supremo tribunal de justiça processo nº 2455/13.4yylsb-a

21
Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A.L1.S1 Relator: ANTÓNIO PIÇARRA Sessão: 13 Julho 2017 Número: SJ Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA DECISÃO ARBITRAL IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTOS ENUMERAÇÃO TAXATIVA PRESCRIÇÃO PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO REGIME APLICÁVEL ACÇÃO DE ANULAÇÃO AÇÃO DE ANULAÇÃO RECURSO DA ARBITRAGEM OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO ERRO DE JULGAMENTO RENÚNCIA EQUIDADE CONHECIMENTO DO MÉRITO Sumário I – Não obstante a sentença arbitral ter sido proferida em 02.12.2012, já depois da entrada em vigor da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV), a sua (in)validade terá de ser analisada à luz da anterior LAV, a Lei nº 31/86, de 29 de Agosto. II – De acordo com a disposição transitória do artº 4º, nº 1, da actual LAV (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro), conjugada ainda com os artºs 6º desse diploma legal e 33º da actual LAV, o seu regime aplica-se apenas aos processos arbitrais cujo pedido de submissão a árbitros haja chegado ao conhecimento do demandado após 14 de Março de 2012. 1 / 21

Upload: others

Post on 16-Oct-2021

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

Supremo Tribunal de JustiçaProcesso nº 2455/13.4YYLSB-A.L1.S1

Relator: ANTÓNIO PIÇARRASessão: 13 Julho 2017Número: SJVotação: UNANIMIDADEMeio Processual: REVISTADecisão: NEGADA A REVISTA

DECISÃO ARBITRAL IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTOS

ENUMERAÇÃO TAXATIVA PRESCRIÇÃO

PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA

SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO REGIME APLICÁVEL

ACÇÃO DE ANULAÇÃO AÇÃO DE ANULAÇÃO

RECURSO DA ARBITRAGEM OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO

ERRO DE JULGAMENTO RENÚNCIA EQUIDADE

CONHECIMENTO DO MÉRITO

Sumário

I – Não obstante a sentença arbitral ter sido proferida em 02.12.2012, já

depois da entrada em vigor da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV), a sua

(in)validade terá de ser analisada à luz da anterior LAV, a Lei nº 31/86, de 29

de Agosto.

II – De acordo com a disposição transitória do artº 4º, nº 1, da actual LAV (Lei

nº 63/2011, de 14 de Dezembro), conjugada ainda com os artºs 6º desse

diploma legal e 33º da actual LAV, o seu regime aplica-se apenas aos

processos arbitrais cujo pedido de submissão a árbitros haja chegado ao

conhecimento do demandado após 14 de Março de 2012.

1 / 21

Page 2: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

III – O marco temporal determinante da aplicação desse regime é, pois, o do

inicio do processo arbitral que abrange tanto a fase constitutiva da arbitragem

quanto a sua fase processual, irrelevando, para esse efeito, quer a data da

sentença exequenda, quer a da instauração da execução.

IV – A anterior LAV (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto) contempla os seguintes

meios impugnatórios da decisão arbitral):

a) A acção de anulação da decisão dos árbitros (no prazo de um mês a contar

da notificação da decisão arbitral);

b) O recurso para o Tribunal da Relação (caso a ele as partes não tiverem

renunciado); e

c) A oposição à execução da decisão arbitral.

V – A diferença entre as duas figuras referenciadas em a) e b) não se cinge

apenas à circunstância de a primeira configurar uma acção e a segunda

configurar uma acção e a segunda ser um recurso, estendendo-se a um

conjunto de outros aspectos relevantes.

VI – Assim, no caso de recurso é o próprio mérito da sentença arbitral, o seu

sentido ou efeito, que é questionado, por os árbitros terem cometido um error

in judicando, erro de julgamento de facto ou de direito, independentemente de

respeitar ao fundo da causa, às leis substantivas aí (des)apilicadas ou, antes,

aos respectivos pressupostos processuais (às leis adjectivas).

VII – Na impugnação, pelo contrário, não se discute (senão indirectamente) o

sentido da sentença arbitral (se a condenação ou a absolvição são devidas),

discutem-se, sim, os vícios do percurso processual que levou os árbitros até à

sentença. Nela, está em causa o chamado erro in procedendo, reportado à

relação processual de arbitragem (e não à relação substantiva aí pleiteada)

podendo, nessa medida e de acordo com o artº 27º da LAV (Lei nº 31/86 de 29

de Agosto), ter somente os fundamentos aí enunciados.

VIII – No caso, tendo as partes renunciado ao recurso, autorizando o

julgamento segundo a equidade (artº 29º, nºs 1 e 2, da LAV (Lei nº 31/86 de

29 de Agosto), e não tendo sido instaurada a acção de anulação, no mês

subsequente à sentença arbitral, ficou disponível apenas a oposição à

execução.

IX – As decisões dos árbitros só podem ser atacadas, seja em acção de

anulação, seja em embargos (oposição) à execução com fundamento em alguns

dos vícios taxativamente indicados no artigo 27º, nº 1, da LAV (Lei nº 31/86,

de 29 de Agosto), não sendo permitido censurar ou sindicar a legalidade ou

mérito da decisão arbitral, já que a ter ocorrido ilegalidade, isso constituiria

fundamento de recurso, se admissível.

X – O eventual erro resultante da interpretação e aplicação de normas sobre a

2 / 21

Page 3: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

contagem e interrupção do prazo prescricional não integra o núcleo basilar de

princípios e normas fundamentais do ordenamento jurídico, encerrando tão só

contrariedade à lei que, em si mesma, não envolve qualquer ofensa da ordem

pública.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório

I – AA - Sociedade Industrial de Carvões, Lda., com sede em …, instaurou

execução comum para pagamento de quantia certa contra EDP – Gestão da

Produção de Energia, SA, com sede em Lisboa, tendo por base sentença

arbitral datada de 02.12.2012.

A executada deduziu oposição à execução, em 11.03.2013, alegando, em

síntese, que:

Apesar da sentença arbitral dada à execução ter sido proferida já depois da

Lei n.º 63/2011, de 14.12 (NLAV), é aplicável ao caso a Lei n.º 31/86, de 29.08,

sendo a mesma passível de impugnação com fundamento na sua anulabilidade,

nos termos e para os efeitos do artigo 27º daquele diploma.

Foram cumulados ilegalmente juros de mora com a actualização da quantia

indemnizatória fixada na decisão arbitral, pretendendo-se, dessa forma, obter

um benefício ilegítimo no valor de €4.776.248,14, a título de juros de mora

vencidos desde 2005, para o qual inexiste título executivo.

Existe erro de cálculo aritmético da quantia exequenda, quer no que respeita

ao cálculo da actualização das dívidas, quer no que respeita ao início da

contagem dos juros de mora, bem como no que concerne à taxa de juros de

mora aplicada.

A sentença exequenda ofende a ordem pública interna, na medida em que

viola o regime jurídico da prescrição, cujas normas são parte da ordem pública

do ordenamento jurídico português, condenando a ora opoente no pagamento

3 / 21

Page 4: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

de dívidas prescritas, quando a prescrição tinha sido expressamente invocada.

Enferma ainda a sentença de falta ou insuficiência de fundamentação porque

não esclarece a razão pela qual entendeu que nas compras de carvão de 1985

e 1986 havia liberdade de negociação de preço, diversamente do que

entendeu suceder nas compras de 1987.

Viola também a sentença o princípio do dispositivo relativamente a uma

componente do montante indemnizatório.

A peticionada sanção pecuniária compulsória não é devida e, para o caso de

assim não se entender, deverá ser reduzido o seu valor diário para €182,04.

Com tais fundamentos, concluiu pela extinção da instância executiva e pela

improcedência do pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória.

A exequente apresentou contestação a reconhecer a inexistência de título

executivo quanto aos juros moratórios, que apenas são devidos a partir da

decisão actualizadora, refutando, no mais, os fundamentos da oposição, os

quais apenas poderiam ter sido invocados em acção de anulação da sentença

arbitral, ou no prazo de propositura da mesma.

Teve lugar a audiência preliminar, no âmbito da qual foi facultado o exercício

do contraditório no que respeita às questões suscitadas na contestação, após o

que, conhecendo de mérito, foi proferida decisão, datada de 27/05/2015, a

julgar procedente a oposição e a extinguir a execução, quanto aos pedidos de

juros e de fixação de sanção pecuniária compulsória, e, no mais,

improcedente.

Inconformadas, apelaram a executada e a exequente, esta subordinadamente,

tendo a Relação de Lisboa, na improcedência do recurso da primeira e

procedência do interposto pela última, revogado a decisão no tocante à sanção

pecuniária compulsória prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil, que

entendeu ser devida, confirmando-a, no mais.

Persistindo inconformada, interpôs a executada recurso de revista

excepcional, admitido pela formação prevista no art.º 672º, n.º 3, do Cód.

Proc. Civil, confinando-o à «anulação da sentença arbitral envolvendo a

aplicação da lei no tempo, a possível ofensa dos princípios da ordem pública

internacional do Estado Português e a prescrição vista nessa envolvência»

(cfr. fls. 1840 e 1841).

Finalizou a sua alegação, com as seguintes conclusões[1]:

4 / 21

Page 5: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

1. Um dos equívocos em que se incorreu no acórdão recorrido residiu na

suposição de que a Recorrente impugnara a sentença proferida pelo tribunal

da 1.ª instância, com fundamento em deficiente fundamentação da mesma (v.

pág. 36 do acórdão recorrido), quando em nenhum ponto da Apelação da

Recorrente foi tal fundamento invocado e, menos ainda, substanciado.

2. O que a Recorrente procurou fazer nas suas alegações de apelação foi

realçar por que é que o modo errado como o tribunal arbitral havia qualificado

os ilícitos imputados à EDP conduzira a um resultado manifestamente iníquo,

por a haver condenado a indemnizar por práticas negociais ocorridas 26 anos

atrás, sendo que, dada a natureza dos ditos ilícitos, a possibilidade da prova

da justeza da atuação negocial da mesma EDP se havia tornado, ao fim de

tanto tempo, impossível ou ficara, na prática, muito dificultada.

3. Às consequências deste erro de julgamento cometido pelo tribunal arbitral

veio somar-se, agravando-as calamitosamente, outro erro gritante por aquele

tribunal cometido e adiante referido nestas conclusões.

4. Mas, ao procurar evidenciar as consequências gritantemente iníquas de um

e de outro erro que o tribunal arbitral cometeu, a Recorrente esteve sempre e

só a substanciar o único fundamento que na apelação invocara em apoio do

pedido de anulação da sentença arbitral, a saber, a sua contrariedade à ordem

pública do sistema jurídico português.

5. Na sua fundamentação, o tribunal de 1ª instância considerou provados, com

interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos: (i) “A Exequente

deu à execução sentença arbitral proferida em 02.12.2012 da qual foi junta

certidão a folhas 8 e seguintes da execução, que se dá por integralmente

reproduzida;” (ii) “Tal decisão foi proferida no âmbito da arbitragem registada

com o n.º 1…/2010/AHC/AVS, de que foi junta certidão ao requerimento de

oposição, que se dá por integralmente reproduzida.”.

6. Faz parte integrante da certidão da arbitragem (junta aos presente autos),

dada por integralmente reproduzida na ‘fundamentação de facto’ das

respetivas decisões, tanto pelo tribunal de 1.ª instância como pelo Tribunal da

Relação, a certidão emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do …,

Unidade Orgânica 01, junta ao processo arbitral pela AA em 19.01.2011, em

que a Escrivã Adjunta certificou que a Chamada “BB – Companhia Portuguesa

de Produção de Electricidade, SA foi citada em 29/08/2006.”

5 / 21

Page 6: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

7. Atestou-se, por outro lado, no processo arbitral (como prova a respetiva

certidão integral que foi junta aos presentes autos) que a EDP – Gestão de

Produção de Energia, SA sucedeu à BB – Companhia Portuguesa de Produção

de Electricidade, SA, que subscreveu os contratos em questão no processo.

8. Na sentença arbitral, dada por integralmente reproduzida nas

fundamentações de facto das decisões das instâncias, referiu-se, contudo, que

“a certidão extraída da ação nº 1538/05.9BE – que correu termos pelo

Tribunal Administrativo e Fiscal do … – certifica que essa ação foi instaurada

em 5 de Julho de 2005 e que a Demandada (EDP) foi citada em 8 de Julho de

2005.”

9. Ora, esta asserção não tem a menor correspondência no teor da referida

certidão: nela não se certifica que a acção foi intentada em 5 de Julho de 2005,

nem que a Demandada (EDP) foi citada em 8 de Julho de 2005, mas apenas

que a Chamada BB – Companhia Portuguesa de Produção de Electricidade, SA

(a que sucedeu a, de facto, Demandada e ora Executada EDP – Gestão de

Produção de Energia, SA) foi citada em 29 de Agosto de 2006.

10. Tendo considerado, contra o teor expresso do documento autêntico junto

aos autos, que a Demandada EDP – Gestão de Produção de Energia, SA foi

citada em 8 de Julho de 2005, o tribunal arbitral considerou que “o novo prazo

prescricional de vinte anos começou a correr logo após o ato interruptivo

(art.326º,nº1, e art.327º, nº2, do Código Civil), ou seja, a partir da citação da

EDP em 8 de Julho de 2005.”, julgando, por isso, improcedente a excepção de

prescrição deduzida pela Demandada EDP – Gestão de Produção de Energia,

SA.

11. Este erro clamoroso do tribunal arbitral, quanto à data de citação da

Demandada EDP – Gestão de Produção de Energia, SA (BB – Companhia

Portuguesa de Produção de Electricidade, SA), teve como resultado a

condenação da Demandada EDP – Gestão de Produção de Energia, SA no

pagamento de todos os valores peticionados pela Demandante relativos ao ano

de 1985 e aos meses de Janeiro a Agosto de 1986, o que representa mais de

90 % do pedido exequendo, não obstante tais valores não serem juridicamente

exigíveis à Demandada por, quanto aos mesmos, ter decorrido o prazo de

prescrição de 20 anos, sem que se tenha verificado a interrupção ficcionada

pelo tribunal arbitral.

12. Na sentença proferida nos presentes autos, o tribunal de 1ª instância

identificou os erros imputados pela Executada ao tribunal arbitral, entre os

6 / 21

Page 7: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

quais “a indevida consideração de que a prescrição teve lugar em 9 de Julho

de 2005” mas não se pronunciou em concreto sobre os mesmos, por ter

considerado que os fundamentos não integram a “violação da ordem pública

(interna ou internacional) do Estado Português”.

13. Também o Tribunal da Relação de ... ― que na ‘fundamentação de facto’

do seu acórdão se reportou aos factos dados como provados na sentença

proferida em 1ª instância (p. 21 do Acórdão) ― entendeu que o “alegado erro

de julgamento quanto à data em que ocorreu o facto interruptivo da

prescrição, por força do processo que correu termos pelo Tribunal

Administrativo e Fiscal do … (certidão de fls. 1250) não [pode] ser aqui

reapreciado”.

14. Foi, porém, este Tribunal mais longe do que a 1.ª instância, quanto a este

ponto, afirmando não vislumbrar “que a menção da, porventura, errada data

concreta em que ocorreu a citação da ré, na acção que correu termos no

Tribunal Administrativo e Fiscal do …, tenha influenciado decisivamente a

resolução do litígio pelo Tribunal Arbitral, inexistindo qualquer violação de

princípios fundamentais susceptíveis de justificar a anulação da decisão

arbitral que serve de título executivo”.

15. O Tribunal da Relação apenas atendeu ao teor da sentença arbitral ― dada

por reproduzida na ‘fundamentação de facto’ do acórdão que proferiu ― mas

já não ao teor da certidão emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do … –

dada por reproduzida na ‘fundamentação de facto’ do acórdão proferido, como

parte integrante que é da certidão do processo arbitral.

16. Se o Tribunal da Relação tivesse tido em consideração o teor da certidão

emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do …, teria necessariamente

concluído que o tribunal arbitral errara clamorosamente quanto à data em que

a Demandada, ora Executada, BB – Companhia Portuguesa de Produção de

Electricidade, SA (EDP – Gestão de Produção de Energia, SA) foi, na qualidade

de Chamada, citada para a acção que correu termos no Tribunal

Administrativo e Fiscal do …: tal citação teve lugar em 29 de Agosto de 2006 e

não na data considerada pelo tribunal arbitral, de 8 de Julho de 2005.

17. Ora, este clamoroso erro influenciou de forma absolutamente decisiva, em

mais de 9 % do pedido exequendo, a resolução do litígio pelo tribunal arbitral.

18. Face ao exposto, atendendo à factualidade acolhida pelas instâncias em

sede fundamentação de facto das respetivas decisões, entende a Recorrente

que o Supremo Tribunal de Justiça tem todos os elementos de facto

7 / 21

Page 8: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

necessários à verificação e correção do colossal erro cometido pelo tribunal

arbitral cujo resultado é ostensivamente contrário às regras e princípios da

ordem pública do sistema jurídico português.

19. No entanto, caso se entenda que a matéria de facto fixada nas decisões da

instâncias é insuficiente para uma boa decisão do presente recurso,

reconhecendo-se ademais que, os documentos autênticos fazem prova plena

dos factos neles atestados com base nas perceções da entidade

documentadora, pelo que deveriam tanto a 1.ª instância como a Relação de

Lisboa ter feito menção expressa ao teor deste documento, entre os factos que

tinham de considerar-se como provados nos presentes autos, deverá então

esse Supremo Tribunal determinar que a ‘matéria de facto’ fixada pelas

instâncias seja ampliada, no termos do disposto no art. art. 682.º n.ºs 2 e 3, e

art. 674, n.º 3, do CPC.

20. Tal deverá ser determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça, porquanto,

ao omitir essa menção expressa no acórdão sob recurso, o Tribunal da Relação

incorreu no erro previsto no art 674.º, n.º 3 (in fine) do CPC – “erro na fixação

dos factos materiais da causa, com ofensa de disposição legal que fixa a força

probatória de documento autêntico” – erro este de que o Supremo Tribunal de

Justiça pode e deve conhecer, em sede de decisão sobre o presente recurso de

revista, conforme permite essa disposição legal.

21. Mais requer a Recorrente que esse Alto Tribunal, reconhecendo a

existência de tal erro e usando o poder cassatório que lei lhe confere, reenvie

o processo, no termos do art. 682.º n.º 2, do CPC, ao Tribunal da Relação de

…, para que integre o teor do sobredito documento autêntico na factualidade

dada como provada neste processo.

22. Em consequência do exposto, deverá o Supremo Tribunal de Justiça, uma

vez que dispõe dos elementos de facto suficientes para o fazer, definir, desde

já, nos termos do disposto no art 683.º, n.º 1, do CPC, o regime jurídico com o

qual se deverá conformar o Tribunal da Relação na nova decisão a proferir

com base na matéria de facto assim ampliada.

23. Dada a manifesta instrumentalidade desta questão jurídico-processual

relativamente à decisão sobre as questões substantivas que constituem

fundamentos principais desta revista excecional, deve entender-se que

aproveita à primeira o preenchimento dos requisitos específicos desta revista,

que acima se demonstrou quanto às segundas.

8 / 21

Page 9: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

24. É incorreta a asserção contida no acórdão recorrido, de que “as causas de

anulação da decisão arbitral reportam-se à relação processual de arbitragem e

não à relação substantiva pleiteada”, visto que, na apreciação, feita pelo juiz,

do pedido de anulação da sentença arbitral com fundamento em ofensa à

ordem pública existe, necessariamente, um limitado controlo do mérito da

decisão impugnada.

25. Se se admite que a sentença arbitral possa ser impugnada com este

fundamento, não pode recusar-se que o juiz deva aqui emitir um juízo de

mérito, se não sobre o acerto factual e jurídico da decisão arbitral, pelo menos

sobre o resultado por ela produzido (da situação da vida por ela criada).

26. Além daquela incorreta asserção, contém o acórdão recorrido diversas

ambiguidades, traduzidas não só na falta de expresso reconhecimento da

admissibilidade deste fundamento de impugnação de uma sentença arbitral

proferida ao abrigo da LAV de 1986, mas também no facto de se ter aí entrado

na irrelevante (para o caso sub judice) distinção entre “ordem pública interna”

e “ordem pública internacional.

27. A esta inconsistência detetada no acórdão recorrido, acresceu a de nele se

haver convocado o disposto no art. 46.º, n. º 3, b), ii) da LAV de 2011, apesar

de, algumas páginas atrás, se haver aí confirmado o entendimento da 1.ª

instância, de que não era sob a égide desta lei, mas sim da LAV de 1986, que

deveriam obter resposta as questões debatidas nos autos.

28. A “ordem pública” consiste no conjunto de regras e princípios de um

sistema jurídico, que sendo estabelecidos em função de interesses sentidos

pela comunidade como fundamenais, são inderrogáveis pela vontade dos

indivíduos.

29. Sendo a ‘ordem pública’ um fator sistemático de limitação da autonomia

privada, parece inquestionável que essa limitação se imponha tanto às partes,

na sua atuação negocial, quanto aos árbitros (ou juízes), que tenham de julgar

os litígios entre elas surgidos.

30. Em sede de anulabilidade de decisões arbitrais pelos tribunais estaduais, a

noção de ‘ordem pública’ que interessa é a usualmente apelidada de ordem

pública de direito material, a que se referem os arts. 81.º, n.º 1, 182.º, d),

192.º, n.º 2, d), 271.º, 280.º, n.º 2, 281.º, 345.º, 465.º, a), 800.º, n.º 2, 967.º,

1083.º, n.º 2, b), 2186.º, 2230.º, n.º 2, e 2245.º do Código Civil.

9 / 21

Page 10: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

31. No interior do núcleo ou reduto constituído pelas regras ou princípios de

ordem pública de direito material, há que distinguir, como faz a generalidade

da doutrina da especialidade, entre a “ordem pública interna” e a “ordem

pública internacional”.

32. O conceito de “ordem pública internacional” tem um conteúdo mais

restrito do que o de “ordem pública interna”, porque as necessidades do

comércio internacional impõem que, quando o objeto do litígio tem ligações

com outras ordens jurídicas, o sistema jurídico do Estado da sede da

arbitragem seja menos exigente no controlo da conformidade da sentença

arbitral com os seus princípios basilares, do que o seria perante uma situação

puramente interna.

33. Quando estão em causa relações jurídicas ou litígios puramente internos,

isto é, situados inteiramente no âmbito de uma só ordem jurídica (no caso

vertente, a ordem jurídica portuguesa) é a ‘ordem pública interna’ que pode

ser chamada a intervir, para determinar a nulidade ou anulabilidade dos atos

(incluindo decisões arbitrais) que a ofendam; e o que inquestionavelmente

acontece no litígio a que diz respeito o presente recurso.

34. Embora a noção de ‘ordem pública’ que a LAV de 2011 consagrou como

operativa no âmbito do controlo de validade de todas as decisões arbitrais

proferidas em Portugal, mesmo as que tenham versado sobre litígios

domésticos, haja sido a ‘ordem pública internacional’ (de direito material),

essa incorreta opção do legislador não tem nenhuma relevância ou incidência

para decisão dos presentes autos, visto que a nova LAV não é aplicável à

matéria nestes versada.

35. Ainda menor justificação havia para se invocar, como fez o acórdão

recorrido (cfr. pág. 33), o disposto no art. 46.º, n.º 3, b), ii) da atual LAV, por

esta lei não ser aplicável ao caso, como, aliás, o acórdão reconhecera (cfr.

págs. 23 a 25).

36. Mesmo que, porventura, se admitisse o recurso à noção de “ordem pública

internacional” (contemplada no art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV de 2011) para

definir o âmbito da noção de ‘ordem pública’ que deve ter-se por operante na

vigência da LAV de 1986, intervindo aquele conceito como elemento

interpretativo desta noção, ainda então seria idêntica a solução a dar ao

peticionado pela Recorrente nos presentes autos, por a ‘ordem publica

internacional’ do nosso sistema jurídico não pode tolerar que se disponibilize o

10 / 21

Page 11: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

aparelho coercitivo do Estado para impor o cumprimento de uma obrigação

que não é juridicamente exigível.

37. A asserção de que o juiz de anulação não pode proceder ao reexame do

mérito da decisão arbitral impugnada, constitui é uma máxima simplista que

não compatível com uma reflexão aprofundada e aturada sobre esta matéria.

38. Com efeito, reexame do mérito decidido pela sentença arbitral teria e terá

sempre que fazer o juiz a quem é pedida a anulação desta, quer o fundamento

de impugnação invocada seja o de aqui se trata, quer seja o previsto na alínea

b) do n.º 1 do art 27.º da LAV de 1986 – correspondente ao fundamento da

subalínea a) ii) do art 46.º, n.º 3, da LAV de 2011 – ou o previsto na alínea e)

do n.º 1 do art 27.º [ao remeter para o art 23.º, n.º 3] da LAV de 1986 –

correspondente ao art 46.º, n.º 3, a) vi) da LAV de 2011.

39. Por maioria de razão, esse reexame do fundo da causa decidido pelos

árbitros terá de ter lugar no caso de sentença destes ser impugnada por

ofensa à ordem pública, como reconhece a melhor doutrina da arbitragem,

portuguesa e estrangeira.

40. Não pode deixar de ser assim, porque a simples leitura da parte

dispositiva da sentença arbitral não permite, em regra, concluir o que quer

que seja quanto à eventual violação da ordem pública por parte daquela; por

conseguinte, recusar aquele reexame do mérito equivaleria a negar a

possibilidade de a sentença arbitral ser apreciada e controlada à luz deste

fundamento ou a reduzir esse controlo a uma “ficção”.

41. O que é correto defender é, isso sim, que o tribunal estadual não detém o

poder de substituir a decisão do tribunal arbitral sobre o mérito da causa pela

sua própria decisão, ainda que os árbitros tenham cometido um erro de facto

ou de direito.

42. É nisto que consiste a proposição amiúde invocada, relativa à “proibição

da revisão do mérito” da sentença arbitral pelo juiz, quer este intervenha em

sede de ação de anulação proposta no país da sede da arbitragem, quer no

âmbito da ação de reconhecimento de sentença arbitral proferida no

estrangeiro.

43. De acordo com esta (correta) proposição, o juiz, ao apreciar a sentença

arbitral submetida ao seu controlo, não tem o dever de julgar novamente o

litígio decidido pelos árbitros para verificar se chegaria ao mesmo resultado a

que estes chegaram, subordinando a confirmação daquela sentença a essa

11 / 21

Page 12: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

identidade de resultado, mas unicamente o dever de verificar se tal sentença,

pelo resultado a que conduz, ofende algum princípio considerado como

essencial pela ordem jurídica do foro.

44. Ou seja, o que ao juiz compete controlar não é o acerto técnico-jurídico do

raciocínio adotado pelos árbitros, mas sim o resultado produzido, isto é, a

situação da vida criada pela decisão proferida por estes.

45. É o conteúdo da sentença arbitral que é controlado, mas é em função do

seu resultado que ela será sancionada. Embora todo o raciocínio do árbitro

deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre

esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio.

46. Louvando-se na caracterização feita pela 1.ª instância relativamente às

normas reguladoras da prescrição extintiva violadas pela sentença arbitral, o

acórdão recorrido viu nelas, unicamente, a tutela do interesse do devedor,

considerando que nunca poderia a sua preterição configurar a violação de

norma ou princípio de ordem pública.

47. A verdade é que a prescrição se carateriza, na sua história milenar e no

regime que apresenta nos sistemas jurídicos desenvolvidos, por uma manifesta

“ambivalência significativa”, em virtude de ser apontada, simultaneamente, à

proteção do devedor e à prossecução de finalidades de índole geral,

assegurando interesses de ordem pública.

48. É, portanto, muito redutor olhar só para a renunciabilidade prevista no

art. 302.º, n.º 1, do Código Civil (como se fez no acórdão recorrido),

esquecendo as finalidades de interesse público que justificam a injuntividade

do regime da prescrição afirmada no art. 300.º, n.º 1, do mesmo Código.

49. Ainda mais nefasto do que ter caracterizado deficientemente o regime

legal da prescrição, foi o facto de, no acórdão recorrido, não se haver atendido

devidamente ao resultado que a desaplicação ou errada aplicação daquele

regime teve no modo como o tribunal arbitral decidiu o caso que lhe foi

submetido.

50. Esse resultado consistiu, como se realçou na oposição à execução

deduzida na 1.ª instância e nas alegações da apelação, em ter a EDP sido

condenada a pagar uma indemnização decorridos mais de 6 anos após o

momento em que tal obrigação se tornara inexigível, por decurso do prazo de

20 anos da prescrição, sendo que a prescrição dessa obrigação fora

atempadamente invocada pela ora recorrente durante o processo arbitral.

12 / 21

Page 13: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

51. Vale isso por dizer que o tribunal arbitral condenou a ora recorrente a

cumprir uma obrigação natural, o que constitui um resultado de tal modo

chocante, que os tribunais estaduais competentes para o controlo das decisões

arbitrais não podem deixar de impedir que se materialize, anulando a decisão

que o determinou.

52. É totalmente desprovida de razão a observação constante do acórdão

recorrido, de que a interrupção de prescrição resultante da instauração da

ação proposta no TAF do ..., em 5 de Julho de 2005, deveria considerar-se

estendida por mais 5 dias, por força do disposto no art. 323.º, n.º 2 do CC,

pelo que nada se teria passado que pudesse ter ofendido princípios

fundamentais do sistema jurídico português!

53. É igualmente errado o entendimento acolhido no acórdão recorrido,

segundo o qual, não obstante se encontrar plenamente provada por

documento autêntico junto aos presentes autos, que a data real (29.08.2006)

do suposto facto interruptivo difere, em um ano e quase dois meses daquela

que foi erradamente considerada pelo tribunal arbitral, isso em nada possa

relevar par decisão da presente causa.

54. Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido condescendeu

censuravelmente com a gritante violação de princípios e regras jurídicas que

integram a “ordem pública” (interna e de direito material) do sistema jurídico

português, que foi perpetrada pela sentença arbitral impugnada, ofendendo

também, por isso, tal acórdão esse inderrogável reduto axiológico-normativo a

que se reporta o art. 280.º, n.º 2, do Código Civil, assim como os demais

artigos deste Código, antes citados.

55. É essa grave violação do nosso direito constituído que o Venerando

Supremo Tribunal de Justiça poderá e deverá agora remediar, julgando

procedente o presente recurso e anulando, subsequentemente, a sentença

arbitral impugnada, ou, se entender que a factualidade fixada na sentença de

1ª instância, para qual remete o Acórdão recorrido, é insuficiente para uma

boa decisão do presente recurso, mandar baixar o processo ao Tribunal da

Relação, para que este proceda à ampliação da matéria de facto dada por

provada nestes autos e, subsequentemente, julgue novamente a presente

causa de acordo com o correto entendimento do direito aplicável, nos termos

acima defendidos, e em conformidade com este anule a sentença arbitral

impugnada.

A exequente ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso da revista.

13 / 21

Page 14: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada, com relevância, é a seguinte:

1. A Exequente deu à execução sentença arbitral proferida em 02.12.2012 da

qual foi junta certidão a folhas 8 e seguintes da execução, que se dá por

integralmente reproduzida;

2. Tal decisão foi proferida no âmbito da arbitragem requerida pela ora

exequente, registada com o n.º 1…/2010/AHC/AVS, de que foi junta certidão

ao requerimento de oposição, que se dá por integralmente reproduzida.

3. Dos contratos sujeitos à arbitragem consta cláusula compromissória a

autorizar os árbitros a julgar segundo a equidade.

4. As partes obrigaram-se ao cumprimento pontual das decisões da

arbitragem, renunciando ao recurso.

III – Fundamentação de direito

Cumpre, agora, perante essa escassa factualidade, apreciar e decidir sobre

quanto vem pedido no âmbito do presente recurso de revista, delimitado pelas

conclusões da alegação da recorrente (art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Cód.

de Proc. Civil), e que se resume a dilucidar se a sentença arbitral que serve de

título à execução deve ser anulada e, subsidiariamente, se deve ordenar-se

que o processo baixe à Relação, para que este proceda à ampliação da matéria

de facto dada por provada e julgue novamente a causa.

No tocante à anulação do título dado à execução, importa sublinhar, antes de

mais, que não obstante a sentença arbitral ter sido proferida em 02.12.2012,

já depois da entrada em vigor da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV), a

sua (in)validade terá de ser analisada à luz da anterior LAV, a Lei nº 31/86, de

29 de Agosto.

Com efeito, de acordo com a disposição transitória do art.º 4º, n.º 1, da actual

LAV (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro), conjugada ainda com os art.ºs 6º

desse diploma legal e 33º da actual LAV, o seu regime aplica-se apenas aos

14 / 21

Page 15: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

processos arbitrais cujo pedido de submissão a árbitros haja chegado ao

conhecimento do demandado após 14 de Março de 2012. O marco temporal

determinante da aplicação desse regime é, pois, o do inicio do processo

arbitral que, assinale-se, abrange tanto a fase constitutiva da arbitragem

quanto a sua fase processual e que, por outro lado, o pedido de submissão

corresponde ao pedido do demandante para que a parte demandada proceda à

designação do seu árbitro ou, então, ao pedido para que procedam ambos,

consoante os casos, à designação dos árbitros ou do árbitro único[2].

Atenta a data da correspondência trocada entre as partes, com vista à

constituição do tribunal arbitral, e a apresentação, em 14.06.2010, do

requerimento de arbitragem no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio

de Lisboa, o processo arbitral em que foi prolatada a sentença exequenda já

estava pendente, há muito, quando, em 14.03.2012, entrou em vigor a nova

LAV (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro). Logo e na ausência do acordo das

partes, previsto na disposição transitória constante do art.º 4º, n.º 2, da Lei nº

63/2011, de 14 de Dezembro, é-lhe aplicável a anterior LAV (Lei nº 31/86, de

29 de Agosto)[3], sendo irrelevante, para este efeito, a data da instauração da

execução (12.02.2013).

Contempla essa LAV (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto), nos seus art.ºs 28º, 29º,

nº 1, e 31º, os seguintes meios impugnatórios da decisão arbitral:

a) A acção de anulação da decisão dos árbitros (no prazo de um mês a contar

da notificação da decisão arbitral);

b) O recurso para o Tribunal da Relação (caso a ele as partes não tiverem

renunciado); e

c) A oposição à execução da decisão arbitral.

A diferença entre as duas figuras referenciadas em a) e b) não se cinge apenas

à circunstância de a primeira configurar uma acção e a segunda ser um

recurso, estendendo-se a um conjunto de outros aspectos relevantes que

importa clarificar, para melhor compreensão da solução a dar ao presente

recurso de revista.

Assim, no caso de recurso é o próprio mérito da sentença arbitral, o seu

sentido ou efeito, que é questionado, por os árbitros terem cometido um error

in judicando, erro de julgamento de facto ou de direito, independentemente de

respeitar ao fundo da causa, às leis substantivas aí (des)aplicadas ou, antes,

aos respectivos pressupostos processuais (às leis adjectivas). Na impugnação,

15 / 21

Page 16: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

pelo contrário, não se discute (senão indirectamente) o sentido da sentença

arbitral (se a condenação ou a absolvição são devidas), discutem-se, sim, os

vícios do percurso processual que levou os árbitros até à sentença. Nela, está

em causa o chamado erro in procedendo, reportado à relação processual de

arbitragem (e não à relação substantiva aí pleiteada) podendo, nessa medida e

de acordo com o art.° 27° da LAV (Lei n.° 31/86 de 29 de Agosto), ter somente

os fundamentos seguintes:

a) Não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral;

b) Ter sido proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído;

c) Ter havido no processo violação dos princípios do direito de defesa de

audiência, igualdade e contraditório, com influência decisiva na resolução do

litígio;

d) Faltar a assinatura dos árbitros ou a fundamentação da decisão; e

e) Ter havido o conhecimento, pelo tribunal arbitral, de questões que não

podia tomar conhecimento, ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões

que devia apreciar.

No caso, tendo as partes renunciado ao recurso, autorizando o julgamento

segundo a equidade (art.º 29º, n.ºs 1 e 2, da LAV (Lei n.° 31/86 de 29 de

Agosto), e não tendo sido instaurada a acção de anulação, no mês subsequente

à sentença arbitral, ficou disponível apenas a oposição à execução, no âmbito

da qual, podem ser invocados, nos termos do art.º 31º da LAV (Lei n.° 31/86,

de 29 de Agosto), os fundamentos da acção de anulação que antes foram

referenciados e que respeitam a questões formais (error in procedendo) e não

de mérito (error in judicando), as últimas reservadas para o recurso.

Deste modo, como bem equacionou o acórdão da Relação, sufragando, aliás, o

que a 1ª instância já decidira, sendo a sentença arbitral exequível nos mesmos

termos em que o são as decisões dos tribunais judiciais e não constituindo o

error in judicando fundamento válido de oposição a execução fundada numa

sentença proferida por um tribunal judicial também não o é relativamente a

execução de sentença arbitral.

As decisões dos árbitros só podem ser atacadas, seja em acção de anulação,

seja em embargos (oposição) à execução com fundamento em algum dos vícios

taxativamente indicados no artigo 27º, nº 1, da LAV (Lei n.° 31/86, de 29 de

Agosto), não sendo permitido censurar ou sindicar a legalidade ou mérito da

decisão arbitral, já que a ter ocorrido ilegalidade, isso constituiria fundamento

16 / 21

Page 17: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

de recurso, se admissível[4].

Perfilhando este entendimento, em que as instâncias também enfileiraram, é

óbvio que à executada (a recorrente) não assiste o direito de questionar, na

oposição que deduziu à execução, o mérito da condenação constante da

sentença arbitral que lhe serve de título[5]. E, não podendo aí fazê-lo, também

aqui, em sede recursória tendo por objecto decisões ali proferidas, não poderá

conhecer-se de toda a problemática que a recorrente suscitou referente à

prescrição, seja a relativa à determinação da data interruptiva, resultante do

erro de facto incidente sobre o dia da citação em anterior processo, seja a da

fixação do prazo prescricional aplicável, derivado de eventual erro de direito

sobre a qualificação jurídica dos factos objecto da arbitragem.

Tal impossibilidade implicaria, sem mais, o naufrágio imediato do presente

recurso, não fora a circunstância de a recorrente, óbvia conhecedora da

mesma e no intuito de a superar, ter ensaiado enquadrar os aludidos aspectos

relativos ao mérito (a prescrição e a data tida em consideração para efeitos

interruptivos desta respectivamente, erro de direito e de facto) na ofensa à

ordem pública interna, erigindo esta como fundamento da oposição à

execução e, agora, do recurso de revista.

Inexistindo na LAV (Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), como antes se explicitou

na enumeração dos fundamentos de anulação da decisão arbitral e também

por remissão da oposição à execução, qualquer referência à ordem pública, a

doutrina dividiu-se sobre a admissibilidade desse fundamento. Em sentido

afirmativo, temos, por exemplo, os seguintes autores:

- António Pedro Pinto Monteiro – “Da ordem pública no processo arbitral”,

Estudos em homenagem ao Prof. Dr. José Lebre de Freitas, Coimbra Editora,

Coimbra, Julho de 2013, págs. 589 a 673, onde é feito o cotejo entre a LAV

antiga e a LAV actual, com enunciação das várias posições acerca da matéria

em questão;

- Assunção Cristas e Mariana França Gouveia, “A violação da ordem pública

como fundamento de anulação de sentenças arbitrais, Cadernos de Direito

Privado, n.º 29, Janeiro/Março 2010, págs. 41 a 56;

- António Sampaio Caramelo – “Anulação de sentença arbitral contrária à

ordem pública”, R.M.P., 126, ano 32, Abril-Junho 2011, págs. 155-198,

contendo uma boa resenha acerca das várias posições acerca desta temática;

17 / 21

Page 18: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

- Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2011,

págs. 210 a 230, disponível em www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/

mfg_ma_11846.doc;

- Mário Raposo, “Os árbitros”, R.O.A., Ano 72, Abr./Set. 2012, Lisboa, págs.

495 a 511; e

- Paula Costa e Silva, “Anulação e recursos da decisão arbitral”, ROA, 1992

(ano 52), pág. 921.

Em sentido negativo, destacam-se os seguintes:

- António Menezes Cordeiro – “A ordem pública nas arbitragens: as últimas

tendências”, VII Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio

e Indústria Portuguesa (Centro de Arbitragem Comercial, Almedina, Coimbra,

Julho de 2014, págs. 73 a 103;

- Dário Moura Vicente – Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 2.ª edição

revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 120 a 138; e

Impugnação da sentença arbitral e ordem pública, Estudos em Homenagem a

Miguel Galvão Teles, vol. II, Almedina, Coimbra, Outubro de 2012, págs. 327 e

ss.;

- Luís de Lima Pinheiro, “Apontamento sobre a impugnação da decisão

arbitral”, 2007, disponível em https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/

revista/ano-2007/ano-67-vol-iii-dez-2007/doutrina/luis-de-lima-pinheiro-

apontamento-sobre-a-impugnacao-da-decisao-arbitral;

- Manuel Pereira Barrocas, “A ordem pública na arbitragem”, R.O.A., Ano 74,

Jan./Mar. 2014, Lisboa, págs. 35 a 139; “Contribuição para a reforma da lei de

arbitragem voluntária”, ROA, disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/

Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=1&idsc=59032&ida=59038; “Impugnação da

Decisão Arbitral”, apresentação em Colóquio organizado pela APA, no dia 12

de Março de 2010, na Faculdade de Direito de Lisboa sobre uma Nova Lei da

Arbitragem, disponível em http://arbitragem.pt/noticias/2010/2010-03-12-

coloquio-apa/intervencao-dr-manuel-barrocas.pdf;

- Pedro Siza Vieira – “A execução de decisões arbitrais proferidas em

arbitragens domésticas”, Estudos de Direito da Arbitragem em homenagem a

Mário Raposo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 223 e ss.;

18 / 21

Page 19: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

- Robin de Andrade, “Decisão arbitral e ordem pública” (intervenção no

Colóquio “A arbitragem em movimento”, realizado no Porto, em 27-09-2010),

disponível em http://arbitragem.pt/noticias/2010/2010-09-27--ordem-

publica.pdf.

Sucede que, mesmo admitindo, como alguns dos apontados doutrinadores e o

STJ no acórdão de 10/07/2008 (processo 08A1698)[6], a invocação da ofensa à

ordem pública como fundamento invalidante de decisão arbitral, o destino do

presente recurso, contrariamente ao sustentado pela recorrente, não será

diferente.

Com efeito, sendo a ordem pública o “conjunto dos princípios fundamentais,

subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão

substancialmente interessados em que prevaleçam e que tem uma acuidade

tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas”[7], ou seja, a

reunião daquilo que é considerado fundamental, num dado momento e lugar,

para que se torne obrigatório, mesmo que se vá contra a vontade dos sujeitos

jurídicos, o eventual erro resultante da interpretação e aplicação de normas

sobre a contagem e interrupção do prazo prescricional não integra esse

núcleo de princípios e normas fundamentais do ordenamento jurídico.

Aliás, como resulta dos art.ºs 280º, n.º 1 e 2, e 281º do Cód. Civil, a violação

da ordem pública não se confunde com a contrariedade à lei que, em si

mesma, pode não envolver, como acontece no caso, qualquer ofensa a ordem

pública. Mais, como bem acentua o acórdão recorrido, a invocada ilegalidade

não incide sobre princípios estruturantes fundamentais da sociedade, nem

respeita a violação de norma que visa satisfazer um interesse geral da

colectividade, mas casuisticamente apenas o interesse da recorrente, na

qualidade de devedora.

Daí que a eventual ilegalidade de que padeça a decisão arbitral, no que

concerne à contagem e interrupção da prescrição, só em sede de recurso

(dessa decisão) poderia ser reapreciada. Não basta rotulá-la como ofensa à

ordem pública, como fez a recorrente, para ver subvertidas as aludidas regras

de impugnação das decisões arbitrais.

A recorrente (bem como a recorrida) teve inteira liberdade na escolha do

tribunal para o julgamento do litígio e tendo optado pela via arbitral, em

detrimento da estadual, confiando no julgamento por equidade e renunciando

ao recurso, não pode posteriormente transferir o litígio para o tribunal

estadual e questionar, na oposição à execução da sentença arbitral e nos

19 / 21

Page 20: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

subsequentes recursos aí interpostos, o mérito da decisão exequenda, ainda

que, para esse efeito, se socorra da ordem pública, tentando enquadrar na

ofensa desta os eventuais erros de julgamento de que aquela padeça.

Resta, por fim, assinalar que, contrariamente ao que sustenta

subsidiariamente a recorrente, a situação em apreço não se enquadra no art.º

682º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, inexistindo qualquer fundamento para a

pretendida baixa do processo em ordem à ampliação da base factual.

Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as

conclusões da recorrente, a quem não assiste razão para se insurgir contra o

decidido pela Relação, que não merece os reparos que lhe aponta, nem viola

as disposições legais que indica.

IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar

consequentemente o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

*

Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

*

Lisboa, 13 de Julho de 2017

António Piçarra (relator)

Olindo Geraldes

Nunes Ribeiro (dispensei o visto)

____________

20 / 21

Page 21: Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 2455/13.4YYLSB-A

[1] Omitem-se as primeiras 25, por relativas à admissibilidade do recurso de

revista excepcional.[2] Cfr. Mário Esteves de Oliveira e Outros, Lei da Arbitragem Voluntária

Comentada, 2014, Almedina, págs. 20 e 21.[3] Cfr., neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes e Outros, Lei da Arbitragem

Voluntária Anotada, 2012, Almedina, pág. 12.[4] Cfr., neste sentido acórdãos do STJ de 24.10.2006 (processo 06B2366), de

11.02.2010 (processo n.º 209/07.6TBPCV-A.C1.S1), e de 07.06.2011 (processo

n.º 3442/07.7TBVLG.P1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.[5] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 11.02.2010 (processo n.º

209/07.6TBPCV-A.C1.S1), acessível em www.dgsi.pt.[6] Acessível em www.dgsi.pt. [7]Vide Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição por António

Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs.

557 e 558.

21 / 21