teias matemáticas (2004) gutkin e pinto

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Matemática

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    Matemtica da neurocincia: de neurnios a circuitos e de circuitos a sistemasAutor(es): Gutkin, Boris; Pinto, David; Ermentrout, BardPublicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra; GravidaURLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/32615

    DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0485-5_11

    Accessed : 9-Feb-2016 17:17:37

    digitalis.uc.ptpombalina.uc.pt

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

  • MARIA PAULA SERRA DE OLIVEIRA Coordenadora

    TEIAS ,

    MATEMATICAS Frentes na Cincia e na Sociedade

    Imprensa da Universidade de Coimbra

  • Gradiva - Publicaes, L. da / Imprensa da Universidade de Coimbra, 2004 Coordenao editorial: Maria Paula Serra de Oliveira Traduo: Artur Soares Alves

    Carlota Isabel Leito Pires Simes Francisco Jos Craveiro de Carvalho Joo Filipe Cortez Rodrigues Queir Jos Miguel Dordio Martinho de Almeida Urbano Lia Sandra dos Santos Mrio da Silva Rosa Paulo Eduardo Arago Aleixo Neves de Oliveira

    Reviso do texto: Isabel Pedrome Capa: Antnio Barros [Imprensa da Universidade. Coimbra], com imagem de E. M. de Melo e Castro, "Fract 010 explod MC", Dezembro de 2003 [Fractal original gerado no Fractint com tratamento no Photoshop 7.0] Infografia: Estdios Estmulus [design] Paginao: Antnio Resende e Victor Hugo Fernandes

    Impresso e acabamento: G.c. - Grfica de Coimbra, L.da Reservados os direitos para Portugal por: Gradiva - Publicaes, L.da e Imprensa da Universidade de Coimbra

    Gradiva - Publicaes, L. da Rua Almeida e Sousa, 21, r/c, esq . 1399-041 Lisboa Telefs. 21 3974067/821 397 13 57 21 395 3470 Fax 21 395 34 71 Email: [email protected] URL: http: //www.gradiva.pt

    Imprensa da Universidade de Coimbra Rua Antero de Quental, 195 3000-033 Coimbra Telefs. 351 239 85 31 10 Fax 351 239 85 31 19 e-mail: [email protected] .pt URL: http://www.imp.uc.pt

    ISBN: 972-662-970-5 1." edio: Maio de 2004 Depsito legal n." 210431/04

    OBRA PUBLICADA COM o PATROCNIO DE: CENTRO DE MATEMTICA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    DEPARTAMENTO DE MATEMTICA DA UNNERSIDADE DE COIMBRA FCT Fundao para a Cincia e a Tecnologia

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  • Boris Gutkin, David Pinto Unit de Neurosciences Integratives et Computationelles, Institute Alfred Fessard, Frana

    e Bard Ermentrout Universidade de Pittsburgh, EUA

    Matemtica da neurocincia: de neurnios a circuitos e de circuitos a sistemas!

    1. INTRODUO

    Desde h muitos anos que a matemtica e os mtodos computacionais tm vindo a desempenhar um papel importante no 'nosso conhecimento do sistema nervoso. O objectivo deste captulo consiste em apresentar alguns exemplos que mostram a forma como certas tcnicas matemticas podem ser aplicadas, a vrios nveis, para aumentar o nosso conhecimento sobre os sistemas neuronais. Comearemos com uma descrio dos princpios biofisicos subjacentes formao do potencial de aco em neurnios individuais. A ideia fundamental da modelao representar as propriedades elctricas de membranas biolgicas atravs de um circuito equivalente formado por condensadores e resistncias ligados em paralelo. Utilizaremos depois mtodos do domnio das equaes diferenciais para estudar um modelo simplificado de um neurnio individual e mostrar como se pode reduzir a dinmica no plano a um sistema dinmico escalar

    I Traduo de Mrio da Silva Rosa, professor do Departamento de Matemtica, Universidade de Coimbra. Reviso de F. Geraldes, professor do Departamento de Bioqumica, Universidade de Coimbra, e E. Quinta Ferreira, professora do Departamento de Fsica, Universidade de Coimbra.

    181

  • num crculo. Utilizam-se simulaes do modelo reduzido para explicar a estatstica da formao de pontas (spikes) de neurnios individuais accionados por estmulos ruidosos. Seguidamente, analisaremos circuitos neuronais simples, envolvendo redes de neurnios excitatrios e inibitrios. Uma aproximao de campo mdio reduz estas redes a um sistema planar e a anlise do plano de fases permite-nos explicar resultados experimentais do sistema somato-sensorial (tacto) do rato. Finalmente, examinaremos redes alargadas, organizadas espacialmente. Aplicaremos a teoria da bifurcao a estas redes e, com base nos resultados, explicaremos os padres observados durante alucinaes visuais.

    Fig. l-Modelo de circuito equivalente de actividade neuronal a) Alteraes do potencial de membrana neuronal (V) em resposta a diferentes nveis de corrente injectada (1) . b) Relao l-V de respostas neuronais. c) Diagrama do circuito que representa correntes capacitivas e resistivas. activas e passivas. d) Equaes de Hodgkin Huxley do equilbrio

    de corrente e da cintica dos canais com portas!! (gating kinetics)

    2. MODELOS DO CIRCUITO EQUIVALENTE

    Para representar a dinmica da actividade elctrica observada em neurnios individuais tomou-se corrente a utilizao do modelo de circuito equivalente. Este modelo baseado na ideia de que a actividade neuronal pode ser completamente descrita pelo fluxo de diferentes correntes associadas membrana neuronal. As correntes dividem-se em dois tipos: aquelas que podem ser representadas por elementos lineares do circuito (correntes passivas) e as que so dependentes do potencial do tempo e

    182

  • requerem uma dinmica mais complexa (correntes activas) . Ambos os conjuntos podem ser entendidos em termos das observaes experimentais apresentadas na figura la) (ver o trabalho de reviso de JoOOston e Wu, 1997).

    2.1 Correntes passivas

    A primeira observao que os neurnios mantm uma diferena de potencial constante atravs das suas membranas, o que se designou por potencial de repouso, (Vm ",, - 65mV). Este potencial deve-se: 1) ao facto de as membranas neuronais serem semipermeveis, permitindo que apenas certos ies passem de um lado para o outro (maioritariamente sdio, Na+, potssio, K+, e clcio, Ca++ ); 2) ao facto de os neurnios manterem activamente um gradiente de concentrao daqueles mesmos ies, atravs da membrana; 3) ao facto de os ies em causa possurem uma carga elctrica. Por exemplo, o potssio, K+, tem uma concentrao maior no interior da clula e uma carga positiva. Foras de difuso tendem a fazer sair K+ da clula. A perda subsequente de ies positivos conduz ao aparecimento de uma carga negativa no interior da membrana. A fora elctrica resultante atrai ies positivos, incluindo os ligados a K+, novamente para dentro da clula. O potencial de repouso, tambm designado por potencial de equilbrio, o nvel de potencial para o qual as foras elctricas e de difuso, devidas a todos os ies permeveis, esto em equilbrio. O elemento de circuito equivalente, utilizado para representar este potencial, uma fora electromotriz (FEM) ou bateria.

    A segunda observao que a injeco directa de corrente num neurnio induz uma variao incremental no potencial. Para uma certa gama de intensidades de corrente, a variao induzida no potencial linear (figura lb), o que, de acordo com a lei de Ohm (V = IR), sugere que a membrana est, em parte, a funcionar como uma resistncia linear (as no linearidades na relao sero analisadas posteriormente). Experimental-mente, a conductncia da membrana medida a partir do declive da linha obtida atravs da representao grfica da variao do potencial induzida por intensidades diferentes de corrente injectada. Ainda que muitos ies diferentes contribuam para a alterao do potencial, utiliza-se frequente-mente uma nica conductncia de fuga (leak conductance), gL, para contemplar todas as correntes inicas passivas.

    A terceira observao que as variaes do potencial, devido injeco de corrente, se comportam exponencialmente no tempo . Isto sugere que as membranas neuronais operam como um circuito-RC, isto , uma resistncia linear em paralelo com um condensador.

    183

  • As membranas neuronais so compostas por uma dupla camada de molculas lipdicas na qual esto imersas protenas. As protenas possuem resistividades especficas baixas (~ IQcm) e formam os canais proteicos atravs dos quais o fluxo de ies carregados atravessa a membrana. Por outro lado, os lpidos tm resistividades especficas elevadas (~ I09Qcm), formando um isolamento eficiente entre as solues celulares interna e externa, altamente electrolticas, o que constitui exactamente o arranjo caracterstico de um condensador de placas paralelas. A corrente que injectada na membrana divide-se numa corrente capacitiva que carrega a bicamada lipdica e numa corrente inica que passa atravs dos canais proteicos. Para um circuito-RC, a constante tempo da variao do potencial 't = RC. Portanto, experimentalmente, a capacidade de um neurnio obtida como C = 't/R, onde 't a constante de tempo observada correspondente taxa de variao exponencial do potencial de membrana e R a resistncia medida do modo acima descrito.

    2.2 Correntes activas

    A maior parte das correntes observadas exibem uma condutncia constante apenas numa certa gama de potenciais. De facto, de esperar alguma no linearidade na relao I-V, mesmo no caso de correntes totalmente passivas. Por exemplo, quando o potencial tal que ambas as foras, de difuso e elctrica, produzem movimentos de ies na mesma direco, a condutncia observada pode ser maior do que aquela que wna simples relao linear faria prever. Em muitos casos, contudo, a no linearidade, ou rectificao, numa condutncia de canal no pode ser explicada apenas por propriedades passivas. Alm disso, observa-se frequentemente que a conductncia depende no s do potencial como tambm do tempo (ver figura la).

    A fim de explicar a rectificao anmala observada em muitas correntes neuronais, Hodgkin e Huxley (1952) propuseram o modelo de condutncia do canal com portas (gating model). A ideia que alguns canais de protenas, que permitem a passagem de ies atravs da membrana, possuem tambm partculas carregadas que abrem ou fecham o canal (gating particles) de uma forma dependente do potencial e do tempo, alterando assim a condutncia. Por exemplo, a condutncia de correntes de K+ activas representada por uma condutncia mxima gK vezes n4, onde n a probabilidade de que uma partcula-porta (gating particle) esteja na posio que contribui para a abertura do canal e o expoente 4 indica o nmero destas partculas por canal.

    184

  • A dinmica das partculas-porta (gating particles) modelada usando cinticas de primeira ordem, como se mostra na figura 1d, onde a(V) a taxa, dependente do potencial, qual os canais abertos se fecham e ~(V) a velocidade qual os canais fechados se abrem. No caso de correntes de Na+ activas, as experincias sugerem que h dois tipos de partculas--porta independentes envolvidas, trs de activao, m, e uma de inacti-vao, h. A dependncia do potencial e do tempo de cada porta podem determinar-se experimentalmente examinando as alteraes de condutncia associadas a cada corrente individual. O elemento de circuito equivalente utilizado para representar a condutncia neuronal activa uma resistncia varivel.

    2.3 Equaes de equilbrio de corrente

    Consideradas conjuntamente, as correntes passiva e activa acima descritas caracterizam o circuito equivalente ou modelo de condutncia em paralelo de actividade neuronal, mostrado na figura 1c. A equao que descreve a dinmica do circuito uma consequncia da primeira lei de Kirchoff: nula a soma de todas as correntes que convergem num nodo. Em particular, uma corrente aplicada divide-se numa corrente capacitiva que carrega a membrana e em correntes resistivas que passam atravs dos canais activos e passivos. Normalmente, a equao escrita como se indica na figura ld, em que a corrente capacitiva (C.dV/dt) igual soma das vrias correntes inicas.

    O grande mrito do modelo de Hodgkin e Huxley foi a sua capacidade de explicar muito mais do que a sensibilidade das vrias condutncias neuronais ao potencial e ao tempo. Uma vez correctamente caracterizada cada uma das correntes, constatou-se que os mesmos mecanismos no lineares das portas eram suficientes para explicar a formao de potenciais de aco, isto , pontas (spikes) de potencial tudo ou nada explosivos que do incio sinalizao sinptica entre neurnios. Utilizando o mesmo conjunto de equaes de equilbrio de corrente, Hodgkin e Huxley demonstraram como os potenciais de aco resultam duma sequncia estereotipada de variaes de condutncias entre as vrias correntes inicas.

    Alm de Na+ e K+, foram tambm descritas outras condutncias que dependem do potencial e do tempo. Considera-se que os canais de Ca++ esto na base da formao de trens de potenciais de aco que caracteri-zam a actividade nalguns neurnios do tlamo e do crtex cerebral (McCormick e Huguenard, 1992). O decrscimo no tempo da taxa de

    185

  • formao de potenciais de aco (spike adaptation) depende de canais de K+ que so sensveis no apenas ao potencial, mas tambm concentrao de Ca++ no interior do neurnio (Lancaster e Adams, 1986). Os canais de Na+ que funcionam numa escala de tempo mais lenta e no tm porta de inactivao podem ser responsveis pelo aumento de sinais que chegam de outros neurnios (Stafstrom et aI., 1982). Cada uma destas correntes pode ser incorporada no modelo de equilbrio de corrente, com a adio de condutncias e cinticas apropriadas, ao conjunto de equaes.

    2.4 Controlo dinmico (Dynamic Clamp)

    Uma aplicao recente e muito interessante das equaes de equilbrio de corrente est relacionada com a modificao da funo de neurnios reais. Isto feito com modelos computacionais em tempo real e o mtodo designa-se por dynamic clamp ou modelo hbrido (Sharp et aI., 1993). A ideia subjacente ligar neurnios reais a correntes inicas simuladas, ou mesmo a membranas completamente simuladas. Utiliza-se um elctrodo para medir o potencial de membrana de um neurnio real. Esta medida usada para calcular correntes inicas simuladas. Estas so depois novamente injectadas no neurnio atravs do mesmo elctrodo. As aplicaes mais comuns da tcnica consistem em inserir novos canais elctricos na membrana de um neurnio ou em subtrair um canal existente e estudar o respectivo efeito no comportamento do neurnio. Inicialmente o mtodo foi aplicado ao estudo dos neurnios no sistema digestivo da lagosta (Sharp et aI. 1993), enquanto em estudos mais recentes se tem examinado o comportamento de neurnios individuais no crebro de mamferos (Jaeger e Brower, 1999). Uma outra aplicao que est actualmente a ser desenvolvida consiste em utilizar o mtodo do modelo hbrido na construo de circuitos de neurnios simulados, modelados em microchips analgicos programveis (Le Masson et aI., 1995). Colaboraes recentes tm explorado esta tcnica para estudar como controlam os circuitos neuronais os ritmos cerebrais durante o sono (Le Masson, comunicao pessoal).

    3. PLANOS DE FASES E SPIKING

    O modelo de equilbrio de corrente de Hodgkin e Huxley acima descrito um sistema dinmico a quatro dimenses, o que torna dificil a sua anlise matemtica rigorosa. Morris e Lecar (ver Rinzel e Ermentrout,

    186

  • 1998) construram um modelo de neurnio muito simples baseado apenas em trs condutncias: um canal de clcio rpido, um canal de potssio lento e um canal de fuga passivo. Com base na formulao do circuito equivalente acima descrita, as equaes a considerar so:

    dV C dI = I + gL(VL - V) + gCam~(V) (VCa - V) + gKffi(VK - V)

    Sendo suficientemente rpidas, pode considerar-se que as cinticas das portas do canal de clcio, m~(V), actuam instantaneamente. Assim, o sistema requer apenas duas variveis dinmicas e pode ser analisado, de uma forma rigorosa e completa, atravs de mtodos associados ao plano de fases.

    Estes mtodos so dos mais teis que surgiram na neurocincia terica oriundos da teoria qualitativa de equaes diferenciais. O objectivo compreender a dinmica de duas variveis, representando graficamente uma como uma funo da outra. A designao de plano de fases deriva do facto de, atravs da representao grfica de duas variveis dinmicas, em particular das que tm alguma espcie de comportamento peridico ou estereotipado, podermos estudar a fase relativa de uma das variveis face outra. Por exemplo, consideremos um neurnio formando um potencial de aco. O potencial de membrana afasta-se de um nvel de repouso at atingir o nvel mximo do potencial, voltando a descer atravs de um processo de queda ou ps-hiperpolarizao, regressando ento posio de repouso. A varivel de recuperao, J, segue uma trajectria correspondente em resposta ao potencial de membrana. Se representarmos num grfico o potencial face varivel de recuperao J (ver figura 2a e b), o resultado uma curva fechada, ou trajectria, no plano de fases.

    O plano de fases caracterizado por vrias marcas ou pontos especiais que ajudam a definir e a visualizar as dinmicas. Por exemplo, as linhas de inclinao nula do sistema so definidas como as curvas ao longo das quais uma ou a outra varivel permanece constante. A curva ao longo da qual dV/dt = O, define a linha de inclinao nula V, enquanto dJ/dt = O define a linha de inclinao nula J. Nos pontos onde aquelas duas linhas se intersectam, nenhuma das variveis se altera; os pontos de interseco definem os estados de equilbrio do sistema. Um tal ponto, marcado por R, corresponde ao potencial de repouso do neurnio. Trata-se de um ponto fixo atractivo: pequenas perturbaes transitrias no potencial de

    187

  • membrana, por intermdio, por exemplo, da aplicao de uma corrente externa ou por activao de conductncias que dependem do potencial, sero amortecidas com o tempo e o potencial voltar ao ponto de repouso. Um outro ponto do estado de equilbrio o assinalado com T - potencial de limiar do neurnio. Este um ponto fixo repulsivo, pelo que as trajectrias que se aproximem de T retomam posio de repouso ou continuam, aps terem produzido um potencial de aco.

    a) 40

    20

    l o >

    -20

    -40

    50 1Ime (tnsec)

    Splke

    &=n

    100

    Reat Threshold

    0.3

    31

    0.1 ....

    ~_1 L-__ ~~ ____ ~ ____ ~ ____ ~ __ ~ -70 -20 30

    V(mV)

    0.3

    0.1

    -0.1 '--__ ~ __ ....L... __ ~ __ ......... __ -70 -20

    V(mV) 30

    Fig. 2 - a) Um potencial de aco, ou ponta, no potencial de membrana representado graficamente /la tempo; b) Diagrama de fases do mesmo potencial de aco. Nele esto representadas as linhas de inclinao nula V e J. As suas interseces correspondem a pontos fixos: R o ponto atractivo, T o limiar que corresponde a um ponto-sela (a h-activo numa direco e repulsivo noutras direces). U um ponto repulsivo; c) Aps o aumento da corrente injectada, a linha de inclinao nula V cresce e no existem pontos de repouso es tveis, mas sim um ciclo-limite atractivo correspondente ao estado de exploso; d) Diagramas de estado equivalentes para o neurnio-teta. A cheio marcam-se os pontos crticos do modelo - R e T O modelo inclui tambm o potencial de aco e o comportamento

    refi-actrio do modelo completo

    188

  • o plano de fases permite visualizar o efeito da injeco de correntes num neurnio. Matematicamente, injectar uma corrente estvel positiva corresponde a adicionar uma constante positiva ao segundo membro da equao do potencial. No plano de fases, o potencial da linha de inclinao nula V aumentada, o que altera a posio dos pontos fixos. Quando o potencial daquela linha cresce suficientemente, os estados estacionrios R e T convergem e depois desaparecem. Isto revela uma soluo peridica ou soluo de ciclo-limite no plano de fases correspondente formao repetitiva de potenciais de aco, ou disparo, pelo neurnio. semelhana dos estados de equilbrio estvel, os ciclos-limite podem ser atractivos ou repulsivos. Apenas as oscilaes estveis podem ser realizadas fisiologicamente (excepto quando se aplicam controlos especiais), mas as solues peridicas instveis podem actuar como separatrizes, dividindo o plano de fases em bases de atraco para mltiplos atractores. Neste modelo particular, notemos que as linhas de inclinao nula podem estar arbitrariamente prximas uma da outra (figura 2c), pelo que a frequncia das oscilaes pode ser arbitrariamente baixa. O aumento de corrente aplicada conduz a frequncias mais elevadas na medida em que o canal entre as linhas de inclinao nula se alarga.

    Um pormenor importante e um pouco surpreendente que a trajectria do ciclo-limite permanece constante na sua forma, independentemente de quo rpidas so as exploses da clula (ou atravessa a curva fechada). Do ponto de vista experimental, isto corresponde forma invariante dos potenciais de aco gerados. Em termos matemticos, permite-nos considerar aquela linha fechada como uma estrutura invariante que no se altera com a dinmica dos sistemas. Por este motivo, se conseguirmos um processo para marcar apenas as quantidades que se alteram, deveremos ser capazes de simplificar o modelo.

    Formalmente, isto feito atravs do mtodo de formas normais da teoria da bifurcao. Descreveremos apenas as ideias heursticas que lhe esto subjacentes.

    Como os dois pontos fixos R e T convergem e desaparecem e o ciclo--limite emerge, o sistema aproxima-se de um ponto de bifurcao nas solues dinmicas. Quando examinamos os valores prprios do modelo linearizado prximo desta bifurcao constatamos que um nico valor prprio real vai para O. Isto significa que a bifurcao a de um nodo--sela num crculo invariante (

  • repouso, no ponto R, e consideramos que e cresce volta do crculo na direco contrria do movimento dos ponteiros do relgio. O potencial de aco ento uma revoluo do ngulo relativo m/vou fase de O at n, voltando a 2n. O artificio est em encontrar uma transformao matemtica das variveis do modelo original do circuito equivalente, tal que uma das novas variveis percorra o ciclo-limite invariante e as restantes variveis sejam Oltogonais quela. Para um sistema dinmico com uma bifurcao nodo-sela, uma tal transformao pode sempre ser encontrada e conduz equao:

    dx 2 dt =qx + pI, (1)

    onde a varivel x descreve a dinmica, p e I so parmetros que incluem, por exemplo, a influncia de inputs externos, e q > O um parmetro que depende dos detalhes do modelo original completo. Esta equao um tanto incmoda, uma vez que a sua soluo se torna infinita em tempo finito. Tratamos a singularidade envolvendo x num crculo utilizando a mudana de variveis x = tan el2, chegando assim matematicamente varivel de fases acima descrita. A equao final para o modelo em e vem:

    de - = q{l - cose)+(l +cose)pl. dt

    (2)

    Este modelo muito simples; contudo, reproduz o comportamento do modelo mais complexo do circuito equivalente. De facto, o neurnio-teta um modelo cannico para uma vasta classe de modelos baseados em condutncias que exibem dinmicas de bifurcao com nodo-sela. Mais especificamente, qualquer modelo de um neurnio baseado em condu-tncias que exiba uma bifurcao nodo-sela pode ser descrito pelo neurnio-teta. Por isso, se conseguirmos compreender o comportamento do neurnio-teta, saberemos mais acerca da funo de muitos tipos diferentes de neurnios. Por exemplo, eis algumas das propriedades do neurnio-teta que reflectem o comportamento geral de neurnios piramidais encontrados no neocortex:

    190

    Os potenciais de aco so acontecimentos do tipo tudo ou nada, ou seja, quando estimulada, a actividade abaixo do limiar T regressa ao repouso. Mas, uma vez passado o ponto T, ocorre uma ponta (spike) completa. O modelo e os neurnios geram sequncias contnuas de potenciais de aco em resposta a injeces de correntes constantes. Surgem exploses repetitivas com frequncias arbitrariamente baixas.

  • A curva (IF) da relao corrente de entrada/frequncia de sada pode ser facilmente ajustada por uma raiz quadrada (IF instantnea) ou por uma funo linear (IF estacionria), ambas observadas em neurnios reais .

    Todas estas propriedades so bsicas e nos mostram que o modelo reduzido contm informao dinmica sobre os neurnios reais. A seguir utiliza-se este modelo reduzido para explorar a dinmica subjacente a comportamentos mais complexos.

    4. ESTATSTICA DE ACTIVIDADE NEURONAL DO CRTEX lN VIVO

    Um debate de longa data em neuro cincia prende-se com a questo de saber se os neurnios codificam a informao acerca do mundo em termos da frequncia mdia de formao de potenciais de aco ou atravs da distribuio precisa no tempo de potenciais de aco individuais. A segunda hiptese tem sido considerada improvvel, uma vez que o disparo de neurnios no crebro vivo muito irregular (ver, por exemplo, Shadlen e Newsome, 1998). Por outro lado, vrias experincias mostraram que os neurnios so capazes de produzir de um modo fidedigno potenciais de aco definidos no tempo. Numa experincia, em particular, foi demonstrado que injectando nveis constantes de corrente os neurnios formam potenciais de aco a uma velocidade contida num certo conjunto de valores, mas com distribuio temporal irregular. Contudo, aps repetidas injeces de corrente com rudo, os tempos particulares de disparo foram muito mais precisos relativamente ao sinal de entrada (Mainen e Sejnowski, 1995). Os resultados do modelo demonstram que o neurnio-teta apresenta respostas semelhantes para sinais de entrada constantes versus sinais de entrada com rudos (figura 3) (Gutkin e Ermentrout, 1998). Examinaremos aqui o modo como o modelo permite captar e explicar estas concluses no intuitivas.

    O neurnio-teta com potencial de repouso com rudo mas com corrente de entrada constante basicamente um oscilador intrnseco perturbado por um efeito de potencial aleatrio ou, em linguagem matemtica, por um processo de renovao no-linear. Assim, o tempo de partida de cada ciclo sucessivo de potenciais de aco depende do tempo do potencial de aco anterior. Uma vez que estes tempos so perturbados pela variao do potencial, a incerteza aumenta em cada potencial de aco sucessivo. De facto, pode mostrar-se em termos analticos (Gutkin e Ermentrout, 1998) e numricos (figura 3) que esta incerteza, medida como a varincia

    191

  • de tempos de potenciais de aco em cada experincia, representada pela raiz quadrada do nmero de potenciais de aco multiplicado pela varincia do tempo do primeiro potencial de aco.

    ~lltlflllllllll o time (ms) 1000

    ij ... . I ~ . . . . li . . . . . .1 O Spike N umber 14 O Spike Number 18

    Fig. 3 - a) Resposta do modelo de neurnio-teta (com potencial de repouso com rudo) quando estimulado por uma corrente constante. O grfico mostra os tempos de formao de potenciais de aco para ensaios repetidos com o mesmo estmulo constante. Os primeiros potenciais de aco aparecem com a mesma distribuio enquanto os ltimos se deslocam aleatoriamente. Em baixo mostra-se o grfico da incerteza, nos tempos dos potenciais de aco, calculados como o desvio padro dos tempos obtidos nos ensaios. Como se pode constatar, a incerteza aumenta em cada potencial de aco sucessivo. b) Resposta do mesmo modelo de neurnio-teta quando estimulado repetidamente por uma corrente perturbada (variada). Os potenciais de aco permanecem consistentes durante cada ensaio (grfico superiOl) e a incerteza mantm-se baixa de potencial de aco para

    potencial de aco (grfico inferior)

    Por outro lado, quando o mesmo neurnio-teta estimulado por correntes repetidas com mdo, os tempos dos potenciais de aco no dependem uns dos outros, mas da dinmica dos estmulos. Se o estmulo for de tal forma que conduza rapidamente o potencial para alm de T, ento forma-se um potencial de aco para o mesmo ponto de entrada em todos os ensaios. Desta forma, a incerteza baixa e no aumenta em cada potencial de aco.

    Isto significa que, para que os neurnios codifiquem informao com o tempo de formao do potencial de aco preciso, devero faz-lo em resposta a entradas de corrente do tipo choque. Ao mesmo tempo, entradas lentas sero codificadas a uma velocidade de disparo neuronal mdia.

    192

  • A anlise em curso do neurnio-teta sugere que estes dois esquemas de codificao podero no ser mutuamente exclusivos, mas que ambos os modos podem contribuir para a sada de potenciais de aco de um neurnio individual (Gutkin e Ermentrout, em preparao).

    5. MODELOS DE ACTIVIDADE

    As seces anteriores mostraram como reduzir as equaes de equilbrio de corrente a um simples modelo escalar para compreender a dinmica de neurnios individuais. Em muitos casos, relevantes a nvel experimental, desejvel ir mais alm na simplificao da dinmica, utilizando os chamados modelos de actividade ou modelos de velocidade de disparo. Nestes modelos, a quantidade relevante no o tempo de formao do potencial de aco ou o potencial de um neurnio individual, mas antes o nvel de actividade generalizada ou velocidade de disparo em neurnios individuais ou em populaes neuronais.

    Em contraste com a representao biofisica fornecida pelas equaes de equilbrio de corrente, os modelos de actividade baseiam-se numa descrio mais funcional da actividade neuronal. Estes modelos so sobretudo utilizados para estudar interaces entre vastas populaes neuronais, ou, mais geralmente, nos casos em que um modelo biofisico se torna impraticvel ou muito complexo. Nesta seco apresentaremos uma derivao funcional do modelo de actividade e descreveremos um exemplo em que habitualmente utilizado para examinar o processamento de sinais de entrada sensoriais nos bigodes dos roedores.

    5.1 Deduo das equaes

    A equao central dos modelos de actividade descreve a relao entre trs medidas distintas de actividade neuronal: potencial, velocidade de disparo e impulso sinptico (descrito em baixo). A formao de um potencial de aco ou o disparo de um neurnio activa ligaes sinpticas transmitidas a outros neurnios. As sinapses activadas induzem alteraes de potencial ou potenciais ps-sinpticos (PPS) nos neurnios receptores. Os PPS so muitas vezes representados como seguindo um curso temporal caracterstico, descrito atravs de uma funo alfa, a(t) (Rall, 1998). Os PPS podem ser positivos ou negativos, dependendo de a sinapse ser excitatria (EPPS) ou inibitria (IPPS). Para uma srie de potenciais de

    193

  • aco, as funes alfa somam-se e o potencial, V, no neurnio ps--sinptico dado por

    v(t) = Ia(t- t;} , I

    em que i corresponde ao nmero de potenciais de aco e ti o tempo de chegada para cada um deles. Numa populao de neurnios, a distribuio de potenciais de aco no tempo descrita frequentemente atravs de uma funo contnua que representa a velocidade mdia de disparo dessa populao, F(t). Esta funo depende do nvel mdio do potencial, pelo que F(t) = F(V(t)). Se separar a populao em neurnios excitatrios versus neurnios inibitrios, a equao para o potencial excitatrio mdio dada por

    Nesta equao as duas populaes tm distintas funes a, F de taxas de disparo e ie (por exemplo) representa a eficcia relativa de sinapses da populao inibitria para a excitatatria. O potencial mdio da popu-lao inibitria definido de modo semelhante.

    Pode exprimir-se uma formulao alternativa do modelo de actividade, se definirmos o impulso sinptico de cada populao por

    Se = f~ae(t - /).f;(v.,(/)) di ,s:. = f~ ai(t- l)ft(f(/)) di

    pelo que, tomando novamente a populao excitatria como exemplo,

    (4)

    Alm disso, se admitirmos que as funes alfa so descritas por simples funes exponenciais decrescentes (e.g. a e = e-I/'r e ), ento podemos diferenciar para obter,

    dSe . r e - + Se = .f;( eeSe - te,s:) . dt

    A equao (3) designada formulao do potencial e a equao (4) a formulao da actividade (Ermentrout, 1997). Intuitivamente, o termo impulso sinptico deriva das unidades de eeSe, descrevendo a alterao de potencial induzida por sinapses excitatrias. Na maior parte dos modelos, ee mede-se em unidades de volts x sinapse, a eficcia da ligao

    194

  • vezes o nmero de sinapses. Assim, Se mede-se na unidade l/sinapse, uma quantidade adimensional por sinapse, i.e., impulso sinptico (Pinto et ai., 1996). Como se descreve a seguir, a formulao da actividade permite, em particular, a incorporao directa de dados biolgicos no sistema modelo.

    5.2 Bigodes e barris

    Ao deflectir-se um bigode na face de um roedor, activa-se uma cadeia de neurnios desde a periferia, passando pelo eixo do crebro, o tlamo e seguindo at um feixe de neurnios definido anatomicamente no neocortex, normalmente designado por barril de bigodes (Woolsey e van der Loos, 1970). Cada barril contm duas populaes principais de clulas, neurnios excitatrios e neurnios inibitrios . Ambas as populaes recebem do tlamo sinais sinpticos excitatrios. Alm disso, ambas as populaes estabelecem ligaes recprocas com neurnios do outro tipo e contactos recorrentes a neurnios do mesmo tipo (figura 4a) (Simons, 1978). Os neurnios excitatrios no barril tambm formam contactos sinpticos com neurnios situados noutras regies do crebro (White, 1989). Portanto, utilizando quer o modelo de actividade quer os dados experimentais, o objectivo compreender como que interaces as sinpticas no interior de um barril operam nos sinais de entrada provenientes do tlamo e os transformam em sinais de sada que emanam da populao de neurnios excitatrios.

    Fig. 4 - Modelo de actividade do barril-cortex de um roedor. a) Diagrama esquemtico de ligaes sinpticas entre populaes excitatrias (SJ e inibitrias (SJ do barril e do tlamo (T). As sinapses excitatrias so representadas por linhas e as sinapses inibitrias por

    pontos; b) Formulao da actividade do barril incorporando a entrada do tlamo

    195

  • Experincias laboratoriais medem o nmero e o tempo de potenciais de aco gerados por neurnios do tlamo e do barril em resposta a uma defleco. Geralmente, renem-se os dados de muitos neurnios e ca1cula--se a velocidade mdia de disparo para cada populao. A utilidade do modelo de actividade deriva do facto de representar a actividade neuronal de uma forma compatvel com estes dados experimentais. Uma vez que tanto os dados das populaes de neurnios do tlamo como dos neurnios do barril so medidos em termos de velocidade mdia de disparo, os dados talmicos podem ser utilizados directamente como sinais de entrada para o modelo (THAL(t)), tal como os dados da populao de neurnios excitatrias do barril o podem ser para avaliar a sada excitatria do modelo (Fe, figura 4b).

    Na prtica, a forma precisa das funes de velocidade de disparo (Fe e Fi) determinada experimentalmente atravs da anlise das velocidades de disparo dos neurnios do tlamo e do barril em resposta a um conjunto de defleces bem seleccionadas (Pinto et ai., 1996; Kyriazi, 1993). Quando as respostas simuladas estiverem de acordo com os dados experimentais, o modelo permitir prever respostas a novos estmulos e compreender os mecanismos atravs dos quais aquelas respostas so geradas.

    Uma previso do modelo de actividade do barril que a intensidade da resposta excitatria sensvel distribuio dos sinais de entrada da populao talmica.

    ~ O time(ms) 50

    Fig. 5 - Anlise do plano de fases de resposta simulada do barril a distribuies de entrada talmicas. a) Duas distribuies de entrada talmicas, diferindo 110 curso temporal, //las com a mesma actividade total; b) Representao no plano de f ases de respostas da populao do barril. Planos sucessivos mostram as respostas p rogressivas /l OS instantes de tempo

    indicados em numerao romana

    196

  • Para compreender este facto, examinaremos o plano de fases obtido a partir do modelo, em resposta a entradas de duas populaes talmicas (Pinto et aI., 2001). No plano de fases , representa-se graficamente no eixo dos x e no eixo dos y o nvel de actividade das populaes excitatrias e o das inibitrias, respectivamente. Quando ocorre um sinal de entrada so traados nveis de alterao da actividade pela trajectria de resposta nos sucessivos planos, nos instantes de tempo indicados pelos nmeros romanos (figura 5a e 5b). A linha curva a fino (recta) a linha de inclinao nula excitatria (inibitria), constituda por pontos nos quais dSe/dt = O (dS/ dt = O).

    Para o sinal de entrada talmico de crescimento rpido, as linhas de inclinao nula sobem rapidamente (figura 5b, i a ii). Para o sinal de entrada de crescimento lento, as linhas de inclinao nula sobem mais lentamente. A trajectria-resposta permanece prxima da linha de inclina-o nula onde as alteraes na actividade so relativamente menores (figura 5b, i a iv a v). Assim, apesar de ambos os sinais de entrada representarem a mesma quantidade total de actividade talmica (figura 5a), a distribuio de entrada de crescimento rpido gera uma resposta muito maior da rede de trajectrias do que a da distribuio de entrada de crescimento lento (figura 5b, iii versus vi). Esta previso do modelo tem sido verificada experimentalmente atravs da anlise da resposta de neurnios reais a diferentes distribuies de entrada talmicas (Pinto et a!., 2000).

    6. DAS PINTURAS RUPESTRES ESTRUTURA DO CRTEX

    Durante anos as pessoas tm sentido um grande fascnio pelas pinturas rupestres do Paleoltico, tal como as que foram encontradas nas famosas cavernas de Lascaux, em Frana, e nas paredes de arenito no Sudoeste da Amrica. Estas gravuras descrevem muitas vezes animais e seres humanos. Contudo, h tambm desenhos mais abstractos, nomeadamente espirais, raios solares e mandalas (crculos) . Uma das questes que os antroplogos se colocam saber qual o significado destes smbolos abstractos. Um certo nmero de investigadores sugeriu que estas pinturas foram desenhadas por xams (

  • configuraes que surgem em reaco a certos estmulos visuais, por exemplo, a presso do globo ocular e a luz trmula (Tyler, 1978). Estas ltimas configuraes, chamadas fotpsias, e os seus anlogos induzidos por estupefacientes foram classificadas por Kluver em quatro tipos diferentes, que designou constantes de forma:

    tneis e funis eSpIraIS reticulados, tais como favos de mel e tabuleiros de damas teias de aranha

    Na figura 6 so apresentadas imagens representativas destas formas . Assim, de acordo com os antroplogos, os desenhos geomtricos abstrac-tos encontrados nas cavernas e nas pinturas em pedra so descries de imagens vislumbradas por xams que estariam em estados mentais induzidos por transe ou por efeitos de drogas. De facto, como iremos ver, a maioria dos desenhos mais comuns podem ser previstos atravs da anlise da estrutura de configuraes da actividade neuronal no crtex visual.

    Vimos como se passa de modelos biofsicos pormenorizados para modelos reduzidos que permitem estudar circuitos sensoriais locais. Que acontece quando muitos desses circuitos so acoplados de um modo espacialmente estruturado? O crtex visual estriado notvel devido sua organizao, quase cristalina, de clulas que respondem orientao, cor e posio no campo visual.

    (1) (II) (IlI) (IV)

    Fig. 6 - Constantes de forma (1) funil, (11) espiral, (111) reticulado, (1 V) teia de aranha

    Ou seja, o crtex visual est organizado em colunas ( semelhana dos barris) e no interior de cada coluna esto neurnios que respondem a (i) posies espaciais na retina; (ii) sinais de entrada dos olhos esquerdo e direito; (iii) linhas orientadas; outras modalidades visuais. As ligaes

    198

  • entre as clulas no so aleatrias. Por exemplo, as clulas numa coluna que respondem a linhas verticais esto mais fortemente ligadas a clulas da mesma orientao em colunas vizinhas. As consequncias desta ligao altamente estruturada tm sido objecto de anlise num vasto nmero de artigos. Ermentrout e Cowan (1979) mostraram que as parties simtricas espontneas em redes corticais espacialmente organizadas podero justificar as configuraes' grosseiras da actividade espacial registadas durante alucinaes. Mais recentemente, Bressloff et aI. (2000) consideraram o acoplamento entre clulas sensveis orientao para explicar outros tipos de configuraes alucinatrias mais complexas. N o final desta seco, recorreremos a estas noes para compreender o contexto em que se podero inserir os desenhos das cavernas acima descritos .

    Comecemos por considerar uma arquitectura muito geral da rede neuronal descrita por:

    1'-' =-u+F ..Wu du ( ) , dI "j lJ j (5)

    que representa as actividades de muitos neurolllos acoplados. W jj representa a intensidade das ligaes entre neurnios, pelo que a equao (5) uma generalizao da equao (4) . Esta rede pode ser separada em camadas. Suponhamos que eliminamos completamente a actividade de fundo (

  • mente positivos. Genericamente, para uma rede simtrica aleatria, espera--se uma bifurcao transcrtica ou em forquilha conduzindo a uma forma excitada nica que reflecte a organizao aleatria da rede. Se o efeito dos alucinogneos ou de outros estmulos externos produzir um aumento geral de excitabilidade da rede, ento possvel que o estado de fundo possa tornar-se instvel conduzindo a uma configurao espontnea de actividade que reflecte a organizao associativa da rede recorrente. Se existem muitos valores prprios praticamente idnticos, ento as configuraes resultantes podem ser misturas complexas dos vectores prprios e das dinmicas que regem as configuraes.

    Consideremos, por exemplo, uma matriz associativa de pesos, III l l ff(; =I.(j

    l=1

    onde l,2,. .. ,lll so m vectores a memorizar. Se cada um deles tem amplitude 1 e so quase ortogonais, ento a matriz peso, W, tem um valor prprio = 1 de multiplicidade m, sendo estes m vectores os vectores prprios associados . Os mtodos padro de bifurcao podem ser aplicados para deduzir um conjunto de equaes para os m vectores prprios com a forma:

    (6)

    onde v um parmetro que controla a estabilidade do estado de fundo e P2, P3 so termos quadrticos e cbicos, respectivamente. A configurao da actividade que surge passado o ponto de bifurcao tem a forma:

    Portanto, para uma rede associativamente ligada, as configuraes de activi-dade resultantes, que ocorrem quando o estado de fundo se torna instvel, so misturas dinamicamente variadas de vrias memrias formadas.

    Que tem isto a ver com constantes de forma? A anlise acima esque-matizada assume que a matriz-peso, Wij, no tem estrutura ou tem uma estrutura proveniente de memrias formadas . Em reas associativas do crebro, razovel considerar esta hiptese. Contudo, como mencion-mos acima, o crtex visual possui uma certa estrutura. As ligaes esto longe de ser aleatrias e tm numerosas simetrias intrnsecas. Por exemplo, se a matriz dos pesos, W, a associada a uma malha espacial bidimensional, com ligaes que dependem apenas da distncia, ento os vectores prprios correspondentes a W tm uma estrutura peridica dupla

    200

  • (e.g., tiras , hexgonos ou pontos). As configuraes resultantes que surgem na malha bidimensional so combinaes de padres formados por tiras e pontos.

    Como poder ser apreendida uma configurao de tiras no crtex? A resposta a chave para a compreenso das constantes de forma de Kluver. Considere-se uma configurao de luz imposta na retina. Uma vez que h um mapa topogrfico da retina para o crtex visual, isto resultar numa configurao no crtex. Reciprocamente, cada configura-o espacial de activao no crtex est associada a uma configurao virtual na retina. Em particular, Schwartz (1977) mostrou que cada ponto (r, 8) da retina, em coordenadas, est associado a um ponto (x, y) no crtex. A transformao dada por:

    x= a ln(l+~r), E (00

    f3r8 y = ,

    (00 +Er

    e a inversa desta,

    8= [ Ey x 1 ' f3 l - e a

    permite-nos transformar uma configurao cortical na sua anloga retina\. Perto do ponto central (jovea), a transformao a identidade em escala. Longe desse ponto central (jovea) , a transformao o logaritmo complexo e a sua inversa a exponencial complexa. A figura 7 mostra a aco desta transformao e o respectivo efeito numa constante de forma de tipo funil e de tipo espira\.

    Esta transformao conjugada com a noo de que as alucinaes visuais resultam da perda de estabilidade, primeiro no crtex estriado e posteriormente em reas de associao mais elevada, permite-nos explicar as constantes de forma de Kluver e explicar indirectamente os desenhos abstractos das gravuras xamanistas. Ermentrout e Cowan (1979) estudaram a simetria de ligaes com base na posio espacial e utilizaram a teoria de grupos para mostrar que as configuraes espaciais que bifurcam a partir do estado de fundo no so mais que tiras e pontos. A forma normal das equaes (6) possui uma estrutura muito simplificada. Por exemplo, surge a seguinte forma:

    , 2 2 AI = vAI - ~(aAI +bA2 )

    201

  • onde a, b so constantes dependentes do modelo e AI a amplitude correspondente s tiras horizontais de actividade, enquanto A2 a amplitude cOITespondente s tiras verticais . Se AI "i= 0, A2 = (AI = 0, A 2 "i= O), ento ocorrem tiras horizontais (verticais), enquanto se AI = A2, ento OCOITem pontos. A estabilidade destas configuraes de bifurcao depende apenas das constantes a, b. A figura 8 mostra exemplos de tiras horizontais e pontos de actividade em coordenadas corticais (em cima esquerda), bem como a imagem observada em coordenadas retinais (em cima direita) .

    I Striate Cortex 312

    Visual Field a)

    b)

    c) Fig. 7 - (a) A transformao retinal ---'; cortical (retina ---'; crtex) e sua aco, a (b) a

    constante de f orma

  • A B

    Fig. 8 - Configuraes de bifitrcao em coordenadas corticais ( esquerda) e em coordenadas retinais ( direita). As imagens superiores correspondem a configuraes originadas por ligaes dependentes da distncia e as inferiores correspondem a ligaes

    dependentes da distncia e da orientao (segundo Bresslof!, et aI.)

    Se a estrutura da matriz de conexo incorpora a orientao especfica de neurnios corticais, ento os vectores prprios correspondentes so mais complicados, mas so interpretados pelo sistema visual como segmentos de recta dispostos em filas peridicas. Bressloff et ai. (2000) analisaram este caso e deduziram as equaes das formas normais. As configuraes que correspondem aos pontos fixos destas equaes so mais complexas do que simples tiras e pontos. Contudo, completam a enumerao das constantes de forma. As imagens inferiores da figura 8 mostram dois exemplos que correspondem a constantes de forma do tipo reticulado e do tipo teia de aranha.

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