supremo tribunal de justiça processo nº 2455/13.4yylsb-a
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Supremo Tribunal de JustiçaProcesso nº 2455/13.4YYLSB-A.L1.S1
Relator: ANTÓNIO PIÇARRASessão: 13 Julho 2017Número: SJVotação: UNANIMIDADEMeio Processual: REVISTADecisão: NEGADA A REVISTA
DECISÃO ARBITRAL IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTOS
ENUMERAÇÃO TAXATIVA PRESCRIÇÃO
PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO REGIME APLICÁVEL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO AÇÃO DE ANULAÇÃO
RECURSO DA ARBITRAGEM OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO RENÚNCIA EQUIDADE
CONHECIMENTO DO MÉRITO
Sumário
I – Não obstante a sentença arbitral ter sido proferida em 02.12.2012, já
depois da entrada em vigor da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV), a sua
(in)validade terá de ser analisada à luz da anterior LAV, a Lei nº 31/86, de 29
de Agosto.
II – De acordo com a disposição transitória do artº 4º, nº 1, da actual LAV (Lei
nº 63/2011, de 14 de Dezembro), conjugada ainda com os artºs 6º desse
diploma legal e 33º da actual LAV, o seu regime aplica-se apenas aos
processos arbitrais cujo pedido de submissão a árbitros haja chegado ao
conhecimento do demandado após 14 de Março de 2012.
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III – O marco temporal determinante da aplicação desse regime é, pois, o do
inicio do processo arbitral que abrange tanto a fase constitutiva da arbitragem
quanto a sua fase processual, irrelevando, para esse efeito, quer a data da
sentença exequenda, quer a da instauração da execução.
IV – A anterior LAV (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto) contempla os seguintes
meios impugnatórios da decisão arbitral):
a) A acção de anulação da decisão dos árbitros (no prazo de um mês a contar
da notificação da decisão arbitral);
b) O recurso para o Tribunal da Relação (caso a ele as partes não tiverem
renunciado); e
c) A oposição à execução da decisão arbitral.
V – A diferença entre as duas figuras referenciadas em a) e b) não se cinge
apenas à circunstância de a primeira configurar uma acção e a segunda
configurar uma acção e a segunda ser um recurso, estendendo-se a um
conjunto de outros aspectos relevantes.
VI – Assim, no caso de recurso é o próprio mérito da sentença arbitral, o seu
sentido ou efeito, que é questionado, por os árbitros terem cometido um error
in judicando, erro de julgamento de facto ou de direito, independentemente de
respeitar ao fundo da causa, às leis substantivas aí (des)apilicadas ou, antes,
aos respectivos pressupostos processuais (às leis adjectivas).
VII – Na impugnação, pelo contrário, não se discute (senão indirectamente) o
sentido da sentença arbitral (se a condenação ou a absolvição são devidas),
discutem-se, sim, os vícios do percurso processual que levou os árbitros até à
sentença. Nela, está em causa o chamado erro in procedendo, reportado à
relação processual de arbitragem (e não à relação substantiva aí pleiteada)
podendo, nessa medida e de acordo com o artº 27º da LAV (Lei nº 31/86 de 29
de Agosto), ter somente os fundamentos aí enunciados.
VIII – No caso, tendo as partes renunciado ao recurso, autorizando o
julgamento segundo a equidade (artº 29º, nºs 1 e 2, da LAV (Lei nº 31/86 de
29 de Agosto), e não tendo sido instaurada a acção de anulação, no mês
subsequente à sentença arbitral, ficou disponível apenas a oposição à
execução.
IX – As decisões dos árbitros só podem ser atacadas, seja em acção de
anulação, seja em embargos (oposição) à execução com fundamento em alguns
dos vícios taxativamente indicados no artigo 27º, nº 1, da LAV (Lei nº 31/86,
de 29 de Agosto), não sendo permitido censurar ou sindicar a legalidade ou
mérito da decisão arbitral, já que a ter ocorrido ilegalidade, isso constituiria
fundamento de recurso, se admissível.
X – O eventual erro resultante da interpretação e aplicação de normas sobre a
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contagem e interrupção do prazo prescricional não integra o núcleo basilar de
princípios e normas fundamentais do ordenamento jurídico, encerrando tão só
contrariedade à lei que, em si mesma, não envolve qualquer ofensa da ordem
pública.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Relatório
I – AA - Sociedade Industrial de Carvões, Lda., com sede em …, instaurou
execução comum para pagamento de quantia certa contra EDP – Gestão da
Produção de Energia, SA, com sede em Lisboa, tendo por base sentença
arbitral datada de 02.12.2012.
A executada deduziu oposição à execução, em 11.03.2013, alegando, em
síntese, que:
Apesar da sentença arbitral dada à execução ter sido proferida já depois da
Lei n.º 63/2011, de 14.12 (NLAV), é aplicável ao caso a Lei n.º 31/86, de 29.08,
sendo a mesma passível de impugnação com fundamento na sua anulabilidade,
nos termos e para os efeitos do artigo 27º daquele diploma.
Foram cumulados ilegalmente juros de mora com a actualização da quantia
indemnizatória fixada na decisão arbitral, pretendendo-se, dessa forma, obter
um benefício ilegítimo no valor de €4.776.248,14, a título de juros de mora
vencidos desde 2005, para o qual inexiste título executivo.
Existe erro de cálculo aritmético da quantia exequenda, quer no que respeita
ao cálculo da actualização das dívidas, quer no que respeita ao início da
contagem dos juros de mora, bem como no que concerne à taxa de juros de
mora aplicada.
A sentença exequenda ofende a ordem pública interna, na medida em que
viola o regime jurídico da prescrição, cujas normas são parte da ordem pública
do ordenamento jurídico português, condenando a ora opoente no pagamento
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de dívidas prescritas, quando a prescrição tinha sido expressamente invocada.
Enferma ainda a sentença de falta ou insuficiência de fundamentação porque
não esclarece a razão pela qual entendeu que nas compras de carvão de 1985
e 1986 havia liberdade de negociação de preço, diversamente do que
entendeu suceder nas compras de 1987.
Viola também a sentença o princípio do dispositivo relativamente a uma
componente do montante indemnizatório.
A peticionada sanção pecuniária compulsória não é devida e, para o caso de
assim não se entender, deverá ser reduzido o seu valor diário para €182,04.
Com tais fundamentos, concluiu pela extinção da instância executiva e pela
improcedência do pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória.
A exequente apresentou contestação a reconhecer a inexistência de título
executivo quanto aos juros moratórios, que apenas são devidos a partir da
decisão actualizadora, refutando, no mais, os fundamentos da oposição, os
quais apenas poderiam ter sido invocados em acção de anulação da sentença
arbitral, ou no prazo de propositura da mesma.
Teve lugar a audiência preliminar, no âmbito da qual foi facultado o exercício
do contraditório no que respeita às questões suscitadas na contestação, após o
que, conhecendo de mérito, foi proferida decisão, datada de 27/05/2015, a
julgar procedente a oposição e a extinguir a execução, quanto aos pedidos de
juros e de fixação de sanção pecuniária compulsória, e, no mais,
improcedente.
Inconformadas, apelaram a executada e a exequente, esta subordinadamente,
tendo a Relação de Lisboa, na improcedência do recurso da primeira e
procedência do interposto pela última, revogado a decisão no tocante à sanção
pecuniária compulsória prevista no nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil, que
entendeu ser devida, confirmando-a, no mais.
Persistindo inconformada, interpôs a executada recurso de revista
excepcional, admitido pela formação prevista no art.º 672º, n.º 3, do Cód.
Proc. Civil, confinando-o à «anulação da sentença arbitral envolvendo a
aplicação da lei no tempo, a possível ofensa dos princípios da ordem pública
internacional do Estado Português e a prescrição vista nessa envolvência»
(cfr. fls. 1840 e 1841).
Finalizou a sua alegação, com as seguintes conclusões[1]:
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1. Um dos equívocos em que se incorreu no acórdão recorrido residiu na
suposição de que a Recorrente impugnara a sentença proferida pelo tribunal
da 1.ª instância, com fundamento em deficiente fundamentação da mesma (v.
pág. 36 do acórdão recorrido), quando em nenhum ponto da Apelação da
Recorrente foi tal fundamento invocado e, menos ainda, substanciado.
2. O que a Recorrente procurou fazer nas suas alegações de apelação foi
realçar por que é que o modo errado como o tribunal arbitral havia qualificado
os ilícitos imputados à EDP conduzira a um resultado manifestamente iníquo,
por a haver condenado a indemnizar por práticas negociais ocorridas 26 anos
atrás, sendo que, dada a natureza dos ditos ilícitos, a possibilidade da prova
da justeza da atuação negocial da mesma EDP se havia tornado, ao fim de
tanto tempo, impossível ou ficara, na prática, muito dificultada.
3. Às consequências deste erro de julgamento cometido pelo tribunal arbitral
veio somar-se, agravando-as calamitosamente, outro erro gritante por aquele
tribunal cometido e adiante referido nestas conclusões.
4. Mas, ao procurar evidenciar as consequências gritantemente iníquas de um
e de outro erro que o tribunal arbitral cometeu, a Recorrente esteve sempre e
só a substanciar o único fundamento que na apelação invocara em apoio do
pedido de anulação da sentença arbitral, a saber, a sua contrariedade à ordem
pública do sistema jurídico português.
5. Na sua fundamentação, o tribunal de 1ª instância considerou provados, com
interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos: (i) “A Exequente
deu à execução sentença arbitral proferida em 02.12.2012 da qual foi junta
certidão a folhas 8 e seguintes da execução, que se dá por integralmente
reproduzida;” (ii) “Tal decisão foi proferida no âmbito da arbitragem registada
com o n.º 1…/2010/AHC/AVS, de que foi junta certidão ao requerimento de
oposição, que se dá por integralmente reproduzida.”.
6. Faz parte integrante da certidão da arbitragem (junta aos presente autos),
dada por integralmente reproduzida na ‘fundamentação de facto’ das
respetivas decisões, tanto pelo tribunal de 1.ª instância como pelo Tribunal da
Relação, a certidão emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do …,
Unidade Orgânica 01, junta ao processo arbitral pela AA em 19.01.2011, em
que a Escrivã Adjunta certificou que a Chamada “BB – Companhia Portuguesa
de Produção de Electricidade, SA foi citada em 29/08/2006.”
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7. Atestou-se, por outro lado, no processo arbitral (como prova a respetiva
certidão integral que foi junta aos presentes autos) que a EDP – Gestão de
Produção de Energia, SA sucedeu à BB – Companhia Portuguesa de Produção
de Electricidade, SA, que subscreveu os contratos em questão no processo.
8. Na sentença arbitral, dada por integralmente reproduzida nas
fundamentações de facto das decisões das instâncias, referiu-se, contudo, que
“a certidão extraída da ação nº 1538/05.9BE – que correu termos pelo
Tribunal Administrativo e Fiscal do … – certifica que essa ação foi instaurada
em 5 de Julho de 2005 e que a Demandada (EDP) foi citada em 8 de Julho de
2005.”
9. Ora, esta asserção não tem a menor correspondência no teor da referida
certidão: nela não se certifica que a acção foi intentada em 5 de Julho de 2005,
nem que a Demandada (EDP) foi citada em 8 de Julho de 2005, mas apenas
que a Chamada BB – Companhia Portuguesa de Produção de Electricidade, SA
(a que sucedeu a, de facto, Demandada e ora Executada EDP – Gestão de
Produção de Energia, SA) foi citada em 29 de Agosto de 2006.
10. Tendo considerado, contra o teor expresso do documento autêntico junto
aos autos, que a Demandada EDP – Gestão de Produção de Energia, SA foi
citada em 8 de Julho de 2005, o tribunal arbitral considerou que “o novo prazo
prescricional de vinte anos começou a correr logo após o ato interruptivo
(art.326º,nº1, e art.327º, nº2, do Código Civil), ou seja, a partir da citação da
EDP em 8 de Julho de 2005.”, julgando, por isso, improcedente a excepção de
prescrição deduzida pela Demandada EDP – Gestão de Produção de Energia,
SA.
11. Este erro clamoroso do tribunal arbitral, quanto à data de citação da
Demandada EDP – Gestão de Produção de Energia, SA (BB – Companhia
Portuguesa de Produção de Electricidade, SA), teve como resultado a
condenação da Demandada EDP – Gestão de Produção de Energia, SA no
pagamento de todos os valores peticionados pela Demandante relativos ao ano
de 1985 e aos meses de Janeiro a Agosto de 1986, o que representa mais de
90 % do pedido exequendo, não obstante tais valores não serem juridicamente
exigíveis à Demandada por, quanto aos mesmos, ter decorrido o prazo de
prescrição de 20 anos, sem que se tenha verificado a interrupção ficcionada
pelo tribunal arbitral.
12. Na sentença proferida nos presentes autos, o tribunal de 1ª instância
identificou os erros imputados pela Executada ao tribunal arbitral, entre os
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quais “a indevida consideração de que a prescrição teve lugar em 9 de Julho
de 2005” mas não se pronunciou em concreto sobre os mesmos, por ter
considerado que os fundamentos não integram a “violação da ordem pública
(interna ou internacional) do Estado Português”.
13. Também o Tribunal da Relação de ... ― que na ‘fundamentação de facto’
do seu acórdão se reportou aos factos dados como provados na sentença
proferida em 1ª instância (p. 21 do Acórdão) ― entendeu que o “alegado erro
de julgamento quanto à data em que ocorreu o facto interruptivo da
prescrição, por força do processo que correu termos pelo Tribunal
Administrativo e Fiscal do … (certidão de fls. 1250) não [pode] ser aqui
reapreciado”.
14. Foi, porém, este Tribunal mais longe do que a 1.ª instância, quanto a este
ponto, afirmando não vislumbrar “que a menção da, porventura, errada data
concreta em que ocorreu a citação da ré, na acção que correu termos no
Tribunal Administrativo e Fiscal do …, tenha influenciado decisivamente a
resolução do litígio pelo Tribunal Arbitral, inexistindo qualquer violação de
princípios fundamentais susceptíveis de justificar a anulação da decisão
arbitral que serve de título executivo”.
15. O Tribunal da Relação apenas atendeu ao teor da sentença arbitral ― dada
por reproduzida na ‘fundamentação de facto’ do acórdão que proferiu ― mas
já não ao teor da certidão emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do … –
dada por reproduzida na ‘fundamentação de facto’ do acórdão proferido, como
parte integrante que é da certidão do processo arbitral.
16. Se o Tribunal da Relação tivesse tido em consideração o teor da certidão
emitida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do …, teria necessariamente
concluído que o tribunal arbitral errara clamorosamente quanto à data em que
a Demandada, ora Executada, BB – Companhia Portuguesa de Produção de
Electricidade, SA (EDP – Gestão de Produção de Energia, SA) foi, na qualidade
de Chamada, citada para a acção que correu termos no Tribunal
Administrativo e Fiscal do …: tal citação teve lugar em 29 de Agosto de 2006 e
não na data considerada pelo tribunal arbitral, de 8 de Julho de 2005.
17. Ora, este clamoroso erro influenciou de forma absolutamente decisiva, em
mais de 9 % do pedido exequendo, a resolução do litígio pelo tribunal arbitral.
18. Face ao exposto, atendendo à factualidade acolhida pelas instâncias em
sede fundamentação de facto das respetivas decisões, entende a Recorrente
que o Supremo Tribunal de Justiça tem todos os elementos de facto
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necessários à verificação e correção do colossal erro cometido pelo tribunal
arbitral cujo resultado é ostensivamente contrário às regras e princípios da
ordem pública do sistema jurídico português.
19. No entanto, caso se entenda que a matéria de facto fixada nas decisões da
instâncias é insuficiente para uma boa decisão do presente recurso,
reconhecendo-se ademais que, os documentos autênticos fazem prova plena
dos factos neles atestados com base nas perceções da entidade
documentadora, pelo que deveriam tanto a 1.ª instância como a Relação de
Lisboa ter feito menção expressa ao teor deste documento, entre os factos que
tinham de considerar-se como provados nos presentes autos, deverá então
esse Supremo Tribunal determinar que a ‘matéria de facto’ fixada pelas
instâncias seja ampliada, no termos do disposto no art. art. 682.º n.ºs 2 e 3, e
art. 674, n.º 3, do CPC.
20. Tal deverá ser determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça, porquanto,
ao omitir essa menção expressa no acórdão sob recurso, o Tribunal da Relação
incorreu no erro previsto no art 674.º, n.º 3 (in fine) do CPC – “erro na fixação
dos factos materiais da causa, com ofensa de disposição legal que fixa a força
probatória de documento autêntico” – erro este de que o Supremo Tribunal de
Justiça pode e deve conhecer, em sede de decisão sobre o presente recurso de
revista, conforme permite essa disposição legal.
21. Mais requer a Recorrente que esse Alto Tribunal, reconhecendo a
existência de tal erro e usando o poder cassatório que lei lhe confere, reenvie
o processo, no termos do art. 682.º n.º 2, do CPC, ao Tribunal da Relação de
…, para que integre o teor do sobredito documento autêntico na factualidade
dada como provada neste processo.
22. Em consequência do exposto, deverá o Supremo Tribunal de Justiça, uma
vez que dispõe dos elementos de facto suficientes para o fazer, definir, desde
já, nos termos do disposto no art 683.º, n.º 1, do CPC, o regime jurídico com o
qual se deverá conformar o Tribunal da Relação na nova decisão a proferir
com base na matéria de facto assim ampliada.
23. Dada a manifesta instrumentalidade desta questão jurídico-processual
relativamente à decisão sobre as questões substantivas que constituem
fundamentos principais desta revista excecional, deve entender-se que
aproveita à primeira o preenchimento dos requisitos específicos desta revista,
que acima se demonstrou quanto às segundas.
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24. É incorreta a asserção contida no acórdão recorrido, de que “as causas de
anulação da decisão arbitral reportam-se à relação processual de arbitragem e
não à relação substantiva pleiteada”, visto que, na apreciação, feita pelo juiz,
do pedido de anulação da sentença arbitral com fundamento em ofensa à
ordem pública existe, necessariamente, um limitado controlo do mérito da
decisão impugnada.
25. Se se admite que a sentença arbitral possa ser impugnada com este
fundamento, não pode recusar-se que o juiz deva aqui emitir um juízo de
mérito, se não sobre o acerto factual e jurídico da decisão arbitral, pelo menos
sobre o resultado por ela produzido (da situação da vida por ela criada).
26. Além daquela incorreta asserção, contém o acórdão recorrido diversas
ambiguidades, traduzidas não só na falta de expresso reconhecimento da
admissibilidade deste fundamento de impugnação de uma sentença arbitral
proferida ao abrigo da LAV de 1986, mas também no facto de se ter aí entrado
na irrelevante (para o caso sub judice) distinção entre “ordem pública interna”
e “ordem pública internacional.
27. A esta inconsistência detetada no acórdão recorrido, acresceu a de nele se
haver convocado o disposto no art. 46.º, n. º 3, b), ii) da LAV de 2011, apesar
de, algumas páginas atrás, se haver aí confirmado o entendimento da 1.ª
instância, de que não era sob a égide desta lei, mas sim da LAV de 1986, que
deveriam obter resposta as questões debatidas nos autos.
28. A “ordem pública” consiste no conjunto de regras e princípios de um
sistema jurídico, que sendo estabelecidos em função de interesses sentidos
pela comunidade como fundamenais, são inderrogáveis pela vontade dos
indivíduos.
29. Sendo a ‘ordem pública’ um fator sistemático de limitação da autonomia
privada, parece inquestionável que essa limitação se imponha tanto às partes,
na sua atuação negocial, quanto aos árbitros (ou juízes), que tenham de julgar
os litígios entre elas surgidos.
30. Em sede de anulabilidade de decisões arbitrais pelos tribunais estaduais, a
noção de ‘ordem pública’ que interessa é a usualmente apelidada de ordem
pública de direito material, a que se referem os arts. 81.º, n.º 1, 182.º, d),
192.º, n.º 2, d), 271.º, 280.º, n.º 2, 281.º, 345.º, 465.º, a), 800.º, n.º 2, 967.º,
1083.º, n.º 2, b), 2186.º, 2230.º, n.º 2, e 2245.º do Código Civil.
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31. No interior do núcleo ou reduto constituído pelas regras ou princípios de
ordem pública de direito material, há que distinguir, como faz a generalidade
da doutrina da especialidade, entre a “ordem pública interna” e a “ordem
pública internacional”.
32. O conceito de “ordem pública internacional” tem um conteúdo mais
restrito do que o de “ordem pública interna”, porque as necessidades do
comércio internacional impõem que, quando o objeto do litígio tem ligações
com outras ordens jurídicas, o sistema jurídico do Estado da sede da
arbitragem seja menos exigente no controlo da conformidade da sentença
arbitral com os seus princípios basilares, do que o seria perante uma situação
puramente interna.
33. Quando estão em causa relações jurídicas ou litígios puramente internos,
isto é, situados inteiramente no âmbito de uma só ordem jurídica (no caso
vertente, a ordem jurídica portuguesa) é a ‘ordem pública interna’ que pode
ser chamada a intervir, para determinar a nulidade ou anulabilidade dos atos
(incluindo decisões arbitrais) que a ofendam; e o que inquestionavelmente
acontece no litígio a que diz respeito o presente recurso.
34. Embora a noção de ‘ordem pública’ que a LAV de 2011 consagrou como
operativa no âmbito do controlo de validade de todas as decisões arbitrais
proferidas em Portugal, mesmo as que tenham versado sobre litígios
domésticos, haja sido a ‘ordem pública internacional’ (de direito material),
essa incorreta opção do legislador não tem nenhuma relevância ou incidência
para decisão dos presentes autos, visto que a nova LAV não é aplicável à
matéria nestes versada.
35. Ainda menor justificação havia para se invocar, como fez o acórdão
recorrido (cfr. pág. 33), o disposto no art. 46.º, n.º 3, b), ii) da atual LAV, por
esta lei não ser aplicável ao caso, como, aliás, o acórdão reconhecera (cfr.
págs. 23 a 25).
36. Mesmo que, porventura, se admitisse o recurso à noção de “ordem pública
internacional” (contemplada no art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV de 2011) para
definir o âmbito da noção de ‘ordem pública’ que deve ter-se por operante na
vigência da LAV de 1986, intervindo aquele conceito como elemento
interpretativo desta noção, ainda então seria idêntica a solução a dar ao
peticionado pela Recorrente nos presentes autos, por a ‘ordem publica
internacional’ do nosso sistema jurídico não pode tolerar que se disponibilize o
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aparelho coercitivo do Estado para impor o cumprimento de uma obrigação
que não é juridicamente exigível.
37. A asserção de que o juiz de anulação não pode proceder ao reexame do
mérito da decisão arbitral impugnada, constitui é uma máxima simplista que
não compatível com uma reflexão aprofundada e aturada sobre esta matéria.
38. Com efeito, reexame do mérito decidido pela sentença arbitral teria e terá
sempre que fazer o juiz a quem é pedida a anulação desta, quer o fundamento
de impugnação invocada seja o de aqui se trata, quer seja o previsto na alínea
b) do n.º 1 do art 27.º da LAV de 1986 – correspondente ao fundamento da
subalínea a) ii) do art 46.º, n.º 3, da LAV de 2011 – ou o previsto na alínea e)
do n.º 1 do art 27.º [ao remeter para o art 23.º, n.º 3] da LAV de 1986 –
correspondente ao art 46.º, n.º 3, a) vi) da LAV de 2011.
39. Por maioria de razão, esse reexame do fundo da causa decidido pelos
árbitros terá de ter lugar no caso de sentença destes ser impugnada por
ofensa à ordem pública, como reconhece a melhor doutrina da arbitragem,
portuguesa e estrangeira.
40. Não pode deixar de ser assim, porque a simples leitura da parte
dispositiva da sentença arbitral não permite, em regra, concluir o que quer
que seja quanto à eventual violação da ordem pública por parte daquela; por
conseguinte, recusar aquele reexame do mérito equivaleria a negar a
possibilidade de a sentença arbitral ser apreciada e controlada à luz deste
fundamento ou a reduzir esse controlo a uma “ficção”.
41. O que é correto defender é, isso sim, que o tribunal estadual não detém o
poder de substituir a decisão do tribunal arbitral sobre o mérito da causa pela
sua própria decisão, ainda que os árbitros tenham cometido um erro de facto
ou de direito.
42. É nisto que consiste a proposição amiúde invocada, relativa à “proibição
da revisão do mérito” da sentença arbitral pelo juiz, quer este intervenha em
sede de ação de anulação proposta no país da sede da arbitragem, quer no
âmbito da ação de reconhecimento de sentença arbitral proferida no
estrangeiro.
43. De acordo com esta (correta) proposição, o juiz, ao apreciar a sentença
arbitral submetida ao seu controlo, não tem o dever de julgar novamente o
litígio decidido pelos árbitros para verificar se chegaria ao mesmo resultado a
que estes chegaram, subordinando a confirmação daquela sentença a essa
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identidade de resultado, mas unicamente o dever de verificar se tal sentença,
pelo resultado a que conduz, ofende algum princípio considerado como
essencial pela ordem jurídica do foro.
44. Ou seja, o que ao juiz compete controlar não é o acerto técnico-jurídico do
raciocínio adotado pelos árbitros, mas sim o resultado produzido, isto é, a
situação da vida criada pela decisão proferida por estes.
45. É o conteúdo da sentença arbitral que é controlado, mas é em função do
seu resultado que ela será sancionada. Embora todo o raciocínio do árbitro
deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre
esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio.
46. Louvando-se na caracterização feita pela 1.ª instância relativamente às
normas reguladoras da prescrição extintiva violadas pela sentença arbitral, o
acórdão recorrido viu nelas, unicamente, a tutela do interesse do devedor,
considerando que nunca poderia a sua preterição configurar a violação de
norma ou princípio de ordem pública.
47. A verdade é que a prescrição se carateriza, na sua história milenar e no
regime que apresenta nos sistemas jurídicos desenvolvidos, por uma manifesta
“ambivalência significativa”, em virtude de ser apontada, simultaneamente, à
proteção do devedor e à prossecução de finalidades de índole geral,
assegurando interesses de ordem pública.
48. É, portanto, muito redutor olhar só para a renunciabilidade prevista no
art. 302.º, n.º 1, do Código Civil (como se fez no acórdão recorrido),
esquecendo as finalidades de interesse público que justificam a injuntividade
do regime da prescrição afirmada no art. 300.º, n.º 1, do mesmo Código.
49. Ainda mais nefasto do que ter caracterizado deficientemente o regime
legal da prescrição, foi o facto de, no acórdão recorrido, não se haver atendido
devidamente ao resultado que a desaplicação ou errada aplicação daquele
regime teve no modo como o tribunal arbitral decidiu o caso que lhe foi
submetido.
50. Esse resultado consistiu, como se realçou na oposição à execução
deduzida na 1.ª instância e nas alegações da apelação, em ter a EDP sido
condenada a pagar uma indemnização decorridos mais de 6 anos após o
momento em que tal obrigação se tornara inexigível, por decurso do prazo de
20 anos da prescrição, sendo que a prescrição dessa obrigação fora
atempadamente invocada pela ora recorrente durante o processo arbitral.
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51. Vale isso por dizer que o tribunal arbitral condenou a ora recorrente a
cumprir uma obrigação natural, o que constitui um resultado de tal modo
chocante, que os tribunais estaduais competentes para o controlo das decisões
arbitrais não podem deixar de impedir que se materialize, anulando a decisão
que o determinou.
52. É totalmente desprovida de razão a observação constante do acórdão
recorrido, de que a interrupção de prescrição resultante da instauração da
ação proposta no TAF do ..., em 5 de Julho de 2005, deveria considerar-se
estendida por mais 5 dias, por força do disposto no art. 323.º, n.º 2 do CC,
pelo que nada se teria passado que pudesse ter ofendido princípios
fundamentais do sistema jurídico português!
53. É igualmente errado o entendimento acolhido no acórdão recorrido,
segundo o qual, não obstante se encontrar plenamente provada por
documento autêntico junto aos presentes autos, que a data real (29.08.2006)
do suposto facto interruptivo difere, em um ano e quase dois meses daquela
que foi erradamente considerada pelo tribunal arbitral, isso em nada possa
relevar par decisão da presente causa.
54. Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido condescendeu
censuravelmente com a gritante violação de princípios e regras jurídicas que
integram a “ordem pública” (interna e de direito material) do sistema jurídico
português, que foi perpetrada pela sentença arbitral impugnada, ofendendo
também, por isso, tal acórdão esse inderrogável reduto axiológico-normativo a
que se reporta o art. 280.º, n.º 2, do Código Civil, assim como os demais
artigos deste Código, antes citados.
55. É essa grave violação do nosso direito constituído que o Venerando
Supremo Tribunal de Justiça poderá e deverá agora remediar, julgando
procedente o presente recurso e anulando, subsequentemente, a sentença
arbitral impugnada, ou, se entender que a factualidade fixada na sentença de
1ª instância, para qual remete o Acórdão recorrido, é insuficiente para uma
boa decisão do presente recurso, mandar baixar o processo ao Tribunal da
Relação, para que este proceda à ampliação da matéria de facto dada por
provada nestes autos e, subsequentemente, julgue novamente a presente
causa de acordo com o correto entendimento do direito aplicável, nos termos
acima defendidos, e em conformidade com este anule a sentença arbitral
impugnada.
A exequente ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso da revista.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação de facto
A factualidade dada como provada, com relevância, é a seguinte:
1. A Exequente deu à execução sentença arbitral proferida em 02.12.2012 da
qual foi junta certidão a folhas 8 e seguintes da execução, que se dá por
integralmente reproduzida;
2. Tal decisão foi proferida no âmbito da arbitragem requerida pela ora
exequente, registada com o n.º 1…/2010/AHC/AVS, de que foi junta certidão
ao requerimento de oposição, que se dá por integralmente reproduzida.
3. Dos contratos sujeitos à arbitragem consta cláusula compromissória a
autorizar os árbitros a julgar segundo a equidade.
4. As partes obrigaram-se ao cumprimento pontual das decisões da
arbitragem, renunciando ao recurso.
III – Fundamentação de direito
Cumpre, agora, perante essa escassa factualidade, apreciar e decidir sobre
quanto vem pedido no âmbito do presente recurso de revista, delimitado pelas
conclusões da alegação da recorrente (art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do Cód.
de Proc. Civil), e que se resume a dilucidar se a sentença arbitral que serve de
título à execução deve ser anulada e, subsidiariamente, se deve ordenar-se
que o processo baixe à Relação, para que este proceda à ampliação da matéria
de facto dada por provada e julgue novamente a causa.
No tocante à anulação do título dado à execução, importa sublinhar, antes de
mais, que não obstante a sentença arbitral ter sido proferida em 02.12.2012,
já depois da entrada em vigor da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV), a
sua (in)validade terá de ser analisada à luz da anterior LAV, a Lei nº 31/86, de
29 de Agosto.
Com efeito, de acordo com a disposição transitória do art.º 4º, n.º 1, da actual
LAV (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro), conjugada ainda com os art.ºs 6º
desse diploma legal e 33º da actual LAV, o seu regime aplica-se apenas aos
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processos arbitrais cujo pedido de submissão a árbitros haja chegado ao
conhecimento do demandado após 14 de Março de 2012. O marco temporal
determinante da aplicação desse regime é, pois, o do inicio do processo
arbitral que, assinale-se, abrange tanto a fase constitutiva da arbitragem
quanto a sua fase processual e que, por outro lado, o pedido de submissão
corresponde ao pedido do demandante para que a parte demandada proceda à
designação do seu árbitro ou, então, ao pedido para que procedam ambos,
consoante os casos, à designação dos árbitros ou do árbitro único[2].
Atenta a data da correspondência trocada entre as partes, com vista à
constituição do tribunal arbitral, e a apresentação, em 14.06.2010, do
requerimento de arbitragem no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio
de Lisboa, o processo arbitral em que foi prolatada a sentença exequenda já
estava pendente, há muito, quando, em 14.03.2012, entrou em vigor a nova
LAV (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro). Logo e na ausência do acordo das
partes, previsto na disposição transitória constante do art.º 4º, n.º 2, da Lei nº
63/2011, de 14 de Dezembro, é-lhe aplicável a anterior LAV (Lei nº 31/86, de
29 de Agosto)[3], sendo irrelevante, para este efeito, a data da instauração da
execução (12.02.2013).
Contempla essa LAV (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto), nos seus art.ºs 28º, 29º,
nº 1, e 31º, os seguintes meios impugnatórios da decisão arbitral:
a) A acção de anulação da decisão dos árbitros (no prazo de um mês a contar
da notificação da decisão arbitral);
b) O recurso para o Tribunal da Relação (caso a ele as partes não tiverem
renunciado); e
c) A oposição à execução da decisão arbitral.
A diferença entre as duas figuras referenciadas em a) e b) não se cinge apenas
à circunstância de a primeira configurar uma acção e a segunda ser um
recurso, estendendo-se a um conjunto de outros aspectos relevantes que
importa clarificar, para melhor compreensão da solução a dar ao presente
recurso de revista.
Assim, no caso de recurso é o próprio mérito da sentença arbitral, o seu
sentido ou efeito, que é questionado, por os árbitros terem cometido um error
in judicando, erro de julgamento de facto ou de direito, independentemente de
respeitar ao fundo da causa, às leis substantivas aí (des)aplicadas ou, antes,
aos respectivos pressupostos processuais (às leis adjectivas). Na impugnação,
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pelo contrário, não se discute (senão indirectamente) o sentido da sentença
arbitral (se a condenação ou a absolvição são devidas), discutem-se, sim, os
vícios do percurso processual que levou os árbitros até à sentença. Nela, está
em causa o chamado erro in procedendo, reportado à relação processual de
arbitragem (e não à relação substantiva aí pleiteada) podendo, nessa medida e
de acordo com o art.° 27° da LAV (Lei n.° 31/86 de 29 de Agosto), ter somente
os fundamentos seguintes:
a) Não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral;
b) Ter sido proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído;
c) Ter havido no processo violação dos princípios do direito de defesa de
audiência, igualdade e contraditório, com influência decisiva na resolução do
litígio;
d) Faltar a assinatura dos árbitros ou a fundamentação da decisão; e
e) Ter havido o conhecimento, pelo tribunal arbitral, de questões que não
podia tomar conhecimento, ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões
que devia apreciar.
No caso, tendo as partes renunciado ao recurso, autorizando o julgamento
segundo a equidade (art.º 29º, n.ºs 1 e 2, da LAV (Lei n.° 31/86 de 29 de
Agosto), e não tendo sido instaurada a acção de anulação, no mês subsequente
à sentença arbitral, ficou disponível apenas a oposição à execução, no âmbito
da qual, podem ser invocados, nos termos do art.º 31º da LAV (Lei n.° 31/86,
de 29 de Agosto), os fundamentos da acção de anulação que antes foram
referenciados e que respeitam a questões formais (error in procedendo) e não
de mérito (error in judicando), as últimas reservadas para o recurso.
Deste modo, como bem equacionou o acórdão da Relação, sufragando, aliás, o
que a 1ª instância já decidira, sendo a sentença arbitral exequível nos mesmos
termos em que o são as decisões dos tribunais judiciais e não constituindo o
error in judicando fundamento válido de oposição a execução fundada numa
sentença proferida por um tribunal judicial também não o é relativamente a
execução de sentença arbitral.
As decisões dos árbitros só podem ser atacadas, seja em acção de anulação,
seja em embargos (oposição) à execução com fundamento em algum dos vícios
taxativamente indicados no artigo 27º, nº 1, da LAV (Lei n.° 31/86, de 29 de
Agosto), não sendo permitido censurar ou sindicar a legalidade ou mérito da
decisão arbitral, já que a ter ocorrido ilegalidade, isso constituiria fundamento
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de recurso, se admissível[4].
Perfilhando este entendimento, em que as instâncias também enfileiraram, é
óbvio que à executada (a recorrente) não assiste o direito de questionar, na
oposição que deduziu à execução, o mérito da condenação constante da
sentença arbitral que lhe serve de título[5]. E, não podendo aí fazê-lo, também
aqui, em sede recursória tendo por objecto decisões ali proferidas, não poderá
conhecer-se de toda a problemática que a recorrente suscitou referente à
prescrição, seja a relativa à determinação da data interruptiva, resultante do
erro de facto incidente sobre o dia da citação em anterior processo, seja a da
fixação do prazo prescricional aplicável, derivado de eventual erro de direito
sobre a qualificação jurídica dos factos objecto da arbitragem.
Tal impossibilidade implicaria, sem mais, o naufrágio imediato do presente
recurso, não fora a circunstância de a recorrente, óbvia conhecedora da
mesma e no intuito de a superar, ter ensaiado enquadrar os aludidos aspectos
relativos ao mérito (a prescrição e a data tida em consideração para efeitos
interruptivos desta respectivamente, erro de direito e de facto) na ofensa à
ordem pública interna, erigindo esta como fundamento da oposição à
execução e, agora, do recurso de revista.
Inexistindo na LAV (Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto), como antes se explicitou
na enumeração dos fundamentos de anulação da decisão arbitral e também
por remissão da oposição à execução, qualquer referência à ordem pública, a
doutrina dividiu-se sobre a admissibilidade desse fundamento. Em sentido
afirmativo, temos, por exemplo, os seguintes autores:
- António Pedro Pinto Monteiro – “Da ordem pública no processo arbitral”,
Estudos em homenagem ao Prof. Dr. José Lebre de Freitas, Coimbra Editora,
Coimbra, Julho de 2013, págs. 589 a 673, onde é feito o cotejo entre a LAV
antiga e a LAV actual, com enunciação das várias posições acerca da matéria
em questão;
- Assunção Cristas e Mariana França Gouveia, “A violação da ordem pública
como fundamento de anulação de sentenças arbitrais, Cadernos de Direito
Privado, n.º 29, Janeiro/Março 2010, págs. 41 a 56;
- António Sampaio Caramelo – “Anulação de sentença arbitral contrária à
ordem pública”, R.M.P., 126, ano 32, Abril-Junho 2011, págs. 155-198,
contendo uma boa resenha acerca das várias posições acerca desta temática;
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- Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2011,
págs. 210 a 230, disponível em www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/
mfg_ma_11846.doc;
- Mário Raposo, “Os árbitros”, R.O.A., Ano 72, Abr./Set. 2012, Lisboa, págs.
495 a 511; e
- Paula Costa e Silva, “Anulação e recursos da decisão arbitral”, ROA, 1992
(ano 52), pág. 921.
Em sentido negativo, destacam-se os seguintes:
- António Menezes Cordeiro – “A ordem pública nas arbitragens: as últimas
tendências”, VII Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio
e Indústria Portuguesa (Centro de Arbitragem Comercial, Almedina, Coimbra,
Julho de 2014, págs. 73 a 103;
- Dário Moura Vicente – Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 2.ª edição
revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 120 a 138; e
Impugnação da sentença arbitral e ordem pública, Estudos em Homenagem a
Miguel Galvão Teles, vol. II, Almedina, Coimbra, Outubro de 2012, págs. 327 e
ss.;
- Luís de Lima Pinheiro, “Apontamento sobre a impugnação da decisão
arbitral”, 2007, disponível em https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/
revista/ano-2007/ano-67-vol-iii-dez-2007/doutrina/luis-de-lima-pinheiro-
apontamento-sobre-a-impugnacao-da-decisao-arbitral;
- Manuel Pereira Barrocas, “A ordem pública na arbitragem”, R.O.A., Ano 74,
Jan./Mar. 2014, Lisboa, págs. 35 a 139; “Contribuição para a reforma da lei de
arbitragem voluntária”, ROA, disponível em http://www.oa.pt/Conteudos/
Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=1&idsc=59032&ida=59038; “Impugnação da
Decisão Arbitral”, apresentação em Colóquio organizado pela APA, no dia 12
de Março de 2010, na Faculdade de Direito de Lisboa sobre uma Nova Lei da
Arbitragem, disponível em http://arbitragem.pt/noticias/2010/2010-03-12-
coloquio-apa/intervencao-dr-manuel-barrocas.pdf;
- Pedro Siza Vieira – “A execução de decisões arbitrais proferidas em
arbitragens domésticas”, Estudos de Direito da Arbitragem em homenagem a
Mário Raposo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 223 e ss.;
18 / 21
- Robin de Andrade, “Decisão arbitral e ordem pública” (intervenção no
Colóquio “A arbitragem em movimento”, realizado no Porto, em 27-09-2010),
disponível em http://arbitragem.pt/noticias/2010/2010-09-27--ordem-
publica.pdf.
Sucede que, mesmo admitindo, como alguns dos apontados doutrinadores e o
STJ no acórdão de 10/07/2008 (processo 08A1698)[6], a invocação da ofensa à
ordem pública como fundamento invalidante de decisão arbitral, o destino do
presente recurso, contrariamente ao sustentado pela recorrente, não será
diferente.
Com efeito, sendo a ordem pública o “conjunto dos princípios fundamentais,
subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão
substancialmente interessados em que prevaleçam e que tem uma acuidade
tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas”[7], ou seja, a
reunião daquilo que é considerado fundamental, num dado momento e lugar,
para que se torne obrigatório, mesmo que se vá contra a vontade dos sujeitos
jurídicos, o eventual erro resultante da interpretação e aplicação de normas
sobre a contagem e interrupção do prazo prescricional não integra esse
núcleo de princípios e normas fundamentais do ordenamento jurídico.
Aliás, como resulta dos art.ºs 280º, n.º 1 e 2, e 281º do Cód. Civil, a violação
da ordem pública não se confunde com a contrariedade à lei que, em si
mesma, pode não envolver, como acontece no caso, qualquer ofensa a ordem
pública. Mais, como bem acentua o acórdão recorrido, a invocada ilegalidade
não incide sobre princípios estruturantes fundamentais da sociedade, nem
respeita a violação de norma que visa satisfazer um interesse geral da
colectividade, mas casuisticamente apenas o interesse da recorrente, na
qualidade de devedora.
Daí que a eventual ilegalidade de que padeça a decisão arbitral, no que
concerne à contagem e interrupção da prescrição, só em sede de recurso
(dessa decisão) poderia ser reapreciada. Não basta rotulá-la como ofensa à
ordem pública, como fez a recorrente, para ver subvertidas as aludidas regras
de impugnação das decisões arbitrais.
A recorrente (bem como a recorrida) teve inteira liberdade na escolha do
tribunal para o julgamento do litígio e tendo optado pela via arbitral, em
detrimento da estadual, confiando no julgamento por equidade e renunciando
ao recurso, não pode posteriormente transferir o litígio para o tribunal
estadual e questionar, na oposição à execução da sentença arbitral e nos
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subsequentes recursos aí interpostos, o mérito da decisão exequenda, ainda
que, para esse efeito, se socorra da ordem pública, tentando enquadrar na
ofensa desta os eventuais erros de julgamento de que aquela padeça.
Resta, por fim, assinalar que, contrariamente ao que sustenta
subsidiariamente a recorrente, a situação em apreço não se enquadra no art.º
682º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, inexistindo qualquer fundamento para a
pretendida baixa do processo em ordem à ampliação da base factual.
Nesta conformidade, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as
conclusões da recorrente, a quem não assiste razão para se insurgir contra o
decidido pela Relação, que não merece os reparos que lhe aponta, nem viola
as disposições legais que indica.
IV – Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar
consequentemente o acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.
*
Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).
*
Lisboa, 13 de Julho de 2017
António Piçarra (relator)
Olindo Geraldes
Nunes Ribeiro (dispensei o visto)
____________
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[1] Omitem-se as primeiras 25, por relativas à admissibilidade do recurso de
revista excepcional.[2] Cfr. Mário Esteves de Oliveira e Outros, Lei da Arbitragem Voluntária
Comentada, 2014, Almedina, págs. 20 e 21.[3] Cfr., neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes e Outros, Lei da Arbitragem
Voluntária Anotada, 2012, Almedina, pág. 12.[4] Cfr., neste sentido acórdãos do STJ de 24.10.2006 (processo 06B2366), de
11.02.2010 (processo n.º 209/07.6TBPCV-A.C1.S1), e de 07.06.2011 (processo
n.º 3442/07.7TBVLG.P1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.[5] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 11.02.2010 (processo n.º
209/07.6TBPCV-A.C1.S1), acessível em www.dgsi.pt.[6] Acessível em www.dgsi.pt. [7]Vide Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição por António
Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs.
557 e 558.
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