tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

200
maa Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Stricto Sensu em Comunicação Dissertação de Mestrado TECNOLOGIAS SOCIAIS: PROCESSOS COMUNICATIVOS EM AUTOPOIESE Brasília - DF 2010 Autora: Nathália Kneipp Sena Orientador: Prof. Dr. João José Azevedo Curvello

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Dissertação de mestrado de Nathália Kneipp SenaDezembro de 2010

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Page 1: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

maa

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Stricto Sensu em Comunicação Dissertação de Mestrado

TECNOLOGIAS SOCIAIS: PROCESSOS COMUNICATIVOS

EM AUTOPOIESE

Brasília - DF

2010

Autora: Nathália Kneipp Sena

Orientador: Prof. Dr. João José Azevedo Curvello

Page 2: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

NATHÁLIA KNEIPP SENA

TECNOLOGIAS SOCIAIS: PROCESSOS COMUNICATIVOS EM AUTOPOIESE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação stricto sensu em comunicação da

Universidade Católica de Brasília, como requisito

parcial para obtenção do Título de Mestre em

Comunicação.

Orientador: Prof. Dr. João José Azevedo Curvello

BRASÍLIA 2010

Page 3: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

Ficha elaborada pela Biblioteca de Pós-Graduação da UCB

Page 4: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese
Page 5: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

Para Paco Garcia

Page 6: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

AGRADECIMENTOS

Ao meu marido, Paco, cujo incentivo foi vital para que eu começasse e concluísse este trabalho.

Aos meus queridos pais, Maria do Carmo e Jader, pelas oportunidades que favoreceram esse percurso; à minha irmã, Valéria; aos meus familiares e amigos.

Aos professores doutores da Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB): João Curvello, pela valiosa orientação; Luiz Iasbeck; Liliane Machado; Roberval Marinho; Elen Geraldes; Márcia Flausino; Florence Dravet e Cosette Castro, por todas as contribuições. À Fátima Medeiros, bibliotecária supervisora da UCB, por sua disponibilidade e conhecimento. Aos meus colegas de curso, pelo incentivo recíproco.

Ao professor doutor Márcio Simeone Henriques, por seus comentários como integrante da banca examinadora deste trabalho.

A todos que dedicaram tempo e atenção ao preenchimento das questões do pré-teste e, posteriormente, ao questionário da pesquisa on-line.

Ao José Roberto, ao José Bill, e às Oliveiras, de Planaltina, que me receberam em sua cidade, em companhia de Delena Sastre Cantallops.

Ao Joe e à Clevane, por serem contra-hegemônicos ao promover a construção de capital social na nossa cidade e pelo belo exemplo de engenharia aplicada na Fazenda Malunga, orgulho dos que amam e respeitam a natureza no Planalto Central, bem como torcem pela perpetuação da agricultura orgânica, reduto de tecnologias sociais.

Aos meus companheiros de sala no MCT: Virgínia, Marcus, Lidiane, Rosa, Marcelo, Leo, Ana Cláudia, Simone, Flávia, Emily, Eliane, Elaine, Bárbara, Adélia, Liz, Bira, Didi, Dodô, Maria, Leilinay, Delena, Vanuza, Edinalva, Geane, Márcia e Fernando, pela boa companhia nesses tempos.

Aos colegas da Secretaria de C&T para Inclusão Social, da Coordenadoria Geral de Recursos Humanos e do universo maior do Ministério da Ciência e Tecnologia, instituição que me apoiou.

À Irma Passoni e equipe do ITS, pelo intercâmbio dos últimos anos.

A Jac Depczyk, pela generosidade ao permitir o uso de um de seus trabalhos como ilustração, encontrada junto à epígrafe desta dissertação.

Aos autores que constam nas referências bibliográficas desta dissertação, pelas respostas aos e-mails que lhes enviei: DeMoll; Douthwaite; Freitag; Kirkpatrick; Knopff; Léquin; Martins; Passoni, e Subramaniam. Aos quatro últimos agradeço também pelas indicações de leitura.

Ao CDS-UnB, pela oportunidade de participar do ―Ciclo Feenberg‖.

À Margaret de Palermo, pela revisão do texto.

Page 7: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

―A mente está nas relações‖.

George Bateson

Arte: Jac Depczyk

www.jacdepczyk.com

Page 8: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

RESUMO

SENA, Nathália Kneipp. Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese. 2010. 200 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010.

A autora destaca a ideia de que a rede, ou o movimento, ou ainda o fórum de tecnologia social busca estabelecer-se via ―ação comunicativa‖. Esse conceito pertence à visão humanista de Jürgen Habermas e é citado nesta dissertação como um facilitador do processo comunicativo gerado pela dinâmica do ―desenvolvimento local participativo‖. No entanto, tais iniciativas podem recair em contextos nos quais a comunicação é improvável, pois outras ideias já se encontram em autopoiese. Isso ocorre sob a proteção de fronteiras semânticas e ideológicas apoiadas na diversidade de percepções dos diferentes sistemas. Tal abordagem reflete alguns aspectos da teoria sistêmico-funcional de Niklas Luhmann. Com o objetivo de conhecer os diversos significados atribuídos às tecnologias sociais, apresentam-se a leitura de uma parcela da literatura disponível sobre esse tema, os resultados de uma enquete realizada via Internet com a participação de 251 respondentes, além de três exemplos de empreendimentos de tecnologias sociais localizados em Brasília (DF). A pluralidade de opiniões sobre tecnologia social, nas várias situações em que esse termo é enunciado, surge como elemento enriquecedor e motivador de um debate dos mais antigos e, ao mesmo tempo, dos mais atuais sobre a multiplicidade de perspectivas e relações possíveis, em construção, entre ciência, tecnologia, poder, cidadania ativa, inclusão e transformação social. Tais conteúdos permitem que cada pessoa vislumbre as próprias expectativas de cenários futuros para as tecnologias sociais, com novo sentido que se atribui à comunicação: não só o de dar e receber informação, mas perceber o que acontece consigo mesmo em contato com novas ideias, posicionamentos e atitudes.

Palavras-chave: Tecnologia social. Comunicação. Autopoiese. Ciência. Transformação social.

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RESUMEN

SENA, Nathália Kneipp. Tecnologías sociales: procesos de comunicación en autopoyesis. 2010. 200 p. Disertación (Máster) - Universidad Católica de Brasilia, Brasilia, Brasil, 2010.

La autora destaca la idea de que la red o el movimiento o aun el foro de tecnología social intenta establecerse por medio de la "acción comunicativa". Ese concepto pertenece a la visión humanista de Jürgen Habermas y se cita en esta disertación como un facilitador del proceso de comunicación generado por la dinámica del "desarrollo local participativo". Sin embargo, ese tipo de iniciativa puede llevar a contextos donde la comunicación es poco probable debido a otras ideas que ya están en autopoyesis. Eso ocurre bajo la protección de fronteras semánticas y ideológicas y de la diversidad de percepciones de sistemas diferentes. Ese enfoque se presenta en la teoría sistémica-funcional de Niklas Luhmann. Con el objetivo de conocer los varios significados atribuidos a las tecnologías sociales, se presentan el examen de una parte de la literatura disponible sobre ese tema, los resultados de una encuesta de opinión en línea con 251 participantes, así como observaciones sobre dos proyectos y una empresa que trabajan con tecnologías sociales en Brasilia (DF), Brasil. La pluralidad de puntos de vista acerca de la tecnología social en las diversas situaciones en que ese término aparece es un elemento enriquecedor y motivador para una discusión que es de las más antiguas y al mismo tiempo de las más recientes sobre la multiplicidad de perspectivas y las posibles relaciones en construcción entre ciencia, tecnología, poder, ciudadanía activa, inclusión y transformación social. Dichos contenidos permiten a la gente tejer sus propias expectativas acerca de los escenarios futuros para las tecnologías sociales con un nuevo propósito que se adjunta a la comunicación que no sólo tiene por objeto la transferencia de información, sino también para percibir lo que nos sucede cuando estamos en contacto con nuevas ideas, posiciones y actitudes.

Palabras clave: Tecnología Social. Comunicación. Autopoyesis. Ciencia. Transformación social.

Page 10: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

ABSTRACT

SENA, Nathália Kneipp. Social technologies: communication processes in autopoiesis. 2010. 200 p. Dissertation (M.A.) – Catholic University of Brasilia, Brasilia, Brazil, 2010.

The author emphasizes the idea that social technology network, movement or forum seeks to establish itself through "communicative action" – a concept that is found in the Jürgen Habermas' humanistic view and is quoted in this dissertation as a facilitator for the communication process set in motion by the dynamic forces of "participatory local development‖. However, such initiatives may lead to contexts in which communication is unlikely because other ideas are already in autopoiesis and under the protection of semantic and ideological barriers often backed up with restrictions imposed by the diversity of perceptions from different systems. Such an approach is seen in the Niklas Luhmann's systemic-functional theory. The examination of part of the literature available on that subject, the results of an online survey conducted among 251 respondents, and notes on three social technology initiatives being developed in Brasilia (DF), Brazil are presented in the hope of portraying the various meanings associated with social technologies. The plurality of significations coming from the many contexts in which that term is enunciated is an enriching and motivating element for further discussion on the multiplicity of perspectives and possible relations currently under construction among science, technology, power, active citizenship, inclusion, and social transformation. Such contents enable people to catch a glimpse of their own expectations on future scenarios featuring social technologies with a new purpose being added up to the role of communication which not only aims to transfer information but also to see through what happens to us when exposed to new ideas, positions, and attitudes.

Keywords: Social technology. Communication. Autopoiesis. Science. Social transformation.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Análise de conteúdo ……………………………………………………………… 24

Figura 2 – Quatro contextos diferenciados em que os sentidos associados às tecnologias sociais se apresentam distintos…………………………………

27

Figura 3 – Livro ―Introdução à tecnologia‖, escrito em 1777, por Johann Beckmann……………………………………………………………………………

31

Figura 4 – Cartaz da empresa Social Technologies exposto na reunião da

WFS em 2008 e banners publicitários de alguns de seus trabalhos de

prospecção….………………………………………………………………………..

35

Figura 5 – Capa de um dos artigos de Subramaniam na revista itmagz.com… 37

Figura 6 – Passo-a-passo na elaboração social de um artefato em termos construtivistas…………………………………………………………………………

54

Figura 7 – Modelos de bicicletas que competiram entre si até se chegar aos tipos que prevaleceram………………………………………………………………

55

Figura 8 – Esboço de ―bola de neve‖, com os elementos cujos processos comunicativos podem estar diretamente associados à disseminação de ideias e uma linguagem que contribuiu para o fortalecimento de uma rede de tecnologias sociais no Brasil………………………………………………………..

57

Figura 9 – Pesquisa realizada na base Scielo, em 2009, para encontrar trabalhos que abordem a questão da(s) tecnologia(s) social(is)……………...

62

Figura 10 – Conceitos de tecnologia social, diagramados de forma a ressaltar

os elementos que os constituem…………….……………………………………

63

Figura 11 – Resultados ―numéricos‖ da busca por ―tecnologia(s) social(is)‖ no Google e Google Acadêmico, em 2009……………………………………………

64

Figura 12 – Algumas expressões selecionadas na dissertação de Brandão (2001), acrescidas de outras mais recentes, sobre a busca de sentido valorativo das tecnologias…………………………………………………………..

66

Figura 13 – Foto da apresentação de Flávio Cruvinel Brandão na 2ª Conferência Internacional de Tecnologia Social em 2009 ................................

67

Figura 14 – Elementos que contribuem, na atualidade, para que um calçado tenha alto teor de conhecimento agregado…………..……………………………

68

Figura 15 – Andrew Feenberg, professor da Escola de Tecnologia da Comunicação Simon Fraser, do Canadá………..………………………….........

72

Figura 16 – Representação do esquema proposto por Feenberg para analisar as quatro visões de C&T com suas diferenciações calcadas em

Page 12: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

valores e participação/engajamento………………………………………............. 73

Figura 17 – Inter-relacionamento estreito entre sociedade e tecnologia em um processo de construção coletiva das relações com uma perspectiva holística…..

75

Figura 18 – Exemplos de redes de baixa e alta densidade….…………..…….. 76

Figura 19 – Conceito de tecnologia social, acrescido de princípios que lhe dão sustentação………………………………………………………………………

77

Figura 20 – Tipos de relações que vinculam as pessoas em rede…………….. 78

Figura 21 – Conceito de Desenvolvimento Local Participativo (DLP), presente nas ações que envolvem tecnologias sociais……………………………………..

79

Figura 22 – Correntes do pensamento crítico e sistêmico sobre emancipação 81

Figura 23 – O casal Joe e Clevane Valle, visão aérea da Fazenda, embalagens com couve e alface higienizadas, alguns dos produtos comercializados pela Malunga………………………..………………………….…

82

Figura 24 – PAIS em exibição na AgroBrasília 2009……...…………………….. 83

Figura 25 – Capa do livro organizado por Renato Dagnino…………………….. 85

Figura 26 – No Facebook, na seção dedicada às (boas) causas, há possibilidades de cooperar com campanhas estabelecidas em diversas redes sociais………………………………………………………………………………….

93

Figura 27 – Uma das páginas do blog de Dalton Martins revela como o

―poder‖ está sendo pensado em relação à atuação em rede, em interface

com um pensamento sistêmico…………………………………………………….

97

Figura 28 – Dados estatísticos sobre questões relacionadas à segurança

alimentar………………………………………………………………………………

99

Figura 29 – Divisão da sociedade no paradigma da intersubjetividade de

Habermas …………………………………………………………………………..

104

Figura 30 – Entendimento do que é considerado sistema social para

Luhmann………………………………………………………………………………

111

Figura 31 – Frase de conversa ocorrida durante seminário em que C,T&I,

sob a ótica da inclusão social, estiveram em debate………………………….

113

Figura 32 ―Nuvem de palavras‖ com os principais significados associados às tecnologias sociais………………………………………………..……………...

121

Figura 33 – Representação dos Executores do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação……………………………………………………………….

126

Page 13: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

Figura 34 – Chaveiro das Oliveiras, ao mesmo tempo, adereço decorativo para a porta de casa…………………………………………………...…………….

126

Figura 35 – Minhocasa, um kit para gerenciar restos de comida, podas de jardim e até papéis que podem virar alimento para plantas……………………..

127

Figura 36 – Poltrona feita com pneus reciclados…………………………..……. 127

Figura 37 – Meios de comunicação entre os integrantes da rede de tecnologias sociais……………………………………………………………………

132

Figura 38 – Interface do Espaço Aberto de Conhecimento da RTS…………… 133

Figura 39 – Imagens ilustrativas de redes centralizadas, descentralizadas e distribuídas…………………………………………………………………………….

134

Figura 40 – José Bill e José Roberto Melo Machado, do Projeto Quintais Sustentáveis, em Planaltina, DF……………………………………………………

138

Figura 41 – Egídia Gomes de Oliveira e as filhas Vanusa e Cleonice. À direita, bijuterias e chaveiro feitos pelas Oliveiras………………………………..

140

Figura 42 – Foto do vídeo amador, feito pela autora, disponível no YouTube, com os flashes da oficina de agroecologia de abril de 2009 na Fazenda Malunga………………………………………………………………………………..

141

Page 14: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico I – Localização geográfica dos participantes da pesquisa………………. 120

Gráfico II – Senioridade do grupo de atores que interage com o tema das TSs, se antes ou depois de 2003…………………………………………………………..

122

Gráfico III – Filiação partidária dos respondentes ……………..………………….. 123

Gráfico IV – Perfil dos participantes……………..…………………………………………. 125

Gráfico V – Sentidos associados às tecnologias sociais…………………………. 128

Gráfico VI – Aceitação majoritária do conceito de tecnologia social………………. 129

Gráfico VII – Relações mantidas entre os membros da rede de tecnologias sociais. ………………………………………………………………………………….

131

Gráfico VIII – Percepção de uma rede distribuída de comunicação entre os participantes da pesquisa……………………………………………………………..

134

Gráfico IX – Percepção afirmativa de estar em comunicação com os participantes da rede…………………………………………………………………..

135

Gráfico X – Valores predominam na visão de futuro sobre as tecnologias……. 136

Gráfico XI – Relevância das tecnologias sociais para temas selecionados no portfólio de atuação do MCT, especialmente da Secis……………………………

137

QUADRO

Quadro I – Portfólio de atuação da Secis em 2009……………………………………… 115

Page 15: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO………………………………………………………………… 18

1.2 INTRODUÇÃO……………………………………………………………………

19

1.2.1 Justificativa…………………………….………………………………………

20

1.2.2 Problema e hipóteses .…………..…………………………………………..

21

1.2.3 Objetivos ………………….……………………………………..……………. 22

1.2.3.1 Objetivo geral………………………………………………………………...

22

1.2.3.2 Objetivos específicos……………………………………………………….

22

1.3 METODOLOGIA………………………………………………………………….

22

1.3.1 Descrição do processo……………………………………………………...

22

1.3.1.1 Pesquisa qualitativa…………………………………………………………

23

1.3.1.2 Pesquisa quantitativa……………………………………………………….

28

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA……………………………………………………...

30

2.1 ―TECNOLOGIA‖ EM SEMIOSE………………………………………………...

30

2.2 TECNOLOGIA COMO SINÔNIMO DE COMUNICAÇÃO E ESTUDO DA TÉCNICA………………………………………………………………………………

30

2.3 ORIGEM E USO DA EXPRESSÃO ―TECNOLOGIA SOCIAL‖ FORA DO BRASIL………………………………………………………………………………..

32

2.3.1 Contexto europeu…………………………………………………………….

32

2.3.2 Estudos do futuro…………………………………………………………….

35

2.3.3 Folk technology……………………………………………………………… 37

2.3.4 Engenharia social…………………………………………………………… 41

2.3.5 Outros sentidos………..……………………………………………………. 45

2.4 DIFERENCIAÇÕES DE POSICIONAMENTO AO SE ANALISAREM CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE…………………………………………

47

2.4.1 Poder, instrumentalismo, determinismo, substantivismo e

Page 16: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

construcionismo…………………………………………………………………… 48

2.4.2 História social de um artefato, o exemplo construcionista da bicicleta……………………………………………………………………………….

53

2.4.3 Sociogramas e tecnogramas……………………………………………… 56

2.5 ORIGEM E USO DA EXPRESSÃO ―TECNOLOGIA SOCIAL‖ NO BRASIL 57

2.5.1 CT&S – temática que se mantém e ganha força no transcorrer das últimas décadas…………………………………………………………………….

57

2.5.2 Referências sobre o tema…………………………………………………..

61

2.5.2.1 Tecnologias apropriadas……………………………………………………

66

2.5.2.2 O ―sequestro semântico da inovação‖……………………………………

69

2.5.2.3 O debate sobre a teoria crítica com a participação de Feenberg …….

71

2.5.2.3.1 Paradoxos da tecnologia………………………………………………..

74

3 TECNOLOGIAS SOCIAIS EM REDE: VISÃO SISTÊMICA AO SE BUSCAREM COMUNICAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, EMANCIPAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL…………………………………………………………………

76

3.1 OS SEMELHANTES INTERAGEM…………………………………………….

77

3.2 EXCLUSÃO, INCLUSÃO E SUAS NUANÇAS……………………………….

80

3.3 BUSCAR A EMANCIPAÇÃO DE QUEM E EM RELAÇÃO A QUÊ?............

81

3.4 A FAZENDA MALUNGA, REDUTO DE TECNOLOGIAS SOCIAIS, SOB A ÓTICA SISTÊMICA E DE REDE …………………………………………………..

82

4 TECNOLOGIAS SOCIAIS EM INTERFACE COM O PODER DAS ORGANIZAÇÕES EM REDE……………………………………………………….

87

4.1 O ÍMPETO DE DOMINAR A NATUREZA, A TÉCNICA, AS VERSÕES DA HISTÓRIA……………………………………………………………………………..

87

4.2 RELAÇÕES DE FORÇA E CANALIZAÇÃO DA POTÊNCIA……………….

89

4.3 REDE DE PODERES……………………………………………………………

91

4.4 GOVERNANÇA: NEM TUDO QUE BRILHA É OURO………………………

94

4.5 TECNOLOGIAS SOCIAIS E CONTRA-HEGEMONIA………………………. 96

4.6 A FOME DE PODER E O PODER DA FOME………………………………... 98

Page 17: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

5 AÇÃO COMUNICATIVA E AUTOPOIESE: CONTRIBUIÇÕES DE HABERMAS E LUHMANN………………………………………………...............

102

5.1 HABERMAS, O CONVITE À PARTICIPAÇÃO E AS TECNOLOGIAS SOCIAIS……………………………………………………………………………….

104

5.2 LUHMANN, SEU UNIVERSO DE SISTEMAS COMUNICACIONAIS AUTOPOIÉTICOS E AS TECNOLOGIAS SOCIAIS……………………………..

109

6 ANÁLISE DAS RESPOSTAS OBTIDAS COM O QUESTIONÁRIO E COM A OBSERVAÇÃO DE INICIATIVAS……………………………………………….

119

6.1 LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA…

120

6.2 VISUALIZAÇÃO DAS IDEIAS MAIS FREQUENTEMENTE ASSOCIADAS ÀS TECNOLOGIAS SOCIAIS……………………………………………………….

121

6.3 SENIORIDADE DA REDE DE TECNOLOGIAS SOCIAIS…………………

122

6.4 CONTRA-HEGEMONIA E POLITIZAÇÃO SEM FILIAÇÃO PARTIDÁRIA..

123

6.5 PERFIL DOS RESPONDENTES DO QUESTIONÁRIO…………………….

125

6.6 OS SENTIDOS ASSOCIADOS ÀS TECNOLOGIAS SOCIAIS…………….

128

6.7 POSICIONAMENTO EM RELAÇÃO AO CONCEITO DE TECNOLOGIA SOCIAL………………………………………………………………………………..

129

6.8 ATORES EM RELAÇÃO COM OS PARTICIPANTES DA PESQUISA……

131

6.9 MEIOS DE COMUNICAÇÃO ENTRE OS MEMBROS DA REDE…………

132

6.10 REDE DISTRIBUÍDA…………………………………………………………..

134

6.11 PROCESSO COMUNICATIVO……………………………………………….

135

6.12 VALORES PREDOMINAM NO FUTURO DAS TECNOLOGIAS…………

136

6.13 O FUTURO DAS TSs: POSSÍVEIS CAMPOS DE DESTAQUE….………

137

6.14 TRÊS INICIATIVAS QUE SE BENEFICIAM DE TSs NO DISTRITO FEDERAL………………………………………………………………………………

138

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………….

145

REFERÊNCIAS………………………………………………………………………. 152 ANEXO A – Mensagem-convite endereçada aos participantes da pesquisa….

169

Page 18: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

ANEXO B – Questionário de pesquisa e respostas obtidas……………………..

170

ANEXO C – Roteiro de observação estruturada…………………………………. 194

ANEXO D – As principais bancadas no Congresso (2003)…………………….. 195

Page 19: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

18

1 APRESENTAÇÃO

O tema deste trabalho é a tecnologia social (TS) como processo

comunicativo. Problematizamos esse tema ao supor que, embora as TSs surjam em

contextos que prezem pela ―ação comunicativa‖1 (HABERMAS, 1999), existe uma

improbabilidade de a comunicação ocorrer, pois cada ator resguarda suas fronteiras

de sentido, buscando homofilia, ―princípio de que o contato entre pessoas com

características similares ocorre em maior freqüência do que entre pessoas com

baixa similaridade‖ (MCPHEARSON, SMITH-LOVIN & COOK, 2001 apud ROSSONI;

GRAEML, 2009, p. 230).

Pensamos que está em curso uma dinâmica de polissemia, atribuição de

vários sentidos a um termo, inerente às TSs. Coexistência de complexa rede de

significados, posicionamentos, processos cognitivos associados a essa expressão.

Cada qual tem ideias preconcebidas, delimitadoras e mantenedoras de fronteiras de

sentidos, que a um só tempo separam e aproximam grupos de atores, sistemas.

Nosso intuito será o de procurar identificar quais sentidos são atribuídos às

tecnologias sociais e quais ideias-chaves e lugares de fala os diferenciam.

Tecnologia social em sua ―definição mais comum‖, no dizer de Renato

Dagnino (DAGNINO, 2010), equivale à ―tecnologia para a inclusão social‖. Embora

muitas pessoas desconheçam esse termo, ou prefiram não utilizá-lo devido à sua

ambiguidade ou redundância (toda tecnologia surge em sociedades, logo, é social),

quando se trata de associar ciência e tecnologia (C&T) à qualidade de vida das

populações, há recorrência aos muitos sentidos que são atribuídos à tecnologia

social. Seja aquele da premência de aproximar os problemas à capacidade e

vontade de solucioná-los, seja ao se buscar um novo design ou engenharia social

promotores de empoderamento dos excluídos, ou, tão-somente, trazer o vetor

―participação‖ e ―sustentabilidade‖ para os debates da C&T, com pensamento

crítico, criatividade para imaginar alternativas e planejamento de ações viáveis.

1 ―[…] por ação comunicativa entendo uma interação simbolicamente mediada. Orienta-se de acordo

com normas intersubjetivamente vigentes que definem expectativas recíprocas de comportamento e que têm que ser entendidas e reconhecidas por, ao menos, dois sujeitos agentes.‖ (HABERMAS, 1999, p. 68)

Page 20: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

19

A dissertação está dividida em sete capítulos. No primeiro, apresenta-se o

porquê da escolha do tema e a forma como se estruturou o trabalho, quais técnicas

e métodos optou-se por utilizar, bem como se expressa uma primeira demarcação

de sentidos, encontrados em dois livros sobre tecnologias sociais, apontados como

referências essenciais aos que querem realizar pesquisas sobre TSs no Brasil. No

segundo capítulo, é descrito o resultado da pesquisa bibliográfica com uma

apreensão da diversidade de sentidos com que a palavra ―tecnologia‖ e a expressão

―tecnologia social‖ foram e continuam a ser utilizadas em diferentes países e

contextos históricos, terminando com a abordagem sobre os entendimentos e a

linguagem que os brasileiros têm construído em relação ao tema, elucidando

também qual é o ideário que Andrew Feenberg2 apresentou em suas palestras,

realizadas em Brasília. No terceiro capítulo, abordam-se as tecnologias sociais em

rede com uma visão sistêmica ao se buscarem comunicação, participação,

emancipação e inclusão social, com a menção ao exemplo da Fazenda Malunga,

uma das iniciativas observadas. No quarto capítulo, analisam-se as tecnologias

sociais em interface com o poder das organizações em rede. No quinto capítulo,

discorre-se sobre as contribuições que Luhmann e Habermas podem oferecer à

compreensão do processo comunicativo na construção de sentido para o que são

tecnologias sociais. O sexto capítulo explicita o que se obteve como respostas ao

questionário da pesquisa quantitativa, com o complemento da observação de outras

duas iniciativas que envolvem tecnologias sociais em Brasília: os quintais

sustentáveis e o artesanato que utiliza garrafas pet como matéria-prima, além da

Fazenda Malunga, mencionada também no capítulo 3. As considerações finais

correspondem ao sétimo capítulo.

1.2 INTRODUÇÃO

O tema da minha pesquisa no Mestrado em Comunicação é um substantivo

adjetivado, tecnologia social3, com um enfoque ou mesmo significados que

2 Andrew Feenberg é um filósofo canadense que tem atuado, a convite dos brasileiros, como

facilitador para a compreensão das correntes mundiais de filosofia, sociologia, história, política e gestão científica e tecnológica. Aborda-se o conteúdo de suas palestras no Brasil no capítulo 2, a partir do item 2.5. 3 São ―técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a

população e apropriadas por elas, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida desses grupos‖. O conceito está em construção, e nos capítulos 1 e 2 buscar-se-á traçar um sociograma e redes de sentidos que ampliam os muitos significados que esse termo evoca em diferentes contextos históricos e sociais.

Page 21: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

20

aproximam esse termo da noção de processo comunicacional. Ambos (tecnologia

social e processo comunicacional) estariam, hipoteticamente, indissociados.

Semiose4 e autopoiese5 serão conceitos portadores de ―novas interlocuções‖

para o universo dos debates sobre tecnologias sociais. Acompanharão as análises

dessa pesquisa. A isso deve-se a escolha do título ―tecnologias sociais em

autopoiese‖ e da ilustração, feita por Jac Depczyk, conjugada à epígrafe, alusão à

multiplicidade de significados (significados que se separam de outros significados),

processos cognitivos os mais diferenciados e a comunicação como processo básico

de autopoiese (autoprodução) dos sentidos e, por conseguinte, dos sistemas

sociais.

O conceito de autopoiese que se adota vem da obra de Niklas Luhmann, em que

esse autor sugere que a sociedade está dividida em sistemas sociais e essa divisão

significa que os grupos têm perspectivas distintas que não se refletem mutuamente.

Já a palavra semiose está sendo utilizada como sinônimo de produção dinâmica de

sentido, o que corresponde à essência do que encontramos na revisão bibliográfica.

Ao consultar a literatura sobre tecnologias sociais, vê-se que o conceito de TS

não pode estar dissociado de uma teoria crítica, como aquela descrita por Andrew

Feenberg, ao sugerir nova visão de tecnologia como ―campo de luta social, uma

espécie de parlamento das coisas, onde concorrem as alternativas civilizatórias‖.

(FEENBERG, 2010, p. 76).

1.2.1 Justificativa

Existe uma premência, em dimensão planetária, de se provocarem mudanças de

atitudes e o desenvolvimento de novas relações interpessoais e com o meio;

promover e perpetuar as chances de construir qualidade de vida para um número

crescente de pessoas; tentar reduzir a velocidade galopante com que se destrói o

meio ambiente e seus habitantes. As tecnologias, com quaisquer predicados que

lhes sejam adicionados nos mais diversos contextos, mantêm um papel de

interferência crescente nos sistemas sociais. Falar sobre tecnologias sociais é

buscar um questionamento sobre como está ocorrendo a relação entre ciência e

4 Palavra utilizada como sinônimo de processo dinâmico de produção de sentido.

5 No sentido de que as instituições, as redes, as organizações são culturas e culturas são sistemas

autopoiéticos, que se autoproduzem, com os seus respectivos mind sets (estados mentais), sua cognição, o que será abordado em detalhe no capítulo 5.

Page 22: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

21

sociedade e sobre opções e escolhas tecnológicas em interface com as

necessidades das populações e de sua cultura.

Nota-se que, por uma necessidade de resguardo de fronteiras entre os diversos

atores que têm nas TSs um universo de interseção de suas ações e reflexões, o

conceito é percebido e enunciado de maneiras diferenciadas, ora com predomínio

do encanto, ora com o reviver do desencanto com os avanços tecnológicos.

Ademais, a temática das tecnologias sociais ainda não é pervasiva e se mantém

restrita a alguns círculos acadêmicos, da sociedade civil organizada, de instituições

públicas e privadas, sem a possibilidade de espraiar todo seu potencial de promover

debates e mudanças significativas para a realidade social brasileira e de outros

países com perfil e culturas congêneres.

É desejável que os pesquisadores brasileiros de diferentes áreas façam uma

leitura sobre esse tema e busquem promover o diálogo com seus textos e práticas,

enriquecendo o debate. A cada dia, multiplicam-se as inter-relações e insights que

as tecnologias sociais proporcionam. Podem ser estudadas sob o olhar da

sociologia, comunicação, história, economia, psicologia social, biologia, agricultura,

arquitetura, engenharia, informática, engenharia de alimentos e nutrição e muitas

outras áreas. A sua proximidade com as soluções existentes para problemas do

quotidiano das mais diversas comunidades em diferentes contextos de vida faz com

que o tema esteja na pauta da academia, das associações e organizações não

governamentais (ONGs), dos governos, e de todas as redes que estejam pensando

em melhoria da qualidade de vida das pessoas. O texto que se inicia é uma dessas

interlocuções, na área de Comunicação.

1.2.2 Problema e hipóteses

Conforme mencionado na apresentação, nosso problema de pesquisa consiste

em responder à pergunta ―como se processa a construção de sentido da expressão

tecnologias sociais entre os diferentes sujeitos sociais?‖ Concebemos, a partir dessa

enunciação do problema de pesquisa, as seguintes hipóteses:

Page 23: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

22

A rede de tecnologia social6 tenta se estabelecer via ação comunicativa,

mas recai em contextos em que a comunicação é improvável devido ao

resguardo de fronteiras semânticas e diversidade de percepções por parte

dos diferentes atores que integram a rede.

A polissemia do termo ―tecnologia social‖ contribui para o desenvolvimento

das TSs porque amplia os campos de atuação.

O futuro das tecnologias sociais está indissociado de uma perspectiva

construtivista de agendas locais para C,T&I, pois as TSs são contra-

hegemônicas em relação a uma visão neutra, instrumental e determinista

da tecnologia.

1.2.3 Objetivos

1.2.3.1 Objetivo geral

Conhecer o processo de construção de sentido relacionado às tecnologias

sociais e quais ideias-chave os diferenciam.

1.2.3.2 Objetivos específicos

Estudar como se deu e continua a acontecer a construção do processo

comunicativo sobre as tecnologias sociais.

Identificar os elementos de diferenciação e estabelecimento de sentido entre

os sistemas sociais que coexistem no universo das tecnologias sociais.

Conhecer os principais debates da atualidade sobre esse tema, inseridos nos

questionamentos entre as relações cogitadas entre ciência, tecnologia e sociedade.

1.3 METODOLOGIA

1.3.1 Descrição do processo

Nossa pesquisa foi quantitativa e qualitativa, embasada em uma análise

documental, pesquisa de opinião feita por meio de um questionário, preenchido via

6 Sempre que nos referirmos à Rede de Tecnologia Social (RTS), instituição, usaremos maiúsculas.

Ao nos referirmos à rede de tecnologias sociais, com minúsculas, estamos tratando de grupos de redes que se interessam por essa temática, também denominados fórum ou movimento, e já interagem há décadas, conforme descrito em detalhe no capítulo 2.

Page 24: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

23

Internet, além da observação de três empreendimentos de tecnologia social no

Distrito Federal: confecção de bijuterias e acessórios com a reciclagem de garrafas

pets; quintais produtivos, ambos em Planaltina; e a Fazenda Malunga, todos

localizados no Distrito Federal.

1.3.1.1 Pesquisa qualitativa

O primeiro passo na elaboração deste trabalho equivaleu à realização da revisão

bibliográfica, realizada no Google, Google Acadêmico, Scientific Electronic Library

On-Line (Scielo), Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD),

Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade de São Paulo (USP),

bases Cambridge e ScienceDirect.

O segundo passo correspondeu à leitura e seleção dos conteúdos para elaborar

uma descrição dos sentidos que estão sendo atribuídos à expressão ―tecnologia(s)

social(is)‖, que foram os termos de busca. Visto a diversidade de sentido com que o

termo é empregado fora do Brasil, essa análise compreenderá um capítulo

específico, com uma espécie de trajetória de significados e, posteriormente, o

detalhamento de como tecnologias sociais estão sendo percebidas e tratadas no

Brasil, bem como o cenário mais amplo das discussões que envolvem ciência,

tecnologia e sociedade (CT&S).

Escolhemos os livros Tecnologia social: uma estratégia para o desenvolvimento

(REDE DE TECNOLOGIA SOCIAL, 2004) e Tecnologia social: ferramenta para

construir outra sociedade, obra organizada por Renato Dagnino em 2009, para

serem as fontes primeiras dessa análise sobre sentidos diferenciados que circulam

entre os atores, ―provedores‖ do desenho de uma rede semântica que evidenciará

as diferentes percepções dos atores governamentais, das organizações não-

governamentais, pesquisadores da academia e patrocinadores da rede de

tecnologias sociais. Essa escolha foi feita em 2009, por serem, à época, os

principais textos de referência sobre o tema. Contudo, não nos ateremos,

exclusivamente, a essas obras para as análises que constam neste trabalho, pois

em 2010 houve rica produção acadêmica sobre o tema e tentar-se-á, conforme

nossas possibilidades, abarcar alguns conteúdos desses textos nesta pesquisa.

Page 25: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

24

Figura 1: Análise de conteúdo – responder às questões relativas a um contexto de textos. Fonte: KRIPPENDORFF, 2004, p. 83

Inicialmente, nesses dois livros consultados e em outras obras recuperadas na

pesquisa bibliográfica, procurou-se realizar uma análise de conteúdo, em sua forma

de estruturação mais básica, buscando uma orientação para o desenho da pesquisa,

conforme ilustrado na figura 1.

Para Krippendorff (2004), os textos adquirem relevância (significados, conteúdos,

qualidades simbólicas e interpretações) nos contextos em que são utilizados. Faz a

ressalva de que um contexto sempre é a construção de alguém, espelhando o meio

conceitual de produção de um texto, a situação na qual ele tem um papel a

desempenhar. ―O contexto especifica o universo em que os textos podem ser

relacionados às questões de pesquisa de quem faz a análise de conteúdo. Esse

universo é sempre um entre muitos possíveis‖7 (KRIPPENDORFF, 2004, p. 33).

O caminho da análise de discurso nos conduziria a um questionamento sobre

―como esses textos significam‖ (ORLANDI, 2007, p. 17), o que para o princípio da

pesquisa nos pareceu uma tarefa avançada em relação à etapa exploratória inicial

deste trabalho. Buscou-se, portanto, identificar nos textos selecionados as unidades

ou segmentos de textos que ajudassem a responder à pergunta da pesquisa

formulada em consonância com nossa primeira hipótese: existe uma diferenciação

de percepções entre os atores que interagem com o tema desta pesquisa, expressa

7 Tradução da autora. Texto no original: ―The context specifies the world in which texts can be related

to the analyst´s research questions. This world is always one of many.‖

Page 26: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

25

em fronteiras semânticas por eles enunciadas? Usamos diagramas para evidenciar

esses trechos. São as unidades de texto selecionadas que representam uma

diferenciação de enunciados e percepções. A partir desses recortes, inferimos que a

existência de tal diversidade está presente nos textos analisados, o que pode

favorecer a improbabilidade da comunicação ocorrer, e foi a partir dessa inferência

que construímos os passos subsequentes da pesquisa, prevendo maior abrangência

na exploração de sentidos associados a essa expressão no capítulo correspondente

à revisão bibliográfica.

Nesse primeiro recorte, conforme expresso na figura 2, a seguir, foram

selecionadas unidades de texto que revelaram a prevalência de um sentido de

―simplicidade‖ e ―engenhosidade‖, em um contexto governamental; maior

abrangência e um pensar sistêmico ficaram delimitados entre as ONGs; um texto

próximo da teoria crítica da tecnologia, contendo uma oposição entre ―tecnologias

capitalistas ou convencionais (TCs)‖ e tecnologias sociais predomina na Academia;

e as ideias de ―franquia‖, ―grande escala‖, ―empreendedorismo‖, ―responsabilidade

social‖ sobressaem no discurso da Fundação Banco do Brasil, ator de destaque

nesse ecossistema. O texto do ―coletivo‖, que amalgama esse todo, construído em

conjunto (em fóruns, movimentos e redes), é mais abrangente e inclui as palavras

―técnicas‖, ―processos‖ e ―metodologias‖, frisando o objetivo da ―inclusão e

transformação social‖.

Destacam-se, a seguir, os trechos obtidos com essa análise de conteúdos

preliminar e que nos conduziram a essa primeira percepção, ponto de partida para a

formulação de um percurso de pesquisa, problematização, formulação de hipóteses

e construção do processo de investigação. Identificaram-se quatro contextos em que

há diferenciações nas percepções predominantes associadas às tecnologias sociais.

Page 27: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

26

Figura 2: Quatro contextos diferenciados em que os sentidos associados às tecnologias sociais apresentam-se distintos (continua).

Page 28: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

27

Figura 2: (Conclusão) Quatro contextos diferenciados em que os sentidos associados às tecnologias sociais apresentam-se distintos.

Page 29: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

28

Essas diferenças nos enunciados serviram como orientação para a concepção do

questionário de pesquisa, que foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade

Católica de Brasília (UCB) em junho de 2010. Elaborou-se também um roteiro de

observação para a visita realizada a três iniciativas nas vizinhanças de Brasília que

usam tecnologias sociais (Anexo C).

1.3.1.2 Pesquisa quantitativa

Na parte quantitativa, fez-se uma pesquisa de opinião incidental ou instantânea,

em que se administrou um questionário uma só vez para ―haver um instantâneo da

população no que tange às características estudadas‖ (LAVILLE E DIONNE, 1999,

p. 149), uma fotografia de processo, tal e qual ele se deu nesse momento da

história, no Brasil.

Entre as decisões tomadas para a seleção do grupo de participantes da

pesquisa, houve uma escolha sobre qual seria o tipo de amostra que se deveria

adotar, dado que os atores que formam a rede, movimento ou fórum de tecnologias

sociais, em seu sentido amplo, estão dispersos em todo o território nacional, e até

mesmo em outros países, o que exclui o uso de uma amostra probabilista que desse

a todos os elementos dessa população a oportunidade conhecida e não nula de

participar. Optou-se, portanto, por uma amostra típica, em que as pessoas foram

convidadas a preencher um questionário que permaneceu abrigado no site

SurveyMonkey entre 23 de julho e 8 de setembro de 2010.

Procurou-se focar um universo de respondentes que já estivessem em interação

com o tema das tecnologias sociais. Dessa maneira, nossa população correspondeu

a uma parcela de membros da Rede de Tecnologia Social (RTS), e-mails que

obtivemos e copiamos a partir do site dessa instituição; o grupo de colaboradores da

Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (Secis) do Ministério da

Ciência e Tecnologia, e dos alunos do curso ―A Teoria Crítica da Tecnologia, de

Andrew Feenberg: Racionalização Democrática, Poder e Tecnologia‖, realizado na

Universidade de Brasília (UnB) em abril e maio de 2010. Foram enviados 919 e-

mails, com uma carta de apresentação e convite (Anexo A) para que esses

destinatários acessassem, voluntariamente, o link do questionário de pesquisa

(Anexo B). Destes, 232 e-mails foram rejeitados pelos servidores de destino,

havendo mensagens de ―usuário desconhecido‖ ou ―caixa de correio cheia‖. Logo, a

Page 30: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

29

população correspondeu ao conjunto dos 687 e-mails enviados e que não

apresentaram mensagem de rejeição do servidor. A amostra foi de 251 indivíduos

que efetivamente acessaram o link e responderam, ao menos, à primeira questão, o

que será detalhado no capítulo destinado à análise das respostas obtidas, e que

também está retratado no Anexo B, com os dados brutos que incluem as perguntas

e respostas da forma como foram formatadas pelo coletor do questionário no site

SurveyMonkey. Com esse número de acessos, obteve-se o percentual de

participação de 36%, o que corresponde a um nível de confiança de 95% e uma

margem de erro de 4,93%8.

Escolhemos utilizar os recursos do site SurveyMonkey

(http://www.surveymonkey.com/), uma ferramenta profissional para a formulação de

questionários de pesquisa on-line e tabulação das respostas obtidas, com a

condição de que, para cada respondente, houvesse a correspondência de apenas

um número de IP. Isso significa que não foi possível a múltiplos respondentes utilizar

o mesmo computador para preencher o questionário on-line. Garantiu-se o

anonimato a todos aqueles que participaram voluntariamente.

8 Fizemos esse cálculo com o ―sample calculator‖, da Creative Research Systems, disponível em:

http://www.surveysystem.com/sscalc.htm, acesso em 10 de setembro de 2010.

Page 31: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

30

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 ―TECNOLOGIA‖ EM SEMIOSE

Na primeira etapa deste estudo − aquela equivalente à pesquisa bibliográfica

−, é preciso mapear as trajetórias discursivas e de sentido que esse termo assume

em diferentes momentos, contextos e culturas. Tal exercício torna-se, naturalmente,

um trabalho semiótico, em que as trajetórias discursivas identificadas nas

referências bibliográficas consultadas são indicações para os próximos passos da

investigação, como destaca o semioticista e professor da UCB Luiz Carlos Iasbeck:

Trabalhar semioticamente um objeto de pesquisa significa relacioná-lo com o maior e mais significativo número e natureza de possibilidades que ele comporta, buscando compreendê-lo em movimento, dinâmico e operante, ainda que tais relações possam, eventualmente, estabelecer paradoxos incontornáveis. (IASBECK, 2006, p. 203)

A seguir, procuraremos mapear a evolução de sentido da palavra ―tecnologia‖,

até chegar à tecnologia adjetivada de social, que, como todo símbolo, é:

[...] uma coisa viva, num sentido muito estrito que não é apenas figura de retórica. O corpo de um símbolo transforma-se lentamente, mas seu significado cresce inevitavelmente, incorpora novos elementos e livra-se de elementos velhos. (PEIRCE, 1999, p. 40).

Nesta investigação, pertinente à revisão bibliográfica, busca-se abordar,

portanto, um mapeamento dessa dinâmica de incorporar e livrar-se de alguns

elementos. Para Peirce, a palavra ―significado‖ diz respeito a ―denotar o interpretante

declarado de um símbolo‖. E a semiose seria o processo em que "todo signo

interpreta outro signo" (ECO, 2004, p. 23). A ver alguns discursos sobre a palavra

tecnologia.

2.2 TECNOLOGIA COMO SINÔNIMO DE COMUNICAÇÃO E ESTUDO DA TÉCNICA

Consultando a pesquisa sobre a semântica do termo ―tecnologia‖ feita por

Léquin (2009), professor da Universidade de Tecnologia de Belfort-Montbéliard

(UTBM), vê-se que a palavra nasce com um sentido atrelado a processos

comunicacionais.

Page 32: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

31

Figura 3: Livro Introdução à tecnologia, escrito em 1777 por Johann Beckmann. Fonte: LAMARD; LÉQUIN, 2008

Desde os sofistas gregos até o século 17, a palavra tecnologia designava a

―técnica do discurso‖, a arte da oratória ―que permite triunfar sobre os adversários,

na ágora (praça central) das cidades gregas ou nas

salas de audiência dos tribunais‖. Signo indicativo de

que aquilo que era considerado nobre coincidia com

o domínio da palavra, capacidade intelectual, em

oposição aos trabalhos mundanos da produção.

No século 18, com o apogeu da mecanização

inerente à Revolução Industrial, a palavra passa a

designar, literalmente, o estudo da técnica9. Em

1770, graças a Johann Beckmann (1739 - 1811),

professor de economia da Universidade de

Göttingen, esse termo designa nova disciplina

universitária, criada na Alemanha: ―a tecnologia explica

completamente, metodicamente e distintamente todos os

trabalhos com as suas consequências e suas razões de

ser‖, conforme define o próprio Beckmann. A figura 3 traz reprodução da capa do

livro de Beckmann. Na França, um papel similar ao de Beckmann foi exercido por

Louis-Sébastien Lenormand (1757 – 1837), que tentou enriquecer a educação

técnica com um viés de popularização da tecnologia, no ―intuito de aperfeiçoar as

operações tecnológicas e as ferramentas‖ (MERTENS, 2002). Credita-se a esse

físico a invenção do paraquedas, por ele próprio testado. Em seu atestado de óbito

constava que seu ofício era o de ―professor de tecnologia‖.

Um século mais tarde, Karl Marx propõe a introdução do ensino da tecnologia

nas escolas do povo. Nos Estados Unidos, entre 1829 (Jacob Bigelow – Elements of

Technology) e 1861 (ano de criação do Massachusetts Institute of Technology –

MIT), a palavra passa a ser empregada no plural, sem se referir a uma disciplina e

com o sentido de técnicas de ponta, em oposição a técnicas tradicionais, que

passaram a ser desacreditadas como ―rotineiras‖. Tal significado perdura até os

nossos dias com o sentido que atribuímos às ―novas tecnologias‖. (LAMARD;

LÉQUIN, 2008, p. 7)

9 Na Wikipédia (2010), em vez de l´étude de la technique aparece study of trades, o que pode indicar,

ou não, uma diferença semântica ao se traduzir do alemão para o francês e para o inglês.

Page 33: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

32

No século 20, ainda seguindo o fio da meada de Léquin, é tempo de ver

renascer uma tecnologia que se coloca o objetivo da compreensão global da técnica

e da sociedade, com Marcel Mauss, André Leroi-Gourhan, ao se deter em alguns

nomes franceses, e extenso grupo de pesquisadores, nomeados nos trabalhos de

Bijker, Kirkpatrick, Schroeder, Feenberg, Hess, entre muitos outros.

O desenvolvimento tecnológico em grande escala, no século 21, tornou-se o

desafio da atualidade, ao se ter consciência de que a técnica está onipresente na

sociedade, na vida dos homens e que nós vivemos no mundo do artificial, como bem

o comprova um exemplo de proeza da biotecnologia no século passado, o da

fabricação da maçã amarela (golden apple), segundo narrativa de Léquin sobre um

testemunho dos anos 50:

Na Califórnia, percorria hectares repletos de macieiras. ― Eu fabrico maçãs, dizia meu companheiro, como outros fazem gomas de mascar. É necessário que o objeto seja vistoso e agrade aos olhos. Após uma enquete realizada pelos serviços do Dr. Gallup [...], faço a maçã amarela. ― E, pergunto, qual é o sabor das suas maçãs? ― Na realidade, têm um sabor-padrão. Os meus técnicos captaram os sabores de todas as maçãs do mundo [...], antes de realizarem uma operação de síntese. ― E qual é o cheiro? ― Nenhum. Nada. Impusemos que fosse assim. Isso nos permite jogar, a cada ano, no mercado mundial, 750 mil maçãs sem sabor, conveniente a todos os gostos, suprimindo, assim, a dificuldade de escolha e o cansaço nervoso que é inerente a esse processo de decisão.‖

10 (LÉQUIN, 2009, p. 25)

2.3 ORIGEM E USO DA EXPRESSÃO ―TECNOLOGIA SOCIAL‖ FORA DO BRASIL

2.3.1 Contexto europeu

Na França, o termo ―tecnologia social‖ é cunhado por engenheiros, ao

conceber a sociologia como tecnologia social. Está relacionado a um profissional da

Escola Politécnica, Jean Coutrot (1895 – 1941), interessado em desenvolver um

10

Tradução da autora. Texto original: ― ─En Californie, je parcourais des hectares de pommiers. ─ Je fabrique de la pomme, disait mon compagnon, comme d´autres font de la gomme à mastiquer. Il faut d´abord que l‘objet plaise à l´oeil: après une enquête menée par les services du Dr Gallup […] je fais de la pomme jaune. ─ Et, dis-je, quelle est la saveur de vos pommes? ─ De même, j´ai une saveur standard. Mes techniciens ont capté les saveurs de toutes les pommes du monde […] avant de réaliser une operation de synthèse. ─ Et qu´est ce que cela sentait? ─ Rien. Ce rien, nous l´avons imposé, il nous permet de jeter chaque année sur le marché mondial 750 000 pommes sans saveur allant à tous les gouts, supprimant l´embarras du choix de la fatigue nerveuse qui en résultait.‖

Page 34: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

33

―humanismo econômico‖ por meio de um ―pensar coletivo‖. Coutrot destacou-se

como fundador do Centro de Estudos dos Problemas Humanos, em 1937

(WIKIPEDIA, 2010), instituição pluridisciplinar que chegou a congregar 300

pesquisadores, entre os quais pôde contar com a colaboração de Alexis Carrel

(prêmio Nobel em medicina); Aldous Huxley (membro do comitê executivo); Jean

Stoetzel (pesquisas de opinião); Jean Merlet (habitação); Jean Sutter (nutrição);

François Perroux (economia); Robert Gessain, Paul Vincent, Jean Bourgeois-Pichat

(demografia), entre outros. Segundo Henry (2004), entre as opções defendidas por

Coutrot encontra-se o posicionamento de ignorar as análises fundadas sobre os

estudos dos fatos sociais (portanto, contrário à sociologia de Émile Durkheim, ao

rechaçar a historicização e determinação social dos feitos), preferindo uma

abordagem exclusivamente centrada na pessoa humana, com o que Coutrot

denomina ―um suplemento de alma‖:

[…] para reencontrar a ‗pessoa‘ sob a armadura esmagadora da técnica e da máquina, as ciências devem se dedicar, primeiramente, ao estudo do espírito e não mais àquele da matéria: ‗é preciso parar a técnica até que a ciência do homem tenha avançado em seu atraso‘

11 (COUTROT apud

HENRY, 2004, p. 54)

Ao estabelecer para cada problema uma lista de fatores que os determinavam

e tentar colocar cada indivíduo ―no lugar que lhe pertence‖, exercer controle, Coutrot

despontou como o tecnocrata que reduziu as ciências sociais a uma metodologia e

encorajava mensurar tudo o que fosse mensurável. La mesure des différences entre

les genres (A medida da diferença entre os gêneros) é um texto dessa época,

selecionado por Henry como uma das relíquias incluídas em seu trabalho, e denota

as representações associadas ―ao lugar que pertencia‖ às mulheres naquele

contexto social, com discurso cuidadosamente tecido com uma retórica científica e

multidisciplinar.

Ainda no contexto europeu, a expressão tecnologia social reaparece em título

de um livro de Habermas e Luhmann (1971) – Teoria da sociedade ou tecnologia

social — qual a contribuição da teoria sistêmica? –, menção encontrada em nota de

rodapé em um texto de Freitag e Rouanet (1993). Posteriormente, reencontra-se

11

Tradução da autora. Texto original: ―(...) pour retrouver la ‗personne‘ sous l‘armure écrasante de la technique et de la machine, les sciences doivent s‘attacher désormais à l‘étude de l‘esprit et non plus à celle de la matière : ‗il faut stopper la technique jusqu‘à ce que la science de l‘homme ait repris son retard‘.‖

Page 35: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

34

menção a esse trabalho na Apresentação de João Pissarra (LUHMANN, 1992) e no

Foreword de Eva Knodt (LUHMANN, 1995). Pissarra contextualiza a publicação do

livro pelos autores, relembrando que ambos se tornaram amigos quando eram

alunos de Talcott Parsons, em Harvard, e realizaram nessa obra o início de um dos

mais célebres debates entre posicionamentos completamente opostos, Luhmann

com explícita recusa em ver qualquer sentido na versão progressista do pensamento

europeu, ―uma crítica radical à tradição emancipatória herdeira do humanismo das

Luzes, que ele considera totalmente desajustada à realidade complexa das

sociedades desenvolvidas‖ (LUHMANN, 1992, p. 7). Habermas, por sua vez, acusa

Luhmann de ser ―tecnocrático e funcionalista e de menosprezar qualquer

possibilidade de crítica e política emancipatória‖ (KNODT, 1995, p. xiv). O livro deu

origem a uma série de publicações intitulada Theorie-Diskussion, com a colaboração

de renomados cientistas sociais.

Eva Knodt menciona que o livro foi muito bem recebido, vendendo mais de 35

mil cópias em poucos anos. A polaridade entre Frankfurt e Bielefeld foi enquadrada

em termos políticos, como uma oposição entre a Nova Esquerda e o que era

percebido como tendências neoconservadoras na Alemanha, o ―contrailuminismo‖ .

Embora nos anos 1970 Luhmann tenha sido muito atacado pela esquerda, na

metade dos anos 80 houve variações para o que Knodt denomina ―uma segunda

fase‖, com as propostas de ―uma mudança de paradigma para a Sociologia‖,

expressa com a publicação de ―Sistemas Sociais‖ em 1984. Em sua ―terceira fase‖,

Luhmann desperta interesse ainda maior com o ―discurso do construtivismo radical‖,

termo cunhado originalmente pelo psicólogo Ernst von Glaserfeld.

Sem tradução para uma língua que possamos ler, a curiosidade e a busca de

entendimento sobre o que estava em discussão nesse livro – se os autores deram

alguma continuidade ao debate do grupo de Coutrot, se atribuem a esse autor o uso

dessa expressão ou se seria um sinônimo, outra forma de se referir ao conceito de

―teoria da sociedade‖ – foi parcialmente saciada ao encontrarmos, no penúltimo mês

de nossa pesquisa, o texto de Santos (2005) que comenta como se deu a crítica

mútua entre Habermas e Luhmann. Esse autor atribuirá à crítica feita por Habermas

à teoria de sistemas de Luhmann a expressão depreciativa ―tecnologia do social‖:

Page 36: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

35

[…] é muito fácil ―criticar‖ globalmente a Systemtheorie como uma ―tecnologia social‖ (Sozialtechnologie) ao serviço do Mal, que, na perspectiva da moral da escola de Frankfurt, tem por nome ‗razão instrumental‘ [..] (SANTOS, 2005, p. 134).

Santos faz a defesa de Luhmann contra as acusações de que seu trabalho refletiria

as metáforas do ―instrumental‖ e da ―tecnologia do social‖ como herança da visão

mecanicista do mundo, na linha do tecnicismo de Helmut Schelski, sociólogo alemão

que foi orientador de Luhmann nos anos 1960.

2.3.2 Estudos do futuro

Quem se dedica a pensar o futuro usa a

expressão ―tecnologia social‖ em diversos contextos

e com diferentes significados. Em 2008, por

exemplo, no encontro da World Future Society

(WFS) em Washington (DC)12, um grande cartaz no

hall de entrada para as palestras chamava a

atenção (figura 4) por apresentar a expressão

―Social Technologies‖, como título.

Os futuristas (ALIGICA e

HERRITT, 2009) empregam o termo

como sinônimo de instituição,

procedimento ou metodologia, ao

relembrarem os trabalhos do alemão

Olaf Helmer, que escreveu o livro ―Social

Technology‖ (WIKIPEDIA, 2010), em

1966, juntamente com Bernice Brown e

Theodore Gordon13, em consultoria para a Rand Corporation. A esses autores

atribui-se a concepção do Método Delphi14. No caso do cartaz, a Social

12

Um relato sobre esse encontro da WFS está disponível em: http://www.scribd.com/doc/17295117/World-Future-Society-2008?secret_password=155xqksw69kac8sor4lo 13

Palestrante no encontro da WFS em 2008, quando apresentou o relatório ―2008, State of the Future‖, enquanto integrante da equipe do Projeto do Milênio, informações disponíveis em: <http://www.millennium-project.org/millennium/sof2008.html> . Acesso em 10 jun. 2010. 14

Um grupo da Universidade Federal do Paraná publicou uma cartilha sobre o que é esse método: OLIVEIRA, Joelma de Souza Passos et al. Introdução ao Método Delphi. Curitiba: Mundo Material,

Figura 4 – Cartaz da empresa Social

Technologies, exposto na reunião da WFS em

2008 e banners publicitários de alguns de seus

trabalhos de prospecção.

Fonte: www.socialtechnologies.com

Page 37: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

36

Technologies é uma empresa de pesquisa e consultoria, especializada na integração

dos portfólios de foresight, estratégia e inovação. Tem escritórios em Washington

DC; Londres, Tel Aviv e Xangai e investiga temas como os que aparecem na figura

4: ―o futuro dos homens americanos‖, ―o futuro da felicidade‖, entre outros.

Não somos os primeiros a fazer a descoberta dessa inter-relação. Quando o

Instituto de Tecnologia Social, por intermédio de Martina Rillo Otero – então

responsável pelo subprojeto Mapeamento Nacional de Tecnologias Sociais

produzidas e/ou utilizadas pelas ONGs –, narrou como procedeu em sua pesquisa

bibliográfica, reveladora de ―21 organizações e 26 textos‖ (INSTITUTO DE

TECNOLOGIA SOCIAL, 2004, p. 125), houve menção ao artigo de um dos mais

célebres pensadores desse grupo, Joseph Coates15. Eis um trecho que descreve o

entendimento desse autor sobre tecnologias sociais naquela época:

Há uma forte resistência por parte de servidores públicos, membros do Congresso dos Estados Unidos, empresas e até no círculo acadêmico em reconhecer e assentir que muito do que ocorre na sociedade, por meio da criação e do desenvolvimento institucionais, das inovações nas práticas institucionais e mecanismos para criar, gerir, financiar e manipular instituições são tecnologias sociais.

16 (COATES, 2001, p. 2)

Deve-se aos futuristas a inclusão de social technologies na Wikipédia. O

verbete foi inserido com a menção de que o primeiro uso dessa expressão se

encontra no trabalho de Olaf Helmer, em 1966, e entre os significados consta: ―No

uso corrente, tecnologia é tecnologia com propósito social, mas originalmente queria

dizer a aplicação das ciências sociais com vários propósitos, especialmente a

seleção e uso de especialistas para a tomada de decisão‖. (WIKIPEDIA, 2010).

2008. 16 p. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/13927856/Introducao-ao-Metodo-Delphi>. Acesso em: 02 mar. 2010. 15

http://josephcoates.com/ 16

Tradução da autora. Texto original: ―There has been a consistent resistance on the part of public officials, the U.S. Congress, business, and even academics to recognizing and acknowledging that much of what occurs in society by way of institutional practices, and mechanisms for creating, managing, funding and manipulating technology, are themselves social technologies.‖

Page 38: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

37

2.3.3 Folk technology

A partir de janeiro de 2008,

Venkata Subramaniam começou a

escrever uma coluna mensal sob a

rubrica Folk Technology na revista

indiana itmagz.com, sentindo-se

inspirado, enquanto gerente de

informações e análise da IBM em Nova

Deli, em escrever sobre esse tema para

uma audiência maior, além da academia.

Manifesta seu interesse em analisar as

tecnologias que estão ―causando um

impacto na vida das pessoas‖, como

parece ser o caso dos jovens da figura 5.

No Brasil, folk technology seria sinônimo de tecnologia social.

Nesse caso da Índia, em particular, existe proximidade especialmente com o

portfólio brasileiro da Inclusão Digital. Com certa diferença nas abordagens entre

brasileiros do movimento de tecnologia social e aquelas que vemos em testemunhos

de indianos que não têm os mesmos questionamentos do movimento brasileiro em

relação ao sistema capitalista, o que será explicitado quando se abordarem as TSs

no Brasil.

Subramaniam aponta a Revolução Verde como momento de virada para o

seu país e, embora aposte na Revolução das Tecnologias de Informação e

Comunicação (TICs), ressalta que os efeitos só se fazem sentir no topo da pirâmide

e conclui:

Precisamos lançar as bases para as tecnologias do amanhã que aumentarão o nosso Produto Interno Bruto (PIB), da mesma forma que a Revolução Verde fez há décadas. Precisamos de tecnologistas e empreendedores que possam pensar de maneira suficientemente inovadora para disseminar incubadoras que possam mudar esse jogo.

17‖

(SUBRAMANIAM, 2008, p. 35)

17 Tradução da autora. Texto original: ―We need to lay the foundation for tomorrow‘s technologies that will take our gross domestic product (GDP) up just the way the green revolution did many decades ago. We need technologists and entrepreneurs who can think innovatively enough to spawn game-changing start-ups in India‖.

Figura 5 – Capa de um dos artigos de

Subramaniam na revista itmagz.com. Imagem

utilizada com autorização do autor.

Page 39: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

38

A revista inglesa The Economist, em sua edição de janeiro de 2010 (WORTH,

2010), antecipou a divulgação dos resultados da pesquisa feita por Aparajita

Goyal18, do Banco Mundial, sobre as vantagens de um sistema de informação on-

line com acesso direto para os produtores rurais de Madhya Pradesh, estado da

Índia Central. Nessa localidade, os agricultores vendem sua produção de soja para

terceiros, em sessões públicas regulamentadas pelo governo, o que se chama

mandis, sistema elaborado com o intuito de proteger os produtores de intermediários

inescrupulosos. Os intermediários, por sua vez, vendem a soja para companhias

processadoras de alimentos. Em consequência de terem acesso à informação

privilegiada sobre as variações do preço desses produtos nas diferentes regiões, os

atravessadores negociavam preço bem aquém do valor de mercado com os

agricultores.

Uma das empresas processadoras de alimentos, ITC Limited, decidiu instalar

em outubro de 2000 uma rede de quiosques com acesso à Internet, denominados e-

choupal (choupal em híndi quer dizer ―local de encontro na vila‖). No final de 2004,

havia 1.704 quiosques, que informavam os preços mínimos e máximos para a venda

da soja em 60 mandis, valores atualizados diariamente, com a disponibilidade de

outras informações de interesse para esses agricultores que passaram a poder

realizar a venda de seus produtos diretamente às empresas interessadas. Goyal

demonstra que os quiosques foram pagos com o que a empresa economizou em

intermediações, e os agricultores obtiveram preços mais vantajosos que os

praticados anteriormente.

Esse exemplo de folk19 technology remete-nos a um questionamento sobre o

Simple Inexpensive Mobile Computer (Simputer)20, o computador popular indiano,

comentário que surgiu em um fórum de discussão sobre esse artefato e foi citado

por Mark Warschauer:

Por que um ‗trabalhador rural pobre e analfabeto‘, no meio do mato, precisa de um computador? Só porque você pode produzir esse computador barato, em massa e para as massas, não significa, necessariamente, que qualquer

18 “Direct Access to Farmers, and Rural Market Performance in Central India‖, por Aparajita Goyal.

http://www.aeaweb.org/forthcoming/output/accepted_APP.php. Acesso em: 29 jan. 2010. 19

Folk como adjetivo tem entre os significados possíveis ―aquela originada entre as pessoas comuns‖, nesse caso, em vez de originada seria tecnologia disseminada, ou tecnologia social ―reaplicada‖, como preferem os brasileiros. 20

Computador simples, barato, móvel, ―Simputador‖, traduzido literalmente para o português.

Page 40: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

39

um das massas precise de um ou, até mesmo, queira ter um.21

(WARSCHAUER, 2003, p. 68)

As respostas de indianos apontaram o exemplo dos e-choupals (segundo

Subramaniam, beneficiam 4 milhões de agricultores indianos), com o fato de que na

India 68 mil mulheres se tornaram ―telefonistas‖ (operators) de celulares em suas

vilas (o uso do aparato não é individual e sim comunitário, com intermediação,

interação entre as pessoas dessas localidades), e a diversidade relacionada à

abrangência familiar, ―o computador pode ser útil a qualquer parente ou membro da

rede do agricultor ‗analfabeto e pobre‘‖, respondeu um participante do fórum. As

interações com a tecnologia têm desfechos imprevisíveis, e ao contar com as

interações bem-sucedidas, os defensores do leapfrogging22 advogam a aceleração

ou saltos nos estágios de desenvolvimento, no caso das telecomunicações, o uso de

tecnologias disruptivas sem fio (wireless) em países que não têm o mesmo tipo de

infraestrutura que o bloco dos desenvolvidos.

A provocação do comentário envolvendo alfabetização ―para o meio

eletrônico‖ e educação remete ao litteracy divide (alfabetização como divisor),

correlacionada ao digital divide (divisão digital), e o que está em jogo não é só a

habilidade de:

[…] decodificar ou codificar texto, mas também a atividade social de exercitar controle; como outras formas de alfabetização, subentende-se não só a habilidade de ler a palavra mas ler o mundo e, em certo sentido, escrever e reescrever o mundo

23 (FREIRE e MACEDO, 1987 apud

WARSCHAUER, 2003, p. 118)

A alfabetização tecnológica é outro divisor de águas que pode separar os

residentes dos países em desenvolvimento dos países desenvolvidos, quando está

em questão outro siginificado atribuído a folk technology, como ocorre em uma

iniciativa da AS22024, junto a grupo de artistas de uma ONG de Providence, capital

21

Esse comentário, mencionado por Warschauer, foi encontrado em um fórum cujos arquivos estão disponíveis em: http://slashdot.org/articles/01/05/02/1822219.shtml. Tradução da autora. Texto original: ―Why does the ‗poor illiterate farmer‘ out in the fields need a computer? Just because you can mass-produce an inexpensive computer for the masses, doesn´t necessarily mean that everyone in the masses actually needs one. Or wants one for that matter.‖ 22

A palavra foi introduzida por Schumpeter, inicialmente associada à teoria do desenvolvimento, com um significado de ―criatividade destrutiva‖ (WIKIPEDIA, 2010). 23

Tradução da autora. Texto original: ―(…) decoding and encoding text but also the social activity of exercising control. Like other forms of literacy, it entails not only reading the word but also reading the world and, in a sense, writing and rewriting the world‖. 24

Disponível em: http://as220.org/front/ Acesso em: 27 jan. 2010.

Page 41: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

40

do menor estado americano, Rhode Island. Para essa coletividade, folk technology é

sinônimo de:

[…] libertar os meios de produção de processos industriais que reforçam as desigualdades sociais e são desnecessários, bem como divulgar a ideia da folk technology como uma alternativa para a tecnologia feita para o consumo de massa pelas grandes corporações

25 (MARCELO, 2008, p. 1)

Em 2008, essa ONG pegou empréstimo de US$1,6 milhão com a Prefeitura

de Rhode Island, em um projeto que irá lhe custar US$12 milhões, para ampliar o

espaço do laboratório que pertence à comunidade. Trabalha com tecnologia de

design e fabricação. O parceiro nessa empreitada é o Massachusetts Institute of

Technology (MIT), de quem a ONG comprou as tecnologias de design e fabricação

para permitir o acesso a qualquer um que queira experimentar os softwares e

hardwares de robustez industrial: ―para sair de uma ideia, gerar um modelo no

computador e construir rapidamente um protótipo‖.

A ideia original é do Fab Lab26 do Center for Bits and Atoms (CBA) do MIT

que busca fazer com que o cidadão comum (ordinary people) não só aprenda sobre

ciência e engenharia, mas também seja capaz de desenhar máquinas e fazer

mensurações que sejam relevantes para melhorar a sua própria qualidade de vida.

Surgiu de uma disciplina intitulada How to make (almost) anything [como fazer

(quase) qualquer coisa].

Outros projetos que estão sendo desenvolvidos pelo Fab Labs incluem

turbinas movidas a energia solar e eólica, computadores para rede sem disco duro,

instrumentação analítica para a agricultra e saúde, entre muitos. A perspectiva é a

de inverter o processo de invenção e inovação e possibilitar, a quem se interessar,

que esta seja feita de baixo pra cima (bottom up), como explica Neil Gershenfeld do

CBA, ao apresentar o Fab Lab da Noruega (vídeo disponível on-line27).

Um terceiro sentido associado à folk technology é aquele em que o adjetivo

folk denota ancestralidade no uso e conhecimento de tecnologias cujas origens

25

Tradução da autora. Texto original: ―The AS220 Labs, according to its Web site, is ‗interested in freeing the means of fabrication from wasteful, inequitable industrial processes and promulgating the idea of ‗folk technology‘ as an alternative to corporate consumer technology.‖ 26

Fab(rication) Lab(oratories) http://fab.cba.mit.edu/. Para conhecer o tipo de hardware e software que estão sendo usados, visite: http://fab.cba.mit.edu/content/tools/ Acesso em maio de 2010. 27

Disponível em: http://www.principalvoices.com/2007/technology.innovation/video/neil.gershenfeld/. Acesso em maio de 2010.

Page 42: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

41

podem ser até mesmo desconhecidas e estão em harmonia com o meio ambiente,

sendo passadas de geração em geração, como é o caso do barco okibani na ilha

Okinawa, no Japão. Nesse exemplo, Hidenobu (2006) conceitua folk technology

como ―uma tecnologia tradicional que é bem-sucedida em certa área ao fazer uso de

ferramentas do dia a dia. Seu uso foi aprovado na natureza, na cultura e pela

sociedade de determinada região, o que corresponde aos três fatores ambientais

que permitem comprovar que se trata de folk technology‖, descreve em seu resumo.

2.3.4 Engenharia social

Um texto que reaparece nas buscas em diferentes bases é o de Rainer

Knopff (1989), alemão-canadense, professor de ciência política na Universidade de

Calgary, notório por seus estudos sobre a influência das decisões judiciais na

formulação das políticas públicas canadenses, integrante da Escola de Calgary.

Nos capítulos 7 e 8 de seu livro ―Direitos humanos e tecnologia social: a

guerra contra a discriminação‖, Knopff trata a questão da ação afirmativa como

tecnologia social:

A tecnologia social construtivista tenta fazer com que a sociedade se conforme com os objetivos preconcebidos racionalmente. Para atingir a meta dos resultados de igualdade, a nova guerra contra a discriminação faz uso tanto da estratégia conformista quanto da acomodação; tenta mudar os grupos que estão em desvantagem para adequarem-se à sociedade, e também mudar a sociedade para agradar a esses grupos.

28 (KNOPFF,

1989, p. 142)

Para o autor, a guerra contra a discriminação promoveria a igualdade social

às custas do menosprezo à liberdade individual ou privada. ―Tanto a ação

afirmativa quanto a proibição da discriminação sistemática são recursos da

tecnologia social construtivista e correspondem aos interesses da ‗democracia

guardiã‘‖29 (p. 142) (conceito que ele opõe ao de democracia liberal).

28

Tradução da autora. Texto original: ―Constructivist social technology attempts to make society conform to rationally pre-conceived goals. To achieve the goal of equal results, the new war on discrimination makes use of both conformist and accommodationist strategies; it attempts either to change disadvantaged groups to suit society or to change society to suit the groups‖. 29

In any case, both affirmative action and the prohibition of systemic discrimination are devices of constructivist social technology and further the interests of ‗guardian democracy‘‖.

Page 43: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

42

Quando comenta as ideias de Shulamith Firestone, feminista ―radical‖

canadense, em relação às tecnologias que libertariam as mulheres de seu ―destino

biológico‖, Knopff menciona que:

[…] o avanço apropriado das tecnologias sociais ― creches, novas condições e expectativas em relação ao trabalho, reformulação nos papéis atribuídos a homens e mulheres, etc. ― fará com que não mais seja necessário o confinamento das mulheres à esfera doméstica

30 (KNOPFF,

1989, p.135).

Questionado se teria consultado os trabalhos de Coutrot ou Luhmann, Knopff

esclareceu que seguiu o percurso do filósofo canadense George Grant sobre

tecnologia e preferiu utilizar o termo ―tecnologia social‖ em vez de ―engenharia

social‖, pois considerou o entendimento desse estudioso sobre tecnologia mais

aprofundado e mais adequado para suas análises.

Mesmo que tenha feito essa opção, tecnologia social é empregada com

ampla afinidade em relação ao ideário da engenharia social31, aquela que segundo

o jornalista e historiador britânico Paul Johnson seria a tendência predominante do

século 20. ―Engenharia social significa organizar e canalizar forças sociais e

ambientais para criar uma alta probabilidade de que uma ação social efetiva irá

ocorrer.‖32 (PODGÓRECKI; ALEXANDER; SHIELDS, 1996, p. 1)

Eis uma entre muitas definições, encontrada no livro editado por Podgórecki,

Alexander e Shields. Nessa obra, a Lei Marcial de Jaruzelski na Polônia; a

construção do mito soviético; a campanha antifumo canadense (que os autores

chamam de ―duelo sociotécnico‖ entre a indústria do tabaco e os atores do lobby

antitabagismo); o planejamento para enfrentar as consequências de terremotos33;

30

―(…) moreover, with appropriate advances in social technology – daycare, reformed job expectations and conditions, sex role reform, etc. – they need not be confined to the domestic sphere (…)‖. 31

Essa expressão tem sido usada com frequência e com sentido bem distinto do que selecionamos neste trabalho, no contexto da tecnologia da informação (TI), ao se falar em segurança de rede de computadores para descrever a invasão de um hacker, que se dá via interação humana, em que alguém é enganado e levado a quebrar os protocolos de segurança que resguardam o seu computador ou a sua rede, ou seja, TI usada para a fraude. Exemplos disponíveis em: http://searchsecurity.techtarget.com/sDefinition/0,,sid14_gci531120,00.html Acesso em: 2 mar. 2010. 32

―Social engineering means arranging and channelling environmental and social forces to create a high probability that effective social action will occur.‖ 33

Esse texto, de autoria de Alexander Jablonski, compara os terremotos ocorridos na Armênia em 1988 e o de Loma Pietra, na Califórnia, em 1989. Torna-se muito atual em relação aos que se registraram no Haiti e no Chile, e serve como instigação para uma análise que pudesse trazer o tema das tecnologias sociais para essa esfera de reflexão.

Page 44: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

43

os processos envolvendo a restituição de posse de terras indígenas das tribos

canadenses Gitksan e Wet´suwet´en34 e o ―infoglut‖35 estão entre os exemplos de

numerosos fracassos que marcaram a engenharia social do século 20, pois ―a

matéria-prima que os engenheiros sociais usam – os seres humanos – é

resistente‖, ironizam os autores.

Podgórecki é o ―fundador da sociotécnica‖ (―ciência social prática para estudar

a engenharia social‖). John Cove fará um contraponto em seu texto sobre

―sociotécnica e valores‖, ao dizer que a incompatibilidade de valores é inerente a

empreendimentos sociotécnicos, o que fora tema de reflexão de Max Weber. No

texto de Cove também aparece a menção ao fato de os acadêmicos definirem

―problema social‖ de diferentes maneiras, e ele faz sua escolha:

um problema social é uma condição adversa que afeta uma sociedade ou grupo e sobre a qual as pessoas sentem que algo pode ser feito a respeito via ação social coletiva.

36 (HENSHEL E HENSHEL, 1983 apud

PODGÓRECKI; ALEXANDER; SHIELDS, 1996, p. 133)

Jon Alexander e Joachim Schmidt afirmam categoricamente que ―todo

engenheiro social é um moralista‖ e que a ―engenharia social é um termo tabu para

os americanos que o associam às ditaduras‖. Especialmente a Lenin, Stálin e Hitler

― considerados, pelos autores, engenheiros sociais europeus utópicos ― e ao

que ocorreu no século passado na Ásia, principalmente na China e no Camboja,

África e Oriente Médio.

Consideram o marxismo a maior inspiração da engenharia social, produto do

que sucedeu na França no século 18 e na Europa no século 19. Embora se

suponha que seja um fenômeno que ocorra de cima pra baixo (top down), por ter

surgido em Estados totalitários, com frequência acontece de baixo pra cima

(bottom up), como é o caso de movimentos sociais que buscam mudanças, a

34

Essa narrativa é feita pelo antropólogo John Cove, na terceira parte do livro, dedicada a estudos empíricos. Narra o que se passou quando uma organização indígena canadense contratou a consultoria de antropólogos para atuarem em um processo de restituição de terras aos índios, em que se constatou haver ―sistemas de valores incompatíveis‖ (p. 153) entre os projetos do Estado e aqueles do Conselho Tribal Gitksan – Wet´suwet´en. 35

Sobrecarga de informação, contexto de hiperinformação. 36

Texto no original:“[…] a social problem is an adverse condition affecting a society group, about which people feel something can be done through collective social action.‖

Page 45: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

44

exemplo do que se verifica no movimento pelas tecnologias sociais no Brasil. A

despeito de a expressão ser tabu para os americanos, os autores afirmam que:

[…] hoje os Estados Unidos estão nos liderando em um novo mundo da engenharia social inovadora, baseada em alta tecnologia e psicologia motivacional. De um lado ficou o velho ímpeto utópico modernizador que esmoreceu e, de outro lado, encontra-se uma força subterrânea vigorosamente ascendente, ao nos conduzir ao novo mundo pós-moderno

37.

(PODGÓRECKI; ALEXANDER; SHIELDS, 1996, p. 3)

Entre os autores que analisaram o conceito de engenharia social com uma

crítica ao seu portfólio totalitário, estão Karl Popper, com A pobreza do

historicismo, uma polêmica contra a ideia de que o futuro seja previsível, portanto

abarca os futuristas que já nos anos 1960 falavam em tecnologia social com uma

visão de engenharia de futuro; Friedrich von Hayek, que ganhou o prêmio Nobel de

Economia com uma crítica ao planejamento central; e outros diálogos são

realizados por George Orwell com A revolução dos bichos (1945) e 1984 (1949) e

Hanna Arendt com A origem do totalitarismo em 1951.

A pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Célia

Kerstenetzky (2007) conduz uma análise sobre as diferenças de visão entre Hayek

e Popper, com o questionamento: acaso o conhecimento social limitado inibe a

intervenção governamental ou a requer? Dedica-se a esclarecer a evolução dos

conceitos de engenharia social e tecnologia social, este último uma alternativa para

amenizar a rejeição de Hayek à noção de ―engenharia social‖, termo ao qual

Popper adicionou o predicado de piecemeal, com o sentido de aceitar essa

proposta, desde que se dê gradualmente.

Tecnologia social é conhecimento sobre o mundo social que reconhece seus próprios limites. É, portanto, o conhecimento que originado na conjectura (do efeito previsível de causas particulares), só faz crescer com a prática e com a crítica. É essencialmente prático, mas também um pouco teórico, visto que a teoria ajuda a selecionar os problemas.

38 (POPPER,

1997 apud KERSTENETZKY, 2007, p. 45)

37 Tradução da autora. Texto original: ―Today the United States is leading us all into a new world of

innovative social engineering based upon high technology and motivational psychology. Thus we see two disparate forms. One is the old utopian modernizing impulse now subsiding. The other is a subterranean force freshly ascendant, leading us into a new postmodern world.‖ 38

Tradução da autora. Texto original: ―To begin with, social technology is knowledge of the social world that recognizes its own limits. It is, in other words, knowledge that, originating in conjecture (of the predictable effects to particular causes), only increases with practice and criticism. It is mainly practical, though also a bit theoretical, as theory helps to select problems.‖

Page 46: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

45

Como fenômeno de comunicação social de massa, há um exemplo fornecido

no trabalho de Alexander e Schmidt no contexto da engenharia social: ocorreu na

China em 1989, em um encontro de cúpula entre China e Rússia, em Beijing,

quando foram discutidas as relações entre ambos os países. A presença de 1.200

jornalistas estrangeiros, transmitindo suas reportagens via satélite

instantaneamente, resultou na transformação de um movimento local pelos direitos

civis em uma cruzada de massa. Mil estudantes fizeram uma greve de fome na

Praça Tiananmen em Beijing, em alguns dias eram milhões de chineses na capital, e

em outras 33 cidades houve protestos:

A presença de massa crítica devida à alta concentração da mídia colocou em marcha uma reação espontânea e prolongada em uma dinâmica de engenharia social. Ninguém havia planejado isso, nem haveria como controlar. O mundo inteiro estava assistindo. Para os chineses, estar no centro das atenções da audiência global era uma novidade. 39

(PODGÓRECKI; ALEXANDER; SHIELDS, 1996, p. 8)

2.3.5 Outros sentidos

Ao visitarmos as bases Cambridge e Science Direct com a mesma estratégia de

busca utilizada na Scielo e no Google, com a expressão em inglês, são milhares de

registros do termo tecnologia social, com significados diferentes. Na Islândia, por

exemplo, Eggertsson (2009) fala de tecnologia social em oposição à tecnologia

física, ao abordar questões relacionadas à biotecnologia, área do conhecimento que

permitiu alterar a cor alusiva ao pecado original nas macieiras da Califórnia

(conforme mencionado anteriormente no item 2.2).

Tecnologia física diz respeito à aplicação da ciência física com propósitos práticos e o termo tecnologia social refere-se à aplicação da ciência social para fins práticos. Nessa visão, toda a produção – seja conhecimento, mecanismos sociais, produtos ou serviços – envolve a aplicação conjunta de tecnologias físicas e sociais.

40 (EGGERTSSON, 2009, pág. 139)

As italianas Merito e Bonnacorsi (2007) observam a mesma segmentação

entre tecnologias físicas e sociais desse autor, ao analisarem tratamentos

39

Tradução da autora. Texto original: ―A critical mass of concentrated media had set into spontaneous motion a sustained reaction of social engineering dynamics. No one had planned it and none could control it. The whole world was watching. For the first time the Chinese, having an involved audience was a new experience.‖ 40

Tradução da autora. Texto original: ―Physical technology refers to the application of physical science for practical purposes, and the term social technology refers to the application of social science for practical purposes‖.

Page 47: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

46

disponíveis para a Aids. Na Dinamarca, Andreasen (1988) cita as Conferências para

o Desenvolvimento de Consenso (CDCs) como tecnologia social poderosa, capaz de

influenciar as decisões que vão além da escolha de quais tecnologias devem ser

utilizadas pela área de saúde em diversos países. Abordagem construtivista que

prevê a análise e seleção das tecnologias em voga, disponíveis, bem como

apresenta uma institucionalização da interação social que ocorre nos CDCs, com os

grupos sociais participantes (o sociograma, no dizer de Bruno Latour) predefinidos.

Na Escola de Jornalismo e Comunicação da Universidade de Hong Kong,

Leung (2006) chama os ―torpedos‖ (SMS), enviados por celulares, de tecnologia

social, ressaltando seu uso crescente entre os estudantes do segundo grau. Os

wikis (COLE, 2009) e as comunidades virtuais (SPAULDING, 2009) também

recebem essa denominação. A própria Internet, como um todo, é chamada de

tecnologia social por Sproull e Faraj (1997). Esses autores apresentam:

[…] uma visão alternativa das pessoas na Internet como seres sociais que estão em busca de afiliação, apoio e afirmação. Dessa perspectiva, a rede é uma tecnologia social que permite às pessoas com interesses em comum acharem-se, encontrarem-se e manterem-se conectadas com o passar do tempo.

41 (SPROULL; FARAJ, 1997, p. 35)

No contexto religioso, encontra-se uma resenha do livro Practising

Protestants: Histories of Christian Life in America 1630 – 1965 (MAFFLY-KIPP,

Laurie F.; SCHMIDT, Leigh Eric e VALERI, Mark , 2006) em que Johnson (2007)

comenta a percepção de Catherine Bell e Pierre Bourdieu de que as práticas

religiosas e rituais seriam fundamentalmente ―tecnologias sociais de controle e de

disciplina‖.

Buscamos selecionar alguns sentidos do termo tecnologia social, mas

estamos cientes de que o capítulo de revisão bibliográfica permanece em aberto

para constantes atualizações, pois a expressão está em processo de semiose, seja

no Brasil ou no exterior, em uma espiral como a da ilustração que acompanha a

epígrafe, em um polilóquio contínuo.

41

Tradução da autora. Texto original: ―[…] an alternative view of people on the net as social beings who are looking for affiliation, support, and affirmation. From this perspective, the net is a social technology that allows people with common interests to find each other, gather, and sustain connections over time.‖

Page 48: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

47

2.4 DIFERENCIAÇÕES DE POSICIONAMENTO AO SE ANALISAREM CIÊNCIA,

TECNOLOGIA E SOCIEDADE

Seguindo o caminho trilhado por Kirkpatrick (2008), sociólogo que está

construindo um pensamento contemporâneo sobre a relação entre tecnologia e

teoria social, as ideias pertinentes à filosofia da tecnologia, teorias e exemplos da

sociologia podem ser divididos em três correntes: perspectiva feminista, tradição

marxista e da teoria crítica, e vertente socioconstrucionista.

A abordagem feminista, que correlaciona ―gênero‖ e ―hegemonia‖, sugere que

o preconceito formal (formal biais) é uma conseqüência de que o design da

tecnologia é moldado por interesses de gênero. Kirkpatrick cita os estudos de

Cynthia Cockburn e Susan Ormrod, coautoras do livro Gender and technology in the

making, no qual dão o exemplo do micro-ondas, artefato que promoveu o encontro

da engenharia masculina com uma tecnologia sempre associada ao papel tradicional

das mulheres, o de serem responsáveis pela tarefa de cozinhar. As autoras

feministas procuram demonstrar que no universo da tecnologia industrial, as

máquinas eram moldadas pelos interesses masculinos e capitalistas. Nesse

processo, a própria masculinidade foi representada por meio de uma relação da

técnica com uma certa masculinidade industrial, concebida com a noção de força

física e o ideal capitalista de eficiência, o que se correlaciona com a ideia de

Feenberg de que o desenvolvimento tecnológico acontece sob um horizonte repleto

de valores sociais.

Kirkpatrick sugere que as leituras tradicionais do signo ―tecnologia‖, oriundas

da teoria crítica, que tem em Marx, Habermas e Feenberg alguns de seus porta-

vozes, deveriam se libertar em relação à suspeição direcionada às tecnologias,

especialmente no que se refere ao processo de pensar as atitudes que as tornam

possíveis. Destaca o valor de novos estudos que estão surgindo, como os de

fomento às teorias feministas e da economia política, trabalhos que permitem deixar

para trás as preocupações românticas sobre a tecnologia, como se esta fosse

apenas um segmento dos esforços das pessoas, e buscam situá-la dentro de um

contexto de crítica normativa à organização social humana.

Para analisar a construção cultural da tecnologia, esse autor cita, por

exemplo, a invenção da escova de dentes, artefato tecnológico que surgiu na China,

Page 49: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

48

no século 16, quando eram feitas com pelos de porco encravados em cabos de

madeira. A evolução das escovas de dentes, mudanças no design, material e

técnica, no sentido que lhe atribuímos hoje, vai além de questões relacionadas à

saúde pública, o que certamente influenciou na sua permanência e aprimoramento

em todos esses séculos. ―A tecnologia só pode ser usada e fazer parte da trama da

vida para os seres humanos porque foi investida de sentido para eles‖

(KIRKPATRICK, 2008, p. 2), comenta esse autor. Exemplifica essa observação com

a menção a técnicas benéficas que foram destruídas (como o sistema de vídeo

Betamax, o carro elétrico e, no caso da China do século 14, toda uma frota de

navios que superavam, e muito, a qualidade técnica dos navios que deixaram a

Europa cem anos após esse feito). A esses exemplos, Warschauer (2003)

acrescenta o dos tipos móveis para a impressão de caracteres, que viabilizaram a

imprensa escrita, ―inventados na China, 400 anos antes de sua aparição na Europa,

porém pouco utilizados na Ásia‖ (CARTER, 1925 apud WARSCHAUER, 2003, p.

204). Kirkpatrick também menciona técnicas maléficas que foram mantidas, por

exemplo, o consumo de radium e seus componentes para tratar dor de cabeça em

1920, o que resultava na morte dos que consumiam esse produto.

2.4.1 Poder, instrumentalismo, determinismo, substantivismo e construcionismo

Kirkpartrick aponta que a tecnologia está envolvida na mediação e

reconfiguração do poder social. Essa abordagem permeia todo o seu trabalho;

expressa, inclusive, no título escolhido: Tecnologia e poder social. Para falar sobre

cultura e sentido, cita os trabalhos de Don Ihde e Albert Borghmann, ambos nutridos

na fonte do pensamento de Martin Heidegger, filósofo alemão, que foi ―provocado‖ a

pensar sobre a técnica após a leitura do livro Les Travailleurs, de Ernst Jűnger.

Percebia a técnica intensificada como sinônimo de dominação total e planetária do

trabalhador, da qual não haveria possibilidade de escapar. Para Heidegger, a

chegada da técnica é vista como ―obscurecimento do mundo‖ e ―devastação‖:

Sem qualquer apreciação moral atribuída a essas expressões, tão-somente à constatação do reinado do niilismo: a devastação corresponde à vontade incondicionada que a técnica impõe em escala planetária de tudo reduzir a algo de disponível até que haja o aniquilamento. A época da técnica é, por

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49

conseguinte aquela do maior esquecimento do mundo, aquela da conclusão da metafísica.

42 (SAATDJIAN, 2009, p. 63).

Da filosofia sobre a ciência e tecnologia, Idhe e Borghmann trabalham dois

conceitos importantes: ―transparência‖ (transparency) e ―incorporação ou amálgama‖

(embodiment). Idhe defende que a interpretação da tecnologia pertence à

hermenêutica, o que o coloca a meio caminho entre substantivistas e

construcionistas, conceitos tratados a seguir. Em termos heideggerianos, é preciso

encontrar o que é revelado pela tecnologia via investigação fenomenológica. Para

esse autor, nós fazemos com que a tecnologia desapareça, ou torne-se

transparente, quando ela é incorporada nas ações rotineiras do dia a dia. Isso é

descrito como o processo de incorporação, pois quando a tecnologia se torna

transparente, ela parece ser a extensão do nosso corpo, similar ao que McLuhan

(1989) enunciou a respeito dos meios de comunicação surgidos na Modernidade.

Exemplificam com a utilização de uma bicicleta, que se ―torna transparente‖,

incorporada, quando seu condutor não racionaliza que está pedalando e se

equilibrando em duas rodas. O processo de transparência cessa no momento em

que há um defeito no artefato, como um pneu furado, que passa a não mais

funcionar como era esperado, surgindo, então, uma abordagem técnica sobre o que

está errado com o objeto em questão.

Heidegger renega a visão instrumentalista, antropológica, de que a tecnologia

envolveria uma manipulação intencional do mundo físico, para alcançar

determinados fins. Ele concebe uma visão própria, que leva em consideração o que

chama de princípio fenomenológico da prioridade da experiência.

As únicas coisas que existem para nós, como objetos de possível experiência, não são dadas a partir daquilo que nos é ‗exterior‘, mas ativamente reveladas por nós mesmos, por intermédio de nossa inter-relação com o mundo. Modos diferentes de interação com o mundo estão associados com experiências diferenciadas.

43 (KIRKPATRICK, 2008, pág. 18)

42

Tradução da autora. Texto original: ―Heidegger parlera d´‘obscurcissement du monde‘ et de ‗dévastation‘. Aucune appréciation morale ici, mais plutôt le constat du règne du nihilisme la dévastation correspond à la volonté inconditionnée qu´impose la technique à l´échelle planetaire de tout réduire à quelque chose de disponible jusqu´à l´anéantissement. L´époque technique est ainsi celle du plus grand oubli du monde, celle de l´achèvement de la métaphysique‖. 43

Tradução da autora. Texto original: ―The only things that exist for us, as objects of possible experience, are not given from outside, so to speak, but actively revealed by us in and through our intercourse with the world. Different modes of interaction with the world are associated with different experiences.‖

Page 51: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

50

Heidegger julgava que se nós pudéssemos sentir ―techne‖ como os gregos a

sentiam, se nós pudéssemos viver no mundo deles, poderíamos perceber que algo

bem diferente acontecia à época. Techne seria sinônimo de revelação, não de

manufaturar, fazer e manipular; ela não ameaçava outras maneiras de compreender

por insistir na ausência de um propósito. A visão substantivista critica a tecnologia

moderna por destituir outras maneiras de apreender o mundo (aquelas não-técnicas)

de sua legitimidade, pelo julgamento restrito à eficácia de se alcançarem resultados.

Para Heidegger, a tecnologia é sempre um elemento integral do mundo e antecede

nossas ações, está amalgamada ao resto do ambiente físico que nos cerca, é em

seu trabalho que são gestados os conceitos de transparência e incorporação,

anteriormente citados.

Andrew Feenberg é um dos porta-vozes de nova teoria crítica da tecnologia,

abordagem em que desaprova a tecnologia moderna por limitar o que podemos

dizer, ―de tal forma que só concebemos o mundo em termos do que o faz utilizável e

consumível‖, observação pertinente ao substantivismo de Heidegger. Esteve no

princípio de 2009 em Brasília, como palestrante na 2ª Conferência Internacional

sobre Tecnologias Sociais, e em abril de 2010 foi palestrante no curso de Teoria

Crítica da Tecnologia na Universidade de Brasília. É ex-aluno de Herbert Marcuse,

notório integrante da Escola de Frankfurt, que por sua vez é um dos quatro

estudantes judeus que tiveram Heidegger como professor (além de Marcuse,

Hannah Arendt, Hans Jonas, Karl Löwith, todos seguiram a carreira de filósofos

sociais) (FEENBERG, 2005). Assim como Adorno e Horkheimer, Marcuse associava

a tecnologia a uma ―violência que se apropriava da posição original dos objetos no

mundo e os desnudava para demonstrar a sua inutilidade para a sociedade‖:

[...] a intensificação do progresso parece estar ligada a uma intensificação da ausência de liberdade. Por todo o mundo da civilização industrial, o domínio do homem pelo homem está a crescer em âmbito e eficiência. E essa ameaça tampouco se apresenta como uma transitória regressão incidental na via do progresso. Os campos de concentração, a exterminação em massa, as guerras mundiais e as bombas atômicas não são ‗recaídas no barbarismo‘, mas a irreprimida implementação das conquistas da ciência moderna, da tecnologia e dominação. E a mais eficaz subjugação e destruição do homem pelo homem se estende no cimo da civilização, quando as realizações materiais e intelectuais da humanidade parecem permitir a criação de um mundo verdadeiramente livre.‖ (MARCUSE, 1975, p. 28)

Page 52: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

51

Adorno e Horkheimer diziam que ―a modernidade capitalista liberta a

tecnologia para garantir os seus ganhos de produção, mas o resultado é uma

sociedade na qual as considerações de valor e significado são ameaçadas pelo

instrumentalismo‖. Outro frankfurtiano, Jűrgen Habermas, compreendia a tecnologia

como fruto da ação instrumental, ―ação estratégica‖, a qual opõe à ―ação

comunicativa‖, o que será abordado no capítulo 5.

Schroeder (2007), que ousa ser uma voz dissonante desse debate ao

questionar ―quem tem medo da objetividade e do determinismo?‖, ao falar dessa

maneira ―internalista de pensar C&T‖, ele a traduz como a visão daqueles que

afirmam que vivemos em uma sociedade da informação ou do conhecimento ou que

C&T revolucionaram a sociedade em que vivemos. Para Schroeder, é uma visão

que está fora de moda entre os pesquisadores, embora seja pervasiva na sociedade

como um todo e seja apresentada em ―escritos populares sobre C&T‖. Schroeder

adota a definição de ciência de Ian Hacking: ―intervenção e representação‖.

É dito que a ciência tem dois propósitos: teoria e experimento. Teorias tentam dizer como é o mundo. Experimento e subseqüente tecnologia mudam o mundo. Nós representamos e intervimos. Representamos para intervir, e intervimos sob a luz das representações. A maior parte do debate sobre realismo científico na atualidade é expresso em termos de teoria, representação e verdade. As discussões são iluminadoras mas não conclusivas. Isso se deve, parcialmente, ao fato de estarem tão embebidas em uma obstinação metafísica. Suspeito que não possa haver argumento a favor ou contra o realismo no nível da representação.

44 (HACKING, 1983, p. 31)

E apresenta a própria definição de tecnologia: ―refinamento e manipulação‖,

considerando ambas como definições realistas que ―postulam que o mundo e o

conhecimento são separados, como o são os artefatos e o meio ambiente que eles

moldam, o que faz com que seja a principal tarefa das ciências sociais analisar como

os dois lados se entrosam.‖ (SCHROEDER, 2007, p. 2)

Em seu livro, Schroeder surpreende em relação ao pensar dominante, o de

defesa do construcionismo ─ que esse autor aponta até mesmo como uma ortodoxia

44

Tradução da autora. Texto original: ―Science is said to have two aims: theory and experiment. Theories try to say how the world is. Experiment and subsequent technology change the world. We represent and we intervene. We represent in order to intervene, and we intervene in the light of representations. Most of today´s debate about scientific realism is couched in terms of theory, representation, and truth. The discussions are illuminating but not decisive. This is partly because they are so infected with intractable metaphysics I suspect there can be no final argument for or against realism at the level of representation.‖

Page 53: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

52

entre os pesquisadores ─ ao argumentar que, para se compreender a relação entre

ciência, tecnologia e mudança social, é essencial compreender que em aspectos

cruciais a ciência está separada da cultura e da sociedade. O carro, o telefone e a

televisão são três exemplos citados pelo autor ao observar como a tecnologia torna-

se cultura a partir do momento em que é traduzida no uso quotidiano.

Embora seus argumentos sejam construídos para provocar novo olhar sobre

a polarização do debate entre construcionismo e determinismo, essa ideia de que

C&T causam mudanças indiscriminadas na sociedade, é bom lembrar que esse

conceito não pertence à divisão proposta inicialmente por Kirkpatrick em seu

trabalho. Schroeder, que não fala de substantivismo, tem pontos de interseção com

Heidegger, autor ausente em suas referências, ao mencionar o ―desencanto‖: o lado

social da ciência, seguindo Max Weber, é sinônimo de desencanto. E ―a tecnologia

estende esse desencanto para o mundo social ao criar uma prisão de relações

mediadas por artefatos.‖ Dada essa afinidade com Heidegger, optamos por incluí-lo

como uma espécie de parêntesis em meio à sequência de Kirkpatrick que estamos

seguindo.

A teoria crítica de Andrew Feenberg em relação à tecnologia tem por base a

combinação de uma abordagem pragmática e fenomenológica em relação à

hermenêutica da tecnologia que incorpora tanto uma dimensão instrumental, quanto

os aspectos sociais. Para Feenberg (1991) existe a possibilidade de interferência em

relação às escolhas tecnológicas, um redesenho:

Os seres humanos devem se submeter à dura lógica das máquinas, ou a tecnologia pode ser redesenhada para melhor servir aos seus criadores? […] Se a tecnologia é neutra, os seus imensos e comumente perturbadores impactos sociais e ambientais são efeitos colaterais acidentais do progresso. Os debates atuais estão polarizados em torno da questão se esses efeitos colaterais negativos superam os benefícios. Os que advogam por maior progresso clamam a ‗razão‘ como aliada, enquanto seus adversários defendem a ‗humanidade‘ e a ‗natureza‘ contra as máquinas e organizações sociais mecanicistas. O palco está armado para um embate a favor e contra a tecnologia.‖

45 (FEENBERG, 1991, p. 5)

45 Tradução da autora. Texto original: ―Must human beings submit to the harsh logic of machinery, or

can technology be fundamentally redesigned to better serve its creators? This is the ultimate question on which the future of industrial civilization depends. It is not primarily a technical question but concerns a fundamental issue in social philosophy, the neutrality of technology and the related theory of technological determinism. If technology is neutral, then its immense and often disturbing social and environmental impacts are accidental side effects of progress. Much current debate polarizes around the question of whether these side effects outweigh the benefits. The advocates of further progress

Page 54: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

53

Se a visão substantivista define a tecnologia como algo em que a cultura

moderna está incorporada (embedded), e por meio da qual os cidadãos modernos

são ―jogados‖ em uma perspectiva pré-enquadrada (enframed) do mundo, os

construcionistas advogam o oposto. Para esses, a tecnologia estaria incorporada na

cultura, ativamente moldada pelos atores sociais que as abastecem de significados

e as ―moldam‖ para que reflitam os desejos e interesses de formas (não-

tecnológicas) da vida coletiva. Consideram que as descobertas, categorias, artefatos

ou instituições têm uma história social. Eles atribuem um sentido particularmente

forte ao papel da linguagem em fazer com que os fatos sejam o que são. O fator

decisivo na construção dos fatos e artefatos é a representação por meio de agentes

sociais na linguagem. Essa abordagem tem um papel importante no aparecimento

do termo ―tecnologias sociais‖ no Brasil, o que será abordado posteriormente.

Ian Hacking, em seu livro The Social Construction of What?, relata:

[…] construcionistas defendem que as classificações não são determinadas pelo que o mundo é, mas são formas convenientes para representá-lo. Sustêm que o mundo não vem convenientemente embrulhado em fatos. Os fatos são as consequências das maneiras como representamos o mundo.

46

(HACKING, 1999, p. 33)

Aplicada à tecnologia, a posição construcionista envolve a identificação dos

fatores sociais relacionados à criação e ao uso de uma tecnologia. Além disso, foca

em como a linguagem utilizada pelas pessoas para entenderem o que estão fazendo

em relação ao artefato tem a função de elucidar como este se desenvolve,

determinando qual o papel que vem a desempenhar nas atividades humanas.

2.4.2 História social de um artefato, o exemplo construcionista da bicicleta

O modelo clássico que ilustra a visão construcionista ao se narrar a história social de

um artefato diz respeito à bicicleta, exemplo fornecido por Bijker e Pinch (1997).

claim "reason" as their ally while the adversaries defend "humanity" against machines and mechanistic social organizations. The stage is set for a struggle for and against technology.‖ 46

Tradução nossa. Texto original: ―constructionists tend to maintain that classifications are not determined by how the world is, but are convenient ways in which to represent it. They maintain that the world does not come conveniently wrapped up in facts. Facts are the consequences of ways in which we represent the world.‖

Page 55: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

54

Esses autores abordam em seu trabalho as três áreas dos estudos sobre ciência e

tecnologia: sociologia da ciência; relação entre ciência e tecnologia e estudos sobre

tecnologia.

Enquanto Kirkpatrick usa o termo ―construcionista‖ (constructionist), por

preferir uma diferenciação em relação ao movimento artístico construtivista, esses

autores irão fazer referência a uma visão social ―construtivista‖ (constructivist), à qual

Schroeder acrescenta a opção de se dizer ―modelagem social‖ (social shaping)

como sinônimo, que é a parte do trabalho que nos interessa resgatar.

A representação de como se deu a evolução do processo decisório sobre o

design da bicicleta que deveria prevalecer, conforme as etapas de seleção

anteriormente expressas (figura 6), são esquematizadas por Bijker e Pinch, e as

ilustramos na figura 7. De acordo com esses autores, as linhas pontilhadas indicam

propostas que fracassaram, e as que estão à esquerda, são as opções que

prevaleceram.

Figura 6 – Passo a passo na elaboração social de um artefato em termos construtivistas, segundo a descrição encontrada no texto de Bjiker e Pinch (1997); ilustração produzida pela autora.

Page 56: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

55

Bijker e Pinch abordam quais foram os grupos sociais que influenciaram o

desenvolvimento do modelo de bicicleta denominado penny farthing em meio às

concorrentes (facile, xtraordinary, star e club safety), entre os quais estariam as

mulheres, beneficiadas pela roda da frente maior por usarem vestidos longos no final

do século 19; aliadas aos que usavam a bicicleta com intuito esportivo, que

gostavam da roda dianteira maior para amortecer a passagem por lombadas e para

ganhar maior velocidade. Os aspectos de segurança foram incluídos para satisfazer

os usuários idosos e turistas que usavam esse meio de locomoção. Com a chegada

dos pneus com câmera de ar e uma pressão incessante para o uso esportivo do

artefato, houve mudanças que fizeram com que o design que se estabeleceu

(rhetorical closure, sinônimo de desaparecimento dos problemas ou lock-in, na teoria

de Feenberg, ponto que fecha uma decisão sobre o padrão tecnológico que

Figura 7 – Modelos de bicicletas que competiram entre si até se chegar aos tipos que prevaleceram. Montagem feita pela pesquisadora com fotos de domínio público.

Page 57: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

56

prevalecerá daquele momento em diante sem perspectiva de retrocesso) até os dias

atuais fosse o de ambas as rodas com o mesmo tamanho.

2.4.3 Sociogramas e tecnogramas

Bruno Latour (1987) considera a abordagem construcionista algo idealista e

propõe um passo à frente, com uma ―sociologia da associação‖. Argumenta que

cada tecnologia reúne o desenho de um ―sociograma‖ de alianças com interesses

sociais sobre uma configuração específica de elementos técnicos, aos quais ele

denomina ―tecnograma‖. Ambos os conceitos, na leitura de Feenberg (2002), seriam

as duas faces da mesma moeda, em que uma configuração técnica em particular

refletiria a influência específica de uma rede de atores. A isso se atrelaria o fato de

que cada definição de tecnologia só pode ser encontrada na interseção dos dois

sistemas.

Bruno Latour e Michel Callon, formuladores da Teoria Ator-Rede (ANT), são

adeptos do ―construtivismo radical‖. Consideram que uma rede é formada tanto por

elementos humanos quanto não humanos e todos devem ser considerados ao se

descobrir que cada ator é, na verdade, uma rede, constituída pelas pessoas com

quem se relaciona e, também, por animais e objetos, como livros, mesa, telefone,

computador, sala etc.

[…] agentes sociais não estão nunca localizados em corpos e somente em corpos, mas, ao contrário, um ator é uma rede de certos padrões de relações heterogêneas, ou um efeito produzido por tal rede. O argumento é que pensar, agir, escrever, amar, ganhar dinheiro – todos atributos que nós normalmente encontramos nos seres humanos, são produzidos em redes que passam através do corpo e se ramificam tanto para dentro, como para além dele. Daí o termo ator-rede – um ator é também, e sempre, uma rede.

47 (LAW, 1992, p. 4)

Há quem considere o ideário de Latour uma espécie de devaneio, por não se

propor a construir um discurso alinhado ao da sociologia da tecnologia que diria

respeito ao funcionamento dos artefatos, do ponto de vista técnico; à análise social

visando entender a interpretação que os indivíduos atribuem a determinado item; e

uma crítica normativa que avaliaria os usos atuais da tecnologia em relação àqueles

47

Tradução da autora. Texto original: ―social agents are never located in bodies and bodies alone, but rather that an actor is a patterned network of heterogeneous relations, or an effect produced by such a network. The argument is that thinking, acting, writing, loving, earning – all the attributes that we normally ascribe to human beings, are generated in networks that pass through and ramify both within and beyond the body. Hence the term, actor-network – an actor is also, always, a network‖.

Page 58: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

57

que permanecem no campo das possibilidades. Para Latour, o foco da teoria ator-

rede está na codificação das relações entre redes sociais em um discurso

explanatório e interpretativo.

2.5 ORIGEM E USO DA EXPRESSÃO ―TECNOLOGIA SOCIAL‖ NO BRASIL

Como processo comunicacional, a

rede de tecnologia social brasileira,

ou mesmo latino-americana, pode

ser mais bem explicitada com a

perspectiva de Latour, uma

tentativa de codificação das

relações, acrescidas de

significados.

Para compreender o uso

do termo tecnologia social,

conforme é empregado no Brasil

nos últimos anos, é possível

elaborar o rascunho de uma espécie de sociograma (figura 8), com alguns

elementos impulsionadores do que certamente se transformou em ―bola de neve‖,

metáfora usada por esse autor para dizer que as inter-relações em rede estão em

constante expansão. É preciso fazer a ressalva que essa história é contada de

maneiras diferenciadas, e as referências bibliográficas, os testemunhos coletados e

a possibilidade de estarmos presentes em alguns desses fóruns conduziram-nos a

essas escolhas.

2.5.1 CT&S – temática que se mantém e ganha força no transcorrer das últimas

décadas

A localização no tempo e espaço da gestação da rede de tecnologia social é

incerta, e neste capítulo encontra-se explicitação de várias fontes de ―polinização‖ e

semiose do termo, ideias e linguagem que acompanham essa rede, fórum,

movimento. Há, por exemplo, um respondente a nosso questionário de pesquisa que

aponta a conclusão de seu mestrado sobre tecnologias sociais em 1986. Antes dele,

Figura 8 – Esboço de ―bola de neve‖, com os elementos cujos processos comunicativos podem estar diretamente associados à disseminação de ideas e uma linguagem que contribuiu para o fortalecimento de uma rede de tecnologias sociais no Brasil.

Page 59: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

58

Renato Dagnino escolhera como tema de sua dissertação de mestrado, em 1978, as

tecnologias apropriadas, com o título – Tecnologia apropriada: uma alternativa?

Antes disso, as atividades de extensão universitária, iniciadas nos anos 1950

e 1960, evoluíram e ganharam novas tonalidades na década de 80, aproximando-se

de um ideário que Hess (1997) chama de Estudos de Ciência, Tecnologia e

Sociedade, ou somente ―CT&S‖, no Brasil, com o ―S‖, de sociedade, trazendo à baila

a preocupação com assuntos referentes à justiça social bem como crescente multi e

interdisciplinaridade nos processos comunicacionais de ―unidades que iam além de

organizações formais, como laboratórios, disciplinas, departamentos e organizações

de pesquisa‖. Busca-se maior proximidade entre o problema de pesquisa e o

―problema social‖, conforme mencionado no item 2.3.4 desta dissertação. A

expressão ―invisible college‖, atribuída a Robert Boyle, no século 17, mantém-se em

processo de semiose e foi ressignificada em 1972, quando Diana Crane a utilizou

com o sentido de ―redes de comunicação‖, ―círculo social‖, ―grupo de solidariedade‖

(HESS, 1997, p. 73). Coincidentemente, um dos respondentes ao questionário desta

pesquisa disse que o movimento pelas TSs é algo que começou como ―movimento

invisível‖.

O fortalecimento da Sociedade civil, principalmente nos setores comprometidos com as classes populares, em que oposição ao enfraquecimento da sociedade política, ocorrido na década de 80, em especial nos seus últimos anos, possibilita pensar a elaboração de uma nova concepção de Universidade, baseada na redefinição das práticas de Ensino, Pesquisa e Extensão até então vigentes. Do assistencialismo passou-se ao questionamento das ações desenvolvidas pela extensão; de função inerente à Universidade, a Extensão começou a ser percebidas como um processo que articula o ensino e a pesquisa, que organiza, assessorando, os movimentos sociais que estavam surgindo. (BRASIL, 2010)

Almeida (2010) relaciona a contribuição da extensão universitária ao

desenvolvimento de tecnologias sociais com vários ciclos virtuosos, desde o

destaque ao acesso de grupos populacionais às políticas públicas, até a renovação

dos conteúdos em sala de aula e aproximação da pesquisa com a ―descoberta da

realidade, dos problemas da população e das respostas aos problemas para a

imediata apropriação dos resultados‖. Há também uma inter-relação com a

percepção de Joseph Coates, que correlaciona tecnologia social à importância de

novas institucionalidades: ―quebrar resistências, modificar arranjos institucionais,

Page 60: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

59

valorizar nichos e iniciativas emancipadoras são condições necessárias para a

profícua relação universidade-comunidade‖ (ALMEIDA, 2010, p. 15).

Localizou-se no Relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre

as Dimensões e Causas do Atraso Tecnológico Brasileiro (BRASIL, 1992) uma boa

oportunidade para imiscuir-se entre os doutos da discussão sobre C,T&I no país,

como ocorria nos anos 1990. Essa CPMI, ao contrário das atuais, não tratou de

crimes de lesa-pátria. Dedicou-se a inquirir 100 pessoas com atuação de destaque e

conhecimento aprofundado em diversos setores – naval, aeronáutico, aeroespacial,

eletrônico, automobilístico, de telecomunicações, agroindustrial, químico, energético,

mineral, educacional, de biotecnologia, entre outros. Pode-se observar correlações

com o Centro de Estudos dos Problemas Humanos de Jean Coutrot (mencionado

anteriormente, no item 2.3.1), pois são fóruns que surgem em momentos de crise

nacional e buscam, na intelligentsia do país (abordagem top-down), a capacidade de

gerar propostas para uma reengenharia que fomente o desenvolvimento econômico

e social, à época de Coutrot também chamada de tecnologia social.

Se fizermos os conteúdos dessa CPMI dialogar com discursos da atualidade,

é notável, por exemplo, a sincronicidade de certas abordagens, como a de José

Walter Bautista, em 1991, analisando as alternativas energéticas do país nessa

CPMI, como se constata no trecho a seguir:

[...] essa energia (referindo-se à energia solar) que incide sobre o continente brasileiro é equivalente, por dia, à energia produzida por 300 mil Itaipus funcionando 24 horas por dia. Como um país, com essa exuberância energética, pode viver uma crise energética e montar uma dívida externa por causa dessa crise? [...] Então, a perspectiva industrial, qualquer perspectiva de desenvolvimento não é absolutamente viável sem um parâmetro crucial, que é a questão energética. Sem energia não há indústria, não há agricultura, não há transporte, não há vida, nem do ser humano nem da ameba. (BRASIL,1994, p. 112)

E ecoam, em estreita relação, no ideário da palestra de João Nildo Vianna, professor

do Centro Desenvolvimento Sustentável da UnB e pesquisador associado da

Faculdade de Tecnologia da UnB, com pesquisas na área de energia em

comunidades agroextrativistas e indígenas na Amazônia. Vianna discorreu sobre a

qualidade da matriz energética brasileira, no Ciclo Feenberg48, forma abreviada de

48

Disponível em: http://www.unbcds.pro.br/omts/index.html Acesso em maio de 2010.

Page 61: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

60

fazer referência ao curso ―A Teoria Crítica da Tecnologia, de Andrew Feenberg:

Racionalização Democrática, Poder e Tecnologia‖, realizado na UnB em abril e maio

de 2010. Nildo explicitou nessa ocasião os dados que fazem da escolha pela energia

nuclear uma opção ―politicamente insustentável e sem competitividade econômica‖.

Sua fala coincidiu com o momento em que 120 mil manifestantes alemães uniram os

braços em uma corrente pacífica ligando as cidades de Brunsbuettel e Kruemmel,

cortando Hamburgo, no norte do país, ao se oporem às decisões do governo em seu

portfólio favorável à manutenção de uso da energia nuclear (ROHAN; SENGER, 2010),

uma iniciativa construtivista (bottom-up), e que está na gênese de todo discurso

sobre tecnologias sociais no Brasil e em outros países: a pressão pelo ―redesenho‖,

inter-relação aventada por Feenberg, ou ―adequação sociotécnica‖, no dizer de

Dagnino.

Da mesma forma que Latour, com o seu ―Ciência em Ação‖ propõe que é

necessário seguir cientistas e engenheiros sociedade afora, para se desvendar a

bola de neve dos movimentos e mudanças gerados por esses profissionais, no caso

das tecnologias sociais, seria preciso seguir esses atores, os bastidores por onde

circularam e as relações construídas e nutridas para se desenhar o sociograma

daqueles que, a partir da década de 80, já manifestavam afinidades com o tema,

hoje chamado tecnologias sociais, e se mantiveram nesse caminho.

No caso do Instituto de Tecnologia Social (ITS), sua gerente executiva, Irma

Passoni, foi a relatora da CPMI sobre as Dimensões e Causas do Atraso

Tecnológico Brasileiro. O ITS mantém-se protagonista na construção de um fórum

nacional das ONGs que conversam e atuam em interface com as tecnologias

sociais, com ampla produção bibliográfica e textos didáticos voltados à

popularização do tema (PASSONI, 2007). Além da participação na Conferência

Nacional de C&T, em 2001, houve dois seminários, organizados por essa instituição,

com o apoio da Academia Brasileira de Ciência (ABC) e do MCT, com o tema ―Papel

e inserção do terceiro setor na construção e desenvolvimento da ciência, tecnologia

e inovação‖. Ambos os encontros têm o relato dos conteúdos das discussões em

arquivos de acesso público na Infoteca do ITS. O primeiro seminário ocorreu na

capital do país, em 2002; e o segundo foi realizado em São Paulo, em 2003, com a

participação de 40 e 100 ONGs, respectivamente. Frutos desses encontros são a

construção de um conceito para tecnologia social, o Centro Brasileiro de Referência

Page 62: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

61

em Tecnologia Social (CBRTS), o Diretório da Pesquisa Privada (DPP), a

Declaração das ONGs: Ciência e Tecnologia com Inclusão Social, entre outros feitos

que propagaram ainda mais uma rede de tecnologia social, em seu sentido amplo,

igualmente denominada ―fórum‖ ou ―movimento‖.

A Fundação Banco do Brasil é outra liderança com senioridade e ampla

atuação na mobilização, divulgação e disseminação das tecnologias sociais,

partícipe de ambos os fóruns anteriormente citados, com inserção em escala

nacional, mantendo um banco de tecnologias sociais e uma premiação que

anualmente consagra os empreedimentos de sucesso:

Contribuir para a inclusão e transformação social, por meio de ações que visam a sustentabilidade das comunidades envolvidas. Esse é o propósito da Fundação Banco do Brasil, que atua na identificação, reconhecimento e investimento de Tecnologias Sociais, isto é, produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidos na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social. (FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2010)

Em 2003, foram gestadas a Rede de Tecnologias Sociais (RTS)49 e a

Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (Secis) do MCT, novos

arranjos institucionais que perpetuam, multiplicam e ressignificam os conteúdos dos

fóruns anteriormente mencionados, destacando-se à época da criação de ambas,

além dos atores já referidos, a inserção de novos elementos e relações, como foi o

caso da participação da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão

Estratégica da Presidência da República (Secom – PR) e do Serviço Brasileiro de

Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

2.5.2 Referências sobre o tema

Conforme ressaltado no item 2.3.1, lembremos que Martina Rillo reportou

haver encontrado ―21 organizações e 26 textos‖ em seu levantamento bibliográfico,

há seis anos. Esse cenário de referências sobre o tema encontra-se em expansão,

com número crescente de textos que abordam essa temática e servem para elucidar

como está se desenvolvendo a história e o interesse pelas TSs no Brasil. Ao

pesquisar sobre tecnologia social na base da Scielo (figura 9), os resultados obtidos

foram os seguintes:

49

Quando a RTS foi criada, reunia 30 instituições. Em 2010, são mais de mil membros associados.

Page 63: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

62

Base

consultada

Termo da busca Resultado Artigos selecionados

Scielo (Brasil) tecnologia social 142 35

Scielo (Brasil) ―tecnologia social‖ 2 Contidos na busca anterior

Scielo (Brasil) ―tecnologias sociais‖ 2 Não estavam incluídos nos

resultados anteriores

Figura 9 – Pesquisa realizada na base Scielo, em 2009, para encontrar trabalhos que abordem a

questão da(s) tecnologia(s) social(is).

Desses, apenas um dos artigos (RODRIGUES; BARBIERI, 2008) traz o

ideário recente que contextualiza a construção de um conceito de tecnologia social

como o que foi elaborado, inicialmente, em rede, pelo Instituto de Tecnologia Social

em parceria com as ONGs, Fundação Banco do Brasil, Academia Brasileira de

Ciência (ABC) e Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O conceito de tecnologia

social, construído coletivamente, apresenta algumas nuanças de diferenciação nos

consensos enunciados, com o passar do tempo e realização de novos fóruns. A

seguir, dispomos quatro exemplos de variação de enunciação.

Na figura 10, o discurso da Academia, inspirado na teoria crítica, de

resistência ao capitalismo e a seus valores, não está explícito nesses enunciados,

mesmo que haja menção à ―inclusão e transformação social‖. Franquia (reaplicação)

e responsabilidade social estão presentes em interseção com o discurso do governo

que preza pela ―simplicidade‖ das tecnologias, com certo ―agravante ideológico‖, ao

dizer que as tecnologias sociais destinam-se aos mais carentes, em substituição à

palavra ―comunidade‖ (que não é seletiva em relação à classe social), o que pode ter

várias interpretações, inclusive a da vontade de controle, de barrar o acesso das

―populações mais carentes‖ às tecnologias das classes A, B e C.

No caso dos quesitos de sustentabilidade, a atividade de lidar com o lixo, por

exemplo, no Brasil, tem a predominância do ―passe de mágica‖, observado por

Marcondes: ―a relação das pessoas com o lixo é mágica. Colocam-se os resíduos

em um saquinho na calçada e ‗puf‘, ele desaparece‖ (MARCONDES, 2010, p. 39).

Ao distinguir TS ―para os mais carentes‖, a economia, o discernimento, trabalho e

até sacrifícios que uma consciência e um agir ambientalmente responsável

Page 64: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

63

Figura 10 – Conceitos de tecnologia social, diagramados de forma a ressaltar os elementos que os

constituem.

requerem ficariam como incumbência das populações mais carentes, enquanto, no

topo da pirâmide, o paraíso da produção nociva ao meio e o consumo desenfreado

da throw-away society (TOFFLER, 1970), ficaria preservado, sem os

questionamentos do ―pensar globalmente, mas agir localmente‖, mantendo-se a

relação mágica da produção e ―sumiço‖ do lixo. O mesmo raciocínio se aplica a

países desenvolvidos que advogam por medidas de contenção da poluição fora de

seus territórios, mas não assinam termos de compromisso nos quais esteja em jogo

a própria participação na construção da sustentabilidade.

Page 65: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

64

Figura 11 Resultados ―numéricos‖ da busca por ―tecnologia(s) social(is)‖ no Google e

Google Acadêmico, em 2009.

As publicações do ITS, MCT, Fundação Banco do Brasil, Rede de Tecnologia

Social, bem como as de Brandão (2001 e 2004), Dagnino (2004 e 2009) e Rocha

Neto (2007), que são marcos referenciais ao se buscar pensar esse ―movimento‖,

foram encontradas nos links oferecidos no Google, ao se usar a mesma estratégia

de busca da Scielo, em 2009, como se pode visualizar na figura 11.

Outro reduto de massa crítica sobre TSs, mais recente, é o Observatório do

Movimento pela Tecnologia Social na América Latina50, que tem uma linha de

pesquisa dentro do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Universidade

de Brasília (UnB) – ―Ciência, Tecnologia e Inovação para a Sustentabilidade‖,

aprovada em outubro de 2007, pela diretoria do CDS. Os objetivos do Observatório

50 Thomas e Fressoli (2009), em trabalho publicado na coletânea organizada por Dagnino,

mencionam o propósito de desenvolver uma metodologia de estudos de casos relacionados às tecnologias sociais no Brasil, Uruguai e Argentina. Andrés Randazzo, da Sanut, instituição que tem por missão a erradicação da desnutrição infantil em áreas rurais no México, participou, assim como Thomas, da 2ª Conferência Internacional de Tecnologia Social, em Brasília, 2009.

Page 66: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

65

encontram-se listados em uma ―Carta Transparência‖, de maio de 200951, disponível

on-line e que sintetizamos, grosso modo, como fomento ao debate sobre

democratização da tecnologia como fundamento para sociedades sustentáveis,

lembrando que ―sustentabilidade‖ foi o conceito-chave da 4ª Conferência Nacional

de Ciência, Tecnologia e Inovação (4ª CNCTI), onde circulou a publicaçao mais

recente sobre o tema Tecnologia Social e Desenvolvimento Sustentável (REDE DE

TECNOLOGIA SOCIAL, 2010).

Na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) encontraram-

se resultados que aproximam o tema da preocupação ao meio ambiente, mais

especificamente quanto à gestão dos resíduos sólidos, como é o caso do trabalho

de Luciana Lopes (2006), bem como no uso e tratamento dos recursos hídricos,

novos materiais para habitações ―populares‖, novas tecnologias para a saúde

humana, área em que merece destaque o case dos fitoterápicos que passaram a ser

reconhecidos e utilizados pelo Sistema Único de Saúde (CARVALHO, 2009),

interseção com o terceiro sentido de folk technology anteriormente descrito,

utilização de saberes ancestrais que estão em harmonia com o meio.

O acaso, ao pesquisar no Banco de Teses e Dissertações da Área de

Comunicação da USP, conduziu-nos ao trabalho de Sílvia Salgado (2005), que, da

mesma forma que o relatório da CPMI das causas e dimensões do atraso

tecnológico brasileiro, não utiliza a expressão ―tecnologia(s) social(is)‖ em momento

algum, porém faz todo um resgate de processos comunicativos como instrumentos

de gestão e participação cidadã em uma esfera municipal de governo. É o que Mayo

e Moore (2001) denominam ―o Estado mútuo‖, descrevendo como as comunidades

locais podem participar na elaboração e gestão de políticas públicas. A tese de

Salgado, ao narrar o caso da Rede de Comunicação de Experiências Municipais

(Recem), explicita que entre 1987 e 1990, o desenvolvimento local participativo já

dava muito o que falar sobre gestão local; consórcios intermunicipais, poder local e

cidadania talvez ainda não fossem denominados ―desenvolvimento local

participativo‖, mas já havia a predisposição para inquirir como se dá a comunicação

sob a perspectiva de aproximação entre Estado e sociedade nas comunidades

estudadas.

51

Disponível em: http://professores.cds.unb.br/omts/conteudo_arquivo/060509_18B536.pdf. Acesso em: 4 jun. 2010.

Page 67: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

66

Figura 12 – Algumas expressões selecionadas na dissertação de Brandão (2001), acrescidas de

outras mais recentes, sobre a busca de sentido valorativo das tecnologias. Ilustração da autora.

2.5.2.1 Tecnologias apropriadas

O movimento das tecnologias apropriadas (TAs) é apontado como o berço

das tecnologias sociais no Brasil, com uma correção imprescindível ao se falar sobre

esse tema, pois tecnologia não é mais algo de que devemos nos apropriar ou tentar

reproduzir de forma acrítica, e sim um processo comunicativo e de construção

conjunta de soluções para os problemas das comunidades, a busca por uma

―adequação sociotécnica‖, no dizer de Renato Dagnino em sua palestra no Ciclo

Feenberg e em seus artigos. A figura 12, com uma seleção de termos encontrados

na dissertação de mestrado de Brandão (2001), explicita essa busca por novos

sentidos associados à tecnologia com o passar do tempo, e demonstra o predomínio

da preocupação com valores ao se adjetivar tecnologia.

Page 68: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

67

Figura 13 – Flávio Cruvinel Brandão apresenta os conteúdos de seu trabalho na 2ª

Conferência Internacional de Tecnologia Social em 2009. Rodrigo Fonseca é o

terceiro participante à direita. Foto da autora.

Brandão (figura 13) menciona que ―a bibiliografia sobre as TAs reconhece a

sua origem, em termos explícitos e organizados, nos pensamentos e práticas de

reformadores hindus do século 19‖. (BRANDÃO, 2001, p. 29). Talvez isso esteja na

origem de um texto mais recente que menciona que o conceito (de tecnologia social)

―tem a sua origem na Índia de Mahatma Ghandi, líder que acreditava na adaptação

das tecnologias à realidade local e pregava a autonomia das comunidades a partir

de atividades já dominadas pelo conhecimento popular‖ (BRASIL, 2010). Brandão

menciona que, no mundo ocidental, a introdução das tecnologias apropriadas ficou a

cargo de Ernst Friedrich Schumacher52, que lançou o conceito de tecnologia

intermediária (não a ―tecnologia de baixo nível‖, perpetuadora da pobreza das

populações mais carentes, nem a tecnologia sofisticada e moderna do Ocidente).

Schumacher constatou que não havia um meio termo entre ―tecnologias de baixo e

alto teor‖. Menciona a necessidade de se ter ―sapatos confortáveis‖, por exemplo. Na

figura 14, buscamos explicitar como esse ―alto teor‖ está traduzido em quesitos de

competitividade na indústria calçadista da atualidade (UFRJ e UNICAMP, 2009),

com o contraponto do inusitado sucesso das Havaianas brasileiras que, em vez do

conjunto de ―altos teores‖, ganhou ascendência com diferenciação de modelos,

52 Autor de Small is beautiful: economics as if people mattered. New York: Perennial Library, Harper &

Row, 1973.

Page 69: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

68

Figura 14 – Ilustração da autora, com os elementos que contribuem, na atualidade, para que

um calçado tenha alto teor de conhecimento agregado. Incluímos o case das Havaianas, que

representa um desdobramento inusitado de sucesso na indústria de calçados brasileira.

mudança da embalagem e forma de distribuição, bem como marketing e presença

constante na mídia53.

Vale notar que em relação à economia solidária, que em 2007 já contava com

22 mil empreendimentos econômicos solidários no Brasil, a expressão ―tecnologia

apropriada‖ continua a ser a escolhida entre as muitas opções existentes (como as

que aparecem na figura 12), com ressignificação em relação a seu sentido original:

A Plataforma da Economia Solidária, ao enfatizar a necessidade de ‗desenvolvimento e acesso às tecnologias apropriadas à Economia Solidária‘, qualifica as tecnologias apropriadas como aquelas que ‗respeitando a cultura e os saberes locais, agrega-lhes maior valor e garante a melhoria das condições de trabalho, de saúde e de sustentabilidade ambiental dos empreendimentos‘. (SILVA E FARIA, 2010, p. 66)

Para Ivan Rocha Neto, o conceito de ―tecnologia apropriada‖ não deve ser

confundido com a noção de ―tecnologia social‖. Pondera que o primeiro tem sido

usado ―em oposição à tecnologia de ponta, ou que tem por base os avanços

científicos mais recentes‖, fazendo a ressalva:

Nada contra esta distinção, que se consolidou na literatura, mas todas as tecnologias precisam ser apropriadas, no sentido de sua adequação ética, social, econômica e política, independentemente de seus graus de sofisticação. (ROCHA NETO, 2007, p. 3)

Na atualidade, constatou-se nas referências consultadas um diferencial na

percepção de alguns autores indianos54, em relação a brasileiros, pois os primeiros,

53

Informações obtidas na palestra de Rui Porto, diretor de comunicação e mídia da São Paulo Alpargatas, no 2º Seminário Internacional de Comportamento e Consumo, realizado no Rio de Janeiro em 2007. 54

Faz-se tal menção relacionada aos autores citados em relação a um dos sentidos de folk technology. Porém, há movimentos na Índia que estão em correlação a uma crítica da pegada

Page 70: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

69

ao abordarem as folk technologies, não o fazem com uma visão anticapitalista, e sim

de crença no milagre da ―multiplicação da riqueza‖, aumento da produção e

consumo de bens e serviços como força motriz para maior e melhor distribuição de

riqueza e conhecimento. Conforme enunciado por Subramaniam, aumento do PIB e

o exemplo da Revolução Verde são as orientações para reprodução do sucesso.

Contraste em relação às vozes brasileiras, ou latino-americanas, que

advogam pela tecnologia social com um olhar crítico e diferenciado, quando está em

debate o modelo capitalista de produção e consumo de bens e serviços,

especialmente o que denominam jobless growth economy, economia do crescimento

com muito desemprego. Dowbor (2005) é um dos porta-vozes da crítica ao Eldorado

do PIB – ―irracionalidade econômica, social e ambiental‖ – analisando que há muitos

recursos, pessoas e solos subutilizados no país. Ciente da observação de Castells

(2010) – ―uma mensagem negativa é cinco vezes mais eficaz que uma mensagem

positiva‖ –, Dowbor tem em seus trabalhos ampla gama de exemplos de ciclos

virtuosos em que o diferencial, promotor da virada do jogo, fica a cargo da

comunicação e mobilização com a estrutura de uma base de informações e

articulações para o desenvolvimento local.

Por essas e muitas outras razões, o discurso da geração de emprego e renda,

com a perspectiva da economia solidária, sobressai quando se fala em tecnologia

social no Brasil.

2.5.2.2 O ―sequestro semântico da inovação‖

Outro aspecto que apresenta considerável diferenciação de sentido na

comunicação entre os atores que interagem com o tema das TSs é o que cada um

quer dizer quando usa a mesma palavra – ―inovação‖ – em diferentes contextos.

humana (human footprint), deixada pelo modelo capitalista, como ocorreu com a Declaração de Plachimada, resultado de uma manifestação de 2 mil camponeses de Mehdiganj, Índia, que defenderam o fechamento da planta da Coca-ola nessa localidade. Questionavam qual deveria ser o melhor uso das reservas hídricas da região; como enfrentar a perspectiva de estiagem causada pelo aumento do consumo de água, resultado das ações dessa empresa; e quem são os donos das águas do planeta (MEYER; KIRBY, 2010). Esse feito serve como exemplo da preocupação com a sustentabilidade e denota como as lideranças estão lidando com a crescente transparência dos atos das empresas, as ―externalidades‖, termo utilizado por economistas para indicar o que Feenberg aponta, na visão instrumental da tecnologia, como o discurso dos ―efeitos colaterais‖, resultados nefastos das operações dos que fazem negócios em um mundo de C&T globalizadas, mas ainda com muitas exclusões de beneficiários dos ―progressos‖ do ―desenvolvimento‖. É um movimento que expôs a inadequação sociotécnica do empreendimento da Coca Cola entre os camponeses dessa localidade na Índia, os quais se uniram e se manifestaram a favor de um redesenho. Plachimada Declaration: <http://www.blueplanetproject.net/Movement/documents/P_Declaration.pdf> Acesso em: 12 mai. 2010.

Page 71: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

70

Quando Silvia Picchioni (2003) narrou que um pedreiro de São Paulo, que

construía piscinas nessa cidade, regressou a sua terra natal, no Nordeste, e

começou a construir e ensinar a fazer cisternas, isso representou uma inovação para

a comunidade em que se reinseriu. Nesse caso, a palavra ―inovação‖ tem um

sentido distinto do que é usado na Academia, o que leva Dias e Novaes (2009) a

aventarem que houve um sequestro semântico desse termo nos fóruns sobre TSs.

Tal façanha gerou um complemento para diferenciá-la daquela que já tem dono na

economia da inovação: ―inovação social‖, que esses autores julgam poder ser

utilizado como um termo equivalente para ―tecnologia social‖. A ―outra‖, a inovação

tecnológica, seria contrária à proposta da TS:

O conceito de inovação remete, fundamentalmente, à criação ou melhoria de um produto, processo ou forma de organização (produtiva, administrativa, etc.) com uma motivação necessariamente comercial. Quando uma novidade é criada sem essa finalidade ela é tida como uma invenção. Nessa distinção, aparentemente inócua, encontra-se o aspecto que, de fato, define a inovação no sentido estrito. (DIAS e NOVAES, 2009, p. 58)

No campo das premiações, os territórios foram logo demarcados, separados,

e em 2005 surgiu o Prêmio Finep de Inovação, que instituiu a categoria ―Inovação

Social‖, em que premia instituições científicas e tecnológicas públicas ou privadas,

cooperativas e ONGs por projetos inovadores que atendam aos requisitos das

tecnologias sociais.

Ainda no âmbito da fala de Picchioni, existe outro universo para uso da

palavra inovação que diz respeito ao arranjo institucional inédito que fez surgir a

Articulação do Semi-Árido (ASA), uma coalizão de mais de 750 entidades e

organizações da sociedade civil de 11 Estados – Igrejas Católica e Evangélica,

ONGs de desenvolvimento e ambientalistas, associações de trabalhadores rurais e

urbanos, associações comunitárias, sindicatos e federações de trabalhadores rurais,

movimentos sociais, organismos de cooperação nacionais e internacionais, públicos

e privados.

Dias e Novaes também se posicionam contrários à inclusão da palavra

―metodologias‖ no conceito, pois acreditam que muitas vezes elas não abrangem

elementos que possam ser entendidos como tecnologias. Acrescentam que a

―excessiva flexibilidade do conceito‖ prejudica o avanço e foco das discussões sobre

o tema. Adotam o conceito de tecnologia expresso por Dagnino, Brandão e Novaes:

Page 72: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

71

[…] tecnologia engloba desde o desenvolvimento de uma máquina (hardware) até as formas de compreender o processo produtivo e a concepção de sistemas de processamento de informação (software), passando pelas tecnologias de gestão – organização ou governo – das instituições públicas e privadas (orgware). (DAGNINO; BRANDÃO;

NOVAES, 2004, p. 34)

2.5.2.3 O debate sobre a teoria crítica com a participação de Feenberg

Robert Merton, sociólogo americano, liderou uma corrente de pensamento

nos anos 1970, com a defesa de que em países democráticos a ciência é e deveria

permanecer uma instituição relativamente autônoma. Que deveria estar livre do

controle direto do Estado, da Igreja, do capital privado, ou outras partes

―interessadas‖ que não deveriam se tornar ―patrões da ciência‖ (HESS, 1997, p. 57) .

Há, também, filósofos que isentam a ciência de responsabilidade social:

[...] o termo responsabilidade não responde aos questionamentos técnicos — ‗quem é obrigado a responder o quê?‘ (...) ‗de que meios aquele que deve responder a essa questão dispõe para estabelecer o seu posicionamento?‘. Sem respostas a esses questionamentos, o grande tema da responsabilidade, tanto a da ciência como a dos cientistas, permanece assunto para dissertações morais. Sem interesse.

55 (STENGERS E

BENSAUDE-VINCENT, 2003, p. 350)

Esse posicionamento, de resguardo da adequação empírica como pré-

requisito exclusivo na validação da P&D, recebeu contestações que partiram das

próprias comunidades científicas, com o acréscimo de grupos militantes da

população que manifestam-se argumentando que ―a ciência deve ser dos cidadãos‖,

o que tornou a controvérsia uma norma no meio científico – e fora dele também.

Segundo o professor do Centro Interuniversitário de Pesquisa sobre a Ciência

e Tecnologia da Universidade de Québec em Montreal (Canadá) Yves Gingras, a

eclosão desse movimento é atribuída justamente à palavra de maior reincidência em

nossa pesquisa sobre as tecnologias sociais: sustentabilidade. O processo

começa, a seu ver, com a publicação, nos anos 1960, do livro Silent Spring, da

bióloga americana Rachel Carson, que colocava em questão o uso dos pesticidas e

outros componentes químicos nocivos ao meio ambiente, obra que veio a se tornar a

―bíblia dos ambientalistas‖ (FORGET, 2006, p. 63).

55

Tradução da autora. Texto original:‖[…] le terme ‗responsabilité‘ ne répond pas à la question technique: ‗Qui est contraint de répondre de quoi?‘, et avec les corrélats pratiques de cette définition: ‗de quels moyens celui qui doit répondre dispose-t-il pour tenir cette position?‘ Sans réponses à ces questions, le grand thème de la responsabilité, de la science ou des scientifiques, restera matière à dissertations morales. Sans intérêt.‖

Page 73: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

72

Resultados de pesquisas e maravilhas

tecnológicas dignas de contestação dentro e

fora da Academia têm eco na seleção de

conteúdos que estão no debate sobre a teoria

crítica da tecnologia no Brasil, atualmente

recebendo a colaboração do filósofo canadense

Andrew Feenberg (figura 15). O pensamento

crítico construído na Universidade Estadual de

Campinas e também na Universidade de

Brasília, a primeira sob a coordenação de

Renato Dagnino, e a segunda com a

coordenação de Ricardo Neder, oferece

contribuições para que esse tema seja tratado

de forma indissociada de uma visão crítica do

modelo capitalista que engendra as tecnologias

capitalistas ou convencionais (TCs). Para

Dagnino, pensar tecnologia social é procurar uma conceituação que esteja em

sintonia com os princípios da economia solidária. Esse autor identifica a origem da

expressão ―tecnologia social‖ no Brasil como uma forma abreviada de ―tecnologia

para a inclusão social‖.

As vindas de Feenberg a Brasília em abril de 2009 e 2010 marcaram o intuito

de ambas as universidades, juntamente com a Rede de Tecnologia Social e

parceiros, de incentivar a reflexão sobre tecnologias sociais à luz da teoria crítica.

Foi a equipe da RTS que introduziu esse termo no vocabulário do filósofo

canadense, que até então o desconhecia.

Da mesma forma que buscamos sintetizar as diferenciações de

posicionamento ao se analisarem ciência, tecnologia e sociedade, com menções à

divisão proposta por Kirkpatrick (tradição marxista e da teoria crítica; perspectiva

feminista e vertente socioconstrucionista) e de Schroeder (determinismo científico e

tecnológico e construtivismo social ou construtivismo cultural), as discussões no

Brasil também estão, no âmbito acadêmico, com passagem obrigatória por essas

diferenciações proporcionadas pela filosofia da ciênca e sociologia da ciência.

Feenberg propõe um esquema (figura 16), resgatado em nossas anotações sobre

Figura 15 – Andrew Feenberg, professor da Escola de Tecnologia da Comunicação Simon Fraser, do Canadá. Participou da 2ª Conferência Internacional de Tecnologia Social, em 2009, e foi palestrante no curso – ―A Teoria Crítica da Tecnologia, de Andrew Feenberg: Racionalização Democrática, Poder e Tecnologia‖, realizado na UnB em abril e maio de 2010. Foto da autora.

Page 74: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

73

suas palestras na UnB, e a partir

dessa ilustração buscamos trazer

algumas ideias do pensamento

desse filósofo, de ambas as vindas a

Brasília, resumidas a seguir:

Conforme representado na

figura 16, o instrumentalismo

representa a tecnologia com o véu

da neutralidade e sem orientação

para valores: ―fazemos o que

quisermos‖. Meios e fins são

independentes, como ilustra

Feenberg ao citar a argumentação

da Associação Nacional de Rifles dos EUA: ―as armas não matam as pessoas, são

as pessoas que matam as pessoas56‖. Apolítico, o instrumentalismo serviria à

espécie humana como um todo, sem controvérsias, o que resulta na idade dos

desastres ambientais, cujas consequências são tidas como ―efeitos colaterais‖,

como é o caso da visão instrumentalista sobre o aquecimento global.

O determinismo espelha o posicionamento trazido com a teoria da

modernização, e o próprio Marx deixava transparecer seu entusiasmo com os

progressos da tecnologia, ao dizer: ―alemães, olhem para a Inglaterra e verão o

seu futuro‖. Na visão determinista existe um só caminho, que é o da eficiência, o

qual se constrói pelo poder exercido sobre a natureza, esplendor das teorias

tecnocráticas.

O substantivismo tem a tecnologia sob a ótica de valores e da autonomia.

Heidegger defendia a incorporação não só de fatos, mas de valores, que seriam

desenvolvidos via lógica interna e não só pelo valor de uso. ―As ferramentas que

usamos nos moldam; estamos dentro da máquina‖, pontua Feenberg ao relembrar

esse autor. A tecnologia perde sua especificidade em relação a diferentes

universos culturais, ocorrem substituições da tradição e dos rituais, a produção de

56

Essa frase também é dita pelo ―diabo‖, personagem interpretado por Max von Sydow no filme ―Needful Things‖, baseado no livro de Stephen King, de 1993.

Figura 16 – Representação do esquema proposto

por Feenberg para analisar as quatro visões de C&T

com as suas diferenciações calcadas em valores e

participação/engajamento.

Page 75: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

74

alimentos deixa de ser um empreendimento familiar, de fazenda, para se tornar

industrial: Feenberg aponta o MacDonalds com a nova função de ―refueling

operation‖. Todas essas mudanças, para um filósofo essencialista como

Heidegger, são sinônimo de declínio, queda, processo de derrocada que uma vez

iniciado não permite retorno, daí sua consagrada máxima: ―só Deus pode nos

salvar‖. Feenberg ironiza ao dizer que as prateleiras repletas de livros de autoajuda

são ―manuais de operação para o melhor funcionamento do equipamento

humano‖, mas diz que a teoria crítica, formulada a partir de Marcuse e Foucault,

consegue oferecer propostas mais esperançosas, pois a perspectiva histórica é

incluída, há nuanças sobre controle social e democracia que permitem vislumbrar a

possibilidade de uma repolitização das abordagens relacionadas a escolhas

tecnológicas, e o desdobrar da história traz respostas a Heidegger: ―não

precisamos de um Deus e sim de um movimento‖. Lembra o exemplo de como a

Aids não era prioridade na esfera de pesquisa médica, e passou a ser pela

pressão exercida pelos pacientes. No contexto francês, o Minitel57 é citado como

típica iniciativa construtivista, pois surgiu com uma função e foi totalmente

reconfigurado pelo uso que as pessoas fizeram de seus recursos. O próprio

movimento ambientalista é mencionado por esse filósofo como fazer construtivista

que busca colocar em evidência que a tecnologia deve ser guiada por valores e

permanecer controlável pelos interesses das comunidades.

2.5.2.3.1 Paradoxos da tecnologia

Na 2ª Conferência Internacional de Tecnologia Social, a palestra de

Feenberg foi sobre ―os cinco paradoxos da tecnologia‖ em relação às políticas de

desenvolvimento. Iniciou seu raciocínio com um questionamento de Heidegger: ―Os

pássaros voam porque têm asas ou têm asas porque voam?‖ Tal imagem serviu

para expressar o ―paradoxo da parte e do todo‖. ―Os pássaros usam as asas da

mesma maneira que usamos as ferramentas? Não, eles usam as asas do mesmo

jeito que usamos a linguagem‖. Nesse sentido, aproximou o conceito de tecnologia

57

O Teletel é um sistema público de videotexto, iniciativa que fracassou em muitos países, mas foi bem-sucedido na França, onde houve a distribuição de milhões de terminais gratuitos, denominados minitels, com o intuito de que todos os usuários do sistema telefônico possuíssem o seu e qualquer um estaria apto a acessar o guia nacional do serviço telefônico por esse meio. Com o tempo, transformou-se em uma espécie de ―mercado livre‖ de serviços on-line e fascinou os franceses pela possibilidade de comunicação simultânea entre os usuários.

Page 76: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

75

ao da inter-relação entre animais e seus nichos. ―Nicho e animal pertencem a um

todo indissociado‖, mediante uma abordagem holística.

Citou o exemplo da China, onde a importação do modelo de transporte com

crescente produção de automóveis irá gerar o caos, pois nem tudo serve para todos

os contextos, destacando a dificuldade em se ver o que é mais evidente. Isso

corresponde ao ―paradoxo do óbvio‖: ―o peixe não sabe que está molhado‖, ironizou.

O ―paradoxo da origem‖ corresponde à noção de que a tecnologia parece ter sempre

existido. É explicada por sua função, o que embaça a visão de seu nicho e, por trás

de tudo que é racional, reside uma história esquecida. Aspectos correlatos à ideia

falaciosa de a tecnologia ser algo universal.

O ―paradoxo da ação‖ reporta-se à ilusão de que a ação técnica poderia ser

não-newtoniana, fugindo à terceira lei de Newton. ―A poluição retorna para

assombrar o poluidor; a nossa identidade é determinada pelo que fazemos‖. O

significado é alterado pela tecnologia. Além do exemplo das mudanças do clima,

mencionou a ―tecnologização‖ de certos aspectos da reprodução humana sob a ótica

do paradoxo da ação. O ―paradoxo do valor e do fato‖ tem sua essência na crença

de que os valores são os fatos do futuro.

―Os valores expressam aspectos da realidade, e ao traduzi-los em

especificações as interações entre grupos se tornam mais frequentes‖. Usou uma

ilustração do artista holandês Maurits Cornelis

Escher (figura 17), de 1948, em que duas mãos

se desenham mutuamente e servem como

analogia para mostrar o quão interligadas estão

a sociedade e a tecnologia em um processo de

construção em comum, invocando certo efeito

bumerangue (what goes around comes around).

―Os grupos sociais se formam em mundos

tecnológicos e o que fazemos com a natureza é

o que fazemos para nós mesmos‖, observou.

Figura 17 – Inter-relacionamento estreito

entre sociedade e tecnologia em um

processo de construção coletiva das

relações com uma perspectiva holística.

Page 77: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

76

3 TECNOLOGIAS SOCIAIS EM REDE: VISÃO SISTÊMICA AO SE BUSCAREM COMUNICAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, EMANCIPAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL

Quiséramos que o universo das tecnologias

sociais brasileiras nos permitisse fazer um

mapeamento de rede semelhante ao dos

camponeses da Colômbia (DOUTHWAITE et al.,

2006) que aparecem na foto ao lado, na figura 18.

Esse exemplo encontra-se no trabalho de Bender-

deMoll (2008), ao analisar as redes sociais e as

muitas maneiras existentes para ilustrá-las. Mostra

como os integrantes de uma oficina de trabalho

usaram lã colorida para representar os diferentes

―caminhos da comunicação‖ pelos quais cada

pessoa foi convidada a participar do encontro.

Iniciamos o texto com o verbo querer no

pretérito- mais-que-perfeito, por haver crescente

adensamento da rede de tecnologias sociais58 no

país, com vínculos estabelecidos em função dos

valores que aproximam as pessoas (figura 19). Para

buscar esses nós, as interseções, as coparticipações e as imbricações entre os

atores, seria preciso bem mais que um projeto individual de pesquisa, especialmente

se considerássemos, de acordo com a Teoria Ator-Rede (ANT), humanos e não

humanos como ―híbridos‖ (―objetos híbridos são objetos comuns ou coisas que

parecem ser unitárias, reais, livres de controvérsias, mas na prática refletem uma

variedade de enquadramentos históricos experiências específicas relacionados a

certos atores ou sociedades no passado‖), o que requer um processo de ―tradução‖

(―criação de redes entre objetos sociais e naturais‖) (LATOUR 1993 apud FORSYTH,

2003, p. 87) .

58

Não se trata exclusivamente da Rede de Tecnologias Sociais (RTS), lançada em 14 de abril de 2005, atualmente com mais de mil instituições filiadas, e sim de referência a um ―movimento‖ ou fórum que a antecede e que colaborou para a sua aparição, conforme descrito no capítulo 2.

Figura 18: Exemplos de redes de baixa e alta densidade. As imagens foram incluídas com a autorização de ambos os autores.

Page 78: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

77

Portanto, o foco deste capítulo

estará na investigação das questões

relacionadas às motivações para se

estabelecerem os vínculos, a comunicação

e a participação dos atores envolvidos com

as tecnologias sociais que interagem em

rede. Isso será feito em uma perspectiva

inspirada na literatura que aborda a análise

de redes e as organizações com uma visão

sistêmica. Tal interpretação se dá sob a

ótica de uma visão crítica da emancipação

e inclusão social, enquanto motivadoras

dos vínculos entre esses atores,

desembocando em um exemplo local, de

Brasília: a Fazenda Malunga ― vitrine de

uma organização que utiliza e promove as

tecnologias sociais com uma visão

sistêmica, em rede, experiência de um

ciclo virtuoso.

3.1 OS SEMELHANTES INTERAGEM

O subtítulo representa outra maneira de dizer: ―birds of a feather flock

together (pássaros da mesma espécie se aglomeram)‖. Essa expressão é alusiva à

conclusão dos trabalhos realizados nas ciências sociais ao se falar sobre homofilia,

―princípio de que o contato entre pessoas com características similares ocorre em

maior freqüência do que entre pessoas com baixa similaridade‖ (MCPHEARSON,

SMITH-LOVIN & COOK, 2001 apud ROSSONI; GRAEML, 2009, p. 230).

Figura 19 – Reproduz-se, mais uma vez, o conceito

de tecnologia social, acrescido de princípios que lhe

dão sustentação.

Fonte: ITS, 2007

Page 79: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

78

A homofilia é a porta de

entrada para um

questionamento subjacente ao

dos canais da comunicação,

expressos pelos fios de lã do

grupo colombiano, e que

interessou à pesquisadora

francesa Claire Bidart (2009): o

que vincula as pessoas em

rede? Por qual ou quais motivos

elas se relacionam? Bidart

apresentou respostas a essas

questões ao estudar a rede de

relacionamentos de um grupo de jovens, entrevistados desde os 12 anos, em

intervalos de três em três anos. Conclui seu trabalho com as palavras de Joel, um

dos participantes:

Yo prefiero tener un entorno más reducido, pero a nivel sentimental más intenso, más auténtico, antes que tener decenas de amigos, del tipo de ir a las discotecas y decir hola a la mitad de la sala sin por lo tanto conocerlos realmente y hacer como si fueran todos mis amigos mientras que no los conozco realmente. (BIDART, 2009, p. 200)

As relações precisam de confiança para que se estabeleçam as interações

(DEGENNE, 2009). Para esse autor, existem quatro tipos de interações (dispostas,

de forma resumida, na figura 20, anteriormente): as interações autônomas, a

confrontação, as interações definidas por uma organização e as interações

correlativas. Quando as interações não se tornam autônomas, em uma relação fixa,

existem boas probabilidades de que tomem as outras três formas e que não se

passe facilmente a uma relação na qual as interações sejam autônomas. O autor

exemplifica a situação com o que ocorre entre médico e paciente que podem ter

intercâmbios em suas relações pessoais, mas reencontram seus respectivos papéis

(interação correlativa) durante uma consulta; o mesmo acontece entre professor e

aluno no contexto da instituição de ensino. Esse autor considera fundamental o

questionamento: ―quem dispõe do poder de definir as condições em que se

desenvolverá uma interação?‖

Figura 20 – Tipos de relações que vinculam as pessoas

em rede, segundo Degenne (2009), ilustração da autora.

Page 80: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

79

Em relação ao universo

de interação na rede das

tecnologias sociais, pode-se

supor que a homofilia seja uma

característica basilar, de gênese

e manutenção das associações,

com poder para, se não definir,

ao menos incitar o

desenvolvimento das interações.

Nesse universo, prima-se pela

participação e cooperação

(economia solidária) e incentiva-se a colocação de grupos (em situação de exclusão

ou não) em situação interacional com vistas à emancipação dos indivíduos nos seus

diversos contextos de vida. Presume-se que as ações em prol da inclusão social

sejam um elemento motivador para o estabelecimento e manutenção de vínculos

entre os atores.

Com a metodologia do desenvolvimento local participativo (ITS, 2008), figura

21, dá-se o passo inicial do processo comunicativo, a primeira tentativa de

confrontação ou negociação em que os atores definem as regras da interação. Com

o desenvolvimento da Secretaria de Inclusão Social no Ministério da Ciência e

Tecnologia (MCT) e de um marco legal associado às TSs ― como o Projeto de Lei

das Tecnologias Sociais (ROLLEMBERG; ERUNDINA, 2008) ―, existem as

interações definidas pelas organizações, institucionalidades que permeiam essas

iniciativas, seja por parcerias governamentais ou com a iniciativa privada. Há

interações correlativas, pois em rede a noção de troca está associada à de

complementaridade59. E existe a possibilidade de surgirem as relações autônomas,

aquelas que podem ter maior duração, independentemente das mudanças de

contextos políticos, sociais, econômicos, de localização no território, entre outras.

59

Gilberto Fujimoto (Sesc – RJ), em sua apresentação sobre o ―Papel das redes para o desenvolvimento sustentável‖, na 2ª Conferência Internacional de Tecnologia Social, realizada em abril de 2009, em Brasília, frisou que ―rede é comunicação‖, e que nos encontros realizados em sua comunidade as pessoas enunciam o que procuram e o que têm a oferecer (uma comunicação sobre a possibilidade de interação correlativa). Uma visão geral sobre alguns dos conteúdos da Conferência está disponível em: <http://cqv2009.blogspot.com/search/label/2a%20Confer%C3%AAncia%20Internacional%20de%20Tecnologia%20Social > Acesso em maio de 2010.

Figura 21 – Reproduz-se, acima, o conceito de

Desenvolvimento Local Participativo (DLP), presente

nas ações que envolvem tecnologias sociais no Brasil.

Page 81: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

80

3.2 EXCLUSÃO, INCLUSÃO E SUAS NUANÇAS

Os conceitos de exclusão e inclusão social são proeminentes no discurso das

redes que se relacionam com a temática das tecnologias sociais, sobretudo entre

seus patrocinadores. Isso se deve à declaração de valores associada a tais

iniciativas, os quesitos de cidadania e transformação social que devem permear as

ações. Em geral, exclusão e inclusão social se referem:

[…] à extensão em que indivíduos, famílias e comunidades estão aptos a participar integralmente na sociedade e controlar seus próprios destinos, levando-se em consideração uma variedade de fatores, como aqueles relacionados à economia, recursos, emprego, saúde, educação, moradia, recreação, cultura e engajamento cívico.

60 (WARSCHAUER, 2003, p. 8)

Inclusão social relaciona-se não só ao fato de compartilhar recursos, mas

também a ―estar apto a participar na determinação das possibilidades de vida

individual e coletiva‖ (STEWART, 2000 apud WARSCHAUER, 2003). Estabelece

interseção com o conceito de igualdade socioeconômica, mas não é equivalente.

Existe, porém, um aspecto contraditório, conduzido sobretudo por um grupo

de pesquisa franco-brasileiro da psicologia social, que buscou elencar um conjunto

de críticas ao que vem a ser exclusão/inclusão, com um significado ―equivocado,

atrasado e desnecessário‖ (VÉRAS, 2002) ou ―conceito-bonde‖, citado pela autora

ao mencionar Morin e Castel, o qual pode abranger um leque muito amplo de

situações, o que faz com que perca o sentido. No entender de Sawaia (2002),

organizadora da coletânea que se propõe a refletir sobre o conceito e aprimorá-lo, a

exclusão passou a ser entendida como o ―descompromisso político com o sofrimento

do outro‖, em um universo de injustiça social. Cita como exemplo a análise de

Carreteiro (2002), que traz à luz como algumas pessoas aceitam o ―projeto-doença‖

para ter legitimada sua cidadania e certa condição de sobrevivência e, assim,

passam a ser incluídos no sistema de seguridade, como pertencendo ao seu

―disfuncionamento‖. Tal concepção introduz a ética e a subjetividade na análise

sociológica da desigualdade.

60

Tradução da autora. Texto original: ―They refer to the extent that individuals, families, and communities are able to fully participate in the society and control their own destinies, taking into account a variety of factors related to economic resources, employment, health, education, housing, recreation, culture and civic engagement.‖

Page 82: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

81

Não tem uma única forma e não é uma falha do sistema, devendo ser combatida como algo que perturba a ordem social, ao contrário, esse processo (de exclusão) é produto do funcionamento do sistema. (SAWAIA, 2002, p. 9)

Ciente da complexidade e abrangência das representações e diversidade de

opiniões relacionadas à exclusão/inclusão, para o escopo deste trabalho escolheu-

se o sentido de inclusão como aquele de ―estar apto a participar na determinação

das possibilidades de vida individual e coletiva‖, o que requer, para que a

comunicação, interação e relações ocorram, um conjunto de propostas que sejam

emancipatórias ou, como aparece no próprio conceito de tecnologias sociais:

vontade de ter ―compromisso com a transformação social; diálogo entre diferentes

saberes‖.

3.3 BUSCAR A EMANCIPAÇÃO DE QUEM E EM RELAÇÃO A QUÊ?

Jackson (2000), ao analisar o conceito de emancipação sob a ótica sistêmica,

relata as dúvidas que permeiam as muitas contestações sobre o que é ―emancipar-

se‖ e traça um panorama sobre as abordagens existentes, começando com o

Figura 22 – Resumo feito pela autora das correntes do pensamento crítico e sistêmico sobre

emancipação, a partir da proposta de BROCKLESBY; CUMMINGS.

Page 83: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

82

questionamento sobre se a emancipação deveria ser humana/individual ou incluir

elementos não humanos e o meio ambiente. Esse autor menciona a sociologia da

mudança radical, que estabelece uma divisão entre a abordagem subjetivista

(humanismo radical) ― na qual os indivíduos estariam emancipados ao se livrarem

de uma ―falsa consciência‖ ― e a abordagem objetivista (estruturalismo radical), na

qual a emancipação torna-se possível ao haver mudanças na estrutura da

sociedade.

Existem ainda as distinções entre as abordagens modernas e pós-modernas

relativas à emancipação (ver figura 22), com a variação recaindo em quão universal

ou local a emancipação deve ser. Jackson cita três correntes: as duas primeiras,

moderna e pós-moderna, nutrem-se no pensamento de Kant, no ―ouse conhecer‖

(dare to know), e diferenciam-se na interpretação que os autores fizeram a partir da

obra de Kant e de suas próprias conclusões. A terceira está associada ao escocês

Alastair MacIntyre, que desenvolveu trabalhos sobre a ética da virtude (comunidade

moral). É com base nessas distinções que Jackson propõe três formas de

pensamento sistêmico emancipatório, que distingue como emancipação como

liberação; emancipação via racionalidade discursiva e emancipação via uso oblíquo

dos métodos sistêmicos. Far-se-á referência a seguir, somente à emancipação como

liberação.

3.4 A FAZENDA MALUNGA, REDUTO DE TECNOLOGIAS SOCIAIS, SOB A ÓTICA SISTÊMICA E DE REDE

Figura 23 – O casal Joe e Clevane Valle, a visão aérea da Fazenda, as embalagens com couve e alface higienizadas, alguns dos produtos comercializados pela Malunga. Fotos e montagem da autora.

Page 84: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

83

A Fazenda Malunga (figura 23) serve, entre muitas opções existentes no

cenário das tecnologias sociais, como uma das ―portas de entrada‖ (TRANNIN;

PEDRO, 2007) para essa rede de atores. Essa unidade de produção agroecológica

fica a 70Km do Congresso Nacional, sede do Poder Legislativo, em Brasília, Distrito

Federal, ―cidade que em agosto deste ano teve 80% dos legumes, verduras e frutas

comercializados em sua

Central de Abastecimento

do Distrito Federal (Ceasa)

vindos de outros estados e

até mesmo de outros

países, como Estados

Unidos, China e Espanha‖

(VALLE, 2009). O restante

foi produzido na zona rural

do DF. A fazenda é

certificada como produtora de hortaliças orgânicas, em um sistema integrado com a

criação de gado de leite. Ano após ano, bate índices de produtividade do setor pelo

investimento em tecnologia e uma maneira muito própria de gerir e se comunicar em

―rede‖. Graças à reportagem de Pria e Santos (2009), é possível fazer uma visita on-

line para conhecer essa propriedade.

Vale lembrar que a PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável)

(figura 24), tecnologia social premiada pela Fundação Banco do Brasil (2008), é uma

TS ―congênere‖ que reproduz, em menor escala, as virtudes do manejo integrado

em pequenas propriedades rurais e também em escolas.

A escolha por essa unidade agroecológica deve-se à identificação de um

exemplo ímpar de inter-relação e intersubjetividades comuns a um novo paradigma

da ciência:

[…] estou convicta de que não é a ciência que vai promover mudanças. Cada um de nós, ao mudar seu paradigma, é que se construirá como um foco de possíveis e significativas transformações‖ (VASCONCELLOS, 2005; p. 25)

Esse nó da rede, a fazenda, é um reduto de transformações socioeconômicas

e culturais. Começou com baixa densidade, como a do grupo de campesinos da

Figura 24 – PAIS em exibição na AgroBrasília 2009. Foto da

autora.

Page 85: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

84

Colômbia. Joe Valle, engenheiro florestal, produtor rural, ex-secretário de Inclusão

Social do MCT e eleito deputado distrital em 2010, idealizador do projeto, iniciou sua

produção com quatro canteiros de hortaliças, produtos que eram transportados de

carro e vendidos em uma das superquadras (ruas) de Brasília. Seu know-how está

sendo construído, desde então, com muita interação em rede.

A homofilia que aproxima o produtor de alimentos orgânicos com o

consumidor desses produtos é uma interação que só pôde se estabelecer na

construção de uma relação de confiança, interação correlativa que tende para

autônoma. À medida que o adensamento da rede foi crescendo, a certificação dos

produtos orgânicos – o selo do Sisorg (BRASIL, 2009) – tornou-se emblemático

desse aspecto da relação, uma forma de garantir que o diferencial daquele alimento

que chega à mesa das pessoas, sem conter defensivos agrícolas, com respeito ao

meio ambiente e a relações de trabalho dignas, prevalece em sintonia a um

pensamento sistêmico, em que o ―ouse conhecer‖ e o ―esteja apto a participar na

determinação das possibilidades da sua vida individual e coletiva‖ são instrumentos

emancipatórios que podem satisfazer às três correntes anteriormente mencionadas:

emancipação humana, coletiva e universal; autoemancipação e desenvolvimento de

práticas virtuosas.

Jackson (2000), ao tratar da emancipação como liberação, lembra o brasileiro

Paulo Freire, como ―um intelectual orgânico exemplar de nosso tempo‖. A

adjetivação de ―orgânico‖, nesse caso, pode mesmo embevecer a rede, já que

Freire sempre esteve nos valores de sua gênese, mas é alusivo a Gramsci, na luta

contra-hegemônica, quando dizia que ―cada grupo social fundamental, com papel

decisivo na produção, engendra seus próprios intelectuais, ditos ´orgânicos´,

oriundos desse grupo social‖ (WIKIPEDIA, 2010). Jackson cita um dos consagrados

insights de Freire em relação à emancipação em sua interface com a liberdade: ―A

grande tarefa humanística e histórica dos oprimidos é aquela de libertarem-se, a si

próprios, e também a seus opressores‖. (FREIRE, 1970, p. 21 apud JACKSON,

2000, p. 300).

Embora sofra a crítica de que a liberação muitas vezes é sinônimo de

concordar com o teórico, com as ―respostas prontas‖, o enunciado pode ganhar

outras conotações no universo das tecnologias sociais e da ecologia da

Page 86: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

85

sustentabilidade, no qual os opressores dos indivíduos e do meio ambiente podem

efetivamente ser libertos em função do alcance da ação comunicativa e da atuação

em rede. No caso dos pesticidas, por exemplo, um dos maiores agressores do meio

ambiente e da saúde dos seres vivos, o movimento dos orgânicos já tem organizada

uma ação em rede para que muitas dessas substâncias nocivas, hoje permitidas,

tenham seu uso proibido em lei. Libertam a si próprios e aos opressores, que

produzem e perpetuam a agressão ao meio. Semelhante raciocínio é aplicável à

aflição da seca e das enchentes, fruto de mudanças do clima; das altas taxas de

colesterol no organismo, resultantes de uma alimentação contraindicada; do mau

gerenciamento do lixo e de sua superprodução, ancorada em comportamentos e

valores consumistas, ―a sociedade dos descartáveis e dos upgrades‖.

Há visitas semanais de grupos da comunidade que querem conhecer a

Fazenda Malunga, saber mais sobre as opções de plantas selecionadas com suas

diversas funções de cooperação com o ecossistema; o uso da homeopatia para

tratar o gado; a mandala de ervas e temperos; o núcleo produtor da compostagem; a

forma de transformar os produtos e comercializá-los; ouvir os testemunhos dos

trabalhadores não apenas sobre o que fazem, mas qual significado encontram em

sua participação naquele ecossistema; que tecnologias

são escolhidas e utilizadas etc. Os convidados também

têm seu momento de fala, troca de opiniões,

estabelecimento de vínculos, evolução da rede por meio

da ação comunicativa, servindo inclusive como

tradutores da complexidade, aspecto que Niklas

Luhmann considera central em sua teoria dos sistemas:

Para ele, o conceito de comunicação é o dispositivo fundamental da dinâmica evolutiva dos sistemas sociais, uma vez que é um processo de seleções e é pela seleção que se opera o processo de redução da complexidade na relação com o ambiente. (CURVELLO e SCROFERNEKER, 2008, pg. 11)

Vive-se, ao percorrer uma unidade de produção

agroecológica, uma experiência da ―emergência‖. Não só com

o sentido de experimentar a premência de repensar decisões

Figura 25 – Capa do livro organizado por Renato Dagnino. Não é à toa que são as formigas que aparecem na capa da recente coletânea de artigos sobre tecnologias sociais. Fonte: DAGNINO, 2009.

Page 87: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

86

e atitudes que possam influenciar as transformações de hábitos alimentares, de

interação com o seu ecossistema, da forma como se lida com o lixo, produtos

prestigiados nas compras e que poderiam ser excluídos, enfim, conscientização que

pode ser entendida como liberação de uma ―falsa consciência‖, de ―relações de

poder‖ ou, simplesmente, um conjunto de virtudes que poderia estar mais presente

no cotidiano de todos nós.

Também diz respeito à experiência de vislumbrar a emergência, com o

sentido que Johnson (2003) lhe atribui, de perceber como surge a capacidade auto-

organizadora dentro de sistemas complexos, por vezes sem que haja uma visão do

global, uma estratégia e hierarquias preestabelecidas. Se considerarmos a ANT

(actor network theory, coincidentemente, ant, em inglês, quer dizer formiga) e as

formigas como atores legítimos dentro da Teoria Ator-Rede, pode-se fazer um zoom-

in, via formigueiro, em um dos universos mais fascinantes da autogestão não

hierárquica, e reveladores sobre como essas parceiras atuam em seu percurso e

existência dentro da nossa rede social, promovendo a ecologia da sustentabilidade.

A lição mais significativa que a estudiosa desses insetos sociais Deborah

Gordon, citada por Johnson, sinaliza para os leigos é quanto ao alerta

comportamental que elas transmitem para quem as observa, o da necessidade de

se prestar muita atenção ao seu vizinho:

Essa pode ser a mais importante lição que as formigas nos dão e a de maiores conseqüências. Pode-se também reformular a frase dizendo: ‗Informação local pode levar à sabedoria global‘. O principal mecanismo da lógica do enxame é a interação entre formigas vizinhas no mesmo espaço: formigas tropeçando umas nas outras, ou nas trilhas de feromônio de outras, enquanto patrulham a área em volta do ninho. O acréscimo de formigas ao sistema global irá gerar maior interação entre os vizinhos e consequentemente permitirá à colônia resolver problemas e se ajustar com mais eficiência. Se as formigas não topassem umas com as outras, as colônias seriam somente um conjunto sem sentido de organismos individuais, um enxame sem lógica. (JOHNSON, 2003, p. 58)

Esse é o diferencial da comunicação, participação e atuação em rede, na teia da

vida. O valor do desenvolvimento local participativo, na seleção de tecnologias sociais

que estão presentes ao se conhecer de perto uma unidade agroecológica ou muitos

ambientes urbanos, conta por sermos ―ao mesmo tempo produtores e produtos. Esse

princípio vale para todos os seres vivos e seus ambientes. Os grupos, as organizações

e as instituições humanas não são exceção.‖ (MARIOTTI, 2007, pg. 145).

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87

4 TECNOLOGIAS SOCIAIS EM INTERFACE COM O PODER DAS ORGANIZA-ÇÕES EM REDE

Tecnologia, poder e linguagem constituem-se como elementos endêmicos, na

avaliação de Kirkpatrick (2008), quando os seres humanos vivem juntos em

sociedades. Para esse autor, não há experiência de tecnologia sem que ocorra uma

experiência de poder social. Ao se considerar o universo das tecnologias sociais,

torna-se pertinente indagar quais seriam suas relações com as ―malhas do poder‖,

noção desenvolvida por Foucault, a partir das observações de Karl Marx, de que ―a

sociedade é um arquipélago de poderes‖ (MARX apud FOUCAULT, 1994, p. 187).

Ou seria preferível optar por uma abordagem que leve em consideração a

contestação da dominação consentida, especialmente de uma classe social ou

nação sobre seus pares, conforme tratado no conceito de hegemonia proposto por

Gramsci? (1953, p.179) Estaria a adjetivação ―social‖ da tecnologia relacionada a

uma tecnologia de empoderamento dos excluídos e de fomento à formação de

intelectuais orgânicos?

Para vislumbrar respostas a esses questionamentos, é preciso buscar uma

retrospectiva sobre como o poder tem sido avaliado, quais autores e quais análises

aproximam-se mais do universo de interação da rede de tecnologias sociais hoje

atuante no Brasil.

4.1 O ÍMPETO DE DOMINAR A NATUREZA, A TÉCNICA, AS VERSÕES DA

HISTÓRIA

Não só os seres humanos, como também outras espécies vivenciam

experiências relacionadas à tecnologia, linguagem e poder. Os chimpanzés, por

exemplo, foram observados ao afiar pedaços de madeira que usam para espetar e

colher frutas. Organizam, inclusive, um ―estoque‖ desses espetos, sinalizando um

planejamento em relação a sua durabilidade e necessidade de uso contínuo do

artefato.

No filme ―2001, uma Odisséia no Espaço‖, dirigido por Stanley Kubrick, a cena

inicial ― que mostra os macacos manipulando restos de uma carcaça, com o close

no momento em que um animal atira osso ao espaço ― ajuda a economizar

palavras sobre um suposto elo cognitivo, ou inter-relação, entre o primitivismo

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88

desses artefatos e seu amadurecimento na vanguarda do design da atualidade, grau

de aperfeiçoamento que desembocou no que existe de mais high-tech: a nave

espacial no território do Cosmo, supostamente nossa última fronteira para a

circulação do poder, símbolo de um belicismo subjacente ou latente nas conquistas

da indústria aeroespacial, o ambicionado poder de voar e todos os outros poderes

que dele derivam.

Alberto Santos Dumont foi protagonista nessa epopeia, em busca de dar asas

aos homens. O Smithsonian National Air and Space Museum, em Washington, DC,

e várias publicações norte-americanas exercitam o poder de omitir seu nome e

seus feitos para a história da aviação, e isso não ocorre por falta de espaço. A

coerção de fazer prevalecer certas versões sobre a história, em detrimento de

outras, transparece na forma de descrever os fatos, quando se consideram apenas

os irmãos Wilbur e Orville Wright como protagonistas dessa façanha (ALDRIDGE,

2002).

Em outro extremo, no tempo e espaço, a construção das pirâmides intriga

pela magnitude do ímpeto de domínio de técnicas que permitiram manipular

elementos da natureza em grande escala:

Considere-se, por exemplo, a incrível proeza de organização, planejamento e controle exigidos para se construir a Grande Pirâmide em Gizé. Estima-se que a sua construção envolveu o trabalho de cerca de dez mil pessoas por um período de mais de 20 anos. A pirâmide foi erguida a partir de 2.300.000 blocos de pedra, cada um pesando 2 toneladas e meia. Esses blocos tinham que ser extraídos das pedreiras, cortados no tamanho certo e transportados por vários quilômetros, geralmente por navios pelo rio Nilo e durante o período das cheias. Quando se admiram hoje essa e outras pirâmides, são a incrível habilidade e a engenhosidade dos antigos egípcios que chamam mais a atenção, tanto do ponto de vista estético, quanto do organizacional. Entretanto, sob outro ponto de vista, a pirâmide é uma metáfora da exploração humana, simbolizando como as vidas e o trabalho pesado de milhares de pessoas foram usados para servir e glorificar uns poucos privilegiados. (MORGAN, 1996, p. 281)

Essa leitura metafórica da pirâmide impregna a percepção de que poder

sempre esteve e estará intimamente relacionado à dominação, um sentido – ―a um

só tempo vago e maléfico‖ – que Gérard Lebrun (1995, p. 8) procurou esmiuçar ao

responder à questão: ―o que é poder?‖, ressaltando seu intuito em demonstrar o

equívoco daqueles que acreditaram que, a partir do século 19, o poder seria

liquidado.

Page 90: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

89

Essa percepção verticalizada do poder, representada na imagem da pirâmide,

pode ser, também, inter-relacionada às análises de Pross (1974), para quem existiria

uma orientação vertical dos sistemas de valor e uma orientação horizontal dos

signos, o que conduziria à dialética do poder. Para esse autor, cada ordem política

tem a própria teoria do conhecimento e, em relação a Morgan, crê-se que Pross

apresenta uma interpretação singular sobre o que se passava em Gizé e na

construção das versões históricas que predominam:

La violencia simbólica es el poder de imponer la vigencia de un significado a otros, por medio de la colocación de signos, es decir, por la simbolización, con el efecto de que esas otras personas se identifiquen a sí mismas con el significado allí afirmado. (PROSS, 1974, p. 149)

4.2 RELAÇÕES DE FORÇA E CANALIZAÇÃO DA POTÊNCIA

―Potência‖ (dunamis) designa, segundo Lebrun, uma virtualidade ou

capacidade que está em condições de exercer-se a qualquer momento e diferencia-

se, na distinção já estabelecida por Aristóteles, do ato (ergon) em si. Usa o exemplo

do arsenal nuclear das superpotências, capaz de exterminar todos os seres vivos, e

da capacidade que o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem ao ditar uma política

econômica a um país que lhe é devedor. Lebrun se atém ao domínio das relações

políticas ao empregar a palavra potência – não de ―tornar-se, mas de exercer-se‖.

Nietzsche, por sua vez, não a trata exclusivamente no contexto político, por julgar

que a vontade de potência, vontade de poder, é um grande jogo universal,

onipresente:

E sabeis o que é para mim o mundo? Este mundo: uma monstruosidade de força, sem princípio, sem fim, uma firme, bronzea grandeza de força, uma economia sem despesas e perdas, mas também sem acréscimos, ou rendimento [...] mas antes como força, ao mesmo tempo um e múltiplo [...] eternamente mudando, eternamente recorrentes, partindo do mais simples ao mais múltiplo, do quieto, mais rígido, mais frio, ao mais ardente, mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo, e depois outra vez [...] esse meu mundo dionisíaco do eternamente criar-se a si próprio, do eternamente destruir-se a si próprio, sem alvo, sem vontade [...] Esse mundo é o da vontade de potência – e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência – e nada além disso!‖ (NIETZSCHE, Fragmento póstumo, 1885 apud SAFRANSKI, 2001, p. 268)

Ao prosseguir na trajetória de Lebrun, volta-se ao questionamento adjacente

àquele sobre a natureza do poder: o que é a política? Ele propõe a definição de

Julien Freund, que ressalta que ―a política garante pelo exercício da força, fundada

Page 91: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

90

geralmente no direito, a segurança interna e a concórdia interna de uma unidade

política‖ (FREUND apud LEBRUN, 1995, p. 11) . Distancia ―força‖ de ―violência‖ ou

―coerção‖ ao citar a força como ―influência‖, tal como ocorre, por exemplo, quando os

partidos políticos vencem em eleições democráticas.

Outro elemento contido na noção de poder é o que Max Weber chama de

herrschaft. A tradução seria equivalente à dominação, elemento suplementar à

potência:

De que maneira as forças políticas dominantes conseguem afirmar sua autoridade? Essa questão pertence a todos os tipos de dominação e, em conseqüência ela vale igualmente para todas as formas de dominação política, quer seja legalista, tradicional ou carismática. Todo empreendimento de dominação (herrschaftsbetrieb) que demanda uma continuidade administrativa exige, por um lado, que a atividade dos indivíduos se oriente em função da obediência devida aos mestres, que pretendem ser os detentores da força legítima e, por outro lado, por meio dessa obediência ela pode dispor dos bens materiais que são, em última instância, necessários para aplicar a força física. Ou seja, a dominação necessita de um estado maior administrativo e de meios materiais de gestão.

61 (WEBER, 1963, p. 31)

Lebrun subestima a força do poder econômico ao afirmar que ―o

entrelaçamento dos interesses econômicos e do poder nos regimes burgueses ainda

não permite afirmar como dogma que o poder político seja apenas a sombra dos

interesses dos proprietários‖ (LEBRUN, 1995, p.109). Talcott Parsons, por sua vez,

assegura o contrário, destacando que ―o poder econômico, definido culturalmente e

moldado pela institucionalização do dinheiro, tem propriedades remarcáveis e não

compartilhadas por nenhum outro fenômeno de todo o sistema que engloba a

interação social‖62 (PARSONS, 1991, p. 84).

No contexto brasileiro, a Folha de S. Paulo publicou, em 2003 (VAZ, 2003),

uma ―radiografia‖ sobre a influência do poder econômico na esfera política (ANEXO

D) ao cruzar os dados sobre financiamento de campanhas de titulares do Poder

61

Tradução da autora. Texto original: ―De quelle manière les forces politiques dominantes s'y prennent-elles pour affirmer leur autorité? Cette question concerne toutes les espèces de domination et par conséquent elle vaut également pour toutes les formes de domination politique, qu'elle soit traditionaliste, légaliste ou charismatique. Toute entreprise de domination [Herrschaftsbetrieb] qui réclame une continuité administrative exige d'une part que l'activité des sujets s'oriente en fonction de l'obéissance due aux maîtres qui prétendent être les détenteurs de la force légitime et d'autre part que, moyennant cette obéissance, elle puisse disposer des biens matériels qui sont, le cas échéant, nécessaires pour appliquer la force physique. En d'autres termes elle a besoin d'une part d'un état-major administratif et d'autre part de moyens matériels de gestion‖. 62

Tradução da autora. Texto original: ―Economic power, particularly as culturally defined and shaped through the institutionalization of money, has remarkable properties not shared by any other phenomenon of the whole system of social interaction‖.

Page 92: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

91

Legislativo e formação de bancadas no Congresso, representativas dos lobbies das

empreiteiras; siderurgia; usineiros; saúde (indústria farmacêutica); bancos; papel e

celulose; mineração e agricultura. A influência dos partidos, ―força‖, está entrelaçada

ao Poder Executivo, com 31 ministros, entre os 37 atuais, filiados a partidos,

incluindo o presidente do Banco Central e o ministro das Relações Exteriores

(DAMÉ; LIMA, 2009). No Supremo Tribunal Federal (STF), instância maior do Poder

Judiciário, prevalece o que reza a Constituição: ―é da livre vontade do presidente da

República a indicação dos ministros‖ (PAGNAN, 2009).

Existe uma elite do poder ou várias elites do poder? O conteúdo do Anexo D

permite voltar ao diálogo entre Charles Wright Mills e Robert Alan Dahl, nos anos

1960: ―Mills sustentava que os governos dos Estados Unidos eram controlados por

uma elite de poder unitária e demograficamente restrita. Dahl defendia a existência

de muitas elites diferentes, as quais têm de operar em situações tanto de conflito

quanto de compromisso entre si‖ (WIKIPEDIA, 2009), o que o levou a desenvolver o

conceito de poliarquia em relação à democracia. Poder, para Dahl, é a ―capacidade

de agir de uma tal maneira que as outras pessoas fazem coisas que não fariam sem

essa influência‖ (DAHL apud KIRKPATRICK, 2008, p. 6).

4.3 REDE DE PODERES

Coube a Michel Foucault (1994) procurar uma abordagem que foge à figura

do Estado, enquanto reduto de poder e manipulação, resgatando as ideias de Karl

Marx ― de que a sociedade é um arquipélago de poderes diferenciados que

funcionam localmente (FOUCAULT, 1994, p. 187) ― bem como as de Pierre

Clastres, com sua antropologia política, na qual destaca a luta das sociedades ditas

―primitivas‖, sem a figura do Estado, contra o poder que lhes é externo e que,

quando permeia essas comunidades, as faz sucumbir. Portanto, as ideias de

Foucault servem para corroborar a tese de Lebrun sobre a impossibilidade de se

liquidar o poder com uma revolução:

[...] pois nem o controle nem a destruição do aparelho de Estado são suficientes, como muitas vezes se pensa, para fazer desaparecer ou transformar, em suas características fundamentais, a rede de poderes que vigora em uma sociedade. (MACHADO, 2006, p. 169)

Antonio Gramsci dedicou-se também a elucidar esse caráter difuso do poder,

ao propor a noção de um Estado ampliado, composto por uma sociedade política e

Page 93: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

92

por uma sociedade civil. Para esse autor, o aparato repressivo do Estado é

insuficiente para a promoção de uma hegemonia cultural e ético-política. Essa se

constrói por meio de uma consciência teórica herdada de modo acrítico em que a

aliança entre religião, comunicação e educação têm papel preponderante ao criar as

bases da hegemonia como domínio do poder político associado à direção intelectual

e moral (WIKIPEDIA, 2009).

Para Gramsci, a emancipação, ou contra-hegemonia, viria com a educação

popular, sob a ótica de uma pedagogia crítica, fomentando a aparição do que

denominava ―intelectuais orgânicos‖:

[…] ainda que os intelectuais hindus sejam refratários à propaganda, o papa disse que era preciso difundir ‗a boa palavra‘ entre eles, pois uma vez convertidos eles converteriam as massas populares (o papa conhece mais o mecanismo de reforma cultural das massas camponesas do que muitos laicos esquerdistas: ele sabe que não se pode conquistar uma grande massa ‗molecularmente‘; é preciso, para acelerar o processo, conquistar os dirigentes naturais das grandes massas, isto é, os intelectuais, ou ainda um grupo de intelectuais de um novo tipo, daí vem a formação dos bispos indígenas […]

63 (GRAMSCI apud PIOTTE, 1970, p. 79)

Mesmo para os autores que conseguiram esmiuçar as malhas do poder,

relacioná-lo à cultura simbólica, comunicação, educação, religião e outros fatores

determinantes para suas resignificações no tempo e espaço, o conceito permanece

envolto em aura maléfica. Em Brasília, multiplicam-se vários episódios de

corrupção, como os das acusações que pairaram sobre a cúpula do governo do

Distrito Federal, fruto da Operação Caixa de Pandora64, o que, na era digital, das

câmeras miniaturizadas, aparece não só nos jornais, mas em toda a rede com

imagem, áudio e legendas (LEITÃO, 2009), impregnando a palavra ―política‖ de um

sentido de malignidade, a própria encarnação do que há de mais repugnante, um

nome a ser evitado:

63

Tradução da autora. Texto original: ―[…] bien que les intellectuels hindous soient réfractaires à la propagande, le pape a dit qu'il fallait surtout diffuser ‗la bonne parole‘ parmi eux, car leur conversion entraînerait celle des masses populaires (le pape connaît le mécanisme de réforme culturelle des masses paysannes plus que de nombreux laïcistes de gauche: il sait qu'une grande masse ne peut pas se conquérir moléculairement; il faut, polir accélérer le processus, conquérir les dirigeants naturels des grandes masses, c'est-à-dire les intellectuels, ou encore, former des groupes d'intellectuels d'un nouveau type, d'où la formation d'évêques indigènes [...] 64

A Operação Caixa de Pandora foi uma ação da Polícia Federal brasileira, iniciada em 27 de novembro de 2009, com o apoio do informante Durval Barbosa, e que alcançou grande repercussão no noticiário nacional no final de 2009, devido às graves acusações de corrupção entre políticos do Distrito Federal, inclusive o então governador José Roberto Arruda.

Page 94: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

93

A maior parte das pessoas que trabalham numa organização admite, na privacidade, que estão cercadas por formas de ‗arranjos‘, por meio dos quais diferentes pessoas tentam ir ao encontro de interesses particulares. Todavia, esse tipo de expediente é raramente discutido em público. A ideia de que se espera que as organizações sejam empresas racionais nas quais os membros procuram por objetivos comuns tende a desencorajar a discussão sobre a motivação política. Em resumo, política é vista como um nome a não ser pronunciado. (MORGAN, 1996, p. 146).

Em outros contextos, há significativas

alterações relacionadas ao juízo de valor que se

atribui a ―poder‖, como sobressaiu durante a

campanha de Barack Obama à Presidência dos

Estados Unidos, com seu lema, ―Yes, we can‖; e no

cenário da campanha de Luíz Inácio Lula da Silva

no Brasil, o ―Sem medo de ser feliz‖, o último

apontado como ―intelectual orgânico‖. Obama e sua

rede alcançaram ―3 milhões de doações individuais,

mais de US$500 milhões recolhidos on-line,

envolvendo a participação de 2 milhões de redes

sociais, com mais de 200 mil eventos presenciais

em todos os Estados Unidos‖ (BLUE STATE

DIGITAL, 2008), exemplo ímpar de netweaving (a

arte de tecer redes), feito jamais presenciado na

história desse país.

A positividade de novos arranjos sociais que

tentam promover uma ―topologia mais bem

distribuída do poder em rede‖, com maior

legitimidade, fica por conta de novas percepções associadas ao pensamento

sistêmico, inerente à natureza das redes, à ―conectividade (tudo está conectado,

nada acontece de forma isolada), à ubiquidade (a conectividade acontece em todos

os lugares e é uma propriedade geral do mundo), à universalidade (as redes são

universais e suas propriedades gerais abstratas podem explicar, descrever e

analisar vasta quantidade de fenômenos) (THACKER, 2004, p. 5 apud RECUERO,

2005, p. 1)

Na Conferência Anual da World Future Society, realizada em Washington,

DC, em julho de 2008, Bill Drayton, um dos fundadores e presidente da Ashoka –

Figura 26 – No Facebook, na seção

dedicada às (boas) causas, há

possibilidades de cooperar com

campanhas estabelecidas em

diversas redes sociais, localmente

e globalmente. A pessoa também

pode criar a sua própria campanha

caso não encontre afinidade com

os grupos já constituídos. Acima,

alguns exemplos.

Page 95: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

94

Inovadores para o Público –, organização sem fins lucrativos que apoia iniciativas de

empreendedorismo social, em meio à distribuição de uma reedição do livro de

Bornstein (2004), fez questão de ressaltar que ―a empatia ensina um pensar

sistêmico; a diversidade verdadeira ocorre quando as pessoas diferem no pensar‖.

No quesito do empenho individual em promover mudanças, Drayton

descreveu que, há 20 anos, a Indonésia possuía apenas uma organização

ambiental. Hoje tem mais de duas mil. Em Bangladesh, o desenvolvimento do país

fica a cargo de 20 mil ONGs, estabelecidas nos últimos 25 anos. No Canadá, o

número de associações de cidadãos cresceu mais de 50% desde 1987, chegando a

200 mil. No Brasil, em 1990, esses grupos passaram de 250 mil para 400 mil.

Seria esse o berço de um novo conceito de ―política‖? Talvez um retorno às

origens:

É útil lembrar que no seu significado original, a noção política nasce da ideia de que, quando os interesses são divergentes, a sociedade deverá oferecer meios de permitir aos indivíduos reconciliarem suas diferenças por meio da consulta e negociação. Por exemplo, na Grécia antiga, Aristóteles defendia a política como meio de reconciliar a necessidade de unidade da polis grega (cidade-estado), com o fato de que essa polis era um ‗agregado de muitos membros‘. A política, para ele, ofereceu meios de criar ordem na diversidade enquanto evitava formas e regras totalitárias. (MORGAN, 1996, p. 146).

4.4 GOVERNANÇA: NEM TUDO QUE BRILHA É OURO

O poder de decidir coletivamente é muito valorizado na atualidade da

―sociedade em rede‖. James Surowiecki, jornalista americano, é um dos que

acreditam na inteligência coletiva, opinião que deixou expressa em The Wisdom of

Crowds (A sabedoria das multidões), livro publicado em 2004, título alusivo a uma

resposta a Charles Mackay, que em 1841 dizia exatamente o contrário em seu livro

Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds (Delírios populares

extraordinários e a loucura das multidões).

Em todos os tipos de contextos, sejam na esfera transnacional ou do mundo corporativo, e, igualmente, cada vez mais nos Estados nacionais, o poder está distribuído, difuso, descentralizado, em suma, ele se espraia em uma multitude de locais da sociedade civil. Falamos de ‗governança‘ para

Page 96: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

95

denotar o que resulta desse exercício de poder mais complexo65

. (WEINSTOCK, 2008, p. 40)

Para Leduc e Lebel (2008), o conceito de governança, gestado na utopia ou

quimera, presta-se a múltiplas interpretações, podendo ser considerado uma

―tecnologia de regulação, fenômeno de coordenação, conselho de administração

revisitado, mesa redonda para alcançar consenso, conceito filosófico e projeto

político‖. Para Gilles Paquet66, trata-se de um reduto de poder que sofre de quatro

classes de patologias: crise de fundamentos (erosão da confiança, da solidariedade,

da consciência profissional, do gosto pela colaboração e pelas parcerias); vícios de

construção (regras fiscais ―débeis‖, regras de imigração absurdas, ausência de

fóruns de negociação em uma federação); desregulamentações setoriais (na saúde,

na educação, nas quais os arranjos precários resultam em filas de espera e evasão);

boas intenções, efeitos perversos e prisões mentais (dissonâncias cognitivas,

integrismos67, obsessões pelo igualitarismo, ―quantofrenia‖68, consensos fracos etc.).

(PAQUET apud LEDUC; LEBEL, 2008, p. 39).

Aos brasileiros que assistiram de perto, na Rio-92, a uma tentativa de

exercício de governança em relação às mudanças do clima, mantêm-se vivas as

questões sobre poder tratadas neste capítulo, ao se refletir no desafio planetário de

administrar sua crise ambiental mediante uma ―centralização da autoridade‖, a ser

feita por meio de uma gestão internacional do meio ambiente, possivelmente sob a

forma de uma ―organização mundial do meio ambiente‖, segundo cogitam os

principais observadores dessa questão.

65

Tradução da autora. Texto original: ―Dans toutes sortes de contextes – par exemple, dans celui de la sphère transnationale ou du monde corporatif, mais également de plus en plus dans celui des États nationaux eux-mêmes –, le pouvoir est distribué, diffusé, décentralisé, bref, il est déployé dans une multitude de sites de la société civile. On parle de gouvernance pour dénoter ce qui résulte de cet exercice du pouvoir plus complexe.‖ 66

Disponível em: http://www.gouvernance.ca/ Acesso em: 4 jul. 2010. 67

Intégrisme, em francês, designa uma vertente de opinião da Igreja Católica, particularmente a francesa, surgida com a crise modernista, no começo do século 20, quando a corrente mais conservadora se opôs aos partidários de uma abertura ao mundo moderno, defendendo um catolicismo integral com a manutenção das « verdades católicas » como sempre foram ensinadas. Fonte : http://fr.wikipedia.org/wiki/Int%C3%A9grisme 68

Quantophrénie, em francês, é considerada uma patologia que consiste em querer traduzir, sistematicamente, os fenômenos sociais e humanos em linguagem matemática. Disponível em: http://www.mediapart.fr/club/blog/guillaume-frasca/160210/quantophrenie Acesso em 3 jul. 2010.

Page 97: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

96

4.5 TECNOLOGIAS SOCIAIS E CONTRA-HEGEMONIA

Poder ser cidadão, buscar relações de confiança, de valor, com significado

para melhor (con)viver, trabalhar, construir, aprender a aprender, buscar ser feliz,

cooperar solidariamente na busca de soluções aos problemas, para se construir um

mundo melhor: eis um conjunto de ideias descrito por alguns como utopia e

idealismo, mas constituem alguns dos sentidos que se destacam como força motriz

para multiplicar o universo das tecnologias sociais que dependem de capital social

(confiança e solidariedade nas relações).

No dizer de uma participante da Escola de Redes, durante a última

Conferência Internacional de Redes Sociais (2010), ao comentar a importância de se

estabelecer uma relação para se sentir em rede e não simplesmente estar

conectado, ou ser mero usuário de uma delas: ―rede é a percepção do coletivo que

te permeia‖69. Essa conversa ocorreu durante uma desconferência, conceito de

espaço aberto (open space) em que não há hierarquia no formato das trocas entre

os participantes, marca registrada da Escola de Redes, exemplo de rede distribuída.

Se visitarmos uma das páginas dos Cadernos de Tecnologia Social (figura 27)

em que Dalton Martins (2009) busca refletir sobre o poder, conforme sua interação

pessoal com os conteúdos de um curso do Gaia Brasil70, módulo de Design Social,

entramos em um universo diferenciado em relação às demais abordagens sobre o

poder.

O poder é narrado dentro de um contexto em que o ―mundo apresenta-se em

constante fluxo; o poder muda; é o movimento da interação e se manifesta na troca;

não é mais ―poder sobre‖ e sim ―poder com‖, em que se amalgamam ―tarefas

(vontade e determinação), processos (inteligência e bons processos) e

relacionamentos (amor, empatia, integração e escuta amorosa)‖. Há afinidades com

algumas percepções de Foucault, sobre a ―localização do poder‖, quando esse autor

diz que ―o poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo

que só funciona em cadeia; o poder funciona em rede‖ (FOUCAULT, 1984, p. 177)

69

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE REDES SOCIAIS. Diálogo Interno: Primeiro passo para a criação de uma rede social. Curitiba, março de 2010. Vídeo parcial dessa conversa entre Luiz Algarra e grupo. Disponível em: <http://qik.com/video/5417271>. Acesso em: 20 mar. 2010. 70

<http://www.gaiabrasil.net/site/>

Page 98: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

97

Rodrigo Fonseca71, analista da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep),

em suas participações nos fóruns sobre tecnologias sociais propõe trabalhar essa

rede como um movimento político, sem o qual não se promoverá o seu caráter

contra-hegemônico, engendrado pela natureza participativa e diferenciada das TSs.

À época orientando de Renato Dagnino em sua tese de doutorado, Fonseca aborda

as questões relacionadas às políticas públicas de ciência e tecnologia para o

desenvolvimento social. O pesquisador defende uma mudança na forma de se

pensar desenvolvimento, em que haja profundas alterações na agenda política de

C&T para a nação brasileira.

Um aspecto ―contra-hegemônico‖ em relação ao predomínio do saber

acadêmico, associado ao pensamento de Foucault, trata da insurreição dos

saberes, o que advoga:

71

Rodrigo Fonseca foi um dos palestrantes da Mesa 3 – ―Das tecnologias apropriadas às tecnologias sociais‖ – na 2ª Conferência Internacional de Tecnologia Social, realizada em abril de 2009 em Brasília. Relato sobre esse evento está disponível em: < http://cqv2009.blogspot.com/2009/04/mesa-iii-das-tecnologias-apropriadas-as.html> Acesso em: 5 mai. 2009.

Figura 27 - Uma das páginas do blog de Dalton Martins revela como o ―poder‖ está sendo pensado

em relação à atuação em rede, em interface com um pensamento sistêmico.

Page 99: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

98

[…] não tanto contra os conteúdos, os métodos e os conceitos de uma ciência, mas de uma insurreição dos saberes antes de tudo contra os efeitos de poder centralizadores que estão ligados à instituição e ao funcionamento de um discurso científico organizado no interior de uma sociedade como a nossa. (FOUCAULT, 1984, p.171)

Nos contextos de prática da tecnologia social, cultivam-se valores, ―incluindo

a participação e a interação de saberes popular e acadêmico‖ (MASSAD, 2008),

como lembra Gerson Guimarães, consultor de projetos do ITS Brasil, que participou

do Programa Osasco Solidária (CAZZUNI et al., 2007), parceria de sucesso entre

governo e comunidades sob a ótica do desenvolvimento local participativo.

Essa insurreição dos saberes ou construção do DLP se insere em uma

mobilização contra-hegemônica global denominada ―Movimento Altermundista‖

(CORRÊA; BOITO JUNIOR, 2006) , contrário ao neoliberalismo e que deu origem ao

Fórum Social Mundial. Como toda contra-hegemonia, tem o sentido de ―baixo para

cima, da sociedade para a esfera política, do local para o nacional e o global‖

(CACCIA-BAVA, 2004), mantendo interseções ideológicas com a Teoria Crítica da

Tecnologia, proposta por Andrew Feenberg (2010).

4.6 A FOME DE PODER E O PODER DA FOME

Se analisarmos o exemplo das questões relacionadas à fome, desnutrição e

obesidade, os dados estatísticos (como os que aparecem na figura 28) estarrecem

pelo quanto ainda está por ser feito. É certo que, se a fome persiste no mundo, um

dos pontos cruciais diz respeito ao fato de os alimentos não estarem sendo

produzidos para nutrir as pessoas, e sim para gerar lucro.

Porém há avanços que o DLP, em parceria com os poderes públicos, tem a

oferecer. O Bolsa Família (MANZANO, 2008) e o microcrédito, citados por Marcelo

Neri da Fundação Getúlio Vargas (FGV) como tecnologias sociais cogitadas para

―exportação‖ a países com perfil similar ao do Brasil, pode ser criticado como

―esmola‖ ou ―programa comprador de votos‖ (CABRAL, 2009), mas seu poder de

dinamizar as relações socioeconômicas em redes sociais, combater a miséria, a

fome nos municípios, especialmente do Nordeste, já é um feito constantemente

reconhecido tanto no Brasil como internacionalmente (GLÜSING, 2009).

Page 100: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

99

Não existe uma ―bancada da segurança

alimentar‖72 nas páginas da Folha de S. Paulo,

contribuindo para que aqueles que lutam

contra a fome possam se eleger deputados e

senadores, mas o fato de ter sido esse um

tema prioritário no início do Governo Lula fez

com que surgissem alguns ciclos virtuosos,

envolvendo parcerias entre o poder público,

sociedade civil e setor privado. Algumas

iniciativas puderam se tornar políticas públicas

e promover o que Erundina (2002), no início

dos debates sobre tecnologias sociais em

Brasília, vem destacando em seu trabalho

como os mecanismos da democracia

participativa, algo além da representatividade,

talvez mais próximo da governança ou

―Estado mútuo‖.

Ainda sobre o exemplo da fome, foram

necessários seis anos para que, em

novembro de 2009, a Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) 047/2003, que inclui o

Direito Humano à Alimentação entre os

direitos sociais da Constituição Federal,

finalmente fosse aprovada em primeiro turno,

pelo plenário da Câmara dos Deputados.

Esse é um exemplo de resposta àqueles que

se questionam se existe mesmo uma relação

entre tecnologias sociais e política, o que

ocorre via cidadania participativa.

72

O que ocorreria em uma situação hipotética, na qual a atividade de lobby dos que combatem a fome pudesse angariar recursos suficientes para financiar campanhas de deputados e senadores e alcançar representação similar àquelas que constam no Anexo D, no Congresso Nacional.

Figura 28 - Dados estatísticos sobre

questões relacionadas à segurança

alimentar, provenientes dos trabalhos da

ActionAid, Garutti e Valle (2009).

Page 101: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

100

As tecnologias sociais cumprem uma função no desenvolvimento de uma

microfísica das soluções para os problemas locais. Os quintais produtivos

(QUEMEL, 2007), a PAIS (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável)

(FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2008), a propagação da merenda escolar

orgânica (DAROLT, 2002), em algumas cidades brasileiras, são exemplos de

iniciativas bem-sucedidas com efeito multiplicador de bons hábitos alimentares, com

repercussão na saúde das crianças e respeito ao meio ambiente. Surgidas

localmente, têm a capacidade de ―polinização criativa entre culturas‖, segundo a

―estratégia do colibri‖, descrita por Francesco Morace (MORACE, 2007), em outros

Estados, quiçá em direção ao global.

Citam-se exemplos relacionados à segurança alimentar e renda mínima, mas

o banco de TSs da Fundação Banco do Brasil73, a Infoteca do ITS, o Espaço de

Conhecimento da RTS, as publicações da Secis, entre outras fontes, reúnem

experiências em várias instâncias, como educação, saúde, meio ambiente, energia,

habitação, gestão dos recursos hídricos etc., que demonstram o poder de

transformação das TSs para diferentes contextos brasileiros.

A governança, especialmente nos municípios, tem muito a lucrar com o

portfólio da C,T&I em interface com a sociedade, com uma visão mais em sintonia

com as realidades locais, especialmente com a valorização do processo de inter-

relação com tecnologias para a inclusão social, pois correspondem a uma busca por

respostas às questões como as levantadas por Finquelievich no 23º Congresso da

Associação Latino-Americana de Sociologia :

Quais são as novas formas de socialização nos espaços de relação facilitados por novas tecnologias? Quais novas fragmentações sociais se criam? Como as pessoas narram os seus mundos tecnológicos (máquinas, corpos reinventados, naturezas modificadas)? Como as instituições se reorganizam a partir de novas tecnologias? [...] (FINQUELIEVICH apud VIZER, 2004, p. 11)

Quanto às patologias, citadas por Paquet, vale a observação de Foucault:

―Toda estratégia de confronto sonha em se tornar relação de poder‖ (FOUCAULT,

1994, p. 242). Por essa razão, o desenvolvimento de capital social,

empreendimentos solidários, uma nova maneira de integrar-se, comunicar-se, poder

73

Disponível em: http://www.tecnologiasocial.org.br/bts/ Acesso em 9 jun. 2009.

Page 102: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

101

aprender a relacionar-se em redes sociais é tão importante para que os valores de

uma agenda de CT&I possam considerar culturas tecnológicas diferenciadas.

É nesse universo de empoderamento e convívio dos cidadãos, ao se falar de

tecnologias sociais e desenvolvimento local participativo em interface com as

relações de poder, que não subestimamos a onipresença das malhas das relações

de força, apenas julgamos pertinente lembrar que existe a possibilidade de ―construir

aquilo que poderíamos ser ao nos livrarmos dessa dupla amarra política que é a

individualização e a totalização, simultâneas, das modernas estruturas de poder‖

(FOUCAULT, 1994, p. 231).

Page 103: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

102

5 AÇÃO COMUNICATIVA E AUTOPOIESE: CONTRIBUIÇÕES DE HABERMAS E

LUHMANN

Jürgen Habermas e Niklas Luhmann, ambos ex-alunos de Talcott Parsons,

em Harvard (EUA), nos anos 1960, têm contribuições para entendermos os

processos comunicativos que envolvem as tecnologias sociais, porque são filósofos

e sociólogos que buscaram uma imersão – ir além da superficialidade – nos

conceitos que envolvem a prática das relações públicas, esmiuçando como ocorre a

comunicação na esfera pública. Habermas com o paradigma da intersubjetividade

(imbuído da tradição crítica) e Luhmann com o paradigma sistêmico-social. Cada

qual desenvolveu sua teoria para explicar como esse fenômeno se processa e,

embora sejam díspares entre si (em relação a como percebem a estrutura da

sociedade, o papel do indivíduo nas relações sociais, a natureza da comunicação e

o papel da linguagem e a natureza da razão), acredita-se que cada uma dessas

teorias consiga ser portadora de esclarecimentos e insights para a compreensão das

interações que ocorrem entre sistemas que existem e subsistem em função da

comunicação.

Enquanto a proposta de Habermas e o paradigma da intersubjetividade são

fontes de ―concordância‖ e parecem uma forma muito sensata de descrever o que se

vê nos arranjos sociais, no outro extremo, muita cautela esteve presente na escolha

do arsenal teórico de Luhmann. Não queríamos recair no deslumbre com o

indecifrável, nem na camuflagem do incompreensível. Ao ler que ―a comunicação

não é o resultado da ação humana e sim um produto dos sistemas sociais‖, ou seja,

as pessoas não se comunicam, a comunicação se dá entre sistemas, a primeira

sensação foi de estranhamento e discordância, amenizada por outras leituras: a de

que ―um indivíduo não comunica; ele se envolve em comunicação ou torna-se parte

da comunicação‖ (WATZLAWICK, 1993, p. 64) e, na Aula de Roland Barthes, em

que ele menciona que ―a língua é simplesmente facista‖ (BARTHES, 1977, p. 55)

não porque ela impede alguém de dizer algo, que corresponderia ao papel da

ditadura, mas porque ela obriga a pessoa falar, uma percepção de que todo

processo comunicativo, a despeito da idealização de liberdades de expressão e

―lugares ideais de fala‖, está impregnado de uma série de ―antecedentes‖ de

sentidos e temporalidades dos contextos.

Page 104: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

103

Apesar de apontado como uma ―leitura difícil‖, Luhmann (2002) foi um dos

autores que se dedicou a abordar a questão da ―ciência incompreensível‖, texto em

que busca explicitar os porquês das dificuldades de se transcrever ou fazer uso da

linguagem para traduzir a complexidade encontrada na ciência da atualidade.

Embora com um estilo bastante enigmático, sabe seduzir seus leitores ao propor

―um vôo que deve acontecer para além das nuvens […]74‖ (LUHMANN, 1995,

Preface l), pedindo que o sujeito esteja munido, durante sua leitura, de muita

paciência, imaginação, inteligência e curiosidade para experimentar a sua teoria.

Lamenta-se que sua menção neste trabalho esteja bem aquém de sua relevância,

com um uso mais próximo de um salto ―aventureiro‖ com o paraquedas de

Lenormand (citado no item 2.2).

Embora com modestas intenções relacionadas ao pensamento luhmanniano,

somente após a leitura de Holmström (1996) e Curvello (2001), e depois de achar o

livro escrito por ambos, Habermas e Luhmann, intitulado Teoria da sociedade ou

Tecnologia social — qual a contribuição da teoria sistêmica?, julgou-se por bem

trazer as contribuições de Luhmann, especificamente sobre a ―improbilidade de a

comunicação ocorrer‖ (LUHMANN, 1992) e o conceito de autopoiese para esta

dissertação. Isso se traduziu em nossa hipótese de que a rede de tecnologia social

tenta se estabelecer via ação comunicativa, mas recai em contextos nos quais

a comunicação é improvável devido ao resguardo de fronteiras semânticas e

diversidade de percepções por parte dos diferentes atores que integram a

rede.

Já na terceira hipótese, a de que o futuro das tecnologias sociais está

indissociado de uma perspectiva construtivista de agendas locais para C,T&I, pois

as TSs são contra-hegemônicas em relação a uma visão neutra, instrumental e

determinista da tecnologia, pode-se dizer que há uma simbiose entre Habermas e

Luhmann, pois ao julgar que a prevalência do construtivismo está em curso,

estamos nos posicionando com a crença na ação comunicativa e,

contraditoriamente, com certa aposta de que é o conflito e não o consenso que traz

e trará as mudanças ou o redesenho sociotécnico ensejado pelas tecnologias

sociais. Pode-se exemplificar com a menção feita no capítulo anterior sobre a

74

Tradução da autora. Texto original: ―our flight must take place above the clouds, and we must reckon with a rather thick cloud cover. We must rely on our own intruments.‖

Page 105: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

104

manifestação pacífica registrada na Alemanha contra a perpetuação do uso da

energia nuclear. Pode ser vista sob a ótica habermasiana de que é a busca de

reacoplamento entre sistema (representado por um lock-in tecnológico, com a

escolha, construção e uso de usinas nucleares para a geração de energia) e o

mundo da vida (onde residem as esperanças de busca de uma harmonia holística,

envolvendo a ascendência do discurso da sustentabilidade), bem como arena de

conflito entre sistemas que buscam resguardar suas fronteiras e estão dispostos a

lutar por elas, ainda que o meio seja uma manifestação pacífica na esfera pública,

endereçada à elite política, cúpula decisória. A seguir, buscar-se-á elucidar alguns

pontos fundamentais das teorias de Habermas e Luhmann, seguindo boa parcela da

didática de Holmström.

5.1 HABERMAS, O CONVITE À PARTICIPAÇÃO E AS TECNOLOGIAS SOCIAIS

A essência de Habermas está em seu humanismo declarado, ao ter a

humanização da sociedade como meta, o que se expressa em sua crença de que a

sociedade possa ser coordenada pelo princípio da argumentação, razão (reasoning)

alcançada pela conversa, orientada por intersubjetividades, valores, princípios

norteadores para que o diálogo possa acontecer na esfera pública.

Figura 29 – Divisão da sociedade no paradigma da intersubjetividade de Habermas, que não é um

conceito empírico e sim a expressão de diferentes racionalidades. Ilustração da autora, com base

no texto de Holmström (1996).

Page 106: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

105

Para Holmström, ao escolher o arsenal teórico de Habermas, seria possível

estabelecer uma equivalência entre ―relações públicas‖ e as ―relações que se dão na

esfera pública‖, distinguindo-as, por exemplo, de relações privadas, como é o caso

do marketing. Por uma comunicação orientada por ―valores‖, ao usar a teoria da

intersubjetividade, é possível falar em relações públicas que sejam ―boas, legítimas,

éticas‖ e o seu oposto também:

A falta de ética ocorre quando o praticante das relações públicas age com base na racionalidade orientada por propósitos do sistema e com um interesse estratégico, o que ajuda a manter e até aprofundar a separação entre as racionalidades do mundo da vida e a do sistema, contribuindo para a desintegração da sociedade

75. (HOLMSTRÖM, 1996, p. 23)

Habermas não se dedicou a pensar uma teoria crítica da tecnologia, mas

encontra-se presente em diversas iniciativas comentadas nos capítulos anteriores,

especialmente na ―engenharia‖ das Conferências para o Desenvolvimento de

Consenso (CDCs), no país em que Holmström76 publicou sua dissertação,

mencionadas em Andreasen (1988), que as cita como tecnologia social capaz de

influenciar as decisões que vão além da escolha de quais tecnologias devem ser

utilizadas pela área de saúde em diversos países europeus. Está no âmago da

crítica às tecnologias convencionais ou capitalistas (TCs), da visão de eficiência e

crescimento como fins em si mesmos, orientação geradora de um vazio de sentidos

que o sistema busca ―preencher‖ via ação estratégica. O ideário de Habermas

impera nas intenções e ―arquitetura‖ do desenvolvimento local participativo, arena da

ação comunicativa:

Só um processo de entendimento mútuo intersubjetivo pode levar a um acordo que é de natureza reflexiva; só então os participantes podem saber que eles chegaram a uma convicção comum. (HABERMAS, 2003, p. 88)

Essa proximidade também é marcante no paradigma latino-americano da

comunicação e informação (anos 70) – comprometimento com a realidade dos

chamados ―países em desenvolvimento‖ e desejo de democracia. Na esfera da ação

comunicativa, Habermas advoga por uma ―atitude performativa‖, em que os

intérpretes renunciam à posição de superioridade e confrontam-se com o

75

Tradução da autora. Texto original: ―It is unethical, when the public relations practioner acts on the basis of the system´s purposive rationality and out of a strategic interest, thus helping to maintain and deepen the divide between the lifeworld and the system´s anonymous purposive rationality – thus contributing to society´s disintegration.‖ 76

Embora essa autora faça uma opção pela teoria de Luhmann para a melhor compreensão de como

se dá o processo de comunicação na esfera pública, afirma que a tradição crítica de Habermas é a que sempre manteve predominância na Dinamarca.

Page 107: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

106

questionamento de ―como superar a dependência de sua interpretação relativamente

ao contexto‖. A resposta apresentada por esse autor indica que ―compreender o que

é dito exige a participação e não a mera observação‖ (HABERMAS, 2003, p. 44).

Na tese de doutorado da pesquisadora Silvia Salgado (2005) há contrapontos

importantes para a proximidade conceitual entre cidadania e participação que,

segundo a autora, por si mesmas, ―não significam democracias‖. Primeiramente,

Salgado relembra a origem do conceito de cidadania na moderna sociedade

ocidental, como um processo de interdependência entre os direitos políticos, civis e

sociais. Faz menção à socióloga e educadora Maria Victória Benevides, que atualiza

o conceito de participação dizendo que cidadania se resume a isso: ―participação

como indivíduo ou como grupo organizado‖, distinguindo ―cidadania passiva‖ – por

todos sermos ―cidadãos passivos garantidos por uma determinada constituição que

atribui deveres e direitos‖ – de uma ―cidadania ativa‖ – ―quando assumimos uma

responsabilidade em relação a essa participação na esfera do poder, tanto para

participar de processos decisórios, como para se organizar na reivindicação de

direitos sociais, econômicos e culturais‖ […] (BENEVIDES, 2002 apud SALGADO,

2005, p. 99).

Talvez por estar ciente do risco de que participação possa vir a ser sinônimo

de cooptação em certos contextos políticos, especialmente quando o ―convite‖ parte

do sistema, com sua racionalidade utilitária e de busca de legitimação via relações

públicas, Marilena Chauí atribui maior grau de exigência ao que o ser humano tem a

oferecer, ao observar que participação ―não é demanda popular (reunião para

reivindicar, para pressionar)‖ e ―não é proposição de realização geralmente traduzida

pelo trabalho popular coletivo (mutirão)‖:

[…] a participação de uma ação coletiva pela qual um bem para a coletividade se realiza, não é a intervenção contínua do cotidiano, não é a demanda, a pressão […] É intenção periódica, refletida e constante nas decisões políticas. O direito de tomar as decisões políticas, de definir diretrizes políticas, e torná-las práticas sociais efetivas, isso é participação. (CHAUÍ, 1989 apud SALGADO, 2005, p. 116)

Em seu capítulo dedicado à teoria crítica, Geuss (1988) enumera em qual

sociedade a teoria tem aplicação:

a. é necessário que ―haja uma instituição social que frustre os agentes de algum grupo social especificado, impedindo-os de realizar seus interesses imediatamente observados;

Page 108: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

107

b. a única razão pela qual os membros da sociedade aceitam esta instituição e a frustração que ela acarreta é que eles consideram legítima tal instituição; c. os agentes na sociedade consideram legítima a instituição somente porque eles se agarram a um sistema particular de normas (ou a uma visão de mundo particular); d. o sistema de normas em questão (ou a visão de mundo) contém como uma componente essencial pelo menos um elemento adquirido pelos membros da sociedade, somente por terem sido obrigados a formar suas convicções em condições de coerção; e. pessoas na sociedade pensam que apenas deveriam ser fontes de legitimação aquelas convicções que eles poderiam ter adquirido em condições de completa liberdade. (GEUSS, 1988, p. 124)

Esse conjunto de pressupostos pode estar subentendido na gestação da

Declaração das ONGs: Ciência e Tecnologia com Inclusão Social (ITS, 2005),

resultante da mobilização feita durante a III Conferência Nacional de C,T&I, um entre

muitos textos em que se vislumbra um alerta sobre desacoplamento entre a

racionalidade do sistema e aquela do mundo da vida. Essa declaração busca

explicitar a inadequação do discurso e ações estratégicas do sistema, embasado

pela eficiência e crescimento que se traduzem em uma linguagem de mediação de

intersubjetividades e de legitimação do sistema que se vangloria de ―indicadores de

desenvolvimento, apenas números ou índices‖ (a quantofrenia está entre as

patologias da governança, citada no capítulo 4) e expressam ―aumento de PIB,

volume de exportações, superávit primário‖, enquanto no mundo da vida os cidadãos

carecem de sentido, buscam entendimento sobre as informações produzidas pelo

próprio sistema, no caso, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios (Pnad), entre outras fontes que fornecem estatísticas e análises

socioeconômicas:

[…] 53 milhões de pessoas vivem na pobreza, 85 milhões são analfabetos funcionais e 40% da população possui renda familiar per capita inferior a R$ 5 por dia, insuficiente para garantir as necessidades básicas do ser humano. E, mesmo possuindo a maior biodiversidade do planeta, a maior floresta tropical, 12% das reservas de água doce do mundo, neste país a valoração dos ativos ambientais e a relação entre meio ambiente e pobreza não são sequer discutidas com seriedade. Questões urgentes como o equilíbrio da configuração territorial, a moradia nos grandes centros, a segurança pública, a reforma agrária, a discriminação racial, entre tantas outras, há séculos clamam por soluções viáveis e eficazes. (ITS et all, 2005, p. 3)

Essas preocupações interferem na construção de uma opinião pública

favorável ao sistema. Holmström relembra que, originalmente, a esfera pública, o

Page 109: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

108

fórum para a formação de opinião pública, consistia em ―círculos de leitura‖, ―eventos

culturais‖, ou seja, encontros entre ―pessoas de carne e osso‖ (flesh and blood

gatherings); as Conferências Nacionais de C,T&I revivem essa possibilidade, mesmo

com transmissão via Internet, mas seu formato é criticado por serem atores que se

apresentam com um discurso autorreferenciado, mais próximo à ação estratégica.

Com a expansão dos meios de comunicação de massa, e atualmente na era

da tela-mundo (LIPOVETSKY; SERROY, 2009), a esfera pública da sociedade foi

substituída por uma multiplicidade de esferas de interação, com uma ou muitas elites

que tomam as decisões importantes na sociedade, e se pode falar de uma formação

privada da política, repleta de interesses econômicos particulares, conforme

abordado no capítulo 4. Novos contextos viabilizam o aparecimento de várias

esferas públicas, inclusive a esfera pública privada e a esfera pública dos meios de

comunicação de massa.

Habermas só aceita a necessidade da mídia simbólica no sistema. No mundo

da vida, a seu ver, a comunicação não pode ser substituída pela mídia simbólica,

pois a integração social ―deve ser baseada na comunicação do mundo da vida,

orientada para o entendimento‖, e não para a comunicação estratégica interessada

ou utilitária do sistema, a qual Habermas sequer qualifica como comunicação.

Entende a comunicação estratégica do sistema como o campo da busca de

legitimação, no qual idoneidade, boa vontade, legitimidade e ética estão ausentes ou

cedem lugar ao discurso da eficiência e crescimento. Tais valores podem levar à

percepção de que Habermas foi e continua a ser o porta-voz da ―vida como ela

deveria ser‖, o que faz de Luhmann uma espécie de profeta da ―vida como ela é‖.

Também é importante ressaltar que Habermas acreditava na possibilidade de

reconciliação entre a racionalidade do sistema e aquela do mundo da vida, que em

uma fase pré-capitalista chegou a existir. A ação comunicativa seria uma espécie de

―divã coletivo‖ e teria o propósito de promover a emancipação, conforme

mencionado no capítulo 3, aquela dos autores da modernidade, primeira corrente do

pensamento crítico e sistêmico sobre o que é emancipar-se, centrada na

emancipação humana, coletiva e universal que se dá em relação à falsa consciência

e às relações de poder:

O interesse comunicativo se enraíza nas estruturas da ação comunicativa, pela qual os homens se relacionam entre si, por meio de normas lingüisticamente articuladas, e cujo objetivo é o entendimento mútuo. Ambas as formas de conhecimento, geradas pelos respectivos interesses, servem a um interesse mais fundamental: o da emancipação da espécie. O

Page 110: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

109

conhecimento instrumental permite ao homem satisfazer as suas necessidades, ajudando-o a libertar-se da natureza exterior (por meio da produção); o conhecimento comunicativo o impele a emancipar-se de todas as formas de repressão social (ou de seus representantes intrapsíquicos). Ambos estão, portanto, a serviço da emancipação. Esta é, ao mesmo tempo, um fim em si e um marco dentro do qual a teoria crítica consegue perceber as demais ciências, e a si própria, como interessadas. (FREITAG; ROUANET, 1993, p. 13)

A perpetuação do ideário de Habermas até os dias atuais, especialmente no

Brasil e no universo de discussão sobre as tecnologias sociais, a fé na ação

comunicativa, expressa no desenvolvimento local participativo, refletem uma

apropriação desse discurso pela ação estratégica do sistema, espécie de lobo em

pele de cordeiro; mas também a verdadeira e honesta intenção e ação de muitas

pessoas em trabalhar com esperança, com encanto e confiança diante do outro,

fazendo desse ideário a força motriz de suas vidas e campo de empreendimentos

possibilitadores de transformações nas esferas pública e privada.

5.2 LUHMANN, SEU UNIVERSO DE SISTEMAS COMUNICACIONAIS

AUTOPOIÉTICOS E AS TECNOLOGIAS SOCIAIS

Uma primeira diferença marcante entre a teoria de Luhmann em relação à de

Habermas é que o paradigma sistêmico social não tem qualquer preocupação de

ordem moral ou humanista. Considera que a existência de uma perspectiva comum,

coletiva, de uma sociedade tão diferenciada como a atual vem de uma visão

romântica e pouco realista. Sua preocupação maior foi a de desenvolver uma teoria

que descrevesse como se dá a interação entre sistemas sociais e seus ambientes

nas mais variadas tentativas de reduzir a ―complexidade inapreensível de um mundo

socialmente contingente‖ (LUHMANN, 2005, p. 25), o que é feito via processo

comunicativo, produção de sentido e resguardo de fronteiras por parte dos sistemas.

Os conceitos abstratos formulados por Luhmann geraram milhares de páginas

de densa literatura que não é possível aclarar nesta menção que fazemos a esse

autor. Apresentar-se-á breve enunciação de ideias centrais à teoria e, embora

cientes da observação de que ―a sociologia não é ilustração aplicada, mas

clarificada; é a tentativa de obter os limites da ilustração‖ (LUHMANN, 2005, p. 22), o

que promove a abstenção de muitos autores em ousar trazer as abstrações do voo

Page 111: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

110

da teoria luhmaniana para as inter-relações da prática, com exemplos da vida

mundana, é exatamente isso que tentaremos fazer em relação ao nosso tema.

Knodt (1995) menciona que Luhmann seguiu Humberto Maturana ao utilizar o

conceito de autopoiese. No entanto, acredita-se que algo maior ocorreu nessa

interação. Em seus trabalhos, especialmente em A Árvore do Conhecimento, não só

de Humberto Maturana mas também de Francisco Varela (1998), esses autores

dedicam um capítulo à análise dos fenômenos sociais. Nessa seção, encontra-se a

observação de que qualquer trabalho que se dedique a entender a fenomenologia

social e não considere a linha de pesquisa desses latino-americanos resultará em

uma obra defeituosa (defective). Isso não é fruto da arrogância dos filósofos e

biólogos chilenos, mas sim da compreensão que o entendimento humano tem raízes

biológicas, e só ao tentar ―saber como sabemos‖ é possível prosseguir nesse tipo de

investigação.

O que houve nesse ―acoplamento estrutural‖ da leitura de Luhmann em

relação à obra de Maturana e Varela foi comunicação. Tanto no sentido luhmaniano,

quanto no sentido atribuído por esses autores a essa palavra, quando criticam a

metáfora do ―encanamento‖, aquela que caracteriza a comunicação como

transferência de informação (SCROFERNEKER, 2006). A mesma crítica também é

feita por Luhmann, mas esse autor envereda por um ideário diverso daquele dos

pesquisadores chilenos. Para Maturana e Varela, o fenômeno da comunicação

―depende não daquilo que é transmitido, mas o que acontece com a pessoa que o

recebe. E isso é uma questão bem diferente de ‗transmitir informação‘‖77

(MATURANA; VARELA, 1998, p. 196). Para Luhmann, a comunicação é a seleção

do que tem significado, no caso, para os sistemas, pois ―as pessoas não

comunicam; só a comunicação pode comunicar‖ (LUHMANN apud HOLMSTRÖM,

1996, p. 60).

77

Tradução da autora. Texto original: ―The phenomenon of communication depends on not what is transmitted, but on what happens to the person who receives it. And this is a very different matter from ‗transmitting information‘‖.

Page 112: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

111

Figura 30 – Entendimento do que é considerado sistema social para Luhmann. Ilustração da

autora, feita com base no texto de Holmström (1996) e Luhmann (1995).

Na teoria de Luhmann tudo é sistema ou ambiente, com exceção do mundo,

fonte de toda a complexidade.

O mundo é extremamente complexo; perante ele, é muito limitada a extensão concreta da atenção da vivência intencional e da acção. Eis o abismo que vale a pena transpor mediante a constituição do sentido. (LUHMANN, 2005, p. 40)

―Entre a hipercomplexidade do mundo e a consciência humana existe uma

ampla lacuna‖, que é onde os sistemas sociais operam com a função de redução da

complexidade. Conforme tentamos resumir, ao incluir alguns aspectos da Teoria de

Sistemas, segundo Luhmann, na figura 30, fica claro que qualquer contato social é

entendido como um sistema78, porém existe uma distinção entre sistemas de

interação informal (o mais básico de todos, pode ser uma conversa entre duas

pessoas); sistemas de organizações (que não equivalem às organizações) e a

sociedade, incluindo até mesmo todas as possibilidades de contato nela existentes.

Além dos sistemas sociais, existem os sistemas psíquicos.

Embora os sistemas sociais não possam sobreviver sem os sistemas psíquicos, ou seja, os seres humanos, os sistemas sociais não se constituem de seres humanos. Como sistemas psíquicos, os seres humanos sempre constituirão ambientes para os sistemas sociais. (HOLMSTRÖM, 1996, p. 56)

79

78

Na figura 30, consta a nossa tradução. Texto original: ― […] every social contact is understood as a system, up to and including society as the inclusion of all possible contacts.‖ 79

Tradução da autora. Texto original: ―Social systems cannot survive without psychic systems, i. e. human beings. However, social systems do not consist of human beings. As psychic systems, human

Page 113: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

112

Os sistemas sociais são constituídos por significado (meaning), processado

via comunicação. Já os sistemas psíquicos são constituídos de significados

processados pela consciência (consciousness).

O problema central para Luhmann (1995) é a complexidade do mundo. Tenta

reduzi-la ao distinguir o que é sistema e o que é ambiente. Essa distinção é

alcançada via significado. O significado torna possível lidar com a complexidade ao

criar fronteiras que separam o sistema do seu ambiente. O significado é criado e

recriado por meio da comunicação. Isso ocorre em um processo fechado,

autorreferenciado, mas certa porção de abertura é necessária para permitir a

entrada de informação que serve como atrito ou estímulo para a comunicação

inerente ao sistema (acoplamento estrutural).

Essas percepções também estão embebidas no trabalho de Maturana e

Varela, quando analisam como se dá o processo de ontogenia (a história das

mudanças estruturais pelas quais um organismo passa no curso de sua vida, em

que cada organismo começa com uma estrutura original). É com esses autores que

se compreende a razão de o sistema (na biologia denominado ―organismo‖) ser

fechado, mas também estar aberto para poder ser compatível com seu ambiente, o

que chamam de ―adaptação‖. ―A conservação da autopoiese e a conservação da

adaptação são condições necessárias à existências dos seres vivos‖ (MATURANA;

VARELA, 1998, p. 103).

Para Luhmann, a comunicação é coordenada por meio de códigos (mídia

simbólica generalizada) ao redor da qual os sistemas são agrupados em

diferenciadas áreas funcionais da sociedade. Isso permite uma divisão do trabalho

com alto grau de especialização e complexidade em cada área funcional, mas

divide a sociedade em sistemas em que cada um enxerga a sociedade pela própria

lógica e perspectiva, e é isso que permite a diferenciação, o fechamento em um

significado específico. O ambiente não pode penetrar o sistema, apenas o influencia

estruturalmente a partir de fora.

Os sistemas estão, portanto, ―estruturalmente acoplados‖ ao ambiente. Tal

condição é alcançada via observação. Nesse caso, o sistema se contempla em

relação aos outros sistemas existentes em seu ambiente (observação de segunda

beings will always constitute the environment for social systems. This also applies to employees and organizations‖.

Page 114: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

113

Figura 31 – Frase de conversa ocorrida durante seminário

em que C,T&I, sob a ótica da inclusão social, estiveram

em debate. Ilustração da autora.

ordem) e é compelido a demonstrar alguma consideração, das mais ―interessadas‖,

em relação aos outros sistemas. Esse é o papel das relações públicas, tema da

dissertação de Holmström.

Essa consideração funcional em relação aos outros sistemas é empreendida

com o único intuito de sobrevivência, ou seja, resguardo das fronteiras do sistema, o

que é o ponto de maior interesse para Luhmann: saber como os sistemas fazem

para manter suas fronteiras intactas. No caso da autopoiese, trata-se da produção

autorreferenciada de sentido por parte do sistema, que produz e reproduz

continuamente o sentido que lhe garante identidade, sobrevivência via delimitação

de fronteiras.

Tentando criar um exemplo em que se possa trazer a teoria para a análise do

nosso tema, selecionamos uma frase que foi pronunciada em conversa off-the-

record entre Philosophy Doctors durante o Seminário sobre o papel e inserção do

terceiro setor no processo de construção e desenvolvimento da C,T&I (ITS, 2002)80,

conforme ilustrado na figura 31. Trata-se de uma interação informal, um comentário,

questionamento motivado pelos

conteúdos do seminário. Nesse

breve enunciado vale a citação

de que ―a comunicação coloca a

formação de um sistema em

movimento. Tanto quanto

persistir, estruturas temáticas e

conteúdos de significado

redundantemente disponíveis

são formados. Uma massa de

autocrítica emerge […]81‖

(LUHMANN, 1995, p. 173). A

expressão: ―a tecnologia está

disponível. O que ‗eles‘

querem?‖, além de

80

Essa frase foi pronunciada fora dos debates do encontro, não consta na publicação. 81

Tradução da autora. Texto original: ―In this way communication sets system formation in motion. As long as it continues, thematic structures and redundantly available meaning contents are formed. A self-critical mass emerges […]‖

Page 115: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

114

corresponder a uma declaração de que o papel desse sistema psíquico, pela

manifestação de sua consciência, foi cumprido (a tecnologia está disponível pois

nós, na esfera das ciências, trabalhamos para que assim ocorresse), abrange

também um questionamento sobre que outras funções poderiam estar sendo

aventadas para aquele sistema (o que ―eles‖ querem?). Tal atrito ou busca de

redução de complexidade coloca em marcha um processo comunicativo que reflete

o sentido da expectativa de sucesso na replicação de tecnologias; ou seja, se há

tecnologias disponíveis para o saneamento básico, por exemplo, isso, por si, fará

com que haja saneamento básico para a população do país. Em contrapartida,

busca-se considerar os anseios dos sistemas circundantes, mediante a observação

do ambiente, visando o resguardo de suas fronteiras.

No contexto de sentidos sobre a condição de ―a tecnologia já existir‖ e ―o que,

além disso, estaria faltando?‖ é pertinente lembrar que essa é uma visão

fundamentada no ―Modelo Ofertista Linear‖ – conhecimento ‗ofertado‘ por uns e

‗demandado‘ por outros, como descreve Fonseca (2010), sem o envolvimento de

atores sociais:

[…] o desenvolvimento social seria obtido a partir da pesquisa científica, e o meio acadêmico seria o locus ideal para o início daquele processo virtuoso. Em seguida, viria o desenvolvimento tecnológico, que levaria à inovação, que traria por conseqüência o desenvolvimento econômico e, como decorrência ‗natural‘, o desenvolvimento social. (FONSECA, 2010, p. 74)

Recorda-se o fato de subsistir ou até mesmo prevalecer uma visão neutra,

instrumental e determinista da ciência em diferentes subsistemas do Sistema

Nacional de C,T&I, quando o ITS iniciou os questionamentos, na gestão de Ronaldo

Mota Sardenberg82, durante a II Conferência Nacional de C&T, em 2001, depois, em

2002, no primeiro seminário e, novamente em 2003, no segundo seminário:

Tendo em vista o resgate da importância da Ciência, Tecnologia e Inovação nos últimos anos, no Brasil, e o agravamento dos problemas sociais, como construir com as instituições públicas e privadas as soluções?‖ (ITS, 2002, p. 3)

O sistema começou a exercitar o seu processo de observação, que envolve

recolher informações do ambiente para promover a redução da complexidade do

que estava ocorrendo. Houve uma abertura do todo para visualizar o conjunto de

sistemas que coexistem e levar em consideração o que poderia ser feito para a

82

Ronaldo Mota Sardenberg, diplomata de carreira, foi ministro da Ciência e Tecnologia no governo

de Fernando Henrique Cardoso (1999 a 2002).

Page 116: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

115

Quadro I – Portfólio de atuação da Secis em 2009. Fonte: Site do MCT, www.mct.gov.br, acesso em 25 jul. 2010

melhor manutenção de suas fronteiras. Fruto do acoplamento estrutural entre

sistema e ambiente, surge novo arranjo institucional, um sistema de organização

que foi gestado para integrar o SNCT&I para que este pudesse permanecer com

suas fronteiras de sentido intactas. Nesse caso, pode-se aventar o papel da RTS,

que mantém vínculos de gestão com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência

e Tecnologia (Ibict) e, por conseguinte, com o MCT, congregando órgãos públicos e

privados, e a Secis, que é uma secretaria do MCT, como produtos dessa

compatibilização e tentativa de amenizar a complexidade.

No caso da Secis, a questão ―o que eles querem?‖ foi respondida no Plano de

Ação 2007 – 2010, texto que expressa as ações de longo prazo do MCT, ao se

definirem dois eixos de ações correspondentes à popularização de C,T&I e melhoria

do ensino de ciências e tecnologias para o desenvolvimento social (conforme

expresso no quadro I). Ambos os portfólios com um conjunto de sentidos, e

respectivas fronteiras, tornaram-se uma nova constelação de sistemas ou

subsistemas, dependendo do ponto de observação.

O portfólio de atuação da Secis, expresso no quadro I, um dos redutos

administrativos e governamentais que promovem as tecnologias sociais com apoio a

projetos financiados com recursos dos Poderes Executivo e Legislativo (as emendas

Atuação da Secis Popularização de C,T&I e melhoria do ensino de ciências

Difusão de tecnologias para inclusão e desenvolvimento social

• Apoio a projetos e eventos de divulgação e de educação científica, tecnológica e de inovação;

• Implementação e modernização de Centros Vocacionais Tecnológicos;

• Apoio à criação e ao desenvolvimento de centros e museus de ciência e tecnologia;

• Apoio à pesquisa, à inovação e à extensão tecnológica para o desenvolvimento social;

• Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP);

• Programa Comunitário de Tecnologia e Cidadania;

• Conteúdos digitais multimídia para educação científica e popularização da C,T&I na Internet.

• C,T&I para o desenvolvimento regional com enfoque em desenvolvimento local – Arranjos Produtivos Locais (APLs);

• Apoio à pesquisa e ao desenvolvimento aplicados à segurança alimentar e nutricional;

• Pesquisa e desenvolvimento agropecuário e agroindustrial para inserção social;

• Capacitação em C,T&I para o desenvolvimento social.

Page 117: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

116

parlamentares), estabeleceu-se por compatibilidade de justaposição aos sistemas

preexistentes que permanecem bem-sucedidos na manutenção de seus limites.

Tudo aconteceu como Luhmann descreve: há o resguardo de fronteiras e cada

sistema permanece com a produção de seu sentido, enxergando a sociedade pela

própria lógica e perspectiva.

Dimensão econômica, dimensão estratégica, dimensão social encontram-se

cada qual segmentada em seus sistemas, com a linearidade supostamente sinérgica

de suas existências. O mesmo se dá com os ―eixos‖ da política industrial e dos

objetivos estratégicos nacionais, cada qual imbuído nos sentidos do Eldorado da

―transversalidade sinérgica‖, que é inviável, na teoria de Luhmann, e ousamos dizer

que na prática também, diante da necessidade do sistema de resguardar suas

fronteiras.

Fonseca (2010) dedicou sua tese de doutorado a esmiuçar como a Política

Científica e Tecnológica para o Desenvolvimento Social (PCTDS) brasileira ―não tem

conseguido, como política-meio, produzir conhecimentos adequados à viabilização

das políticas-fim, orientadas à inclusão social‖ o que ocorre a despeito de ambas

serem ―formuladas na mesma conjuntura política‖ (FONSECA, 2010, p. 1). Uma

leitura desse texto sob a ótica luhmaniana revelaria a mesma dinâmica descrita na

teoria de sistemas, com as contribuições de Luhmann colocando na ordem de

discussão como os sistemas lutam pela autorreferência e autopoiese dos sentidos

que lhes garantem sobrevida e, para tanto, precisam resguardar suas fronteiras.

Vale lembrar a maneira como o presidente Lula faz menção às TSs – sem

usar a expressão ―tecnologia social‖ e sim ―tecnologias simples‖, optando pelo

sentido inofensivo, supostamente ―redutor de complexidade‖, da ―simplicidade‖ –, no

momento de reinstalação da mais alta esfera decisória do Sistema Nacional de

C,T&I, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT)83, tentando incentivar a

aproximação ou melhor convívio entre sistemas que propagam sentidos distintos:

Contamos com o trabalho dos senhores e senhoras integrantes do Conselho para planejar políticas ousadas e viáveis, e afinadas com os interesses do nosso País. Nosso objetivo comum é gerar inovação tecnológica que agregue valor aos nossos produtos, aumentando a sua

83

O Conselho foi criado pelo Decreto nº 75.241, de 16 de janeiro de 1975, como órgão consultivo do então Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), posteriormente denominado Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. A partir de 1985 o Conselho foi reativado pelo MCT. Em 2003, o CCT foi reinstalado com o compromisso de governo de valorizar a ciência e a tecnologia, além de investir cada vez mais em pesquisa no país.

Page 118: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

117

competitividade nos mercados interno e externo. Ao mesmo tempo, precisamos incentivar e difundir o uso de tecnologias simples que cumpram papel insubstituível junto às Regiões e comunidades menos desenvolvidas. (INOVAÇÂO TECNOLÓGICA, 2003)

Outro exemplo que pode ser útil citar, nesse contexto de revelações que a

teoria de Luhmann proporciona àqueles que não se deixam intimidar por certos

aspectos peculiares de sua linguagem, é a engenharia do discurso de Obama, em

Oslo, por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel da Paz. Aborda-se o assunto

pois incluímos a menção ao case da eleição de Obama, no capítulo 4, sob uma ótica

da virtuosidade na tecelagem de redes que o conduziram à Presidência, com o

discurso do ―Yes we can‖, ―Podemos mudar o mundo‖, eventualmente via ação

comunicativa em rede, o que requer um contraponto. Outra razão para a escolha diz

respeito ao papel da indústria bélica como a grande responsável pelo push

desenvolvimentista do que é high tech, financiadora majoritária da pesquisa e

desenvolvimento tecnológico, o que influencia as agendas de C,T&I mundo afora até

os nossos dias.

A leitura desse discurso sob a ótica da teoria de Luhmann é um exemplo

vívido de como os sistemas alimentados pela indústria bélica americana fazem

prevalecer seu sentido em um momento que deveria, supostamente, celebrar as

iniciativas de paz, expectativas reveladas inclusive na proposta de nova orientação

de governança que, supostamente, contribuiu para sua eleição. A fala começa

ponderada, até chegar a um ponto de tensão ao citar o conceito de ―guerra justa‖, do

sangue derramado pelos americanos para proteger o mundo:

Sim, os instrumentos da guerra têm um papel a desempenhar na preservação da paz […] Pra começar, eu acredito que todas as nações – fortes ou fracas – devem aderir aos padrões que governam o uso da força. Eu, como qualquer chefe de Estado – me reservo o direito de agir unilateralmente se for necessário defender a minha Nação.

84

Nesse enunciado houve uma espécie de desintegração de sentido do

discurso do sistema pacifista em plena entrega do Nobel da Paz, que não teve

nessa comunicação a autopoiese, nem perspectiva de adaptação, de que carecia

84

Tradução da autora. Texto original: ―To begin with, I believe that all nations - strong and weak alike - must adhere to standards that govern the use of force. I – like any head of state – reserve the right to act unilaterally if necessary to defend my nation‖. Discurso disponível em: http://eichikawa.com/2009/12/obama-agradecio-%E2%80%9Cno-tengo-una-solucion-definitiva-de-los-problemas-de-la-guerra%E2%80%9D.html Acesso em 11 out. 2010.

Page 119: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

118

para fazer prevalecer seu sentido via resguardo de fronteiras. Obama fez o papel do

―cavalo-de-tróia‖, infiltrado no sistema pacifista. Agiu em oposição a sua plataforma

de campanha quando, em vez de reduzir o número de soldados em países

estrangeiros, mandou 30 mil americanos para o Afeganistão (O ESTADO DE SÃO

PAULO, 2009). Prevaleceu o tom da epígrafe do filme dirigido por Andrew Niccol,

de 2005, ―O Senhor das Armas‖, que começa com Yuri Orlov, personagem

interpretado por Nicolas Cage, declarando: "há mais de 550 milhões de armas de

fogo em circulação no mundo. É uma arma para cada doze pessoas no planeta. A

única questão é: como armamos as outras onze?"

Não se faz, neste trabalho, uma apologia de ser tudo simplesmente imutável,

pois tal ideia estaria no extremo oposto do que Luhmann busca explicitar em sua

teoria. Há uma dinâmica incessantemente renovada de criação de sentidos com as

interações, mas os exemplos mostram uma visualização, proporcionada por uma

teoria, das diversas arenas de luta ferrenha por poder e sobrevivência em

sociedades capitalistas, em que a questão da responsabilidade social é tratada por

Luhmann com a percepção de que há tantas morais quanto lógicas atreladas às

funções dos sistemas.

As ideias concebidas por uma teoria crítica que aborda a necessidade de

tecnologias sociais, com toda diversidade de sentidos tratadas nesta dissertação,

têm um caminho árduo a percorrer, especialmente aquele da improbabilidade de a

comunicação ocorrer, segundo a interpretação de Luhmann. Novos sistemas

surgirão inspirados nas palavras sustentabilidade, inclusão, desenvolvimento,

inovação e redes, entre tantas outras que sobressaíram nesta pesquisa sobre TSs.

Serão portadoras de novos acoplamentos estruturais em que cada sistema tentará

se adaptar para sobreviver. Quanto a cada leitor, cabe exercitar a comunicação na

acepção de Luhmann, selecionar para si o que tem significado; e na concepção de

Maturana e Varela, ver o que vai acontecer consigo após a interação com esses

conteúdos, pois essa sim é uma regra: não saímos os mesmos das relações em que

nos envolvemos. A mente está nas relações, o que abre espaço para a visão

sistêmica do trabalho de Maturana e Varela: ―Tudo o que fazemos é uma dança

estrutural na coreografia da coexistência‖85 (MATURANA; VARELA, 1998, p. 248)

85

Tradução da autora. Texto original: ―Everything we do is a structural dance in the coreography of coexistence‖.

Page 120: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

119

6 ANÁLISE DAS RESPOSTAS OBTIDAS COM O QUESTIONÁRIO E COM A OBSERVAÇÃO DE INICIATIVAS

Conforme expresso no plano de pesquisa, além de buscarmos identificar qual

é a disputa por sentidos associada ao universo das tecnologias sociais nas

referências consultadas, também foi necessário averiguar o que as pessoas têm a

dizer quando questionadas sobre quais sentidos associam às TSs, como se

percebem em relação ao processo comunicativo do qual participam e se estão em

sintonia com o conceito de TS que está sendo construído coletivamente nas últimas

décadas.

Para tanto, conforme descrito no item 1.3.1.2, realizamos uma pesquisa

quantitativa, procurando focar um universo de respondentes que já estivessem em

interação com o tema das tecnologias sociais. Dessa maneira, nossa população

correspondeu a uma parcela de membros da Rede de Tecnologia Social (RTS), e-

mails que obtivemos e copiamos a partir do site dessa instituição; o grupo de

colaboradores da Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (Secis) do

Ministério da Ciência e Tecnologia e dos alunos do curso ―A Teoria Crítica da

Tecnologia, de Andrew Feenberg: Racionalização Democrática, Poder e

Tecnologia‖, realizado na UnB em abril e maio de 2010. O questionário e as

respostas, em sua íntegra, estão disponíveis para consulta e permanecem abertos a

desdobramentos e a várias interpretações (Anexo B). A seguir, mostram-se os

resultados obtidos com as 13 perguntas formuladas, promovendo uma das muitas

interlocuções que podem estar asssociadas a essas respostas.

Ainda nesta seção, estão incluídos os relatos da observação estruturada de três

iniciativas em que as tecnologias sociais são protagonistas: a Fazenda Malunga; os

quintais sustentáveis; as bijuterias e artesanato produzidos a partir da reciclagem de

garrafas pet.

Page 121: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

120

6.1 LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Uma das surpresas que se tem ao enviar o link de um questionário de

pesquisa para os repondentes de uma enquete realizada on-line, por meio da

Internet, é o resultado sobre a adesão e a abrangência que se terá ao final do

trabalho.

O questionamento ―Em que região você trabalha?‖, correspondente à primeira

pergunta, permitiu estabelecer a localização geográfica dos participantes. Da

população de 687 respondentes em potencial, obteve-se feedback de

aproximadamente 36%, pois a questão foi respondida pelos 251 indivíduos que

acessaram o link – https://www.surveymonkey.com/s/38QRDWK – no site da

SurveyMonkey. Houve retorno de todas as regiões do país, além de pessoas que

declararam trabalhar na Argentina, Bélgica, França, Peru e Portugal.

Como é possível visualizar no gráfico 1, a distribuição dos participantes ficou,

em ordem crescente, com 16 acessos da Região Norte; 26 da Região Sul; 51 da

Região Nordeste; 83 da Região Sudeste e 90 da Região Centro-Oeste. Cinco

respondentes indicaram trabalhar fora do Brasil e sete pessoas informaram que

trabalham em mais de uma região do território nacional.

Gráfico I – Localização geográfica dos participantes da pesquisa.

Page 122: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

121

Figura 32 - ―Nuvem de palavras‖ com os principais significados associados às tecnologias sociais. Fonte: Elaboração da autora, com a utilização do recurso de visualização de tags do site Many Eyes.

6.2 VISUALIZAÇÃO DAS IDEIAS MAIS FREQUENTEMENTE ASSOCIADAS ÀS

TECNOLOGIAS SOCIAIS

Sustentabilidade, inclusão, desenvolvimento, inovação e redes foram as cinco

palavras mais repetidamente associadas com as tecnologias sociais entre os

respondentes da pesquisa.

Na segunda pergunta – ―Qual é a primeira palavra que vem a sua mente

quando pensa em tecnologia social?‖ –, o objetivo traçado foi o de conhecer o

sentido que o entrevistado atribui ao termo, antes mesmo de ter contato com as

ideias de conceitos e percepções que estavam incluídos no questionário. Ou seja,

buscou-se colocar a questão em posição inicial para evitar certa ―contaminação‖ de

sentido, desejando que a resposta fosse fruto de uma primeira associação-livre

estabelecida pelo respondente, sintetizada em uma só palavra.

Houve 233 respostas e apenas aquela do respondente número 140 foi

excluída por ser uma sequência aleatória de letras. Algumas pessoas não

resumiram a ideia-chave em apenas um termo, escreveram duas palavras ou

mesmo uma frase (como pode ser constatado no Anexo B). Foi preciso reduzi-las a

um só termo para construirmos uma ―nuvem de palavras‖ com as respostas obtidas,

conforme ilustração da figura 32. Nuvens de palavras são um entre os muitos

recursos de visualização da frequência com que uma palavra aparece em um

conjunto de dados. Esse recurso foi criado por Feinberg (2010), quando trabalhava

Page 123: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

122

Gráfico II – Senioridade do grupo de atores que interage com o tema das TSs, se antes ou depois de 2003.

para a IBM86, ele o descreve como um ―brinquedo‖ para criar nuvens de palavras.

Quanto maior o tamanho da fonte da palavra, maior o número de vezes em que foi

citada. Consideramos útil a inclusão dessa figura por permitir uma fotografia do que

mais se destacou no quesito de ideias mais evocadas pelas TSs.

6.3 SENIORIDADE DA REDE DE TECNOLOGIAS SOCIAIS

Algumas publicações dão a entender que a rede de tecnologia social

brasileira tem sua identidade e seu surgimento coincidente com a criação da

instituição homônima Rede de Tecnologia Social (RTS), fato descrito em 2003

(DAGNINO, 2009), ora com menção a 2004 ou 2005 (OTTERLOO, 2010): ―Então,

surgiu, em 2004, a ideia de criar uma rede de tecnologia social‖ (BRASIL, 2010). Na

terceira questão – ―Você considera que sua participação no grupo de atores que tem

interesse nas tecnologias sociais, assim denominadas, começou antes ou a partir de

86 Pode-se usar o recurso no site Wordle, construído por Feinberg, ou no site Many Eyes, da IBM,

onde publicamos duas visualizações do resultado desta pesquisa, que são de acesso público. Uma delas, a tag cloud, permite, ao se passar o mouse sobre a palavra, verificar qual foi o número de vezes em que foi mencionada. Para visualizar a nuvem de tags dessa questão, acessar: http://manyeyes.alphaworks.ibm.com/manyeyes/visualizations/3ff1621cbc1211df80ad000255111976/comments/4030894cbc1211df80ad000255111976

Page 124: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

123

Gráfico III – Filiação partidária dos respondentes.

2003?‖ – buscou-se averiguar se ambos os fatos são considerados coincidentes no

tempo pelo grupo. Constatou-se que, entre os respondentes, 40,4%, 95 pessoas,

declararam que já estavam interagindo com essa temática antes de 2003, e 59,6%

mantiveram contato com o tema a partir desse ano. Houve 67 comentários, nos

quais algumas pessoas indicaram em que momento passaram a interagir com esse

tema.

6.4 CONTRA-HEGEMONIA E POLITIZAÇÃO SEM FILIAÇÃO PARTIDÁRIA

Ao incluir-se neste trabalho a hipótese de que o futuro das tecnologias sociais

está indissociado de uma perspectiva construtivista, pois as TSs são contra-

hegemônicas em relação a uma visão neutra, instrumental e determinista da

tecnologia, procurou-se averiguar se a contra-hegemonia, especialmente ao

identificar-se o conceito mais próximo do ideário de Gramsci, dedicado militante do

Partido Comunista Italiano, estaria próxima da desejada ―politização‖, cidadania

Page 125: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

124

ativa, e se haveria filiação partidária dos respondentes e, em caso afirmativo, qual

seria a predominância na escolha dos partidos.

Outra razão para incluir a pergunta sobre filiação partidária diz respeito ao

fato de a Secretaria de C&T para Inclusão Social, que tem um portfólio voltado à

discussão e fortalecimento das tecnologias sociais haver sido uma novidade no

MCT, consumada com a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder.

Conforme comentado no capítulo 4, ―Tecnologias Sociais em Interface com o Poder

das Organizações em Rede‖, toda a Esplanada dos Ministérios está dividida entre

partidos políticos e o enlace entre tecnologias sociais e políticas públicas também se

faz via ação política, tanto assim que o orçamento da Secis é composto por recursos

do MCT e por emendas parlamentares.

De acordo com as respostas coletadas, 70,8% dos respondentes, 165

pessoas, disseram não ser filiados a partido político. Um deles acrescentou o

comentário de que ―a filiação partidária pressupõe um programa de ideias e de

convicções, porém com um elenco absurdamente enorme de partidos, não existem

ideias, mas interesses de voto‖. Outros dois participantes estranharam a pergunta:

―Mas que diferença isso faz para o que penso sobre tecnologias sociais?‖ ou ―Por

que a pergunta? Isso tem afinidade partidária?‖

Entre os 68 respondentes que indicaram sua filiação partidária, houve

diversidade e não hegemonia, com 11,2% (26 pessoas) do Partido dos

Trabalhadores (PT); 6,4% (15 pessoas) do Partido Socialista Brasileiro (PSB); 0,9%

(duas pessoas) do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); 1,7% (quatro pessoas)

do Partido Comunista do Brasil (PCdoB); 2,6% (seis pessoas) do Partido Verde (PV);

1,3% (três pessoas) do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); 0,9% (duas

pessoas) do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB); 0,4% (uma

pessoa) dos Democratas (DEM); 0,9% (duas pessoas) do Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB); 0,9% (duas pessoas) do Partido Democrático Trabalhista (PDT);

0,4% (uma pessoa) do Partido Popular Socialista (PPS); 0,4% (uma pessoa) do

Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB); 0,4% (uma pessoa) do Partido

Republicano Brasileiro (PRB); 0,9% (duas pessoas) do Partido da República (PR).

Ao estabelecer uma busca de referência cruzada das respostas, no caso dos

que mencionaram ser colaboradores do MCT, predomina o PSB com 10 filiados e

um integrante do PT. Os outros 17 participantes desse grupo alegaram não ter

filiação partidária.

Page 126: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

125

Gráfico IV – Perfil dos participantes.

6.5 PERFIL DOS RESPONDENTES DO QUESTIONÁRIO

Na questão de número 5 – ―Quais afirmações correspondem ao seu perfil?‖ –,

os participantes puderam assinalar mais de uma resposta ou usar a seção de

comentários para adicionar alguma descrição que não estivesse contemplada nas

opções listadas.

Mais da metade dos participantes (122 pessoas, 54% do total) afirmou

participar ativamente em projetos relacionados às tecnologias sociais; 87 pessoas

(38,5%) se identificaram como membros da RTS; houve 28 colaboradores do MCT

e, destes, 23 se reconheceram como trabalhadores do Sistema Nacional de CT&I

(SNCT&I). O SNCT&I engloba as universidades, os 11 Ministérios do Executivo,

agências de fomento e muitas redes temáticas de CT&I, um conjunto bem

diversificado e amplo de atores, conforme esquematizado por Elias (2009) na figura

31. Os 89 pesquisadores que participaram da pesquisa (39,4% dos respondentes)

também não parecem se identificar, em seu conjunto, como integrantes do SNCT&I.

Page 127: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

126

Figura 33 – Representação dos Executores do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação Fonte: ELIAS (2009)

Figura 34 – Chaveiro das Oliveiras, ao mesmo tempo, adereço decorativo para a porta de casa. Porta, chaveiro e foto da autora.

Apenas 24,8% dos participantes se reconheceram como ―usuários de

tecnologias sociais‖. Será que esse distanciamento de ―ser usuário de tecnologia

social‖ diz respeito às tecnologias sociais serem boas

para os outros e não para a própria pessoa, ou ainda a

consideração de que as tecnologias sociais destinam-se

às ―populações mais carentes‖, conforme enunciado

encontrado em uma publicação do governo? (BRASIL,

2010)

Ser usuário de uma tecnologia social pode

envolver um gesto tão simples quanto colocar um

chaveiro das Oliveiras (serão conhecidas a partir da

última seção, item 6.1.4) como adereço na porta de casa,

conforme visualizamos na figura 34; sensibilizar-se e agir

em relação a uma mensagem deixada ao lado do

engradado de água, durante a 2ª Conferência

Internacional de Tecnologia Social em Brasília: ―Adote

Page 128: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

127

Figura 35 – Minhocasa, um kit para gerenciar os restos de comida, podas de jardim e até papéis que podem virar alimento para plantas. Informações:www.minhocasa.com

Figura 36 – Poltrona feita com pneus reciclados, em exposição na Bio Brazil Fair 2009. Foto da autora.

um copo‖; ou usar o Minhocasa, uma equipe de minhocas

―da Califórnia‖, para reciclar o lixo orgânico doméstico (figura

35); inventar outros usos para objetos que se destinariam ao

lixo, como a poltrona feita com pneus (figura 36). É também

preocupar-se com a separação e destino do lixo doméstico;

preferir consumir produtos orgânicos, livres de agrotóxico;

desejar, e se puder, usar meio de transporte menos

poluente; querer, e poder, aproveitar a água da chuva entre

as fontes de água existentes em seu domicílio, fazer opções

que estejam em sintonia com a promoção de

sustentabilidade, maior harmonia entre as pessoas e o meio

em que vivem. O Banco de Tecnologias Sociais da

Fundação Banco do Brasil, a Infoteca do ITS e o Espaço

Aberto de Conhecimento da RTS são fontes de

informação para vários exemplos de como as pessoas

podem se tornar usuárias de tecnologias sociais, sem pré-

requisito de ―classe social‖, caso tenham interesse.

Foi justamente essa percepção de que existem muitas

pessoas que ―advogam‖ publicamente pelas tecnologias

sociais no Brasil, sem vê-las como uma alternativa possível e

existente em suas vidas, que fez com que incluíssemos entre

os questionamentos sobre quais sentidos são atribuídos às

tecnologias sociais o de ser uma ―filosofia de vida‖, um modo

de encarar a vida, fazer opções e manter relações com

humanos e não humanos com um comportamento inspirado

no humanismo e nos quesitos de uma consciência da

sustentabilidade, o que estaria próximo do ―Ouse conhecer‖,

de Kant, para um melhor agir ou, voltando à citação da

introdução: ter uma nova visão de tecnologia como ―campo

de luta social, uma espécie de parlamento das coisas, onde

concorrem as alternativas civilizatórias‖ (FEENBERG,

2010).

Page 129: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

128

Gráfico V – Sentidos associados às tecnologias sociais.

6.6 OS SENTIDOS ASSOCIADOS ÀS TECNOLOGIAS SOCIAIS

Em função da diversidade de palavras, ideias-chaves, que foram evocadas na

segunda questão do questionário, e com os resultados da questão 6 – apresentando

uma metade uníssona e a outra metade do círculo do gráfico V com diferentes

sentidos associados para as tecnologias sociais, entre aqueles que havíamos

identificado na leitura dos livros de Dagnino (2009) e a coletânea da RTS (2004) –,

consideramos que nossa hipótese se comprovou. A rede de tecnologia social tenta

se estabelecer via ação comunicativa, o que assegura uma metade consensual que

expressa adesão ao conceito construído coletivamente; porém a outra metade recai

em contextos em que a comunicação é improvável devido ao resguardo de fronteiras

semânticas e diversidade de percepções por parte dos diferentes atores sobre qual

sentido está mais próximo do que cada um julga ser um sentido pertinente ao se

falar sobre tecnologias sociais.

Praticamente 50% dos respondentes à questão, 110 pessoas, entendem que

tecnologia social tenha um sentido que mais se aproxima do conceito predominante,

construído pelo coletivo, de que sejam ―produtos, técnicas e/ou metodologias

reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representam

Page 130: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

129

Gráfico VI – Aceitação majoritária do conceito de tecnologia social.

efetivas soluções de transformação social‖. Mas vale lembrar que entre as cinco

palavras que mais se destacaram na brainstorm da questão de número 2 do

questinário – sustentabilidade, inclusão, desenvolvimento, inovação e redes –

nenhuma delas está presente nesse enunciado do conceito.

No extremo oposto, apenas uma pessoa assinalou que considera tecnologia

social como ―meio para a construção de uma sociedade socialista‖. Outro

respondente ficou propenso a marcar essa opção, mas comentou que não o fez por

ser uma visão ―tão determinista‖.

O sentido de ser ―uma filosofia de vida‖ foi assinalado por sete pessoas (3,2%

dos respondentes). ―Uma proposta de reponsabilidade social que valoriza o

empreendedorismo e a reaplicação de tecnologias de baixo custo e já testadas com

sucesso‖ teve a adesão de 36 respondentes (16,3%). ―Tecnologias que se opõem ou

se diferenciam das tecnologias convencionais ou capitalistas (TCs) e da sua lógica

de produção, configurando-se em uma proposta contra-hegemônica de organização

da sociedade civil em relação ao neoliberalismo, ao desenvolvimentismo. Privilegia a

noção de economia solidária e sustentabilidade como seus pilares‖ foi a opção

escolhida por 33 pessoas (14,9%). ―Tecnologias simples, fruto da criatividade e

engenhosidade de qualquer pessoa‖ teve 17 partidários (7,7%). ―Tecnologias que

valorizam o ‗saber popular‘ e, por vezes, o saber ancestral‖ contou com a escolha de

17 pessoas (7,7% do total).

6.7 POSICIONAMENTO EM RELAÇÃO AO CONCEITO DE TECNOLOGIA SOCIAL

Page 131: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

130

De um universo de grande diferenciação de palavras e ideias associadas às

tecnologias sociais, na questão sete ocorre convergência para um sentido comum,

com 183 respondentes (83,2%), em concordância com o sentido expresso nas

publicações recentes sobre TSs: ―Tecnologia social compreende produtos, técnicas

e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e

que represente efetivas soluções de transformação social‖.

Apenas 37 pessoas (16,8%) assinalaram que não estão satisfeitas com esse

enunciado. Houve 31 comentários, entre os quais a palavra ―reaplicação‖ foi

questionada, por não ser possível reaplicar TS devido às particularidades e estrutura

de cada comunidade ou ―quem deseja modificar o ‗status quo‘ não pode se prender

ao que é reaplicável!‖. Há indicações de que, em certos aspectos, Habermas estaria

de acordo com os comentários dos participantes:

Toda solução de problemas e toda interpretação depende de uma rede de pressupostos que é impossível de se abranger; e essa rede não pode ser recolhida por uma análise visando o universal, por causa de seu caráter ao mesmo tempo holístico e particular. (HABERMAS, 2003, p. 25)

Outros sentiram falta da menção aos conceitos de ―inovação‖, ―saberes

populares‖, ―melhoria da qualidade de vida‖ e ―sustentabilidade‖.

Vale notar que, em 2010, encontrou-se nova enunciação do conceito de TS,

em publicação do governo: ―Soluções de baixo custo, eficientes contra problemas

cotidianos das populações mais carentes, fáceis de manejar e, principalmente,

reaplicáveis a outras regiões que convivem com dificuldades similares‖ (BRASIL,

2010), mantendo o sentido da simplicidade, mas com uma definição de público-alvo

diferenciada dos conceitos anteriores: ―populações mais carentes‖.

Supõe-se que essa mudança comportamental em relação às questões 2 e 6

também possa se dever ao que a autora Noelle-Neumann (1984) chama de ―espiral

do silêncio‖. Na Alemanha, entre 1965 e 1972, durante as campanhas eleitorais essa

pesquisadora percebeu súbita mudança de opinião dos eleitores, na reta final do

processo de eleição. De acordo com seus estudos, focados nos meios de

comunicação de massa, ao mudar de ideia, os eleitores buscavam se aproximar das

opiniões que julgavam dominantes. O próprio método Delphi, ferramenta utilizada

pelos futuristas, em contextos ou dinâmicas de grupo que visem a obtenção de um

consenso como resultado final de um processo decisório (JACKSON, 2000, p. 216),

prevê que esse comportamento reocorra, ao promover várias rodadas de perguntas

Page 132: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

131

Gráfico VII – Relações mantidas entre os membros da rede de tecnologias sociais.

e ter a expectativa de que, ao final, haja convergência nas respostas para as

―opiniões dominantes‖, com a ressalva de que, no caso do Delphi, os participantes

têm acesso às respostas dos demais participantes durante o processo e, neste

exemplo, o conceito foi apresentado como fruto do consenso de um coletivo,

previamente estabelecido, o que não é exatamente a mesma situação.

6.8 ATORES EM RELAÇÃO COM OS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Há uma distribuição equilibrada entre as relações mantidas pelos

participantes e os atores mencionados no gráfico VII, mas uma peculiaridade surgiu

ao fazermos a análise cruzada dos dados.

Ao buscar-se interseção entre os que se declararam usuários de tecnologias

sociais e os que marcaram possuir relação com usuários de TSs, há, no conjunto

dos participantes, 32 pessoas que têm essas duas respostas assinaladas de forma

conjugada, o que ocorreu predominantemente com respondentes da Região

Page 133: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

132

Figura 37 – Meios de comunicação entre os integrantes da rede de tecnologias sociais.

Sudeste, onde se encontra a maioria que se declarou usuária de TSs (26 pessoas,

no grupo de 32 usuários de TSs).

6.9 MEIOS DE COMUNICAÇÃO ENTRE OS MEMBROS DA REDE

Ficou evidenciado, no universo de respostas sobre quais meios de

comunicação são utilizados pelos participantes (figura 37), que os respondentes

estão majoritariamente inseridos na cultura da tela-mundo, com utilização dos

recursos das mídias digitais, prevalecendo a comunicação por e-mail. Isso ocorre,

pelo visto, em detrimento da comunicação impressa, com apenas 21,9% dos

participantes fazendo uso desse meio, mas sem prejuízo da interação presencial,

visto que 53% dos respondentes assinalaram que participam de encontros

presenciais; 42,5% desse grupo participa dos fóruns sobre TSs.

A utilização de sites, formadores de redes sociais, como Facebook e Twitter,

encontra-se assinalada em menor número que a comunicação impressa, contando

com apenas 19,2% dos respondentes. Também subutilizados encontram-se o

Page 134: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

133

Figura 38 – Interface do Espaço Aberto de Conhecimento da RTS, com 22 temas para compartilhamento de experiências. Fizemos uma montagem de imagens para oferecer a visualização dos 22 temas. Fonte: www.rts.org.br

recurso de comunicação via blog de própria autoria (11,9%) ou de parceiros (14,6%),

skype (10%) e videoconferências (10,5%). Em contrapartida, ainda em sua

―infância‖, o Espaço Aberto de Conhecimento da RTS, também chamado ―Espaço

RTS‖ (figura 38), já tem 30,1% dos participantes da pesquisa, 66 pessoas, em seu

universo de usuários que agrega mais de 400 membros. É um ambiente concebido

para a troca de informações sobre tecnologias sociais, buscando implementar o que

Barros e Miranda (2010) consideram o papel mais importante de uma rede:

―promover a interação, compartilhar conhecimento, (re)criar conhecimento e

construir novas formas de cooperação a partir dessa dinâmica‖.

Page 135: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

134

Figura 39 – Imagens ilustrativas de redes centralizadas, descentralizadas e distribuídas, ilustração que acompanhou a questão de número 10 do questionário de pesquisa.

Gráfico VIII – Percepção de uma rede distribuída de comunicação entre os participantes da pesquisa.

6.10 REDE DISTRIBUÍDA

Usamos as imagens do trabalho de Baran (1964), figura 39, para ilustrar a

visualização de uma rede centralizada, descentralizada e distribuída. Nessa

questão, busca-se aferir qual seria a visão de conjunto do participante sobre como

se dá a comunicação desse coletivo, com centralização, descentralização ou de

forma distribuída. A última

alternativa prevaleceu entre

os respondentes, com 117

pessoas (53,4%), optando

por essa resposta, a da

comunicação feita de forma

distribuída, conforme

visualização disponível no

gráfico VIII.

Entre os comentários,

houve menção à ―pouca

divulgação de encontros

Page 136: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

135

Gráfico IX – Percepção afirmativa de estar em comunicação com os participantes da rede.

regionais‖, ―contatos feitos predominantemente de forma virtual e com os

animadores, sendo o contato com os usuários feito por iniciativa própria‖. Outro

respondente que optou pela representação distribuída da comunicação acrescentou

que ―a comunicação não finaliza em ponta alguma; ela circula, sai do lugar, se

movimenta em várias direções‖.

6.11 PROCESSO COMUNICATIVO

Buscou-se saber se os participantes se consideram em processo de

comunicação com a rede, no sentido de que suas contribuições são consideradas e

de sentir-se em processo de diálogo com as opiniões dos outros participantes. Como

é possível visualizar no gráfico IX, 68,3% dos respondentes se consideram incluídos

e partícipes do processo de comunicação em rede; 31,7% responderam que não, e

alguns justificaram suas respostas: ―não, pois vivemos um momento muito mais

político que técnico‖; ―há pouco espaço para interação‖; ―a rede se ‗partidarizou‘ e

passou a incluir projetos que nada têm a ver com tecnologias sociais‖; ―contribuo

pouco, pois não encontro espaço‖; ―busco estar em comunicação, mas ainda não

percebo uma relação de comunicação e sim de informação em relação à rede, acho

que faltam diálogos‖.

Page 137: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

136

Gráfico X – Valores predominam na visão de futuro sobre tecnologias

6.12 VALORES PREDOMINAM NO FUTURO DAS TECNOLOGIAS

Na visão de futuro de 120 participantes da pesquisa (gráfico X), as

tecnologias serão predominantemente condicionadas por valores (55,3%).

Esse posicionamento em relação às diferentes percepções sobre C&T:

instrumentalismo, substantivismo, determinismo e construtivismo, diz respeito à

nossa hipótese de que a esfera decisória na formulação das agendas de C&T

sofrerá crescente pressão para migrar para uma ausculta das questões locais, em

vez de seguir exclusivamente a ―importação‖ de tendências globais, envolvendo

crescente participação das comunidades.

Houve quem considerasse que as tecnologias serão autônomas (27,2%),

controladas pelo homem (23,5%) e neutras (5,5%). O entrevistado teve a

possibilidade de marcar mais de uma opção entre as respostas apresentadas.

Page 138: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

137

Gráfico XI – Relevância das tecnologias sociais para temas selecionados no portfólio de atuação do MCT, especialmente da Secis.

6.13 O FUTURO DAS TSs: POSSÍVEIS CAMPOS DE DESTAQUE

Inquiridos sobre quais seriam os temas mais relevantes envolvendo as

tecnologias sociais, nos próximos 15 anos, a reciclagem e aproveitamento de

resíduos sólidos ficou estabelecida como a que merece maior destaque, seguida por

fontes alternativas e renováveis de energia; agroecologia; agricultura familiar e

urbana; segurança alimentar e nutricional; inclusão digital; agenda nacional de C&T;

divulgação científica e tecnológica; tecnologias assistivas; construção civil e

confecções; artesanato e cerâmica. Isso demonstra o quão pervasivas são as

expectativas em relação à atuação do portfólio das TSs, ressaltando que não

exploramos temas novos além daqueles já contemplados em projetos e atividades

da Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social (Secis) do MCT.

Page 139: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

138

6.14 TRÊS INICIATIVAS QUE SE BENEFICIAM DE TSs NO DISTRITO FEDERAL

Julgamos que o trabalho ficaria incompleto sem a visita a empreendimentos de

TSs em nossa vizinhança, conversar com pessoas que também optaram por ―viver

esse tema‖, fazer valer a máxima de León Tolstoï: ―Fala de tua aldeia, e falarás do

mundo inteiro‖. A escolha dos projetos foi feita pela proximidade com pessoas que

trabalham em parceria com essas iniciativas, o que viabilizou o contato. Foram

incluídos neste trabalho as três iniciativas mencionadas na introdução: a Fazenda

Malunga, que também incluímos no capítulo 3, os quintais produtivos ou

sustentáveis e o artesanato feito com lixo reciclável.

Os ―Quintais Sustentáveis‖ originaram-se do projeto realizado inicialmente no

bairro Mestre d´Armas87, em Planaltina (DF). Posteriormente, expandiram-se para as

regiões de Instância Planaltina e Instâncias de 1 a 5. Atualmente, conta com a

participação de 60 famílias. Tem como principal objetivo gerar renda e garantir a

alimentação de famílias de baixa renda. É uma iniciativa do Instituto Novas

Fronteiras da Cooperação (INFC) em parceria com o Ministério da Ciência e

Tecnologia (MCT), por intermédio da Secretaria de Ciência e Tecnologia para

Inclusão Social (Secis). É realizado em área urbana e já alcança alguns segmentos

87

Curiosidade: ―o nome Mestre D‘Armas é anterior à fundação de Planaltina. Foi dado em homenagem a um ferreiro, mestre em conserto de armas, que viveu na região em 1790.‖ (ITS, 2008, p.15)

Figura 40 – José Bill, à esquerda, tem 90 anos, é aposentado e se dedica aos cuidados da horta em seu quintal. José Roberto Melo Machado, à direita, coordena o Projeto Quintais Sustentáveis, em Planaltina, DF, atua como um dos colaboradores do Instituto Novas Fronteiras da Cooperação (INFC). Fotos da pesquisadora, tiradas em 13 de agosto de 2010.

Page 140: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

139

de áreas rurais. Visa ao incentivo à economia solidária, reaproveitamento de áreas

disponíveis e da chamada água cinzenta, o que é eliminado no uso doméstico

(águas descartadas da pia, chuveiro e lavanderia), usando o sistema de irrigação

por gotejamento.

Para José Roberto Melo Machado (figura 40), mobilizador social, colaborador

do INFC e coordenador do Projeto em Planaltina, o sentido que atribui às

tecnologias sociais corresponde a ―tecnologias de fácil acesso, de baixo custo, que

qualquer pessoa possa dominar, implantáveis em qualquer lugar, e que gerem

resultados‖. Aponta como obstáculos para a realização do projeto a dificuldade de

dar continuidade às iniciativas, visto que o projeto tem duração de 8 meses e há

necessidade de assistência técnica e acompanhamento, especialmente em áreas de

consolidação das atividades. Machado defende o empoderamento dos movimentos

sociais locais, as associações, igrejas ou sindicatos para que fossem os

propagadores dessas iniciativas, quando o poder público não puder estar presente.

Ressalta que as perspectivas de expansão são promissoras, especialmente em

áreas rurais, o que sempre foi o foco primordial do INFC: a agricultura familiar e

orgânica, permacultura, o trabalho com os quilombolas e famílias em

assentamentos. Destaca a satisfação que sente ao ver as pessoas tomarem a

iniciativa de organizar uma feira para a comercialização da produção excedente e

adquirirem novos hábitos alimentares, incentivados pelo cultivo das hortaliças.

As garrafas plásticas vazias são a matéria-prima para que Egídia Gomes de

Oliveira, suas filhas Cleonice, Gláucia, Veronice, Vanusa e Valdelice; o filho, Marcos

Paulo e a cunhada Sarah sejam os transformadores do que seria lixo em arte. As

Oliveiras impressionam pela delicadeza do design, o colorido, a técnica e a

diversidade na criatividade que gera sandálias, abajures, colares, pulseiras, brincos,

chaveiros, flores ornamentais e outras peças em criação, ainda não divulgadas.

Além das garrafas pet, usam diversas embalagens para fazer tapetes, como o que

aparece na parede, ao fundo da foto das três Oliveiras (figura 41).

Page 141: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

140

Figura 41 – Ao centro, Egídia Gomes de Oliveira, matriarca das Oliveiras, ladeada das filhas Vanusa e Cleonice. À direita, bijuterias e chaveiro feitos pelas artesãs. Fotos da pesquisadora, tiradas em Planaltina, 13 de agosto de 2010.

Há cinco anos, Egídia, que trabalhava como cozinheira em vários

restaurantes de Planaltina, começou a produção do artesanato com as garrafas pet,

e isso trouxe para a família nova perspectiva de trabalho e geração de renda, sem

dizer o aspecto de envolvimento no circuito da reciclagem de materiais

tradicionalmente descartados no lixo e a realização pessoal com a atividade de

criação e artesanato. ―Satisfação em ter o reconhecimento das pessoas, pois o pior

é fazer algo e não agradar‖, comentou Cleonice ao descrever as conquistas que o

artesanato lhe proporciona. ―Trabalhar por conta própria, para si mesmo‖, Egídia

complementa, entre as vantagens do novo ofício.

―No começo, a divulgação era quase inexistente, atualmente a maior

dificuldade é não ter um local próprio‖, comentam. As Oliveiras trabalham em casa e

integraram o Projeto Moda Solidária Geração de Trabalho e Renda, parceria entre

o Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da Universidade de

Brasília (UnB) e a Secis/MCT. Participaram, inclusive, do Capital Fashion Week

(CFW), em 2009, momento em que as coleções dos grupos Sebastianas, Callas e

Oliveiras mostraram bolsas, bordados e acessórios em pet. O Moda Solidária

beneficiou 100 famílias das comunidades de São Sebastião e Planaltina, no Distrito

Federal, pessoas que através de aprimoramento técnico, da inovação (em ambos os

sentidos) no processo de produção e do suporte à comercialização desenvolveram

diversos objetos, entre os quais alguns têm a previsão de serem exportados. Em sua

Page 142: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

141

Figura 42 – Vídeo amador, feito pela autora, disponível no YouTube, com os flashes da oficina de agroecologia de abril de 2009, em que Tiago, responsável pela certificação na Fazenda Malunga, explica ao grupo qual é o seu papel na equipe e como se dá a produção de sentido em relação ao trabalho que é feito. Para a apreciação de um vídeo profissional, assistir à reportagem sobre a Malunga no Globo Rural (PRIA; SANTOS, 2009).

visão de futuro, Cleonice, para quem tecnologia social é sinônimo de ―progresso‖ e

―melhoria‖, vê as Oliveiras conquistarem o mercado e tornarem-se conhecidas:

―pode demorar, mas sinto que vamos conseguir‖, declara com otimismo.

A Fazenda Malunga,

cuja descrição iniciamos no

capítulo 3 e procuramos

incluir nessa observação

estruturada, é um exemplo

ímpar no universo das

tecnologias sociais no cenário

mundial. Enquanto os

participantes dos dois

projetos mencionados

anteriormente estão mais

próximos dos sentidos

atribuídos às TSs no universo da economia

solidária, com a perspectiva de geração de

emprego e renda, inclusão social e

reaplicabilidade de tecnologias simples,

acessíveis a qualquer um, a proposta de

trabalho nessa fazenda também inclui esses

sentidos bem como os demais que foram enunciados na pergunta de número 6 do

questionário de pesquisa. Além disso, abrange as cinco palavras mais presentes nas

associações propostas na questão 2, ressaltando também a interseção com os três

sentidos atribuídos às folk technologies88.

A Malunga é um empreendimento certificado inserido na economia de

mercado, com produção de 180 toneladas de verduras orgânicas por mês, e

mantém interseções com a economia solidária. Localizada em área rural, conta com

equipe de 175 funcionários que têm participação nos lucros da empresa. Para Joe

Valle, a ―ciência e tecnologia começam na casa da gente‖, e foi com essa dupla que

ele, sua esposa, Clevane Valle, e toda uma atuação em rede promoveram o

88

O nosso registro de vídeo da visita à Malunga e participação na oficina de agroecologia está disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=rcYaXR6RQNA.

Page 143: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

142

desenvolvimento da fazenda. Inicialmente com quatro canteiros, e hoje somando 4

mil, distribuídos em 42 hectares de horta, ali são exercitadas, reaplicadas e,

inclusive, inventadas (com o seu próprio Fabrication Lab para a produção de um

adubo específico para cada tipo de planta) o que Joe chama de ―tecnologias de

processo‖. O termo entra nesta dissertação como mais um possível sinônimo para

as tecnologias sociais, com o vetor da adaptação que se dá de dentro para fora,

presente nas inter-relações com visão sistêmica, semelhantes àquelas vivenciadas

na fazenda.

Ao descartar o uso de tecnologias convencionais ou capitalistas, em que há

predomínio de uma visão instrumental, para nutrir o solo e combater as pragas,

especialmente com o uso de adubos químicos e com os pesticidas, ou optar pela

homeopatia para tratar o gado, Joe teve de recorrer à conjugação do saber popular

e ancestral e ao conhecimento científico que, como costuma dizer, ―casam

perfeitamente bem no universo da fazenda‖. Isso se deve ao fato de a validação

desses conhecimentos só ocorrer com a opção pela via da sustentabilidade, o que

requer muita experimentação antes de se fazer uma escolha e obter sucesso com

ela. Escolhas também embasadas em uma filosofia de vida, com os pilares do

―economicamente viável e socialmente justo‖, que ele tenta divulgar ao abrir as

portas a número crescente de visitantes, a qualquer pessoa que revele interesse, até

mesmo a quem esteja produzindo com as tecnologias convencionais e queira

aprender e migrar para a agricultura orgânica.

Pode-se encontrar muito da teoria de Habermas nessa arquitetura de abertura

das oficinas promovidas na Malunga, em certa esperança de reconciliação do

mundo da vida com o tão distanciado ―sistema‖, via ação comunicativa. Oficinas ou

simplesmente encontros entre pessoas de carne e osso (flesh and blood gatherings,

no dizer de Holmström), segundo se formava opinião em outros tempos, que servem

para avivar novas relações na mente das pessoas, colocando uma ação

comunicativa em curso. Luhmann também encontra espaço nesse contexto porque

não está em questão a construção ou modificação de um consenso, já previamente

estabelecido: aquele do banimento dos agrotóxicos, pesticidas e tudo o que não

estiver em equilíbrio com uma interação saudável entre ser o ser humano e a

natureza. O ―sistema orgânico‖ tem suas fronteiras de sentido muito bem definidas

na tolerância zero com esses elementos, cuja nocividade ao meio já foi testada. A

Page 144: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

143

comunicação que ocorre nesses encontros já não se restringe à transmissão de

informação, e sim em perceber o que irá acontecer com os visitantes em função

dessas conversas.

Há uma inter-relação com o sentido de inclusão, em que podemos mudar o

verbo ―estar‖ para ―tornar-se apto a participar na determinação das possibilidades de

vida individual e coletiva‖, o que também não é restrito, necessariamente, a

localizações de ―classe social‖. E isso torna-se perfeitamente visível em quem tem

voz nesses encontros: qualquer pessoa aberta a exercitar a ―cidadania ativa‖, o que

requer um exercício cognitivo de vislumbrar novos cenários de alternativas

civilizatórias em que cada um se localiza no mundo, em sua teia de ―emaranhados

com os artefatos‖ a sua volta. Começam a entrar em xeque algumas opções e

escolhas individuais, especialmente quando se consegue a façanha de experimentar

uma reaproximação com a natureza.

Há um convite, manifestado pelo anfitrião, para que as pessoas assumam o

compromisso de ―formar um grande tecido orgânico na nossa cidade, depois no

nosso Estado e também no nosso país‖, do local para o global. E ele tem

legitimidade para pedir essa adesão, ao enunciar a ideia-força em função do que

construiu com o seu ―yes we can‖, nos últimos 25 anos de Malunga, o que está

disponível para comprovação mediante os nossos cinco sentidos.

A vivência, a experiência e a construção da experimentação e adaptação da

agricultura orgânica permitiram que esses indivíduos começassem um processo e

permanecessem na promoção, na tecelagem de uma rede de sentidos que estão

presentes em um movimento bem mais abrangente que o escopo desta pesquisa

sobre tecnologias sociais, na busca de novas relações entre ciência, tecnologia e

sociedade.

Com efeito ―bola de neve‖, a inovação alcançada na fazenda, que faz com

que a sua produtividade cresça e apareça, não é aquela guardada a sete chaves,

muito pelo contrário, pois o interesse é que esse movimento ou filosofia de vida

associada à agricultura orgânica se multiplique, seja inclusivo e prospere, que a rede

de comunicação se dê na forma mais distribuída possível. É assim que alguma dica

de cultivo pode chegar aos Josés dos quintais sustentáveis ou acontecer o caminho

inverso, mesmo porque, apesar das distâncias geográficas, os participantes dessas

Page 145: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

144

três iniciativas se conhecem pessoalmente e se localizam ―em rede‖, têm homofilia,

exercitam interações correlativas e autônomas .

A fazenda também recebe membros da Academia que ali realizam suas

pesquisas, aprendem com os processos adaptativos que estão em curso na

Malunga e ensinam o que suas descobertas têm a oferecer. Com a sua incursão na

vida pública, como Secretário de C&T para Inclusão Social do MCT, Joe pôde

participar na disseminação das tecnologias sociais, inclusive dos telecentros, o link

para o primeiro sentido de folk technology, abordado no capítulo 2, visando a

inclusão digital também em áreas rurais, nem sempre as primeiras contempladas

em um país onde o êxodo do campo, o distanciamento das áreas rurais, muitas

vezes adquire a conotação de ―prosperar‖.

A patir de novembro de 2010, como deputado distrital (PSB-DF), eleito por

mais de 6 mil brasilienses, politização com filiação partidária, Joe Valle terá a

oportunidade de escrever novo capítulo de uma atuação em rede que não cessa de

crescer, alimentada por um ingrediente de que Brasília sempre careceu: capital

social, relações alicerçadas na honestidade e confiança, especialmente quando o

contexto é o da política.

Page 146: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

145

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao buscar conhecer o processo de construção de sentido relacionado às

tecnologias sociais, objetivo primordial desta pesquisa, fizemos a leitura de uma

parcela da literatura disponível sobre o tema, obtivemos informações de 251

respondentes a uma enquete realizada via Internet, e observamos três

empreendimentos de tecnologias sociais em Brasília (DF).

Desse conjunto de ações, pode-se apontar que a literatura consultada

espelha a hipótese de que há polissemia do termo ―tecnologia social‖, seja no Brasil

ou no exterior, o que resulta em contribuição para que haja diferentes campos de

atuação a expandir-se, um horizonte dos mais férteis para novas ressignificações de

possíveis relações a serem construídas entre ciência, tecnologia e sociedade, em

que o ―S‖ é portador da preocupação com a melhoria da qualidade de vida das

sociedades, mas também desponta como o ―S‖ da sustentabilidade .

Fruto da enquete realizada on-line, resulta uma diversidade de ideias

associadas ao tema com a delimitação de sentidos reincidentes, verbalizados nas

palavras ―sustentabilidade‖, ―inclusão‖, ―desenvolvimento‖, ―inovação‖ e ―redes‖.

Quando apresentados a sete afirmações que estariam associadas ao conceito de

TS, apenas a metade dos respondentes assinalou o conceito que está enunciado

como “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na

interação com a comunidade e que representam efetivas soluções de

transformação social”. Posteriormente, na terceira tentativa de questionamento

sobre a satisfação com a maneira pela qual o conceito se encontra expresso, 83,2%

dos participantes da pesquisa manifestaram anuência a essa forma de enunciá-lo.

Em dois dos três empreendimentos de TSs no Distrito Federal, constatou-se a

predominância do discurso voltado à necessidade de geração de emprego e renda,

inclusão social, embasado em preceitos de sustentabilidade. No terceiro

empreendimento observado, houve a inclusão de maior abrangência e convívio de

sentidos atribuídos às tecnologias sociais, conforme mapeamento apresentado

nesta dissertação, entre os quais se destacam alguns:

tecnologias simples, fruto da criatividade e engenhosidade de qualquer

pessoa;

Page 147: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

146

proposta de responsabilidade social que valoriza o empreendedorismo

e a reaplicação de tecnologias de baixo custo e já testadas com

sucesso;

filosofia de vida;

produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na

interação com a comunidade e que representam efetivas soluções de

transformação social;

tecnologias que se opõem ou se diferenciam de tecnologias

convencionais ou capitalistas (TCs) e de sua lógica de produção;

valorização das noções de economia solidária e de quesitos de

sustentabilidade em seu embasamento;

tecnologias que valorizam o saber popular e ancestral;

tecnologias de processo, em que a adaptação se faz ―de dentro para

fora‖.

A ―rede‖, o ―movimento‖ ou o ―fórum‖ de tecnologia social tenta se estabelecer

via ação comunicativa, expressa na engenharia do processo comunicativo posto em

marcha pela dinâmica do desenvolvimento local participativo, mas recai em

contextos nos quais a comunicação é improvável devido ao resguardo de fronteiras

semânticas, ideológicas e diversidade de percepções por parte dos diferentes atores

que integram a rede. Comprovou-se a ampliação de sentidos encontrados e

descritos a partir da literatura consultada, bem como com as respostas das questões

2 e 6 do questionário da pesquisa. Porém, ao haver a anuência de mais de 80% dos

participantes da pesquisa em relação ao conceito construído pelo coletivo, pode-se

supor que muitas pessoas que têm ideias diferenciadas sobre o que TS significa

para elas, estão dispostas a ―ceder‖ ou ―silenciar‖ para que um consenso prevaleça.

Acredita-se que a riqueza dos sentidos associados às tecnologias sociais está

enraizada em sua ampla diversidade, em uma microfísica das soluções a partir de

problemas locais. As enunciações, embora diferenciadas, guardam afinidades, o que

não representa ―prejuízo‖ a quem estiver munido de curiosidade e tolerância para

relacionar-se com a polissemia do termo, conforme enunciado em nossa segunda

hipótese, o que pode contribuir, ainda mais, para a ampliação dos campos de

atuação. Julga-se que a construção de um único consenso possa ser redutora para

um conjunto de ações que poderiam conviver, justamente por prezarem pelo gosto

Page 148: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

147

da ―existência de alternativas‖, não perceber tudo como algo dado e predeterminado,

um só caminho, no dizer do poeta sevilhano António Machado: ―Caminante, no hay

camino, se hace camino al andar‖. Ousar desafiar a visão neutra e instrumental da

C&T, que se recebe passivamente, como um pacote fechado e imutável – a

tecnologia convencional e um modelo de vida cujo desenho é estabelecido sem que

dele participemos criticamente –, associado a todo um conjunto de crenças e

comportamentos que o acompanha.

É possível, por exemplo, haver vários Fabrication Labs no Brasil. Não por

uma razão de imitação, porque os outros países já os têm, e sim porque o sentido

de sua criação já existe por aqui, em meio aos debates sobre TSs, o que nos faz

partícipes na comunicação desse ―sistema social‖, na visão luhmanniana, por

compartilharmos, já termos selecionado e validado tal sentido. Ao nos referirmos ao

movimento brasileiro ou latino-americano podemos usar, além da tradução literal

―social technologies‖, a expressão ―folk technologies‖ para fazer menção ao

movimento pelas TSs no Brasil, o que nos une a uma constelação bem maior de

iniciativas em escala planetária.

Acredita-se que os conteúdos trazidos por maior participação da sociedade

em relação aos temas das ciências e tecnologias transformará muitas pessoas em

usuárias de tecnologias sociais nos seus mais diversos sentidos. Esse é um ponto

importante que surgiu no decorrer da pesquisa, o fato de que muitos advogam a

favor das tecnologias sociais, mas não se consideram usuários de TSs. Não se quer

frisar a obrigatoriedade e sim a naturalidade que supúnhamos existir em ―ser usuário

de TS‖, constatação que esteve ausente em alguns resultados desta pesquisa.

A observação de que existe uma interpretação de tecnologia social como

aquela que é exclusivamente destinada aos cidadãos de baixa renda deve ser tema

de conversas. É certo que as populações de menor renda são maioria no país e têm

muito proveito a tirar da variedade de ideias, produtos, novas formas de associar-se

e encontrar soluções conjuntamente, o que está no cerne das discussões do

desenvolvimento local participativo, campo de construção de tecnologias sociais.

Porém, essa delimitação do público-alvo pode enveredar pelo mesmo caminho da

legitimação de uma visão da divisão de trabalho que estigmatiza certas funções,

profissões, produtos, estéticas, enfim, escolhas como as mais adequadas para os

mais destituídos: lidar com o lixo (dos outros), por exemplo. ―A cada qual o lugar que

lhe pertence‖, lema do tecnocrata Jean Coutrot, idealizador do Centro de Estudos

Page 149: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

148

dos Problemas Humanos. Isso seria satisfatório para quem não vê sentido, por

exemplo, em uma gestão e responsabilidade individual na separação e

encaminhamento do lixo que cada qual produz. Aqueles que acreditam que a

mágica que faz o saquinho e as toneladas de lixo sumirem após depositá-los na

calçada da rua pode e deve continuar o seu curso.

Ao enveredar por uma ―distinção de classe‖ para as TSs, corre-se o risco de

fazer com que seja a tecnologia da inclusão social que, paradoxalmente, manterá os

―desfavorecidos‖ com a distinção de ―excluídos‖, remetendo ao comentário de

Sawaia de que os processos de exclusão pertencem ao (dis)funcionamento do

sistema. Não escolhemos nesta dissertação um conceito de inclusão que fosse

sinônimo de afiliação a um programa ―x‖ de dado governo, sinônimo de ter o nome

no cadastro, ser ―fichado‖, ou algo similar, e sim aquele de tornar-se ―apto a

participar integralmente na sociedade e controlar o próprio destino‖, na medida do

possível e com muito mais que alfabetização.

O condomínio de luxo que usa um emissário para conduzir seus esgotos sem

qualquer tratamento a uma praia onde as pessoas se banham, o que aconteceu e

continua a acontecer em várias cidades brasileiras, carece de uma tecnologia social

com a mesma premência de uma favela que despeja seus dejetos a céu aberto.

Uma nova visão de tecnologia como ―campo de luta social, uma espécie de

parlamento das coisas, onde concorrem as alternativas civilizatórias‖, conforme a

citação de Feenberg que se encontra na Introdução.

Essa compreensão, de poder influenciar qual é o patamar civilizatório que nos

pertence e satisfaz, é fundamental para entender as muitas adjetivações que se

tenta ―casar‖ com a palavra tecnologia, e que conduziu a esse complemento do

―social‖, em tantas épocas e contextos diferenciados. Tal discussão precisa chegar,

atravessar fronteiras muito bem resguardadas, àqueles que estão conduzindo, por

exemplo, o futuro da construção civil no Brasil; a quem puder intervir para que haja

iluminação pública feita com energia solar; ao currículo das escolas e universidades;

àqueles que elaboram normas técnicas e políticas públicas; aos que estudam novos

materiais, especialmente os destinados às embalagens dos produtos de consumo de

massa e tantos outros ambientes. Enfim, que ela se torne o mais pervasiva possível

nos conteúdos de uma Agenda Nacional de C,T&I, de uma política industrial entre

muitos outros sistemas que buscam resguardar suas fronteiras em relação aos

Page 150: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

149

questionamentos, à comunicação e requisitos que estão associados às TSs,

especialmente no que se refere ao vetor da sustentabilidade.

No que se refere à hipótese de que o futuro das tecnologias sociais esteja

indissociado de uma perspectiva construtivista de agendas locais para C,T&I, pois

as TSs são contra-hegemônicas em relação a uma visão neutra, instrumental e

determinista da tecnologia, acreditamos que isso esteja em sintonia com o exemplo

da Fazenda Malunga e com a opinião dos respondentes da pesquisa que

assinalaram que as tecnologias serão guiadas por valores. A sequência de

construção de um artefato em termos construtivistas, tal e qual descrita por Bjiker e

Pinch (Figura 6 desta dissertação), apresenta alguns aspectos análogos ao que

ocorre na fábrica de insumos da Fazenda e, em certa medida, à sequência de

produção no artesanato feito a partir do material reciclado, em que há uma

possibilidade de experimentação e de intervenção, de fazer escolhas, com a força

do poder local, bottom-up, de baixo para cima.

São as possibilidades de optar, de participar do processo decisório, que

inexistem quando se compra, por exemplo, um eletrodoméstico com tomada de três

pinos, já adaptada ao novo padrão que prevalecerá no Brasil e, cabe a nós,

consumidores, a tarefa de buscar uma adaptação de fora para dentro. Nesse caso, é

necessário procurar uma loja que venda um adaptador para poder ligar o aparelho,

visto que a indústria não se preocupou – encampou o novo design sem se preocupar

em fornecer um adaptador – e tampouco os domicílios estão prontos para tal

mudança, feita de cima pra baixo, top-down, sem a participação popular. Não houve

escolha nessa e em muitas outras decisões de alteração de design que afetarão a

vida de todos os habitantes de um país. Fatos como esse fazem com que os

exemplos construtivistas percam em ―escala‖ para os exemplos deterministas, como

os de Schroeder, o qual acredita que a tecnologia torna-se cultura a partir do

momento em que é traduzida no uso quotidiano.

A inclusão dos filósofos, além dos sociólogos, na arena dos debates onde se

busca compreender o cerne dos significados que a tecnologia tem na vida de cada

um de nós, é muito bem-vinda. Um bom começo, para que cada qual pudesse

avaliar como se posiciona em relação ao tema, seria mais bem expresso se

redigíssemos um diário sobre nosso emaranhado de relações cotidianas com os

artefatos que fazem parte de nossas vidas. Seria uma tentativa de tirá-los de sua

transparência, segundo a visão de Heidegger, e inquirir sobre quais sentidos lhes

Page 151: Tecnologias sociais: processos comunicativos em autopoiese

150

atribuímos, o quanto compreendemos sobre seu funcionamento, razão de ser e

impacto ambiental, se são meios para construirmos relações de confiança,

emancipar-nos ou sermos simplesmente cidadãos melhores. Qual é a pegada

humana (human footprint) que estamos ajudando a construir com ciência e

tecnologia ―na casa da gente‖, onde, segundo Joe Valle, elas começam a existir e

ganhar sentido?

Caso Stengers e Bensaude-Vincent estivessem com a razão, e a questão da

responsabilidade que se quer atribuir às ciências e aos cientistas, à qual

acrescentamos a tecnologia, pertencer à esfera das dissertações morais, sem

importância, secundadas pela ironia de Alexander e Schmidt sobre o fato de todo

―engenheiro social ser um moralista‖, ainda assim precisaríamos que a filosofia nos

conduzisse aos muitos outros questionamentos e críticas que acompanham as

reflexões sobre moral e ética em diferentes contextos. Especialmente para melhor

compreensão do posicionamento de Luhmann, de que há tantas morais quanto

lógicas atreladas às funções dos sistemas. Esse é um capítulo que não escrevemos

e que talvez fosse útil para tratar de diferentes correntes filosóficas sobre o que é

ética e moral, especialmente no caso das tecnologias sociais que são enunciadas

com um conjunto de valores. Passaríamos pelo utilitarismo de Jeremy Bentham; a

moral deontológica de Emmanuel Kant, a ética da virtude de Aristóteles, o ―dilema

moral‖ de Lawrence Kohlberg, a moral da solicitude das feministas, relativismo,

comunitarismo, pós-modernismo de direita, biologização da ética (BAILLARGEON,

2008), entre tantas abordagens que podem servir a elucidar a ênfase aos valores,

tão presente no movimento em prol das tecnologias sociais no Brasil.

Apesar de identificarmos as limitações deste trabalho, acreditamos que em

relação à proposta de estudar como se deu e continua a acontecer a construção do

processo comunicativo sobre as tecnologias sociais; de identificar os elementos de

diferenciação e estabelecimento de sentido entre os sistemas sociais que coexistem

no universo das tecnologias sociais, e de conhecer os principais debates da

atualidade sobre o tema, inseridos nos questionamentos entre as relações cogitadas

entre ciência, tecnologia e sociedade, esses objetivos foram alcançados.

No que se refere aos processos comunicativos, a conjugação das visões de

Habermas e Luhmann, tão diferenciadas entre si, sobre a prática das relações

públicas, esmiuçando como ocorre a comunicação na esfera pública, ofereceu uma

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adequação e revelações inesperadas. Com Habermas, vislumbramos que a

necessidade de se construir sentido, incessantemente, na esfera pública, é uma

força poderosa para criar adesão ao movimento das tecnologias sociais, enquanto

essa rede se mantiver com a sua razão de ser espelhada nas expectativas e

enunciações que estão próximas àquelas dos valores do mundo da vida,

especialmente com o destaque ao vetor da sustentabilidade. Com Luhmann, foi

possível aventar o quão complexas são as estruturas sociais que tornam improvável

que a comunicação ocorra em meio a uma superprodução de sentidos que estão em

disputa, buscando ―um lugar ao sol‖ e sobrevivência via resguardo de fronteiras que

podem ser semânticas, ideológicas, de poder. Em ambas as abordagens, o que é

central são as relações que se estabelecem durante tais processos comunicativos, e

que novas percepções, atitudes e ações podem surgir desses ―embates de

sentidos‖.

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ANEXO A

Mensagem-convite endereçada aos respondentes da pesquisa

Data: 23 de julho de 2010 11:27

assunto: Pesquisa - Tecnologias Sociais

enviado por: [email protected]

Prezado(a) colega,

Conto com a sua colaboração na pesquisa que estou realizando sobre as tecnologias sociais (TSs).

Sua participação é muito importante por reconhecê-lo(a) como um(a) colaborador(a) de destaque, com atuação em rede, nesse processo comunicativo de construção de sentido para as TSs. Além disso, sua opinião representará um incentivo aos trabalhos de pesquisa sobre esse tema.

O link, incluído abaixo, o(a) conduzirá a um questionário com 13 perguntas em que são abordados diversos aspectos relacionados às tecnologias sociais. Essa pesquisa está sendo realizada por mim, aluna do curso de Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB). As informações fornecidas servirão exclusivamente para os fins desta pesquisa acadêmica e a eventual redação de artigos científicos que dela possam resultar. A sua participação é anônima. Não há fins comerciais associados a este trabalho.

Por favor, clique no link abaixo, ou copie essa URL no seu navegador e responda a todas as perguntas do questionário. O link permanecerá aberto aos respondentes até o dia 31 de agosto de 2010. Se você conhece ou trabalha com outros parceiros que colaboram com a rede de tecnologia social, por favor, compartilhe esta mensagem.

https://www.surveymonkey.com/s/38QRDWK

Agradeço, antecipadamente, pela sua valiosa participação.

Nathália Kneipp Sena

[email protected]

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170

ANEXO B

Questionário de pesquisa e respostas obtidas89

Questão 1

89

Trata-se dos dados brutos da pesquisa, tal e qual foram recuperados do site da SurveyMonkey,

sem qualquer alteração na diagramação ou adequação/correção dos textos.

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Questão 2

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Questão 3

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Questão 4

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Questão 5

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Questão 6

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185

Questão 7

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Questão 8

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Questão 9

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Questão 10

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Questão 11

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Questão 12

Questão 13

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ANEXO C

Roteiro de observação estruturada Observação estruturada de três projetos ou iniciativas em que as tecnologias sociais tenham predominância entre as atividades realizadas. As escolhas dos projetos visitados se devem à proximidade desses empreendimentos em relação ao perímetro urbano de Brasília e contatos preestabelecidos na Secretaria de C&T para Inclusão Social: a) Fazenda Malunga

b) Quintais sustentáveis (Planaltina-DF)

c) Produção de bijuterias e artesanato a partir da reciclagem de garrafas pet A. Quadro geral de observação

1. Projeto se realiza em área

2. Natureza econômica do projeto

3. Visão de tecnologia social expressa pelo grupo ____________________ 4. Número de participantes _______________________________________ 5. Objetivos do grupo com o projeto________________________________ 6. Principais conquistas __________________________________________ 7. Obstáculos encontrados ________________________________________ 8. Perspectivas _________________________________________________ Caso seja consensual a realização de um registro fotográfico por ocasião das três

visitas, solicitaremos que as pessoas fotografadas manifestem-se, por escrito,

quanto à possibilidade de uso de sua imagem. Usaremos uma declaração de

autorização de uso da imagem para esse fim.

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ANEXO D

As principais bancadas no Congresso (2003) Fonte: VAZ (2003)

A BANCADA DAS EMPREITEIRAS

Deputados

Doações, em R$ mil

Aluízio Nunes Ferreira (PSDB-SP) 405

José Carlos Martinez (PTB-PR) 300

Félix Mendonça (PTB-BA) 287

Givaldo Carimbão (PSB-AL) 180

Saraiva Felipe (PMDB-MG) 170

Luiz Piauhylino (PSDB-PE) 150

Alexandre Santos (PSDB-RJ) 131

Vander Loubet (PT-MS) 121

Joaquim Francisco (PFL-PE) 120

Marcelo Siqueira (PMDB-MG) 158

Senadores

César Borges (PFL-BA) 400

Eduardo Azeredo (PSDB-MG) 294

Teotonio Vilela Filho (PSDB-AL) 209

Marco Maciel (PFL-PE) 200

Hélio Costa (PMDB-MG) 158

A BANCADA DA SIDERURGIA

Deputados

Doações, em R$ mil

Paulo Delgado (PT-MG) 135

Vincentinho (PT-SP) 127

Raul Jungmann (PMDB-PE) 120

José Militão (PTB-MG) 120

Delfim Netto (PPB-SP) 120

Patrus Ananias (PT-MG) 115

Armando Nogueira (PMDB-PE) 100

Onyx Dornelles Lorenzoni (PFL-RS) 100

Mussa Demes (PFL-PI) 100

Virgílio Guimarães (PT-MG) 90

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Senadores

Eduardo Azeredo (PSDB-MG) 400

Sérgio Zambiasi (PTB-RS) 250

Sérgio Guerra (PSDB-PE) 248

Cristovam Buarque (PT-DF) 160

Hélio Costa (PMDB-MG) 150

A BANCADA DOS USINEIROS

Deputados

Doações, em R$ mil

João Lyra (PTB-AL) 518

Nárcio Rodrigues (PSDB-MG) 310

João Caldas (PL-AL) 282

Anderson Adauto (PL-MG) 160

Givaldo Carimbão (PSB-AL) 50

Michel Temer (PMDB-SP) 50

Luiz Piauhylino (PSDB-PE) 50

A. C. Mendes Thame (PSDB-SP) 40

Maurício Malta Lessa (PSB-AL) 40

Ronaldo Vasconcellos (PL-MG) 36

Senadores

Jonas Pinheiro (PFL-MT) 256

Teotonio Vilela (PSDB-AL) 200

Hélio Costa (PMDB-MG) 100

Marco Maciel (PFL-PE) 100

Eduardo Azeredo (PSDB-MG) 50

A BANCADA DA SAÚDE

Deputados

Doações, em R$ mil

Pauderney Avelino (PFL-AM) 400

Francisco Dornelles (PFL-RJ) 111

Walter Feldman (PSDB-SP) 110

Herculano Anghinetti (PPB-MG) 100

José Múcio Monteiro (PFL-PE) 100

Luis Antônio Fleury (PTB-SP) 100

Ronaldo Vasconcellos (PL-MG) 100

Mário Henringer (PDT-MG) 69

Bispo Rodrigues (PL-RJ) 50

Osmânio de Oliveira (PSDB-MG) 46

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Senadores

Teotonio Vilela Filho (PSDB-AL) 130

Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM) 100

Roseana Sarney (PFL-AM) 100

Jefferson Peres (PDT-AM) 60

Cristovam Buarque (PT-DF) 50

A BANCADA DOS BANCOS

Deputados

Doações, em R$ mil

Arnaldo Madeira (PSDB-SP) 151

Danilo de Castro (PSDB-MG) 150

Gilberto Kassab (PFL-SP) 120

Leonardo Alcântara (PSDB-CE) 100

José Sarney Filho (PFL-MA) 100

Roberto Magalhães (PFL-PE) 90

Ney Lopes (PFL-RN) 90

Paes Landim (PFL-PI) 85

Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) 77

A. C. Mendes Thame (PSDB-SP) 70

Senadores

Romeu Tuma (PFL-SP) 480

Marco Maciel (PFL-PE) 324

Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM) 310

Ramez Tebet (PMDB-MS) 300

Roseana Sarney (PFL-MA) 200

A BANCADA DO PAPEL E DA CELULOSE

Deputados

Doações, em R$ mil

Fábio Souto (PFL-BA) 200

Armando Monteiro Neto (PMDB-PE) 150

José Carlos Elias (PTB-ES) 120

Marcus Vicente (PPB-ES) 100

José Carlos Araújo (PFL-BA) 100

João Almeida dos Santos (PSDB-BA) 90

Luiz Carreira (PFL-BA) 80

Renato Casagrande (PSB-ES) 80

ACM Neto (PFL-BA) 75

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Ney Lopes (PFL-RN) 69

Senadores

Gerson Camata (PMDB-ES) 250

Magno Malta (PL-ES) 70

Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) 50

César Borges (PFL-BA) 50

Osmar Dias (PDT-PR) 18

A BANCADA DA MINERAÇÃO

Deputados

Doações, em R$ mil

Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO) 300

Aracely de Paula (PFL-MG) 150

Ronaldo Caiado (PFL-GO) 100

José Dirceu (PT-SP) 100

Jorge Khoury (PFL-BA) 75

Biscaia (PT-RJ) 51

Virgílio Guimarães (PT-MG) 50

Patrus Ananias (PT-MG) 50

Valdemar Costa Neto (PL-SP) 50

Vilmar Rocha (PFL-GO) 50

Senadores

Eduardo Azeredo (PSDB-MG) 230

Hélio Costa (PMDB-MG) 100

Aloizio Mercadante (PT-SP) 100

Lúcia Vânia (PSDB-GO) 50

Demóstenes Torres (PFL-GO) 30

A BANCADA DA AGRICULTURA

Deputados

Doações, em R$ mil

Alex Canziani (PSDB-PR) 150

Nelson Marquezelli (PTB-SP) 95

Pedro Henry (PPB-MT) 85

Dilceu Sperafico (PPB-PR) 79

Anderson Adauto (PL-MG) 63

A. C. Mendes Thame (PSDB-SP) 50

Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) 50

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Moacir Micheletto (PMDB-PR) 48

Ary José Vanazzi (PT-RS) 33

Ricardo Fiuza (PFL-PE) 30

Senadores

Jonas Pinheiro (PFL-MT) 67

Osmar Dias (PDT-PR) 56

Marco Maciel (PFL-PE) 50

Valdir Raupp (PMDB-RO) 20