tede.metodista.brtede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1676/2/denise de almeida...tede.metodista.br

266
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO DENISE DE ALMEIDA OSTLER IMPACTO DA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA ENSINO INTEGRAL NO ATENDIMENTO A ALUNOS COM DEFICIÊNCIA: DESDOBRAMENTOS EM DUAS ESCOLAS PÚBLICAS DA BAIXADA SANTISTA SÃO BERNARDO DO CAMPO 2017

Upload: phamnguyet

Post on 07-Feb-2019

229 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO ESCOLA DE COMUNICAO, EDUCAO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PS-GRADUAO DOUTORADO EM EDUCAO

DENISE DE ALMEIDA OSTLER

IMPACTO DA IMPLANTAO DO PROGRAMA ENSINO INTEGRAL NO ATENDIMENTO A ALUNOS COM DEFICINCIA: DESDOBRAMENTOS EM DUAS

ESCOLAS PBLICAS DA BAIXADA SANTISTA

SO BERNARDO DO CAMPO 2017

UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO ESCOLA DE COMUNICAO, EDUCAO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PS-GRADUAO DOUTORADO EM EDUCAO

DENISE DE ALMEIDA OSTLER

IMPACTO DA IMPLANTAO DO PROGRAMA ENSINO INTEGRAL NO ATENDIMENTO A ALUNOS COM DEFICINCIA: DESDOBRAMENTOS EM DUAS

ESCOLAS PBLICAS DA BAIXADA SANTISTA

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao, da Universidade Metodista de So Paulo, como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutora em Educao. Orientador: Prof. Dr. Roger Marchesini de Quadros Souza rea de Concentrao: Educao Linha de Pesquisa: Polticas e Gesto Educacionais

SO BERNARDO DO CAMPO

2017

Os7i Ostler, Denise de Almeida Impacto da implantao do Programa Ensino Integral no atendimento a alunos com deficincia: desdobramentos em duas escolas pblicas da Baixada Santista / Denise de Almeida Ostler. 2017. 266 p. Tese (Doutorado em Educao) --Escola de Comunicao, Educao e Humanidades da Universidade Metodista de So Paulo, So Bernardo do Campo, 2017. Orientao: Roger Marchesini de Quadros Souza. 1. Educao integral 2. Programa Ensino Integral 3. Incluso 4. Polticas pblicas em educao I. Ttulo.

CDD 374.012

A tese de doutorado intitulada IMPACTO DA IMPLANTAO DO PROGRAMA

ENSINO INTEGRAL NO ATENDIMENTO A ALUNOS COM DEFICINCIA:

DESDOBRAMENTOS EM DUAS ESCOLAS PBLICAS DA BAIXADA SANTISTA,

elaborada por Denise de Almeida Ostler, foi defendida e aprovada em 04 de maio de

2017, perante a banca examinadora composta por: Prof. Dr. Roger Marchesini de

Quadros Souza (presidente/UMESP), Profa. Dra. Norins Panicacci Bahia (UMESP),

Profa. Dra. Marilena Aparecida de Souza Rosalen (Universidade Federal de So

Paulo), Profa. Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini (UMESP), Prof. Dr. Rmulo Pereira

Nascimento (Universidade Cruzeiro do Sul).

________________________________________________

Prof. Dr. Roger Marchesini de Quadros Souza Orientador e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________________ Profa. Dra. Roseli Fischmann

Coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Educao

Programa: Ps-Graduao em Educao da Universidade Metodista de So Paulo.

rea de Concentrao: Educao

Linha de Pesquisa: Polticas e Gesto Educacionais

Dedicatria

minha me pelo estmulo, incentivo e companheirismo em meu processo formativo. minha filha pela compreenso nos momentos de ausncia.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por permitir a conquista de mais essa jornada! Gratido minha me e minha filha! Aos mestres que transmitiram seus conhecimentos e experincias profissionais, que me guiaram para alm das teorias, das filosofias e das tcnicas, meus agradecimentos e respeito diante do muito que me foi oferecido. Universidade Metodista de So Paulo (UMESP), na pessoa da Profa. Dra. Roseli Fischmann, Coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Metodista de So Paulo, pela oportunidade e condies para a realizao do curso. Profa. Dra. Marlia Claret Geraes Duran e Profa. Dra. Lcia Villas Bas, pela contribuio no processo de orientao inicial deste trabalho. Ao Prof. Dr. Roger Marchesini de Quadros Souza, meu orientador, pelo acolhimento e efetivo acompanhamento e estmulo na superao de todas as adversidades, de forma compreensiva e afetuosa. Aos componentes da banca examinadora desta tese, Profa. Dra Marilena Aparecida de Souza Rosalen (Universidade Federal de So Paulo), Profa. Dra Norins Panicacci Bahia (UMESP), Prof. Dr. Rmulo Pereira Nascimento (Universidade Cruzeiro do Sul) Profa. Dra Zeila de Brito Fabri Demartini (UMESP), pela contribuio prestada para o aprimoramento das discusses voltadas ao trabalho acadmico. supervisora de ensino, s gestoras, s professoras especialistas e s equipes das escolas pesquisadas, que gentilmente contriburam com a realizao das entrevistas, para o alcance da veracidade dos dados apresentados nesta tese. Diretoria de Ensino de Santos, na pessoa do seu Dirigente Regional, ao Ncleo de Gesto da Rede Escolar e Matrcula e ao Ncleo de Vida Escolar, por facilitarem o acesso aos dados inerentes ao trabalho desta pesquisa.

Priscila Wagna Vieira Roger, Assistente de Coordenao do Programa de Ps-Graduao em Educao, pela presteza e cordialidade no atendimento s informaes solicitadas durante o desenvolvimento e concluso do curso. Profa. Dra. Lda Virgnia Moreno, pela ateno e disponibilidade dedicadas ao aprimoramento do trabalho. Ao amigo Eduardo Calsan, pelo companheirismo durante nossa jornada. Aos colegas da primeira e demais turmas de doutorandos da Universidade Metodista de So Paulo, pela oportunidade da convivncia e troca de experincias mantidas durante o curso. A todos os que de forma direta ou indireta contriburam para a concluso deste trabalho. CAPES-PROSUP que tornou possvel a realizao do Doutorado no Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Metodista de So Paulo e a realizao da presente pesquisa.

LISTA DE SIGLAS

AOE Agente de Organizao Escolar

APE Atendimento Pedaggico Especializado

ATPC Atividade de Trabalho Pedaggico Coletivo

CAP Centro de Apoio Pedaggico para Atendimento ao Deficiente Visual

CAPE Centro de Apoio Pedaggico Especializado

CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

CEB Conselho de Educao Bsica

CNE/CP Conselho Nacional de Educao Conselho Pleno

CENESP Centro Nacional de Educao Especial

CRE Centro de Referncia em Educao Mario Covas

DA Deficiente Auditivo

DER Diretoria de Ensino da Regio de Santos

DF Deficiente Fsico

DI Deficincia Intelectual

DM Deficiente Mental

DOE Dirio Oficial do Estado

DV Deficiente Visual

ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

CEE Centro de Ensino Experimental

CEEJA Centros Estaduais de Educao de Jovens e Adultos

CEL Centro de Estudo de Lnguas

CIEP Centros Integrados de Educao Pblica

CRPE Classe Regida por Professor Especializado

EE Escola Estadual

EEPG Escola Estadual de Primeiro Grau

EEPSG Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau

EJA Educao de Jovens e Adultos

EM Ensino Mdio

ETEC Escola Tcnica Estadual

ETI Escola de Tempo Integral

GDPI Gratificao de dedicao plena e integral

GOE Gerente de Organizao Escolar

HEM Habilitao Especfica para o Magistrio

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

ICE Instituto de Co - responsabilidade pela Educao

IDESP ndice de Desenvolvimento da Educao do Estado de So Paulo

LC Lei Complementar

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais

MEC Ministrio da Educao e Cultura

NEE Necessidades Educacionais Especiais

OMS Organizao Mundial de Sade

ONU Organizao das Naes Unidas

OPAS Organizao Pan-Americana da Sade

PCNP Professor Coordenador do Ncleo Pedaggico

PEI Programa Ensino Integral

PNE Plano Nacional de Educao

PROFIC Programa de Formao Integral da Criana

PRSSM Programa de Recuperao Socioambiental da Serra do Mar

QAE Quadro de Apoio Escolar

QM Quadro do Magistrio

RDPI Regime de Dedicao Plena e Integral

SR Salas de Recurso

SAPE Servio de Apoio Pedaggico Especializado

SE Secretaria da Educao

SECADI Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e

Incluso

SEE Secretaria de Estado da Educao

TEA Transtorno do Espectro Autista

UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a

Cultura

VTI Valor da Transformao Industrial

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Sistematizao da Proposta da Escola de Tempo Integral (ETI) ............... 83

Figura 2. Sistematizao do Programa Ensino Integral ............................................ 84

Figura 3. Modelo Pedaggico do Currculo Integrado .............................................. 87

Figura 4. Lgica de Gesto do Programa: Poltica de Ensino Integral ...................... 91

Figura 5. Estrutura: profissionais envolvidos e atribuies ....................................... 93

Figura 6. Imagem do prdio escolar, no perodo em que passou a funcionar em

sede prpria ........................................................................................................... 109

Figura 7. Imagem do prdio escolar por ocasio de sua instalao, 1976 ............. 113

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. ndice de pessoas com severo grau de deficincia no Brasil, segundo

Censo IBGE, 2010 ................................................................................................. 101

Quadro 2. Distribuio numrica de deficientes por rea de deficincia, no

Municpio, 2010 ...................................................................................................... 103

Quadro 3. ndice percentual de pessoas com deficincia, no Municpio, 2010 ....... 103

Quadro 4. Sujeitos de pesquisa e rea de atuao ................................................ 116

Quadro 5. Formao inicial e implantao de polticas de incluso....................... 133

Quadro 6. Professores generalistas e grau de adeso ao processo de incluso ... 135

Quadro 7. Grau de aceitao pelas professoras da implantao do Programa

Ensino Integral na escolaJ ................................................................................... 137

Quadro 8. Nvel de participao das professoras especialistas diante do impacto

da implantao do Programa Ensino Integral na escola J ................................... 139

Quadro 9. Atendimento dos alunos com deficincia, segundo moldes do PEI ....... 140

Quadro 10. Processo ensino-aprendizagem dos alunos da educao especial

aspectos positivos e negativos ............................................................................... 143

Quadro 11. Formao inicial e implantao de polticas de incluso...................... 145

Quadro 12. Formao docente voltada aos alunos deficientes: aspectos

significativos........................................................................................................... 146

Quadro 13. Desafios enfrentados pelas escolas J e A, no perodo da

implantao do Programa Ensino Integral .............................................................. 148

Quadro 14. Adequaes no atendimento aos alunos do Programa Ensino Integral

da escola J .......................................................................................................... 150

Quadro 15. Aspectos do processo ensino-aprendizagem dos alunos com

deficincia frente proposta do Programa de Ensino Integral ............................... 152

Quadro 16. Impacto do Programa Ensino Integral na estrutura fsica e

administrativa das escolas J e A ....................................................................... 155

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1. Distribuio da populao por sexo e faixa etria no Municpio, 2010 ... 102

RESUMO

Este estudo teve como objetivo investigar o impacto ocorrido no processo de implementao e implantao do Programa Ensino Integral e os desdobramentos nas prticas educativas dos professores, bem como verificar o nvel de desempenho do processo ensino-aprendizagem dos alunos da educao especial. A investigao foi realizada em duas escolas da Baixada Santista, no perodo de 2014/2015, ambas de regime regular de ensino, passando uma delas em 2015, a funcionar em regime integral. O referencial terico contou com contribuies de autores da educao inclusiva, incluindo as polticas pblicas, sua aplicabilidade e o processo de formao docente. So eles: Mazzotta (2005); Jannuzzi (2012); Lopes, Fabris (2013); Mantoan (2006,2009); Stainback; Stainback (1999,2008), entre outros. Sobre o ensino integral recorreu-se a autores como: Teixeira (1994), Costa et al. (2008), Paro (2001), entre outros. Iniciou-se pela pesquisa bibliogrfica e anlise documental, considerando documentos legais internacionais e nacionais (incluindo a legislao da educao inclusiva e integral), assim como, as proposies da Secretaria de Educao do Estado de So Paulo. Complementou-se com a pesquisa de campo, de abordagem qualitativa. Com base na anlise do contedo foram coletadas narrativas de professores, do coordenador pedaggico e dos gestores das escolas investigadas, por meio de questionrios e entrevistas; os resultados configuraram-se a partir das categorias de anlise.Constatou-se impacto significativo mediante a implantao do novo programa referente ao atendimento especializado para o aluno com deficincia no contraturno, assim como, em relao ao aumento nas horas de permanncia na escola, alm dos conflitos gerados no cotidiano escolar para professores, gestores e comunidade, com contundente repercusso nas dimenses pedaggicas, estruturais e de gesto. Destacaram-se aspectos de efetividade, assim como, de no efetividade do processo ensino-aprendizagem, com implicaes no desenvolvimento de competncias, acesso, permanncia e terminalidade dos alunos da educao especial, quesitos fundamentais de uma educao bsica de qualidade, garantida por lei como direito.

Palavras-chave: Educao Integral. Programa Ensino Integral. Incluso. Polticas Pblicas Educacionais.

ABSTRACT

This study aimed at investigating the impact occurred during the process of introducing and implementing a Full-Time Education Programme, and its developments, observed in teachers and students practice, as well as verifying students performance levels in the teaching-learning process from special education. The investigation was carried out in two schools at the Baixada Santista, in So Paulo, Brazil, during the period comprised between 2014/2015. Both schools operated in a regular part-time regime, but one of them started to operate under a full-time regime as from 2015. The theoretical reference used was based on contributions from authors from inclusive education, including public policies, its applicability and the process of teacher training. They are: Mazzotta (2005); Jannuzzi (2012); Lopes, Fabris (2013); Mantoan (2006, 2009); Stainback, Stainback (1999, 2008), amongst others. The reference for Full-Time Education, include authors such as: Teixeira (1994); Costa et al.(2008); Paro (2001) , amongst others. Research started with bibliographical research and document analysis, taking into consideration national and international legal documents (including legal texts on inclusive and full-time education), as well as propositions from So Paulo State Secretary of Education. It was enhanced through a qualitative approach field research. Based on the analysis of the data collected, teachers, pedagogical coordinators and school managers were interviewed and their narratives were collected. The results emerged from the categories identified in the analysis. Significant impact on the students from special education was observed in the implementation of the new programme. This involved offering specialized assistance to impaired students after or before school hours, extended periods of permanence of both teachers and student and a series of conflicts generated in teachers managers and communitys routines, which brought severe repercussions at structural, pedagogical and managerial levels. Effectiveness aspects are highlighted, as well as non-effectiveness aspects, in the process of teaching and learning, with implications in the development of special education students competencies, access, permanence and terminality, which are essential elements for a quality basic education programme, guaranteed by law, by right.

Key Words: Full-Time Education. Full-Time Education Programme. Inclusive Education. Educational Public Policies.

SUMRIO

INTRODUO ......................................................................................................... 18

1. A EDUCAO ESPECIAL: UMA DISCUSSO NECESSRIA .......................... 28

1.1 Educao Especial: diferentes perspectivas ...................................................... 28

1.2 Panorama da Educao Especial no Brasil ........................................................ 40

1.3 A Educao Especial no Estado de So Paulo: aspectos histricos e polticos . 46

1.4 A Formao Docente e a Educao Inclusiva .................................................... 58

2. A IMPLANTAO DO PROGRAMA ENSINO INTEGRAL NO ESTADO DE

SO PAULO............................................................................................................ 67

2.1 Fundamentos Legais .......................................................................................... 75

2.2 A Escola de Tempo Integral e o Programa Ensino Integral: uma diferenciao

necessria ............................................................................................................... 81

2.3 O modelo pedaggico do Programa Ensino Integral .......................................... 85

2.3.1 Processo Seletivo do Programa Ensino Integral.............................................. 94

3. PROGRAMA ENSINO INTEGRAL E O ATENDIMENTO AOS ALUNOS COM

DEFICINCIA: OS CAMINHOS DA PESQUISA ..................................................... 96

3.1 O Municpio em estudo: perfil demogrfico, econmico e cultural ...................... 96

3.2 Algumas caractersticas da rede pblica de Educao do Municpio ................. 99

3.3 Escolas da Rede Pblica da Regio do Municpio em estudo .......................... 104

3.4 Os caminhos da investigao........................................................................... 105

3.4.1 A pesquisa qualitativa como abordagem ....................................................... 105

3.4.2 As escolas abrangidas: breve panorama histrico e cenrio da pesquisa ..... 108

3.4.3 Os sujeitos de pesquisa ................................................................................ 116

3.4.4 Procedimentos em relao definio dos sujeitos de pesquisa .................. 117

3.4.5 Dos roteiros de entrevista ............................................................................. 118

3.4.6 Das entrevistas ............................................................................................. 120

4. A IMPLANTAO DO PROGRAMA ENSINO INTEGRAL, O ATENDIMENTO

AOS ALUNOS COM DEFICINCIA E A REORGANIZAO DAS ESCOLAS

PESQUISADAS ..................................................................................................... 122

4.1 O processo de implementao do Programa Ensino Integral: alguns aspectos 122

4.2 As mudanas decorrentes da implantao do Programa Ensino Integral no

atendimento aos alunos deficientes nas escolas pesquisadas ............................... 126

4.3 Sobre as entrevistas ........................................................................................ 128

4.3.1 A populao alvo das pesquisas - o perfil dos entrevistados ......................... 129

4.4 As entrevistas e a definio das categorias de anlise .................................... 131

4.4.1. Anlise das entrevistas das professoras ...................................................... 132

4.4.2. Anlise das entrevistas das gestoras ........................................................... 144

4.5 Identificando mudanas a partir do impacto da implantao do Programa

Ensino Integral: anlise combinada das categorias e segmentos .......................... 157

CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 163

REFERNCIAS ..................................................................................................... 169

ANEXOS ................................................................................................................ 179

APNDICES .......................................................................................................... 188

Olha para mim - no tenhas receio Fala comigo mesmo que penses no te poder ouvir

Sorri para mim mesmo que no consiga te ver Ensina-me, mesmo que parea no te entender.

Tenta vale a pena Tenta mais um pouco

Pois chegars a me aceitar E aprenderei a te amar.

Apelo do excepcional.

(autor desconhecido)

18

INTRODUO

Ao longo da minha trajetria profissional como educadora na rea de

educao especial vivenciei, por algumas dcadas, a implantao de polticas

pblicas educacionais, bem como, de projetos e programas, muitos deles arrojados e

voltados, ao menos no discurso, promoo da pessoa e transformao de

aspectos da vida social. Eis porque venho refletindo sobre a abrangncia dos

benefcios para a populao pblico-alvo da educao especial que, mesmo

historicamente, tenha sido marcada por desigualdades e preconceitos, necessita de

fato e de direito da viabilizao de polticas educacionais que contemplem uma viso

igualitria e respeitosa para com o deficiente, questo nem sempre condizente com

a realidade e que, por vezes, reafirma uma incluso excludente.

Destaco, no entanto, que a educao especial um processo que visa

promover o desenvolvimento das potencialidades de pessoas com necessidades

educacionais especiais, com condutas tpicas ou de altas habilidades, e que abrange

os diferentes nveis e graus do sistema de ensino, fundamentando-se em referenciais

tericos e prticos compatveis com as necessidades especficas do alunado, de tal

forma, que o processo se efetive de modo integral e flua desde a estimulao

essencial at os graus superiores de ensino. Sob o enfoque sistmico, a educao

especial integra o sistema educacional vigente, identificando-se com sua finalidade

que a de formar cidados teis a si e sociedade. (BRASIL. Secretaria de Educao

Especial. Poltica Nacional de Educao Especial, 1994, p.17).

O termo necessidades especiais surgiu primeiramente para substituir a

palavra deficincia, da a expresso portadores de necessidades especiais. Mais

adiante, a aplicao do termo necessidades especiais passou a ter significado

prprio sem substituir a expresso pessoas com deficincia1. (BRASIL. Ministrio da

Educao.Resoluo CNE/CEB n.2,2001,art.5). Tal Resoluo, em grande parte,

centrava sua abordagem educacional para as pessoas cegas e surdas. No entanto,

1Pessoas Deficientes: A partir de 1981, por influncia do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, comea-se a escrever e falar pela primeira vez a expresso pessoa deficiente. Aos poucos entrou em uso a expresso pessoa portadora de deficincia, frequentemente reduzida para portadores de deficincia. Na metade da dcada de 1990 entrou em uso a expresso pessoas com deficincia que permanece at os dias de hoje. SASSAKI, Romeu Kazumi. Como chamar as pessoas que tm deficincia? Revista da Sociedade Brasileira de Ostomizados, v.1,n.1, p.8-11, 2003.

19

essa concepo, posteriormente, foi ampliada englobando um grupo mais extenso de

sujeitos considerados diferentes, seja em relao aos padres institudos de

normalidade, ou por consequncia de suas condies de educabilidade.

A Educao Especial passou a conquistar maior abrangncia em termos de

suas propostas a partir do sculo XX, uma vez que a noo redimensionada de

classes especiais foi gradualmente introduzida junto aos tradicionais institutos e, at

mesmo, em escolas especializadas j existentes. Ainda no sculo XX, diversas

estruturas educacionais especializadas se difundiram, tanto no Brasil quanto em

outros pases, como escolas com classes especiais, internatos e servios itinerantes.

Nesse mesmo perodo, a educao especializada passou a ser frontalmente

questionada por vrios segmentos da sociedade, como instncia que criava e

legitimava a excluso social dos nominados portadores de necessidades especiais.

Em 1980, residindo em Piracicaba, recm-casada, distante dos familiares e

dos amigos, sem trabalhar, comecei questionar sobre a retomada de novos rumos

para a minha vida pessoal/profissional. Foi ento, que aps trocar ideias com minha

me, resolvi retomar os estudos, embora j tivesse uma formao de nvel superior,

mas na rea de Comunicao Social: Relaes Pblicas. No encontrando cursos de

ps-graduao na referida rea, decidi realizar uma procura por cursos em outras

reas.

Era o ano internacional das pessoas deficientes (1981). Contagiada pela

massiva divulgao miditica fui em busca de mais informaes sobre essa temtica

por meio de palestras e de leitura de inmeros artigos. A ideia inicial era explorar esse

campo de forma a suscitar a necessidade e o desejo de saber lidar com uma criana

deficiente. Meu futuro filho ou filha poderia ser um deles! Da porque, procurei um

curso no qual obtivesse conhecimentos sobre tais crianas e o trabalho educativo com

elas. Durante o processo de busca descobri que a Universidade Metodista de

Piracicaba oferecia o curso de Pedagogia do Excepcional 2, com habilitao na rea

de deficientes mentais, nomenclatura utilizada poca. Inscrevi-me, fui dispensada

do vestibular e, em 1981, iniciei o curso que conclui em 1984.

2 SASSAKI, R.K. Excepcionais - como se chamavam pessoas com deficincia. So Paulo: RNR, 2003a. Texto disponvel em: http://sivc.saci.org.br/files/chamar.pdf. O termo excepcional foi utilizado nas dcadas de 50, 60 e 70 para designar pessoas com deficincia intelectual.

http://sivc.saci.org.br/files/chamar.pdf

20

Aps a realizao do referido curso, iniciei em 1985, minha trajetria

profissional na rea de educao especial ministrando aulas no Ensino Fundamental

I3 na Rede Pblica do Estado de So Paulo. Por morar no interior, assumi classe em

uma das cidades da Regio do Vale do Ribeira para atuar como professora de

educao especial em salas de aula denominadas classes especiais e definidas,

posteriormente, como salas de aula em escola de ensino regular, organizadas de

forma a se constiturem em ambientes prprios e adequados ao processo

ensino/aprendizagem do alunado de educao especial, segundo o documento

Poltica Nacional de Educao Especial (1994, p.19).

Inicialmente notei haver um distanciamento entre os alunos com deficincia e

os nominados normais e, enquanto professora, tinha plena conscincia da

necessidade da convivncia, da socializao e da integrao do alunado como um

todo. Havia uma diferena que separava no somente os alunos, mas tambm um

distanciamento entre os professores que atuavam nas classes regulares e aqueles

que ministravam aulas nas classes especiais. Tal discriminao podia ser observada

em vrias atividades do cotidiano escolar, a exemplo do horrio de recreio, que ocorria

em momentos diferenciados, desfavorecendo a socializao entre os alunos e

dificultando o processo de integrao entre eles; a participao dos alunos das

classes especiais em atividades comemorativas na escola tambm se dava de forma

singela, e poucos eram os alunos com deficincia inseridos nas festividades sociais,

culturais e recreativas desenvolvidas pela escola.

A situao se repetia tambm na esfera do desenvolvimento do trabalho

pedaggico, ficando exclusivamente sob a responsabilidade de cada professor, com

ausncia de momentos para as trocas de experincias entre os demais docentes.

O material didtico-pedaggico era sempre escasso, cabendo ao professor

adquirir e/ou elaborar seu prprio material, caso quisesse desenvolver um trabalho

mais alinhado s necessidades de seus alunos. Ressalta-se tambm que pelo fato de

os alunos com deficincia trazerem consigo o estigma do seu problema, na maioria

das vezes, advindo de um universo que no lhes proporcionava interesse pelos

estudos, a escola e seu professor tornavam-se ncora e referncia para suas vidas.

3 Nos anos da dcada de 1980, denominado ensino de 1. grau.

21

Os espaos fsicos destinados ao funcionamento das mencionadas classes

especiais, via de regra eram localizados em ambientes mais isolados da escola.

Destaca-se ainda, que as atividades pedaggicas, como, por exemplo, as reunies de

pais e mestres eram realizadas somente pelo professor regente da classe com os pais

dos alunos, sem contar com a presena da diretora da Unidade Escolar ou de um

preposto, e efetivadas especificamente no ambiente da sala de aula.

Tais constataes provocaram-me inquietaes, pois percebia que no

estavam circunscritas a uma nica escola ou cidade do Vale do Ribeira, local que

oferecia a modalidade de ensino educao especial (classes especiais).

Observaes in loco e assistemticas sinalizavam que a indiferena por parte dos

diretores, funcionrios, demais professores e alunos, enfim, das comunidades

escolares, dificultavam uma relao integradora, embora aquelas classes, aqueles

alunos fossem parte do quadro discente da escola.

Considerando os debates travados ao final do sculo passado e incio deste,

por conta da inadequao dos processos educacionais e de gesto no atendimento

s crianas nominadas deficientes, recorre-se a importantes autores em busca de

aportes que tratam a questo da incluso em dimenso mais alargada, como:

Stainback,S.,Stainback,W.(1999,2008);Mazzotta (2005,1993); Mantoan (2006,2009);

Baptista;Jesus (2009); Jannuzzi (2012); Lopes,Fabris (2013),entre outros. Apontam

que incluir no significa meramente atender deficientes ou somente acolh-los

piedosamente nas escolas, mas sim, criar oportunidades para que todos os alunos

desenvolvam juntos com a comunidade escolar seus saberes, suas qualidades, suas

competncias e suas habilidades de modo a que sejam partcipes da sociedade

efetiva e significativamente.

Dessa forma, imprescindvel se faz que a sociedade como um todo, incluindo

o poder pblico, escolas e instituies incorporem a essncia do processo de

incluso. Tal postura pressupe o estar atento a que a incluso se efetive no s no

plano do discurso, mas que seja, de fato, um processo. Para tanto, Stainback,S. e

Stainback,W. alertam que:

22

A incluso genuna no significa a insero de alunos com deficincia em classes do ensino regular sem apoio para professores ou alunos. Em outras palavras, o principal objetivo do ensino inclusivo no economizar dinheiro: servir adequadamente a todos os alunos. As pessoas com deficincia necessitam de instrues, de instrumentos, de tcnicas e de equipamentos especializados. Todo esse apoio para alunos e professores deve ser integrado e associado a uma reestruturao das escolas e classes. (STAINBACK, S.; STAINBACK, W. 2008, p.30).

Da a importncia pela adoo de um olhar mais acuidado por parte dos

profissionais da rea da educao especial, de modo a que estejam o mais prximo

possvel dos alunos e atentos s suas necessidades, como por exemplo verificando

aqueles que carecem do servio de apoio pedaggico e acompanhando-os

incisivamente no processo de incluso.

Embora seja possvel constatar avanos no que concerne aos programas

educacionais voltados para a educao especial/processo de incluso, h de se

notar que muito ainda preciso fazer nas questes ligadas educabilidade,

acessibilidade e prpria desmistificao do estigma que, ainda hoje, sofre a

populao de pessoas com deficincia.

A partir do simpsio Intelectual Disabilit - Programs Policies and Planning for

the future (Deficincia Intelectual: Programas, Polticas e Planejamento para o futuro)

ocorrido em 1995, na cidade de Nova York, foi aprovada, por unanimidade, uma

resoluo que substituiu a expresso deficincia mental por deficincia

intelectual, assim como na Confederao Espanhola para Pessoas com Deficincia

Mental, realizada em 2002, passando a denominar-se Confederao Espanhola para

Pessoas com Deficincia Intelectual.

No incio do sculo XXI evidencia-se acentuada sensibilizao social no que

tange abrangncia das questes afetas deficincia Intelectual, com a Declarao

de Montreal, aprovada em 6 de outubro de 2004, promulgada pela Organizao

Mundial de Sade (OMS, 2004) em conjunto com a Organizao Pan-Americana da

Sade (OPAS). A partir de ento, a expresso deficincia mental (DM) substituda

por deficincia intelectual (DI), o que significa colocar os deficientes fora do quadro

de patologia normalmente associada ao termo deficincia mental. (doena mental).

No entanto, a mudana da nomenclatura no proporcionou mudanas

significativas no cotidiano pedaggico dos alunos inseridos no processo educacional.

23

Ao se considerar os avanos e os impasses na construo da escola de todos e

para todos cabe refletir se apenas os novos formatos de atendimento aos alunos

com deficincia ou alteraes na nomenclatura, como preconizados, so suficientes

para a oferta de um ensino de qualidade.

Ao aprofundar nossos estudos, sobretudo tendo como base os objetivos da

oferta de um ensino de qualidade de modo a que todos sejam contemplados de forma

integral pelo processo ensino- aprendizagem, detectou-se que a Secretaria de Estado

da Educao SP, no ano de 2006, implantou em 508 escolas de ensino fundamental

o projeto Escola de Tempo Integral- ETI,4 que trazia em seu bojo uma proposta

arrojada considerando a necessidade do aprimoramento de um modelo pedaggico

que envolvesse um repensar sobre o real papel da instituio escola.

Tal modelo educacional teve por referncia ao que foi desenvolvido pelo

educador Ansio Teixeira, demonstrando suas preocupaes com as questes

educacionais no Brasil e, quando Secretrio da Educao e Cultura do Estado da

Bahia, uma vez que realizou experincias educacionais inovadoras, como o Centro

de Educao Popular, que mais tarde recebeu o nome de Centro Educacional

Carneiro Ribeiro Escola Parque, inaugurada em 21 de setembro de 1950. A escola

funcionava em dois perodos conjugados, de forma que ao aluno era oferecido no

s o ensino formal, mas uma educao social integral criana e/ou ao jovem, a

permitir uma infncia e juventude com mais dignidade e respeito. (ALMEIDA, 2007).

No ano de 2012, seguindo o modelo implantado no Ginsio de Pernambuco,

em 2004, a Secretaria de Estado da Educao de So Paulo trouxe para a Rede

Pblica Estadual, o Programa Ensino Integral atendendo inicialmente dezesseis

(16) escolas de Ensino Mdio.

Tanto a proposta da Escola de Tempo Integral (ETI), quanto o Programa

Ensino Integral, consideram a permanncia dos alunos na escola, por um perodo

de nove horas e meia, oferecendo uma formao global. Observa-se porm, alguns

pontos divergentes relativos aos aspectos pedaggicos e s diretrizes educacionais

4 ETI- Sigla utilizada para identificar as Escolas de Tempo Integral implantadas na Rede Pblica Estadual do Estado de So Paulo, no ano de 2006, diferente do Novo Programa de Ensino Integral implantado na Rede Pblica Estadual do Estado de So Paulo, em dezembro de 2012. Fonte: SO PAULO. Secretaria da Educao do Estado de So Paulo. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas. Escola de Tempo Integral Construo de uma Proposta Ciclos I e II, So Paulo, 2007.

24

entre as propostas da Escola de Tempo Integral (ETI) e o Programa Ensino

Integral, assuntos tratados e aprofundados nos Captulos II e III do presente estudo.

Enquanto professora de Educao Especial (DI) e, posteriormente, como

diretora de escola vivenciei a implantao dos novos programas e projetos propostos

pela Secretaria de Estado. Mais especificamente, foram enfrentados desafios por

uma escola que em 2014 funcionou como escola regular e, em 2015, passou a

funcionar como Escola de Ensino Integral com o objetivo de oferecer uma educao

de qualidade demanda local, alunos oriundos do Programa Serra do Mar5, de um

Municpio da Baixada Santista; migrantes uma vez que moravam em casas

localizadas em reas de risco.

Buscando desenvolver um trabalho investigativo luz das contribuies de

tericos e importantes especialistas na temtica em questo, complementado por

dados obtidos pela pesquisa de campo, com o intuito de obter respostas frente s

reais condies de ensino - aprendizagem vivenciadas pelos alunos com distrbios,

transtornos globais do desenvolvimento e outras deficincias, a partir do novo

formato de escola integral - Programa Ensino Integral- implantado pela Secretaria

de Estado da Educao, em 2012, objeto deste estudo que me proponho a

aprofundar e a discutir questes pertinentes a tal esfera.

Isto posto, o foco desta pesquisa consiste em um estudo investigativo sobre o

impacto da implantao do Programa Ensino Integral e decorrncias no processo

ensino- aprendizagem dos alunos da educao especial, em duas escolas da rede

pblica estadual localizadas em um municpio da Baixada Santista, sendo uma escola

codificada por J que, em 2015, passou pelo processo de transio para funcionar

em regime de ensino integral, e outra escola codificada por A, receptora da demanda

egressa da escola J.

5 PROGRAMA SERRA DO MAR. Projeto voltado a promover a proteo, a conservao e a recuperao socioambiental da Serra do Mar e do mosaico de unidades de conservao marinhas em So Paulo. Este projeto relaciona-se Diretoria Executiva da Fundao Florestal e suas Diretorias de Operaes GCA Serra do Mar, GCA Vale do Ribeira, Diretoria de Assistncia Tcnica, Ncleo de reas de Proteo Ambiental Marinhas, e a Policia Militar Ambiental (Secretaria de Segurana Pblica), sendo que as metas foram definidas pelas respectivas instncias gerenciais e gestores das unidades contempladas. (SO PAULO. Governo do Estado de So Paulo. Secretaria do Meio Ambiente, Fundao Florestal. Programa Serra do Mar. Disponvel em:fflorestal.sp.gov.br/projetos-e-parcerias-internacionais/serra-do-marbid/ Acesso em: 29 ago.2016.

25

Considerando a proposta pedaggica Programa Ensino Integral - da

Secretaria Estadual de Educao de So Paulo, a qual encontra - se centrada na

orientao de que os alunos necessitam compreender as exigncias da sociedade

contempornea mediante a aquisio de conhecimentos, competncias e habilidades

especficas, sobretudo, na terminalidade da educao bsica, o presente estudo tem

como pergunta central:

Quais aspectos decorrentes do impacto dos processos de transio e de

implantao do Programa Ensino Integral foram experienciados por duas escolas da

Baixada Santista nas prticas educativas e na trajetria cotidiana dos alunos com

deficincia?

Tem - se assim, como objetivos:

Identificar elementos que tipificam a efetividade e a no efetividade da

implantao do Programa Ensino Integral, incluindo o acompanhamento na

prtica educativa dos alunos com deficincia intelectual (DI).

Averiguar sob quais condies os alunos com deficincia intelectual

desenvolvem suas habilidades e competncias, tendo assegurados o acesso,

a permanncia e a terminalidade a uma educao bsica de qualidade, a partir

da viabilizao do Programa Ensino Integral.

Caracterizar elementos que permitam relacionar a permanncia do aluno com

deficincia no Programa Ensino Integral e a necessidade do apoio

especializado, no contraturno.

Investigar o grau de exequibilidade do processo ensino - aprendizagem do

aluno com deficincia matriculado em sala de ensino regular, sem o

acompanhamento especializado.

Destacar aspectos terico-prticos relacionados formao do docente que

permitem garantir atendimento de qualidade ao aluno com deficincia, dada a

necessidade de apoio especializado tendo como base o Programa Ensino

Integral.

Identificar elementos que proporcionem ambincia voltada ateno

acolhedora, humana e resolutiva no cotidiano dos alunos com deficincia

intelectual, assim como no cotidiano dos docentes, a partir da implantao do

Programa Ensino Integral.

26

A pesquisa circunscreveu-se em duas escolas da rede pblica estadual de

So Paulo, aqui codificadas por escola J e escola A, ambas localizadas em um

municpio da Baixada Santista. A escola J, desde 1995, presta atendimento

demanda do ensino regular, fundamental I e II e educao inclusiva de alunos com

Deficincia Auditiva (DA) e Deficincia Intelectual (DI), considerada referncia no

municpio, sobretudo, no atendimento a alunos com deficincia. A escola no perodo

2014/2015 passou pela transio do processo de implantao do Programa Ensino

Integral. Esta escola no perodo indicado oferecia duas salas de recurso (DA),

atendendo um total de vinte e um alunos (21 alunos) e duas salas de recurso (DI),

acolhendo vinte e oito alunos (28 alunos), perfazendo um total de quarenta e nove

alunos (49 alunos), da educao especial.

Em virtude da implantao do Programa Ensino Integral na escola J, a

escola A por ser a escola mais prxima e por determinao da Secretaria de

Educao, embora sem estrutura, foi escolhida para receber os alunos das salas de

recurso, transferidos compulsoriamente, pois no poderiam ser atendidos pelo

Programa de Ensino Integral. Parte dos alunos de incluso, cujos pais no aceitaram

a transferncia, permaneceu na escola J recebendo atendimento pedaggico

itinerante pelos professores especializados, fato ocorrido no incio do ano letivo de

2015, (fevereiro a abril). Posteriormente a esse perodo, em funo das atividades

inerentes ao Novo Programa, os professores especializados sentiram-se excludos,

sem oportunidade de desenvolverem seu trabalho junto aos alunos pblico - alvo da

educao especial.

Nesse processo de transferncia, parte do corpo docente incluindo os quatro

professores especialistas que atuavam nas salas de recurso, e a diretora da escola

J foram removidos ex-ofcio6 para a escola A, bem como os alunos de incluso.

Assim, a escola J e a escola A tiveram o seu funcionamento alterado em virtude da

implantao imediata, sem a devida preocupao com a demanda pblico-alvo da

educao especial. nesse cenrio de mudanas decorrente da implantao do novo

programa que se busca investigar a educao inclusiva.

6 Ex-ofcio - expresso utilizada para determinar uma atitude a ser cumprida por obrigao e regimento, por dever do cargo. Diz-se do ato oficial que se realiza sem provocao das partes. FERREIRA, Buarque de Holanda Aurlio. Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa. 15.impr. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1988, p.598.

27

A presente investigao de enfoque qualitativo foi desenvolvida por meio de

entrevistas semiestruturadas junto aos professores, coordenadores pedaggicos,

diretores e supervisores de ensino relacionados com as duas escolas pesquisadas.

Complementou-se esse estudo recorrendo reviso bibliogrfica de produes

nacionais, com base nas ltimas quatro dcadas e ao levantamento e anlise da

legislao pertinente das esferas federal e estadual.

Sendo assim, a composio estrutural do estudo em questo, apresenta-se

em quatro captulos.

O primeiro captulo apresenta um panorama histrico-poltico sobre a

Educao Especial no perodo de 1990 a 2015, considerando o contexto nacional e,

especificamente, o Estado de So Paulo. Discute-se tambm a educao especial,

suas perspectivas e aspectos relativos formao docente.

O segundo captulo traz uma discusso sobre o ensino integral, a implantao

do novo programa de escola de ensino integral, no Estado de So Paulo, seus

fundamentos legais e o modelo pedaggico-organizacional proposto.

O terceiro captulo segue apresentando o Programa Ensino Integral e a viso

do processo inclusivo, bem como, a implantao do programa no Municpio,

especificamente, nas escolas pesquisadas.

O quarto captulo destina-se a apresentar o desenvolvimento da pesquisa que

se fundamenta na discusso sobre o impacto da implantao da Escola de Ensino

Integral e seus desdobramentos para os alunos pblico-alvo da educao especial.

Complementa-se com a apresentao e a anlise das entrevistas com os sujeitos de

pesquisa - uma supervisora, duas gestoras, uma professora coordenadora geral e

quatro professoras especialistas da escola investigada.

Nas consideraes finais retomam-se a questo central, os objetivos, no

sentido de refletir e dimensionar as questes implicadas a partir do impacto da

implantao do novo modelo educacional, as prticas escolares tanto para os alunos

com deficincia, quanto para os professores, peculiarmente inseridos nesse contexto.

28

1. A EDUCAO ESPECIAL: UMA DISCUSSO NECESSRIA

No presente captulo apresentamos uma discusso sobre a educao especial,

considerando-a em suas diferentes perspectivas; o panorama histrico-poltico no

Brasil face ao contexto nacional; a educao especial no Estado de So Paulo, bem

como a formao docente e a educao inclusiva, a luz de enfoques teoricos.

1.1 Educao Especial: diferentes perspectivas

O termo incluso desloca-se para alm de concepes restritivas, ou seja,

alunos normais versus alunos com deficincias, uma vez que o sentido de incluir

amplo e democrtico. Vivemos em uma sociedade que defende tratamento igual para

todos e isso se aplica igualmente para os alunos normais e para os alunos com

deficincias.

Para uma compreenso mais abrangente do significado e uso do termo

incluso torna-se importante conhecer os mecanismos de normao (tpico de uma

sociedade disciplinar) e de normalizao (tpico de uma sociedade denominada por

alguns, como de seguridade e, por outros, de controle ou ainda, de normalizao),

uma vez que ambos pressupem prticas que determinam a natureza da incluso

na realidade contempornea, segundo Lopes; Fabris (2013).

Direcionando a ateno ao vocbulo Incluso, verifica-se que a palavra tem

sua origem no verbo incluir (do latim includere) e, etimologicamente significa conter

em, compreender, fazer parte de, ou participar de. Assim, falar em incluso escolar

falar do educando que est contido na escola, ao participar daquilo que o sistema

educacional oferece, contribuindo com seu potencial para os projetos e programaes

da instituio.7

Diante dessa viso inclusivista, Ropoli (2010) afirma que:

Ambientes escolares inclusivos so fundamentados em uma concepo de identidade e diferenas, em que as relaes entre ambas no se ordenam em torno de oposies binrias

7 Por incluso entenda-se: Estar includo ou compreendido; fazer parte; figurar entre outros; pertencer juntamente com outros. FERREIRA, A. B. Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa. 15. impr. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p.753.

29

(normal/especial, branco/negro, masculino/feminino, pobre/rico). Neles no se elege uma identidade como norma privilegiada em

relao s demais. Em ambientes escolares excludentes, a identidade normal tida sempre como natural, generalizada e positiva em relao s demais, e sua definio provm do processo pelo qual o poder se manifesta na escola, elegendo uma identidade especfica atravs da qual as outras identidades so avaliadas e hierarquizadas. (ROPOLI; MANTOAN; et al., 2010, p. 7).

Ainda que os processos de mudana, no obstante, possam trazer

melhorias,via de regra, acarretam discusses, reflexes e preocupaes para aqueles

que nele esto envolvidos. Dessa forma, as diferentes perspectivas da educao

especial (considerando-se tambm o processo de incluso) poca de sua

implantao tambm trouxeram para aqueles que dele participaram grandes

questionamentos e inquietaes.

O processo de incluso que constitui uma realidade em nosso sistema

educacional, ainda hoje, fomenta inmeras discusses, sobretudo pautadas na

relao integrao e incluso, uma vez que os termos integrar e incluir contemplam

peculiares diferenas.

Assim, [...] Integrar significa: tornar inteiro; completar; integralizar; fazer

parte; juntar, tornar-se parte integrante; incorporar-se. E, por sua vez, [...] Incluir

significa: compreender; abranger; conter-se em si; inserir; introduzir; estar includo ou

compreendido; fazer parte; inserir-se. (FERREIRA, 1988, p.753).

Inicialmente, cabe ento, refletir em torno do uso das palavras integrao e

incluso que ainda hoje criam polmicas, pois embora tenham significados

semelhantes, so empregadas para expressar fenmenos diferenciados, conforme

elucida Mantoan (2006):

O uso da palavra integrao refere-se mais especificamente a insero de alunos com deficincia nas escolas comuns, mas seu emprego d-se tambm para designar alguns agrupamentos em escolas especiais para pessoas com deficincia, ou mesmo em classes especiais, grupos de lazer ou residncias para deficientes. (MANTOAN, 2006, p.18).

importante comparar as conceituaes entre Mantoan (2006) e Rech (2010)

que, em pesquisa realizada durante o primeiro mandato do governo de Fernando

Henrique Cardoso (FHC) (1995-1998) define integrao como sendo o termo para

30

caracterizar as iniciativas de inserir nas escolas regulares aqueles alunos que no as

frequentavam. Entretanto, somente no perodo do seu 2 mandato (1999-2002), o

termo incluso emerge no cenrio poltico-educacional, passando a ganhar

expresso. (LOPES; FABRIS, 2013).

Pela integrao escolar o aluno desfruta de um leque de possibilidades

educacionais que vai da insero s salas de aula do ensino regular ao ensino em

escolas especiais. Tal movimento ocorre em uma estrutura que permite ao aluno

transitar no sistema escolar das classes regulares ao ensino especial em todos os

tipos de atendimento, conforme descrito, a seguir, por Mazzotta (1982):

Escola Especial ou de Educao Especial aquela organizada para atender exclusivamente alunos classificados como excepcionais; Salas de Recurso, uma modalidade classificada como auxlio especial. Como o prprio nome diz, consiste em uma sala da escola, provida com materiais e equipamentos especiais, na qual um professor especializado, sediado na escola, auxilia os alunos excepcionais naqueles aspectos especficos em que precisam de ajuda para se manter na classe comum; Ensino Itinerante uma modalidade de recursos considerada como auxlio especial que se caracteriza pela prestao de servios por um professor especializado, a alunos excepcionais que se encontram matriculados, de acordo com sua idade, srie e grau, em escolas pblicas comuns de sua comunidade; Ensino Hospitalar e Domiciliar constituem tipos de recursos educacionais especiais desenvolvidos por professores especializados. Tais tipos de servios so prestados a crianas e jovens que devido a condies incapacitantes temporrias ou permanentes, esto impossibilitados de se locomover at uma escola, devendo permanecer em hospital ou em seu domiclio, onde recebem o atendimento do professor especializado. Em hospitais, dependendo do nmero de alunos, bem como de sua condio pessoal, muitas vezes podem ser organizadas classes, que so conhecidas como classes hospitalares. (MAZZOTTA, 1982, p. 46, 48, 49 e 50).

Apesar de o Plano Nacional de Educao PNE, em vigor (2014-2024),

ratificar por meio de suas diretrizes as propostas contidas nos planos anteriores,

estudos demonstram que mesmo mediante significativos esforos desencadeados em

direo ao cumprimento das proposies estabelecidas, tanto na esfera das polticas

pblicas quanto no mbito dos profissionais e de segmentos ligados educao,

defronta-se ainda, dificuldades relacionadas ao atendimento dos alunos que

apresentam problemas de aprendizagem ou aqueles que apresentam distrbios,

transtornos ou mesmo alguma deficincia.

31

A educao especial enquanto processo que visa promover o

desenvolvimento das potencialidades de crianas e jovens com deficincias, condutas

tpicas8 ou de altas habilidades9 abrange diferentes nveis de ensino e graus de

deficincias, os quais so relacionados a seguir:

[...] Leve As pessoas com esse nvel de deficincia podem desenvolver habilidades escolares e profissionais. Chegando, inclusive a prover a sua manuteno, muito embora necessitem, algumas vezes, de ajuda e orientao em situaes sociais diferentes daquelas a que esto acostumados; Moderado O indivduo com deficincia mental moderada tem capacidade insuficiente de desenvolvimento social. Mas poder manter-se economicamente atravs de programas supervisionados de trabalho. Severo As pessoas portadoras de deficincia mental de nvel severo apresentam pouco desenvolvimento motor e mnimo desenvolvimento de linguagem. Podero contribuir apenas parcialmente para sua subsistncia, em ambientes controlados. Profundo As pessoas com deficincia nesse nvel tm um retardo intenso e a capacidade sensorial motora mnima. Mesmo, com suas dificuldades h possibilidades de adquirirem hbitos de Cuidados pessoais, atravs de programas de "condicionamento Operante". (PARAN. Ministrio Pblico do Estado do Paran. CAOP IPD rea da Pessoa com Deficincia, Diferentes, Deficincias e seus conceitos. CAOP IPD,1997).10

As dificuldades anteriormente elencadas relacionam-se a uma srie de

fatores, principalmente ao econmico que, de forma geral, impede os familiares,

sobretudo, os de nvel econmico mais baixo a persistirem no encaminhamento do

deficiente aos rgos competentes para obteno do auxlio necessrio. Outro fator

o arraigamento ao passado, isto , parte-se da premissa de que se nasceu incapaz

mental, auditivo, visual ou fsico, no h o que se fazer. Outra varivel o repdio

8 Condutas tpicas - Manifestaes comportamentais tpicas de portadores de sndromes e quadros psicolgicos, neurolgicos ou psiquitricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuzo no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado. Conceito utilizado conforme BRASIL. MEC/SEESP.Secretaria de Educao Especial. Poltica Nacional de Educao Especial. Braslia: MEC,1994, p.13-14. [Livro 1]. 9 Altas habilidades So pessoas que se caracterizam pelo alto desempenho e/ou elevada potencialidade em qualquer dos aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral, aptido acadmica especfica, pensamento criativo e/ou produtivo, capacidade de liderana, talento especial para as artes, capacidade psicomotora. Conceito utilizado segundo BRASIL. MEC /SEESP Secretaria de Educao Especial. Poltica Nacional de Educao Especial. Braslia: MEC,1994, p.13. [Livro 1]. 10 Para informaes complementares: CAOP rea da Pessoa com Deficincia Diferentes Deficincias e seus conceitos. Disponvel em: www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/.../diferentes_deficiencias_e_seus_conceitos.pdf

32

condio de deficiente, mesmo aquele oriundo de famlia com certa ou total condio

econmica, podendo ser aceito ou no e, se segregado, rotulado como um ser no

socivel. Tal comportamento familiar contribui fortemente para a regresso do

deficiente enquanto ser humano que, sem dvida, carrega consigo habilidades e

potencialidades a serem trabalhadas.

Evidentemente que o grau de deficincia (leve, moderado, severo ou

profundo) constitui-se em determinante a interferir no desempenho das atividades de

um deficiente que, semelhana de qualquer indivduo, se estimulado, ir produzir e

corresponder, de alguma forma, para si e para a sociedade.

Stainback, S.; Stainback W. (1999) afirmam que o termo incluso teve sua

origem na expresso inglesa full inclusion. Para os autores, a incluso traz consigo

um novo paradigma sustentado no princpio da educao para todos. Parte-se do

pressuposto de que todos devam ter acesso ao processo inclusivo, desde o incio,

educao e vida social. (STAINBACK, S.; STAINBACK, W.,1999 apud LOPES;

FABRIS, 2013, p. 68-69).

Consideram-se, a seguir, contribuies de autores/ pesquisadores que tratam

a temtica integrao/incluso no sentido de ampliar a viso dessa problemtica luz

de diferentes perspectivas. Intenta-se assim, compreender mais profundamente

questes tanto de ordem interpretativa dos termos quanto a sua aplicabilidade, ou

seja, dimensionar as formas de atendimento oferecidas aos alunos, ressaltando no

se tratar apenas de alunos com deficincia, mas a todos os alunos inseridos no

contexto educacional.

E ainda, conforme Mantoan (2006),

[...] A incluso questiona no somente as polticas e a organizao da educao especial e da regular, mas tambm o prprio conceito de integrao. Ela incompatvel com a integrao, j que prev a insero escolar de forma radical, completa e sistemtica. Todos os alunos, sem exceo, devem frequentar as salas de aula do ensino regular. (MANTOAN, 2006, p.19).

Em consonncia ao que afirma Mantoan (2006) tem-se nas palavras de

Santos que:

33

Nem todas as diferenas necessariamente inferiorizam as pessoas. H diferenas e h igualdades nem tudo deve ser igual, assim como nem tudo deve ser diferente. preciso que tenhamos o direito de sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza e o direito de sermos iguais quando a diferena nos inferioriza. (SANTOS,1995 apud MANTOAN, 2006, p. 25).

Sob essa tica, Ainscow (2005)11 conforme entrevista concedida no Centro de

Referncia em Educao Mario Covas (CRE), intitulada Processo de Incluso um

processo de aprendizado, enfatiza que a incluso pressupe a transformao do

sistema educacional, de forma a encontrar meios de alcanar nveis que no estavam

sendo contemplados. Ainda nesta mesma entrevista, completa Ainscow (2005) que

a incluso deve ser efetivada em trs nveis:

[...] O primeiro a presena, o que significa estar na escola. Mas no suficiente o aluno estar na escola, ele precisa participar. O segundo, portanto, a participao. O aluno pode estar presente, mas no necessariamente participando. preciso, ento dar condies para que o aluno realmente participe das atividades escolares; O terceiro a aquisio de conhecimento o aluno pode estar presente na escola, participando e no estar aprendendo. Portanto, incluso significa o aluno estar na escola, participando, aprendendo e desenvolvendo suas potencialidades. (AINSCOW, 2005).

A incluso pressupe para sua efetivao, a condio de que o processo

educacional seja concebido com base em uma viso humanista, democrtica e

amorosa; no como prtica de piedade, mas sim, de modo a considerar o aluno em

sua singularidade, e a ele, reservado o direito ao pleno desenvolvimento de suas

potencialidades.

Na concepo de Mantoan (2006), No adianta, contudo, admitir o acesso

de todos s escolas sem garantir o prosseguimento da escolaridade at o nvel que

cada aluno for capaz de atingir. (MANTOAN, 2006, p. 39). Prossegue ainda, a autora

afirmando que:

[...] A incluso deriva de sistemas educativos que no so recortados

nas modalidades regular e especial, pois ambas se destinam a receber alunos aos quais impomos uma identidade, uma capacidade de

11 Mel Ainscow, professor da Faculdade de Educao da Universidade de Manchester, Inglaterra, especialista em necessidades educacionais especiais, em entrevista concedida no Centro de Referncia em Educao Mario Covas (CRE). Disponvel em: www.crmariocovas.sp.gov.br/ees_a.php?t=002. Acesso em: 23 mar. 2015.

http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ees_a.php?t=002

34

aprender, de acordo com suas caractersticas pessoais. (MANTOAN, 2006, p. 39).

Tomando por base as ponderaes anteriormente assinaladas sobre o

processo inclusivo, torna-se significativo considerar a importncia pela superao dos

obstculos, tanto no que diz respeito aquisio do conhecimento pelo aluno, quanto

organizao da escola no que se refere s adequaes que se fazem necessrias

para receber esse alunado - desde as adaptaes arquitetnicas, at a adaptao

curricular e, principalmente, as barreiras criadas pelas prprias pessoas

(preconceitos), por vezes, dimensionados como intransponveis.

Embora a legislao tenha aberto caminhos para o desenvolvimento da

prtica inclusiva, no significa, por si s, seguridade do seu sucesso e implantao.

preciso que as escolas, o poder pblico e a sociedade estejam mobilizados para

trabalhar com a diversidade, o que requer por parte de todos os envolvidos e

compromissados com o ambiente escolar: aceitao, envolvimento,

comprometimento, plena articulao de toda a equipe escolar e engajamento entre

escola e famlia.

A incluso escolar prevista na Constituio da Repblica Federativa do Brasil

de 1988, em seus artigos 205, 206 e 208, estabelece que:

Artigo 205. A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho. [...]. Artigo 206. Inciso I reza que o ensino ser ministrado com base nos princpios de igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola. [...]. Artigo 208. Inciso III trata sobre o atendimento especializado, preferencialmente na rede regular de ensino. (BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil, 1988).

Da mesma forma, a Lei 8069/90 denominada Estatuto da Criana e do

Adolescente (ECA), em seu artigo 53 assegura a todos o direito igualdade de

condies para o acesso e permanncia na escola e atendimento educacional

especializado, preferencialmente na Rede Regular de Ensino.

A Lei 9394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional em seu

captulo V, art. 58 dispe: Entende-se por educao, para os efeitos desta Lei, a

35

modalidade de educao escolar, oferecida preferencialmente na Rede Regular de

Ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.

Complementa-se com a legislao estadual Constituio do Estado de So

Paulo , que estabelece em seu artigo 239:

[...] O Poder Pblico organizar o Sistema Estadual de Ensino, abrangendo todos os nveis e modalidades, incluindo a especial, estabelecendo normas gerais de funcionamento para as Escolas Pblicas estaduais e municipais, bem como para as Escolas particulares. (SO PAULO (Estado). Constituio do Estado de So Paulo, 2006, p.167).

Mesmo sendo a incluso social um tema amplamente discutido por vrios

autores h dcadas, a literatura ainda, aponta a existncia de estreitas ligaes com

suas razes histricas do passado. Da porque, faz-se necessrio que autores

busquem analisar e conhecer mais profundamente essa temtica, sobretudo,

pesquisando de forma substancial o significado e o papel do processo de incluso

no mundo contemporneo.

Trazendo o tema para uma abordagem poltica e educacional, mais

particularmente, para o mbito escolar nota-se preocupao em envolver alunos com

deficincia no contexto dos normais. Entretanto, incluso em seu sentido mais

ampliado demanda a adoo de posturas que vo alm do estar junto.

A mudana de perspectiva da integrao para a incluso no significa uma

questo puramente semntica ou filolgica, embora as terminologias possam, por

vezes, ser utilizadas como sinnimos; ressalta-se que entre os termos h significativas

diferenas de valores e prticas.

A concepo de integrao pressupe que o aluno deva adaptar-se escola

e no necessariamente a escola adotar mudanas no sentido de atender cada vez

mais a sua diversidade. Por outro lado, o processo de incluso, centra-se no

oferecimento ao aluno com deficincia ou no por uma educao de qualidade e

igualitria, de modo que todos os envolvidos - gestores, funcionrios, professores,

alunos e, principalmente, a comunidade escolar - faam parte do projeto educacional

sem o estabelecimento de distino.

36

Ao final da dcada de 1960 e, mais precisamente nos anos de 1970, as

reformas educacionais incorporaram a rea da educao especial, com destaque para

os processos de normalizao e de integrao social.

O movimento pela integrao social surgiu com base na necessidade da

insero das pessoas com deficincia nos sistemas sociais gerais como: educao,

trabalho, famlia e lazer, impulsionado pelos discursos referenciados no princpio da

normalizao. Assim que:

[...] tinha como pressuposto bsico a ideia de que toda pessoa portadora de deficincia, especialmente aquela portadora de deficincia mental tem o direito de experienciar um estilo ou padro de vida que seria comum ou normal, sua prpria cultura. (MENDES, 1994 apud SASSAKI, 1997, p. 31).

A ideia inicial foi, ento, a de normalizar estilos ou padres de vida; no entanto,

tal aspecto foi distorcido para a noo de tornar normais as pessoas deficientes.

(JNSSON, 1994, p.67).

A viso de normalizao parte da concepo do que se entende por normal

e anormal, considerando dados a partir das diferentes curvas de normalidade, para

ento, se determinar a norma. Significa dizer que a existncia de uma legislao que

respalda o desempenho das polticas pblicas quando relacionadas a uma educao

de qualidade para todos, imprescindvel. Porm fatores externos e internos, como

alguns j mencionados anteriormente, dificultam, por vezes, o pleno cumprimento da

legislao e impedindo o desenvolvimento do trabalho e a plena integrao social dos

alunos.

Outra discusso importante sobre integrao e incluso social, destaca-se na

afirmao de Sassaki (1997), a integrao social tem consistido no esforo de inserir

na sociedade pessoas com deficincia que alcanaram um nvel de competncia

compatvel com os padres sociais vigentes. (SASSAKI, 1997, p. 34).

Sendo assim, complementam Laplane e Ges (2013):

[...] a possibilidade de integrao, portanto, depende de uma contenda que defina as tomadas de deciso sobre as questes que afetam a vida de toda a sociedade e, em ltima instncia, dos interesses polticos e econmicos que prevalecem nessas decises. (LAPLANE; GES, 2013, p.14).

37

Tendo em vista o contexto de mudanas de enfoque e de paradigmas, no que

diz respeito ao processo histrico-conceitual da educao especial, no Brasil, faz-se

necessrio recorrer a autores que elucidam o tema e contribuem com significativas

reflexes e diferentes abordagens, a exemplo de Mittler (2003); Sassaki (1997,2003);

Rodrigues (2006); Lopes,Fabris (2013), entre outros.

Mittler (2003) apresenta a incluso como sendo um processo que envolve

nova perspectiva em relao questo da normalidade, assim:

Esse conceito de incluso envolve um repensar radical da poltica e da prtica e reflete um jeito de pensar fundamentalmente diferente sobre as origens da aprendizagem e as dificuldades de comportamento. Em termos formais estamos falando sobre uma mudana da ideia de defeito para um modelo social. Por muitos anos, os referidos modelos tm sido amplamente discutidos por escritores e ativistas no campo da deficincia de adultos, mas raras vezes tm sido aplicados de modo direto educao, apesar da proximidade e das similaridades dos dois campos. (MITTLER, 2003, p.25).

Sassaki (1997) conceitua a incluso social como sendo um processo pelo qual

a sociedade se adapta para poder incluir seus sistemas sociais gerais, pessoas com

necessidades especiais e, simultaneamente estas preparam-se para assumir seus

papis na sociedade. A incluso social constitui, ento, um processo bilateral no qual

as pessoas, ainda excludas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar

problemas, decidir sobre solues e efetivar a equiparao de oportunidades para

todos. (SASSAKI, 1997).

Ainda, segundo Sassaki (1997) tem-se a afirmao de que,

[...] uma sociedade inclusiva vai bem alm de garantir apenas espaos adequados para todos. Ela fortalece as atitudes de aceitao das diferenas individuais e de valorizao da diversidade humana e enfatiza a importncia do pertencer, da convivncia, da cooperao e da contribuio que todas as pessoas podem dar para construrem vidas comunitrias mais justas, mais saudveis e mais satisfatrias. (SASSAKI, 1997, p.164-165).

De forma mais contundente, Torga citado em Rodrigues (2006) leva-nos a

refletir sobre o conceito de incluso, afirmando que:

O conceito de incluso no mbito especfico da educao implica, antes de mais, rejeitar, por princpio, a excluso (presencial ou

38

acadmica) de qualquer aluno da comunidade escolar. Para isso, a escola que pretende seguir uma poltica de educao inclusiva (EI) desenvolve polticas, culturas e prticas que valorizam a contribuio ativa de cada aluno para a formao de um conhecimento construdo e partilhado e, desta forma, atinge a qualidade acadmica e sociocultural sem discriminao. (TORGA,1948 apud RODRIGUES, 2006, p. 301-302).

Mesmo diante de algumas divergncias de ordem conceitual entre autores

constata-se como um dos pontos de convergncia de que o conceito de incluso

encontra-se voltado para a formao do sujeito em sua totalidade, o que tambm se

verifica em Glat (2007), ao tratar do significado da educao inclusiva. Afirma a

referida autora que:

A educao inclusiva significa um novo modelo de escola em que

possvel o acesso e a permanncia de todos os alunos e onde os mecanismos de seleo e discriminao, at ento utilizados, so substitudos por procedimentos de identificao e remoo das barreiras para a aprendizagem. Para tornar-se inclusiva a escola precisa formar seus profissionais e equipe de gesto, e rever as formas de interao vigentes entre todos os segmentos que a compe e que nela interferem. Precisa realimentar sua estrutura, organizao, seu processo poltico-pedaggico, seus recursos didticos, metodologia e estratgias de ensino, bem como suas prticas avaliativas. Para acolher todos os alunos, a escola precisa, sobretudo transformar suas intenes e escolhas curriculares oferecendo um ensino diferenciado que favorea o desenvolvimento e a incluso social. (GLAT, 2007, p.16).

Ainscow (1999) amplia a viso do conceito de incluso ao considerar que esta

pressupe a superao das barreiras e a condio de ser experienciada por qualquer

aluno. A tendncia, ainda, pensar em poltica de incluso ou educao inclusiva

com o significado de respeito aos alunos com deficincia e a outros caracterizados

como tendo necessidades educacionais especiais. Destaca ser esse processo

inclusivo diferente do que frequentemente visto apenas como o de envolver alunos

das classes especiais para os contextos das escolas regulares, com a implicao de

que eles esto includos, s porque fazem parte de tal contexto.

Ainda para Ainscow (1999), incluso entendida como um processo que

nunca termina, pois mais do que um simples estado de mudana, que dependente

de um desenvolvimento organizacional e pedaggico contnuo no sistema regular de

ensino.(AINSCOW,1999).Tal afirmao ratifica a necessidade de melhor

entendimento para o significado do vocbulo incluso.

39

Com base nos pressupostos anteriormente mencionados e, considerando a

noo do processo educacional evolutivo, Carvalho (2008) menciona que:

A sociedade tem apontado para a necessidade de ressignificar o papel da escola para alm do pedaggico, reconhecendo que a ela vm se somando atribuies polticas e sociais, principalmente em funo da diversidade e da complexidade das demandas oriundas do contexto socioeconmico, poltico e cultural. Evidencia-se, portanto, a importncia de reexaminarmos os valores que a escola cultua, dentro de uma perspectiva democrtica, ou seja, evidencia-se a relevncia de examinar sua intencionalidade educativa. (CARVALHO, 2008, p. 91).

Aprofundando o estudo em questo, identifica-se a educao inclusiva como

uma educao que visa quebrar os paradigmas da escola classificatria, como por

exemplo, tradicionalmente separar os bons dos maus alunos, ou seja, daqueles

que podem ou no podem aprender, segundo Mantoan (2006).

[...] a incluso implica uma mudana de perspectiva educacional,

porque no atinge apenas os alunos com deficincia e os que apresentam dificuldades de aprender, mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral [...]. (MANTOAN, 2006, p.19).

Enquanto para alguns autores, o processo de incluso no mbito escolar deve

se dar de forma radical, outros alegam tratar-se de um processo contnuo que visa

no somente o aluno com necessidades educacionais especiais, mas a oferta e a

garantia de que todo o alunado receba ensino de qualidade, de modo a que cada

aprendente no seja responsabilizado por seus xitos e fracassos.

Cabe ento um olhar mais atento ao ambiente escolar, s propostas

pedaggicas e ao currculo que sero oferecidos aos alunos no sentido de que todas

as prticas e aes a serem desencadeadas no ambiente escolar sejam discutidas

entre alunos, professores, gestores, pais e comunidade, levando a populao escolar

a um processo evolutivo, onde todos possam obter xito.

Considerando assim as proposies conceituais de incluso possvel

afirmar que em seu ncleo encontra-se a dinmica entre: integrao, participao,

desenvolvimento das habilidades, potencialidades e aprendizagem culminando com a

formao do sujeito em sua totalidade.

40

Outro ponto a considerar que o processo inclusivo no se basta pelo

envolvimento de gestores, professores e alunos, mas tambm exige o

estabelecimento de propostas e prticas educativas vinculadas a uma reforma da

instituio social escola, tarefa essa ligada a questes polticas, econmicas e sociais.

Para tanto, expem Laplane e Ges (2013) que:

[...] Para maximizar a aceitao e a paz social, todas as crianas devem ter a oportunidade de tornarem-se membros reguladores da vida educacional e social. A experincia passada de segregao fala sobre o que deve ser transcendido: a desigualdade e o controle. Se realmente desejamos uma sociedade justa e igualitria, em que todas as pessoas tenham valor e direitos iguais, precisamos reavaliar a maneira como operamos em nossas escolas, para proporcionar aos alunos com deficincia as oportunidades e as habilidades para participar da nova sociedade que est surgindo. Se queremos apoio e igualdade para todas as pessoas, a segregao nas escolas no pode ser justificada. Para nossas sociedades e comunidades serem tica, moral e legalmente justas, a incluso uma necessidade. (KARAGIANNIS, et al., 1999, p. 22-30 apud LAPLANE; GES, 2013, p.16).

Nessa discusso sobre princpios e valores entre integrao e incluso

reconhece-se que as exposies em defesa da incluso destacam as vantagens da

educao inclusiva. No entanto, os discursos aqui expostos conduzem a reflexes

mais pontuais sobre a realidade educacional brasileira. Isso porque, em grande parte

dos espaos educativos defronta-se com salas de aulas superlotadas, escolas

desestruturadas fsica e funcionalmente, docentes despreparados, alm de inmeros

projetos e programas implantados por rgos centrais, que nem sempre privilegiam

todos os alunos do sistema educacional. Por essa razo, questiona-se o prprio

sistema educacional e as polticas pblicas na relao direta com a concepo de

incluso que se almeja.

1.2 Panorama da Educao Especial no Brasil

O presente tpico tenciona apresentar, mesmo que sucintamente, um

panorama histrico da educao especial no Brasil fundamentado em estudos

desenvolvidos por autores especialistas nesta temtica, no sentido de possibilitar um

entendimento ampliado sobre a constituio dessa modalidade de educao,alm de

abrir espao ao debate e a novas reflexes.

41

No Brasil, durante sculos, o tratamento de confinamento e isolamento

perpetuou-se para pessoas com deficincia. No sculo XIX surgiram novas

expectativas em relao ao desenvolvimento do trabalho educativo junto s pessoas

com deficincia, sobretudo, a partir da teorizao de mdicos sobre as possibilidades

reais de desenvolver aes especficas de ordem social e educacional. Segundo

Jannuzzi (2012),

[...] a orientao principal na educao dessas crianas seria dada pelo mdico, auxiliado pelo pedagogo. Este deveria ser instrudo em escola superior, por mestres vindos da Europa e dos Estados Unidos. (JANNUZZI, 2012, p. 40).

Muitos foram os estudos e experincias desenvolvidas no sentido de se

prestar atendimento aos deficientes. Entretanto, conforme Mazzotta (2005, p.27),a

incluso da educao de deficientes, da educao dos excepcionais ou da

educao especial na poltica educacional brasileira veio a ocorrer somente no final

dos anos cinquenta e incio da dcada de sessenta do sculo XX.

Inicialmente, as escolas de Educao Especial restringiam-se a prestar

atendimento exclusivamente aos alunos classificados como excepcionais12 e eram

instaladas para atender alunos de um determinado tipo de excepcionalidade como:

Deficiente Visual (DV), Deficiente Auditivo (DA), Deficiente Intelectual (DI), e

Deficiente Fsico (DF), enquanto outras davam atendimento queles com diferentes

tipos de excepcionalidade. Conforme Mazzotta (1993), a educao especial pode ser

assim definida:

Conjunto de recursos e servios educacionais especiais organizados para apoiar, suplementar e, em alguns casos, substituir os servios educacionais comuns, de modo a garantir a educao formal dos educandos que apresentem necessidades educacionais muito diferentes das da maioria das crianas e jovens. (MAZZOTTA, 1993, p. 21).

No Brasil, a educao especial surgiu para oferecer escolaridade a crianas

com anormalidades que, a princpio, foram rotuladas como prejudicadas e, por

12 Excepcionais. Como se chamavam pessoas com deficincia. So Paulo: RNR, 2003. Texto disponvel em: http://sivc.saci.org.br/files/chamar.pdf. Termo utilizado nas dcadas de 50, 60 e 70 para designar pessoas com deficincia intelectual. (SASSAKI, 2003).

http://sivc.saci.org.br/files/chamar.pdf

42

vezes, impedidas de serem inseridas no processo regular de ensino. Como afirma

Bueno (1994):

[...] Todo processo de ampliao da Educao especial quer em relao quantidade de crianas por ela absorvidas, quer na diversificao das formas de atendimento e do tipo de clientela. [...] reflete a ampliao de oportunidades educacionais para crianas que, por caractersticas prprias, apresentam dificuldades para se inserirem em processos escolares historicamente construdos. (BUENO, 1994, p.24).

Autores como Stainback, S. e Stainback, W. (1999,2008); Mazzotta

(2005,1993); Mantoan (2006,2009); Rodrigues (2006); Ropoli, Mantoan et al (2010);

Jannuzzi (2012) defendem a presena da coletividade, do carter pblico no

atendimento educacional especializado. Assim tambm, Carvalho (2008) considera:

[...] compromisso pblico dos governos traduzido por um conjunto de aes coletivas voltadas para garantia dos direitos de atendimento educacional especializado de crianas, adolescentes, jovens e adultos marcados por processos excludentes nas escolas regulares. (CARVALHO, 2008, p.41).

Ressalta-se, no entanto, o surgimento de movimentos em escala mundial pela

educao inclusiva preconizando aes de cunho poltico, cultural, social e

pedaggico em defesa do direito de todos os estudantes, a que conjuntamente

aprendam e participem do processo educacional, indistintamente, sob a gide dos

direitos humanos.

No perodo de transio do sculo XX para o XXI possvel perceber uma

sensvel preocupao com as questes voltadas educao especial. O processo

de incluso e sua implantao no sistema educacional passam a ser discutidos de

maneira mais pontual, ganhando fora no mbito poltico e educacional.

A dcada de 1990 trouxe para a educao especial um novo cenrio. As

polticas pblicas, os movimentos nacionais e internacionais que alavancaram o

processo de incluso, tanto no aspecto legal quanto no socioeconmico, cultural e

poltico, intensificaram-se atravs de mobilizaes e regulamentaes.

A Conferncia Mundial sobre Educao para Todos (ONU, 1990) ao aprovar

a Declarao Mundial sobre Educao Para Todos (Conferncia de Jomtien,

Tailndia) e o Plano de Ao para satisfazer as necessidades bsicas de

43

aprendizagem; promoveram a universalizao do acesso educao. A Declarao

de Mangua, (1993) que contou com delegados de trinta e nove pases das

Amricas, estabeleceu como exigncia a incluso curricular da deficincia em todos

os nveis da educao, formao dos profissionais e medidas que assegurassem

acesso aos servios pblicos e privados, incluindo sade, educao formal em todos

os nveis e trabalho significativo para os jovens. Em 1994, a Declarao de

Salamanca, na Espanha, reafirmou o compromisso para com a Educao para

Todos e reconheceu a necessidade de prover educao para pessoas com

necessidades educacionais especiais13 dentro do sistema regular de ensino.

No Brasil, foi promulgado o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA, Lei

Federal n. 8.069, de 1990), que mediante o artigo 53 passou a assegurar a todos o

direito igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola, e

atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de

ensino. Ainda, na esfera educacional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao

Nacional (1996) assegurou aos alunos com Necessidades Educacionais Especiais

currculos, mtodos, recursos educativos e organizao especficos visando atender

as peculiares desse alunado. O Ministrio da Educao (MEC) elaborou e sancionou,

em 1998, os Parmetros Curriculares Nacionais - Adaptaes Curriculares (BRASIL,

1998), com o intuito de fornecer as estratgias para a educao de alunos com

deficincia. Em 2001, o MEC estabeleceu as Diretrizes Nacionais para Educao

Especial na Educao Bsica, reforando a importncia e a necessidade de que

todos os alunos possam aprender juntos em uma escola de qualidade.

O Ministrio da Educao, por meio da Secretaria de Educao Continuada,

Alfabetizao, Diversidade e Incluso (SECADI) ao apresentar a Poltica Nacional de

Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva, demonstra acompanhar os

avanos do conhecimento e das lutas sociais, visando constituir polticas pblicas

13 O termo Necessidades Educacionais Especiais foi adotado como nomenclatura correta a partir da Conveno sobre os Direitos da pessoa com deficincia e seu protocolo facultativo, assinado em Nova York, em 30 de maro de 2007. Aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 186 e pelo Decreto do Poder Executivo n. 6.949, pgina externa de 25 de agosto de 2009,conforme o procedimento do 3 do art. 5 da Constituio que baliza a poltica nacional para a pessoa com deficincia. Secretaria Especial de Direitos Humanos Ministrio da Justia e Cidadania-Conveno da ONU, conforme Parecer n. 21/2009/CONADE/SEDH/PR. Disponvel em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-com-deficiencia Acesso em: 01 set. 2016. O termo Necessidades Educacionais Especiais, a partir de ento, somente ser utilizado quando se referir especificamente a uma determinada legislao.

http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-com-deficiencia

44

promotoras de uma educao de qualidade para todos os estudantes.

(BRASIL.MEC.SECADI. Poltica Nacional de Educao Especial na Perspectiva da

Educao Inclusiva,2014).

Ampliando esse aspecto, em 2008, o Brasil ratificou a Conveno sobre os

Direitos das Pessoas com Deficincia, adotada pela ONU, bem como seu Protocolo

Facultativo, por meio do Decreto legislativo n. 186, de 09 de julho de 2008 e,

posteriormente pelo Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. O documento

obteve, assim, equivalncia de emenda constitucional, valorizando a atuao

conjunta entre sociedade civil e governo, em um esforo democrtico e possvel.

(BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoo dos

Direitos da Pessoa com Deficincia. Conveno sobre os Direitos das Pessoas com

Deficincia. Protocolo Facultativo Conveno sobre os Direitos das Pessoas com

Deficincia, 2011).

Tomando por base o estabelecido pela conveno e, em destaque, o seu

artigo 4, das Obrigaes gerais, alnea c, o governo brasileiro assume o

compromisso de [...] levar em conta, em todos os programas e polticas, a proteo

e a promoo dos direitos humanos das pessoas com deficincia.

Assim, tendo em vista o preconizado pelos movimentos nacionais e

internacionais em favor da educao inclusiva, torna-se pertinente refletir sobre as

reais possibilidades da insero dos alunos com deficincia nos programas

implantados pela Secretaria de Estado da Educao.

Em dimenso estadual, a Secretaria de Estado da Educao de So Paulo

incisivamente passou a encarar o processo de incluso14 como uma realidade a

compor o Sistema de Educao Bsica das Escolas Estaduais, afirmando que:

Especificamente em relao ao processo de atendimento aos alunos com

deficincia, as Diretrizes passaram a definir que tais alunos, antes matriculados em

classes especiais15, as quais permitiam a permanncia por tempo necessrio para o

14 Processo de Incluso: Processo de transformao das escolas de modo que possam acolher indistintamente todos os alunos nos diferentes nveis de ensino. MANTOAN, Maria Teresa Egl (2006) 15 Classes especiais so salas de aula em escola de ensino regular, organizada de forma a se constituir em ambiente prprio e adequado ao processo ensino/aprendizagem do alunado de educao especial. (BRASIL. Secretaria de Educao Especial. Poltica Nacional de Educao Especial. Braslia: MEC/SEESP,1994. p.19, livro 1).