fragmentado; que a

utilização de uma metodologia adequada pelo formador referenda a utilização dessa

como um referencial para o aluno em formação e que a ausência de formação

profissional dos formadores é uma situação emblemática e um obstáculo a ser superado.

Palavras-chave: Formação de formadores. Formação pedagógica. Estágios.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, no Brasil, o tema formação de professores tem sido objeto

de estudo de pesquisadores que buscam compreender a formação e o trabalho docente.

Marli André (2010) registra que houve um crescimento significativo desses estudos nos

últimos dez anos. Teses, dissertações, publicações em periódicos específicos, trabalhos

apresentados em congressos científicos apontam para a importância da reflexão sobre a

formação docente. É nesta perspectiva que este texto é construído: contribuir para o

debate neste campo.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7554ISSN 2177-336X

27

Entre outros fatores acreditamos que a formação docente é afetada pela

qualidade de seus formadores. Importam o projeto de formação, o currículo, a

infraestrutura em termos de bibliotecas, laboratórios, equipamentos didáticos, e, o mais

importante: os professores-formadores.

Nesse sentido Altet (2003, p. 67) analisando resultados de pesquisa sobre

identidade profissional dos formadores em França (Nantes), refere que os formadores de

professores sentem-se “professores-formadores”, ou “professor acima de tudo”, ou

“profissionais de formação”, conforme seja seu papel, na rede de formação. Este perfil,

que a autora chama de perfil tripolar ou poliidentitário, está mais presente na formação

inicial (professores de disciplinas específicas, professores de disciplinas pedagógicas,

professores supervisores de estágio) do que na formação contínua (mentores, tutores,

orientadores de formação, agentes de formação contínua, instrutores).

O desafio na área de formação de formadores é, não só, o de organização de

linguagem, mas, fundamentalmente de compreender quem são e o que fazem os

formadores e quais competências profissionais lhes são requeridas. A qualidade da

formação de professores não pode ser conseguida com uma disseminação identitária ou

por alguém que não tenha formação profissional para ser formador. Embora haja

profissão que possa ser exercida por alguém que não tenha formação profissional, tal

atribuição pode comprometer todo o processo de trabalho e a qualidade das atribuições

na função.

Da dificuldade inicial de configurar a área de formação de formadores, das

reflexões sobre o conteúdo desta área de estudos e da necessidade de compreender o

lugar do formador de formadores é que nasce este estudo. Em geral à ideia de formador

está associada a ideia de professor, na perspectiva de que todo professor é formador, ou

pelo menos espera-se que o seja. Compreender o que é um profissional da formação de

professores, ou seja, o que faz um formador, como concebe seu papel, sua função e suas

tarefas ou qual a natureza das tarefas que realiza, é importante para uma efetiva

qualidade na formação de professores.

É nesta perspectiva que situamos este estudo que lançou mão da entrevista

semiestruturada, uma vez que a mesma parte de situações básicas, amparadas de

hipóteses e teorias, “que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo

campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo, à medida que se

recebem as respostas do informante”. (TRIVINÕS, 1994. p. 146). Desta forma, sua

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aplicação permitiu a recolha dos dados de opinião que possibilitou conhecer e

caracterizar as concepções de formação e o lugar do formador nessa formação.

Para a realização da presente pesquisa optou-se por utilizar como critério de

seleção um professor universitário que também tivesse a atuação na docência em

formação continuada e que se dispusesse a contribuir com a investigação. Dessa forma,

essa pesquisa foi realizada em 2013 e a professora que se dispôs possuía há época 55

anos e tinha graduação em matemática e arquitetura, mestrado em educação e doutorado

em educação. A entrevista foi gravada e transcrita de forma a possibilitar melhor

tratamento dos dados coletados. Para a aplicação da entrevista, foi elaborado um roteiro,

que a direcionou. Com a devida permissão para o uso do gravador, realizou-se a

entrevista com essa professora que atuava tanto na disciplina Didática da Matemática

quanto em Pesquisa e Prática Pedagógica, em curso de graduação que visava a formação

de professores, e também atuava como formadora em formação contínua.

Transcrita a entrevista foram desenvolvidos os seguintes passos: leitura atenta da

entrevista para tentar perceber as possibilidades de análise dos dados; estabelecimento

de um primeiro quadro dos temas que apareceram nas falas e identificação de unidades

de análise, ordenando-os por temas, categorias e subcategorias, articulando-os às frases

como critério de unidade de registro; revisão do processo para verificar a necessidade de

rever os temas, categorias e subcategorias e síntese dos dados.

2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES: DEFINIÇÕES

Uma primeira aproximação do termo formação nos conduz de partida a uma

dispersão semântica, dos múltiplos significados do termo formar, muitas vezes

confundido com ensinar, educar, treinar.

Formar implica uma ação profunda sobre a pessoa do formando, numa lógica de

mudança cognitiva, atitudinal e social, profunda e qualitativa, induzindo à mudança de

comportamentos, métodos, representações e atitudes, para que o formando seja capaz de

reagir às situações da realidade.

O formador faz o papel de mediador entre o saber, o formando e a instituição

que o acolhe. É, portanto, uma prática contextualizada. O formador é aquele que

intervém no cruzamento entre o saber teórico e o saber prático, posto em uso nas

situações profissionais, e, como tal, um formador de professores ocupa um lugar no

sistema ou na rede de formação, num quadro institucional definido, desempenhando em

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tempo integral ou parcial, funções de formação inicial ou formação contínua (GARCÍA,

2013).

Quando falamos de formação profissional do formador assumimos o fato da

necessidade, da exigência, de um conjunto de atividades baseadas em saberes que o

exercício da profissão exige. Possuir uma titulação acadêmica (Especialista, Mestre ou

Doutor) ou ter frequentado um curso de formação de formadores pode ou não, ser

garantia de êxito no trabalho do professor ou de excelência no desempenho de sua

atuação como formador. Um dos fatores que pode influenciar é exatamente a

insuficiente ou inadequada fundamentação pedagógica e didática dos docentes das

instituições de ensino superior, mesmo porque, geralmente, a experiência docente que

venha a ter serve apenas como referência e não como garantia do conhecimento

científico na área educacional ou de uma prática educativa eficiente.

Os sistemas educativos na América Latina em geral, e no Brasil em especial, não

têm se interessado pela formação dos formadores, porque a preocupação maior é a

formação disciplinar, de conteúdo – em Física, Geografia, História ou Matemática. Não

é preocupação nem a dimensão pedagógica nem a dimensão da formação. Ora, se

desejamos formar professores profissionais, isto não deve ser feito “artesanalmente”,

por aqueles que “estão um pouco à frente” ou “têm prática”. É comum considerar que os

formadores de professores são os que confrontam com a realidade prática, no estágio,

componente curricular da formação inicial, ou em situações de formação contínua.

Então será que há mesmo possibilidade de falarmos de formadores de

formadores como uma realidade conceitual? Em caso negativo considera-se que não há

necessidade de pensar nesta formação. Em caso positivo estamos no caminho da

profissionalização.

Quando falamos de formação profissional do formador, assumimos que sua

atuação tem a exigência de um conjunto de atividades condescendes em saberes que o

exercício da profissão exige.

Trousson (1992) citado por Lamy (2003, p. 42) refere que uma profissão “é uma

ocupação, sobretudo intelectual fundada em um saber racional, que é objeto de uma

formação, cujos procedimentos são explícitos, e dotada de forte legitimidade”. Assim,

analisando tal definição destaca-se a expressão “fundada em um saber racional e

procedimentos explícitos”, o que significa não ser tácita, e ser passível de identificação

e aquisição. Se olharmos para o formador como alguém que exerce uma atividade

profissional, ou seja, que seu trabalho é “profissionalizável”, é importante considerar o

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que é um profissional. Nas palavras de Maradan (2003, p. 147), profissional é o que

“em situação complexa sabe agir e reagir com pertinência, sabe combinar recursos e

mobilizá-los nesse contexto, sabe aprender com essa situação e sabe comprometer-se e

assumir risco, sem sacrificar sua ética”. Estamos, portanto, considerando a possibilidade

de discorrermos sobre formadores de professores com uma realidade conceitual e, nesta

perspectiva, é possível falar de profissionalização do formador. E esta

profissionalização implica formação específica (GARCÍA, 2013).

Nesse sentido, a formação de formadores não deve ter somente a “apropriação

enciclopédica”, como indicam Pimenta e Anastasiou (2002), mas precisa dar conta de

conhecer quais são os mecanismos que influenciam no processo de ensinar e as

estratégias de aprendizagem para refletir constantemente sobre a prática pedagógica,

possibilitando promover uma ação reflexiva, condizente com o aluno que está a formar.

Assim, o professor necessita estar preparado para trabalhar com o aluno real, que

ingressa nos cursos de formação de professores, muitos dos quais nem sequer conhecem

as exigências que serão necessárias para a realização de seu percurso de formação. E,

além disso, sem possuir hábitos de estudos suficientes, com dificuldades de raciocínio,

redação, leitura, pensamento crítico-reflexivo.

Trabalhar com estes alunos (formandos) na formação inicial implica não apenas

transmitir um conjunto de conhecimentos, mas, induzir mudanças de comportamentos,

representações e atitudes, com a real compreensão de seu papel como formador.

3 FORMAÇÃO DE PROFESSOR: O QUE SE PENSA SOBRE ISSO

O discurso dos formadores sobre suas funções, seu papel, suas atividades na

formação inicial e na formação contínua, ou as representações que os formadores de

professores fazem de suas tarefas de formador, nos possibilitam compreender quem são

e o que fazem os formadores.

Tomaremos os conceitos e princípios antes discutidos, para analisar os temas-

objeto deste estudo - concepção de formar e ensinar, diferenciação dos conteúdos da

formação e do ensino, o contexto e os atores da formação – quatro aspectos-chave.

Um primeiro diz que formar não é apenas transmitir um conjunto de

conhecimentos, mas induzir mudanças de comportamentos, métodos, representações e

atitudes. A fala seguinte evidencia esta percepção, quando a entrevistada diz que: “o

bom formador é aquele que consegue fazer uma articulação de bom senso entre o

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conteúdo e o método. Não é só conteúdo, nem só método, pois eles não estão separados.

A formação tem que se preocupar com as duas coisas”. (fala1).

No que diz respeito à questão da associação entre ensino – transmissão de

conhecimentos e de formação – com indução de mudança de comportamentos, observa-

se uma diferenciação dos conteúdos de formação e dos conteúdos do ensino, centrando-

se no primeiro caso, no conteúdo de ensino e, no segundo caso, em conteúdos

axiológicos, conteúdos atitudinais e voltados à profissionalização, como se revela nas

seguintes falas. A primeira diz respeito à preocupação com os conteúdos de ensino,

quando refere que “mesmo quando na Didática da Matemática, que já é uma disciplina

mais específica, mesmo que eu fique tentando articular com o estágio, eu tenho uma

preocupação grande com o conteúdo de ensino, com a Matemática [...]” (fala 2). Já nas

duas outras falas destaca-se a importância dos conteúdos de formação e evidencia a

diferente natureza deste conteúdo centrado nos valores da profissionalização e

colocando um desafio ao formador no sentido de associar conteúdos de ensino e

conteúdos de formação e entre o conteúdo e o método.

[...] é um conteúdo de outra natureza, é um conteúdo mais axiológico,

com mais valores, mais na profissionalização. É na coisa dele vir a ser

um formador, e, no caso é que trabalho com pedagogo, para vir a ser

formador. (a preocupação) é com comportamentos, com a atitude, com

o ser professor, aquele professor que... eu tenho menos preocupação

com o conteúdo em si (fala 3)

O segundo aspecto refere que formar implica centrar a ação formativa nos

objetivos, métodos e dispositivos de formação, na perspectiva de que o formando tenha

capacidade de reagir às situações da realidade. Nesta perspectiva e considerando o que

afirma Fabre (1994 apud RODRIGUES, 2006, p. 32) quando refere que “formar –

enquanto processo – é sempre formar alguém em alguma coisa, através de alguma coisa

e para alguma coisa”. Relevante destacar que as falas 4 e 5 a seguir, podem ser

associadas a essa concepção.

No momento em que elas começam a preparar o projeto de

intervenção, em que elas vão fazer uma intervenção na escola, uma

aula, um projeto, um atividade com os alunos, elas também têm que

justificar porque estão com aquilo (fala 4).

Na disciplina Pesquisa e Prática Pedagógica elas (as alunas) são

autoras, elas têm que organizar o olhar sobre o que vão observar na

escola, têm que justificar por que viram aquilo, como é que

interpretam, como é que trazem o dado (fala 5) .

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Este registro esclarece esse segundo aspecto: organização de um projeto, autoria,

observação e intervenção na sala de aula são elementos que centram a formação nos

objetivos, métodos e dispositivos de formação.

O terceiro aspecto tem em conta que formar implica uma prática contextualizada

e promove interação com o meio no sentido de práticas reais para problemas reais.

Mesmo que se relacione o lugar da formação como a realidade, ou seja, a prática

concreta, a prática real, devemos considerar que a prática relacionada ao ensino tem

também lugar na instituição de formação, ou seja, na academia, mesmo que esta ocorra

como o exercício de uma prática simulada. A fala a seguir revela este duplo modo de

relação com o real:

Lá não é brincadeira. Lá é de verdade. Na academia é ensaio e lá, a

escola já está na rua. Lá quando um professor me apresenta um

problema, pra gente discutir, no momento da formação, é um

problema real. Ele vai voltar com as descrições que a gente deu, o que

ele for capaz de fazer e vai lidar com aquilo de verdade. Eu acho que é

o momento que eu consigo fazer uma articulação mais legal. O que é

aprender Matemática, como o adulto aprende, e quais são os conceitos

matemáticos que se relacionam com aquela forma de aprender (fala

7).

Observe-se que no Brasil, as expressões “ensaio” e “a escola já está na rua” são

expressões comparativas relacionadas com escolas de samba, agrupamentos que reúnem

os que brincam de Carnaval e que têm ensaios preparatórios para os grandes desfiles de

Carnaval e, quando se diz que “a escola está na rua”, significa que não há mais retorno,

que é verdadeiramente uma responsabilidade de dar conta do real, com competência.

O quarto aspecto diz respeito ao papel do formador. O formador faz o papel de

mediação entre o saber, o formando e a instituição, e nesse sentido a formação resulta

de um projeto negociado para cada situação. Neste aspecto não houve referências a

serem destacadas nas falas da entrevistada, pois em nenhum momento este trinômio

saber – formador – instituição, foi destacado. E assim a instituição seja ela a academia,

seja a escola que recebe o formando, ou no caso da formação contínua, a escola e seu

projeto pedagógico, não foram elementos referenciados. Não há também referências a

um projeto negociado para cada situação, mas tão somente “preparando o projeto de

intervenção na escola, uma aula, um projeto, uma atividade com os alunos.” (fala 8). Ou

seja, um projeto de intervenção sem relação a um projeto individual ou coletivo de

formação e sem relação com o projeto pedagógico da escola.

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Há, entretanto, nas falas da professora entrevistada, a ideia de proximidade com

campo, no sentido de preparação para a realidade, quando assim se manifesta: “elas têm

que organizar o olhar sobre o que vão observar na escola, têm que justificar porque

viram aquilo, como é que interpretam, como é que trazem aquele dado” (fala 9).

No que diz respeito ao contexto de formação e aos seus atores, a entrevistada

explicitou que a formação inicial tende a ser mais acadêmica que prática, evidenciando

mais uma forma de simulação, do que a realidade prática. A pouca experiência no

trabalho, segundo a entrevistada, é um diferencial positivo que aponta a diferença destes

profissionais, na medida em que o aluno em formação traz de sua atuação na escola uma

visão do que é o exercício profissional, diferentemente do aluno em formação que não

tem essa experiência. Registre-se que no caso do Brasil, o aluno que realiza um curso de

graduação em Pedagogia já pode vir com formação voltada ao magistério, realizada no

Ensino Médio.

No curso de Pedagogia a maioria é aluna, jovem, com pouca

experiência de trabalho. Há algum tempo atrás na nossa Faculdade, a

maioria das alunas era de professoras da rede pública. Isso fez toda a

diferença e tem inclusive alguns estudos sobre.. O perfil era de alunas

mais velhas e com experiência na rede escolar. Agora isso acabou

agora o vestibular é universal.

Agora são alunos oriundos de cursinhos pré-vestibulares. Então, eles

sabem escrever melhor, são mais articulados. Do ponto de vista

acadêmico, eles são mais “formatadinhos”, mas, quando se trata de

olhar a escola, pensar a profissão, ter a convicção de que aquela

profissão é a minha profissão e que é para ela que eu estou me

formando, muda tudo (fala 10).

Desta forma, o questionamento da pedagogia, do professor e do sistema são mais

acentuados no discurso do aluno, uma vez que o seu distanciamento da realidade

possibilita uma maior abertura para este tipo de indagação.

Já na formação contínua, a entrevistada a define como uma realidade existente

no cotidiano dos alunos. Segundo ela, “lá não é brincadeira. Lá é de verdade. Na

academia é ensaio e lá, a escola já está na rua”, como já referido na fala 7. Novamente

aparece a metáfora que compara atuação na escola e na escola de samba.

A entrevistada explicita que as práticas reais possibilitam uma interação entre

teoria e prática, favorecendo um direcionamento mais real das questões e análise de

práticas, colocadas em sala de aula, como pode ser observado na fala a seguir:

Lá, quando um professor me apresenta um problema, pra gente

discutir, no momento da formação, é um problema real. Ele vai voltar,

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e vai voltar com as descrições que a gente deu o que ele for capaz de

fazer e vai lidar dar com aquilo de verdade. Eu acho que é o momento

que eu consigo fazer uma articulação mais legal. O que é aprender

Matemática, como é que adulto aprende, e quais são os conceitos

matemáticos que se relacionam com aquela forma de aprender (fala

11).

No que se refere à avaliação, a entrevistada expressa que na formação inicial a

mesma é centrada no aluno, sendo um processo mais formal. Percebe-se que a avaliação

constitui-se como classificatória e somativa, tal como pode ser observado na fala a

seguir:

A avaliação na academia está encharcada pela coisa da nota, então há

um cuidado por parte das alunas e nosso. Não adianta falar que não,

pois a gente está impregnada pela avaliação institucional, pela própria

certificação e a nota. Passar ou não passar, de reprovar, a cultura

escolar da avaliação.

Na Pesquisa e Prática Pedagógica, elas tendem a avaliar como deu

certo, ou não deu certo, foi joia, foi positivo, porque elas estão

avaliando para nos agradar. Raramente uma aluna ou equipe faz uma

avaliação apontando as falhas, porque estão premidas pela nota. E é

preciso um esforço maior da gente para que essa avaliação mais real

apareça (fala 12).

Já na formação contínua, a entrevistada considera a avaliação mais formativa,

pois nela avalia-se o formador e sua formação. E, por se tratar de uma prática mais real,

torna-se possível uma avaliação mais real, valorizando o processo de aprendizagem,

como pode ser evidenciado a seguir:

Num curso de formação não tem nota. A avaliação é: se deu conta dos

objetivos, se ajudou na prática, se nós formadoras demos conta de

responder questões que os alunos estavam interessados, se o grupo

participou.

Elas voltam e dizem: olha, sabe aquele encontro passado? A gente

discutiu tal coisa. Quando elas trazem e dizem: poxa, foi legal, deu

certo, aprenderam melhor, qual o resultado que deu ou não deu. Ou,

na minha turma eu fiz assim, de tal jeito... Faz toda a diferença.

Porque aí é uma avaliação do próprio processo, que o que você fez era

de fato isso mesmo (fala 13).

Ao discutir o contexto e os atores da formação, considerando o lugar da

formação, as práticas da formação e as práticas dos formandos, é de se considerar a

necessidade da formação do formador, porque, como nos afirma Rodrigues (2006, p.

32):

Hoje é incontornável que a preparação profissional do professor não

pode confinar-se à formação acadêmica (muito menos assente

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exclusivamente nos conteúdos do ensino) nem deixar de capacitar

para lidar profissionalmente com a realidade do “ofício” do professor,

isto é, não pode ignorar as condições reais do funcionamento da escola

e da sala de aula bem como as características das populações que aí se

encontram, sobretudo quando se trata da formação que ocorre durante

o exercício profissional.

Desta forma, quando falamos de formação profissional do formador, assumimos

o fato da necessidade, da exigência de um conjunto de atividades assentes em saberes

que o exercício da profissão exige, inclusive levando em consideração a cultura

organizacional da instituição.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem a formação pedagógica para atuação no processo pedagógico, os

formadores dentro de uma estrutura curricular fragmentada, perdem a visão de

totalidade, de complexidade do conhecimento e do contexto educativo, pois

desconhecem aspectos como: estabelecimento de objetivos, planejamento,

estabelecimento de competências e habilidades profissionais, estratégias de

aprendizagem, estabelecimento de acordo didático, como selecionar o conhecimento a

ser construído e apreendido, a organização de atividades e a avaliação.

Saber escolher e executar uma metodologia adequada a um campo do

conhecimento requer a formação de competências profissionais, além de possibilitar a

discussão sobre o papel e as ações do formador que, indiscutivelmente, deve ser

reconhecido como um referencial para o aluno. Nesse sentido, Patto afirma que

[...] uma nova concepção de formação docente deve começar com

uma nova concepção de educador: seja alfabetizador no ensino

fundamental, professor de matemática no ensino médio ou docente de

história da educação no ensino superior, ele deve e ser formado como

trabalhador intelectual, pois só assim pode fazer sua parte na

realização histórica da humanização da vida (2004, p. 77 grifo da

autora).

Assim, a ausência de formação profissional dos formadores revela-se como um

obstáculo a ser superado para a existência de um sistema de formação mais eficaz, o que

requer estudos futuros que aprofundem esta questão. Este é um desafio para nossas

vindouras reflexões.

REFERÊNCIAS:

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Porto: Porto Editora, 2013.

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