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1 Título O Universo Organizacional e sua Cultura: Caos, Inovação e Autopoiese Autoria: Denis Pontes Coelho, Fátima Regina Ney Matos, Daniel Rodriguez de Carvalho Pinheiro, Jorge dos Santos Gurgel, Kátia Lene de Araujo Lopes, Silvio Roberto Dias da Silva Resumo O objetivo deste ensaio é expor um quadro teórico que explore de forma analítica e interpretativa o universo organizacional e sua cultura, considerando as dimensões do caos, inovação e autopoiese, tendo em vista que a cultura organizacional pode facilitar os potenciais inovativos e de adaptação ao meio. O tema inovação e cultura são mais que pertinentes dentro da Gestão de Pessoas, no sentido de que quanto mais conhecimento se tem da cultura, suas nuanças, dinâmicas e processos, mais se pode ter conhecimento de como as pessoas interagem, criam, renovam-se e se comunicam. Conhecer os processos e dinâmicas interpessoais é também dar um grande salto na Gestão de Pessoas e paralelamente no estabelecimento de estratégias que possam intercalar desenvolvimento humano e organizacional. Pensar atualmente em organizações e não incluir temas como Criatividade e Inovação é no mínimo não estar coerente com as demandas organizacionais contemporâneas. O presente artigo foi construído por um método baseado na pesquisa bibliográfica, como meio de realização e exploratório e descritivo quanto aos seus fins. O tratamento dos dados se deu de forma analítica e interpretativa, ou seja, através do conjunto de teorias procurou-se, através da linguagem, expressar compreensão daquilo que agora pode ser visto como um “corpo” totalizante de significação em torno da Cultura Organizacional. As organizações foram interpretadas aqui como sistemas dinâmicos e abertos, que operam em contínuo fluxo de interação com seu meio externo, deixando-se levar em caminhos à desordem, mas que paralelamente (dependendo de sua cultura) podem conseguir gerar novas oportunidades de se ordenar e funcionar. Este fluxo interno de mudança cultural concede à organização a característica de sistema dinâmico e autopoiético, porque a cultura como sendo produto das relações interpessoais ajuda recursivamente a produzir a organização. Este movimento organizacional é também inovativo, já que um sistema dinâmico é movido por mudanças, mesmo que não sejam obrigatoriamente originais, basta que esteja continuamente se recriando e seu processo interno para isso é a criatividade. A dimensão caótica da organização se caracteriza com a idéia de que pequenas perturbações geram grandes e inúmeras consequências e que os padrões pertencentes a uma organização, a sua cultura, são o que define ela como organização. Conhecer estes padrões é na prática saber as nuanças da cultura e que mesmo isoladas podem fornecer dados substanciais para pré-visões e assim facilitação no desenvolvimento de estratégias organizacionais. O artigo expressa então que dependendo da cultura organizacional, esta pode levar à organização a um caminho de adaptação ao meio, mais precisamente de inovação e sustentabilidade e que as dimensões de análise aqui expressas precisam ser empiricamente testadas e re-testadas, com o objetivo de se tornarem mais aceitas e disseminadas de forma prática e estratégica, facilitando com que mais organizações trilhem os caminhos da responsabilidade sócio-ambiental e de serem efetivamente locais em que as pessoas se identifiquem.

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Título O Universo Organizacional e sua Cultura: Caos, Inovação e Autopoiese

Autoria: Denis Pontes Coelho, Fátima Regina Ney Matos, Daniel Rodriguez de Carvalho Pinheiro,

Jorge dos Santos Gurgel, Kátia Lene de Araujo Lopes, Silvio Roberto Dias da Silva

Resumo O objetivo deste ensaio é expor um quadro teórico que explore de forma analítica e interpretativa o universo organizacional e sua cultura, considerando as dimensões do caos, inovação e autopoiese, tendo em vista que a cultura organizacional pode facilitar os potenciais inovativos e de adaptação ao meio. O tema inovação e cultura são mais que pertinentes dentro da Gestão de Pessoas, no sentido de que quanto mais conhecimento se tem da cultura, suas nuanças, dinâmicas e processos, mais se pode ter conhecimento de como as pessoas interagem, criam, renovam-se e se comunicam. Conhecer os processos e dinâmicas interpessoais é também dar um grande salto na Gestão de Pessoas e paralelamente no estabelecimento de estratégias que possam intercalar desenvolvimento humano e organizacional. Pensar atualmente em organizações e não incluir temas como Criatividade e Inovação é no mínimo não estar coerente com as demandas organizacionais contemporâneas. O presente artigo foi construído por um método baseado na pesquisa bibliográfica, como meio de realização e exploratório e descritivo quanto aos seus fins. O tratamento dos dados se deu de forma analítica e interpretativa, ou seja, através do conjunto de teorias procurou-se, através da linguagem, expressar compreensão daquilo que agora pode ser visto como um “corpo” totalizante de significação em torno da Cultura Organizacional. As organizações foram interpretadas aqui como sistemas dinâmicos e abertos, que operam em contínuo fluxo de interação com seu meio externo, deixando-se levar em caminhos à desordem, mas que paralelamente (dependendo de sua cultura) podem conseguir gerar novas oportunidades de se ordenar e funcionar. Este fluxo interno de mudança cultural concede à organização a característica de sistema dinâmico e autopoiético, porque a cultura como sendo produto das relações interpessoais ajuda recursivamente a produzir a organização. Este movimento organizacional é também inovativo, já que um sistema dinâmico é movido por mudanças, mesmo que não sejam obrigatoriamente originais, basta que esteja continuamente se recriando e seu processo interno para isso é a criatividade. A dimensão caótica da organização se caracteriza com a idéia de que pequenas perturbações geram grandes e inúmeras consequências e que os padrões pertencentes a uma organização, a sua cultura, são o que define ela como organização. Conhecer estes padrões é na prática saber as nuanças da cultura e que mesmo isoladas podem fornecer dados substanciais para pré-visões e assim facilitação no desenvolvimento de estratégias organizacionais. O artigo expressa então que dependendo da cultura organizacional, esta pode levar à organização a um caminho de adaptação ao meio, mais precisamente de inovação e sustentabilidade e que as dimensões de análise aqui expressas precisam ser empiricamente testadas e re-testadas, com o objetivo de se tornarem mais aceitas e disseminadas de forma prática e estratégica, facilitando com que mais organizações trilhem os caminhos da responsabilidade sócio-ambiental e de serem efetivamente locais em que as pessoas se identifiquem.

 

 

Introdução Pensar e entender as organizações, definitivamente, não é uma tarefa das mais fáceis.

O campo teórico de análise do universo organizacional é debatido até os dias atuais, tendo sido perpassado pela administração clássica, humana, contingencial, ecologia organizacional, teoria crítica e até as abordagens pós-modernistas.

O tema tem grande importância, já que a compreensão das organizações pode ser o melhor caminho para atuar sobre as mesmas e, assim, no desenvolvimento organizacional, pessoal e local. Ainda vivemos num modelo ou paradigma baseado no mecanicismo, dualismo, determinismo e fragmentalidade. Um paradigma intrínseco ao modo como as pessoas vivenciam e formulam este mundo, que foi e é de extrema importância na organização e cientificização deste mundo (CAPRA, 1982)

No entanto, surgiram diferentes formas de vivenciar e visualizar o mundo, como a teoria dos sistemas e mais recentemente as teorias da complexidade. As lacunas aparecem e se fortalecem porque as organizações precisam mudar, pois identificam que mesmo sob forte crescimento econômico ainda há dificuldade em compreender o contexto vivencial, parecem inadaptadas e impotentes para atuar diante de um sistema complexo e seus gestores não estão respondendo ao mundo de forma sustentável e responsável (CAPRA, 2002).

De acordo com Hock (2004, p. 17) As instituições hierárquicas de comando-e-controle da era industrial, que, nos últimos quatrocentos anos, cresceram a ponto de dominar a vida comercial, política e social, estão cada vez mais irrelevantes face a explosiva diversidade e complexidade da sociedade no mundo inteiro.

A maioria das organizações vive em conflito com o próprio meio vivente, não conseguem trazer significações para as pessoas dentro e fora delas, agregam valor e capital, mas as pessoas necessitam de significações.

Para resolver este conflito de adaptação com o meio vivente é necessário que se compreenda continuamente o que são as organizações, sua forma de atuar, seus propósitos atuais e como podem estar cada vez mais se acoplando, sendo inovadoras, autônomas e complexas a este meio.

As dimensões aqui propostas serão baseadas num modelo renovado de perceber e analisar os fatos e as organizações. Um modelo não linear, não determinístico, mas sim complexo, que possa oferecer meios de reflexão sobre como as organizações podem atuar de forma adaptativa ao meio e que esta atuação adaptativa esteja fundamentada na sustentabilidade, inovação, mudança, autonomia e aprendizado.

O modelo de análise aqui trabalhado terá como foco a cultura organizacional e como esta funciona de forma “caórdica”, padrão harmônico e simultâneo de caos e ordem (HOCK, 2004), fomentando novas respostas adaptativas ao meio, caracterizando-se como uma cultura inovativa e essencial ao funcionamento autopoiético da organização. O quadro exposto aqui é fruto de um trabalho teórico, reflexivo e interpretativo e representado por um gráfico elucidativo sobre dimensões interconexas.

O objetivo deste ensaio é expor um quadro teórico e esquemático que explore de forma analítica e interpretativa o universo organizacional e sua cultura, considerando as dimensões do caos, inovação e autopoiese, tendo em vista que a cultura organizacional pode facilitar os potenciais inovativos e de acoplamento ao meio.

É importante salientar que os conceitos utilizados neste ensaio são emprestados de outros campos disciplinares, mas procurou-se observar a advertência de Guerreiro Ramos (1989) quanto ao risco da “colocação inapropriada de conceitos relacionados à teoria da organização, que acabará mutilada, se continuar se permitindo à prática de tomar emprestadas

 

 

de outras disciplinas, incompetentemente, teorias, modelos e conceitos estranhos as suas tarefas específicas” (p. 69). Metodologia

Ensaio é definido por Martins (2002, p. 19) como “uma contribuição que trata em profundidade de determinada faceta de um assunto”, assim, este ensaio teórico tem como proposta a elaboração de um modelo que expresse os processos organizacionais imbricados com a inovação, a autopoiese e o caos. A tradição da ciência ocidental mostra que, partindo-se do senso comum, procura-se construir um embasamento teórico diferente do mesmo. Os conceitos de inovação, autopoiese e caos, relacionados às organizações, estão ainda em construção e requerem um embasamento que os diferenciem da prática empírica e assistemática, de apenas mais um modismo no campo da teoria da gestão.

Neste ensaio teórico, procurar-se-á apontar alguns referenciais que servirão de base para a expressão de um quadro esquemático da cultura organizacional, considerando as dimensões do caos, inovação e autopoiese.

Metodologicamente trata-se tão somente de um estudo bibliográfico, quanto aos seus meios e quanto aos seus fins descritivo e exploratório (VERGARA, 2004), mas também interpretativo, porque através de sua linguagem, expressa uma compreensão daquilo que foi primeiramente apreendido como evidencia e em seguida, numa formulação unificadora, concebe sentido (CORETH, 1973). Resultados e Discussão: Autopoiese e Organizações

O conceito da autopoiese foi formulado pelos biólogos Maturana e Varela (2004) e o conceito se refere a organização básica e essencial do ser vivo de se auto-produzir. A organização chamada autopoiética é aquela em que as relações entre as unidades constituintes de um sistema, em seu funcionamento, produzem a si mesmas e as partes deste sistema de forma contínua (MATURANA & VARELA, 2004).

O autoproduzir é um processo de vivência e também de conhecimento. O ser vivo, neste processo, produz a si mesmo e neste desenrolar dá respostas ao meio na tentativa de se acoplar; o meio perturba o sistema vivo, levando possibilidades. O sistema vivo unitário selecionará através de seu histórico de acoplamentos quais estímulos poderão ser mais ou menos perturbadores e assim formula o seu mundo particular e promove novos acoplamentos de acordo com esta “visão” de mundo, num processo fechado chamado de clausura estrutural (MATURANA & VARELA, 2004).

O processo contínuo de auto-produção de um sistema vivo leva a simultâneos acoplamentos estruturais ao meio vivente e isso reforça a identidade do sistema e seu fechamento através de limites físicos e estes geram mais possibilidades para a organização interna do sistema vivo funcionar de forma autopoiética e com novos acoplamentos que podem circularmente facilitar a autopoiese (MATURANA & VARELA, 2004). Nas palavras de Maturana e Varela (1998, p.102) “el acomplamiento puede faciliar la autopoiesis, no necesita discurtirsé más, y que esta facilitación puede tener lugar mediante la forma particular em que se realiza la autopoiesis de las unidades acopladas, ya se há dicho”.

Desta forma, o viver de um ser vivo é um processo de conhecer e seu processo de conhecer envolve um viver. Na medida em que um organismo vivencia sua realidade ele dá respostas a esta realidade, mas dá respostas de acordo com sua visualização e esta interação com o meio perturbador promove novas possibilidades para sua estrutura interna, que poderá aprender novas formas de se acoplar ou responder ao meio e isto é também um processo de conhecer (já que o sistema vivo vai também diferenciando seu mundo) que pode modificar a

 

 

maneira como este organismo interage com o meio, ou seja, sua vivência (MATURANA & VARELA, 2004). “Conhecer é uma ação efetiva, ou seja, uma efetividade operacional no domínio de existência do ser vivo” (MATURANA & VARELA, 2004, p.35).

Maturana e Varela (2004) colocam a autopoiese como um conceito que explica a natureza essencial dos sistemas vivos, o modo como operam, como evoluem, como aprendem e como constroem seu mundo. Uma abordagem que fica entre o solipsismo e o objetivismo da abordagem do conhecimento, ou seja, o organismo vivo tanto cria suas realidades como também estas realidades facilitam, através da perturbação, a auto-reprodução do organismo vivo.

A abordagem destes biólogos foi direcionada aos seres vivos. O que caracteriza um ser-vivo é sua organização autopoiética, ou seja, sua organização autoprodutora e interacionista (MATURANA & VARELA, 2004). Mas e as organizações humanas? O conceito de autopoiese não foi direcionado e nem aplicado para elas, no entanto, este conceito já vem sendo debatido pelas ciências sociais por influência do sociólogo alemão Niklas Luhmann (CAPRA, 2004).

Maturana e Varela (1998) expõem sua crítica ao pensamento de Luhmann, ratificando sua posição de que o conceito da autopoiese não se enquadraria nas dimensões sociais, ao menos nos termos colocados por aquele autor. Luhmann coloca que as unidades autopoiéticas de um sistema social seriam as unidades comunicacionais e que suas interações produziam novas comunicações facilitando a autopoiese do sistema social (CAPRA, 2004). Sem envolvimento nessa polêmica, que já se tornou de domínio público e de esfera ainda indefinida, procurar-se-á inserir o conceito de autopoiese nas organizações, no entanto, com foco na cultura organizacional, nas pessoas e processos e não exclusivamente nas comunicações.

E como seriam organizações vistas como sistemas autopoiéticos? Considerando a organização como um sistema formado por um conjunto de partes interconexas, porém com identidades diferentes, maior que a soma de suas partes, é autopoiética quando se define que as partes são as pessoas que compõe uma organização. Desta forma, inicialmente, pode-se dizer que a organização como sistema autopoiético é aquela em que suas partes (pessoas) interagem, formando uma teia e este padrão relacional é a organização básica do sistema que se auto-produz por intermédio da dinâmica relacional de suas partes.

E o que é produzido e produz uma organização autopoiética? A cultura organizacional. As pessoas são como unidades autopoiéticas que em suas interações ou acoplamentos mútuos por meio da cultura organizacional facilitam a produção da própria cultura e assim da identidade do sistema organizacional. Desta forma, a cultura torna-se a “pedra angular” de uma organização, porque é nela e dela que acontecem as mudanças, processos, inovações, conflitos, possibilidades, auto-organização e autopoiese.

Maturana e Varela (2004) expõem que em sociedade de animais, como em alguns tipos de insetos, as trocas entre as unidades autopoiéticas (insetos) são químicas e que representam as comunicações. Estas trocas facilitam os acoplamentos de segunda ordem e produzem a identidade do grupo ou sociedade destes insetos. Os biólogos chegam a afirmar que em organismos multicelulares as partes de seu sistema, como as células, são muito pouco autônomas e que em sociedades humanas as unidades autopoiéticas (pessoas) são muito autônomas. Enquanto que num organismo multicelular as partes trabalham para o todo, num sistema social humano não são as pessoas que trabalham para o todo, mas o todo que trabalha para as partes. É um dos argumentos para os autores não vislumbrarem a autopoiese para sistemas sociais humanos.

 

 

As organizações empresariais aqui são só similares às sociedades e assim se deve olhar para elas de forma diferente dos sistemas sociais humanos em nível macro. Se pensar que são como sociedades humanas e ainda pelo viés da autopoiese, as pessoas não teriam autonomia e trabalhariam exclusivamente para a organização e não é bem isso que acontece na prática. Nesta analogia, o conceito de autopoiese não se enquadraria em organizações, mas o que acontece é um padrão de plasticidade, no qual as pessoas como partes de um sistema e inseridas numa cultura, funcionam de forma pendular entre a autonomia e o aprisionamento. É esta dimensão paradoxal e complexa que caracteriza um padrão cultural autopoiético e, assim, uma organização autopoiética, em se tratando de sistemas sociais humanos como as organizações empresariais.

Outras Dimensões de Análise

O que pensar de uma cultura organizacional que tem um padrão incerto e ao mesmo tempo ordenado, com uma aparência de desequilíbrio, mas inovativa? A dimensão do caos e das estruturas dissipativas pode ajudar a clarear este universo cultural.

O homem, metaforizado como máquina desde Descartes, foi visto como um sistema fechado, linear e mecânico (CAPRA, 2004). Com o advento da Teoria Geral dos Sistemas (BERTALANFFY, 1973), os seres humanos passaram a ser vistos como sistemas abertos, em contínuo fluxo de energia e matéria, porém não linear e nem causal.

Os sistemas abertos propostos por Bertalanffy (1973) são vistos como sistemas que integram equilíbrio e um alto fluxo de troca de matéria e energia com o meio. A segunda lei da termodinâmica (entropia) diz que os sistemas fechados tendem a minimizar o escoamento de energia (fluxo), pois diminuem a probabilidade de mudança. Na teoria dos sistemas abertos, estes trocam muita energia com o meio (aumentando entropia), mudam, mas continuam com a mesma estrutura e a teoria não resolveu a questão de como estes sistemas abertos podem integrar dissipação de energia e ordem ao mesmo tempo, ou seja, mudança e estrutura, já que mudam no percurso de troca de energia e a estrutura se mantém (CAPRA, 2004).

Foi a teoria das estruturas dissipativas, de Prigogine (2002), que veio trazer clareza a esta questão. Quando um sistema aberto aumenta seu fluxo de troca de matéria e energia ele se afasta do equilíbrio e aumenta a produção de entropia (desordem), no entanto, o sistema não entra em colapso ou em morte, ele encontra novas formas de atuar e entrar em ordem. Quanto maior o fluxo, mais longe o sistema estará do equilíbrio. Os sistemas abertos, como os sistemas vivos, mesmo com a dissipação de energia, tendem através da instabilidade criar pontos de bifurcação e assim criar novas formas de funcionar, entrando em nova ordem, mais sem corromper a estrutura, assim diz a Teoria das Estruturas Dissipativas (PRIGOGINE, 2002).

Em 1972, Edward Lorenz, proferiu uma palestra no Encontro da Associação Americana de Avanço da Ciência com o título “Previsibilidade: Um bater de asas no Brasil desencadeia um tornado no Texas?”, daí surgiu a metáfora da borboleta. Lorenz foi o grande nome da Teoria do Caos, conceituada pelo também norte-americano, James Yorke (TÔRRES, 2001).

A Teoria do Caos, trabalhada por Lorenz, foi idealizada com base em suas pesquisas meteorológicas acerca da previsibilidade climática. Através de equações envolvendo três variáveis; velocidade dos ventos, temperatura e pressão atmosférica, Lorenz conseguia mostrar ser possível fazer previsões do tempo (TÔRRES, 2001).

Ainda em Tôrres (2001), a Teoria do Caos mostra que é possível fazer previsões diante de sistemas dinâmicos e não-lineares, ou seja, existe um padrão no sistema que não é

 

 

aleatório e nem desordenado, mesmo que ele pareça caótico. Assim, existe uma ordem implícita num padrão de funcionamento de aparência desordenada, mas que na verdade apresenta alguma ordem. A Figura 1, abaixo, representa um atrator caótico e foi formulada por meio de cálculos matemáticos não-lineares. Reflete uma desordem ordenada e desta forma é possível fazer previsões, porque lá se identifica um padrão, mesmo que este demonstre instabilidade.

Figura 1: Atrator Caótico de Lorenz Nota: fonte: Software Chaoscope version 0.3

Os sistemas abertos e complexos operam no limiar entre o desmoronamento pela

desordem e a morte pela rigidez da ausência de troca e fluxo (estabilidade), de acordo com Capra (2004) e Tôrres (2001). Assim, um sistema aberto opera num padrão que engloba ordem e previsibilidade, porém instável, dinâmico, não-linear e em desequilíbrio (porque forças equilibradas não trazem possibilidades de mudança, instabilidade). Um sistema aberto e complexo tem que operar sempre próximo ao desequilíbrio, ou seja, no alto fluxo de troca, porque é daí que virá a instabilidade, caos, possibilidade e ordenamento. É uma característica chamada auto-organizante (BERTALANFFY, 1973). Nas palavras de Wheatley (2006, p. 99), “a obra de Prigogine demonstrou que o desequilíbrio é a condição necessária ao crescimento de um sistema”.

Nesse sentido, o universo organizacional pode ser entendido como autopoiético e, assim, auto-organizante e como sistema social dinâmico tem uma cultura que desde a sua formação inicial opera em padrões ordenados, mesmo que aparentem ser imprevisíveis. Em pequenas organizações, ainda com poucos funcionários, os gestores tomam decisões baseadas em experiências pessoais passadas e também no modo de funcionar da organização. As decisões podem atuar numa escala de compartilhamento, podem ser pouco compartilhadas (autocráticas) ou bastante compartilhadas (democráticas) e, independente do tipo de decisão, esta é baseada na cultura da organização.

Indivíduos podem ser admitidos em uma organização, outros podem se desligar, mas, na maioria das vezes, o padrão de funcionamento continua, porque permanece nas relações, nas normas de conduta, nas políticas de pessoal e na forma dos relacionamentos com demais stakeholders. Considerando ainda a organização como um sistema autopoiético, auto-organizado, dissipativo, dinâmico e operando no limiar do caos e sua cultura como um padrão complexo que contempla as mesmas características da organização, pequenas perturbações, sejam externas ou internas à organização, podem trazer grandes repercussões, como na metáfora da borboleta (WHEATLEY, 2006).

Quando o sistema está em desequilíbrio, as influências singulares ou pequenas podem ter sobre ele um impacto enorme. Não é a lei dos grandes números nem a massa crítica que criam a mudança, mas a presença de uma pequena perturbação que entra no sistema e é então amplificada por meio das redes do sistema (WHEATLEY, 2006, p. 106).

 

 

A cultura como sistema e em padrão de rede potencializa ou ameniza diversas perturbações. Uma vez inserida na rede, a perturbação é compartilhada e pode trazer novas e diferentes consequências, causando pequenos ou grandes impactos. São as conexões na rede, ou as relações interpessoais que vão modificar estas perturbações e dar um caráter auto-referente a elas, facilitando um mecanismo de retroalimentação destas perturbações. É o padrão auto-organizante, dissipativo e caótico (WHEATLEY, 2006).

Por esta ótica, parece que as organizações são redutos de caos (desorganização) e isso transparece para a administração como algo bastante perturbador ou mesmo descontrole, no entanto, é por entender e compreender que as perturbações num sistema podem ser compartilhadas, circuladas, redimensionadas e amplificadas, num processo de alimentação e retroalimentação que o sistema (organização) pode no desenrolar desta desordem de perturbações gerar novas possibilidades e novas ordens a caminho da inovação e assim do desenvolvimento organizacional (WHEATLEY, 2006; CAPRA, 2002; BAUER, 1999)

Para esclarecer melhor o padrão cultural de uma organização, apresenta-se a seguir uma situação hipotética em, por exemplo, uma organização comercial que possui uma equipe de representantes:

Na equipe existe um funcionário que trabalha há vários anos na organização e mantém um ótimo relacionamento com os clientes, assim como tem bons resultados em vendas. O funcionário, chamado aqui pela inicial D, coloca algumas idéias para a alta gerência que em sua perspectiva poderia dinamizar e melhorar ainda mais o relacionamento com os clientes, no entanto a idéia não é acolhida pela alta direção. D não desiste e de tanto insistir é demitido pela gerência, que considera o seu comportamento como comprometedor da ordem e harmonia da equipe e da organização. Os clientes ficam sabendo da demissão de D e logo os resultados nas vendas são sentidos pela organização, já que D exercia um papel de liderança na equipe e que boa parte da clientela o considerava como um homem de confiança. Por um período de meses a organização sente a diminuição do volume de vendas, porque a demissão de D repercutiu no trabalho de outros representantes. Os membros da equipe tinham a figura de D como um exemplo a ser seguido e este padrão ou modelo comportamental estava implícito na rede relacional da equipe de representantes. Foi com o tempo transcorrido que logo um novo modelo emergiu deste grupo e foi pouco a pouco conquistando a confiança da clientela e restabelecendo o bom vínculo comercial da organização com seus clientes.

Nesta situação hipotética pode-se notar e refletir como pequenas perturbações (demissão) podem provocar grandes consequências e que estas consequências podem facilitar o surgimento dentro do próprio sistema de novas formas de atuar ou nova ordem (inovação) que venha a manter a cultura deste mesmo sistema.

É devido à natureza do ser humano, que é um sistema autopoiético, auto-organizado, dinâmico, caótico e dissipativo que suas aglomerações ordenadas sob uma identidade, como uma organização, passam a manter sua cultura pela própria inovação. As organizações mudam para continuar sendo elas mesmas (WHEATLEY, 2006). Neste contexto, apresenta-se abaixo, na Figura 2, um modelo esquemático de conexão entre cultura organizacional, autopoiese, inovação e caos.

 

 

Figura 2: Modelo esquemático de conexão entre cultura, autopoiese, inovação e caos Nota: fonte: Autores, 2009

Acredita-se que a organização é, também, um conjunto de processos e cada

organização tem processos particulares que a define. Existem organizações com perfis de complexidade diferentes, quanto aos seus processos. Neste ensaio, procura-se expressar como seriam os principais processos organizacionais que poderiam explicar a inovação, a autopoiese e o caos na cultura organizacional.

Pode-se observar no modelo que a principal imagem é a circunferência. No entanto, isso não significa que os processos descritos aqui são obrigatoriamente circulares, que sigam uma linearidade e que a organização, representada pela circunferência, seja fechada. A organização é mais ou menos permeável, como uma célula ou sistema organísmico vivo.

A organização, depois de ter criado novos processos acoplativos, entra numa fase de conflitos, isto é, mesmo que os novos processos tenham sido referenciados pela identidade atual (auto-referência), alguns serão conflitantes. Os novos processos terão que ser assimilados, compreendidos, entendidos e aceitos por toda organização, mesmo que ela tenha criado estes novos processos. Isto porque, no momento após a inovação, terá que haver uma prática (assim não seria acoplativo) e, este momento, envolve desprendimento de antigos comportamentos e assim aparecem os conflitos. Contudo, conflitos não significam obrigatoriamente negatividade, representam processos de ruptura e ao mesmo tempo de ligação. Neste momento a organização sente “dor” porque está abandonando efetivamente processos antigos e iniciando novos, enfim, estará dando novas respostas internamente e externamente.

Neste processo, o papel da liderança é de extrema importância, pois envolve paciência, exercício do diálogo, diplomacia e facilitação de muitos encontros, para que esta etapa seja concluída, ou seja, as assimilações comecem a acontecer.

Talvez este seja um dos processos mais longos. Isso também irá depender do tamanho e da complexidade da organização. Mesmo assim, a organização terá que dispor de tempo para que as inovações sejam efetivamente implantadas em toda a organização.

 

 

Nesta etapa de mudanças, muito diálogo já aconteceu e informações foram geradas de forma compartilhada (BAUER, 1999). É mais um momento de trabalhar as resistências individuais, dos possíveis entrelaçamentos relacionais provindos da inovação acoplativa. Assim, dizem Wheatley e Kellner-Rogers (1998, p.81): “Não é possível mudar os processos atacando seus efeitos. As estruturas e comportamentos são produtos finais. Não adianta mudá-los.”

Depois de um longo período de implantação das inovações, estas também entrarão na rotina. Vai depender da complexidade e dinâmica da organização para determinar por quanto tempo estes novos processos ficarão cristalizados. Para Moreno (1999), o ser humano após dar respostas criativas e espontâneas ao meio, incorpora estas novas respostas e, em seguida, as mesmas são cristalizadas. Assim é também nas organizações, os processos e comportamentos são cristalizados, isto é, são incorporados na rotina do dia-a-dia. Na terminologia organizacional, a partir de inovações, tem início uma tipificação de ações, que após passarem pelos processos de habituação, objetificação e sedimentação, se institucionalizam, ou seja, se cristalizam (TOLBERT & ZUCKER, 1998).

Muitas organizações mantêm por muito tempo comportamentos e uma cultura cristalizada, até que surjam novos processos acoplativos. No entanto, existem outras em que o intervalo em que estes processos ficam cristalizados é bem pequeno. As organizações, que deixam seus processos ficarem pouco tempo cristalizados, são aquelas que deixam os dados circularem livremente. As informações são geradas de forma compartilhada, por meio do diálogo (BOHM, 2005) e, com isso, mais significações coletivas também serão criadas. As hierarquias, lideranças, idéias e relações também não são cristalizadas, mas sim dinamizadas, flexíveis e livres.

Contudo, para que a cristalização seja quebrada, é preciso que a organização esteja em contínuo e permeável fluxo de interação com o meio, dando e recebendo matéria, energia e dados. Com este fluxo permeável, a organização é continuamente perturbada pelo meio e confrontada com uma criticidade, ou seja, os processos cristalizados são questionados no interior da organização com o intuito de serem melhorados. Se há criticidade interna é porque existe espaço para isso e significa que o ambiente externo já perturbou o sistema organizacional e sua internalidade. Quando a coletividade tem consciência da importância da confrontação dos processos antigos frente aos novos dados e significações, vindos de dentro e de fora dela, esta se lança no contínuo processo de melhoria e desenvolvimento de sua identidade e de sua cultura.

Tudo isso é muito dinâmico, enquanto existem processos novos em período de implantação, outros já podem estar sendo confrontados e, quem sabe, dialogados. Quanto mais dinamismo e menos barreiras existirem dentro da organização, mais as fases, relações e processos fluirão com espontaneidade. É como uma estrutura dissipativa, quanto maior o fluxo com o meio, maior o sistema organizacional entra em instabilidade e se prepara para novas ordens (CAPRA, 2004).

Nesse momento de confrontação, é preciso muita maturidade das pessoas envolvidas, para que não se leve a confrontação para críticas pessoais, que nada acrescentarão à organização. Mais uma vez, o papel de líderes será crucial na facilitação e resolução de possíveis questões relacionais.

Mesmo com todo o apoio da liderança, há grandes chances de haver um período de caos, isto é, a organização se verá num novo e diferente conflito. Agora, é o seu comodismo que será minado e haverá medo pelo novo e de perder sua posição de tranqüilidade. Como aponta Wheatley (2006, p. 101), “mesmo sabendo que precisamos ser sensíveis a forças e a demandas que estão além das fronteiras das nossas organizações, continuamos a concentrar

 

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esforços na manutenção da estrutura defensiva mais forte possível”. Mas, ainda sim, tendo a organização uma cultura de inovação e mudanças, ela saberá aproveitar este momento de caos, no qual muitas possibilidades existirão.

Neste momento a organização reflete sua característica dissipativa, ou seja, no meio da instabilidade e no caminho da desordem, encontra novas formas de funcionar, voltando ao caminho da ordem e da harmonia. Um fluxo contínuo de troca de energia acontece, mas enquanto a organização perde energia, também estará recebendo, e então encontrar-se-á diante de pontos de polifurcação (TÔRRES, 2001). Pontos de polifurcação serão as várias possibilidades que a organização irá dispor diante do caos e instabilidade, serão os possíveis rumos que poderá tomar. Os pontos de polifurcação se encontrarão nas reuniões promovidas pela própria organização, onde será dialogado tudo que terá relação direta e indireta com o contexto, ou até mesmo questões sem nenhuma relação aparente. Quanto mais diálogo houver, mais informações serão geradas e mais significações coletivas serão acolhidas e compreendidas (BOHM, 2005; BAUER, 1999). É um processo de aprendizagem organizacional e autopoiese, em que a organização vivencia e aprende com a própria vivência (BAUER, 1999). Desta forma a coletividade poderá ter mais facilidade para compreender a situação atual de caos e instabilidade e do surgimento de novas possibilidades.

Os caminhos gerados pelos pontos de polifurcação desencadeiam uma nova ordem, ou seja, a organização passa a funcionar de outra forma, sai da instabilidade, da desordem e entra numa nova ordem. Esta nova ordem é fruto de um movimento inovativo, é o caos criativo (BRIGGS & PEAT, 2000).

Este período pode perdurar, também, por muito tempo. Não é desejável apressar o processo, quanto mais pressa e pressão, menos chances a organização terá de produzir inovações acoplativas. Por isso, envolve também uma maturação, ou seja, as novas idéias surgidas nos processos dialógicos terão que passar um tempo em “estufa”, e depois, quem sabe, de volta aos processos de criticidade, caos, possibilidade e inovação ou novamente a processos dialógicos. Significações e idéias precisam de tempo, precisam de maturação.

O tempo de maturação de novas idéias pode perdurar por anos, essa demora não tem importância, porque estará dentro das condições da cultura organizacional, sua estrutura e seu modo de operar, o importante é que o processo de diálogo e maturação estejam conectados, um não pode existir sem o outro.

Organizações podem ter culturas que contemplem todas as fases, o que se movimenta não são as fases, e sim, processos, idéias, dados e significações. A cultura organizacional que esteja preparada e funcione de forma dinâmica, não-linear e operacional para a instabilidade, incerteza, planejamento e o diálogo, estará bem mais próxima de gerar organizações efetivamente inovativas e, assim, autopoiéticas.

Os novos processos e as novas idéias precisam passar também pelo próprio crivo da organização, não basta que sejam perfeitos na teoria, precisam ter sustentabilidade, isto é, funcionalidade como resposta para o meio perturbador e efetividade para a organização. Assim como para a vida, também para as organizações, não importa muito o que é o certo, mas o que funciona. A vida não é dotada de moralidade e valores, são os seres humanos que a dotam de valor, que a percebem como tal e dão suas significações. Assim, a vida vai procurando os caminhos que funcionam, não os que parecem certo (WHEATLEY & KELLNER-ROGERS, 1998).

Estes novos processos precisam passar por experimentações, essa etapa será a que mais exigirá persistência e paciência da organização. A inovação precisa de tempo, tentativas e determinação. Muitas das idéias e processos novos advindos do diálogo compartilhado, que possibilitaram o alcance de uma nova ordem (estabilidade) e foram, ao longo de determinado

 

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tempo, maturados pelos indivíduos e seus relacionamentos serão testados e poderão ser confrontados pela criticidade interna e recomeçar novo processo de instabilidade (caos).

As inovações como respostas ao meio podem falhar e, consequentemente, terão poucas chances de serem acoplativas. No entanto, quando falharem, a organização já terá condições de perceber, de fazer as devidas alterações seguindo as indicações das perturbações externas. Depois que estes ciclos tiverem sido completados, isto é, idéias tiverem se movimentado permeadas por diálogos, maturação e experimentação, a organização pode, finalmente, chegar a algo que verdadeiramente funcione para ela.

Este algo, é que o que se chama de inovação acoplativa. Agora, a organização dispõe de uma criação sua, compartilhada e que pode funcionar por um longo tempo. Esta criação não é muito diferente de sua identidade. Devido à natureza auto-referente da organização, ela cria algo que tenha identificação com sua cultura, mas também, que seja novo para ela, que possa servir como nova resposta funcional ao meio exigente. Esta nova resposta da organização ao meio poderá ser às situações antigas como também às novas (MORENO 1999).

Quando a organização dá estas novas respostas ao meio, ela está se acoplando a ele , é o funcionamento autopoiético, meio e sistema, os dois se acoplando para melhor viverem e funcionarem. É assim que funciona com os seres vivos autopoiéticos, enquanto um ser vive, ele vai continuamente dando respostas a este meio e este o provocando, sensibilizando-o e influenciando-o. Esta interação meio e sistema vivo, permeada de respostas mútuas, é o que se chama de acoplamento estrutural (MATURANA & VARELA, 2004). As organizações autopoiéticas estão continuamente se acoplando ao seu meio. Se não fosse assim elas não sobreviveriam. E é o que acontece muito com organizações que entram em falência, elas não conseguem interagir de forma sustentável com este meio, percebem pouco do meio e/ou se fecham para ele (achando ser mais seguro) (WHEATLEY, 2006).

Quanto mais respostas a organização dá ao seu meio, isto é, quanto mais interação ela promove, mais se tornará dinâmica, flexível, sustentável e autopoiética. Sua cultura se tornará mais permeável e identificada com o meio, e assim, menos estranha ao mesmo. É o histórico de acoplamentos estruturais que vai definir a identidade da organização e, provavelmente, suas respostas futuras. Isso não significa que a organização não muda, o que acontece é que sua mudança é processual e que, cada passo dado, é identificado com o anterior (MATURANA & VARELA, 1998)

É a inovação acoplativa, como resposta da organização e fruto de um processo autopoiético e inovativo, que faz com que as organizações dêem “saltos”, ou seja, transcendam a si mesmo. É preciso saltos evolutivos para que a vida seja mais vida, mais funcional. Foi transcendendo a si mesmo que o ser humano chegou ao que é atualmente, sua transcendência aconteceu devido à sua capacidade criativa de dar, continuamente, novas respostas ao meio. Os seres vivos não são como máquinas, ou seja, não funcionam de forma linear, mudam e se renovam continuamente, no instante em que seus processos se equilibrarem, entrarão também em entropia e na morte (CAPRA, 2004). No caso das organizações, na falência.

[...] temos de nos lembrar que o surgimento da novidade é uma propriedade dos sistemas abertos, o que significa que a organização tem de abrir-se a novas idéias e conhecimentos. Para facilitar o surgimento da novidade, é preciso criar esta abertura - uma forma de aprendizado que encoraje o questionamento constante e recorra a inovação (CAPRA, 2002, p.123).

Sendo assim, organizações que funcionam em fluxo contínuo de interação com o meio, perturbando-o e sendo perturbadas, que têm a criticidade, a geração compartilhada de informações e a experimentação, têm uma cultura organizacional inovativa e então

 

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autopoiética e desta forma mais chances de dar respostas mais adequadas as perturbações do meio. Considerações Finais

O campo para análise dos estudos organizacionais ainda é muito frutífero devido a imensa probabilidade de interação entre as diversas teorias ou modelos de análise, além do aprofundamento destes próprios modelos.

Palavras como caos, desequilíbrio e auto-organização já foram relacionadas às organizações por autores como Bauer (1999), Capra (2002; 2004), Hock (2004), Wheatley (1998; 2006; 2007), Bohm (2005), Briggs e Peat (2000) e Bertalanffy (1973). Estes autores identificaram as incertezas no mundo organizacional e como as organizações lidam com estas, sobre a necessidade das organizações estarem continuamente inovando e dando respostas efetivas ao meio, de como as organizações aprendem e mudam e de sua natureza autopoiética, caótica e sistêmica.

Este ensaio buscou expor um quadro teórico que explorasse de forma analítica e interpretativa o universo organizacional e sua cultura, considerando as dimensões do caos, inovação e autopoiese, tendo em vista que a cultura organizacional pode facilitar os potenciais inovativos e de acoplamento ao meio. Estas dimensões podem ser vistas de forma interativa, não como uma artificialidade ou causalidade metodológica, mas sim porque organizações são sistemas dinâmicos (CAPRA, 2002; 2004). Como sistemas dinâmicos operam em contínuo fluxo de interação com seu meio externo, promovendo desordem e consequentemente novas oportunidades de se ordenar e funcionar (estruturas dissipativas), ordens novas que se compartilham no seio da cultura, graças ao diálogo (BOHM, 2005) e que refletem uma organização de característica caótica (já que pequenas perturbações geram grandes e inúmeras consequências), inovativa, produzindo novas respostas e autopoiética porque em seu ato de viver aprende novas formas de atuar e neste aprendizado se produz e se renova continuamente em busca de sua sustentabilidade.

É bem certo que estas dimensões de análise precisam ser empiricamente testadas e re-testadas, com o objetivo de se tornarem mais disseminadas de forma prática e estratégica e assim facilitarem com que mais organizações trilhem os caminhos da sustentabilidade, da responsabilidade sócio-ambiental e de serem efetivamente locais com que as pessoas se identifiquem (CAPRA, 2002).

O aprofundamento teórico e empírico é de grande relevância também para o incremento do campo da teoria organizacional, com óticas e modelos que englobem um mundo cheio de incertezas, de pessoas continuamente mais exigentes e mais responsivas e de aglomerados de pessoas e organizações mais conscientes ecologicamente, ou seja, um novo mundo.

Referências BAUER, R. Gestão de mudança: caos e complexidade nas organizações. São Paulo: Atlas 1999. BERTALANFFY, L. V. Teoria Geral dos Sistemas, Petrópolis –RJ: Vozes, 1973. BOHM, D. Diálogo, Comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athena, 2005. BRIGGS, J. & PEAT, F. D. A sabedoria do caos: sete lições que vão mudar a sua vida. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

 

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CAPRA, F. O Ponto de Mutação: A ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 1982

__________. Conexões Ocultas. São Paulo: Cultrix, 2002. __________. A teia da vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 2004 CORETH, E. Questões Fundamentais de Hermenêutica. São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1973. GUERREIRO RAMOS, A. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. 2º Ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989 HOCK, D. Nascimento da era caórdica. São Paulo: Pensamento Cultrix, 2004. MARTINS, G. A. Manual para Elaboração de Monografias e Dissertações. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2002. MATURANA, H. R. & VARELA, F. A Árvore do Conhecimento, São Paulo: Palas Athena, 2004. __________. De máquinas y seres vivos. Santiago- Chile: Universitária, 1998. MORENO, J. L. Psicoterapia de grupo e psicodrama. 3ª Ed. Campinas/SP: Livro Pleno, 1999. PRIGOGINE, I. As Leis do Caos. São Paulo: Unesp, 2002. TOLBERT, P. S. & ZUCKER, L.G. A Institucionalização da Teoria Institucional. In: CLEGG, S. R., HARDY, C. & NORD, W. R. Handbook de Estudos Organizacionais – Modelos de Análise e Novas Questões em Estudos Organizacionais – Volume 1. São Paulo: Atlas, 1998. TÔRRES, J. J. M. Desenvolvimento organizacional na perspectiva das teorias da complexidade: um estudo de caso. Fortaleza, 2001. 82 p. (Monografia de Especialização, Universidade Vale do Acaraú / Centro de Desenvolvimento Humano / Instituto Paulo Freire). VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 

WHEATLEY, M. J. & KELLNER-ROGERS, M. Um caminho mais simples. São Paulo: Cultrix, 1998. WHEATLEY, M. J. Liderança e a nova ciência. São Paulo: Cultrix, 2006