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TECNO-STRESS 1 : UM ESTUDO EM OPERADORES DE CAIXA DE SUPERMERCADO Autoria: Kátia Virgínia Ayres Resumo O tecno-stress, que diz respeito à maneira como as pessoas se relacionam com a tecnologia, é um problema cada vez mais freqüente na nossa sociedade tecno-dependente. Ele resulta de uma combinação de elementos individuais, como resistência às inovações tecnológicas, sobrecarga de informação e falta de treinamento; e elementos organizacionais tais como: sistema de informação inadequado ou insuficiente, ausência de participação dos usuários finais nas decisões e falta de monitoramento quanto à adaptação dos mesmos. Daí a importância de se estudar esse fenômeno em profissionais cujas tarefas estão cada vez mais automatizadas, embora, muitas vezes, isto não signifique diminuição da carga de trabalho. Neste artigo pretende-se apresentar os resultados de uma pesquisa sobre tecno-stress em operadores de caixa de supermercado, com ênfase na relação entre o tecno-tipo, a incidência de stress e as características sócio-demográficas e funcionais. Participaram do estudo 54 operadores de caixa de um grande supermercado da cidade de João Pessoa - PB. Os resultados sugerem uma clara associação do tecno-tipo com a incidência de stress, com a avaliação do treinamento recebido, com o tempo de serviço e com a percepção de níveis de stress no trabalho. INTRODUÇÃO As mudanças fazem parte da nossa existência. A tecnologia vem invadindo nossas vidas, de tal forma, que já não conseguimos imaginar o mundo sem ela. Embora tendamos a destacar as tecnologias mais avançadas, as tradicionais desde muito tempo, vem nos proporcionando facilidades para a realização de tarefas, desde as mais simples até as mais complexas. Mas, ao mesmo tempo que nos permitem produzir mais, nos dão mais conforto, fazem com que nos sintamos invadidos em todos os fronts. No mundo do trabalho, convivemos com o toque insistente do telefone convencional ou celular, com os beepers dos pagers e os sinais de faxes e e-mails. Algumas pessoas conseguem facilmente se adaptar às inovações; outras, sentem uma certa dificuldade para lidar com as novidades que envolvem a tecnologia. O impacto desta invasão é de tal dimensão que, no Brasil, a FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), após 60 anos de pesquisa utilizando a mesma forma de cálculo dá, agora, ao fator tecnologia, principalmente à TV a cabo, ao celular, ao telefone convencional e à Internet, um maior peso no cálculo do Índice de Preço ao Consumidor (IPC); esses equipamentos chegam a representar, juntos, 1% desse Índice (Jornal Hoje, 14/07/99). John Naisbitt (1982) previu que a tecnologia iria provocar um grande tumulto em todos os âmbitos da sociedade, pois se desenvolveria tão rapidamente que não teríamos tempo para reagir a ela. Em seu mais recente livro, ele afirma que vivemos na "Zona de Intoxicação Tecnológica" que se caracteriza pelas dicotomias: temor e veneração da tecnologia; confusão entre o mundo real e o virtual; e sensação de saturação e insatisfação (Vassalo, 2000). Nos dias de hoje, enquanto há um enaltecimento crescente dos benefícios da tecnologia, nos esquecemos de suas conseqüências negativas, entre elas o aumento acelerado no nível de stress, fazendo com que muitos indivíduos se sintam inadaptados, insatisfeitos ou dependentes. 1

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TECNO-STRESS 1: UM ESTUDO EM OPERADORES DE CAIXA DE SUPERMERCADO

Autoria: Kátia Virgínia Ayres Resumo

O tecno-stress, que diz respeito à maneira como as pessoas se relacionam com a tecnologia, é um problema cada vez mais freqüente na nossa sociedade tecno-dependente. Ele resulta de uma combinação de elementos individuais, como resistência às inovações tecnológicas, sobrecarga de informação e falta de treinamento; e elementos organizacionais tais como: sistema de informação inadequado ou insuficiente, ausência de participação dos usuários finais nas decisões e falta de monitoramento quanto à adaptação dos mesmos. Daí a importância de se estudar esse fenômeno em profissionais cujas tarefas estão cada vez mais automatizadas, embora, muitas vezes, isto não signifique diminuição da carga de trabalho. Neste artigo pretende-se apresentar os resultados de uma pesquisa sobre tecno-stress em operadores de caixa de supermercado, com ênfase na relação entre o tecno-tipo, a incidência de stress e as características sócio-demográficas e funcionais. Participaram do estudo 54 operadores de caixa de um grande supermercado da cidade de João Pessoa - PB. Os resultados sugerem uma clara associação do tecno-tipo com a incidência de stress, com a avaliação do treinamento recebido, com o tempo de serviço e com a percepção de níveis de stress no trabalho. INTRODUÇÃO

As mudanças fazem parte da nossa existência. A tecnologia vem invadindo nossas vidas, de tal forma, que já não conseguimos imaginar o mundo sem ela. Embora tendamos a destacar as tecnologias mais avançadas, as tradicionais desde muito tempo, vem nos proporcionando facilidades para a realização de tarefas, desde as mais simples até as mais complexas. Mas, ao mesmo tempo que nos permitem produzir mais, nos dão mais conforto, fazem com que nos sintamos invadidos em todos os fronts. No mundo do trabalho, convivemos com o toque insistente do telefone convencional ou celular, com os beepers dos pagers e os sinais de faxes e e-mails. Algumas pessoas conseguem facilmente se adaptar às inovações; outras, sentem uma certa dificuldade para lidar com as novidades que envolvem a tecnologia.

O impacto desta invasão é de tal dimensão que, no Brasil, a FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), após 60 anos de pesquisa utilizando a mesma forma de cálculo dá, agora, ao fator tecnologia, principalmente à TV a cabo, ao celular, ao telefone convencional e à Internet, um maior peso no cálculo do Índice de Preço ao Consumidor (IPC); esses equipamentos chegam a representar, juntos, 1% desse Índice (Jornal Hoje, 14/07/99).

John Naisbitt (1982) previu que a tecnologia iria provocar um grande tumulto em todos os âmbitos da sociedade, pois se desenvolveria tão rapidamente que não teríamos tempo para reagir a ela. Em seu mais recente livro, ele afirma que vivemos na "Zona de Intoxicação Tecnológica" que se caracteriza pelas dicotomias: temor e veneração da tecnologia; confusão entre o mundo real e o virtual; e sensação de saturação e insatisfação (Vassalo, 2000). Nos dias de hoje, enquanto há um enaltecimento crescente dos benefícios da tecnologia, nos esquecemos de suas conseqüências negativas, entre elas o aumento acelerado no nível de stress, fazendo com que muitos indivíduos se sintam inadaptados, insatisfeitos ou dependentes.

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Há alguns anos a relação indivíduo-tecnologia tem sido estudada, havendo uma ênfase nas conseqüências sobre a saúde física e mental dos indivíduos, sobretudo dos trabalhadores (McGuigan,1999), que resultam no que hoje se conhece como tecno-stress (Weil & Rosen, 1997).

O tecno-stress pode vir à tona como o esforço do indivíduo para se adaptar aos computadores no local de trabalho o que, freqüentemente, provoca ansiedade. Enquanto alguns indivíduos desenvolvem um medo relativo à moderna tecnologia, de tal forma a precisarem de intervenção profissional para minimizá-lo ou eliminá-lo; outros podem apresentar uma superidentificação com ela, chegando a desenvolver um conjunto de idéias semelhantes aos de uma máquina, que se refletem nas atitudes frias, no distanciamento dos amigos, e na falta de paciência nos contatos interpessoais (McGuigan, 1999).

Segundo Weil e Rosen (1997), praticamente, todos os indivíduos podem vivenciar o tecno-stress, não apenas os que trabalham com computadores. No dia-a-dia, embora algumas tecnologias nos deixem à vontade, outras nos frustam: o alarme do relógio digital que não toca para nos acordar e nos faz perder a hora, e os inúmeros botões do vídeo cassete ou da máquina de lavar. Particularmente a respeito dos computadores, seus efeitos adversos (psicológicos e fisiológicos) são bastante significativos e aumentam continuamente.

Alguns estudos têm evidenciado a incidência do tecno-stress em diversas ocupações, dentre elas destacam-se: os executivos (Sethi et al., 1987; Weil & Rosen, 1997), os bibliotecários (Kupersmith, 1992) e indivíduos que trabalham com tecnologia informacional (Ouellette, 1998). A partir do levantamento bibliográfico (Couto & Moraes, 1999) detectamos, no trabalho dos operadores de caixa de supermercado, características (longas jornadas de trabalho; exigências físicas e psicológicas; e uso da tecnologia como instrumento de trabalho e de controle de sua produtividade) que os tornam vulneráveis ao tecno-stress.

Couto e Moraes (1999) destacam entre as exigências físicas no trabalho do operador de caixa de supermercado: a repetitividade de movimentos; a força excessiva ao manusear alguns produtos muito pesados; a postura incorreta; a jornada de trabalho prolongada; e a multiplicidade de funções. E no que se refere às exigências psicológicas eles apontam, entre outras: lidar com dinheiro; atenção ao lidar com alimentos de pesagem no caixa; lidar com pessoas; critérios de produtividade muito apertados; tensão entre os operadores e os auxiliares; tensões com chefias.

Além desses aspectos, os caixas de supermercado têm na tecnologia um mecanismo de controle, um sistema de monitoramento de sua produtividade. Baker (2000) argumenta que além desse sistema possibilitar a aplicação de recompensas e punições, o controle através da tecnologia oferece vantagens ao gerente na medida em que ele pode fixar metas quantificáveis e facilmente avaliadas. Couto e Moraes (1999) observam, ainda, que os operadores de caixa recebem feedback reativo, de avaliação final e, geralmente, para apontar seus erros.

Este trabalho se propõe a analisar a relação entre tecno-tipo (maneira de relacionar-se com a tecnologia) e a incidência de stress no trabalho desses profissionais, visando obter subsídios para um trabalho de intervenção mais efetivo. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O STRESS

Considerado até há alguns anos como um estado que predispunha os indivíduos às doenças, o stress é, hoje, classificado como um doença (CID-10, 1994), que pode ter conseqüências sérias para os o indivíduos e para as organizações, por representar, geralmente, elevados gastos com assistência médica, altos níveis de absenteísmo e baixa produtividade.

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O stress é um processo dinâmico, que se manifesta através de sintomas físicos e psicológicos, e se desenvolve em três fases, que constituem a Síndrome de Adaptação Geral (SAG) (Selye, 1965):

1) Fase de alarme - Nesta fase, o estressor é reconhecido e o corpo se mobiliza para lutar ou fugir. A homeostase do corpo é interrompida e os órgãos internos tornam-se prontos para agir;

2) Fase de resistência - É a fase mais longa. Começa quando o corpo é persistentemente exposto ao(s) estressor(es). O corpo se esforça para resistir aos efeitos da fase de alarme e voltar ao seu estado de equilíbrio;

3) Fase de Exaustão - Ocorre somente se o stress permanecer por mais tempo que o corpo pode resistir. Nesta fase, o sistema orgânico entra em colapso; o corpo não consegue se adaptar aos estressores e, como resultado, distúrbios sérios podem surgir, tais como úlcera e problemas cardiovasculares.

Para lidar com o stress, os indivíduos podem adotar estratégias defensivas, que são

definidas por Lazarus e Folkman (1984) com os constantes esforços cognitivos e comportamentais para gerenciar demandas específicas, internas e/ou externas, que são consideradas como desgastantes ou que excedem os recursos do indivíduo. Dentre as ações voltadas para a prevenção do stress, a maioria dos especialistas apontam a tríade: exercícios físicos, alimentação balanceada e técnicas de relaxamento (Albrecht, 1990; Rossi, 1991). Para o tratamento do stress, uma terapia breve, de base comportamental, é a mais indicada (Lipp, 1996).

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TECNO-STRESS

O termo Technostress foi cunhado pelo psicólogo clínico Dr. Craig Brod (Brod, 1984), que o definiu como um moderno distúrbio de adaptação, causado pela inabilidade de lidar com tecnologias computacionais. Weil e Rosen (1997: 5) ampliaram essa definição para incluir "...qualquer impacto negativo traduzido em atitudes, pensamentos e comportamentos causados direta ou indiretamente por tecnologia".

Característica da idade eletrônica, o tecno-stress é o resultado do acúmulo de tecnologias em ritmo mais rápido do que os sistemas humanos estão dispostos a se adaptar. Isto faz com que este fenômeno tenha grande incidência nessa nova sociedade tecno-dependente (Hawkins, 1995)

Os psicólogos Weil e Rosen (1997) afirmam que a dependência da tecnologia afeta-nos negativamente. Segundo eles, algumas pessoas mergulham tão profundamente no uso da tecnologia que correm o risco de perder sua própria identidade. Seus estudos mostram que os indivíduos associam o desenvolvimento tecnológico a duas crenças independentes: 1) os computadores são recursos úteis para a humanidade e 2) os computadores eventualmente irão controlar o mundo.

O tecno-stress representa como os indivíduos mudam a partir da influência da tecnologia (impacto na vida pessoal, familiar e, principalmente, no ambiente de trabalho) (Technology, 1998) e se manifesta de duas distintas e relacionadas maneiras: na resistência para aceitar a tecnologia e na forma especializada de se superidentificar com ela.

A primeira, denominada de tecnofobia pode resultar em reações seriamente contrárias à tecnologia, que se expressam desde a resistência passiva, a casos mais graves como sabotagens (enganos intencionais, recusa para usar o sistema e tentativas de torná-lo inoperante) (Dowling, 1980; Baker, 2000).

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Por outro lado, existem pessoas que desenvolvem a Technosis (Weil & Rosen, 1997) ou tecnofilia (Baker, 2000) e passam a acreditar que não podem alcançar o sucesso sem o uso intensivo de tecnologia. Em lugar do medo infundado, os indivíduos sofrem de mania, cujos sintomas incluem: sentir-se desatualizado quando não checou o e-mail nas últimas doze horas; sensação de que a tarefa não tem fim; sempre levar o computador em viagens; isolar-se socialmente para dedicar seu tempo ao computador; perturbações no sono; e altos nível de ansiedade quando separados do computador.

Este cenário retrata a dramática relação entre os benefícios da informação tecnológica e as novas demandas de tempo, deficiências de conhecimentos e habilidades, o que resulta em pressão psicológica.

Em uma situação ideal, a tecnologia se presta a eliminar tarefas desnecessárias. Entretanto, como os empregados estão habituados a realizar o trabalho da maneira antiga, relacionam a inovação tecnológica com o sentimento de perda de controle sobre seu trabalho, principalmente porque, muitas vezes, eles não recebem o treinamento suficiente para utilizá-la o que os leva a sentirem-se oprimidos e incapazes (Balance & Balance, 1993; Lally, 1997; Managing, 1999).

Os aspectos mais comumente estudados acerca do tecno-stress são: o stress (físico ou psicológico) relacionado ao uso de máquinas; problemas causados pela não aplicação da ergonomia (desenhos de programas defeituosos, etc.); e ansiedade ou obsessão em relação ao computador (Kupersmith, 1992).

O sintoma primário dos tecno-estressados que resistem em aceitar a tecnologia como parte de suas vidas, é a ansiedade ou, como Brod (1984) chama, tecnoansiedade, que se expressa em irritabilidade, dores de cabeça, insônias, resistência a aprender sobre o assunto ou, de um modo geral, rejeição à tecnologia; e atinge aqueles que se sentem pressionados por seus chefes, colegas ou pela cultura geral para aceitar as novas tecnologias. Os tecno-ansiosos apresentam ainda outros sintomas: sentimentos de frustração e isolamento; atitudes negativas em relação aos novos recursos e sistemas computacionais; indiferença em relação às necessidades do uso de computadores; auto-depreciação ou declarações sobre não ter habilidade para lidar com a tecnologia; atitudes defensivas em relação aos clientes; e uma definição de si mesmo como alguém que não é pesquisador e, portanto, não tem que conhecer o assunto.

Kupersmith (1992) esclarece que o tecno-stress é apenas um tipo de stress estando relacionado aos demais fatores do dia-a-dia. Ele distingue quatro componentes do tecno-stress, que se relacionam ao contexto em que ocorrem:

a) desempenho ansioso - um desempenho caracterizado pela ansiedade pode provocar uma auto-avaliação negativa, expectativas de falhas e pensamentos distraídos ou irrelevantes;

b) sobrecarga de informação - diz respeito à tensão criada por um grande volume de informações sobre novas referências tecnológicas. De tal modo que excede a capacidade do indivíduo de absorvê-las. Nesse caso, a curiosidade intelectual e profissional facilmente se transformará em frustração sempre que for inserido um novo sistema, ou mudado o sistema existente, por causa da incapacidade de acompanhar sua evolução, por falta de conhecimento ou experiência.

c) conflitos de regras - o que há algumas décadas era otimismo em relação ao avanço tecnológico, em algumas profissões se transformou em pesadelo, apesar dos inúmeros benefícios e novas oportunidades, na medida em que houve uma total "destruição" de parâmetros anteriores em relação à execução de tarefas, levando ao que Brian Nielsen(1991) chama de "desprofissionalização" e uma mudança radical na forma e nas regras de trabalho.

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d) fatores organizacionais - além de simples avaliação quantitativa em relação à adoção de novas tecnologias, a cultura e o clima organizacional têm grande relevância e suporte nesse processo. Se a organização não valoriza as novas idéias e os esforços para lidar com novos equipamentos, se não oferece cursos de reciclagem, se não recompensa ou incentiva a sua utilização, pode contribuir para o senso de inadequação e a sensação de que o indivíduo não está habilitado para lidar de maneira adequada com a tecnologia.

Outros elementos do tecno-stress são mais sutis: as atitudes das pessoas e o senso de

segurança são negativamente afetados quando elas sentem que nada do que elas fazem é privativo, ou quando avaliam que seu trabalho tornou-se obsoleto por causa da tecnologia. Estes medos levam à diminuição da auto-estima e à crença de que não poderão aprender a lidar com a tecnologia (Weil & Rosen, 1997).

Rosen e Weill (1998) falam da "loucura por multitarefas" ou seja, a administração de muitas informações simultâneas, cujo principal sintoma é a dificuldade de dormir por ter a sensação de que o cérebro está "zunindo". Pesquisa realizada por esses autores aponta que 85% da população se sente desconfortável com a tecnologia e que, surpreendentemente, os que se sentem mais à vontade, mais íntimos, podem se sentir frustrados eventualmente, sobretudo em relação aos computadores e à Internet.

A sintomatologia do tecno-stress inclui tensão física, mental ou emocional, que é usualmente manifestada por pessoas que lidam diretamente com rápidas mudanças tecnológicas não só em seu local de trabalho, mas em todos os ambientes da sua vida. Dentre os sintomas fisiológicos apontam-se: pressão nos olhos; dores de cabeça; tensão nos ombros, pescoço e costas; dificuldade para pensar claramente; incapacidade de dormir bem, porque o cérebro fica trabalhando o tempo todo, por causa dos muitos estímulos que recebe; e baixa no sistema imunológico. E os principais sintomas psicológicos são: pânico, medo, culpa, ansiedade, frustração, incerteza, preguiça mental, falta de concentração, impaciência e depressão (Michielan, 1995; INFORM'APPIPC, 1997; Weil & Rosen, 1997) .

Existem vários fatores que podem desencadear o tecno-stress psicológico, dentre eles a rapidez com que acontecem as mudanças, sobretudo as que envolvem informação, e a maneira como elas estão sendo disseminadas. Além disso, muitas vezes, a estrutura organizacional não acompanha o ritmo da mudança e exige que o empregado aprenda novas tarefas sem haver uma redução nas antigas, advindo um sentimento de incapacidade que se reflete no medo de perder o emprego (Managing, 1999).

Clark e Kallin (1996) argumentam que este problema não deve ser visto apenas do ponto de vista tecnológico mas, sobretudo, psicológico pois, segundo eles, o que tem sido definido como tecno-stress é, na verdade, resistência à mudança. Assim, lidar com essa situação de mudança constante é mais um desafio para os gestores que devem ser, cada vez mais, inovadores. É relevante notar que as mudanças são um fenômeno neutro: nem bom, nem ruim, o que é importante é a forma como as pessoas reagem a elas. Em um extremo estão as pessoas que as aceitam; em outro, aquelas que as recebem com resistência e hostilidade; e entre os dois; estão as pessoas que reconhecem a sua importância e querem trabalhar com ela mas, muitas vezes, tem dificuldades para implementá-las.

Weil e Rosen (1997) classificam as pessoas, de acordo com suas reações à tecnologia, em três tipos:

Tipo A - Ansiosas para adotá-la - Adoram tecnologia, são as primeiras a comprar novos equipamentos. Vêem a tecnologia como divertida e desafiadora. Encaram os problemas relacionados a ela como rotina. Não se consideram responsáveis pelos problemas que surgem

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e, no caso de ocorrerem, se não tiverem solução, procuram alguém que tenha. Representam de 10 a 15% da população, segundo pesquisa realizadas pelos citados autores.

Tipo B - Hesitantes - Elas não acham a tecnologia desafiante e preferem esperar até que alguém experimente para que possam utilizá-la. Querem ser convencidas de que precisam dela antes de comprar. Se surge algum problema, geralmente, pensam que foram elas que o criaram; e não acham que solucioná-los seja algo divertido, pois não avaliam que seja uma tarefa fácil. Representam de 50 a 60% da população.

Tipo C - Resistentes - Elas fogem da tecnologia; não querem realizar nada com ela. Nada do que digam ou façam vai convencê-las a utilizá-la. A tecnologia, decididamente, não é divertida para essas pessoas, pois elas têm certeza de que quebrarão as máquinas ou equipamentos que tocarem. Por causa disto, se sentem intimidados, embaraçados e tristes, e acreditam que só elas se sentem assim. Elas não falam sobre isto; tentam apenas evitá-la. Representam de 30 a 40% da população.

Como se pode observar, o tecno-stress está associado aos três tecno-tipos. Porém, há

uma tendência na literatura para associá-lo aos tecno-tipos que mais se aproximam da tecnofobia. Desta forma, os indivíduos classificados como tecno-tipo C e, em menor escala, do tecno-tipo B (Como vencer, 1999), encontram-se mais vulneráveis aos efeitos negativos dessa relação. Por outro lado, o tipo A só representa uma condição preocupante quando o indivíduo passa a apresentar sinais de superidentificação com a tecnologia (tecnofilia), de forma a aproximar-se mais do mundo virtual que do real.

A prevenção e o tratamento do tecno-stress deve se desenvolver através de ações conjuntas que envolvam o tecno-estressado, seus superiores, colegas e até familiares. As organizações devem implantar políticas de recursos humanos que contemplem a implantação de novas tecnologias de forma planejada e sistemas que acompanhem a adaptação dos indivíduos que irão utilizá-las. Técnicas que promovam o relaxamento físico e mental também são indicadas (McGuigan, 1999). A PESQUISA

Metodologia

Neste trabalho, do tipo exploratório, descritivo e analítico, o método empregado foi o

levantamento em fontes primárias (Mattar, 1996), onde aplicou-se o método estatístico para o desenvolvimento analítico dos seus resultados. Após a coleta, os dados foram informatizados em um banco de dados, com a utilização do pacote SPSS - Statistical Package for the Social Sciences (Norusis, 1985). As técnicas estatísticas utilizadas para analisar os dados foram descritivas: tabelas, gráficos e frequências; e inferenciais: testes de hipótese (Qui-quadrado, Mann-Withiney, Kruskal-Wallis e Análise da Variância) (Leach, 1983).

O supermercado no qual este estudo foi realizado faz parte de uma grande rede, criada há 50 anos, que além de ser uma das maiores do país, com atuação internacional, é uma das mais bem conceituadas no ramo de varejo, sendo uma referência em inovações nos aspectos administrativos e tecnológicos. Essa loja de João Pessoa, instalada em 1975, conta, atualmente, com 187 colaboradores, dos quais 60 ocupam o cargo de operador de caixa. Os equipamentos de trabalho dos operadores são automatizados, representado o que há de mais moderno em tecnologia neste ramo de atividade (esteira, scanner, balanças eletrônicas, etc.).

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Constituíram-se em participantes deste estudo, 54 operadores de caixas (os seis restantes estavam inacessíveis no momento da coleta, por estarem de férias ou de licença médica). As informações sobre as suas características sócio-demográficas e funcionais podem ser observadas na tabela 1.

A coleta dos dados se deu coletivamente (em pequenos grupos) em uma sala de reuniões cedida pela empresa, sendo utilizados os seguintes instrumentos:

- Para avaliar a incidência de stress foi utilizado o Inventário de Sintomas de Stress - ISS (Lipp, 1990), que permite avaliar a fase do stress em que se encontram os participantes, e verificar se os sintomas se expressam mais na área física ou cognitivo/emocional;

- Para avaliar o tecno-tipo utilizamos o Techno-Type Quiz (Weil & Rosen, 1997), sendo possível classificar o indivíduo como Tipo A (ansioso para adotar a tecnologia), Tipo B (hesitante em relação à tecnologia) ou Tipo C (resistente ao uso de tecnologia), e verificar quais os sentimentos manifestados pelos indivíduos diante da possibilidade de lidar com tecnologia; e

- Para os dados sócio-demográficos e funcionais elaboramos uma entrevista estruturada, visando obter informações sobre: sexo, idade, escolaridade, tempo de serviço como caixa, tempo de serviço na empresa e turno de trabalho. Além disso, nessa parte do instrumento, investigamos em que nível o trabalho era considerado estressante (variando de 1 - nem um pouco estressante, até 5 - muitíssimo estressante); e levantamos a opinião dos participantes sobre terem recebido (ou não) treinamento suficiente para a execução de suas tarefas.

Tabela 1 - Características sócio-demográficas e funcionais dos participantes CARACTERÍSTICAS DOS PARTICIPANTES

I. SÓCIO-DEMOGRÁFICAS Idade Média

25,74 Desvio Padrão

5,20 Mínimo = 18 Máximo = 38

Sexo n % Masculino 22 40,7 Feminino 32 59,3 Escolaridade n % 1º Grau 03 5,6 2º Grau 49 90,7 Superior 02 3,7 II. FUNCIONAIS Tempo de serviço como operador de caixa = tempo de serviço na empresa (em anos)

Média 1,98

Desvio Padrão 2,51

Mínimo = 0 Máximo = 11

n % Menos de 1 ano 20 37,0 De 1 a menos de 2 anos 12 22,2 De 2 anos acima 22 40,8 Turno n % Diurno 25 46,3 Noturno 7 13,0 Misto 22 40,7

Fonte: Dados da pesquisa, Abril/2000

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Resultados

Os resultados da pesquisa revelaram que 74% dos caixas consideram que receberam

treinamento suficiente para executar suas tarefas. A função de caixa foi avaliada como estressante por 96% dos participantes (Gráficos 1 e 2).

Gráfico 1 - Distribuição da percepção sobre treinamento suficiente

74%

26%

Sim Não

Gráfico 2 - Distribuição da percepção do nível de stress no trabalho

4%

40%

24%

13%

19%

Não é estressante Um pouco estressanteEstressante Muito estressanteMuitíssimo estressante

Na avaliação feita através do ISS constatamos que 57% dos caixas estavam estressados (n= 31), sendo que a fase do stress predominante era a de resistência (87%), conforme demonstram os Gráficos 3 e 4. Nos estressados, os sintomas se manifestam mais nos aspectos físicos ( em 77,4% dos casos) que nos psicológicos.

Gráfico 3 - Distribuição da incidência de stress

57%

43%

Estressados Não estressados

Gráfico 4 - Distribuição da fase do stress

10%

87%

3%

Alarme Resistência Exaustão

O percentual de mulheres estressadas (40,7%) supera o dos homens (16,7%), havendo 3 vezes mais chance disto acontecer (Odds Ratio = 3,178), confirmando mais uma vez a literatura, que tem apontado as mulheres como mais vulneráveis ao stress (Lipp, et al., 1996; Witkin-Lanoil, 1985; De Mari, 1999).

Não detectamos associação entre a incidência de stress e a percepção de ter recebido treinamento suficiente ou não. Isto sugere que, para aqueles que não consideram ter recebido

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treinamento suficiente, esta condição não influencia a incidência de stress (Quadro 1). No entanto, o fato de não se considerar bem treinado pode influenciar a percepção do nível de stress no trabalho, como se pode observar no gráfico 5:

Gráfico 5 - Distribuição da relação entre a percepção sobre o treinamento e a percepção sobre o nível de stress

2,7

3,8

0

1

2

3

4

1

Treinamento suficiente

Perc

epçã

o do

nív

el

de s

tres

s (m

édia

)

Sim Não

A análise da relação entre a incidência de stress e a percepção do nível de stress no trabalho não é significativa, em outras palavras, não há associação entre o stress percebido no trabalho e a incidência de stress.

O turno de trabalho também não se associa significativamente à incidência de stress (Quadro 1). Entretanto, observa-se uma tendência dos que trabalham em turno misto (tarde noite) para serem mais estressados. Utilizando o Kruskal-Wallis os dados suportam a hipótese de que também não há diferença significativa na percepção do stress no trabalho em função do turno (Quadro 1).

Os resultados indicam uma associação significativa entre a incidência de stress e o tempo de serviço, isto é, quanto maior o tempo de trabalho maior a probabilidade de ocorrer pessoas estressadas. Analisando mais detalhadamente os dados da Tabela 2, registramos que a chance dos indivíduos com tempo de serviço maior de 2 anos estarem estressados é de, aproximadamente, 8 vezes maior (Odds Ratio = 8,357) que os de tempo de serviço menor que 1 ano.

Quadro 1 - Associação entre as variáveis incidência de stress, stress percebido e

tecno-tipo por sexo e variáveis funcionais

Sexo

Tempo de serviço

Treinament

o

Turno

Nível de stress

percebido

Tecno-tipo

Incidência de stress

χ2 = 4,132 p = 0,042

(1) (*)

χ2 = 9,737 p = 0,007

(1) (*)

χ2 = 0,365 p = 0,545

(1)

χ2 = 2,246 p = 0,325

(1)

U = 290,5 p = 0,226

(2)

χ2 = 8,897 p = 0,011

(1) (*) Nível de

stress percebido

U = 272,5 p = 0,142

(2)

χ2 = 6,304 p = 0,042

(3) (*)

U = 135,0 p = 0,002

(2) (*)

χ2 = 1,515 p = 0,468

(3)

------------ χ2 =8,131 p = 0,017

(3) (*) Tecno-tipo χ2 = 0,661

p = 0,718 (1)

χ2 = 5,921 p = 0,205

(1)

χ2 =6,468 p = 0,039

(1) (*)

χ2 =0,470 p = 0,976

(1)

------------- -------------

(1) Teste do Qui-quadrado (2) Teste de Mann-Whitney (3)Teste de Kruskal-Wallis (* ) significativo ao nível de 5% (p < 0,05)

9

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Tabela 2 - Distribuição da incidência de stress por tempo de serviço

Tempo de serviço Stress Menos de 1

ano De 1 a menos de 2

anos De dois anos

acima

Total

Não n %

13 24,1

6 11,1

4 7,4

23 42,6

Sim n %

7 13,0

6 11,1

18 33,3

31 57,4

Total n %

20 37,0

12 22,2

22 40,7

54 100,0

Fonte: Dados da pesquisa, Abril/2000

No que se refere à análise do tecno-tipo, o tipo A (ansioso por adotar a tecnologia) foi predominante. O gráfico 6 apresenta a distribuição dos participantes por tecno-tipo. A questão que avaliou os sentimentos manifestados pelos indivíduos, diante da possibilidade de lidar com tecnologia, reforçou a caracterização de cada tecno-tipo. O Quadro 2 apresenta os cinco sentimentos mais freqüentemente apontados por cada tecno-tipo. Podemos observar que, os tecno-tipos A e C indicam sentimento opostos: satisfeito, feliz e calmo (A) e tímido, frustrado e nervoso (C); e o tecno-tipo B oscila entre um extremo e outro: sente-se, ao mesmo tempo satisfeito e desajeitado.

Gráfico 6 - Distribuição do tecno-tipo

46%

43%

11%

Tipo A Tipo B Tipo C

Quadro 2- Sentimentos em relação à tecnologia, por tecno-tipo

Tecno-tipoA

Tecno-tipoB

Tecno-tipoC

Satisfeito Ansioso TímidoAnsioso Surpreso Frustrado

Feliz Satisfeito NervosoCalmo Desajeitado Indeciso

Surpreso Bem-sucedido Desconfortável Fonte: Dados da Pesquisa, Abril/2000

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A associação entre tecno-tipo e incidência de stress revelou-se significativa (Quadro 1). Observou-se, ainda, que os indivíduos do tipo B tem maior chance de estarem estressados (Tabela 3). O tecno-tipo não se associa significativamente ao tempo de serviço. Observa-se, no entanto, que os indivíduos dos tipos B e C tem maiores chances de serem os que estão há mais de 2 anos como caixa. O tecno-tipo também não apresenta relação significativa com o turno de trabalho e com o sexo dos participantes (Quadro 1).

Tabela 3 - Associação entre tecno-tipo e incidência de stress Stress

Tecno-tipo Sim Não

Total

A n %

9 16,7

16 29,6

25 46,3

B

n %

17 31,5

6 11,1

23 42,6

C

n %

5 9,3

1 1,9

6 11,1

Total

n %

31 57,4

23 42,6

54 100,0

Fonte: Dados da Pesquisa , Abril/2000

Quanto à associação do tecno-tipo com o nível de stress percebido, observou-se, a partir da análise da variância (F = 3,99; p = 0,013), que há uma tendência dos indivíduos dos tipos C e B para perceberem um maior nível de stress, indicando, portanto, que há uma diferença significativa na percepção do nível de stress no trabalho em função do tecno-tipo. A associação entre o tecno-tipo e as médias do nível de stress percebido apresenta-se no Gráfico 7.

A associação entre o tecno-tipo e a avaliação de ter recebido treinado suficiente é significativa (Quadro 1). Percebemos que, enquanto os indivíduos Tipo A apresentam uma avaliação bastante favorável deste aspecto, considerando que receberam treinamento suficiente, os indivíduos do tipo B o avalia mais negativamente (Tabela 4).

Gráfico 7 - Distribuição da relação entre o tecno-tipo e a percepção do nível de stress

2,6

3,1

4,0

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

Tecno-tipo

Perc

epçã

o d

o ní

vel d

e st

ress

(méd

ia)

A B C

11

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Tabela 4 - Associação entre tecno-tipo e percepção sobre treinamento Treinamento suficiente

Tecno-tipo Sim Não

Total

A n %

21 38,9

4 7,4

25 46,3

B

n %

17 31,5

6 11,1

23 42,6

C

n %

2 3,7

4 7,4

6 11,1

Total

n %

40 74,1

14 25,9

54 100,0

Fonte: Dados da pesquisa, Abril/2000

Em linhas gerais, as análises dos dados desta pesquisa permitem concluir: A incidência do stress é determinada pelo sexo (as mulheres estão mais estressadas),

tempo de serviço (quanto maior o tempo de serviço maior a incidência de stress) e tecno-tipo, havendo uma tendência para que os indivíduos mais identificados com a tecnologia (tipo A) sejam menos estressados. Mostra-se preocupante a fase de resistência ao stress como predominante, sobretudo porque há uma tendência a expressar o stress através de sintomas físicos. Isto significa que as energias adaptativas dos indivíduos já começam a se desgastar e esse estado favorece o surgimento e/ou agravamento de doenças.

Em relação ao tecno-tipo, registramos, na avaliação geral, uma maior existência de indivíduos do tipo A ( 46,3%) e B (42,6%) e entre eles podemos fazer algumas distinções: Entre os homens predomina o tipo A, enquanto que o tipo B é mais característico das mulheres. Há uma distribuição homogênea do tipo C por sexo. Ao contrário do tipo A, que avalia que recebeu treinamento suficiente para desempenhar suas tarefas, o tipo B considera que o treinamento não foi suficiente; este último é o tecno-tipo com maior incidência de stress. Este fato não nos permite afirmar que o tipo B seja tecnofóbico mas indica que o fator tecnológico apresenta-se como agravante para o processo do stress. Quanto ao tipo A não apresentar altos níveis de stress sugere que os indivíduos não atingiram o estágio de superidentificação (tecnofilia), ou seja, conseguem manter uma convivência tranqüila e confortável com a tecnologia, o que não chega a comprometer a sua saúde e a sua produtividade.

A percepção de um maior nível de stress no trabalho é consideravelmente maior para os indivíduos dos tipos C e B. Os indivíduos com menos tempo de serviço (menos de 1 ano) apresentam mais facilidade para se adaptar à tecnologia, enquanto que os de maior tempo, principalmente os de mais de 2 anos na função, apresentam-se hesitantes ou resistentes à tecnologia por terem, provavelmente, que se adaptar as várias inovações durante os últimos anos.

Conclui-se, portanto, que existem diferenças significativas entre stress e tecno-tipo, tanto em relação à incidência de stress (stress sentido), quanto ao stress percebido.

Esses resultados estão de acordo com a maioria das referências encontradas, que referem o lado negativo da tecnologia e a dificuldade que os resistentes e hesitantes encontram para lidar com ela.

Um dos pontos mais destacados na literatura aponta a falta de preparação (treinamento) como importante fonte de tecno-stress. A partir deste trabalho podemos acrescentar que a principal influência da avaliação sobre o treinamento (se é suficiente ou não), isto é, sobre a capacitação para executar tarefas ligadas à tecnologia, é o tecno-tipo.

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Mesmo para os indivíduos que não estão estressados, mas que têm um tecno-tipo mais vulnerável ao tecno-stress (tipos B e C), o nível de stress percebido no trabalho é maior. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das contribuições mais relevantes desta pesquisa, destacando-se a confirmação da relação do tecno-tipo com a incidência de stress, já se torna possível delinear um modelo de intervenção que venha a minimizar os efeitos do tecno-stress no desempenho e na vida dos operadores de caixa de supermercado. Por tratar-se de um estudo de caráter exploratório, outras análises (sobre as fontes de stress e estratégias defensivas utilizadas) estão sendo aprofundadas.

Dada a magnitude dos custos do adoecimento por stress para as organizações, e tendo em vista que se detectou elevado percentual de indivíduos estressados, e que percebem altos níveis de stress em seu trabalho, ações que promovam o bem-estar e a saúde poderão trazer grandes benefícios para eles mesmos e para a organização.

Como sugestão para as organizações, apontamos a implantação de um programa de gerenciamento do tecno-stress visando ajudar os indivíduos a manterem-se em seus níveis de tolerância, e a adotarem estratégias defensivas mais efetivas, como os cuidados com a saúde, o que irá diminuir a ansiedade e a hostilidade em relação às inovações tecnológicas. Vale ressaltar que é unânime, na literatura, a constatação de que só através de treinamento adequado e de canais de comunicação efetivos, se poderá vencer as resistências em relação ao fator tecnológico e, conseqüentemente, conseguir a eliminação ou diminuição do tecno-stress.

Aos responsáveis pela área de Recursos Humanos, sugerimos que sejam consideradas as informações obtidas nesta pesquisa, principalmente, no planejamento de atividades como seleção, treinamento, integração e avaliação de desempenho dos ocupantes de cargos que envolvem tecnologia, de modo a obter uma maior produtividade e, ao mesmo tempo, favorecer uma melhor qualidade de vida no trabalho.

A todos nós, como indivíduos, lembramos que neste novo milênio as mudanças serão extremamente rápidas, sobretudo no que se refere à tecnologia, e os que não se prepararem para lidar com elas se tornarão tecno-estressados crônicos. Mas, por outro lado, se aprendermos a enfrentar essa ameaça, podemos transformá-la em oportunidade de melhores dias para a humanidade

Weil e Rosen (Technology, 1998) esclarecem que a orientação básica é não ser contra a tecnologia e sim contra o stress excessivo que ela pode provocar, tentando acima de tudo manter a "humanização" no mundo tecnológico. Deve-se considerar que a tecnologia oferece um leque de opções que pode enriquecer nossa vida. E que, para fugir do stress tecnológico, tem-se que aprender a dirigir a tecnologia e não se deixar ser dirigido por ela.

Finalizando, cabe destacar as palavras de Pearlstein (1999) sobre essa nova ameaça em nossas vidas:

"Tecno-stress é o lado escuro das maravilhas da tecnologia, as pessoas estão pagando um alto preço pelo avanço tecnológico da era da informação. Esse é o verdadeiro preço da modernidade. Deve-se considerar que ao mesmo tempo que aumenta a eficiência e expande horizontes, a tecnologia pode oprimir, fazer sofrer".

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Nota:

1 O termo original é Technostress. Neste artigo será utilizada uma versão aportuguesada, com seus derivados: tecno-estressado, tecno-estressor, etc.