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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ TATIANA MACIEL GOMES Dermatologia na Atenção Primária: desafios para a abordagem das lesões de pele na ESF no Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2012

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  • UNIVERSIDADE ESTCIO DE S

    TATIANA MACIEL GOMES

    Dermatologia na Ateno Primria: desafios para a abordagem

    das leses de pele na ESF no Rio de Janeiro

    Rio de Janeiro

    2012

  • 2

    TATIANA MACIEL GOMES

    Dermatologia na Ateno Primria: desafios para a abordagem

    das leses de pele na ESF no Rio de Janeiro

    Dissertao apresentada Universidade Estcio de S para obteno do ttulo de Mestre em Sade da Famlia.

    Orientadora: Prof. Dr. Anna Tereza Miranda Soares de Moura

    Rio de Janeiro

    2012

  • 3

  • 4

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo Professora Anna Tereza, minha orientadora querida, pela

    presena assdua, orientando e me formando, com carinho e ateno.

    professora Adriana, sua inteligncia foi fundamental para organizar meus

    pensamentos e reflexes.

    professora Elyne pela disponibilidade e grande contribuio nessa jornada.

    Aos dedicados professores pela transmisso de material to rico.

    Aos colegas de turma pelas trocas de experincia enriquecedoras,

    especialmente a Miriam e Angela pelo companheirismo em todos os momentos.

    Aline por sua grande ajuda, sempre informando.

    Aos profissionais da Clinica da Famlia Cantagalo Pavo Pavozinho e do

    CMS Novo Palmares, que me acolheram e contriburam de maneira mpar para que

    este estudo tivesse um fundamento.

    Ao meu querido Leo, companheiro de anos, por seu apoio incondicional, me

    acompanhando ao longo de todo o percurso. Ao Matheus, nosso amado filho, que

    mesmo ainda na barriga, j exerce papel fundamental na minha vida.

    Aos meus pais, Jos Mauro e Clara, pelo amor, incentivo, exemplo, carinho e

    dedicao, sem vocs nada seria possvel.

    Ao Marco Tlio, meu irmo, que sempre me traz alegria.

    Aos meus tios Paulinho e Marlia, meus segundos pais, por me darem apoio e

    carinho em todos os momentos.

    Aos meus avs, tios e primos pela estrutura familiar.

    A Deus, por tantas bnos concedidas ao longo da minha vida.

    A todos, com carinho, muito obrigada!

  • 6

    Todo mundo tem pereba ... s a bailarina que no tem

    Chico Buarque

  • 7

    RESUMO

    As afeces da pele so altamente prevalentes e, apesar disso, os

    profissionais da rea de sade parecem no ter o domnio terico-prtico esperado

    para a conduo dessas no mbito da ateno primria. Com escasso

    conhecimento e treinamento de habilidades a equipe da Estratgia Sade da Famlia

    (ESF) enfrenta dificuldades na abordagem destas afeces. O Ministrio da Sade

    (MS) preconiza, em publicao de 2002, o diagnstico de um nmero considervel

    de patologias dermatolgicas no mbito da ateno primria, mas so escassas as

    oportunidades de treinamento para esses profissionais. Algumas patologias

    dermatolgicas apresentam potencial gravidade, alm de impacto social e

    psicolgico, interferindo na qualidade de vida dos doentes. Para a equipe da ESF

    esta mais uma demanda com poucas ferramentas disponveis para sua adequada

    realizao. Este trabalho teve como objetivo analisar a percepo dos profissionais

    da Estratgia Sade da Famlia quanto abordagem das afeces da pele, e utilizou

    grupos focais e questionrios abertos com os profissionais da ESF das unidades

    selecionadas. A anlise dos dados aponta para o dficit inerente aos conhecimentos

    da especialidade na prtica clnica da equipe da ESF, o que se constitui em

    elemento central a ser considerado na discusso sobre a formao superior e o

    treinamento oferecido a estes profissionais.

    Palavras-chave: dermatologia, estratgia sade da famlia, ateno primria,

    capacitao

  • 8

    LISTA DE ABREVIATURAS

    ABS Ateno Bsica Sade

    ACS Agente comunitrio de sade

    APS Ateno Primria Sade

    CBC Carcinoma basocelular

    CFM Conselho Federal de Medicina

    CONEP Conselho Nacional de tica em Pesquisa

    DST Doena sexualmente transmissvel

    ESF Estratgia Sade da Famlia

    MS Ministrio da Sade

    OMS Organizao Mundial de Sade

    PSF Programa Sade da Famlia

    SBD Sociedade Brasileira de Dermatologia

    SMS Secretria Municipal de Sade

    SUS Sistema nico de Sade

    UNESA Universidade Estcio de S

  • 9

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Doenas dermatolgicas mais freqentes no Brasil - 2006 ....................... 21

    Tabela 2 Estimativas para o ano 2010 das taxas brutas de incidncia por 100.000

    casos novos por cncer, por sexo, segundo localizao primria. ........................... 24

    Tabela 3 Domiclios particulares permanentes, por classes de rendimento nominal

    mensal domiciliar per capita, segundo as Grandes Regies e a Unidades da

    Federao - 2010 ..................................................................................................... 28

    Tabela 4 Relao de mdico/habitantes no Brasil e regies - 2011 ........................ 29

    Tabela 5 Dermatologistas segundo grandes regies - Brasil - Agosto 2001 ............ 30

    Tabela 6 Perfil dos profissionais das unidades da ESF, 2011. ................................. 53

  • 10

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Histograma da idade das doenas dermatolgias mais freqentes no Brasil,

    segundo o censo da SBD, 2006. .............................................................................. 23

    Figura 2 Doenas dermatolgicas mais freqentes por macro-regio do Brasil,

    segundo censo dermatolgico da SBD, 2006. Fonte: Censo Dermatolgico da

    Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2006............................................................ 31

    Figura 3 Populao coberta (nmero absoluto em milhes) pela Sade da Famlia,

    Brasil, 1994-2008. .................................................................................................... 35

    Figura 4 Municpio do Rio de Janeiro - Diviso Administrativa: reas de

    Planejamento - APs, Regies Administrativas - RAs e Bairros 2010. Fonte: SMS,

    2010. ........................................................................................................................ 45

  • 11

    SUMRIO

    APRESENTAO .................................................................................................... 13

    1. INTRODUO ................................................................................................... 15

    2. JUSTIFICATIVA ................................................................................................. 17

    3. OBJETIVOS ....................................................................................................... 19

    3.1 Objetivo Geral .................................................................................................... 19

    3.2 Objetivos Especficos ......................................................................................... 19

    4. IMPORTNCIA E PREVALNCIA DAS AFECES DA PELE ........................ 20

    5. SADE E ATENO S AFECES DA PELE NO BRASIL .......................... 26

    5.1 Estratgia Sade da Famlia algumas caractersticas e desafios do novo

    modelo de assistncia sade ................................................................................ 32

    5.2 Dermatologia na Estratgia Sade da Famlia ateno s afeces da pele

    (assistncia, preveno e promoo) e educao continuada e permanente em

    sade ........................................................................................................................ 36

    6. A DERMATOLOGIA NA FORMAO DO MDICO GERAL ............................ 40

    7. MTODOS ......................................................................................................... 44

    7.1 Tipo de Estudo ................................................................................................... 44

    7.2 Cenrio do Estudo ............................................................................................. 44

    7.3 Sujeitos envolvidos ............................................................................................ 47

    7.4 Planejamento e Dinmica da coleta de dados ................................................... 48

    7.5 Instrumentos e Coleta de dados ........................................................................ 49

    7.6 Anlise ............................................................................................................... 50

    7.7 Identificao das categorias de anlise ............................................................. 51

    7.8 Aspectos ticos ................................................................................................. 51

    8. RESULTADOS E DISCUSSO ......................................................................... 53

    8.1 Avaliao do questionrio individual auto-preenchido ....................................... 53

  • 12

    8.2 Percepes dos profissionais acerca das afeces da pele .............................. 55

    Abordagem das afeces da pele na ESF ............................................................ 56

    Rede de ateno s afeces da pele .................................................................. 59

    Possibilidades de atuao na ESF ........................................................................ 62

    Formao dos profissionais da ESF ...................................................................... 64

    8.3 Resultados adicionais ........................................................................................ 68

    9. SUBSDIOS PARA A ELABORAO DE UM PROGRAMA DE TREINAMENTO

    EM DERMATOLOGIA PARA A ESF ........................................................................ 69

    10. CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 70

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................... 72

    ANEXOS................................................................................................................... 83

    Anexo 1 - QUESTIONRIO ..................................................................... 83

    Anexo 2 - GRUPO FOCAL ...................................................................... 84

    Anexo 3 - Parecer do Comit de tica em Pesquisa ............................... 86

    Anexo 4 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .... 87

    Anexo 5 - DERMATOLOGIA NA ATENO PRIMRIA: UM DESAFIO

    PARA A FORMAO E PRTICA MDICA ........................................... 88

  • 13

    APRESENTAO

    Este trabalho analisa a experincia e percepo dos profissionais da

    Estratgia Sade da Famlia (ESF) quanto abordagem das afeces da pele.

    Investigou a rotina de trabalho nas equipes da ESF com relao ao atendimento,

    seguimento, visita domiciliar, campanhas, rede de ateno disponvel, alm das

    ferramentas utilizadas para preveno e promoo destinados aos pacientes com

    estas afeces e demais membros da populao adscrita.

    Para tanto, organizamos uma pesquisa qualitativa com cinco equipes de

    Sade da Famlia localizadas em duas diferentes reas da cidade, tendo como

    critrio de eleio o tempo de trabalho dos profissionais (mais de dois anos na ESF),

    partindo do pressuposto de que as equipes mais estveis ao longo do tempo j

    tivessem adquirido maior domnio das necessidades de seu territrio. A pesquisa

    realizou-se nos meses de junho a agosto de 2011, atravs de questionrio aberto

    auto-preenchido 38 respondentes, seguido de dois grupos focais com os

    profissionais das unidades da ESF selecionadas.

    Para melhor compreenso, o trabalho foi dividido em dez captulos, a saber:

    no primeiro captulo (INTRODUO), tem-se uma breve contextualizao sobre

    temas abordados posteriormente. No segundo captulo a justificativa, seguida dos

    objetivos geral e especficos, no terceiro captulo.

    No quarto, quinto e sexto captulos, a reviso de literatura, pautada em

    discusses sobre as afeces da pele: importncia e prevalncia das afeces da

    pele, sade e ateno s afeces da pele, dermatologia na formao do mdico

    geral.

    No stimo captulo, encontram-se as bases metodolgicas da pesquisa, que

    constituiu-se de uma anlise qualitativa. No oitavo captulo, apresentamos os

    resultados e discusso sobre os mesmos.

  • 14

    No nono captulo apontamos alguns subsdios para a elaborao de um

    programa de treinamento em dermatologia para os profissionais da ESF e no dcimo

    e ltimo, as consideraes finais.

    Os anexos esto enumerados de 1 a 5, onde tem-se em sequncia o

    questionrio utilizado na pesquisa de campo, o roteiro do grupo focal, o parecer do

    Comit de tica em Pesquisa, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    (TCLE) e por ltimo, o artigo resultante dessa pesquisa na ntegra.

  • 15

    1. INTRODUO

    A pele o maior rgo do corpo humano e um dos mais importantes sistemas

    de interao entre o meio interno e o meio externo (AZULAY, 2008). Desempenha

    algumas funes como proteo fsica, qumica e imunolgica, manuteno da

    homeostasia e informao sensorial. Existem algumas peculiaridades entre as

    afeces da pele que merecem destaque. Alm da elevada prevalncia e incidncia

    de algumas doenas, so muitas as condies que afetam este rgo que podem

    acompanhar envolvimento sistmico (AZULAY, 2008; WILLIAMS, 2010; BURNS,

    2010). Como muitas so bastante visveis, as leses da pele podem interferir na

    rotina dos indivduos, podendo comprometer ou at impossibilitar o exerccio de

    atividades laborativas. O impacto social e psicolgico nesses pacientes tambm

    grande, interferindo na sua qualidade de vida (FITZPATRICK, 2010). Alm do

    considervel desconforto vivenciado pelo paciente, o estigma relacionado a algumas

    doenas dermatolgicas pode acabar provocando desajustes psicossociais, como

    ansiedade e baixa auto-estima, prejudicando o estabelecimento de relaes

    saudveis e contribuindo para o isolamento social, que dificulta ainda mais a busca

    por auxlio (WEBER, 2006; FITZPATRICK, 2010).

    Mesmo assim, as manifestaes que acometem a pele so muitas vezes

    negligenciadas, ainda que possam indicar processos patolgicos nos mais variados

    rgos e sistemas (FITZPATRICK, 2010). Alguns fatores esto envolvidos com a

    dificuldade na abordagem destas afeces, e entre eles merece destaque o

    isolamento da disciplina na graduao em Medicina, com dificuldade de integrao

    curricular e carga horria diminuta. Em muitos cursos observa-se um dficit no

    ensino da dermatologia, tanto terico quanto prtico, e mdicos no especialistas

    acabam por se sentir despreparados para o enfrentamento das afeces da pele nas

    suas atuaes prticas (BARBARULO, 2002).

    Essas limitaes parecem se repetir tambm no mbito da ateno primria,

    considerada como porta de entrada do sistema de sade, trazendo dificuldades no

    diagnstico e seguimento das afeces da pele (JANAUDIS, 2010). Algumas razes

    tm sido apontadas para explicar este cenrio como a falta de programas de

  • 16

    educao em sade para profissionais da ateno primria e o pouco treinamento

    prtico, j que uma especialidade fundamentalmente baseada em habilidades

    visuais (CIRACY, 1980; CARLI, 2003). No caso especfico da dinmica de atuao

    da Estratgia Sade da Famlia (ESF), modelo de assistncia atualmente no Brasil,

    somam-se as dificuldades relacionadas promoo da sade e preveno da

    ocorrncia das afeces da pele.

    O uso de materiais educativos como recursos na educao em sade vem

    crescendo, assumindo um papel de destaque no processo de ensino-aprendizagem

    (MOREIRA, 2003). Trata-se de uma ferramenta que pode ser til para o treinamento

    em servio, contribuindo para uma assistncia diferenciada, alm de colaborar no

    desenvolvimento de aes de promoo e preveno sade da pele (LIMA, 2007).

    Mesmo assim, no Brasil, at o momento, poucas so as ferramentas elaboradas

    para subsidiar a abordagem das afeces de pele por profissionais no

    especialistas.

    Assim, pretende-se neste estudo avaliar a percepo dos profissionais da

    Estratgia Sade da Famlia quanto abordagem das afeces da pele,

    compreender as necessidades e desafios da equipe tcnica e agentes comunitrios

    de sade (ACS) da ESF diante da abordagem destas afeces e colaborar para a

    elaborao de programas de educao em sade que incluam aspectos

    relacionados ao manuseio destas afeces na Ateno Primria. Para isso foi

    realizada coleta de dados atravs da tcnica do grupo focal e aplicao de

    questionrio aberto com profissionais de unidades da ESF selecionadas no

    municpio do Rio de Janeiro. Como categorias de interesse para esse estudo

    destacam-se a percepo sobre a assistncia s afeces da pele, percepo sobre

    os critrios de referncia ao especialista, condies da abordagem s afeces da

    pele pelos profissionais da ESF, capacitao aos profissionais da ESF em

    dermatologia, possibilidades de aes de promoo e preveno em sade

    relacionadas s afeces da pele, papel dos ACS na ateno s afeces da pele,

    dermatologia na formao superior, prevalncia das afeces da pele e rede de

    ateno.

  • 17

    2. JUSTIFICATIVA

    Profissionais da rea da sade, no especialistas em dermatologia, parecem

    no ter conhecimentos suficientes para a conduo das afeces da pele

    (BARBARULO, 2002). Por ser uma especialidade baseada em habilidades visuais, a

    carncia observada no perodo da graduao acaba por dificultar uma boa prtica

    clnica, levando sub deteco de algumas patologias, o que pode modificar

    radicalmente o prognstico do paciente em certas circunstncias. Com escasso

    conhecimento e habilidades, esses profissionais podem minimizar ou confundir

    algumas afeces da pele, benignas ou no, devido sua aparncia inocente,

    evoluo crnica das doenas ou at ausncia de sintomas (CIRACY, 1980; CARLI,

    2003).

    Seria razovel esperar da equipe da ateno primria o conhecimento

    necessrio para conseguir lidar com as afeces da pele mais comuns, a fim de

    facilitar a gesto destes problemas dermatolgicos e reconhecer aqueles casos que

    requerem maior ateno e pronta referncia. Mais ainda, atravs da viso ampliada

    sugerida pelas premissas da ESF, estas equipes necessitam estar atentas

    ocorrncia destas doenas alm de desenvolver e iniciar aes relacionadas

    preveno destes agravos e promoo sade da pele (LIMA, 2007). Para a

    atuao adequada desta equipe seriam necessrios conhecimentos dos critrios

    para a suspeio de algumas leses, principalmente as mais prevalentes e de

    interesse para a sade pblica, identificando aquelas de pior prognostico e evoluo

    desfavorvel, o que possibilitaria pronta referncia para servio especializado. At o

    momento no existe citao sobre a incluso de aspectos relacionados s afeces

    da pele nos treinamentos oferecidos pelo Ministrio da Sade (MS) para estes

    profissionais que atuam na ESF.

    So poucas as ferramentas elaboradas para subsidiar a abordagem dessas

    afeces por esses profissionais no especialistas, sendo uma delas uma

    publicao do Ministrio da Sade intitulada Dermatologia na Ateno Bsica de

    Sade, de 2002 (BRASIL, 2002). O material disponibiliza informaes sobre um

    nmero considervel de patologias dermatolgicas no mbito da ateno primria,

  • 18

    sem que tenha sido desenvolvido um treinamento para os profissionais tcnicos e

    agentes comunitrios que atuam nestes servios. Para a equipe da ESF esta mais

    uma demanda a ser contemplada na prtica diria, sem que existam ferramentas

    disponveis para sua adequada realizao.

    Atravs da viso sugerida pelas premissas da ESF, seria possvel

    desenvolver aes que envolvessem equipes de sade e a comunidade, afim de que

    melhorias pudessem ser alcanadas (LIMA, 2007), como por exemplo, atividades

    escolares sobre meio ambiente e sade e programas de orientao sobre

    fotoproteo. Seguindo essa perspectiva de atuao, seria necessrio a

    incorporao de programas de educao em sade voltados para a dermatologia,

    com educao permanente e continuada, para suprir esta lacuna existente em

    relao ao diagnstico e seguimento das afeces da pele, incluindo aspectos

    relacionados sua preveno e promoo de hbitos de vida saudvel relacionados

    ocorrncia destes agravos.

  • 19

    3. OBJETIVOS

    3.1 Objetivo Geral

    Analisar a percepo dos profissionais da Estratgia Sade da Famlia quanto

    abordagem das afeces da pele.

    3.2 Objetivos Especficos

    Compreender as necessidades da equipe da Estratgia Sade da Famlia

    diante do cuidado s afeces da pele;

    Identificar que prticas podem ser contempladas na ateno primria sade

    para a abordagem das afeces da pele;

    Avaliar o entendimento dos profissionais da Estratgia Sade da Famlia

    acerca de suas competncias especficas para lidar com as afeces da pele.

  • 20

    4. IMPORTNCIA E PREVALNCIA DAS AFECES DA PELE

    A dermatologia uma das especialidades que apresenta maior nmero de

    patologias, sendo mais de duas mil as condies que afetam a pele. As patologias

    dermatolgicas so altamente freqentes, acometendo aproximadamente 30-55%

    da populao (WILLIAMS, 2010). Dentre os pacientes que consultam mdicos

    clnicos gerais, 15 a 30% tm alguma queixa dermatolgica, e desses 4 a 6% so

    referenciados ao especialista, resultando em uma alta procura pela especialidade

    (JULIAN, 1999; FELDMAN, 1998).

    Existem algumas peculiaridades entre as afeces da pele que merecem

    destaque. Alm da elevada prevalncia e incidncia de algumas doenas, so

    muitas as condies que afetam este rgo que podem acompanhar envolvimento

    sistmico (BURNS, 2010). Essas so doenas complexas e, invariavelmente,

    necessitam de suporte multidisciplinar, como por exemplo lpus eritematoso

    sistmico, esclerodermia e esclerose tuberosa. Outro aspecto importante seria o

    impacto destas afeces na rotina dos indivduos, decorrentes da freqente

    impossibilidade de exercer atividades laborativas ou pelos efeitos adversos na sua

    funo social. Estudos apontam que aproximadamente 1% da populao norte-

    americana tem uma condio de pele que limita a obteno de emprego ou a prtica

    de atividades dirias em casa, alm de possvel constrangimento social

    (FITZPATRICK, 2010). Estas afeces podem interferir na auto-estima dos afetados,

    prejudicar o estabelecimento de relaes saudveis e contribuir para o isolamento

    social, que dificulta ainda mais a busca por auxlio (WEBER, 2006).

    A Sociedade Brasileira de Dermatologia promoveu, em 2006, um Censo

    Dermatolgico que apontou as doenas mais prevalentes da especialidade em

    hospitais pblicos e consultrios privados. O levantamento foi realizado atravs de

    formulrio preenchido por 916 mdicos selecionados aleatoriamente de acordo com

    a probabilidade proporcional por estado, durante uma semana. Nesse perodo foram

    analisando 54.519 pacientes, conforme mostra a Tabela 1 (CENSO

    DERMATOLGICO DA SBD, 2006).

  • 21

    Tabela 1 Doenas dermatolgicas mais freqentes no Brasil - 2006

    CID-10 Dermatopatia Total

    N %

    L70 Acne 7624 14,0

    B35 - B37 Micoses superficiais 4812 8,8

    L81 Transtornos de pigmentao 4562 8,4

    L57 Ceratose actnica 2791 5,1

    L23 - L25 Dermatites de contato 2140 3,9

    L21 Dermatite seborrica 1904 3,5

    B07 Verrugas de origem viral 1878 3,4

    D22 Nevos melanocticos 1785 3,3

    L30 Dermatites: eczema / desidrose / pitirase alba 1432 2,6

    L40 Psorase 1349 2,5

    L20 Dermatite atpica 1330 2,4

    L82 Ceratose seborrica 1244 2,3

    C80 Neoplasia maligna SE / carcinoma basocelular 1188 2,2

    L65 Alopecias no cicatriciais / eflvio telgeno 1154 2,1

    L85 Espessamento epidrmico / xerose cutnea 950 1,7

    L72 Cistos foliculares da pele e tecido subcutneo 858 1,6

    L64 Alopecia androgentica 789 1,4

    B86 Escabiose 750 1,4

    L80 Vitiligo 743 1,4

    A30 Hansenase 686 1,3

    L28 Liquen simples crnico e prurigo 646 1,2

    Q82 Malformao congnita da pele / acrocrdon 604 1,1

    L50 Urticria 601 1,1

    L73 Outras afeces foliculares / foliculite 582 1,1

    L90 Estrias atrficas / cicatrizes e fibrose cutnea 527 1,0

    Total 54519 100,0

    Fonte: Censo Dermatolgico da Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2006.

    Dentre as patologias mais comuns neste censo, possvel englobar na rotina

    de atendimentos da ateno primria aquelas com baixa morbidade (acne, micoses

    superficiais, transtornos de pigmentao, eczemas/dermatites) e outras com maior

    gravidade, que necessitam de diagnstico precoce e pronta referncia. Algumas

    includas neste ltimo grupo seriam: hansenase e as leses de pele pr-malignas

    (ceratose actnica) e malignas (carcinoma basocelular, carcinoma espinocelular e

    melanoma).

  • 22

    A acne, patologia mais comum, e o melasma, o mais comum transtorno de

    pigmentao, interferem diretamente na qualidade de vida dos pacientes, j que so

    leses muito visveis - afetam na grande maioria das vezes a face - causando

    desconforto e baixa auto-estima (CENSO DERMATOLGICO DA SBD, 2006; MIOT,

    2009; AZULAY-ABULAFIA, 2003). Alm de cursarem com leses fsicas podem

    deixar seqelas psicossociais, como a depresso, que pode persistir aps o

    desaparecimento das leses ativas (COHEN, 2006; CHIU,2003; AZULAY-

    ABULAFIA, 2003). O diagnstico e tratamento dessas patologias so de baixa

    complexidade e poderiam ser feitos pelo mdico generalista. Na ateno primria,

    outros aspectos importantes para o tratamento e acompanhamento desses

    pacientes poderiam ser contemplados, como a busca ativa de leses atravs da

    visita domiciliar.

    As micoses superficiais e dermatites/eczemas dependem de treinamento para

    seu reconhecimento, sendo possvel, na maioria das vezes o diagnstico clnico.

    Porm, em algumas vezes apresentam grande semelhana entre si, podendo ser

    necessrio a realizao de um exame complementar, como o exame micolgico

    direto ou a bipsia com histopatologia, para o diagnstico definitivo (RABITO, 2009;

    WEBER, 2006). O exame micolgico pode ser coletado por qualquer profissional da

    ESF, treinado para tal, sendo um exame de baixa complexidade. J a bipsia,

    apesar de ser um procedimento cirrgico, simples e pode ser realizado

    ambulatorialmente, no havendo a necessidade de referncia ao especialista. Para

    que isso seja possvel alguns equipamentos devem ser englobados nas unidades da

    ateno primria, como por exemplo, lminas para o material coletado no exame

    micolgico, instrumentos cirrgicos bsicos e eletrocautrio.

    A hansenase uma doena infecciosa com caractersticas prprias na pele e

    no acometimento dos nervos perifricos. Apesar de todo o esforo para a sua

    eliminao, ainda apresenta alta prevalncia, sendo o Brasil o segundo pas em

    nmero de casos no mundo, atrs apenas da ndia. Esse perfil vem mudando, com

    queda a cada ano, aps a implementao do tratamento poliquimioterpico

    (ARAUJO, 2003). O diagnstico precoce da hansenase, principalmente de suas

    formas iniciais, que no so contagiosas e permanecem latentes por meses, tem

    efeito direto na reduo do tempo de tratamento, na disseminao da doena, na

  • 23

    maior eficcia da vigilncia epidemiolgica, na preveno de seqelas e em maiores

    ndices de cura (ARAJO, 2003). Medidas de controle incluem o diagnstico

    precoce dos casos, atravs do atendimento de demanda espontnea, busca ativa e

    exame dos contatos para tratamento especfico, que deve ser feito em nvel

    ambulatorial, pelo mdico generalista e toda a equipe sade da famlia

    (GONALVES, 1979; NEMES, 1989).

    A Figura 1 mostra o histograma da idade das doenas mais freqentes em

    cada grupo etrio, segundo o mesmo censo da SBD, citado anteriormente (CENSO

    DERMATOLGICO DA SBD, 2006). Observa-se que dermatite atpica e acne esto

    presentes em pacientes mais jovens, micoses superficiais e transtornos da

    pigmentao com predomnio aos 40 anos e ceratose actnica e carcinoma

    basocelular entre 55 e 69 anos. O predominio da ceratose actnica e do carcinoma

    basocelular entre os pacientes com mais de 65 anos refora a necessidade de

    preveno das neoplasias de pele no pas. Essa avaliao por faixa etria

    importante para determinar o pblico alvo para programas de preveno e busca

    ativa de cada patologia. Esses nmeros no esto disponveis no DATASUS ou no

    Siab, dificultando para os profissionais a sua utilizao.

    Figura 1 Histograma da idade das doenas dermatolgias mais freqentes no Brasil, segundo o censo da SBD, 2006.

    Fonte: SOCIEDADE BRASILEIRA DE DERMATOLOGIA. Perfil nosolgico das consultas dermatolgicas no Brasil. An Bras Dermatol. 2006;81(6):549-58.

  • 24

    A ceratose actnica altamente prevalente e a mais frequente leso pr-

    maligna, precursora de 20 a 25% dos casos de cncer de pele no melanoma,

    principalmente carcinoma espinocelular (DERGHAM, 2004). Muitas vezes vrias

    opes teraputicas diferenciadas devem ser utilizadas, especialmente em casos

    generalizados ou resistentes, podendo todas elas serem contempladas pelo mdico

    generalista, como por exemplo cauterizao qumica, eletrocoagulao ou uso de

    medicamentos tpicos. A melhor forma de manejo s ceratoses actnicas a

    preveno, evitando a exposio radiao UV significativa ou desnecessria e

    fotoproteo. Nessa perspectiva, as equipes da ESF poderiam atuar atravs de

    campanhas e educao popular.

    O carcinoma basocelular (CBC) o mais comum dentre todas as neoplasias,

    em ambos os sexos, conforme demonstra a Tabela 2 (MINISTRIO DA SADE/

    INCA, 2010). Sua incidncia vem aumentando nos ltimos anos e o prognstico

    melhorou consideravelmente nas ltimas dcadas especialmente pela possibilidade

    de diagnstico precoce, medidas teraputicas atuais, e maior conscientizao da

    populao sobre o problema, fruto de diversas campanhas educacionais (KOPKE,

    2002). Mas a sua identificao no fcil e depende de muito treinamento.

    Tabela 2 Estimativas para o ano 2010 das taxas brutas de incidncia por 100.000 casos novos por cncer, por sexo, segundo localizao primria.

    Localizao Primria Masculino Feminino

    Mama Feminina - 49,2

    Traquia, Brnquio e Pulmo 17,8 9,8

    Estmago 13,8 7,6

    Prstata 52,3 -

    Colo do tero - 18,4

    Clon e Reto 13,3 14,8

    Esfago 7,8 2,7

    Leucemias 5,2 4,3

    Cavidade Oral 10,3 3,7

    Pele Melanoma 2,9 2,9

    Pele no Melanoma 53,4 60,4

    Outras Localizaes 59,1 78,7

    Total 243,77 253,2

    Fonte: Ministrio da Sade/Inca. Estimativa da incidncia de cncer no Brasil, 2010.

  • 25

    O mesmo no vem sendo observado com relao ao melanoma, cncer de

    pele com pior prognstico. Sua incidncia (3,09 / 100.000 habitantes) tem

    apresentado crescimento anual, similar quela observada em outros pases

    (BRASIL, 2010; RIGEL, 2000). A taxa de mortalidade tambm aumentou, ocorrendo

    principalmente em pessoas jovens e de meia-idade, enfatizando a grande morbidade

    destes tumores (FITZPATRICK, 2010). Incentivos como o auto-exame, fotoproteo

    e programas de educao em sade aos profissionais poderiam ser introduzidos na

    dinmica de atendimento desse nvel de ateno para aumentar a eficcia de

    diagnstico dessas leses, melhorando a expectativa de vida do paciente.

    Assim como as patologias aparentemente restritas a determinadas

    especialidades clnicas, as afeces da pele tambm fazem parte da abordagem

    desenvolvida no mbito da ateno primria. Os exemplos trazidos nesta seo

    ajudam a ilustrar algumas possibilidades de atuao das equipes de sade, tanto no

    que se refere ao tratamento quanto preveno da ocorrncia dessas doenas.

    grande a diversidade de problemas relacionados assistncia s afeces da pele

    no sistema de sade, e as equipes ainda no contam com a estrutura necessria

    para sua abordagem integral. So necessrias ainda inmeras medidas para que

    seja possvel a incluso dessas doenas na dinmica de atendimentos da rede,

    como investimentos em programas de educao em sade para os profissionais e

    orientao para a populao.

  • 26

    5. SADE E ATENO S AFECES DA PELE NO BRASIL

    Desde 1990, todos os brasileiros tm direito a cuidados de sade gratuitos

    atravs do Sistema nico de Sade (SUS) (VICTORA, 2011). Sua criao se

    baseou no conceito ampliado de sade e na proposta de fortalecimento da ateno

    primria, como nvel prioritrio para o desenvolvimento de aes de assistncia,

    preveno de doenas e agravos e de promoo da sade. A implementao do

    SUS foi acompanhada por significativas mudanas, dentre elas o avano

    conquistado na sua universalizao, principalmente devido a um importante

    processo de descentralizao no mbito do financiamento, da gesto e do modelo

    assistencial e da organizao dos servios (SOUZA, 2002). Essa descentralizao

    dos servios resultou em um maior acesso aos cuidados primrios da sade,

    principalmente atravs da Estratgia Sade da Famlia, desenvolvida em 1998,

    relevante para a mudana do modelo de assistncia para o campo preventivo e

    promoo da sade (VICTORA, 2011).

    Os servios de sade so divididos em nveis de complexidade; o nvel

    primrio deve ser a porta de entrada da populao que procura por cuidados,

    enquanto os outros devem ser utilizados apenas quando referenciados. A ateno

    primria o primeiro nvel da ateno sade no SUS, o primeiro contato do

    usurio com o sistema. Assim como os outros nveis de ateno tambm se orienta

    pelos princpios do SUS, utilizando tecnologias de baixa densidade, ou seja,

    procedimentos mais simples, capazes de atender maior parte dos problemas

    comuns de sade da populao em determinada rea adscrita (BRASIL, 2007). Com

    relao s afeces da pele, nesse nvel de ateno sade, devem ser abordadas

    as patologias mais comuns e de menor morbidade, alm dos aspectos de preveno

    destes agravos. Fazem parte desse nvel as Unidades Bsicas de Sade (UBS), a

    ESF, dentre outros.

    A mdia complexidade formada por aes e servios que objetivam suprir

    os principais problemas e agravos de sade dos usurios, cuja complexidade da

  • 27

    assistncia na prtica clnica exija a disponibilidade de profissionais especializados e

    a utilizao de recursos tecnolgicos, para o apoio diagnstico e tratamento

    (BRASIL, 2007). Como exemplos temos a abordagem de algumas afeces de pele

    mais complexas ou de maior morbidade, tais como algumas neoplasias cutneas,

    lpus eritematoso, psorase, etc., que podem ser realizadas em uma policlnica. A

    alta complexidade tambm demanda uma equipe especializada, onde so

    necessrios procedimentos que envolvem equipamentos de alta tecnologia e

    elevado custo, com o objetivo de oferecer aos usurios acesso a servios

    qualificados, integrados aos outros nveis de ateno sade (BRASIL, 2007). Com

    relao s afeces da pele, compem a alta complexidade do SUS a assistncia s

    neoplasias cutneas, principalmente melanoma, cirurgias mais complexas, etc.,

    sendo necessrio um hospital para esses procedimentos.

    Os diversos nveis de complexidade da ateno sade deveriam estar

    distribudos de acordo com as necessidades da populao. Cada servio de sade

    tem uma rea de cobertura, sendo responsvel pela sade de uma certa

    comunidade. As unidades de maior complexidade so menos numerosas, sendo

    mais extensa sua rea de cobertura, abrangendo a rea de vrios servios de menor

    complexidade (BRASIL, 2005).

    Atualmente, o Brasil apresenta mais de 190 milhes de habitantes distribudos

    de forma desigual em seu territrio - segundo estimativas aproximadamente 84% da

    populao est concentrada em reas urbanas (IBGE, 2011). um pas com

    elevada desigualdade socioeconmica e demogrfica, o que reflete em contrastes

    nos indicadores sociais, como ndices de sade, educao, produo de riquezas e

    de desenvolvimento humano, conforme Tabela 3. Estas desigualdades vm sendo

    historicamente apontadas e se configuram como um dos principais desafios ao

    desenvolvimento social do pas (ORGANIZAO PAN-AMERICANA DE SADE,

    1998; PAIM, 2011). Apesar dessas dificuldades, avanos podem ser observados em

    vrios aspectos. Os ndices de mortalidade declinam a cada ano, o acesso ao

    sistema de sade foi ampliado e a cobertura vacinal aumentou, para citar somente

    algumas melhorias (IBGE, 2011; PAIM, 2011). Muita coisa tem sido feita para

    melhorar o panorama da sade no Brasil, mas ainda h muito a se fazer.

  • 28

    Tabela 3 Domiclios particulares permanentes, por classes de rendimento nominal mensal domiciliar per capita, segundo as Grandes Regies e a Unidades da Federao - 2010

    Grandes Regies

    e Unidades da Federao

    Domiclios particulares permanentes

    Total (1)(4)

    Classes de rendimento nominal mensal domiciliar per capita (salrio mnimo) (2)

    At 1/4 Mais de 1/4 a 1/2

    Mais de 1/2 a 1

    Mais de 1 a 2

    Mais de 2 a 3

    Mais de 3 a 5

    Mais de 5

    Sem rendimento (3)

    Brasil 57 324 185 5 252 767 10 591 130 16 441 266 12 551 391 4 025 026 3 056 396 2 939 438 2 449 573

    Norte 3 975 533 692 816 994 356 1 044 897 576 378 173 593 128 538 106 620 257 830

    Nordeste 14 922 901 3 063 595 4 005 405 4 067 741 1 701 424 485 355 383 956 365 670 847 922

    Sudeste 25 199 799 997 344 3 736 371 7 360 408 6 569 139 2 174 866 1 678 070 1 680 403 991 807

    Sul 8 891 279 309 066 1 107 683 2 624 104 2 683 765 864 944 604 823 492 933 201 776

    Centro-Oeste 4 334 673 189 946 747 315 1 344 116 1 020 685 326 268 261 009 293 812 150 238

    Fonte: IBGE, Resultados Preliminares do Universo do Censo Demogrfico 2010. (1) Inclusive os domiclios sem declarao de rendimento nominal mensal domiciliar per capita. (2) Salrio mnimo utilizado: R$ 510,00. (3) Inclusive os domiclios com rendimento mensal domiciliar per capita somente em benefcios. (4) Inclui os domiclios particulares permanentes ocupados com entrevista realizada e, os sem entrevista realizada (fechados), que tiveram o nmero de moradores estimado.

    A anlise de mortalidade proporcional por grupo de causas mostra que as

    doenas do aparelho circulatrio constituem a primeira causa de bito,

    representando 32% das ocorrncias. No segundo grupo de causas destacam-se as

    neoplasias, que correspondem a 16,47% dos bitos no pas, com valores mais

    elevados nas regies Sudeste e Sul. Como terceiro grupo, as causas externas

    aparecem com 13,57% do total de bitos de causas bem definidas (BRASIL, 2006).

    Estes nmeros no esto distribudos de maneira uniforme e existem importantes

    discrepncias regionais com relao aos principais problemas de sade que

    acometem a populao brasileira. O Sul do pas apresenta um perfil de morbidade

    semelhante ao dos pases desenvolvidos (doenas do aparelho circulatrio,

    degenerativas e neoplasias). Em contraste, na regio Norte as doenas infecciosas

    e a desnutrio ainda apresentam alta incidncia, situao prpria de pases em

    desenvolvimento (MIOT, 2005). Estas diferenas apresentam-se em um contexto de

    extrema complexidade e desigualdade social e vm sendo contempladas nas

    iniciativas direcionadas s melhorias no mbito da sade (LIMA, 2007).

  • 29

    Alm do panorama scio-cultural desigual, a proporo de mdicos e servios

    disponveis nas diferentes regies brasileiras tambm se faz de maneira irregular

    (CFM, 2010). Este aspecto merece uma reflexo mais aprofundada, j que impacta

    diretamente na assistncia oferecida populao. O Conselho Federal de Medicina

    (CFM) reconhece a existncia de mais de 354 mil mdicos ativos no Brasil, sendo

    preconizada pela Organizao Mundial de Sade (OMS) a necessidade de um

    mdico para cada mil habitantes como uma proporo adequada. A partir de um

    clculo simples, o Brasil apresenta aproximadamente um mdico para cada 536

    habitantes, havendo assim um nmero de mdicos aparentemente superior ao

    recomendado, conforme Tabela 4. Essa distribuio ainda mais desigual quando

    comparados os nmeros de capitais e regies do interior. No Amazonas, 88%

    (3.024) dos profissionais esto em Manaus, apresentando um mdico para 574

    habitantes. Os municpios do interior ficam com um mdico para cada 8.944

    habitantes. Em Roraima, so 10.306 habitantes por profissional em cidades do

    interior. Conforme apresentado, a distribuio desses profissionais bastante

    desuniforme, existindo regies brasileiras onde grandes contingentes populacionais

    no contam com assistncia satisfatria sade (CFM, 2010).

    Tabela 4 Relao de mdico/habitantes no Brasil e regies - 2011

    Regio Relao mdico / habitantes

    Brasil 1 / 536

    Norte 1 / 1130

    Nordeste 1 / 894

    Sudeste 1 / 399

    Sul 1 / 509

    Centro-Oeste 1 / 590

    Fonte: Cadastro Nacional de Mdicos CFM, Censo Populacional do IBGE.

    Os dermatologistas seguem a mesma perspectiva e tambm se distribuem

    irregularmente no Brasil. Existe uma grande diferena de concentrao dos

    especialistas nas diferentes regies brasileiras, conforme mostra a Tabela 5. Os

  • 30

    dermatologistas parecem ter preferncia pela regio Sudeste, principalmente pelos

    estados de So Paulo e Rio de Janeiro, onde se concentra a economia do pas. Nas

    capitais desses estados esto concentrados 36% dos dermatologistas brasileiros,

    evidenciando a preferncia predominantemente urbana desta especialidade

    (MACHADO, 2003). Esta aparente escolha pode estar relacionada a vrios fatores,

    entre eles a maior oferta de servios, maiores recursos da populao em procurar

    atendimento mais especializado, maior facilidade de acesso a novas tecnologias,

    alm de maiores perspectivas de atuao na especialidade.

    Tabela 5 Dermatologistas segundo grandes regies - Brasil - Agosto 2001

    Grandes Regies Valor Absoluto %

    Norte 156 3,4

    Nordeste 564 12,2

    Sudeste 2925 63,5

    Sul 554 12,0

    Centro-Oeste 239 5,2

    Sem Regional 169 3,7

    Brasil 4607 100,0

    Fonte: MACHADO MHM, Vieira ALS, e cols. Perfil dos dermatologistas no Brasil.

    Relatrio final (Brasil e grandes regies). Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de

    Dermatologia; 2003.

    Tambm pode-se observar diferenas relacionadas aos agravos

    contemplados por estes profissionais entre as regies do Brasil. Conforme a Figura

    2, existe uma elevada taxa de incidncia de doenas cutneas neoplsicas no Sul,

    comparadas s demais regies do Brasil, enquanto no Norte, Nordeste e Centro-

    Oeste casos de hansenase so crescentes (OPROMOLLA, 2011; CENSO

    DERMATOLGICO DA SBD, 2006). As doenas sexualmente transmissveis (DST)

    esto presentes em altos ndices principalmente nas grandes cidades (MIOT, 2005).

    Estas peculiaridades regionais acabam por demandar diferentes formas de

    abordagem pelo especialista em dermatologia, alm de necessitar de instrumental

    diagnstico e teraputico diferenciado.

  • 31

    Figura 2 Doenas dermatolgicas mais freqentes por macro-regio do Brasil,

    segundo censo dermatolgico da SBD, 2006. Fonte: Censo Dermatolgico da

    Sociedade Brasileira de Dermatologia, 2006.

    Atualmente, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) contabiliza 6.302

    mdicos dermatologistas especialistas exercendo de forma regular suas atividades

    no pas (SBD 2011). Nessa estatstica so contabilizados apenas os mdicos

    aprovados na prova de ttulo da SBD, portanto esse valor provavelmente um

    pouco maior. No se sabe exatamente qual a adequada relao numrica a ser

    preconizada entre o nmero de dermatologistas e a populao atendida, cabendo

    considerar vrios fatores diferentes como o perfil da populao local, suas principais

    demandas e prioridades, as condies de vida, o tipo de servio prestado, entre

    outras particularidades. O MS preconiza a presena de um mdico dermatologista

    na rede do SUS para populaes com mais de 80 mil habitantes (BRASIL, 2002).

    No entanto, esta proporo deveria levar em considerao algumas variveis que

    vo alm dessa escolha numrica, refletindo sobre as reais necessidades locais com

    objetivo de prestar uma assistncia resolutiva (MIOT, 2005).

  • 32

    Ainda de acordo com o preconizado pelo MS, seriam necessrios no Brasil

    em 2011, cerca de 2.375 mdicos dermatologistas atuando em servios de sade

    ligados ao SUS. A relao existente entre dermatologistas e a populao geral

    parece superar essas necessidades, entretanto isso no significa que exista uma

    adequada distribuio da especialidade no pas, nem tampouco que as

    necessidades dos usurios esto sendo atendidas. Apenas uma pequena parte

    desses profissionais tem vnculo qualificado com o SUS, j que a maioria exerce

    suas atividades em clnicas privadas prestadoras de servio. Essa deficincia da

    especialidade no setor pblico e no interior do pas chama ateno quanto

    necessidade de mdicos generalistas atuarem efetivamente nas afeces da pele.

    Esse um problema que acontece no apenas com a dermatologia, mas

    tambm com outras especialidades, principalmente nos nveis primrios de ateno

    sade. Para aumentar a eficcia dos atendimentos na rede pblica por

    profissionais no especialistas seriam necessrios maiores investimentos em

    programas de educao em sade, alm de melhorias na formao superior, com

    vistas uma viso mais ampliada destes profissionais. A ESF, porta de entrada para

    os usurios do sistema de sade necessita cada vez mais destes profissionais

    qualificados, com o objetivo de aumentar a resolutividade do sistema.

    5.1 Estratgia Sade da Famlia algumas caractersticas e

    desafios do novo modelo de assistncia sade

    O termo Ateno Primria foi criado na dcada de 1920, no relatrio Dawson,

    pelo ministro de sade do Reino Unido, diante da necessidade de regionalizao e

    hierarquizao dos cuidados (STARFIELD, 2005). Apenas cinqenta anos aps, na

    Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios em Sade realizada em Alma-

    Ata (1978), iniciou-se no mundo um processo de reflexo sobre as prticas de sade

    (ROSA, 2011). A Ateno Primria Sade (APS) passou ento a ser vista como

    um programa abrangente para enfrentar a maioria dos problemas de sade no

    Brasil, onde o modelo hospitalocntrico j no atendia mais s mudanas do mundo

  • 33

    moderno e, conseqentemente, s necessidades de sade das pessoas

    (MACIOCCO, 2008).

    A Ateno Primria caracterizada por aes que englobam a promoo da

    sade e preveno de agravos, alm do diagnstico, tratamento e reabilitao.

    desenvolvida a partir de um trabalho em equipe, dirigido s populaes de reas

    delimitadas e tem o objetivo de resolver os problemas de sade de maior freqncia

    e relevncia em determinado territrio, sendo, preferencialmente, o primeiro contato

    dos usurios com o sistema de sade. Seus princpios norteadores so a

    universalidade, acessibilidade, coordenao do cuidado, vnculo e continuidade,

    integralidade, responsabilizao, humanizao, equidade e participao social

    (BRASIL, 2010). Estes so elementos inovadores, bem diferentes da prtica

    hospitalocntrica anterior.

    Impulsionada pelo processo de descentralizao e apoiada por programas

    inditos, o novo modelo de cuidados primrios de sade visa proporcionar o acesso

    universal e ateno integral sade, coordenar e ampliar a cobertura para nveis

    mais complexos de assistncia, e implementar aes intersetoriais de preveno de

    doenas e promoo da sade (PAIM, 2011). A Estratgia Sade da Famlia (ESF)

    foi implementada como prioridade fundamentalmente para responder a este desafio

    (BRASIL, 2007; VICTORA, 2011). Introduzida desde 1998, a ESF parte de um dos

    programas propostos pelo governo para a reestruturao da ateno primria, de

    acordo com os preceitos do SUS (BRASIL, 2010). Com caracterstica inovadora tem-

    se a ateno voltada para as famlias e comunidades, integrando cuidados mdicos

    com promoo e preveno da sade (PAIM, 2011).

    Para atingir esses objetivos, as equipes da ESF devem atuar no seu territrio

    de cobertura, atravs do cadastro de domiclios e diagnstico de situaes e

    problemas locais. Esse mapeamento realizado de maneira a identificar

    caractersticas importantes de cada rea, desde seu contexto histrico poltico at os

    aspectos geogrficos e sociais. Os profissionais desenvolvem aes dirigidas aos

    problemas de sade de maneira pactuada com a comunidade onde esto atuando, a

    partir de atividades que tem como foco a famlia e a comunidade, buscando a

    integrao com instituies e organizaes sociais com uma perspectiva intersetorial

  • 34

    e integrada (BRASIL 2006). O atendimento prestado pela equipe na unidade de

    sade ou nos domiclios, onde se tem a criao de vnculos com a populao

    cadastrada, facilitando a identificao, o atendimento e o seguimento dos problemas

    de sade dos moradores da comunidade (MANUAL OPERACIONAL DA FASE 2 DO

    PROJETO DE EXPANSO E CONSOLIDAO DA SADE DA FAMLIA

    PROESF, 2009).

    As equipes sade da famlia so multiprofissionais, formadas por, no mnimo,

    um mdico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem ou tcnico de enfermagem e

    quatro a seis agentes comunitrios de sade (ACS), podendo ter tambm a

    presena de um cirurgio dentista e um agente de sade bucal. Estas devem ser

    responsveis por, no mximo, 4.000 habitantes (recomendado 3.000 habitantes). O

    nmero de ACS deve ser suficiente para cobrir 100% da populao cadastrada,

    sendo estimado um nmero mximo de 750 pessoas para cada ACS (BRASIL

    2006).

    A ESF tem se expandido consideravelmente, sobretudo nos ltimos anos,

    atingindo, em setembro de 2008, quase 50% da populao brasileira, com 29.149

    equipes sade da famlia em atividade (MANUAL OPERACIONAL DA FASE 2 DO

    PROJETO DE EXPANSO E CONSOLIDAO DA SADE DA FAMLIA

    PROESF, 2009). O processo de estruturao da ESF pode ser dividido em trs

    etapas: fase de constituio (1994-1998), fase de expanso (1999-2003) e fase de

    consolidao (2004-2008). Houve grande evoluo da cobertura da ESF durante

    essas trs fases, iniciando em 1994 com uma cobertura de mais de 1 milho de

    habitantes com evoluo progressiva, alcanando em 2008 aproximadamente 94

    milhes de habitantes, como observado na Figura 3. Em 2010 a cobertura era cerca

    de 98 milhes de pessoas em 85% (4.737) dos municpios brasileiros (PAIM, 2011).

    Portanto, a ESF j uma realidade, com cerca de trinta e uma mil equipes

    implementadas at abril de 2011, e muitos esforos tem sido realizados na busca

    por aprimoramento deste modelo (BRASIL, 2011).

  • 35

    Figura 3 Populao coberta (nmero absoluto em milhes) pela Sade da Famlia, Brasil, 1994-2008.

    Fonte: Secretaria de Vigilncia em Sade / MS.

    A ateno primria, nesta poltica, supostamente dar conta de cerca de 80%

    dos problemas de sade da sua clientela adscrita. Para isto necessita do apoio de

    uma rede de sade funcionante (MENDES, 2010). Os profissionais da ESF devem

    ser capazes de planejar, organizar, desenvolver e avaliar aes para as

    necessidades da populao, atuando de acordo com as premissas desse modelo

    (COTTA, 2006). Importantes iniciativas tm sido elaboradas para dar suporte s

    equipes da ESF, como no caso do matriciamento para problemas envolvendo a

    sade mental, e os Ncleos de Apoio Sade da Famlia (NASFs), com incentivos

    do governo federal (BEZERRA, 2008; MNGIA, 2008). Contudo, a ESF ainda

    apresenta inmeros obstculos que ainda a distanciam de suas premissas, como a

    sobrecarga de trabalho como barreira humanizao, dificuldade em superar a

    fragmentao do trabalho e iniciar uma prtica interdisciplinar, problemas no

    entrosamento ou na diviso de tarefas e baixa infraestrutura. (TRAD, 2011). No caso

    especfico da abordagem s afeces da pele, a pouca integrao das unidades

    com a rede de sade e o pouco investimento na formao das equipes acabam por

    prejudicar essa ateno.

  • 36

    Atravs da viso sugerida pelas ESF, seria possvel desenvolver aes que

    envolvessem equipes de sade, instituies parceiras e a comunidade, afim de que

    melhorias possam ser alcanadas, como por exemplo, prticas de educao

    continuada / permanente para os profissionais, capacitaes e treinamentos

    direcionados s equipes, programas de orientao para a populao. Isso vem

    sendo feito mas ainda so necessrios maiores investimentos e incentivo por parte

    dos gestores com a finalidade de melhorar a assistncia sade, principalmente no

    que diz respeito a preveno e promoo (BESEN, 2007).

    5.2 Dermatologia na Estratgia Sade da Famlia ateno s

    afeces da pele (assistncia, preveno e promoo) e

    educao continuada e permanente em sade

    Queixas relacionadas s afeces da pele, mucosa, cabelos e unhas so

    comumente encontradas na ateno primria e mdicos no dermatologistas so

    responsveis por quase 60% desses atendimentos (FEDERMAN, 1999). Estima-se

    que cerca de 90% desses pacientes so mal diagnosticados e seus casos mal

    conduzidos, o que acaba gerando um nus ao sistema de sade e sociedade

    (HILETEWORK, 1998).

    Com escasso conhecimento e habilidades, muitos profissionais no-

    especialistas podem minimizar ou confundir afeces da pele, benignas ou no,

    devido sua aparncia inocente, evoluo crnica das doenas ou ausncia de

    sintomas. Alm da valorizao insuficiente e da falta de meios para enfrentar

    problemas da pele em nvel familiar e comunitrio, mdicos generalistas podem

    super diagnosticar algumas afeces dermatolgicas, como eczemas, verrugas e

    doenas infecciosas em detrimento de outros possveis diagnsticos, inclusive

    neoplasias, levando demora no incio da teraputica e pior prognstico

    (FLEISCHER, 1997; CHEN, 2006). Vale ressaltar que um percentual importante

    destas patologias envolve doenas graves, incapacitantes e de mal prognstico,

    algumas vezes com envolvimento sistmico, com necessidade de diagnstico

    precoce, abordagem ampliada e integral e encaminhamento adequado (LOWELL,

    2001; SANTOS JUNIOR, 2007). Como exemplos podem ser citados o lpus

  • 37

    eritematoso sistmico, hansenase, esclerodermia, dentre outras. Nestes casos a

    deteco precoce fundamental para o paciente e sua famlia.

    Apesar do desconforto e possvel estigma derivados de inmeras doenas de

    pele, que podem ser contagiosas e apresentam sinais bem visveis como manchas,

    lceras e tumores, e desagradveis sintomas como prurido e dor, a abordagem das

    afeces de pele permanece interessando primordialmente aos especialistas. Existe

    uma procura elevada por atendimento especializado que poderia ser minimizada

    pelo adequado treinamento terico e prtico sobre o tema na ateno primria,

    abrangendo todas as etapas da assistncia, da preveno e promoo.

    Portanto, razovel esperar de generalistas o diagnstico e

    acompanhamento das afeces da pele mais comuns, como acne, eczemas e

    infeces fngicas e bacterianas e o adequado reconhecimento de sinais indicativos

    de malignidade nas leses de pele. Alm disso, a correta avaliao de cada caso

    possibilitar a formulao de hipteses diagnsticas, permitindo uma triagem

    adequada dos pacientes, separando os que sero seguidos e tratados na unidade

    dos que necessitam de referncia para servios especializados. Esses profissionais

    devem ainda ser capazes de reconhecer sinais de doenas sistmicas relativamente

    comuns com repercusso cutnea (SANTOS JUNIOR, 2007). Quanto atuao da

    equipe, esperada a elaborao de aes que integrem questes relacionadas

    preveno e promoo da sade (LIMA, 2007). Porm, no caso das afeces da

    pele essas duas abordagens costumam ser pouco exploradas na rotina de trabalho

    desses profissionais.

    Atravs da viso sugerida pelas premissas da ESF, seria possvel

    desenvolver aes que envolvessem equipes de sade, instituies parceiras e a

    comunidade, afim de que melhorias possam ser alcanadas (LOWELL, 2001), como

    por exemplo, atividades escolares sobre meio ambiente e sade, programas de

    orientao sobre fotoproteo, orientaes sobre destino do lixo, acesso a gua

    tratada e promoo de um ambiente saudvel.

    Poucos discordariam que as afeces da pele esto presentes de maneira

    freqente entre os problemas de sade na ateno primria em muitos dos

    territrios em que atuam equipes de Sade da famlia. Mesmo assim, no Brasil, at

  • 38

    o momento, poucas so as ferramentas elaboradas para subsidiar a abordagem das

    afeces de pele por profissionais no especialistas, sendo uma delas uma

    publicao do Ministrio da Sade chamada Dermatologia na Ateno Bsica de

    Sade, de 2002 (BRASIL, 2002). O material disponibiliza informaes sobre um

    nmero considervel de patologias dermatolgicas (quarenta), algumas pouco

    freqentes e de abordagem bastante complexa, como anthrax, doena de lyme e

    leishmaniose tegumentar americana. Outras de grande prevalncia e incidncia,

    como acne e neoplasias cutneas, no so sequer citadas. Capacitaes e

    treinamentos direcionados s equipes da ESF no costumam contemplar aspectos

    da ateno s afeces da pele, principalmente sob a tica da preveno destes

    agravos e promoo da sade. Outra ferramenta de gesto clnica disponvel o

    apoio matricial, muito pouco utilizado para a abordagem das afeces da pele, com

    potencial para aumentar a resolutividade da ateno primria. O apoio matricial

    uma estratgia para contribuir com o bom funcionamento da rede. Trata-se de um

    trabalho complementar ao das equipes da sade da famlia, partindo das

    necessidades individuais identificadas, objetivando-se a melhoria da linha de

    cuidado (CAMPOS, 2007). Alguns exemplos para o auxlio ao cuidado s afeces

    da pele seriam a implantao de lupas nos consultrios para uma melhor

    visualizao das leses, teledermatologia e teledermatoscopia (MIOT, 2005).

    A alta prevalncia das doenas de pele e a grande procura pela especialidade

    evidenciam a relevncia da dermatologia nos atendimentos na rede do Sistema

    nico de Sade (BRASIL, 2002), cada vez mais atentos para a preveno. Refora

    tambm o importante papel inerente aos conhecimentos da Dermatologia na prtica

    clnica do mdico generalista, o que se constitui em elemento a ser valorizado na

    formao mdica e na implantao rotineira de novas ferramentas, tais como

    prticas de educao continuada e permanente em sade, contribuindo assim, para

    o melhor desempenho dessa equipe.

    A partir das dificuldades enfrentadas na ateno primria acerca da

    preveno, do correto diagnstico e conduta frente s afeces dermatolgicas, faz-

    se necessrio ampliar o dilogo entre servios, aparelho formador e especialidades,

    numa nova e necessria abordagem integral, e da garantia da resolutividade da

    porta de entrada do sistema de sade (JANAUDIS, 2010). A Sociedade Brasileira de

  • 39

    Dermatologia promove h alguns anos a Campanha Nacional de Preveno ao

    Cncer da Pele, onde mdicos dermatologistas examinam a populao e orientam

    sobre hbitos de vida, como a exposio solar, conscientizando-os sobre o

    problema, o que cria um ambiente favorvel a iniciativas de preveno primria

    (SBD, 2006). Outras iniciativas como a oferta de atividades de educao continuada

    e/ou permanente (CARVALHO, 2011, BRASIL, 2009) sobre conhecimentos e

    habilidades para o enfrentamento das afeces da pele, inquritos comunitrios para

    estabelecer a prevalncia de algumas doenas, desenvolvimento de material

    didtico, aes de preveno e promoo j so realizadas e devem ser

    estimuladas, inclusive envolvendo alunos de graduao. O estudo e a prtica do

    cuidado com a pele no podem ficar de fora deste novo modelo de assistncia,

    necessitando de clareza sobre sua importncia na garantia do direito sade e

    qualidade de vida.

  • 40

    6. A DERMATOLOGIA NA FORMAO DO MDICO GERAL

    Com a criao das escolas de ensino superior no sculo XII na Europa, inicia-

    se um pensamento mdico racional fundamentado em Hipcrates, que propunha

    uma formao englobando aspectos tericos e prticos. Aps a poca moderna,

    mudanas substanciais no processo de formao mdica passaram a ocorrer, sendo

    implementado o mtodo cientfico (SILVA, s/d). No sculo XVIII comeam a surgir

    uma srie de estudos sobre a educao e formao dos profissionais de sade,

    liderada principalmente pelo relatrio Flexner (1910). As reformas eram inovadoras

    para a ocasio, caracterizadas especialmente pela formao hospitalocntrica e pela

    fragmentao do saber mdico. O ensino proposto era conteudista, focalizando as

    disciplinas denominadas como bsicas - anatomia e fisiologia - e centrado no

    tratamento medicamentoso do doente. As especialidades mdicas surgem nesta

    poca como uma proposta de modelo para a formao profissional (FRENK, 2010;

    REGO, 2005; SILVA s/d).

    Mudanas curriculares na graduao do curso mdico vm ocorrendo desde

    ento. Os modelos inicialmente propostos para ensino pareciam no dar conta das

    amplas questes atuais que envolvem a sade individual e comunitria, levando em

    considerao as relaes entre os indivduos, os grupos e a sociedade. Outro ponto

    fundamental na reviso da adequao dos modelos de sade que priorizam o foco

    na doena diz respeito aos elevados custos gerados pelo mesmo (REGO, 2005). As

    novas exigncias sociais acabaram por tambm determinar uma profunda reviso

    nas prticas do profissional mdico, com necessidade de permanente atualizao

    crtica de suas competncias cientficas, tcnicas e morais (REGO, 2005). Estas

    mudanas de valores acabam por exigir uma diferenciao na formao mdica

    clssica, menos especializada ou mais generalista e humanista, com conseqente

    reflexo dos currculos atualmente em curso. O objetivo destas modificaes seria

    dotar o profissional de algumas habilidades relacionadas ateno integral -

    preveno, promoo, proteo e reabilitao da sade (CONSELHO NACIONAL

    DE EDUCAO, 2001).

  • 41

    Apesar destas demandas sociais e das sucessivas revises curriculares,

    ainda existe uma forte tendncia entre os graduandos para a especializao precoce

    nas diversas reas do conhecimento mdico, o que pode levar ao comprometimento

    da formao mdica geral, comprometida com a identificao e atendimento das

    necessidades de sade da populao. Este prejuzo pode se manifestar inclusive no

    exerccio da especialidade eleita como preferencial pelo estudante, que pode adotar

    uma viso segmentada das possibilidades de sua atuao. Fica claro que a opo

    por se dedicar a determinada especialidade desde a fase inicial da graduao, pode

    implicar em grandes riscos para uma formao mdica restrita e incompleta

    (RIBEIRO, 2009). Em estudo com 1004 formandos em Medicina em seis estados

    brasileiros, apenas 19% se sentem aptos para o incio de sua carreira imediata e

    64% mostram desejo pela escolha de uma especialidade (OLIVEIRA, 2011).

    Parece que em algumas especialidades mdicas essas dificuldades so ainda

    maiores, como no caso da dermatologia, que continua sendo identificada como uma

    especialidade isolada ao longo do curso, com dificuldade de integrao tanto vertical

    quanto horizontal no currculo. Mesmo quando o aluno faz a escolha precoce por

    esta especialidade, no encontra ao longo do curso muito espao para o seu

    aprendizado. A disciplina permanece com pouca carga horria durante a graduao,

    mesmo em currculos mais recentes (KALIYADAN, 2010, GONALVES, 1989) e

    dificilmente observa-se a discusso de afeces dermatolgicas fora do mbito da

    especialidade. Pesquisa realizada nos Estados Unidos mostrou que 98% dos

    mdicos tiveram entre nenhuma e quatro semanas de ensino da dermatologia at a

    concluso da graduao e 22% destes relatam pouca experincia no tratamento das

    doenas dermatolgicas (SOLOMON, 1996; CIRACY, 1980). Alm disso, pouca ou

    nenhuma ateno dada aos aspectos de preveno destes agravos ou s

    questes relacionadas promoo da sade, em contraponto com as premissas de

    uma formao ampliada e generalista onde esses aspectos so altamente

    valorizados.

    Estudos indicam que profissionais da rea de sade em vrias localidades

    no tm o domnio terico-prtico esperado para a conduo das afeces

    dermatolgicas (BARBARULO, 2002; COX, 2010). Por ser uma especialidade de

    diagnstico fundamentalmente baseada em habilidades de inspeo a carncia

  • 42

    observada no perodo da graduao acaba por refletir na prtica clnica ampliada,

    levando a sub deteo de alguns casos. Por esse motivo exige um treinamento

    adequado para o reconhecimento das leses da pele e para que seja possvel

    associ-las a doenas sistmicas quando cabvel (KENET, 1995). Em algumas

    situaes clnicas o atraso no diagnstico pode modificar a evoluo do paciente

    por exemplo, a deteco precoce do melanoma depende muito de treinamento

    prtico e pode impactar de maneira positiva no seu prognstico (CARLI, 2003). No

    incio existe uma dificuldade muito grande em se distinguir um melanoma de um

    nevo melanoctico pela ausncia de sintomas, aparncia inocente e evoluo

    prolongada da leso. Nesses casos a experincia do dermatologista, juntamente

    com exames complementares, como a dermatoscopia e a histopatologia, pode

    facilitar o diagnstico precoce de algumas doenas, aumentando a sobrevida do

    paciente (CHEN, 2006). Ao generalista caberia o adequado reconhecimento de

    sinais indicativos de malignidade nas leses de pele e o correto referenciamento

    para o especialista quando necessrio.

    A capacidade diagnstica do Melanoma foi avaliada em um estudo com 216

    mdicos, no qual 47% eram dermatologistas e o restante generalista. Para os

    dermatologistas a correlao entre o risco percebido de melanoma e a deciso de

    uma bipsia da leso foi 0,91 e para os generalistas, a correlao tambm foi

    positiva, mas apenas 0,68. Essa diferena foi estatsticamente significativa e indica

    menor consenso entre a percepo de a leso possuir caractersticas de um

    melanoma e a deciso de intervir cirurgicamente. O estudo mostrou ainda que o

    especialista em dermatologia apresenta maior eficcia em at 50% no diagnstico

    do melanoma em comparao ao generalista (CHEN, 2006). Est claro que a

    facilidade deveria ser realmente do especialista, mas existe necessidade de rever as

    competncias do generalista na abordagem desses casos e implantar aes para a

    melhoria da ateno s afeces da pele. O envolvimento de toda a equipe,

    instituies parceiras e a comunidade poderiam colaborar com campanhas para

    deteco precoce do cncer de pele, principalmente o melanoma, j que apresenta

    alta mortalidade. A suspeita de um melanoma quando uma leso antiga e benigna

    comea a modificar, tornando-se assimtrica, bordas irregulares, com mais cores e

    crescimento rpido pode ocorrer por parte de vrios membros da equipe.

  • 43

    O importante papel inerente aos conhecimentos da especialidade na prtica

    clnica do mdico generalista se constitui em elemento central a ser considerado na

    discusso sobre a formao mdica e o treinamento oferecido aos profissionais da

    ateno primria.

  • 44

    7. MTODOS

    7.1 Tipo de Estudo

    Foi realizado um estudo com abordagem qualitativa, do tipo exploratrio,

    utilizando como mtodo para a coleta de dados o grupo focal e um questionrio

    aberto auto preenchido, realizados com os profissionais da Estratgia Sade da

    Famlia das unidades selecionadas. A pesquisa qualitativa se preocupa com um

    nvel de realidade que no pode ser quantificado. Trabalha com o universo de

    significados, motivos, crenas, valores e atitudes (Minayo, 2003).

    7.2 Cenrio do Estudo

    O estudo foi realizado no municpio do Rio de Janeiro, onde a ESF est em

    processo de expanso, atingindo em Janeiro de 2011 um total de 91 unidades com

    356 equipes da sade da famlia, o que corresponde a uma cobertura de

    aproximadamente 24% da populao (SMS, 2011). O municpio dividido em 5

    reas de Planejamento (AP), conforme descrio (Figura 3):

    - AP 1 Porturia, Centro, Rio Comprido, So Cristvo, Paquet e Santa Teresa

    - AP 2:

    - AP 2.1 Botafogo, Copacabana, Lagoa e Rocinha

    - AP 2.2 Tijuca e Vila Isabel

    - AP 3:

    - AP 3.1 Ramos, Penha, Ilha, Complexo do Alemo e Mar

    - AP 3.2 Inhama, Mier e Jacarezinho

    - AP 3.3 Iraj, Madureira, Anchieta e Pavuna

    - AP 4 Jacarepagu, Barra da Tijuca e Cidade de Deus

    - AP 5:

    - AP 5.1 Bangu e Realengo

    - AP 5.2 Campo Grande e Guaratiba

    - AP 5.3 Santa Cruz

  • 45

    Essa diviso tem como objetivos orientar a expanso da ocupao urbana, as

    aes de planejamento, a regulamentao e a aplicao dos instrumentos da

    Poltica Urbana, alm de indicar as prioridades na distribuio dos investimentos

    (SMS, 2011).

    Figura 4 Municpio do Rio de Janeiro - Diviso Administrativa: reas de Planejamento - APs, Regies Administrativas - RAs e Bairros 2010. Fonte: SMS, 2010.

    Para a escolha das equipes foram considerados alguns critrios de incluso:

    presena de equipe completa, com profissionais atuando h pelo menos dois anos

    na ESF. Esse perodo foi definido por ser considerado o tempo mnimo suficiente

    para que os profissionais j possam ter entrado em contato com a realidade da rea

    adscrita e com suas condies sociais e de sade. Vale reforar que devido ao

    pouco tempo da ESF no Rio, seria difcil encontrar profissionais com tempo maior.

  • 46

    Foi definida a necessidade de duas unidades para a pesquisa, sendo uma

    unidade localizada em uma rea de fcil acesso especialistas em dermatologia e

    outra com restries a esse acesso. Essa escolha permitiria avaliar o quanto a

    facilidade de acesso ao especialista poderia modificar a percepo dos profissionais

    quanto rotina / fluxo de atendimentos aos pacientes com afeces da pele, suas

    necessidades e dificuldades.

    A fonte de consulta s equipes que preenchiam estes critrios foi realizada

    por meio de contato telefnico com um profissional da rea da gesto da Secretaria

    Municipal de Sade e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC RJ), responsvel pela

    gerncia da Coordenao da Linha de Cuidado na Sub-secretaria de Ateno

    Primria e Vigilncia e Promoo da Sade. Foram sugeridas por este profissional

    algumas unidades com o perfil previamente estabelecido, a saber.

    - Com fcil acesso especialidade: CMS Vila Canoas, Clnica Sade da

    Famlia Cantagalo Pavo Pavozinho e CMS Maria do Socorro.

    - Com restrio de acesso especialidade: CMS Novo Palmares, CMS Ilha

    de Guaratiba e CMS Olmpia Esteves.

    Dentre as unidades sugeridas s foi possvel o contato telefnico com os

    coordenadores de duas unidades: Clnica Sade da Famlia Cantagalo Pavo

    Pavozinho e CMS Novo Palmares, escolhidos como cenrio para a realizao da

    pesquisa. Portanto, a escolha da amostra foi intencional.

    A Clnica Sade da Famlia Cantagalo Pavo Pavozinho foi inaugurada em

    2009 no bairro de Copacabana. Pertence rea de Planejamento 2.1 e composta

    por trs equipes da ESF com todas as categorias profissionais, onde exercem

    regularmente suas atividades trs mdicos, trs enfermeiros, trs tcnicos em

    enfermagem, dois cirurgies dentistas e dezoito agentes comunitrios. Funciona

    dentro do Centro Integrado de Polticas Sociais Sebastio Theodoro Filho, que alm

    das equipes da ESF compreende o Centro de Referncia da Assistncia Social

    (CRAS), que inclui programas e projetos como Bolsa Famlia Carioca, Projovem,

    Banco Carioca de Bolsas de Estudo e Rio Experiente (para a terceira idade). A

    comunidade apresenta cerca de 12 mil pessoas, com 8488 (70,73%) desses

  • 47

    cadastrados na Clnica da Famlia (SMS, 2011). Esta unidade foi considerada como

    tendo facilidade de acesso especialidade, j que tem como referncia o CMS Joo

    Barros Barreto, tambm localizado em Copacabana.

    No ano de 2007, mais precisamente em Julho, foi inaugurado na comunidade

    Novo Palmares um novo sistema de sade, o Centro Municipal de Sade Novo

    Palmares. Localizado no bairro de Vargem Pequena, com IDH 0,74, pertence rea

    de Planejamento 4.0. A unidade composta por duas equipes com todas as

    categorias profissionais, sendo dois mdicos, dois enfermeiros, dois tcnicos em

    enfermagem, um cirurgio dentista, um auxiliar de consultrio dentrio e doze

    agentes de sade. Hoje, com quatro anos de existncia, apresentam uma cobertura

    de 50% da populao pertencente rea de atuao (SMS, 2011).

    7.3 Sujeitos envolvidos

    Os sujeitos da pesquisa foram os profissionais das equipes das ESF

    selecionadas, incorporando todas as categorias. Foram convidados a participar da

    pesquisa os profissionais que preenchiam os critrios de incluso, ou seja, trabalhar

    na ESF h pelo menos 2 anos. Participaram mdicos, enfermeiros, tcnicos em

    enfermagem, cirurgies dentistas e agentes comunitrios de sade.

    Ao todo, participaram dos encontros 38 profissionais, sendo 24 (63%) da

    Clnica Sade da Famlia Cantagalo Pavo Pavozinho e 14 (37%) do CMS Novo

    Palmares. Na Clnica Sade da Famlia Cantagalo Pavo Pavozinho houve

    participao de 83% da equipe, sendo trs mdicos, trs enfermeiras, dois cirurgies

    dentistas, trs tcnicos de enfermagem e treze agentes comunitrios. O restante no

    estava presente nos dias dos encontros.

    No CMS Novo Palmares, dos 14 profissionais, dois eram mdicos, duas

    enfermeiras, um dentista, dois tcnicos de enfermagem e sete agentes comunitrios.

    Apesar de todos os profissionais de ambas as equipes estarem presentes nos dias

    foram excludos cinco agentes comunitrios, pois no estavam h mais de dois anos

    na ESF.

  • 48

    7.4 Planejamento e Dinmica da coleta de dados

    A coordenao das equipes selecionadas foi previamente contatada para

    explicitao dos objetivos da pesquisa, quando foi entregue uma carta de

    apresentao pela autora do trabalho e assinado o Termo de Autorizao da

    Unidade. Como foram escolhidas duas unidades em reas de planejamento

    diferentes no municpio do Rio de Janeiro, tambm foi necessria a assinatura do

    Sub-secretrio da ateno primria, para a posterior aprovao do projeto pelo

    Comit de tica em Pesquisa (CEP) da SMSDC/RJ.

    Para estruturar o grupo focal, primeiramente foi importante a elaborao do

    planejamento das sesses. Concluiu-se pela necessidade de realizar pelo menos

    duas sesses em cada unidade para abarcar os aspectos que deveriam ser

    investigados sobre a abordagem s afeces da pele no mbito da ESF. Foram

    definidos os objetivos de cada sesso e elaboradas as questes de orientao.

    Cada sesso foi estruturada atravs de um roteiro especfico (Anexo 2), que previa

    uma hora de durao.

    Cientes de que o local dos encontros deveria favorecer a integrao e a

    comodidade dos participantes, foi construdo em parceria com a coordenao das

    unidades, um cronograma com os melhores horrios e locais para a sua realizao.

    Optou-se por realizar os encontros nas prprias unidades, no horrio das reunies

    de equipe em salas destinadas a este fim.

    A coordenao dos encontros foi realizada pela autora do trabalho. Para o

    registro das atividades foi utilizado gravador digital Panasonic modelo RR-US551,

    disposto adequadamente em relao distribuio dos membros do grupo.

    Anotaes por escrito tambm foram realizadas a fim de auxiliar na etapa de

    anlise. Apenas a autora do trabalho teve acesso ao material e sua transcrio fiel,

    que foi realizada posteriormente gravao.

    Foram realizados dois encontros com cada equipe. Participaram 14

    profissionais do CMS Novo Palmares e 24 da Clnica Sade da Famlia Cantagalo

    Pavo Pavozinho. Os encontros tiveram durao mdia de uma hora cada. Na

  • 49

    primeira sesso foram realizadas a apresentao do trabalho, leitura do termo de

    consentimento, aplicao do questionrio individual e a apresentao das propostas

    do prximo encontro. Na segunda sesso foi realizado o grupo focal com os

    profissionais.

    Aps o trmino da pesquisa, os resultados sero divulgados nas equipes

    selecionadas, atravs de encontros previamente agendados, a fim de repassar os

    dados obtidos. Estes dados podero ser utilizados como instrumentos em atividades

    de Educao em Sade, auxiliando os participantes a entenderem melhor seu papel

    na abordagem populao em questo, no mbito da Ateno Primria.

    7.5 Instrumentos e Coleta de dados

    Foram utilizadas como mtodo para coleta de dados duas estratgias

    distintas, o grupo focal e a aplicao de um questionrio aberto.

    O grupo focal um mtodo de coleta de dados, utilizado na pesquisa

    qualitativa, realizado atravs da interao entre o pesquisador e os participantes

    objetivando-se o entendimento de temas especficos (DE ANTONI, 2001;

    IERVOLINO, 2001). Esse mtodo utiliza a tcnica de encontros com a participao

    de pessoas selecionadas por terem algumas caractersticas em comum, onde

    discutem e comentam temas a partir de suas experincias pessoais, com diversas

    finalidades e em diversos contextos (GOMES, 2005; IERVOLINO, 2001). Uma de

    suas vantagens poder captar as crenas e atitudes presentes entre os

    participantes, o que pensam e aprenderam com as situaes da vida atravs da

    troca de experincias entre eles (DE ANTONI, 2001). Ao pesquisador ou moderador

    cabe criar um ambiente confortvel para que os participantes mostrem seus pontos

    de vista e suas percepes, sem que haja presso ou desconforto, possibilitando a

    troca de sabedorias (IERVOLINO, 2001).

    Antes da realizao do grupo focal foi entregue aos participantes um breve

    questionrio (Anexo 1) com perguntas abertas, auto-preenchido, para que estes

    pudessem ter a oportunidade de expressar sua vivncia individual. Este instrumento

    foi elaborado com questes objetivas para minimizar dvidas, j que seria

  • 50

    preenchido por diferentes categorias profissionais. No questionrio foram abordados

    temas relacionados dinmica de trabalho das equipes em relao s afeces da

    pele, tais como frequncia de observao e caractersticas das afeces da pele no

    dia a dia dos profissionais, dificuldades no acompanhamento dos pacientes com

    essas leses, critrios utilizados para a referncia ao especialista, existncia de

    protocolos de atendimento, apoio e recursos necessrios para o acompanhamento

    desses pacientes. O preenchimento do questionrio pelos profissionais durou cerca

    de 15 minutos.

    O grupo focal teve durao de aproximadamente uma hora. Para sua

    realizao foram elaboradas trs situaes problema, conforme Anexo 2. O objetivo

    dessas situaes foi estimular os participantes a discutirem os temas previamente

    estabelecidos, saber: percepo dos profissionais acerca das afeces da pele, rede

    de ateno s afeces da pele, possibilidades de atuao na ESF e formao dos

    profissionais.

    7.6 Anlise

    Para a anlise do questionrio foi realizada a leitura de todas as respostas,

    seguida da categorizao dos dados coletados atravs de agrupamentos temticos

    surgidos com o referencial terico (BARDIN, 2004). Assim, foi possvel avaliar a

    freqncia das respostas obtidas em cada tema observado.

    Para a anlise dos problemas considerados prioritrios no grupo focal foi

    utilizado o desenho metodolgico de BARDIN (2004), por meio da anlise de

    contedo temtica, que relaciona estruturas semnticas (significantes) com

    estruturas sociolgicas (significados) dos enunciados. Alm disso, articula a

    superfcie dos textos descritos com os fatores que determinam suas caractersticas.

    A anlise de contedo um conjunto de tcnicas de avaliao das comunicaes

    com o objetivo de superao da incerteza e o enriquecimento da leitura. A inteno

    deste mtodo a inferncia de conhecimentos relativos s condies de produo

    do texto (BARDIN, 2004).

  • 51

    7.7 Identificao das categorias de anlise

    As informaes coletadas foram devidamente organizadas e sistematizadas,

    estabelecendo as questes prioritrias relatadas por cada profissional ao longo dos

    encontros. Foi realizada ainda a avaliao da freqncia dos ncleos de

    pensamentos, onde foram elencadas algumas categorias de anlise, conforme

    abaixo explicitadas:

    - Percepo sobre a assistncia s afeces da pele;

    - Condies da abordagem s afeces da pele pelos profissionais da ESF;

    - Prevalncia das afeces da pele;

    - Percepo sobre os critrios de referncia ao especialista;

    - Possibilidades de aes de promoo e preveno em sade relacionadas

    s afeces da pele;

    - Papel dos ACS na ateno s afeces da pele;

    - Ateno s afeces da pele;

    - Capacitao aos profissionais da ESF em dermatologia;

    - Dermatologia na formao superior;

    - Fontes de consulta.

    7.8 Aspectos ticos

    O presente trabalho foi enviado ao CEP/SMSDC-RJ (Comit de tica em

    Pesquisa / Secretaria Municipal de Sade e Defesa Civil RJ), sendo aprovado em

    20/06/2011, com o protocolo de pesquisa n 78/11 e CAAE n 0017.0.314.308-11

    (Anexo 3). O CEP localizado na Rua Afonso Cavalcante, 455, sala 710, Cidade

  • 52

    Nova RJ, e-mail: [email protected], telefone (21) 39711463, estando de acordo

    com a Resoluo CNS/MS N 196/96.

    Ao serem convidados a participar do estudo, alm de serem informados dos

    objetivos e das questes ticas foi apresentado e assinado pelos participantes o

    termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo 4).

    O trabalho no trouxe riscos aos sujeitos, trazendo benefcios coletivos.

    mailto:[email protected]

  • 53

    8. RESULTADOS E DISCUSSO

    8.1 Avaliao do questionrio individual auto-preenchido

    Foi aplicado um questionrio auto-preenchido, anterior realizao do grupo

    focal, aos profissionais das unidades da ESF. Era esperado que os profissionais

    pudessem ter um espao, desta vez mais individualizado, para expressar suas

    experincias sobre a assistncia aos pacientes com afeces da pele. Como as

    perguntas eram objetivas, as respostas tambm foram curtas e diretas. O que se

    queria obter era um panorama sobre o que acontece na ESF em relao ao

    atendimento dermatolgico sob o olhar de cada um.

    O questionrio foi aplicado na totalidade dos participantes dos grupos focais

    (38 profissionais) nas unidades da ESF selecionadas, dentre os quais, a maioria era

    do sexo feminino e apresentava o 2 grau completo, conforme Tabela 6.

    Tabela 6 Perfil dos profissionais das unidades da ESF, 2011.

    Sexo Escolaridade Total

    Feminino Masculino 2 grau

    completo superior completo

    CMS Novo Palmares 11 3 9 5 14

    CF Cantagalo Pavo Pavozinho 19 5 16 8 24

    Total 30 8 25 13 38

    Fonte: Questionrio aplicado s equipes das ESF, 2011.

    A maioria dos profissionais (33) respondeu que as afeces da pele so

    freqentes, ocorrendo sempre ou s vezes como queixa dos usurios que procuram

    atendimento na unidade. Essa percepo da equipe corrobora com a freqncia

    apontada na seo 4, onde cerca de 30-55% da populao acometida por estas

    afeces (WILLIAMS, 2004). Essa observao pode variar consideravelmente nas

    unidades da ateno primria, j que se trata de uma percepo dos profissionais

    das unidades pesquisadas. Conforme j comentado anteriormente, a deteco das

  • 54

    afeces de pele dependente de inmeros fatores, desde o treinamento, at a

    sensibilizao dos profissionais.

    Com relao s patologias mais observadas, em primeiro lugar foi relatado

    impetigo, seguido de manchas e micoses. Isso parece reforar a observao

    levantada anteriormente de que os profissionais da ateno primria tendem a

    superdiagnosticar algumas patologias, como infeces bacterianas e fngicas em

    detrimento de outros possveis diagnsticos (FLEISCHER, 1997; CHEN, 2006). Ou,

    se estes profissionais estiverem certos quanto s patologias observadas, ser que

    os pacientes graves no procuram a ESF? Ser que esses pacientes j tm a

    cultura de procurar o especialista e, por isso, no vo ESF? Cabe reforar que

    ainda sero necessrios outros estudos para essas respostas.

    Dentre as dificuldades referidas para o seguimento dos pacientes com

    afeces de pele, a mais citada - por 19 membros da equipe - foi a falta de

    profissionais especialistas, seguida da falta de saneamento bsico na rea e

    precrias condies de higiene dos pacientes. Atravs da viso sugerida pelas

    premissas da ESF seria possvel desenvolver aes que envolvessem equipes de

    sade e a comunidade, como por exemplo programas de orientao de hbitos de

    vida saudvel, atividades escolares sobre meio ambiente e sade e reinvindicao

    de saneamento bsico, podendo assim, minimizar a necessidade de especialistas

    para os problemas de menor complexidade. (LOWELL, 2001). A ausncia de

    programas educao em sade e o no funcionamento do sistema de referncia e

    contra-referncia tambm apareceram como respostas, porm de forma menos

    frequente. Apesar de ainda solicitarem especialistas