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Revista Trimestral de Jurisprudência Volume 197 – Número 2 Julho / Setembro de 2006 Páginas 371 a 724 Supremo Tribunal Federal

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Revista Trimestral de

Jurisprudência

Volume 197 – Número 2Julho / Setembro de 2006

Páginas 371 a 724

Supremo Tribunal Federal

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Diretoria-GeralSérgio José Américo Pedreira

Secretaria de DocumentaçãoAltair Maria Damiani Costa

Coordenadoria de Divulgação de JurisprudênciaNayse Hillesheim

Seção de Preparo de PublicaçõesNeiva Maria de Moura Ludwig

Seção de Padronização e RevisãoKelly Patrícia Varjão de Moraes

Seção de Distribuição de EdiçõesMargarida Caetano de Miranda

Diagramação: Manoel Vieira Santana

Capa: Patrícia Weiss Martins de Lima

Edição: Supremo Tribunal Federal

Solicita-se permuta.Pídese canje.On demande l'échange.Si richiede lo scambio.We ask for exchange.Wir bitten um Austausch.

STF/CDJUAnexo I, 2º andarPraça dos Três Poderes70175-900 – Brasí[email protected]: (0xx61) 3217-3573

(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista Trimestral de Jurisprudência / Supremo Tribunal Federal,Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência. — ano 1,n. 1 (abr./jun. 1957) -. – Brasília: Imprensa Nacional, 1957-

Trimestral

A partir de 2002 até março de 2005, foi editada pelaEditora Brasília Jurídica.

ISSN 0035-0540

1. Direito - Jurisprudência - Brasil. I. Supremo TribunalFederal (STF).

CDD 340.6

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000), PresidenteMinistro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Vice-PresidenteMinistro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE (17-5-1989)Ministro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003)Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003)Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004)Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (9-3-2006)Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)

COMISSÃO DE REGIMENTO

Ministro SEPÚLVEDA PERTENCEMinistro GILMAR MENDESMinistra CÁRMEN LÚCIAMinistro EROS GRAU – Suplente

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro MARCO AURÉLIOMinistro CEZAR PELUSOMinistro JOAQUIM BARBOSA

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro CELSO DE MELLOMinistro CARLOS BRITTOMinistro RICARDO LEWANDOWSKI

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro GILMAR MENDESMinistro CEZAR PELUSOMinistro EROS GRAU

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

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COMPOSIÇÃO DAS TURMAS

PRIMEIRA TURMA

Ministro José Paulo SEPÚLVEDA PERTENCE, PresidenteMinistro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias MelloMinistro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTOMinistro Enrique RICARDO LEWANDOWSKIMinistra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha

SEGUNDA TURMA

Ministro José CELSO DE MELLO Filho, PresidenteMinistro GILMAR Ferreira MENDESMinistro Antonio CEZAR PELUSOMinistro JOAQUIM Benedito BARBOSA GomesMinistro EROS Roberto GRAU

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SUMÁRIO

Pág.

ACÓRDÃOS ................................................................................................371

ÍNDICE ALFABÉTICO ................................................................................... I

ÍNDICE NUMÉRICO .............................................................................. XXIII

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ACÓRDÃOS

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA QUESTÃO DE ORDEMNA AÇÃO CAUTELAR 738 — SP

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello

Embargantes: Primo Schincariol Indústria de Cervejas e Refrigerantes S.A. eoutro — Embargada: União

Ação cautelar — Embargos de declaração na questão de ordem —Ausência de formal publicação do acórdão consubstanciador do julgamentoem causa — Impugnação prematura — Intempestividade do recurso —Embargos não conhecidos.

— A interposição de recurso que se antecipe à própria publicaçãoformal do acórdão revela-se comportamento processual extemporâneo edestituído de objeto. O prazo para interposição de recurso contra decisãocolegiada só começa a fluir, ordinariamente, da publicação da súmula doacórdão no órgão oficial (CPC, art. 506, III). Por isso mesmo, os pressu-postos de cabimento dos embargos de declaração — obscuridade, con-tradição ou omissão — hão de ser aferidos em face do inteiro teor doacórdão a que se referem. A simples notícia do julgamento efetivado nãodá início ao prazo recursal. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notastaquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer dos embargos de declaração,nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a MinistraEllen Gracie.

Brasília, 17 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Esta colenda Segunda Turma, ao apreciarquestão de ordem suscitada na Ação Cautelar n. 738/SP, referendou, integralmente,por seus próprios fundamentos, a decisão do Relator que deferiu, em parte (fls. 522/526), o pedido de medida cautelar formulado pela parte ora embargante.

Embora ainda não publicado o acórdão consubstanciador desse julgamento, osora recorrentes opuseram embargos de declaração a tal decisão colegiada (fls. 576/582).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não conheço dos presentes embargos dedeclaração, eis que deduzidos extemporaneamente.

É que — tal como acentuado no Relatório — o acórdão consubstanciador dojulgamento em causa sequer foi objeto de formal publicação.

Isso significa, portanto, que o recurso em questão foi interposto prematuramen-te, pois deduzido sem que ainda existisse, formalmente, o acórdão que a parte recorren-te deseja impugnar.

Cabe assinalar, por necessário, que a intempestividade dos recursos tanto podederivar de impugnações prematuras (que se antecipam à publicação dos acórdãos),como sucede no caso, quanto resultar de oposições tardias (que se registram após odecurso dos prazos recursais).

Em qualquer das duas situações — impugnação prematura ou oposição tardia —, aconseqüência de ordem processual é uma só: o não-conhecimento do recurso, porefeito de sua extemporânea interposição.

No caso, como precedentemente referido, os embargos declaratórios foram dedu-zidos antes da publicação formal do acórdão consubstanciador do julgamento daquestão de ordem que referendou a decisão que havia deferido, em parte, o pedidoformulado pelos ora embargantes.

Impende acentuar, neste ponto, que o prazo para interposição de recurso contradecisões colegiadas só começa a fluir da publicação da súmula do acórdão no órgãooficial (CPC, art. 506, III). Na pendência dessa publicação, qualquer recurso eventual-mente interposto considerar-se-á intempestivo, além de destituído de objeto.

Daí a orientação que tem prevalecido no âmbito desta Suprema Corte, cujassucessivas decisões, no tema, proclamam que “o prazo para recorrer só começa afluir com a publicação da decisão no órgão oficial, sendo prematuro o recurso que aantecede” (AI 437.126-AgR/RS, Rel. Min. Carlos Britto — grifei).

Com efeito, a simples notícia do julgamento, além de não dar início à fluênciado prazo recursal, também não legitima a interposição de recurso, por absoluta faltade objeto, conforme tem advertido o magistério jurisprudencial firmado pelo Supremo

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Tribunal Federal (RTJ 187/498, Rel. Min. Celso de Mello — AI 152.091-AgR/SP, Rel.Min. Moreira Alves — AI 286.562/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa — AI 406.483-AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes — HC 81.675-ED/SP, Rel. Min. Sydney Sanches —RE 194.090-ED/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão — RE 232.115-ED-AgR/CE, Rel. Min.Ilmar Galvão — RE 320.440-AgR/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, v.g.):

“O termo inicial do prazo para recorrer extraordinariamente pressupõe queo acórdão tenha sido lavrado, assinado e publicadas as suas conclusões, nãobastando a simples publicação da notícia do julgamento, ainda que em minuciosasúmula do decidido.”(RTJ 88/1012, Rel. Min. Cordeiro Guerra — grifei)

“Ação direta de inconstitucionalidade — Medida cautelar deferida —Acórdão não publicado — Embargos de declaração (...).

A interposição de recurso que se antecipe à própria publicação formal doacórdão revela-se comportamento processual extemporâneo e destituído deobjeto. O prazo para interposição de recurso contra decisão colegiada só começaa fluir, ordinariamente, da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial.Por isso mesmo, os pressupostos de cabimento dos embargos de declaração —obscuridade (...), contradição ou omissão — hão de ser aferidos em face do inteiroteor do acórdão a que se referem. A simples notícia do julgamento efetivado nãodá início ao prazo recursal.”(RTJ 143/718-719, Rel. Min. Celso de Mello)

“Embargos de declaração. Oposição contra acórdão que não conheceude idêntico recurso, porquanto interposto antes de publicado o acórdão que sepretendia impugnar.

O acórdão embargado não conheceu dos embargos de declaração, porhaverem se antecipado à publicação da decisão impugnada.”(RE 204.378-ED-ED/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão — grifei)

“O prazo para interposição de recurso conta-se a partir da publicação doacórdão. Não serve como termo inicial a mera notícia do julgamento.”(Pet 1.320-AgR-AgR/DF, Rel. Min. Nelson Jobim — grifei)

Os fundamentos que dão suporte a essa orientação jurisprudencial põem emevidência a circunstância de que a publicação do acórdão gera efeitos processuaisespecíficos, pois, além de formalizar a integração dessa peça essencial ao processo,confere-lhe existência jurídica e fixa-lhe o próprio conteúdo material. É mediante aefetiva ocorrência dessa publicação formal que se viabiliza, processualmente, aintimação das partes, inclusive para efeito de interposição, opportuno tempore, dosrecursos pertinentes.

Daí a advertência feita por Moacyr Amaral Santos (“Primeiras Linhas deDireito Processual Civil”, vol. 3/26, 21ª ed., 2003, Saraiva), cuja lição, na matéria oraem exame, ressalta que “É da publicação que se conta o prazo para interposição dorecurso” (grifei).

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Esse mesmo entendimento é perfilhado por José Frederico Marques (“Manualde Direito Processual Civil”, vol. 3/29, item n. 528, 9ª ed., 1987, Saraiva), que, emmagistério irrepreensível, acentua ser, a publicação do pronunciamento jurisdicionaldo Estado, o fato relevante “que lhe dá qualidade de ato do processo”, passível, então,a partir dessa formal divulgação no órgão oficial, de todas as conseqüências autoriza-das pelo ordenamento positivo, notadamente aquelas de natureza recursal.

Igual percepção do tema é revelada por José Carlos Barbosa Moreira (“Comen-tários ao Código de Processo Civil”, vol. V/693, item n. 377, 12ª ed., 2005, Forense),cujo comentário, a respeito da indispensabilidade da publicação do acórdão, enfatiza,presente o que dispõe o art. 506, III, do Código de Processo Civil, que é somente coma publicação do acórdão que “começa a correr o prazo de interposição de qualquerrecurso porventura cabível (...)”.

Sendo assim, pelas razões expostas, e considerando, sobretudo, os precedentesfirmados por esta Suprema Corte, não conheço dos presentes embargos de declaração,porque extemporâneos e destituídos de objeto.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

AC 738-QO-ED/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Embargantes: PrimoSchincariol Indústria de Cervejas e Refrigerantes S.A. e outro (Advogados: Waldir LuizBraga e outro e Celso Renato D’Avila e outros). Embargada: União (Advogada: PFN –Lígia Scaff Vianna).

Decisão: A Turma, por votação unânime, não conheceu dos embargos de declara-ção, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, aMinistra Ellen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a MinistraEllen Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega.

Brasília, 17 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

EXTRADIÇÃO 931 — REPÚBLICA PORTUGUESA

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso

Requerente: Governo de Portugal — Extraditando: Mário Sérgio Taborda Barata

1. Extradição. Passiva. Delito de associação criminosa. Art. 299º doCódigo Penal português. Inquérito em fase inicial de investigações. Indi-cações precisas sobre local, data, natureza e circunstâncias do fato. Au-sência. Pedido indeferido quanto a tal imputação. Aplicação do art. 80,

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caput, da Lei n. 6.815/80. Não pode ser deferido pedido de extradição combase em imputação de delito, cuja apuração, em inquérito, encontra-se emfase inicial de investigações e, portanto, ainda carente de indicaçõesprecisas sobre o fato supostamente criminoso.

2. Extradição. Passiva. Delitos de burla qualificada e falsificaçãode documento. Arts. 217º, n. 1, 218º, n. 2, a, e 256º, n. 1 e 3, do Código Penalportuguês, e 171 e 298 do Código Penal brasileiro. Contrafação de che-ques depositados pelo acusado em sua conta corrente, e cujos valoresforam sacados por ele em dinheiro após o creditamento. Falsum cujapotencialidade lesiva se exaure na fraude elementar da burla qualificada,ou estelionato. Absorção daquele por este. Aplicação do princípio daconsunção. Inexistência de concurso formal. Pedido deferido apenasquanto ao crime de burla qualificada. Se a potencialidade lesiva dafalsificação de cheques se exaure na fraude que figura o elementoconstitutivo do delito de burla qualificada, ou estelionato, consistente naobtenção de vantagem indevida com o levantamento dos valores dostítulos depositados na conta do acusado, o primeiro crime é absorvidopelo segundo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, conce-der, em parte, o pedido de extradição, autorizando-a, tão-somente, com relação aocrime de burla qualificada, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente,os Ministros Carlos Velloso, Ellen Gracie e Carlos Britto. Falou pelo extraditando oDr. Paulo Guanabara Leal de Araújo.

Brasília, 28 de setembro de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de pedido de extradição do cidadão portu-guês Mário Sérgio Taborda Barata, deduzido pelo Governo de Portugal, com aquies-cência aos compromissos formais previstos no art. 91 da Lei n. 6.815/80.

O parecer do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República assim expõe o presentecaso:

“1. A República Portuguesa formaliza pedido de extradição do portuguêsMário Sérgio Taborda Barata, contra quem foi expedido mandado de capturacom eficácia internacional pela MM. Juíza de Instrução Criminal do TribunalCentral, Dra. Airisa Caldinho — fls. 6/7, pelo cometimento dos crimes de ‘burlaqualificada, p.p. nos arts. 217º 1 e 218º/2ª) do CP com pena de dois a oito anos,falsificação, p.p. no art. 256º/1ª) e 3 do CP com pena de seis meses a cinco anosde prisão ou multa de sessenta a seiscentos dias, e associação criminosa, p.p. no

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art. 299º/1 e 2 do CP com pena de um a cinco anos, consubstanciados no factode, no âmbito de um grupo organizado de âmbito internacional, se haver apode-rado de cheques emitidos a empresas italianas, e às mesmas remetidos porcorreio, sem que estas os chegassem a receber. Com os nomes dos respectivosbeneficiários alterados e/ou endossados falsificados viriam tais cheques a serdepositados na conta bancária do arguido na CGD (Caixa Geral de Depósitos),ou apresentados pelo próprio a pagamento numa agência do BPN, em Lisboa. Omontante global dos cheques contrafeitos ultrapassa os 80 mil euros, sendo queo arguido ainda conseguiu levantar cerca de 10.800 euros antes da intervençãodo banco ao suspeitar da fraude (fls. 6/7).

2. O extraditando encontra-se preso, desde o dia 18 de outubro de 2004, noQuartel Central do Corpo de Bombeiros Militares do Estado do Ceará — fls. 158/163.

3. O extraditando foi devidamente interrogado às fls. 228/230, e apresentoudefesa a fls. 252/274, na qual aduz a ausência de relato dos fatos, como exige oartigo 80, do Estatuto do Estrangeiro: “A inexistência de descrição da naturezae circunstância dos fatos, necessária à admissão e concessão do pedidoextraditório, é patente, seja na peça judicial que embasa o pleito do Governode Portugal, como já demonstrado, seja no próprio relatório da autoridadepolicial, composto de meras apreciações subjetivas. Veja-se, a propósito, que ocitado relatório policial, elaborado para justificar o pedido de extradição, éconstituído tão-somente de longas divagações sobre a postura do extradi-tando (...)” — fls. 259; os tipos penais pelos quais a extradição foi solicitada(‘burla qualificada’, associação criminosa e falsificação de documentos) não sesubsumem à conduta descrita no instrumento extraditório: “Não há qualquerdescrição de fatos que se ajustem à moldura do crime de quadrilha. A condutade depositar cheques em conta bancária recebidos em pagamento de dívida,efetuando-se, depois, saque parcial não se ajusta, em absoluto, ao delito deburla, que corresponde ao estelionato em nosso sistema de direito penal. E, porúltimo, no tocante à acusação por falsidade documental ocorre insuperávelcausa obstativa do atendimento do pedido extradicional, qual seja, a ausênciado pressuposto da dúplice incriminação. É que no nosso modelo jurídico-penal, não há crime de falsificação em concurso material com o crime deestelionato, o delito que corresponde ao crime de burla” — fls. 260/273.” (fls.278/279).

O parecer conclui pelo deferimento parcial da extradição. É que não estariaobservado o disposto no art. 80 da Lei n. 6.815/80, por falta de indicações precisassobre um dos fatos (local, data, natureza e circunstâncias), ante a circunstância de queas investigações, cujo resultado poderia levar à configuração do crime de associaçãopara cometimento de delitos, estão em fase inicial de apuração (fl. 284). Neste ponto, opedido não mereceria conhecimento.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. O pedido de extradição é oriundo demandado de detenção internacional extraído do Processo de Inquérito n. 378/03.4JFLSB, que corre pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal.

Conforme a motivação constante do referido mandado:

“- Evidenciam os autos indícios da prática pelo arguido Mário SérgioTaborda Barata de crime de burla qualificada, p.p. nos arts. 217º/1 e 218º/2ª) doCP com pena de dois a oito anos, falsificação, p.p. no art. 256º/1º) e 3 do CP compena de seis meses a cinco anos de prisão ou multa de sessenta a seiscentos dias,e associação criminosa, p.p. no art. 299º/1 e 2 do CP com pena de um a cinco anos,consubstanciados no facto de, no âmbito de um grupo organizado de âmbitointernacional, se haver apoderado de cheques emitidos a empresas italianas, e àsmesmas remetidos por correio, sem que estas os chegassem a receber. Com osnomes dos respectivos beneficiários alterados e/ou endossos falsificados viriamtais cheques a ser depositados na conta bancária do arguido na CGD, ou apresen-tados pelo próprio a pagamento numa agência do BPN, em Lisboa. O montanteglobal dos cheques contrafeitos ultrapassa os 80 mil euros, sendo que o arguidoainda conseguiu levantar cerca de 10.800 euros antes da intervenção do banco aosuspeitar da fraude.

- A força dos indícios advém da análise da prova documental e por declara-ções reunida (sic) já na investigação, sendo que o próprio arguido já tem conheci-mento da pendência do inquérito uma vez que já foi interrogado pela autoridadepolicial. Nem por isso deixou de se ausentar para parte incerta, suspeitando-se quepresentemente se encontrará no estrangeiro, juntamente com sua família, o queinviabilizou a execução dos mandados de detenção anteriormente emitidos nosautos na sequência do despacho de fls. 173.

- Em cumprimento do despacho judicial de 06/05/2003, foram emitidos,contra o arguido, mandados de detenção para apresentação ao Juiz e subsequenteaplicação de medida de coacção, configurando-se séria possibilidade de lhe seraplicada a medida de prisão preventiva.

- A necessidade de proceder à extradição activa da pessoa a deter ao abrigodo disposto nos arts. 69º e seguintes da Lei n. 144/99 de 31 de agosto” (fls. 06/07).

2. O documento não atende, em parte, aos requisitos previstos no art. 80, caput, daLei n. 6.815/80, que exige “indicações precisas” sobre o local, data, natureza ecircunstâncias do fato criminoso. Resta examinar, pois, se tais indicações estariamalhures.

No pedido de detenção, elaborado pela Polícia Judiciária (fls. 72/79), lê-se:

“Trata-se aqui da contrafacção, já identificada, de cinco cheques, nummontante global de 84.510 Euros, de Instituições de Crédito nacionais e estran-geiras, os quais foram integralmente depositados na conta bancária do argüido.

De facto, o arguido Sérgio Barata surge, nos presentes autos, como o únicotitular da conta bancária através da qual se consumou a fraude bancária, comrecurso à contrafação dos títulos de crédito.

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Não demonstrou possuir uma actividade profissional definida, sendo notó-rio que não tem meio de subsistência certo e estável, razão pela qual o arguidosurge conotado com inúmeros esquemas negociais pouco claros e sempre nadependência do seu pai - cfr. fls. 160 a 163.

Os títulos de crédito em apreço correspondem a cheques autênticos, com omesmo número, os quais - três dos cinco cheques - foram expedidos por empresasportuguesas para empresas italianas, destinando-se ao pagamento de dívidas dotrato comercial, sem lograrem contudo - os cinco cheques - chegar ao seu destinofinal.

Surgiram então os cheques contrafeitos, juntos agora aos presentes autos,semelhantes aos documentos autênticos que lhes serviram de referência de refe-rência em muitos elementos - número, titular, etc. - e diferindo, p. ex., no montante,o qual foi fraudulentamente empolado.

Efectivamente, os cinco cheques contrafeitos e constantes dos autos foramdepositados, na sua totalidade, naquela conta, sendo que, o arguido, apóscreditação, procedeu desde logo a levantamentos, em cash, no montante de10.800 Euros - vd. fls. 62 a 65 e 84 a 89.

Não fora o bloqueamento, em tempo oportuno, da referida conta bancária,efectuado pela Caixa Geral de Depósitos, ao dar-se conta do modus operandi emcurso, e provavelmente a totalidade do montante indevidamente creditado aoarguido teria o mesmo destino.

Na presente investigação urge apurar a eventual intervenção de outroscomparticipantes, cuja função e grau de intervenção, em caso afirmativo, impor-ta ainda delimitar” (fls. 72/73. Grifos nossos).

Nesse mesmo documento, a Polícia Judiciária reconhece “o facto de o presenteinquérito se apresentar ainda numa fase inicial das suas investigações” (fl. 76).

Quanto à imputação dos crimes de falsificação de documento e de burla,constam indicações precisas acerca do local, data, natureza e circunstâncias dosfatos criminosos, não, porém, no que concerne à imputação da prática de associaçãocriminosa.

Este o tipo penal da associação criminosa:

“Artigo 29. Associação criminosa

1. Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finali-dade ou actividade seja dirigida à prática de crimes, é punido com pena de prisãode 1 a 5 anos.

2. Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ouassociações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições,instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio paraque se recrutem novos elementos” (fl. 99).

Volto aos elementos apresentados com o pedido, quanto a esse delito. Deles jágrifei:

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“Na presente investigação urge apurar a eventual intervenção de outroscomparticipantes, cuja função e grau de intervenção, em caso afirmativo, importaainda delimitar” (fl. 73).

Vê-se logo, pois, a ausência absoluta da precisão exigida do art. 80 da Lei n.6.815/80, sem a qual é impossível exercer qualquer juízo sobre a dupla tipicidade dosfatos e a ocorrência, ou não, de prescrição da pretensão punitiva.

Daí, entende-se que, quanto ao delito de associação, o pedido não cumpre osrequisitos legais, impondo-se-lhe o indeferimento.

3. Presente o requisito da precisa indicação do fato no que toca aos outros crimes,analiso a questão da absorção do delito de falsificação pelo de burla qualificada.

E, nesse ponto, tem razão a defesa quando sustenta:

“Se há acusação por burla, não pode haver acusação por falsificação dedocumentos. A jurisprudência nacional, desde os tempos da Judicatura deAdalício Nogueira (RTJ 52/18) e de Victor Nunes Leal (RTJ 46/667), tem consa-grado a tese de que a falsidade é praticada para alcançar o estelionato, aquela écrime-meio, que é absorvido por este, crime-fim, não ocorrendo o concursomaterial” (fl. 267).

O documento da Polícia Judiciária, já transcrito, assim descreve os fatos:

“Os títulos de crédito em apreço correspondem a cheques autênticos, com omesmo número, os quais - três dos cinco cheques - foram expedidos por empresasportuguesas para empresas italianas, destinando-se ao pagamento de dívidas do tratocomercial, sem lograrem contudo - os cinco cheques - chegar ao seu destino final.

Surgiram então os cheques contrafeitos, juntos agora aos presentes autos,semelhantes aos documentos autênticos que lhes serviram de referência de refe-rência em muitos elementos - número, titular, etc. - e diferindo, p. ex., no montan-te, o qual foi fraudulentamente empolado.

Efectivamente, os cinco cheques contrafeitos e constantes dos autos foramdepositados, na sua totalidade, naquela conta, sendo que, o arguido, apóscreditação, procedeu desde logo a levantamentos, em cash, no montante de10.800 Euros - vd. fls. 62 a 65 e 84 a 89” (fls. 72/73).

Está claro, pois, que, diversamente do que professa a douta Procuradoria-Geral,teria havido volição única, a de falsificar os cheques para obter vantagem patrimonialilícita (art. 171 do CP) ou com a “intenção de obter para si enriquecimento ilegítimo”(art. 217º, 1, do CP Português), donde não poder excogitar-se concurso formal homo-gêneo (cf. fl. 285), senão mero concurso aparente de normas, que leva à absorção dofalsum pelo estelionato, ou burla, neste caso.

A Corte já teve oportunidade de enfrentar casos semelhantes, admitindo a absor-ção de uma figura típica por outra, em pedidos de extradição. Assim sucedeu na Ext n.543 (Rel. Min. Moreira Alves), em que o Plenário, na esteira do voto do Relator,resolvendo concurso aparente de normas pela via do princípio da subsidiariedadetácita, indeferiu a extradição pelo crime de constrangimento ilegal, porque figuravaelemento constitutivo do crime de roubo (RTJ 138/428).

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Na Ext n. 654 (Rel. Min. Néri da Silveira), o Plenário, por maioria, entendeuque as acusações de um incêndio de primeiro grau e de quatro homicídios de primeirograu deveriam ser reduzidas a um só crime, o do art. 250, caput, cc. art. 258 do CPbrasileiro.

Posto não seja incontroverso o tratamento do tema da absorção do falsum peloestelionato na Corte, não há negar, neste caso, a imperiosidade da aplicação doprincípio da consunção, com base no saudoso Francisco de Assis Toledo:

“O mesmo ocorre com certas modalidades de falsum e estelionato, quandoaquele se exaure na fraude, que constitui elemento essencial deste último. Issoacontece, por exemplo, na falsificação de um documento que, usado como fraudepara obtenção de lucro patrimonial indevido, se esgota em sua potencialidadelesiva, permanecendo sem qualquer outra finalidade ou possibilidade de uso (ex.:alguém falsifica a assinatura do correntista em um cheque e obtém, no bancosacado, o pagamento indevido). Como o cheque esgotou-se na consumação doestelionato, não podendo mais ser utilizado para outros fins, o crime-fim deestelionato absorve o falsum” (Princípios básicos de direito penal. 5ª ed., 10ª tir.São Paulo: Saraiva, 2002, p. 53).

Retomo, aqui, a descrição dos fatos dada pela Polícia Judiciária portuguesa:

“Efectivamente, os cinco cheques contrafeitos e constantes dos autos foramdepositados, na sua totalidade, naquela conta, sendo que, o arguido, apóscreditação, procedeu desde logo a levantamentos, em cash, no montante de10.800 Euros - vd. fls. 62 a 65 e 84 a 89.” (Fls. 72/73).

Não há dúvida, portanto, de que a potencialidade lesiva dos cheques falsificadospelo extraditando se esgotou ao serem depositados na conta do ora extraditando, semnenhuma possibilidade de voltarem a ser usados para quaisquer outros fins.

A tese do concurso formal de crimes somente poderia ser acolhida se não secaracterizasse a exaustão da potencialidade lesiva dos instrumentos falsificados. Va-lho-me, uma vez mais, daquele ilustre penalista:

“Assim, porém, não ocorre na falsificação de certos documentos que,utilizados na prática do estelionato, continuam com a potencialidade lesivapara o cometimento de ouros delitos da mesma ou de variada espécie. Nestahipótese verifica-se o concurso formal de crimes (falso e estelionato), comoocorre, por exemplo, com a falsificação de um instrumento de mandato para aemissão de cheque do pretenso mandante e seu recebimento no Banco sacado.Consumado o estelionato, a procuração, se contiver poderes para outrossaques ou para outros fins, não se exaure na fraude daquele delito” (op. e loc.cits.).

Por tais razões, indefiro o pedido de extradição, no que diz respeito ao crime defalsificação, previsto no art. 256º, n. 1 e 3, do Código Penal português.

4. Resta por analisar o pedido no que tange à burla qualificada, objeto dos arts.217, n. 1, e 218, n. 2, alínea a, do Código Penal português:

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“Art. 217. Burla

1. Quem, com a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimentoilegítimo através de erro ou engano sobre factos, que astuciosamente provocou,determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa,prejuízos patrimoniais, será punido com prisão até 3 anos.

(...)

Art. 218. Burla qualificada

2. A pena é de prisão de 2 a 8 anos se:

a) o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;

(...).”

Quanto a esse fundamento, tenho por coexistentes todos os requisitos de deferi-mento do pedido.

O fato típico, como já visto, é igualmente punido pela legislação nacional, no art.171 do Código Penal, e a pena cominada autoriza a extradição (reclusão de um a cincoanos e multa).

Os fatos encontram-se precisamente descritos na documentação que instrui opedido. Os cheques falsificados (fls. 13/14) foram depositados na conta-corrente doextraditando, e os valores, sacados em espécie (fls. 18/19), tudo no mês de dezembro de2002 (fls. 18/19).

Entre a data dos fatos e a presente, não ocorreu prescrição, quer perante a legisla-ção nacional (doze anos, art. 109, CP), quer em face da lei portuguesa (dez anos, art.118º, I, b, CP).

5. Isso posto, voto pelo deferimento parcial do pedido de extradição, autori-zando-a tão-somente com relação ao crime de burla qualificada.

EXTRATO DA ATA

Ext 931/República Portuguesa — Relator: Ministro Cezar Peluso. Requerente:Governo de Portugal. Extraditando: Mário Sérgio Taborda Barata (Advogados: RenatoGuanabara Leal de Araújo e Paulo Guanabara Leal de Araújo).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu, em parte, o pedido de extradi-ção, autorizando-a, tão-somente, com relação ao crime de burla qualificada, nos termosdo voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Carlos Velloso, EllenGracie e Carlos Britto. Falou pelo extraditando o Dr. Paulo Guanabara Leal de Araújo.Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, JoaquimBarbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros eSilva de Souza.

Brasília, 28 de setembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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EXTRADIÇÃO 944 — ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Requerente: Governo dos Estados Unidos da América — Extraditando: William HenryHoward Ogle ou Pierre Jacques Dellannoy ou Pierre Jacques Dallanoy ou Pierre JacquesHernandes Delamoy ou Pierre Jacques Hernandes Delannoy ou Pierre Delanoy ou Henry Ogle

Extradição. Tráfico internacional de drogas. Alegação de que oindictment não é documento apto a viabilizar a concessão do pedido, alémdo que a pena máxima para o crime é de prisão perpétua, o que impediriaa extradição.

Pedido extradicional que atende às exigências do Tratado Bilateralde Extradição Brasil/Estados Unidos, bem como às da Lei n. 6.815/80.

O indictment é instituto equiparável à pronúncia, e o SupremoTribunal Federal já se manifestou pela suficiência desse ato formal paralegitimar pedidos extradicionais (Ext 542).

O Extraditando responde a processo no Brasil, razão pela qual é dese adiar a entrega até o desfecho da ação penal.

Em face da possibilidade de cominação da pena de prisão perpétua,é de se observar a atual jurisprudência deste Supremo Tribunal Federalpara exigir do Estado requerente o compromisso de não aplicar esse tipode reprimenda, menos ainda a pena capital, em caso de condenação doréu (Ext 855).

Extradição deferida com as mencionadas restrições.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, deferir o pedido de extradição, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 19 de dezembro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: O Governo dos Estados Unidos da Américapediu a extradição do nacional norte-americano William Henry Howard Ogle ouPierre Jacques Delannoy, processado por crimes de tráfico de drogas. Para tanto,encaminhou os documentos formalizadores e de justificação do pedido (fls. 4/160).

2. Pois bem, segundo a Nota Verbal, o extraditando “trabalhou como piloto dasForças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Fuerzas Armadas Revolucionarias deColômbia) (‘FARC’), pilotando pequenas aeronaves, carregadas de cocaína da Colôm-bia para outros países da América do Sul, incluindo o Brasil, e para a América Central,sendo que parte da cocaína era destinada aos Estados Unidos.

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3. Deu-se que, em 24 de setembro de 2003, Willian Henry Howard Ogle foi presopela polícia brasileira após haver sido pego fazendo transporte aéreo de uma carga de200 quilos de cocaína, proveniente da Colômbia para Itú, no Brasil. De acordo com uminformante do DEA, Willian Henry Howard Ogle trabalhou para as Farc durante muitosanos, tempo em que transportava cocaína de propriedade das Farc da Colômbia para oMéxico e outros países da América Central e América do Sul, parte da qual eradestinada aos Estados Unidos.

4. Os documentos encaminhados pelo governo requerente dão conta de que foiexpedido mandado de prisão contra o extraditando, tendo por base o Indictment(pronúncia) n. 04-212, proferido pela Corte Distrital dos Estados Unidos para o Distritode Columbia, no dia 29 de abril de 2004, nos seguintes termos (fls. 70/71):

“A partir de 2001, ou em alguma ocasião nesse ano, a data exata sendodesconhecida pelo Grande Júri, e continuando depois disso até a data do registrodesta pronúncia, inclusive na República da Colômbia e em outros lugares, os réus(...), William Henry Howard Ogle t.c.c. ‘Pierre Jacques Dellanoy’ e (...), de formapropositada e intencional combinaram, conspiraram, confederaram e concorda-ram com outros conhecidos e desconhecidos pelo Grande Júri, incluindo os co-conspiradores não indiciados na presente, para cometer os seguintes delitoscontra os Estados Unidos: propositadamente e intencionalmente fabricar e distri-buir cinco quilogramas ou mais de uma mistura e substância que continha umaquantidade detectável de cocaína, uma substância controlada da Lista II, com aintenção e o propósito de que tal substância fosse ser importada ilegalmente paraos Estados Unidos, em violação ao Título 21 do Código dos Estados Unidos,Seções 959 e 960".

5. Ante esse panorama, e tendo por fundamento o art. 81 da Lei n. 6.815/80, c/c oart. VIII do Tratado de Extradição firmado entre o Brasil e os Estados Unidos daAmérica (Decreto n. 55.750/65), decretei a prisão do extraditando.

6. Avanço neste relato para anotar que, por meio do Aviso n. 4.249, o Exmo. Sr.Ministro da Justiça informou quanto à notificação do extraditando sobre o mandado deprisão preventiva para fins de extradição, como informou ainda, S. Excelência, que oestrangeiro já se encontrava preso em razão de processo-crime a que também respondeperante a Justiça brasileira.

7. Na seqüência do processo, deu-se o interrogatório do extraditando, que, apesarde intimado, deixou de constituir advogado. Razão por que lhe foi nomeada defensoraad hoc, substituída, em seqüência, por agente dos quadros da Defensoria Pública daUnião. Defensoria que de logo sustentou que o artigo 1º do Decreto 55.750/65 só prevêo instituto da entrega recíproca para os indivíduos que “tenham sido processados oucondenados” por qualquer dos crimes ou delitos especificados no artigo II do Tratadode Extradição. Daí aduzir que tanto a pronúncia quanto o mandado de prisão preven-tiva são requisitos formalizadores do pedido de extradição, mas não extinguem oprocesso. Mais: argumenta que “o indictment, ou melhor, a pronúncia somente possuio condão de dar início à ação penal”, de sorte a concluir pela impossibilidade dodeferimento da extradição, já que o tratado exige que o extraditando já esteja emsituação de processado ou condenado.

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7. Já em outra linha de fundamentação, argumenta a defesa que a pena máximapelo crime praticado pelo extraditando é de prisão perpétua, fato impeditivo da extra-dição, nos termos da alínea b do inciso XLVII do art. 5º da Constituição de 1988. Daírequerer o indeferimento do pedido.

8. A seu turno, a douta Procuradoria-Geral da República, em parecer do seu ilustretitular, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, opinou pela procedência dopedido extradicional.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto.Fazendo-o, começo por dizer que a instrução do processo me parece atender às exigên-cias do artigo IX do Tratado Bilateral de Extradição Brasil/Estados Unidos, bem comoas do art. 80 da Lei n. 6.815/80. Também tenho como preenchido o requisito da duplatipicidade, uma vez que o extraditando é acusado de “conspiração” para fabricar edistribuir cinco quilos ou mais de cocaína, com o propósito de que a droga fosseintroduzida ilegalmente nos Estados Unidos. Isso em ofensa à legislação penal daquelePaís (USC, Título 21, Seções 963, 959, 960 (a) (3) e 960 (b) (1) (B) (ii) e Título 18,Seções 2 e 3.551 e seguintes (fls. 61/68))1. Delitos que correspondem, no Brasil, aoscrimes descritos nos arts. 12, 13 e 14 da Lei n. 6.368/76, inclusive com a incidência doart. 18 da mesma lei, que prevê o aumento de pena para o “caso de tráfico com oexterior ou de extraterritorialidade da lei penal”.

12. Nesse rumo de idéias, acrescento que o Tratado de Extradição prevê comoextraditáveis os autores dos “crimes ou delitos contra as leis relativas ao tráfico, uso,ou produção ou manufatura de narcóticos ou ‘canabis';” (item 27 do art. II).

13. De outra banda, tanto pela legislação brasileira como pela lei estadunidense,há que se considerar a pretensão punitiva quanto aos crimes imputados ao extraditan-do, ocorridos entre os anos de 2001 e 2003. E, segundo a legislação do Estadorequerente, só não são puníveis os crimes cuja pronúncia (indictment) ocorrer apóscinco anos da respectiva conduta (Título 18, seção 3.282, do Código dos EstadosUnidos — fl. 66). Já pelo Ordenamento Jurídico brasileiro, a prescrição se dá em 20anos (inciso I do art. 109), o que significa a legítima persistência da pretensão punitivado Estado, dado que houve prática de crimes até o ano de 2003.

1 “Título 21, do código dos Estados Unidos, Seção 959 — Posse, fabricação ou distribuição desubstâncias controladas

(a) Fabricação ou distribuição com a finalidade de importação ilegalSerá ilegal para qualquer pessoa a fabricação ou distribuição de uma substância controlada da Lista

I ou II (...)(1) com intuito de que tal substância ou substância química seja ilegalmente importada para os

Estados Unidos ou para águas a uma distância de 12 metros da costa dos Estados Unidos(2) com o propósito de que tal substância ou substância química seja ilegalmente importada para os

Estados Unidos ou para águas a uma distância de 12 metros da costa dos Estados Unidos”

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14. No tocante à competência do Estado requerente para processar e julgar oextraditando, cumpre transcrever a manifestação da douta Procuradoria-Geral da Repú-blica:

“(...)

15. O Estado requerente dispõe de competência jurisdicional para processare julgar o extraditando, ainda que o suposto delito não tenha ocorrido em seuterritório. É que, nos termos do art. 4º do Tratado celebrado entre o Brasil e osEstados Unidos, quando o crime tiver sido cometido fora da jurisdição territorialdo Estado requerente, o pedido de extradição poderá não ter andamento quando‘as leis do Estado requerente e as do Estado requerido não autorizam a punição detal crime ou delito’, o que não ocorre na hipótese.

16. De fato a competência dos Estados Unidos para o julgamento dos fatosrelatados no pedido extradicional resulta da própria análise da redação do Título21, do Código dos Estados Unidos, seção 959, segundo o qual ‘será ilegal paraqualquer pessoa a fabricação ou distribuição de uma substância controlada daLista I ou II (...) (1) com intuito de que tal substância ou substância seja ilegalmenteimportada para os Estados Unidos (...)’ (fl. 61).

17. Ademais, o delito imputado ao requerente destinava-se à introduçãoilegal de substância entorpecente nos Estados Unidos. Com a associação para aintrodução de cocaína nos Estados Unidos, o resultado visado pela práticadelituosa ocorreria em território americano, estando configurada, portanto, acompetência do Estado requerente para o julgamento do delito.”

15. Prossigo no voto para averbar que também não procedem os fundamentoslevantados pela defesa como óbice ao deferimento da extradição. É que não se revelaprestimosa a assertiva de que o Tratado de Extradição exige que o extraditando já tenhasido processado ou condenado. A se admitir tal afirmação, seria necessário que estaSuprema Corte desconsiderasse a existência da extradição instrutória. É dizer, não maisse atenderia o pleito extradicional cujo objeto fosse a entrega do indivíduo pararesponder a processo perante o Estado requerente. Não é esse o sentido do dispositivodo Tratado invocado pela douta defesa, porquanto seria uma repetição inútil estabele-cer-se a necessidade da entrega de sujeitos somente quando “já tenham sido processa-dos ou condenados”. Isso porque, quanto aos já processados, só há interesse na extradi-ção se o possível resultado for a condenação. Ademais, conforme se vê do próprioTratado, tanto no art. II quanto no art. IX, há previsão da extradição para as pessoas nacondição de acusados do crime ou delito em que se baseia o pedido.

“Título 21, do Código dos Estados Unidos, Seção 963 — Tentativa de conspiraçãoQualquer pessoa que tentar ou conspirar para cometer qualquer delito definido neste capítulo estará

sujeita às mesmas penalidades previstas para o delito cujo cometimento foi objeto da tentativa ouconspiração”

“Título 18, do Código dos Estados unidos, Seção 2 — Principais(a) Aquele que cometer um delito contra os Estados Unidos ou ajudar, participar, aconselhar,

comandar, induzir ou encomendar o seu cometimento é punível como principal”

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16. Acresce que esta Suprema Corte já se manifestou pela suficiência doindictment para legitimar pedidos extradicionais, pois o instituto é equiparável àpronúncia e “constitui título jurídico hábil que legitima, nos pedidos extradicionaisinstrutórios, o ajuizamento da ação de extradição passiva” (Ext 542, Rel. Min. Celso deMello).

17. O que me cabe, agora, é analisar o fato de o extraditando estar respondendo aprocesso no Brasil. A esse respeito, os autos noticiam que, entre nós, ele já se encontravapreso, em razão de processo-crime por tráfico de drogas (fl. 176). Sendo o caso deaplicação do disposto no artigo XIV do Tratado de Extradição, que determina oadiamento da entrega do extraditando até que a “ação penal ou sentença termine porqualquer das seguintes razões: rejeição da ação, absolvição, expiração do prazo dasentença ou do prazo em que tal sentença tiver sido comutada, indulto, livramentocondicional ou anistia”.

18. Finalmente, importa considerar que, na legislação estadunidense, a penamáxima pelo cometimento do crime de conspiração é a de prisão perpétua. Em facedessa possibilidade cominatória, é de se ver que a jurisprudência desta Suprema Corte,a partir da Ext 855, da relatoria do Min. Celso de Mello, mudou, para exigir do Estadorequerente o compromisso de não aplicar esse tipo de reprimenda, menos ainda a penacapital, em caso de condenação do réu. Pelo que, por ocasião do julgamento daquelaextradição, votei pela necessidade de o Supremo Tribunal Federal, ao deferir o pedido,condicionar a efetivação do ato de entrega do extraditando ao compromisso formal deo Estado estrangeiro comutar a prisão perpétua em pena privativa de liberdade nãosuperior a trinta anos.

19. Diante de tudo isso, presentes os requisitos para o atendimento do pleito,defiro o pedido extradicional, com as restrições aqui vocalizadas; ou seja, ao términodo processo penal e do eventual cumprimento da pena imposta pela Justiça brasileira,o extraditando somente será entregue ao Estado requerente se este assumir, em caráterformal, o compromisso de comutar a possível pena de prisão perpétua em pena de prisãocom o prazo máximo de 30 anos.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

Ext 944/Estados Unidos da América — Relator: Ministro Carlos Britto. Reque-rente: Governo dos Estados Unidos da América. Extraditando: William Henry HowardOgle ou Pierre Jacques Dellannoy ou Pierre Jacques Dallanoy ou Pierre JacquesHernandes Delamoy ou Pierre Jacques Hernandes Delannoy ou Pierre Delanoy ouHenry Ogle (Advogado: Defensor Público-Geral da União).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de extradição, nostermos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello eEros Grau. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

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Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. AntonioFernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 19 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

RECLAMAÇÃO 1.013 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Nelson Jobim

Reclamante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS — Reclamado: Juiz deDireito da 2ª Vara da Comarca de Três Rios

Constitucional. Norma legal que, declarada constitucional, geraeficácia contra todos e efeito vinculante. Desrespeito a essa decisão.Cabimento da reclamação. Ação julgada procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,julgar procedente a reclamação, vencido o Relator.

Brasília, 7 de junho de 2000 — Nelson Jobim, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao proceder ao exame do pedido de concessão demedida acauteladora e indeferi-la, assim retratei a espécie:

O Instituto Nacional do Seguro Social evoca o que decidido, no campoprecário e efêmero da liminar, na Ação Declaratória n. 4-6, para sustentar ocabimento desta reclamação. O pano de fundo é único e diz com o deferimento,pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Três Rios, da tutela antecipada, restabelecen-do, assim, o pagamento de benefício previdenciário. O Reclamante assevera quetal providência judicial conflita com o preceito do artigo 1º da Lei n. 9.494, de 10de setembro de 1997, cuja constitucionalidade foi proclamada, liminarmente, nacitada declaratória, e pleiteia, destarte, seja concedida liminar para suspender aeficácia do ato judicial referido, ou seja, afastar-se do cenário jurídico a tutela.

O Ministro Carlos Velloso, no exercício da Presidência, despachou à folha30, determinando a requisição de informações, diante das quais seria apreciado opedido de suspensão liminar da tutela.

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Aos autos vieram as informações de folhas 38 a 41, no sentido da imperti-nência do que articulado. Consoante se afirma, o artigo 1º da Lei n. 9.494/97remete ao artigo 1º da Lei n. 5.021/66, e este último é estranho aos benefíciosprevidenciários, apenas vedando a concessão de liminar ligada a vencimentos evantagens pecuniárias requeridas pelos servidores públicos. Em passo seguinte,argumenta-se não haver sido esgotado, no deferimento da tutela, o objeto da açãoajuizada, isso tendo em conta as parcelas vencidas (folha 47).

A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de folhas 50 a 54, nosentido da improcedência da reclamação. Em síntese, a peça revela que não se tem, naespécie, a incidência do disposto no artigo 1º da Lei n. 9.494/97 e, portanto, não seconfigurou o desrespeito ao pronunciamento desta Corte, no âmbito da liminar, aoapreciar a Ação Declaratória n. 4/DF. De acordo com o Ministério Público Federal,enquanto em jogo proventos, o óbice previsto à concessão da tutela antecipada dizrespeito à reclassificação, equiparação, aumento ou extensão de vantagem, ou mes-mo pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público.

À folha 58, despachei, determinando fossem solicitadas informações sobre asituação em que se encontra o processo no qual implementada a tutela. Aos autosveio o ofício de folhas 71 e 72, noticiando que o processo acha-se na fase deespecificação de provas. Os autos voltaram-me conclusos em 29 de setembro de1999, sendo que neles lancei visto no dia 2 de outubro imediato.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Ao indeferir a liminar, assim me expressei:

Em primeiro lugar, ressalte-se a pertinência do agravo contra decisõesprolatadas em antecipação de tutela. O recurso é cabível para o tribunal a queesteja vinculado o autor do citado ato judicial, podendo este deferir o efeitosuspensivo. Em um segundo passo, vale registrar que esta Corte, julgando aQuestão de Ordem na Declaratória n. 1, assentou, fiel ao texto do § 2º do artigo102 da Constituição Federal, que o efeito vinculante, relativamente aos provi-mentos nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativofederal, está jungido às decisões definitivas de mérito, com as quais não seconfunde mera providência acauteladora. Acresce, ainda, que, como bem salien-tado pelo Juízo, o artigo 1º da Lei n. 9.494/97 não alberga controvérsia sobrebenefício previdenciário. Aliás, a premência que cerca tal espécie de pleitodireciona a considerar-se a adequação da tutela (folhas 47 e 48).

A par dos aspectos supra, consentâneos com o ordenamento jurídico constitucio-nal, tem-se que o próprio Instituto, antes de ingressar com esta medida reclamatória,interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região,atacando, na via própria, a tutela deferida. Entrementes, veio a utilizar nova via,escolhendo o Órgão para exercer crivo, ou seja, o Supremo Tribunal Federal. Oagravo foi interposto em 17 de dezembro de 1998, sendo que esta reclamação foiformalizada em fevereiro de 1999 — folha 68. Vê-se o paradoxo a que levou a

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concessão da liminar na Declaratória n. 4. Jurisdicionados passaram a contar com apossibilidade de escolher não só a medida a ser intentada — agravo de instrumentoou reclamação — mas também o Órgão de atuação — o Tribunal Regional Federal ouo Supremo Tribunal Federal. Acresce a isso que não se trata sequer de hipótesecoberta pela liminar da Declaratória n. 4. Conforme ressaltado no parecer da lavra doSubprocurador-Geral da República Dr. Flávio Giron, a Lei n. 9.494/97, que, ao quetudo indica, precisou do endosso desta Corte para tornar-se obrigatória no territórionacional, versa tão-somente sobre os servidores públicos, não apanhando o artigo 1º oreconhecimento de proventos, de benefício previdenciário. Eis o que disposto noartigo 1º da Lei n. 9.494/97:

Art. 1º Aplica-se à tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Códigode Processo Civil o disposto no arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei n. 4.348,de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu § 4º da Lei n. 5.021, de 09 de junho de1966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992.

Ora, na espécie, sem cogitar-se da liquidação de parcelas atrasadas, o que bemcomprova que não se esgotou o objeto da ação intentada, determinou-se, apenas, orestabelecimento de quadro que vinha sendo observado há dezessete anos e querevelava o pagamento de proventos, tendo em conta a satisfação de benefícioprevidenciário.

Por tais razões, julgo improcedente esta reclamação.

VOTO

O Sr. Ministro Nelson Jobim: Sr. Presidente, o STF, na ADC 4/DF, por votaçãomajoritária,

“(...)

(...) deferiu, em parte, o pedido de medida cautelar, para suspender, comeficácia ex nunc e com efeito vinculante, até final julgamento da ação, a prolaçãode qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada, contra a Fazenda Pública,que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade doart. 1º da Lei n. 9.494, de 10-9-97, sustando, ainda, com a mesma eficácia, osefeitos futuros dessas decisões antecipatórias de tutela já proferidas contra aFazenda Pública (...)

(...)”

Em face dessa decisão, está vedada a concessão de tutela antecipada contra aFazenda Pública — CPC, arts. 273 e 461.

No Supremo, a Reclamação é o remédio

“(...)

(...) para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suasdecisões.

(...)” (CF, art. 102, I, l).

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No caso, ao conceder a tutela antecipada, o juízo contrariou a decisão proferida naADC 4, que tem efeito vinculante e eficácia contra todos (CF, art. 102, § 2º).

Em face do exposto, conheço da Reclamação para julgá-la procedente.

EXTRATO DA ATA

Rcl 1.013/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão:Ministro Nelson Jobim. Reclamante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS(Advogado: Ayres Antonio Pereira Carollo). Reclamado: Juiz de Direito da 2ª Varada Comarca de Três Rios.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo. Votou oPresidente. Ausentes, justificadamente, os Ministros Néri da Silveira, Sydney Sanches,Ilmar Galvão e, neste julgamento, o Ministro Moreira Alves. Plenário, 1º-6-2000.

Retificação de decisão: O Tribunal, por unanimidade, decidiu retificar a procla-mação da decisão proferida na Rcl n. 1.013-9/RJ, constante da Ata da Décima QuintaSessão Extraordinária, realizada em 1º de junho de 2000, que passa a ser a seguinte: “OTribunal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator), julgou procedentea reclamação. Votou o Presidente”. Redigirá o acórdão o Ministro Nelson Jobim.Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence e Ilmar Galvão.

Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão os Ministros MoreiraAlves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Celso de Mello, MarcoAurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Procurador-Geral da República, Dr. GeraldoBrindeiro.

Brasília, 7 de junho de 2000 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.056 — MS

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso

Agravante: AMATRA XXIV – Associação dos Magistrados da Justiça do Traba-lho da 24ª Região — Agravada: União

Constitucional. Administrativo. Magistrado: remuneração: verbade representação: cálculo.

I - A verba de representação incide sobre o vencimento básico enão sobre a soma dele com “parcela autônoma de equivalência”.Resolução Administrativa do STF adotada na Sessão Administrativade 10-2-1993.

II - Precedentes do STF.

III - Agravo não provido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, negarprovimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausentes,justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Gilmar Mendes e,neste julgamento, o Ministro Carlos Britto.

Brasília, 24 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, com pedido dereconsideração, fundado no art. 317 do RI/STF, interposto pela Associação dos Magis-trados da Justiça do Trabalho da Vigésima Quarta Região – AMATRA XXIV, naqualidade de substituta processual dos magistrados da Justiça do Trabalho da 24ªRegião, da decisão (fls. 213-216) que, em sede de ação originária, negou seguimento aopedido e determinou seu arquivamento, sob o fundamento de que, nas ADIs 2.098/ALe 2.107/DF, esta Corte decidiu que a “parcela autônoma de equivalência”, decorrenteda Lei 8.448/92, integra os vencimentos de seus Ministros para todos os efeitos legais,exceto para o cálculo da representação, a qual leva em conta tão-somente o vencimentobásico.

Sustenta a agravante, em síntese, o seguinte:

a) a peculiaridade da situação dos magistrados da Justiça do Trabalho que, porforça do decidido pelo STF na ADI 1.899/DF, tinham seus vencimentos “fixadosdiretamente pela Constituição Federal, em razão da regra que impedia o recebimentode vencimentos inferiores, entre os magistrados integrantes de cada uma das instânci-as, ao valor equivalente de 5%” (fl. 221);

b) a “parcela autônoma de equivalência” foi instituída tão-somente para evitardesigualdade de vencimentos dos membros do Supremo Tribunal Federal com osmembros do Poder Legislativo;

c) se o STF decidiu, na ADI 1.899/DF, que os magistrados da Justiça do Trabalhotêm seus vencimentos fixados por resolução, visando observar o art. 93, V, da CF, averba de representação deve incidir sobre esses vencimentos, que não consideram aexistência de “parcela autônoma de equivalência”.

Ao final, requer a agravante a reconsideração da decisão impugnada, para que,dando seguimento à ação, seja o feito incluído em pauta de julgamento ou, caso assimnão entenda, seja o agravo provido para julgar procedente o pedido.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Tem este teor a decisão agravada, ora sobexame:

“(...)

Em caso semelhante, AO 657/DF, escrevi:

‘(...)

A questão aqui debatida foi solucionada, em termos definitivos, peloSupremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 2.098/AL e 2.107,ambas relatadas pelo Ministro Ilmar Galvão (DJ de 14-12-2001). No seuvoto, registrou o Ministro Ilmar Galvão, com o apoio dos seus pares:

‘(...)

O Supremo Tribunal Federal, na 1ª Sessão Administrativa de1993, realizada em 10 de fevereiro, assentou o entendimento de que ‘anatureza jurídica da parcela autônoma correspondente à diferençadecorrente da Lei n. 8.448/92 (art. 1º, parágrafo único) (parcela autôno-ma de equivalência) é a de vencimento, que, somado ao vencimentobásico e à representação, compõe os vencimentos dos Ministros do STF,para todos os efeitos legais, exceto para cálculo da representação, queleva em conta apenas o vencimento básico’, sendo a remuneração damagistratura como um todo calculada tendo em vista essa posição.

Não poderia ser diferente, considerado que, com a fixação deuma cifra para a remuneração de Deputados e Senadores, por meio doDecreto Legislativo n. 7 (DO de 23-1-95), os vencimentos de Ministrodo Supremo Tribunal Federal foram-lhe equiparados, por força domencionado dispositivo legal, com reflexo para os demais magistra-dos dos diversos graus, estando compreendidas no respectivoquantum, por óbvio, todas as parcelas compreendidas no conceito devencimentos, notadamente a gratificação de representação, permane-cendo excluído de seu âmbito, por isso, apenas o adicional por tempode serviço, que constitui vantagem de natureza pessoal.

(...)’. (DJ de 27-8-2002)

Assim posta a questão, nego seguimento ao pedido e determino o seuarquivamento.’

No mesmo sentido foram as decisões proferidas na Ações Originárias 757/SC,773/MG, 946/RS, 989/SP, DJ de 9-6-2003, 30-4-2003, 29-10-2003 e 1º-8-2003,por mim relatadas.

Do exposto, reportando-me aos precedentes, nego seguimento ao pedido edetermino o seu arquivamento, condenada a vencida no pagamento da verbahonorária de R$ 500,00 (quinhentos reais), corrigida monetariamente.

(...)” (Fls. 213-216).

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A decisão é de ser confirmada, por seus fundamentos, porque assentada najurisprudência da Casa, conforme nela mencionado.

Além dos precedentes indicados na decisão agravada, há outros. Na AO 786-AgR/DF,Relator o Ministro Maurício Corrêa, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“Ementa: Agravo regimental. Juízas do trabalho. Base da verba derepresentação. Recálculo. Sessão administrativa do STF, de 10-2-93. Medi-das cautelares e decisões de mérito em ações diretas de inconstitucionalidade.Superveniência da Lei 10.474, de 27-6-02. Perda do objeto: não-ocorrência.

1. Esta Corte pacificou exegese de que o cálculo da verba de representaçãodeve ser feito apenas sobre o vencimento básico, excluindo-se o complementar.

2. Lei 10.474, de 27-6-02, que dispõe sobre a remuneração da magistraturada União. Não há falar em perda do objeto se entre a data da propositura da açãoe a edição da nova lei o alegado direito ao recálculo da verba de representaçãodeveria ser examinado à luz da legislação anterior.

Agravo regimental a que se nega provimento.” (DJ de 7-2-2003)

No mesmo sentido: AO 755/PR, Ministro Sydney Sanches, DJ de 25-4-2003;AO 719/SC, Ministro Maurício Corrêa, DJ de 16-5-2003; AO 867/DF, MinistroSepúlveda Pertence, DJ de 13-9-2002; AO 785/MG, Ministra Ellen Gracie, DJ de7-2-2003.

Do exposto, nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA

AO 1.056-AgR/MS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: AMATRAXXIV – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 24ª Região (Advo-gados: Alberto Pavie Ribeiro e outro). Agravada: União (Advogado: Advogado-Geralda União).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental,nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Gilmar Mendes e, neste julgamento, o Ministro Carlos Britto.Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosae Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro GurgelSantos.

Brasília, 24 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.160 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar Peluso

Agravantes: Suzana de Camargo Gomes e outro — Agravados: Tribunal RegionalFederal da 3ª Região, Márcio José de Moraes, Anna Maria Pimentel, Diva PrestesMarcondes Malerbi, Marli Marques Ferreira, Ramza Tartuce Gomes da Silva, MariaSalette Camargo Nascimento, Newton de Lucca, Otávio Peixoto Júnior, Fábio Prieto deSouza, Cecília Maria Piedra Marcondes, Therezinha Cazerta, Nery da Costa Júnior,Mairan Gonçalves Maia Júnior, Alda Maria Basto Caminha Ansaldi, Luis Carlos HirokiMuta, Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Luís Antonio Johonsom Di Salvo,Pedro Paulo Lazarano Neto, Nelton Agnaldo Moraes dos Santos, Sérgio do Nascimento,Leide Polo Cardoso Trivelato, Eva Regina Turano Duarte da Conceição, Vera LuciaRocha Souza Jucovsky, Regina Helena Costa, André Custódio Nekatschalow, NelsonBernardes de Souza, Carlos André de Castro Guerra, Jediael Galvão Miranda, Walter doAmaral, Luiz de Lima Stefanini, Luís Paulo Cotrim Guimarães, Maria Cecília Pereira deMello, Marianina Galante, José Eduardo Barbosa Santos Neves, Vesna Kolmar eAntonio Carlos Cedenho

Competência originária. Supremo Tribunal Federal. Não-caracte-rização. Mandado de segurança. Ato administrativo. Impetração contraeleição do Presidente e do Corregedor-Geral de Tribunal Regional Federal.Impedimento ou suspeição dos membros votantes. Não-ocorrência teórica.Interesse direto ou indireto deles ou da magistratura. Inexistência. Compe-tência do próprio Tribunal Regional. Pedido não conhecido. Agravoimprovido. Aplicação das Súmulas 623 e 624 do STF. Inteligência do art.102, I, n, da CF. Voto vencido. 1. O Supremo Tribunal Federal não temcompetência para conhecer, originariamente, de mandado de segurançaimpetrado contra eleição para cargos de direção de outro Tribunal, naqual não há interesse direto nem indireto da magistratura. 2. O fato de osmembros do Tribunal terem participado da votação da eleição, impug-nada em mandado de segurança, não os torna a priori impedidos oususpeitos, nem interessados diretos ou indiretos na solução da causajurisdicional.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por maioria, negar provimento ao agravo, nos termos do voto doRelator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Votou o Presidente,Ministro Nelson Jobim.

Brasília, 17 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Cezar Peluso,Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Trata-se de agravo regimental interposto contradecisão de fls. 89/93, do seguinte teor:

“Decisão: 1. Trata-se de ação originária (mandado de segurança), compedido de liminar, movida por Suzana de Camargo Gomes e André NabarreteNeto, contra ato do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, em sessãoadministrativa, procedeu à eleição do novo Corpo Diretivo da Casa, para o biênio2005/2007.

Alegam os impetrantes que, ao eleger a Desembargadora Federal DivaMalerbi para a presidência daquele Tribunal Federal, teria sido ofendido o art.102, caput, da Loman, por ter ela exercido cargos de direção por quatro anosininterruptos (Corregedora-Geral, no biênio 2001/2003, e Vice-Presidente, nobiênio 2003/2003).

E, quanto à eleição da Desembargadora Marli Ferreira para o cargo deCorregedora-Geral, argúem inobservância do requisito da antiguidade, pois teriaantigüidade inferior à dos impetrantes.

Daí aduzem violação ao direito líquido e certo de serem elevados a cargo dedireção.

Requerem concessão de liminar, para sustar as posses das Exmas.Desembagadoras Federais Diva Malerbi e Marli Ferreira, designando-se, pararesponderem provisoriamente pelas atribuições da Presidência e da Corregedoria-Geral, os dois Desembargadores Federais de maior antigüidade, excetuando-se osora impetrantes e os eleitos.

No mérito, pedem a concessão da segurança, para o fim de se anular aeleição, determinando-se que outra se realize com observância do art. 102 daLoman.

No que respeita à competência deste Tribunal, invocam o art. 102, I, n, daCF, afirmando desnecessária a oitiva dos magistrados para declararem, expressa-mente, seu interesse na causa, pois, ao votar, teriam viabilizado a prática oraatacada.

2. Incompetente esta Corte.

A norma do art. 102, I, n, da Constituição Federal é de alcance estrito, nãoincidindo quando se não configure interesse de todos ou de mais da metade dosmembros da magistratura, ou não haja efetiva declaração de impedimento porparte deles (cf. AO n. 520, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 14-5-1999; AO n. 465,Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 25-4-1997).

Não é consistente a alegação de que todos os membros do Tribunal tido porcoator estariam impedidos em razão do interesse revelado na só participação nasessão administrativa em que se realizaram as eleições impugnadas, porque talparticipação em si não faz presumir suspeição nem impedimento que fosse capazde atrair o feito à órbita de competência desta Corte.

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Em casos de todo semelhantes, em que excogitou o mesmíssimo argumentobásico, já deu esta Corte por sua incompetência (AO n. 813-AgR, Rel. Min.Sepulveda Pertence, DJ de 31-8-2001; AO n. 1.132, Rel. Min. Carlos Velloso,DJ de 1º-2-2005; MS n. 25.143-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 14-12-2004. Cf. ainda, neste último, liminar indeferida pelo Min. Nelson Jobim, DJ de2-12-2004). E, de um deles, é, para resumir, muito expressiva a ementa, que reza:

“Constitucional. Competência originária do STF. Eleição de tribu-nal. Mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Justiçado Mato Grosso do Sul. CF, art. 102, I, n. I - Mandado de segurançaimpetrado contra ato do Tribunal de Justiça que, quebrando a regra daantigüidade, prevista no art. 102 da Loman, preencheu, por eleição, ocargo de vice-presidente da corte. A competência para o julgamento dowrit é do próprio Tribunal, dado que a competência para o julgamento demandado de segurança impetrado contra ato de Tribunal é do próprioTribunal. II - Os pressupostos do impedimento e da suspeição, impedi-mento e suspeição que gerariam a competência do Supremo TribunalFederal, na forma da alínea n do inc. I do art. 102 da Constituição, devemser apreciados pelo Tribunal competente, em princípio, para o julga-mento da causa. Precedentes do STF. III - A regra de competênciainscrita no art. 102, I, n, da Constituição, pressupõe, ademais, um proce-dimento de natureza jurisdicional no Tribunal de origem. IV - Mandadode segurança não conhecido. Remessa dos autos ao Tribunal de Justiçado Mato Grosso do Sul” (AO n. 176, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 18-6-1993).

Os elementos típicos de hipótese de suspeição ou impedimento, cuja confi-guração possa desencadear a competência desta Corte, devem ser estimados, emprimeira mão, pelo Tribunal competente para o julgamento da causa, ou seja, naespécie, o mandado de segurança.

É que, doutro modo, em todos os casos de deliberação administrativa de queparticipam os membros de Tribunal ou de órgão especial, jamais se poderia pensarna própria competência deste ou daquele, cujo reconhecimento teórico está hojefora de dúvida (Súmula 624). Mas, como é óbvio, a mera participação em decisãoadministrativa e, até, jurisdicional não implica suspeição nem impedimentoautomático, porque a presunção é, antes, de que os magistrados participantes têm,em princípio, isenção para rever, em sede jurisdicional, o que eles mesmos hajamdeliberado alhures. Só quando, por motivos sérios, previstos nas hipótesesnormativas (arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil), não se sintam ou,objetivamente, não possam considerar-se isentos, é que devem declarar-se tais exofficio ou provocados mediante argüição simples ou exceção ritual, cuja deduçãoserá indispensável para gerar a causa de eventual deslocamento da competênciapara esta Corte.

Está aí a razão por que a Corte assentou o entendimento de inaplicabilidadeimediata da regra especial de competência objeto do art. 102, I, n, da Constituiçãoda República, quando a alegação de interesse dos membros do Tribunal de

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origem diga respeito a procedimento de caráter administrativo, desprovido deconteúdo jurisdicional, pois não há nisso presunção de suspeição nem de impe-dimento (AO n. 968-QO, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 4-4-2003; AO n. 474,Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 3-2-1997; AO n. 1.108, Rel. Min. Celso deMello, DJ de 7-4-2005; MS n. 21.016, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 26-10-1990; MS n. 21.735, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 11-3-1994; MS n. 21.306,Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 12-2-1993; AO n. 146, Rel. Min. OctavioGalloti, DJ de 25-4-1997; AO n. 813-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de31-8-2001).

É o que se petrificou na Súmula 623:

“Não gera por si só a competência originária do Supremo TribunalFederal para conhecer do mandado de segurança com base no art. 102, I, n,da Constituição, dirigir-se o pedido contra deliberação administrativa deTribunal de origem, da qual haja participado a maioria ou a totalidade deseus membros”.

3. Diante do exposto, não conheço da presente ação originária, determinan-do a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.”.

Os agravantes insistem no conhecimento do pedido, alegando, em suma, que,tendo sido violado seu direito subjetivo de serem alçados a cargo de direção (fl. 105),o caso implicaria interesse direto da totalidade dos quarenta e dois desembargadores doTribunal Regional Federal, os quais seriam parte na causa a título de litisconsortespassivos, donde a situação prevista no art. 102, I, n, da Constituição da República (i).Criticam a jurisprudência deste Tribunal e aduzem que os precedentes não guardariamidentidade com a matéria do feito (ii). Sustentam que seria ingenuidade supor que osmembros do Tribunal Regional Federal teriam isenção para decidir o caso (iii) e, porfim, que a decisão agravada se apartara do julgamento do MS n. 20.911 (iv).

A Procuradoria-Geral da República é pelo improvimento do agravo regimental(fls. 118/122).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): 1. A decisão agravada invocou e resumiu osfundamentos do entendimento invariável da Corte, cujo teor subsiste intacto aosargumentos do recurso, os quais, a rigor, pouco ou nada acrescentaram à compreensãoe ao desate da quaestio iuris nevrálgica da espécie.

Não se caracteriza aqui nenhuma situação em que seriam interessados, diretos ouindiretos, na solução da causa, todos os membros da magistratura. Argúem os oraagravantes injúria a direito subjetivo próprio, em decorrência de suposta nulidade deeleição para os cargos de Presidente e Corregedor-Geral de Tribunal Regional Federal,donde ser óbvio que interesse jurídico, direto ou indireto, na causa, esse adscreve-seaos impetrantes e aos litisconsortes passivos cuja eleição seria nula, e apenas a estes. Demodo algum pode dizer-se que também o teriam os demais membros do tribunal e,muito menos, todos os integrantes da magistratura, cujas esferas jurídicas não sofrem

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com a resposta que, no mérito, se dê ao pedido, qualquer que ela seja. Em caso análogo,se não idêntico do ponto de vista jurídico, já proclamou esta Corte, em ementaexemplar:

“(...)

4. No mandado de segurança em que juiz de determinado Tribunal pleiteiaser declarado eleito para um dos cargos de sua direção, em detrimento dolitisconsorte — cuja eleição para o mesmo posto pretende nula —, o interessedireto na causa a ambos se adstringe.

5. Com relação aos demais membros do Tribunal, o fato de haverem partici-pado com seus votos da formação dos atos administrativos questionados não lhesacarreta, por si só, nem interesse direto ou indireto na solução do mandado desegurança, nem impedimento para julgá-lo” (AO n. 813-AgR, Pleno, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, DJ de 31-8-2001).

Nem é lícito dizer que seriam litisconsortes passivos os demais membros daquelacorte que votaram, porque de nenhum modo são destinatários dos efeitos jurídicos deeventual sentença de procedência, os quais gravariam apenas o ato administrativo dotribunal, não a condição jurídico-pessoal de seus integrantes. A identificação daspartes ordinariamente legitimadas ad causam opera-se — já ninguém o contesta — porvia de hipótese, discernindo-se quais as pessoas que, em caso de procedência ouimprocedência, suportariam os efeitos jurídicos da sentença como ato final (cf. ElioFazzalari, Istituzioni di Diritto Processuale, Padova, Cedam, 1975, pp. 28-33). Demodo que os demais membros do Tribunal, metê-los todos a fórceps na qualidadeprocessual de litisconsortes passivos é expediente artificioso e frágil para tentar criar-lhes suspeição ou impedimento que a priori não existe.

E não existe, porque, como já acentuou a decisão agravada, a só participação naformação da vontade orgânica inerente ao ato administrativo da eleição, que, comoescolha pessoal, não se guia por lei, mas por livre preferência, não induz, de per si,suspeição nem impedimento dos componentes do órgão, enquanto institutos queconcernem ao exercício da função jurisdicional. No julgamento suso aludido, notouesta Corte, em tópico não menos curial da ementa:

“(...)

6. Do princípio do juiz natural, não cabe inferir a presunção de parcialidadedos magistrados que hajam votado na eleição discutida, para a decisãojurisdicional de sua legitimidade jurídica: de bem pouco valeria a isençãojuramentada dos juízes, se o fato de haver sufragado um ou outro candidato, emdeterminada eleição, tolhesse a cada um dos eleitores a imparcialidade para julgar —à luz dos princípios e não da preferência eleitoral — da validade do pleito” (AOn. 813-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Tampouco colhe a crítica de que se não ajustariam nem acomodariam ao caso osprecedentes que invocou a decisão agravada, quase todos pertinentes à impugnação deeleições de cargos de direção em Tribunal, como o demonstra exame desapaixonado ebreve das referências.

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E, no que respeita à decisão, isolada e velha, do MS n. 20.911 (Rel. Min. OctavioGallotti, Pleno, j. 10-5-1989, in RTJ 128/1141), a que se aferram os agravantes, nãodeixa de ser isso, ou seja, velha e isolada, como faz muito advertiu a Corte:

“É certo que o Supremo Tribunal Federal, como se vê do precedentecolacionado na impetração (RTJ 128/1141), chegou a afirmar a sua própriacompetência originária para processar e julgar, com fundamento no art. 102, I, n,da Constituição, causas mandamentais que versassem matéria como a de que orase cuida. Tratava-se, no entanto, de decisão proferida em momento de indefiniçãojurisprudencial, quando ainda se esboçava, no seio desta Suprema Corte, a fixa-ção de uma diretriz norteadora da posição do STF a propósito dessa especial regrade competência originária proclamada pelo texto da Carta da República. Veio aprevalecer nesta Corte, afinal, o entendimento mais restritivo de que, mesmo emface da previsão excepcional da letra n do art. 102, I, da Carta Política, permaneciavigente a regra consubstanciada no art. 21, VI, da Loman, que atribui originaria-mente aos Tribunais o processo e o julgamento dos mandados de segurançaimpetrados contra seus próprios atos.

(...)

Demais disso, é preciso ter presente que as hipóteses referidas na normaconstitucional supõem a natureza jurisdicional do ato impugnado. O ato aquiquestionado, contudo — eleição para preenchimento de cargo diretivo em Tribu-nal judiciário —, emergiu de procedimento eleitoral, de natureza eminentementeadministrativa, instaurado no âmbito do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná.A participação dos Juízes desse Tribunal no procedimento eleitoral de escolha donovo titular da Presidência da Corte não se revela apta a induzir, só por si, acompetência originária do Supremo Tribunal Federal, visto que esta supõe, paraos fins e efeitos da alínea n do inciso I do art. 102 da Constituição, a existência,atual e concreta, de uma causa no Tribunal de origem, vale dizer, de um procedi-mento de natureza jurisdicional instaurado perante o Tribunal impetrado. É poressa razão que este Supremo Tribunal, na interpretação criteriosa da nova regra decompetência, tem acentuado a inaplicabilidade do art. 102, I, n, da Constituiçãoa situações jurídicas que, como a exposta pelo impetrante, resultam de procedi-mentos revestidos de caráter meramente administrativo: “(...) a Constituição atual —assim como a anterior — não atribui ao Supremo Tribunal Federal competênciapara o processo e julgamento de mandado de segurança contra ato administrativode qualquer Tribunal, e mesmo na hipótese do art. 102, I, n, da CF de 1988,pressupõe que o processo jurisdicional tenha origem noutro Tribunal, hipóteseque aqui não ocorre.” (RTJ 129/596, 610, Rel. Min. Sydney Sanches — grifei).Subsiste, desse modo, em toda a sua plenitude, a competência dos própriosTribunais para apreciarem, originariamente, os mandados de segurança impetradoscontra as suas deliberações administrativas, inclusive aquelas tomadas em proce-dimentos destinados a preencher cargos diretivos. Nesse sentido, cf. a decisãodesta Corte na AO 179/PA, Rel. Min. Celso de Mello, que recusou ao SupremoTribunal Federal competência originária, para, com fundamento no art. 102, I, n,da Carta Política, decidir em sede mandamental — e em face, precisamente, do art.

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102 da Loman —, sobre a validade da escolha, por deliberação plenária doTribunal de Justiça do Estado do Pará, do Presidente daquele colégio judiciáriolocal. Cumpre invocar, ainda, por sua substancial identificação com a quaestiosuscitada na presente causa, decisão unânime do Plenário do Supremo TribunalFederal, proferida no julgamento da AO 176/MS, Rel. Min. Carlos Velloso, cujoacórdão foi assim ementado (RTJ 152/3): “Constitucional. Competência origi-nária do STF. Eleição de dirigentes de Tribunal. Mandado de segurançaimpetrado contra ato do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. CF, art.102, I, n. I - Mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Justiçaque, quebrando a regra da antigüidade, prevista no art. 102 da Loman, preencheu,por eleição, o cargo de vice-presidente da Corte. A competência para o julgamen-to do writ é do próprio Tribunal, dado que a competência para o julgamento demandado de segurança impetrado contra ato de Tribunal é do próprio Tribunal. II -Os pressupostos do impedimento e da suspeição, impedimento e suspeição quegerariam a competência do Supremo Tribunal Federal, na forma da alínea n doinc. I do art. 102 da Constituição, devem ser apreciados pelo Tribunal competen-te, em princípio, para o julgamento da causa. Precedentes do STF. III - A regra decompetência inscrita no art. 102, I, n, da Constituição pressupõe, ademais, umprocedimento de natureza jurisdicional no Tribunal de origem. IV - Mandado deSegurança não conhecido. Remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do MatoGrosso do Sul. “Não se revela passível de dúvida, portanto, que permanecem naesfera de competência originária dos Tribunais o processo e o julgamento dasações de mandado de segurança ajuizadas contra suas próprias deliberaçõesadministrativas, notadamente em face do que preceitua o art. 21, VI, da Loman,não derrogado, neste ponto, pela Constituição de 1988 (RTJ 70/645 — RTJ 78/87 —RTJ 117/65 — RTJ 120/73 — RTJ 128/101 — RTJ 129/1070 — RTJ 132/706 —RTJ 141/1025 — AO 197/RS, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.)” (AO n. 474-MC,Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 3-2-1997).

Tais são as razões por que não seria despropositado observar, ainda uma vez, queo disposto no art. 557 do Código de Processo Civil desvela o grau da autoridade que oordenamento jurídico atribui, em nome da segurança jurídica, às súmulas e, posto quenão sumulada, à jurisprudência dominante, sobretudo desta Corte, as quais não mere-cem controvertidas sem graves razões jurídicas capazes de lhes autorizar revisão oureconsideração.

2. Isso posto, nego provimento ao agravo.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, um dado que me impressio-nou, na leitura de algumas peças, foi que a decisão do Tribunal me pareceu, gritante-mente, salientemente, contrária ao art. 102 da Lei Complementar n. 35, de 14-3-79, eesse aspecto de direito material afigurou-me imbricado com o lado processual da causa.Mas, agora, ouvi, atentamente, o voto do eminente Relator e me dobro à lógica dopensar de S. Exa. para acompanhá-lo.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): À ponderação de V. Exa., noto que meabstive e me abstenho de fazer qualquer consideração a respeito do mérito do pedido,até para que não se alegue prejulgamento desta Corte em caso de eventual recurso.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, não está em jogo — e jásalientou o Ministro Carlos Ayres Britto — o tema de fundo, a eleição, em si, dosdirigentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. A questão é instrumental, ligadaà competência para o julgamento do mandado de segurança. O ajuizamento dessa ação,de envergadura maior, que é o mandado de segurança, ocorreu no âmbito do SupremoTribunal Federal, objetivando afastar do cenário jurídico ato do Tribunal RegionalFederal da 3ª Região que discreparia — e não estamos, aqui, a adotar entendimentosobre a matéria — da Lei Orgânica da Magistratura Nacional quanto à clientela que éformada na Corte, para ter-se a escolha dos dirigentes. Ninguém desconhece que a LeiOrgânica da Magistratura revela, no artigo 21, inciso VI, competir ao próprio Tribunaljulgar mandado de segurança impetrado contra ato que haja a Corte formalizado.

A articulação é outra, todavia. No agravo com o qual nos defrontamos, busca-sedefinir a competência do Supremo Tribunal Federal não a partir dessa norma que, deinício, revela incumbir ao Regional Federal o julgamento do mandado de segurança,mas a partir da cláusula abrangente que está ao término da alínea n do inciso I do artigo102 da Constituição Federal. O que tivemos e temos como pano de fundo? Uma divisãosubstancial da Corte de origem, uma disputa que desaguou na prevalência, obviamen-te, da corrente majoritária, considerados os dois ou, talvez, mais segmentos existentesno Tribunal, e, aí, deu-se a eleição.

Indaga-se: aqueles que sufragaram os nomes dos atuais dirigentes não têm interes-se indireto — contenta-se a alínea n com interesse indireto — na permanência, naintangibilidade do ato de eleição praticado? A resposta para mim é desenganadamentepositiva. Os eleitos, diria que têm interesse direto, e o preceito constitucional refere-sea duas espécies de interesse: direto e indireto.

Votei já sobre a matéria, mas costumo dizer que não tenho compromisso com osmeus próprios erros e estou sempre pronto, porque não sou um juiz turrão, a evoluir, tãologo convencido de assistir maior razão à tese inicialmente repudiada. Cogitar-se deimpetração na Corte de origem é assentar-se a remessa dessa impetração para ascalendas gregas, porque a história tem demonstrado que os mandados de segurança nãoresultam em concessão de medida acauteladora e, geralmente, não têm julgamentoantes de expirados os mandatos para os cargos de direção, já que tais mandatos têmprazo exíguo de dois anos. A alínea n enseja ao Supremo Tribunal Federal um campomuito largo para pinçar este ou aquele processo que entenda deva sair do clima,geralmente apaixonado, existente na Corte que o apreciaria. A cláusula primeira refere-se ao fato de mais da metade dos membros do Tribunal de origem estarem impedidos.Não cogito, aqui, de impedimento, porque não mesclo a atuação administrativa com ajurisdicional. Não há preceito de lei a revelar que os integrantes da Corte, após aeleição, estejam impedidos para julgar qualquer controvérsia sobre essa mesma elei-ção. Não obstante, a cláusula final viabiliza a atuação, presentes as características doconflito de interesse envolvido no processo, ou seja, a alusiva aos interesses diretos eindiretos. O interesse, aqui, não é patrimonial ou individualizado, mas está ligado àmanifestação quanto à escolha deste ou daquele colega para presidir a Corte.

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Peço vênia, e não estou aqui a ser incongruente, para fazer, tendo em conta asespecificidades do caso concreto, uma nova leitura da parte final da alínea n do incisoI do artigo 102 da Constituição Federal, e dizer que, considerada até mesmo uma sadiapolítica judiciária, esse mandado de segurança deve ser apreciado pelo SupremoTribunal Federal, e penso que o será antes de extintos os mandatos em curso.

É como voto, provendo o agravo, e aceito a ponderação que pretende fazer — jáia me esquecendo — o Ministro Cezar Peluso.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Agradeço a gentileza de V. Exa.

A ponderação é que o raciocínio de V. Exa., como sempre muito brilhante efundamentado, revoga as Súmulas n. 623 e 624, porque todas as vezes em que houvermandado de segurança contra ato praticado pelo Plenário de qualquer tribunal, nem aSúmula n. 623 nem a n. 624 serão aplicadas.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não chego a essa visão abrangente.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): O fato de ter participado da formação davontade administrativa do órgão, com voto neste ou naquele sentido, não importa amatéria em discussão, implica sempre o mesmo tipo de interesse dos votantes. E, mais,parece-me decisivo que o interesse por descobrir e apurar, em relação a cada um dosparticipantes da votação, só pode ser visto de duas maneiras: ou interesse irrelevante doponto de vista jurídico, ou interesse relevante do ponto de vista jurídico. Se juridica-mente relevante, importaria sempre suspeição, nos termos do artigo 135, V, do Códigode Processo Civil: é suspeito “o interessado no julgamento da causa em favor de umadas partes”.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não chego a tanto.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Se o Tribunal houver de reconhecer queexista interesse jurídico dos desembargadores, que participaram da votação, na soluçãodeste mandado de segurança, terá também de reconhecer que, embora não haja impedi-mento, há suspeição.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A Constituição não define o interesse; contenta-secom os interesses direto e indireto.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Em qualquer deles haveria suspeição nocargo, e o Tribunal teria de reconhecê-lo.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: É mesmo difícil cogitar-se do interesse jurídicoindireto!

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Sim, mas interesse jurídico indireto, qual-quer que seja, torna os participantes suspeitos. O Tribunal teria de, reconsiderando todaa sua jurisprudência, reconhecer que, automaticamente, o fato de ter participado dadecisão induziria sempre interesse jurídico dos participantes. E isso levar-me-ia arepetir — achei muito importante a observação do Ministro Sepúlveda Pertence — quede pouco valeria o juramento dos juízes de obedecerem à lei e à sua consciência, se ofato de terem participado de votação administrativa os tornasse suspeitos, como inte-ressados, no julgamento do mandado de segurança.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não chego a tanto.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): V. Exa. não chega, mas eu chego, a partirraciocínio de V. Exa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Não colo essa pecha aos meus Colegas integrantesdo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Senhor Presidente, peço vênia para divergir do eminente Relator e dar provimen-to ao agravo regimental.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, antecipei minha dificuldade emseparar o lado puramente formal ou processual da questão de fundo. Deixei-me impres-sionar exatamente pela questão de fundo.

O Tribunal questionado elegeu para a nova mesa diretora do colegiado o presi-dente e o corregedor e, parece-me, em chapada violação — vou repetir o adjetivo doMinistro Sepúlveda Pertence que é tão apropriado, tão carregado de sentido —, emchapada rota de colisão com a Lei Orgânica da Magistratura, o que me parece suscitarum embricamento inafastável e caracterizar o interesse, pelo menos indireto, do Tribu-nal que está a responder pelo mandado de segurança.

Já disse o Ministro Marco Aurélio, a Constituição não se contenta com o interessedireto, vai além e cataloga o interesse indireto para justificar, atrair a competência destaegrégia Corte.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Revelando que o interesse não é jurídico, pelomenos sob o ângulo substancial.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Aí eu até me perguntaria: o que sobraria paracaracterizar o interesse indireto? Que matéria remanesceria?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Embora não sendo parte numa determinadacausa, a questão jurídica nela a ser decidida influi necessariamente sobre a situação dosjuízes.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Relator): Situação jurídica dos juízes.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não há interesse direto, porque senão seria

impedido.O Sr. Ministro Carlos Britto: Certo, e o indireto?O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O indireto é isto: o interesse na questão

jurídica, cuja solução se reflete, necessariamente, na sua posição individual.O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, como esse período de discussão é

propício para o aprofundamento dos debates e o amadurecimento das idéias, tambémnão me pejo em reformular meu voto.

Peço vênia ao eminente Ministro Relator e acompanho o voto do Ministro MarcoAurélio para dar provimento ao agravo.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, se se entende que há interesse dosjuízes, que poderia levar à suspeição desses, é necessário que, no tribunal de origem,seja argüida a suspeição do magistrado; recusada essa suspeição, o Supremo TribunalFederal a apreciará e julgará.

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Ora, se se afirma que há interesse indireto, que possa gerar suspeição, então que seargúa essa suspeição; o juiz dirá se aceita ou não. Se não a aceitar, a questão é deslocadapara o Supremo Tribunal Federal, se abranger mais da metade dos juízes da Corte.

Peço licença aos eminentes Ministros que divergem, para acompanhar o voto doSr. Ministro Cezar Peluso, Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, também peço vênia para, naconformidade dos precedentes e dos argumentos agora trazidos pelo eminente MinistroRelator, negar provimento ao agravo regimental.

A letra n do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal é regra excepcionalís-sima que, com a devida vênia, não pode ser barateada, sob pena de ser mais um fator ainviabilizar a tarefa do Supremo Tribunal Federal naquilo que lhe é próprio e na qualele é insubstituível: a guarda da Constituição.

Notou, com razão, o eminente Ministro Cezar Peluso que a considerar-se haverimpedimento ou suspeição, “interesse indireto”, enfim, para usar da locução constituci-onal, no ter participado de uma eleição, com mais razão haveria esse interesse nos atosadministrativos do Tribunal, resultantes de decisões que envolvem questões jurídicas,cujas soluções, partindo de um Tribunal, há de presumir-se fundada juridicamente.

Ao contrário, na eleição distingue-se claramente um ato de vontade, que é aescolha entre os candidatos registrados, e uma questão jurídica, que depois se lhesubmeta da validade daquele pleito. Senão, repito a brincadeira feita por mim: a JustiçaEleitoral estaria inviável, ou todos os seus juízes estariam impedidos de exercer odireito de voto.

É claro que a solução de os próprios tribunais julgarem os mandados de segurançacontra os seus atos causa preocupação. Está na origem, para os casos extremos, prova-velmente, da letra n. Isso, às vezes, preocupa.

Mas, hoje, há de preocupar menos. O Supremo Tribunal tem de desvestir-sedaquela condição que, às vezes, mais ou menos implicitamente assumiu, de correge-doria nacional do Poder Judiciário. Hoje, na vizinhança do meu gabinete, há um órgãoinstituído para isso: o Conselho Nacional de Justiça.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Que não haja contaminação.O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Exato. Tenho medo. É preciso aprofundar

quais as competências contidas na primeira das missões confiadas ao Conselho Nacio-nal de Justiça, que é a de zelar pelo Estatuto da Magistratura.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, em relação à ponderação que se fazsobre eventuais atrasos no julgamento, até levar a uma prejudicialidade, isso reclama,talvez, normas de organização e procedimento, mais do que uma redefinição, umarecompreensão do artigo 102, I, n, da Constituição Federal.

Com essas achegas, acompanho o voto do eminente Ministro Relator para darprovimento ao agravo.

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EXTRATO DA ATA

AO 1.160-AgR/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Agravantes: Suzana deCamargo Gomes e outro (Advogados: Sergio Ferraz e outro). Agravados: TribunalRegional Federal da 3ª Região, Márcio José de Moraes, Anna Maria Pimentel, DivaPrestes Marcondes Malerbi, Marli Marques Ferreira, Ramza Tartuce Gomes da Silva,Maria Salette Camargo Nascimento, Newton de Lucca, Otávio Peixoto Júnior, FábioPrieto de Souza, Cecília Maria Piedra Marcondes, Therezinha Cazerta, Nery da CostaJúnior, Mairan Gonçalves Maia Júnior, Alda Maria Basto Caminha Ansaldi, LuisCarlos Hiroki Muta, Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Luís Antonio JohonsomDi Salvo, Pedro Paulo Lazarano Neto, Nelton Agnaldo Moraes dos Santos, Sérgio doNascimento, Leide Polo Cardoso Trivelato, Eva Regina Turano Duarte da Conceição,Vera Lucia Rocha Souza Jucovsky, Regina Helena Costa, André CustódioNekatschalow, Nelson Bernardes de Souza, Carlos André de Castro Guerra, JediaelGalvão Miranda, Walter do Amaral, Luiz de Lima Stefanini, Luís Paulo Cotrim Guima-rães, Maria Cecília Pereira de Mello, Marianina Galante, José Eduardo Barbosa SantosNeves, Vesna Kolmar e Antonio Carlos Cedenho.

Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao agravo, nos termos dovoto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto. Votou o Presi-dente, Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 17 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO ORIGINÁRIA 1.230 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso

Agravante: ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça doTrabalho — Agravada: União

Constitucional. Subsídio de Ministro do Supremo Tribunal. Associa-ção de juízes trabalhistas: ilegitimidade ativa.

I - Ilegitimidade ativa de associação de juízes trabalhistas parapleitear majoração da remuneração dos Ministros do Supremo Tribu-nal.

II - Ação julgada extinta sem julgamento do mérito. Agravo nãoprovido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro NelsonJobim, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, porunanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto doRelator. Ausentes, justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso deMello e Gilmar Mendes.

Brasília, 24 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, com pedido dereconsideração, interposto pela ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistra-dos da Justiça do Trabalho, da decisão (fls. 427-434) que, em sede de ação originária,julgou extinto o feito sem julgamento do mérito, sob o fundamento de que umaassociação de juízes trabalhistas não tem legitimidade nem interesse direto para pleite-ar, por equiparação aos membros do Poder Legislativo, a incorporação de dois subsídiosadicionais à remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ainda que citadamajoração beneficie a magistratura trabalhista.

Sustenta a agravante, em síntese, o seguinte:

a) os magistrados da Justiça do Trabalho, como os demais servidores, possueminteresse direto na fixação da equivalência da remuneração dos membros dos Poderes,pois a própria Lei 8.884/92 afirmou que os valores poderão ser utilizados para os finsprevistos na lei e como teto máximo de remuneração;

b) a “parcela autônoma de equivalência” não foi instituída exclusivamente paraos Ministros do Supremo Tribunal Federal, mas constitui dispositivo a ser utilizado portodos os servidores públicos alcançados pela Lei 8.884/92;

c) legitimidade e interesse de agir, porquanto, “da mesma forma como esse eg.STF reconheceu à Ajufe”, na AO 630/DF, “legitimidade para impugnar judicialmentea omissão relativa à não inclusão do auxílio-moradia, haveria de reconhecer àAnamatra a legitimidade para impugnar judicialmente a omissão relativa à nãoinclusão de qualquer outra verba remuneratória paga aos membros do PoderLegislativo que não tivesse sido considerada por esse eg. STF quando da fixação daparcela autônoma de equivalência” (fl. 452).

Ao final, requer a agravante a reconsideração da decisão impugnada para que sedê seguimento à ação ou, caso assim não entenda, seja o agravo provido para julgarprocedente o pedido.

Autos conclusos em 30-8-2005 e mandados à Mesa em 17-10-2005.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim a decisão agravada, ora sob exame:

“(...)

Destaco do parecer da Procuradoria-Geral da República, fls. 416-422, lavra-do pelo ilustre Procurador-Geral, Dr. Antônio Fernando de Souza:

‘(...)

13. Analisando os autos, observa-se que a associação autora pretendeobter a incorporação de dois subsídios adicionais, por ela denominados de14º e 15º subsídios, à remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal,posto que tais espécies remuneratórias encontram-se garantidas aos membrosdo Congresso Nacional, nos termos do Decreto Legislativo n. 007/95, e que,por via de conseqüência, também seriam devidas aos membros do PoderJudiciário, em atenção à equivalência promovida pelo artigo 1º, parágrafoúnico, da Lei 8.448/92.

14. Inicialmente, cabe destacar que esse Supremo Tribunal Federalconstitui o órgão competente para a apreciação e julgamento do feito, nostermos do artigo 102, inciso I, alínea n, da Constituição Federal de 1988,haja vista o interesse da magistratura no que tange à matéria discutida nosautos.

15. Entretanto, ainda em sede de análise preliminar, impende ressaltara falta de legitimidade da associação autora. É que a pretensão deduzida napresente ação consiste justamente na percepção de dois subsídios adicio-nais pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

16. Com efeito, o artigo 1º, parágrafo único, da Lei 8.448/92, mencio-nado pela demandante como fundamento de sua pretensão, assegurava, aotempo de sua vigência, o direito à equiparação entre a remuneração dosmembros do Congresso Nacional e a percebida pelos Ministros do SupremoTribunal Federal, e não com a de todos os membros do Poder Judiciário.

17. Nesse sentido, o interesse da magistratura trabalhista no feito dá-seapenas de maneira reflexa e indireta, eis que, de fato, o acréscimo de maisdois subsídios à remuneração dos Ministros do STF acarretará o aumento naremuneração dos magistrados substituídos, em observância aoescalonamento estabelecido pelo constituinte no artigo 93, inciso V, dotexto constitucional.

18. No entanto, verifica-se que o direito à percepção dos subsídiosadicionais pleiteados, caso existente, pertenceria aos Ministros do STF, enão aos magistrados trabalhistas. No caso em exame, não se afigura possívelà associação autora pleitear verbas remuneratórias eventualmente perten-centes a Ministros do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual há de serdecretada a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos doartigo 267, inciso VI, do CPC, por falta de legitimidade ativa dademandante.

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19. No mérito, o pleito formulado pela demandante não merece pros-perar.

20. Em primeiro lugar, importa esclarecer que a equivalência daremuneração sustentada pela associação autora não possui previsão cons-titucional. O artigo 37, inciso XI, da Carta Magna, mesmo em suas reda-ções anteriores, não previu a fixação de subsídios equivalentes entre osMinistros do Supremo Tribunal Federal e os membros do Congresso Nacio-nal.

21. Na verdade, tal equiparação foi promovida, sem afronta ao textoconstitucional, pela legislação ordinária, por ocasião da regulamentação dodispositivo constitucional acima mencionado.

22. De fato, a Lei 8.448/92, em seu artigo 1º, parágrafo único, dispôs,à época de sua vigência, que:

‘Art. 1º (...)

Parágrafo único. Os valores percebidos pelos membros do Con-gresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribu-nal Federal, sempre equivalentes, somente poderão ser utilizados paraos fins previstos nesta lei e como teto máximo de remuneração’.

23. A redação desse dispositivo, atualmente revogado pela Lei n.10.593, de 6-12-2002, levou o Supremo Tribunal Federal a estabelecer,administrativamente, a chamada ‘parcela autônoma de equivalência’,objetivando o cumprimento da equiparação promovida pela referida leiordinária.

24. No entanto, atualmente a questão perdeu o seu objeto. Com oadvento da Lei n. 10.474/2002, que dispôs sobre a remuneração da magis-tratura da União, não mais subsiste o fundamento da equivalência, eis queesse novo diploma legal estabeleceu, no parágrafo 3º do artigo 1º de seutexto que:

Art. 1º (...)

§ 3º A remuneração decorrente desta Lei inclui e absorve todos equaisquer reajustes remuneratórios percebidos ou incorporados pelosMagistrados da União, a qualquer título, por decisão administrativaou judicial, até a publicação desta Lei.

25. Com o advento desse novo diploma legal, dispondo a respeito daremuneração dos membros da Magistratura da União, não mais passou asubsistir a regra da equivalência. Tanto é assim que o próprio SupremoTribunal Federal editou, em seguida, as Resoluções n. 235 e 236, tambémdo ano de 2002, tornando pública a nova tabela remuneratória dos membrosda magistratura.

26. Acrescente-se ainda o fato de que, em razão disso, o próprio artigo1º, parágrafo único, da Lei 8.448/92 foi revogado pela Lei n. 10.593/2002.

27. Esse foi o entendimento adotado pelo Ministro Nelson Jobim, porocasião da análise da AO 630/DF, na qual a AJUFE pleiteava a concessão de

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auxílio-moradia, também sob o fundamento da equivalência. Segue abaixotranscrito trecho da decisão proferida nos referidos autos:

‘(...) Em 28 de junho de 2002, adveio a Lei 10.474. Dispõe sobrea remuneração dos Ministros do STF e das repercussões quantos aosdemais membros da magistratura da União. A alteração procedida novencimento básico dos Ministros do STF repercutiu na composição daremuneração dos demais membros da Magistratura da União (CF, art.93, V, redação original). Tal alteração legal atingiu o fundamento dopedido formulado na inicial — a equivalência — e as razões jurídicasde concessão da liminar. (...) Em decorrência da alteração legislativa,o Senhor Ministro Presidente do STF, através da Resolução n. 235, de10-7-2002, republicada no DO de 23 de julho, tornou Art. 1º. (...)pública a tabela, (...), dos valores a serem observados, a título deremuneração da magistratura, com vigência a partir de junho de 2002.

Por outro lado, em 19 de julho, o Senhor Ministro Presidente doSTF editou a Resolução n. 236 que dispôs ‘(...) sobre a remuneração deMinistro do Supremo Tribunal Federal.’ (...) A legislação subseqüenteà presente ação e à liminar de 27 de fevereiro de 2000 modificou,substancialmente, a situação de fato que dava, até então, substância eplausibilidade ao pedido então formulado. A novel legislação, para ofuturo, desqualificou os fundamentos da demanda e as razões daliminar. Não mais subsiste o fundamento da equivalência. A novellegislação obviou o problema. (...)

Aliás, a novel legislação sobre a remuneração da magistraturacurva-se, como não podia deixar de ser, à transparência, jurídica emoralmente exigível, dos procedimentos administrativos dos tribu-nais. Foi o norte da formulação legislativa. Tal é o que a Nação esperados Tribunais. Por tudo que se afirmou, o pedido perdeu objeto. Estáatendido nas Leis 10.474/2002 e 10.527/2002 e, ainda, nas Resolu-ções n.s 235 e 236/2002 (...)’ (AO 630/DF, Relator: Ministro NelsonJobim, DJ 27-8-2002, p. 67, grifo nosso).

28. Desse modo, não mais subsistindo atualmente o direito à equipara-ção postulada na petição inicial, não há que se falar em direito à incorpora-ção de dois subsídios mensais, na forma percebida pelos membros do Con-gresso Nacional.

29. Também não há direito à percepção retroativa dos mencionadossubsídios, correspondente ao período anterior ao advento da Lei 10.474/2002.

30. Com efeito, a pretensão da associação autora somente poderia seracolhida caso houvesse lei concedendo aos seus associados o benefíciopretendido, de forma específica, o que não ocorre na hipótese dos autos. Oque se verifica, em realidade, é a pretensão de majoração da remuneração,com o acréscimo de dois subsídios adicionais por ano, sob o fundamento da

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isonomia, por meio de ato do Poder Judiciário, em flagrante afronta aoPrincípio da Independência dos Poderes da União, bem como à orientaçãocontida na Súmula n. 339 do STF:

‘Não cabe ao Poder Judiciario, que não tem função legislativa,aumentar vencimentos de servidores publicos sob fundamento deisonomia.’

31. Convém ressaltar que todas as vantagens específicas concedidasaos magistrados encontram-se previstas na Lei Complementar 35/79, deforma taxativa, sendo que em referido diploma legal não se faz alusão àpercepção dos subsídios pleiteados pela autora. Desse modo, observa-seque, mesmo na data do ajuizamento da ação, não existia qualquer situaçãojurídica que possibilitasse o acolhimento da pretensão ora deduzida, nãohavendo que se falar, desse modo, em eficácia retroativa da equiparaçãopostulada na petição inicial.

32. Desse modo, eventual concessão do direito pleiteado não poderiarevestir-se de eficácia retroativa, à semelhança do tratamento conferido poressa Corte ao ‘auxílio-moradia’.

Nesse sentido, ante os argumentos acima expostos, manifesta-se oMinistério Público Federal pela extinção do processo sem julgamento domérito ou pela improcedência do pedido.’ (Fls. 418-422)

O que pretende a autora é a incorporação de dois subsídios adicionais àremuneração dos Ministros do Supremo Tribunal, por isso que esses subsídiosteriam sido concedidos aos membros do Congresso Nacional. Assim, seriam elesdevidos aos Ministros do Supremo, tendo em vista a equivalência inscrita no art.1º, parágrafo único, da Lei 8.448/92.

Todavia, como sustenta o Ministério Público Federal, a autora, uma asso-ciação de juízes trabalhistas, não tem legitimidade para pleitear majoração daremuneração dos Ministros do Supremo Tribunal. É verdade que, concedida fossecitada majoração, a magistratura trabalhista acabaria beneficiada. Tem-se, noentanto, interesse indireto, reflexo, que não seria capaz de conferir à associaçãodos magistrados trabalhistas legitimidade para a causa. É que não representa elaos Ministros da Corte Suprema.

Do exposto, julgo extinto o feito sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, VI).

(...).” (Fls. 429-434)

A decisão é de ser mantida.

É que, conforme ficou esclarecido, o que pretende a autora é a incorporação dedois subsídios adicionais à remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal Federal,por isso que esses dois subsídios teriam sido concedidos aos membros do CongressoNacional. Assim, seriam tais subsídios devidos aos Ministros do Supremo Tribunal,tendo em vista a equivalência inscrita no art. 1º, parágrafo único, da Lei 8.448/92.

Ora, uma associação de juízes trabalhistas não tem legitimidade para pleitearmajoração da remuneração dos Ministros do Supremo Tribunal.

Nego provimento ao agravo.

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EXTRATO DA ATA

AO 1.230-AgR/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: ANAMATRA –Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Advogados: AlbertoPavie Ribeiro e outro). Agravada: União (Advogado: Advogado-Geral da União).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental,nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro NelsonJobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosae Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro GurgelSantos.

Brasília, 24 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.231 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso

Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil — Requeri-dos: Presidente da República e Congresso Nacional

Constitucional. Anistia: lei concessiva. Lei 8.985, de 7-2-95. CF, art.48, VIII, e art. 21, XVII. Lei de anistia: norma geral.

I - Lei 8.985/95, que concede anistia aos candidatos às eleiçõesgerais de 1994, tem caráter geral, mesmo porque é da natureza daanistia beneficiar alguém ou um grupo de pessoas. Cabimento da açãodireta de inconstitucionalidade.

II - A anistia, que depende de lei, é para os crimes políticos. Essa é aregra. Consubstancia ela ato político, com natureza política. Excepcio-nalmente, estende-se a crimes comuns, certo que, para estes, há o indultoe a graça, institutos distintos da anistia (CF, art. 84, XII). Pode abranger,também, qualquer sanção imposta por lei.

III - A anistia é ato político, concedido mediante lei, assim dacompetência do Congresso e do Chefe do Executivo, correndo por contadestes a avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade do ato,sem dispensa, entretanto, do controle judicial, porque pode ocorrer, porexemplo, desvio do poder de legislar ou afronta ao devido processo legalsubstancial (CF, art. 5º, LIV).

IV - Constitucionalidade da Lei 8.985, de 1995.

V - ADI julgada improcedente.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, conhecerda ação, vencidos os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertencee, no mérito, julgar improcedente, nos termos do voto do Relator, vencidos osMinistros Marco Aurélio, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence. Votou o Presidente, oMinistro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o MinistroEros Grau.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: O Conselho Federal da Ordem dos Advogados doBrasil, com fundamento nos arts. 102, I, a, e 103, VII, da Constituição Federal, propõeação direta de inconstitucionalidade, da Lei 9.985, de 7 de fevereiro de 1995, que“concede, na forma do inciso VIII do art. 48 da Constituição Federal, anistia aoscandidatos às eleições de 1994, processados ou condenados com fundamento nalegislação eleitoral em vigor, nos casos que especifica” (fl. 28).

Sustenta o autor, em síntese, o seguinte:

a) a natureza da anistia, como instituto humanizador do direito e da política, tempor finalidade a paz pública e, como motivação, o interesse público, não devendoexistir, pois, anistia que contrarie o interesse coletivo;

b) violação aos princípios constitucionais da moralidade administrativa e daimpessoalidade, previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, dado que a Lei9.985/95 “não concede ‘na forma do inciso VIII, do art. 48, da Constituição Federal’a anistia ali referida” (fl. 8);

c) configuração de desvio de poder, pois o autor, reportando-se à doutrina,corrobora o entendimento de que “o ‘poder’ de anistiar que assiste ao Congresso (art.48, VIII, da Constituição) obviamente não foi previsto na Lei Magna para que con-gressistas se livrem de sanções judiciais. Isto é: a anistia não foi suposta para serutilizada em proveito próprio e com a finalidade de elidir sanções judiciais queatingiram congressistas por terem violado a ordem jurídica” (fl. 10);

d) afronta ao art. 1º, in fine, da Constituição Federal, uma vez que, “na vigênciado Estado Democrático e de Direito, impõe-se a regra proibitória de leis específicas edirecionadas para casos concretos, como no caso em foco”. Ademais, aduz que “amissão constitucional conferida pelo corpo eleitoral ao Congresso Nacional cifra-sena competência legislativa para a elaboração de leis que consultem aos interessescoletivos e públicos” (fl. 14);

e) inconstitucionalidade da denominada “anistia especial”, porquanto a anis-tia, segundo o texto constitucional, é sempre genérica e decorre da competênciaconferida ao Congresso Nacional “para realizar, por uma lei, um interesse público,vale dizer, de toda a sociedade” (fls. 16-17).

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Ao final, requer o autor que “seja julgada procedente a presente ação, para ofim de, em definitivo, ser declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 9.985/95”(fl. 21).

À fl. 32, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aditou ainicial a fim de informar a republicação da lei ora impugnada, que passou a vigorarsob o número 8.985/95, todavia, sem qualquer alteração em seu conteúdo.

Requisitaram-se informações (fls. 36 e 38). O Senador José Sarney, entãoPresidente do Congresso Nacional, às fls. 40-190, sustentou, preliminarmente, oseguinte:

a) impossibilidade jurídica do pedido, haja vista possuir o ato atacado efeitosconcretos já exauridos, não sendo, pois, suscetível de controle concentrado deconstitucionalidade;

b) ilegitimidade ativa da OAB, tendo em vista que não há pertinência temática acompatibilizar as finalidades legais da OAB e o objeto da norma impugnada.

No mérito, alega, em síntese:

a) constitucionalidade da lei impugnada, dada a inexistência de quaisquer víciosformais ou materiais. Ademais, “a Constituição de 1988, no art. 48, inciso VIII, eliminoua distinção e hoje todos os tipos de anistia estão compreendidos nessa clássica palavragrega, sem qualquer adjetivação em nosso texto constitucional” (fl. 65);

b) a concessão de anistia a pessoas determinadas e inclusive nominadas nodecreto de perdão é comum na legislação de todos os países, inclusive no Brasil. Logo,nada obsta a que a lei de anistia se volte para certos fatos e pessoas determinadas que ospraticaram;

c) impossibilidade de revisão do ato legislativo da anistia pelo Poder Judiciá-rio, porquanto este Poder não pode se ater ao exame de mérito da lei impugnada, o queconstitui conseqüência lógica da própria sistemática do princípio da separação dosPoderes.

Por sua vez, o Senhor Presidente da República, às fls. 192-202, sustenta, emsíntese, o seguinte:

a) constitucionalidade do ato de anistia ora impugnado, uma vez que legitima-do pelo processo de votação;

b) competência do Poder Legislativo para conceder anistia, mediante lei, ex vido art. 48, VIII, da Constituição Federal.

O então Advogado-Geral da União, Dr. Geraldo Magela da Cruz Quintão, apre-sentando defesa do texto impugnado, requereu a improcedência do pedido (fls. 207-210).

Às fls. 218-219, o eminente Ministro Marco Aurélio, então Relator, determinou ocumprimento de providências ali elencadas, destacando-se a formação, em autos apar-tados e em segredo de justiça, do agravo regimental interposto da decisão que determi-nou que fossem riscadas, nos termos do art. 15 do CPC, as expressões tomadas como

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injuriosas, contidas nas informações do Congresso Nacional, sendo certo que o Plená-rio do Supremo Tribunal Federal, em 28-3-96 (fl. 226), negou provimento ao citadoagravo regimental.

O então Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opinou pelonão-conhecimento da ação e, se conhecida, pela improcedência do pedido (fls. 228-234).

Autos conclusos em 21-6-2001.

É o relatório, do qual serão expedidas cópias aos Exmos. Srs. Ministros.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Examino as preliminares argüidas.

a) Ilegitimidade ativa da OAB.

Assim se pronunciou, no ponto, o eminente Procurador-Geral da República, Prof.Geraldo Brindeiro:

“(...)

A necessidade de haver pertinência temática entre o objeto da norma questio-nada e as finalidades do ente legitimado a propor a ação direta de inconstituciona-lidade tem sido reiteradamente afirmada pela jurisprudência do colendo SupremoTribunal Federal com relação a confederações sindicais ou a entidades de classede âmbito nacional (Informativos 121, 136, 101, 40) e também é exigida comrelação a Governador de Estado (ADI QO n. 1526, DJ de 21/2/97).

Entretanto, incorreta se afigura a assertiva de que somente o Procurador-Geral da República possui legitimidade ativa universal para propor a ação diretade inconstitucionalidade, pois a tem os Partidos Políticos com representação emqualquer das casas do Congresso Nacional (ADI n. 2069, Informativo 186), etampouco se pode negá-la ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados doBrasil, vez que a advocacia é uma função essencial à justiça (art. 133 da Constitui-ção Federal), constituindo objetivos da Ordem dos Advogados do Brasil ‘defen-der a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitoshumanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápidaadministração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituiçõesjurídicas.’(art. 44, I, da Lei n. 8906/94).

(...).” (Fl. 231)

Correto o parecer.

A Ordem dos Advogados do Brasil, pelo seu Conselho Federal, tem legitimidadeativa, no caso, por isso que, entre o objeto da norma questionada e as finalidades desta hápertinência temática. É que, além de a advocacia constituir-se em função indispensávelà administração da Justiça (CF, art. 133), compete à OAB “defender a Constituição, aordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça sociale pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e peloaperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas” (Lei n. 8.906/94, art. 44, I).

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Rejeito a preliminar.

b) Impossibilidade jurídica do pedido.

Sustenta-se que a norma objeto da ação é de efeitos concretos já exauridos, nãosendo, pois, suscetível de controle concentrado de constitucionalidade.

Assim o parecer da Procuradoria-Geral da República, no ponto:

“(...)

Por outro lado, assiste razão ao Congresso Nacional quando defende odescabimento da presente ação, pois, de fato, o ato normativo atacado não possuia característica de abstração e generalidade que o tornaria passível de ser exami-nado em sede de jurisdição constitucional.

Com efeito, a anistia, conceituada na lição de Ruy Barbosa1 como ‘um atopolítico pelo qual se faz esquecer o delito cometido contra a ordem, o atentadocontra as leis e as instituições nacionais’, não detém a generalidade própria denorma legal, pois destina-se unicamente a perdoar determinados delitos pratica-dos por um grupo certo de pessoas. Seu alcance é, assim, restrito a destinatáriosdeterminados, o que a qualifica como ‘norma individual plúrima’2 insuscetívelde ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade.

Ressalte-se haver vasta jurisprudência desse colendo Supremo TribunalFederal no sentido de afastar do controle direto de constitucionalidade aquelesatos que, embora revestidos com forma de lei, possuam efeitos concretos, fazendo-se oportuna a transcrição do artigo publicado no informativo 174 que bem ilustraesse entendimento:

‘Não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade contra atosnormativos de efeitos concretos, ainda que estes sejam editados com forçalegislativa formal (...) Precedentes citados: ADI (AgRg) n. 203-DF (DJU de20-4-90); ADI n. 1716-DF (DJU de 27-3-98).’ (ADI n. 2057, Rel. MaurícioCorrêa, 9.12.99, DJ de 31/3/2000)

(...).” (Fls. 231-232)

Não tenho como acertado o parecer, no ponto.

A Lei 8.985, de 7-2-95, objeto da causa, concede, na forma do art. 48, VIII, daConstituição Federal, anistia aos candidatos às eleições de 1994, processados ou conde-nados com fundamento na legislação eleitoral em vigor, nos casos que especifica.

Tem este teor a citada Lei 8.985, de 7-2-95:

“Art. 1º É concedida anistia especial aos candidatos às eleições gerais de1994, processados ou condenados ou com registro cassado e conseqüente de-claração de inelegibilidade ou cassação do diploma, pela prática de ilícitos

1 Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: 1933, v. II, p. 402.

2 ADI n. 1.716, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ de 27-3-98.

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eleitorais previstos na legislação em vigor, que tenham relação com a utilizaçãodos serviços gráficos do Senado Federal, na conformidade de regulamentaçãointerna, arquivando-se os respectivos processos e restabelecendo-se os direitospor eles alcançados.

Parágrafo único. Nenhuma outra condenação pela Justiça Eleitoral ouquaisquer outros atos de candidatos considerados infratores da legislação emvigor serão abrangidos por esta lei.

Art. 2º Somente poderão beneficiar-se do preceituado no caput do artigoprecedente os membros do Congresso Nacional que efetuarem o ressarcimentodos serviços individualmente prestados, na conformidade de tabela de preçospara reposição de custos aprovada pela Mesa do Senado Federal, excluídasquaisquer cotas de gratuidade ou descontos.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se aquaisquer processos decorrentes dos fatos e hipóteses previstos no art. 1º desta lei.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.”

Tem-se, no caso, norma geral e não norma individual. É concedida anistia aoscandidatos às eleições gerais de 1994, processados ou condenados ou com registrocassado e conseqüente declaração de inelegibilidade ou cassação do diploma, pelaprática de ilícitos eleitorais previstos na legislação em vigor, que tenham relação coma utilização da gráfica do Senado, na conformidade da legislação interna.

Na lição de Kelsen, sempre atual, a norma pode ter caráter individual ou geral.Ela tem caráter individual, “se uma conduta única é individualmente obrigada”. Etem caráter geral, “se uma certa conduta universalmente é posta como devida”.Acrescenta Kelsen, lição do agrado do Ministro Sepúlveda Pertence, que “o caráterindividual ou geral de uma norma não depende de se a norma é dirigida a um serhumano individualmente determinado ou a várias pessoas individualmente certasou a uma categoria de homens, ou seja, a uma maioria não individualmente, masapenas de certas de modo geral”.

E conclui:

“Também pode ter caráter geral uma norma que fixa como devida a condutade uma pessoa individualmente designada, não apenas uma conduta única, indi-vidualmente determinada, é posta como devida, mas uma conduta dessa pessoaestabelecida em geral. Assim quando, por exemplo, por uma norma moral válida —ordem dirigida a seus filhos — um pai autorizado ordena a seu filho Paul ir à Igrejatodos os domingos ou não mentir.”

Tem-se, aí, norma geral.

Todavia, se se tem “um mandamento a uma maioria de sujeitos individualmentedeterminados e apenas é imposta uma certa conduta individualmente — como,porventura, no fato de um pai que ordenou a seus filhos Paul, Jugo e Friedrichfelicitarem seu professor Mayer pelo 50º aniversário — então há tantas normas indivi-duais quantos destinatários de norma”. (H. Kelsen, Teoria Geral das Normas, traduçãode José Florentino Duarte, Sérgio Fabris Editor, Porto Alegre, RS, 1986, pp. 10-11).

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Ora, a norma, no caso, concede anistia aos candidatos às eleições gerais de 1994,indistintamente. E mesmo que assim não fosse, é dizer, se dirigisse a norma a apenas umindivíduo, também aí ela teria caráter geral. É que é da natureza da anistia beneficiaralguém ou um grupo de pessoas, “mesmo porque”, bem disse, nas informações, o ilustreProcurador Miguel Pró de Oliveira Furtado, “não se haverá de dizer (...) que o ato foipraticado no interesse exclusivo dos beneficiados. Que o foi também no interesse delesé fora de qualquer dúvida, mesmo porque só academicamente existe anistia seminteresse do beneficiado” (fl. 194).

Também esta preliminar é de ser rejeitada.

Vamos ao mérito.

A anistia, segundo Rui Barbosa, “é um ato político, pelo qual se faz esquecer odelito cometido contra a ordem, o atentado contra as leis e as instituições nacionais”(Rui Barbosa, Comentários à Constituição Federal Brasileira, II/402). Pinto Ferreiracita lição de W. Y. Elliot, que escreve: “A anistia, um conceito do direito público, vemdo grego amnistia, o que significa esquecimento e implica ato do soberano legal,concedendo pela graça uma extinção voluntária da memória de certos crimes cometi-dos contra o Estado” (Pinto Ferreira, Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva,1990, 2º volume, p. 518).

A anistia, de regra, é para os crimes políticos, as infrações políticas, já que para oscrimes comuns há o indulto e a graça — ambos estes institutos distintos da anistia —esta a graça, referida na Constituição, como “comutar penas”, ambos da competênciado Presidente da República (CF, art. 84, XII). Já a anistia somente pode ser concedidamediante lei (CF, art. 48, VIII, c.c. art. 21, XVII). Segundo João Barbalho, a anistia podeser “plena, para todos os efeitos; geral, para todas as pessoas; limitada, com exclusãode algumas; restrita, quanto a seus efeitos, sendo dela excluídos certos crimes, equanto a determinados lugares; absoluta, se é dada sem condições; condicional, sefica dependente de se verificarem cláusulas estabelecidas no ato da concessão” (JoãoBarbalho, Constituição Federal Brasileira de 1891, ed. fac-similar, Senado Federal,1992, p. 132).

A anistia consubstancia ato político, tem natureza política. Nesse sentido a liçãode Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, Ed. RT, 1970, Tomo II, p.46).

Pinto Ferreira esclarece que “geralmente a anistia é concedida aos crimes políti-cos; assim foi a sua origem no mundo antigo. Muitos textos repudiaram a concessão daanistia aos crimes comuns. Entretanto, hoje em dia, ela é estendida inclusive, emalguns casos, a estes crimes. Assim pensam Manzini em seu ‘Tratado’, Nelson Hungriaem estudo publicado na ‘RF' (87:583), Aloysio Carvalho Filho nos ‘Comentários aoCódigo Penal' (p. 118, n. 44) e Georges Vidal no Curso de direito criminal e de ciênciapenitenciária'. Este adverte que, malgrado a opinião dominante, ela tem sido aplica-da também nos crimes comuns” (Pinto Ferreira, ob. cit., p. 532).

É dizer, a anistia, num primeiro estágio, tinha por finalidade perdoar delitos denatureza política. O conceito, entretanto, evoluiu com o tempo, para abranger, também,delitos comuns, em casos especiais, e atos punitivos de modo geral. Na Rep 696/SP, Relatorpara o acórdão o Ministro Aliomar Baleeiro, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

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“Anistia a funcionários civis e a elementos da força pública estadual.I - No Direito brasileiro, a palavra ‘anistia’ foi ampliada de sua acepção

clássica e etmológica para abranger também o cancelamento de débitos fiscais ede faltas disciplinares.

II - Não há cláusula na Constituição que impeça ao Legislativo estadualregular os casos de anistia de penas disciplinares impostas aos servidores públi-cos, embora aplicada pelo Executivo dentro da lei.”

O Ministro Celso de Mello leciona, no seu excelente Constituição FederalAnotada, Saraiva, 1986, p. 68, que “A anistia constitui uma das expressões de clemên-cia do Estado. Seus efeitos em matéria penal são radicais, incidindo retroativamentesobre o próprio fato delituoso. Conseqüentemente, não pressupõe sentença penalcondenatória, que, no entanto, se houver, não impedirá a incidência da lei concessivada anistia, apta a desconstituir a própria autoridade da coisa julgada”.

É dizer, hoje, qualquer sanção, qualquer pena, aplicada com fundamento na lei, éanistiável. Com propriedade, escreve o advogado Saulo Ramos, na peça de defesa queofereceu em nome do Congresso Nacional:

“(...)

8.1. Toda a sanção aplicada com fundamento na lei pode ser objeto deanistia, desde que concedida igualmente pelo legislador que editou norma puni-tiva. Não há, no direito e na tradição, nenhuma reserva contra o ato de perdãolegislativo, que substituiu o medieval ato do príncipe, porque, no mundo moder-no, é de competência do príncipe dos príncipes, o parlamento que representa opovo — ‘Beneficium imperatoris quod a divina scilicet indulgentia proficiscitur,quam plenissime interpretari debemus'. (Joveleno, no D., Liv. I, tít. 4º).

8.2. Nas alterações constitucionais provocadas pelos militares, no recentepassado brasileiro, distinguiu-se, no próprio texto, entre anistia comum e anistiaespecial. A comum destinava-se a perdoar infrações penais em geral, sançõesadministrativas, tributárias, trabalhistas, contratuais, e a especial apenas os cri-mes políticos. A distinção criada pela doutrina foi levada para o texto constitucio-nal para reservar-se ao Presidente da República a iniciativa exclusiva dos projetosde lei propondo anistia de crimes políticos, a anistia especial. A proposta deanistia comum era de competência concorrente, tanto os parlamentares, como oPresidente, tinham a iniciativa do projeto respectivo.

8.3. A Constituição de 1988, no art. 48, inciso VIII, eliminou a distinção ehoje todos os tipos de anistia estão compreendidos nessa clássica palavra grega,sem qualquer adjetivação em nosso texto constitucional.

(...).” (Fl. 65)

Posta assim a questão, examinemos a argüição aqui posta.

Opina o Ministério Público Federal:

“(...)

De fato, a alegação de que a lei em questão foi editada com abuso de podernão merece acolhida, vez que o Congresso Nacional detém a competência cons-

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titucional para conceder anistia, inclusive aos seus membros, pois a Constituiçãoda República não impôs restrição alguma quanto aos destinatários dessa espéciede ‘graça’. Destarte, se a Constituição não restringe a possibilidade de concessãodesse privilégio, descabe ao intérprete restringi-la.

Ademais, merece destaque o art. 2º da lei impugnada que estabelece, comcondição para ser agraciado com a anistia, ‘o ressarcimento dos serviços individual-mente prestados’, revelando que o ato questionado não foi editado com a finalidadeúnica de beneficiar congressistas, mas sim, a par de permitir que o povo possa verseus representantes reeleitos, a de garantir o ressarcimento ao erário.

Como dito, a mencionada lei não foi editada com o intuito exclusivo debeneficiar uma pessoa específica, não se constituindo, por tal razão, em ofensa aoprincípio da impessoalidade que deve reger a atividade administrativa.

De outra parte, frágil se revela, na hipótese, a alegação de ofensa ao princí-pio da moralidade administrativa, até mesmo em decorrência da aplicação doprincípio constitucional da legalidade. A respeito desse princípio traz-se àcolação os ensinamentos doutrinários de Diógenes Gasparini3:

‘Diz Hauriou, seus sistematizador, que o princípio da moralidadeextrai-se do conjunto de regras de conduta que regulam o agir da Adminis-tração Pública; tira-se da boa e útil disciplina interna da AdministraçãoPública. O ato e a atividade da Administração Pública devem obedecer nãosó a lei, mas à própria moral, porque nem tudo que é legal é honesto,conforme afirmavam os romanos. Para Hely Lópes Meirelles, apoiado emManoel Oliveira Franco Sobrinho, a moralidade administrativa está intima-mente ligada ao conceito do bom administrador, aquele que, usando de suacompetência, determina-se não só pelos preceitos legais vigentes, comotambém pela moral comum, propugnando pelo que for melhor e mais útilpara o interesse público.’

Não há, pois, a alegada ofensa ao princípio da moralidade administrativa(na verdade dirigido ao administrador, não ao legislador), pois o ato normativoem tela, editado pelo Congresso Nacional no exercício de sua competêncialegislativa (Constituição Federal, art. 48, inciso VIII), busca, em última análise, ointeresse público, vez que, apesar de anistiar os delitos eleitorais cometidos porcandidatos às eleições gerais de 1994 relacionados com a utilização dos serviçosgráficos do Senado Federal, impõe, como condição necessária para recebimentodo benefício, o pagamento pela utilização desses serviços.

(...).” (Fls. 232-234)

Correto o parecer, no ponto.

A uma, porque sendo a anistia um ato político, concedida mediante lei, assim dacompetência do Congresso Nacional com a sanção do Presidente da República, corre

3 Direito Administrativo. 4. ed. Editora Saraiva, 1995, p. 7.

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por conta dos Poderes Legislativo e Executivo a avaliação dos critérios de conveniênciae oportunidade do ato, sem dispensa, entretanto, do controle judicial, porque podeocorrer, por exemplo, desvio do poder de legislar ou afronta ao princípio da razoabili-dade, assim com afronta ao devido processo legal substancial (CF, art. 5º, LIV).

A duas, porque, se não se pode negar ao Judiciário o exame da constituciona-lidade da lei de anistia, não se pode afirmar, no caso, que a lei objeto da causa seriaafrontosa aos princípios da moralidade e da impessoalidade. É que não está o Congressoimpedido, pela Constituição, de conceder anistia aos seus membros. Não há falar,portanto, em violação do princípio da moralidade administrativa, não obstante reco-nhecermos que o ato legislativo objeto da causa merece reprovação sob o ponto devista da ética geral. Mas o princípio da moralidade administrativa tem seus contornospróprios, convindo esclarecer que a anistia, no caso, ficou condicionada ao “ressarci-mento dos serviços individualmente prestados, na conformidade de tabela de preçospara reposição de custos aprovada pela Mesa do Senado Federal, excluídas quais-quer cotas de gratuidade ou descontos” (art. 2º). Também não há falar em ofensa aoprincípio da impessoalidade, por isso que a anistia não visou beneficiar um ou doiscandidatos, mas “aos candidatos às eleições gerais de 1994, processados ou condena-dos ou com registro cassado (...) pela prática de ilícitos eleitorais (...)”, tendo o projetode lei sido submetido ao processo legislativo constitucional e regimental.

A três, também não há falar em desvio de poder de legislar. Conforme vimos,linhas atrás, a anistia abrange qualquer sanção imposta por lei. Sua natureza é política.Daí, conforme já foi dito, ser da competência do Legislativo e do Executivo a avaliaçãoda conveniência e oportunidade do ato, sem dispensa, entretanto, do controle judicial.

Aos demais fundamentos da ação — afronta ao art. 1º, in fine, da ConstituiçãoFederal e alegação de inconstitucionalidade da denominada “anistia especial” —reporto-me, para rejeitá-los, ao que disse linhas atrás.

Do exposto, julgo improcedente a ação e declaro a constitucionalidade da Lei8.985, de 7-2-1995.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, peço vênia para declarar aextinção do processo, sem julgamento de mérito.

Trata-se de norma de caráter concreto e individual. Concreto, porque, na verdade,se refere a uma situação histórica determinada e absolutamente irrepetível, isto é, nãohá outro caso que possa ser de candidatos daquela data; é situação que se exauriu nahistória, não pode ser repetida, não é, enfim, nenhum tipo ao qual possa outra açãohistórica vir a corresponder: é a situação daquele ano, naquela data. E de caráterindividual, porque se refere especificamente a um grupo determinado de pessoas, e,portanto, nenhuma outra pessoa é capaz de se inserir na órbita de incidência dessanorma. É regra tipicamente concreta e de caráter individual, que não é susceptível deser objeto de ação declaratória de inconstitucionalidade.

Não conheço do pedido.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, acompanho, quanto às prelimi-nares, o voto do Relator. Faço-o, reconhecendo à Ordem dos Advogados do Brasil umpapel histórico, a dispensar, na defesa da sociedade, a pertinência temática quanto àeficácia de lei.

É certo que o móvel poderá ter sido uma situação individualizada, impactante —à época, fui Relator do caso no Tribunal Superior Eleitoral. Veio o diploma ordinário —no bom sentido — a dispor de maneira abstrata, aludindo, no artigo 1º, àqueles queforam processados, condenados e tiveram registro cassado, e, no artigo 2º, referindo-se —de forma que reconheço com absoluta fidelidade quanto aos fatos — aos membros doCongresso Nacional, compelindo-os, no entanto, a efetuar o ressarcimento aos cofrespúblicos. Por isso, penso que o diploma desafia o controle concentrado de constitucio-nalidade. Não vislumbro o nome deste ou daquele parlamentar.

Quanto ao tema de fundo, peço vênia ao Relator para divergir. Presente a Consti-tuição Federal, não empolga, pelo menos a mim, o enquadramento do conteúdo danorma como político. Há de se fazer, de qualquer modo, o cotejo com os princípiosexplícitos e implícitos da Carta da República. Cumpre levar em conta que a lei em jogose antecipou até mesmo a uma lei complementar que criou, no âmbito da JustiçaEleitoral, a ação rescisória, fazendo-o de forma muito limitada, considerados os pro-nunciamentos judiciais acerca da inelegibilidade, e jungindo a propositura ao prazo dedecadência de cento e vinte dias.

Aqui tivemos uma rescisória abrangente, que ganhou contornos de algo contrárioaos princípios inseridos na Carta da República, não só quanto à autoridade e segurançajurídica dos pronunciamentos judiciais, como também no tocante à sinalização, sob oângulo da busca de preservação de princípios, para eleições futuras.

Não consigo perceber que, praticamente — não estou generalizando osbeneficiários da norma — em causa própria, possa se partir, como se partiu, para umaanistia, desautorizando-se — e, aí, colocando em plano secundário a primazia doJudiciário — o Judiciário Eleitoral. A anistia versou sobre a existência de títuloseleitorais, no sentido da jurisdicionalização, já devidamente formalizados.

Por isso, peço vênia para julgar procedente o pedido.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa questão não é inevitável? É índole da anistiafatos criminosos que, eventualmente, ainda não foram judicializados ou até aquelesque já foram judicializados. Não consigo captar esta idéia de afronta à coisa julgada ouà independência dos Poderes, pois é da índole do próprio processo da anistia asuperação. Na verdade, aqui, até a idéia dos Poderes implícitos teria de ser chamada àcolação.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Insisto na preliminar suscitada pelo eminenteMinistro Cezar Peluso. Fui até chamado à colação, porque já, várias vezes, me referi aesta passagem de Kelsen, cujos exemplos são expressivos. Diz ele: é norma individuala norma paterna — a norma baixada pelo pai — que disponha: todos os meus filhosterão de ir à missa no próximo domingo; ao contrário, é norma geral aquela dirigida a

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um filho, destinatário único, estabelecendo que, todos os domingos, ele deve visitar o seupadrinho, porque regula atos repetíveis e indeterminados, embora de uma única pessoa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Que talvez não esteja mais entre nós.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí teríamos uma lei de eficácia exaurida.Agora, parece-me ser um caso típico de lei de efeitos concretos, porque não atinge maisninguém, nunca mais, senão n — seja um, sejam vários — candidatos às eleições de1994 que estivessem processados ou condenados pela Justiça Eleitoral em razão dautilização indevida da gráfica do Senado.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Permita-me, Excelência. A lei quis ser tão individualque, no parágrafo único, dispõe que nenhuma outra condenação ou quaisquer outrosatos de candidatos serão por ela regidos. São apenas os indicados e individualizados.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não há isonomia ou analogia; não há nada. Épara determinados — ou determinado — cidadãos; e exclui a ilicitude de um ato único,irrepetível.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: A presente ação direta de inconstitucionalidadeestá amparada, basicamente, em quatro fundamentos. Nenhum deles, Senhor Presidente,me impressiona.

O primeiro deles diz respeito à ofensa ao princípio da separação dos Poderes (art.2º da CF). Alega o requerente que a anistia teria sido concedida como “resposta,retaliação ou represália de um dos Poderes da República contra decisão incontrastávelde outro desses poderes”.

Ora, a anistia, na medida em que, necessariamente, interfere em decisões tomadaspela Administração ou pelo Judiciário, é, logicamente, uma relativização do princípioda separação dos Poderes. Essa relativização é levada a efeito pela própria Constitui-ção, ao prever, em seu art. 48, VIII, a competência do Congresso Nacional para concederanistia. Entender de outra forma nos levaria a também considerar o controle deconstitucionalidade das leis, realizado por este Tribunal, como uma afronta à harmoniaentre os Poderes da República.

Aliás, quero lembrar que essa competência extraordinária do Congresso Nacionalpara conceder anistia foi inaugurada pela Constituição de 1891 (art. 34), a nossaprimeira Constituição republicana, cuja inspiração maior adveio justamente do princí-pio da divisão e harmonia entre os Poderes.

Nesse sentido, também não vejo ofensa ao princípio republicano, consubstanciadonos princípios da isonomia e da impessoalidade, como quer fazer crer o requerente emseu segundo argumento. A anistia, como perdão concedido excepcionalmente a deter-minados atos, praticados por pessoas específicas, produz, por sua própria natureza,efeitos concretos e limitados no tempo.

Também parece um tanto óbvio que o Congresso Nacional possa conceder anistiaa seus próprios membros. Entender o contrário seria negar qualquer eficácia ao art. 48,inciso VIII, da Constituição. Outro não foi o entendimento desta Corte no julgamento

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da ADI n. 2.306 (Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 31-10-2002), no qual foi reafirmada acompetência do Congresso Nacional para conceder anistia, inclusive a seus membros.

De toda forma, creio que o ponto que merece uma reflexão pormenorizada doTribunal diz respeito à alegada violação ao princípio da moralidade. O requerentesustenta que “o ato normativo agride o senso comum de moralidade (...)”. Queroenfatizar que as “reações de repúdio por parte do senso comum, da moralidade públicae da consciência jurídica” não podem servir, isoladamente, de parâmetro de controleem abstrato da constitucionalidade dos atos normativos emanados do legislador demo-crático. Alio-me, neste ponto, ao entendimento de Sepúlveda Pertence, já declarado emoutras ocasiões neste Tribunal, de que a moralidade pura e simples não pode sercondição determinante da inconstitucionalidade de uma lei. Certamente, o Tribunalnão pode se ater unicamente à fluidez do conceito de moralidade para anular atos doPoder Legislativo.

Evidente, por outro lado, que o tema pode ser devidamente densificado, tendo emvista outros parâmetros, como o princípio da proporcionalidade, o princípio da não-arbitrariedade da lei e o próprio princípio da isonomia. O princípio da moralidade,portanto, para funcionar como parâmetro de controle em abstrato de constitucionalidade,deve vir aliado a outros princípios fundamentais, dentre os quais assumem relevânciaaqueles que funcionam como diretriz para a atuação da Administração Pública.

No tocante ao tema da anistia, lembro as lições de João Barbalho, em comentá-rios ao art. 34, 27, da Constituição de 1891:

“Decretando anistia, o Congresso Nacional exerce atribuição sua privati-va, de caráter eminentemente político, e nenhum dos outros ramos do poderpúblico tem autoridade para entrar na apreciação da justiça ou conveniência emotivos da lei promulgada consagrando tal medida, que é um ato solene declemência autorizada por motivos de ordem superior.” (Cavalcanti, JoãoBarbalho Uchoa. Constituição Federal Brasileira (1891). Brasília: SenadoFederal; 2002, p. 133).

Deixe-se claro, todavia, que não quero com isso defender uma rígida separaçãoentre Direito e Moral, própria de um positivismo formalista. Desde seu primeiro incursona doutrina administrativista de Maurice Hauriou (Précis de Droit Administratif et deDroit Public. Paris: Sociétè Anonyme du Recueil Sirey; 1927), o princípio damoralidade traduz a idéia de que sob o ato jurídico-administrativo deve existir umsubstrato moral, que se torna essência de sua legitimidade e, em certa medida, condiçãode sua validade.

Intento apenas alertar o Tribunal para o problema da declaração de nulidade deuma norma sob o único argumento de que é imoral ou, melhor dizendo, de que afrontauma indefinida moral pública. Entendo que, neste caso, estaríamos a penetrarindevidamente no juízo político e ético do legislador e, conseqüentemente, a estabele-cer uma indesejável vinculação do Direito à Moral, que seria muito cara à própriademocracia, cuja essência está no pluralismo de valores éticos; pluralismo este declara-do como “valor supremo” no preâmbulo da Carta de 1988.

Com essas breves considerações, voto pela improcedência da ação.

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VOTO (Aditamento)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Como instrumento de política judiciária — játivemos oportunidade de discutir isso aqui — entendo, também, essa ressalva à qual, devez em quando, adiro. Tenho a impressão de que, diante da importância da questão, nãodo caso, mas da controvérsia — até tenho sugerido a superação desta reserva do atoconcreto, pelo menos quando se refira à lei —, o texto constitucional é claro quandorecomenda o cabimento da ADI.

Por isso tenho sustentado a conveniência de, nesses casos, superarmos a jurispru-dência do ato concreto, pelo menos no referente à lei. Aqui também temos — e basta aperplexidade que perpassa o Plenário — a dificuldade da definição. Nós mesmos, a todahora, defrontamo-nos com o exemplo. Claro que, para isso, temos explicações das leisque criam municípios, mas que, na verdade, revelam um propósito amplo deinstitucionalização, que nós tradicionalmente aceitamos e para o qual nunca levanta-mos o caráter de efeito concreto.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Uma série de efeitos, a partir da criação de umordenamento jurídico, o do novo município.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, cria um ordenamento jurídico, se quisermos. Euponderaria que arrostássemos o mérito, tendo em vista exatamente essas considerações.

Vejo que se agitam aí considerações. Vi, por exemplo, com alguma preocupação, acolocação suscitada da bancada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, nesses dias, quanto àinvocação da moralidade como princípio básico para eventual parâmetro de controle. Eutambém, de acordo com Sua Excelência, tenho dificuldade de simplesmente começar adeclarar a inconstitucionalidade de lei em face do princípio da moralidade, porquepodemos chegar a situações de alta subjetividade e, talvez, a resultados fortementeabstrusos. Por isso, parece-me recomendável julgar-se a questão. Nesse sentido, tenho umcurto voto escrito, no qual rejeito — e o estou juntando — todas essas consideraçõesconstantes da impugnação, porque me parece que qualquer lei de anistia vai ter essarepercussão na relação de dependência ou interdependência dos Poderes, com todos osseus reflexos. Eventualmente, terá de arrostar a questão da coisa julgada; portanto, nãopenso que estejamos a falar nenhuma novidade. Parece-me tratar de um típico atopolítico, quer dizer, podemos sempre discordar, mas, daí a discutir sob este aspecto é algoum tanto quanto hiperbólico, um tanto quanto exagerado.

Senhor Presidente, com essas considerações, acompanho o voto do MinistroRelator.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Senhor Presidente, entendo que os dois artigoscentrais da lei impugnada na ADI estão funcionalmente imbricados; sãointerdependentes. O art. 1º, que consubstancia a própria concessão da anistia, ficoucondicionado ao preenchimento de requisitos do art. 2º. Este, condicionador da eficá-cia daquele, tem por destinatários humanos — por endereçados ou por âmbito pessoalde incidência — pessoas que, a priori, não se pode determinar, porque não se podedizer quem preencherá essas condições, mas não é só.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Essas condições já estão preenchidas.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas não é só.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: É só uma questão de se verificar, saber quem eracandidato naquela data. Não há nada mais a perquirir.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Permitam-me, Excelências, saliento oque disse o Ministro Gilmar Mendes: é da maior importância a Corte Constitucionalapreciar uma lei de anistia, certo que qualquer lei de anistia incorrerá nisso que oMinistro Cezar Peluso aponta.

Ora, algo da maior importância na ordem jurídico-constitucional, a Corte Consti-tucional, a pretexto de se ter caráter individual, não examinaria?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Perfeito. Quero completar. Há um outro destinatário,um outro endereçado normativo do art. 2º: uma instituição pública; o Senado Federal,que vai editar uma tabela de custos.

A coisa não é tão simples assim. Contento-me, para conferir o caráter de generali-dade à lei — para não dizer de impessoalidade, de abstratividade —, com arenovabilidade da hipótese de incidência, não apenas com a perenidade. Veja o caso daLei Orçamentária, que é editada para vigorar em um ano. Temos dito aqui que eladesafia, sim, conhecimento por meio da ADI. Por quê? Porque, no período de um ano, ospressupostos de incidência da Lei Orçamentária serão renovados, plurimamente reno-vados. Essa renovabilidade da hipótese de incidência da norma me basta, não apenas aperenidade do descritor da norma.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas aqui isso é absolutamente impossível, Excelên-cia. Quem foi candidato em 1994, foi candidato em 1994, e tal situação não se repeteem relação a candidatos de outros anos. A norma respeita apenas a quem foi candidatoem 1994 e, assim mesmo, processado e condenado!

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sim, mas condicionadamente ao preenchimento decondições que estão no art. 2º.

Então, pelo imbricamento dos dois relatos normativos — o art. 1º e o art. 2º —,peço vênia à divergência iniciada pelo Ministro Cezar Peluso, para acompanhar o votodo Ministro Relator.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Peço vênia para acompanhar o MinistroMarco Aurélio. Reporto-me à fundamentação do meu voto no caso das multas eleitorais(ADI 2.306).

EXTRATO DA ATA

ADI 1.231/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Requerente: Conselho Federalda Ordem dos Advogados do Brasil (Advogados: Jose Roberto Batochio e MarceloMello Martins). Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional (Advogados:Jose Saulo Pereira Ramos e Luiz Carlos Bettiol).

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Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação, vencidos os Ministros CezarPeluso, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence, e, no mérito, julgou-a improcedente,nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto eSepúlveda Pertence. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificada-mente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

RECLAMAÇÃO 2.123 — MA

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Reclamante: Damião Benicio dos Santos — Reclamado: Tribunal de Justiça doEstado do Maranhão

Reclamação: procedência, em parte: descumprimento da decisãodo HC 71.551 (1ª T, 6-12-94, Celso de Mello, DJ de 6-12-96), cujosefeitos só cessaram com a extinção do mandato do ex-Prefeito, co-réu,que prejudicou a questão pendente sobre a competência originária doTribunal de Justiça (Rcl 636-QO, Pertence, RTJ 181/829): nulidade dosatos decisórios praticados no interregno dos diversos processos envol-vidos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PrimeiraTurma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, julgar procedente, em parte, a reclamação, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 23 de agosto de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Julgam-se, nesta assentada, as Reclamações2.190 e 2.123 (em apenso).

I

Na primeira delas (Rcl 2.190), colhe-se a descrição dos fatos pelo il. patrono doreclamante:

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“Em 18 de outubro de 1993, perante o juízo reclamado, foi oferecidadenúncia contra o reclamante e outros, autuada sob o n. 150/93 (Documento n. 1).

Houve desmembramento do feito, dando origem à autuação sob o n. 155/93[onde o reclamante está sendo processado].

Tendo o MP, posteriormente, oferecido denúncia também contra SalvadorRodrigues de Almeida e outros, foi ela autuada sob o n. 193/94 (Documento n. 2).

Como Salvador Rodrigues de Almeida era Prefeito Municipal de Imperatriz,o Juiz que presidia o feito proferiu despacho, em 13 de abril de 1994, nos autos doprocesso 193/94 (fls. 135/9), declinando da competência e determinando a remes-sa dos autos dos três processos (150/93, 155/93 e 193/94), ao Tribunal de Justiçado Estado do Maranhão (Documento n. 3).

(...)

A requerimento do Procurador Geral de Justiça do Estado (Documento n. 5),que ratificou a denúncia contra o então Prefeito Municipal, Salvador Rodrigues deAlmeida, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão decidiu, em 04 de maio de1994, na Ação Penal n. 00089/94, ali instaurada, no sentido da sua competênciapara julgar apenas o réu Salvador Rodrigues de Almeida, mandando que os demaisfossem julgados pelo Tribunal do Júri da Comarca (Documento n. 6).

Julgando o Habeas Corpus n. 71.551, em 6 de dezembro de 1994, esseSupremo Tribunal Federal anulou aquela decisão do Tribunal de Justiça doEstado do Maranhão, restando assim ementado o v. Acórdão:

‘Habeas corpus — Direito de defesa — Sustentação oral — Desres-peito — Julgamento realizado sem prévia publicação da pauta respectiva —Acórdão desprovido de fundamentação — Nulidade — Necessidade derealização de novo julgamento — Concessão de liberdade aos pacientes —Pedido deferido.

É nulo o julgamento de causa penal, em Segunda instância, sem préviaintimação, ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus (Súmula 431/STF).

A realização dos julgamentos pelo Poder Judiciário, além da exigên-cia constitucional de sua publicidade (CF, art. 93, IX), supõe, para efeito desua válida efetivação, a observância do postulado que assegura ao réu agarantia da ampla defesa.

A sustentação oral constitui ato essencial à defesa. A injusta frustraçãodessa prerrogativa qualifica-se como ato hostil ao ordenamento constitucio-nal. O desrespeito estatal ao direito do réu à sustentação oral atua comocausa geradora da própria invalidação formal dos julgamentos realizadospelos Tribunais. Precedentes.’ (Rel. Min. Celso de Mello) (Documento n. 7).

Na conclusão do voto do Eminente Relator, ficou assim decidido:

‘(...) defiro o pedido de habeas corpus, para o efeito de anular ojulgamento ora impugnado, realizado na sessão de 4-5-94 (Ação Penal n.

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00089/94 - Imperatriz - fls. 46), a fim de que outro venha a ser proferido peloE. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, publicando-se, previamente,a pauta respectiva e dela sendo intimadas as partes, assegurando-se a todosos sujeitos parciais da relação processual, inclusive aos ora pacientes, nostermos do Regimento Interno daquela Corte Judiciária (art. 281), o direito àsustentação oral, expedindo-se, em favor dos que se acham privados de sualiberdade individual, alvará de soltura, se por al não estiverem presos.

Como conseqüência desta decisão, ficam invalidados todos os atosprocessuais, que, subseqüentes ao julgamento ora impugnado, tenhamsido praticados em primeira ou em segunda instâncias’ (Documento n. 7 -pág. 427).”

Não cumprida essa decisão, foi ajuizada a Reclamação 636, julgada prejudicadapor esta Primeira Turma, nos termos do voto que proferi, verbis (fls. 68/69):

“É induvidoso que se deixou de dar cumprimento — imediato, como seimpunha — à decisão do HC 71.551, do Supremo Tribunal.

Há, no entanto, fato superveniente que tornaria ociosa, hoje, a procedênciada reclamação.

Com efeito.

O julgamento de 4-5-94 que — por afronta à defesa dos interessados — oacórdão do HC 71.551 declarou nulo e cuja renovação determinou, teve por objetoa questão de saber se, incluído entre os denunciados, mediante aditamento, o entãoPrefeito do Município de Imperatriz, que sucedera à vítima, morta no exercício domandato em 6-10-93, a competência originária do Tribunal de Justiça para julgá-lo,por força do art. 29, VIII, da Constituição, seria de estender-se aos co-réus, entre osquais, o reclamante.

Decidiu, então, o Tribunal de Justiça que não (aliás, o que não está em causa,na conformidade da orientação do Supremo Tribunal, invocada pelo MinistérioPúblico — HC 69.325, 17-6-92, M. Aurélio, RTJ 143/925).

De qualquer sorte, a questão decidida tinha por pressuposto a atualidade dacompetência do Tribunal de Justiça, para julgar o então Prefeito, por fatoanterior à assunção do mandato.

É competência, no entanto, que cessa com a investidura, posterior ao fatocriminoso, que a tenha determinado (...)

Por isso mesmo, extinto — é de supor que em 1º de janeiro de 1997 — omandato do Prefeito denunciado, os autos foram devolvidos ao Juízo de primeirograu, como informa o seu titular (fl. 115).

Esse fato extintivo da competência originária do Tribunal de Justiça para aação penal contra um dos co-réus, o único que a determinava, por prerrogativa defunção, que é superveniente ao julgamento do HC 71.551, ocorrido em 6-12-94,faz sem objeto a indagação sobre se, ao tempo, aquela competência atraía ou nãoas ações penais contra os co-réus.

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Logo, não faz sentido devolver a questão a uma nova decisão do Tribunallocal.

Esse o quadro, julgo prejudicada a reclamação, a fim de que prossigam osdiversos processos relativos ao mesmo homicídio, incluído aquele a que respon-de o reclamante: é o meu voto.”

Comunicada a decisão, o Juiz de primeiro grau assim decidiu (Ação Penal 155 —fl. 72):

“Considerando a decisão do STF acerca da Reclamação n. 636-1Maranhão, de 4.12.01, julgando-a prejudicada, com a extinção do mandato doPrefeito Salvador Rodrigues de Almeida, para restabelecer a competência doTribunal do Júri desta Comarca para julgamento (fls. 2.912 a 2.922) e já tendotransitado em julgado a sentença de pronúncia, dê-se vista ao Ministério Públicopara libelo acusatório no prazo legal”.

Oferecido o libelo, em 18-7-02 (fls. 73/74), o Reclamante peticionou àqueleJuízo, para que, em cumprimento à decisão do HC 71.551, fossem repetidos todos osatos posteriores a 4 de maio de 1994 (fls. 75/89), sob o fundamento de que, desdeentão, até o julgamento da Rcl 636, em 4-12-01, aquele Juízo era incompetente.

Decidiu o Juiz de primeiro grau no sentido de que, julgada prejudicada a Rcl 636,“a decisão do Habeas Corpus 71.551-6 deixou de existir e de produzir os efeitos denulidade do julgamento do TJ/MA e dos atos posteriores”, não havendo, pois, nulida-de a ser reconhecida (fls. 90/96).

Donde a primeira das reclamações, na qual se impugna esta decisão e a que deravista ao Ministério Público para o libelo, nestes termos:

“O Acórdão prolatado no HC 71.551 contém três decisões.

A primeira: anulou a decisão do Tribunal de Justiça e mandou fosse outraproferida; por dois fundamentos, a saber, falta de fundamentação e ausência deintimação das partes.

A segunda: em conseqüência da primeira, foi concedida liberdade aospacientes.

A terceira, também por conseqüência da primeira: anular todos os atospraticados, em primeira e em segunda instâncias, em todos os processos, quetiverem sido praticados posteriormente à decisão do TJMA, de 04.05.94. Logo,tudo quanto se praticou a partir daquela data, não tem qualquer valor.

O Acórdão prolatado na Reclamação 636, ao julgá-la prejudicada, determi-nou, em 04 de dezembro de 2001, o prosseguimento dos processos, afirmando, sóaí, a competência do Tribunal do Júri para julgar todos os acusados.

Esta última decisão do STF limitou-se a considerar desnecessária (...) arealização de novo julgamento no TJMA acerca da competência, tendo em contaa superveniência da extinção do mandato de Salvador Rodrigues de Almeida, e,de conseqüência, a afirmar a competência do Tribunal de Júri. Nada mais queisso. Cingiu-se a julgar prejudicado apenas o pedido de renovação do julgamen-to na Corte Estadual, e afirmar a competência do Tribunal do Júri.

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Tal decisão, por essa razão, não modificou, em nada, aquela decisão proferi-da no HC 71.551, nem no ponto em que concedeu a liberdade aos pacientes, nemtampouco na parte que declarou nulos todos os atos processuais após o dia 04de maio de 1994. Ao julgar prejudicada a reclamação, o STF não revalidou osatos processuais declarados nulos, nem podia fazê-lo, à evidência. Senão veja-mos.

(...)

Com o julgamento da Reclamação 636, o Supremo Tribunal Federal dispen-sou o TJMA de renovar o julgamento, em face de fato superveniente, e só aí (...)afirmou a competência do Tribunal do Júri para julgar todos os réus, determinan-do o prosseguimento de todos os processos.

A conclusão, óbvia, portanto, é a de que, enquanto não tinha sido julgada aReclamação 636, não se podia afirmar a competência do Tribunal do Júri. En-quanto o STF não decidiu a Reclamação 636, os processos não poderiam ter tidoseqüência no juízo de primeiro grau, porque no HC 71.551, aquela decisão doTJMA já fora declarada nula, bem assim todos os atos subseqüentes.”

Dentre os atos que defende devam ser anulados, aponta a decisão de pronún-cia.

O Ministério Público Federal, em parecer do Il. Subprocurador-Geral da Repúbli-ca Wagner Natal Batista, opinou nestes termos:

“(...) Temos que ao contrário do que entende o reclamante a ordem concedi-da não se aplicaria a ele e nem ao processo que responde por uma razão bemsimples, não foi ele parte no habeas corpus que foi impetrado pelos réus dos autos193 e não se referia aos autos 155. Os impetrantes do HC 71.551 como se pode leràs fls. 46 foram: Damião Benício dos Santos, Ronaldo Machado Arantes, Salva-dor Rodrigues de Almeida, e Saulo Antônio Gomes.

Entretanto, mesmo que tal não ocorresse entendemos que a decisão tomadana reclamação 636 de julgá-la prejudicada aqui também se justifica pelos mesmosargumentos o que nos leva a manifestar pelo seu indeferimento.”

II

Por prevenção, foi-me distribuída a Rcl 2.123 — em apenso —, na qual o co-réuDamião Benício dos Santos — paciente no HC 71.551 — requer seja anulado oprocesso principal a partir da decisão proferida naquele habeas corpus.

Deferida a liminar, para sustar a realização do júri designado (fl. 318), oficiou oentão Procurador-Geral Cláudio Fonteles, pela improcedência da reclamação (fls. 336/339 do apenso).

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator):

I

Malgrado o reclamante da Rcl 2.190 não tenha figurado como paciente no HC71.551, a decisão nele proferida alcançou todos os co-réus das ações penais 150/96,155/93 e 193/94.

Por isso, conheço da reclamação.

II

No mérito, estou convencido de que as reclamações procedem em parte.

Com o julgamento do HC 71.551 — em 6-12-94 —, foram invalidados não só ojulgamento do Tribunal local — realizado no dia 4-5-94 — mas também todos os atosprocessuais subseqüentes “praticados em primeira ou em segunda instâncias” (fls.58/59).

Determinou-se, ainda, a expedição de alvará de soltura para os réus que eventual-mente estivessem presos, bem como a realização de novo julgamento pelo Tribunal deJustiça.

Ocorre que, mesmo com o julgamento do HC 71.551, apenas os autos em que oPrefeito era parte permaneceram no Tribunal local, continuando o curso das demaisações penais no Juízo de primeiro grau, incluindo a prática de atos decisórios.

Estes atos, contudo, dependiam da solução da controvérsia relativa à competên-cia do Tribunal de Justiça, solucionada apenas em 1º de janeiro de 1997, com aextinção do mandato do Prefeito, o que — tal como mencionado na Rcl 636 — fez semobjeto a “indagação sobre se, ao tempo, aquela competência [por prerrogativa defunção do Prefeito] atraía ou não as ações penais contra os co-réus”.

É o que basta para — apesar de inexistente declaração formal do restabelecimentoda competência do Juízo de primeiro grau — considerar válidos os atos praticados apósa extinção do mandato do Prefeito, em 1º de janeiro de 1997, tendo em vista que, apartir de então, manifesta a competência do Juízo local.

Daí, contudo, não resulta a validade dos atos decisórios praticados entre 4-5-94 e1º-1-97, nem os que decorreram deles.

Certo, na parte dispositiva do voto-condutor que proferi na Rcl 636 — no que meacompanhou a Turma —, determinei o prosseguimento dos “diversos processos relati-vos ao mesmo homicídio, incluído aquele a que responde o reclamante”, não em razãode suspensão deles pelo HC 71.551, mas por decisão nesse sentido do Juízo de primeirograu em 12 de abril de 1999 (fl. 92).

Entre 4-5-94 e 1º-1-97, pois, impedida estava a prática de quaisquer atos proces-suais em relação não só ao reclamante, mas também a todos os co-réus.

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III

Julgo, pois, em parte procedentes as reclamações, para anular os atosdecisórios praticados entre 4-5-94 e 1º-1-1997 e os que deles dependam, em relação aosreclamantes e a todos os co-réus das Ações Penais 150/93, 193/94, 155/93, que aindanão tenham sido julgados ou condenados com pena ainda não extinta, salvo quanto aoentão Prefeito, Salvador Rodrigues de Almeida, em relação ao qual, no período entre4-5-94 e 1º-1-97, nenhum ato foi praticado no Juízo local: é o meu voto.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, estão bem discriminadas, por esseperíodo, as diversas competências do juiz singular e do tribunal.

Acompanho Vossa Excelência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a decisão, no habeas corpus, foicategórica quanto à incompetência do Juízo. Àquela altura, considerado o crime de umprefeito — apenas para refletir e ver se percebi bem a situação —, havia o envolvimentode atos judiciais de um juiz. Inobservado o que decidido pelo Tribunal, apresentou-sea Reclamação n. 636/MA, para tornar prevalecente o pronunciamento da Turma. Essareclamação, tendo em conta um fato novo, ou seja, o término do mandato do prefeito,foi declarada prejudicada. Indaga-se sobre a eficácia, a concretude do que assentadopela Corte no Habeas Corpus n. 71.551/MA — o acórdão que se aponta comodescumprido refere-se a esse habeas corpus. Tal decisão continuou sendo olvidada atéque veio a cessar a competência do Tribunal de Justiça.

É possível simplesmente balizar-se, a esta altura, o que decidido no habeas eentender-se que, no caso, o descumprimento seria bastante a gerar certos efeitos, efeitosposteriores, quanto aos atos posteriores, ao término do mandato?

O Direito Processual é, acima de tudo, documentação e visa à liberdade, em seusentido maior, a poder-se contar com segurança jurídica quanto a atos a serem praticados.

O que se nota — e, pelo menos, na minha visão — é que incumbia atender-se aoque decidido no habeas corpus e, aí, ter-se-ia o deslocamento do processo,desmembrado, para o Tribunal de Justiça, o que não se verificou.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Mas não foi o quedecidiu a Turma.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: No habeas?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): No habeas corpus, sim.Mas, depois, julgou-se prejudicada a Reclamação, porque entendeu a Turma que nãoteria sentido devolver o caso ao Tribunal de Justiça, chamando todos os processos queestavam em primeiro grau, dado que um fato superveniente ao habeas corpus, aextinção do mandato, alterara inteiramente a equação jurídica.

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O Sr. Ministro Marco Aurélio: Essa premissa realmente tem um peso maior, querdizer, a própria Turma que prolatara o acórdão no habeas veio, como que, a estabelecerlimites quanto a essa decisão, ao se pronunciar na reclamação. E, aí, lançou, comofundamento da declaração de prejudicialidade, a cessação do mandato do prefeito queestaria a gerar a competência do Tribunal.

Mas surge a problemática colocada — penso que numa ortodoxia maior — peloadvogado da tribuna. Esse fundamento seria suficiente, por si só, a ter-se a legitimidadedos atos praticados pelo Juízo sem que se observasse o acórdão do habeas corpus, e semque o Tribunal de Justiça, diante da cessação do mandato, viesse a declinar da compe-tência?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Ministro, mal ou bem,foi o que decidiu esta Turma. A reclamação não é contra a decisão desta Turma; é contraa decisão do outro juiz.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vou ficar com uma premissa: a decisão proferida nohabeas foi definitiva, de eficácia imediata, não foi uma decisão condicionada. Incum-bia respeitá-la. O Tribunal sinalizou na reclamação, declarando o prejuízo — a compe-tência do Tribunal de Justiça teria cessado com o término do mandato do prefeito.Todavia, ao pronunciar um simples prejuízo, em si, teria mitigado a eficácia do acórdãoproferido no habeas? Por mais que se queira adentrar o campo do pragmatismo,entendo que cumpre observar as balizas em jogo; cumpre observar que a decisão nohabeas foi descumprida e continuou a sê-lo. O processo-crime deveria ter sido desloca-do para o Tribunal de Justiça, e não o foi. O Tribunal de Justiça poderia, sim, com acessação do mandato do prefeito, declinar da competência para o Juízo, mas não o fez.Havendo permanecido o processo, revelador da ação penal, em primeiro grau, essapermanência, a meu ver inicialmente equivocada, ficou comprometida, até mesmoconsiderado o período — e a decisão proferida pela Turma no habeas corpus —posterior à cessação do mandato.

Peço vênia para julgar procedente o pedido formulado na reclamação em maiorextensão, ou seja, tal como formulado na inicial da medida.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Sem nenhum amor pelacorreção da decisão que proferi na reclamação, vejo-me constrangido a manter meuvoto, porque não estou julgando reclamação contra a decisão proferida por esta Turmana reclamação anterior. Estou julgando reclamação contra decisão do juiz que obede-ceu à decisão desta Turma, e releio o final do meu voto:

“Por isso mesmo, extinto — é de supor que em 1º de janeiro de 1997 — omandato do Prefeito denunciado, os autos foram devolvidos ao Juízo de primeirograu, como informa o seu titular.

Esse fato extintivo da competência originária do Tribunal de Justiça para aação penal contra um dos co-réus — o único que a determinava, por prerrogativade função —, que é superveniente ao julgamento do HC 71.551, ocorrido em 6-12-94 —, faz sem objeto a indagação sobre se, ao tempo, aquela competência atraía ounão as ações penais contra os co-réus.

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Logo, não faz sentido devolver a questão a uma nova decisão do Tribunallocal.

Esse o quadro, julgo prejudicada a reclamação, a fim de que prossigam osdiversos processos relativos ao mesmo homicídio, incluído aquele a que respondeo reclamante: é o meu voto.”

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Na primeira instância?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Sim. Onde eles estavam.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, pergunto a Vossa Excelência, a retirada domundo jurídico dos atos primeiros, anteriores à cessação do mandato, não repercutenesses atos subseqüentes?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente e Relator): Salva-se alguma coisa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o argumento de Vossa Excelên-cia é irresistível. Realmente, a Turma, mesmo declarando prejudicada a reclamação, etalvez tenha sido pedagógica, foi além para assentar, em que pese ao prejuízo, que acompetência seria, a partir de 1º de janeiro de 1997, do Juízo.

Acompanho Vossa Excelência.

EXTRATO DA ATA

Rcl 2.123/MA — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Reclamante: DamiãoBenicio dos Santos (Advogados: José Lamarck de Andrade Lima e outro). Reclamado:Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

Decisão: A Turma julgou procedente, em parte, as Reclamações n. 2.123 e 2.190,nos termos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.

Brasília, 23 de agosto de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

INQUÉRITO 2.154 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Autor: Ministério Público Federal — Indiciado: Jorge dos Reis Pinheiro ou PastorJorge

Difamação — Tipicidade. A tipicidade do crime contra a honra queé a difamação há de ser definida a partir do contexto em que veiculadasas expressões, cabendo afastá-la quando se tem simples crítica à atuaçãode agente público, revelando-a fora das balizas próprias.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por unanimidade, rejeitar a denúncia, nos termos do voto doRelator.

Brasília, 17 de dezembro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Procurador-Geral da República aponta configu-rado o crime de difamação, aludindo ao disposto no artigo 21, combinado com o artigo23, inciso II, ambos da Lei n. 5.250/67. Transcreve notícia de entrevista do denunciadoao Jornal de Brasília, na qual teria acusado a vítima Kátia Christina Lemos, promotorapública, de abuso de poder. No trecho reproduzido às folhas 3 e 4, grafa em negrito asseguintes frases tomadas como ofensivas:

“Secretário acusa promotora de abuso.”

“O secretário reclama que o ofício pediu ‘algo ilegal’ já que o processo estásubjudice (sic)”.

“Ela não pode fazer isso, criando uma série de coações para conseguir oprocesso e, através de um ofício altamente intimidador, reclama”.

“Foi uma ação isolada dela”.

“O secretário de Meio Ambiente, Jorge Pinheiro, diz que a promotora KátiaChristina Lemos agiu como ‘oficial de justiça’(...)”

“O secretário de Meio Ambiente frisou ao Jornal de Brasília que ‘consideraser uma ação isolada dela (promotora), não se estendendo aos outros membros doMinistério Público’, diz. ‘O que ela fez é ilegal’, completa”.

Aponta-se que o denunciado “referiu-se a fatos claramente ofensivos à reputaçãoda ofendida (...)”. E que teve “a clara determinação intencional de ferir a reputação daofendida”. Em síntese, consta do item 10 da peça primeira que o denunciado colocou aofendida como “praticante de atos ilegais, abusivos, coercitivos e de intimidação”,agredindo a atuação profissional da promotora de justiça. Vieram ao processo, com ainicial, as peças de folhas 7 a 88.

Notificado, o acusado apresentou a defesa de folhas 101 a 106. Em suma, baseia-se na óptica segundo a qual, de forma inapropriada, a promotora, sem mandadojudicial, buscara fossem-lhe entregues documentos. O denunciado, ocupando à época ocargo de Secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal, simplesmente reagira, comolhe cumpria fazer, não deixando que processos e documentos daquela Secretaria fossemalvo de violação ou mesmo extravio. Ademais, o integrante do Ministério Públicodeveria dirigir-se ao Judiciário para obtê-los. Teria o acusado disponibilizado osprocessos para obtenção de cópias, o que não foi aceito, sentindo-se a promotoraofendida, passando a atacá-lo por meio da imprensa, conforme peça anexada. Na

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publicação referida na inicial, não há, consoante as razões expendidas, declaraçõesofensivas, mas apenas a revelação dos acontecimentos. A documentação trazida àcolação concerniria às obras da Ponte JK, nada tendo a ligá-la aos fatos que estariam aconsubstanciar a difamação. São evocados precedentes e doutrina.

À folha 114, ante a juntada de documento à resposta, abri vista ao Procurador-Geral da República. Então, veio a manifestação do Procurador-Geral da República, Dr.Claudio Fonteles, segundo a qual os documentos juntados pelo denunciado não secontrapõem à peça inicial, deixando de revelar elo com as afirmações, veiculadas noJornal de Brasília de 8 de maio de 2004, ofensivas à vítima.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A atuação pública faz-se, é certo, presen-tes certas balizas, descabendo a perda da urbanidade. Por vezes, surgem ópticas antagô-nicas, e aí a recusa em proceder-se desta ou daquela forma não pode gerar, por si só, aconclusão sobre a prática de crime contra a honra de quem quer que seja. É sabençageral que o Ministério Público, em defesa da própria sociedade, vem atuando comdesassombro, especialmente na área da preservação do meio ambiente. Por vezes,alguns enfoques extravasam o campo simplesmente administrativo para ganhar aspáginas de periódicos, não se mostrando incomum que a matéria extravasada seja alvode exacerbação. Há de se buscar sempre a compreensão.

Ora, conforme dados anexados à defesa, idas e vindas ocorreram nas obras da viaexpressa referente à Ponte JK. A seqüência de tal via somente se tornou possívelquando o conflito chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que autorizou a continui-dade das obras. Então, constata-se que a atividade desenvolvida pelo MinistérioPúblico fez-se no sentido de cobrar certa postura do então Secretário de MeioAmbiente. Vieram à balha as expressões tomadas como ofensivas, tendo em conta abusca de elementos pelo Ministério Público. Todavia, tais expressões fizeram-se noâmbito da razoabilidade, senão vejamos cada qual, presentes os grifos contidos nainicial:

“Secretário acusa promotora de abuso”. O que assacado há de ser considerado nocontexto. Tudo teria resultado da tentativa de se lograr a retirada de certo processo dosetor competente;

“O Secretário reclama que o ofício pediu ‘algo ilegal’ já que o processo estásubjudice”. Mais uma vez, nota-se o desempenho de atividade própria à Secretaria. Ofato de se enquadrar postulação como a revelar ilegalidade não pode ser potencializadoa ponto de se chegar à conclusão sobre a difamação.

“(...) ela não pode fazer isso, criando uma série de coações para conseguir oprocesso e através de um ofício altamente intimidador (...)”. Também aqui tem-seinsurgimento relativo a pleito do Ministério Público que se circunscreve ao âmbito doexercício da própria cidadania, resistindo-se ao que pretendido.

“Foi uma ação isolada dela (...) O Secretário de Meio Ambiente Jorge Pinheiro dizque a promotora Kátia Christina Lemos agiu como um ‘oficial de justiça’(...)”. Onde a

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existência de expressões capazes de ser tomadas como difamatórias? Tem-se a aprecia-ção de ato, lançando-se, no campo da retórica, paralelo com atividade que seria própriado oficial de justiça, munido, este último, de ordem judicial.

“O Secretário de Meio Ambiente frisou ao Jornal de Brasília que ‘considera seruma ação isolada dela (promotora), não se estendendo aos outros membros do Ministé-rio Público’, diz. ‘O que ela fez é ilegal’, completa (...)”. O que consignado anteriormenteserve ao enquadramento da frase.

Deve-se observar que a tomada de ato de terceiro como ilegal — gênero — não beiraas raias do crime contra a honra. As pessoas que atuam como agentes públicos hão de seacostumar com a liberdade de expressão, não potencializando suscetibilidades que nãopodem sequer ser admitidas, considerado o campo privado. O que se observa é que, como tempo, visões exacerbadas sofrem o temperamento da couraça criada e da percepção dascircunstâncias do momento vivido, dando-se ao que veiculado a cabível temperança. Oimportante é que cada qual haja na respectiva área de atuação com desassombro, afastan-do-se crivos que possam de alguma forma ressoar como intimidadores.

Não tenho como alcançado o perfil da atuante promotora Kátia Christina Lemos,razão pela qual excluo a possibilidade de ter como configurado o tipo difamação.Rejeito a denúncia.

EXTRATO DA ATA

Inq 2.154/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Autor: Ministério PúblicoFederal. Indiciado: Jorge dos Reis Pinheiro ou Pastor Jorge (Advogados: Erik FranklinBezerra e outros).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, rejeitou a denúncia, nos termos do votodo Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamen-to o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. CláudioLemos Fonteles.

Brasília, 17 de dezembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

INQUÉRITO 2.170 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Autor: Ministério Público Federal — Indiciado: Carlos Eduardo Torres Gomes

Inquérito. Deputado Federal. Omissão de gastos na prestação decontas de campanha. Denúncia. Recebimento. Proposta, aceita, de sus-pensão condicional do processo. Homologação.

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É de ser recebida a denúncia quando atendidos os requisitos do art.41 do Código de Processo Penal. Contudo, em face da concordância dodenunciado com as condições propostas pelo Ministério Público para asuspensão do processo, defere-se a sustação do feito, nos termos em que sedeu a transação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, sustar o feito, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 30 de junho de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Cuida-se de denúncia contra o DeputadoFederal Carlos Eduardo Torres Gomes, na qual se lhe imputa a prática do crime descritono caput do artigo 350 da Lei n. 4.737/65, in verbis:

“Art. 350. Omitir em documento público ou particular, declaração que deledevia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da quedevia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se odocumento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa,se o documento é particular”.

2. De início, anoto que faz parte da inicial acusatória a seguinte descrição dosfatos:

“Conforme consta na inclusa notícia criminal (fls. 01/03) o denunciado, nodia 05 de novembro de 2002 (fls. 47), omitiu, livre e voluntariamente, em docu-mento particular (prestação de contas), para fins eleitorais (documento apresenta-do ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Tocantins), os seguintes gastosefetuados na campanha eleitoral realizada para o cargo de Deputado Federal noano de 2002, hoje ocupado pelo mesmo, que nele deveriam constar, conformebem explicita o artigo 33 da Lei 9.096/95:

a) o valor de R$ 31.249,00 (trinta e um mil duzentos e quarenta e nove reais)efetuado com camisetas e adesivos confeccionados pela empresa Girassol Indústriae Comércio de Confecções e Representações Ltda., conforme demonstra as propos-tas de serviços e a autorização juntada a fls. 04/15, constatando-se que o valordeclarado na prestação de contas foi de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) fls. 54;

b) o valor de R$ 224.400,00 (duzentos e vinte e quatro mil e quatrocentosreais) gastos em sua estrutura de campanha em Araguaína - TO, conforme planilhaa fls. 16/18, produzida pelo Partido da Social Democracia Brasileira. Verifica-se

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que o valor declarado na prestação de contas foi de R$ 182.569,83 (cento e oitentae dois mil, quinhentos e sessenta e nove reais e oitenta e três centavos) (fls. 54);

c) o valor de R$ 10.760,00 (dez mil e setecentos e sessenta reais) efetuadocom camisetas “silkadas” pela empresa Girassol Indústria em Comércio e Confec-ções e Representações Ltda. (fls. 19/25);

d) os gastos que foram realizados em conjunto com a candidata a DeputadaEstadual Leonilda Barros, constantes da planilha de despesas assinada pelos doiscandidatos (fls. 29);

e) o valor de 28.258,00 (vinte e oito mil duzentos e cinqüenta e oito reais)relativos a confecções de painéis e banners confeccionados pela empresa VOXPublicidade Ltda., além de caracterização de veículos, constante da relaçãoapresentada pelo diretor da empresa, Carlúcio Carvalho (fls. 27), além do valor de24.010,65 (vinte e quatro mil e dez reais e sessenta e cinco centavos) de serviçosexecutados durante a campanha eleitoral (fls. 26 e fls. 28).”

3. Diante de tais acusações, e tendo em vista que a pena mínima do crimeimputado ao denunciado é igual a um ano de reclusão, o presentante do Parquetfederal requereu fosse providenciada a respectiva folha de antecedentes criminais, como objetivo de verificar a possibilidade de suspensão condicional do processo (art. 89 daLei 9.099/95).

4. Na seqüência, o acusado alega, em resposta prévia, que a denúncia não mereceacolhimento. É que sua prestação de contas foi aprovada pela unanimidade dos mem-bros do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, já havendo transitado em julgado.Ademais, argumenta que já estava eleito quando da apreciação das referidas contas,motivo pelo qual não se configurou o elemento subjetivo “finalidade eleitoral”,exigido pelo tipo do art. 350. Por fim, sustenta que os documentos trazidos aos autosnão são aptos a provar a caracterização do crime. Termos em que pediu o arquivamentoda peça acusatória.

5. Prossigo neste relato, para consignar que, diante da inexistência de anteceden-tes criminais (fls. 159/175), o Procurador-Geral da República ofereceu proposta desuspensão condicional do processo, mediante o cumprimento das condições seguintes:

“(...)

a) seu comparecimento pessoal, trimestral, durante 2 (dois) anos, em escolasda rede pública de ensino do Estado do Tocantins, para testemunhar aos jovensestudantes, proferindo palestras sobre o sistema democrático e o processo elei-toral, devendo comprovar a realização das referidas palestras perante o Juízo daExecução competente.

b) depósito na quantia de R$1.000,00 (mil reais) em benefício do programaFome Zero (Banco do Brasil, agência 1.607-1, conta corrente 100.2003-9).”

6. Finalmente, intimado a se manifestar, o denunciado declarou sua concordânciacom a proposta oferecida (fl. 195).

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): 8. Como sabido, o recebimento dadenúncia constitui mero juízo de admissibilidade, não havendo espaço para se enfrentaro mérito do pedido inserto na inicial acusatória. Pelo que passo a analisar os requisitospara o recebimento da peça denunciativa. E, ao fazê-lo, anoto que a conduta narrada seamolda, em tese, ao delito imputado, estando descritos os elementos configuradores dasuposta prática do ilícito penal. Além do mais, não se faz presente a manifesta atipicidadeda conduta que se increpa ao agente sob o torniquete da persecução penal.

9. Daqui se deduz que foram atendidos os requisitos exigidos pelo artigo 41 doCódigo de Processo Penal, não se constatando, in casu, nenhuma das hipóteses derejeição a que se refere o art. 43 do mesmo diploma legal.

10. Recebo a denúncia, portanto. Contudo, em face da concordância do denunci-ado com as condições propostas pelo Ministério Público para a suspensão do processo,defiro a sustação do feito, nos termos em que se deu a transação.

11. É como voto.

EXTRATO DA ATA

Inq 2.170/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Autor: Ministério Público Federal.Indiciado: Carlos Eduardo Torres Gomes (Advogado: Edson Domingues Martins).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, sustou o feito, nos termos do voto doRelator. Ausentes, justificadamente, o Ministro Carlos Velloso e, neste julgamento, oMinistro Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr.Haroldo Ferraz da Nóbrega.

Brasília, 30 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.514 — SC

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Requerente: Procurador-Geral da República — Requerida: Assembléia Legisla-tiva do Estado de Santa Catarina

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 11.366/2000, do Estadode Santa Catarina. Ato normativo que autoriza e regulamenta a criação e aexposição de aves de raça e a realização de “brigas de galo”.

A sujeição da vida animal a experiências de crueldade não é compa-tível com a Constituição do Brasil. Precedentes da Corte.

Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,julgar procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 29 de junho de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Procurador-Geral da República propõe ação direta,com pedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade da Lei n.11.366/2000, do Estado de Santa Catarina, que tem o seguinte teor:

“Art. 1º Fica normatizada a criação, a exposição e a realização de competi-ções entre aves das raças combatentes “Galus-Galus”, nos termos da presente Lei.

Art. 2º As atividades esportivas do galismo inerentes à preservação de avesde raças combatentes, serão realizadas em recintos e/ou locais próprios nas sedesdas entidades denominadas “rinhadeiros”.

Art. 3º A autorização para realização das competições, será outorgada porórgão do poder público estadual, mediante o recolhimento de taxa.

Art. 4º Os locais onde serão realizados os eventos, deverão ser vistoriadosanualmente pela autoridade competente para que possa ser fornecido o alvará,como medida de segurança e proteção dos freqüentadores.

Art. 5º Um médico veterinário e/ou um assistente capacitado, atestará antesdas competições, o estado de saúde das aves que participarão do evento.

Art. 6º Fica proibida a prática desta atividade em locais próximos a Igrejas,Escolas e Hospitais, devendo ser respeitada a distância mínima de oitenta metrospara preservar o silêncio, a ordem e o sossego público.

Art. 7º Nos locais onde se realizam as competições, é vedado o ingresso oupermanência de menores de dezesseis anos, a não ser quando acompanhados dospais ou responsáveis diretos.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 9º Revogam-se as disposições em contrário.”

2. O requerente sustenta que a lei hostilizada afronta o artigo 225, § 1º, incisoVII1, da Constituição do Brasil, já que possibilita a prática de competição que submeteos animais a crueldade, ao contrário de buscar proteger a fauna como medida hábil atornar efetivo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e observar a

1 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum dopovo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever dedefendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

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expressa vedação, na forma da lei, de atos que submetam os animais a tratamentoimpiedoso.

3. A Assembléia Legislativa aduz que “vive arraigado na cultura popular otradicional combate entre galos da espécie criada unicamente para esse fim”. Acrescen-ta que as aves “detém carga cromossômica orientada para a luta”, e que “não se prestamao abate para consumo humano”. Alega que não há que se “falar em crueldade quandolutam entre si. O esforço físico a que se submetem é igual ao imposto aos cavalos purosangue inglês de corrida” [fls. 125/129].

4. Em face da relevância da matéria, o Ministro Nelson Jobim, Relator à época,determinou, na forma do artigo 12 da Lei n. 9.868/99, a oitiva do Advogado-Geral daUnião e do Procurador-Geral da República [fl. 136].

5. O Advogado-Geral da União, invocando precedentes desta Corte, manifesta-sepela procedência do pleito.

6. O Procurador-Geral da República, ratificando os termos da inicial, opina pelaprocedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade.

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos SenhoresMinistros [RISTF, artigo 172].

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Trata-se de ação direta na qual se pleiteia adeclaração de inconstitucionalidade da Lei n. 11.366/2000, do Estado de Santa Catarina,que autoriza e regulamenta a criação, a exposição e a realização de “brigas de galo”.

2. O pedido merece acolhimento.

3. Com efeito, ao autorizar a odiosa competição entre galos, o legislador estadualignorou o comando contido no inciso VII do § 1º do artigo 225 da Constituição doBrasil, que expressamente veda práticas que submetam os animais à crueldade.

4. Em situações análogas, este Tribunal afirmou a preservação da fauna como fima ser prestigiado, banindo a sujeição da vida animal a experiências de crueldade. Nessesentido:

“Constitucional. Meio-ambiente. Animais: proteção: crueldade. “Brigade galos”. I - A Lei 2.895, de 20-3-98, do Estado do Rio de Janeiro, ao autorizar edisciplinar a realização de competições entre “galos combatentes”, autoriza edisciplina a submissão desses animais a tratamento cruel, o que a ConstituiçãoFederal não permite: CF, art. 225, § 1º, VII. II - Cautelar deferida, suspendendo-sea eficácia da Lei 2.895, de 20-3-98, do Estado do Rio de Janeiro.”[ADI n. 1.856/MC, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 22-9-2000]

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:(...)VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua

função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

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5. Outro precedente deve ser citado. Refiro-me ao RE n. 153.5311, no qual sediscutiu a polêmica “farra do boi”, oriundo do mesmo Estado de Santa Catarina. OMinistro Marco Aurélio, Relator para o acórdão, ressaltou que:

“[...] é justamente a crueldade o que constatamos ano a ano, ao acontecer oque se aponta como folguedo sazonal. A manifestação cultural deve ser estimula-da, mas não a prática cruel. Admitida a chamada “farra do boi”, em que uma turbaensandecida vai atrás do animal para procedimentos que estarrecem, como vimos,não há poder de polícia que consiga coibir esse procedimento. Não vejo comochegar-se à posição intermediária. A distorção alcançou tal ponto que somenteuma medida que obstaculize terminantemente a prática pode evitar o que verifi-camos neste ano de 1997. O Jornal da Globo mostrou um animal ensangüentadoe cortado invadindo uma residência e provocando ferimento em quem se encon-trava no interior.

Entendo que a prática chegou a um ponto a atrair, realmente, a incidência dodisposto no inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal. Não se trata, no caso,de uma manifestação cultural que mereça o agasalho da Carta da República. Comodisse no início de meu voto, cuida-se de uma prática cuja crueldade é ímpar edecorre das circunstâncias de pessoas envolvidas por paixões condenáveis busca-rem, a todo custo, o próprio sacrifício do animal.”

6. Os mesmos argumentos constantes desse precedente bastam para elidir asalegações da Assembléia Legislativa catarinense.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado nesta ação direta e declaroa inconstitucionalidade da Lei n. 11.366/00, do Estado de Santa Catarina.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.514/SC — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral daRepública. Requerida: Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, nostermos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, o MinistroNelson Jobim (Presidente) e, neste julgamento, os Ministros Carlos Velloso e MarcoAurélio. Presidiu o julgamento a Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).

Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão osMinistros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, GilmarMendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz da Nóbrega.

Brasília, 29 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

1 DJ de 13-3-1998.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.836 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Requerente: Partido Social Liberal – PSL — Requeridas: Governadora do Estadodo Rio de Janeiro e Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro — Interessada:Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 106/03.Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Artigo9º, § 1º, alínea c, e artigo 165. Desincompatibilização dos candidatos aocargo de Procurador-Geral de Justiça.

1. O artigo 9º da lei exige a desincompatibilização dos candidatosao cargo de Procurador-Geral de Justiça que estejam ocupando qual-quer outro cargo ou função de confiança.

2. A argumentação do requerente de que o aludido preceito permi-tiria o exercício de cargos e funções não-afetos à área de atuação doMinistério Público não merece acolhida.

3. O artigo 165 da Lei Orgânica do MP do Estado do Rio de Janeiroé mera reprodução do artigo 29, § 3º, do ADCT da Constituição doBrasil. Aos integrantes do Parquet admitidos antes da CB/88 aplicam-seas vedações do texto constitucional.

4. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improce-dente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribu-nal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, na conformi-dade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgarimprocedente a ação, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 17 de novembro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Partido Social Liberal – PSL propõe ação direta, compedido de medida cautelar, na qual questiona a constitucionalidade da alínea c do § 1º doartigo 9º e do artigo 165 da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Rio deJaneiro — Lei Complementar n. 106/03.

2. Os preceitos impugnados têm o seguinte teor:

“Art. 9º São inelegíveis para o cargo de Procurador-Geral de Justiça os Procura-dores de Justiça e os Promotores de Justiça que:

(...)

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§ 1º É obrigatória a desincompatibilização, mediante afastamento, pelo menos60 (sessenta) dias antes da data da eleição, para os que, estando na carreira:

a) ocuparem cargo eletivo nos órgãos de administração do Ministério Público;

b) ocuparem cargo na Administração Superior do Ministério Público;

c) ocuparem qualquer outro cargo ou função de confiança.

Art. 165. Aos membros do Ministério Público, admitidos anteriormente àpromulgação da Constituição da República de 1988, fica assegurado o que dispõe o§ 3.º do artigo 29 do respectivo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”

3. O requerente sustenta que o artigo 9º, § 1º, alínea c, da Lei Complementar n.106/03 viola o disposto no artigo 128, § 5º, inciso II, alínea d1, da Constituição doBrasil, já que contempla a hipótese de exercício, por membro do Ministério Públicoestadual, de cargo ou função de confiança fora da instituição. Quanto ao artigo 165 damesma lei, afirma que a opção facultada pelo § 3º do artigo 29 do ADCT2 só poderiaocorrer até 14 de fevereiro de 1993, data anterior à promulgação da Lei OrgânicaNacional do Ministério Público — Lei n. 8.625/93.

4. A Assembléia Legislativa afirma que “é possível concluir que, havendo autori-zação de cada Conselho Superior do Ministério Público, pode o membro do Parquetocupar cargo em comissão em órgão ou entidade afeta à área de atuação do MinistérioPúblico” e que o artigo 165 da lei “é correlato com as disposições contidas no art. 75 daLei Federal n. 8.625/933” [fls. 57/64].

1 Art. 128. O Ministério Público abrange:(...)§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos

Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada MinistérioPúblico, observadas, relativamente a seus membros:

(...)II - as seguintes vedações:(...)d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

2 Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e àAdvocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquiasfederais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionaispúblicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições.

(...)§ 3º Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do

Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto àsvedações, a situação jurídica na data desta.

3 Art. 75. Compete ao Procurador-Geral de Justiça, ouvido o Conselho Superior do MinistérioPúblico, autorizar o afastamento da carreira de membro do Ministério Público que tenha exercido aopção de que trata o art. 29, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para exercer ocargo, emprego ou função de nível equivalente ou maior na Administração Direta ou Indireta.

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5. A Governadora do Estado do Rio de Janeiro entende que o disposto na alínea cdo § 1º do artigo 9º da LC n. 106/93 permite, como o faz o artigo 10, inciso IX, alíneac, da Lei n. 8.625/934, a participação de membros do Ministério Público em organismosestatais afetos à sua área de atuação. Destaca que o artigo 165 da lei limita-se a fazerremissão ao art. 29, § 3º, do ADCT [fls. 112/117].

6. Determinei, nos termos da decisão de fl. 127, fosse aplicada ao caso a regra doartigo 12 da Lei n. 9.868/99.

7. O Advogado-Geral da União manifesta-se pela improcedência do pleito, ressal-tando que o artigo 9º, § 1º, alínea c, da Lei Complementar carioca não autoriza o livreexercício de outros cargos ou funções, limitando-se a fixar regra pertinente à concor-rência ao cargo de Procurador-Geral; e que o artigo 165 da mesma lei em nada afronta oart. 29, § 3º, do ADCT [fls. 129/136].

8. O Procurador-Geral da República opina pela improcedência do pedido dedeclaração de inconstitucionalidade, sustentando que o primeiro preceito atacado nãopermite “que o membro do Ministério Público exerça qualquer outro cargo ou funçãode confiança no âmbito da Administração Pública”, e que, para os membros dosMinistérios Públicos estaduais, a opção prevista no artigo 29, § 3º, do ADCT pode serfeita a qualquer tempo, uma vez que nem a Constituição do Brasil nem a Lei OrgânicaNacional do Ministério Público fixam qualquer prazo [fls. 139/147].

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos SenhoresMinistros [RISTF, artigo 172].

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Trata-se de ação direta na qual é objetivada adeclaração de inconstitucionalidade de preceitos contidos na Lei Orgânica do Minis-tério Público do Estado do Rio de Janeiro.

2. O primeiro preceito atacado é o seguinte:

“Art. 9º São inelegíveis para o cargo de Procurador-Geral de Justiça osProcuradores de Justiça e os Promotores de Justiça que:

(...)

§ 1º É obrigatória a desincompatibilização, mediante afastamento, pelomenos 60 (sessenta) dias antes da data da eleição, para os que, estando na carreira:

(...)

c) ocuparem qualquer outro cargo ou função de confiança”.

4 Art. 10. Compete ao Procurador-Geral de Justiça:(...)IX - designar membros do Ministério Público para:(...)c) integrar organismos estatais afetos a sua área de atuação;

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3. O requerente afirma que essa disposição permite que membros do MinistérioPúblico exerçam cargos ou funções de confiança, o que é vedado pelo artigo 128,inciso II, alínea d.

4. Sobre essa afirmação, ponderou o Procurador-Geral da República [fl. 145]:

“Como se pode perceber, o dispositivo normativo atacado não permite, comoafirma o requerente, que o membro do Ministério Público exerça qualquer outrocargo ou função de confiança no âmbito da Administração Pública, como as [de]Secretário de Estado. A norma prescreve que, para os casos em que os membros doMinistério Público estejam ocupando qualquer outro cargo ou função de confiançae desejem se eleger ao cargo de Procurador-Geral de Justiça, é obrigatória adesincompatibilização, mediante afastamento, pelo menos sessenta dias antes dadata da eleição. Essa norma é aplicável àqueles membros que já ocupem cargo oufunção de confiança, no caso, aqueles que estão ocupando cargos ou funções deconfiança na administração do próprio Ministério Público e em seus órgãos auxili-ares ou em órgãos estatais afetos à área de atuação da Instituição”.

5. Com razão o Procurador-Geral. O preceito atacado não está a permitir oexercício de outros cargos ou funções de confiança, mas apenas determina que aquelesque ocupem esses cargos e que desejem concorrer à eleição de Procurador-Geral deJustiça deles se afastem, pelo menos 60 (sessenta) dias antes do pleito.

6. E ainda como apontado pelo Chefe do Ministério Público Federal, o artigo 119da Lei Complementar carioca repete a vedação constitucional:

“Art. 119. Aos membros do Ministério Público se aplicam as seguintes vedações:

(...)

IV - exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,salvo uma de magistério;

(...)

Parágrafo único. Constituem funções do Ministério Público, não se lhesaplicando o inciso IV deste artigo, as atividades exercidas em organismos estataisafetos a área de atuação da Instituição e o exercício de cargos e funções deconfiança na sua administração e nos órgãos auxiliares”.

7. Também é questionada a constitucionalidade do artigo 165 da mesma LeiComplementar, segundo o qual:

“Art. 165. Aos membros do Ministério Público admitidos anteriormente àpromulgação da Constituição da República de 1988, fica assegurado o que dispõeo § 3º do art. 29 do respectivo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

8. O requerente afirma que esse artigo é inconstitucional, porque permite quemembros do Ministério Público exerçam cargo ou função de confiança em organismosestatais fora do âmbito da própria instituição, sem que o membro do Ministério Públicodo Estado do Rio de Janeiro, admitido antes de 5-10-1988 (vigência da CF/88), tenhaexercido a opção pelo regime anterior até 14-2-1993 (data anterior à publicação daLONMP), já que, no seu entendimento, após essa data, o artigo 29 do ADCT teriaperdido eficácia. Transcrevo, por sua relevância, o citado preceito transitório:

.

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“Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas aoMinistério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, aProcuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministéri-os, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com repre-sentação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionaispúblicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribui-ções.

(...)

§ 3º Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens,o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição,observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta.”

9. Anota José Afonso da Silva1:

“O § 3º procura resolver situação regida pela ordem constitucional anterior e aordem nova, dando ao membro do Ministério Público admitido antes da promulga-ção da Constituição a oportunidade de optar pelo regime anterior, quando àsgarantias e vantagens — o que, na verdade, envolvia a opção pela possibilidade deexercício ou não de atividades políticas, que a Constituição vedou”.

10. No julgamento da ADI n. 2.0842, ficou firmado, mediante interpretaçãoconforme à Constituição, que os membros do Ministério Público só podem exercercargo ou função de confiança na Administração Superior da própria instituição, enten-dimento reiterado no julgamento da ADI n. 2.5343.

11. E isso se justifica porque o § 3º do artigo 29 do ADCT4 estatui que, quanto àsvedações, observar-se-á a situação jurídica na data da promulgação da Constituição —“data desta”. Assim, mesmo aos integrantes do Parquet admitidos antes de 5 de outubrode 1988 aplicam-se as vedações inseridas no novo texto constitucional, ou seja, o textoda ordem constitucional vigente.

1 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. Malheiros: São Paulo, 2005. p. 912.

2 ADI n. 2.084, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 14-9-2001.

3 ADI n. 2.534/MC, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 13-6-2003.

4 Art. 29. Enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e àAdvocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquiasfederais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionaispúblicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições.

(...)

§ 3º Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro doMinistério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto àsvedações, a situação jurídica na data desta.

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12. Inexiste, contudo, qualquer disposição concernente ao prazo em que a opçãodeve ser feita, circunstância que leva a crer que, enquanto estiver na atividade, omembro do Ministério Público estadual admitido antes da promulgação da Constitui-ção de 1988, pode optar pelo regime anterior. O Procurador-Geral da República mani-festou-se nesse sentido [fl. 146]:

“Quanto ao art. 165 da Lei Complementar n. 106, de 3 de janeiro de 2003,do Estado do Rio de Janeiro, não se pode vislumbrar qualquer inconstitucionali-dade, visto que apenas reproduz o disposto no art. 29, § 3º, do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias da Constituição de 1988. Ademais, para o Ministé-rio Público dos Estados, não se aplica a norma do parágrafo único do artigo 281da LC n. 75/935, válida somente para o Ministério Público da União. No âmbitodos Estados, a opção prevista no art. 29, § 3º, do ADCT pode ser feita a qualquertempo, pois nem a Constituição da República nem a Lei Orgânica Nacional doMinistério Público,que estabelece normas gerais para a organização do Ministé-rio Público dos Estados (Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), fixam qualquerprazo”.Ante o exposto, julgo improcedente o pedido formulado nesta ação direta.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.836/RJ — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Partido Social Liberal –PSL (Advogado: Wladimir Sérgio Reale). Requeridas: Governadora do Estado do Riode Janeiro e Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Interessada: Associa-ção Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP (Advogado: AristidesJunqueira Alvarenga).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente a ação, nos termosdo voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Falaram, pelo reque-rente, o Dr. Wladimir Sérgio Reale e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. RobertoMonteiro Gurgel Santos, Vice-Procurador-Geral da República.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral daRepública, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 17 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

5 Art. 281. Os membros do Ministério Público da União, nomeados antes de 5 de outubro de 1988,poderão optar entre o novo regime jurídico e o anterior à promulgação da Constituição Federal, quantoàs garantias, vantagens e vedações do cargo.

Parágrafo único. A opção poderá ser exercida dentro de dois anos, contados da promulgação destalei complementar, podendo a retratação ser feita no prazo de dez anos.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.938 — MG

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Requerente: Procurador-Geral da República — Requeridos: Governador do Estadode Minas Gerais e Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 13.454/2000 do Estadode Minas Gerais. Juiz de Paz. Eleição e investidura. Simultaneidade comas eleições municipais. Princípio majoritário. Previsão no art. 117 daConstituição do Estado de Minas Gerais. Ausência de impugnação.Inviabilidade da ação direta.

1. A viabilidade da ação direta reclama a impugnação conjunta dospreceitos que tratam da matéria, sob pena de inocuidade da própriadeclaração de inconstitucionalidade.

2. A ausência de impugnação do teor de preceitos constitucionaisrepetidos na lei impugnada impede o conhecimento da ação direta.Precedentes [ADI n. 2.132/MC, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de5-4-2002; ADI n. 2.242, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 19-12-2001 e ADI n. 2.215, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 26-4-2001].

Juiz de Paz. Eleição e investidura. Aplicação subsidiária do CódigoEleitoral e da legislação federal específica. Inconstitucionalidade. Normacogente.

3. Não há falar-se, no que tange à legislação atinente à criação daJustiça de Paz, em aplicação subsidiária do Código Eleitoral [Lei n.4.737/65], bem como da legislação federal específica, de observânciaobrigatória em todo o território nacional.

Juiz de Paz. Eleição e investidura. Filiação partidária. Obrigatorie-dade. Procedimentos necessários à realização das eleições. Constitucio-nalidade. Art. 14, § 3º, e 98, II, da CB/88. Competência federal.

4. A obrigatoriedade de filiação partidária para os candidatos aJuiz de Paz [art. 14, § 3º, da CB/88] decorre do sistema eleitoral constitu-cionalmente definido.

5. Lei estadual que disciplina os procedimentos necessários à reali-zação das eleições para implementação da Justiça de Paz [art. 98, II, daCB/88] não invade, em ofensa ao princípio federativo, a competência daUnião para legislar sobre Direito Eleitoral [art. 22, I, da CB/88].

Juiz de Paz. Eleição e investidura. Fixação de condições de elegibi-lidade para concorrer às eleições. Inconstitucionalidade. Competência daUnião. Art. 14 e art. 22, I, da CB/88.

6. A fixação por lei estadual de condições de elegibilidade emrelação aos candidatos a Juiz de Paz, além das constitucionalmenteprevistas no art. 14, § 3º, invade a competência da União para legislarsobre Direito Eleitoral, definida no art. 22, I, da Constituição do Brasil.

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Juiz de Paz. Competências funcionais. Arrecadar bens de ausentesou vagos. Funcionar como perito. Nomear escrivão ad hoc. Constituciona-lidade. Matéria meramente administrativa. Competência federal. Art. 98,II, da CB/88.

7. Lei estadual que define como competências funcionais dos juízesde paz a arrecadação provisória de bens de ausentes e vagos, nomeandoescrivão ad hoc, e o funcionamento como perito em processos não invade,em ofensa ao princípio federativo, a competência da União para legislarsobre direito processual civil [art. 22, I, da CB/88].

Juiz de Paz. Competências funcionais. Processar auto de corpo dedelito. Lavrar auto de prisão. Recusa da autoridade policial. Inconstitucio-nalidade. Processo penal. Competência da União para legislar. Art. 22, I,da CB/88.

8. Lei estadual que define como competências funcionais dos juízesde paz o processamento de auto de corpo de delito e a lavratura de autode prisão, na hipótese de recusa da autoridade policial, invade a compe-tência da União para legislar sobre Direito Processual Penal [art. 22, I,da CB/88].

Juiz de Paz. Competências funcionais. Prestar assistência ao empre-gado nas rescisões de contrato de trabalho. Inexistência dos órgãos pre-vistos no art. 477 da CLT. Inconstitucionalidade. Direito do Trabalho.Competência da União para legislar. Art. 22, I, da CB/88.

9. Lei estadual que define como competências funcionais dosjuízes de paz, na ausência dos órgãos previstos no art. 477 da CLT, aprestação de assistência ao empregado nas rescisões de contrato detrabalho, invade a competência da União para legislar sobre Direito doTrabalho [art. 22, I, da CB/88]. Função já assegurada pelo § 3º domesmo preceito legal.

Juiz de Paz. Competências funcionais. Zelar pela observância dasnormas relativas à defesa do meio ambiente e vigilância ecológica sobreas matas. Providências necessárias ao seu cumprimento. Constitucionali-dade. Art. 225 e 98, II, da CB/88.

10. Lei estadual que define como competência funcional do Juiz dePaz zelar, na área territorial de sua jurisdição, pela observância dasnormas concernentes à defesa do meio ambiente e à vigilância sobre asmatas, rios e fontes, tomando as providências necessárias ao seu cumpri-mento, está em consonância com o art. 225 da Constituição do Brasil,desde que sua atuação não importe em restrição às competências munici-pal, estadual e da União.

Juiz de Paz. Prerrogativas. Prisão especial. Inconstitucionalidade.Processo penal. Competência da União para legislar. Art. 22, I, da CB/88.Direito assegurado pelo art. 112, § 2º, da Loman [LC 35/75].

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11. Lei estadual que prevê, em benefício dos juízes de paz, o recolhi-mento a prisão especial invade a competência da União para legislarsobre Direito Processual Penal [art. 22, I, da CB/88]. Direito já assegura-do pelo art. 112, § 2º, da Loman [LC n. 35/75].

12. Ação direta julgada parcialmente procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, preliminarmente, por unanimidade, não conhecer do pedido for-mulado na ação quanto à expressão “simultaneamente com as eleições municipais”,contida no caput do artigo 2º, e quanto à expressão “segundo o princípio majoritário”,constante do caput do artigo 3º, ambos da Lei n. 13.454, de 12 de janeiro de 2000, doEstado de Minas Gerais. Votou a Presidente.

Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, quanto aos artigos 2º e 3ºda norma impugnada, conheceu do pedido formulado na ação e julgou-a improcedente,exceto quanto ao vocábulo “subsidiária”, constante no caput do artigo 2º. Votou aPresidente.

Prosseguindo no exame dos dispositivos impugnados na Lei n. 13.454, de 12 dejaneiro de 2000, do Estado de Minas Gerais, o Tribunal, por maioria, julgou improce-dente a ação quanto ao artigo 4º. Por unanimidade, deu pela inconstitucionalidadeintegral do artigo 6º, nos termos do voto do Relator. Em relação aos artigos 5º, 7º, 8º, 9ºe 10, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação. Quanto ao inciso VII doartigo 15, julgou, por maioria, improcedente a ação. Por unanimidade, julgouinconstitucional a expressão “e lavrar auto de prisão”, constante do inciso VIII doartigo 15, nos termos do voto do Relator; e, por maioria, inconstitucional o remanes-cente do dispositivo. Em relação ao inciso IX do mesmo artigo, o Tribunal, porunanimidade, julgou inconstitucional a ação. Por maioria, julgou improcedente aação em relação ao inciso X do artigo 15, assim como, também por maioria, improce-dente a ação quanto ao seu inciso XII. Em relação ao § 2º do artigo 15, o Tribunal, pormaioria, julgou improcedente a ação. E, quanto ao artigo 22, o Tribunal, por maioria,julgou procedente a ação e declarou a inconstitucionalidade da expressão “e garantedireito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento”.

Brasília, 9 de junho de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: O Procurador-Geral da República propõe a presenteação direta, em que pleiteia a declaração de inconstitucionalidade do Capítulo II [arts.2º a 10]; dos incisos VII, VIII, IX, da expressão “tomando as providências necessárias aoseu cumprimento” no inciso X, da expressão “funcionar como perito em processos” noinciso XII e do § 2º, todos do art. 15; e da expressão “e garante direito a prisão especial,em caso de crime comum, até definitivo julgamento” no artigo 22, preceitos da Lei n.13.454, de 12 de janeiro de 2000, do Estado de Minas Gerais, cujo teor é o seguinte:

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“Capítulo II

Da Eleição e da Investidura

Art. 2º As eleições para Juiz de Paz serão realizadas simultaneamente com aseleições municipais, na forma estabelecida por esta lei e mediante a aplicaçãosubsidiária do Código Eleitoral e da legislação federal específica.

Parágrafo único. O processo eleitoral de que trata este artigo será presididopelo Juiz Eleitoral competente.

Art. 3º O Juiz de Paz é eleito segundo o princípio majoritário, para mandatode quatro anos, pelo voto direto, universal e secreto do eleitorado do distrito oudo subdistrito judiciário respectivo, permitida a reeleição.

Parágrafo único. O mandato do Juiz de Paz coincidirá com o de Vereador.

Art. 4º Os candidatos a Juiz de Paz e seus suplentes serão escolhidos nasmesmas convenções partidárias que deliberarão sobre as candidaturas às eleiçõesmunicipais, observadas as normas estabelecidas na legislação eleitoral e noestatuto dos respectivos partidos políticos.

Art. 5º Cada partido político poderá registrar, na Justiça Eleitoral, candida-tos ao cargo de Juiz de Paz em número correspondente ao de vagas existentes emcada município.

§ 1º O registro de candidato a Juiz de Paz far-se-á com dois suplentes, emchapa única, com indicação da suplência em ordem crescente.

§ 2º Não é permitido o registro do mesmo candidato para mais de umacircunscrição nem para mais de um cargo na mesma circunscrição.

Art. 6º Para concorrer às eleições, o candidato atenderá às exigências cons-titucionais e legais de elegibilidade e compatibilidade, especialmente aos se-guintes requisitos:

I - ser brasileiro nato ou naturalizado;

II - estar em pleno exercício dos direitos civis e políticos;

III - estar em dia com as obrigações eleitorais;

IV - estar quite com as obrigações militares, se do sexo masculino;

V - ter domicílio eleitoral no distrito ou subdistrito pelo qual se candidatarpelo prazo de, pelo menos, um ano antes da data da eleição;

VI - ter sua filiação deferida pelo partido pelo menos um ano antes da data daeleição;

VII - ter idade mínima de vinte e um anos;

VIII - comprovar idoneidade moral mediante atestado de autoridade judici-ária ou policial;

IX - ser alfabetizado.

Art. 7º Será considerado eleito Juiz de Paz o candidato que obtiver a maioriados votos, não computados os votos em branco e os nulos.

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§ 1º A eleição do Juiz de Paz importará na dos candidatos a suplente com eleregistrados, na ordem de suplência a que se refere o § 1º do art. 5º desta lei.

§ 2º Em caso de empate na votação, considerar-se-á eleito o candidato maisidoso.

Art. 8º A diplomação dos eleitos far-se-á de conformidade com as normasestabelecidas na legislação eleitoral.

Art. 9º O Juiz de Paz eleito e diplomado tomará posse na mesma data daposse do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, perante o Juiz de DireitoDiretor do Foro da comarca a que pertencer o distrito ou subdistrito.

Art. 10. A Justiça Eleitoral expedirá as instruções necessárias à execuçãodesta lei e definirá os locais de votação correspondentes a cada distrito ousubdistrito judiciário.

§ 1º Para fins de definição do número de vagas a serem preenchidas em cadamunicípio, o Tribunal de Justiça do Estado fornecerá ao Tribunal RegionalEleitoral de Minas Gerais, no momento oportuno, a relação de distritos esubdistritos de que trata o art. 1º.

§ 2º Nos municípios abrangidos por mais de uma zona eleitoral, se onúmero de vagas para o cargo de Juiz de Paz for inferior ao número de zonas,caberá à Justiça Eleitoral delimitar o eleitorado apto a votar, observado odisposto no art. 1º.

[...]

Capítulo IV

Da Competência

Art. 15. Compete ao Juiz de Paz:

[...]

VII - arrecadar bens de ausentes ou vagos, até que intervenha a autoridadecompetente;

VIII - processar auto de corpo de delito, de ofício ou a requerimento da parte,e lavrar auto de prisão, em caso de ausência, omissão ou recusa da autoridadepolicial;

IX - prestar assistência ao empregado nas rescisões de contrato de trabalho,quando inexistirem na localidade os órgãos previstos no art. 477 da Consolida-ção das Leis do Trabalho – CLT

X - zelar, na área territorial de sua jurisdição, pela observância das normasconcernentes à defesa do meio ambiente e à vigilância ecológica sobre matas, riose fontes, tomando as providências necessárias ao seu cumprimento;

[...]

XII - funcionar como perito em processos e exercer outras atividades judici-árias não defesas em lei, de comum acordo com o Juiz de Direito da comarca.

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[...]

§ 2º A nomeação de escrivão ad hoc é obrigatória em caso de arrecadaçãoprovisória de bens de ausentes ou vagos.

[...]

Art. 22. O exercício efetivo da função de Juiz de Paz constitui serviçopúblico relevante e garante direito a prisão especial, em caso de crime comum,até definitivo julgamento.” [Grifei]

2. O requerente alega que os preceitos em exame ferem os comandos dos artigos22, I, e 121 da Constituição do Brasil. Alega violação da competência privativa daUnião para legislar sobre Direito Eleitoral, uma vez que o ato normativo impugnadoregula a eleição e a investidura para o cargo de Juiz de Paz.

3. Sustenta a afronta ao art. 121 da Constituição, visto que a organização e acompetência dos tribunais eleitorais é matéria de lei complementar. Por outro lado, àluz do art. 22, I, do texto constitucional, é defeso aos Estados legislar sobre DireitoProcessual Penal e trabalhista.

4. Aduz, por fim, que o ato normativo impugnado não pode atribuir aos juízes depaz funções administrativas baseadas no poder de polícia, bem como atribuir-lhescompetências que ofendam a legislação processual civil.

5. Em face da relevância da questão, e tendo em vista a sua repercussão na ordempública do Estado de Minas Gerais, o então Ministro Presidente Maurício Corrêarequisitou informações à Assembléia Legislativa e determinou fossem ouvidos o Advo-gado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, sucessivamente, para que sepronunciassem, nos termos do art. 12 da Lei n. 9.868/99.

6. A Assembléia Legislativa sustenta que o ato normativo atacado, elaboradodentro dos limites da competência dos Estados-Membros, não possui vício de iniciativa,visto que o projeto de lei enviado àquela casa partiu do Tribunal de Justiça do Estadode Minas Gerais.

7. O Advogado-Geral da União confirma a competência dos Estados-Membrospara legislar sobre a Justiça de Paz, cabendo à União somente a disciplina quanto aoDistrito Federal e aos Territórios. Com esteio no precedente da ADI n. 903, Relator oMinistro Celso de Mello [DJ de 24-10-97], admite a existência de um nicho para aatuação legislativa do Estado-Membro, enquanto não houver legislação de caráternacional. Assim, a matéria eleitoral prevista no inciso I do art. 22 da Constituição doBrasil diz respeito somente aos cargos eletivos do Poder Executivo e do PoderLegislativo.

8. Assevera que as atividades conferidas aos juízes de paz pela lei mineiraobservam o parâmetro constitucional do art. 98, II, de modo que nenhuma delas trata dasolução de conflitos de interesses próprios da atividade jurisdicional. Segundo o art.15, XII, da lei impugnada, o funcionamento do Juiz de Paz em processos judiciaisdepende de acordo comum com o juiz de direito da comarca. Do mesmo modo, alavratura de auto de prisão somente ocorreria na hipótese de omissão, ausência ourecusa da autoridade policial.

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9. A determinação legal de que os juízes de paz deveriam zelar pela observânciadas normas concernentes à defesa do meio ambiente não configuraria a outorga de poderde polícia, restringindo a sua atividade somente à comunicação das questões aos órgãospúblicos responsáveis, o que também é franqueado a qualquer cidadão brasileiro.

10. Por fim, aponta a inconstitucionalidade do art. 22 da lei impugnada, aogarantir a prisão especial aos juízes de paz por invasão da competência privativa daUnião para legislar sobre Direito Processual Penal.

11. O Governador do Estado reafirma a constitucionalidade do Capítulo II, vistoque o próprio Código Eleitoral regula as eleições para Juiz de Paz, submetendo-as aopoder dos Tribunais Regionais Eleitorais. Quanto à filiação partidária dos candidatosao cargo, os argumentos da inicial afrontariam o art. 14, § 3º, da Constituição do Brasil,bem como todo o histórico da Justiça de Paz no Direito brasileiro.

12. Anota que os arts. 2º e 3º, que determinam a adoção do sistema majoritáriopara a escolha dos juízes de paz e a coincidência com as eleições municipais, encerramnormas já previstas no texto constitucional mineiro, que não foi impugnado.

13. Quanto às competências determinadas no art. 15, VII, VIII, IX, X, XII e § 2º,aduz que as atividades atribuídas aos juízes de paz possuem natureza meramenteprocedimental, as quais guardam relação com a organização judiciária do Estado deMinas Gerais, consubstanciando matéria de competência legislativa estadual por forçados arts. 24, XI, e 96, II, c, da CB/88, reproduzidos nos arts. 10, XV, l, e 104, IV, daConstituição mineira.

14. O Procurador-Geral da República, em parecer de fls. 98/105, reitera os argu-mentos expendidos na inicial, opinando pela total procedência do pedido.

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para envio aos Ministros(RISTF, artigo 172).

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): As impugnações oferecidas pelo Procurador-Geral da República à Lei do Estado de Minas Gerais podem ser sintetizadas nosseguintes pontos:

I - violação do art. 22, I, da CB/88, por legislar sobre matéria eleitoral, quantoaos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10;

II - violação do art 121, I, da CB/88, por legislar sobre atribuições e compe-tências dos juízes eleitorais, quanto aos artigos 2º, 8º, 9º e 10;

III - violação do art. 22, I, da CB/88, por legislar sobre matéria processualcivil, quanto ao inciso VII; a expressão “funcionar como perito em processos” doinciso XII e o § 2º, todos do art. 15;

IV - violação do art. 22, I, da CB/88, por legislar sobre matéria processualpenal, quanto ao artigo 15, VIII e a expressão “e garante direito a prisão especial,em caso de crime comum, até definitivo julgamento”, do art. 22;

V - violação do art. 22, I, da CB/88, por legislar sobre matéria trabalhista,quanto ao artigo 15, IX; e

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VI - violação do art. 225 da CB/88, por conceder poder de polícia e fiscaliza-ção aos juízes de paz, quanto à expressão “tomando as providências necessárias aoseu cumprimento” do artigo 15, X;

2. A instituição da Justiça de Paz no Brasil a partir da ordem constitucional de1988 ainda é uma questão pouco analisada por esta Corte. De outra banda, é escassalegislação sobre o tema, dispersa em alguns artigos da Constituição do Brasil [art. 14, §3º, VI, c; art. 98, II, e art. 30 do ADCT], da Lei Orgânica da Magistratura Nacional –LOMAN [art. 112] e do Código Eleitoral [art. 30, IV, e art. 186, § 1º, VIII].

3. Prevista nos artigos 161 e 162 da Constituição do Brasil de 1824, a Justiça dePaz foi regulamentada pela Lei de 15 de outubro de 1827, que estabelecia a eleição dosjuízes de paz para cada freguesia, concedendo-lhes amplos poderes, inclusivejurisdicionais.

4. Por força do Ato Institucional n. 11, de 14 de agosto de 1969, foram extintas aseleições para os novos juízes de paz, os quais passariam a ser nomeados pelos Governa-dores dos Estados-Membros, permanecendo os então ocupantes dos cargos até otérmino de seus mandatos.

5. Com o advento da Constituição de 1988, atribuiu-se aos Estados-Membros e àUnião, esta com relação ao Distrito Federal e aos Territórios, competência para a criaçãoda Justiça de Paz, restituindo-lhe o caráter eletivo e as funções de natureza meramenteconciliatória.

6. É inegável a importância dessa parcela da magistratura nacional, como ressal-tado pelo Ministro Celso de Mello na ADI n. 2.082 [DJ de 4-4-2000]. Não se pode, noentanto, sobrepassar as competências definidas no texto constitucional para a suaimplementação. Passo à análise das impugnações oferecidas pelo Procurador-Geral daRepública.

7. Os artigos 2º a 10 da lei mineira, ao disporem sobre a eleição e a investidura parao cargo de Juiz de Paz naquele Estado-Membro, invadem a competência da União,constitucionalmente definida no art. 22, I, para legislar sobre Direito Eleitoral. Quantoaos arts. 2º, 8º, 9º e 10, há ainda violação do art. 121, I, da CB/88, ao dispor sobre matériaafeta a lei complementar.

8. De fato, o art. 30, IV, do Código Eleitoral [Lei n. 4.737/65] define a competênciaprivativa dos Tribunais Regionais Eleitorais para fixar a data das eleições para Juiz dePaz, quando não definida por preceito constitucional ou legal.

9. Note-se bem não se tratar, aqui, de competência concorrente, na acepçãoconferida pelo Governador do Estado em suas informações.

10. A redação do preceito é clara, no sentido de que às assembléias estaduaisincumbe a criação da Justiça de Paz dentro de seus limites territoriais. À União, por fim,caberia a competência para legislar sobre o tema no âmbito do Distrito Federal e dosTerritórios.

11. Trata-se de competência organizacional própria a cada ente federativo, semconcorrência quanto à matéria a ser legislada. Os atos normativos provenientes dasrespectivas casas legislativas não podem, no entanto, avançar sobre matérias de compe-tência privativa da União, previstas no art. 22 da Constituição do Brasil.

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12. A capacidade legislativa plena franqueada pelo § 3º do art. 24 do textoconstitucional, por outro lado, não deve extrapolar os limites materiais definidos nosincisos daquele artigo.

13. Observo, no entanto, que o sistema majoritário e a simultaneidade das eleiçõespara a Justiça de Paz com o pleito municipal são previstos no art. 117 da Constituição doEstado de Minas Gerais, que não foi impugnado pelo Procurador-Geral da República nainicial. A coincidência dos pleitos, aliás, é prevista no art. 186, § 1º, VIII, do CódigoEleitoral [Lei n. 4.737/65].

14. A viabilidade da ação direta reclama a impugnação conjunta dos preceitosque tratam da matéria, sob pena de inocuidade da própria declaração de inconstitucio-nalidade.

15. Esse o entendimento desta Corte (ADI 2.132/MC, Ministro Moreira Alves, DJde 5-4-02; ADI 2.242, Ministro Moreira Alves, DJ de 19-12-01), conforme se infere doprecedente abaixo transcrito:

“(...) Controle normativo abstrato de constitucionalidade e efeito re-pristinatório. A questão do efeito repristinatório indesejado. Necessidade,em tal hipótese, de formulação de pedidos sucessivos de declaração deinconstitucionalidade tanto do diploma ab-rogatório quanto das normaspor ele revogadas, desde que também eivadas do vício da ilegitimidadeconstitucional. Ausência de impugnação, no caso, do diploma legislativocuja eficácia restaurar-se-ia em função do efeito repristinatório. Hipótesede incognoscibilidade da ação direta. Precedentes”. (ADI 2.215-MC, MinistroCelso de Mello, DJ de 26-4-01)

16. Assim, não conheço da ADI quanto às expressões “simultaneamente com aseleições municipais”, do caput do art. 2º, e “segundo o princípio majoritário”, do caputdo art. 3º.

17. A questão da filiação partidária dos candidatos a Juiz de Paz, por sua vez,merece algumas considerações. Em que pese os argumentos expendidos pela Advoca-cia-Geral do Estado de Minas Gerais, a filiação partidária, obrigatória nas eleições demembros do Poder Legislativo e do Executivo, não é compatível com as funções de ummembro do Poder Judiciário. Embora desprovido de funções de caráter jurisdicional, asatribuições conciliatórias dos juízes de paz chocam-se com a idéia de partidarismoobrigatório.

18. Aduzem os defensores do texto impugnado o histórico da Justiça de Paz nodireito brasileiro, que desde o Império evidenciava a vinculação partidária de seusintegrantes.

19. A análise histórica, todavia, é permeada por rupturas, às quais se seguemnovos modelos jurídicos. Assim, a vinculação partidária dos juízes de paz deixa deexistir com a promulgação da Loman. Esta, no § 1º do art. 112, neste ponto recebidopela ordem constitucional vigente, veda a participação em órgãos de direção ou deação de partidos políticos aos candidatos a Juiz de Paz. Passo à análise das competên-cias atribuídas pelo art. 15 da lei mineira.

20. A arrecadação de bens de ausentes ou vagos é determinada, respectivamente,nos arts. 1.160 e 1.170 do Código de Processo Civil.

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21. O vocábulo “juiz”, em ambos os casos, no contexto do CPC, designa omagistrado togado, que, além de arrecadar os bens, tem o poder de publicar editais enomear curador, funções defesas ao Juiz de Paz por força do preceito constitucional doart. 98, II.

22. Por outro lado, não há possibilidade de nomeação, pelo Juiz de Paz, deescrivão ad hoc para lavratura do termo de arrecadação. Para os casos de bens deausentes, o escrivão da serventia judicial acompanhará o juiz de direito na diligênciade arrecadação dos bens, como preconiza o art. 1.145 do CPC. No caso dos bens vagos,a lavratura do auto cabe à autoridade policial ou ao juiz de direito que recebeu a coisa.

23. Nada impede, no entanto, que o curador nomeado pelo juiz de direito para aguarda dos bens seja o Juiz de Paz do distrito, o que será decidido oportunamente pelomagistrado.

24. A função do Juiz de Paz como perito judicial, do mesmo modo, não é infensaà legislação processual, permitida a livre escolha pelo juiz togado, na forma do art. 145,§ 3º, do CPC.

25. Vê-se, no entanto, que todos os preceitos da lei mineira tratam de matériaprocessual civil, de competência privativa da União. Daí a necessária declaração deinconstitucionalidade do inciso VII, da expressão “funcionar como perito em proces-sos” do inciso XII e do § 2º, todos do artigo 15 da Lei n. 13.454/2000.

26. O inciso VIII do mesmo art. 15 atribui competência à Justiça de Paz paraprocessar auto de corpo de delito e lavrar auto de prisão, em caso de ausência, omissãoou recusa da autoridade policial.

27. O Governo do Estado de Minas Gerais alega que os autos de prisão e de corpode delito integram o inquérito policial, que não consubstancia processo, mas meroprocedimento, para o qual o Estado-Membro teria competência para legislar, à luz doart. 24, XI, da CB/88.

28. Note-se, porém, que a competência para a realização do inquérito policial éconstitucionalmente definida no art. 144, § 4º, o que todavia não exclui as demaismodalidades de inquérito previstas no ordenamento. O modo como se dará a instaura-ção e instrução do inquérito policial vem definido nos arts. 4º a 23 do Código deProcesso Penal. Seu art. 5º, § 2º, estabelece porém que, na hipótese de recusa de aberturado inquérito por parte da autoridade policial, caberá recurso ao Chefe de Polícia, quetomará as providências cabíveis como superior hierárquico.

29. Quanto ao exame de corpo de delito, os arts. 159 e 160 do Código de ProcessoPenal determinam que a elaboração do laudo de corpo de delito seja procedida por doisperitos oficiais. Já o auto de prisão é lavrado pelo escrivão do distrito policial ou, na suaausência ou impedimento, por quem vier a ser designado pela autoridade competente[art. 305 do CPP].

30. O art. 22 da lei mineira garante a prisão especial aos membros da Justiça de Pazem caso de crime comum, até o definitivo julgamento. Uma vez mais aventura-se a leimineira em seara reservada à União. Anoto, não obstante, que o preceito apenas repeteo teor do art. 112, § 2º, da Loman [LC 35/79].

31. Tanto o inciso VIII do art. 15 como o art. 22 versam matéria de DireitoProcessual Penal, eivados, portanto, à luz do art. 22, I, da Constituição do Brasil, devício de inconstitucionalidade formal.

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32. O inciso IX do art. 15 do texto impugnado invade a competência da Uniãopara legislar sobre Direito do Trabalho ao prever a assistência do Juiz de Paz aoempregado, nas rescisões de contrato de trabalho, na falta de representante do Sindicatoou de autoridade do Ministério Público do Trabalho. Veja-se, ademais, que o supri-mento da assistência das autoridades trabalhistas locais pelo Juiz de Paz está previstono art. 477, § 3º, da CLT, na redação dada pela Lei n. 5.584/70.

33. Por fim, merece destaque a impugnação do inciso X do art. 15 da lei mineira,que permite aos membros da Justiça de Paz zelar pela observância das normasconcernentes à defesa do meio ambiente, tomando as providências necessárias ao seucumprimento.

34. Não vejo, neste ponto, desde que conferida ao preceito interpretação conformeo art. 225 da Constituição do Brasil, atribuição fundada no poder de polícia, de modoque as atividades do Juiz de Paz ficariam adstritas à comunicação de violação da lei àsautoridades ambientais competentes, que tomarão as medidas necessárias à preserva-ção do bem jurídico.

35. A demora na elaboração de legislação nacional sobre a Justiça de Paz impedea sua plena implementação nos Estados-Membros, que buscam formas alternativas parao provimento dos cargos que surgem na medida em que os atuais juízes deixam suasfunções, em idade bastante avançada, por morte ou aposentadoria, sem o efetivocumprimento do art. 98, II, da Constituição do Brasil.

36. Embora louvável a iniciativa do Estado de Minas Gerais na reestruturação daJustiça de Paz em seus limites territoriais, não há como criar normas de caráter eleitoral,processual ou de direito trabalhista, em ofensa ao art. 22, I, da CB/88, sob pretexto deconferir efetividade a norma constitucional.

Ante o exposto, quanto aos preceitos impugnados da Lei n. 13.454/2000, doEstado de Minas Gerais:

I - não conheço do pedido quanto às expressões “simultaneamente com as eleiçõesmunicipais” do caput do art. 2º e “segundo o princípio majoritário” do caput do art. 3º;

II - conheço do pedido e julgo procedente a ADI quanto ao restante dos arts. 2º e 3º;

III - conheço do pedido e julgo procedente a ação direta quanto ao inteiro teor dosarts. 4º a 10, bem como quanto aos incisos VII, VIII, IX, à expressão “funcionar comoperito em processos” do inciso XII e ao § 2º, todos do art. 15;

IV - conheço do pedido e julgo procedente a ADI quanto à expressão “egarante direito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento”,do art. 22; e

V - conheço do pedido e julgo parcialmente procedente a ação direta quanto aoinciso X do art. 15, para conferir-lhe interpretação conforme o art. 225 do textoconstitucional, de modo que a expressão “providências necessárias” compreenda acomunicação aos órgãos públicos competentes para solucionar violação aoordenamento jurídico em matéria ambiental, bem como todos os meios de que dispõemos cidadãos para defesa e proteção ao meio ambiente, sem atribuição de poder depolícia aos juízes de paz.

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VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, quanto ao “segundo o princí-pio majoritário”, tenho dúvidas. Não há condições verificar os precedentes agora, masme parece que se afirmou que não haveria interesse para o requerimento de medidacautelar, porque, se a questão é de competência da União ou dos Estados, poucoimporta que no momento coincidam ou não a norma federal e a norma estadual. Bastacogitar-se que a norma federal pode ser revogada e alterada.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Relator apontou que não houve ataque a essesdispositivos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas por que, quanto ao dispositivo idêntico,S. Exa. não conhece?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí, não. Aí temos refutado.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, porque está-se discutindo se é compe-tência federal ou estadual e uma série de questões, por exemplo, prisão especial. Se acompetência é privativa da União, o dispositivo é inconstitucional, independente-mente de coincidir ou não com o dispositivo federal.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ministro Sepúlveda Pertence, perdoe-me,vamos separar as partes — como diziam os esquartejadores — vamos aos pedaços.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Vossa Excelência pode interpretar as “tiras”.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Depois vamos chegar à questão da prisãoespecial. Nesse primeiro momento, seriam essas duas questões, o que não vai meimpedir, depois, de manifestar-me especificamente sobre as demais questões.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estou me lembrando. realmente o assunto vaiter de ser destacado ponto a ponto. Mas me prendi em um: prisão especial. A Loman dizo mesmo. Isso não torna constitucional, ou melhor, não elide a discussão sobre acompetência do Estado para legislar a respeito.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Perdoem-me, não quero absolutamente serimpertinente. Mas, em seguida, direi que conheço do pedido e julgo procedente a ADIquanto ao restante dos artigos 2º e 3º.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quais os pontos em que V. Exa. não conhece?

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): No caput do artigo 2º, a expressão“simultaneamente com as eleições municipais”, e, no caput do artigo 3º, “segundo oprincípio majoritário”. São essas duas expressões.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Porque essas estão na Constituição estadual.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Exatamente. E não foram impugnadas. É sóisso agora.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí concordo com V. Exa., porque realmentesão normas estaduais. Quanto às questões, por exemplo, repetidas na Loman, V. Exa.não está deixando de conhecer?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Por enquanto não estou me manifestando. Sónão conheço essas duas; são seis ADIs.

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O Sr. Ministro Carlos Britto: Estamos discutindo a cabeça do artigo 2º?

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Do artigo 2º e do artigo 3º, mas sóestas duas expressões: “simultaneamente, com as eleições” e “segundo o princípiomajoritário”.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: São reproduções da Constituição estadual.

Aí estou de acordo.

VOTO (Antecipação)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, quanto à expressão: “serápresidido pelo juiz eleitoral competente”, de logo antecipo a minha discordância como voto do eminente Ministro Relator, nesse ponto.

Ao referir-se ao Juiz de Paz, no artigo 14, § 3º, c — ainda que incidentemente, sópara fixar-lhe a idade mínima de elegibilidade —, a Constituição incluiu a eleição doJuiz de Paz no sistema eleitoral, cuja direção, a partir daí, só pode incumbir à JustiçaEleitoral: não é preciso que venha uma lei complementar a dizer que a eleição de umcidadão para um mandato, com condições de elegibilidade fixadas na Constituição, éda competência da Justiça Eleitoral.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Qual artigo da Constituição está sendo citado?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O artigo 14, § 3º, inciso VI, alínea c. Confessoque é a primeira vez que leio com olhos de prestar atenção essa referência a Juiz de Paz,no artigo 14 — depois de toda a nossa antiguidade no Tribunal Eleitoral.

A mim me bastaria isso para inserir a eleição do Juiz de Paz no sistema eleitoralglobal, e não há outra autoridade, no sistema brasileiro, que possa dirigir eleições,compreendidas no âmbito do artigo 14, que não seja a Justiça Eleitoral.

Isso foi discutido, salvo engano, quando se deslocou da União para os Estados alei de criação de municípios. E discutiu-se quem vai fazer referendo, quando seentendeu, independentemente de ter perdido vigência a velha Lei Complementar n. 1,que a competência só podia tocar à Justiça Eleitoral.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Perdoe-me, Ministro, não estou entendendo oporquê da nossa divergência. Estou conhecendo e julgando procedente.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas estou julgando-a improcedente. Isso nãoé matéria de Direito Eleitoral; prescrever que uma eleição compreendida no âmbito dosistema eleitoral — de que tratam os artigos 14 e seguintes da Constituição — é dacompetência da Justiça Eleitoral, pode-se dizer que é uma norma inócua, mas ela éabsolutamente constitucional, porque não poderia dispor de outro modo.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Mesmo quando diz que se aplica,subsidiariamente, o Código Eleitoral?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, esse, subsidiariamente, aplica-se aoCódigo Eleitoral.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É norma com a qual ou sem a qual tudo permanece tale qual.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas ela podia até ser “sem a qual”, mas nãopodia ser diferente da qual, porque aí, sim, seria inconstitucional.

Causa-me certo prurido a previsão de aplicação “subsidiária” do Código Eleitoral.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Inverte a hierarquia, manda aplicar essalei e, subsidiariamente, o Código Eleitoral.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É uma eleição majoritária, municipal.

Julgo improcedente a ação com relação aos arts. 2º e 3º; mas, procedente quanto àexpressão “subsidiária”, constante do art. 2º.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro Eros Grau, que a matéria é eleitoraltodos estamos de acordo; o que estou dizendo é que não poderia deixar de ser. Querdizer, a competência da Justiça Eleitoral e a aplicação, conseqüentemente, da legisla-ção eleitoral federal decorrem do sistema da Constituição.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Agora, e essa disciplina prevendo a reeleição emmandato coincidente com o do vereador?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aí, acho que é matéria estadual mesmo.

O Sr. Ministro Carlos Britto: E já está na Constituição também.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Porque, vejam, aí não há competência concor-rente. O art. 98 manda obedecer a legislação, que, no ponto, há de ser estadual.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Veja, Ministro Celso de Mello, a lei estadual nãodiscrepa do que dispõe o Código Eleitoral, que manda registrar no juízo eleitoral.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Será que a reeleição é harmônica? Porque opreceito constitucional não prevê, é silente, não há vedação. Faço a pergunta nosentido invertido: a lei estadual poderia vedar a reeleição?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Inverto o raciocínio: como o princípio republicanose caracteriza pela temporariedade no exercício do mandato e rotatividade no exercíciodo poder, se a Constituição não prevê a reeleição, é porque ela não é admissível.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não vamos ficar tão republicanos assim,porque, senão, diremos que tudo no Brasil é republicano, menos o Chefe de Estado, quepode ser reeleito.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas aqui é elemento conceitual da República.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A Constituição estabeleceu alguns casos deinelegibilidade ou elegibilidade e remeteu todo o resto à lei complementar. Acho querealmente a matéria seria desta lei complementar, que não tem uma só palavra a respeitodos juízes de paz, mas isso já é matéria infraconstitucional.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: E não há discrepância, porque está se fixando semalteração de tempo de mandato.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas, Excelência, continuo achando que, no silêncioda Constituição quanto à possibilidade de reeleição, esse silêncio é eloqüente, operacomo vedação, mas data venia de entendimento contrário.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, Ministro, como a Constituição não prevêa reeleição de deputado, ela seria inconstitucional?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas aí a Constituição, ao falar de eleições gerais,estabelece o período quadrienal. Então, a reeleição já está implícita.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Mas não diz que o deputado é reelegível.O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas como essa matéria foi tratada em apartado pela

sua especificidade, a Constituição lhe conferiu um tratamento normativo absolutamenteem separado, acho que seria necessária a previsibilidade de reeleição, porque não énorma geral, é especial.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quando não se concebia a reeleição de Chefedo Poder Executivo, havia um único caso, além do Legislativo, de reeleição na tradiçãobrasileira, a do Juiz de Paz. O Supremo agora vai decidir que “não”?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ao conferir esse tratamento constitucional à matéria,o legislador constituinte rompeu com essa tradição.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esqueceu-se de falar que deputado pode serreeleito. Vossa Excelência está se apegando a uma ruptura realmente histórica, porquea reeleição dos chefes do Executivo era a única inelegibilidade prevista na primeiraconstituição republicana e mantida em todos os textos constitucionais posteriores. Porisso, teve de vir a emenda, para afirmar especificamente a reelegibilidade. Agora, dizerque, da República, se tira a irreelegibilidade, então temos de responder por que osmembros do Poder Legislativo podem ser reeleitos.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas aí a Constituição já fala dos períodosquadrienais.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas período quadrienal não quer dizerirreelegibilidade, data venia.

Período marca a temporariedade de cada mandato. Não a possibilidade ou impos-sibilidade de concorrer ao seguinte. Só se Vossa Excelência acha que datemporariedade nasce a irreelegibilidade, como a borboleta da crisálida...

O Sr. Ministro Carlos Britto: O Ministro Marco Aurélio colocou essa matéria paravotação, não é?

VOTO (Sobre divergência)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, peço vênia ao MinistroRelator para acompanhar a divergência.

VOTO (Sobre divergência)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, peço vênia ao Ministro Relator paraacompanhar a divergência.

VOTO (Sobre divergência)

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sra. Presidente, peço vênia ao Ministro Relatorpara acompanhar a divergência.

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VOTO (Sobre divergência)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Peço vênia ao eminente Relator paraacompanhar a divergência iniciada pelo Ministro Sepúlveda Pertence.

DEBATES

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sra. Presidente, apenas para relembrar — seVossa Excelência me permitir —, grande parte do vício aqui está relacionada à filiaçãopartidária do Juiz de Paz. Estou votando no sentido de que não se admita a filiaçãopartidária. Mas verifico que vou ficar vencido, dada a alusão ao art. 14, § 3º.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Filiação partidária e exercício da judicatura sãocomo água e óleo, não se misturam. Aí, acho que Vossa Excelência tem toda razão.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas, se nós acabamos de votar com base no §3º do art. 14, seria uma incoerência.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Eros Grau, veja que as funções exercidasnão são propriamente funções jurisdicionais.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Filiação partidária não é uma demasia? Porque ali,quando se exige, é para eleições em geral, a filiação partidária é coerente, mas aqui...

O Sr. Ministro Carlos Velloso: A nossa democracia representativa faz-se por meiode partidos políticos. É difícil excepcionar.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Temos, na verdade, nesses artigos, um novoCódigo Eleitoral.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Tenho a maior dificuldade em afastar aincidência do art. 14 da Constituição, relativo às condições de elegibilidade.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Estamos diante de uma situação de exceção.Nos casos de exceção, a norma se aplica desaplicando-se. Para mim é muito claro que setrata de atividade jurisdicional. É muito complicado admitir a coexistência de umafunção desse caráter com a filiação partidária.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro Eros Grau, que função jurisdicionalimportante há aqui?

“Art. 15. (...)

VII - arrecadar bens de ausentes ou vagos, até que intervenha a autoridadecompetente;”

Quem nasceu no interior sabe. Morre um cidadão; não tem juiz na comarca. Elevai lá e arrecada até que intervenha o juiz de direito.

“VIII - Processar auto de corpo de delito, de ofício ou a requerimento daparte, e lavrar auto de prisão, em caso de ausência, omissão ou recusa da autoridadepolicial;

IX - prestar assistência ao empregado...”

Isso o sindicato faz.

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O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Se o sindicato não for, ele supre a ausência.Isso é matéria de Direito Trabalhista.

O Sr. Ministro Carlos Velloso:

“X - zelar, na área territorial de sua jurisdição, pela observância das normasconcernentes à defesa do meio ambiente e à vigilância ecológica sobre matas, riose fontes, (...)”

Todo cidadão é competente para fazer isso, deve fazer isso.

“XII - funcionar como perito em processo e exercer outras atividadesjudiciárias não defesas em lei, de comum acordo com o Juiz de Direito dacomarca.”

Não há exercício, na verdade, de atividade jurisdicional em termos materiais. Éum auxiliar da Justiça.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ele não é um auxiliar da Justiça. Não estáescrito na Loman que ele seja um auxiliar da Justiça. Ele está incluído na categoria.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mesmo sendo a Justiça de Paz, está subjacente aneutralidade, a imparcialidade, o que é incompatível com partido político, que, pordefinição, é parte, facção.

VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, voto no sentido da incom-patibilidade.

VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º)

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sra. Presidente, peço licença para divergir. Conformedisse, a democracia representativa brasileira realiza-se por meio de partidos políticos. OJuiz de Paz é eleito.

A Constituição, expressamente, afirma:

“Art. 98. (...)

II - (...) cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto (...)”Se se tem representação à base de partidos políticos, não vejo como excluir o Juiz

de Paz do seu registro mediante partido político. Aliás, é o que consta do CódigoEleitoral.

“Art. 87. Somente podem concorrer às eleições candidatos registrados porpartidos.”Ao dispor sobre o registro:

“Art. 89. Serão registrados:

I - no Tribunal Superior Eleitoral os candidatos a presidente e vice-presiden-te da República;

II - nos Tribunais Regionais Eleitorais os candidatos a senador, deputadofederal, governador e vice-governador e deputado estadual;

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III - nos Juízos Eleitorais os candidatos a vereador, prefeito e vice-prefeito eJuiz de Paz.”

Destarte, a lei estadual em debate simplesmente repete o que está no CódigoEleitoral. E vejam Vossas Excelências que, se se declarar inconstitucional esse disposi-tivo, continua a exigência do Código Eleitoral de candidato a Juiz de Paz integrarpartido político.

Não me impressiona a afirmativa no sentido de que o juiz não deve ter filiaçãopartidária. Penso que não pode e não deve ter filiação partidária o juiz, o magistrado, oministro dos tribunais superiores, o juiz de direito, etc, que exercem efetivamentefunção jurisdicional. O Juiz de Paz, entretanto, conforme se vê de suas atribuições, nãoexerce função jurisdicional, senão de auxílio ao juiz de direito, à justiça togada. E daexperiência que tenho como homem do interior — meu pai foi juiz de direito nointerior de Minas — posso afirmar que os serviços que esses homens prestam é inesti-mável. Em muitas comarcas, não existe juiz de direito. Morre alguém. Quem vaiarrecadar os bens? Outras providências precisam ser adotadas. É o Juiz de Paz quem asadotará.

Do exposto, meu voto é no sentido de dar pela constitucionalidade desse disposi-tivo, mesmo porque, se dermos pela inconstitucionalidade, ter-se-á uma decisão inó-cua, porque a norma permanecerá no Código Eleitoral.

DEBATE (Sobre o inciso VI do art. 6º)

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Só para esclarecer, vou reler três linhas do meuvoto, dizendo que:

“A análise histórica, todavia, é permeada por rupturas, às quais se seguemnovos modelos jurídicos. Assim, a vinculação partidária dos juízes de paz deixa deexistir com a promulgação da Loman. Esta, no § 1º do art. 112, neste pontorecebida pela ordem constitucional vigente, veda a participação em órgãos dedireção ou de ação de partidos políticos aos candidatos a Juiz de Paz.”

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Logo, permite a filiação partidária, Excelência.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas o que eu quero dizer, a filiação como condiçãode elegibilidade?

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sim, se é eleito.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Acho que a demasia está nisso, exigir como condiçãode elegibilidade.

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): A não ser assim, todos os candidatosteriam que ser avulsos. Alguém, necessariamente, tem que apresentar candidatos aeleição, e quem o faz são os partidos políticos.

VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sra. Presidente, estamos em vias de declararinconstitucional o artigo 112, § 1º, da Loman, o qual só não permite a investidura na

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função de Juiz de Paz a quem pertença a órgão de direção ou de ação de partido políticoe, conseqüentemente, lhe permite a simples filiação.

Estamos, talvez, a reclamar que, na composição da lista dos jurados, os quaisexercem, sim, verdadeira jurisdição — e brava: são até trinta anos de reclusão —, se váexigir certidão negativa de filiação partidária. Mas fico na exegese pedestre: o Juiz dePaz está compreendido no sistema do artigo 14 e, por isso, a meu ver, tem comocondição de elegibilidade — como todos os cidadãos eleitos pelo voto secreto, univer-sal e direto — a filiação partidária.

VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º) (Retificação)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhora Presidente, vou reformular o meu voto,para acompanhar a divergência.

VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º)(Retificação)

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sra. Presidente, estou há um ano neste Tribu-nal e aprendi que o Plenário forma convicção.

Vossa Excelência, Ministro Sepúlveda Pertence, acabou de me convencer. Vouretificar o meu voto para acompanhá-lo. Vossa Excelência está certo e não tenhonenhum pudor em, finalmente, encontrar a solução que me parece mais correta.

VOTO (Sobre o inciso VI do art. 6º)

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Presidente): Com a vênia dos Colegas, acompanhoa divergência aberta pelo Ministro Sepúlveda Pertence, especialmente, porque leio, noinciso II do artigo 98 da Constituição Federal, quando trata da descrição da Justiça dePaz e da forma como é composta, especificamente, que sua atividade não tem caráterjurisdicional. Esse é o motivo por que, do meu ponto de vista, ela se exime da vedaçãocolocada a todos os magistrados stricto sensu, aqueles que exercem efetivamentefunção jurisdicional e não podem ter filiação partidária.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.938/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral daRepública. Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais e Assembléia Legisla-tiva do Estado de Minas Gerais.

Decisão: Preliminarmente, o Tribunal, por unanimidade, não conheceu do pedidoformulado na ação quanto à expressão “simultaneamente com as eleições municipais”,contida no caput do artigo 2º, e quanto à expressão “segundo o princípio majoritário”,constante do caput do artigo 3º, ambos da Lei n. 13.454, de 12 de janeiro de 2000, doEstado de Minas Gerais. Votou a Presidente. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal,por maioria, quanto aos artigos 2º e 3º da norma impugnada, conheceu do pedido

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formulado na ação e julgou-a improcedente, exceto quanto ao vocábulo “subsidiária”,constante no caput do artigo 2º, vencidos os Ministros Eros Grau (Relator) e MarcoAurélio, que a julgavam procedente. Votou a Presidente. Após os votos dos MinistrosEros Grau (Relator), Joaquim Barbosa, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e EllenGracie, que julgavam improcedente a ação quanto ao artigo 4º, e dos votos dosMinistros Carlos Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello, julgando-a procedente, ojulgamento foi suspenso para colher os votos dos Ministros ausentes neste julgamento,por não atingir o quorum necessário para declaração de constitucionalidade ouinconstitucionalidade. E, quanto aos demais artigos, o julgamento foi adiado emvirtude do adiantado da hora. Ausentes, justificadamente, o Ministro Cezar Peluso e,neste julgamento, os Ministros Nelson Jobim (Presidente) e Gilmar Mendes. Falou pelorequerido, Governador do Estado de Minas Gerais, o Dr. Carlos Bastide Horbach.Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente).

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 8 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO (Sobre o art. 4º)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, também pedindo vênia àdivergência que se instalou, vou acompanhar o voto do eminente Relator, entendendo,portanto, que não existe, no sistema, a vedação a essa filiação partidária.

VOTO (Sobre o art. 4º)

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Também acompanho o voto do emi-nente Ministro Relator.

EXPLICAÇÃO (Sobre os arts. 5º a 10)

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Senhor Presidente, eu gostaria apenas delembrar que, no meu voto originário — depois aperfeiçoado, na medida em queacompanhei o Ministro Sepúlveda Pertence —, eu levantava uma questão em relaçãoaos arts. 5º a 10, atinentes a uma inconstitucionalidade formal. Essa é uma matéria deDireito Eleitoral, Processual Civil e Processual Penal.

Então estou, no meu voto, em seqüência, conhecendo e julgando procedente aação direta quanto ao inteiro teor dos arts. 5º a 10, os quais questiono por vício formal.

DEBATE (Sobre os arts. 5º a 10)

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Diz o artigo 5º:

“Art. 5º Cada partido político poderá registrar, na Justiça Eleitoral, candida-tos ao cargo de Juiz de Paz em número correspondente ao de vagas existentes emcada município.

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§ 1º O registro de candidato a Juiz de Paz far-se-á com dois suplentes, emchapa única, com indicação da suplência em ordem crescente.

§ 2º Não é permitido o registro do mesmo candidato para mais de umacircunscrição nem para mais de um cargo na mesma circunscrição.

Art. 6º Para concorrer às eleições, o candidato atenderá às exigências cons-titucionais e legais de elegibilidade e compatibilidade, especialmente aos se-guintes requisitos:” - que são as condições de elegibilidade:

“I - ser brasileiro nato ou naturalizado;

II - estar em pleno exercício dos direitos civis e políticos;

III - estar em dia com as obrigações eleitorais;

IV - estar quite com as obrigações militares, se do sexo masculino;

V - ter domicílio eleitoral no distrito ou subdistrito pelo qual se candidatarpelo prazo de, pelo menos, um ano antes da data da eleição;

VI - ter sua filiação deferida pelo partido pelo menos um ano antes da data daeleição;

VII - ter idade mínima de vinte e um anos;

VIII - comprovar idoneidade moral mediante atestado de autoridade judi-ciária ou policial;

IX - ser alfabetizado.

Art. 7º Será considerado eleito Juiz de Paz o candidato que obtiver a maioriados votos, não computados os votos em branco e os nulos.

§ 1º A eleição do Juiz de Paz importará na dos candidatos a suplente com eleregistrados, na ordem de suplência a que se refere o § 1º do art. 5º desta lei.

§ 2º Em caso de empate na votação, considerar-se-á eleito o candidato maisidoso.

Art. 8º A diplomação dos eleitos far-se-á de conformidade com as normasestabelecidas na legislação eleitoral.

Art. 9º O Juiz de Paz eleito e diplomado tomará posse na mesma data daposse do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, perante o Juiz de DireitoDiretor do Foro da comarca a que pertencer o distrito ou subdistrito.

Art. 10. A Justiça Eleitoral expedirá as instruções necessárias à execuçãodesta lei e definirá os locais de votação correspondentes a cada distrito ousubdistrito judiciário.

§ 1º Para fins de definição do número de vagas a serem preenchidas em cadamunicípio, o Tribunal de Justiça do Estado fornecerá ao Tribunal RegionalEleitoral de Minas Gerais, no momento oportuno, a relação de distritos esubdistritos de que trata o art. 1º.

§ 2º Nos municípios abrangidos por mais de uma zona eleitoral, se o númerode vagas para o cargo de Juiz de Paz for inferior ao número de zonas, caberá à

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Justiça Eleitoral delimitar o eleitorado apto a votar, observado o disposto noart. 1º.”

Senhor Ministro Eros Grau, Vossa Excelência entende que seria competência daUnião?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Isso é matéria de Direito Eleitoral, portantonão de competência do Estado-Membro.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Seria Direito Eleitoral? Quem vaidisciplinar, se a eleição diz respeito a questões estaduais?

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ora, se a Constituição é expressa no conferir àJustiça estadual a competência para criar a Justiça de Paz...

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Tem de se disciplinar como se cria; secria, tem de se dizer como se faz.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Eu me reservaria a ver o problema se e quandoa lei eleitoral federal viesse a dispor de forma contrária.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): E, suplementarmente, o que fossecontraditado.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: E, pelo que vimos, não há divergência com a leiestadual.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): As explicitações, não é?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Perdoe-me, foi o que observei no meu voto,chamando a atenção, inclusive, quanto à importância do Juiz de Paz e a circunstânciade que não há legislação federal. Mas cumpre ver até que ponto o Estado-Membro, naomissão do legislador federal, pode supri-la. Essa é a questão fundamental.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Essa seria uma situação como, por exemplo, a ADIestadual. Claro que o legislador estadual poderá disciplinar essas matérias.

O Sr. Ministro Carlos Britto: No caso, a Constituição usa até do substantivo“legislação” em duas oportunidades, a mostrar que há uma confluência legislativaestadual e federal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, quanto às outras funções nãojurisdicionais, na parte final do art. 98, II, CF, a alusão genérica a “legislação” não serestringe obviamente à lei federal; à lei federal refere-se o parágrafo, porque relativo àorganização judiciária da União.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vereadores?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: De quando é essa decisão?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senão, não vai ter como fazer essaeleição. Penso que, se tem o poder de criar, tem que regulamentar a forma pela qualisso pode ser feito. Tanto é que admitimos, há pouco, a exigência da filiação partidá-ria. São todas razoáveis. Aliás, os mineiros são sempre razoáveis quando concordamcom a gente.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Realmente, isso vai depender da legislaçãoestadual, fatalmente: pode haver vários distritos de juizado de paz em cada município.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É natural isso.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A criação vai dividir em distritos esubdistritos.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas aqui é muito mais do que isso. Porexemplo: o art. 5º diz que cada partido poderá registrar, na Justiça Eleitoral, seuscandidatos; quer dizer, é matéria eleitoral pura, perdoem-me. Posso até vir a acompa-nhar o Pleno, mas que é matéria eleitoral, é.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Isso consta do Código Eleitoral.

O Sr. Ministro Carlos Britto: E não estaria mais no plano do procedimento do queno do processo?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O que diz o art. 30 do Código Eleitoral?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Agora, realmente, o Código Eleitoral, no art.30, IV, prudentemente, ressalva, da competência dos TREs, a hipótese de a data daeleição estar fixada na Constituição ou, também, na lei.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Um espaço.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim: quantos candidatos e eventualmente adata serão previstos na legislação estadual.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, e o art. 98 da Constituição Federal diz que:

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

(...)

II - Justiça de Paz”(...)

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Quer dizer, o que for da União, sim.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Nessa atividade de criar está, obviamente, apossibilidade de disciplinar.

VOTO (Sobre os arts. 5º a 10)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, peço vênia ao Ministro ErosGrau para divergir.

Entendo que a disciplina da matéria pelo Estado está dentro dos parâmetrosconferidos pela Constituição federal ao Estado-Membro para disciplinar a eleição àconstituição do Juizado de Paz na esfera estadual.

VOTO (Sobre os arts. 5º a 10)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, também entendo que essa matéria é deconfluência legislativa em termos federais e estaduais. Há de haver mesmo um espaçode normatividade reservada para o Estado, que tem poderes para criar o Juizado de Paz.

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VOTO (Sobre os arts. 5º a 10)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Senhor Presidente, também acompanho a diver-gência.

VOTO (Sobre os arts. 5º a 10)

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Senhor Presidente, também acompanho a divergên-cia, acrescentando, apenas, que a legislação mineira em nada contrasta a legislaçãoeleitoral federal.

De modo que, realmente, não há motivo para aqui encontrar inconstitucionali-dade.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, sob o ângulo formal, creio que não cabedistinguir se a norma é consentânea, ou não, com a lei federal. Ou bem se tem o vício, ounão, e é possível a regulamentação da matéria no nível em que ocorreu. Assim temdecidido o Plenário.

No mais, verifico que os artigos versam sobre tema estritamente eleitoral. Deacordo com o artigo 5º:

Cada partido político poderá registrar, na Justiça Eleitoral, candidatos aocargo de Juiz de Paz em número correspondente ao de vagas existentes(...)

Segue-se o § 1º, revelando a forma, em si, de se apresentar candidato à eleição, emchapa única, contendo a indicação de suplente.

O § 2º volta, também, a adentrar o campo eleitoral, obstaculizando o registro domesmo candidato em mais de uma circunscrição.

O artigo 6º impõe o domicílio eleitoral e, no inciso VI, também está imposta afiliação, a precedência, considerado o pleito, de filiação partidária.

No artigo 7º, tem-se que a eleição do Juiz de Paz importa a eleição dos candidatosa suplente; há regra para o desempate no § 2º, e que está ligada à eleição verificada.

O artigo 8º cogita da diplomação dos eleitos.

Poderia continuar examinando os demais artigos, Presidente, mas vislumbro oque contido nos diversos dispositivos como a versar sobre matéria eleitoral, que deveser tratada, a meu ver, de forma linear, sem distinguir-se — muito embora seja favorávela uma ênfase maior à Federação — esta ou aquela unidade da Federação.

Por isso, peço vênia aos colegas que dissentiram, para acompanhar o voto doRelator, Ministro Eros Grau.

VOTO (Sobre os arts. 5º a 10)

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Senhor Presidente, com a vênia dos Srs. MinistrosMarco Aurélio e Relator, fico com a divergência.

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VOTO (Sobre os arts. 5º a 10)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sr. Presidente, a rigor, numa análise ortodoxadesses dispositivos, exigiria examiná-los palavra por palavra.

Há coisas aqui que, por exemplo, no artigo 6º, são condições de elegibilidade e,aí, não há dúvida, a Constituição Federal esgotou a matéria.

Eu diria que é preciso uma análise laboratorial. Por exemplo, se vai ou não haversuplente de Juiz de Paz, não é matéria federal. Conseqüentemente, se haverá candidatosa suplente ou não.

O artigo 5º, creio que decorre da organização local do Juizado de Paz.

O artigo 7º é efetivamente condição de elegibilidade e, nisso, até para afirmar afiliação partidária, nós, ontem, argumentamos com ele para mostrar que a eleição doJuiz de Paz tinha de se adequar àquelas disposições da Constituição.

Creio que, para o rigor técnico que temos de ter, a declaração de inconstituciona-lidade dos artigos 6º, 7º e 8º é praticamente inócua, mas, na verdade, aqui, sim, élegislação eleitoral. Recordem-se os Colegas que ontem votamos por eliminar a expres-são “subsidiária” do artigo 2º, exatamente porque não cabe dizer que, em matériatipicamente eleitoral, a legislação eleitoral se aplicaria subsidiariamente.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, mas o artigo 7º dispõe, exatamente, no caput:

“Art. 7º Será considerado eleito Juiz de Paz o candidato que obtiver amaioria dos votos, não computados os votos em branco e os nulos.”

É um critério, mas poderia ser “maioria absoluta”, ou outro critério segundo aforma.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas acho que temos de reconhecer que isso éevidente, gritantemente eleitoral: o critério da proclamação da eleição. Isso é DireitoEleitoral puro. Aí, ter-se-á de criar a partir da legislação eleitoral. Deveria até ficarexpresso no acórdão.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Daí a proposta do Ministro Celso de Mello de quedeixasse isso, que também pareceria um pouco heterodoxo, para a disciplina da JustiçaEleitoral in totum.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Estou, inclusive, propondo que se ressalve,quer dizer, que se mantenha o artigo 10, que torna explícito o poder normativo daJustiça Eleitoral.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Acho que a solução proposta peloMinistro Sepúlveda Pertence é a melhor. Mas não todos, Ministro, apenas os artigos 6º,7º e 8º.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Realmente, isso é tecnicamente insustentável,quer dizer, ver se há alguma ilegalidade para declarar constitucional ou não a lei local,porque o problema é de competência constitucional da União.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência sugere, então, osartigos 6º, 7º e 8º?

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O 5º não, porque é decorrente da própriaorganização.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ou seja, declara a inconstitucionalidadedo art. 6º, porque define condições de elegibilidade.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O 7º, o critério de eleição; e o 8º, a diplomaçãose fará de acordo com a Justiça Eleitoral: não poderia, também, dizer o contrário.

VOTO (Sobre os arts. 5º a 10)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, não estou convencido da propostado Ministro Sepúlveda Pertence. Não consigo entender a sua argumentação, especial-mente com relação ao caput do artigo 7º, porque, se pode, na regra do artigo 98, oEstado criar e definir, portanto, como será, poderia adotar um outro critério que nãoeste. Aqui, estamos diante de uma lei, no mínimo, de caráter híbrido.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim, ao mesmo tempo de composição e deeleição.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Veja, o artigo 7º é chave para essa definição.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Seria uma opção, maioria absoluta. Oartigo 7º da Lei n. 13.454/2000 do Estado de Minas Gerais não se refere ao mais votado,mas à maioria absoluta, não computados os brancos e os nulos; ou seja, a maioria dosque votaram “sim” ou “não”; que votaram em alguém; para isso, precisa-se da maioriaabsoluta, tendo em vista a natureza da competência do Juiz de Paz. Isso é razoável.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sim, poder-se-ia adotar um outro critério que nãoo da maioria simples.

VOTO (Sobre os arts. 5º a 10)

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, fico com o comando do inciso II doartigo 98 da Constituição Federal.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Até a condição de elegibilidade? Essa nósutilizamos ontem.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Ministro, que condição de elegibilidade contida nalei estadual que esteja contrariando condição de elegibilidade da Constituição Federalou do Código Eleitoral?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Data venia, por isso é que a minha preocupa-ção aqui é puramente técnica. Não importa, numa questão de competência, que a leilocal seja a cópia da lei federal, no caso, cópia da Constituição Federal. Se, amanhã, aConstituição Federal eliminar ou aumentar o requisito “domicílio eleitoral”, prevalecea lei estadual?

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Estou indagando o seguinte: no que diverge essalegislação estadual da federal?

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não é preciso lembrar. Vossa Excelência,Ministro Carlos Velloso, está cansado de saber disso. Se a questão é de competência, oconteúdo não importa. E o artigo 6º é um rol de condições de elegibilidade.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: O inciso II do artigo 98 da Constituição entrega aosEstados a atribuição ou a competência para criar a Justiça de Paz.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, criar, de acordo. Assim como é oEstado que cria município. Mas a Constituição e a lei federal que regem a eleição doprefeito e dos vereadores.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Permita-me, criar de acordo com as regras quesejam compatíveis com a federação. A questão que o Ministro Pertence levanta não étécnica, em termos de competência.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: A questão de elegibilidade não é nem da leieleitoral, é da Constituição Federal.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Em que está incompatível?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Está incompatível em ter legislado sobre esteassunto. Só pode ser candidato quem satisfaz as condições de elegibilidade. E estas,para todos os cargos — do Presidente da República ao suplente do Juiz de Paz — estãono artigo 14, § 3º. Ninguém mais pode legislar sobre isso.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Ministro Carlos Velloso, foi exatamente esse racio-cínio que nos levou a afastar aquelas expressões dos artigos 2º e 3º.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O artigo 8º é de inocuidade total: será diplomadona forma da Justiça Eleitoral.

Eu fico até no artigo 6º. Mas parece-me grave ficar, amanhã, na jurisprudência doSupremo, que, para Juiz de Paz, quem fixa condições de elegibilidade é o Estado.

Fico só no artigo 6º, porque o outro já é misto.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Apenas o artigo 6º. Com tal limitação, adiro aovoto.

DEBATE (Sobre o art. 15, incisos VII, VIII e IX)

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Entendo que se trata de matéria de legislaçãoprocessual.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O Relator está declarando a inconstitu-cionalidade do inciso “VII”.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Vossa Excelência está declarando a inconstitucio-nalidade porque entende que isso é matéria processual?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Processo Civil. Está regulado nos artigos1.160 e 1.170 do Código de Processo Civil. Eu digo no meu voto:

“O vocábulo “juiz” em ambos os casos, no contexto do CPC, designa omagistrado togado que, além de arrecadar os bens, tem o poder de publicar editais

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e nomear curador, funções defesas ao Juiz de Paz por força do preceito constitucio-nal do art. 98, II.”

Atividade tipicamente jurisdicional essa de arrecadação, publicação de editais.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência não está decidindolide nenhuma?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Como?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A decisão é de natureza administrativa.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Tem a ressalva: até que intervenha a autoridadecompetente.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ministro Carlos Velloso, estou sendo extrema-mente federativo, tentando levar ao extremo o sentido dessas regras de competência.Agora, numa interpretação mais complacente, não tenho dúvida nenhuma...

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Acho que devemos acreditar na Federação. VejaVossa Excelência que o procedimento em matéria processual é de legislação concorrente.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Aqui, a arrecadação é no sentido material dacoisa, físico. É não deixar “o boi fugir”.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Como é que ele faria? Nomearia um escrivãoad hoc para lavrar o auto?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Ele funciona como escrivão ad hoc.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: O § 2º fala em escrivão ad hoc.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ministro Sepúlveda Pertence, fico muitopreocupado com a Federação. Não podemos dar elastério à regra de competência doartigo n. 22. Isso é muito sério, é muito grave.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Vossa Excelência tem que compreender que o artigo22 há de ser interpretado em consonância com o artigo 24, que cuida da competênciaconcorrente.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Eu sei disso. Por isso antecipei, já que seriavencido.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Precisamos atentar para os problemas que surgem.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Para preservar um julgamento histórico, estamoselastecendo a Federação.

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não. Estamos justamente acolhendo a autonomiaestadual.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Queria observar o seguinte: o que diz opreceito? Diz que compete ao Juiz de Paz, quer dizer, o Juiz de Paz passa a ter um poderque, na verdade, é dever, passa a ter o dever de arrecadar bens de ausentes ou vagos atéque intervenha a autoridade competente, nomeando um escrivão. Que fique claro queisso não é um poder, é um dever.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Como toda competência.

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VOTO (Sobre o art. 15, inciso VII)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, eu divirjo.

Considero constitucional o dispositivo nesse sentido que estamos dando. Ouseja, é um mister supletivo que o Juiz de Paz exerce na ausência da autoridadecompetente.

Acho que a realidade brasileira recomenda isso. Há municípios no Brasil em queo juiz aparece a cada quinze ou vinte dias.

VOTO (Sobre o art. 15, inciso VII)

O Sr. Ministro Carlos Britto: Sr. Presidente, acompanho a divergência.

Até porque, no âmbito da Federação, a descentralização de poder, de competên-cia, sempre que possível, é de ser afirmada. Entre duas interpretações possíveis, deve-seoptar por aquela que fortalece os entes federativos periféricos.

VOTO (Sobre o art. 15, inciso VIII)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, entendo que aqui se trata deatividade puramente material, ou seja, lavrar o auto.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Não é dar voz de prisão.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: É funcionar como espécie de escrivão.

EXPLICAÇÃO (Sobre o art. 15, inciso VIII)

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Sr. Presidente, eu queria lembrar que o Códigode Processo Penal estabelece que o laudo de corpo de delito será procedido por doisperitos oficiais. E o auto de prisão é lavrado pelo escrivão ou, na sua ausência, por quemvier a ser designado.

Quer dizer: não é apenas o fato de dar voz de prisão. Arts. 305, 159 e 160 doCódigo de Processo Penal.

Matéria típica do art. 22 da Constituição da República, que diz competir privati-vamente à União legislar sobre ela.

Mais uma vez, permito-me enfatizar a necessidade do acatamento que devemosprestar ao princípio federativo.

VOTO (Sobre o art. 15, inciso VIII)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, penso que o Ministro SepúlvedaPertence já se manifestou no sentido de admitir. Não vejo nenhum problema.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não tem sentido.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Advirto apenas, se formos declarar a inconsti-tucionalidade a partir do Código de Processo Penal, que esse Código, quando diz quea perícia será sempre oficial por dois peritos oficiais etc., prevê, também, que, nosgrotões, pode não ser possível, donde a previsão do auto de corpo de delito indireta.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Exatamente.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Obviamente isso não será uma prova pericial.Agora, atestar que realmente o homem estava morto e que o cadáver não podia esperar achegada do Instituto de Criminalística, que provavelmente estaria a oitocentos quilôme-tros, é um bom começo do auto de corpo de delito indireto, não de perícia.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Autoriza a formalização de documentoque não é tratado como tal, mas tratado meramente como instrumento, considerandoessa realidade nacional.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Havia um cadáver.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Imagine lá em Sergipe.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Em Sergipe, as autoridades policiais, judiciárias e doMinistério Público são mais atentas, cobrem o Estado todo, pois ele é menor.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Imaginem Santa Rosa do Acre, então.

DEBATE (Sobre o art. 15, inciso XII)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Só está dizendo que, havendo necessidade deprova pericial — óbvio —, à altura da capacidade do Juiz de Paz, que eventualmentenão tenha como remunerar uma outra pessoa, o Juiz de Direito pode nomear um Juiz dePaz para fazer a perícia.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Claro, para fazer a peritagem.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É isso que está dito aí com essa palavrapomposa. É claro que funcionar como perito de acordo com o juiz é ser nomeado pelojuiz para funcionar como perito.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É o que o juiz nomeia, e aí não temremuneração, porque está incluído na remuneração dele.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Não está dito aqui que não há remuneração.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O quê?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Aqui não está dito isso.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: É um perito oficial.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas, se ele é remunerado pelo serviço,se consta dele a função remuneratória, isso se faz remunerado.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O que está me chamando a atenção neste caso —e acho que isso é muito importante — é que normalmente o ordenamento jurídicodispõe sobre as regras, não sobre as exceções. E, se os Colegas verificarem bem, estamosraciocinando sempre com a exceção aqui. É muito bom que o ordenamento seja capazde alcançar também as exceções.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Excelência, é óbvio que Juiz de Paz nosJardins de São Paulo é um ser absolutamente dispensável: são funções do Juiz de Pazdos grotões.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas a legislação é mineira, não é paulista, nemgaúcha.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência não quer dizer comisso que a paz é ineficaz em São Paulo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Exato.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Eu disse, no meu voto — apenas para lembraro que falei ontem —, nada impedir que o Juiz de Paz seja nomeado perito, à luz do 145,§ 3º. Não estou aceitando é que isso venha na legislação estadual, em homenagem aoart. 22 da Constituição. Só isso.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Isso só pode ter o sentido de que, aí, será funçãodo cargo dele, e será o perito não remunerado quando puder ele fazer o que qualquer outrocidadão minimamente qualificado poderia, mas com direito à remuneração.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Exato. Quem designa o perito é o juiz.É uma questão, inclusive, de economia.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Eu preferia um parágrafo a mais no art. 145 doCódigo de Processo Civil.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Então Vossa Excelência mantém?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mantenho.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Apenas desrespeitando, data venia, em amorao art. 22, o art. 98, uma das poucas reservas explícitas de lei estadual que encontronesta Constituição “Federal”, quando nela se diz que, salvo funções jurisdicionais, ojuiz funcionará no casamento e na habilitação de casamento e exercerá outras funçõesque lhe der a legislação.

Nesse contexto, legislação é legislação estadual.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Aliás, a Constituição usa o substantivo “legislação”quase que invariavelmente nesse sentido de convergência federativa.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Sim. Ela exige quando é lei federal, assimcomo está no parágrafo, referente a Juiz de Paz no Distrito Federal e na Justiça Federal.

DEBATE (Sobre o art. 15, inciso X)

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Quer dizer, as pessoas estão cortando as árvores, eele não pode impedir?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ele é autoridade, tem o dever.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Qualquer um pode tentar impedir isso.

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O Sr. Ministro Carlos Velloso: A interpretação conforme restringe a atuação dessaautoridade.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Aceito a observação, mas não no sentido dealterar meu voto, até por coerência. Porque há uma linha de coerência nele, desde oinício. O que me preocupa é a interpretação complacente do art. 22.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Matéria ecológica não é competência con-corrente?

O Sr. Ministro Carlos Britto: Parece-me que não briga com a competência consti-tucional outorgada ao Ministério Público; não briga para promover o inquérito civil ea ação civil pública para defesa do meio ambiente. Não está brigando com essa norma.É uma instância a mais para zelar pelo meio ambiente. Não há uma contradição entreessa atividade e a do Ministério Público.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Quais são as providências que ele poderá tomar?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Só a presença dele já inibe a situação.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Quais são as providências diversas em relaçãoàs que qualquer pessoa poderá tomar numa situação como essa? Ele passa a ser umaespécie de novo fiscal do Ibama? Ele passa a exercer atividade funcional do Ibama?

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Não, Ministro, quer que ele tome conta da área,apenas.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Na competência administrativa do art. 23, incisoVI, ressalta-se que a competência é comum.

“Art. 23. (...)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suasformas;”

O Sr. Ministro Carlos Velloso: A competência é comum?

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É. E no artigo 24.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Competência material comum.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: É. É a legislação concorrente ao artigo 24, inciso VI.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Quando houver necessidade de coerção, oproblema dele será provocar o juiz, promotor, delegado ou escrivão. Na verdade,praticamente todo cidadão pode fazer isso, mas, dando-lhe a incumbência, ele fica como dever de fazê-lo.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Ele fará por dever, não em virtude de umdireito.

VOTO (Sobre o art. 15, inciso X)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, fico com a divergência, paraconsiderar constitucional na íntegra o dispositivo.

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VOTO (Sobre o art. 22, caput)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, considero constitucional odispositivo, porque já consta da Loman.

VOTO (Sobre o art. 22, caput)

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Sr. Presidente, fico com a divergência.

EXTRATO DA ATA

ADI 2.938/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Requerente: Procurador-Geral daRepública. Requeridos: Governador do Estado de Minas Gerais e Assembléia Legislativado Estado de Minas Gerais.

Decisão: Prosseguindo no exame dos dispositivos impugnados na Lei n. 13.454,de 12 de janeiro de 2000, do Estado de Minas Gerais, o Tribunal, por maioria, julgouimprocedente a ação quanto ao artigo 4º, vencidos os Ministros Carlos Britto, MarcoAurélio e Celso de Mello. Por unanimidade, deu pela inconstitucionalidade integral doartigo 6º, nos termos do voto do Relator. Em relação aos artigos 5º, 7º, 8º, 9º e 10, oTribunal, por maioria, julgou improcedente a ação, vencidos os Ministros Eros Grau(Relator), Marco Aurélio e Celso de Mello. Quanto ao inciso VII do artigo 15, julgou,por maioria, improcedente a ação, vencidos os Ministros Eros Grau (Relator) e MarcoAurélio. Por unanimidade, julgou inconstitucional a expressão “e lavrar auto de pri-são”, constante do inciso VIII do artigo 15, nos termos do voto do Relator; e, pormaioria, inconstitucional o remanescente do dispositivo, vencidos os Ministros GilmarMendes, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim. Em relação ao inciso IXdo mesmo artigo, o Tribunal, por unanimidade, julgou inconstitucional a ação. Pormaioria, julgou improcedente a ação em relação ao inciso X do artigo 15, vencidos osMinistros Eros Grau (Relator) e Marco Aurélio, que davam interpretação conforme,assim como, também por maioria, improcedente a ação quanto ao seu inciso XII,vencidos os Ministros Eros Grau (Relator) e Marco Aurélio. Em relação ao § 2º doartigo 15, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação, vencidos os MinistrosEros Grau (Relator) e Marco Aurélio. E, quanto ao artigo 22, o Tribunal, por maioria,julgou procedente a ação e declarou a inconstitucionalidade da expressão “e garantedireito a prisão especial, em caso de crime comum, até definitivo julgamento”, venci-dos os Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Velloso. Votou o Presidente, MinistroNelson Jobim. Redigirá o acórdão o próprio Relator. Ausente, justificadamente, oMinistro Cezar Peluso. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr.Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 9 de junho de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.069 — DF

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie

Requerente: Governador do Distrito Federal — Requerida: Câmara Legislativado Distrito Federal

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei distrital 3.083, de 7-10-02. Dia do Comerciário. Data comemorativa e feriado para todos osefeitos legais. Alegação de ofensa ao art. 22, I. Competência privativa daUnião para legislar sobre Direito do Trabalho. Inconstitucionalidadeformal.

1. Preliminar de não-conhecimento afastada. Norma local quebusca coexistir, no mundo jurídico, com lei federal preexistente, nãopara complementação, mas para somar nova e independente hipótesede feriado civil.

2. Inocorrência de inconstitucionalidade na escolha, pelo legisla-dor distrital, do dia 30 de outubro como data comemorativa em homena-gem à categoria dos comerciários no território do Distrito Federal.

3. Implícito ao poder privativo da União de legislar sobre Direitodo Trabalho está o de decretar feriados civis, mediante lei federal ordi-nária, por envolver tal iniciativa conseqüências nas relações empregatí-cias e salariais. Precedentes: AI 20.423, Rel. Min. Barros Barreto, DJ de24-6-59, e Representação 1.172, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 3-8-84.

4. Ação direta cujo pedido é julgado parcialmente procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, julgar procedente, em parte, a ação, para declarar a inconstitucionalidade daexpressão “e feriado para todos os efeitos legais”, contida no artigo 2º da Lei n. 3.083,de 7 de outubro de 2002, do Distrito Federal, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 24 de novembro de 2005 — Ellen Gracie, Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidadeproposta pelo Governador do Distrito Federal em face da Lei 3.083, de 7-10-02, quepassa a considerar, naquela unidade da Federação, o dia 30 de outubro data comemora-tiva (Dia do Comerciário) e feriado para todos os efeitos legais.1

1 Lei 3.083, de 7-10-02, do Distrito Federal:

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Alega que a Câmara Legislativa do Distrito Federal, ao instituir novo feriado,atingiu as relações de emprego e de salário, tendo invadido, portanto, a competênciaprivativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho (CF, art. 22, I). Aponta,ainda, a existência de legislação federal disciplinando a matéria (Lei 9.093/95), “quenão deixou margem aos Estados para editarem normas instituindo outros feriadosalém da data magna estadual e dos religiosos em número não superior a quatro” (fl.04). Pede, ao final, a declaração de inconstitucionalidade do Diploma impugnado.

Aplicado o procedimento disposto no art. 12 da Lei 9.868/99 (fl. 10), o Presidenteda Câmara Legislativa do Distrito Federal prestou informações (fls. 16/21), nas quaissustenta pretender-se, por meio desta ação, a análise de possível descompasso entre alei ordinária distrital e a lei federal que rege o assunto. Aduz, assim, a inadequação docontrole abstrato para a averiguação de ofensa a normas infraconstitucionais.

A Advocacia-Geral da União, em sua manifestação (fls. 23/30), salientou que acriação, por si só, de uma data comemorativa local que represente uma homenagem àcategoria dos comerciários não afronta a Carta Magna, sendo certo que tal iniciativaestá inserida na autonomia que possuem os entes da Federação de “prestar homena-gens a tudo que se revele especial”, havendo, nesse sentido, várias datas que festejamfatos ou personagens históricos, direitos fundamentais, categorias profissionais, pessoas,coisas, instituições etc.

Afirma, todavia, que a fixação de data de comemoração não se confunde com acriação de feriado, iniciativa esta que “ocasiona reflexos nas relações de trabalhodevido à obrigatoriedade do pagamento de salários” (fl. 28), além de provocar ainterrupção de outras atividades públicas e privadas. Conclui, dessa forma, que a expres-são “e feriado para todos os efeitos legais”, contida no art. 2º do ato normativo ora emexame, invade a competência privativa da União para legislar sobre Direito do Trabalho.

Pelas mesmas razões expostas pela AGU, opinou a Procuradoria-Geral da Repú-blica pela procedência parcial do pedido formulado e pela declaração de inconstitucio-nalidade da expressão “e feriado para todos os efeitos legais”, presente no art. 2º da Leidistrital 3.083/02 (fls. 32/34).

É o relatório. Distribuam-se cópias aos Senhores Ministros.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): 1. Examino, inicialmente, a preliminar deconhecimento levantada nas informações prestadas pela Câmara Legislativa do DistritoFederal, que sustenta a presença, nesta ação, de um mero questionamento sobre a

Art. 1º O Dia do Comerciário será comemorado no território do Distrito Federal no dia 30 deoutubro de cada ano.

Art. 2º A data de que trata o artigo anterior será considerada comemorativa, e feriado para todos osefeitos legais.

Art. 3º Esta Lei entre em vigor na data de sua publicação.Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.

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conformação do ato normativo atacado ao teor da lei federal que dispôs sobre feriados,pretensão inviável em sede de controle concentrado de constitucionalidade de normas.

A Lei 9.093, de 12-9-95, definiu quais são os feriados brasileiros, divididos entrecivis (i - os declarados em lei federal; ii - as datas magnas dos Estados, fixadas em leiestadual; e iii - os dias do início e do término do ano do centenário de fundação domunicípio, fixados em lei municipal) e religiosos (dias de guarda, declarados em leimunicipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, nesteincluída a Sexta-Feira da Paixão).

Note-se que o referido Diploma representa a instituição das hipóteses de feriado,exaustivamente enumeradas pelo legislador federal, que delegou à lei estadual, no casoda data magna, e à lei municipal, nos casos do ano do centenário e dos dias de guarda,tão-somente a fixação dos dias em que deverão recair aqueles feriados previamenteconcebidos. Estaríamos no campo da ilegalidade, por exemplo, se em discussão aeleição deste ou daquele dia do ano como a data magna do Distrito Federal.

Não é o caso dos autos.

Aqui, há a instituição de um novo feriado civil por meio de lei distrital, com todosos efeitos daí decorrentes. É norma local que busca coexistir, no mundo jurídico, comlei federal preexistente, não para complementação, mas para somar nova e independentehipótese de feriado civil.

Rejeito, portanto, a preliminar ora tratada.

2. No tocante ao mérito, não verifico inconstitucionalidade alguma na escolha,pelo legislador distrital, do dia 30 de outubro como data comemorativa em homenagemà categoria dos comerciários do Distrito Federal. Aliás, desde 1932 esta data é nacio-nalmente considerada dia do comerciário, por coincidir com a publicação no DiárioOficial do Decreto-Lei 4.042, que reduziu a jornada diária de trabalho da referidacategoria de doze para oito horas e regulamentou o funcionamento do comércio.

3. Por outro lado, ainda sob a égide das Constituições anteriores, o SupremoTribunal Federal já assentava que implícito ao poder privativo da União de legislarsobre Direito do Trabalho estava o de “decretar feriados civis, mediante lei federalordinária” (AI 20.423, Rel. Min. Barros Barreto, DJ de 24-6-59), por envolver taliniciativa “conseqüências nas relações empregatícias e salariais” (Representação1.172, Rel. Min. Rafael Mayer, DJ de 3-8-84). A Constituição Federal de 1988, emcontinuidade a esta sistemática, estabelece a competência privativa da União paralegislar sobre temas de Direito do Trabalho, aí incluído, segundo a jurisprudênciaapontada, a criação de feriado civil, pois este, como bem ressaltou o parecer da doutaPGR, “institui um dia de descanso remunerado para os trabalhadores, fazendo surgirobrigações para os empregadores” (fl. 33).

4. Diante do exposto, detectada a presença de vício formal pela invasão decompetência privativa da União pelo legislador distrital, julgo procedente, em parte,o pedido para declarar a inconstitucionalidade da expressão “e feriado para todos osefeitos legais”, contida no art. 2º da Lei 3.083/02, do Distrito Federal.

É como voto.

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EXTRATO DA ATA

ADI 3.069/DF — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Requerente: Governador doDistrito Federal (Advogados: PGDF – Maria Dolores Serra de Mello Martins e outro).Requerida: Câmara Legislativa do Distrito Federal.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente, em parte, a ação, paradeclarar a inconstitucionalidade da expressão “e feriado para todos os efeitos legais”,contida no artigo 2º da Lei n. 3.083, de 7 de outubro de 2002, do Distrito Federal, nostermos do voto da Relatora. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausentes,justificadamente, os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa eEros Grau. Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Brasília, 24 de novembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.114 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Requerente: Governador do Estado de São Paulo — Requerida: Assembléia Legis-lativa do Estado de São Paulo

Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação do parágrafoúnico do artigo 25 e do caput do artigo 46 da Lei Complementar n. 836, de2 de dezembro de 1997. Diploma normativo que instituiu o Plano deCarreira, Vencimentos e Salários dos servidores públicos inegrantes doquadro do magistério da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.Alegação de desrespeito aos incisos IV e VI do artigo 84 da ConstituiçãoFederal de 1998, bem como ao princípio da separação de Poderes (art. 2ºda CF).

— As normas constitucionais de processo legislativo não impossibi-litam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dosprojetos de lei enviados pelo Chefe do Poder Executivo no exercício desua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiroesbarra, porém, em duas limitações: a) a impossibilidade de o parlamentoveicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo adesfigurá-lo; e b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aosprojetos de lei de iniciativa do Presidente da República, ressalvado odisposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública(inciso I do art. 63 da CF). No caso, a Lei Complementar n. 836/97 é frutode um projeto de lei de autoria do próprio Governador do Estado de SãoPaulo, e o impugnado parágrafo único do artigo 25, embora decorrente

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de uma emenda parlamentar, não acarreta nenhum aumento da despesapública. Vício de inconstitucionalidade que não se verifica.

— O artigo 46 da Lei Complementar n. 836/97 dispõe que, nahipótese de o deslocamento do servidor público ocorrer sem prejuízoremuneratório, caberá ao Município ressarcir ao Estado os valorespagos ao agente estatal cedido, bem como os encargos sociais correspon-dentes. Tudo a ser feito com recursos provenientes do repasse do Fundode Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental. Caso em quese reconhece ofendida a autonomia municipal para aplicar livremente assuas rendas (CF, art. 18).

— Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar ainconstitucionalidade da expressão “Na hipótese de o afastamento ocor-rer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado osvalores referentes aos respectivos contracheques, bem como encargossociais correspondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundode Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental”, constantedo art. 46 da Lei Complementar n. 836/97, do Estado de São Paulo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, julgar improcedente a ação quanto ao parágrafo único do artigo 25 da LeiComplementar n. 836/97. Também por unanimidade, julgar parcialmente procedente aação quanto ao inciso X do artigo 64, acrescentado pelo artigo 46 da Lei Complementarn. 836, de 2 de dezembro de 1997, à Lei Complementar n. 444, de 27 de dezembro de1985, ambas do Estado de São Paulo, restando declarada a inconstitucionalidade daseguinte expressão: “Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos,o Município ressarcirá ao Estado os valores referentes aos respectivos contra-cheques,bem como aos encargos sociais correspondentes, com recursos provenientes do repassedo Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental”, tudo nostermos do voto do Relator. Votou o Presidente.

Brasília, 24 de agosto de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: O Governador do Estado de São Pauloajuíza a presente ação direta de inconstitucionalidade. Ação, essa, que impugna oparágrafo único do art. 25 e o art. 46, caput, da Lei Complementar paulista de n.836, de 2 de dezembro de 1997, que instituiu o Plano de Carreira, Vencimentos eSalários dos servidores públicos integrantes do Quadro do Magistério da Secretariade Educação.

2. Os dispositivos questionados exibem a seguinte redação:

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“Art. 25. (...)

Parágrafo Único. A Comissão de Gestão da Carreira referida no caput deeste artigo será composta de forma paritária com representantes indicados pelaSecretaria da Educação e das entidades representativas dos integrantes domagistério, a ser regulamentada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias.

(...)

Art. 46. Inclua-se no artigo 64 da Lei Complementar n. 444, de 27 dedezembro de 1985, o inciso X, com a seguinte redação:

X - exercer atividades docentes ou de suporte pedagógico, junto a Municí-pios conveniados com o Estado para municipalização do ensino, sem prejuízo devencimentos e sem prejuízo das demais vantagens do cargo ou com prejuízo devencimentos com expressa opção do servidor. Na hipótese de o afastamentoocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado osvalores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como aos encargos sociaiscorrespondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvol-vimento e Manutenção do Ensino Fundamental.”

(Sem destaques no original)

3. Pois bem, sustenta o requerente que os dispositivos normativos em vitrineforam inseridos, pela Assembléia Legislativa paulista, no projeto de Lei Comple-mentar n. 38/97; inserção que, na ótica do autor, estaria a vilipendiar a competênciaconstitucional do Chefe do Poder Executivo para deflagrar, com privatividade, oprocesso de elaboração de leis que versem sobre o regime jurídico dos servidorespúblicos e a respeito da estrutura de órgãos da Administração Pública (art. 61, § 1º,II, c e e, da Lex Legum). Aduz que o texto normativo sob censura desrespeita osincisos IV e VI do art. 84 da Carta-cidadã, bem como o Princípio da Separação dosPoderes (CF, art. 2º).

4. Já em sede de informações, o Presidente da Assembléia Legislativa do Estadode São Paulo salienta que o caso dos autos não autoriza a instauração do processoobjetivo de constitucionalidade. Isso porque o embate jurídico sobre eventualinvalidade dos dispositivos impugnados seria travado em face da Constituição paulistae, apenas de forma reflexa, frente à Norma Normarum. Diz, por outro lado, que o art. 61da Constituição Federal cinge-se à iniciativa de leis do Presidente da República, nãosendo aplicável, portanto, aos Governadores de Estado. Nessa marcha batida, o reque-rido também esgrime a tese de que os dispositivos hostilizados não dispõem sobreservidor público e seu regime jurídico, tampouco referindo-se à criação de órgãos daAdministração Pública.

5. A seu turno, o digno Advogado-Geral da União manifestou-se pela improce-dência dos pedidos articulados na inicial, enquanto que a douta Procuradoria-Geral daRepública opinou pela procedência da pretensão autoral.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): 7. Vê-se que o Governador do Estadode São Paulo pugna pela declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único doartigo 25 e do caput do artigo 46 da Lei Complementar n. 836/97. Para tanto, sustentaviolação às alíneas a e c do inciso II do § 1º do artigo 61 da Lei Maior do País.

8. Pois bem, com os olhos postos no caso concreto, observo que o parágrafo únicodo art. 25 da Lei Complementar n. 836/97 dispõe sobre a composição da chamada“Comissão de Gestão da Carreira do Magistério”, órgão, esse, que deverá serparitariamente constituído por representantes da Secretaria da Educação e das entida-des de representação. Mais: do exame do caput desse mesmo art. 25, infere-se que o pré-falado comitê foi instituído para auxiliar o Poder Público no estabelecimento decritérios garantidores da evolução funcional dos funcionários que integram a carreirado magistério público1.

9. Bem vistas as coisas, é do meu pensar que o desate da controvérsia em torno davalidade do parágrafo único do art. 25 da Lei Complementar n. 836/97 dispensaqualquer estudo que vise a detectar se esse dispositivo legal realmente tratou sobrequalquer das matérias arroladas nas letras a e c do inciso II do § 1º do art. 61 da LexLegum. Assim me posiciono porque, segundo noticiou o próprio requerente (fl. 03), odiploma normativo sob comento resultou de Projeto de Lei Complementar de autoriado Poder Executivo paulista.

10. De outra banda, as normas constitucionais de processo legislativo não impos-sibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos delei enviados pelo Presidente da República no exercício constitucional de sua iniciativaexclusiva. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duaslimitações: a) a impossibilidade de o parlamento veicular matérias diferentes da tratadano projeto de lei, de modo a desfigurá-la, e, b) a impossibilidade de as emendasparlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, ressalvadoo disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (CF, art.63, I).

11. Seja como for, o fato é que não diviso qualquer inconstitucionalidade noparágrafo único do art. 25 da Lei Complementar n. 836/97, do Estado de São Paulo.Primeiro, porque esse diploma legal é fruto de um projeto de lei de autoria do PoderExecutivo e, segundo, porque o impugnado parágrafo único do art. 25, embora decor-rente de uma emenda parlamentar, não acarreta nenhum aumento da despesa pública.

12. Debruço-me, agora, sobre a argumentação manejada para impugnar o art. 46da multi-referida Lei Complementar n. 836/97, do Estado de São Paulo. Esse dispositivolegal, repise-se, introduziu o inciso X no art. 64 da Lei Complementar n. 444, de 27 dedezembro de 1985, do Estado de São Paulo, cujo teor é seguinte:

1 “Art. 25. Fica instituída, na Secretaria da Educação, Comissão de Gestão da Carreira, com aatribuição de propor critérios para a Evolução Funcional e demais providências relativas ao assunto, naforma a ser estabelecida em regulamento”.

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“Art. 64. O docente e/ou especialista de educação poderão ser afastados doexercício de seu cargo, respeitado o interessa da Administração Estadual, para osseguintes fins:

(...)

X - exercer atividades docentes ou de suporte pedagógico, junto a Municí-pios conveniados com o Estado para municipalização do ensino, sem prejuízo devencimentos e sem prejuízo das demais vantagens do cargo ou com prejuízo devencimentos com expressa opção do servidor. Na hipótese de o afastamentoocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado osvalores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como encargos sociaiscorrespondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvol-vimento e Manutenção do Ensino Fundamental;

(...)”

(Sem destaque no original)

13. Nesse particular, Senhor Presidente, penso assistir razão ao acionante. É que oart. 46 da Lei Complementar n. 836/97 dispõe que, na hipótese de o deslocamento doservidor público ocorrer sem prejuízo remuneratório, caberá ao Município ressarcir aoEstado os valores pagos ao agente estatal cedido, bem como os encargos sociaiscorrespondentes — tudo a ser feito com recursos provenientes do repasse do Fundo deDesenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental.

14. Nesse ponto, é do meu pensar que restou ofendida a autonomia municipal (CF,art. 18) para aplicar livremente as suas rendas, como leciona Hely Lopes Meirelles, inDireito Municipal Brasileiro, Ed. Malheiros, p. 93, in verbis:

“(...)

A atual Constituição da República, além de inscrever a autonomia comoprerrogativa intangível do Município (...), enumera, dentre outros, os seguintesprincípios asseguradores dessa mesma autonomia: a) poder de auto-organização(elaboração de lei orgânica própria); b) poder de auto-governo, pela eletividadedo prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores; c) poder normativo próprio, ou deautolegislação, mediante a elaboração de leis municipais na área de sua compe-tência exclusiva e suplementar; d) poder de auto-administração: administraçãoprópria para criar, manter e prestar os serviços de interesse local, bem comolegislar sobre seus tributos e aplicar suas rendas.

(...)”

(Sem destaque no original)

15. Nesse mesmo sentido, arremata o saudoso administrativista (pp. 111/112,ob. cit.):

“(...)

Outro princípio assegurador da autonomia municipal é a garantia que aConstituição da República oferece ao Município de decretar e arrecadar os

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tributos de sua competência e aplicar suas rendas sem tutela ou dependência dequalquer poder (...)”

(Sem destaque no original)

16. Com esses fundamentos, Senhor Presidente, o meu voto é pela procedênciaparcial do pedido, declarando tão-somente a inconstitucionalidade da expressão: “Nahipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarciráao Estado os valores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como encargossociais correspondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desen-volvimento e Manutenção do Ensino Fundamental”, constante do art. 46 da LeiComplementar n. 836/97, do Estado de São Paulo.

17. É como voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, o Relator ressaltou dois aspec-tos fundamentais. O parágrafo inserido tem a ver com a cabeça do artigo, que resultoude projeto do Executivo e não gera, em si, aumento de despesa. A concluir-se que anorma da iniciativa é peremptória, chegaremos ao ponto de entender que, tramitando oprojeto, não pode haver qualquer modificação na Casa Legislativa, a quem cabe tão-somente placitar o que fora enviado pelo Executivo.

Sob o ângulo da razoabilidade, a boa procedência da inserção salta aos olhos,porque, ao se disciplinar a Comissão de Gestão da Carreira sem definir-se o número departicipantes, versou-se sobre a integração de representantes do magistério. Algosalutar e que observamos na vida administrativa em geral, ou seja, quando se imaginaum trabalho para melhor se estruturar a carreira, para melhor se implementar a carreira,conta-se com a participação dos diretamente interessados, e incumbirá à AdministraçãoPública definir o número de representantes na regulamentação, no prazo razoável desessenta dias.

Acompanho o Relator, julgando improcedente o pedido formulado.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): A controvérsia proposta é que o caputdo artigo estabelecia:

“Art. 25. Fica instituída, na Secretaria da Educação, Comissão de Gestãoda Carreira, com a atribuição de propor critérios para a Evolução Funcional edemais providências relativas ao assunto, na forma a ser estabelecida em regula-mento.”

Ou seja, no projeto, é reservado ao regulamento a definição da composição dessagestão de carreira. O Relator e o Min. Marco Aurélio sustentam que o parágrafomeramente estabeleceu a composição e não estaria fora da atribuição de emendas.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Observando até a ordem natural das coisas, anatureza da comissão a ser constituída.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Apenas se impôs uma limitação na suacomposição.

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O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Que seria paritária, porque a ConstituiçãoFederal consagra o princípio da gestão paritária do ensino no inciso VI do art. 206,expressamente.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Além do que, nesse caso, a cláusula do art. 25estava totalmente aberta. Não tinha, na verdade, uma delegação. Segundo a ortodoxia,mais declamado na doutrina do que na prática constitucional, essas fórmulas, naverdade, contêm delegação indevida. De modo que até nesse sentido parece dar ummínimo de parâmetros.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Chamaria a atenção para a primeira vezque isso surgiu no Tribunal. Lembrem-se da antiga Súmula n. 05 do Supremo TribunalFederal, que estabelecia aquele problema da sanção do projeto, supre a falta de iniciativa,etc. Essa orientação do Tribunal acabou sendo alterada na Representação n. 890,Relator Oswaldo Trigueiro, de 27 de março de 1974, porque, naquele momento, jáestava em vigor a Constituição de 1967, que havia reproduzido uma norma surgida noAto Institucional n. 2 determinando, pura e simplesmente, a proibição de emendasparlamentares que aumentassem despesa.

Então, entendeu-se que a sanção do Executivo não superava a proibição ao Poder,estabelecida na Constituição de 67. Curiosamente, tive oportunidade de fazer umapesquisa — e não recorri ao Ministro Sepúlveda Pertence, que tem a memória do Tribunal —,e, depois, essa tese, que se restringia exclusivamente à questão relativa à despesa,acabou se estendendo a todas as outras sanções do Presidente sobre alterações quefossem feitas em projeto de sua iniciativa, mesmo quando não importassem em aumentode despesa.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O critério mais presente à jurisprudência doTribunal é o da pertinência, sem a qual seria inócua a própria regra de iniciativareservada.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: De iniciativa, com uma modificação substancial.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se uma proposta de regra sobre vantagens deservidores públicos, de iniciativa reservada ao Executivo, fosse dado emendar paracriar órgãos novos, obviamente estaria esvaziada a iniciativa, também privativa doExecutivo, para projetos de criação de órgãos administrativos. No caso, o que se tem? Ainiciativa da criação do órgão é do Executivo, com uma delegação ampla ao Governopara regulamentá-lo como bem entender. Impôs-se, por emenda parlamentar, um caráterparitário à composição dessa comissão. Não vejo nenhuma inconstitucionalidade.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Duas palavras apenas: apanhou bem o MinistroSepúlveda Pertence. Retifico o que lancei no voto, quanto ao número de integrantes. Acomposição é paritária. A paridade visa ao equilíbrio. A comissão só tem a atribuiçãode propor.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Não é vinculante.

Há um aspecto também a ser suscitado, que foi levantado da tribuna, em relaçãoao parágrafo único na parte final.

O caput do artigo diz: “na forma a ser estabelecida em regulamento”.

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E o parágrafo único diz: “a ser regulamentada no prazo máximo de 60 (sessenta)dias”.

Tem de examinar separadamente esse pedido formulado na ADI, da imposição deprazo ao governador de Estado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: É razoável.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Acho razoável. É o tipo de norma semsanção.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E o período de sessenta dias? Se não se conseguirconstituir uma comissão em sessenta dias, há algo errado.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: : Essa questão do prazo da Constituição de 67/69já foi objeto de consideração de Pontes de Miranda, dizendo que pode haver até lesãoà divisão de Poderes se houver uma imposição de prazo extremamente curto. Mas, nahipótese, parece-me absolutamente razoável, guarda pertinência com a própria propostado Executivo, que teria de regulamentar a matéria.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Está no caput.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Também, não se trata de um prazo tão curto pararegular uma matéria importante.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): E resolve um conflito político. Se ficasem prazo, como o parágrafo foi impugnado, acaba não regulamentando a comissão,tendo em vista que isso foi produto de emenda parlamentar.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Nesta ação direta de inconstitucionalidade, houveconcessão de liminar? Porque a lei complementar é de 97.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Esse afastamento é dependente da autoriza-ção administrativa?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Como está o caput do artigo?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Na cabeça do artigo, prevê-se “respeitado ointeresse da Administração Estadual”. A Administração Estadual definirá a cessão.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O que diz a cabeça do artigo 64?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: De acordo com o artigo 64:

Artigo 64. O docente e/ou especialista de educação poderão ser afastadosdo exercício de seu cargo, respeitado o interesse da Administração Estadual,para os fins:

(...)

Aqui se estabelece um regime de cooperação.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O Estado celebra convênios em que secompromete a ceder funcionários, com ou sem ônus para o Município.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): E dispondo, inclusive, sobre o modo de oMunicípio, eventualmente, ressarcir as despesas do Estado.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Obviamente, se isso é convênio, é se o Municípioassentir em receber o servidor.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Claro, não há invasão.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Por essa regra o servidor só poderáexercer a atividade docente, se o Município ressarcir o Estado.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Já indicando os fundos.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): É o efeito, diz assim:

“Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, oMunicípio ressarcirá ao Estado os valores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como aos encargos sociais correspondentes, com recursos proveni-entes do repasse do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Funda-mental.”

Então, condiciona que o convênio só será admitido se houver o ressarcimento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas é interessante.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Inclusive com indicação da fonte desuprimento de recursos para o Município.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: O que me intriga um pouco é essa cláusula deexpressa opção do servidor.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eu sei, mas aí exige-se a expressa opção doprestador dos serviços, porque, deixando ele de receber dos cofres públicos, do próprioEstado ao qual vinculado, haverá uma modificação substancial na relação jurídica. Porisso é que se cogitou da opção expressa do prestador dos serviços. A regra qual é? Acessão, e o órgão cedente satisfaz a remuneração do prestador dos serviços e, depois,reembolsa-se mediante o convênio.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Agora, mesmo que o titular, o docente,opte no sentido de ir trabalhar no Município com prejuízo dos vencimentos, tem queconcordar; se não concordar, irá sem prejuízo dos vencimentos, mas, nessa hipótese, oMunicípio terá de ressarcir, o convênio não ficará aberto no sentido de que o Estadonão seja ressarcido.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O risco passa a ser dele.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso não tinha sido proposto, inicialmente, peloGovernador, foi por inovação completa do projeto.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Foi por emenda.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas visando à colaboração; é uma opção político-legislativa.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aqui, é uma restrição da norma impostaao Governador, que fica proibido de mandar servidores sem prejuízo dos vencimentose sem que haja ressarcimento pelos Municípios. Os Municípios têm a obrigação deressarcir. A cessão de servidores fica restrita a essa condição.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Isso entra na questão da pertinência.

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O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Tematicamente, essa emenda parlamentar énovidadeira.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se a emenda não é novidadeira, não é emenda.O que importa é se ela tem a ver com o objeto do processo.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): É novidadeira de modo substancial, aponto de acarretar despesa.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ela tem a ver com o objeto do processo.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O governador não pode ceder semacertar o ressarcimento. A parte final diz:

“Na hipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, oMunicípio ressarcirá ao Estado (...)”

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Ministro, acho que Vossa Excelência estálevando o problema da pertinência a uma linha muito estreita.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O ressarcimento é na hipótese de o Estado continuarsatisfazendo a remuneração.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Exatamente. Há duas hipóteses deconvênio dos Municípios com os Estados. Ou o Estado manda servidores para osMunicípios, sem a exigência do ressarcimento pelas despesas com os vencimentos, enesse caso o Estado está ajudando o Município, ou o Estado envia servidores com aprevisão do ressarcimento das despesas com os vencimentos. Aqui, essa norma obrigao ressarcimento, proíbe a primeira fórmula, a primeira alternativa, quando diz: “Nahipótese de o afastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressar-cirá”. Como a lei estadual não pode criar a obrigação para o Município, significa queesse convênio que o Governador faça só é admissível se, e somente se, na hipótese depermanecer pagando o vencimento do servidor cedido, houver o respectivo ressarci-mento. Aí, está se restringindo uma decisão que possa ser do Governo, por conveniên-cia ou por necessidade da educação, porque temos Municípios com absoluta impos-sibilidade de atender as finalidades da educação. Aqui, há uma restrição à discricio-nariedade típica do Estado no convênio. Não é verdade?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: De qualquer forma, a Administração Estadual ésenhora da cessão.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Para decidir se o Governo cederá. E seo servidor opta por manter a remuneração, o governo só pode ceder se o Municípioressarcir. Agora, se o Município não tem condição de ressarcir, não pode haver cessão,criando-se um problema para os Municípios mais necessitados.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não seria o caso de cortar-se o dispositivo?

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aí, sim, concordaria, porque deixavaem aberto ao Governador a escolha.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: E fica a critério das partes convenentes.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence:

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“X - exercer atividades docentes ou de suporte pedagógico, junto a Municí-pios conveniados com o Estado para municipalização do ensino, sem prejuízo devencimentos e sem prejuízo das demais vantagens do cargo ou com prejuízo devencimentos (...)”

Até aqui não vejo nenhuma inconstitucionalidade, porque pertinente ou imperti-nente não é o exemplo que dei, que é uma forma indireta de fraudar a iniciativa doGovernador: o Governador propõe uma questão sobre carreira e cria-se uma Secretariade Estado.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Aí, vulnera a competência do Governadorpara dispor sobre órgãos.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Agora, se é uma hipótese a mais em que sepermita o afastamento do servidor por convênio do Estado, não é obrigatório?

O Sr. Ministro Marco Aurélio: É salutar.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Se dissesse que o servidor poderia escolher oMunicípio no qual queria prestar serviço, sim, mas não, cria para o Estado a possibili-dade de um convênio de municipalização.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para viabilizar a cessão sem ônus.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Por convencimento, não por opção do servidor.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): A proposta do Ministro Sepúlveda Pertencesecciona o dispositivo, salva a primeira parte.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Secciono, paro em “ou com prejuízo devencimentos”, e declaro inconstitucional o restante.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Por expressa opção do servidor? Deixaou tira?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Tira fora.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Também concordo. Porque aí fica aalternativa possível, e o Governador resolve.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Adiro. E toda a parte sobejante ficaafastada; concordo.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Fica de acordo com o convênio. Apenaspossibilita ao Governo criar convênios com esse tipo de auxílio à municipalização doensino.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Senão está restringindo o convênio.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Não restringe nada, porque se eu não queroassinar convênio, pronto.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Aí fica em aberto, o que já é permitido.

O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator): Adiro, comodamente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Tenho uma preocupação e volto à premissa de meuvoto: por que o preceito exige a expressa opção do servidor?

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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Porque fica a alternativa.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Porque a relação jurídica dele é com o Estado. Parase afastar o ônus do Estado à contraprestação pelo serviço prestado, e se essacontraprestação ficar a cargo do Município, é que se exige a opção do servidor. É salutare seria mais, muito embora saindo o requerente um pouco chamuscado, se se afastasse asegunda parte.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Porque aí fica mais explícito, embora odesejo, a aceitação de servir seja opção do servidor; mas é bom deixar explícito.

EXTRATO DA ATA

ADI 3.114/SP: Relator: Ministro Carlos Britto. Requerente: Governador do Estadode São Paulo (Advogado: PGE/SP – Elival da Silva Ramos). Requerida: AssembléiaLegislativa do Estado de São Paulo.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente a ação em relação aoparágrafo único do artigo 25 da Lei Complementar n. 836/97. Também por unanimidade,o Tribunal julgou parcialmente procedente a ação em relação ao inciso X do artigo 64,acrescentado pelo artigo 46 da Lei Complementar n. 836, de 2 de dezembro de 1997, àLei Complementar n. 444, de 27 de dezembro de 1985, ambas do Estado de São Paulo,tendo declarado a inconstitucionalidade da seguinte expressão: “Na hipótese de oafastamento ocorrer sem prejuízo de vencimentos, o Município ressarcirá ao Estado osvalores referentes aos respectivos contra-cheques, bem como aos encargos sociaiscorrespondentes, com recursos provenientes do repasse do Fundo de Desenvolvimentoe Manutenção do Ensino Fundamental”, tudo nos termos do voto do Relator. Votou oPresidente, Ministro Nelson Jobim. Falou pelo requerente o Dr. Marcos Ribeiro deBarros, Procurador do Estado.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 24 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO 3.422 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Agravante: José Laerte R. da Silva Neto — Agravado: Luiz Inácio Lula da Silva

Ação popular contra o Presidente da República, ajuizada no SupremoTribunal Federal. Art. 102 da Magna Carta. Incompetência. Agravo regi-mental contra decisão que negou seguimento ao pedido, na forma do § 1º

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do art. 21 do RISTF. Remessa dos autos ao juízo competente. Inaplicabi-lidade do § 2º do art. 113 do CPC.

Descabe a declinação da competência, por não ser ambígua amatéria (MS 24.700-AgR, Relator para o acórdão Ministro Marco Au-rélio). De outra parte, esta egrégia Corte não pode se transformar emórgão de orientação e consulta das partes, “resolvendo, em caráterdefinitivo, irreversível, questão sobre a competência de um Juízo ouTribunal, sem que aquele ou este tenha tido oportunidade de admiti-la ourejeitá-la” (Embargos de Declaração na Petição 3.326, Relator MinistroCelso de Mello).

Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 6 de outubro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de agravo regimental contra decisão que,baseada na parte final do § 1º do art. 21 do RI/STF, negou seguimento à ação popularajuizada originariamente, nesta egrégia Corte, contra o Presidente da República.

2. A inicial, em resumo, reporta-se às notícias da imprensa, acerca da suposta“existência de um esquema denominado ‘mensalão', mesada de R$ 30.000,00 (trintamil reais) que seria distribuída a parlamentares pelo tesoureiro do ‘Partido dosTrabalhadores', senhor Delúbio Soares”.

3. Esclareço que neguei seguimento ao pedido porque, segundo a jurisprudênciada Casa, o processo e o julgamento de ações populares não se incluem, em regra, naesfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, mesmo que o atoalvejado seja imputável ao primeiro mandatário do País.

4. Pois bem, no presente agravo o autor popular vale-se do art. 113 do CPC pararequerer a definição do Juízo competente e, em conseqüência, a remessa a este dosrespectivos autos.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Sem razão o agravante, conforme sedepreende da notável decisão do Ministro Celso de Mello, lançada em 22-3-2005, nosEmbargos de Declaração na Petição n. 3.326, in verbis:

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“(...)

Não cabe, ao Relator da causa, considerados os limites fixados no art. 21, §1º, do RISTF, em se registrando a hipótese de incompetência do SupremoTribunal Federal, indicar qual o magistrado ou o Tribunal a quem possa incumbiro exercício da respectiva competência jurisdicional.

Cabe assinalar, neste ponto, por necessário, que esse entendimento encon-tra apoio em orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal,cujas decisões, no tema, têm proclamado a inaplicabilidade, no âmbito destaCorte, do art. 113, § 2º, do CPC (AO 175-AgR-ED/RN, Rel. Min. OctavioGallotti — Inq 1.793-AgR/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno — MS 23.621-AgR/RS, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno — MS 24.261/DF, Rel. Min. Celso deMello — Pet 2.160/SP, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 19-3-2001):

“(...) quanto ao envio dos autos ao Tribunal, que ao Relator parecercompetente, por força do disposto no art. 113, § 2º, do Código de ProcessoCivil, não é de ser determinado, por inaplicável tal norma no STF, pois,nos termos do § 1º do art. 21 de seu Regimento Interno, deve o Relator, emcaso de incompetência da Corte, limitar-se a negar seguimento ao pedido,como se fez no caso.

Vários julgados do STF explicam a razão por que tal providência(remessa dos autos, pelo Relator, ao Juízo ou Tribunal, que lhe parecercompetente) não será, necessariamente, tomada: é que, se o fizer, acabaráresolvendo, em caráter definitivo, irreversível, questão sobre a competên-cia de um Juízo ou Tribunal, sem que aquele ou este tenha tido oportunidadede admiti-la ou rejeitá-la e sem ensejar às partes interessadas a discussãodo tema nas instâncias próprias e nas subseqüentes, inclusive na extraor-dinária.

Com esse entendimento, ademais, procura a Corte evitar que, medi-ante ações ou petições, a ela originariamente apresentadas, seja convertidaem orientadora da parte sobre qual seja o Juízo ou Tribunal competente,quando tenha dúvida a respeito (...)”.

(MS 22.313-AgR-ED/BA, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno — grifei)

“Medida cautelar — Incompetência do Supremo Tribunal Federal —Pretendido encaminhamento do processo ao juízo competente — Inaplica-bilidade do art. 113, § 2º, do CPC — Incidência, na espécie, do art. 21, § 1ºdo RISTF — Recurso de agravo improvido.

— Revela-se inaplicável, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, oart. 113, § 2º, do CPC, eis que o art. 21, § 1º do RISTF estabelece que oRelator da causa, na hipótese de incompetência deste Tribunal, deve limi-tar-se a negar seguimento ao pedido, sem ordenar, contudo, o encaminha-mento dos autos ao juízo competente, sob pena de o Supremo TribunalFederal converter-se, indevidamente, em órgão de orientação e consulta daspartes, em tema de competência, quando estas tiverem dúvida a respeito detal matéria. Precedentes.

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— A norma consubstanciada no art. 21, § 1º do RISTF foi recebida,pela vigente Constituição, com força e eficácia de lei (RTJ 167/51), porquevalidamente editada com fundamento em regra constitucional que atri-buía, ao Supremo Tribunal Federal, poder normativo primário para disporsobre o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ourecursal (CF/69, art. 119, § 3º, c). Esse preceito regimental — destinado areger os processos no âmbito do Supremo Tribunal Federal — qualifica-se,por isso mesmo, como lex specialis e, nessa condição, tem precedênciasobre normas legais, resolvendo-se a situação de antinomia aparente, quan-do esta ocorrer, pela adoção do critério da especialidade (lex specialisderogat generali).”

(Pet 2.653-AgR/AP, Rel. Min. Celso de Mello)

Impende ressaltar, finalmente, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal,em recente julgamento, reafirmou essa orientação, enfatizando ser inaplicável, aesta Corte, em situações como a ora versada nesta causa, a determinação constantedo art. 113, § 2º, in fine, do CPC (MS 24.615-ED/SP, Rel. Min. Nelson Jobim).

(...)”

7. Em face de tais fundamentos, que adoto, nego provimento ao agravo regimental.

8. É como voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Presidente, normalmente, declino, não do voto, edetermino a remessa do processo ao juízo competente.

Em se tratando de situação concreta em que não temos sequer o problema queocorre no mandado de segurança, o prazo decadencial exíguo, acompanho o Relator,desprovendo, porquanto o Regimento Interno autoriza a simples negativa de segui-mento — artigo 21, § 1º.

EXTRATO DA ATA

Pet 3.422-AgR/DF — Relator: Ministro Carlos Britto. Agravante: José Laerte R. daSilva Neto (Advogado: Jovenor R. da Silva Neto). Agravado: Luiz Inácio Lula da Silva.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental,nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o MinistroEros Grau. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 6 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MANDADO DE SEGURANÇA 24.544 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Impetrante: João Cyrino Filho — Impetrados: 3ª Secretaria de Controle Externodo Tribunal de Contas da União e Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dosDeputados

Legitimidade — Mandado de segurança — Ato do Tribunal deContas da União. Imposição de valor a ser ressarcido aos cofres públicose previsão de desconto, considerado o que percebido pelo servidor, ge-ram a legitimidade do Tribunal de Contas da União para figurar nomandado de segurança como órgão coator.

Proventos — Desconto — Leis n. 8.112/90 e 8.443/92. Decorrendo odesconto de norma legal, despicienda é a vontade do servidor, não seaplicando, ante o disposto no artigo 45 da Lei n. 8.112/90 e no inciso I doartigo 28 da Lei n. 8.443/92, a faculdade de que cuida o artigo 46 doprimeiro diploma legal — desconto a pedido do interessado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por maioria, conhecer da segurança, vencido o Ministro JoaquimBarbosa, e, por unanimidade, indeferi-la nos termos do voto do Relator.

Brasília, 4 de agosto de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Insurge-se o impetrante contra desconto efetuadonos respectivos proventos, considerada a glosa do Tribunal de Contas e ato do Diretordo Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados. Argumenta com o disposto noartigo 45 da Lei n. 8.112/90. Informa estar aguardando a propositura da execução fiscalpara ajuizar embargos à execução. Sob o ângulo da competência, evoca a alínea d doinciso I do artigo 102 da Constituição Federal. Pleiteia a concessão de liminar quantoà suspensão dos descontos, requerendo o deferimento da segurança em definitivo parater como intangível o que percebido (folhas 2 a 5). À inicial juntaram-se os documentosde folhas 6 a 16.

À folha 19, o Ministro Maurício Corrêa, a quem sucedi na Relatoria deste processo,deferiu a medida acauteladora, consignando o concurso do sinal do bom direito e dorisco de manter-se com plena eficácia o quadro, tendo em conta a natureza alimentardos proventos.

Aos autos vieram as informações de folhas 29 a 33, asseverando o Diretor doDepartamento de Pessoal da Câmara dos Deputados que, na oportunidade da comuni-

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cação da liminar, a primeira parcela do débito já havia sido descontada. Sustenta queapenas deu cumprimento à decisão da Segunda Câmara do Tribunal de Contas daUnião, razão pela qual não teria praticado ato autônomo que o caracterizasse comoautoridade coatora. Alude às disposições da Lei n. 8.112/90, valendo-se da melhordoutrina quanto à responsabilidade patrimonial do servidor público, quer se encontrena atividade, quer aposentado. Cita Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

À folha 37, tem-se ofício do Tribunal de Contas, mediante o qual se encaminha-ram os documentos de folhas 38 a 76. Aponta-se que a 3ª Secretaria de ControleExterno apenas endereçou à Câmara dos Deputados ofício, dando-lhe ciência dadecisão proferida pela Corte. Sob tal ângulo, não se chega a articular a impropriedadede a Secretaria haver sido apontada como órgão coator. Em passo seguinte, busca-sedemonstrar a inexistência de ato impositivo dos descontos, cuja feitura pela Câmarados Deputados, a teor do item 9.5, teria-se simplesmente autorizado, em face dodisposto no artigo 46 da Lei n. 8.112/90. Analisa-se o sentido vernacular do vocábulo“autorizar”, tecendo-se considerações sobre a incompetência desta Corte para julgar omandado de segurança, no que, em última análise, direcionado contra ato do Diretor doDepartamento de Pessoal da Câmara dos Deputados. Afirma-se que o Tribunal deContas da União não procurou executar a própria decisão. Evoca-se a Lei n. 8.443/92,ressaltando-se mais uma vez a inexistência de determinação da Corte. Alega-se nãohaver surgido dúvida quanto ao débito envolvido na espécie, citando-se precedentessobre a responsabilidade do Estado e informando-se não se ter hipótese enquadrável noprecedente decorrente do julgamento do Recurso Extraordinário n. 223.037. A Corte,repita-se o que consignado, não estaria a executar a própria decisão. Menciona-se apostura adotada pelo impetrante, no que requereu a prorrogação do prazo para orecolhimento da dívida aos cofres do Tesouro Nacional. Apregoa-se o indeferimento daliminar. Anexaram-se documentos.

A Procuradoria-Geral da República, mediante peça subscrita pelo Procurador-Geral, Professor Claudio Fonteles, preconiza a conclusão sobre a ilegitimidade passivado Tribunal de Contas da União e, em conseqüência, a extinção do feito sem exame domérito. Ultrapassada a preliminar, o parecer é pela concessão da ordem. Eis a síntese doque lançado:

Decisão do TCU autorizando o desconto do valor de indenização ao eráriodiretamente sobre a folha de pagamento de servidor inativo. Ato implementadopor Diretor da Câmara dos Deputados sem a anuência do particular. Alegação deofensa ao art. 45 da Lei 8.112/90. Julgado do TCU que não se reveste de naturezaimpositiva. Ato subseqüente do agente público dotado de autonomia, configurandoo verdadeiro “ato coator”. Ilegalidade passiva do TCU e conseqüente extinção dofeito sem exame do mérito, Sobre a questão de fundo, a Corte de contas não podeexecutar seus julgados diretamente. O desconto pede a autorização do particular,pois não possui previsão legal (folha 79).

Em 15 de setembro, declarei-me habilitado a proceder ao relato deste mandado desegurança e a proferir voto (folha 89).

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A questão sobre a natureza do ato doTribunal de Contas está diretamente vinculada à competência desta Corte para julgar omandado de segurança. Coloco em plano secundário a circunstância de, no intróito dapeça inicial, haver-se aludido a atos da 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunalde Contas da União. No arrazoado apresentado, alude-se à decisão do Tribunal que, nasinformações, após haver consignado o fato, concluiu pela inexistência de prejuízomaior ao exame da impetração. Assim, a ausência de autonomia da Secretaria éconducente a ter-se a impetração como direcionada contra ato do próprio Tribunal deContas da União, que, inclusive, prestou as informações.

Cumpre, então, definir a natureza do ato praticado. Nas informações, o diretor doDepartamento de Pessoal da Câmara afirmou haver simplesmente cumprido a determi-nação do Tribunal de Contas. Realmente, o item 9.5 do acórdão proferido consigna aautorização para o imediato desconto das importâncias devidas, observado o dispostono artigo 46 da Lei n. 8.112/90 (folha 40). Na verdade, em que pese haver-se utilizadoo vocábulo “autorizar”, tem-se determinação da Corte de Contas, que condenou oimpetrante solidariamente a satisfazer certo valor — item 9.4 (folha 40) — para, aseguir, versar sobre o desconto. Ora, é a própria Lei n. 8.443/92, disciplinadora daatuação do Tribunal de Contas, que prevê, no inciso I do artigo 28, caber-lhe “determi-nar o desconto integral ou parcelado da dívida nos vencimentos, salários ou proventosdo responsável, observados os limites previstos na legislação pertinente”. Em síntese,a literalidade do que contido no acórdão cede lugar à definição legal do ato praticadopelo Tribunal de Contas. Concluo, portanto, estar-se diante de ato concreto do Tribu-nal de Contas da União, muito embora lançado sob o eufemismo da simples autoriza-ção. Na verdade, por força de lei, deu-se a determinação do desconto, entendendo-se acláusula 9.6 do acórdão como a encerrar simples possibilidade — excepcionalíssima,na espécie — de a forma do desconto não surtir efeitos, quando, então, ter-se-ia acobrança judicial da dívida, prevista no inciso II do artigo 28 da Lei n. 8.443/92, comopassível, esta sim, de autorização pelo Tribunal de Contas. Admito-o como autoridadecoatora e firmo a competência da Corte.

No mais, improcede o inconformismo do impetrante. A Lei n. 8.112/90 autoriza odesconto, quer se tenha o envolvimento de remuneração, quer de proventos ou depensão. A tanto equivale a referência, na cabeça do artigo 45, a remuneração ouprovento e, no artigo 46, a pensionista. Pois bem, a espécie está enquadrada na previsãode lei acerca do desconto, conforme visto, contemplado no inciso I do artigo 28 da Lein. 8.443/92, sendo dispensável, por isso mesmo, a manifestação de vontade de servidorativo, inativo, ou de pensionista.

Indefiro a segurança.

EXTRATO DA ATA

MS 24.544/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante e Advogado: JoãoCyrino Filho. Impetrados: 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas daUnião e Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados.

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Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio, Relator, que conhecia domandado de segurança para reconhecer a Corte como competente para apreciar o ato doTribunal de Contas da União e indeferir a segurança, pediu vista dos autos o MinistroJoaquim Barbosa. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Ministros Celso deMello, Carlos Velloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Presidência doMinistro Maurício Corrêa.

Presidência do Ministro Maurício Corrêa. Presentes à sessão os Ministros Sepúl-veda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Nelson Jobim, EllenGracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.

Brasília, 17 de março de 2004 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O parecer da Procuradoria-Geral da República(fls. 79-87), que adoto como relatório, bem sintetizou a controvérsia:

“Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado porJoão Cyrino Filho em face de ordem que determina o desconto em seusproventos diretamente na folha de pagamento, ato tido por ilegal e atribuído aoTribunal de Contas da União e ao Diretor do Departamento de Pessoal daCâmara dos Deputados.

Segundo informa o impetrante no arrazoado inicial, detém ele a condição deservidor aposentado da Câmara dos Deputados. Teve seus proventos atingidospor desconto em atenção a ordem do Diretor do Departamento de Pessoal daquelaCasa Parlamentar ante a sua condenação em feito promovido no âmbito doTribunal de Contas da União.

Indicando que não houve de sua parte autorização para a implementação dodesconto, o impetrante invoca o preceito do art. 45, da Lei n. 8.112/90. Pede, alémdo deferimento da medida liminar que suste a ordem de desconto, a concessão dowrit para tornar sem efeito o ato do segundo impetrado.

Recebido no Supremo Tribunal, o feito foi levado ao exame do EminenteMinistro Maurício Corrêa. O pedido de cautela foi deferido, afastando-se aordem de desconto até o final julgamento desta. Foram prestadas informaçõespelas autoridades impetradas a fls. 29-33 e 38-49. Os autos foram distribuídos aVossa Excelência, em substituição ao Relator original - fls. 77.”

O feito foi chamado a julgamento perante o Plenário em 17-3-2004. Naquelaassentada, o ilustre Relator, Ministro Marco Aurélio, após conhecer da impetração,indeferiu a segurança, nos seguintes termos:

“No mais, improcede o inconformismo do impetrante. A Lei n. 8.112/90autoriza o desconto, quer se tenha o envolvimento de remuneração, quer deproventos ou de pensão. A tanto equivale a referência, na cabeça do artigo 45, aremuneração ou provento e, no artigo 46, a pensionista. Pois bem, a espécie estáenquadrada na previsão de lei acerca do desconto, conforme visto, contemplado

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no inciso I do artigo 28 da Lei n. 8.443/92, sendo dispensável, por isso mesmo, amanifestação de vontade de servidor ativo, inativo, ou de pensionista.”

Pedi vista dos autos, para melhor refletir sobre o assunto.

À guisa de preliminar, peço vênia ao Ministro Marco Aurélio, para dele discordar.É que, a meu sentir, o ato do Tribunal de Contas da União não se reveste de caráterimpositivo a ponto de tornar o seu subscritor autoridade coatora neste mandado desegurança.

Eis o teor do ato do Tribunal de Contas da União (fl. 10):

“Senhor Diretor-Geral [do Senado],

Encaminho a Vossa Senhoria, para conhecimento, cópia do Acórdão n.259/2003, aprovado na Sessão Extraordinária da 2ª Câmara, realizada em 25/02/2003, inserido na Ata n/2003, acolhendo proposta do Ministro Relator AdylsonMotta, referente ao processo de Tomada de Contas Especial relativa a recursos desubvenção e auxílio financeiro concedidos à Cooperativa do Congresso Ltda.,nos exercícios de 1986 e 1987.

Atenciosamente,

Secretário de Controle Externo”

O acórdão encaminhado ao Senado Federal contém o seguinte dispositivo (fls.34-35):

“Acórdão:

(...) Acordam os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos emSessão da Segunda Câmara, em:

(...)

9.3 Rejeitar os novos elementos de defesa apresentados pelos responsáveisSres. João Cyrino Filho, Oton Queiroz Mendes e Walter Sotero Franco uma vezque não lograram elidir a irregularidade caracterizada pela omissão no dever legalde prestar contas dos recursos cedidos pelo Senado Federal, a título de auxílio, noexercício de 1987, à Cooperativa do Congresso Ltda;

9.4 com fundamento nos arts. 1º, inciso I; 16, inciso III, alínea a da Lei8443, de 16 de julho de 1992, c/c arts. 19 e 23, inciso III da mesma lei, julgarirregulares as contas dos Sres. João Cyrino Filho, Walter Sotero Franco e OtonQueiroz Mendes e condenar os responsáveis solidariamente ao pagamento daquantia de CZ$800.000,00 (oitocentos mil cruzados), com a fixação do prazo dequinze dias, a contar da notificação, para comprovar, perante o Tribunal (art.214, inciso III, alínea a do Regimento Interno), o recolhimento da dívida aoscofres do Tesouro Nacional, atualizada monetariamente e acrescida dos jurosde mora calculados a partir de 02/12/1987 até a data do recolhimento, na formaprevista na legislação em vigor;

9.5 autorizar, desde logo, o desconto das respectivas dívidas nas remune-rações dos servidores, observado o disposto no art. 46 da Lei 8112, de 11 denovembro de 1990; e

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9.6 caso a medida determinada no item 9.3 não surta efeito, autorizar, desdelogo, nos termos do art. 28, II, da Lei 8443, de 1992, a cobrança judicial da dívida,atualizada monetariamente, a partir do dia seguinte ao término do prazo oraestabelecido, até a data do recolhimento, caso não atendida a notificação, naforma da legislação em vigor;”

Deve-se ressaltar, portanto, que o ato praticado pela Corte de Contas consiste emmero encaminhamento, ao Senado, de cópia do citado acórdão proferido em procedi-mento de tomada de contas especial, a fim de que a autoridade administrativa doLegislativo tomasse ela própria as providências necessárias para o ressarcimento aoErário, promovendo os descontos nos vencimentos ou proventos dos servidores res-ponsáveis.

Extraio inicialmente a conclusão de que o Tribunal de Contas da União nãopraticou diretamente ato lesivo ao interesse do impetrante, a partir do simples exame dotrâmite administrativo observado entre a Corte de Contas e o Congresso Nacional. Defato, nota-se que o ofício do TCU, inserido à fl. 10, foi endereçado ao Diretor-Geral doSenado. Isso porque os recursos públicos cuja não-prestação de contas deu ensejo àtomada de contas especial do TCU consistiram em subvenção e auxílio financeirorecebido do Senado Federal, recursos esses destinados à Cooperativa do CongressoLtda., da qual o impetrante era um dos responsáveis. Ocorre que o impetrante não éfuncionário do Senado Federal, mas integrante do quadro de inativos da Câmara dosDeputados (fl. 12). Por esse motivo, não tendo os responsáveis pelos débitos quitadosuas dívidas (fl. 12), o Senado levou o fato ao conhecimento da Câmara dos Deputados(fl. 09). Esta, por intermédio de sua Coordenadoria de Pessoal, iniciou o desconto nosproventos do impetrante, na importância de R$ 12.318,97, em 17 parcelas de R$759,65.

Concordo, assim, com o parecer do ilustre Procurador-Geral da República quandoS. Exa. assim se manifesta:

“Conforme enaltecem as informações prestadas pelo Diretor do Departa-mento de Pessoal da Câmara dos Deputados, a ordem de desconto não decorrediretamente da decisão promovida pelo Tribunal de Contas da União. A condutada direção de pessoal da Câmara baixa se reveste de suficiente autonomia parainviabilizar raciocínio que envolva a Corte de Contas na ordem de desconto.

O teor da deliberação da Segunda Câmara do Tribunal de Contas serve desubstrato ao comando emitido pelo Diretor de Pessoal, mas a coerção, efetivamente,está cingida ao ato desse último. Veja-se, nessa linha, breve trecho das informa-ções prestadas pelo segundo impetrado: ‘Tomando conhecimento das decisõesproferidas no Acórdão n. 259/2003 da Segunda Câmara do TCU, e tendo emvista os mencionados artigos da Lei n. 8.112/1990, o Diretor do Departamentode Pessoal da Câmara dos Deputados determinou que os órgãos competentesprovidenciassem o quanto necessário para se realizarem os descontos sobre aremuneração do Impetrante...’ - fls. 31.

Exame do ofício emitido pelo Tribunal de Contas da União, juntado peloimpetrante a fls. 10, bem demonstra que a sua decisão foi apenas levada ao

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conhecimento da autoridade administrativa interessada, sem imposição de ordemalguma. Diante da comunicação, movimentou-se a Secretaria de Controle Internoda Câmara dos Deputados, que então determinou, por sua conta, o encaminha-mento do débito então constatado para o ajuizamento de execução fiscal, nostermos do art. 46, da Lei 8.112/90, e ainda, o desconto em folha. A recomendaçãoda assessoria da Secretaria de Controle Interno foi acolhida pelo seu Diretor,sendo então executada pelo Departamento de Pessoal.

A menção do TCU ao desconto em folha não foi recebida pelos órgãoscompetentes da Câmara dos Deputados como uma ordem. Foi interpretada comosingela alternativa, mera eventualidade, conforme se lê do Ofício n. 027/2003-SAC/SCINT/SF, quando alude: ‘Entre os responsáveis condenados a ressarcir aoscofres públicos estão os servidores João Cyrino Filho (...), pertencentes ao quadrodessa Câmara dos Deputados, razão pela qual estamos encaminhando a V.Sª cópiado ofício supracitado, bem como do acórdão n. 259/2003-TCU 2ª Câmara, para asprovidências pertinentes ao assunto, inclusive quanto ao eventual desconto emfolha de pagamento, conforme autoriza o Tribunal de Contas da União noAcórdão em tela’ - fls. 9, sublinhado para destacar.

Em síntese, a decisão do TCU serviu de indicativo. Seu papel, portanto, naedição do ato tido por coator é limitado, não alcançando feição impositiva.Observe-se que as informações prestadas pelo segundo impetrado expressamentemencionam o substrato legal da ordem de desconto, apontando para o comandoda Lei n. 8.112/90, que em seus arts. 45 e 46, em seus §§ 1º, 2º e 3º, admitiria oprocedimento adotado pelo Departamento de Pessoal. Ou seja, o Diretor daCâmara buscou substrato em diploma legal, vez mais indicando que não selimitou a cumprir decisão do TCU, mas, de próprio punho, promoveu a ordem dedesconto.”

O autor do ato supostamente lesivo, portanto, é o segundo impetrado, isto é, odiretor de pessoal da Câmara dos Deputados, razão por que o Supremo Tribunal Federalé incompetente para julgar o presente mandado de segurança, devendo os autos serencaminhados à Justiça Federal de 1ª Instância de Brasília, que é o órgão jurisdicionalcompetente.

É como voto, preliminarmente, Sr. Presidente.

No mérito, Sr. Presidente, acompanho o Ministro Relator, para indeferir a segu-rança.

Com efeito, insurge-se o impetrante contra “a autorização para proceder descon-tos em sua folha de pagamento (...) por ordem da 3ª Secretaria de Controle Externo doTribunal de Contas da União”. Afirma que foi informado dessa autorização peloDepartamento de Finanças da Câmara dos Deputados em 13-5-2003 e que, de acordocom o art. 45 da Lei 8.112/1990, qualquer desconto em folha de pagamento sem aautorização do servidor é ilegal e injusto.

Inicialmente, analisando os autos, verifico que a autorização emanada do Tribunalde Contas da União para efetuar, no pagamento do impetrante, os descontos referentes àreposição ao Erário de valores por ele devidos é decorrência de procedimento de tomada

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de contas especial, em que houve plena garantia ao direito de ampla defesa do impetrante,tendo este atuado no referido procedimento também como advogado.

A garantia à ampla defesa pode ser verificada no acórdão do TCU, publicado noDiário Oficial da União em 18 de março de 2003 (fls. 34-35). Confira-se:

“Ementa: Tomada de Contas Especial. Auxílio e Subvenção Social repassa-dos pelo Senado Federal. Cooperativa do Congresso Ltda. Omissão na prestaçãode contas. Apresentação de novos elementos de defesa. Rejeição da defesa apre-sentada por um dos responsáveis. Recolhimento do débito pelos gestores de1986. Contas irregulares. Quitação, Rejeição da defesa apresentada pelosgestores de 1987. Contas irregulares. Débito solidário. Autorização para descontodas dívidas da remuneração dos responsáveis.

(...)

Relatório

(...)

4. Em atendimento às citações realizadas, os responsáveis apresentaramalegações de defesa (vol. II dos autos).

(...)

5.1 Na mesma oportunidade foram rejeitadas as alegações de defesa apre-sentadas pelos responsáveis Sres João Cyrino Filho, Oton Queiroz Mendes eWalter Sotero Franco, uma vez que não lograram elidir a irregularidade carac-terizada pela omissão no dever legal de prestar contas e, por conseqüência, airregular aplicação dos recursos concedidos pelo Senado Federal, a título desubvenção social e auxílio financeiro, no exercício de 1987, à Cooperativa doCongresso Ltda.

(...)

6.1 Também inconformados, os Sres João Cyrino Filho, Oton Queiroz Men-des e Walter Sotero Franco apresentaram documentação intitulada “reconsidera-ção” (vol. 6), que foi recebida como novos elementos de defesa, com fulcro nodisposto nos §§ 1º e 2º do art. 23 da Resolução TCU.

(...)

Voto:

(...)

Quanto aos responsáveis pela gestão e prestação de contas dos recursosconcedidos pelo Senado Federal no exercício de 1987, não havendo os mesmosobtido êxito em justificar a ausência de prestação de contas dos recursos nemapresentação de documentos que demonstrassem seu correto emprego, cabível ojulgamento pela irregularidade de suas contas, bem como a condenação aoressarcimento solidário do débito.”

Por outro lado, o mencionado acórdão trouxe, em seu dispositivo, autorizaçãoexpressa para que fossem adotadas as medidas cabíveis visando ao ressarcimento ao

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Erário, entre as quais a possibilidade de desconto na folha de pagamento do impetrante(item 9.3 do acórdão — fl. 35).

Extrai-se, portanto, da decisão do Tribunal de Contas da União que o impetranteteve efetiva ciência do procedimento de tomada de contas e de seu desfecho, e,conseqüentemente, estava ciente de que havia a possibilidade de serem adotadas asprovidências para o desconto dos valores devidos em seus vencimentos. E mais. Em 4de abril de 2003, o impetrante protocolou requerimento junto ao TCU solicitando a“prorrogação de prazo para recolhimento da dívida aos Cofres do Tesouro Nacio-nal” (fl. 50). Ora, ao solicitar prorrogação de prazo para recolhimento do débito aoTesouro, implicitamente o impetrante reconheceu a existência do débito. Não pode eleagora se recusar a pagar o que deve — diga-se de passagem, de forma bastante generosa,em 17 parcelas.

Deve-se ressaltar ainda que a exigência de notificação prévia do mencionadodesconto ao servidor ou pensionista, conforme determinação do art. 46 da Lei 8.112/1990, foi observada, em 13 de maio de 2003, quando o próprio impetrante tomouconhecimento de que os descontos seriam processados na folha de pagamento daquelemês. Frise-se que o ofício expedido para a Coordenação de Pagamento de Pessoal foiencaminhado em 9 de maio daquele ano, uma sexta-feira (fl. 14), e o impetrante obtevea informação dos descontos na terça-feira seguinte, 13 de maio.

Por fim, cumpre consignar que o art. 28, I, da Lei 8.443/1992 expressamentedetermina que, em caso de descumprimento da determinação emanada da Corte deContas para o pagamento de dívidas decorrentes de contas julgadas irregulares, podeaquele Tribunal “determinar o desconto integral ou parcelado da dívida nos venci-mentos, salários ou proventos do responsável, observados os limites previstos nalegislação pertinente”.

Há, assim, dupla base legal para o ato impugnado. Indefiro a segurança.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senhor Presidente, duas palavras apenas,não vou sustentar nem reiterar as razões do meu voto.

O Tribunal de Contas atuou a partir do inciso I do artigo 28 da Lei n. 8.443/92,que disciplina a respectiva atividade e dispõe que compete a ele, Tribunal de Contas,determinar o desconto integral ou parcelado da dívida nos vencimentos, salários ouproventos do responsável, observados os limites fixados na legislação pertinente. Maisdo que isso, o inciso II daquele artigo 28 versa sobre a cobrança judicial da dívidaquando não possível o desconto — hipótese raríssima — e prevê também que essacobrança se dá a partir de manifestação da Corte de Contas.

É certo que, no ofício, ou talvez mesmo no acórdão, utilizou-se vocábulo umpouco impróprio: que estaria o Tribunal de Contas da União a “autorizar” o desconto.Porém, tal autorização decorreu do inciso I referido; em última análise, mostrou-se umaverdadeira determinação. Daí admitir o Tribunal de Contas da União como partelegítima.

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O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O Tribunal de Contas determinou que fossecobrado; autorizou fosse descontado em folha pela forma de executar a determinação.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Então, o impetrado, diretor do Departa-mento de Pessoal da Câmara dos Deputados, disse haver se limitado a cumprir adeterminação, como não poderia deixar de fazê-lo.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Ministro Joaquim Barbosa, o MinistroRelator faz referência à determinação para a cobrança dos valores pagos indevida-mente e, ao mesmo tempo, autorizou-se o meio pelo qual deveria ser cumprida: odesconto em folha.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: É a lei que autoriza.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A Lei n. 8.443/92 é clara quanto a essaglosa do Tribunal de Contas, revelando que lhe compete:

Art. 28. (...)

I - determinar o desconto integral ou parcelado da dívida nos vencimentos,salários ou proventos do responsável, observados os limites previstos na legisla-ção pertinente;

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Isso é tomada de contas especial.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Exatamente. Não é o caso. Parece que é opagamento a maior de vencimentos.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Vossa Excelência tem a lei do artigo 46?

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): É a Lei n. 8.112/90.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: É o pagamento a maior ao funcionário; não éa multa penal.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Pela Lei n. 8.112/90, as reposições e as indenizaçõesao erário são acertadas entre a Administração pagadora e o servidor remunerado. Nestecaso, não caberia ao Tribunal de Contas fazer a imposição.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Nesse dispositivo, até pelo uso da expressão“dívida do responsável”, será tomada de contas.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É típico de processo de tomada de contas.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): E não para a execução de redução.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Britto: Peço vênia ao Ministro Marco Aurélio, para acompa-nhar o voto do Ministro Joaquim Barbosa.

EXTRATO DA ATA

MS 24.544/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante e Advogado: JoãoCyrino Filho. Impetrados: 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas daUnião e Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados.

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Decisão: Após o voto do Ministro Marco Aurélio, Relator, conhecendo do man-dado de segurança para reconhecer a Corte como competente para apreciar o ato doTribunal de Contas da União e indeferindo a segurança, e do voto do Ministro JoaquimBarbosa, não conhecendo da segurança, pediu vista dos autos o Ministro Cezar Peluso.Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Carlos Velloso. Presidência,em exercício, do Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente.

Presidência do Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente. Presentes à sessão osMinistros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, EllenGracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.

Brasília, 27 de maio de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. A divergência representada pelos votos dosMinistros Joaquim Barbosa e Carlos Britto, que acompanharam o parecer da Procura-doria-Geral da República, dando pela ilegitimidade passiva do Tribunal de Contas daUnião, radica na interpretação da natureza da eficácia do dispositivo do acórdão doTCE que, em processo de tomada de contas especial (art. 8º, caput, da Lei federal n.8.443, de 16 de julho de 1992), reconhecendo “a irregularidade caracterizada pelaomissão no dever legal de prestar contas dos recursos concedidos pelo SenadoFederal, a título de auxílio, no exercício de 1987, à Cooperativa do Congresso Ltda.”,condenou, entre outros, o ora impetrante, solidariamente, a pagar o valor da dívidaapurada e comprovar-lhe, em quinze dias, o pagamento, e deliberou “autorizar, desdelogo, o desconto das respectivas dívidas nas remunerações dos servidores, observadoo disposto no art. 46 da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990” (fl. 56), caso, é óbvio,não feita a prova do recolhimento espontâneo (art. 28, caput, da Lei n. 8.443, de 1992).

Tenho que, a despeito do uso menos correto, mas de todo irrelevante, do verbo“autorizar”, o dispositivo guarda evidente caráter mandamental, dirigido à Câmarados Deputados, a cujo quadro de servidores inativos pertence o ora impetrante.

É que tal decisão corresponde à precisa hipótese prevista no art. 28, inciso I, daLei n. 8.443, de 1992, o qual, em não menos precisa conformidade com o disposto noart. 70, inciso VIII, da Constituição da República, estatui:

“Art. 28. Expirado o prazo a que se refere o caput do art. 25 desta lei, semmanifestação do responsável, o Tribunal poderá:

I - determinar integral ou parcelado da dívida nos vencimentos, salários ouproventos do responsável, observados os limites previstos na legislação pertinente.”

Ou seja, apurando, em tomada de contas especial, instaurada diante de omissão nodever de as prestar, por parte de servidor que gerenciou ou administrou valores públi-cos (art. 8º, caput, cc. os arts. 5º, inciso I, e 1º, inciso I, da Lei n. 8.443, de 1992), o TCUaplicou, como lho autoriza a Constituição da República (art. 70, inciso VIII), a respon-sável por irregularidade de contas, uma das sanções previstas em lei e que consiste nodesconto da dívida aos proventos (art. 45 da Lei n. 8.112, de 1990), mas para cuja

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execução, imputável apenas ao órgão pagador, não está legitimado. Não existe outrahipótese legal a que se amolde a decisão do TCU, porque nenhuma há que, para estecaso, preveja apenas ato de mera recomendação, de modo que o teor literal do disposi-tivo do acórdão só pode ser interpretado como ato de “determinar”. Aliás, se fora“autorizar”, tampouco seria diversa a conseqüência, porque, se o cumprimento dedever legal de agente da administração pública depende de autorização de outraautoridade, o ato desta não lhe confere alternativa alguma: obriga aquele a cumprir odever.

A circunstância de a execução da ordem competir ao órgão pagador é, como sesabe, inconseqüente para efeito de definição da legitimidade passiva ad causam, que,em mandado de segurança, recai, não sobre o agente executor, senão sobre o autor doato lesivo, o qual, como órgão competente, figura a única autoridade capaz de odesconstituir. O agente ou autoridade que executa a ordem, em cuja emissão se situa oato lesivo, esse, ainda quando seja, no caso, a Câmara dos Deputados, não tem compe-tência para a expedir, nem a fortiori para a desfazer, donde não poder sofrer, em suaesfera jurídica, a eficácia de eventual sentença favorável ao impetrante, a quem aquitação da dívida só pode ser, aliás, expedida pelo TCU (art. 27 da Lei n. 8.443, de1992). Não é, portanto, a Câmara, destinatária dos efeitos jurídicos da sentença e, comotal, é parte passiva ilegítima ad causam.

2. E, no mérito, também denego a segurança.

É verdade que o caput do art. 45 da Lei n. 8.112, de 1990, preceitua, literalmente,que, salvo por imposição legal ou mandado judicial, nenhum desconto pode incidirsobre remuneração ou provento, e, no parágrafo único, subordina a consignação emfolha de pagamento a terceiro à autorização do servidor. Mas, aqui, há expressaprevisão legal para o desconto (art. 28, I, da Lei n. 8.443, de 1992), e a consignação nãoé a favor de terceiro, mas do órgão pagador mesmo, que é União, ou seja, do eráriofederal. Esta é a razão por que não delira o Decreto n. 3.297, de 17 de dezembro de 1999,que, regulamentando o art. 45 da Lei n. 8.112, de 1990, reputa, no art. 3º, comoconsignações compulsórias, entre outras, “reposição e indenização ao erário” (incisoV), “decisão judicial ou administrativa” (inciso VII) e “outros descontos compulsóri-os instituídos por lei” (inciso X).

O que se exige é apenas que a dívida seja líquida e que tenha sido apurada emprocedimento administrativo regular, com estrita observância dos poderes do contradi-tório e da ampla defesa, inerentes ao justo processo da lei (due process of law),segundo, aliás, pode a contrario sensu inferir-se a precedente da Corte (cf. AI n.241.428-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 18-2-2000). Ambos esses requisitosforam cumpridos na espécie.

EXTRATO DA ATA

MS 24.544/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante e Advogado: JoãoCyrino Filho. Impetrados: 3ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas daUnião e Diretor do Departamento de Pessoal da Câmara dos Deputados.

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Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, conhe-ceu da segurança e, por unanimidade, indeferiu-a nos termos do voto do Relator.Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.

Brasília, 4 de agosto de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 24.742 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Impetrante: Sonia Irsai Azevedo — Impetrado: Tribunal de Contas da União

Aposentadoria — Regência. A aposentadoria é regida pelas nor-mas constitucionais e legais em vigor na data em que o servidor preencheas condições exigidas — Verbete n. 359 da Súmula do Supremo TribunalFederal.

Aposentadoria em cargo civil — Militar reformado. A Carta daRepública de 1967 bem como a de 1988, na redação primitiva, anterior àEmenda Constitucional n. 20/98, não obstaculizavam o retorno do mili-tar reformado ao serviço público e a posterior aposentadoria no cargocivil, acumulando as vantagens respectivas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por maioria de votos, conceder a segurança, nos termos do voto doRelator, vencido, parcialmente, o Ministro Joaquim Barbosa.

Brasília, 8 de setembro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao apreciar o pedido de concessão de medidaacauteladora, assim resumi os parâmetros deste processo:

Este mandado de segurança está dirigido contra decisão do Tribunal deContas da União que resultou na declaração de ilegalidade do ato que implicara areforma do marido da impetrante, falecido em 1998. Aponta-se que, durante trintae seis anos, serviu o militar à Força Aérea Brasileira, havendo alcançado a reforma

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no posto de Coronel da Aeronáutica em 13 de março de 1982, passando a receberos proventos respectivos. Decorrido um mês da reforma, veio a ser contratado, sobo regime da Consolidação das Leis do Trabalho, pelo Centro Técnico Aeroespa-cial – CTA, para o cargo de Pesquisador Sênior, ocupado por onze anos, após o queocorreu a transformação do emprego em cargo público, no qual acabou se aposen-tando, com a conseqüente percepção de proventos. Em 6 de novembro de 2002, oCTA recebeu expediente do Tribunal de Contas da União para que a pensionista,ora impetrante, optasse entre as pensões civil e militar. O próprio Diretor do CTAbuscara obter melhores esclarecimentos, à luz das orientações da Corte de Contase das instruções normativas.

Afirma-se que o cancelamento da pensão relativa à vinculação com a Aero-náutica não se fez precedido do devido processo legal, ressaltando-se o longoperíodo mediante o qual foram satisfeitos os proventos. Alude-se a ofício-circularsobre a concessão das aposentadorias, permitindo-se a cumulação até o pronuncia-mento do Advogado-Geral da União. Menciona-se o Verbete n. 105 da Súmula doTribunal de Contas da União, segundo o qual a modificação posterior da jurispru-dência não atinge aquelas situações constituídas sob critério interpretativo ante-rior. Para corroborar a propriedade desse enfoque, remete-se aos Verbetes n. 146 e204 da Súmula da Corte de Contas, acerca da pertinência da percepção cumulati-va das vantagens. Pleiteia-se o deferimento de liminar que viabilize o pagamentoda pensão militar, admitindo-se, em caráter sucessivo, que se venha a afastar, atéa decisão final deste mandado de segurança, a pensão civil, julgando-se, alfim,procedente o pedido para restabelecer-se a pensão militar. À inicial juntaram-seos documentos de folhas 9 a 27.

À folha 29, despachei, consignando a necessidade de contar-se com asinformações para, então, examinar-se o pedido de medida acauteladora.

À folha 33, está o ofício do Presidente do Tribunal de Contas da União como qual encaminhado o parecer da Consultoria Jurídica daquela Corte. Na peça,aponta-se a improcedência do que articulado, salientando-se a impossibilidadeda acumulação de aposentadorias quando vedada a cumulação dos cargos ematividade. Impróprios seriam os enunciados 105, 146 e 204 da Súmula do Tribu-nal de Contas da União, Corte que agira com base no artigo 71, inciso III, daConstituição Federal e nos artigos 1º, inciso V, e 39, inciso II, da Lei n. 8.443/92.Assegura-se que a revisão judicial das decisões do Tribunal de Contas da Uniãopressupõe irregularidade formal grave ou manifesta ilegalidade, remetendo-se aprecedente publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência n. 43, à página 51.Sob o ângulo do devido processo, do contraditório e da ampla defesa, evoca-se odisposto nos artigos 34 e 48 da Lei n. 8.443/92. Segundo tal parecer, apenas apósa apreciação da legalidade do ato concessório de aposentadoria é que se temoportunidade para impugnação, por meio de embargos declaratórios e de pedidode reexame, de resto não implementada pela interessada, que somente teria sedirigido ao Comando da Aeronáutica – Coordenadoria de Recursos Humanospara renunciar à pensão civil. A seguir, reproduz-se o voto condutor do julgamen-to que resultou no cancelamento da reforma, no qual ressaltada a circunstância de

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a Constituição de 1967 haver vedado a acumulação de proventos decorrentes dereserva ou reforma com a remuneração de cargo público, reportando-se ao quedecidido por esta Corte no Recurso Extraordinário n. 163.204-6/SP, em 9 denovembro de 1994, quando afastada a acumulação de proventos de policial civilcom remuneração de cargo de professor. A Constituição de 1988 não teriaviabilizado a acumulação de cargos por militar, deixando de repetir, até mesmo, otexto da Emenda Constitucional n. 1/69 quanto à possibilidade de um militar dareserva acumular, considerado cargo de magistério. A Emenda Constitucional n.20/98 tornara expressa a vedação de acumulação de cargos e proventos deservidores civis, convalidando as admissões ocorridas desde que realizado con-curso público ou verificado o ingresso mediante forma contemplada na CartaFederal. A teor do § 10 do artigo 37 da Constituição Federal, ter-se-ia a impossi-bilidade de percepção simultânea de proventos de aposentadoria, embora nãoexpressa a Emenda n. 20/98 a respeito. Haveria de se levar em conta, na espécie, asimetria entre a atividade e a inatividade. Vedada a acumulação na primeira, porvia de conseqüência, caberia igual tratamento quanto à segunda. Por estar oregime de previdência dos militares previsto em legislação ordinária é que nãoforam estes mencionados quando da promulgação da Emenda n. 20/98. Remeten-do-se ao disposto na Lei n. 6.880/80, argumenta-se que a opção pelos proventosda reserva, enquanto exercido o cargo ou emprego público, conflita com o quedecidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.541. Alfim, entende-seque, não configurado o vício formal grave ou manifesta ilegalidade, não estaria aimpetração a merecer seguimento. Suplantada essa óptica, preconiza-se oindeferimento da segurança.

Às folhas 53 e 54, o Vice-Presidente, no exercício da Presidência, MinistroNelson Jobim, postergou para a reabertura dos trabalhos o exame do pedido deliminar, isso em 19 de janeiro do corrente ano.

Em passo seguinte, aludi à jurisprudência da Corte sobre a desnecessidade de ter-se,no processo complexo de aposentadoria, a observância do contraditório, ressaltandoque o tema de fundo, ou seja, a viabilidade da acumulação, seria tratado peloColegiado. Fiz ver mais, que o mandado de segurança não é veículo próprio à opção poresta ou aquela pensão. Por medida de cautela, determinei fossem solicitadas informa-ções complementares ao Tribunal de Contas da União, para saber se o que decidido noProcesso TC n. 009.021/2002-8 ficara restrito à homologação da reforma deferida ouse, ocorrida esta em data anterior, deu-se, na verdade, a cassação. Ao processo vieram asinformações suplementares, com a notícia de o Tribunal de Contas da União haverapreciado, pela vez primeira, conforme acórdão proferido, a reforma do militar (folhas68 e seguintes).

A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer, de folhas 92 a 101, pelaconcessão parcial da ordem. Eis a síntese da peça:

Mandado de segurança. Acumulação de duas pensões, uma de origemmilitar, outra de natureza civil, refutada pelo TCU, visto que representaria viola-ção à CF/88, a qual impede práticas dessa espécie, salvo diante de cargos queseriam acumuláveis na ativa. Decisão que rejeita o registro da aposentadoria

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militar, pois a civil, ainda que oriunda de vínculo posterior com a Administração,já havia sido registrada. Regularidade do ato atacado em referência à impossibi-lidade de cumulação diante da orientação da Suprema Corte sobre o tema.Contudo, a impropriedade desse mesmo ato quando refuta a legalidade daaposentação, pois a acumulação se deu em momento posterior ao desligamentodo militar. A ilegalidade reside no segundo laço com a Administração, e, porconseqüência, no segundo pedido de aposentadoria, ainda que examinado emprimeiro lugar pelo TCU. Impossibilidade lógica do primeiro benefício ser oilegal, pois a acumulação vedada pela Carta da República se deu com oreingresso do militar reformado aos quadros da Administração. Nulidade dapensão civil, que deverá ser revista.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Os dados cronológicos são incontro-versos. O finado marido da impetrante veio a ser reformado no cargo de Coronel daAeronáutica em 13 de março de 1982. Em 14 do mês imediato, foi contratado, sob aégide da Consolidação das Leis do Trabalho, pelo Centro Técnico Aeroespacial – CTA,permanecendo como pesquisador sênior por onze anos, havendo ocorrido, nesse espa-ço de tempo, a transformação do emprego em cargo público. Em 25 de outubro de 1998,faleceu, passando a viúva a receber as duas pensões, ou seja, a militar e a civil.

Sob o ângulo do contraditório, registre-se a natureza do processo concernente àreforma do militar, que é idêntica à do relativo à aposentadoria do servidor civil.Mostra-se complexo, com o implemento da aposentadoria pelo órgão de origem, a fimde não haver quebra de continuidade da satisfação do que percebido pelo servidor,seguindo à homologação pelo Tribunal de Contas da União. Vale dizer que não se temo envolvimento de litigantes, razão pela qual é inadequado falar-se em contraditóriopara, uma vez observado este, vir o Tribunal de Contas da União a indeferir a homolo-gação. Nesse sentido é o precedente desta Corte: Mandado de Segurança n. 24.784,relatado pelo Ministro Carlos Velloso, perante o Plenário, cujo acórdão foi publicadoem 25 de junho de 2004. Na espécie, ficou devidamente esclarecido que não houve acassação de reforma deferida e homologada anteriormente, mas a continuidade doprocesso, visando ao exame da respectiva legalidade.

No mais, o marido da impetrante alcançou a reforma sob a regência da Constitui-ção Federal de 1967 e, aí, viu-se contratado e depois guindado a cargo público, paraprestar serviços técnicos, ou seja, como Pesquisador Sênior do Centro Técnico Aeroes-pacial – CTA, onde permaneceu por onze anos, vindo a lograr aposentadoria em 1993.A Carta de 1967 preceituava no artigo 93, § 9º:

A proibição de acumular proventos de inatividade não se aplicará aos milita-res da reserva e aos reformados, quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto aode função de magistério ou de cargo em comissão ou quanto ao contrato paraprestação de serviços técnicos ou especializados.

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O retorno ao trabalho após reforma em relação à qual não foi articulado qualquerdefeito fez-se ao abrigo do citado § 9º. Regra semelhante é dado encontrar relativamenteaos servidores civis, no que estabelecia o § 4º do artigo 99 que:

A proibição de acumular proventos não se aplica aos aposentados quanto aoexercício de mandato eletivo, quanto ao de um cargo em comissão ou quanto acontrato para prestação de serviços técnicos ou especializados.

A distinção entre os servidores civis e militares, beneficiando estes últimos, dizrespeito apenas à acumulação de proventos, tendo em vista cargo de magistério, mas,mesmo assim, é mitigada pela premissa de que, possível acumulação em atividade,inexiste óbice à de proventos. A Carta de 1988, na redação primitiva, nada dispôs arespeito, em si, da acumulação de proventos. Com a Emenda Constitucional n. 20, deu-sedisciplina interpretativa para viabilizar a acumulação de proventos e vencimentosconsiderados aqueles que, à época, haviam reingressado no serviço público por concursopúblico de provas ou de provas e títulos e pelas demais formas previstas na Constitui-ção Federal, vedando-se, isso em 1998, a percepção de mais de uma aposentadoria peloregime de previdência a que se refere o artigo 40 da Constituição Federal, aplicando-seo limite fixado no § 11 do artigo 40, na redação imprimida:

“§ 11. Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI” — limites gerais —, “à somatotal dos proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da acumulaçãode cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas acontribuição para o regime geral de previdência social, e ao montante resultanteda adição de proventos de inatividade com remuneração de cargo acumulável naforma desta Constituição, cargo em comissão declarado em lei de livre nomeaçãoe exoneração, e de cargo eletivo.”

No campo da aplicação da lei no tempo é dado, então, proclamar:

a) a reforma do falecido marido da impetrante ocorreu sob a égide da Constituiçãode 1967, e a legitimidade, em si, não se faz em jogo;

b) o falecido marido da impetrante retornou ao serviço público em data anteriorà Carta de 1988, isto é, quando o § 9º do artigo 93 do Diploma Maior, de 1967, opermitia;

c) aplica-se à reforma a Lei Básica de 1967 e à aposentadoria subseqüente nocampo civil a Constituição de 1988, na forma primitiva.

Descabe, portanto, chancelar a glosa procedida pelo Tribunal de Contas daUnião, ante as peculiaridades da regência da matéria. Também não é o caso de conce-der-se a ordem parcialmente, quer consideradas as balizas objetivas da impetração —não está em jogo a aposentadoria como civil —, quer a circunstância de esta últimahaver ocorrido sem a incidência de óbice constitucional, tendo em conta a data em quecontratado o servidor falecido e aquela alusiva à jubilação, isso para efeito da incidên-cia do teto previsto no § 11 do artigo 40 da Constituição Federal, na redação dada pelaEmenda Constitucional n. 20/1998.

Concedo a segurança para assentar o direito da impetrante ao recebimento dapensão militar deixada pelo falecido marido, o coronel Dorotthy Silveira Azevedo.

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VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, acompanho o Relator quantoà primeira parte, mas faço a ressalva sugerida pelo Ministério Público em seu parecer,quanto à segunda aposentadoria, aposentadoria civil, de não haver nenhuma manifes-tação, permitindo, assim, que o Tribunal de Contas examine sua regularidade.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Mas a dificuldade é que ele registrou asegunda, não é?

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Registrou a segunda, e não só isso: ao momento emque ele ingressou nessa relação trabalhista com o CTA, a acumulação não era proibida.Não havia qualquer proibição. Durante onze anos em que prestou serviço ao CTA,contribuiu para o PSS regularmente. Então, não há realmente nenhum motivo para oMinistro Joaquim Barbosa fazer ressalva.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Mantenho meu entendimento.

O Sr. Ministro Eros Grau: É correto o que disse a Ministra Ellen Gracie, mas, alémdisso, o art. 11 da Emenda n. 20 ainda permitiria, reconheceria esse direito.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Sim, porque é fato anterior.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas nele se proíbe a acumulação dosproventos. Acho que realmente não temos de tratar deste assunto; isso rigorosamentenão está em causa — se pode ser revisto ainda, se não pode.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Senão ia tornar o mandado de segurança —como eu disse — uma ação processual, como se fosse uma rescisória de mão dupla.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): Sim, mas o tema tem uma questãopreliminar, suscitada pelo Ministro Sepúlveda Pertence e pela Ministra Ellen Gracie,de que a segunda não está sendo objeto da discussão neste Mandado de Segurança,mas, sim, a primeira. A segunda não é caso de análise. Não estamos analisando autono-mamente a segunda, porque ele mostra que o problema está restrito à primeira.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Melhor ainda. Nem se questiona. E quanto à primeira,se por outro motivo não fosse impossível ao Tribunal de Contas cancelar, o devidoprocesso legal realmente não foi observado. Uma coisa é o Tribunal de Contas — eu eo Ministro Sepúlveda Pertence temo-nos manifestado assim — não ouvir o servidorpúblico quando da primeira fase de apreciação. Ele não foi ouvido na primeira fase,nem podia.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Ministro Carlos Britto, mesmo que tivéssemos omaior rigor em não aplicar esse precedente, ainda assim, o caso concreto, pelos dadosque nos alcançou o eminente Relator, permitiu-me verificar que todo esse longoprocessamento se fez inteiramente à revelia, quer do servidor falecido, quer da suaviúva. Veja, ele trabalhou até 1993 nessa segunda relação de emprego — o CTA;faleceu em 1998. Apenas em 2003 é que se considerou ilegal o ato de reforma, aqueleque tinha acontecido em 1982.

O Sr. Ministro Nelson Jobim (Presidente): O primeiro.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É, perfeito.

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A Sra. Ministra Ellen Gracie: Tudo isso sem qualquer comunicação e ao contráriodisso.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas, nisso, realmente temos considerado quenão se faz necessária a audiência do aposentado, para o aperfeiçoamento do procedi-mento administrativo da transferência para a inatividade, com o julgamento de sualegalidade e o registro pelo Tribunal de Contas.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Depois de vinte anos vem-se pronunciar.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Diante da circunstância em questão, nãodevemos dizer uma palavra a respeito.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Nesse primeiro momento, não.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Esse é o meu ponto de vista.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): De qualquer forma, nem sempre a demoracorre à conta do TCU, porque, às vezes, o órgão de origem é que retarda o encaminha-mento.

A Sra. Ministra Ellen Gracie: O curioso é que o Tribunal de Contas registrou aaposentadoria civil. Aí, não podendo mais fazer nada com relação à aposentadoriacivil, ele cassou a militar.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Mas essa, se ainda pode ser revista, há de ser,obviamente, mediante processo administrativo com audiência do aposentado.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Sim, porque essa já foi registrada.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Uma vez registrada, abre-se para o beneficiário apossibilidade do direito ao devido processo legal, uma vez registrado o seu benefício.Aqui, não é o caso.

EXTRATO DA ATA

MS 24.742/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrante: Sonia Irsai Aze-vedo (Advogados: Zeina Maria Hanna e outro). Impetrado: Tribunal de Contas daUnião.

Decisão: O Tribunal, por maioria, concedeu a segurança, nos termos do voto doRelator, vencido, parcialmente, o Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento oMinistro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Cláudio Lemos Fonteles.

Brasília, 8 de setembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MANDADO DE SEGURANÇA 25.006 — DF

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Impetrantes: Espólio de João Ribas representado pela inventariante EdnaBennett Alves Fernandes Ribas e outro — Impetrado: Presidente da República

Desapropriação — Reforma agrária — Produtividade do imóvel. Omandado de segurança não é meio próprio a chegar-se à insubsistênciade laudo do Incra revelador de se tratar de imóvel improdutivo.

Desapropriação — Reforma agrária — Invasão do imóvel — Óbice àvistoria. Se a vistoria é anterior à vigência do preceito que veio aobstaculizá-la, tem-se como improcedente a causa de pedir da impetração.O Decreto n. 2.250, de 11 de junho de 1997, mostrou-se simples orientaçãoadministrativa, não gerando direito subjetivo.

Desapropriação — Reforma agrária — Ação declaratória em curso.O fato de estar em curso ação declaratória para elucidar a produtividadedo imóvel não é óbice à tramitação de processo administrativo voltado àdesapropriação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir a segurança, nos termos dovoto do Relator.

Brasília, 17 de novembro de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Marco Aurélio,Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Eis a síntese do processo, lançada quando doindeferimento da medida acauteladora:

Este mandado de segurança está dirigido contra decreto do ExcelentíssimoSenhor Presidente da República de 31 de março de 2004, publicado no Diário daUnião do dia seguinte, que implicou a declaração de interesse social, para efeitode reforma agrária, do imóvel denominado Floresta I, situado no Município dePromissão/São Paulo.

Três são as causas de pedir constantes da inicial. A primeira está ligada aoajuizamento de ação ordinária declaratória de produtividade, na qual se formuloupedido de tutela antecipada. Consoante as razões expendidas, a improcedênciarevelada em sentença fora impugnada mediante apelação, seguindo-se o emprés-timo, a esse recurso, dos efeitos devolutivo e suspensivo. São tecidas considera-ções a respeito, partindo-se da premissa de que deveria ser aguardado o desfechoda ação. A segunda causa de pedir concerne à invasão do imóvel por sem-terras.

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Ter-se-ia, na dicção dos impetrantes, o óbice do Decreto n. 2.250, de 11 de junhode 1997, no que veio a afastar a vistoria de imóveis invadidos, enquanto nãocessada a ocupação — artigo 4º. Por último, diz-se da produtividade do imóvel. Ainicial envolve pedido de concessão de liminar que suspenda a eficácia dodecreto desapropriatório, vindo-se, alfim, a declará-lo insubsistente. À inicialjuntaram-se os documentos de folhas 29 a 357.

Impetrado o mandado de segurança no curso das férias coletivas de julho,ou seja, em 27 do citado mês, o Presidente desta Corte despachou, à folha 359, nosentido de que fossem solicitadas informações.

À folha 366, já distribuído o processo, determinei se aguardasse a manifesta-ção, que restou consubstanciada na Mensagem n. 477, de folha 368, acompanhadade documentos. Em síntese, aponta-se que não cabe, na via do mandado de seguran-ça, definir a produtividade do imóvel. No que tange à invasão, ressalta-se haverocorrido a vistoria em data anterior ao óbice introduzido pelo artigo 2º, § 6º, da Lein. 8.629/93, com a redação imprimida pela Medida Provisória n. 2.183-56, de 24 deagosto de 2001. De qualquer forma, argumenta-se que a parte invadida, ínfima, foraexcluída dos levantamentos efetuados. Registra-se ainda que a sentença prolatadapela 2ª Vara de Bauru/São Paulo, no Processo n. 1999.61.00.032579-7, resultouna conclusão sobre a improdutividade.

À folha 586, despachei, concedendo ao impetrante prazo para regularizar arepresentação processual, o que ocorreu conforme se depreende do documento defolha 593.

O parecer da Procuradoria-Geral da República é no sentido do indeferimento daordem, estando assim resumido:

Mandado de Segurança. Desapropriação. Alegações de existência de açãodeclaratória em curso, de produtividade do imóvel e de ocorrência de invasão.Ação judicial em curso não impede a edição de decreto expropriatório, máximequando a sentença em primeiro grau é contrária aos interesses dos impetrantes.Alegações de produtividade não cabíveis na via estreita do writ. Não aplicabili-dade do § 6º do artigo 2º da Lei n. 8.629/93, por ser posterior ao fato combatido.Parecer pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): As causas de pedir não subsistem aexame. Inicialmente, é de consignar a impertinência de se discutir a produtividade doimóvel na via do mandado de segurança, presente até mesmo a existência de laudo doIncra em sentido contrário. Também deve ser salientado que não se pretendeu justificar,em si, a ausência de produtividade com a invasão, com o motivo enquadrável comoestranho à vontade dos impetrantes. Articulou-se simplesmente a impropriedade davistoria. Valho-me do que tive oportunidade de ressaltar ao indeferir a medidaacauteladora:

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Sob o ângulo da produtividade do imóvel, notam-se afirmações conflitantesna inicial. A um só tempo, assevera-se a produtividade e sustenta-se a impossi-bilidade da realização da vistoria em virtude da invasão. A assertiva primeira éconducente a concluir-se pela irrelevância da segunda. De toda sorte, a ocupa-ção da área, tomada como mínima e mesmo assim excluída dos levantamentosverificados, aconteceu antes da lei que obstaculizou a feitura da vistoria. Àépoca desta, somente se encontrava em vigor, ao que tudo indica, o Decreto n.2.250, de 11 de junho de 1997, verdadeira orientação administrativa. No tocanteao processo em curso no Juízo, mostra-se neutro relativamente ao ato impugnadoneste mandado de segurança, sendo certo ainda que, até aqui, julgou-se impro-cedente o pedido formulado. O empréstimo de eficácia suspensiva à apelaçãonão tem o efeito sugerido na inicial — de impedir a continuidade dos atosdesapropriatórios.

Indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA

MS 25.006/DF — Relator: Ministro Marco Aurélio. Impetrantes: Espólio de JoãoRibas representado pela inventariante Edna Bennett Alves Fernandes Ribas e outro(Advogados: Ademir Freire de Moura e outro). Impetrado: Presidente da República(Advogado: Advogado-Geral da União).

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu a segurança, nos termos do votodo Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Sepúlveda Pertence. Presidiu ojulgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros Celso deMello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso,Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. CláudioLemos Fonteles.

Brasília, 17 de novembro de 2004 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

MANDADO DE SEGURANÇA 25.194 — DF

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello

Impetrante: Renata Rodrigues Tavares — Impetrado: Tribunal de Contas da União

Justiça Eleitoral — Requisição de servidores (Lei n. 6.999/82) —Eficácia temporal dessa requisição administrativa — Cessação do afasta-mento dos servidores requisitados, por efeito da superação do prazo legal —Necessário e automático desligamento do servidor cedido, com a suaconseqüente devolução à repartição de origem — Inexistência, em talsituação, quanto ao servidor requisitado, de direito subjetivo à perma-

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nência no órgão eleitoral requisitante — Correta deliberação adotadapelo Tribunal de Contas da União, com apoio em competência constitucio-nal que lhe confere a prerrogativa de exercer a fiscalização externa dosPoderes da República (CF, arts. 70 e 71) — Considerações em torno dopoder constitucional de controle externo deferido, institucionalmente,aos Tribunais de Contas — Precedentes do Supremo Tribunal Federal —Mandado de segurança denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar a segurança, nos termos do votodo Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Brasília, 3 de agosto de 2005 — Nelson Jobim, Presidente — Celso de Mello,Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: O eminente Procurador-Geral da República, aoapreciar a controvérsia jurídica suscitada nesta sede processual, opinou peladenegação do mandado de segurança, invocando, para tanto, os fundamentos queexpôs em causa idêntica (MS 25.193/DF) à que ora se examina nos presentes autos (fls.206/214):

“1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetradopor Renata Rodrigues Tavares com o qual pretende o reconhecimento de ilegali-dade inserta em decisão proferida nos autos do processo TC-011.992/2002-6,feito que teve curso no Tribunal de Contas da União.

2. Prestadas informações pela autoridade coatora (fls. 145-164) e indeferi-do o pedido de cautela (fls. 204), vieram à Procuradoria-Geral da República.

3. A controvérsia suscitada é idêntica à que examinei em parecer levado aoMS 25.193. Lá, como aqui, examinava-se suposta ilegalidade da decisão proferidapelo TCU no processo TC-011.992/2002-6 (Acórdão 2.060/2004) por pretensaviolação ao devido processo legal, como também a Resolução do TSE. Os autosora apreciados contam com a mesmíssima questão. Desta forma, rememoro minhaprimeira manifestação acerca dessa temática anexando cópia do parecer exaradono MS 25.193.

4. Ante o exposto (...), manifesta-se o Ministério Público Federal pela dene-gação da ordem.

(...)

Mandado de Segurança impetrado contra o Acórdão n. 521/2003 doPlenário do Tribunal de Contas da União, confirmado pelo Acórdão n.2.060/2004 do mesmo órgão, que determinou o retorno aos órgãos de

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origem de todos os servidores requisitados pelo TRE/PB cujos prazos depermanência naquele órgão estivessem em desacordo com o disposto pelaLei n. 6.999/82.

- A relação levada a exame pelo TCU está afinada com a condução dacoisa pública, no que é gerida pela Administração, sem adentrar imediata-mente nas relações funcionais subjacentes. Não há razão, portanto, para seinvocar suposta violação ao devido processo legal.

- Resolução n. 21.412/03 do TSE, que garantiria ao impetrante odireito de permanecer a serviço do TRE/PB, estando em cabal divergênciacom a Lei n. 6.999/82, não pode subsistir, em face da hierarquia entre asnormas.

- Parecer pelo indeferimento do writ.

Trata-se de mandado de segurança impetrado (...) em repulsa ao Acórdão n.521/2003 do Plenário do Tribunal de Contas da União, confirmado pelo de n.2.060/2004, que determinou o retorno aos órgãos de origem de todos os servido-res requisitados pelo TRE/PB cujos prazos de permanência naquele órgão esti-vessem em desacordo com o disposto pela Lei n. 6.999/82.

Em enxuto resumo das alegações do impetrante, argumenta que haveriaafronta ao devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, visto quenão teria sido chamado a se pronunciar no feito que lhe impôs o gravame; queseria possível, com esteio em decisões jurisdicionais e resoluções do TribunalSuperior Eleitoral - TSE, a requisição de servidores, não ocupantes de cargos emcomissão, por mais de um ano, em contraposição ao que impõe a Lei n. 6.999/82;e que a decisão atacada viola os princípios da continuidade do serviço público,da razoabilidade, da eficiência, da segurança jurídica e da dignidade da pessoahumana.

Apresentaram-se as informações (...). Em preliminar, suscita-se a ausência deinteresse processual, uma vez que não restou demonstrado conflito de interessesentre as partes ou prejuízo ao impetrante, o que estaria a inviabilizar o exame domandado de segurança. Sobre o mérito, argumenta-se que não houve lesão aosprincípios da ampla defesa e do contraditório, de vez que o órgão agiu dentro de suascompetências constitucional e legal; que não pode resolução do TSE contrariardispositivo de lei, em face da hierarquia entre as normas; que recentemente foramnomeados novos servidores, concursados, para tomarem posse no TRE/PB; e quenão existe direito de permanência de servidor requisitado no órgão para o qual foicedido. Por fim, pleiteou-se o indeferimento da liminar, pela carência do fumus boniiuris e do periculum in mora, além da denegação da segurança.

Recebidos os autos, Vossa Excelência houve por bem indeferir a liminarpleiteada.

Vieram os autos, então, para esta Procuradoria-Geral da República, paramanifestação.

Não assiste razão ao impetrante.

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O próprio cabimento do presente mandamus é severamente questionável.Isso porque, do que se extrai do pronunciamento do TCU, restou apreciada umarelação administrativa adstrita à Administração do Tribunal Regional Eleitoralda Paraíba, sem reflexos imediatos sobre o plexo de direitos dos servidores. ACorte de Contas crivou um comportamento, uma política, da gestão administra-tiva do Tribunal Eleitoral, dando-o por ilegal. Censurou, com precisão, a práticamaciça identificada no âmbito do TRE-PB, que se vale da remoção para comporseus quadros funcionais, em detrimento do provimento de cargos públicos, ins-trumentos regulares para a consecução de tarefas usuais e permanentes do PoderJudiciário Eleitoral.

Assim, a censura limitou-se ao âmbito da Administração Pública, sem resva-lar em plexo de direitos subjetivos. Como já antecipam os Eminentes MinistrosMarco Aurélio e Carlos Britto em casos idênticos, ainda que em juízo meramentecautelar, o veículo da requisição não concede ao servidor um direito de manter-sevinculado a tal ou qual órgão. A requisição é prerrogativa do Poder Público, pornecessidade do serviço.

No indeferimento da cautela pleiteada no MS 25.224 o Eminente MinistroMarco Aurélio tratou de assinalar: ‘(...) A própria impetrante admite que esponta-neamente o Tribunal Regional da Paraíba poderia devolvê-la ao órgão de origem,cumprindo ter presente também a possibilidade de este manifestar-se em tal senti-do (...)’ (DJ de 17/2/2005, p. 9). Por sua vez, o Eminente Ministro Carlos Britto, aoquestionar o cabimento de mandado de segurança na hipótese tratada, ponderou:‘(...) a requisição se me afigura um mecanismo jurídico endo-administrativo,envolvendo, a princípio, exclusivamente o órgão de controle externo e o órgãocontrolado (...)’ (MS 25.209 MC, DJ de 4/3/2005, p. 41).

A decisão do TCU, nessa ordem de idéias, retrata um provimento eminente-mente afetado à Administração Pública.

Tendo o próprio Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba aceitado a devolu-ção do servidor a seu órgão de origem, falece o direito do impetrante, visto quenão existe direito adquirido a requisição, isto é, direito à permanência no órgãopelo qual foi requisitado.

Não há direito líquido e certo a ser preservado, no que resta prejudicado oexame da legalidade do ato dado por coator nesta estreita via processual.

Ainda que se avance sobre o tema de fundo não é encontrada qualquerirregularidade na decisão do TCU.

Inicialmente, sobre a suposta afronta ao devido processo legal, valemtambém aqui as previsões acima externadas. A relação levada a exame peloTCU está afinada com a condução da coisa pública, no que é gerida pelaAdministração do TRE-PB, sem adentrar imediatamente nas relações funcionaissubjacentes. Não há razão, portanto, para se invocar suposta violação ao devidoprocesso legal, em especial no espectro da ampla defesa e do contraditório, poisos servidores requisitados não são titulares de direito subjetivo eventualmenteposto em jogo.

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É a prática desmedida, e sem substrato legal, da requisição, em detrimentoda nomeação de servidores públicos a cargos já criados por lei, que é objeto deapreciação pelo TCU. Trata-se da mais típica função fiscalizatória externa, semdiretos influxos sobre o plexo de direitos dos requisitados, focada na atuaçãofuncional dos administradores.

Desnecessária a chamada dos servidores, portanto, quando instaurado oprocedimento perante o TCU, sede na qual foi examinada uma política adminis-trativa do TRE-PB, que teve plena possibilidade de externar suas razões emdefesa da prática adotada, inclusive com o oferecimento de recurso próprio. Asrelações existentes entre TRE-PB e os requisitados não são postas sob exame,tanto assim que não há determinação nos acórdãos atacados voltada aos servido-res, mas diretrizes direcionadas apenas ao equacionamento dos serviços do Tribu-nal Regional.

Cai a argumentação central deduzida na impetração.

Assim, tendo o Acórdão n. 521/2003 e Acórdão n. 2.060/2004, ambos doPlenário do Tribunal de Contas da União, respeitado o devido processo legal,passa-se ao exame de sua conformidade com a legislação a eles afeta. As manifes-tações da Corte de Contas se encontram fulcradas na Lei n. 6.999/82, que, em seusartigo 3º e 4º, assim dispõe:

‘Art. 3º No caso de acúmulo ocasional de serviço na Zona Eleitoral eobservado o disposto no art. 2º e seus parágrafos desta Lei, poderão serrequisitados outros servidores pelo prazo máximo e improrrogável de 6(seis) meses.

§ 1º Os limites estabelecidos nos parágrafos do artigo anterior sópoderão ser excedidos em casos excepcionais, a juízo do Tribunal SuperiorEleitoral.

§ 2º Esgotado o prazo de 6 (seis) meses, o servidor será desligadoautomaticamente da Justiça Eleitoral, retomando a sua repartição de origem.

§ 3º Na hipótese prevista neste artigo, somente após decorrido 1 (um)ano poderá haver nova requisição do mesmo servidor.

Art. 4º Exceto no caso de nomeação para cargo em comissão, asrequisições para as Secretarias dos Tribunais Eleitorais, serão feitas porprazo certo, não excedente de 1 (um) ano.

Parágrafo único. Esgotado o prazo fixado neste artigo, proceder-se-ána forma dos §§ 2º e 3º do artigo anterior.’

Observada a norma legal, não resta dúvida de que, tendo sido o servidorrequisitado para cargo diverso de cargo em comissão, sua requisição é ilegal e,como tal, deve deixar de produzir efeitos.

Não merece acolhimento o argumento do impetrante de que a Resolução n.21.412/03 do TSE lhe garantiria o direito de permanecer a serviço do TRE/PB,haja vista que, estando o ato em cabal divergência com o texto legal colacionado,não pode subsistir, em face da hierarquia entre as normas.

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Ademais, incensurável a percepção Eminente Ministro Walton AlencarRodrigues na letra do Acórdão n. 2.060/2004 ao detectar o contundente abusona prática da requisição pelo órgão controlado. A necessidade de adequação daprática administrativa do TRE-PB ao ditames legais é evidenciada no fato deestar o quadro funcional daquela Corte composto por servidores requisitadosem mais da metade de seus integrantes, constatação que não é mais admissívelem vista da crescente estruturação da Justiça Eleitoral. Assenta o julgado emquestão - fls. 74:

‘No caso concreto, porém, o motivo do recurso do TRE/PB é a alegadadificuldade, ou ‘impossibilidade’, de submeter as requisições para a secreta-ria à disciplina do art. 4º do citado diploma legal. O Presidente do TRE/PBafirma que se instalaria o ‘caos’ na Corte, caso não ampliado o prazo dasrequisições feitas para a sua secretaria. Entende que tal ampliação nãoentraria em confronto com a Lei, se interpretada suas disposições em con-junto com os princípios constitucionais da eficiência e da economicidade.

Com a devida vênia, não vejo como princípios jurídicos possamjustificar a literal derrogação das disposições moralizadoras da Lei 6.999/1982 até o ponto de sua integral perda de eficácia. O preenchimento doscargos públicos, destinados a suprir necessidades administrativas, comcaráter de definitividade, é feita após a sua regular criação, por lei especí-fica, e aprovação em concurso público.

Ora, a requisição eleitoral não comporta a finalidade de eternizar ovínculo dos requisitados com a Justiça Eleitoral, mediante o provimentode cargos ou funções efetivas no âmbito da Justiça Eleitoral, a quem foi,parcimoniosamente, confiado o poder de requisitar, por tempo certo. Osinstrumentos para o provimento efetivo de cargos são, como visto, osprevistos na Constituição e no art. 8º da Lei 8.112/90, não se incluindo,dentre eles, a requisição eleitoral.

Pela relação de funções desempenhadas pelos servidores requisitadosno TRE/PB, materializada nos documentos encaminhados, o poder derequisitar foi utilizado, de forma extremamente ampla e pouco razoável. Osrequisitados exercem todo tipo de atividades, mesmo que totalmente estra-nhas à matéria eleitoral. Há flagrante desvio na utilização do instituto,porquanto se pretende que os requisitados permaneçam definitivamentenos quadros da Justiça Eleitoral, o que é ilegal. A necessidade de servido-res, em caráter definitivo, resolve-se pela criação de cargos, providos porconcurso público, e não por requisições.

Na verdade, a realidade que o recorrente diz ser óbice à aplicação danorma, é a mesma que a norma procurava expressamente limitar, por visívele indelével ânimo moralizador.

A limitação imposta pela lei concretiza justamente o princípio damoralidade, impedindo que o instrumento possa ser empregado para aco-modar situações individuais estranhas ao interesse público.

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Da mesma forma, os princípios jurídicos, insculpidos na ConstituiçãoFederal, não podem elidir ou derrogar o conteúdo normativo do art. 4º daLei 6.999/1982, pelo simples fato de ser ele restritivo da atividade adminis-trativa.

(...)

O dispositivo apenas tornou claro ao administrador que não lhe édado, no uso do poder de requisitar, fazê-lo por período indefinido. Note-seque nisso, o referido diploma não vai de encontro ao disposto no art. 30,inciso XIV, do Código Eleitoral, que ao dar vida ao instituto da requisiçãode servidores para as secretarias dos tribunais eleitorais, restringiu-o asituações de ‘acúmulo ocasional de serviço’.

A aplicação do instituto revelou-se, portanto, irregular, em descom-passo com os princípios atualmente abrigados no art. 37 da Carta de 1988,tais como o da moralidade e o da impessoalidade, e com os termos expressosda Lei 6.999/1982.

Do ponto de vista prático, não há como dizer que o quadro geral dedesconformidade em relação à Lei 6.999/1982 seja insuscetível de regulari-zação, como dá a entender o recorrente.

Pela magnitude da força de trabalho requisitada - mais da metade doefetivo total do TRE/PB, mesmo excluídos os 29 servidores comissionados,em conjunto com a pretensão de perenidade da atual situação, expõe-se oabuso no exercício do poder de requisitar.

Deve ser lembrada a fragilidade de vínculos entre o servidor requisi-tado e o Órgão Eleitoral, com inquestionáveis reflexos no desempenho dafunção por parte daquele e no poder de exigibilidade e responsabilizaçãopor parte da administração. Há também os problemas funcionais quenaturalmente surgem do convívio de funcionários com regimes legais tãodíspares.

A Corte Eleitoral não poderia, assim, transigir com a má operacionali-dade resultante da utilização do instituto da requisição como forma deprovimento, em completo desacordo com seu regime legal.

Não se discute que, com a redemocratização do país, as atividadeseleitorais ganharam impulso e abrangência. E a Justiça Eleitoral tem sabidoresponder ao desafio de assegurar o exercício de direitos eleitorais, básicosà cidadania, a todos os habitantes do vasto território nacional. A sociedadebrasileira tem reconhecido também a contribuição dessa Justiça especializadapara o inegável aperfeiçoamento das práticas democráticas. Mas tem ofere-cido, em contrapartida, o suporte financeiro necessário para que ela sedesincumba de sua ingente missão. Hoje, a informatização das eleiçõesatingiu patamar raramente visto entre as nações do mundo. Com isso, o fatoeleitoral, da votação à proclamação do resultado, transcorre em pouquís-simos dias.

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A recente Lei 10.842/2004 prevê a criação, até 2006, de 5.748 cargosde analista e técnico judiciários, entre outros. Sem falar que a Lei 8.868/1994 já havia promovido expansão semelhante no quadro efetivo dasCortes Eleitorais.

Com isso, não se pode admitir que as Cortes Eleitorais recorramcontinuamente ao instituto da requisição eleitoral, para recrutamento deservidores em número superior ao de servidores efetivos, para desempenhode tarefas estranhas à matéria eleitoral e inclusive em períodos distantesdas eleições, tudo em desacordo não só com a Lei que criou o instituto,como também com a que, posteriormente, procurou discipliná-lo, por meioda explicitação de limites.’

A precisão das conclusões do TCU é eloqüente e demonstrada pelosfatos subseqüentes ao seu pronunciamento. Veja-se que, em seguida aocomunicado da decisão ora atacada, o TRE-PB, por seu Presidente, fez aconvocação dos candidatos aprovados em concurso público em busca dopreenchimento dos cargos criados com a Lei 10.842/2004 (...). Está demons-trada a viabilidade da execução dos serviços antes entregues aos esforçosdos requisitados por servidores públicos regularmente investidos em cargospúblicos, mediante a aprovação em concurso público.

Por derradeiro, quanto aos demais princípios ventilados pelo impe-trante, devem ser afastados, no que tange ao caso em tela, pela razão de nãoterem sido demonstrados na exordial.

Ante o exposto, o Ministério Público Federal opina pelo indeferimentodo writ.” (Grifei)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O Egrégio Plenário do Supremo Tribu-nal Federal, ao apreciar situação em tudo idêntica à que se analisa na presente causa,proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

“Administração Pública — Fiscalização — Servidores requisitados —Desnecessidade de participação no processo administrativo-fiscal. Tratando-sede atuação do Tribunal de Contas da União, considerado certo órgão da Adminis-tração Pública, não há como concluir pelo direito dos servidores requisitados deserem ouvidos no processo em que glosadas as requisições.

Justiça Eleitoral — Cargos — Preenchimento — Servidores requisitados —Balizamento no tempo. Cumpre aos tribunais eleitorais preencher os cargosexistentes no quadro funcional, fazendo cessar a prática das requisições, demodo a atender as balizas da Lei n. 6.999/82. O servidor não conta com o direitolíquido e certo de permanecer no órgão cessionário, cabendo, isso sim, o retornoao cedente.”

(MS 25.198/DF, Rel. Min. Marco Aurélio — grifei)

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Impende acentuar, por relevante, que essa orientação — em tudo aplicável aopresente caso — vem sendo observada em sucessivos julgamentos plenários proferi-dos a propósito da mesma controvérsia mandamental que ora se renova na presentesede processual (MS 25.213/DF, Rel. Min. Eros Grau — MS 25.206/DF, Rel. Min.Marco Aurélio, v.g.):

“Mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Interesse proces-sual do impetrante. Ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório.Inocorrência. Servidores requisitados. Limitação temporal. Art. 4º da Lei n.6.999/82. Resolução n. 21.413 do Tribunal Superior Eleitoral. Direito adqui-rido. Inocorrência. Hierarquia entre as normas.

1. Há interesse processual do servidor público na impetração de mandadode segurança quando o ato do Tribunal de Contas da União afeta diretamente assuas relações jurídicas. Precedente [MS n. 25.209, Relator o Ministro CarlosBritto, DJ de 4-3-05].

(...)

3. A requisição de servidores públicos para serventias eleitorais justifica-sepelo acúmulo ocasional de serviço verificado no órgão cujo quadro funcionalnão esteja totalmente estruturado ou em número suficiente. Trata-se de procedi-mento emergencial, que reclama utilização parcimoniosa, sem a finalidade deeternizar o vínculo dos requisitados com o órgão para o qual foram cedidos. Daía limitação temporal prevista no caput do art. 4º da Lei n. 6.999/82.

4. Por força da hierarquia entre as normas, a Resolução do TSE, queprorroga o prazo de requisição de servidores, em divergência com o art. 4º da Lein. 6.999/82, não pode prevalecer. Não há falar-se, pois, em direito adquirido àpermanência do servidor no órgão eleitoral.

5. Segurança denegada.”

(MS 25.195/DF, Rel. Min. Eros Grau — grifei)

Cabe acentuar, por necessário, que a postulação da parte impetrante não temamparo na legislação, eis que, como se sabe, a Lei n. 6.999/82 dispõe, em seu art. 3º,que, “No caso de acúmulo ocasional de serviço na Zona Eleitoral e observado odisposto no art. 2º e seus parágrafos desta Lei, poderão ser requisitados outrosservidores pelo prazo máximo e improrrogável de 6 (seis) meses”, e que, expirado talprazo, o servidor requisitado deverá ser automaticamente desligado e devolvido àrepartição de origem, podendo a cessão funcional ser renovada somente após decor-rido um ano contado do término daquele lapso temporal (Lei n. 6.999/82, art. 3º, §§2º e 3º).

Registre-se, ainda, que, “exceto no caso de nomeação para cargo em comissão,as requisições para as Secretarias dos Tribunais Eleitorais serão feitas por prazocerto, não excedente de 1 (um) ano” (grifei), findo o qual aplicar-se-ão, aos órgãosjudiciários ora mencionados (“Secretaria de Tribunais Eleitorais”), as normas inscritasnos §§ 2º e 3º do art. 3º da Lei n. 6.999/82, consoante prescreve, de modo expresso, oparágrafo único do art. 4º desse mesmo diploma legislativo.

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Vê-se, desse modo, que inexiste a possibilidade de reconhecer-se, em favor dosservidores cuja requisição cessou por efeito de legítima determinação do Tribunal deContas da União, qualquer parcela de direito líquido e certo amparável pela viaconstitucional do mandado de segurança, consoante vem acentuando a jurisprudênciaque o Plenário desta Suprema Corte firmou no exame da mesma matéria ora emanálise neste julgamento (MS 25.217/DF, Rel. Min. Marco Aurelio, v.g.).

A deliberação ora em exame fundou-se na inquestionável competênciafiscalizadora de que se acha investido, ope constitutionis, o Tribunal de Contas, e quelhe confere a atribuição de exercer, de modo legítimo, em matéria contábil, financeira,orçamentária, operacional e patrimonial, o controle externo dos atos dos Poderes daRepública, notadamente se se tiver presente a relevantíssima circunstância de que anova Constituição Federal ampliou, de forma extremamente significativa, em tema defiscalização estatal, a esfera de competência institucional das Cortes de Contas (RTJ153/151-152, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).

Cabe enfatizar, ainda, que a presunção juris tantum de legitimidade dos atos doPoder Público não deve impedir que o Tribunal de Contas exerça, em plenitude, aação fiscalizadora de que foi incumbido pela Lei Fundamental da República.

Não se pode ignorar, neste ponto, que esse poder de fiscalização repousa eminsuprimível atribuição que assiste às Cortes de Contas, no sistema de direito consti-tucional positivo vigente no Brasil, especialmente se se considerarem os paradigmasético-jurídicos que devem pautar a atuação do Poder Público.

É preciso ter a percepção de que a nova Constituição da República ampliou, demodo extremamente significativo, a esfera de competência dos Tribunais de Contas, osquais, distanciados do modelo inicial consagrado na Constituição republicana de1891 — que limitava a sua atuação à mera liquidação das contas da receita e despesa eà verificação de sua legalidade (art. 89) — foram investidos, agora, de poderes maisextensos que ensejam, em tema de controle externo, a possibilidade de ampla fiscali-zação contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das pessoas estataise das entidades e órgãos de sua administração direta e indireta.

A essencialidade dessa Instituição — surgida nos albores da República com oDecreto n. 966-A, de 7-11-1890, editado, pelo Governo Provisório, sob a inspiração deRui Barbosa (RTJ 132/1034) — foi acentuada, uma vez mais, com a inclusão, no roldos princípios constitucionais sensíveis, da indeclinabilidade da prestação de contasda administração pública, direta e indireta (CF, art. 34, VII, d).

A atuação do Tribunal de Contas, por isso mesmo, assume importância funda-mental no campo do controle externo. Como natural decorrência do fortalecimentode sua ação institucional, os Tribunais de Contas tornaram-se instrumentos deinquestionável relevância na defesa dos postulados essenciais que informam a própriaorganização da Administração Pública e o comportamento de seus agentes, comespecial ênfase para os princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade eda legalidade.

Nesse contexto, o regime de controle externo, institucionalizado pelo orde-namento constitucional, propicia, em função da própria competência fiscaliza-

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dora outorgada aos Tribunais de Contas, o exercício, por esses órgãos estatais, detodos os poderes — inclusive os implícitos (MS 24.510/DF, Rel. Min. EllenGracie) — que se revelem inerentes e necessários à plena consecução dos fins quelhes foram cometidos.

Cabe ter presente, neste ponto, a advertência feita por Pontes de Miranda(“Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1 de 1969”, tomo III/258, 3ªed., 1987, Forense), cujo magistério, ao analisar o poder de controle outorgado aoTribunal de Contas, enfatiza:

“Todo ato, quer do Poder Executivo, quer do Poder Legislativo, ou do PoderJudiciário, de que resulte despesa, tem de ser conferido com as leis, para que severifique se alguma das suas cláusulas viola regra de direito cogente.” (Grifei)Inquestionável, desse modo, a plena legitimidade da deliberação do E. Tribunal

de Contas da União impugnada na presente sede mandamental.

Sendo assim, em face das razões expostas e considerando, ainda, o douto parecerdo eminente Procurador-Geral da República, denego o presente mandado de segurança,mantendo íntegra, em conseqüência, a deliberação emanada do E. Tribunal de Contasda União e consubstanciada em acórdão objeto de impugnação nesta sede processual,incidindo, ainda, na espécie, a Súmula 512/STF.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

MS 25.194/DF — Relator: Ministro Celso de Mello. Impetrante: Renata Rodri-gues Tavares (Advogado: Stanislaw Costa Eloy). Impetrado: Tribunal de Contas daUnião.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou a segurança, nos termos do voto doRelator. Presidiu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 3 de agosto de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA 25.271 — DF

Relatora: A Sra. Ministra Ellen Gracie

Agravante: Maria Ângela Lemes Pereira — Agravados: Presidente da República eSuperintendente Regional do Incra/MS

Administrativo. Mandado de segurança. Desapropriação. Autoridadeimpetrada. Competência.

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Mandado de segurança interposto contra ato ilegal do Superinten-dente Regional do Incra referendado pelo Presidente da República. Com-petência desta Corte.

Agravo improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo, nos termosdo voto da Relatora.

Brasília, 27 de outubro de 2005 — Ellen Gracie, Presidente (art. 37, I, do RISTF)e Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Eis o teor do despacho agravado:

“Cuida-se de Mandado de Segurança, com pedido liminar, contra ato ilegaldo Superintendente Regional do Incra referendado pelo Presidente da Repúblicae consubstanciado no Decreto de 21 de setembro de 2004, publicado no DiárioOficial da União de 22-9-2004, que declarou de interesse social, para fins dereforma agrária, imóvel rural denominado ‘Fazenda Morro Bonito', situado noMunicípio de Campo Grande, no Estado de Mato Grosso do Sul.

A impetrante, herdeira testamentária, busca sustar a eficácia do referidodecreto e obstar o eventual ajuizamento de ação de desapropriação. Alega aexistência de vícios no procedimento administrativo que antecedeu o decreto erequer seja determinada à Superintendência Regional do Incra que se abstenha depraticar qualquer ato de condução do processo expropriatório e a reabertura doprazo para que possa impugnar o relatório agronômico.

Consoante o artigo 18 da Lei 1.533/51, o prazo para impetração do mandadode segurança esgota-se em 120 dias contados da ciência pelo interessado do atoimpugnado.

O Decreto Presidencial em questão, datado de 21-9-2004, foi publicadono Diário Oficial da União do dia 22-9-2004. No primeiro dia subseqüenteiniciou-se a contagem do prazo legal. A impetrante ajuizou o mandamus no dia25-2-2005, 156 dias após o ato impugnado, portanto, quando já decorrido oprazo decadencial.

Ante o exposto, nos termos do art. 21, § 1º, do Regimento Interno doSupremo Tribunal Federal, nego seguimento ao pedido, prejudicado pedido deliminar.”

A agravante sustenta que o Presidente da República não é a autoridade coatora,mas, sim, o Superintendente do Incra/MS. O ato coator consistiu na negativa injustifi-

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cada de atendimento ao pedido formulado em 6-12-2004, em que foi requerida mani-festação sobre questão procedimental em expediente anteriormente protocolado naSuperintendência pelo co-herdeiro Adolfo.

Requer a agravante a reconsideração do despacho.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie (Relatora): Não tem razão a agravante.

A petição inicial do writ distribuída perante esta Corte é explícita ao colocar, nopólo passivo, além do Superintendente Regional do Incra, o Presidente da Repúblicaem razão do ato consubstanciado no Decreto de 21 de setembro de 2004, publicado noDiário Oficial da União de 22-9-2004, que declarou de interesse social, para fins dereforma agrária, imóvel rural denominado “Fazenda Morro Bonito”. Por ter manifesta-mente se insurgido também contra o referido decreto, e não apenas contra ato doPresidente do Incra, o impetrante distribuiu o writ perante esta Corte.

Em razão da negativa de seguimento pelo decurso do prazo decadencial, oimpetrante pretende, agora, em tentativa de verdadeira emenda à inicial, pela via doagravo, sustentar que só o Superintendente do Incra integra o pólo passivo.

Mesmo que admitido, como sustenta o impetrante, que a autoridade impetradaseja apenas o Superintendente do Incra/MS e não o Presidente da República, aindaassim, o caso seria de negativa de seguimento ao pedido do mandamus, porque aquelaautoridade (Superintendente do Incra) não faz por atrair a competência deste SupremoTribunal Federal (art. 102, I, d, da CF) para seu julgamento.

Nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA

MS 25.271-AgR/DF — Relatora: Ministra Ellen Gracie. Agravante: Maria ÂngelaLemes Pereira (Advogado: Afrânio Alves Corrêa). Agravados: Presidente da República(Advogado: Advogado-Geral da União) e Superintendente Regional do Incra/MS.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termosdo voto da Relatora. Ausentes, justificadamente, os Ministros Nelson Jobim (Presidente),Celso de Mello, Carlos Velloso e Cezar Peluso. Presidiu o julgamento a Ministra EllenGracie (Vice-Presidente).

Presidência da Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente). Presentes à sessão osMinistros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Carlos Britto, JoaquimBarbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros eSilva de Souza.

Brasília, 27 de outubro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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MANDADO DE SEGURANÇA 25.460 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso

Impetrante: Normíria Ferreira Pinho (Assistida pelo Sindicato dos ServidoresPúblicos Federais no Estado do Espírito Santo – SINDSEP/ES) — Impetrados: Tribunalde Contas da União e Coordenador-Geral de Recursos Humanos do Instituto Brasileirodo Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA

Constitucional. Servidor público. Vantagem deferida por sentençajudicial transitada em julgado. Tribunal de Contas: determinação nosentido da exclusão da vantagem. Coisa julgada: ofensa. CF, art. 5º,XXXVI.

I - Vantagem pecuniária incorporada aos proventos de aposen-tadoria de servidor público, por força de decisão judicial transitadaem julgado: não pode o Tribunal de Contas, em caso assim, determi-nar a supressão de tal vantagem, por isso que a situação jurídicacoberta pela coisa julgada somente pode ser modificada pela via daação rescisória.

II - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

III - Mandado de segurança deferido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Ministro Nelson Jobim, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, conceder a segurança,nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o MinistroEros Grau.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de mandado de segurança, com pedido deliminar, fundado nos arts. 2º e 5º, XXXVI e LXIX, da Constituição Federal, impetradopor Normíria Ferreira Pinho, contra ato do Presidente da Primeira Câmara doTribunal de Contas da União, consubstanciado no Acórdão 2.562/2004-TCU-1ªCâmara (fls. 22-23), proferido nos autos do TC 001.965/2001-7, que considerou ilegala aposentadoria concedida e determinou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente edos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA a cessação de todo e qualquer pagamen-to decorrente da decisão judicial transitada em julgado nos autos da Reclamação 962/1991, da 1ª Vara do Trabalho de Vitória/ES (fls. 34-72), que conferira à impetrantedireito à incorporação do Plano Bresser (26,06%) e da URP de fevereiro de 1989(26,05%). A presente impetração também indica como autoridade coatora o Coordena-dor-Geral de Recursos Humanos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

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Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, com intuito de que o mesmo não continuea cumprir a determinação do Tribunal de Contas contida no referido acórdão.

Sustenta a impetrante em síntese:

a) a incompetência do Tribunal de Contas da União para determinar a referidasuspensão, porquanto amparada por decisão judicial transitada em julgado, consoantese infere da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (MS 23.665/DF, Plenário,Ministro Maurício Corrêa, DJ de 20-9-2002);

b) a ocorrência de ofensa à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI) e aos princípios dasegurança jurídica e da irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 37, XV);

c) a existência do periculum in mora, ante a supressão, dos valores em questão, deseus vencimentos, a partir do mês de abril de 2005 (Ofício n. 159/05 — CGREH/Ibama —fl. 20), que afetou a qualidade de vida de sua família, colocando-a em dificuldadesfinanceiras.

Ao final, requer a impetrante, liminarmente, a imediata suspensão da eficácia doAcórdão 2.562/2004-TCU-1ª Câmara, para impedir que o Coordenador-Geral de Re-cursos Humanos do Ibama continue a cumprir a determinação nele contida. No mérito,pede a concessão da segurança para que lhe seja assegurado definitivamente o direito àinclusão das parcelas remuneratórias referentes às decisões judiciais transitadas emjulgado em seus proventos.

Requisitadas informações (fls. 94, 96 e 98), o Coordenador-Geral de RecursosHumanos do Ibama alegou, às fls. 101-111, em síntese:

a) a sua ilegitimidade passiva, mormente porque apenas cumpriu a decisãoproferida no Acórdão 2.562/2004-TCU-1ª Câmara, não detendo poder ou competênciapara rever ou cancelar o ato ora atacado;

b) a inexistência de direito líquido e certo da impetrante;

c) a constitucionalidade do ato de controle do Tribunal de Contas da União, nostermos do art. 71 da Constituição Federal;

d) a inocorrência de ofensa à coisa julgada, porquanto sujeita às alterações fáticase jurídicas subseqüentes, na medida em que a concessão dos referidos percentuaisestava limitada à data-base, por não constar da sentença a sua extensão por tempoindeterminado;

e) a ocorrência de ofensa ao princípio da isonomia, consubstanciada na continui-dade do referido pagamento até os dias atuais, em completa disparidade com os outrosservidores, certo que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a questão, entendeu queos servidores não teriam direito aos referidos reajustes;

f) a inexistência de direito adquirido a regime jurídico.

O ilustre Presidente do Tribunal de Contas da União, por sua vez, às fls. 113-126,sustentou em síntese:

a) a inexistência de ofensa à coisa julgada, porquanto a concessão dos referidospercentuais não se incorporou aos vencimentos da impetrante, ante a sua natureza de

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antecipação salarial, limitada à data-base. Ademais, a jurisprudência do SupremoTribunal Federal é no sentido de que inexiste direito adquirido aos referidos reajustes;

b) a existência de ilegalidade na aplicação desses reajustes, tendo em vista amudança superveniente do regime jurídico da servidora, em que foi devidamentepreservada a irredutibilidade de seus vencimentos;

c) a ocorrência de coisa julgada inconstitucional, em flagrante ofensa aos princí-pios da constitucionalidade, da prevalência do interesse público sobre o particular,da legalidade e da moralidade, daí a necessidade de sua relativização à luz damoderna doutrina, bem como da revisão da atual jurisprudência do Supremo Tribu-nal Federal;

d) a inexistência de direito adquirido e de ofensa ao princípio da segurançajurídica, ante o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o ato deaposentação é um ato complexo, apenas se tornando perfeito quando devidamenteregistrado pela Corte de Contas;

e) a ausência de periculum in mora, dado que “os fatos arrolados pela Impetrantenão permitem concluir pela irreversibilidade da continuidade da decisão do TCUno mundo jurídico, não estando em risco a eficácia da prestação jurisdicionalpretendida na presente ação mandamental. Não há irreversibilidade, por se tratarde um possível crédito em face de um sujeito solvente e certo, a União; a simplesnatureza alimentar e os compromissos assumidos também não permitem inferirestado de necessidade” (fl. 125).

Em 3-8-2005, deferi a medida liminar (fls. 131-134).

A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo eminente Procura-dor-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, opina peladenegação da ordem (fls. 148-150).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Em caso igual, MS 25.009/DF, por mimrelatado, decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“Ementa: Constitucional. Processual. Mandado de segurança preventivo.Servidor público: vantagem deferida por sentença judicial transitada em jul-gado. Tribunal de Contas: determinação no sentido da exclusão da vantagem.Coisa julgada: ofensa. CF, art. 5º, XXXVI.

I - A segurança preventiva pressupõe existência de efetiva ameaça a direito,ameaça que decorre de atos concretos da autoridade pública. Inocorrência, nocaso, desse pressuposto da segurança preventiva.

II - Vantagem pecuniária, incorporada aos proventos de aposentadoria deservidor público, por força de decisão judicial transitada em julgado: não pode oTribunal de Contas, em caso assim, determinar a supressão de tal vantagem, porisso que a situação jurídica coberta pela coisa julgada somente pode ser modificadapela via da ação rescisória.

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III - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

IV - Mandado de Segurança preventivo não conhecido. Mandado de Segu-rança conhecido e deferido relativamente ao servidor atingido pela decisão doTCU.” (DJ de 29-4-2005)

Destaco do voto que proferi quando do julgamento do citado MS 25.009/DF:

“(...)

Examino a segurança no ponto em que conhecida.

Assim, nesta parte, o pronunciamento do eminente Procurador-Geral daRepública:

‘(...)

10. No mérito, razão assiste à impetração. Com efeito, o caso seamolda ao decidido por essa Egrégia Corte no julgamento do mandado desegurança n. 23.665, cuja ementa restou assim redigida:

‘Mandado de segurança. Tribunal de Contas da União. Apo-sentadoria. Registro. Vantagem deferida por sentença transitada emjulgado. Dissonância com a jurisprudência do Supremo TribunalFederal. Determinação à autoridade administrativa para suspendero pagamento da parcela. Impossibilidade.

1. Vantagem pecuniária incluída nos proventos de aposentadoriade servidor público federal, por força de decisão judicial transitada emjulgado. Impossibilidade de o Tribunal de Contas da União impor àautoridade administrativa sujeita à sua fiscalização a suspensão dorespectivo pagamento. Ato que se afasta da competência reservada àCorte de Contas (CF, artigo 71, III).

2. Ainda que contrário à pacífica jurisprudência desta Corte, oreconhecimento de direito coberto pelo manto da res judicata somentepode ser desconstituído pela via da ação rescisória. Segurança conce-dida.’ (MS 23665 - DF - TP - Rel. Min. Maurício Corrêa - DJU20.09.2002 - p. 00089)

11. Cumpre registrar trechos do voto condutor do mencionadodecisum, perfeitamente aplicáveis ao caso:

‘18. Vê-se, em conseqüência, que a decisão da Justiça Federalrealmente discrepa da orientação definitiva desta Corte sobre o direitoàs diferenças salariais em debate, o que motivou, inclusive, o decisumdo impetrado. Sem embargo da louvável intenção de resguardar-se oerário, não se pode perder de vista que a União deve obediência àcondenação judicial a que foi submetida.

19. E nessa circunstância, o órgão da Administração a quem éoponível a sentença judicial tem obrigação de cumprir a decisão,mesmo na hipótese de não estar ela em conformidade com a jurispru-dência dos Tribunais Superiores, inclusive do Supremo Tribunal Federal.Essa é a força da coisa julgada material instituída em face de recursos

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possíveis ou da inércia da parte que não os utiliza, e que, alçada àgarantia constitucional (CF, artigo 5º, XXXVI), não pode ser simples-mente descartada.

20. Dá-se, na hipótese, o que se denomina ‘efeito negativo dacoisa julgada material, que consiste na proibição de outro juiz vir adecidir sobre o que já foi decidido em dispositivo de sentença deprocesso anterior entre as mesmas partes (...). Seus efeitos, por isso,projetam-se fora do processo, impedindo que se ajuíze nova demandasobre o objeto da decisão, que somente pode ser desconstituída poração rescisória.’

12. Vê-se, nesse diapasão, que a ordem emanada pelo Tribunal de Contasda União, consubstanciada no item 9.3 do acórdão n. 1.157/2004-TCU-1ªCâmara, é flagrantemente ilegal por afrontar a coisa julgada relativa ao decididona ação ordinária n. 89.0001705-5, já transitado em julgado (fls. 159).

(...).’ (Fls. 280-281)

Correto o parecer também nessa parte.

O Tribunal de Contas da União não poderia afrontar a coisa julgada, dadoque nem a lei pode fazê-lo (CF, 5º, XXXVI). E, no caso, o que ressai das informa-ções é que procura o Tribunal encontrar justificativas para o seu ato, justificati-vas, entretanto, que esbarram na garantia constitucional inscrita no art. 5º,XXXVI, da Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS n. 23.665/DF, Relator oMinistro Maurício Corrêa, decidiu, registra a Procuradoria-Geral da República,no seu parecer, que não pode o Tribunal de Contas da União suspender ousuprimir ‘vantagem pecuniária incluída nos proventos de aposentadoria de servi-dor público federal, por força de decisão judicial transitada em julgado’, por issoque ‘o reconhecimento de direito coberto pelo manto da res judicata somentepode ser desconstituído pela via da ação rescisória’ (DJ de 20-9-2002). No mesmosentido do decidido pelo Ministro Carlos Britto, no MS 24.939/DF (DJ de 21-6-04).No AI 471.430-AgR/DF, Relator o Ministro Eros Grau, decidiu o Supremo Tribu-nal, pela sua 1ª Turma, que é ‘pacífico o entendimento de que o Tribunal deContas não possui atribuição para rever decisão judicial transitada em julgado’(DJ de 17-9-2004). No MS 23.758/RJ, Relator o Ministro Moreira Alves, decidiuo Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário:

‘Ementa: Mandado de Segurança.

- Determinação de suspensão de pagamento de vantagem pessoal aosimpetrantes que fere a coisa julgada.

- Mandado de segurança deferido, para tornar sem efeito a decisãodo Tribunal de Contas da União com relação aos ora impetrantes.’ (DJ de13-6-2003)

No MS 22.891/RS, por mim relatado, decidiu o Supremo Tribunal Federalem Sessão Plenária:

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‘Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público: adici-onal por tempo de serviço: servidor da Justiça do Trabalho: coisajulgada. ADCT, art. 17.

I - O pressuposto para a aplicação do art. 17, caput, ADCT/1988,isto é, para a redução do vencimento, remuneração, vantagem e adicio-nal, bem como de provento, é que estes estejam em desacordo com aConstituição de 1988. Ora, a Constituição de 1988 não estabeleceulimites ao critério do cálculo do adicional por tempo de serviço, emtermos de percentuais. O que a Constituição vedou no art. 37, XIV, é odenominado ‘repique’, ou o cálculo de vantagens pessoais uma sobre aoutra, assim em ‘cascata’.

II - Situação jurídica coberta, no caso, pela coisa julgada, assimimodificável.

III - Mandado de segurança deferido.’ (DJ de 7-11-2003)

Um argumento sério foi utilizado pelo TCU, no caso, o de que a parcela daURP poderia ter sido absorvida num reajuste de vencimentos posterior. Cumpriaao TCU, entretanto, comprovar a ocorrência dessa alegada absorção, o que nãofez. Limitou-se, no ponto, a presumir a ocorrência de tal fato.

Do exposto, não conheço da segurança preventiva e, conhecendo do writrelativamente apenas ao servidor Fernando Avelino de Souza, representado peloseu filho, Francisco de Souza Moura, defiro-a.” (DJ de 29-4-2005)

Do exposto, defiro o mandado de segurança.

EXTRATO DA ATA

MS 25.460/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Impetrante: Normíria FerreiraPinho (Assistida pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Estado do EspíritoSanto – SINDSEP/ES) (Advogados: Ana Izabel Viana Gonsalves e outro e Rogerio daSilva Venancio Pires). Impetrados: Tribunal de Contas da União e Coordenador-Geralde Recursos Humanos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis – IBAMA.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, concedeu a segurança, nos termos do votodo Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Eros Grau. Presi-diu o julgamento o Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes,Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Procurador-Geral da Repú-blica, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza.

Brasília, 15 de dezembro de 2005 — Luiz Tomimatsu, Secretário.

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HABEAS CORPUS 70.231 — SP

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello

Paciente e Impetrante: Antonio Rodrigues Filho — Coator: Tribunal de Justiçado Estado de São Paulo

Habeas corpus — Crime de tráfico de entorpecentes — Alegadainépcia da denúncia — Inocorrência — Peça acusatória que atende,plenamente, às exigências legais — Suposta divergência quanto à quanti-dade de entorpecente apreendida — Irrelevância — Situação que, acasoexistente, não afastaria a tipicidade penal — Ausência do MinistérioPúblico aos atos de instrução penal — Formalidade cuja observância só àparte contrária interessa — Irregularidade processual que não enseja anulidade do procedimento penal persecutório — Pretendido reconheci-mento de cerceamento de defesa — Não-caracterização — Efetiva parti-cipação do defensor nos atos processuais — Ausência de fundamentaçãoda sentença penal condenatória — Alegação improcedente — Sentençapenal que apresenta fundamentação suficiente e adequada — Supostaocorrência de flagrante preparado — Mera afirmação, desacompanhadada necessária comprovação — Menção à inexistência de provas suficien-tes para a condenação do paciente — Improcedência — Análise que exigeexame aprofundado de provas e fatos — Impossibilidade em sede dehabeas corpus — Pedido indeferido.

— A denúncia, quando contém todos os elementos essenciais àadequada configuração típica do delito e atende, integralmente, às exi-gências de ordem formal impostas pelo art. 41 do CPP, não apresenta ovício nulificador da inépcia, pois permite, ao réu, a exata compreensãodos fatos expostos na peça acusatória, ensejando-lhe, desse modo, o plenoexercício do direito de defesa.

A suposta divergência quanto à quantidade de entorpecente apreen-dida não descaracteriza a tipicidade penal, sendo irrelevante suaconstatação, além de revelar-se insuscetível de apreciação na viasumaríssima do processo de habeas corpus.

— A voluntária ausência do representante do Ministério Público aatos de instrução do processo, especialmente quando dela não resultaqualquer prejuízo ao réu, não pode ser invocada, pelo acusado, comocausa de nulidade, eis que a legislação processual penal brasileiradispõe que nenhuma das partes poderá argüir nulidade referente àformalidade cuja observância só à parte contrária interessa (CPP, art.565, in fine).

— O fato de o Promotor de Justiça deixar de assinar o termo daaudiência, longe de configurar qualquer hipótese de nulidade, caracterizamera irregularidade processual, que não dá ensejo à invalidação formaldo procedimento penal persecutório.

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— Não há que se falar em defesa insuficiente ou omissa, quando seensejou ao paciente, em plenitude, o efetivo exercício do direito de defesa,sem qualquer restrição ou obstáculo que pudesse afetar a cláusula consti-tucional que assegura, a todos os acusados, o contraditório e a amplitudede defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

— Satisfaz, integralmente, a exigência constitucional de motivaçãodos atos decisórios, a condenação penal que, ao fixar a sanctio juris, o fazmediante fundamentação suficiente e adequada, discorrendo sobre aatividade criminosa do acusado e analisando, de forma minuciosa, am-pla e precisa, o conjunto probatório existente nos autos.

— A ação de habeas corpus constitui remédio processual inadequa-do, quando ajuizada com objetivo (a) de promover a análise da provapenal, (b) de efetuar o reexame do conjunto probatório regularmenteproduzido, (c) de provocar a reapreciação da matéria de fato e (d) deproceder à revalorização dos elementos instrutórios coligidos no proces-so penal de conhecimento. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus,nos termos do voto do Relator.

Brasília, 30 de novembro de 1993 — Moreira Alves, Presidente — Celso deMello, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de habeas corpus impetrado, em causaprópria, por Antonio Rodrigues Filho, que se encontra preso e recolhido à Casa deDetenção de Presidente Prudente/SP, em virtude de haver sido condenado à pena de 5anos de reclusão, e multa, que lhe foi imposta pela prática do delito de tráfico deentorpecentes (Lei n. 6.368/76, art. 12).

Determinei o apensamento dos autos do HC 70.093/SP, também impetrado peloora paciente, eis que os fatos e fundamentos constantes desta impetração coincidem,em essência, com os mencionados naquele writ.

Prestadas as informações pelo órgão apontado como coator, este assinalou que“todos os argumentos deduzidos na impetração guardam relação profunda com asprovas existentes nos autos”, o que bastaria — segundo sustenta — para inviabilizara utilização do remédio constitucional do habeas corpus (fls. 48/51).

A douta Procuradoria-Geral da República, ao opinar pelo indeferimento dopedido (fls. 34/37), assim apreciou, no ponto, a impetração (fl. 35):

“Sobre as teses das impetrações unificadas

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No HC n. 70.093-4/130, sustenta inicialmente o impetrante que a denúncianão pode subsistir, pois alude à apreensão de 43 quilos de cocaína, ao passo quea soma dos autos de apreensão daria conta da apreensão de 41 quilos e seiscentose 19 gramas. Sustenta, ainda, que a instrução acusatória fora realizada sem apresença do Representante do Ministério Público. Argumenta ademais que o seuadvogado não agiu com a necessária diligência, causando-lhe enorme prejuízo.Focaliza, ainda, a sentença, asseverando que não estaria assinada pelo Magistra-do, que não teria individualizado a pena e, ainda, estaria a descoberto de funda-mentação.

No HC 70.231, o impetrante-paciente reitera as teses da impetração anterior,sustentando ademais, que, in casu, se estaria diante de flagrante preparado oumesmo de processo sem prova suficiente para a condenação.” (Grifei)É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): O ora paciente, juntamente com outroscinco co-réus, foi condenado pelo magistrado de primeiro grau à pena de 5 anos dereclusão, e multa, pela prática do delito tipificado no art. 12 da Lei n. 6.368/76 (fls.69/86).

Inconformado com essa condenação, o paciente recorreu para o E. Tribunal deJustiça do Estado de São Paulo, que deu parcial provimento à apelação por eleinterposta, para, tão-somente, reduzir o valor da multa, mantendo, no entanto, quantoao mais, a sentença penal condenatória de primeiro grau.

Objetiva o impetrante, com o presente writ, a nulidade do acórdão do Tribunalapontado como coator, alegando, para tanto, (a) inépcia da denúncia, (b) ausênciado representante do Ministério Público a alguns atos de instrução processual, (c)cerceamento de defesa, (d) ausência de fundamentação da sentença condenatória,(e) falta de individualização da pena e (f) inexistência de provas suficientes para asua condenação.

Entendo não assistir razão ao impetrante.

Improcede a alegação de inépcia da denúncia. É que a peça acusatória, formula-da pelo Ministério Público, atendeu, plenamente, às exigências de ordem formalimpostas pelo art. 41 do Código de Processo Penal.

A simples leitura da denúncia ora questionada evidencia tratar-se de peça proces-sual incensurável, posto que nela se contém, de modo preciso e objetivo, a corretadescrição do fato delituoso (fls. 52/54 dos autos em apenso).

Ademais, a análise da alegada inépcia da peça acusatória, nos termos em queproposta pelo ora paciente, refoge à mera discussão jurídica sobre os aspectosconcernentes a esse vício formal, que, presente, revelar-se-ia apto a ensejar a invalidadeda própria denúncia formulada pelo Ministério Público.

O impetrante sustenta, ainda, que o vício da inépcia residiria no fato de oPromotor de Justiça haver apontado, na peça acusatória, que os réus tinham, em seupoder, 43 kg de cocaína, quando, na realidade, teria sido apreendida, pelas autoridades

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policiais, quantidade ligeiramente inferior àquela constante da denúncia (cerca de 41kg e meio de cocaína).

O exame dessa circunstância supõe, no caso, apreciação de todo conjuntoprobatório existente nos autos do procedimento penal instaurado contra o ora paciente,o que é vedado na via angusta do habeas corpus, consoante orientação jurisprudencialprevalecente nesta Corte.

Cumpre registrar, demais disso, a manifestação da douta Procuradoria-Geral daRepública, no ponto em que, ao pronunciar-se sobre esse fundamento da impetração,ressaltou (fl. 36):

“Examinado-se as peças que instruem as informações, vê-se que a denúnciaimputa ao ora paciente, com precisão, fatos típicos.

(...)

A alegação do réu de que o peso total da cocaína seria, aproximadamente,um quilo e meio a menos tem pouco significado processual, pois o transporte demenor quantidade não afastaria o tráfico.”

A análise das peças processuais produzidas nesta sede heróica revela, contudo,que inexiste a divergência alegada pelo ora impetrante. Tal como ressaltou a doutaProcuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, “A prova da materialidade éinconteste, diante do perfeito laudo de exame químico-toxicológido de fls. 97/99, nãoobstante a insistência inócua da defesa quanto à fictícia divergência de peso entre adenúncia e o que foi apreendido. O Dr. Promotor de Justiça não se enganou aoestabelecer que a apreensão foi de aproximadamente 43 (quarenta e três quilos) deentorpecente. Basta computar a apreensão de fls. 24/27. Vejamos: 01) 17.785 Kg; 02)980g; 03) 2.315 Kg; 04) 2.530 kg; 05) 7.790 e 06) 11.635 kg = 43.035 kg. O Dr.Defensor foi muito infeliz na sua parcial contabilidade ‘de chegar’ para desmerecer adenúncia” (fl. 95).

Em suma: a denúncia, quando contém todos os elementos essenciais à adequadaconfiguração típica do delito e atende, integralmente, às exigências de ordem formalimpostas pelo art. 41 do CPP, não apresenta o vício nulificador da inépcia, poispermite, ao réu, a exata compreensão dos fatos expostos na peça acusatória, ensejando-lhe, desse modo, o pleno exercício do direito de defesa.

E foi, precisamente, o que se registrou na espécie ora em exame.

No que concerne à suposta ausência do representante do Ministério Público aosatos de instrução processual — especificamente à inquirição das testemunhas arroladaspela acusação —, nenhuma razão assiste ao ora impetrante, eis que, além de o alegadonão-comparecimento do Ministério Público não haver causado qualquer prejuízo àdefesa (CPP, art. 563) ou à apuração da verdade real (CPP, art. 566), essa nulidade —acaso configurada — somente seria suscetível de invocação pelo próprio órgão daacusação penal, não, porém, pelo réu.

A legislação processual penal brasileira dispõe que nenhuma das partes poderáargüir nulidade referente à formalidade cuja observância só à parte contrária interessa(CPP, art. 565, in fine).

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A presença do Ministério Público em todos os atos do processo é obrigatória.Traduz uma decorrência do princípio do contraditório consagrado pela Carta Federal.A falta do Parquet a qualquer dos atos a que deva comparecer constitui, por issomesmo, nulidade processual que deverá ser proclamada (RT 331/302 — RT 445/440).Essa drástica conseqüência de ordem jurídico-formal, no entanto, somente deve ocorrernaquelas estritas hipóteses em que a falta de participação do Ministério Público tenhadecorrido, não de sua própria vontade, mas, sim, de obstáculo processual criado porterceiros.

A ausência do Ministério Público aos atos do processo, quando voluntária,não pode ter o condão de afetar a validade da prova penal produzida em juízo. Essacontumácia do órgão da acusação, contudo, não pode ser invocada pela Defesacomo causa de nulidade processual, especialmente quando a ausência do Promotorde Justiça não ocasiona qualquer prejuízo ao réu. Essa causa nullitatis somentepode ser legitimamente invocada pelo próprio Ministério Público, desde que nãoderive — como já ressaltado — de omissão processual voluntariamente causadapelo Parquet.

De qualquer maneira, porém, a leitura do termo da audiência em que foraminquiridas as testemunhas arroladas pela acusação evidencia a presença do MinistérioPúblico, a quem, inclusive, se ensejou a possibilidade de formular reperguntas (fls. 19/26v.). Por mero lapso, o Promotor de Justiça deixou de assinar aquele termo. Essasituação, longe de configurar qualquer hipótese de nulidade, caracteriza mera irre-gularidade processual, que não dá ensejo à invalidação formal do procedimento penalpersecutório.

Também não procede a alegação de cerceamento de defesa.

É que o ora paciente foi assistido por defensor legalmente constituído que oacompanhou e esteve presente aos atos de instrução. Esse defensor técnico assistiu aosdepoimentos testemunhais, formulando reperguntas (fls. 129/135 — autos emapenso), ofereceu defesa prévia e apresentou alegações finais (fl. 73 — autos emapenso).

Vê-se, daí, que não há que se falar em defesa insuficiente ou omissa. Pelocontrário, ensejou-se, ao ora paciente, em plenitude, o exercício do direito de defesa,sem qualquer restrição ou obstáculo que pudesse afetar a cláusula constitucional queassegura, a todos os acusados, o contraditório e a amplitude de defesa, com os meios erecursos a ela inerentes.

Não procedem, por igual, as objeções pertinentes à alegada ausência de funda-mentação da sentença penal condenatória (mantida pelo Tribunal a quo) e à supostafalta de individualização da pena. O ato decisório ora questionado revestiu-se desuficiente e adequada fundamentação, havendo discorrido sobre a atividade crimino-sa do paciente e analisado, de forma minuciosa, ampla e precisa, a matéria probatóriaexistente nos autos (fls. 71/86).

O magistrado sentenciante expôs e examinou, em longo ato decisório, todas asteses deduzidas pela Acusação e pela Defesa, justificando, de modo claro, as razõesque o levaram a emitir o provimento condenatório.

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O Ministério Público Federal, ao repelir esses aspectos da impetração, correta-mente salientou (fl. 36):

“A sentença é minuciosa (fls. 71/86), justificando adequadamente a declara-ção de incidência do réu no crime objeto da denúncia.

(...)

De outra parte, a sentença justifica adequadamente o quantum da penaimposta.”

A alegação do paciente de que teria sofrido flagrante preparado pela Polícia nãose reveste de qualquer fundamento fático-jurídico. O impetrante, nesse ponto, limitou-se, sem qualquer razão, a afirmar que o comportamento dos agentes policiais poderia,“mesmo que ligeiramente” (fl. 11), ter incidido na Súmula 145 do STF.

Essa mera alegação, totalmente desacompanhada de um acervo mínimo derazões de fato e de direito, não autoriza a sua apreciação nesta via sumaríssima dohabeas corpus.

Finalmente, quanto à alegada inexistência de provas suficientes para a condena-ção do paciente, não vislumbro a possibilidade de apreciar esse aspecto daimpetração, eis que a sua análise exigiria aprofundado exame da matéria de fato, o quese mostra vedado em sede de habeas corpus (RTJ 129/1199 — RTJ 134/1227).

É conveniente assinalar, neste ponto, que a ação de habeas corpus constituiremédio processual inadequado, quando ajuizada com objetivo (a) de promover aanálise da prova penal, (b) de efetuar o reexame do conjunto probatório regular-mente produzido, (c) de provocar a reapreciação da matéria de fato e (d) deproceder à revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal deconhecimento.

Pelas razões expostas, e nos termos do parecer da douta Procuradoria-Geral daRepública, indefiro o pedido de habeas corpus.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

HC 70.231/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Paciente e Impetrante:Antonio Rodrigues Filho. Coator: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime.

Presidência do Ministro Moreira Alves. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello e Ilmar Galvão. Ausente, justificadamente, o Ministro SydneySanches. Subprocurador-Geral da República, Dr. Miguel Frauzino Pereira.

Brasília, 30 de novembro de 1993 — Ricardo Dias Duarte, Secretário.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EMHABEAS CORPUS 82.390 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Embargantes: Elaine Cristina do Prado Brunheroto Pires, José Carlos AndradeGomes e José Gallardo Dias ou José Gallardo Diaz — Embargado: Ministério PúblicoFederal

Embargos de declaração: ausência dos seus pressupostos: rejeição.

1. Embargos de declaração a acórdão que, na linha da decisãoplenária do HC 81.611, Pertence, Informativo STF 333, deu provimentoao recurso de habeas corpus, para declarar a nulidade do processo, desdea denúncia, inclusive, sem curso, no entanto, a prescrição penal.

2. Manifesta improcedência dos embargos que não se prestam: aexplicitar pretendida sinonímia entre a declaração de nulidade desdea denúncia, inclusive, e o chamado “trancamento da ação penal”; acuidar da validade ou não da representação fiscal, da qual, declaradaa nulidade do processo penal que provocou, nenhuma lesão ou ameaçaresulta para a liberdade de locomoção do paciente; a declarar ofundamento do “trancamento da ação penal”, longamente deduzidona decisão embargada e a alterar o julgado quanto à suspensão daprescrição.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PrimeiraTurma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro SepúlvedaPertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, porunanimidade de votos, rejeitar os embargos de declaração no recurso em habeascorpus e determinar à Secretaria do Tribunal a retificação da autuação, nos termos dovoto do Relator.

Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Trata-se de embargos de declaração contraacórdão desta Turma, que, por maioria de votos, deu provimento ao recurso ordinárioem habeas corpus, nos termos da ementa transcrita:

“Ementa: Crime material contra a ordem tributária (Lei 8.137/90, art.1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administra-tivo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescriçãoenquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo: precedente(HC 81.611, Pleno, 10-12-2003, Pertence, Informativo STF 333).”

Este o voto-condutor por mim proferido após o pedido de vista (fls. 206/209):

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“Os pacientes foram condenados — na forma dos arts. 29 e 71 do CódigoPenal — por infração do art. 1º, II, da Lei 8.137/90, que incrimina o fato de“fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindooperação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela leifiscal”.

No dia 12-7-95 (fls. 194/212; 329/475 – apensos I e II) os pacientes recorre-ram administrativamente junto ao Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo,objetivando o cancelamento da ‘exigência fiscal' decorrente dos fatos objeto dadenúncia.

Antes do julgamento de referidos recursos, foi oferecida denúncia, recebidaem 19-6-96 (fls. 2/3 e 481/482 — apensos 1 e 3), sobrevindo a sentençacondenatória, na qual se sustentou que ‘o exaurimento da via administrativa nãoé necessária para obstar' a ação penal (fl. 576 — apenso 3).

Na mesma linha, o acórdão da apelação interposta pela Defesa, verbis (fl. 663 —apenso 3):

“(...) Nos crimes previstos na Lei n. 8.137/90, como é o caso dos autos,não há necessidade de representação da Fazenda Pública, uma vez que setrata de ação pública incondicionada.

Também não há necessidade de o Ministério Público esperar o exau-rimento da via administrativa para oferecimento da denúncia, bastando,para tanto, prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.”

Daí a impetração do habeas corpus perante o STJ, que denegou a ordem emanteve a condenação ao fundamento de que ‘a propositura da ação penal,envolvendo os delitos tipificados na Lei n. 8.137/90, independe do prévioesgotamento do procedimento administrativo-tributário instaurado', nem é ne-cessária, para o oferecimento da denúncia, ‘prévia representação da FazendaPública', nos termos do art. 83 da Lei 9.430/96 (fls. 32/42).

Donde o presente recurso ordinário, ao qual negou provimento o em.Relator — Ministro Moreira Alves — que após transcrever o acórdão do STJ,assim votou:

‘1. Não têm razão os recorrentes.

Com efeito, quanto à questão de que o delito previsto no artigo 1º,II, da Lei n. 8.137/90, combinado com o artigo 83 da Lei n. 9.430/96,necessita de representação da Fazenda Pública, tratando-se de açãopenal pública condicionada à representação do ofendido.

Esta Corte, ao julgar a ADI 1.571-MC, entendeu que o artigo 83 daLei n. 9.430/96 deve ser entendido no sentido de que não define condiçãode procedibilidade para a instauração da ação penal pública pelo Minis-tério Público. Daí, ambas as Turmas deste Tribunal, seguindo essa orien-tação, afirmarem que o artigo 83 da Lei 9.430/96 não estabelece condi-ção de procedibilidade para a instauração da ação penal pública pelo

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Ministério Público, que pode antes mesmo de encerrada a instânciaadministrativa, que é autônoma, propor a ação penal com relação aoscrimes a que ele alude.

Por outro lado, não é exato que a sentença de primeiro grau e oacórdão do Tribunal de Justiça não tenham analisado o envolvimentodos recorrentes no fato criminoso, como demonstrou o acórdão orarecorrido, transcrevendo, a propósito, os trechos dessas decisões que seencontram, respectivamente, a fls. 579/580 e 663/665 do apenso. É,aliás, de observar-se que, nos crimes de autoria coletiva ou conjunta,em especial nos delitos praticados em sociedade, não é necessária aespecificação pormenorizada da conduta de cada agente (cfe. HC71.788, 2ª Turma, com relação ao crime contra a ordem tributária).Note-se, ainda, que as penas privativas de liberdade foram fixadas nomínimo legal e, posteriormente, substituídas por duas penas restritivasde direitos.

Finalmente, quanto à terceira alegação desse recurso, está corretoo parecer da Procuradoria-Geral da República (...) (fl. 171).

2. Em face do exposto, nego provimento ao presente recurso.”

II

Após o pedido de vista, no julgamento do HC 81.611, Pleno, por mimrelatado, j. 10-12-03, Informativo STF 333, esta Corte firmou entendimento nosentido de que, ‘nos crimes do art. 1º da Lei 8.137/90, que são materiais ou deresultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia umacondição objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento essencial àexigibilidade da obrigação tributária, cuja existência ou montante não sepode afirmar até que haja o efeito preclusivo da decisão final em sede adminis-trativa’ ou, segundo outros votos que também compuseram a maioria, elementoessencial à tipicidade do fato.

Este é o caso dos autos, pois a denúncia foi recebida antes de haver decisãodefinitiva no processo administrativo.

Assim, dou provimento ao recurso de habeas corpus, para declarar a nulida-de do processo, desde a denúncia, inclusive, sem curso, no entanto, a prescriçãopenal.”

Donde os presentes embargos, com os quais se pretende:

a) “fique entendido que a inclusão da denúncia na declaração de nulidadedo processo tem o mesmo significado semântico do que trancamento da açãopenal por falta de justa causa”;

b) seja anulada, também, “a representação fiscal, sob pena, inclusive, deresponsabilidade administrativa, civil e penal em face daqueles que de formaextemporânea deram causa ao constrangimento dos embargantes: Administra-ção, Autoridade Administrativa, Ministério Público, Promotor de Justiça (...)”;

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c) “seja declarado, expressamente, o fundamento legal que ensejou otrancamento da ação penal”;

d) seja afastada a suspensão da prescrição, “já que falta justa causa até paraacusação, ou subsidiariamente, que seja estipulado qual o período, início e fim,da suspensão, bem como fundamento legal”.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Manifesta a improcedência dosembargos de declaração que não se prestam:

a) para explicitar a pretendida sinonímia entre a declaração de nulidade desde adenúncia, inclusive — conforme o dispositivo do acórdão — e o chamado “trancamentoda ação penal”;

b) para cuidar da validade ou não da representação fiscal, da qual, declarada anulidade do processo penal que provocou, nenhuma lesão ou ameaça resulta para aliberdade de locomoção do paciente;

c) para declarar o fundamento do “trancamento da ação penal”, longamentededuzido na decisão embargada;

d) para alterar o julgado quanto à suspensão da prescrição.

Rejeito os embargos: é o meu voto.

Observe a Secretaria os pedidos relativos à autuação e às intimações formuladosao final dos embargos.

EXTRATO DA ATA

RHC 82.390-ED/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Embargantes:Elaine Cristina do Prado Brunheroto Pires, José Carlos Andrade Gomes e José GallardoDias ou José Gallardo Diaz (Advogados: Raouf Kardous e outros e Rodrigo PittasYamashita). Embargado: Ministério Público Federal.

Decisão: A Turma rejeitou os embargos de declaração no recurso em habeascorpus e determinou à Secretaria do Tribunal a retificação da autuação, nos termos dovoto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS 82.770 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes

Embargante: Rogério Costa de Andrade e Silva — Embargado: Superior Tribunalde Justiça

Embargos de declaração no habeas corpus. 2. Crime hediondo —duplo homicídio qualificado. 3. Alegação de omissão no acórdãoembargado quanto o fundamento da prisão preventiva decretada nasentença condenatória. 4. Discussão acerca do direito de apelar emliberdade. 5. Matéria em apreciação pelo Plenário desta Corte (Rcl2.391). 6. Decreto da prisão preventiva devidamente fundamentado paragarantia da ordem pública (CPP, art. 312) 7. Inocorrência de omissão,contradição ou obscuridade. 8. Efeitos infringentes. 9. Descabimento. 10.Embargos de declaração rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o Habeas Corpus n. 82.770/RJ, deRelatoria do Min. Celso de Mello, em que fui o redator para o acórdão, esta Turmaindeferiu a ordem, por maioria, estando o acórdão assim ementado:

“Ementa: Habeas corpus. 2. Superior Tribunal de Justiça. 3. Duplo homicí-dio qualificado. 4. Crime hediondo. 5. Apelação em liberdade. 6. Repugna-se afundamentação de prisão cautelar assente simplesmente em clamor público. 7. Daleitura do § 2º do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25-7-90, extrai-se que a regra é aproibição de se apelar em liberdade, que só pode ser afastada mediante decisãofundamentada do juiz. Precedentes. 8. Habeas corpus indeferido.” (fl. 174)

Primeiramente, o então Vice-Presidente desta Corte, Min. Ilmar Galvão, no exer-cício da Presidência, apreciou o pedido de liminar no HC 82.770/RJ, indeferindo-o (fls.37-38). Após a distribuição do feito ao Relator Min. Celso de Mello, houve pedido dereconsideração, sendo concedido o direito de apelar em liberdade (fls. 54-60).

Por ocasião do julgamento, o Min. Celso de Mello votou pela concessão daordem, por entender que o decreto da prisão preventiva não estava devidamentefundamentado, por caracterizar a prisão apenas com relação às hipóteses do art. 312 doCódigo de Processo Penal, sem fazer qualquer referência ao art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/90(fls. 125-162). Abri divergência, acompanhando o entendimento da Corte sobre a

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questão, que entendia que “da leitura do § 2º do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25-7-90,extrai-se que a regra é a proibição de se apelar em liberdade, que só pode ser afastadamediante decisão fundamentada do juiz” (fl. 174).

O embargante, Rogério Costa de Andrade e Silva, opôs os embargos de declara-ção de fls. 179-190, com pedido de efeito modificativo, em que sustenta o direito deapelar em liberdade, pelas seguintes razões, verbis:

“Concessa vênia, para assim decidir, a Eg. Segunda Turma do STF incidiuem grave equívoco e patente omissão, cujo suprimento ou sanação, por via dospresentes embargos declaratórios, importará na alteração do julgado, na linha denumerosos e expressivos precedentes da Suprema Corte, como se verá a seguir.

Como por duas vezes ressaltou o eminente Ministro Celso de Mello, acontrovérsia suscitada na impetração cinge-se ao fato de que o decreto de prisãopreventiva e o acórdão do STJ que o convalidou negaram ao paciente o direitode recorrer em liberdade, sem fazer qualquer alusão, para tanto, à normainscrita no art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/90, optando por invocar razões —fundadas, unicamente, no art. 312 do CPP — que lhe parecem pertinentes,embora destituídas de base empírica derivada da existência de fatos concretosreveladores da necessidade da adoção, no caso, da medida excepcional da priva-ção cautelar da liberdade de locomoção física do paciente.

Ocorre que, no voto condutor da decisão majoritária da Suprema Corte, oeminente Ministro Gilmar Mendes reconheceu que as decisões impugnadas nãose sustentavam do ponto de vista da fundamentação que expenderam para aadoção e manutenção da medida excepcional constritiva da liberdade do pacien-te. A despeito disso, manteve a prisão do paciente mediante a invocação defundamento que não integrou o decreto de prisão cautelar nem a decisão com queo STJ o convalidou — ou seja, mediante a invocação do art. 2º, § 2º, da Lei n.8.072/90.

Evidente, pois, que o v. acórdão embargado omitiu-se em apreciar o funda-mento nuclear da impetração, por mais de uma vez destacado pelo eminenteMinistro Celso de Mello, no sentido de que, não tendo o art. 2º, § 2º, da Lei n.8.072/90 sido invocado como fundamento do decreto de prisão preventiva, atoda evidência não poderia incidir na espécie dos autos, a não ser com gravecomprometimento do sistema de garantia jurídica, como em casos análogosreconhece a jurisprudência pacífica da Suprema Corte.” (fls. 185-186)

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Tal como relatado, discute-se nos pre-sentes embargos o direito de apelar em liberdade. O paciente foi condenado à dezenoveanos e dez meses de reclusão pela prática de duplo homicídio qualificado, tendo sidodecretada sua prisão preventiva na sentença condenatória, com o fim de resguardar aordem pública.

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Irresignado, interpôs apelação. Buscando apelar em liberdade, impetrou habeascorpus no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e no Superior Tribunal deJustiça (STJ), sendo ambos indeferidos, pela inexistência de constrangimento ilegal.

Após, impetrou habeas corpus perante esta Corte, tendo sido, primeiramente,indeferido o pedido de liminar, mas, depois do pedido de reconsideração, teve acautelar deferida.

Em 27-8-2003, a ordem de habeas corpus foi indeferida, por maioria, entendendoque o § 2º do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25-7-1990, dispõe como regra a proibição daapelação em liberdade. O Relator Min. Celso de Mello foi vencido, por entender que odecreto da prisão preventiva não se encontrava devidamente fundamentado em relaçãoà Lei n. 8.072/90, mas apenas quanto ao art. 312 do Código de Processo Penal,concluindo, assim, que o paciente teria o direito de recorrer em liberdade.

O recurso de embargos de declaração é cabível para demonstrar a ocorrência deomissão, contradição ou obscuridade da decisão embargada (arts. 619 e 620 do Códigode Processo Penal).

No presente caso, o embargante não indicou como o acórdão teria incorrido emuma das hipóteses que legitimam a oposição de embargos de declaração. Na verdade,busca-se, com a rediscussão da matéria decidida no acórdão recorrido, dar ao presenterecurso efeito infringente, o que é inviável na via eleita. Nesse sentido, inúmerosprecedentes: HC n. 84.793/SP, de minha Relatoria, DJ de 11-11-005; HC n. 84.420/PI,Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 8-10-2004; HC n. 83.999/RS, Rel. Min. Carlos Britto,DJ de 17-4-04; HC n. 81.024/PR, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 26-3-04; HC n. 82138/SC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14-11-2002.

Quanto à matéria de fundo, a possibilidade de apelação em liberdade está sendorediscutida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na Rcl 2.391. O entendimentoque está a se firmar, inclusive com o meu voto, impõe que a prisão cautelar, anterior aotrânsito em julgado de sentença condenatória, seja fundamentada nos termos do art.312 do CPP.

À fl. 1882 do “Apenso-01”, constam as razões da negativa do direito de recorrerem liberdade, dentre as quais destaco o seguinte excerto, verbis:

“É mais do que sabido que a Constituição da República consagra, dentreoutros, o princípio irretocável do estado de inocência. Por isso, só em casos deextrema excepcionalidade e imperiosa necessidade é que se pode privarcautelarmente a liberdade de um indivíduo. No caso em tela, o que se temverificado nesta longa jornada de julgamento é que a ordem pública de nossoEstado merece proteção, respeito, consideração e garantia. Não se pode admitir,sob pena de desmoralização da Justiça que merece o nosso país, que o oracondenado pelos dignos e corajosos representantes de nossa sociedade saia pelasportas deste Palácio da Justiça, acompanhado da corte que aqui o trouxe e queaqui o reverenciou todo o tempo, para continuar expondo a vida de outros,escudado no seu notório poder econômico, enxovalhando agentes públicos e, o

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que é pior, levando insegurança e medo aos cidadãos que licitamente sobre-vivem nesta cidade. Não se pode negar o óbvio. A justiça deste IV Tribunal doJúri tem por dever restaurar e, frise-se, garantir que a ordem pública sejarestabelecida, como autoriza o art. 312 do CPP, que neste particular foirecepcionado pela Lei Maior. É bom lembrar que o conceito de ordem públicanão se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também acautelaro meio social e a própria credibilidade da justiça, em face da gravidade docrime e de sua repercussão. A decisão dos Srs. Jurados merece respeito. OTribunal do Povo merece respeito. Nossa cidade merece respeito. Nosso paísmerece respeito. Deixar Rogério Costa de Andrade e Silva solto seria desres-peito. Por isso, decreto a sua prisão cautelar, determinando a expedição docompetente mandado.”

Aliás conforme o próprio ora embargante reconhece expressamente, verbis:“como por duas vezes ressaltou o eminente Ministro Celso de Mello, a controvérsiasuscitada na impetração cinge-se ao fato de que o decreto de prisão preventiva e oacórdão do STJ que o convalidou negaram ao paciente o direito de recorrer emliberdade, sem fazer qualquer alusão, para tanto, à norma inscrita no art. 2º, § 2º, daLei n. 8.072/90, optando por invocar razões — fundadas, unicamente, no art. 312 doCPP.” (fl. 185)

No caso concreto, observo que o decreto prisional, de forma inequívoca, ressaltoua possibilidade de que os trâmites processuais fossem obstados pelo paciente de modoa comprometer a própria credibilidade da justiça. Nesse sentido, entendo que a custó-dia cautelar foi devidamente fundamentada com garantia da ordem pública, nos termosdo art. 312 do Código de Processo penal.

Ante o exposto, diante da inexistência de obscuridade, omissão ou contradiçãona decisão ora embargada, rejeito os presentes embargos.

EXTRATO DA ATA

HC 82.770-ED/RJ — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Embargante: RogérioCosta de Andrade e Silva (Advogado: Antonio Nabor Areias Bulhões). Embargado:Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma, por votação unânime, rejeitou os embargos de declaração, nostermos do voto do Relator.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 83.658 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Joaquim Barbosa

Paciente: César Andrade Lima Souto ou César Andrade de Lima Souto — Impetrantes:Antonio Carlos de Almeida Castro e outros — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Corrupção ativa. Condenação. Provas. Princípio dacorrelação entre acusação e sentença. Absolvição dos supostos corrom-pidos. Pena. Fixação. Circunstâncias judiciais e aumento de pena pelacontinuidade delitiva. Motivação. Hipótese de concessão da ordem deofício rejeitada.

Não procede o argumento de negativa de autoria, baseado na ausên-cia de prova para a condenação, dado que o paciente, responsável pelacontabilidade do esquema do jogo do bicho, foi identificado por testemu-nha e mediante perícia grafotécnica, realizada em diversos livros-caixa,como um dos autores do crime de corrupção ativa.

As provas indicativas da autoria delituosa foram produzidas nocurso da instrução processual, de sorte que não há como falar em ilicitudeda condenação.

O paciente foi acusado e condenado — por ser um dos mentores dasoperações criminosas do jogo do bicho — como partícipe no crime decorrupção ativa na modalidade “oferecer vantagem indevida”, do quenão decorre violação do princípio da correlação entre acusação e sentença,afastando-se a hipótese de anulação do acórdão condenatório.

A absolvição de um dos denunciados não exclui a condenação dopaciente, em razão da existência de diversos outros agentes condenadospor corrupção passiva, que receberam propina proveniente do fundogerido pelo paciente. Rejeitada a tese da ausência de bilateralidade entre“oferecer” e “receber” vantagem indevida.

As circunstâncias judiciais, enumeradas pelo art. 59 do CódigoPenal, foram todas criteriosamente analisadas pelo acórdão condenatóriopara a fixação da pena-base.

O fato de o réu ter ou não maus antecedentes torna-se irrelevantepara obstar a fixação da pena-base acima do mínimo legal, se todas asdemais circunstâncias judiciais lhes são desfavoráveis e devidamentejustificadas pela decisão condenatória.

Mostra-se plenamente justificado o aumento de pena pela continui-dade delitiva, em face da exaustiva demonstração, em cinco laudas emeia, de 143 lançamentos registrados em livros-caixa de propinas pagasa diversas autoridades, em que se aponta o número de crimes praticados,as datas e os valores correspondentes.

Rejeitada a proposta de concessão de ofício da ordem.

Habeas corpus indeferido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,indeferir o pedido de habeas corpus, vencido, em parte, o Ministro Cezar Peluso, queconcedia de ofício o habeas corpus, para devolver o julgamento da impetração aoSuperior Tribunal de Justiça, a fim de que fossem examinados os tópicos enumeradosem seu voto.

Brasília, 29 de junho de 2004 — Joaquim Barbosa, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de habeas corpus impetrado em favorde César Andrade Lima Souto, tendo por autoridade coatora a Sexta Turma doSuperior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem requerida no HC 24.352.

O paciente foi condenado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estadodo Rio de Janeiro, pela prática de corrupção ativa. Em face desse acórdão, impetrou-sehabeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem. Por fim,impetrou-se o presente writ.

O acórdão do Superior Tribunal de Justiça tem a seguinte ementa:

“Habeas corpus.

- O exame detalhado da prova não é próprio do habeas corpus.

- Ordem denegada.” (Fl. 65)

Os impetrantes alegam (i) ausência de ligação fática entre o paciente e os fatos quederam ensejo a sua condenação e (ii) impossibilidade de condenação do corruptor emface da absolvição do corrompido. Conseqüentemente, pedem a anulação do acórdãocondenatório.

As informações de praxe foram prestadas (fls. 65-85).

A Procuradoria-Geral da República opina pela denegação da ordem, em virtudeda impossibilidade da apreciação de matéria fática (fls. 88-103).

É o relatório.

VOTO (Preliminar)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A presente impetração submete àjurisdição da Corte duas questões: de um lado, a inexistência de prova da participaçãodo paciente nos fatos que levaram a sua condenação; de outro, a impossibilidade decondenação de alguém por corrupção ativa na hipótese de absolvição dos supostoscorrompidos.

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Preliminarmente, esclareço que o deslinde dessas questões exige profunda medi-tação sobre o material probatório. Certo, o entendimento contrário à análise fática emhabeas corpus há de ser invocado com certa parcimônia, pois o julgamento da tese éindissociável do julgamento do fato (cf. HC 83.348, Rel. Min. Joaquim Barbosa; HC82.405, Rel. Min. Maurício Corrêa; HC 80.639, Rel. Min. Nelson Jobim, e RHC 55.947,Rel. Min. Djaci Falcão).

No entanto, na presente impetração o remédio de habeas corpus foi utilizado —como tem ocorrido freqüentemente — de forma indevida, ou seja, como se fosse merorecurso, a exigir do julgador a ponderação acerca das versões apresentadas e de todas asprovas colhidas, e não sobre a legalidade do julgamento ou sobre eventual abuso nelepraticado. Para a apreciação do mérito, é necessário — conforme se verá caso a presentepreliminar não seja acolhida — exaustivo estudo e posterior valoração de fatos, o quesabidamente não é nem pode ser a função do habeas corpus.

Ora, é inadmissível que o Supremo Tribunal Federal tenha, na via estreita dohabeas corpus, de se travestir em juízo recursal, quando as instâncias ordinárias já seencontram esgotadas. Há, dessa forma, um distanciamento de sua missão de guardar aConstituição, para resolver, de forma tópica, questões probatórias.

Assim, creio seja hipótese de não-conhecimento da impetração.

É como voto, Senhor Presidente.

EXTRATO DA ATA

HC 83.658/RJ — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: César AndradeLima Souto ou César Andrade de Lima Souto. Impetrantes: Antonio Carlos de AlmeidaCastro e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Após os votos dos Ministros Joaquim Barbosa, Relator, e Carlos Brittonão conhecendo do pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro CezarPeluso. Falou pelo paciente o Dr. Nélio Machado.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geralda República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.

Brasília, 20 de abril de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Vista)

Ementa: Ação penal. Competência originária do Tribu-nal de Justiça. Condenação. Impugnação mediante Habeascorpus. Alegação de questões de direito. Não-conhecimentopelo STJ, sob fundamento de necessidade de reexame de pro-va. Inadmissibilidade. HC concedido de ofício para cassaçãodo acórdão.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de pedido de habeas corpus, substitutivode recurso ordinário, impetrado em favor de César Andrade Lima Souto ou César

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Andrade de Lima Souto contra ato do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu writtendente a anular acórdão que condenou o ora paciente à pena de seis anos de reclusãoe de sessenta dias-multa, pela prática do crime descrito no art. 333, c.c arts. 29 e 71,todos do Código Penal.

Conforme o relatório do Min. Joaquim Barbosa:

“Os impetrantes sustentam (i) a ausência de ligação fática entre o paciente eos fatos que ensejaram sua condenação e (ii) a impossibilidade de condenação docorruptor em face da absolvição do corrompido” (p. 2 do relatório).

O Ministério Público é pelo indeferimento da ordem.

O Ministro Relator, todavia, não conhece do pedido, porque sua apreciaçãoenvolveria aprofundado reexame de prova, inadmissível no âmbito do habeas corpus,verbis:

“Preliminarmente, esclareço que o deslinde dessas questões exige, necessa-riamente, uma profunda meditação sobre o material probatório. Certo, o enten-dimento contrário à análise fática em habeas corpus há de ser invocado com certaparcimônia, pois o julgamento da tese é indissociável do julgamento do fato (cf.HC 83.348, de minha Relatoria; HC 82.405, Rel. Min. Maurício Corrêa; HC80.639, Rel. Min. Nelson Jobim, e RHC 55.947, Rel. Min. Djaci Falcão).

No entanto, na presente impetração, o remédio de habeas corpus foi utili-zado — como tem ocorrido freqüentemente — de forma indevida, ou seja, comose fosse mero recurso, a exigir do julgador a ponderação sobre todas as provascolhidas e sobre as versões apresentadas, e não sobre a legalidade do julgamentoou sobre eventual abuso nele praticado. Para a apreciação do mérito, é necessário —conforme se verá caso a presente preliminar não seja acolhida — um exaustivoestudo e posterior valoração de fatos, o que, sabidamente, não é e nem pode ser afunção do habeas corpus. Ora, é inadmissível que o Supremo Tribunal Federaltenha, na via estreita desse writ, de se travestir em juízo recursal, quando asinstâncias ordinárias já se encontram esgotadas. Há, dessa forma, umdistanciamento de sua missão a guardar a Constituição, para resolver, de formatópica, questões probatórias. Assim, creio seja hipótese de não-conhecimento daimpetração” (pp. 1-2 do voto).

O Ministro Carlos Britto acompanha o Relator.

2. Este writ é substitutivo do recurso ordinário, previsto no art. 102, II, a, daConstituição Federal, que reza:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guardada Constituição, cabendo-lhe:

(...)

II - julgar, em recurso ordinário:

a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado deinjunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatóriaa decisão”.

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Tal recurso é “impugnação equivalente à apelação, permitindo amplo reexamedas questões decididas no tribunal a quo; assim, tanto a matéria de direito comoeventuais questões de fato, dentro, é evidente, das limitações próprias do procedimen-to analisado, podem ser objeto de irresignação” (Grinover, Ada Pellegrini, GomesFilho, Antonio Magalhães, Fernandes, Antonio Scarance. Recursos no processo pe-nal. 3 ed. rev. atual. ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 382. Grifei).

De modo que, diversamente do que sustenta o ilustre Ministro Relator, a Consti-tuição da República atribuiu, sim, a esta Corte o poder de ampla cognição, horizontal evertical, dos temas cabíveis no âmbito do recurso, previsto nela sob título de ordinário,para contrariar julgamento de habeas corpus denegado, em única instância, por TribunalSuperior. É o caso.

Ora, se do julgamento do pedido de habeas corpus, pelo Superior Tribunal deJustiça, quadra, de um lado, recurso ordinário constitucional, com ilimitada cogniçãodo material decisório, e, de outro, uso substitutivo de outro habeas corpus (cf. RHC n.83.941, Min. Joaquim Barbosa; HC n. 80.103, Min. Sydney Sanches; HC n. 79.765,Min. Moreira Alves), a este não se pode deixar de reconhecer o mesmo espectro decognição próprio da devolutividade do recurso substituído, nos limites do objeto doacórdão impugnado (HC n. 79.765, Min. Moreira Alves; HC n. 79.551, Min. NelsonJobim; HC n. 77.807, Min. Moreira Alves). O objeto, assim do recurso ordinário,como do habeas corpus substitutivo, é delimitado pela decisão denegatória de habeascorpus proferida por Tribunal Superior, neste caso o Superior Tribunal de Justiça.

A decisão aqui atacada denegou a ordem, sob fundamento de não caber emhabeas corpus o exame minucioso da prova (HC n. 24.352, fl. 65). Logo, a presenteimpugnação deve ater-se à questão de saber se o pedido original visava, deveras, ao“exame detalhado da prova”.

3. Faço breve digressão neste ponto.

Sigo de perto o entendimento reiterado do ilustre Presidente da Turma, Min.Sepúlveda Pertence, de que se deva emprestar ao remédio constitucional do habeascorpus o mais largo âmbito de admissibilidade.

Ora, conquanto o acórdão impugnado não tenha descido ao exame da matériaposta no habeas corpus, a qual foi tida por incognoscível, conformou-se a respeito oimpetrante, que se adscreve a reapresentar, nesta Corte, os argumentos deduzidos, masnão conhecidos, perante o Superior Tribunal de Justiça.

Poderia eu invocar, então, precedente da Turma, que, expresso no RHC n. 80.110(Rel. Min. Sepúlveda Pertence), assenta boa doutrina:

“Somado à inexigibilidade do prequestionamento, o poder-dever da con-cessão do habeas corpus de ofício permite — quando manifesta a ilegalidadeque o Tribunal coator se haja indevidamente recusado a examinar — que sesobreponha a decisão imediata e favorável do caso à ortodoxia da nãosupressão de instância”.

Mas particularidade do caso parece recomendar-me outra solução.

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É que, cuidando-se de sentença condenatória prolatada no exercício de competên-cia originária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, não lhe prevê, oordenamento, recurso de devolutividade que, análoga à da apelação, permitisse cogniçãoplena das questões de fato e de direito versadas na instância de origem. Ao ora pacienteficam-lhe apenas os recursos especial e extraordinário, ambos de admissibilidade ecognição restritas, e a ação de habeas corpus, de alcance não menos curto.

Se se penetra no mérito das questões não decididas pelo Superior Tribunal deJustiça, subtrai-se-lhe ao paciente a possibilidade de sua discussão por mais umainstância: decisão desfavorável daquela Corte sempre autorizará impetração de habeascorpus para esta. Daí, afigurar-se-me gravoso ao status libertatis do paciente examinardesde logo aquelas questões, não obstante a aparência de graves nulidades que,desafiando ordem oficial de habeas corpus, maculariam o processo, designadamente:

a) falta de correlação entre a acusação e a sentença: enquanto a denúncia imputaprática de corrupção ativa, consumada mediante comportamento integrativo de outrem(“mediante prepostos e intermediários”), a sentença condena por autoria direta docrime (“prática de atos de corrupção”);

b) equivocada avaliação de duas circunstâncias judiciais: a consideração de duasações penais, ainda em curso, como “maus antecedentes”, e o motivo invocado —“enriquecimento fácil à custa das economias exatamente das camadas mais pobres dasociedade, nas quais recrutam os apostadores do ‘jogo do bicho’ e outros semelhan-tes” (fl. 251) —, o qual se mostra estranho ao crime por que foi o paciente condenado,corrupção ativa, e não, como por erro considerou a sentença condenatória, promoção de“jogo do bicho”;

c) falta de justificação do aumento de pena pela continuidade delitiva: a senten-ça, sem identificar nem sequer mencionar quantos crimes teriam sido praticados pelopaciente, aumentou-a de metade, exasperando o mínimo legal,1 sem fundamento ade-quado (“tendo em vista o grande número de crimes”).

4. Retomando o raciocínio, a impetração perante o Superior Tribunal de Justiçacentrou-se na alegação de (a) “impossibilidade manifesta de se inocentar alguémacusado de corrupção passiva, na modalidade de recebimento de vantagem indevida,condenando-se o pretenso doador que nada concedeu” (Apenso 1, inicial do habeascorpus, fl. 21); (b) “não-comprovação do fato narrado na denúncia”; e (c)“imprestabilidade de elemento de prova obtido em fase extrajudicial, em contexto noqual restou inobservado o contraditório” (idem, fl. 27).

Conquanto a segunda questão (b) — relativa à não-comprovação do fato narradona denúncia — pudesse ou possa envolver, em tese, reexame da prova, igual coisa jánão se pode dizer dos outros dois fundamentos submetidos ao Superior Tribunal deJustiça (a) e (c).

1 Código Penal, art. 71, caput: “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, praticadois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outrassemelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a penade um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de umsexto a dois terços” (grifei).

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O primeiro deles (a) exige apenas o exame dos termos do acórdão condenatório,não das provas em que se baseou, à medida que corresponde a uma questão de direito(quaestio iuris), qual seja, a de que não poderia ser condenado por corrupção ativa oacusado de pagamento de “vantagem indevida a funcionário público” (art. 333 doCódigo Penal), quando, por falta de prova, a mesma decisão absolve o “funcionáriopúblico” que a teria recebido e praticado o crime de corrupção passiva (art. 317, CódigoPenal), bem como o terceiro que teria intermediado a entrega do numerário.

Não se discutia, neste tópico do writ original, acerca da valoração da prova, de suasuficiência ou não, mas tão-só, à luz das motivações do próprio acórdão, sobre ahipotética ilegalidade de condenação que, pressupondo certeza do fato consistente napercepção da vantagem pecuniária indevida, o teve por incerto. O que ali se fustigavanão era a condenação do paciente por deficiência da prova contra ele eventualmenteproduzida, senão a condenação associada à absolvição de quem que teria recebido avantagem indevida por ele paga. Donde, vê-se logo que o deslinde da matéria nãodependia em nada do reexame da prova, e, muito menos, de seu “exame detalhado”,mas só da análise de pressupostos lógicos e jurídicos da condenação.

A mesma observação vale para o terceiro fundamento (c), vazado na argüição deilicitude do uso de elemento de prova obtido em fase extrajudicial, não sujeito ao crivodo contraditório, como expresso suporte retórico da condenação. É que o tema não dizcom necessidade de revisão do valor persuasivo do depoimento em si, senão com a suavalidade à luz das normas constitucionais e processuais penais que disciplinam aadmissibilidade, a produção e a valoração das provas. É, aliás, o que já notou estaCorte, em sede mesma de habeas corpus:

“Prova. Princípio constitucional do contraditório. Condenação fundadaexclusivamente no inquérito. Falta de justa causa para a condenação. É corolárioinevitável da garantia da contraditoriedade da instrução criminal que acondenação não se pode fundar exclusivamente nos elementos informativosdo inquérito policial, sequer ratificados no curso do processo, sobretudo,quando as investigação policiais não lograram fornecer nem a prova material docrime e da autoria e tudo se baseia em provas orais, desmentidas em juízo” (HC n.67.917, Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Grifei).

Equivocou-se, também aqui, o Superior Tribunal de Justiça, ao argumentar cominviabilidade de reexame pormenorizado da prova, para indeferir a ordem, quandodisso não se tratava.

Conforme já decidiu o Plenário desta Corte:

“No procedimento sumário e documental do habeas corpus, não cabeinverter, mediante reavaliação de provas controvertidas, o suposto de fato quehaja constituído a premissa menor do silogismo judicial da decisão condenatóriaque se pretenda carente de justa causa; nele, contudo, é lícito verificar — quandoa verificação não reclama o deslinde de controvérsias sobre provas de significa-ção equívoca —, a inexistência material de prova necessária à construção dosuposto de fato da decisão coatora” (HC n. 71.161, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.Grifei. No mesmo sentido, cf. ainda, HC n. 72.500, Rel. Min. Sydney Sanches, eHC n. 83.542, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

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Por todas essas razões, voto pelo não-conhecimento do pedido, mas concedohabeas corpus de ofício para, cassando o acórdão proferido pelo Superior Tribunal deJustiça, determinar a essa egrégia Corte que aprecie o mérito dos fundamentos enuncia-dos, que não postulam reexame algum da prova.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Vossa Excelência não conhece por quê?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não quero adentrar o conhecimento dessas matérias,porque suprimiria uma instância, eventualmente em prejuízo do status libertatis.Supondo-se que o paciente lhe visse negados, desde logo, todos esses fundamentos,perderia o juízo de uma instância.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente) — Mesmo contra o “parecer” deVossa Excelência?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator) — Senhor Presidente, temos um proble-ma sério: sou o Relator e não avancei sobre o mérito; o Ministro Cezar Peluso, porém,o esgotou. Então, creio, há de me ser concedida a oportunidade não só de manter o meuvoto pelo não-conhecimento mas também de ler a parte relativa ao mérito.

O Sr. Ministro Carlos Britto: É pelo não-conhecimento ou pelo indeferimento?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não há divergência. Também não estou conhecendoda ação e concedendo o habeas corpus de ofício.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): E o Ministro Joaquim Barbosa?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não concedo, pelas razões que vouexpor no voto.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Senhor Presidente, se Vossa Excelência me permitea ousadia, gostaria primeiro de ser esclarecido.

O eminente Relator está reconsiderando o voto? Porque Sua Excelência nãoconhece do habeas corpus. A mim me parece que, agora, avança no exame das provasdo processo. Se não conhece do habeas corpus e se não há divergência, porque tambémnão conheço, não percebo bem como apreciar o mérito.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Falta colher os votos dos MinistrosMarco Aurélio e Sepúlveda Pertence.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Vossa Excelência não conheceu do habeas corpus.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não conheci e fui acompanhado peloMinistro Carlos Britto.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: O mesmo eu.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Já está formada a maioria pelo não-conhecimento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Seria interessante enfrentarmos a preliminar denão-conhecimento, porque Sua Excelência está indo, realmente, ao mérito, e, pelovisto, para indeferir o habeas corpus.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente. Noutras palavras, para não conhecer, SuaExcelência invocou o fundamento da impossibilidade da análise da prova e, agora,examina a prova para se encaminhar não sei bem para qual direção. Enfim, Sua Excelên-cia precisaria, em primeiro lugar, que a Turma julgadora tivesse conhecido do habeascorpus para poder avançar no conhecimento do mérito. Como Sua Excelência manteveo não-conhecimento — assim também votamos o Ministro Carlos Britto e eu —, a menosque algum de nós reconsidere os votos, não se conhecerá do habeas corpus.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Processualmente, seria o caso de conhecer e indeferir;não se trata de não-conhecimento.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Acho que, ao seguir o raciocínio doMinistro Cezar Peluso, estaremos deixando de lado a fundamentação do habeas corpuse reexaminando in totum a sentença.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ao que entendi, do MinistroCezar Peluso, S. Exa., na linha principal do seu raciocínio, procurou demonstrar que osargumentos postos perante o Superior Tribunal de Justiça não eram questões de fato,mas de direito.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente, duas questões idênticas. Eram trêsfundamentos, dentre os quais, realmente o segundo poderia envolver uma questão deapreciação de prova; mas o primeiro e o terceiro, como tentei demonstrar, eram merasquestões jurídicas, ou seja, de avaliação da juridicidade.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Mas acho que temos de concluir apreliminar.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas, então, vamos voltar à preliminar; se conhece-mos, ou não, do habeas corpus.

PROPOSTA DE ADIAMENTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, vamos ter umfenômeno inusitado: o Relator terá de pedir vista para examinar esse ponto, porque,como disse Vossa Excelência, o Ministro Cezar Peluso deu um verdadeiro parecer.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): O Tribunal tem o seu cerimonial;não se diz que o Relator pediu vista. Em rigor, ele conheceu dos autos e indicouadiamento.

EXTRATO DA ATA

HC 83.658/RJ — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: César AndradeLima Souto ou César Andrade de Lima Souto. Impetrantes: Antonio Carlos de AlmeidaCastro e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Prosseguindo o julgamento, após o voto do Ministro Cezar Peluso, quetambém não conhecia do pedido de habeas corpus, mas concedia a ordem de ofíciopara devolver a impetração a julgamento do Superior Tribunal de Justiça, o julgamentofoi adiado por indicação do Ministro Joaquim Barbosa, Relator.

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Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geralda República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.

Brasília, 25 de maio de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Sobre preliminar)(Retificação)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Senhor Presidente, trago novamente opresente habeas corpus para julgamento, a fim de evitar uma maior demora e, porconseqüência, possível prejuízo ao paciente.

Antes mesmo de retomar a discussão de fundo, gostaria de fazer breve retrospectodo feito.

A impetração traz como causas de pedir a ausência de vinculação entre o pacientee os fatos que deram ensejo a sua condenação, bem como a impossibilidade decondenação do corruptor ante a absolvição do corrompido.

Na sessão de 20-4-2004, levei o feito para julgamento e sustentei, em preliminar,a impossibilidade de conhecimento da impetração, visto que, no caso concreto, aanálise do mérito significaria nova valoração de fatos, provas e versões já decididospelo Tribunal de Justiça por ocasião da condenação do paciente. Noutras palavras, opresente habeas corpus não visa à correção de ilegalidade ou abuso de poder, mas, sim,a novo julgamento, em favor do paciente. Acompanhou-me nesse entendimento oMinistro Carlos Britto. Em seguida, o Ministro Cezar Peluso pediu vista dos autos.

Na sessão de 25-5-2004, o eminente Ministro Peluso, em seu voto-vista, nãoconhecia da impetração, por entender que, pelo fato de o Superior Tribunal de Justiçanão ter conhecido do habeas corpus lá impetrado, o julgamento do mérito da causa poresta Turma implicaria subtração de instância em desfavor do paciente. Sua Excelênciapropôs, então, a concessão de habeas corpus de ofício, porquanto o Superior Tribunalde Justiça não poderia ter-se furtado ao julgamento de mérito do writ lá impetrado.Além disso, o Ministro mencionou três questões que deveriam ser apreciadas poraquela Corte, a saber: a falta de correlação entre a denúncia e a sentença, a equivocadaavaliação de duas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e a falta demotivação do acórdão condenatório quanto ao aumento da pena por força da continui-dade delitiva.

Examino as propostas do Ministro Peluso.

Quando trouxe o feito para julgamento, salientei que o deslinde das questõesconcernentes às causas de pedir exige profunda meditação sobre o material probatório.Não quis dizer com isso, conforme textualmente afirmei, que me oponho sistematica-mente à análise de matéria fática, até porque isso é impossível dentro da atividadejudicante.

Por outro lado, o Ministro Peluso, na segunda assentada, afirmou que o SuperiorTribunal de Justiça não julgou o mérito da impetração, de sorte que não se poderiaconhecer do presente habeas corpus.

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De fato, a ementa do acórdão atacado nos dá essa impressão:

“Habeas corpus

O exame detalhado da prova não é próprio do habeas corpus.

Ordem denegada.” (Fl. 54)

Ocorre que da leitura dos votos proferidos cheguei a conclusão diversa. O voto doMinistro Relator no Superior Tribunal de Justiça, Fontes de Alencar, é pela denegaçãoda ordem. São utilizadas como fundamentação as provas produzidas contra o paciente,notadamente o testemunho de Ronaldo Soares de Azevedo, colhido em ação cautelarde produção antecipada de prova, e o laudo pericial que confirma serem do paciente asassinaturas encontradas nos livros-caixa regularmente apreendidos. A observação deque o habeas corpus não é meio idôneo para apreciação de provas, portanto, foiincidental e não implicou o não-conhecimento da impetração. Veja-se que o voto dopresidente da Sexta Turma daquele Tribunal, Ministro Paulo Gallotti, é enfático esintetiza toda a questão do presente writ. Transcrevo-o parcialmente:

“[...] nos termos em que posto o habeas corpus, ou seja, pretendendodemonstrar a impossibilidade da condenação do corruptor em face da absolviçãodo corrompido, penso, não obstante as minhas homenagens aos ilustresimpetrantes, inclusive, pelas belíssimas intervenções no plenário no dia de hoje,não ser possível a concessão da ordem. Isto porque, como bem demonstrou oMinistro Fontes de Alencar, o que já havia sido sublinhado no parecer daSubprocuradoria-Geral da República, a condenação não se de deu tão-somenteem razão do ato relacionado ao Juiz de Direito de Angra dos Reis que restouabsolvido. Tanto a denúncia quanto a acusação enumeram uma série de fatostidos como delituosos que teriam sido praticados em conluio por um númeromuito grande de pessoas, entre as quais o ora paciente.

Diante dos termos em que posto o habeas corpus, não vejo como concedera ordem.

Denego o pedido.” (Fl. 72)

Portanto, parece-me claro que o Superior Tribunal de Justiça examinou na suainteireza a tese central da impetração, embora a ementa do acórdão nos leve a outraconclusão.

Nesse aspecto, sem me vincular à tese da ampla cognição no âmbito do habeascorpus, preconizada pelo Ministro Peluso em seu voto vista, reformulo parcialmentemeu voto, visto que o Superior Tribunal de Justiça efetivamente enfrentou o mérito dowrit lá impetrado. Assim, afasto a preliminar de não-conhecimento tout court quesuscitei na sessão de 20 de abril do corrente ano e conheço da tese central daimpetração.

Examino agora as demais propostas do Ministro Peluso.

São três os argumentos ressaltados por Sua Excelência, a saber: (i) ausência decorrelação entre acusação e sentença, (ii) equivocadas valorações das circunstânciasjudiciais do art. 59 do Código Penal e (iii) falta de fundamentação do acórdãocondenatório quanto à majoração da pena pela continuidade delitiva.

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Quanto ao primeiro argumento, de ausência de correlação entre a imputação feitana denúncia e o acórdão condenatório, creio seja umbilicalmente ligado ao pontocentral da impetração, de modo que deverá ser abordada por ocasião do julgamento domérito.

No que diz respeito aos outros dois argumentos, concernentes exclusivamente àfixação da pena (e não à condenação do paciente), por dizerem respeito apenas àmatéria legal, creio seja possível levá-los em consideração no presente caso. E aquicabe a seguinte ponderação: o Ministro Peluso concede a ordem de ofício apenas paradeterminar ao Superior Tribunal de Justiça a análise dessas duas teses, sem, no entanto,concedê-la no mérito, nos seguintes termos:

“Daí, afigurar-se-me gravoso ao status libertatis do paciente examinar des-de logo aquelas questões, não obstante a aparência de graves nulidades que,desafiando ordem oficial de habeas corpus, maculariam o processo [...]”

Creio que a proposta de concessão de ofício feita por Sua Excelência não precisaser previamente apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, por três motivos. Primeiro,por tratar de questão meramente jurídica; segundo, porque visa ao favorecimento dopaciente; terceiro, porque os autos contêm toda a documentação necessária para ojulgamento do mérito (a exemplo do HC 83.883, de que fui Relator e em cujo julgamen-to, em preliminar, ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence).

Assim, pedindo vênia ao Ministro Peluso, entendo ser caso de também se conhe-cer da impetração pelos fundamentos para cujo exame Sua Excelência entende necessá-rio prévio julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça.

Nesses termos, conheço da impetração em sua maior amplitude, ou seja, por seusfundamentos iniciais e também pelos fundamentos trazidos pelo Ministro Peluso.

Submeto a questão ao crivo da Turma, para nova deliberação, visto que, naprimeira assentada, o Ministro Britto me acompanhou quanto ao não-conhecimento daimpetração e, na segunda, o Ministro Peluso também dela não conhecia, embora poroutro fundamento, e devolvia o caso ao Superior Tribunal de Justiça.

VOTO (Sobre conhecimento)(Retificação)

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, já havia retificado o meuponto de vista para entender que o caso era de conhecimento.

VOTO (Sobre conhecimento)(Retificação)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, estou de acordo em indeferir o habeascorpus.

Usamos o termo “não-conhecimento”, mas, tecnicamente, o eminente Relator, jána sessão anterior, indeferiu o habeas corpus, por entender que a questão demandavaexame aprofundado da prova.

Nada tenho a opor quanto à requalificação.

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EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Ministro Joaquim Barbosa, Vos-sa Excelência não chega ao indeferimento?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não. Vou prosseguir no mérito.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Pelo que entendi, Vossa Excelên-cia levou em conta, sobretudo, que os votos no STJ examinaram a questão. Dessa forma,embora o dispositivo tenha sido de não-conhecimento, cabe examinar, de logo, omérito.

VOTO (Sobre conhecimento)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, admito o habeas corpus parajulgamento amplo.

VOTO (Sobre conhecimento)

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Também tenho conhecida posi-ção no sentido de que, em princípio, as questões suscitadas em habeas corpus peranteo tribunal a quo podem ser examinadas pelo Supremo Tribunal Federal, ainda quesobre elas não se tenha manifestado a decisão impugnada. Com maior razão, quando —embora concluindo pelo não-conhecimento — a Turma do STJ, conforme mostrou oRelator, examinou o mérito da questão posta.

Por isso também conheço do habeas corpus.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): A impetração originariamente submeteà apreciação da Corte duas questões: de um lado, a inexistência de prova da participa-ção do paciente nos fatos que levaram a sua condenação; de outro, a impossibilidade decondenação de alguém por corrupção ativa na hipótese de absolvição dos supostoscorrompidos. Ao lado dessas questões, há outras três teses que, embora não tenham sidoargüidas pelo impetrante, foram suscitadas de ofício pelo Ministro Cezar Peluso: umareferente à violação do princípio da correlação entre acusação e sentença e outrasconcernentes à fixação da pena imposta.

Negativa de autoria, bilateralidade da corrupção ativa e passiva e violação do princí-pio da correlação

No mérito, a primeira tese — da negativa de autoria — não procede. O paciente,sobrinho do bicheiro Castor de Andrade, era responsável por toda a contabilidade doesquema de jogo do bicho por aquele comandado. Mediante perícia grafotécnica,constatou-se em diversos livros-caixa (anexos referidos no volume 2 do apenso, fls.7374-7379) o pagamento de valores a diversas delegacias de polícia do Rio de Janeiro.Há ainda prova testemunhal, de pessoa imediatamente subordinada ao paciente, queconfirma a ocorrência de corrupção ativa por este praticada.

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Transcrevo trecho do acórdão condenatório do Tribunal de Justiça do Estado doRio de Janeiro, por considerá-lo elucidativo:

“A regularidade com que se distribuíam propinas aos integrantes das unida-des policiais com jurisdição em Angra dos Reis e localidades próximas, comoParati, Frade, Itacuruçá, Mambucaba e Muriqui, além de Rio Claro, está cabal-mente documentada, como se acaba de mostrar, pelos respectivos registros noslivros de movimento do caixa escriturados por Ronaldo Soares de Azevedo. Essaescrituração, por sua vez, era realizada, como também se viu, com base emrascunhos previamente submetidos à aprovação do réu Cesar [paciente], o qual,de próprio punho, fazia as correções e adendos que lhe pareciam.

Tudo isso demonstra, com absoluta segurança, a completa integração deCésar no esquema de corrupção de autoridades e agentes policiais engendradopela ‘Cúpula’ da contravenção chefiada por Castor de Andrade, seu tio e sócio naexploração do ‘jogo do bicho’ em Guarapari e na ‘Seção’ integrada pelas cidadesde Angra dos Reis, Mangaratiba e Rio Claro, segundo Ronaldo controlada peloacusado.

[...]

Praticou Cesar, assim, reiteradamente, ao longo dos anos de 1991 a 1993,abrangidos pelos citados livros de movimento de caixa, atos de corrupção defuncionários públicos, com a finalidade de motivá-los a se omitirem no cumpri-mento dos deveres de suas funções, permitindo a livre prática da contravençãonos lugares em que lhes cabia reprimi-la.” (Apenso 2, fls. 7379-7380)

Há ainda, relativamente às provas que deram ensejo à condenação do paciente,outro argumento apresentado pelos impetrantes. Eles alegam que a condenação dopaciente se deve exclusivamente à prova colhida extrajudicialmente. Também nesseaspecto não merece acolhida a pretensão dos impetrantes.

A condenação do paciente deveu-se à somatória de dois elementos essenciais. Oprimeiro refere-se à prova testemunhal produzida em juízo, em cautelar de antecipaçãode prova. Destaco trecho do acórdão condenatório que me parece elucidativo:

“Informações semelhantes forneceu a testemunha [Ronaldo Soares de Aze-vedo] ao depor no procedimento de produção antecipada de prova testemunhalcujos autos constituem o Anexo 72” (Apenso 2, fl. 7369 — Grifei)

Além da prova testemunhal, a condenação pautou-se em prova documental. A fimde escriturar toda as transações do jogo do bicho, o paciente contava com o auxílio deum contador (justamente a testemunha Ronaldo Soares de Azevedo). Após a apreensãode livros-caixa, constatou-se que o paciente supervisionava toda a atividade contábillevada a termo por Ronaldo Soares de Azevedo. Este entregou à Procuradoria-Geral deJustiça documentos que, após a devida perícia requerida pelo Parquet e realizada peloInstituto de Criminalística, comprovaram o envolvimento do paciente nos fatos que lheforam imputados.

Por essas razões, não vejo como considerar indevida ou até mesmo ilícita acondenação do ora paciente.

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No que se refere à segunda tese — de que é inviável a condenação do paciente(por oferecer vantagem indevida), em virtude da absolvição dos supostos corrompidos(porque ninguém teria recebido a propina dada) —, tenho que não há como elaprosperar, pelo simples fato de que não se amolda à hipótese fática dos autos. Acrescen-to ainda a tese da violação do princípio da correlação entre a imputação feita nadenúncia e o fato pelo qual o paciente foi efetivamente condenado.

Esclareça-se, por primeiro, a imputação feita pelo Ministério Público ao paciente.Lê-se na denúncia:

“[...] o denunciado Cesar Andrade (sobrinho do notório Castor deAndrade), contribuia para o fundo comum já mencionado e, especialmente, omodo pelo qual, a mando de Cesar, eram distribuidas propinas a autoridades eoutros funcionários públicos na comarca de Angra dos Reis.” (Apenso 1, fl.1635)

Já o trecho do acórdão condenatório que isoladamente poderia suscitar algumadúvida quanto ao fato pelo qual o paciente foi condenado é o seguinte:

“Praticou Cesar, assim, reiteradamente, ao longo dos anos de 1991 a 1993,abrangidos pelos citados livros de movimento do caixa, atos de corrupção defuncionários públicos” (Apenso 2, fls. 7380)

Assim, o paciente foi acusado e condenado como partícipe no crime de corrupçãoativa (na modalidade “oferecer vantagem indevida”), porque era um dos mentores dasoperações criminosas do jogo do bicho. Noutras palavras, o paciente não foi denunciadocomo executor material dos delitos, mas porque geria “fundo” voltado à distribuição depropinas.

Ora, a expressão “praticou atos de corrupção” não leva à conclusão de que opaciente teria sido condenado por execução material do crime do art. 333 do CódigoPenal — corrupção ativa. As expressões constantes do referido tipo legal são “oferecer”e “prometer”, não tendo o paciente se imputado, de forma direta, ou seja, como autor,nenhuma delas. Sua condenação se deve ao fato de que participava diretamente dasatividades voltadas exclusivamente à corrupção de funcionários públicos, atividadesessas consubstanciadas no referido fundo, cuja existência está largamente demonstradanos autos.

Somente com a retirada de contexto do voto condutor no Tribunal de Justiça doRio de Janeiro é que se poderia chegar à conclusão de que o paciente fora o executormaterial, e não partícipe.

Quando muito, creio eu, seriam cabíveis embargos de declaração, mas nunca aanulação do acórdão condenatório, de sorte que não procede a alegação de violação doprincípio da correlação entre acusação e condenação.

Afastada essa primeira tese, tenho que, na hipótese fática dos autos, não houve,como sustenta o impetrante, absolvição de todos os denunciados por corrupção passi-va. Vale dizer, houve quem recebesse vantagem indevida dada pelo paciente.

O que ocorreu foi o seguinte: os autos da ação penal em que o paciente foicondenado foram desmembrados. Os autos principais contaram com nada menos que

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58 réus, dos quais cinco foram condenados por corrupção ativa e doze por corrupçãopassiva. Já nos autos em que o paciente figurou como réu, houve três condenações:duas por corrupção passiva e a do paciente, por corrupção ativa. Não são, pois,verdadeiras as assertivas dos impetrantes no sentido de que “ninguém foi condenadopor corrupção ativa [...] à exceção do Paciente” (fl. 07) e de que “as pessoas aponta-das na vestibular como destinatárias de propinas, na Comarca de Angra dos Reis,foram inocentadas” (fl. 09). Houve, sim, pessoas condenadas por receber propinaoriunda do fundo gerido pelo paciente.

Os impetrantes se agarram ao fato de que um dos denunciados por corrupçãopassiva (sob a modalidade “receber”), Nicolau Cassiano Neto, juiz da comarca deAngra dos Reis à época dos fatos, foi absolvido.

De fato, se esse fosse o único réu denunciado por receber vantagem indevida dadapelo paciente, a tese aventada — de que haveria bilateralidade entre “oferecer” e“receber” — poderia até merecer um pouco mais de atenção. Mas não é o caso.

Por ocasião do julgamento da ação penal pelo Tribunal de Justiça carioca, a teseora suscitada foi repelida de forma motivada, nos seguintes termos:

“[...] Em que pese não se ter conseguido provar o efetivo recebimento, pelostrês co-réus que exerciam suas funções naquela cidade e imediações, das propinasreferidas na denúncia (co-réus Nicolau Cassiano Neto, José Roberto da SilvaFerrari e Paulo Tarso Oliveira Leite) — sem que se tenha, como mostrado ao longodesta decisão, qualquer dúvida quanto à efetiva saída, para lhes serem entregues,das quantias escrituradas —, o certo é que os livros de movimento do caixa deAngra dos Reis estão repletos de registros de pagamentos de somas em dinheiro afuncionários públicos e a órgãos da Secretaria de Segurança Pública, podendo sercitados, a título de amostragem, os seguintes exemplos, selecionados pela maiorlegibilidade dos lançamentos respectivos: [segue extensa lista de delegacias epessoas que teriam recebido vantagem por parte do paciente].” (Apenso 2, fls.7373-7379)

Em complemento, a fim de que se individualizasse quem teria recebido as propi-nas dadas pelo paciente, o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenououtros dois co-réus do paciente por corrupção passiva (sob a modalidade “receber”),mediante análise minuciosa de prova documental, de prova testemunhal e ainda deinterceptação telefônica.

Paulo César Oliveira Santos, detetive-inspetor lotado na 28ª Delegacia de Polícia(apenso, v. 1, fls. 7139-7140, e v. 2, fls. 7393-7402), e Alan Cardeque Manoel Villela,detetive-inspetor lotado na Divisão de Repressão a Entorpecentes (fls. 7139-7140 e fls.7402-7407), foram condenados justamente porque receberam diversas vezes vantagemeconômica indevida, oriunda do “caixa” alimentado pelo paciente e pelos demaischefes do jogo do bicho. E — aqui é importante frisar — as condenações tomaram porbase os mesmos livros contábeis que nortearam, entre inúmeras outras provas, a conde-nação do paciente.

No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Paulo Gallotti, presidente da SextaTurma, destacou com precisão esse aspecto. Transcrevo trecho de seu voto:

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“[...] a condenação [do paciente] não se deu tão-somente em razão do atorelacionado ao Juiz de Direito de Angra dos Reis que restou absolvido. Tanto adenúncia quanto a acusação enumeram uma série de fatos tidos como delituososque teriam sido praticados em conluio por um número muito grande de pessoas,entre as quais o ora paciente.” (Fl. 72)Assim, a tese apresentada sequer se amolda aos fatos contidos nos autos, de sorte

que a rejeito.E há mais, Senhor Presidente.A impetração tem como um de seus sustentáculos o fato de que o juiz Cassiano

Nicolau foi absolvido das acusações de corrupção passiva. Trago à Corte, unicamente àguisa de melhor esclarecimento de nossa deliberação, mas também insistindo na tese dodescabimento do presente habeas corpus, trecho de um dos votos vencidos no Tribunalde Justiça, que condena de maneira veemente o magistrado. Esse voto, de lavra daeminente Desembargadora Áurea Pimentel, de um lado traduz a natureza polêmica dadecisão do Tribunal de Justiça de absolver o juiz e, de outro, acrescenta um motivo paraa denegação da ordem, uma vez que, para a concessão do habeas corpus, seria indispen-sável revolver o imenso acervo fático-probatório que levou à condenação do paciente.Transcrevo o voto da desembargadora:

“Data Venia da douta maioria, julgava a ação penal procedente, também,em relação aos réus Antônio Petrus Kalil, Ailton Guimarães Jorge, Weber Stábile,José Roberto da Silva Ferrari, Nicolau Cassiano e Adilson Martins da Cruz.

O exame das peças principais deste processo — que são, em substância, asmesmas da Ação Penal originária 10/94 — revela a existência de poderosaorganização criminosa, formada por contraventores, engendrada para manterinerte e submisso o aparelho policial através de distribuição de propinas.

Aliás, esse acerto de vontades, destinado a corromper a polícia neste Estado,já havia sido posto a calva quando do processo da 14ª Vara Criminal, presididocom desassombro e coragem pela eminente Juíza Dra. Denise Frossard, quandoentão apurou-se que a organização criminosa, formada pelos contraventores dachamada ‘cúpula do jogo do bicho’, desenvolvia atividades que desbordavamdos limites da mera exploração de jogos de azar, envolvendo contrabando dearmas e tráfico de entorpecentes.

Este leque de atividades dos contraventores explica, em certos casos, arazão pela qual — consoante apurou-se nesta ação penal — foram pagas propinasa policiais cujas delegacias não eram especializadas na repressão de contraven-ção penal.

A existência de um fundo destinado à corrupção de policiais ficou nospresentes autos fartamente demonstrada, apurando-se que o mesmo era adminis-trado pelo contraventor Castor de Andrade, já falecido.

[...]Com referência aos réus José Roberto da Silva Ferrari, Nicolau Cassiano

Neto e Adilson Martins da Cruz, por integrarem o mesmo esquema de corrupção,que agia em conjunto, tiveram, por mim, suas situações examinadas também emconjunto.

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Os três, comprovadamente, estavam diretamente envolvidos, em Angra dosReis com o conhecido Contraventor Cesar Andrade Lima Souto, com o qualmantinham estreitas relações, vergonhosa intimidade mesmo, sendo que, comrelação aos dois últimos (Nicolau Cassiano Neto e Adilson Martins da Cruz)como se pode constar dos dados constantes de fls. 5647,5673, inúmeras foram asligações telefônicas que fizeram entre si, o Juiz Nicolau Cassiano Neto, CesarAndrade Lima Souto e Adilson Martins da Cruz.

Com relação ao Juiz Nicolau Cassiano Neto, como se vê da lista de contabi-lidade do bicho (Anexos XXXVI e XXXIX) há o lançamento de diversas propinas,que de abril de 1993 a dezembro de 1993 foram registradas como ‘despesaspolíticas’ porque — explicou a testemunha Ronaldo, ouvida nestes autos — oJuiz à época já estava afastado de suas funções pelo Tribunal.

A conduta do réu, Nicolau Cassiano Neto, profundamente desmoralizadorada magistratura deste Estado se encontra fielmente retratada no depoimento doPromotor Talma Prado Castelo Branco Júnior, às fls. 4346 a 4351, onde serevela como de comum acordo os três agiam; Adilson como apanhador dodinheiro para o Juiz e intermediário de Cesar, em favor do qual tentou interferirpara o arquivamento de processo de homicídio no qual estava envolvido ocontraventor Castor de Andrade.

Dito depoimento pôs também a calva a intimidade que, para vergonha daJustiça, mantinha o Juiz Nicolau Cassiano Neto com o chefe do tráfico de drogasem Angra dos Reis, Henrique Vale.

É profundamente lamentável que a douta maioria tivesse preferido ignorartudo isto, em conseqüência, mantendo na magistratura do Estado um Juiz quemaculou sua toga e enxovalhou a Justiça.” (Apenso 2, fls. 7441-7444).

Em suma, denego a ordem quanto a seus fundamentos originais, pelas seguintesrazões:

(i) Há prova suficiente para a condenação do paciente pela participação em crimede corrupção ativa;

(ii) O paciente geria “fundo” destinado à distribuição de propina, que era efetivadapor intermediários;

(iii) Houve a condenação de diversas pessoas por corrupção passiva, por haveremrecebido propina proveniente do fundo gerido pelo paciente, e isso tanto nos autosprincipais como naqueles em que o paciente figurou como réu, o que invalida a tese daausência de bilateralidade.

Passo a examinar agora as demais questões suscitadas de ofício pelo MinistroCezar Peluso.

Teses do Ministro PelusoAs outras duas teses apresentadas pelo Ministro Peluso, conforme já afirmei,

dizem respeito à fixação da pena, e não à absolvição do paciente.

Para conceder de ofício a ordem, argumenta Sua Excelência que houve máavaliação de duas circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Seriam elas a

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consideração de duas ações penais ainda em curso como maus antecedentes e o motivoinvocado — “enriquecimento fácil à custa das economias exatamente das camadasmais pobres da sociedade, nas quais se recrutam os apostadores do ‘jogo do bicho’ eoutros semelhantes” (Apenso 2, fls. 251) —, que seria estranho ao crime pelo qual forao paciente condenado, a saber, corrupção ativa, e não — como por erro considerou asentença condenatória — promoção de jogo do bicho.

Pois bem, creio que não há violação do referido dispositivo do Código Penal.

Em primeiro lugar, é importante destacar que o art. 59 do Código Penal exige,para fixação da pena-base, análise conjunta de todas as circunstâncias do fato concreto,bem como das condições pessoais do acusado. A redação do aludido dispositivo nãodeixa dúvidas a esse respeito:

“Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à condutasocial do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bemcomo ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário esuficiente para a reprovação e prevenção do crime: [...]”

E o que fez o acórdão condenatório? Analisou todos os itens do art. 59 do CódigoPenal e concluiu o seguinte:

“As chamadas circunstâncias judiciais, enumeradas no art. 59 do CódigoPenal, mostram-se de todo desfavoráveis ao acusado, tornando imperiosa a fixa-ção da pena-base consideravelmente acima do mínimo legal.” (Apenso 2, fl.7380)

A partir daí, houve minuciosa avaliação de todas as circunstâncias judiciais. Citoaleatoriamente o exame feito no acórdão condenatório de apenas duas das circunstân-cias do art. 59 do Código Penal: a culpabilidade e as conseqüências do crime.

Diz o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

“A culpabilidade não poderia ser mais intensa, afigurando-se sumamentereprovável o comportamento de quem, visando a garantir o livre desempenho deatividade ilícita como a exploração de jogos contravencionais, associa-se a outroscontraventores para, de forma organizada e sistemática, desmoralizar o aparelhopolicial através da disseminação da corrupção entre os seus integrantes, da maiselevada à mais modesta hierarquia, sem a menor preocupação com os reflexos —desastrosos para a sociedade — da desmoralização dos órgãos incumbidos damanutenção da ordem e da apuração das infrações penais.” (Apenso 2, fl. 7381)

E ainda:

“As conseqüências do crime, finalmente, são de gravidade extrema, apre-sentando-se como a mais importante circunstância judicial a ser considerada.Como se observou ao fundamentar a fixação das penas do segundo réu, condena-do pela prática do crime de corrupção passiva, a corrupção de um membro daPolícia, interagindo com a de outros integrantes do organismo policial, produz,ao longo do tempo, a desmoralização de todo o aparelho estatal de prevenção erepressão ao crime, tornando-o, cada vez mais, inoperante e inconfiável. O resul-tado direto e imediato é o aumento da criminalidade até níveis insuportáveis, a

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insegurança em todos os setores da sociedade, a degradação da qualidade de vida,a deterioração das atividades produtivas e a resultante decadência econômica. Adesmoralização e a inoperância da Polícia do Estado do Rio de Janeiro, fruto dacorrupção de não pequena parte dos que a integram, é, nos dias que correm,verdade inconcussa. Para essa triste realidade, cujas manifestações diariamenteexperimentam todos os setores da sociedade, vem contribuindo, há decênios, osexploradores do ‘jogo do bicho’, com suas ‘listas’ de propinas oferecidas àsautoridades e agentes com a regularidade e naturalidade de quem paga umsegundo salário. O mal que esses semeadores de corrupção há décadas vêmcausando à sociedade, enxovalhando a Polícia, transformando seus integrantesem serviçais solícitos, dando ordens nas Delegacias, usando os agentes como‘seguranças’ e, não poucas vezes, como executores de empreitadas criminosas demuito maior gravidade que simples ilícitos contravencionais, fazendo-os senti-rem-se outros tantos marginais, sem respeito próprio e sem o respeito da socieda-de, certamente nunca será devidamente avaliado. A resposta penal a lhes serinfligida, correspondendo à gravidade objetiva de sua conduta, não pode deixarde ser intensa, para que seja efetiva do ponto de vista das finalidades da leirepressiva.” (Apenso 2, fls. 7382-7383)

Quanto à motivação, parece-me óbvio que se trata de corrupção para impedir aatuação do Estado no combate ao jogo do bicho. A participação do paciente naqualidade de “financiador” de todo o esquema de corrupção evidentemente estáassociada à prática do jogo do bicho. Cuida-se de um dado concreto, devidamentedemonstrado nos autos da ação penal e que não pode ser ignorado para os fins defixação da pena (Apenso 2, fl. 7382).

Já no tocante à consideração de duas ações penais ainda em curso como mausantecedentes, observo que o tema é polêmico. A Primeira Turma já entendeu que taljuízo de valor é incompatível com a presunção de inocência, de status constitucio-nal (RHC 80.071, Rel. Min. Marco Aurélio). A Segunda Turma, por sua vez, tementendimento diverso, no sentido de se admitirem como maus antecedentes tantoinquéritos como ações penais sem trânsito em julgado (RHC 83.705, Rel. Min.Ellen Gracie).

Sem querer me prender a qualquer um desses entendimentos, o que me pareceimportante é que, independentemente de o paciente ter ou não maus antecedentes, talcircunstância, por si só, seria irrelevante. Ora, se todas as demais circunstâncias judiciaissão desfavoráveis ao paciente, não há razão para anular o acórdão condenatório, pois amajoração da pena-base está devidamente motivada.

Por fim, o Ministro Peluso concede a ordem por “falta de justificação do aumentoda pena pela continuidade delitiva: a sentença, sem identificar nem sequer mencionarquantos crimes teriam sido praticados pelo paciente, aumentou-a de metade, exaspe-rando o mínimo legal, sem fundamento adequado”. Também discordo desse argumento.O acórdão condenatório está vazado nos seguintes termos:

“Praticou Cesar, assim, reiteradamente, ao longo dos anos de 1991 a 1993,abrangidos pelos citados livros de movimento do caixa, atos de corrupção defuncionários públicos, com a finalidade de motivá-los a se omitirem no cumpri-

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mento dos deveres de suas funções, permitindo a livre prática da contravençãonos lugares em que lhes cabia reprimi-la.” (Apenso 2, fl. 7380)

Após elencar, em cinco laudas e meia, nada menos que 143 lançamentos depropinas pagas a diversas autoridades, todos documentalmente registrados em livros-caixa, o acórdão condenatório conclui:

“A regularidade com que se distribuíam propinas aos integrantes das unida-des policiais com jurisdição em Angra dos Reis e localidades próximas, comoParati, Frade, Itacuruçá, Mambucaba e Muriqui, além de Rio Claro, está cabal-mente documentada, como se acaba de mostrar, pelos respectivos registros noslivros de movimento do caixa escriturados por Ronaldo Soares de Azevedo.”(Apenso 2, fl. 7379)

Como se vê, o acórdão condenatório justificou adequadamente o aumento dapena pela continuidade delitiva, apontando o número de crimes praticados, as datas eos valores das propinas pagas aos membros do aparato policial.

De todo o exposto, peço vênia ao Ministro Cezar Peluso e também denego aordem que Sua Excelência concede de ofício.

É como voto, Senhor Presidente.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): A minha dúvida é a seguinte: oMinistro Cezar Peluso chegou a conceder de ofício para esses fins que V. Exa. rejeita,ou apenas para remeter ao STJ?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Só remetia. Não examinei nenhuma dessas questões.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu levantei essa preliminar e a submetià Turma.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não. V. Exa. conheceu quanto àquestão principal, aí está perfeito, e toda a Turma concordou. Agora, quanto às outrasquestões, a não ser que um Ministro da Turma proponha a concessão de ofício, creioque V. Exa. está propondo a denegação de ofício.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu submeti novamente a questão àTurma quanto ao conhecimento da primeira questão, original. Sustentei, também,como se tratava de questão jurídica, que deveríamos examinar, já, a proposta doMinistro Peluso. Foi isso que submeti à Turma.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Parece que o Ministro Cezar Peluso remetia para oSTJ, mas já avançava razões concessíveis do habeas corpus.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Penso ser o melhor intérprete de mim mesmo. Euapenas disse que havia, nos autos, alguns elementos que, eventualmente, poderiamsugerir nulidades — o verbo foi usado exatamente no condicional — que maculariamo processo. Não as examinei, todavia. A justificação era não transformar o habeascorpus em recurso da acusação, no qual se pudessem colher argumentos desfavoráveisao paciente num caso marcado pela singularidade de a sentença ter sido prolatada em

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processo de competência originária dos tribunais, o que suprimiria um grau de jurisdi-ção. Daí por que não avancei nesse exame, para não prejudicar a situação do paciente.Minha postura permitiria que o Superior Tribunal de Justiça, se entendesse devido,examinasse ex officio essas questões. Se o fizesse, daria oportunidade, uma vezrejeitados os argumentos do paciente, de ele recorrer a esta Corte, para reexame damatéria, evitando o exame, que está sendo feito agora, em primeira mão, de questõesantes não aventadas.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ministro Cezar Peluso, essas matérias foram colo-cadas na impetração perante o Superior Tribunal de Justiça?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Então seria uma sinalização da possibilidade deconcessão de habeas de ofício, talvez, pelo Superior Tribunal de Justiça?

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Não, apenas menção a matérias que não examinoagora.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Entendi que havia questõespostas, falta de justa causa — como argumento dessa falta de justa causa abilateralidade, porque cuidar-se-ia de corrupção efetiva (dar e receber), e o recebedorteria sido absolvido. Quanto a isso o Ministro Cezar Peluso não conhecia, igualmenteV. Exa., mas adiantava que, além disso, haveria outras questões.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Questões que gerariam, de início — penso que nãopodemos subestimar a defesa —, impetração originária no Superior Tribunal de Justiça,se houvesse uma omissão por parte daquela Corte.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Conceder habeas corpus deofício é dever do Tribunal. Proposta de concessão de habeas corpus de ofício dependemuito da confiança e do humor dos Colegas no dia, senão resulta em denegação, deofício, de habeas corpus.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Foi exatamente por isso que não propus.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Sr. Presidente, creio que fui malinterpretado. Vou recapitular o que disse em preliminar. No meu voto inicial, eusimplesmente não conhecia. Como eu disse, não conheço tout court, por implicar emexame de provas. Diante das propostas do Ministro Cezar Peluso, reexaminei o meuvoto, reexaminei o acórdão do STJ e constatei que o acórdão realmente examinou omérito. Então, reformulei para conhecer aquilo que eu não havia conhecido.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): E denegou. Até aí perfeito.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Até aí não deneguei.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Depois indeferiu o habeascorpus impetrado.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não, Sr. Presidente, examinei emseguida as propostas do Ministro Cezar Peluso e sustentei o ponto de vista de que elasdeveriam ser examinadas.

Vou ler o meu voto, novamente, nesse trecho.

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O Sr. Ministro Cezar Peluso: Mas eu não fiz proposta nenhuma sobre essa matéria,Ministro.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Fui seguido pela Turma. Vou ler ovoto:

“Creio que a proposta de concessão de ofício feita pelo Ministro Peluso nãoprecisa ser previamente apreciada pelo STJ, tendo em vista três aspectos: primei-ro, por tratar de questão meramente jurídica; segundo, porque visa a favorecer opaciente; e terceiro, porque os autos contêm toda a documentação necessária aojulgamento do mérito. (...)

Assim, pedindo vênia ao Ministro Peluso, entendo ser caso também de seconhecer da impetração pelos fundamentos para cujo exame S. Exa. entende sernecessário o prévio julgamento por parte do STJ.

(...)

Submeto a questão ao crivo da Turma para nova deliberação, tendo em vistaque na primeira assentada o Ministro Britto me acompanhou quanto ao não-conhecimento da impetração e, na segunda assentada, o Ministro Peluso tambémnão a conhecia, mas por outro fundamento, e devolvia o caso ao STJ.”

Foi isso que submeti à Turma e fui acompanhado. Passamos, então, ao exame domérito.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, quando votei, foi quanto àadmissibilidade do habeas tal como impetrado. Compreendi a proposta do MinistroCezar Peluso no sentido da devolução para o exame dessas matérias pelo SuperiorTribunal de Justiça. Resta saber se essas questões, alvo da proposta, foram colocadasperante o Superior Tribunal de Justiça.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Não foram.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Nós só podemos cogitar delaspara conceder.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Para conceder a ordem e, mesmo assim, de ofício,porque não estão versadas na inicial.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: V. Exa. me permite? O eminente Ministro Relatorexaminou aquilo que eu não quis, com receio de que acontecesse o que está acontecen-do: examinar em primeira mão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas não devemos examinar para indeferir!

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa (Relator): Eu indefiro para que não seja remetidoao STJ.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): O Ministro Moreira Alves eraradical. Lembro que muitas vezes o eminente Dr. Cláudio Fonteles aventava a concessãode ofício e o Ministro Moreira Alves dizia: Eu não, não posso sabê-lo; esses meusColegas são muito maus.

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EXTRATO DA ATA

HC 83.658/RJ — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: César AndradeLima Souto ou César Andrade de Lima Souto. Impetrantes: Antonio Carlos de AlmeidaCastro e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Prosseguindo o julgamento, após a retificação de votos dos MinistrosJoaquim Barbosa, Relator, Carlos Britto e Cezar Peluso, a Turma, por unanimidade,conheceu do pedido de habeas corpus. No mérito, após o voto do Ministro JoaquimBarbosa, Relator, indeferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos oMinistro Cezar Peluso.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geralda República, Dr. Maria Caetana Cintra Santos.

Brasília, 15 de junho de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Ratificação)

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Votei, sinteticamente, no sentido de concessão dehabeas de ofício, para, cassando o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, determinarque este aprecie o mérito de dois fundamentos do habeas corpus impetrado naquelaCorte, os quais, a meu ver, constituem apenas quaestiones iuris, assim resumidas:

1ª necessária bilateralidade entre os crimes de corrupção ativa e passiva, quandopraticado o segundo na modalidade de “receber” vantagem indevida (Apenso I, inicialdo habeas corpus impetrado perante o STJ, fl. 21);

2ª imprestabilidade de prova obtida em fase extrajudicial e não confirmada emjuízo, com observância do contraditório (ibid., fl. 27).

É que, como deixei consignado no voto vista, as questões, não conhecidas peloSTJ sob argumento de implicarem reexame de prova, não o implicavam, assim porquea primeira respeita a uma estrita questão de direito, como porque a segunda concerne àvaloração teórica de elemento de prova para fins de sustentação de decretocondenatório. Por essa razão, pareceu-me, e continua parecendo, que não pode aquelaCorte deixar de apreciá-las.

O eminente Relator, que votou inicialmente pelo não-conhecimento do writ,porque postularia denso reexame da prova, reformulou o entendimento e entrou aconhecer das matérias suscitadas, sustentando que aquelas duas questões, não apre-ciadas segundo meu juízo, o teriam sido efetivamente. Daí, afirma a suficiência dasprovas para a condenação e a improcedência da tese da bilaterialidade (p. 17), e, emseguida, as “teses” que teria eu apresentado (pp. 18 e ss.).

No que tange, especificamente, às razões pelas quais concedi habeas de ofício,diz o nobre Relator:

“Ocorre que da leitura dos votos proferidos cheguei à conclusão diversa. Ovoto do Ministro Relator, Fontes de Alencar, é no sentido da denegação da ordem;são utilizadas como fundamentação as provas produzidas contra o paciente,

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notadamente o testemunho de Ronaldo Soares de Azevedo, colhido em açãocautelar de produção antecipada de prova, e o laudo pericial que confirma ser dopaciente as assinaturas encontradas nos ‘livros-caixa’ regularmente apreendidos.A observação de que o habeas corpus não é meio idôneo à apreciação de provas,portanto, foi incidental e não implicou o não-conhecimento da impetração. Veja-seo voto do Presidente da 6ª Turma do STJ, Ministro Paulo Gallotti, é enfático esintetiza toda a questão do presente writ (transcreve fl. 72).”

Portanto, parece-me claro que o STJ examinou na sua inteireza a tese centralda impetração, embora a ementa do acórdão leve a outra conclusão” (p. 4).

E conclui:

“Creio que a proposta de concessão de ofício feita pelo Ministro Peluso nãoprecisa ser previamente apreciada pelo STJ, tendo em vista três aspectos. Primei-ro, por tratar de questão meramente jurídica; segundo porque visa a favorecer opaciente; e terceiro porque os autos contêm toda a documentação necessária aojulgamento do mérito (...)” (p. 6).

Reafirmo o voto. A questão da necessária bilateralidade entre os crimes decorrupção ativa e passiva, quando praticado o segundo na modalidade de “receber”vantagem indevida, deveras não foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça.Verdade é que o Min. Paulo Medina a versou, mas ficou vencido no ponto, precisamen-te porque os demais julgadores entenderam que o exame pormenorizado de prova nãocabia no writ. Vejamos:

Depois de transcrever longos trechos do acórdão condenatório do Tribunal deJustiça, sem nenhuma consideração especial sobre as questões, o voto vencedor doMin. Fontes de Alencar, Relator do habeas, consigna: “O exame detalhado da provanão é próprio do habeas corpus” (fl. 70, c/c fls. 68-69).

Igual coisa está no voto vencedor do Min. Felix Fischer: “Parece-me que aimpetração busca uma solução que exige o reexame aprofundado da prova, não deuma prova convergente, mas, sim, de um cotejo de provas. Entendo que a soluçãobuscada escapa dos limites do habeas corpus no caso concreto” (fl. 80). E, sem nadaadiantar sobre a correlação dos crimes, quando praticada a corrupção passiva sob amodalidade de “receber” vantagem indevida, remata: “E, como bem posto pelo Minis-tério Púbico Federal, não há uma vinculação direta, no nosso sistema, entrecorrupção ativa e passiva. Se houvesse tal relação, digamos biunívoca, talvez asolução fosse outra. Mas, dentro do nosso sistema legal, pelos tipos penais discutidos,essa relação não existe” (ibid.).

Não foi diferente, no ponto, a ratificação de voto do Min. Paulo Gallotti:“Acrescento que o pedido estabelece como premissa a necessidade da presença dachamada bilateralidade entre a corrupção ativa e a passiva. Não vejo, no âmbitodo habeas corpus, como invalidar a conclusão a que chegou o acórdão, de serpossível reconhecer a corrupção ativa, mesmo absolvidos o magistrado e o apon-tado intermediário da trama criminosa, avaliação que só se mostrará plausível seoperada incursão no material fático-probatório, inviável, nessa extensão, na sedeeleita” (fl. 81).

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Está claro, pois, com o devido respeito, que nada consta do acórdão sobre aespecífica questão jurídica suscitada (pactum sceleris), cuja especificidade está naexistência, ou não, de correlação necessária entre corrupção ativa e passiva, quandoseja esta cometida na modalidade de “receber” vantagem indevida. Não se trata dediscutir correlação teórica absoluta entre os dois tipos, compreendendo todos os seusverbos nucleares, mas na moldura particular de dar e receber vantagem indevida(pactum sceleris).

Quanto à segunda questão — imprestabilidade de prova obtida em faseextrajudicial, sem confirmação em juízo contraditório —, o Min. Fontes de Alencarefetivamente dela tratou em seu voto, posto que de forma lacônica, invocando trechodo acórdão condenatório, verbis:

“Como se vê, o depoimento foi ratificado em sede de produção antecipadade provas. Assim, não há que se falar em violação ao princípio do contraditório”(fl. 68).

Mas a questão guarda relevante singularidade no caso. É que, embora o acórdãodo Tribunal de Justiça, no trecho transcrito, se reporte a procedimento de produçãoantecipada de prova testemunhal, cujos autos constituiriam o Anexo 72 (fls. 285-287,c.c. fls. 68), dele também consta, de maneira não menos expressa, a título de um dosfundamentos da absolvição do juiz Nicolau Cassiano Neto, o qual teria recebido odinheiro, que:

“Além da pouca credibilidade da palavra de Ronaldo, seu depoimentoressente-se, ainda, da circunstância de haver sido colhido sem a garantia docontraditório, não tendo sido possível a repetição em juízo em face do desapare-cimento da testemunha, não mais localizada desde a época em que foi ouvida peloMinistério Público” (fl. 7390 dos autos do acórdão. Grifos meus).

Ora, da conjugação de ambas as afirmações do acórdão do Tribunal de Justiça, àluz da inicial deste habeas corpus, infere-se que ou haveria, aí, contradição grave,capaz de lhe comprometer a validez de certas conclusões, ou, como tudo indica, oprocedimento de produção antecipada de prova testemunhal teria prescindido decitação do ora paciente, a quem, por falta das oportunidades garantidas do princípio docontraditório, não poderia ser oposto como prova emprestada, no processo de que secuida. É que, como consta do acórdão mesmo, o ora paciente foi denunciado emaditamento, antes do qual foi tomado, pelo Relator, em produção antecipada de prova,o depoimento de Ronaldo Soares de Azevedo:

“Quanto à impossibilidade das defesas dos réus incluídos no aditamentoparticiparem da inquirição da testemunha Ronaldo Soares de Azevedo, cujodepoimento foi colhido antes do oferecimento da denúncia originária atravésda medida cautelar de produção antecipada de prova, a questão, suscitada peladefesa do réu Paulo Tarso Oliveira Leite, nada tem a ver com a da ocorrência ounão de quebra do princípio da indivisibilidade, dizendo respeito, exclusivamen-te, ao valor probatório que possa ter semelhante testemunho, como prova em-prestada, em relação aos réus cujas defesas não tenham participado da inquiri-ção” (fl. 7200 dos autos do acórdão. Cf., ainda, fls. 7188-1189. Grifos meus).

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Foi esta a razão por que, na justificação da absolvição de Humberto Chucri Davide Weber Stabile, o mesmo acórdão aduziu:

“Ainda aqui ressente-se a prova de acusação da impossibilidade da obten-ção de maiores esclarecimentos por parte do desaparecido Ronaldo Soares deAzevedo, ouvido sobre os fatos em depoimento prestado a uma das partes doprocesso” (fl. 7366 dos autos do acórdão. Grifos meus).

Por resumir, estava posta, diante dos próprios termos do acórdão do Tribunal deJustiça do Rio de Janeiro, a questão jurídica (quaestio iuris) do valor de prova empres-tada, colhida sem citação do ora paciente e, portanto, sem observância do contraditó-rio. O que disse a respeito, à luz, não do reexame da prova, mas dos próprios termos doacórdão do Tribunal de Justiça, o STJ? Nada. Mas penso que, por ser esse aspectorelevante da questão de direito sobre o alcance de prova obtida sem o contraditório,devera tê-lo apreciado.

São as razões por que confirmo meu voto.

EXTRATO DA ATA

HC 83.658/RJ — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: César AndradeLima Souto ou César Andrade de Lima Souto. Impetrantes: Antonio Carlos de AlmeidaCastro e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Prosseguindo o julgamento, após o voto do Ministro Cezar Peluso, queconcedia o habeas corpus, de ofício, para devolver o julgamento da impetração aoSuperior Tribunal de Justiça, a fim de que sejam examinados os tópicos enumerados emseu voto, e do voto do Ministro Carlos Britto, que acompanhava o voto do Relator,pediu vista dos autos o Ministro Marco Aurélio.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geralda República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 22 de junho de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Delimito as impetrações, ou seja, a ocorrida noSuperior Tribunal de Justiça e nesta Corte. Naquele Tribunal, revela o apenso 1 que seapontaram três causas de pedir visando à concessão da ordem, a saber:

a) Bilateralidade, no caso, do crime de corrupção. O raciocínio desenvolvidoparte da premissa de que a peça acusatória versou sobre o fato de alguém haversolicitado vantagem pecuniária e tê-la alcançado, recebendo valores, imputando-se aopaciente o pagamento mediante interposta pessoa.

b) Transgressão do princípio do juiz natural, levando em conta o fato de a açãopenal haver sido julgada pelo Tribunal de Justiça, ante o envolvimento, como acusado,do magistrado Nicolau Cassiano Neto. No particular, mencionou-se o julgamento doHabeas Corpus n. 69.807/RJ, relatado pelo Ministro Néri da Silveira, quando a Corte,

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o Supremo Tribunal Federal, procedera ao desmembramento do processo, submetendoos acusados que não gozavam de prerrogativa de foro ao Tribunal do Júri.

c) Ofensa ao princípio do contraditório. A única prova existente contra o acusadoCésar Andrade Lima Souto fizera-se na fase de inquérito e, mesmo assim, quando nãoera ele indiciado.

No Superior Tribunal de Justiça, no voto condutor do julgamento, da lavra doMinistro Fontes de Alencar, proclamou-se, é certo, na ementa, a impossibilidade deexaminar-se a prova no julgamento de habeas corpus. Nota-se, no que veiculado emtermos de voto, que se aludiu à ratificação de depoimento em produção antecipada deprovas. Transcreveu-se, no tocante à causa de pedir principal do habeas corpus, a ópticado Ministério Público Federal, segundo a qual a condenação do paciente não tivera comoúnico suporte fático o oferecimento de vantagem indevida ao juiz Nicolau, mas incluíraa participação em esquema montado para corromper servidores públicos com vista aevitar importunações às atividades desenvolvidas no âmbito do jogo do bicho (folha 65a 71). O voto que se seguiu, do Ministro Paulo Gallotti, fez-se firme na óptica daimputação abrangente, afastando, assim, o que alegado sobre a bilateralidade do crime decorrupção. Sua Excelência remeteu à denúncia, mencionando a série de fatos havidoscomo delituosos que teriam sido praticados com um número muito grande de pessoas,entre as quais o paciente (folha 72). Deu-se o voto do Ministro Paulo Medina, conceden-do a ordem para absolver o paciente, fundamentado na absolvição de quem receberavalores e na impossibilidade de concluir-se, a um só tempo, pela condenação daquele queimplementara a dação. Em síntese, Sua Excelência acolheu a principal causa de pedir dohabeas, consignando a desnecessidade de reapreciação dos elementos probatórios ecitando precedentes (folha 73 a 77). Ante o escore de dois a um, convocou-se integranteda Quinta Turma, em face do impedimento do Ministro Hamilton Carvalhido (folha 78).Convocado, o Ministro Felix Fischer, após dizer da leitura atenta dos votos já proferidose remeter às sustentações da defesa e do Ministério Público, ao que tudo indica renova-das, deixou assentado:

Parece-me que a impetração busca uma solução que exige o exameaprofundado de prova, não de uma prova convergente, mas, sim, de um cotejo deprovas.

Concluiu pela impropriedade da via eleita, asseverando que, em nosso sistemapenal, não há vinculação direta consideradas as espécies de corrupção — ativa epassiva. Aduziu que, se houvesse a necessária duplicidade, “talvez a solução fosseoutra. Mas, dentro do nosso sistema legal, pelos tipos penais discutidos, essa relaçãonão existe” (folha 80). O Ministro Gallotti reafirmou a impossibilidade de invalidar aconclusão do Tribunal de Justiça, no que absolveu o magistrado, que teria recebido osvalores, e condenou o paciente, mais uma vez salientando que o acolhimento dopedido demandaria o exame da prova (folha 81). Reiterou o voto o Ministro PauloMedina (folhas 82 e 83).

Diante desse quadro, concluo, então, que o Superior Tribunal de Justiça adentrouo tema que consubstanciava a causa principal de pedir da impetração, ou seja, no caso,a bilateralidade do crime, a exigir ou a condenação dos agentes ativo e passivo, ou aabsolvição de ambos.

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Chega-se, agora, à impetração em julgamento. A causa de pedir mostra-se única —a insubsistência da condenação do paciente, a quem se imputou a prática de darimportâncias quando absolvidos o intermediário e também o beneficiário dos valores.Com a peça de folha 2 a 33, volta-se, a partir de precedente da lavra do MinistroCordeiro Guerra e dos votos dos Ministros Leitão de Abreu e Eloy da Rocha, à tecla dabilateralidade, dados os parâmetros da peça acusatória. Ressalta-se que o pacientesomente foi envolvido na ação penal quando do aditamento à denúncia, sustentando-se haver sido ele o único condenado pela prática do crime de corrupção ativa. Tambémna impetração perante esta Corte, esclarece-se que o caso não diz com a questão de sesaber se houve, ou não, pela autoridade administrativa, a prática de ato omissivo oucomissivo, deixando-se, assim, de se lançar, como base da impetração, o que decididopor este Tribunal no Inquérito n. 705, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão.

Peço vênia para cingir-me à impetração, mesmo porque o paciente é defendidopor eméritos advogados — Doutor Nélio Roberto Seidl Machado, Doutor WilsonLopes dos Santos e o Doutor Antonio Carlos de Almeida Castro.

Passo, então, ao exame do pedido formulado. O acusado defende-se dos fatosnarrados na denúncia. O aditamento constante do primeiro apenso e que acabou porincluir o ora paciente mostrou-se, quanto aos acontecimentos, abrangente. Aludiu-se aum certo “caixa” para fazer frente a propinas e, em uma segunda parte, mencionou-seque o denunciado Nicolau Cassiano Neto, Juiz de Direito na Comarca de Angra dosReis, recebera do denunciado César Andrade Lima Souto, mediante a intermediação deAdilson Martins da Cruz, determinados valores, remetendo-se ao depoimento deRonaldo Soares de Azevedo.

Pois bem, fosse esta a única imputação, não teria a menor dúvida em conceder aordem. É que, no caso, referiu-se, de forma expressa, ao recebimento e à conseqüentedação de valores. Ora, absolvidos aqueles que teriam incidido na corrupção passiva,recebendo valores, e também o intermediário, forçoso seria concluir, observada aordem natural das coisas e a coerência, pela inexistência da dação das quantias.Todavia, asseverou-se que os oito primeiros denunciados, entre os quais o paciente,mantinham recursos para a distribuição a ocupantes de diversos cargos ou funções,formando um fundo comum. Depreende-se da denúncia que a acusação não se limitouà entrega de valores ao réu absolvido, englobando, também, a corrupção passivaquanto aos demais denunciados. No caso, pelo crime do artigo 317 do Código Penal —corrupção passiva —, foram condenados Paulo Cesar Oliveira Santos e Alan-CardequeVilela. Assim, não vinga a tese da bilateralidade que, se procedente, desaguaria naabsolvição. O que se nota, às folhas 7367 a 7384 no acórdão proferido e que se encontranos apensos, mais precisamente essa parte no apenso 2, é que o decreto condenatóriofez-se lastreado na participação dita efetiva do paciente no fundo destinado ao subornoe, aí, teve-se a condenação de dois réus pela corrupção passiva. Em síntese, o que seproclamou é que ele próprio, paciente, contribuía para o fundo único, não sendodecisiva, dessa forma, a circunstância de os subornados atuarem em áreas diversas.Aliás, sob esse ângulo, apontou-se, no acórdão, que o objetivo era comum, tendo emconta remanejamentos de servidores. Concluindo, não procede a causa de pedir apon-tada no habeas corpus, valendo notar que, na fixação da pena, não se levou em conta oque seria a corrupção ativa de se haver entregue valores aos réus que acabaramabsolvidos. Indefiro a ordem.

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EXPLICAÇÃO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, no caso, a premissa do acórdãocondenatório é única: a existência do fundo comum, o fundo abrangente.

Como consignei em voto, aludiu-se a essa parte da defesa segundo a qual seriamos envolvidos policiais de outra circunscrição que não aquela na qual estaria o pacientea atuar no jogo do bicho: Angra dos Reis e cidades próximas. Então, colocou-se emplano secundário o elo causal que decorreria, em si, não da entrega direta de valores,mas da contribuição, e discorreu-se sobre gerenciamento, com perícia realizada, dacontribuição para o fundo.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Peço todas as vênias ao MinistroCezar Peluso, para acompanhar o voto do eminente Relator. Já tenho sustentado aqui,até com muita insistência — embora reconheça que a jurisprudência da atual como daantiga Primeira Turma é um pouco fluida, vacilante —, que, suscitado o problemaperante o STJ, caberia o seu exame aqui, se na causa de pedir suscitada perante o STJ,ainda que por ele não considerada, insiste o impetrante.

Vejo uma opção clara dos impetrantes, que não atuam como qualquer do povo,mas como defensores do acusado, de só submeter ao Tribunal, entre os fundamentos dohabeas corpus requerido ao STJ, um deles: a bilateralidade da corrupção ativa namodalidade dar a vantagem indevida com a corrupção passiva de receber a mesmavantagem, e dada absolvição do indigitado autor da corrupção passiva.

Por isso, neste caso, deixo à defesa tomar a atitude que lhe parecer adequada parasanar o que parece ter sido uma omissão do STJ, dado que suscitada a questão.

Quanto à bilateralidade, os votos dos eminentes Ministros Joaquim Barbosa,Carlos Britto e, agora, do Ministro Marco Aurélio, a meu ver, demonstraram, com muitaclareza, que a questão não é tão simples. A condenação do paciente não se deveuexclusivamente, pelo menos, à suposta corrupção do Juiz de Direito.

Por isso, indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 83.658/RJ — Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Paciente: César AndradeLima Souto ou César Andrade de Lima Souto. Impetrante: Antonio Carlos de AlmeidaCastro e outros. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Prosseguindo no julgamento, a Turma indeferiu o pedido de habeascorpus. Vencido, em parte, o Ministro Cezar Peluso, que concedia o habeas corpus, deofício, para devolver o julgamento da impetração ao Superior Tribunal de Justiça, a fimde que sejam examinados os tópicos enumerados em seu voto.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Subprocurador-Geralda República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.

Brasília, 29 de junho de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 83.966 — SP

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello

Agravantes: Advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) –Seccional de São Paulo, Federação das Associações dos Advogados do Estado de SãoPaulo – FADESP e outro — Agravado: Procurador-Geral da República

Habeas corpus — Recurso de agravo — Inexistência de situação delitigiosidade que afete a imediata liberdade de locomoção física de qual-quer indivíduo — Inviabilidade processual do remédio constitucional dohabeas corpus para preservar a relação de confidencialidade que deveexistir entre advogado e cliente — Impetração que não aponta a ocorrên-cia de fatos concretos aptos a ensejar a adequada utilização da via dohabeas corpus — Ausência de legitimidade passiva ad causam do Procura-dor-Geral da República Para figurar como autoridade coatora na pre-sente impetração — Recurso improvido.

Não cabe habeas corpus, quando impetrado com a exclusiva finali-dade de preservar e proteger o direito à intimidade (relação deconfidencialidade) dos advogados (e de seus eventuais clientes) vincula-dos às associações agravantes.

— Com a cessação, em 1926, da doutrina brasileira do habeascorpus, a destinação constitucional do remédio heróico restringiu-se, nocampo de sua específica projeção, ao plano da estreita tutela da imediataliberdade física de ir, vir e permanecer dos indivíduos, pertencendo,residualmente, ao âmbito do mandado de segurança, a tutela jurisdicio-nal contra ofensas que desrespeitem os demais direitos líquidos e certos,mesmo quando tais situações de ilicitude ou de abuso de poder venham aafetar, ainda que obliquamente, a liberdade de locomoção física daspessoas.

— O remédio constitucional do habeas corpus, em conseqüência,não pode ser utilizado como sucedâneo de outras ações judiciais,notadamente naquelas hipóteses em que o direito-fim (a proteção darelação de confidencialidade entre Advogado e cliente, no caso), não seidentifica com a própria liberdade de locomoção física.

— A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem salientadoque, não havendo risco efetivo de constrição à liberdade de locomoçãofísica, não se revela pertinente o remédio do habeas corpus, cuja utilizaçãosupõe, necessariamente, a concreta configuração de ofensa, atual ou imi-nente, ao direito de ir, vir e permanecer das pessoas. Doutrina. Precedentes.

Impetração que deixa de indicar fatos concretos cuja efetiva ocor-rência poderia ensejar a adequada utilização da via do habeas corpus.

— Torna-se insuscetível de conhecimento o habeas corpus, quando oimpetrante não indica qualquer ato concreto que revele, por parte daautoridade apontada como coatora, a prática de comportamentoabusivo ou de conduta revestida de ilicitude.

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— A ação de habeas corpus exige, para efeito de cognoscibilidade, aindicação — específica e individualizada — de fatos concretos cujaocorrência possa repercutir na esfera da imediata liberdade de locomo-ção física dos indivíduos.

— A ausência de precisa indicação de atos concretos e específicos,por parte da autoridade apontada como coatora, que revelem práticaatual ou iminente de comportamento abusivo ou de conduta revestida deilicitude, inviabiliza, processualmente, o ajuizamento da ação constitucio-nal de habeas corpus. Doutrina. Precedentes.

Ausência de legitimidade passiva ad causam do Procurador-Geralda República para figurar como autoridade coatora na presenteimpetração.

— Não se mostra viável atribuir-se, ao Procurador-Geral da Repú-blica, a responsabilidade por atos emanados dos demais membros doMinistério Público Federal, e que, por estes, hajam sido praticados nodesempenho independente de suas atribuições funcionais.

— A mera formulação, por representante do Ministério Público, depedido de interceptação telefônica, para os fins a que se refere a Lei n.9.296/96, por traduzir simples postulação dependente de apreciaçãojurisdicional (CF, art. 5º, XII), não importa, só por si, em ofensa à liberdadede locomoção física de qualquer pessoa, descaracterizando-se, dessemodo, a possibilidade de adequada utilização do remédio constitucionaldo habeas corpus.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao agravo, nostermos do voto do Relator. Impedido o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geralda República. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julga-mento o Ministro Nelson Jobim.

Brasília, 23 de junho de 2004 — Nelson Jobim, Presidente — Celso de Mello,Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: A douta Procuradoria-Geral da República, emparecer da lavra do Vice-Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Bar-ros e Silva de Souza — ilustre substituto legal do eminente Chefe do MinistérioPúblico da União, que ora figura como autoridade coatora —, assim sumariou eapreciou o recurso de agravo interposto pela Federação das Associações dos Advoga-dos do Estado de São Paulo – FADESP (fls. 90/96):

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“Agravo regimental em habeas corpus. Só é admissível a impetração dehabeas corpus para a proteção da liberdade de locomoção, não se prestando oremédio constitucional à tutela de quaisquer outros direitos. Não há comoprosperar o recurso ante a falta de indicação de ato concreto que possa vir aviolar o direito de locomoção dos pacientes. O Procurador-Geral da Repúblicanão é a autoridade competente para, por ato próprio, determinar interceptaçãotelefônica. Parecer pelo desprovimento do recurso.

1. Cuida-se de habeas corpus impetrado pela Federação das Associaçõesdos Advogados do Estado de São Paulo e pelos advogados Ricardo HassonSayeg, Celso Renato D´Avila, Éverson Tobaruela e Luis Augusto Zanoni dosSantos apontando como pacientes todos os advogados inscritos na Ordem dosAdvogados do Brasil – Seccional de São Paulo, os quais, segundo as alegaçõesexpendidas na exordial, vêm sofrendo constrangimento ilegal, caracterizado pelaviolação do direito de comunicação reservada com seus clientes, sendo estadecorrente de supostas interceptações telefônicas as quais seriam de iniciativa doMinistério Público Federal, razão pela qual indicam como autoridade coatora doProcurador-Geral da República.

2. Asseveram os impetrantes que a Constituição Federal determina ainviolabilidade dos atos e manifestações dos advogados no exercício de suaprofissão, sendo desdobramento deste princípio a garantia inscrita no inciso III,do artigo 7º, da Lei n. 8.906/94, segundo o qual é direito do advogado comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente.

3. Nessa linha de raciocínio, aduzem que o Ministério Público Federal, como escopo de aparelhar futura ação penal, e em instruções processuais penais,requisita judicialmente a interceptação de linhas telefônicas que previamentesabe pertencer aos pacientes, o que, segundo entendimento dos impetrantes,violaria as garantias supramencionadas, haja vista a Lei n. 9.296/96, que discipli-na a interceptação das comunicações telefônicas, não se aplicar à espécie, namedida em que ‘não interfere o direito-dever do advogado manter com seu clientecomunicação reservada, que, evidentemente, pode dar-se pela via da comunica-ção telefônica’. (fl. 12)

4. Em decisão acostada às fls. 35/43, o Min. Celso de Mello não conheceuda ação, razão pela qual restou prejudicada a análise do pedido de liminar.

5. Foi interposto, pelos impetrantes, agravo regimental, em que afirmamnão ter o eminente Ministro observado os princípios da proporcionalidade e darazoabilidade, ‘que deveriam ter norteado a interpretação que se deu, na decisãorecorrida, ao Princípio do Devido Processo Legal’. (fls. 56)

6. Vieram, então, os autos, a esta Procuradoria-Geral da República, paramanifestação acerca do recurso interposto.

7. Não há como prosperar o presente recurso, porquanto, nos termos dadecisão recorrida, revela-se incabível a impetração de habeas corpus cujo objetoé a proteção do direito à intimidade.

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8. Depreende-se da leitura das razões recursais que buscam os impetrantesgarantir interpretação extensiva às hipóteses de cabimento do presente remédioconstitucional, sustentando, inclusive, a idêntica natureza entre o habeas corpuse o mandado de segurança, o que permitiria, ante o princípio da fungibilidade, orecebimento de um pelo outro.

9. Insuscetível de acolhimento tal pretensão, porquanto a Carta Consti-tucional de 1988, ao contrário do alegado pelos requerentes, não atribuicaráter subsidiário ao mandado de segurança, determinando, de forma expres-sa, que este, e somente este, é o remédio hábil à proteção de direito líquido ecerto ‘não amparado por habeas corpus’ - artigo 5º, inciso LXIX, da Constitui-ção Federal.

10. Não há, portanto, possibilidade de, sob o argumento de observância doprincípio da fungibilidade, receber o habeas corpus como se mandado de segu-rança fosse, conforme pretendido pelos agravantes, sobretudo na situação em tela,em que não há direito líquido e certo a ser tutelado.

11. O fato é que pretendem os impetrantes a garantia do direito à intimidadeestabelecida entre o advogado e seu cliente, tutela que refoge o alcance dohabeas corpus, nos termos destacados na decisão recorrida, a qual fora lavrada emabsoluta consonância ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal:

‘Ementa: Constitucional. Processo Penal. Habeas Corpus. Cabimento.C.F., art. 5º, LXVIII.

I - O habeas corpus visa a proteger a liberdade de locomoção —liberdade de ir, vir e ficar — por ilegalidade ou abuso de poder, nãopodendo ser utilizado para proteção de direitos outros. C.F., art. 5º, LXVIII.

II - H.C. indeferido, liminarmente. Agravo não provido.’

‘Ementa: Habeas Corpus. Finalidade: proteção ao Direito de Locomo-ção. CPI dos Títulos Públicos. Quebra de Sigilo Telefônico: Salvaguarda dodireito à intimidade. Ausência de Ameaça à Liberdade de Ir e Vir. Viaimprópria do writ.

Objetivando as razões da impetração salvaguardar o direito à intimi-dade, sem demonstração de que a quebra do sigilo telefônico determinadapor ato da CPI instituída para apurar irregularidades na emissão de títulospúblicos constitua efetiva ameaça à liberdade de ir e vir do paciente, não éo habeas corpus a via adequada à cessação do imputado ato ilegal. Habeascorpus não conhecido.’

12. O fato é que o requisito constitucional do habeas corpus é a violênciaou coação à liberdade de locomoção do paciente, requisito este inexistente napresente situação, o que demonstra a impossibilidade de provimento do recurso.Em outras palavras, é impossível a utilização deste remédio constitucional comosucedâneo de outras ações judiciais, na medida em que, repita-se, o habeascorpus só é admitido nas hipóteses em que o direito-fim se identifica com aliberdade de locomoção física.

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13. Aliás, ainda que o presente H.C. tivesse como objeto a tutela da liberda-de de locomoção, melhor sorte não assistiria aos impetrantes por ausência dedemonstração de que todos os advogados inscritos na OAB - Seccional São Paulo,pudessem vir a sofrer, de maneira imediata, constrição em seu direito.

14. Nesse sentido, asseveram os impetrantes em sua petição recursal, que porse tratar de habeas corpus preventivo, não haveria a possibilidade de se fazeralusão a atos concretos ou a procedimentos penais específicos.

15. Ocorre, no entanto, que ainda quando se trate de procedimento preven-tivo, a exigência da indicação da situação onde, concretamente, poderá vir a serdesrespeitado o direito de locomoção, se faz presente, uma vez que não é possívelo conhecimento de H.C. promovido contra ato do qual não resulte ofensa àliberdade de locomoção.

16. No caso em foco, o ato impugnado é a eventual requisição de autorizaçãojudicial para a quebra do sigilo telefônico, ou seja, pretendem os impetrantes,garantir que no bojo de investigação criminal, esteja o Ministério Público impedi-do de requerer autorização judicial para efetuar escutas telefônicas em linhas deadvogados, sob a alegação de que o simples requerimento seria prática de cons-trangimento ilegal.

17. Ora, falaciosa a consideração expendida pelos agravantes, pois o sim-ples pedido de autorização formulado pelo Parquet não é ato capaz de violarqualquer direito dos impetrantes, na medida em que sujeito à análise e deferimentopelo Poder Judiciário.

18. O fato é que, conforme destacado na decisão agravada, o chefe doMinistério Público não tem autoridade para determinar a realização de escutatelefônica lícita, cabendo-lhe somente, em determinadas situações, solicitar anecessária autorização da autoridade judiciária que, após a verificação dopreenchimento dos requisitos estabelecidos na Lei 9.296/96, deferirá, ou não, opedido.

19. Pretendem fazer crer os agravantes que as escutas telefônicas sãorealizadas de forma corriqueira, em qualquer investigação criminal. Isso não éverdade, uma vez que a citada Lei 9.296/96 impõe rígidos requisitos à conces-são da autorização, dentre os quais se destaca a inexistência de outros meios deprova.

20. Ademais, é importante observar que a decisão deferitória do pedido deinterceptação das comunicações telefônicas, há de ser fundamentada, razão pelaqual, ao contrário do afirmado pelos agravantes, a prática só recairá sobre telefo-nes de advogados quando em relação a estes houver indícios razoáveis de autoriaou participação em infração penal, pois em hipótese diversa não seria admitida aescuta, nos termos do inciso I, do artigo 2º, da supracitada Lei.

21. Cumpre destacar, ainda, que o princípio da proporcionalidade, invoca-do pelos recorrentes, revela-se suficiente à demonstração da impossibilidade deprovimento deste agravo regimental.

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22. Ora, patente é a desproporcionalidade entre a medida pleiteada nohabeas corpus, isto é, a de que sejam banidas dos procedimentos penais asinterceptações de linhas telefônicas pertencentes a advogados, e o ato eventu-almente praticado pelo Ministério Público Federal que se limita a requisitar amedida perante o Poder Judiciário.

23. Uma vez que a requisição depende de autorização do Poder Judiciáriopara se tornar legítima, clara é a demonstração de que não pratica o MinistérioPúblico Federal ato capaz de violar quaisquer direitos dos pacientes, que jamaisterão suas ligações telefônicas interceptadas, senão quando a autoridade judiciá-ria verificar a ocorrência das hipóteses elencadas na legislação disciplinadora damatéria.

24. Enfim, a decisão recorrida está em perfeita harmonia com a jurisprudên-cia do Supremo Tribunal Federal que, de modo uníssono, reconhece não seradmissível o habeas corpus em que o impetrante deixa de atribuir à autoridadeapontada como coatora a prática de ato concreto efetivamente abusivo ou reves-tido de ilegalidade.

25. Não conseguem os recorrentes, em suas razões, indicar qual seria ailegalidade praticada pelo Procurador-Geral da República. Ainda que o chefedo Parquet fosse o responsável por todos os pedidos de interceptação efetuadosno âmbito do Ministério Público Federal, não haveria qualquer indício daprática de comportamento ilegal ou abusivo, pois tais requerimentos são feitosnos termos da lei que regulamenta a parte final do inciso XII, do artigo 5º, daConstituição Federal, comprovando o respeito aos princípios constitucionaisque regem o tema.

Assim sendo, ante a impossibilidade de impetração de habeas corpus paraa tutela de direitos outros que não o direito de locomoção, e considerando-senão ser o Procurador-Geral da República autoridade competente para determinara escuta lícita de conversações telefônicas, manifesta-se o Ministério PúblicoFederal pelo desprovimento do recurso, mantendo-se, integralmente, a decisãorecorrida.” (Grifei)

Por não me haver convencido das razões invocadas pela parte ora recorrente,submeto, à apreciação do Egrégio Plenário do Supremo Tribunal Federal, o presenterecurso de agravo.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello: (Relator): Trata-se de recurso de agravo, que,tempestivamente interposto pela Federação das Associações dos Advogados do Estadode São Paulo, insurge-se contra decisão, por mim proferida, que não conheceu da açãode habeas corpus ajuizada perante esta Corte pela entidade de classe em questão e,também, por ilustres Advogados.

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O ato decisório em questão apoiou-se, para tanto, em três (3) fundamentos: (a) ocaráter absolutamente genérico da impetração, que não indicou qualquer ato concre-to ou procedimento específico em cujo âmbito estariam sendo praticadas medidascaracterizadoras de injusto constrangimento ao status libertatis da totalidade dosAdvogados inscritos na OAB/Seção de São Paulo; (b) a inviabilidade da ação dehabeas corpus em causa, porque promovida com o objetivo de preservar a relação deconfidencialidade entre os Advogados paulistas e seus clientes, protegendo-lhes, emconseqüência, não a sua liberdade de locomoção física, mas, sim, a integridade do seudireito à intimidade e (c) a ausência de legitimatio ad causam passiva do Procurador-Geral da República, para figurar como autoridade coatora na relação processual emquestão, eis que — além de não lhe haver sido atribuído qualquer ato específico deque pudesse derivar ofensa ao direito de ir, vir e permanecer dos Advogados inscritosna Seção paulista da OAB — também não se lhe pode imputar responsabilidade poreventual decretação judicial de interceptação de conversações telefônicas, pois nãodispõe, para tanto, de competência constitucional para ordenar tão extraordináriaprovidência de caráter probatório.

A parte ora agravante, inconformada com tal decisão, veio a impugná-la nopresente recurso, neste reproduzindo, essencialmente, os fundamentos constantesda impetração do pedido de habeas corpus, renovando a alegação de que “todos osmembros da nobre classe dos advogados, sem exclusão de quem quer que seja (...)”,estariam sofrendo situação de constrangimento ilegal, decorrente “da violação aodireito-dever de comunicação reservada com seus clientes, em razão das constantes,inadmissíveis, inconstitucionais e ilegais interceptações de linhas telefônicas per-tencentes sabidamente a advogados inscritos na OAB, no Estado de São Paulo,ocorridas sob a lacônica justificativa de investigação criminal, por iniciativa doMinistério Público Federal, com a complacência da autoridade coatora, o SenhorProcurador-Geral da República, Chefe e representante do Ministério Público Federal,a quem compete coibir os abusos cometidos pelos demais membros desse órgão” (fl.51 — grifei).

Afirma, ainda, a parte ora recorrente, que “os Princípios da Proporcionali-dade e da Razoabilidade (...) deveriam ter norteado a interpretação que se deu, nadecisão recorrida, ao Princípio do Devido Processo Legal, a fim de que o SenhorMinistro Relator, em nome das garantias e salvaguardas maiores do Estado deDireito, houvesse por bem relevar e afastar qualquer óbice formal que, segundo seuentendimento (com o qual a Impetrante não concorda e cujo equívoco será abaixodemonstrado), estivesse a impedir a concessão da ordem de Habeas Corpus e orestabelecimento do direito da inviolabilidade da comunicação reservada entreadvogado e cliente, usurpados pelo Ministério Público Federal, em todo o territórionacional, com o beneplácito da autoridade apontada como coatora, no bojo deinvestigações criminais” (fl. 56).

Passo a apreciar o presente recurso de agravo. E, ao fazê-lo, entendo assistirplena razão ao eminente Vice-Procurador-Geral da República, quando opina peloimprovimento desta impugnação recursal, em parecer assim ementado (fl. 90):

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“Agravo regimental em habeas corpus. Só é admissível a impetração dehabeas corpus para a proteção da liberdade de locomoção, não se prestando oremédio constitucional à tutela de quaisquer outros direitos. Não há comoprosperar o recurso ante a falta de indicação de ato concreto que possa vir aviolar o direito de locomoção dos pacientes. O Procurador-Geral da Repúblicanão é a autoridade competente para, por ato próprio, determinar interceptaçãotelefônica. Parecer pelo desprovimento do recurso.” (Grifei)

Ao proferir a decisão ora recorrida, tive o ensejo de enfatizar que a parte orarecorrente, ao ajuizar o presente writ, com ele buscou resguardar e preservar, exclusi-vamente, como se evidencia da impetração, o direito à intimidade dos Advogadospaulistas em geral, cuja esfera de privacidade — segundo ora sustentado nesta sedeprocessual — estaria sendo desrespeitada pelo Ministério Público Federal, em sedede procedimentos penais, “com o beneplácito da autoridade apontada como coatora,no bojo de investigações criminais” (fl. 56).

Na realidade, a própria parte impetrante, ao postular fossem “banidas, dasinvestigações criminais e da instrução processual penal (...), as interceptações delinhas telefônicas (...)” (fl. 15) referentes a Advogados, expressamente apoiou o seupleito na alegação de que, com tal prática — efetivada “independentemente dequalquer envolvimento na investigação criminal ou instrução criminal” (fl. 14 —grifei) —, atentou-se contra “a intimidade de todo o número infinito de pessoas quevenham a procurar o advogado (...)” (fl. 14 — grifei).

Vê-se, pois, considerados os específicos termos em que formulada a presenteimpetração, que se revela inadequado o meio processual ora utilizado, eis que ohabeas corpus foi deduzido, na espécie, com a exclusiva finalidade de preservar e deproteger, unicamente, o direito à intimidade dos ilustres integrantes da classe dosAdvogados e o de seus eventuais clientes, sem a necessária conexão com a tutela daliberdade de locomoção física dos ora pacientes.

O conteúdo absolutamente genérico do pedido ora deduzido pela parte recorren-te evidencia, por isso mesmo, tal como por mim já enfatizado, o pleno descabimentoda ação de habeas corpus, pois não se demonstrou, na espécie, e de modo concreto, apossibilidade de “todos os Advogados” (fl. 2) inscritos na OAB/SP estarem sofrendo, ouvirem a sofrer, de maneira imediata, injusto constrangimento em seu direito de ir, devir e de permanecer.

Cumpre rememorar, neste ponto, que a jurisprudência do Supremo TribunalFederal tem advertido, presente tal contexto, que não se revela pertinente o remé-dio constitucional do habeas corpus, quando utilizado, como sucede na espécie,sem que se evidencie a concreta configuração de ofensa imediata, atual ou iminen-te, ao direito de ir, vir e permanecer dos pacientes (RTJ 135/593, Rel. Min. SydneySanches — RTJ 136/1226, Rel. Min. Moreira Alves — RTJ 142/896, Rel. Min.Octavio Gallotti — RTJ 152/140, Rel. Min. Celso de Mello — RTJ 180/962, Rel.Min. Celso de Mello, v.g.).

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Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que, com a Reforma Constitucio-nal de 1926 — que importou na cessação da doutrina brasileira do habeas corpus —este writ passou a amparar, “única e diretamente, a liberdade de locomoção. Ele sedestina à estreita tutela da imediata liberdade física de ir e vir dos indivíduos...” (RTJ66/396 — RTJ 177/1206-1207 — RT 423/327 — RT 338/99 — RF 213/390 — RF222/336 — RF 230/280, v.g.).

Sabemos todos que o sentido abrangente da norma inscrita no art. 72, § 22, daConstituição republicana de 1891, na redação anterior à estabelecida pela RevisãoConstitucional de 1926, elasteceu, sob o influxo da doutrina brasileira do habeascorpus, o âmbito de incidência desse instrumento formal de proteção às liberdadespúblicas.

A doutrina brasileira do habeas corpus — como enfatiza, em preciso magistério,Roberto Rosas (Direito Processual Constitucional, pp. 85/86, 1983, RT) — ampliou ocampo de utilização desse remédio constitucional, permitindo que, por meio dele, sedefendessem outros direitos cujo gozo tivesse por suporte o exercício da liberdade delocomoção física.

O habeas corpus, então, sob a decisiva influência das idéias sustentadas pelonotável magistrado desta Corte, Pedro Lessa (“Do Poder Judiciário”, pp. 337/339, 1915, Livraria Francisco Alves), passou a tutelar, no plano jurisdicional, nãosó o direito de ir, vir e permanecer — ainda quando este, na simples condição dedireito-meio, pudesse vir a ser afetado de modo reflexo, indireto ou oblíquo (RF22/306 — RF 34/505 — RF 36/192 — RF 38/213 — RF 45/183) —, mas, também,a viabilizar a proteção de quaisquer outras prerrogativas jurídicas, que, lesadaspor comportamentos ilegais ou abusivos dos órgãos ou agentes da administraçãopública, tivessem, na liberdade de locomoção física, a sua condição de exercício(RF 13/148).

Na realidade, a ampliação das funções do habeas corpus deveu-se à inexistên-cia, em nosso ordenamento positivo, de um remédio processual, que, à semelhança daação de mandado de segurança — que só viria a ser institucionalizada pela Constitui-ção de 1934 —, atuasse como instrumento viabilizador da tutela pronta, imediata eeficaz de outros direitos e liberdades expostos à ação eventualmente arbitrária doPoder Público (Castro Nunes, “Do Mandado de Segurança e de outros meios dedefesa contra atos do Poder Público”, pp. 1/2, item n. 1, 8ª ed., 1980, Forense; SeabraFagundes, “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”, p. 258,item n. 105, nota n. 19, 4ª ed., 1967, Forense, v.g.).

O fato irrecusável, no entanto, é que, após a Reforma Constitucional de 1926,“A proteção do habeas corpus não vai além do direito de locomoção. Por ele não setutelam outros direitos, nem mesmo os que, na faculdade de ir e vir ou ficar, têm a suacondição de exercício” (RF 222/336 — RT 173/24 — RT 338/99).

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em inúmeros julgamentos,tem realçado o caráter estrito da destinação constitucional do remédio de habeascorpus, como resulta claro das decisões a seguir transcritas:

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“Após a Reforma Constitucional de 1926, e com a cessação da doutrinabrasileira do habeas corpus, esse remédio processual passou a ter pertinênciasomente nos casos em que ocorrer situação de risco efetivo ou de dano potencialà liberdade de locomoção física do paciente (jus manendi, ambulandi, eundi ultrocitroque). Precedentes.”(RTJ 180/962, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno)

“A função clássica do habeas corpus restringe-se à estreita tutela daimediata liberdade de locomoção física das pessoas.

— A ação de habeas corpus — desde que inexistente qualquer situação dedano efetivo ou de risco potencial ao jus manendi, ambulandi, eundi ultrocitroque — não se revela cabível, mesmo quando ajuizada para discutir eventualnulidade do processo penal em que proferida decisão condenatória definitiva-mente executada.

Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Consti-tucional de 1926 — que importou na cessação da doutrina brasileira do habeascorpus — haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio proces-sual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional daimediata liberdade de locomoção física das pessoas. Precedentes.”(RTJ 186/261-262, Rel. Min. Celso de Mello)

Desse modo, e tendo em vista que, da exposição feita pelos impetrantes, orarecorrentes, constata-se que estes buscam preservar, com o presente remédio heróico,a relação de confidencialidade que deve existir entre o Advogado e seu cliente (fls. 2,7 e 12/14), torna-se evidente — considerando-se, estritamente, o que emerge dopróprio conteúdo desta impetração — que inexiste, no caso, para efeito de incidênciada norma inscrita no art. 5º, LXVIII, da Constituição, situação de litigiosidade queafete a imediata liberdade de locomoção física dos Advogados em geral (notadamentedaqueles inscritos na OAB/SP) e que, acaso ocorrente, pudesse legitimar a utilização daação de habeas corpus, consoante esta Suprema Corte tem advertido:

“Objetivando as razões da impetração salvaguardar o direito à intimida-de, sem demonstração de que a quebra do sigilo telefônico (...) constitua efetivaameaça à liberdade de ir e vir do paciente, não é o habeas corpus a via adequadaà cessação do imputado ato ilegal.

Habeas corpus não conhecido.”(RTJ 178/1231, Rel. p/ o acórdão Ministro Maurício Corrêa — grifei)

“Constitucional. Processual Penal. Habeas corpus: cabimento. CF, art. 5º,LXVIII.

I - O habeas corpus visa a proteger a liberdade de locomoção — liberdadede ir, vir e ficar — por ilegalidade ou abuso de poder, não podendo ser utilizadopara proteção de direitos outros. CF, art. 5º, LXVIII.

II - HC indeferido, liminarmente. Agravo não provido.”(HC 82.880-AgR/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Pleno)

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Daí o correto entendimento da douta Procuradoria-Geral da República, que, aomanifestar-se sobre esse específico aspecto da controvérsia, afirmou que “O fato éque o requisito constitucional do habeas corpus é a violência ou coação à liberdadede locomoção do paciente, requisito este inexistente na presente situação, o quedemonstra a impossibilidade de provimento do recurso. Em outras palavras, é impos-sível a utilização deste remédio constitucional como sucedâneo de outras açõesjudiciais, na medida em que, repita-se, o habeas corpus só é admitido nas hipóteses emque o direito-fim se identifica com a liberdade de locomoção física” (fl. 93, item n. 12).

A parte ora agravante, de outro lado, certamente consciente da inviabilidadedo meio por ela utilizado, requer — consoante evidenciam as razões que acompa-nham o presente recurso de agravo (fls. 73/74) — que, mediante aplicação do princí-pio da fungibilidade das formas processuais, possa este Tribunal conhecer da ação dehabeas corpus como mandado de segurança, em ordem a viabilizar o regularprocessamento do remédio constitucional.

E, ao assim sustentar a sua pretensão, a parte recorrente salienta que “(...) omandado de segurança e o Habeas Corpus possuem idêntica natureza mandamental,de maneira que, pelo princípio da fungibilidade, sem nenhum esforço doutrinário,mormente diante da relevância da questão ora enfrentada, poderiam ser tomados, umpelo outro” (fl. 73), de tal modo que se impunha, ao Relator desta causa, “determinara emenda da petição inicial, na forma do artigo 284 do CPC (...), garantindoefetividade ao processo judicial em questão tão relevante ao Estado Democrático deDireito” (fl. 74).

Não tem qualquer pertinência, na espécie, por incabível, a pretendida aplicaçãodo postulado da fungibilidade, notadamente se se considerar que houve erro grosseirona imprópria utilização da ação de habeas corpus, eis que absolutamente ausente, naexposição constante da impetração, qualquer referência a determinada situação deofensa, atual ou iminente, ao jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque dos ilustresAdvogados inscritos na Seção paulista da OAB.

O eminente Vice-Procurador-Geral da República, ao opinar como custos legis napresente sede recursal, bem examinou — e repeliu — essa alegação (fls. 91/92):

“7. Não há como prosperar o presente recurso, porquanto, nos termos dadecisão recorrida, revela-se incabível a impetração de habeas corpus cujo objetoé a proteção do direito à intimidade.

8. Depreende-se da leitura das razões recursais que buscam os impetrantesgarantir interpretação extensiva às hipóteses de cabimento do presente remédioconstitucional, sustentando, inclusive, a idêntica natureza entre o habeas corpuse o mandado de segurança, o que permitiria, ante o princípio da fungibilidade, orecebimento de um pelo outro.

9. Insuscetível de acolhimento tal pretensão, porquanto a Carta Constitucio-nal de 1988, ao contrário do alegado pelos requerentes, não atribui caráter subsidi-ário ao mandado de segurança, determinando, de forma expressa, que este, esomente este, é o remédio hábil à proteção de direito líquido e certo ‘não amparadopor habeas corpus’ - artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal.

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10. Não há, portanto, possibilidade de, sob o argumento de observância doprincípio da fungibilidade, receber o habeas corpus como se mandado de segu-rança fosse, conforme pretendido pelos agravantes, sobretudo na situação em tela,em que não há direito líquido e certo a ser tutelado.

11. O fato é que pretendem os impetrantes a garantia do direito à intimida-de estabelecida entre o advogado e seu cliente, tutela que refoge o alcance dohabeas corpus, nos termos destacados na decisão recorrida, a qual fora lavrada emabsoluta consonância ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal(...).” (Grifei)

Enfatize-se, no entanto, que, mesmo que se admitisse a utilização da via dohabeas corpus, em tema de interceptação telefônica — o que tem sido reconhecido,em situações específicas, por esta Suprema Corte (RTJ 171/258, Rel. Min. SepúlvedaPertence — RTJ 180/1001-1003, Rel. Min. Sepúlveda Pertence) —, ainda assimrevelar-se-ia insuscetível de provimento o presente recurso de agravo.

É que os impetrantes, ora recorrentes, não fizeram constar, de suas alegações,qualquer alusão a atos concretos ou a procedimentos penais específicos, em cujoâmbito estariam sendo praticadas medidas caracterizadoras da alegada situação deinjusto constrangimento à liberdade de locomoção física dos Advogados de SãoPaulo.

Com efeito, os ora recorrentes, em suas razões, limitaram-se a afirmar, de manei-ra genérica, sem qualquer especificação individualizadora — e sempre na perspecti-va da defesa do direito à intimidade e da inviolabilidade da comunicação reservadaentre Advogado e cliente —, que o “Ministério Público Federal, por todo o territórionacional, vem, no bojo de investigações criminais (...), abusando de suas prerrogati-vas institucionais (...), requisitando judicialmente a inconstitucional, ilegal e inad-missível interceptação de linhas telefônicas que previamente sabia pertencer a advo-gados...” (fl. 11 — grifei).

Os recorrentes, portanto, deixaram de indicar fatos concretos cuja efetiva ocor-rência, desde que objetivamente demonstrada, poderia ensejar a adequada utilizaçãoda via do habeas corpus.

Tanto é assim que os próprios impetrantes, em suas razões recursais — e nainfundada tentativa de viabilizar a utilização do writ constitucional, mesmo quandoausente qualquer situação real e concreta que possa, ainda que eventualmente, confi-gurar a alegada situação de injusto constrangimento —, afirmaram que “os esclare-cimentos a respeito dos fatos relativos à impetração de Habeas Corpus não são deônus da impetrante, mas, sim, da autoridade tida como coatora, que deve expor averdade e tudo que sabe a respeito por ocasião da resposta da requisição de informa-ções (...)” (fls. 78/79).

O fato irrecusável, no entanto, é que, sem a precisa indicação, pelos autores dowrit, de atos concretos e específicos que evidenciem, por parte da autoridade oraapontada como coatora, a prática, atual ou iminente, de comportamento abusivo ou deconduta revestida de ilicitude, não há como reputar processualmente viável oajuizamento da ação constitucional de habeas corpus.

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Cabe rememorar, neste ponto, a advertência, constante da decisão ora recorri-da, fundada no magistério de Julio Fabbrini Mirabete (“Código de Processo PenalInterpretado”, p. 1469, item n. 654.7, 7ª ed., 2000, Atlas), no sentido de que se impõe,ao impetrante, quando do ajuizamento da ação de habeas corpus, proceder à necessá-ria referência individualizadora a fatos concretos:

“A petição deve conter também a declaração da espécie de constrangimentoou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor’.Devem ser expostas, pois, a natureza da coação, suas circunstâncias, causas,ilegalidade etc., bem como a argumentação de fato e de direito destinada ademonstrar a ilegitimidade do constrangimento real ou potencial (...).”

Essa mesma orientação é perfilhada por Eduardo Espínola Filho (Código deProcesso Penal Brasileiro Anotado, vol. VII/277, item n. 1.372, 2000, Bookseller),em abordagem na qual enfatiza a imprescindibilidade da concreta indicação do atocoator:

“A petição deve, pois, conter todos os requisitos de uma exposição suficien-temente clara, com explanação e narração sobre a violência, suas causas, suailegalidade. Não se faz mister, porém, que a petição esteja instruída com oconteúdo da ordem pela qual o paciente está preso, porque esta falta não podeprejudicar, e é perfeitamente sanável.

A petição, dando parte da espécie de constrangimento, que o paciente sofre,ou está na iminência de sofrer, deve argumentar no sentido de convencer dailegalidade da violência, ou coação (...).

É óbvio, há todo interesse, para o requerente, em precisar os fatos, tãopormenorizada, tão circunstancialmente, quanto lhe for possível, pois melhor seorientará a autoridade judiciária, a que é submetida a espécie (...).” (grifei)

Daí a observação feita por Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Go-mes Filho e Antonio Scarance Fernandes (“Recursos no Processo Penal”, p. 361,item n. 240, 1996, RT):

“O Código exige, finalmente, a menção à espécie de constrangimento e, nocaso de ameaça, as razões em que se funda o temor, ou seja, a indicação dos fatosque constituem a causa petendi.” (Grifei)

Esse entendimento doutrinário — que repele a utilização do instrumentoconstitucional do habeas corpus, quando ausente, na petição de impetração, men-ção específica e concreta aos fatos ensejadores da alegada situação de injustoconstrangimento (Fernando Capez, Curso de Processo Penal, p. 444, item n.20.15.10, 2ª ed., 1998, Saraiva; Tales Castelo Branco, Teoria e Prática dosRecursos Criminais, p. 158, item n. 156, 2003, Saraiva) — reflete-se, por igual, najurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, a propósito do tema, assim setem pronunciado:

“Habeas corpus — Impetração que não indica qualquer comportamentoconcreto atribuído à autoridade apontada como coatora — Pedido nãoconhecido.

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Torna-se insuscetível de conhecimento o habeas corpus em cujo âmbito oimpetrante não indique qualquer ato concreto que revele, por parte da autorida-de apontada como coatora, a prática de comportamento abusivo ou de condutarevestida de ilicitude.”(RTJ 159/894, Rel. Min. Celso de Mello)

“Não há como admitir o processamento da ação de habeas corpus, se oimpetrante deixa de atribuir à autoridade apontada como coatora a prática deato concreto que evidencie a ocorrência de um específico comportamentoabusivo ou revestido de ilegalidade.”(RTJ 164/193-194, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno)

Vê-se, pois, na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que opresente recurso de agravo mostra-se insuscetível de provimento, eis que esta ação dehabeas corpus revela-se destituída de qualquer referência individualizadora a fatosconcretos, que, imputáveis ao eminente Procurador-Geral da República — autoridadeora apontada como coatora — pudessem caracterizar situação configuradora de realameaça (ou de efetiva lesão) ao status libertatis daqueles em cujo favor foi deduzidoeste writ constitucional.

Impende assinalar que, nesse sentido, pronunciou-se a douta Procuradoria-Geral da República (fl. 93, item n. 15).

Na realidade, cumpre reconhecer a integral correção do douto parecer doeminente Vice-Procurador-Geral da República, quando, no ponto, expende as seguin-tes considerações (fl. 94):

“16. No caso em foco, o ato impugnado é a eventual requisição de autoriza-ção judicial para a quebra do sigilo telefônico, ou seja, pretendem os impetrantes,garantir que no bojo de investigação criminal, esteja o Ministério Público impe-dido de requerer autorização judicial para efetuar escutas telefônicas em linhas deadvogados, sob a alegação de que o simples requerimento seria prática de cons-trangimento ilegal.

17. Ora, falaciosa a consideração expendida pelos agravantes, pois osimples pedido de autorização formulado pelo Parquet não é ato capaz de violarqualquer direito dos impetrantes, na medida em que sujeito à análise e deferimen-to pelo Poder Judiciário.

18. O fato é que, conforme destacado na decisão agravada, o chefe doMinistério Público não tem autoridade para determinar a realização de escutatelefônica lícita, cabendo-lhe somente, em determinadas situações, solicitar anecessária autorização da autoridade judiciária que, após a verificação dopreenchimento dos requisitos estabelecidos na Lei 9.296/96, deferirá, ou não, opedido.

19. Pretendem fazer crer os agravantes que as escutas telefônicas sãorealizadas de forma corriqueira, em qualquer investigação criminal. Isso não éverdade, uma vez que a citada Lei 9.296/96 impõe rígidos requisitos à conces-são da autorização, dentre os quais se destaca a inexistência de outros meios deprova.

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20. Ademais, é importante observar que a decisão deferitória do pedido deinterceptação das comunicações telefônicas, há de ser fundamentada, razão pelaqual, ao contrário do afirmado pelos agravantes, a prática só recairá sobre telefo-nes de advogados quando em relação a estes houver indícios razoáveis de autoriaou participação em infração penal, pois em hipótese diversa não seria admitida aescuta, nos termos do inciso I, do artigo 2º, da supracitada Lei.” (grifei)

Cabe registrar, neste ponto, quanto ao outro fundamento que dá suporte à decisãoagravada, que não se mostra viável atribuir-se, ao Procurador-Geral da República, aresponsabilidade por atos emanados dos demais Procuradores da Republica e represen-tantes do Ministério Público Federal, quando estes, no regular e independente desempe-nho de suas atividades funcionais (cuja prática não se subordina a determinações ou ainstruções emanadas do Chefe do Ministério Público da União), apenas requerem, aosúnicos órgãos estatais investidos de competência constitucional para decretá-la (que sãoos magistrados e os Tribunais judiciários), a interceptação de conversações telefônicas,considerada a norma inscrita no art. 5º, XII, da Constituição da República, que consagrao postulado constitucional da reserva de jurisdição.

E a razão é simples: não assiste, ao Procurador-Geral da República, competênciapara ordenar, por autoridade própria, a interceptação de conversações telefônicas,posto que essa matéria está inteiramente regida pelo postulado da reserva constitucio-nal de jurisdição, o que significa que, se abuso qualquer se registrar, será este imputável,unicamente, ao órgão judiciário de que emanou a decretação de medida tão excepcional.

Foi por tal motivo que enfatizei, na decisão agravada, que, mesmo que a parteora recorrente houvesse indicado, em sua petição, um específico pedido de intercep-tação de comunicações telefônicas, ainda que formulado pelo eminente Procurador-Geral da República, mesmo assim a alegada situação de injusto constrangimento nãoseria imputável ao Chefe do Ministério Público da União.

Cabe rememorar, neste ponto, a propósito do aspecto ora posto em desta-que, pertinente à absoluta ausência de legitimação passiva ad causam do eminen-te Chefe do Ministério Público da União, para a ação de habeas corpus em referên-cia, o que salientou, em sua correta manifestação, o Senhor Vice-Procurador-Geralda República (fl. 95):

“21. Cumpre destacar, ainda, que o princípio da proporcionalidade, invoca-do pelos recorrentes, revela-se suficiente à demonstração da impossibilidade deprovimento deste agravo regimental.

22. Ora, patente é a desproporcionalidade entre a medida pleiteada nohabeas corpus, isto é, a de que sejam banidas dos procedimentos penais asinterceptações de linhas telefônicas pertencentes a advogados, e o ato eventual-mente praticado pelo Ministério Público Federal que se limita a requisitar amedida perante o Poder Judiciário.

23. Uma vez que a requisição depende de autorização do Poder Judiciário parase tornar legítima, clara é a demonstração de que não pratica o Ministério PúblicoFederal ato capaz de violar quaisquer direitos dos pacientes, que jamais terão suasligações telefônicas interceptadas, senão quando a autoridade judiciária verificar aocorrência das hipóteses elencadas na legislação disciplinadora da matéria.

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24. Enfim, a decisão recorrida está em perfeita harmonia com a jurisprudên-cia do Supremo Tribunal Federal que, de modo uníssono, reconhece não seradmissível o habeas corpus em que o impetrante deixa de atribuir à autoridadeapontada como coatora a prática de ato concreto efetivamente abusivo ou reves-tido de ilegalidade.

25. Não conseguem os recorrentes, em suas razões, indicar qual seria ailegalidade praticada pelo Procurador-Geral da República. Ainda que o chefe doParquet fosse o responsável por todos os pedidos de interceptação efetuados noâmbito do Ministério Público Federal, não haveria qualquer indício da prática decomportamento ilegal ou abusivo, pois tais requerimentos são feitos nos termosda lei que regulamenta a parte final do inciso XII, do artigo 5º, da ConstituiçãoFederal, comprovando o respeito aos princípios constitucionais que regem otema.” (Grifei)

Não custa acentuar que a mera formulação (sequer comprovada) de pedido deinterceptação de conversações telefônicas, ainda que deduzida pelo próprio Chefe doMinistério Público da União, não importa, só por si, enquanto medida de carátersimplesmente postulatório, em ofensa à liberdade de locomoção física de qualquerpessoa, pela razão de que o ato eventualmente configurador de lesão ao statuslibertatis, quando praticado no contexto de procedimentos de índole penal, somentepode advir de determinação emanada do Poder Judiciário, como resulta inequívocoda cláusula inscrita no art. 5º, XII da Constituição da República.

É que a interceptação das comunicações telefônicas — que possui finalidadeespecífica e que sempre depende, para efeito de sua autorização, em período denormalidade institucional, de ordem judicial (CF, art. 5º, XII, in fine) — está submetidaao postulado da reserva constitucional de jurisdição (RTJ 177/229, Rel. Min. Celsode Mello — RTJ 180/191-193, Rel. Min. Celso de Mello), circunstância esta queexclui, por completo, a possibilidade de membros do Ministério Público Federal,como o eminente Procurador-Geral da República, virem a determinar, por autoridadeprópria, a escuta lícita de conversações telefônicas.

Na realidade, não há que se falar em situação de injusto constrangimento, sejaela imputável ao eminente Procurador-Geral da República, seja ela, ainda, atribuível aqualquer membro do Ministério Público Federal, eis que, nos termos do que dispõe aLei n. 9.296/96 (art. 1º, in fine), “A interceptação de comunicações telefônicas (...)dependerá de ordem do juiz” (grifei), incumbindo, pois, ao Parquet, unicamente,quando for o caso, formular o pedido de escuta, que poderá, ou não, ser ordenado pelaautoridade judiciária competente, e por esta apenas.

O que não se mostra cabível, no entanto, mesmo no contexto de procedimentospenais, é considerar-se o Senhor Procurador-Geral da República responsável portodos os pedidos de interceptação telefônica, que, no âmbito do Ministério PúblicoFederal, já tenham sido formulados — ou que venham a sê-lo — por Procuradores daRepública.

Isso geraria, como conseqüência, a possibilidade de se imputar, ao Chefe doParquet, responsabilidade por atos de outrem, tal como pretendido na espécie (fl. 15).

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A independência funcional dos membros do Ministério Público não admite queo Chefe da Instituição interfira na esfera de atuação de cada integrante do Parquet,mediante incabível determinação das medidas de persecução penal que cada qualdeva adotar nos procedimentos em que oficie.

O acolhimento da tese sustentada pela parte ora recorrente — que atribui, aoProcurador-Geral da República, para efeito de habeas corpus, a responsabilidadeuniversal pela iniciativa dos pedidos de interceptação telefônica formulados poroutros membros do Ministério Público Federal (fl. 15) — culminaria por deslocar,indevidamente, para o Supremo Tribunal Federal, a competência para apreciar atosemanados, não do eminente Procurador-Geral da República (CF, art. 102, I, d), mas, narealidade, praticados por outros integrantes do Parquet federal.

A parte ora agravante postula, ainda, em seu recurso, que, “caso este AugustoSupremo Tribunal Federal venha eventualmente a entender que realmente a responsa-bilidade pelas inconstitucionais interceptações telefônicas é dos Magistrados, deve,diante da índole do Habeas Corpus e da relevância do tema, ser concedida ordem deofício, em face de todos os Srs. Magistrados, membros do Poder Judiciário Nacional,com competência quanto à matéria criminal, neles compreendidos os ExcelentíssimosSenhores Ministros deste Augusto Supremo Tribunal Federal, os ExcelentíssimosSenhores Ministros do Superior Tribunal de Justiça, os Excelentíssimos SenhoresDesembargadores Federais dos Tribunais Regionais Federais em todas as regiões daRepública Federativa do Brasil, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores dosTribunais de Justiça dos Estados Federados da República Federativa do Brasil, osExcelentíssimos Senhores Juízes de Alçada dos Tribunais de Alçada dos EstadosFederados da República Federativa do Brasil, os Excelentíssimos Senhores JuízesFederais de todas as Seções Judiciárias de todas as regiões da República Federativado Brasil, os Excelentíssimos Senhores Juízes de Direito de todas as Comarcas daJustiça Estadual de todos os Estados Federados da República Federativa do Brasil”(fls. 83/84 — grifei).

Entendo que tal pedido, além de absolutamente descabido, apenas coloca emevidência todas as circunstâncias que venho de referir e que inviabilizam, porcompleto, a cognoscibilidade do presente writ constitucional, consistentes (1) nocaráter absolutamente genérico da presente ação, que deixou de indicar qualquerato concreto ou procedimento específico, em cujo âmbito estariam sendo praticadasmedidas caracterizadoras de injusto constrangimento; (2) na inexistência de qual-quer situação de injusto constrangimento imputável ao Ministério Público, eis que amera formulação de pedido de interceptação telefônica (sequer comprovada naespécie) não importa, enquanto medida de índole simplesmente postulatória, emofensa à liberdade de locomoção física de qualquer pessoa e (3) na absoluta ilegiti-midade passiva ad causam da autoridade ora apontada como coatora, seja porquenão determinou, a qualquer membro do Ministério Público Federal, fosse requeridaa medida excepcional de interceptação de conversações telefônicas, seja, ainda,porque o Procurador-Geral da República não dispõe de competência constitucionalpara decretar, por autoridade própria, a adoção dessa extraordinária providência denatureza probatória.

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Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da doutaProcuradoria-Geral da República, nego provimento ao presente recurso de agravo,mantendo, por seus próprios fundamentos, a decisão por mim proferida a fls. 35/43.

É o meu voto.

VOTO (Explicação)

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Senhor Presidente, o que os impetranteschamam de intimidade, bem jurídico a preservar, na verdade, é privacidade. São coisasinconfundíveis. A intimidade significa uma relação do indivíduo consigo mesmo, é ummonólogo ou solilóquio, é a pessoa humana, por exemplo, escrevendo o seu diário,falando de si para si; ao passo que a privacidade não, já implica uma comunicabilidade,embora en petit comité, mas a privacidade é sempre uma interação, é relacional. Aintimidade não, ela não pressupõe essa interação. As duas figuras jurídicas devem ficarbem separadas, bem distintas. Não pode haver confusão porque são figuras técnicas quea Constituição bem separa.

EXTRATO DA ATA

HC 83.966-AgR/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravantes: Advogadosinscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seccional de São Paulo, Federaçãodas Associações dos Advogados do Estado de São Paulo – FADESP e outro (Advogados:Ricardo Hasson Sayeg e outro). Agravado: Procurador-Geral da República.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termosdo voto do Relator. Impedido o Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral daRepública. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamentoo Ministro Nelson Jobim.

Presidência do Ministro Nelson Jobim. Presentes à sessão os Ministros SepúlvedaPertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso,Carlos Britto e Joaquim Barbosa. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio LemosFonteles.

Brasília, 23 de junho de 2004 — Luiz Tomimatsu, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.161 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Pacientes: Fernando Antônio da Câmara Freire, Eliane Magda de Souza Freire ouEliane Magada de Souza Freire e Ricardo Canedo Cavalcanti ou Ricardo Canedo ouRicardo Canedo Cavalcante — Impetrante: Sergio Geraldo Moreira Rodrigues Jr. —Coator: Superior Tribunal de Justiça

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Denúncia: venda de bem alienado fiduciariamente (Código Penal,art. 171, § 2º, I, c/c art. 1º, § 8º, do Dl. 911/6): ausência de descrição decircunstâncias aptas a demonstrar a presença do elemento subjetivo dotipo: inépcia.

Não é apta a denúncia, tal como formulada no caso, por deixar dedescrever dados de fato necessários à configuração do elemento subjetivodo tipo, quais sejam: que aqueles que adquiriram os bens ignoravam quea coisa pertencia a terceiro; ou que, com a venda, se inviabilizou o direitode a instituição financeira rever a coisa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 29 de junho de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Os pacientes respondem a ação penal porinfringência ao art. 171, § 2º, I, Código Penal c/c o art. 1º, § 8º, do DL. 911/69, porque,em nome da sociedade anônima que geriam, teriam vendido a terceiro seis automóveisque, anteriormente, a empresa alienara fiduciariamente a instituição financeira emgarantia de empréstimo.

Historia a petição de habeas corpus:

“Em 26 de maio de 1992, o Banco Pontual S.A. celebrou com a Brasita S.A.Comércio e Indústria um contrato de mútuo, no valor de Cr$ 1.400.000.000,00(um bilhão e quatrocentos milhões de cruzeiros), convencionando-se o pagamen-to de uma única prestação, aprazada para o dia 23 de novembro de 1992.

A tomadora do empréstimo não honrou a obrigação no prazo pactuado. Emconseqüência, as partes formalizaram um aditamento ao aludido contrato. Firmaramum instrumento de transação, confissão de dívida e outras avenças.

Como garantia desse novo ajuste, a devedora alienou fiduciariamente osseis carros mencionados na denúncia.

Sucede que se estabeleceu um litígio entre as partes, que não chegavam aum acordo sobre o montante da dívida.

A divergência ensejou a propositura de três ações: uma de busca e apreen-são, uma execução contra os avalistas e uma execução de penhor mercantil.

Esse o contexto em que se insere a ação penal, contra cuja existência seinsurge a impetração deste pedido.

(...)”

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Pretende o impetrante:

a) ser abusiva a denúncia, que visa a compelir o devedor pela ameaça penal aoadimplemento da obrigação civil;

b) inexistir, no fato nela descrito, a tipicidade criminal, por ausência de dolopenal, mas, quando muito, a presença de dolo civil;

c) seja reconhecida a violação do art. 41 do Código de Processo Penal, poisalém de a denúncia não especificar o ardil ou a fraude perpetrada, deixou depersonalizar as responsabilidades dos sócios da empresa, à qual efetivamente seatribui o desvio;

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Il. Subprocurador-GeralHaroldo da Nóbrega, opinou pelo indeferimento da ordem, pois o art. 66, § 8º, da Leide Mercado de Capitais (Lei 4.728/65) “reitera o caráter delituoso do fato”, ao afirmarque quem aliena “coisa que já alienara fiduciariamente em garantia ficará sujeito àpena prevista no art. 171, § 2º, I, do Código Penal” (fls. 90/95).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Colhe-se da denúncia a descrição dofato (fls. 18/23):

“(...)

No dia 13 de maio de 1993, (...) os denunciados Fernando, Ricardo e Elaine,consciente e voluntariamente, em comunhão de ações e desígnios, agindo os doisprimeiros como representantes de direito e a terceira denunciada como represen-tante de fato, todos da Brasita S/A, venderam como próprio, a José Antônio daCunha Gaspar (...), o veículo usado Ford/Del Rey (...), de propriedade fiduciáriado Banco Pontual S/A, sendo certo que os denunciados eram fiéis depositários docitado automóvel, o qual fora alienado fiduciariamente em garantia de parte dadívida contraída pela sociedade Brasita, junto ao Banco Pontual, através docontrato de mútuo n. 1.281 (...)

Assim agindo obtiveram os denunciados, como representantes da BrasitaS/A, vantagem econômica ilícita em prejuízo do Banco Pontual S/A, na medidaem que alienaram como próprio o bem pertencente ao Banco Pontual, frustandoassim, a medida judicial de busca e apreensão do veículo, intentada pelo lesadojunto à 5ª Vara Cível da Comarca da Capital (processo n. 93.001.06857-5) — fls.31/48.

(...)”

Relativamente ao mesmo contrato, segue a denúncia descrevendo outras cincocondutas idênticas, alterando-se apenas o dia e os veículos objeto das alienações.

E, com relação aos dois últimos veículos que teriam sido alienados, não se afirmaque tenha sido frustrada nenhuma medida judicial.

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Estou em que a denúncia, tal como formulada, deixou de descrever circunstânciasaptas a demonstrar a presença do elemento subjetivo do tipo, quais sejam: que aquelesque adquiriram os veículos dos pacientes ignoravam que a coisa pertencia a terceiro;ou que, com a venda, se inviabilizou o direito de a instituição financeira rever a coisa.

Quanto à primeira das circunstâncias, porque, conforme assevera Cezar RobertoBitencourt1, para a configuração do delito, exige-se “a má-fé do sujeito ativo versus aboa-fé do sujeito passivo”.

Quanto à segunda circunstância se, em tese, puder a instituição financeira tam-bém ser considerada sujeito passivo do delito e, por isso, independentemente daexistência de má-fé por parte daqueles que adquiriram os veículos, ainda assim restarconfigurado o delito2.

Para tanto, contudo, não basta tenha sido frustrada uma busca e apreensão especí-fica — tal como está na denúncia —, mas sim resultar a inviabilidade de perseguir acoisa, circunstância a que não se aludiu.

É que ao lado do direito de disposição da coisa, possui o proprietário “o direito dereavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (Código Civil,art. 1.228), como o seria o adquirente a non domino.

Repita-se, ademais, que, quanto aos dois últimos veículos a denúncia sequer osindicou como objeto de busca e apreensão.

Este o quadro, por ausência de descrição de dado de fato necessário à configuraçãodo elemento subjetivo do delito, defiro a ordem, para anular o processo, a partir dadenúncia, inclusive: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA

HC 84.161/RJ — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Pacientes: Fernando Antô-nio da Câmara Freire, Eliane Magda de Souza Freire ou Eliane Magada de Souza Freire eRicardo Canedo Cavalcanti ou Ricardo Canedo ou Ricardo Canedo Cavalcante.Impetrante: Sergio Geraldo Moreira Rodrigues Jr. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Cezar Peluso.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Compareceu o MinistroJoaquim Barbosa a fim de julgar processos a ele vinculados. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 29 de junho de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 2. ed. Saraiva, 2004, p. 761.

2 FRAGOSO, Heleno C. Lições de Direito Penal. 2ª, Bushatsky, 1962, 2º/355.

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HABEAS CORPUS 84.660 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Paciente: Denísio Rodrigues de Morais ou Denísio Rodrigues de Moraes —Impetrantes: PGE/SP – Waldir Francisco Honorato Junior (Assistência Judiciária) eoutro — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus. Revogação do sursis processual após o período deprova, mas por fatos ocorridos até o final daquele período. Pretensão deser declarada extinta a punibilidade do paciente, que estaria consumadano momento em que se verifica o término do período de prova.

A interpretação do § 5º do art. 89 da Lei n. 9.099/95 permiteconcluir pela inexistência de óbice a que o juiz decida acerca da revoga-ção do sursis ou da extinção da punibilidade após o término do período deprova. Assim, pode haver a revogação mesmo depois de expirado oreferido período, desde que motivada por fatos ocorridos até o seutérmino. Precedente: HC 80.747.

Caso em que a revogação do benefício, embora requerida apósultimado o período de prova, se lastreou em fato ocorrido durante esseperíodo, ensejando instauração de processo e condenação com trânsitoem julgado, antes mesmo do fim do referido biênio probatório. Essainformação de julgamento condenatório definitivo afasta, inclusive, oexame da constitucionalidade do § 3º do art. 89 da Lei n. 9.099/95, à luzda presunção de não-culpabilidade.

Habeas corpus indeferido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,indeferir o habeas corpus.

Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Trata-se de habeas corpus, impetrado contraacórdão do Superior Tribunal de Justiça assim ementado (fl. 93):

“Penal. Suspensão condicional do processo. Réu processado por novocrime no curso do período de prova. Revogação automática do sursis mesmo queultrapassado o lapso probatório. Recurso provido.

I - A suspensão condicional do processo é automaticamente revogada, se, noperíodo probatório, o réu vem a ser processado pela prática de novo crime.

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II - Sendo a decisão revogatória do sursis meramente declaratória, nãoimporta que a mesma venha a ser proferida somente depois de expirado o prazo deprova.

III - Recurso provido, nos termos do voto do Relator.”

2. Com a decisão, reformou-se o entendimento firmado pelas instâncias ordinárias,que extinguiram a punibilidade do paciente, uma vez que, quando o pedido derevogação do benefício foi solicitado pelo membro do Ministério Público já haviaexpirado o período de prova (art. 89, § 5º, da Lei n. 9.099/95). Daí a presenteimpetração, na qual se alega que a decisão impugnada teria admitido uma ilegalprorrogação do sursis processual. Segundo o impetrante, “diante da inexistência denorma possibilitando a prorrogação é inquestionável que a extinção da punibilidadeestá consumada no momento em que se verifica o término do período de prova dasuspensão condicional do processo” (fl. 9). E o que pedem os peticionários? Pedem aconcessão da ordem para restabelecer o acórdão estadual que decretou a extinção dapunibilidade.

3. A douta Procuradoria-Geral da República, a seu turno, opinou peloindeferimento, reportando-se a precedente desta colenda Corte sobre o tema e aopronunciamento do Parquet no STJ, lavrado nos termos seguintes (fl. 104):

“(...)

5. O fato de o beneficiário vir a responder a outro feito criminal durante operíodo de prova do sursis processual acarreta na revogação do benefício, confor-me preceitua o parágafo 3º do art. 89 da Lei n. 9.099/95, assim descrito:

(...)

6. Mesmo que o reconhecimento da existência de processo criminal contrao beneficiário seja posterior ao período de prova, deve-se revogar a suspensãocondicional do processo. Ex vi legis, a revogação do benefício, nessa hipótese,é automática, sendo a sentença revogatória de natureza meramente declarató-ria. Somente se cogita da extinção da punibilidade prevista no § 5º do mencio-nado artigo, assim, caso esteja comprovada — o que não acontece no caso subjudice — a perfeita adequação às condições legais (incisos I a IV e § 2º domesmo artigo).

7. In casu, verifica-se que o beneficiário foi processado criminalmentedurante o período de prova do sursis processual e que, antes da sentença deextinção da punibilidade, o benefício foi revogado.

(...)”

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Feito o relatório, passo ao voto.

6. Ao apreciar medida liminar requerida no presente writ, consignei, in verbis(fl. 98):

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“Em que pesem os bem lançados argumentos do combativo impetrante, osdocumentos juntados aos autos demonstram, à primeira vista, que a revogação dasuspensão condicional do processo, embora posterior ao período de prova, fun-dou-se na prática de outro crime, cometido antes do término daquele período.Assim sendo, não haveria, a princípio, o propalado constrangimento ilegal. Nessesentido, o HC 80.747, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.”

7. Como apontado no despacho transcrito, a matéria não é nova, tendo sidoapreciada por esta colenda Corte no precedente citado (HC 80.747). Naquela ocasião, oRelator do feito, em. Min. Sepúlveda Pertence, elaborou ementa explicativa sobre aquestão, que pela clareza e precisão agora reproduzo:

“(...)

II - Suspensão condicional do processo.

1. Suspenso condicionalmente o processo, não cabe ao juiz, ainda no cursodo período respectivo, declarar parceladamente cumpridas — com força decisóriade sentença definitiva — cada uma das condições a cuja satisfação integral ficousubordinada a extinção da punibilidade: se antes não adveio revogação pormotivo devidamente apurado, é que incumbe ao Juiz, findo o período da suspen-são do processo, declarar extinta a punibilidade — aí, sim, por sentença — ou,caso contrário, se verifica não satisfeitas as condições, determinar a retomada docurso dele.

2. A decisão que revoga a suspensão condicional pode ser proferida apóso termo final do seu prazo, embora haja de fundar-se em fatos ocorridos até otermo final dele.” (Sem destaque no original)

8. Pois bem, como mencionado quando da liminar, a revogação do benefício,embora requerida após o término do período de prova, fundou-se em fato ocorridodurante o biênio probatório, qual seja, a prática de outro crime, com nova ação penalcontra o paciente (fl. 21).

9. Nesse contexto, aplicando o precedente citado ao caso concreto, não há falar-seem constrangimento ilegal, razão pela qual meu voto indefere o habeas corpus.

10. É como voto.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, a Lei n. 9.099/95 realmentecontenta-se com o fato de vir o beneficiário da suspensão a ser processado por outrocrime ou, então, deixar de reparar o dano causado com a ação delituosa que deu margemao processo e à suspensão operada.

Questiono-me quanto à harmonia desse texto com o teor da Carta da República,no que encerra o princípio da não-culpabilidade.

Ora, a consideração do simples fato de estar sendo processado o beneficiário dasuspensão não contraria esse princípio? O que pode ocorrer quando, por vezes, tem-semesmo uma precipitação de fatos objetivando a simples estatística, dar solução aepisódios criminosos, em que então se faz nascer processo que por vezes deságua naabsolvição do processado?

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Imaginemos uma situação concreta em que se parta para a aplicação da regra talcomo se contém no § 3º do artigo 89 e em que, posteriormente, mediante sentençatransitada em julgado, venha a ser selada a absolvição do acusado. Há conformidade dosistema a levar-se a esse ponto o que está aludido no § 3º? Esse § 3º convive com oprincípio da não-culpabilidade?

A meu ver, quando se agasalha a cassação — que, para mim, no caso, surge com “ç”,não com “ss” — do benefício, a partir da existência de um simples processo, coloca-se emsegundo plano o princípio da não-culpabilidade. Dá-se o prejuízo relativamente aoenvolvido sem que a culpa ou o dolo, no processo subseqüente, esteja selada.

PROPOSTA DE REMESSA AO PLENO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Creio ser caso de afetar o caso aoPleno: o Ministro Marco Aurélio suscita a inconstitucionalidade da lei.

O precedente referido por Sua Excelência dizia respeito à não-reparação de danosno período da suspensão.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Aí diz respeito ao próprio processo, em queocorrida a suspensão.

EXTRATO DA ATA

HC 84.660/SP — Relator: Ministro Carlos Britto. Paciente: Denísio Rodrigues deMorais ou Denísio Rodrigues de Moraes. Impetrante: PGE/SP – Waldir FranciscoHonorato Junior (Assistência Judiciária) e outro. Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma decidiu remeter o presente pedido de habeas corpus a julga-mento do Tribunal Pleno, a fim de resolver questão de constitucionalidade suscitadapelo Ministro Marco Aurélio. Unânime. 1ª Turma, 31-8-2004.

Decisão: Retirado da mesa do Plenário por indicação do Relator. Presidência doMinistro Nelson Jobim. Plenário, 22-9-2004.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Ministros

Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 15 de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.682 — SP

Relator: O Sr. Ministro Cezar PelusoPaciente: Diego Rodrigues Batista — Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco

Honorato Junior (Assistência Judiciária) — Coator: Superior Tribunal de JustiçaInfância e juventude. Menor. Ato infracional. Representação.

Procedência. Regime de semiliberdade. Execução socioeducativa. Nova

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apreensão por ato infracional grave. Instauração de outra representação.Nova medida de semiliberdade. Substituição conseqüente do primeiroregime por internação sem prazo determinado. Aplicação extensiva do art.113 do ECA (Lei n. 8.069/90). Inadmissibilidade. HC deferido. Inteligênciados arts. 110, 111 e 122 do ECA. Não é lícito, sobretudo em processo deexecução socioeducativa, substituir medida de semiliberdade, imposta emprocesso de conhecimento, por internação sem prazo determinado, à contade novo ato infracional do adolescente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PrimeiraTurma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente,justificadamente, o Ministro Eros Grau.

Brasília, 22 de março de 2005 — Cezar Peluso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: 1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor deDiego Rodrigues Batista, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que lhedenegou o HC n. 31.762.

O ora paciente foi alvo de representação perante a 4ª Vara Especial da Infância eJuventude de São Paulo (Proc. n. 2581-2), pela prática de ato infracional equiparado aoroubo.

Posto em regime de semiliberdade, instaurou-se a ação de execução socioeduca-tiva n. 49.288/01, junto ao Departamento de Execuções da Infância e Juventude de SãoPaulo.

No curso do regime, entretanto, sem retornar da escola, foi apreendido de novopela prática de ato infracional grave (roubo) e objeto doutra representação, agora na 3ªVara Especial da Infância e Juventude (Proc. n. 4433-7), sendo-lhe aplicada novamedida de semiliberdade.

A juíza do Departamento de Execuções, ao tomar conhecimento do incidente,determinou a substituição do regime original de semiliberdade por internação-sançãoprevista no inc. III do art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente (fl. 44). E, aodepois, à vista do laudo psicossocial, substituiu a internação-sanção por internaçãosem prazo certo (fl. 49).

Impetrou-se, então, ordem de habeas corpus perante a Câmara Especial doTribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob alegação de constrangimentoilegal, consistente na regressão da medida para internação sem prazo. O writ foidenegado.

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O impetrante recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, aduzindo violação aoprincípio da legalidade, por inobservância da regra inserta no § 1º do art. 122 do mesmoEstatuto. A Sexta Turma daquele tribunal denegou a ordem, em acórdão de cuja ementaconsta:

“Habeas Corpus. ECA. Internação. Reiteração na prática de atoinfracional. Medida sócio-educativa. Substituição. Possibilidade (artigo 122,inciso II, do ECA).

1. ‘1. A disposição inserta no artigo 122 do Estatuto da Criança e doAdolescente não exclui, por óbvio, a substituição da medida de semiliberdadepela de internação, quando esta for a medida compatível com a situação doadolescente e aquela, demonstradamente, insuficiente, como é da letra do artigo99, combinado com o artigo 113, do mesmo diploma legal.

2. A única exigência legal em casos tais é a de que o ato infracional, emnatureza, admita a medida de internação ou haja reiteração no cometimento deoutras infrações graves (ECA, artigo 122, incisos I e II).

3. Em se aplicando medida sócio-educativa diversa da internação, em razãoda prática de ato infracional que a comporta, nada impede, e antes, determina, queo magistrado, exigindo a situação do menor, substitua a medida menos gravosapor aqueloutra permitida na lei’ (HC 29.263/SP, da minha Relatoria, in DJ 19-12-2003).

2. Ordem denegada”.

Sustenta, agora, o impetrante que “não resta dúvida de que, ao preservar oacórdão estadual, a Turma do Superior Tribunal de Justiça violou o princípio dalegalidade, uma vez que foi omisso com relação ao § 1º do artigo 122 do Estatuto daCriança e do Adolescente, que estabelece que ‘o prazo de internação na hipótese doinciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses’” (fl. 06). E requer “aconcessão da ordem para determinar a observância do prazo estabelecido no § 1º doartigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente” (fl. 11).

O pedido liminar foi indeferido (fl. 100).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo indeferimento da ordem (fl. 126).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cezar Peluso: (Relator): 1. Observo, desde logo, que o disposto noart. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente está em harmonia com as “RegrasMínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e daJuventude”, especialmente no que se refere ao caráter excepcional da institucionali-zação1, ao dispor:

1 Ponto 19.1. A internação de um jovem em uma instituição será sempre uma medida de últimorecurso e pelo mais breve período possível

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“Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aosprincípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar depessoa em desenvolvimento”.

À sua luz devem interpretadas as condições a que se sujeita a internação, todasexaustivamente enumeradas no art. 122:

“A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violênciaa pessoa;

II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormenteimposta.

§ 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderáser superior a 3 (três) meses.

§ 2º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medidaadequada”.

Da conjugação das duas primeiras hipóteses legais (incs. I e II), que pedem aapuração de ato qualificado pelos caracteres de grave ameaça ou violência contra apessoa, ou da reincidência de quem, já tendo sofrido a aplicação dalguma medida,tenha voltado a cometer atos infracionais graves, vê-se que o momento processual paraa aplicação da medida de internação é o do juízo de mérito que, na ação socioeduca-tiva, esgota o ofício jurisdicional de conhecimento. A terceira hipótese (inc. III), essapressupõe o descumprimento reiterado e injustificável de medida, sem a prática denovos atos infracionais, o que significa autêntica regressão ao regime de internação,determinada no âmbito do juízo executório.

As duas primeiras não comportam prazo certo de internação, cuja subsistênciadeve reavaliar-se, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada 6 (seis) meses. Ea aplicada no caso do inc. III não poderá exceder a 3 (três) meses.

2. O paciente, inicialmente posto no regime de semiliberdade, em razão da práticade ato infracional equiparado ao delito de roubo (Proc n. 2.581-2), ao não retornar daescola, foi de novo apreendido pela prática de ato infracional grave (roubo qualifica-do), em razão do qual submeteu-se a nova ação socioeducativa (Proc. n. 4.433-7),perante a 3ª Vara Especial da Infância e Juventude de São Paulo, que ao cabo doprocesso lhe aplicou nova medida de semiliberdade.

Diante disso, a juíza do Departamento de Execuções da Infância e da Juventudeordenou-lhe internação-sanção, até que fosse ouvido em audiência (Proc. Ex. n.49.288/01).

Inquirido, o ora paciente informou: “permaneceu pouco tempo na semiliberdade,afirmando que teve problemas com outros adolescentes na unidade, de compleiçãofísica mais avantajada. Que passa muito tempo pelas ruas, inclusive dormindo fora decasa, praticando atos infracionais para sobreviver. Usa entorpecentes. Tem 13 anosde idade”.

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Foi daí prorrogada a internação-sanção, com apoio no inc. III do art. 121 doEstatuto da Criança e do Adolescente, para realização de avaliação psicossocial, cujolaudo concluiu que “o paciente não apresenta juízo crítico satisfatório relativamentea sua conduta, bem como a imperiosidade de receber tratamento psicológico sistemá-tico antes de sua reinserção social” (fl. 48).

Diante desse quadro, decidiu o juízo pela substituição da internação-sanção pormedida de internação com prazo indeterminado, no processo executivo.

Tenho que nisso exorbitou. O juízo da execução transpôs os limites do títuloexecutório, a finalidade da execução e o alcance mesmo do art. 122 do ECA, em agindocomo verdadeira instância de conhecimento, ao arrepio do devido processo legal (dueprocess of law).

Mauro Campello2 acentua:

“A execução das medidas sócio-educativas caracteriza-se como uma funçãojurisdicional, uma vez que há necessidade de sua jurisdicionalização e conseqüen-te formação de um processo, para que o Estado-Juiz através de suas decisões possaconhecer e compor os denominados incidentes que venham a surgir na execução egarantir dessa forma o devido processo legal, propiciando a ampla defesa e ocontraditório, ao adolescente a quem se aplicou a sanção sócio-educativa”.

E conclui3:

“Para a ação de execução sócio-educativa teremos como pressuposto básicopara sua formação a existência de um título executivo, nascido de uma sentençaproferida antes da formação da ação sócio-educativa, na hipótese de homologa-ção da remissão por Juízo competente transacionada pelo Ministério Público como adolescente em conflito com a lei, aplicando-se cumulativamente a este amedida(s) sócio-educativa(s), ou no curso da ação sócio-educativa, quando estamesma transação ocorre antes da sentença final, ou ainda, na própria sentençafinal, que julga procedente o pedido condenatório contido na representaçãoministerial, aplicando medida sócio-educativa”.

(...)

“Do exposto, verificamos que a finalidade da ação de execução sócioeducativa é o provimeno satisfativo da pretensão do Estado em aplicar ao adoles-cente em conflito com a lei medida(s) sócio-educativa(s), denominado provimen-to executivo sócio-educativo”.

No caso, a aplicação da medida de internação por prazo indeterminado nãodecorreu da prática daquele segundo ato infracional, objeto de processo específico(Proc. n. 4.433-7), mas, sim, da só consideração dele como descumprimento do regimede semiliberdade, como pode confirmar-se à correspondente decisão:

2 CAMPELLO, Mauro. “Da Necessidade de uma Ação de Execução de Medida Sócio-Educativa”.Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Santa Catarina: v. 5, ano4, p. 276.

3 Op. cit., p. 277.

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“Em face do exposto, ficando evidenciado, de forma cristalina, a inaptidãodo jovem, ao menos por ora, para permanecer no meio aberto/semi-aberto, bemcomo a manifesta inadequação da medida anteriormente estabelecida(semiliberdade) para lograr a sua recuperação, hei por bem, com espeque nosartigos 99, 100, e 113 da Lei 8.069/90, determinar a substituição da medida desemiliberdade pela de internação, por prazo indeterminado”. (Fl. 49)

Leitura desconexa das normas invocadas pode sugerir a existência doutra espéciede internação legal, a título substitutivo, sob o pressuposto de que às medidas socioeduca-tivas se aplicam as disposições convenientes às medidas de proteção, o que autorizaria,dentre outras, a substituição do regime de semiliberdade pela internação. Vejamos:

“Art. 113. Aplica-se a este Capítulo4 o disposto nos arts. 99 e 100”.

“Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo5 poderão ser aplicadas isoladaou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo.

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidadespedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculosfamiliares e comunitários”.

Convenceu-me, no julgamento recente do HC n. 84.603, o voto do Rel. Min.Sepúlveda Pertence, de não ser possível substituição de uma medida, seja de proteção,seja socioeducativa, por outra de internação (internação-substituição):

“Também estou convencido de que não há falar-se em ‘internação-substi-tuição’ com fundamento no art. 113 do ECA 8.069/90, tendo em vista que asubstituição — na linha da tese adotada no HC 74.715, 2ª T., Maurício Corrêa,DJ de 16-5-97 — somente é aplicável quanto às medidas específicas de proteção(arts. 101; e 112, VII).

A conclusão, além de reforçar-se pelo regime da medida de internação,‘sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condiçãopeculiar de pessoa em desenvolvimento’ (art. 121), advém da tipicidade estritadas hipóteses que a autorizam.

É dizer, o art. 113 deve ser interpretado no sentido de que se aplica aocapítulo que trata das medidas sócio-educativas (IV) a substituição, a qualquertempo, das medidas de proteção a que se referem os arts. 99 e 100: não é possível,pois, a substituição de uma medida — de proteção ou sócio educativa — por outrade internação.

Assim, a prática de ato infracional ‘mediante grave ameaça ou violência apessoa’ ou a reiteração ‘no cometimento de outras infrações graves’ (Art. 122, I eII, respectivamente), embora justifiquem, per si — após o procedimento deapuração do ato infracional, com as garantias previstas —, a aplicação da medidade internação de que trata o art. 121, não servem para fundamentar a substituiçãoda medida já aplicada por uma de internação.

4 Esse capítulo se refere às “Medidas Sócio-Educativas”.

5 Esse capítulo se refere às “Medidas Específicas de Proteção”.

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Praticado ato infracional mediante violência ou grave ameaça à pessoa —como se afirma, apurado em procedimento diverso —, dele poderia resultar,eventualmente, a aplicação da medida internação (art. 122 do ECA).

Mas esse fato, no caso, não poderia justificar, também, em procedimentodiverso, a substituição por medida de internação disciplinada no 121 do ECA”.

A Segunda Turma, no julgamento do HC n. 74.715 (Rel. Min. Maurício Corrêa,DJ de 16-5-1997), por unanimidade, decidiu:

“Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90).Regime de semiliberdade: descumprimento: fuga do adolescente: ausência do requi-sito da reiteração. Inaplicabilidade da medida de internação. Decisão ultra petita.

1. Na hipótese do art. 122, inciso III, da Lei n. 8.069/90, de 13 de julho de1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), faltando reiteração injustificada nodescumprimento da medida sócio educativa de inserção em regime desemiliberdade (art. 112, V), a internação não pode ser aplicada.

2. As medidas específicas de proteção, referidas nos artigos 99 e 100 do ECA,são as alinhadas nos incs. I a VIII do art. 101 do mesmo Estatuto, as quais poderãoser aplicadas isolada ou cumulativamente (mais de uma dentre as oito), bem comosubstituídas (uma por outra ou mais de uma por outras, mas sempre dentre as oito).

3. É certo que o art. 101 admite outras medidas além das oito específicas,mas da mesma natureza e mesmos objetivos, isto é, pedagógicas e que ‘visem aofortalecimento dos vínculos familiares e comunitários’, o que torna incabível adeterminação de internação, por constituir medida sócio-educativa privativa daliberdade e não medida específica de proteção.

4. Considera-se decisão ultra petita o acórdão que diante do requerimentodo representante do Ministério Público, objetivando a internação-sanção peloprazo de três meses (§ 1º do art. 122), entendeu de afastar a aplicação do art. 122,III, e determinar, como incidente da execução, a regressão do adolescente aoregime de internação que pode durar até três anos (§ 3º do art. 121).

5. Habeas corpus deferido”.Tal inteligência está em harmonia com as diretrizes básicas de tutela do adoles-

cente, à medida que atende ao caráter singular da institucionalização.A internação é medida excepcional e, como tal, deve aplicada nos casos específi-

cos do art. 122 da Lei n. 8.069/90, donde não lhe quadrar aplicação extensiva do art.113, em afronta ao princípio da tipicidade estrita das fattispecie que a autorizam. É quea medida privativa de liberdade, consoante preceitua o art. 110, somente poderáaplicada com a observância das garantias processuais previstas no art. 111.

Ora, não se pode abstrair que a apuração do ato infracional atribuído ao orapaciente e a conseqüente aplicação da medida de semiliberdade reverenciaram asexigências do justo processo da lei (due process of law), em particular as do contraditó-rio e da ampla defesa. De modo que, suposto admissível, em tese, internação pelaprática de ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa, o locusprocessual para decidi-la é o juízo de mérito da ação socioeducativa, cujo procedimentoseja governado por aquela garantia constitucional. Aplicado regime de semiliberdade

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no processo de conhecimento, não é lícito ao juízo da execução substituí-la porinternação sem prazo determinado.

Ademais, se até para a aplicação da internação-sanção, prevista no inc. III do art.121 do ECA, imperioso seria o “descumprimento reiterado e injustificável da medidaanteriormente imposta”, um único descumprimento não bastaria, para a contrariosensu, justificar a regressão.

3. Ante o exposto, defiro a ordem, para restabelecer a medida de semiliberdade,sem prejuízo de se cumularem as medidas de proteção enumeradas nos incs. II, III, IV, e,especialmente, VI, do art. 101 da Lei n. 8.069/90.

EXTRATO DA ATA

HC 84.682/SP — Relator: Ministro Cezar Peluso. Paciente: Diego RodriguesBatista. Impetrante: PGE/SP – Waldir Francisco Honorato Junior (Assistência Judiciá-ria). Coator: Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Eros Grau.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o MinistroEros Grau. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Delza Curvello Rocha.

Brasília, 22 de março de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 84.738 — PR

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Paciente e Impetrante: Ivanir Francisco Ogliari — Coator: Superior Tribunal deJustiça

Ação penal — Ausência de justa causa — Trancamento. Otrancamento da ação penal por órgão diverso do retratado como juiznatural pressupõe que os fatos na denúncia não consubstanciem crime,ou que haja incidência de prescrição ou defeito de forma, considerada apeça inicial apresentada pelo Ministério Público.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade,indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Marco Aurélio, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao proceder ao exame do pedido de concessão demedida acauteladora, assim sintetizei o caso:

1. A inicial revela haver a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça doParaná recebido denúncia contra o paciente e impetrante, prefeito do Município deCoronel Vivida, acusado de haver se utilizado de bem público para projeçãopessoal. É que, segundo a denúncia, teria buscado emplacar veículo da prefeituracom as letras iniciais do próprio nome, o número do partido e aquele com o qualconcorreu em certo ano à prefeitura. Na peça procura-se demonstrar o descompassoentre as iniciais do nome Ivanir Francisco Ogliari – IFO e as letras da placa — AIO.Relativamente aos números, sustenta-se que não compõem as dezenas, mas ummilhar, ou seja, 1555 e não 15 e 55. Assevera-se que a denúncia resultou deinsurgimento de opositores, em disputa relativa a eleições. Afirma-se ausente aantijuridicidade, citando-se precedentes, e requer-se a concessão de medidaacauteladora que suspenda, até o julgamento final deste habeas, o trânsito doprocesso em curso. À inicial juntaram-se os documentos de folhas 7 a 38.

A Procuradoria-Geral da República emitiu o parecer de folhas 47 a 50, peloindeferimento da ordem. Lancei visto no processo em 6 de dezembro último, designan-do, como data do julgamento, a de hoje, isso com a finalidade de dar ciência aorepresentante processual do paciente.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): A óptica inicialmente assentada serve aoindeferimento da ordem:

“2. A ementa do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça bemdenota o entendimento sufragado pela Corte (folha 29):

Habeas corpus. Denúncia. Inépcia. Ex-prefeito municipal. Crime deresponsabilidade. Decreto-Lei n. 201/67. Ausência de justa causa para aação penal. Exame aprofundado de provas.

Em sede de habeas corpus, conforme entendimento pretoriano, so-mente é viável o trancamento de ação penal por falta de justa causa quando,prontamente, desponta a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ouse acha extinta a punibilidade, circunstâncias não evidenciadas na espécie.

Eventual capitulação errônea dos fatos narrados na denúncia não temo condão de eivar de inépcia a peça acusatória, porquanto o réu defende-sedos fatos por ela objetivamente descritos e não da qualificação jurídicaatribuída ao fato delituoso. Precedentes.

A via estreita do writ é inviável para se pretender afastar a responsabi-lidade do ora paciente pelo suposto ilícito praticado, já que só a instruçãocriminal pode definir quem concorreu, quem participou ou quem ficoualheio à ação ilícita.

Ordem denegada.

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Conforme consignado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, pretendeu-seemplacar veículo de passeio — Marea — da prefeitura — certamente, pelaespécie, o que viria a servir ao paciente-impetrante — com certas letras enúmeros. Para tanto, pagara-se, inclusive, determinado valor. Levou-se emconta que as letras IO revelam as iniciais do prenome e do nome do paciente,muito embora o prenome se mostre composto — Ivanir Francisco. A letra A, queantecedeu a IO, seria sempre precedente nas placas. No tocante ao número,empregara-se o mesmo do partido em eleição anterior — 15 — e aquele com oqual o paciente concorreu — 55. Então, considerou-se aparelhada a denúncia efez-se ver que somente com a instrução penal seria dado concluir pela manobrautilizada e, portanto, pelo uso de bem público em proveito próprio. Eis o trechodo acórdão prolatado (folha 12):

Se o acusado teve por objetivo a promoção pessoal ao escolher símbo-los e marcas vinculados à sua pessoa, só a instrução deslindará.

Está-se diante de situação concreta que não apresenta excepcionalidademaior a ditar a suspensão do processo em curso, pouco importando que seavizinhem eleições, e que possa repercutir na caminhada política do paciente. Omomento de perceber-se essa circunstância há muito foi ultrapassado, valendonotar a alvissareira quadra ora vivida, com mudança cultural no que concerne àmaneira de se lidar com a coisa pública.”

Há de se aguardar a tramitação da ação penal, tal como consignou o Tribunal deJustiça do Estado do Paraná, cabendo ressaltar que o trancamento da ação somente épossível quando os fatos narrados na denúncia não consubstanciam tipo penal, hajaincidido a prescrição ou se tenha defeito de forma quanto à peça primeira apresentada.Indefiro a ordem.

EXTRATO DA ATA

HC 84.738/PR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente e Impetrante:Ivanir Francisco Ogliari (Advogado: Reginaldo Fanchin). Coator: Superior Tribunalde Justiça.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas.

Brasília, 14 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 84.802 — SP

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Paciente: Vicente de Paulo Almeida ou Vicente de Paula Almeida — Impetrante:Marcelo Rachid Martins — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Prisão — Pronunciamento condenatório — Impropriedade. A con-denação, por si só, não respalda a prisão do agente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por maioria de votos, vencido o Ministro Carlos Britto, em deferiro habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 19 de outubro de 2004 — Marco Aurélio, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Ao apreciar o pedido de concessão de medidaacauteladora, assim sintetizei este habeas:

Colho da inicial, de folhas 2 a 7, que o paciente foi denunciado comoincurso no tipo do artigo 149 do Código Penal — “reduzir alguém à condiçãoanáloga à de escravo”. O decreto condenatório vinculou a interposição do recurso —a apelação — ao recolhimento do acusado à cadeia.

Articula-se com a transgressão do inciso LVII do artigo 5º da Carta daRepública, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito emjulgado de sentença penal condenatória. Insiste-se no direito de, sem a antecipa-ção do cumprimento da pena, ver-se julgada a apelação e, portanto, aferido omerecimento da sentença. A liminar visa à expedição de contramandado. À peçaprimeira desta ação constitucional juntaram-se os documentos de folhas 8 a 344.

Remetidos os autos à Procuradoria-Geral da República, pronunciou-se aSubprocuradora Dra. Delza Curvello Rocha pelo indeferimento da ordem.

Lancei visto no processo em 3 de outubro, designando, como data do julgamento,a de hoje — 19 de outubro —, isso objetivando a ciência do impetrante.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na sentença proferida, simplesmentedeterminou-se a expedição de mandado de prisão, sem lançar-se, sequer, as razõesrespectivas:

Expeça-se mandado de prisão, remetendo-se cópias inclusive para o Estadode Minas Gerais (folha 130).

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O Superior Tribunal de Justiça resumiu as razões pelas quais indeferiu a ordem naseguinte ementa (folha 342):

Criminal. HC. Redução a condição análoga à de escravo. Apelação emliberdade. Gravidade do crime. Personalidade voltada para a prática de delitos.Fundamentação suficiente para a custódia. Réu solto durante a instrução doprocesso. Irrelevância. Necessidade de garantia da ordem pública. Dosimetria.Supressão de instância. Ordem parcialmente conhecida e denegada.

I. Hipótese em que o paciente foi condenado por manter dez pessoas emcondições análogas às de escravos, apoderando-se de seus documentos, obrigan-do-as a realizar trabalhos imoderados, em extensa jornada, e submetendo-as apéssimas condições de higiene, saúde, alimentação e moradia.

II. Não há ilegalidade na decisão monocrática que não reconheceu, em favordo paciente, o benefício de apelar solto, bem como no acórdão confirmatório doencarceramento, quando sobressai suficiente fundamentação.

III. A gravidade do crime praticado pelo sentenciado, em flagrantedesencontro com as intenções do Estado Brasileiro, no sentido da erradicação dotrabalho escravo, e também a personalidade voltada para a prática deste delito,pois, nem mesmo o início da ação judicial envolvendo os fatos praticados peloréu impediu que ele continuasse a aliciar outras pessoas da região, submetendo-asàs mesmas condições de trabalho das vítimas, mostram-se hábeis à manutenção dacustódia.

IV. Aspectos suficientes para impedir a revogação da prisão como garantiada ordem pública, extremamente abalada pelos delitos praticados pelo réu, en-contrando amparo no art. 312 do Código de Processo Penal.

V. O simples fato de o paciente ter permanecido solto durante a instruçãocriminal não obsta a negativa ao apelo em liberdade, se evidenciados, na ocasiãoem que proferida a sentença condenatória, os requisitos da segregação preventiva.

VI. Precedentes desta Corte.

VII. Pleito de reexame da dosimetria da pena.

VIII. Alegação não apreciada pelo Tribunal a quo.

IX. O exame da matéria por esta Corte ocasionaria indevida supressão deinstância.

X. Ordem parcialmente conhecida e denegada.

Reitero o que tive oportunidade de consignar ao deferir a medida acauteladora:

Observe-se a ordem natural das coisas, no que revela impertinente a execu-ção provisória da sentença proferida. A liberdade é bem maior que, perdida nocorrer do tempo, não é passível de devolução. O paciente respondeu ao processoem liberdade. Eis que veio à balha sentença que consigna a necessidade de apunição ser exemplar e, aí, fazendo referência, é certo, à periculosidade, à repetiçãode fatos, o Juízo caminhou para a concretude imediata, a execução precoce e,portanto, conflitante com a ordem jurídica. Nem mesmo o receio latente, em

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qualquer caso, de o condenado deixar o distrito da culpa é suficiente, sob oângulo jurídico-constitucional, a ditar a providência drástica retratada no pro-nunciamento judicial, já confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e peloSuperior Tribunal de Justiça. Reitero que a fuga é um direito natural, exercitadopor quem se sinta, mesmo mediante óptica improcedente, alvo de uma injustiça. Afundamentação da sentença serve, a rigor, a qualquer processo que deságüe emcondenação e, aí, o mencionado princípio da não-culpabilidade como que setorna algo simplesmente formal, meramente lírico, e não uma garantia, comorealmente é, do cidadão. Atente-se para a premissa de que, em Direito, o meiojustifica o fim e não este, aquele, devendo ser respeitada a organicidade e dinâmicaque lhe são próprias. Do contrário, ter-se-ão parâmetros distanciados das peculia-ridades que evidenciam o verdadeiro Estado Democrático de Direito, prevalecendoa força, e não a ciência jurídica.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Vou pedir vênia a Vossa Excelência para nãoacompanhar o voto tão bem formulado. Porém, impressionou-me muito a própriafundamentação do juiz, em determinada passagem, ao condenar o réu, ora paciente,dizendo que ele revelou personalidade e conduta social nada menos do que sórdidas,não havendo palavras para adjetivar a real dimensão de sua insensibilidade e cruelda-de, impondo observar que, além do quanto já acima disse, que entre as vítimas haviadois menores de idade. Ou seja, estamos diante de um caso de manutenção de trabalhoescravo, que infelizmente no Brasil toma vulto. Logo a valorização do trabalho que aConstituição tem como fundamento da República, art. 1º, IV, e art. 170, caput, daOrdem Econômica. Aliás, a Constituição prestigia tanto o trabalho que chega a dizer,no art. 193, que o primado dele é a própria base da sociedade.

O Ministério Público também me impressionou, na sua quota, no sentido deentender que a decisão judicial se encontra fundamentada nos precisos termos do art.594 do Código de Processo Penal.

Em suma, peço vênia a Vossa Excelência para não conceder a ordem, SenhorPresidente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): Apenas ressaltaria que otítulo da prisão tem o seguinte teor: “expeça-se mandado de prisão, remetendo-secópias inclusive para o Estado de Minas Gerais.” Tout court.

Agora, na sentença, quanto ao texto condenatório, faz-se referência, realmente, aodenominado “trabalho escravo”. Ora, é possível se chegar à execução dessa mesmasentença sem se lançar premissas referentes à prisão preventiva, já que se respondeu aoprocesso em liberdade, quando não há ainda a cobertura da preclusão maior? Foi o quedisse: o conteúdo do título serve a qualquer processo: “Expeça-se mandado de prisão,remetendo-se cópias inclusive para o Estado de Minas Gerais.”

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Tem-se caso exemplar de expedição de mandado de prisão a partir apenas dacondenação do acusado, condenação ainda não transitada em julgado. O SuperiorTribunal de Justiça lançou razões, pinçando-as da fundamentação da sentença notocante à condenação, mas olvidando que o Juízo não revelou as causas que poderiam,diante de certa periculosidade, ditar a expedição precoce do mandado de prisão.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau: Quero dizer que me escandaliza a sordidez do caso. Isso,porém, não ultrapassa os aspectos que Vossa Excelência mencionou. Assim, eu oacompanho.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, vou pedir vênia ao eminente MinistroCarlos Britto para acompanhar Vossa Excelência. O juízo não decretou a prisão preven-tiva. Limitou-se a dizer: em nada importando tenha o réu respondido solto o processo,comparecendo aos seus atos, mostra-se necessário seu imediato recolhimento comocondição para apelar. Então, aplicou o art. 594, cujo exame está sub judice no Plenário,e que é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência.

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Presidente e Relator): E, mesmo assim, consignou-se isso já diante do próprio recurso, porque, na sentença, não há fundamentação, só setem esse trecho que li: “expeça-se mandado de prisão”. E, para confirmar essa determi-nação, indeferiu-se a seqüência da apelação.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Exatamente, acho que é mais um caso típico deexecução provisória.

EXTRATO DA ATA

HC 84.802/SP — Relator: Ministro Marco Aurélio. Paciente: Vicente de PauloAlmeida ou Vicente de Paula Almeida. Impetrante: Marcelo Rachid Martins. Coator:Superior Tribunal de Justiça.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma deferiu o habeas corpus, nos termos dovoto do Relator. Vencido o Ministro Carlos Britto, que o indeferia. Presidiu o julga-mento o Ministro Marco Aurélio. Não participou deste julgamento o MinistroSepúlveda Pertence.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.

Brasília, 19 de outubro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

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HABEAS CORPUS 84.870 — SP

Relator: O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence

Paciente: Wilson Borges Pereira Neto — Impetrantes: David Teixeira de Azevedoe outro — Coator: Superior Tribunal de Justiça

Habeas corpus: deferimento para anular o acórdão do STJ que,fundado em pressuposto de fato equivocado, julgou prejudicada impe-tração lá ajuizada pelo paciente, bem como determinar que prossigaaquele Tribunal no julgamento do pedido, como entender de direito.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turmado Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, naconformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos,deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 19 de abril de 2005 — Sepúlveda Pertence, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: Insurge-se a impetração contra acórdão doSTJ, assim ementado (fl. 28):

“Penal. Habeas corpus. (...) Morte do paciente. Extinção da punibilidade.Perda de objeto. Writ julgado prejudicado.

Extinto o processo na origem, em razão da morte do paciente, nos termos doart. 107, I, do Código Penal, tem-se por prejudicado o presente mandamus.”

Alegam os impetrantes que a fundamentação do julgado está alicerçada empressuposto de fato equivocado, em virtude da grande semelhança entre os nomes dopaciente, Wilson Borges Pereira Neto, e de seu pai, Wilson Borges Pereira Filho, únicoco-réu em relação ao qual fora decretada a extinção da punibilidade do fato comfundamento no art. 107, I, do Código Penal.

Objetiva-se a anulação do acórdão impugnado, para que o STJ prossiga nojulgamento do habeas corpus.

Deferida a liminar (fl. 42), sobreveio o parecer do Ministério Público Federal, dalavra do Il. Subprocurador Haroldo da Nóbrega, que opinou pelo deferimento daordem (fls. 79/71).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator): Com razão os impetrantes: apenasfoi decretada a extinção da punibilidade do fato (Código Penal, art. 107, I) em relaçãoao co-réu Wilson Borges Pereira Filho, pai do paciente (fls. 14; 34; e 66).

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Este o quadro, defiro a ordem para anular o acórdão impugnado e determinar queo STJ prossiga no julgamento do habeas corpus lá ajuizado (fl. 63), como entender dedireito: é o meu voto.

EXTRATO DA ATA

HC 84.870/SP — Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Paciente: Wilson BorgesPereira Neto. Impetrantes: David Teixeira de Azevedo e outro. Coator: Superior Tribu-nal de Justiça.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime. Não participou deste julgamento o Ministro Marco Aurélio. Ausente,justificadamente, o Ministro Eros Grau.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o MinistroEros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.

Brasília, 19 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.102 — SP

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Paciente: Demétrio Carta — Impetrantes: José Roberto Leal de Carvalho e outro —Coator: Colégio Recursal Criminal Central da Capital do Estado de São Paulo

Habeas corpus. Crime de imprensa. Incompetência do juizado espe-cial. Competência territorial: definição.

1. O artigo 61 da Lei n. 9.099/95 é categórico ao dispor que nãocompete aos Juizados Especiais o julgamento dos casos em que a leipreveja procedimento especial. É a hipótese dos crimes tipificados na Lein. 5.250/67.

2. A competência territorial é definida em razão do local onde érealizada a impressão do jornal ou periódico (Lei de Imprensa, artigo 42).

Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PrimeiraTurma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, deferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 27 de setembro de 2005 — Eros Grau, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, emque se alega incompetência do Juizado Especial para julgar queixa-crime em que obanqueiro Daniel Valente Dantas atribui ao paciente a prática do delito tipificado noartigo 21 da Lei n. 5.250/67, consistente em matéria supostamente ofensiva publicadana edição n. 275 da revista CartaCapital, de circulação nacional, da qual o paciente édiretor. A queixa-crime foi distribuída ao Juízo de Direito da 3ª Vara da Comarca deBarueri, que, face à manifestação do Ministério Público, declinou da competência parao Foro Central da Capital, recaindo a distribuição na 28ª Vara Criminal, que tambémdeclinou da competência, desta feita para o Juizado Especial Criminal.

2. Os impetrantes sustentam que o artigo 61 da Lei n. 9.099/95 excepciona oscrimes para os quais “a lei preveja procedimento especial”.

3. Esclarecem, ademais, que a audiência preliminar foi realizada, havendo aspartes recusado a transação proposta.

4. Requerem a concessão de liminar a fim de suspender o Processo n.050.04.046401-6, em trâmite no Juizado Especial da Família Central de São Paulo –JECRIFAM, até o julgamento final do habeas corpus. No mérito, postulam seja decla-rada a incompetência do Juizado Especial Criminal para o conhecimento e julgamentoda causa e a conseqüente remessa dos autos ao Juízo de Direito da 3ª Vara da Comarcade Barueri, conforme regra do artigo 42 da Lei de Imprensa.

5. A liminar foi deferida.

6. O Ministério Público Federal opina no sentido da denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Esclareço, de pronto, que o parecer da PGRpela denegação da ordem é contraditório, na medida em que afirma assistir razão aosimpetrantes, para concluir, em seguida, “que os crimes de imprensa, cuja apuração éregida por procedimento especial, não se submetem à competência dos JuizadosEspeciais (Lei 9.099/95, art. 61), devendo-se proceder à remessa da ação penal aoTribunal de Justiça do Estado de São Paulo”.

2. A questão não demanda maiores indagações. O artigo 61 da Lei n. 9.099/951 écategórico ao dispor que não compete aos Juizados Especiais o julgamento dos casosem que a lei preveja procedimento especial. É a hipótese dos chamados crimes deimprensa, cujo procedimento está contido na Lei 5.250/67.

1 Lei n. 9.099/95Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as

contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuadosos casos em que a lei preveja procedimento especial.

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3. Esta Primeira Turma já se manifestou nesse sentido ao julgar o HC 85.814,Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 2-4-4, cuja ementa é a seguinte:

“Ementa: Juizado Especial: incompetência para o processo por crime deimprensa — cuja apuração é regida por lei especial (Lei 5.250/67) — da qualnão resulta, no caso, a nulidade radical do processo, dada a ausência deinfração relevante ao procedimento da Lei de Imprensa: ordem deferida, emparte, para declarar nulo o julgamento da Turma Recursal e determinar aremessa dos autos para o Tribunal de Alçada do Estado do Paraná (ConstituiçãoEstadual art. 103, III, p).”

4. Nesse precedente a Turma preservou a decisão do Juizado Especial e anulou oacórdão da Turma Recursal, para que o Tribunal de Alçada do Paraná julgasse orecurso. No caso sob exame o Juizado Especial ainda não sentenciou, vez que a queixa-crime, além de estar suspensa pela liminar por mim deferida à fl. 83, encontra-se em faseincipiente.

5. O querelante ajuizou a queixa-crime na Justiça da Comarca de Barueri, emobservância ao critério determinador da competência territorial, que é o local onde érealizada a impressão da revista, conforme definido no artigo 42 da Lei 5.250/672.

Concedo a ordem para declarar a incompetência do Juizado Especial da FamíliaCentral de São Paulo – JECRIFAM — e determinar que os autos do Processo n.050.04.046401-6 sejam remetidos ao Juízo de Direito da 3ª Vara da Comarca deBarueri.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Há decisão da Segunda Turma nosentido de que a Lei n. 10.259/2001, art. 2º, parágrafo único, teria revogado essaexclusão. O caso, literalmente, é relativo aos crimes de competência da Justiça Federal.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Considerou apenas a quantidade de pena, nãoa natureza.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): A Segunda Turma considerouque essa lei teria revogado a exclusão da competência dos Juizados Especiais doscrimes sujeitos a procedimento especial.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O art. 2º?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, estou apenas advertindo.Deve ser um caso recorrente.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: A Lei dos Juizados Federais não excepciona acompetência dos juizados especiais.

2 Lei 5.250/67Art. 42. Lugar do delito, para a determinação da competência territorial, será aquele em que for

impresso o jornal ou periódico, e o do local do estúdio do permissionário ou concessionário do serviçode radiodifusão, bem como o da administração principal da agência noticiosa.

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Literalmente, só se aplica aoscrimes federais.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas aí, quanto à Justiça, ela é especialíssima.Penso que não há disposição em contrário, presente a Lei n. 9.099/1995.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Diz o caput do art. 2º:

“Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar osfeitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencialofensivo.

Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo,para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superiora dois anos, ou multa.”

A egrégia Segunda Turma, no entanto, no HC 85.694, Informativo STF 391, deua esses dispositivos interpretação ampla, abrangente dos Juizados da Justiça Estadual.Isso é decisivo para o caso?

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Parece ser. Não obstante, parece-me que ocritério do art. 2º acaba sendo a cominação da pena máxima não superior a dois anos, oumulta, ao passo que o procedimento da Lei de Imprensa é especial.

Aqui, eu voltaria à velha oposição entre a lei especial e a geral.

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Há uma longa discussão, querdizer, uma robusta corrente jurisprudencial que, mesmo quanto ao máximo da penamínima, entende que ele foi ampliado para dois anos também com relação aos JuizadosEspeciais estaduais. Todo o problema está aí. Se se entende que o “federal”, aqui, éocioso, teria razão.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Mas, e a especialidade do procedimento?

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, Ministro, é isso que se diz,quer dizer, quanto ao federal, não há dúvida; não há mais essa ressalva. Na Lei n. 9.099,relativa aos Juizados Especiais, o próprio dispositivo fixa em um ano o limite da penamáxima para a competência dos Juizados Especiais Criminais, “excetuados os casosem que a lei preveja procedimento especial.” (art. 61 da Lei n. 9.099).

A Lei n. 10.259, como visto, definindo a competência dos Juizados EspeciaisFederais, não repetiu essa ressalva. A mim me parece que os dois dispositivos têmâmbitos materiais inconfundíveis. Cabia o legislador estabelecer se repetia, ou não,essa ressalva com relação aos Juizados federais; e não o fez.

O Sr. Ministro Carlos Britto: Ou seja, o silêncio eloqüente. A intenção foi nãoreproduzir para adotar...

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Sim, agora, de que tenha havidoaí o sentido da revogação da lei comum dos Juizados Especiais, com todas as vênias,não me convenci.

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): Vossa Excelência entende que houve revo-gação?

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O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Não; entendo que não houve. Oque houve foi um critério especial para os Juizados Especiais federais, que não abrogoua lei do Juizado Especial comum, que é de um ano, com exclusão dos casos de ritoespecial.

O meu voto acompanha o do eminente Relator.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Senhor Presidente, para mim, a Lei dos JuizadosEspeciais Federais é, como disse, especialíssima, versa apenas sobre esses juizados.Não há disposição nesse diploma, porque específico a mais não poder, a revelar arevogação tácita que provoca esse entulho legislativo que temos, e dane-se o intérpretepara saber o que está, ou não, revogado na Lei n. 9.099/95.

Por isso, acompanho o Relator, apontando que a conclusão do parecer resultou deum erro material, talvez datilográfico.

EXTRATO DA ATA

HC 86.102/SP — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: Demétrio Carta.Impetrantes: José Roberto Leal de Carvalho e outro. Coator: Colégio Recursal Crimi-nal Central da Capital do Estado de São Paulo.

Decisão: A Turma deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto doRelator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.

Brasília, 27 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

HABEAS CORPUS 86.276 — MG

Relator: O Sr. Ministro Eros Grau

Paciente: João Evangelista da Silva — Impetrantes: Négis M. Rodarte e outro —Coatora: Primeira Turma Recursal da Comarca de Lavras

Habeas corpus. Crime do artigo 306 do Código de Trânsito Brasi-leiro. Retificação para a Contravenção Penal do artigo 34 da LCP. Compe-tência do Juizado Especial Criminal. Aplicação do artigo 384 do Códigode Processo Penal.

1. A mudança de imputação, na fase das alegações finais, do crimetipificado no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro para a Contra-venção Penal descrita no artigo 34 da LCP implica em mutatio libelli,atraindo a competência do Juizado Especial Criminal.

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2. Tendo sido a instrução criminal realizada com esteio na acusaçãoinicial, resulta em prejuízo à defesa a não-aplicação do artigo 384 doCódigo de Processo Penal.

Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PrimeiraTurma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, conhecer do pedido de habeas corpus e o deferir para anular o processo a partirdas alegações finais da defesa, inclusive, para que se dê aplicação ao art. 384 do Códigode Processo Penal, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 27 de setembro de 2005 — Eros Grau, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Eros Grau: Adoto como relatório a decisão proferida pela MinistraEllen Gracie em medida cautelar, durante o recesso judiciário:

“1. Trata-se de habeas corpus contra acórdão proferido pela 1ª TurmaRecursal da Comarca de Lavras/MG (fl. 100).

Colho dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática docrime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro1. A sentença (fls.79-82), em clara aplicação do art. 383 do CPP (emendatio libelli), condenou-o àpena de 45 dias de prisão simples, convertida em limitação de fim de semana peloprazo da condenação, pela prática da contravenção penal prevista no art. 34 doDecreto-Lei 3.688/412, sentença confirmada pela Turma Recursal.

O impetrante alega a nulidade do feito por incompetência do JuizadoEspecial Criminal. Requer a concessão de liminar para suspender os efeitos dacondenação.

1 CTB:Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de

efeitos análogos, expondo a dano potencial incolumidade de outrem:Penas: detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão

ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

2 DL 3.688/41

Art. 34. Dirigir veículo na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo asegurança alheia:

Pena: prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de trezentos mil réis a dois contosde réis.

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Esta Corte já decidiu que ‘sendo a pena máxima do crime tipificado no art.306, do CTB, de três anos, não se trata de crime de menor potencial ofensivo, razãopela qual falece ao Juizado Especial Criminal competência para o julgamento’ (HC85.019, de minha Relatoria, Segunda Turma, unânime, DJ de 4-3-2005).

E, em juízo prefacial, entendo que a aplicação do art. 383 do CPP paracondenar o paciente em delito de menor potencial ofensivo não tem o condãopara deslocar a competência para o juizado especial criminal. É o que sedepreende de precedente da Corte:

‘Habeas corpus. Violação de domicílio. Tentativa de estupro. Turmarecursal. Condenação por crime não previsto na denúncia. Competência.

Segundo o art. 383 do CPP ‘o juiz poderá dar ao fato definição jurídicada que constar na denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicarpena mais grave’, especialmente quando a denúncia descreve todos oselementos constitutivos do tipo penal a que foi condenado o paciente.

O acusado se defende dos fatos imputados na peça acusatória e não dodispositivo legal citado.

A tramitação do processo com o rito ordinário demonstra a investidurado juízo na competência comum ordinária, mesmo que a condenação tenhasido por crime de menor potencial ofensivo.

A competência para o julgamento da apelação é do Tribunal deAlçada e não da Turma Recursal.

Habeas corpus deferido. (HC 83.855, Rel. Min. Nelson Jobim, Segun-da Turma, unânime, DJ de 28-5-2004).’

3. Ante o exposto, defiro a liminar para suspender os efeitos da condenaçãoproferida em desfavor do paciente nos autos do processo n. 416/03 — Vara Únicada Comarca de Itumirim/MG.”

2. Os impetrantes requerem a anulação da ação penal, desde o recebimento dadenúncia, ou que se declare nulo o acórdão da Turma Recursal a fim de que a apelaçãoseja julgada pelo Tribunal de Justiça.

3. O Ministério Público Federal opina “pelo não-conhecimento do presente writ,e caso superada esta fase, pela sua concessão, deferindo-se, apenas, a anulação doacórdão proferido pela Turma Recursal da Comarca de Lavras/MG, com a remessa dosautos ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, para jugamento da apelaçãocomo entender de direito”.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Ministério Público denunciou o pacienteem 23-10-2003 como incurso no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Em faceàs provas testemunhais, retificou, em memorial, a acusação para a contravenção penaldo artigo 34 da LCP (fls. 72/74). Tem-se, na verdade, nítida hipótese de mutatio libelli(CPP, art. 384).

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2. Afastada a imputação inicial, o paciente sustentou, no que tange à contraven-ção descrita no artigo 34 da LCP, que sua configuração somente ocorre quando adireção perigosa é praticada em via pública (fls. 76/77); negou, ademais, o elementosubjetivo do tipo, consistente em colocar a segurança alheia em perigo.

3. Sobreveio condenação à pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão simples,convertida em limitação de fim de semana.

4. O paciente apelou, alegando cerceamento de defesa, já que não teve a oportu-nidade de defender-se da nova imputação.

5. A Turma Recursal negou provimento à apelação, mantendo a sentençacondenatória pelos próprios fundamentos.

6. É improcedente o pedido para que se anule o acórdão proferido pela TurmaRecursal, por incompetência, e a conseqüente remessa dos autos ao Tribunal de Justiça,vez que a competência para julgar a contravenção penal é do Juizado Especial Crimi-nal. Daí porque, se a sentença for anulada por inobservância da norma do art. 384 doCPP, caberá ao Juizado Especial proferir novo julgamento e à Turma Recursal julgareventual recurso.

7. A instrução penal foi realizada com fundamento na imputação pelo crime doartigo 306 da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito). Como o Ministério Público nãoconseguiu provar que o paciente estava alcoolizado, alterou a definição jurídica dofato [mutatio libelli] para a de contravenção penal de direção perigosa (LCP, artigo34), quando já encerrada a instrução pelo tipo proposto inicialmente. Daí opaciente ter sustentado, em alegações finais, que “[n]o que tange a contravenção dedireção perigosa, essa em momento algum foi ventilada na peça de ingresso, dificul-dade (sic), assim, a amplitude da defesa, principalmente porque nada foi ventiladocomo já referido, sendo o debate quando da instrução sobre a existência ou não daembriaguez” (fl. 76).

8. O prejuízo à defesa é manifesto na medida em que o paciente não foi ouvido emjuízo e nem teve a oportunidade de ver inquiridas as testemunhas a propósito da novaimputação; testemunhas que, aliás, já haviam negado a circunstância elementar deestar ele alcoolizado, obrigando o Ministério Público a retirar a acusação pelo artigo306. Ademais, o paciente suscitou a nulidade nas alegações finais, última e únicaoportunidade que teve.

9. De acordo com regra do artigo 384 do CPP, o juiz deveria ter baixado oprocesso e concedido o prazo de 8 (oito) dias para a defesa produzir provas e apresentartestemunhas.

Defiro a ordem para anular a ação penal, a partir das alegações finais da defesa, afim de que se aplique o artigo 384 do Código Penal.

EXTRATO DA ATA

HC 86.276/MG — Relator: Ministro Eros Grau. Paciente: João Evangelista daSilva. Impetrantes: Négis M. Rodarte e outro. Coatora: Primeira Turma Recursal daComarca de Lavras.

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Decisão: A Turma conheceu do pedido de habeas corpus e o deferiu para anularo processo a partir das alegações finais da defesa, inclusive, para que se dê aplicação aoart. 384 do Código de Processo Penal, nos termos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.

Brasília, 27 de setembro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 247.593 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso

Agravante: Ibsen Mesquita — Agravado: Banco Nacional S.A. (em liquidaçãoextrajudicial)

Constitucional. Fator de deflação “tablita”. Lei 8.177/91, art. 27:aplicabilidade aos contratos firmados antes do início de sua vigência.Legitimidade.

I - O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 14-9-2005, aoapreciar o RE 141.190/SP, Relator para o acórdão Ministro NelsonJobim, decidiu que a aplicação imediata do fator de deflação aos contra-tos celebrados antes da lei instituidora do referido fator não ofende o atojurídico perfeito.

II - Agravo não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo.Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello.

Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, interposto por IbsenMesquita, da decisão (fl. 290) que, com base no julgamento do RE 141.190/SP, peloPlenário deste Supremo Tribunal Federal, conheceu do recurso extraordinário e deu-lheprovimento (art. 557, § 1º-A, do CPC), ao entendimento de que a aplicação imediata dofator de deflação aos contratos celebrados antes da lei instituidora do referido fator nãoofende o ato jurídico perfeito.

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R.T.J. — 197 635

Sustenta o agravante, em síntese, contrariedade ao art. 5º, XXXVI, da Constitui-ção, dado que o fator de deflação “tablita” não pode ser aplicado aos contratos firmadosantes da lei que instituiu o mencionado fator. Salienta que “o contrato concluído seconstitui em ato jurídico perfeito e goza da garantia de não estar atreito à lei nova(...). Precedentes do Plenário: Repr. n. 1.451/DF, RTJ 127/799; ADIn n. 493/DF, RTJ143/721, etc.” (fl. 313).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A decisão agravada, ora sob exame, temeste teor:

“(...)

O Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, em 14-9-2005, ao julgar oRE 141.190/SP, Relator para o acórdão Ministro Nelson Jobim, decidiu que aaplicação imediata do fator de deflação aos contratos celebrados antes da leiinstituidora do referido fator não ofende o ato jurídico perfeito. No mesmosentido foram as decisões proferidas no RE 170.002/RJ e no RE 149.073/SP,Relator Ministro Eros Grau, DJ de 10-10-2005 e 7-10-2005, respectivamente; AI213.705/SP e RE 228.704/SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 5-10-2005 e 13-10-2005, respectivamente; RE 164.775/RS e AI 206.881/SP, RelatorMinistro Gilmar Mendes, DJ de 13-10-2005 e 6-10-2005, respectivamente.

Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento (art. 557, § 1º-A, doCPC), condenado o vencido ao pagamento da verba honorária no valor de R$500,00 (quinhentos reais) corrigida monetariamente.

(...).” (Fl. 290)

A decisão é de ser mantida, porque assentada na jurisprudência do SupremoTribunal Federal, tomada no julgamento, pelo Plenário, em 14-9-2005, do RE 141.190/SP, Relator para o acórdão Ministro Nelson Jobim. No mesmo sentido, menciono, interplures: AI 182.290/SP, Relator Ministro Cezar Peluso, DJ de 20-10-2005; AI 248.995/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ de 7-10-2005; e AI 257.533/SP, RelatorMinistro Sepúlveda Pertence, DJ de 30-9-2005.

Nego provimento ao agravo.

EXTRATO DA ATA

RE 247.593-AgR/SP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: Ibsen Mes-quita (Advogados: Walfrido de Sousa Freitas e outro). Agravado: Banco Nacional S.A.(em liquidação extrajudicial) (Advogados: Moacyr Augusto Junqueira Neto e outros eMarisa Moura Sales).

Decisão: Negou-se provimento, decisão unânime. Ausente, justificadamente,neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o MinistroCarlos Velloso.

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R.T.J. — 197636

Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra EllenGracie e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, oMinistro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz daNóbrega.

Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 255.682 — RS

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso

Agravante: União — Agravado: Leonel Domingos Bortoncello

Constitucional. Tributário. IPI. Importação: pessoa física não co-merciante ou empresário: princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153,§ 3º, II. Não-incidência do IPI.

I - Veículo importado por pessoa física que não é comerciantenem empresário, destinado ao uso próprio: não-incidência do IPI:aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º,II. Precedentes do STF relativamente ao ICMS, anteriormente à EC33/2001: RE 203.075/DF, Min. Maurício Corrêa, Plenário, DJ de 29-10-1999; RE 191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ de 20-11-1998; RE 298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJ de 9-11-2001.

II - RE conhecido e provido. Agravo não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo,nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o MinistroCelso de Mello, Presidente.

Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Velloso, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Trata-se de agravo regimental, interposto pelaUnião, da decisão (fls. 201-206) que, reportando-se ao RE 272.230/SP, conheceu dorecurso extraordinário e deu-lhe provimento, ao entendimento de que não incide o IPIna importação de veículo por pessoa física que não é comerciante nem empresário,destinado ao uso próprio.

Sustenta a agravante, em síntese, o seguinte:

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a) inaplicabilidade à espécie dos arts. 21, § 2º, do RISTF e 557, § 1º-A, do CPC,dado que inexiste manifesto confronto entre o acórdão recorrido e a jurisprudênciadesta Corte; na verdade, todos os precedentes referidos na decisão agravada dizemrespeito à incidência de ICMS na importação de bens sem finalidade comercial ouindustrial e, todavia, a hipótese dos autos trata da exigência de IPI na importação deveículo para uso próprio. Ademais, não há falar em analogia entre os casos de ICMS eIPI, visto que as expressões “mercadoria” e “estabelecimento” contidas no art. 155,§ 2º, XI, a, da CF (redação anterior à EC 33/2001) não constam do art. 153, § 3º, da LeiMaior, valendo salientar que “(...) ausente a identidade de norma fundante, ausenteconseqüentemente a possível identidade de conseqüência hermenêutica” (fl. 209);

b) o RE 203.075/DF (caso líder) e os julgados subseqüentes referentes ao ICMS sãodistintos da hipótese dos autos, haja vista o “(...) diferencial identificável entre osconceitos insertos na alínea a do inciso XI do § 2º do art. 155 da Constituição — naredação anterior à EC n. 33/2001 (conceitos estes que se caracterizam como funda-mentos centrais do precedente contido no RE n. 203.075) e aqueles que compõem adisciplina constitucional do IPI (incisos I e II do referido § 3º do art. 153) (...)” (fl. 211).

É o relatório.

VOTO

Ementa: Constitucional. Tributário. IPI. Importação: pesssoa física nãocomerciante ou empresário: princípio da não-cumulatividade: CF, art. 153,§ 3º, II. Não-incidência do IPI.

I - Veículo importado por pessoa física que não é comerciante nem empresá-rio, destinado ao uso próprio: não-incidência do IPI: aplicabilidade do princípioda não-cumulatividade: CF, art. 153, § 3º, II. Precedentes do STF relativamente aoICMS, anteriormente à EC 33/2001: RE 203.075/DF, Min. Maurício Corrêa,Plenário, DJ de 29-10-1999; RE 191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJde 20-11-1998; RE 298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJ de 9-11-2001.

II - RE conhecido e provido. Agravo não provido.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Assim a decisão agravada, ora sob exame:

“(...)

Em caso igual, RE 272.230/SP, proferi a seguinte decisão:

‘(...)

A alegação de ofensa ao princípio da legalidade — CF, art. 5º, II —não autoriza a admissão do recurso extraordinário. É que cabe ao Judiciárioaplicar a lei ao caso concreto, interpretando-a. Se essa interpretação édesarrazoada, a questão continua no campo infraconstitucional. A alegaçãode ofensa ao art. 5º, XXXV, perde-se no vazio, por isso que decisão contráriaao interesse da parte não constitui negativa de prestação jurisdicional. Deoutro lado, não há invocar o disposto no art. 93, IX, da Constituição, já queo acórdão está suficientemente fundamentado.

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Sustenta o recorrente, finalmente, ofensa ao disposto no art. 153, § 3º,II, da Constituição.

Essa questão constitucional não foi abordada no acórdão recorrido.Vinha ela sendo discutida, entretanto. Ela foi posta, por exemplo, nas razõesde apelação (fls. 38-39). E foi objeto dos embargos de declaração. Supridoestá, portanto, o prequestionamento, na forma do que dispõe a Súmula 356-STF.

Passo a apreciar o recurso sob tal aspecto.

No julgamento do RE 203.075/DF, Relator o Ministro MaurícioCorrêa, decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário:

‘Ementa: Recurso extraordinário. Constitucional. Tributá-rio. Pessoa física. Importação de bem. Exigência de pagamento doICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro. Impossibilidade.

1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem comofato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendoinexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoafísica.

2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Pessoa física.Importação de bem. Impossibilidade de se compensar o que devido emcada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ououtro Estado ou pelo Distrito Federal. Não sendo comerciante e comotal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que envolvamcirculação de mercadoria.

Recurso extraordinário não conhecido.’ (DJ de 29-10-99)

No voto que proferi por ocasião do citado julgamento, asseverei:

‘(...)

Também peço licença aos Srs. Ministros Relator e Nelson Jobimpara acompanhar o voto do Sr. Ministro Maurício Corrêa. O que meparece que deve ser tomado em consideração é o sistema do tributo,objeto deste recurso, o ICMS.

O contribuinte do ICMS é o vendedor, não obstante tratar-se deum imposto que repercute e acaba sendo pago pelo comprador. Toda-via, esse é um fato econômico que o Supremo Tribunal Federal entendeque não tem relevância na relação jurídica contribuinte-fisco. Se ocontribuinte é o vendedor, numa importação não haveria pagamentode ICMS, pelo simples motivo de o exportador estar no exterior. Foipreciso, portanto, que a Constituição estabelecesse, expressamente, aincidência desse tributo, na importação, e expressamente explicitouque o seu pagamento seria feito pelo comprador, ou seja, pelo impor-tador. Ao estabelecer a incidência, no caso, o constituinte, entretanto,optou pelo comerciante, ou pelo industrial, é dizer, por aquele quetem um estabelecimento, certo que o particular que não é comerciante

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ou industrial tem simplesmente domicílio ou residência. E por queprocedeu assim o constituinte? Porque o importador, assim o compra-dor, que é comerciante ou industrial, pode, na operação seguinte,utilizar o crédito do tributo que pagou no ato do desembaraço adua-neiro. O particular, que não é comerciante ou industrial, jamais pode-ria fazer isso. É dizer, caberia a ele o ônus total do tributo.

Sensibilizou-me o argumento do Sr. Ministro Nelson Jobim, oargumento econômico no sentido de que a operação, nesses termos,poderia esvaziar as importadoras que comercializam o veículo. Oargumento é, na verdade, relevante, que deve, entretanto, servisualizado pelo legislador. Vale dizer, essa é uma questão de legeferenda.

Com essas breves considerações, peço licença aos Srs. MinistrosRelator e Nelson Jobim para acompanhar o voto do Sr. MinistroMaurício Corrêa, motivo por que não conheço do recurso.

(...).’ (DJ de 29-10-99)

Para viabilizar a cobrança do ICMS, em caso tal, foi promulgada a EC33, de 12-12-2001, que alterou a redação da alínea a do inc. IX do art. 155 daCF. Com relação ao IPI, entretanto, não há disposição igual. O que há,simplesmente, é o dispositivo constitucional que estabelece o princípio danão-cumulatividade, de obediência obrigatória, evidentemente, pelo legis-lador ordinário (CF, art. 153, IV, § 3º, II).

No que toca ao ICMS, anteriormente à EC 33/2001, há inúmerosprecedentes do Supremo Tribunal Federal pela não-incidência, tratando-sede veículo importado por pessoa física que não é comerciante, destinado aouso próprio: RE 191.346/RS, Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ de 20-11-98; RE 298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJ de 9-11-01.

Do exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento. Sem verbahonorária (Súmula 512-STF).

Reporto-me à decisão acima transcrita para conhecer do recurso e provê-lo.Sem honorários advocatícios: Súmula 512-STF.

(...).” (Fls. 202-206)

A decisão é de ser mantida.

A alegação de inaplicabilidade à espécie dos arts. 21, § 2º, do RISTF, e 557, § 1º-A, do CPC, perde-se no vazio, se atentar a agravante para os termos da decisãoagravada. Aplicou-se, no caso, a jurisprudência atinente ao ICMS, no que toca aoprincípio da não-cumulatividade. Tem-se, aqui, o denominado “argumento a pari, queestende o preceito formulado para um caso às hipóteses iguais, ou fundamentossemelhantes: ubi eadem ratio...” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação doDireito, Forense, 10ª ed., 1988, p. 245). Ora, onde existe a mesma razão, prevalece amesma regra de Direito: “ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio”.

Do exposto, nego provimento ao agravo.

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EXTRATO DA ATA

RE 255.682-AgR/RS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: União (Advo-gado: PFN – Rodrigo Pereira de Mello). Agravado: Leonel Domingos Bortoncello(Advogados: Carlos Ademir Moraes e outro).

Decisão: Depois do voto do Ministro Relator, negando provimento ao recurso deagravo, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista formulado peloMinistro Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a MinistraEllen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os MinistrosCarlos Velloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, aMinistra Ellen Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalbertoda Nóbrega.

Brasília, 17 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de agravo regimental interposto dedecisão monocrática que deu provimento a recurso extraordinário no qual se sustentaa não-sujeição da operação de importação de veículo automotor, para uso próprio,por pessoa física que não fosse comerciante nem empresária, ao Imposto sobreProdutos Industrializados – IPI, dado que o importador que não fosse industrial nãopoderia empregar os mecanismos de vedação à cumulatividade (art. 153, § 3º, II, daConstituição).

Afirma a agravante que a orientação firmada pela Corte por ocasião do julgamentodo RE 203.075 (Rel. para o acórdão Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ de 29-10-1999),pertinente à tributação das operações de importação com o Imposto sobre Circulaçãode Mercadorias e Serviços – ICMS, não se aplica ao caso em exame. Argumenta que,enquanto o regime constitucional do ICMS prevê a incidência do tributo somentesobre operações que envolvam a importação de “mercadorias” e pressupõe a entradadaqueles bens em “estabelecimento” (art. 155, § 2º, XI, em redação anterior à EmendaConstitucional 33/2001), tais circunstâncias não se fazem presentes para a tributaçãopor IPI.

A agravante sustenta ainda que, ao contrário do que ocorre com o ICMS, o regimeconstitucional do IPI não pressupõe que as operações tributáveis sejam de qualquerforma vinculadas à atividade empresarial do importador.

Iniciado o julgamento na sessão de 17-5-2005, o eminente Relator, MinistroCarlos Velloso, votou pela negativa de provimento ao recurso, mantendo a decisãoagravada. S. Exa. entendeu que a orientação fixada pela Corte quanto ao ICMS seaplicava à tributação das operações de importação de produtos industrializados a títulode IPI, especificamente no que se referia ao princípio da não-cumulatividade.

Pedi vista dos autos, para melhor analisar a questão.

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Tal como se dá com o ICMS, a validade da instituição do IPI pressupõe que arespectiva tributação seja amparada por mecanismos voltados à vedação da cumula-tividade, como determina o art. 153, § 3º, II, da Constituição. Embora, consoanteapontado pela agravante, as especificidades impostas pelos critérios e circunstânciasespecíficas de cada tributo e respectiva cadeia impositiva sejam diversas e, portanto,fundamentem a formatação dos mecanismos de créditos e débitos com característicaspróprias a cada tributo, ambos os impostos se igualam na obrigatoriedade de previsãode tais mecanismos.

A extensão, a determinada operação, da aplicabilidade dos instrumentos devedação à cumulatividade, inclusive como condição de validade para cobrança dotributo, vincula-se à hipótese prevista no próprio art. 153, § 3º, II, da Constituição,qual seja, a acumulação da carga tributária, pela incidência do IPI em determinadaoperação ou em determinado ciclo produtivo. Esse ponto não foi impugnado peloagravante.

Por essa razão, a diferença entre os fatos geradores e as bases de cálculo tributáveispor ICMS e por IPI, bem como entre os respectivos regimes jurídicos, não é suficientepara, de pronto, afastar a aplicabilidade da orientação firmada pela Corte por ocasião dojulgamento do RE 203.075 à tributação por IPI das operações de importação de bensindustrializados por sujeito que não tenha acesso aos instrumentos de ponderação dacarga tributária, assegurando a não-cumulatividade do tributo.

Aplicável ao julgamento da questão, portanto, o disposto no art. 557, caput, doCódigo de Processo Civil, e no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo TribunalFederal.

Do exposto, nego provimento ao agravo regimental, acompanhando o voto doRelator.

É como voto.

EXTRATO DA ATA

RE 255.682-AgR/RS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Agravante: União(Advogado: PFN – Rodrigo Pereira de Mello). Agravado: Leonel Domingos Bortoncello(Advogados: Carlos Ademir Moraes e outro).

Decisão: Negou-se provimento, decisão unânime. Ausente, justificadamente,neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presidiu este julgamento o MinistroCarlos Velloso.

Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra EllenGracie e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, oMinistro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. Haroldo Ferraz daNóbrega.

Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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R.T.J. — 197642

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NORECURSO EXTRAORDINÁRIO 338.681 — SP

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso

Embargante: Mobil Oil do Brasil Indústria e Comércio Ltda. — Embargado:Estado de São Paulo

Constitucional. Tributário. ICMS. Lubrificantes e combustíveis de-rivados do petróleo. Operações interestaduais. CF, art. 155, § 2º, X, b.

I - Ao Estado do destino dos produtos em causa caberá ICMS sobreeles incidentes.

II - Reconhecimento de contradição no acórdão. Acolhimento dosembargos de declaração. Não-conhecimento do RE do Estado de SãoPaulo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, acolher os embargos de declaração, em ordem a não conhecer do recursoextraordinário interposto pelo Estado de São Paulo, nos termos do voto do Relator.Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie.

Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: Tratam-se de embargos de declaração opostos porMobil Oil do Brasil Indústria e Comércio Ltda. ao acórdão assim ementado:

“Constitucional. Processual Civil. Embargos de declaração opostos àdecisão do Relator: conversão em agravo regimental. ICMS. Lubrificantese combustíveis líquidos e gasosos. Operações interestaduais. CF, art. 155, §2º, X, b.

I - Embargos de declaração opostos à decisão singular do Relator. Conver-são dos embargos em agravo regimental.

II - Ao Estado do destino dos produtos em causa caberá o ICMS sobre elesincidente.

III - Embargos de declaração convertidos em agravo regimental. Agravo nãoprovido.” (Fl. 393)

Sustenta a embargante contradição no acórdão embargado.

Alega, em síntese, o seguinte:

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a) a jurisprudência utilizada como paradigma (RE 211.580/SP) trata do regime desubstituição tributária instituído pelo Decreto 35.386/92, em operações que tem comodestinatários comerciantes ou consumidores finais com estabelecimento localizado noEstado de São Paulo, ao passo que no caso presente “trata-se de questionamento doICMS incidente sobre saídas de mercadorias da unidade da Embargante localizadano Estado de São Paulo (origem) para outra unidade da própria Embargante situadano Estado de Minas Gerais (destino)” (fl. 397);

b) não-incidência do ICMS, dado que se trata de transferência entre estabeleci-mentos do mesmo contribuinte, e ainda que, nos termos da jurisprudência citada (RE198.088/SP), é o Estado de Minas Gerais (destino) que pode vir a exigir o ICMS devido,e não o de São Paulo, que é Estado de origem (fl. 398).

Requer, ao final, o acolhimento dos presentes embargos de declaração, comefeitos modificativos, reformando-se o acórdão recorrido.

Instado a se manifestar (fl. 400), o embargado, Estado de São Paulo, às fls. 402-405, sustenta a rejeição dos embargos, porquanto o acórdão está em consonância comprecedente dessa Corte no RE 211.580/SP, “totalmente favorável ao Fisco paulista”(fl. 403).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Está no acórdão do Tribunal de Justiça deSão Paulo, do qual foi interposto o RE:

“(...)

As operações aqui discutidas envolvem transferência de produtos fabricadospela embargante, entre eles: Mobil ATF 200R, Mobilgrease MP, Mobilgrease 77,Mobiltherm 605, Mobil Solvac 1535G BSE 07K16, Mobiltemp 1, Mobil Met 451BSC 25N316, Mobil Met 25BSE 21C16 (fls. 48 e ss.), produtos derivados depetróleo conforme comprovam as conclusões dos laudos, entre estabelecimentosda embargante, localizados em Santos, Estado de São Paulo, para o Município deJacutinga, no Estado de Minas Gerais.

Na linguagem comum são conhecidas como graxas e lubrificantes, masressalte-se: derivados de petróleo.

Sem dúvida, são operações interestaduais, ou seja, envolvem de fato odeslocamento de mercadorias do Estado de São Paulo com destino ao Estado deMinas Gerais.

(...).” (Fl. 335)

A decisão que deu provimento ao RE do Estado de São Paulo, objeto do agravoregimental ao qual foi negado provimento, assenta-se na decisão proferida no RE211.580/SP. Tem este teor a citada decisão:

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“(...)Destaco da decisão que proferi no RE 211.580/SP:

‘(...)

2) RE do Estado de São Paulo:A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é favorável à tese sus-

tentada pelo Estado de São Paulo.

Com efeito.

No julgamento do RE 198.088/SP, Relator o Ministro Ilmar Galvão,decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário:

‘Ementa: Tributário. ICMS. Lubrificantes e combustíveis lí-quidos e gasosos, derivados do petróleo. Operações interestaduais.Imunidade do art. 155, § 2º, X, b, da Constituição Federal.

Benefício fiscal que não foi instituído em prol do consumidor,mas do Estado de destino dos produtos em causa, ao qual caberá, emsua totalidade, o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até oconsumo.

Conseqüente descabimento das teses da imunidade e da incons-titucionalidade dos textos legais, com que a empresa consumidora dosprodutos em causa pretendeu obviar, no caso, a exigência tributária doEstado de São Paulo.

Recurso conhecido, mas desprovido.’

O RE do Estado de São Paulo é de ser provido, portanto.

VII

De todo o exposto, nego seguimento ao recurso interposto por MobilOil do Brasil Ind. e Com. Ltda. e conheço do RE do Estado de São Paulo edou-lhe provimento, para indeferir o mandado de segurança (CPC, art. 557 eseu § 1º-A).

(...).’ (DJ de 8-8-2002)No mesmo sentido: RE 392.055/SP, DJ de 28-11-2003.

Do exposto, forte nos precedentes acima mencionados, conheço do recursoe dou-lhe provimento (art. 557, § 1º-A, do CPC), invertidos os ônus dasucumbência estabelecidos na sentença de fls. 296-301.

(...).” (Fls. 371-372)

Ora, a decisão invoca acórdão do Supremo Tribunal Federal — RE 198.088/SP —que afirma que a imunidade beneficia o Estado do destino dos produtos. Ora, o Estadodo destino é o Estado de Minas Gerais. Deu-se provimento, entretanto, ao RE do Estadode São Paulo. Há, pois, no acórdão que decidiu o agravo regimental da ora embarganteflagrante contradição.

Do exposto, acolho os embargos para o fim de anular o acórdão embargado —acórdão de fls. 386-393 — e, em conseqüência, não conhecer do RE do Estado de SãoPaulo.

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EXTRATO DA ATA

RE 338.681-AgR-ED/SP — Relator: Ministro Carlos Velloso. Embargante:Mobil Oil do Brasil Indústria e Comércio Ltda. (Advogados: Anna Maria da Trin-dade dos Reis e outro, Ricardo Quartim Barbosa Oliveira e Caio Lucio Moreira eoutro). Embargado: Estado de São Paulo (Advogado: PGE/SP – José MaurícioCamargo de Laet).

Decisão: A Turma, por votação unânime, acolheu os embargos de declaração, emordem a não conhecer do recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo,nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a MinistraEllen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a MinistraEllen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 347.717 — RS

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello

Agravante: Banco Bamerindus do Brasil S.A. (em liquidação extrajudicial) —Agravado: Município de Canoas

Estabelecimentos bancários — Competência do município para,mediante lei, obrigar as instituições financeiras a instalar, em suas agên-cias, dispositivos de segurança — Inocorrência de usurpação da compe-tência legislativa federal — Alegação tardia de violação ao art. 144, § 8º,da Constituição — Matéria que, por ser estranha à presente causa, não foiexaminada na decisão objeto do recurso extraordinário — Inaplicabili-dade do princípio jura novit curia — Recurso improvido.

— O Município pode editar legislação própria, com fundamento naautonomia constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivode determinar, às instituições financeiras, que instalem, em suas agên-cias, em favor dos usuários dos serviços bancários (clientes ou não),equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como por-tas eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, medi-ante oferecimento de instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeirasde espera, ou, ainda, colocação de bebedouros. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e das

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notas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo,nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a MinistraEllen Gracie.

Brasília, 31 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamenteinterposto, que se insurge contra decisão por mim proferida e que tem o seguinte teor(fls. 204/206):

“O recurso extraordinário, a que se refere o presente agravo de instrumento,foi interposto contra decisão, que, proferida pelo E. Tribunal de Alçada doEstado do Rio Grande do Sul, acha-se consubstanciada em acórdão assimementado (fl. 35):

‘Ação anulatória de débito fiscal. Lei municipal. Legalidade.

A lei municipal que determinou a instalação das portas de segurançano estabelecimento bancário apelante não afronta a Constituição Federalnem invade a competência da União, apenas estabelece regra de interesselocal do Município de Canoas.’ (Grifei)

A parte ora agravante sustenta, no apelo extremo, com apoio em alegadausurpação de competência privativa da União Federal, que o Tribunal a quoviolou a Constituição da República, por haver considerado que o Municípiodispõe de atribuição para legislar sobre medidas de segurança em estabelecimentosbancários.

A colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao examinaridêntica controvérsia, reconheceu que assiste competência ao Município, para,com fundamento no poder autônomo que lhe confere a Constituição da Repú-blica (art. 30, I), exigir, mediante lei formal, a instalação, em estabelecimentosbancários, dos pertinentes equipamentos de segurança, tais como portas eletrô-nicas ou câmaras filmadoras.

Esse entendimento acha-se consubstanciado em acórdão assim emen-tado:

‘Constitucional. Bancos: portas eletrônicas: competência munici-pal. CF, art. 30, I, art. 192.

I - Competência municipal para legislar sobre questões que digamrespeito a edificações ou construções realizadas no município: exigência,em tais edificações, de certos componentes. Numa outra perspectiva, exi-gência de equipamentos de segurança, em imóveis destinados ao atendi-mento do público, para segurança das pessoas. CF, art. 30, I.

II - RE conhecido, em parte, mas improvido.’

(RE 240.406/RS, Rel. Min. Carlos Velloso — grifei)

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Não vislumbro, no texto da Carta Política, a existência de obstáculoconstitucional que possa inibir o exercício, pelo Município, da típica atribuiçãoinstitucional que lhe pertence, fundada em título jurídico específico (CF, art. 30,I), para legislar, por autoridade própria, sobre a instalação de dispositivos desegurança em geral (tais como portas eletrônicas e câmaras filmadoras) destina-dos a tornar efetiva a proteção dos próprios bancários, dos munícipes, dosfreqüentadores e demais usuários dos estabelecimentos mantidos pelas institui-ções financeiras.

Na realidade, o Município, ao assim legislar, apóia-se em competênciamaterial, que lhe reservou a Constituição da República, cuja prática autorizaessa mesma pessoa política a dispor, em sede legal, sem qualquer conflito comas prerrogativas fiscalizadoras do Banco Central, sobre tema que reflete assuntode interesse eminentemente local, seja aquele vinculado à segurança da popula-ção do próprio Município, seja aquele pertinente à regulamentação edilícia,vocacionada a permitir, ao ente municipal, o controle das construções, com apossibilidade de impor, para esse específico efeito, determinados requisitosnecessários à obtenção de licença para construir ou para edificar, consoantereconhece o magistério da doutrina (José Nilo de Castro, ‘Direito MunicipalPositivo’, p. 294, item n. 3.2, 3ª ed., Del Rey, 1996; Hely Lopes Meirelles,‘Direito Municipal Brasileiro’, p. 464/465, item n. 2.2, 13ª ed., Malheiros, 2003,v.g.) e enfatiza, em igual sentido, a jurisprudência dos Tribunais, notadamente adesta Suprema Corte (RE 208.383/SP, Rel. Min. Néri da Silveira — RE 240.406/RS, Rel. Min. Carlos Velloso — RE 385.398/MG, Rel. Min. Celso de Mello,v.g.):

‘Estabelecimentos bancários. Competência do município para, me-diante lei, obrigar as instituições financeiras a instalar, em suas agências,dispositivos de segurança. Inocorrência de usurpação da competêncialegislativa federal. RE conhecido e improvido.

— O Município dispõe de competência, para, com apoio no poderautônomo que lhe confere a Constituição da República, exigir, mediantelei formal, a instalação, em estabelecimentos bancários, dos pertinentesequipamentos de segurança, tais como portas eletrônicas ou câmarasfilmadoras, sem que o exercício dessa atribuição institucional, fundada emtítulo constitucional específico (CF, art. 30, I), importe em conflito com asprerrogativas fiscalizadoras do Banco Central do Brasil. Precedentes.’

(RE 312.050/MS, Rel. Min. Celso de Mello)

Em suma: entendo que o diploma legislativo do Município em referênciareveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional, pois, longe de disporsobre controle de moeda, política de crédito, câmbio, segurança e transferência devalores ou sobre organização, funcionamento e atribuições de instituição finan-ceira, limitou-se, ao contrário, a disciplinar, em bases constitucionalmente legí-timas, assunto de interesse evidentemente municipal, veiculando normas perti-nentes à adequação dos estabelecimentos bancários a padrões destinados a propi-ciar melhor atendimento e proteção à coletividade local.

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Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, nego provimentoao presente agravo de instrumento, eis que se revela inviável o recurso extraordi-nário a que ele se refere.

2. O pleito deduzido pela parte ora recorrente, protocolado, nesta Corte, sobn. 35.222/04, está prejudicado, em face da presente decisão.

De qualquer modo, no entanto, inclua-se, na autuação, e sem prejuízo dasanotações já efetuadas, o nome do Dr. Luiz Carlos Bettiol, ilustre Advogado daparte ora recorrente, que deverá produzir, nestes autos, o pertinente instrumentode mandato judicial, nos termos e para os fins a que se refere o art. 37, caput, infine do CPC.

(...)

Ministro Celso de MelloRelator”

Inconformada com esse ato decisório, a parte ora recorrente busca seja elereformado, apoiando-se, para tanto, em síntese, nas seguintes razões (fls. 213/214):

“O v. acórdão extraordinariamente recorrido, ao proclamar a competênciada entidade federativa comunal para legislar sobre ‘segurança dos munícipes edos prédios onde funcionam os estabelecimentos bancários’, deliberou, efetiva-mente, sobre matéria referente à segurança pública disciplinada pelo art. 144 daCarta Política da República.

Reconhecer, portanto, que a decisão extraordinariamente impugnada, aoconceber possam os municípios expedirem leis dispondo sobre a ‘segurançapública municipal’, ofende o art. 144, § 8º, da Carta Magna, não está, data venia,fora dos limites temáticos do recurso extraordinário interposto.

O mais recente magistério jurisprudencial dessa Egrégia Suprema Corte,formado no julgamento, em sessão plenária, dos RE n. 298.694/SP e RE n.298.695/SP, relatados pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence (acórdãospendentes de publicação), admite, salvo equívoco de interpretação, que pode oColendo Supremo Tribunal Federal até transferir a base constitucional dodispositivo do acórdão recorrido, acaso errôneo, e do recurso conhecer e lhedar provimento, se entender que a norma ordinária é incompatível com aConstituição.”

Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta ColendaTurma, o presente recurso de agravo.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A parte ora recorrente interpôs recursoextraordinário contra decisão, que, proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado doRio Grande do Sul, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fl. 35):

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“Ação anulatória de débito fiscal. Lei municipal. Legalidade.

A lei municipal que determinou a instalação das portas de segurança noestabelecimento bancário apelante não afronta a Constituição Federal neminvade a competência da União, apenas estabelece regra de interesse local doMunicípio de Canoas.” (Grifei)

A parte ora agravante sustentou, em suas razões, no apelo extremo em questão,com apoio em alegada usurpação de competência privativa da União Federal, que oTribunal a quo violou a Constituição da República, por haver considerado, erronea-mente, que o Município dispõe de atribuição para legislar sobre medidas de segurançaem estabelecimentos bancários.

Não assiste razão à parte ora agravante.

Cumpre assinalar, por relevante, que esta colenda Segunda Turma do SupremoTribunal Federal, ao examinar idêntica controvérsia (RE 240.406/RS), reconheceuque assiste competência ao Município, para, com fundamento no poder autônomo quelhe confere a Constituição da República (art. 30, I), exigir, mediante lei formal, ainstalação, em estabelecimentos bancários, dos pertinentes equipamentos de segurança,tais como portas eletrônicas ou câmaras filmadoras.

Esse entendimento acha-se consubstanciado em acórdão assim ementado:

“Constitucional. Bancos: portas eletrônicas: competência municipal. CF,art. 30, I, art. 192.

I - Competência municipal para legislar sobre questões que digam respeitoa edificações ou construções realizadas no município: exigência, em taisedificações, de certos componentes. Numa outra perspectiva, exigência de equi-pamentos de segurança, em imóveis destinados ao atendimento do público,para segurança das pessoas. CF, art. 30, I.

II - RE conhecido, em parte, mas improvido.”

(RTJ 189/1150, Rel. Min. Carlos Velloso — grifei)

Esta colenda Turma, quando firmou o precedente ora mencionado, reconheceu acompetência legislativa do Município para determinar, às instituições financeiras, ainstalação, em suas agências, de portas eletrônicas, com detector de metais,travamento e retorno automáticos e vidros à prova de balas, assim se pronunciando,sobre a matéria em análise, no douto voto proferido pelo eminente Ministro CarlosVelloso, Relator da causa (RE 240.406/RS):

“No caso, examinaremos se compete ao Município, legislando sobre asegurança de sua população, impor aos Bancos a obrigação de instalar portaseletrônicas, com detector de metais, travamento e retorno automático e vidros àprova de balas.

Abrindo o debate, deixo expresso que compete privativamente à Uniãolegislar sobre ‘política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores’.(CF, art. 22, VII).

(...)

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Indaga-se: será que se inclui na ‘política de crédito, câmbio, seguros etransferência de valores’ (CF, art. 22, VII) e no tema do sistema financeiro nacional,tal como vinha posto no art. 192 da CF e tal como está posto, hoje, pela EC 40/2003, a competência da União para legislar a respeito da obrigação de os prédiosonde se situam as agências bancárias instalar portas eletrônicas, tendo em vista asegurança dos munícipes?

Esta é a questão.

Não há dúvida que à lei federal cabe dispor, bem registra o acórdão recorrido,sobre a segurança bancária específica, relativamente aos valores depositados nosestabelecimentos bancários. Todavia, no que concerne à segurança dos munícipes,vale dizer, dos usuários das agências bancárias, legisla o Município, porque tem-se,no caso, assunto de interesse local — CF, art. 30, I.

Ademais, a matéria — colocação de porta eletrônica numa edificaçãolocal — é de interesse local: exigência, nas edificações, de certos componentesque, sem os quais, será negado o ‘habite-se’; ou, numa outra perspectiva, exi-gência de equipamentos de segurança, em certas edificações, em certos imó-veis destinados ao atendimento do público — no que as agências bancárias aíse incluem — sem os quais ‘alvará de funcionamento’ não será fornecido. Ora,tudo isso situa-se na competência do município, pois constitui assunto deinteresse local (CF, art. 30, I).

Não há falar, portanto, que o acórdão recorrido haja ofendido o art. 30, I, ouo art. 192 da Constituição Federal.”

Essa percepção do tema, que enfatiza a ocorrência, na espécie, de interesseespecífico e peculiar aos Municípios, na medida em que concerne à própria segurançados munícipes, sem qualquer repercussão nacional que exigisse regulação normativado tema pela União Federal, foi igualmente manifestada nos votos que então proferi-ram, em tal julgamento, os eminentes Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie eNelson Jobim.

Extraio, do douto voto proferido pelo eminente Ministro Gilmar Mendes, aseguinte e esclarecedora passagem:

“Aqui, o tema da segurança, em sentido geral, das agências bancárias pareceenvolver, fundamentalmente, a questão das políticas urbanas e, aí, as atividades,talvez, de outros ramos de índole de serviço ou de ramos comerciais. Não consigo,portanto, vislumbrar a lesão à competência legislativa da União, na espécie.”

Também o eminente Ministro Nelson Jobim, ao perfilhar esse entendimento,assim se manifestou:

“(...) uma coisa é serviço bancário: outra, espaço físico onde esse serviço éprestado. Aqui, não estamos tratando de serviço bancário, mas de espaço físico deacesso ao público. A disciplina, no município de Porto Alegre, por força da Lei n.7.494/94, é exatamente a forma pela qual deve dispor ou se encontrar esse espaçofísico. Se não for assim, não poderia o município de Porto Alegre dispor, no seuPlano Diretor, sobre zoneamentos e áreas de ocupação urbana para prestação deserviços e instalação (...).”

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Também não vislumbro, no texto da Carta Política, ao contrário do que susten-tado pela parte ora recorrente, a existência de obstáculo constitucional que possainibir o exercício, pelo Município, da típica atribuição institucional que lhe pertence,fundada em título jurídico específico (CF, art. 30, I), para legislar, por autoridadeprópria, sobre a instalação de dispositivos de segurança em geral (tais como portaseletrônicas e câmaras filmadoras) destinados a tornar efetiva a proteção dos própriosempregados do banco, dos munícipes, dos freqüentadores e demais usuários dos esta-belecimentos mantidos pelas instituições financeiras.

Na realidade, o Município, ao assim legislar, apóia-se em competência material —que lhe reservou a Constituição da República — cuja prática autoriza essa mesmapessoa política a dispor, em sede legal, sem qualquer conflito com as prerrogativasfiscalizadoras do Banco Central, sobre tema que reflete assunto de interesse eminente-mente local, seja aquele vinculado à segurança da população do próprio Município,seja aquele pertinente à regulamentação edilícia vocacionada a permitir, ao entemunicipal, o controle das construções, com a possibilidade de impor, para esseespecífico efeito, determinados requisitos necessários à obtenção de licença paraconstruir ou para edificar, consoante reconhece o magistério da doutrina (José Nilode Castro, “Direito Municipal Positivo”, p. 294, item n. 3.2, 3ª ed., Del Rey, 1996;Hely Lopes Meirelles, “Direito Municipal Brasileiro”, p. 464/465, item n. 2.2, 13ªed., Malheiros, 2003, v.g.) e enfatiza, em igual sentido, a jurisprudência dos Tribunais,notadamente a desta Suprema Corte (RTJ 189/1150, Rel. Min. Carlos Velloso — RE208.383/SP, Rel. Min. Néri da Silveira — RE 312.050-AgR/MS, Rel. Min. Celso deMello — RE 385.398-AgR/MG, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).

Cumpre enfatizar, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal também temreconhecido a legitimidade constitucional de diplomas legislativos locais que veicu-lam regras destinadas a assegurar conforto aos usuários dos serviços bancários (clien-tes ou não), tais como as leis municipais que determinam a colocação de cadeiras deespera nas agências bancárias (AI 506.487-AgR/PR, Rel. Min. Carlos Velloso) ou queordenam sejam estas aparelhadas com bebedouros e instalações sanitárias (RE208.383/SP, Rel. Min. Néri da Silveira — AI 347.739/SP, Rel. Min. Nelson Jobim).

Entendo, na linha das razões precedentemente expostas, que a controvérsia oraem exame foi adequadamente resolvida com fundamento no princípio da autonomiamunicipal, que representa, como sabemos, no contexto de nossa organização político-jurídica, uma das pedras angulares sobre as quais se estrutura o edifício institucionalda Federação brasileira.

A nova Constituição da República, promulgada em 1988, prestigiou os Municí-pios, reconhecendo-lhes irrecusável capacidade política como pessoas integrantes daprópria estrutura do Estado Federal brasileiro, atribuindo-lhes esferas maisabrangentes reservadas ao exercício de sua liberdade decisória, notadamente no queconcerne à disciplinação de temas de seu peculiar interesse, associados ao exercício desua autonomia.

Cabe assinalar, neste ponto, que a autonomia municipal erige-se à condição deprincípio estruturante da organização institucional do Estado brasileiro, qualificando-se como prerrogativa política, que, outorgada ao Município pela própria Constituição

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da República, somente por esta pode ser validamente limitada, consoante observaHely Lopes Meirelles, em obra clássica de nossa literatura jurídica (“Direito Munici-pal Brasileiro”, pp 80/82, 6ª ed./3ª tir., 1993, Malheiros):

“A Autonomia não é poder originário. É prerrogativa política concedidae limitada pela Constituição Federal. Tanto os Estados-membros como osMunicípios têm a sua autonomia garantida constitucionalmente, não comoum poder de autogoverno decorrente da Soberania Nacional, mas como umdireito público subjetivo de organizar o seu governo e prover a sua Adminis-tração, nos limites que a Lei Maior lhes traça. No regime constitucionalvigente, não nos parece que a autonomia municipal seja delegação do Estado-membro ao Município para prover a sua Administração. É mais que delega-ção; é faculdade política, reconhecida na própria Constituição da República.Há, pois, um minimum de autonomia constitucional assegurado ao Muni-cípio, e para cuja utilização não depende a Comuna de qualquer delegaçãodo Estado-membro.” (Grifei)

Essa mesma orientação já era perfilhada por Sampaio Doria (“Autonomia dosMunicípios”, in Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, vol. XXIV/419-432,1928), cujo magistério — exposto sob a égide de nossa primeira Constituição repu-blicana (1891) — bem ressaltava a extração constitucional dessa insuprimível prer-rogativa político-jurídica que a Carta Federal, ela própria, atribuiu aos Municípios.

Sob tal perspectiva, e como projeção concretizadora desse expressivo postuladoconstitucional, ganha relevo, a meu juízo, no exame da controvérsia suscitada emsede recursal extraordinária, a garantia da autonomia fundada no próprio texto daConstituição da República.

A abrangência da autonomia política municipal — que possui base eminente-mente constitucional (só podendo, por isso mesmo, sofrer as restrições emanadas daprópria Constituição da República) — estende-se à prerrogativa, que assiste ao Muni-cípio, de “legislar sobre assuntos de interesse local” (CF, art. 30, I), tal como o fez, embenefício da segurança geral de sua população, o Município de Canoas/RS.

Tenho para mim — ao reconhecer que existe, em favor da autonomia municipal,uma “garantia institucional do mínimo intangível” (Paulo Bonavides, “Curso deDireito Constitucional”, p. 320/322, item n. 7, 12ª ed., 2002, Malheiros) — que o art.30, inciso I, da Carta Política não autoriza a utilização de recursos hermenêuticos cujoemprego, tal como pretendido pela instituição financeira recorrente, possa importarem grave vulneração à autonomia constitucional dos Municípios, especialmente se seconsiderar que a Constituição da República criou, em benefício das pessoas munici-pais, um espaço mínimo de liberdade decisória que não pode ser afetado, nem compro-metido, em seu concreto exercício, por interpretações que culminem por lesar omínimo essencial inerente ao conjunto (irredutível) das atribuições constitucional-mente deferidas aos Municípios.

Em suma: entendo que o diploma legislativo do Município em referência reves-te-se de plena legitimidade jurídico-constitucional, pois, longe de dispor sobre controlede moeda, política de crédito, câmbio, segurança e transferência de valores ou sobreorganização, funcionamento e atribuições de instituições financeiras, limitou-se, ao

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contrário, a disciplinar, em bases constitucionalmente legítimas, assunto de interesseevidentemente municipal, veiculando normas pertinentes à adequação dos estabeleci-mentos bancários a padrões destinados a propiciar melhor atendimento e proteção àcoletividade local, tudo em estrita harmonia com o magistério jurisprudencial queesta Suprema Corte firmou na matéria ora em exame (RE 385.398-AgR/MG, Rel. Min.Celso de Mello, v.g.):

“Estabelecimentos bancários — Competência do município para, mediantelei, obrigar as instituições financeiras a instalar, em suas agências, disposi-tivos de segurança — Inocorrência de usurpação da competência legislativafederal — Recurso improvido.

— O Município dispõe de competência, para, com apoio no poder autôno-mo que lhe confere a Constituição da República, exigir, mediante lei formal, ainstalação, em estabelecimentos bancários, dos pertinentes equipamentos desegurança, tais como portas eletrônicas ou câmaras filmadoras, sem que o exercí-cio dessa atribuição institucional, fundada em título constitucional específico(CF, art. 30, I), importe em conflito com as prerrogativas fiscalizadoras do BancoCentral do Brasil. Precedentes.”

(RE 312.050-AgR/MS, Rel. Min. Celso de Mello)

Cumpre registrar, finalmente, que essa mesma orientação vem de ser expres-samente acolhida em decisão na qual o eminente Ministro Eros Grau tambémreconheceu a competência dos Municípios para legislar, como sucede no caso oraem exame, sobre a instalação de portas eletrônicas em estabelecimentos bancários(RE 246.319/RS).

Cabe analisar, agora, tema novo proposto pela parte ora agravante e consistentena alegada transgressão, pelo Município, da norma inscrita no § 8º do art. 144 daConstituição da República.

A parte recorrente assim justifica a admissibilidade desse pretendido exame (fl.213):

“Reconhecer, portanto, que a decisão extraordinariamente impugnada, aoconceber possam os municípios expedir leis dispondo sobre a ‘segurança públicamunicipal’, ofende o art. 144, § 8º, da Carta Magna, não está, data venia, fora doslimites temáticos do recurso extraordinário interposto.”

Essa pretensão, nos termos em que exposta pela parte ora recorrente, não serevela suscetível de conhecimento, pois a matéria em questão não foi debatida noacórdão recorrido, constituindo, por isso mesmo, tema estranho ao objeto da contro-vérsia suscitada em sede recursal extraordinária.

Impende advertir, neste ponto, na linha da orientação jurisprudencial firmadapelo Supremo Tribunal Federal, que o recurso extraordinário apenas deve ser apreciadonos estritos limites temáticos em que a controvérsia constitucional haja sido exami-nada pelo Tribunal a quo, sem possibilidade de aplicação do princípio jura novitcuria (RTJ 173/335, Rel. Min. Celso de Mello):

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“Não se aplica ao julgamento do recurso extraordinário, pelo SupremoTribunal Federal, o princípio jura novit curia.”

(RTJ 147/994-995, Rel. Min. Celso de Mello)

“No exame do recurso extraordinário, no Supremo Tribunal Federal, não éaplicável o princípio jura novit curia (...).”

(RE 99.978-ED/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho — grifei)Isso significa, portanto, que a atividade jurisdicional desenvolvida pelo

Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, apresenta-se essen-cialmente limitada pela matéria constitucional, desde que esta, além de suscitadanas razões recursais deduzidas pela parte ora agravante (RTJ 90/516, v.g.), tenhasido efetivamente prequestionada (debatida, portanto, de modo expresso, peloacórdão recorrido).

Somente os temas de direito constitucional versados no acórdão impugnado (eigualmente veiculados no recurso extraordinário interposto) revelar-se-ão suscetí-veis de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, cujo julgamento, no entanto, nãopoderá “exceder os limites da devolução, apreciando questões não ventiladas nadecisão recorrida (...)” (Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho eAntonio Scarance Fernandes, “Recursos no Processo Penal”, p. 298, item n. 196,1996, RT).

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, nego provimento aopresente recurso de agravo, mantendo, em conseqüência, por seus próprios funda-mentos, a decisão ora agravada.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

AI 347.717-AgR/RS — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: BancoBamerindus do Brasil S.A. (em liquidação extrajudicial) (Advogados: Luiz CarlosBettiol e outro) Agravado: Município de Canoas (Advogados: Francisco de PaulaFigueiredo e outros).

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a MinistraEllen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma oMinistro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processo a ele vinculado,assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafoúnico, do RISTF. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto daNóbrega.

Brasília, 31 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 367.460 — DF

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes

Agravantes: Ana Maria Batista de Souza e outro — Agravada: União

Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Concurso Público.Fiscal do Trabalho. Aprovação na 1ª etapa. Não-convocação para a 2ªetapa. Prazo de validade não prorrogado. Precedentes. 3. Agravo regimen-tal a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Ao apreciar o RE 367.460, proferi a seguintedecisão (fls. 264/266):

“Decisão: Trata-se de recurso extraordinário fundado no art. 102, III, a, daConstituição Federal, contra acórdão que entendeu ser ato discricionário daAdministração a prorrogação ou não da validade de concurso público.

Alega-se violação ao art. 37, IV, da Carta Magna; e que o acórdão recorridodivergiu da orientação firmada pela Segunda Turma desta Corte no julgamentodo RMS 23.040, Rel. Néri da Silveira, DJ de 17-12-99:

‘Ementa: Mandado de segurança. Recurso ordinário. 2. Segurançarequerida contra ato do Ministro de Estado do Trabalho, por candidatosaprovados na primeira fase do concurso de Fiscal do Trabalho. Direito aserem convocados para a segunda etapa do concurso, consistente no Progra-ma de Formação, considerando regra contida no edital. 3. Previsão expressa,em segundo edital, de que os candidatos selecionados na primeira etapapoderiam participar da segunda fase do certame para fins de provimento devagas também estabelecidas em “outros Editais que venham a ser publica-dos.”. 4. Não fica a Administração impedida de iniciar outro concursopúblico; não poderá, entretanto, preterir os candidatos já aprovados naprimeira fase do anterior, quanto à convocação para a Segunda Etapa,observada a ordem de classificação. 5. Recurso ordinário conhecido e provi-do para deferir o mandado de segurança, ficando, em conseqüência, aautoridade coatora impedida de nomear candidatos aprovados em posteriorconcurso de Fiscal do Trabalho, enquanto não se concluir o primeiro con-curso aludido com a convocação dos impetrantes à segunda etapa — Pro-grama de Formação. Consoante o edital, a conclusão do concurso pressupõea realização de sua segunda etapa’.

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Ao contrário do que sustenta o recorrente, o acórdão recorrido está emconsonância com a jurisprudência desta Corte, conforme se depreende da leiturado acórdão do RMS 23.793, 1ª T., Rel. Moreira Alves, DJ de 14-12-01; e o RMS23.788, 2ª T., Rel. Maurício Corrêa, DJ de 16-11-01, assim ementado:

‘Ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. Concursopúblico. Aprovação na primeira etapa e não-aproveitamento na segun-da. Direito adquirido: inexistência.

1. Candidatos aprovados na primeira etapa de concurso público. Clas-sificação além do número de vagas existentes para o segundo estágio.Hipótese não amparada pelas normas do edital.

2. Mera previsão de vagas para futuros concursos não constitui fatoconcreto gerador de direito líquido e certo.

3. A prorrogação do concurso é ato discricionário da Administração, ateor do inciso III do artigo 37 da Carta de 1988.

Recurso não provido’.

É relevante consignar que o Plenário desta Corte, no julgamento da AR1.685, Rel. Ellen Gracie, sessão de 12-6-03, referendou a decisão da Relatora, aqual monocraticamente concedeu a antecipação de tutela em ação rescisóriacontra o acórdão do RMS 23.040 e da RCL 1.728, e assentou inexistir erro de fatono acórdão rescindendo em face do caráter regionalizado concurso público e peladifícil reversibilidade dos prejuízos administrativos e econômicos que seriamcausado para a União com a nomeação dos candidatos.

E, ainda, em caso idêntico, a Primeira Turma reafirmou este entendimentono RMS 23.696, Rel. Moreira Alves, DJ de 2-5-03, acórdão com o seguinte votocondutor, no que interessa:

‘É de notar-se que, recentemente, em 12-6-2002, o Tribunal Plenoreferendou, por maioria de votos (entre os quais se incluiu o meu), cautelardeferida pela eminente Ministra Ellen Gracie na Ação Rescisória 1.685, quetem por objeto exatamente o decidido por esta Corte no RMS 23.040. Emseu douto voto, a eminente Relatora aprecia amplamente a matéria parasustentar a concessão da cautelar, observando tratar-se de concursoregionalizado, sendo que, a seguir a fundamentação do acórdão rescindendo,não seria possível realizar-se qualquer concurso para o provimento de talfunção nas próximas quatro décadas; e de o novo concurso ter sido realizadodepois do término do prazo de validade deste (o edital desse novo concurso émuito posterior ao término desse prazo) cujo termo inicial foi o da homolo-gação da 1ª fase do concurso, pois o curso de formação profissional (segundaetapa) constitui apenas pré-requisito para a nomeação dos candidatos, paracujo acesso aliás os impetrantes não tinham sido classificados, inexistindoassim a preterição alegada.

2. Em face do exposto, nego provimento ao presente recurso ordinário’.

Assim, nego seguimento ao recurso (art. 557, caput, do CPC).”

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Os agravantes, Ana Maria Batista de Souza e outros, interpuseram o agravoregimental de fls. 271/276, no qual sustentam:

“Pode-se, pois, concluir que matéria sobre a qual não se tenha firmado umajurisprudência remansosa, sobre a qual haja divergência, que não esteja alicerçadaem harmônicos julgados, de tal sorte que não se possa considerar como ‘jurispru-dência indiscutivelmente predominante’, esta matéria não pode ser rechaçada daapreciação do colegiado, exatamente para que coletivamente seja examinada edefinido de forma consistente o entendimento da Corte.

É, exatamente, o que acontece com a matéria que constitui o objeto dopresente RE, de tal sorte que se faz necessária a submissão de seu julgamento aocolegiado, para que a decisão possa sinalizar qual é a orientação que se vaiconsagrando na Suprema Corte.

[...]

O v. despacho se fundamenta em alguns precedentes para negar seguimentoao RE. Deles os dois mais importantes são o decidido no RMS 23.696 e aratificação pelo Plenário, de liminar concedida na AR 1.685. Os demais acórdãoscitados são anteriores aos dois julgados mencionados no voto do MM. MinistroMoreira Alves acima transcritos.

Passamos a analisar estas duas decisões para avaliar se é possívelcaracterizá-las como ‘jurisprudência predominante’ da C. Corte. Ocupar-nos-emos, em primeiro lugar da decisão do Plenário ratificando a liminar concedidana AR 1.685. Esta decisão adotada por estreita maioria, ainda na composiçãoanterior dessa C. Corte, manteve a cautelar proferida pela MM. Ministra EllenGracie, para suspender a eficácia da decisão proferida no RMS 23.040-9 DF,cujo cumprimento fora ratificado pela decisão proferida na Reclamação no1.728-1.

[...]

Como se vê, nem poderia ser diferente, o referendo pelo Plenário, nãoaprecia o mérito, e apenas autorizou a Administração a não ser compelida anomear os fiscais. É verdade que quanto ao fumus boni juris se admitiu ‘plausível’a alegação da União. Todavia considerar uma alegação plausível para fins decautelar e aprová-la em decisão de mérito há uma profunda diferença, comosabemos. Acresça-se que, é razoável a alegação de que a decisão na Reclamação1.728, teria excedido o apreciado no RMS 23.040-9.

Outro fundamento do v. despacho agravado é o próprio aresto proferido noRMS 23.696. Afastada a utilização da decisão na Ação Rescisória 1.685, comoprova da mudança da orientação jurisprudencial, resta apenas um único julgadoque é o proferido no RMS 23.696. A este poderíamos opor o julgado no RMS23.6547-8, não mencionado no v. despacho ora agravado, em que a SegundaTurma dessa C. Corte, decidiu, em 21 de novembro de 2.000, acórdão publicadoem 9 de novembro de 2001, transitado em julgado, favoravelmente à tese queaqui se esposa, sendo Relator o MM. Ministro Marco Aurélio.”

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): Os agravantes não trouxeram argumen-tos novos capazes de modificar o posicionamento deste Tribunal.

A controvérsia versa sobre concurso público para Fiscal do Trabalho realizado em1994. Os agravantes foram aprovados na primeira etapa, mas não obtiveram classificaçãopara a segunda etapa. Impetraram, então, mandado de segurança, com pedido de liminar,para que fosse prorrogada a validade do concurso e para que fossem convocados pararealização da segunda fase do concurso, tendo em vista a existência de vagas.

A liminar foi indeferida (fl. 99-100) e a segurança foi denegada pela sentença nosseguintes termos (fl. 139-140):

“Não há dúvidas de que o candidato, uma vez aprovado em todas as fases doconcurso, tem direito à nomeação prioritariamente aos demais concursandos. Nãohá dúvidas ainda de que, não seria razoável que a administração convocasse novoconcurso para provimento de cargos idênticos àqueles aos quais já existiriamcandidatos definitivamente aprovados em concursos anteriores.

Ocorre que isso não é o que ocorre no presente mandado de segurança. Porprimeiro, os impetrantes não foram aprovados no referido concurso. Verifico,outrossim, que a segunda fase do certame tem caráter eliminatório, não sendomero curso de preparação, como salientado pelo ilustre patrono dos impetrantes.Constitui, pois, etapa obrigatória do concurso. [...]

Portanto, não se encontra consubstanciado o pressuposto do direito à nomea-ção, visto que não há aprovação no concurso.”

O acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região restou assim ementado(fl. 183):

“Administrativo. Concurso público. Fiscal do trabalho. Pedido de prorro-gação da validade do certame formulado por candidatos aprovados na 1ª etapada seleção. Convocação imediata para a 2ª fase. Impossibilidade. Discricionarie-dade do administrador.

I - A prorrogação ou não do prazo de validade de um concurso público éato discricionário da Administração, não constituindo direito subjetivo doscandidatos.

II - Os candidatos aprovados na 1ª fase de um concurso público detêm, apenas,expectativa de direito quanto à convocação para a 2ª etapa do certame, por simetria,com a hipótese de candidato aprovado em concurso, em relação à nomeação.

III - Os precedentes do Colendo STJ, trazidos à colação, pelos autores, nãopossuem pertinência com o caso em comento, pois, neste não há novo concursocom edital publicado, o que garantiria a prioridade dos aprovados em concursoanterior, se dentro do prazo da validade.

IV - Apelação improvida.”

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A decisão agravada (fls. 264-266) negou seguimento ao recurso extraordináriocom base na jurisprudência desta Corte.

Ressalte-se o julgamento da AR-MC 1.685, Pleno, Rel. Ellen Gracie, DJ de 12-3-04, assim ementado:

“Ação rescisória. Mandado de segurança. Recurso ordinário. Concursopúblico. Fiscal do trabalho. Medida cautelar concedida ad referendum doPlenário. Antecipação dos efeitos da tutela pretendida. Excepcionalidade docaso. Cabimento.

[...]

4. Ademais, os elementos trazidos aos autos revelam a inocorrência daabertura de novo concurso público durante o prazo de validade daquele prestadopelos requeridos, além da não-obrigatoriedade da Administração Pública emconvocar para a segunda etapa do certame (curso de formação), os candidatos que,embora aprovados na primeira etapa, não obtiveram classificação dentro donúmero de vagas previstas no edital. Precedentes: RMS n. 23.788, MaurícioCorrêa, MS 21.915, Ilmar Galvão, e RMS n. 23.793, Moreira Alves.

Cautelar deferida referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.”

No mesmo sentido, o AgRRMS 23.489, 2ª T., Rel. Néri da Silveira, DJ de 14-9-01:

“Ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. Agravo regimental.2. Concurso Público. Delegado de Polícia Federal. Candidato aprovado na Pri-meira Etapa do concurso, sem obter classificação, suficiente para entrar na Segun-da Etapa desse mesmo concurso. 3. Acórdão do STJ que indeferiu mandado desegurança contra atos do Ministro da Administração e Reforma do Estado e doCoordenador da Academia Nacional de Polícia. 4. Recurso ordinário em manda-do de segurança a que se negou provimento. Ausência de direito adquirido decandidatos aprovados na primeira etapa de concurso, mas além do número devagas existentes para a segunda etapa. Precedentes. 5. Inaplicáveis ao caso osprecedentes invocados. Perda de validade do concurso. Não há como ver prorro-gada a eficácia da aprovação do recorrente, na primeira fase do concurso, emordem a pretender ser convocado no concurso novo ou já ingressar na segundaetapa do mesmo. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.”

No presente caso, não houve prorrogação do prazo de validade do concurso, e nãohouve alegação de convocação para cadastro de reserva, não sendo possível a convoca-ção dos agravantes para a realização da segunda fase do concurso.

Assim, nego provimento ao agravo regimental.

EXTRATO DA ATA

RE 367.460-AgR/DF — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Agravantes: AnaMaria Batista de Souza e outro (Advogados: Marcello Lavenère Machado e outro).Agravada: União (Advogado: Advogado-Geral da União).

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Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a MinistraEllen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a MinistraEllen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.

Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 393.021 — SP

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello

Agravante: Banco Itaú S.A. — Agravado: Instituto Brasileiro de Defesa do Con-sumidor – IDEC

Recurso extraordinário — Caderneta de poupança — Contrato dedepósito validamente celebrado — Ato jurídico perfeito — Intangibili-dade constitucional (CF/88, art. 5º, XXXVI) — Lei superveniente à datada celebração do contrato de depósito — Inaplicabilidade desse atolegislativo, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do pacto ne-gocial — Subsistência da decisão que não conheceu do recurso extraor-dinário.

— Os contratos submetem-se, quanto ao seu estatuto de regência, aoordenamento normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo osefeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não seexpõem ao domínio normativo de leis supervenientes. As conseqüênciasjurídicas que emergem de um ajuste negocial válido são regidas pelalegislação que se achava em vigor no momento da celebração do contra-to (tempus regit actum): exigência imposta pelo princípio da segurançajurídica.

— Os contratos — que se qualificam como atos jurídicos perfeitos(RT 547/215) — acham-se protegidos, inclusive quanto aos efeitos futurosdeles decorrentes, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º,XXXVI, da Constituição da República, cuja autoridade sempre prevalece,considerada a supremacia que lhe é inerente, mesmo que se trate de leis deordem pública. Doutrina e precedentes.

— A incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de umcontrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradorado ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injus-ta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucio-nal que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamenteconsolidadas. Precedentes.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por unanimidade de votos, não conhecer do recurso, nos termos dovoto do Relator.

Brasília, 25 de novembro de 2003 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo interposto contradecisão que não conheceu do recurso extraordinário deduzido pela parte ora recorrente.

Eis o teor da decisão que sofreu a interposição do presente recurso de agravo (fls.628/630):

“O Tribunal a quo, em decisão impugnada na presente sede recursal, fazen-do aplicação do princípio constitucional inscrito no art. 5º, XXXVI, da CartaPolítica, rejeitou a possibilidade de imediata aplicação de nova disciplinalegislativa aos efeitos futuros de contratos de depósito em caderneta de poupan-ça, celebrados ou renovados em momento anterior ao do início da vigência da MPn. 32/89, convertida na Lei n. 7.730/89.

O recurso extraordinário interposto pela instituição financeira revela-seinacolhível, eis que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ajusta-se à orienta-ção jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal na análise da matériaobjeto da presente controvérsia (RTJ 163/795, Rel. Min. Moreira Alves — RTJ164/1145, Rel. Min. Celso de Mello — AI 215.249/SP, Rel. Min. OctavioGallotti — AI 220.508-AgR/RJ, Rel. Min. Octavio Gallotti — AI 229.001-AgR/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa — AI 262.789/BA, Rel. Min. Celso de Mello —RE 198.304/RS, Rel. Min. Sydney Sanches, v.g.).

O exame da presente causa evidencia não assistir razão à parte ora recor-rente, eis que o acolhimento da postulação recursal por ela deduzida importariaem inaceitável transgressão ao princípio constitucional da intangibilidade doato jurídico perfeito, tal como enunciado pelo art. 5º, XXXVI, da Lei Funda-mental da República.

Cumpre ter presente, neste ponto, que o contrato de depósito em cadernetade poupança, enquanto ajuste negocial validamente celebrado pelas partes, quali-fica-se como típico ato jurídico perfeito, à semelhança dos negócios contratuais emgeral (RT 547/215), submetendo-se, por isso mesmo, quanto ao seu estatuto deregência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua estipulação.

A pretensão jurídica manifestada pela instituição financeira conflita, demodo frontal, com a norma inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Federal, queconsagra princípio fundamental destinado a resguardar a incolumidade dassituações jurídicas definitivamente consolidadas, consoante tem sidoreiteradamente enfatizado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal(RTJ 163/802-803, Rel. Min. Celso de Mello):

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‘(...) A lei nova não pode reger os efeitos futuros gerados por contra-tos a ela anteriormente celebrados, sob pena de afetar a própria causa —ato ou fato ocorrido no passado — que lhes deu origem. Essa projeçãoretroativa da lei nova, mesmo tratando-se de retroatividade mínima,incide na vedação constitucional que protege a incolumidade do atojurídico perfeito.

— A cláusula de salvaguarda do ato jurídico perfeito, inscrita no art.5º, XXXVI, da Constituição, aplica-se a qualquer lei editada pelo PoderPúblico, ainda que se trate de lei de ordem pública. Precedentes do STF.

— A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômiconão exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postuladosque emergem do ordenamento constitucional brasileiro, notadamente osprincípios — como aquele que tutela a intangibilidade do ato jurídicoperfeito — que se revestem de um claro sentido de fundamentalidade (...).’

(AI 266.236/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13-6-2000)

Em suma: o Supremo Tribunal Federal, tendo presente a importância polí-tico-jurídica da norma inscrita no art. 5º, XXXVI, da Constituição — e consideran-do, ainda, a grave advertência da doutrina (Humberto Theodoro Júnior, ‘OContrato e a Interferência Estatal no Domínio Econômico’, in Revista dosTribunais, vol. 675/7, 13; Hely Lopes Meirelles, ‘Estudos e Pareceres de DireitoPúblico’, vol. IX/258, 1986, RT, v.g.) — firmou orientação na matéria ora emexame, enfatizando, na perspectiva do princípio constitucional que protege o atojurídico perfeito, que, ‘(...) nos casos de cadernetas de poupança cuja contratação ou(...) renovação tenha ocorrido antes da entrada em vigor da Medida Provisória n. 32,de 15-1-89, convertida na Lei n. 7.730, de 31-1-89, a elas não se aplicam, emvirtude do disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, as normas dessalegislação infraconstitucional, ainda que os rendimentos venham a ser creditadosem data posterior’ (RTJ 163/795, Rel. Min. Moreira Alves — grifei).

Sendo assim, e tendo presentes as razões expostas, não conheço do presenterecurso extraordinário, inclusive no que concerne à hipótese prevista no art. 102, III,b, da Constituição, pois ‘o acórdão recorrido, em momento algum, declarou a incons-titucionalidade da referida Lei’ (AI 249.048/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

(...)

Ministro Celso de MelloRelator”

Inconformada com esse ato decisório, a parte ora agravante interpõe o presenterecurso, postulando o conhecimento e o provimento do recurso extraordinário quededuziu (fls. 633/640).

Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta ColendaTurma, o presente recurso de agravo.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não assiste razão à parte ora recorrente,eis que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, à diretriz jurisprudencialque o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame.

Não obstante os vários precedentes desta Suprema Corte, é sempre importantereafirmar o entendimento de que os contratos submetem-se, quanto ao seu estatutode regência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo osefeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não se expõem aodomínio normativo de leis supervenientes. As conseqüências jurídicas que emergemde um ajuste negocial válido — consoante adverte o magistério jurisprudencial doSupremo Tribunal Federal (RTJ 163/795, Rel. Min. Moreira Alves — RTJ 163/802-803, Rel. Min. Celso de Mello — RTJ 164/1145, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.) — sãoregidas pela legislação que se achava em vigor no momento da celebração docontrato (tempus regit actum).

Impende rememorar, bem por isso, que os contratos — que se qualificam comoatos jurídicos perfeitos (RT 547/215) — acham-se protegidos, inclusive quanto aosefeitos futuros deles decorrentes, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º,XXXVI, da Constituição da República, cuja autoridade sempre prevalece, consideradaa supremacia que lhe é inerente, mesmo que se trate de leis de ordem pública.

Tal asserção nada mais traduz senão conseqüência que emana, diretamente, dopostulado da segurança jurídica.

Isso significa, portanto, que a incidência imediata da lei nova sobre os efeitosfuturos de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradorado ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de graumínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela aintangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas.

Vê-se, pois, que a pretensão jurídica deduzida pela instituição financeira recor-rente revela-se inacolhível, razão pela qual mantenho, por seus próprios funda-mentos, a decisão ora agravada, que não conheceu do recurso extraordinário em análise.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

RE 393.021-AgR/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Banco ItaúS.A. (Advogados: André Vidigal de Oliveira e outro). Agravado: Instituto Brasileiro deDefesa do Consumidor – IDEC (Advogados: Dulce Soares Pontes Lima e outro).

Decisão: A Turma, por votação unânime, não conheceu do recurso de agravo, nostermos do voto do Relator.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Subprocuradora-Geral da Repú-blica, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 25 de novembro de 2003 — Antonio Neto Brasil, Coordenador.

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSOEXTRAORDINÁRIO 395.121 — PR

Relator: O Sr. Ministro Carlos Britto

Embargante: Carlos Roberto de Macedo — Embargados: Luiz Henrique deMacedo e outro

Embargos de declaração. Recurso extraordinário. Alegada contra-dição, consistente no “seccionamento da eficácia” do único voto proferidono Tribunal de origem que versou sobre o § 6º do art. 227 da Carta deOutubro.

Alegação improcedente, visto que o aresto embargado apenas res-saltou a circunstância de o Ministro prolator do mencionado voto haversido voz isolada no âmbito do Tribunal a quo no que diz respeito ao temaconstitucional veiculado no apelo extremo.

Ausência de prequestionamento reafirmada.

Embargos de declaração rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PrimeiraTurma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,em rejeitar os embargos de declaração em recurso extraordinário; vencido o MinistroMarco Aurélio, que os recebia para conhecer do recurso extraordinário e lhe darprovimento.

Brasília, 26 de abril de 2005 — Carlos Ayres Britto, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto: Tendo em conta as alterações na composiçãodesta Turma, ocorridas desde a prolação do acórdão embargado até a presente data,considero oportuno fazer um relatório mais detalhado da causa.

2. E, ao assim proceder, começo por registrar que em face de acórdão do Tribunalde Justiça do Estado do Paraná foram manejados recursos especial e extraordinário, estecom alegação de afronta ao inciso XXXVI do art. 5º da Carta de Outubro.

3. Negado seguimento ao apelo extremo, em despacho irrecorrido, subiram osautos ao Superior Tribunal de Justiça, cuja Quarta Turma, por três votos a dois, nãoconheceu do recurso especial.

4. Inconformado, o ora embargante interpôs embargos de declaração, rejeitados,e recurso extraordinário, admitido. Neste sustentava-se que o acórdão recorridoviolara, por aplicação retroativa a uma sucessão aberta em 23-6-76, a norma do § 6ºdo artigo 227 da Carta Magna, contrariando, ademais, a pacífica jurisprudência destaCorte.

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5. Na Sessão de 2-3-2004, trouxe o feito a julgamento e votei pelo não-conheci-mento do recurso, sendo acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa e CezarPeluso. Ficou vencido o Ministro Marco Aurélio, que, em razão da ausência justificadado Ministro Sepúlveda Pertence, presidiu a sessão.

6. Do julgamento resultou a seguinte ementa:“Recurso extraordinário. Sucessão. Testamento. Filhos legítimos e filhos

havidos fora do casamento. Constituição Federal de 1988. Art. 227, § 6º.Prequestionamento.

Recurso que se ressente do indispensável prequestionamento, uma vez queapenas um dos cinco votos proferidos no Tribunal de origem versou efetivamenteo tema constitucional tido por violado no apelo extremo. Dois outros não ofizeram de forma alguma, e os restantes apenas tangenciaram a Lei Maior, semforça decisória. Não houve, assim, debate sobre a matéria constitucional, patroci-nado pela maioria dos julgadores.

Recurso extraordinário não conhecido”.7. No presente recurso, o embargante alega, em síntese, que o acórdão do Superior

Tribunal de Justiça “também está apoiado em fundamento constitucional” e que “acircunstância de o fundamento ter sido deduzido em apenas um dos três votos majori-tários, não tem o condão de justificar o seccionamento da eficácia do referido votopara, por um lado, atribuir relevância à sua conclusão, e, por outro lado, desprezareficácia jurídica ao fundamento que a respalda” (sic). Nesse diapasão, propugna peloacolhimento dos embargos a fim de que, sanada a contradição e superado o óbicerelativo à ausência de prequestionamento, seja conhecido e provido o apelo extremo.

8. Por se tratar de embargos com efeitos modificativos, foi dada vista aosembargados pelo prazo legal.

Decorrido o prazo sem que houvesse nenhuma manifestação, vieram-me os autosconclusos.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (Relator): Como visto, apenas um dos cincovotos proferidos no Tribunal de origem versou efetivamente o tema constitucional tidopor violado no apelo extremo, circunstância considerada insuficiente por esta Turmapara satisfazer o requisito do prequestionamento.

12. Confira-se, por ser elucidativo, o seguinte trecho do voto de minha lavra, queconduziu ao resultado do julgamento:

“(...) Esclareceu o Relator, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que “orecurso especial do autor invoca violação dos arts. 1.572, 1.577, 1.717 e 1.718 doCódigo Civil, 6º, caput e § 2º da Lei de Introdução, e 5º, XXXVI da Constituição,além de divergência jurisprudencial. Sustenta a aplicabilidade da lei vigente àépoca da abertura da sucessão e a irretroatividade da norma constitucional do art.227, § 6º” (fl. 466).

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18. No seu excelente voto, o emérito Relator recusou-se a analisar a questãoconstitucional e considerou não prequestionado o art. 6º da Lei de Introdução,bem como os arts. 1.572 e 1.577 do Código Civil então em vigor, fazendo incidir,no ponto, a Súmula 211/STJ. E, com relação aos outros dispositivos legais,invocou os enunciados 5 e 7 da mesma Corte, que repelem o recurso especial parareexame de prova e para simples interpretação de cláusula contratual. Daí o doutoRelator não conhecer do recurso (no que foi acompanhado pelo Ministro BarrosMonteiro).

19. Abrindo a divergência, porém, o Ministro César Asfor Rocha conheceudo recurso e lhe deu provimento. Para tanto, valeu-se de disposições do CódigoCivil, sobretudo do art. 1.666 — transcrito literalmente — para concluir que avontade do testador, no caso, era agraciar somente a prole legítima do neto, naacepção dada pela legislação civil então vigente. Destaco do voto a seguintepassagem (fl. 492):

‘Devo gizar, ainda, que não paira nenhuma dúvida de que, no caso emexame, o testador explicitou, no testamento, que queria mesmo contemplar,no legado instituído, apenas e exclusivamente os filhos legítimos de seuneto, inclusive os que viessem a nascer.’

20. A referência feita à Lei Fundamental foi de passagem e assintomática,apenas para “deixar assinalado que o testador faleceu antes de 1988, portanto emperíodo anterior à Constituição Federal, quando só então deixou de haver discri-minação entre filhos legítimos e ilegítimos.” Esta anotação, portanto, não exer-ceu influência na direção do voto, todo ele centrado na análise da vontade dotestador, sem as amarras das Súmulas 5 e 7, citadas anteriormente.

21. Registre-se que a divergência encontrou companhia no voto do Minis-tro Aldir Passarinho Júnior, pelas mesmas razões, resumidas na seguinte passagem(fl. 495):

‘Não tenho dúvida nenhuma de que o avô quis restringir a herança aosnetos havidos fora do casamento, exatamente para evitar que o filho deixas-se a esposa. É uma disposição do testador; os bens eram dele e, data vênia,respeito a sua vontade. Encontro até uma razão plausível, mas nada me levaa entender que fosse um sentido equivocado, que o testador não estivessesabendo o que dizia quando se expressou por “filho legítimo’.

22. Também aqui a menção à Magna Carta foi aligeirada e incidental,formulada nos seguintes termos (fl. 495):

‘A lei estava absolutamente em vigor, em consonância com o disposi-tivo constitucional. Senão ter-se-ia de ressuscitar todas as questões anterio-res às Constituições.’

23. O desempate, pelo não-conhecimento do recurso, é procedemente atri-buído ao voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, o único que, acertadamente ounão, se louvou no Texto Magno para sentenciar (fl. 494):

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(...)

‘Não me parece, na circunstância dos autos, que se deva ter preocu-pação com a vontade do testador para interpretar e aplicar seu testamento.É que, no sistema constitucional vigente, não há mais a distinção entrefilho legítimo e ilegítimo, nem a lei poderá estabelecê-la; a que assimdispunha se tem hoje por revogada. A força constitucional, penso, atuatambém sobre a vontade da parte, de forma que aquela distinção feita pelotestador — acredito que com a intenção manifesta de discriminar — hojenão prevalece. Não porque se deva interpretar o testamento de um modoou de outro, mas porque a Constituição não faz a distinção, tornando-ailícita.’

24. Embora não mencionasse nenhum dispositivo da Carta de 1988, é claraa matriz constitucional que norteou este último pronunciamento.

25. O quadro que acabo de esboçar não sofreu alteração com o julgamentodos subseqüentes embargos declaratórios, rejeitados por unanimidade.

26. De todo o exposto, então, surge a pergunta-chave: houve, afinal,prequestionamento?

27. Começo por responder que, no seu trabalho Recurso Extraordinário —Aspectos Práticos, publicado na Revista Jurídica, de outubro/2003 (n. 312),Carlos Bastide Horbach, ao fazer um giro pela jurisprudência do Supremo Tribu-nal Federal, lança claras luzes sobre o assunto, ajudando, com isso, a responder àindagação acima. Disse ele, com propriedade, às fls. 59/60:

‘Entretanto, não basta que a matéria constitucional seja debatida, épreciso ainda que seja adotada como razão de decidir, no caso doscolegiados, pelo voto vencedor. Não há, assim, prequestionamento se asquestões constitucionais foram suscitadas no voto vencido, sendo necessá-ria, pois, a adoção de tese pela maioria vencedora.

Essa exigência pode ser também depreendida da idéia de “causadecidida”. Se não houve efetiva decisão sobre o ponto controverso, não háo requisito inicial para a admissão do extraordinário. São muitos os prece-dentes que expressam esse entendimento, tais como o RE 131.739, Rel.Min. Marco Aurélio, D.J. de 06.11.92; e o agravo regimental no RE279.557, Rel. Min. Ilmar Galvão, D.J. de 16.03.2001; cujas ementas foramassim redigidas, respectivamente:

“Recurso — Prequestionamento — Campo propício. O preques-tionamento pressupõe a adoção de tese pelo Órgão prolator da decisãoatacada. Há de ter origem em manifestação explícita do Colegiadosobre o tema jurígeno veiculado no recurso. A análise contida, unica-mente, em voto vencido, mostra-se irrelevante. O silêncio da maiorianão é passível de ser afastado pelo fato de o dissidente haver esgrimidoo tema, isto na declaração de voto juntada aos autos. Entendimentodiverso implica a consagração do prequestionamento implícito, presu-mindo-se refutada a matéria de defesa”.

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“Voto vencido. Ausência de prequestionamento.

Recurso extraordinário que se ressente do indispensávelprequestionamento, posto que os temas constitucionais tidos porviolados foram abordados apenas no voto vencido do acórdão recor-rido.

Voto condutor que teve fundamento constitucional indepen-dente, não suscitado nas razões recursais.

Precedentes (Res 118.479 e 215.083).

Agravo regimental a que se nega provimento.”

Em 1993, entretanto, o julgamento do RE 141.788, Rel. Min.Sepúlveda Pertence, pelo Tribunal Pleno suscitou na doutrina uma especula-ção acerca da superação desse entendimento. O julgado, em sua parte essen-cial, foi assim ementado:

“I. Recurso extraordinário: prequestionamento: irrelevância daausência da menção dos dispositivos constitucionais atinentes aostemas versados.

1. O prequestionamento para o RE não reclama que o preceitoconstitucional invocado pelo recorrente tenha sido explicitamentereferido pelo acórdão, mas, sim, que este tenha versado inequivoca-mente a matéria objeto da norma que nele se contenha.

2. É de receber-se com cautela a assertiva de que a fundamenta-ção do voto vencido é irrelevante para a satisfação do requisito doprequestionamento: quando é patente a identidade das questões cons-titucionais resolvidas, de modo diametralmente oposto, pelo acórdãorecorrido, de um lado, e pelo voto vencido, de outro, a invocaçãoexpressa pelo voto dissidente dos dispositivos constitucionais perti-nentes às indagações que também o acórdão enfrentou e resolveu é amelhor prova de que a maioria do Tribunal não fez abstração de ditasnormas, mas, sim, que lhes deu inteligência diversa.” (D.J. de18.06.93).’

28. Temos, então, em resumo, que é irrelevante a questão de se saber deque fonte jorrou o tema constitucional: se do voto vencido, ou do vencedor. Ofundamental é que tenha havido debate sobre a matéria, patrocinado pelamaioria do Tribunal.

29. Isso não ocorreu no presente caso, conforme procurei demonstrar.A maioria do Tribunal recorrido ocupou-se, na verdade, da interpretação dasdisposições testamentárias. E neste papel, dois Ministros recusaram-se a es-quadrinhar a vontade do testador, ao contrário de outros dois que a interpre-taram restritivamente, ou seja, no sentido de beneficiar apenas o ora recorren-te, filho de Rivadávia de Macedo Neto e Marilda de Macedo. É como dizer:as referências feitas à Lei Maior foram laterais ou periféricas. Não determi-nantes da decisão, portanto.

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30. É certo que o recorrente dá especial relevo ao voto do Ministro RuyRosado de Aguiar, atribuindo-lhe importância ímpar no julgamento do recursoespecial. Mas não é bem assim. Conquanto tenha brandido efetivamente aquestão constitucional sediada no art. 227, § 6º, foi uma voz isolada o eminenteMinistro. Não abriu nenhuma polêmica em torno do tema. Na formação damaioria, teve importância aritmética, mas não substantiva. Somou, mas nãomultiplicou. E o fato de ter-se manifestado eventualmente contra a orientaçãodesta egrégia Corte, sobre o assunto, não configura heresia jurídica que, por sisó, autorize o manejo do apelo extremo.

31. Concluo, assim, que a matéria constitucional apresentada pelorecorrente não se submeteu, de forma explícita e decisiva, ao crivo doSuperior Tribunal de Justiça, carecendo o presente recurso, portanto, dorequisito do prequestionamento, razão por que dele não conheço.” (Semdestaques no original).

13. Nessa ampla moldura, fica patente que não houve o alegado “seccionamentoda eficácia” do voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Houve, sim, constatação deque Sua Excelência foi voz isolada na abordagem do tema constitucional.

Pelo exposto, reafirmando a ausência do requisito do prequestionamento e nãovislumbrando nenhuma contradição no aresto embargado, rejeito os presentes em-bargos.

É como voto.

EXTRATO DA ATA

RE 395.121-ED/PR — Relator: Ministro Carlos Britto. Embargante: CarlosRoberto de Macedo (Advogados: Reginaldo Oscar de Castro e outro). Embargados:Luiz Henrique de Macedo e outro (Advogado: Newton José de Sisti).

Decisão: Após os votos dos Ministros Carlos Britto, Relator, Cezar Peluso e ErosGrau negando provimento aos embargos de declaração no recurso extraordinário,pediu vista dos autos o Ministro Marco Aurélio. Presidiu o julgamento o MinistroMarco Aurélio. Não participou deste julgamento o Ministro Sepúlveda Pertence.

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Marco Aurélio, de acordo como art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto. Ausente, justificadamente, o MinistroEros Grau. Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.

Brasília, 19 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Nos embargos declaratórios, busca-se ver exami-nado o fato de os votos vencidos dos ministros Cesar Rocha e Aldir Passarinho Júniorconterem análise do conflito de interesses sob o ângulo constitucional, havendo

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ocorrido empate na votação, no que os dois votos anteriores — dos ministros Sálvio deFigueiredo, relator, e Barros Monteiro — levaram em conta a faticidade da matéria — adiscussão em torno do alcance do testamento. Sustenta-se que o tema constitucional foienfrentado, tanto assim que o voto do Ministro Ruy Rosado, de desempate, fez-sebaseado unicamente no disposto no § 6º do artigo 227 da Constituição Federal de1988, tido como aplicável à espécie. Daí pretender-se o conhecimento e provimentodos embargos declaratórios para, a eles emprestada eficácia modificativa, vir-se aconhecer e prover o extraordinário, proclamando-se prequestionada a questão constitu-cional.

Pedi vista do processo, que deu entrada no meu Gabinete em 29 de março de 2005,sendo que nele lancei visto, declarando-me habilitado a votar, em 22 subseqüente, eassentando que o processo estaria em mesa para seqüência na sessão de hoje — 26 deabril —, isso objetivando a ciência, pelo Gabinete, quanto à devolução às partes.

É certo que, no voto condutor do julgamento, desqualificou-se o fato de osministros Cesar Rocha e Aldir Passarinho Júnior haverem aludido ao texto constitu-cional. Assim ocorreu, afirmando-se, quanto ao voto do primeiro, que “a referênciafeita à Lei Fundamental foi de passagem e assintomática, apenas para ‘deixar assina-lado que o testador faleceu antes de 1988, portanto em período anterior à Constitui-ção Federal, quando só então deixou de haver discriminação entre filhos legítimos eilegítimos’”. O trecho compreendido entre o vocábulo “deixar” até a palavra “ilegí-timos” compõe o voto divergente proferido no Superior Tribunal de Justiça, da lavrado Ministro Cesar Rocha, e está transcrito, à folha 534, no voto condutor do julga-mento nesta Turma — item 20. Relativamente ao voto do ministro Aldir PassarinhoJúnior, a desqualificação, no que tange apenas ao prequestionamento, fez-se daseguinte forma (folha 535):

22. Também aqui a menção à Magna Carta foi aligeirada e incidental,formulada nos seguintes termos (fls. 495):

A lei estava absolutamente em vigor, em consonância com o disposi-tivo constitucional. Senão ter-se-ia de ressuscitar todas as questões anterio-res às constituições.

O Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, reconheceu em passo seguinte que ovoto de desempate — do ministro Ruy Rosado —, sem adotar o entendimento dairretroatividade do texto da Carta de 1988, fez-se baseado no Diploma Maior —item 23.

A Turma é instada a pronunciar-se sobre o que se aponta, ante os termos do votocondutor do julgamento, como “seccionamento da eficácia” do voto do ministro RuyRosado, no que veio a implicar a decisão em torno do não-conhecimento do recursoespecial, mostrando-se decisivo. Peço vênia para assentar que se tem, no caso, verda-deira contradição. A um só tempo, reconheceu-se que três votos versaram, de algumaforma e em sentidos opostos, sobre a Constituição Federal de 1988 e, mesmo assim, nãorestou configurado o prequestionamento. Esta Corte vem, até mesmo, flexibilizando,em alguns casos, o instituto, contentando-se com a interposição de embargosdeclaratórios que, no caso, foram protocolados, admitindo-se, por sinal como está noitem II da ementa de folha 530, a discussão do tema:

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Processual Civil. Embargos de declaração. Contradição. Inexistência.Rejeição.

I - A adoção de fundamento diferente do voto condutor do acórdão naapreciação de uma mesma questão por um dos integrantes da Turma julgadoranão descaracteriza o julgamento majoritário.

II - A aplicação ou não da Constituição de 1988 às sucessões abertas antesde sua vigência não é premissa de fato, mas diz respeito à aplicação do direito,tornando insuscetível de ser argumentada em sede de embargos declaratórios,cuja finalidade não se presta à modificação da ratio iuris do julgado.

III - Sem haver as contradições apontadas nas razões dos embargos dedeclaração, impõe-se sua rejeição.

Está-se diante não de caso concreto em que não tenha havido prequestiona-mento, mas de exacerbação deste último, no que se considerou a referência à Consti-tuição Federal, no voto do ministro Cesar Rocha, como “de passagem assintomática”e, no voto do ministro Aldir Passarinho Júnior, como “aligeirada”, concordando-se,como já consignado, que o tema de envergadura maior foi a base do voto do ministroRuy Rosado de Aguiar. Talvez a confusão decorra da circunstância de que SuaExcelência, embora procedendo à análise sob o ângulo constitucional, fê-lo não paraaderir àqueles que dissentiram do Relator e do Ministro Barros Monteiro, mas a estesúltimos.

Entendo passível de elucidação, na via dos embargos declaratórios, a espécie,levando em conta a contradição. Provejo os declaratórios para afastá-la e aí ter comoprequestionado o tema de fundo para, conhecendo do extraordinário, provê-lo, já que ajurisprudência anterior à Carta de 1988 era no sentido de se aceitar o tratamentodiferenciado entre filhos legítimos e espúrios, quadro que alfim veio a ser afastado, emtermos de normatividade maior, pela Carta de 1988.

Provejo o extraordinário para assegurar ao recorrente o direito, com exclusividade,aos bens que lhe foram deixados pelo testador, seu bisavô.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: Sr. Presidente, com o devido respeito, vou manter omeu ponto de vista. Penso que, já antes da Constituição de 88, essa discriminação erainconstitucional.

Para efeito de argumentação, ainda que reputasse configurado o prequestiona-mento, eu repeliria o recurso extraordinário, pois entendo que já na Constituiçãoanterior, por força do princípio da igualdade, a discriminação era inconstitucional.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O caso é residual e a jurisprudência do Supremo sefez pacificada quanto à ausência da igualdade.

O Sr. Ministro Cezar Peluso: É o que sempre entendi, apesar do grande respeitoque sempre tive à jurisprudência desta Casa. Penso que a discriminação sempre foicontrária ao princípio da igualdade.

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EXTRATO DA ATA

RE 395.121-ED/PR — Relator: Ministro Carlos Britto. Embargante: CarlosRoberto de Macedo (Advogados: Reginaldo Oscar de Castro e outro). Embargados:Luiz Henrique de Macedo e outro (Advogado: Newton José de Sisti).

Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Marco Aurélio, de acordo como art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. 1ª Turma, 19-4-2005.

Decisão: Por maioria de votos, a Turma rejeitou os embargos de declaração norecurso extraordinário; vencido o Ministro Marco Aurélio, que os recebia para conhe-cer do recurso extraordinário e lhe dar provimento. Não votou o Ministro SepúlvedaPertence, Presidente, por não ter assistido ao relatório.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.

Brasília, 26 de abril de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 409.730 — PR

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Recorrente: Carlos Eduardo Jung — Recorrido: Ministério Público Federal

Ação penal — Adesão ao programa de recuperação fiscal – Refis —Lei n. 9.964/2000 — Artigo 15 — Denúncia já recebida — Suspensão dapretensão punitiva — Viabilidade. A interpretação do artigo 15 da Lein. 9.964/2000 há de se fazer à luz da garantia constitucional daretroação da norma mais benéfica ao réu, afastando-se a cláusula finaldo artigo, no que impõe, como condição, o fato de se ter aderido aoRefis em data anterior ao recebimento da denúncia, quando esta o foiantes da vigência da nova norma legal. A condição impossível é tidacomo não escrita.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro SepúlvedaPertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, porunanimidade, conhecer do extraordinário e lhe dar provimento, nos termos do votodo Relator.

Brasília, 1º de fevereiro de 2005 — Marco Aurélio, Relator.

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: O Superior Tribunal de Justiça negou acolhida apedido formulado em recurso ordinário em habeas corpus, ante fundamentos assimsintetizados (folha 203):

Direito penal. Omissão no recolhimento de contribuição previdenciária.Lei n. 9.964/2000 (artigo 15). Novatio legis in mellius. Incaracterização.

1. O que caracteriza a norma penal, enquanto norma jurídica, própria do sistemapositivo de direito em vigor, é a generalidade do preceito, em nada se confundindocom as disposições concretas e particulares de certas e determinadas pessoas.

2. Não há, assim, falar em incidência do estatuto da retroatividade penal,que tem sede na Constituição da República (artigo 5º, inciso XL) e no CódigoPenal (artigo 2º), pertinente à eficácia temporal da norma penal e, certamente,estranha à indulgentia principis, cujos atos têm destinatários certos e determina-dos, subordinada que está, por inteiro, ao poder discricionário do Estado.

3. Esta, a natureza da disposição inserta no artigo 15 da Lei n. 9.964/2000,de iniciativa exclusiva do Presidente da Republica, que tem o poder do indulto(Constituição da República, artigo 61, inciso II, alínea b, e 84, inciso XII) eproduzida em lei, pelo Congresso Nacional, que tem o poder da anistia (Consti-tuição da República, artigo 48, inciso VIII).

4. Somente os contemplados pela indulgentia principis podem invocá-la,entre os quais não se inclui aquele, cuja denúncia, que contra ele se ofertou pordelitos contra a ordem tributária, foi recebida antes da vigência da Lei n. 9.964/2000.

5. Recurso improvido.

Seguiu-se a interposição de embargos de declaração, desprovidos pelo Colegiado(folhas 218 a 228).

No extraordinário de folhas 290 a 319, interposto com alegada base na alínea a dopermissivo constitucional, articula-se com a transgressão do artigo 5º, cabeça e inciso XL,da Carta Política da República. Sustenta-se, em suma, que o recorrente, acusado da práticado delito previsto nos artigos 95, alínea d, da Lei n. 8.212/91, 168-A e 71 do CódigoPenal, tem direito ao benefício de que trata o artigo 15 da Lei n. 9.964/2000, ante aaplicação dos princípios da isonomia e retroatividade da lei penal mais favorável.Salienta-se que a adesão ao Refis antes do recebimento da denúncia, que era requisitopara ter-se jus ao favor, deixou de existir com a edição da Lei n. 10.684/2003. Afirma-seque a denúncia foi recebida em 18 de outubro de 1999 e, já na audiência de interrogató-rio, noticiou-se que a empresa Diretriz Veículos Ltda., da qual o recorrente é sócio-gerente, aderira ao Programa de Recuperação Fiscal – Refis, em 20 de abril de 2000,circunstância que estaria a assegurar ao paciente a suspensão da pretensão punitiva, coma suspensão da ação penal. Ressalta-se que a Lei n. 9.964/2000, ao atrelar a suspensão dapretensão punitiva do Estado à prévia adesão ao Refis, criou situação inusitada, gerandoinjustiça, porquanto, antes da edição do diploma legal, a única hipótese de extinção dapunibilidade era a quitação integral do débito. No entanto, quando já em curso a açãopenal e, portanto, depois do recebimento da denúncia, criou-se nova possibilidade deextinção da punibilidade, à qual não poderia ter acesso o recorrente, porque já estava emtramitação a ação contra ele proposta. Nesse passo, assevera-se (folhas 297 e 298):

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41. (...) salta aos olhos que a nova legislação (Lei 9.964/2000) configurahipótese de novatio legis in mellius, porquanto traz benefícios ao Réu e Paciente, osquais anteriormente não eram previstos, qual seja (repita-se à exaustão): a possibi-lidade de adesão ao REFIS, com o conseqüente parcelamento do débito (pois atéentão apenas era permitido o adimplemento integral em uma única parcela),suspensão da pretensão punitiva do Estado, até a final extinção da punibilidade(uma vez ocorrido o pagamento integral das parcelas do refinanciamento).

42. Por todo o exposto, tornam-se perfeitamente aplicáveis (exigíveis até)os princípios da isonomia e da retroatividade da lei mais benéfica, de formainserida na norma supra transcrita.

43. Como decorrente corolário lógico, deve assim a hipótese abrangertambém os casos ocorridos previamente à vigência da lei mais branda, em outraspalavras, aplicando-se o artigo 15 da Lei 9.964/2000 independentemente de játer sido ou não recebida a denúncia.

44. Importante ressaltar que os referidos princípios objetivam precipuamentemanter e assegurar a igualdade de tratamento a toda a coletividade, de modo aevitar privilégios em favor de determinados grupos de pessoas.

Discorre-se, longamente, sobre a controvérsia, aludindo-se a ensinamentos dou-trinários, a precedentes jurisprudenciais e aos conceitos de indulto e anistia.

O Ministério Público Federal apresentou as contra-razões de folhas 351 a 355,apontando a falta de prequestionamento, a ausência de demonstração de ofensa diretaà Carta e o acerto da conclusão adotada pela Corte de origem, uma vez que inexistentes,na espécie, os requisitos autorizadores da concessão do benefício.

O procedimento atinente ao juízo primeiro de admissibilidade encontra-se àsfolhas 357 a 359.

Em 2 de março passado, o recorrente peticionou, requerendo a concessão dehabeas corpus de ofício, com fundamento no artigo 9º da Lei n. 10.684/2003, conside-rado o precedente revelado nos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário n.357.029-3.

Deferi o pedido mediante a decisão de folhas 402 a 404, do seguinte teor:

Recurso extraordinário — Eficácia suspensiva ativa —Decreto condenatório — Afastamento temporário e precário.

1. O recorrente, com a peça de folhas 373 a 375, reportando-se ao que decididoem embargos declaratórios no Recurso Extraordinário n. 357.029-3 — quandoconcedido habeas de ofício para suspender o processo movido contra si, em cursona 2ª Vara Criminal de Curitiba, Seção Judiciária do Paraná, n. 99.0017699-5 — eevocando o artigo 9º da Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003, requereu idênticotratamento, tendo em vista o processo que motivou a interposição do recursoordinário em habeas corpus julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. Então,despachei, visando a elucidar a demora na apresentação da peça, em face deaudiência admonitória marcada para 17 de maio de 2004, isso presente o pedidoformulado às folhas 384 e 385. Veio aos autos o esclarecimento de folha 387.

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Com nova manifestação, o recorrente noticia que a citada audiência foitransferida para 31 do corrente mês e insiste no pleito de suspensão.

2. O precedente mencionado pelo recorrente o envolveu, considerado pro-cesso diverso do que deu origem ao acórdão impugnado mediante este extraordi-nário. Então, como sucessor do Ministro Maurício Corrêa na Relatoria, fiz ver:

No mérito, estes embargos declaratórios não estão a merecer acolhida.A decisão impugnada mostra-se completa, no que consigna a inaplicabili-dade, à espécie, do artigo 15 da Lei n. 9.964, de 10 de abril de 2000,porquanto, à época da adesão ao programa de parcelamento do débito, jáhavia sido recebida a denúncia. Descabe dizer que não houve o exame, comoapropriado, do texto constitucional relativo à retroatividade da lei benigna.O fenômeno ocorre nos termos da nova legislação e, no caso, a Lei n. 9.964/2000 condicionou a suspensão da pretensão punitiva do Estado à inclusãodo parcelamento no Refis em data anterior ao recebimento da denúnciacriminal. Eis o preceito do artigo 15:

Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aoscrimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de1990, e no art. 95 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, durante operíodo em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludi-dos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referidoPrograma tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

Resta a apreciação quanto à superveniência da Lei n. 10.684, de 30 demaio de 2003, no que veio a dispor sobre a matéria sem a condição temporalreferida. Eis o preceito inovador:

Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aoscrimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 dedezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoajurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluí-da no regime de parcelamento.

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspen-são da pretensão punitiva.

§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigoquando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o paga-mento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições soci-ais, inclusive acessórios.

O citado artigo 337A versa sobre a sonegação de contribuiçãoprevidenciária. Ora, a partir da interpretação sistemática dos textos e consi-derada a circunstância de que, no novo dispositivo, não se aludiu à necessi-dade de a integração ao Refis ocorrer em data anterior ao recebimento dadenúncia, compreendo a nova ordem jurídica como a dar à expressão “pre-tensão punitiva do Estado” sentido amplo, equivalendo à suspensão doprocesso e apanhando não só a fase anterior à denúncia, como também

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aquela superveniente que aconteça antes da decisão final da ação penal. Porisso, concluo que a hipótese enseja, a teor do § 2º do artigo 654 do Códigode Processo Penal, a concessão de ordem de ofício. Saliento que a referênciacontida na norma a juízes e tribunais diz respeito ao órgão judicante compe-tente para a análise do processo e, nesta fase o é o Relator, a quem cumprejulgar os embargos declaratórios interpostos contra ato monocrático.

Concedo habeas corpus de ofício aos embargantes — Carlos EduardoJung e Roberto Luiz Jung para, nos termos do artigo 9º da Lei n. 10.684, de 30de maio de 2003, determinar a suspensão do processo em curso na 2ª VaraFederal Criminal de Curitiba — Seção Judiciária do Paraná — n. 99.0017699-5,com os consectários previstos no mencionado artigo 9º.

Concedi o habeas de ofício, atuando, portanto, no campo singular, e, ante anormatividade advinda com o artigo 9º da Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003,determinei a suspensão do processo em curso na 2ª Vara Federal Criminal deCuritiba — Seção Judiciária do Paraná — n. 99.0017699-5, com os consectáriosprevistos no referido artigo 9º. A esta altura, diante até mesmo da possibilidade deconcessão de habeas de ofício, outro pronunciamento não cabe.

3. Imprimo eficácia suspensiva ativa ao recurso extraordinário para suspen-der, até a decisão final deste, a tramitação do processo revelador da ExecuçãoPenal n. 2003.056891-3 — primeira condenação — da 1ª Vara Federal Criminaldo Paraná, ficando alcançada, assim, a audiência admonitória designada para odia 31 de maio de 2004, às quinze horas.

4. Juntado aos autos o relatório parcial, colha-se o parecer da ProcuradoriaGeral da República.

5. Publique-se.

A Procuradoria-Geral da República, no parecer de folhas 422 a 439, preconiza oconhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste recurso, foramobservados os pressupostos gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por profissionalda advocacia credenciado por meio do documento de folha 47, restou protocolada noprazo assinado em lei. O acórdão concernente aos embargos de declaração foi publica-do no Diário de 18 de agosto de 2003, segunda-feira (folha 229), vindo à balha oinconformismo, mediante a utilização de fac-símile, em 1º de setembro imediato,segunda-feira (folha 230). A protocolação do original deu-se em 3 subseqüente, quarta-feira (folha 290).

Quanto ao tema de fundo, tem-se questionamento apaixonante. O recorrente viu-se processado ante denúncia recebida em 1999. Em 2000, editou-se a Lei n. 9.964, queinstituiu o Programa de Recuperação Fiscal – Refis e introduziu providências. Noartigo 15, previu-se:

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Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimesprevistos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoajurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis,desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimentoda denúncia criminal.

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão dapretensão punitiva.

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se, também:

I - a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo DistritoFederal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, normas estabelecidasnesta Lei;

II - aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13.

§ 3º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando apessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dosdébitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, quetiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento dadenúncia criminal.

Os parcelamentos versados nos artigos 12 e 13 dizem respeito a forma e alternati-va de prazos no tocante aos débitos tributários inscritos em dívida ativa com vencimen-to até 29 de fevereiro de 2000, não tendo ligação com a controvérsia deste processo.Ora, é possível, à situação penal do recorrente, cuja denúncia, considerado o crimeatinente a contribuições sociais, foi recebida em 1999, aplicar-se lei de 2000, afastan-do-se a cláusula final, que coloca como limite para ter-se a suspensão da pretensãopunitiva do Estado a adesão ao Refis antes do recebimento da denúncia criminal? OSuperior Tribunal de Justiça respondeu negativamente. Observem-se, no entanto, osparâmetros revelados pelo sistema jurídico constitucional bem como a interpretaçãoteleológica do novo texto legal concernente à suspensão da pretensão punitiva, semdesprezar-se, ante a força inafastável da ordem natural das coisas, a ineficácia decláusulas que encerrem condição impossível.

Sob o ângulo do conflito de leis no tempo, conta-se, relativamente às de naturezapenal, com regra a favorecer o réu. Consubstancia garantia constitucional do rol do artigo5º do Diploma Maior que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” — incisoXL. Deve-se conferir a maior eficácia a esse preceito, submetendo a ele as de naturezaordinária. Vale dizer: na interpretação e na hermenêutica, levar-se-á em conta o queprevisto na Carta da República, isso ao se voltarem para a elucidação do alcance de normaordinária. O artigo 15 da Lei n. 9.964, de 2000, situado entre o trato embrionário da glosapenal, evoluindo o contribuinte, a partir da Lei n. 4.729/65, e o ápice até aqui atingido,Lei n. 10.684/03, há de merecer interpretação teleológica. Previu-se a suspensão dapretensão punitiva do Estado pela manifesta intenção de se liquidar o débito tributário,aderindo-se ao Refis. Aí, para se estimular tal adesão, consignou-se, ao término da cabeçado artigo, como condição para a suspensão da pretensão punitiva, a inclusão no Programade Refinanciamento em data anterior à denúncia criminal. Extraio do artigo 15,

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perquerindo o objetivo almejado, a regra-comando da suspensão da pretensão punitiva,em face da adesão ao Refis. Tomo a cláusula final, consoante já consignado, como aincentivar a inclusão imediata, levando aqueles em débito a buscarem a solução daspendências. Em outras palavras, não há campo para a observância do limite quando estenão se mostra passível de surgir, ou seja, quando já recebida, em data anterior à própria lei,a denúncia. A não ser assim, ter-se-á dispositivo benéfico ao réu que, mediante lançamen-to de expressão, mostrar-se-á imune ao norte constitucional da retroação da lei penal maisfavorável. Sendo pacífico que a segunda condição imposta jamais poderia ser preenchidapelo recorrente, porquanto recebida a denúncia em data pretérita, cumpre enquadrá-lacomo impossível e, aí, afastá-la do caso.

Conheço e provejo o recurso extraordinário para conceder a ordem pleiteada,suspendendo a pretensão punitiva do Estado no processo em curso contra o recorrentena 1ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de Curitiba, revelador da Ação Penalautuada sob o n. 99.0022105-2. É como voto na espécie.

VOTO

O Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Presidente): Também acompanho o MinistroRelator, sobretudo em função de que o limite processual da adesão ao Refis antes dorecebimento da denúncia foi abolido pela Lei 10.684/2003.

EXTRATO DA ATA

RE 409.730/PR — Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Carlos EduardoJung (Advogado: Mauricio Sagboni Montanha Teixeira). Recorrido: Ministério Públi-co Federal.

Decisão: A Turma conheceu do recurso extraordinário e lhe deu provimento, nostermos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Brasília, 1º de fevereiro de 2005 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 422.941 — DF

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso

Recorrente: Destilaria Alto Alegre S.A. — Recorrida: União

Constitucional. Econômico. Intervenção estatal na economia: regu-lamentação e regulação de setores econômicos: normas de intervenção.Liberdade de iniciativa. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º.

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I - A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação eregulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios efundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livreiniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º,IV; art. 170.

II - Fixação de preços em valores abaixo da realidade e emdesconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livreexercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livreiniciativa.

III - Contrato celebrado com instituição privada para o estabeleci-mento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixaçãodos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabourealizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniaisao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizarpor parte do poder público. CF, art. 37, § 6º.

IV - Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive medianteperícia técnica.

V - RE conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por votação majoritá-ria, conhecer do recurso extraordinário e dar-lhe provimento nos termos do voto doRelator. Vencido, em parte, o Ministro Joaquim Barbosa, nos termos do voto queproferiu. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Ministra Ellen Gracie e oMinistro Gilmar Mendes.

Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: O acórdão recorrido, proferido pela SegundaTurma do Eg. Superior Tribunal de Justiça, está assim ementado:

“Direito econômico. Intervenção do estado no domínio econômico. Tabela-mento. Preço único. Setor sucro-alcooleiro. Congelamento de preços. Planoseconômicos. IAA – Instituto do Álcool e do Açúcar. Apuração de custo deprodução pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Indenização pleiteada porprejuízo ocasionado por política de fixação de preços em desacordo com oscritérios do art. 9º da lei n. 4.870/65.

I - O exercício da atividade estatal, na intervenção no domínio econômico,não está jungido, vinculado, ao levantamento de preços efetuado por órgãotécnico de sua estrutura administrativa ou terceiro contratado para esse fim

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específico; isto porque há discricionariedade do Estado na adequação das neces-sidades públicas ao contexto econômico estatal; imprescindível a conjugação decritérios essencialmente técnicos com a valoração de outros elementos de econo-mia pública.

II - O tabelamento de preços não se confunde com o congelamento, que épolítica de conveniência do Estado, enquanto intervém no domínio econômicocomo órgão normativo e regulador do mercado, não havendo quebra do princípioda proporcionalidade ao tempo em que todo o setor produtivo sofreu as conse-qüências de uma política econômica de forma ampla e genérica;

III - Apesar de inviável, em sede de recurso especial, a quantificação dosdanos sofridos pelas usinas e engenhos de açúcar — com a fixação de preçosúnicos para o setor sucroalcooleiro, decorrente de tabelamento de preço —porque implica em reexame de prova vedado pela Súmula n. 07/Colendo Superi-or Tribunal de Justiça, é possível a discussão da legalidade dos critérios exterio-rizadores da defasagem do setor.” (Fl. 651)

Rejeitaram-se os embargos de declaração opostos (fls. 734-747).

Daí o recurso extraordinário, interposto pela Destilaria Alto Alegre S.A.,fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art. 37,§ 6º, da mesma Carta, sustentando, em síntese, o seguinte:

a) ocorrência, na hipótese, de responsabilidade objetiva da União, dado que o atoestatal que fixou os preços dos produtos sucroalcooleiros em valores inferiores ao levanta-mento de custos realizados pela Fundação Getúlio Vargas causou, consoante demons-trado nos autos e reconhecido pelo acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região,dano à recorrente. Ademais, “ainda que os critérios da Lei n. 4.870/65 não fossemobrigatórios, como pretende o acórdão ora recorrido, serviram eles para o levanta-mento do preço que deveria ser fixado pelo IAA, à base dos estudos realizados pelaFundação Getúlio Vargas, contratada por aquele Instituto com tal finalidade” (fl. 753);

b) o dano sofrido pela recorrente, a despeito de decorrer de legítima atividadeestatal de intervenção no domínio econômico, deve ser indenizado, tendo em vista odisposto no art. 37, § 6º, da Constituição, valendo salientar que, para a configuração daresponsabilidade objetiva, consoante entendimento desta Corte (RE 113.587/SP, RE217.389/SP), basta a ocorrência do dano, da ação administrativa e do nexo causal entreo dano e a ação;

c) o recurso especial sequer poderia ter sido conhecido, conforme a Súmula 126/STJ, haja vista a ausência de interposição de recurso extraordinário para impugnar ofundamento constitucional do acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Admitido o recurso, subiram os autos.

A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo ilustre Subprocura-dor-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira, opinou pelo provimentodo recurso extraordinário.

Autos conclusos em 3-3-2005.

É o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): A espécie é esta: a sentença de primeirograu julgou procedente a ação ajuizada pela Destilaria Alto Alegre, para condenar aUnião a indenizar os prejuízos advindos da intervenção do Poder Público no domínioeconômico, que resultou na fixação de preços, no setor sucroalcooleiro, abaixo dosvalores apurados e propostos pelo Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool.

A União recorreu, mas o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Relator oeminente Juiz Tourinho Neto, negou provimento à apelação.

Destaco do acórdão do Regional:

“(...)

Os preços dos produtos sucro-alcooleiros eram, de acordo com a Lei n.4.870, de primeiro de dezembro de 1965, fixados pelo então Instituto do Açúcare do Álcool. Lei esta que indicava os critérios a serem obedecidos, sendo que o art.9º tratava do levantamento dos custos. Assim dispunha esse artigo:

‘O IAA, quando do levantamento dos custos de produção agrícola eindustrial, apurará, em relação às usinas das regiões Centro-Sul e Norte-Nordeste, as funções custo dos respectivos fatores de produção, para vigora-rem no triênio posterior.

§ 1º As funções custo a que se refere este artigo serão valorizadasanualmente, através de pesquisas contábeis e de outras técnicas comple-mentares, estimados, em cada caso, os fatores que não possam ser objetos demensuração física.

§ 2º Após o levantamento dos custos estaduais, serão apurados o customédio nacional ponderado e custos médios regionais ponderados, observa-dos, sempre que possível, índices mínimos de produtividade.

§ 3º O IAA promoverá, permanentemente, o levantamento dos custosde produção, para o conhecimento de suas variações, ficando a cargo do seuórgão especializado a padronização obrigatória da contabilidade das usinasde açúcar.’

O critério, portanto, para fixação dos preços era legal. Contratou o IAA aFundação Getúlio Vargas para proceder os levantamentos e apurar o preço dosprodutos do setor sucro-alcooleiro.

A Fundação Getúlio Vargas apurava corretamente os preços, no entanto, o IAAos estabelecia em valores inferiores, que não davam para cobrir os custos de produ-ção. O próprio Presidente desse instituto isto confessou, em ofício dirigido, em novede abril de 1987, ao Ministro de Estado da Indústria e do Comércio (v. fl. 34):

‘Os preços da cana-de-açúcar, do açúcar e do álcool são fixadosadministrativamente, mediante atos que substituem a resultante da livreação das forças de mercado. Por este motivo, os preços têm se constituído noponto de permanente fricção entre o governo e o empresariado, fenômenoque se torna mais agudo nas épocas em que a inflação se exacerba, em

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virtude de o impacto inflacionário que deriva dos preços daqueles produtosse contrapor à necessidade do estabelecimento de uma adequada remunera-ção aos produtores.’

E observava (fl. 35):

‘Explica-se, deste modo, o fato de os preços fixados para os produtossucro-alcooleiros, nos últimos anos, situarem-se abaixo das indicaçõesresultantes dos levantamentos de custos, realizados pela Fundação Getú-lio Vargas, em conseqüência de contrato firmado com esse Instituto.’ (des-taquei)

E frisou (fl. 39):

‘Essa razão pela qual, neste ofício, o Instituto do Açúcar e do Álcoolpropõe que os preços dos produtos sucro-alcooleiros sejam fixados tãopróximos quanto possível dos preços que o mercado estabeleceria, nãoestivesse o sistema produtor sob o controle governamental.’

A perícia isso comprovou. Ao responder o quinto quesito formulado pelaautora, disse o perito, contador Sílvio Caracas de Moura Júnior (fl. 388):

‘No período abrangido pela inicial, os preços fixados para os produtossucro-alcooleiros não correspondiam aos custos levantados pela FundaçãoGetúlio Vargas.’

E explicou, ao responder o primeiro quesito apresentado pela ré (fl. 393):

‘O que a Fundação Getúlio Vargas – FGV apurou, no período de marçode 1985 a outubro de 1989, foi o custo de produção para o setor sucro-alcooleiro. Ele foi apurado com base em pesquisas de campo, realizadas poramostragem estatística estratificada, assentada em grupos de empresas gran-des, médias e pequenas, com diversos graus de produtividade, que permitiamaferir custo médio da região.’

E adiante, em resposta ao quarto quesito da ré, afirmou (fl. 396):

‘O índice de reajuste de preços apurado pela Fundação Getúlio Vargas –FGV, período de março de 1985 a outubro de 1989, calcava-se no custo deprodução do setor sucro-alcooleiro, em obediência ao disposto nos arts. 9º a11 da Lei n. 4.870, de 1965.’

De tudo isto, resultou prejuízo para a autora. Respondendo o oitavo quesitoda ré, foi o perito conclusivo (fl. 400):

‘Os balanços mostram a situação econômico-financeira da empresanuma certa data. No passivo, existe um grupamento de contas denominadoPatrimônio Líquido, que é formado, também, pelos resultados obtidos pelaempresa. Quando a empresa tem lucro, o Patrimônio Líquido é aumentado e,quando há prejuízo, o Patrimônio Líquido é diminuído. Os preços de vendados produtos afetam o resultado obtido. Como se constatou no decorrerdesta perícia, os níveis de preços fixados pelo Governo provocaram frus-tração de receita, independentemente dos níveis dos custos de produção daempresa. (destaquei)

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Segundo o perito, o prejuízo da autora, ‘a preços de setembro de 1993, comos valores atualizados pelo IGP d.i da Fundação Getúlio Vargas, é de três bilhões,trezentos e quarenta e nove milhões, novecentos e setenta e nove mil cruzeirosreais e setenta e seis centavos’ (v. fls. 392 e 422 a 425).

Demonstrado está, portanto, o dano sofrido pela autora.

Dano esse decorrente da atuação do Estado. Fixou os preços do setor sucro-alcooleiro abaixo do preço de custo, contrariando a própria Lei n. 4.870, de 1965.Contratou a Fundação Getúlio Vargas para apurar os preços do produto dessesetor e não atentou para os mesmos. Qual a finalidade, então, do contrato?Dinheiro jogado fora. Dispunha a cláusula terceira do contrato (fl. 24):

‘IAA pagará à Fundação pela execução dos serviços objeto da cláusu-la primeira deste contrato o preço de Cr$ 4.025.000,00...’

Isto em outubro de 1974. Será que o Tribunal de Contas da União apurou talfato?

O nexo de causalidade entre a ação da União e o prejuízo sofrido pela autoraestá mais do que evidenciado. Cabia à ré a fixação dos preços, fixou-os, de formaobrigatória, abaixo do preço de custo, impondo, de antemão, um dano paraautora, e disso sabia porque não atentava para a apuração feita pela FundaçãoGetúlio Vargas. Demonstrou a autora o dano que efetivamente sofreu.

(...).” (Fls. 524-529)

É dizer, a instância ordinária, com base na prova dos autos, esclareceu e decidiuque a autarquia federal, deixando de lado o critério legal para apuração dos preços dosprodutos sucroalcooleiros — Lei 4.870/65 —, “estabelecia” tais preços “em valoresinferiores, que não davam para cobrir os custos de produção”, o que foi confessadopelo próprio presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool, “em ofício dirigido, emnove de abril de 1987, ao Ministro de Estado da Indústria e Comércio”.

O acórdão do Regional apóia-se, para as suas conclusões, inclusive, na períciarealizada nos autos.

O acórdão do Regional ficou resumido na seguinte ementa:

“Administrativo. Responsabilidade objetiva do Estado. Indenização. Pre-ços dos produtos do setor sucro-alcooleiro fixados abaixo do preço de custo. Lein. 4.870, de 1º de dezembro de 1965.

1. A União fixou os preços do setor sucro-alcooleiro abaixo do preço decusto, em desacordo com os preços encontrados pela Fundação Getúlio Vargas, e,assim, contrariou a Lei n. 4.870, de 1965.

2. O Governo não pode estabelecer uma política que cause prejuízos aosparticulares, de tal maneira que possa levá-los à falência, e assim, o Estado respondepelos danos causados, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

3. Inexistência na hipótese de subsídios à custear.

4. A correção monetária, já é ponto pacífico na jurisprudência, deve incidira partir da ocorrência do dano, e não da data do ajuizamento da ação.

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5. Os juros moratórios devem ter o início da contagem a data da verificaçãodo dano, e não a partir da citação. É jurisprudência do Superior Tribunal deJustiça consolidada na súmula 54.” (Fl. 534)

Acontece que, em recurso especial, o acórdão do Regional Federal foi reformadopelo Superior Tribunal de Justiça, assim ementado o acórdão:

“Direito econômico. Intervenção do Estado no domínio econômico. Tabe-lamento. Preço único. Setor sucro-alcooleiro. Congelamento de preços. Planoseconômicos. IAA – Instituto do Álcool e do Açúcar. Apuração de custo deprodução pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Indenização pleiteada porprejuízo ocasionado por política de fixação de preço em desacordo com oscritérios do art. 9º da Lei n. 4.870/65.

I - O exercício da atividade estatal, na intervenção no domínio econômico,não está jungido, vinculado, ao levantamento de preços efetuado por órgãotécnico de sua estrutura administrativa ou terceiro contratado para esse fimespecífico; isto porque há discricionariedade do Estado na adequação das neces-sidades públicas ao contexto econômico estatal; imprescindível a conjugação decritérios essencialmente técnicos com a valoração de outros elementos de econo-mia pública.

II - O tabelamento de preços não se confunde com o congelamento, que épolítica de conveniência do Estado, enquanto intervém no domínio econômicocomo órgão normativo e regulador do mercado, não havendo quebra do princí-pio da proporcionalidade ao tempo em que todo o setor produtivo sofreu asconseqüências de uma política econômica de forma ampla e genérica.

III - Apesar de inviável, em sede de recurso especial, a quantificação dosdanos sofridos pelas usinas e engenhos de açúcar — com a fixação de preçosúnicos para o setor sucro-alcooleiro, decorrente de tabelamento de preço —porque implica em reexame de prova vedado pela Sumula n. 07/Colendo Superi-or Tribunal de Justiça, é possível a discussão da legalidade dos critérios exterio-rizadores da defasagem do setor.” (Fl. 651)

Rejeitaram-se os embargos de declaração.

Daí o presente recurso extraordinário — CF, art. 102, III, a —, com alegação deofensa ao art. 37, § 6º, da mesma Carta.

Oficiando nos autos, assim se pronunciou a Procuradoria-Geral da República, fls.782-787, parecer lavrado pelo ilustre Subprocurador-Geral, Dr. Eitel Santiago de BritoPereira:

“(...)

5. Em síntese, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que fixação depreços, no setor sucro-alcooleiro, abaixo dos valores apurados e propostos peloInstituto Nacional do Álcool e Açúcar não foi ilícita. Decorreu do poder que tinhao Estado de intervir no domínio econômico. Daí não ter a recorrente direito àindenização pelos prejuízos sofridos com tal medida.

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6. Mas tal exegese não é a que melhor se extrai do artigo 37, § 6º, da LeiMaior. Com efeito, Celso Ribeiro Bastos, discorrendo sobre o fundamento daresponsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, ensina que:

‘(...) o Estado está sempre voltado para o atingimento de finalidadesdirigidas ao bem-estar geral, e desse seu atuar pode derivar como subprodutoindesejável a causação de danos. Danos esses que se tornam inevitáveis parao atingimento de certos fins. Ocorre que, por vezes, a realização destes implicao sacrifício de um direito particular que, embora deva ceder em nome dointeresse público, não deixa de merecer indenização. Não seria hoje lícitofazer prevalecer o interesse particular sobre o interesse público.

‘Assim sendo, vê-se que a idéia da responsabilidade pelos danoscausados, ou da responsabilidade patrimonial, ou, ainda, da responsabilida-de extracontratual, não derivada dos contratos, e, portanto, decorrente damera atuação administrativa, vincula-se à própria noção do Estado de Direi-to. Este impõe que o Estado seja responsável pelo resultado prejudicial dosatos que realize.

‘Portanto, torna-se de menor importância o saber se o ato foi praticadocom culpa ou sem culpa, se era lícito ou ilícito; o que ocorre é que emdecorrência do Estado de Direito, do Estado controlado e submetido aodireito, não resulta aceitável a causação de danos, a incidência de lesõessobre alguns, decorrentes do exercício de uma atividade estatal que procurao bem-estar de todos sem o preço da sobrecarga de alguns.

‘Em síntese, a ação estatal está hoje adstrita a esse dever de não serprodutora de danos aos particulares. Toda vez que isso ocorrer, dá-se umencargo do Estado consistente em recompor o prejuízo causado. São poispressupostos fundamentais para a deflagração da responsabilidade do Esta-do: a causação de um dano e a imputação deste a um comportamentoomissivo ou comissivo seu; é o denominado nexo de causalidade...’

7. Como se percebe, a Administração pode ser responsabilizada por atolícito, quando o demonstrado, como no caso, o nexo de causalidade entre a açãoestatal e o prejuízo sofrido pelo particular.

8. Aliás, o TRF da 1ª região bem destacou que:

‘Demonstrado está, portanto, o dano sofrido pela autora.

‘Dano esse decorrente da atuação do Estado. Fixou os preços do setorsucro-alcooleiro abaixo do preço de custo, contrariando a própria Lei n.4.870, de 1965. Contratou a Fundação Getúlio Vargas para apurar os preçosdo produto desse setor e não atentou para os mesmos. Qual a finalidade,então do contrato? Dinheiro jogado fora. Dispunha a cláusula terceiro docontrato (fl. 24):

‘O IAA pagará à Fundação pela execução dos serviços objeto dacláusula primeira deste contrato o preço de Cr$ 4.025.000,00...’

‘Isto em outubro de 1974. Será que o Tribunal de Contas da Uniãoapurou tal fato?

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‘O nexo de causalidade entre a ação da União e o prejuízo sofrido pelaautora está mais do que evidenciado. Cabia à ré a fixação dos preços, fixou-os, de forma obrigatória, abaixo do preço de custo, impondo, de antemão,um dano para autora, e disso sabia porque não atentava para a apuração feitapela Fundação Getúlio Vargas. Demonstrou a autora o dano que efetiva-mente sofreu.

‘Não recebia, por outro lado, a autora subsídios. É a afirmativa doperito. ‘Os subsídios dados ao setor sucro-alcooleiro, no período 1985/1989, eram específicos para as unidades produtoras existentes nas regiõesNorte/Nordeste’ (fl. 402). A autora é empresa paulista. A ré não fez, ademais,nenhuma prova de que tenha a autora recebido subsídio.

‘O Governo não pode estabelecer uma política que cause prejuízos aosparticulares, de tal maneira que possa levá-los à falência. O Estado respondeobjetivamente pelos danos causados, nos termos do art. 37, § 6º da Consti-tuição. E, in casu, o Governo desobedeceu a lei. Com prioridade, disse aautora (fl. 491):

‘A lei estabelece critérios a serem atendidos pelo ato administra-tivo de fixação de preços. Ao Executivo cabe cumprir as determina-ções da lei. O ato praticado é ato vinculado que não pode desatenderaos ditames legais, se tal ocorrer, como no caso concreto ocorreu, o atose torna ilícito e viciado, dando ensejo à responsabilidade civil doEstado.’

‘Não deu a sentença pela indenização correspondente ao período dejunho de 1987 a outubro de 1989, sob o seguinte fundamento (fl. 453):

‘Como se disse precedentemente, cabe à ré indenizar o prejuízocausado à autora. Mas somente no período de março/85 até maio/87,conforme os valores indicados pelo período no Anexo 5-A do laudo(fl. 422). Isto porque a partir de junho/87, diversas políticas de conge-lamento de preços foram adotadas no País, desvinculando, assim, afixação dos preços do álcool e do açúcar pelo levantamento de custosde produção pela FGV.’

‘A autora insurgiu-se contra essa afirmativa com justa razão. O art. 1ºdo Decreto-lei n. 2.335, de 12 de junho de 1987, estabeleceu o congelamen-to de preços pelo prazo de noventa dias, durante os meses de junho a agosto.Escoado esse prazo, cessou o congelamento, seguindo-se uma fase deflexibilização. Mas durante esse congelamento, os preços que deveriamvigorar seriam os encontrados pela Fundação Getúlio Vargas. Quanto aospreços sujeitos a controle oficial, como os do setor sucro-alcooleiro, o art. 6ºdesse Decreto-lei previa o seguinte:

‘Na fase de flexibilização, os preços sujeitos a controle oficialpoderão ter reajuste, para mais ou para menos, em função das variaçõesnos custos de produção e na produtividade.’

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‘Logo, nesse período de flexibilidade, o Governo deveria obedecer aLei n. 4.870, de 1965, fixando de acordo com os critérios estabelecidos nosart. 9º a 11, não podendo nunca os preços serem inferiores aos custos.’ (fls.528/531).

9. Em suma, segundo a jurisprudência do STF, é objetiva e funda-se na teoriado risco administrativo a responsabilidade civil do Estado. Assim, ressalvadas ashipóteses de abrandamento ou de exclusão por comprovada culpa concorrente ouexclusiva do particular, fica configurada a obrigação de indenizar quando a açãoadministrativa, mesmo sendo lícita, causou prejuízos ao administrado.

10. Desta forma, como o acórdão se afastou da mencionada orientação,eximindo a pessoa jurídica de direito público do dever de ressarcir os prejuízoscausados ao particular, exsurge a ofensa ao preceito constitucional (art. 37, § 6º),que justifica sua reforma, através do provimento do recurso extraordinário inter-posto (art. 102, III, a, da CF).

(...).” (Fls. 784-787)

Está correto o parecer.

O RE é de ser conhecido e provido.

De fato, o texto constitucional de 1988 é claro ao autorizar a intervenção estatalna economia por meio da regulamentação e da regulação de setores econômicos.Entretanto, o exercício de tal prerrogativa deve se ajustar aos princípios e fundamentosda Ordem Econômica, nos termos do art. 170 da Constituição.

Assim, a faculdade atribuída ao Estado de criar normas de intervenção estatal naeconomia (Direito Regulamentar Econômico, na lição de Bernard Chenot e AlbertoVenâncio Filho, “Droit public économique”, Dictionnaire des Sciences Économiques,1958, pp. 420-423 e A intervenção do Estado no domínio econômico. O direito econômicono Brasil, 1968, respectivamente) não autoriza a violação ao princípio da livre iniciativa,fundamento da República (art. 1º) e da Ordem Econômica (art. 170, caput).

No caso, a fixação de preços a serem praticados pela Recorrente, por parte doEstado, em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicá-vel ao setor constitui-se em sério empecilho ao livre exercício da atividade econômica,em desrespeito ao princípio da liberdade de iniciativa.

Ademais, o estabelecimento de regras bem definidas de intervenção estatal naeconomia e sua observância são fundamentais para o amadurecimento das instituiçõese do mercado brasileiros, proporcionando a necessária estabilidade econômica queconduz ao desenvolvimento nacional.

No caso, o Estado, entendendo por bem fixar os preços do setor, elaborou legisla-ção em que estabelecia parâmetros para a definição daqueles. Celebrou contrato comInstituição privada, para que essa fizesse levantamentos que funcionariam comoembasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Mesmo assim, fixava-os emvalores inferiores. Essa conduta, se capaz de gerar danos patrimoniais ao agenteeconômico, no caso, a Recorrente, por si só, acarreta inegável dever de indenizar (art.37, § 6º).

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O dever de indenizar, por parte do Estado, no caso, decorre do dano causado eindepende do fato de ter havido ou não desobediência à lei específica. A intervençãoestatal na economia encontra limites no princípio constitucional da liberdade deiniciativa, e o dever de indenizar (responsabilidade objetiva do Estado) é decorrente daexistência do dano atribuível à atuação do Estado.

Em caso semelhante, RE 368.558/DF, por mim relatado, interposto contra decisãoda Quarta Turma do Eg. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que deu provimentoà apelação para estabelecer a responsabilidade objetiva do Estado pela fixação depreços do setor sucroalcooleiro abaixo do preço de custo e em desacordo com ospreços encontrados pela Fundação Getúlio Vargas, acolhi o parecer da ilustreSubprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Cureau, que mencionava a existên-cia de evidente nexo de causalidade entre o dano e a conduta da Administração,“que, agindo contra a lei, fixou preços do setor em níveis incompatíveis com oscustos de produção”.

Nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, as pessoas jurídicas de direito públicorespondem pelos danos que causem a terceiros, decorrendo o dever de indenizar.

No julgamento do RE 113.587/SP, por mim relatado, RTJ 140/636, citado, aliás,pela Procuradoria-Geral da República, decidiu esta 2ª Turma:

“Ementa: Constitucional. Civil. Reponsabilidade civil do Estado. CF,1967, art. 107. CF/88, art. 37, § 6º.

I - A responsabilidade civil do Estado, responsabilidade objetiva, com baseno risco administrativo, que admite pesquisa em torno da culpa do particular, parao fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese,diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desdeque haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. A consideração nosentido da licitude da ação administrativa é irrelevante, pois o que interessa, éisto: sofrendo o particular um prejuízo, em razão da atuação estatal, regular ouirregular, no interesse da coletividade, é devida a indenização, que se assenta noprincípio da igualdade dos ônus e encargos sociais.

II - Ação de indenização movida por particular contra o Município, emvirtude dos prejuízos decorrentes da construção de viaduto. Procedência da ação.

III - RE conhecido e provido.” (Fl. 668)

Destaco do voto que então proferi:

“(...)

Em trabalho doutrinário que escrevi sobre o Tema (Responsabilidade Civildo Estado, Rev. de Informação Legislativa, 96/233), lembrei que a teoria do riscoadministrativo fez surgir a responsabilidade objetiva do Estado. Segundo essateoria, o dano sofrido pelo indivíduo deve ser visualizado como conseqüência dofuncionamento do serviço público, não importando se esse funcionamento foibom ou mau. Importa, sim, a relação de causalidade entre o dano e o ato do agentepúblico. É que, segundo a lição de Caio Mário da Silva Pereira, com apoio em

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Amaro Cavalcanti, Pedro Lessa, Aguiar Dias, Orozimbo Nonato e Mazeaud etMazeaud, positivado o dano, ‘o princípio da igualdade dos ônus e dos encargosexige a reparação. Não deve um cidadão sofrer as conseqüências do dano. Se ofuncionamento do serviço público, independentemente da verificação de suaqualidade, teve como conseqüência causar dano ao indivíduo, a forma democrá-tica de distribuir por todos a respectiva conseqüência conduz à imposição àpessoa jurídica do dever de reparar o prejuízo, e, pois, em face de um dano, énecessário e suficiente que se demonstre o nexo de causalidade entre o atoadministrativo e o prejuízo causado.’ (Caio Mário da Silva Pereira, ‘Institui-ções de Dir. Civil’, Forense, 1961, I/466, n. 116). George Vedel leciona que odano causado pela Administração ao particular ‘é uma espécie de encargo públi-co que não deve recair sobre uma só pessoa, mas que deve ser repartido por todos,o que se faz pela indenização da vítima, cujo ônus definitivo, por via do imposto,cabe aos contribuintes.’ (G. Vedel e P. Delvolve, Droit Administratif, PressesUniversitaires de France, 9ª ed., 1984, pp. 448-449). Para L. Duguit, a atividadedo Estado se exerce no interesse de toda a coletividade; as cargas que delaresultam não devem pesar mais fortemente sobre uns e menos sobre outros. Se, daintervenção do Estado, assim da atividade estatal, resulta prejuízo para alguns, acoletividade deve repará-lo, exista ou não exista culpa por parte dos agentespúblicos. É que o Estado é, de um certo modo, assegurador daquilo que sedenomina, freqüentemente, de risco social, ou o risco resultante da atividadesocial traduzida pela intervenção do Estado. (L. Duguit, Las TransformacionesDel Derecho Publico, Madri, 2ª ed., pp 306 e ss.).

Na linha das opiniões acima indicadas, as lições de Celso Antônio Ban-deira de Mello (‘Elementos de Direito Administrativo’, Ed. Revista dos Tribu-nais, 1980, ps. 252-253), Yussef Said Cahali (Responsabilidade Civil do Estado,Ed. Revista dos Tribunais, 1982) e Weida Zancaner Brunini (Da Responsabi-lidade Extracontratual da Administração Pública, Ed. Revista dos Tribunais,1981).

Pode-se afirmar, em síntese, que a responsabilidade civil do Estado, respon-sabilidade objetiva, com base no risco administrativo, que admite pesquisa emtorno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabi-lidade do Estado, ocorre, em síntese, vale repetir, diante dos seguintes requisitos:a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja nexo causal entre o danoe a ação administrativa.

Ora, o acórdão recorrido deixa expresso que os requisitos acima indicadosestão presentes, no caso.

Todavia, negou a reparação do dano, assentando o entendimento sobre osfundamentos sintetizados à fl. 280, já transcritos neste voto e que são os seguintes:a) o prejuízo não decorreu de ato ilícito. O argumento, entretanto, não temprocedência. É que a responsabilidade objetiva do poder público, com base nateoria do risco administrativo, não exige que a ação administrativa causadora dodano seja ilícita. Celso Antônio Bandeira de Mello, ao examinar o fundamento da

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responsabilidade do Estado, não obstante entender que ele se biparte - pois, ‘nocaso de comportamentos ilícitos, comissivos ou omissivos, o dever de reparar odano é contrapartida da violação da legalidade’ - deixa claro, no que concerne aosatos lícitos, que ‘o fundamento da responsabilidade estatal é a idéia de igualdadedos cidadãos perante os encargos públicos, repartindo-se os ‘ônus provenientesdos atos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasiãodo exercício de atividade desempenhada no interesse de todos.’(Celso AntônioBandeira de Mello, ob. cit., p. 260). A lição, bem se vê, está na linha dasopiniões anteriormente invocadas. Argumenta, ainda, o acórdão, que c) tendo oprejuízo ‘decorrido de atividade administrativa lícita, objetivou o interesse dacoletividade, interesse presumido e ínsito ao tipo de conglomerado humanoconstituído no grande centro.’ O raciocínio esboroa-se, entretanto, data venia,frente às lições transcritas. Vale invocar Pedro Lessa: ‘desde que um particularsofre um prejuízo, em conseqüência do funcionamento (regular ou irregular,pouco importa) de um serviço organizado no interesse de todos, a indenizaçãoé devida. Aí temos um corolário lógico do princípio da igualdade dos ônus eencargos sociais.’ (Pedro Lessa, Do Poder Judiciário, pp. 163 e 165). Diz maiso acórdão: d) o prejuízo não teria afetado ‘singularmente a uma pessoa ou a umpequeno grupo de pessoas’, que e) ‘não existe o menor indício de que a obrapudesse ser desnecessária ou que aquilo a que objetivava pudesse vir a serobtido por outras vias menos onerosas’, que f) ‘não se constitui o prejuízo emfato anômalo no grande centro urbano, onde zoneamentos são modificados,bairros envelhecem rapidamente, moradias são derrubadas, novas zonasresidenciais surgem, numa modificação contínua e incessante’ e que g) ‘não háconflito entre interesses privados, mas entre um interesse privado e um interessepúblico, com primazia para este.’

Os argumentos acima transcritos ou são irrelevantes, diante da doutrina daresponsabilidade objetiva do Estado, com base na teoria do risco administrativo,ou provam demais.

(...).” (Fls. 674-677)

No caso, o acórdão recorrido ignorou os prejuízos causados à recorrida pelo poderpúblico, prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia. Igno-rou, olimpicamente, os prejuízos, ao curioso argumento de que assiste ao Estado opoder discricionário “na adequação das necessidades públicas ao contexto econômi-co estatal”. É dizer, com base nessa discricionariedade inadmissível num Estado deDireito, é possível ao Estado, ao intervir no domínio econômico, desrespeitar liberda-des públicas e causar prejuízos aos particulares, impunemente.

Esclareça-se, ao cabo — quase em termos de repetição —, que não se trata, no caso,de submeter o interesse público ao interesse particular da Recorrente. A ausência de regrasclaras quanto à política econômica estatal, ou, no caso, a desobediência aos própriostermos da política econômica estatal desenvolvida, gerando danos patrimoniais aosagentes econômicos envolvidos, são fatores que acarretam insegurança e instabilidade,desfavoráveis à coletividade e, em última análise, ao próprio consumidor.

Em face do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento.

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EXTRATO DA ATA

RE 422.941/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrente: Destilaria AltoAlegre S.A. (Advogados: Hamilton Dias de Souza e outro). Recorrida: União (Advoga-do: Advogado-Geral da União).

Decisão: Depois do voto do Ministro Relator, conhecendo e dando provimentoao recuso extraordinário, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vistaformulado pelo Ministro Joaquim Barbosa. Falou, pela recorrente, o Dr. Hamilton Diasde Souza e, pela União, o Dr. Moacir Antônio Machado da Silva. Ausente, ocasional-mente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Compareceu à Turma oMinistro Nelson Jobim, Presidente do Tribunal, a fim de julgar processo a ele vinculado,assumindo, nesta ocasião, a Presidência da Turma, de acordo com o art. 148, parágrafoúnico, do RISTF. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto daNóbrega.

Brasília, 31 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

VOTO (Vista)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Trata-se de recurso extraordinário interposto porDestilaria Alto Alegre S.A. de acórdão do Superior Tribunal de Justiça acerca daresponsabilidade da União por prejuízos decorrentes da diferença entre os valores dospreços fixados pelo governo federal para a indústria sucroalcooleira, diferença essadeterminada pela Lei 4.870/1965, no período de março de 1985 a outubro de 1989, emmontante inferior ao apurado pelo Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA e pelaFundação Getúlio Vargas – FGV.

Na ação de indenização, a autora argumenta que, naquele período, a indústriasucroalcooleira sofria rígida intervenção do governo federal em todas as etapas deprodução, inclusive com a fixação do preço de venda do produto conforme critériosdefinidos em lei — tarefa que incluía a aferição periódica do custo da produção. Ocorreque o preço determinado pelo governo era bem inferior ao custo da produção, o queacarretou prejuízos financeiros à indústria.

A autora fundamenta o pedido na responsabilidade objetiva do Estado, argumen-tando:

“[...] o Poder Público, no Brasil, responde civilmente não apenas em razãoda prática de atos ilícitos (vale dizer, contrários ao Direito) mas também se causardano ao particular mediante atos lícitos desde que haja nexo causal entre eles eum prejuízo especial e anormal.” (Fls. 08-09)

O pedido foi concedido tanto em primeira instância como pelo Tribunal RegionalFederal da 1ª Região.

O Superior Tribunal de Justiça, contudo, conheceu do recurso especial da Uniãoe deu-lhe provimento. A Ministra Relatora ponderou que os critérios de fixação de

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preços eram legais, todavia deveriam ser agregados a outros elementos não expressa-mente inseridos na Lei 4.870/1965, tais como os critérios de política econômicaexigidos pela conjuntura. Eis a ementa dessa decisão (fl. 651):

“Direito econômico. Intervenção do Estado no domínio econômico. Tabe-lamento. Preço único. Setor sucro-alcooleiro. Congelamento de preços. Planoseconômicos. IAA – Instituto do Álcool e do Açúcar. Apuração de custo deprodução pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Indenização pleiteada porprejuízo ocasionado por política de fixação de preços em desacordo com oscritérios do art. 9º da Lei n. 4.870/65.

I - O exercício da atividade estatal, na intervenção no domínio econômico,não está jungido, vinculado, ao levantamento de preços efetuado por órgão técnicode sua estrutura administrativa ou terceiro contratado para esse fim específico; istoporque há discricionariedade do Estado na adequação das necessidades públicas aocontexto econômico estatal; imprescindível a conjugação de critérios essencial-mente técnicos com a valoração de outros elementos de economia pública.

II - O tabelamento de preços não se confunde com o congelamento, que épolítica de conveniência do Estado, enquanto intervém no domínio econômicocomo órgão normativo e regulador do mercado, não havendo quebra do princípioda proporcionalidade ao tempo em que todo o setor produtivo sofreu as conseqüên-cias de uma política econômica de forma ampla e genérica.

III - Apesar de inviável, em sede de recurso especial, a quantificação dosdanos sofridos pelas usinas e engenhos de açúcar — com a fixação de preçosúnicos para o setor sucro-alcooleiro, decorrente de tabelamento de preço —porque implica em reexame de prova vedado pela Súmula n. 07/Colendo Superi-or Tribunal de Justiça, é possível a discussão da legalidade dos critérios exterio-rizadores da defasagem do setor.”

Os embargos de declaração foram rejeitados, em decisão cuja ementa tem oseguinte teor (fl. 747):

“Processual Civil e Administrativo. Recurso especial. Embargos de decla-ração. Contradição, omissão e obscuridade. Preços do setor sucro-alcooleiro.Fixação. FVG – Fundação Getúlio Vargas. IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool.

1. O Acórdão embargado, expressamente, adota o entendimento segundo oqual, ainda que tenha contratado os serviços da FGV para o levantamento doscustos de produção do setor sucro-alcooleiro, não ficou o Poder Público vincula-do aos dados oferecidos, nada impedindo que fossem devidamente passados aocrivo do seu corpo técnico especializado, com larga experiência na área, ou aindafazê-lo através de terceiro.

2. O voto-condutor do Acórdão embargado não restou omisso, obscuro oucontraditório, eis que decidiu a questão de direito valendo-se de elementos quejulgou aplicáveis e suficientes para a solução da lide. Pode-se dele discordar,entretanto, não há como imputar a ocorrência das eivas indicadas nos aclaratórios.

3. Pretensão de rejulgamento da causa, e não mera integração do acórdão.

4. Embargos declaratórios rejeitados.”

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Dessa decisão, interpôs-se o presente recurso extraordinário.

Alega-se que o acórdão recorrido viola o disposto no art. 37, § 6º, da Carta Magna.Sustenta-se que o Tribunal Regional Federal decidiu com base nas provas dos autos, desorte que o Superior Tribunal de Justiça não poderia ter conhecido do recurso especial,por óbice da Súmula 7 daquela Corte.

A recorrente assevera também que é lícito ao governo agir com discricionariedadee, dentro de uma política econômica, intervir diretamente na economia e fixar os preçosde produção abaixo dos custos. Contudo, nos termos do 37, § 6º, da Constituição, se elecausar prejuízos ao particular, mesmo que seja lícito o ato, tem o dever de indenizar.

O ilustre Ministro Carlos Velloso, Relator deste extraordinário, apoiado na juris-prudência da Corte, votou pelo provimento do recurso, firmando, em síntese, a respon-sabilidade objetiva do Estado pelos danos causados ao particular, ainda que decorren-tes de atos lícitos. Confira-se trecho do voto de S. Exa.:

“O dever de indenizar, por parte do Estado, no caso, decorre do danocausado e independe do fato de ter havido ou não desobediência à lei específica.A intervenção estatal na economia encontra limites no princípio constitucionalda liberdade de iniciativa, e o dever de indenizar (responsabilidade objetiva doEstado) é decorrente da existência do dano atribuível à atuação do Estado.”

Pedi vista dos autos, para proceder a exame mais acurado da controvérsia.

Senhor Presidente, para que se configure a responsabilidade civil do Estado poratos de seus agentes que venham a causar danos a terceiros, basta que exista um fato,que dele decorra um dano e que seja possível estabelecer nexo causal entre um e outro.Assim é porque, em se tratando de responsabilidade civil do Estado, a ordem constitu-cional vigente adota a teoria do risco administrativo.

Dessa forma, é irrelevante a licitude ou ilicitude do ato causador do prejuízo aoparticular; basta que tenha ocorrido dano e que este seja conseqüência de uma ação ouomissão de agente do Estado.

Portanto, concordo com o eminente Ministro Relator quando S. Exa., adotandoposicionamento anterior da Turma, proferido por ocasião do julgamento do RE113.587 (DJ de 3-4-1992), entende que o Estado é responsável pelos atos de seusagentes de que decorram danos a terceiros, mesmo quando se tratar de atos lícitos.

Por outro lado, é importante assinalar que é incontroverso nos autos o fato de queo preço final de venda dos produtos, determinado pelo governo federal, foi fixadoabaixo do preço de custo da produção.

Desde a perícia, realizada em primeira instância e na qual ficou consignado que,“no período abrangido pela inicial, os preços fixados para os produtos sucro-alcooleiros não correspondiam aos custos levantados pela Fundação GetúlioVargas” (fl. 388), até a decisão do Superior Tribunal de Justiça, não houve debatessobre a disparidade entre os preços fixados e os custos da produção sucroalcooleira. Acontrovérsia restringia-se à qualificação do fato como danoso à autora ou como apenasdecorrência natural da situação econômica conjuntural experimentada à época.

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O critério para a fixação do preço final de venda da cana-de-açúcar, do açúcar e doálcool estava previsto na Lei 4.870/1965, cujo art. 9º exigia que o índice a ser adotadoincluísse a verificação do custo da produção açucareira. O Instituto do Açúcar e do Álcoolelaborava, de acordo com o índice apurado pela Fundação Getúlio Vargas, os ofícios queseriam remetidos ao governo federal, para fixação dos preços de venda dos produtos.

Ocorre que, “não obstante reconhecesse expressamente a validade do critério deapuração dos custos e preços a serem praticados, adotado pela FGV e chanceladopelo IAA e mesmo pelo MICT, acabava o Ministério da Fazenda por determinar que ospreços a serem então praticados pelos agentes econômicos do setor fossem fixados emvalores inferiores àqueles apurados e tidos como adequados, ao que procedia funda-do exclusivamente em critérios políticos, subjetivos, atinentes a pretenso controle dainflação”1.

Esse fato é reconhecido pelo próprio IAA, como se verifica do Ofício 097/87, de9-4-1987, do presidente do IAA, endereçado ao Ministro de Estado da Indústria eComércio, juntado aos autos (fls. 34-44):

“[...]

Os preços da cana-de-açúcar, do açúcar e do álcool são fixados administra-tivamente, mediante atos que substituem a resultante da livre ação das forças demercado. Por este motivo, os preços têm se constituído no ponto de permanentefricção entre o governo e o empresariado, fenômeno que se torna mais agudo nasépocas em que a inflação se exacerba, em virtude de o impacto inflacionário quederiva dos preços daqueles produtos se contrapor à necessidade do estabeleci-mento de uma adequada remuneração aos produtores.

A maior intensidade do processo inflacionário, observada nos últimos anos,explica a adoção, pelo governo, de uma política de preços mais restritiva para osprodutos sobre os quais mantém controle absoluto.

Explica-se, deste modo, o fato de os preços fixados para os produtossucroalcooleiros, nos últimos anos, situarem-se abaixo das indicações resultantesdos levantamentos de custos, realizados pela Fundação Getúlio Vargas em conse-qüência de contrato firmado com este Instituto.” (Fls. 34-35)

O tabelamento de preços de venda para o setor sucroalcooleiro, estabelecido pelogoverno federal com o objetivo de diminuir as diferenças regionais e controlar omercado, não reservava ao particular nenhuma outra opção senão a de se adequar àsnormas impostas e comercializar seus produtos com os preços determinados peloEstado.

Contudo, o controle de preços é forma de intervenção do Estado na economia esomente pode ser considerado lícito se praticado em caráter de excepcionalidade, umavez que a atuação do Estado está limitada pelos princípios da liberdade de iniciativa ede concorrência (art. 170, caput e IV, da Constituição de 1988 e art. 157, I e V, daConstituição de 1967/1969).

1 COSTA, Mário Luiz Oliveira da. Setor Sucroalcooleiro: da rígida intervenção ao livre mercado.São Paulo: Método, 2003. p. 127.

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Não pode o governo suprimir integralmente a liberdade de concorrência e deiniciativa dos particulares sem que haja razoabilidade nessa medida, vale dizer, semque ela decorra de uma situação de anormalidade econômica tal que seja imprescindí-vel impor restrição tão radical e, por fim, desde que os preços fixados não sejaminferiores aos custos de produção.

Luis Roberto Barroso, com precisão, evidencia que “impor ao empresário avenda com prejuízo configura confisco, constitui privação de propriedade sem devidoprocesso legal (art. 5º, LIV). E mais: é da essência do sistema capitalista a obtenção dolucro. O preço de um bem deve cobrir o seu custo de produção, as necessidades dereinvestimento e a margem de lucro.”2

Verifica-se, portanto, que, quando o governo federal interveio na economiasucroalcooleira para regular a concorrência e fixar os preços finais de venda dosprodutos, o fez de maneira desarrazoada, porque impôs aos produtos preços menoresque aqueles necessários ao custeio da produção.

Cabe destacar, ademais, que, compulsando os autos, verifiquei estar o danonarrado na inicial demonstrado de forma individualizada.

A decisão de primeira instância, apoiada no item 8 do laudo pericial, concluiu terficado demonstrada “a venda do álcool com preços irreais e o prejuízo verificado noperíodo de março/85 a outubro/90” (fl. 453).

O Tribunal concluiu no mesmo sentido ao julgar a apelação interposta. Tambémtomando por fundamento a avaliação técnica, que analisou tanto os valores dos preçosfixados pela Fundação Getúlio Vargas e pelo IAA como os próprios balanços daempresa, concluiu pela existência de prejuízo:

“[...]

De tudo isso, resultou prejuízo para a autora. Respondendo o oitavo quesitoda ré, foi o perito conclusivo (fl. 400):

Os balanços mostram a situação econômico-financeira da empresanuma certa data. No passivo, existe um grupamento de contas denominadoPatrimônio Líquido, que é formado, também, pelos resultados obtidos pelaempresa. Quando a empresa tem lucro, o Patrimônio Líquido é aumentado e,quando há prejuízo, o Patrimônio Líquido é diminuído. Os preços de vendados produtos afetam o resultado obtido. Como se constatou no decorrerdesta perícia, os níveis de preços fixados pelo Governo provocaram frustra-ção de receita independentemente dos níveis dos custos de produção daempresa.” (Fls. 527-258)

Por conseguinte, verifico que o laudo pericial, que serviu de substrato tanto paraa decisão de primeira instância como para a de segunda, considerou a situação particularda Destilaria Alto Alegre S.A. na elaboração de suas conclusões, analisando o prejuízodaquela empresa de forma individualizada.

2 BARROSO, Luis Roberto. “A crise econômica e o direito constitucional.” In: Revista jurídica daProcuradoria Geral do Distrito Federal, n. 12, pp. 34-74, out./dez. 1993.

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Por outro lado, não ficou demonstrado, nos autos, elemento apto a compensar aalegada defasagem de preços dentro da política específica do setor, conforme se lê dadecisão do Tribunal Regional Federal:

“Não recebia, por outro lado, a autora subsídios. É a afirmativa do perito. ‘Ossubsídios dados ao setor sucro-alcooleiro, no período 1985/1989, eram especí-ficos para as unidades produtoras existentes nas regiões Norte/Nordeste’ (fl. 402).A autora é empresa paulista. A ré não fez, ademais, nenhuma prova de que tenha aautora recebido subsídio.” (Fl. 529)

Configurado, pois, o dano e o nexo de causalidade, impõe-se a condenação daUnião a indenizar a Destilaria Alto Alegre S.A. pelos prejuízos patrimoniais que estaexperimentou em seu faturamento decorrentes da diferença entre os valores dos preçosfixados pelo governo federal e aqueles efetivamente apurados pela Fundação GetúlioVargas e pelo Instituto do Açúcar e do Álcool.

Aqui, há de se fazer uma importante ressalva quanto ao período em que houvecongelamento de preços de forma generalizada no País — e não apenas no setorsucroalcooleiro —, ou seja, entre junho de 1987 a outubro de 1989.

O Superior Tribunal de Justiça, ao dar provimento ao recurso especial, declarou oseguinte:

“Durante o período em que vigeu a política de ‘congelamento de preços’ (enos termos da r. sentença, em referência ao Mandado de Segurança n. 83, Rel. Min.Garcia Vieira, DJ 28-08-89), não pode ser reconhecido direito a reajuste de preços,por dano ocasionado pelo Estado às empresas do setor sucro-alcooleiro.” (Fl. 615)

Ocorre que, no recurso extraordinário interposto pela destilaria, nada se argumentaespecificamente sobre esse período de tempo em que houve controle de preços. Assim,por ausência de recurso quanto a esse fundamento, entendo que a condenação somentedeva recair sobre o período compreendido entre março de 1985 e maio de 1987.

Do exposto, dou parcial provimento ao recurso extraordinário.

VOTO (Debates)

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Ministro Joaquim Barbosa, essa questãonão foi abordada?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Exatamente, não se questionou.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Então, o provimento há de ser integral.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Não.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Sim, isso não foi questionado, quer dizer,é uma questão pacífica.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O Superior Tribunal de Justiça, ao dar provimen-to ao recurso especial, declarou o seguinte: “durante o período em que vigeu a políticade congelamento de preços” — nos termos da sentença — “não pode ser reconhecidodireito a reajustes de preços, por dano ocasionado pelo Estado às empresas do setorsucroalcooleiro.”

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Ocorre que, no recurso extraordinário, interposto pela destilaria, nada se argu-menta sobre esse tópico do acórdão.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): É esse o período.

Enquanto houve o controle de preços.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: O período de congelamento. Porque o STJexcluiu esse período.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Não houve controvérsia quanto a isso.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Leio, novamente, o trecho do acórdão do STJ:“Durante o período em que vigeu a política de congelamento de preços, não pode serreconhecido direito a reajustes de preços, por dano ocasionado pelo Estado àsempresas do setor sucroalcooleiro.”

A empresa ora recorrente não impugnou esse ponto do acórdão.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): É o tempo em que a Fundação GetúlioVargas fez os levantamentos, justamente quando houve o congelamento dos preços.Esta é uma questão incontroversa.

Aqui, nos autos: “o prejuízo da autora a preços de setembro/93, com os valoresatualizados pelo IGP”. Tem até perícia nos autos.

VOTO (Confirmação)

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, mantenho o meu voto.Entendo que há um problema no fato de não ter havido a impugnação total do acórdão.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Ministro, isso é uma questão de fato. Temuma perícia nos autos apontando o dano.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Mas não posso dar provimento total ao recursoextraordinário se a parte não...

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Vossa Excelência restabelece ou não oacórdão do TRF?

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Dou provimento parcial ao recurso extraordinário.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Quer dizer que Vossa Excelência estárestabelecendo um acórdão do TRF com restrição, ou seja, com o que nele não secontém.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Exatamente, porque não houve recurso.

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Há uma sentença julgando procedente aação e um acórdão do TRF confirmando-a. O acórdão do STJ reformou o acórdão doTFR. É isto.

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Peço vênia, mas mantenho meu voto peloprovimento parcial do recurso extraordinário.

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EXTRATO DA ATA

RE 422.941/DF — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrente: Destilaria AltoAlegre S.A. (Advogados: Hamilton Dias de Souza e outro). Recorrida: União (Advo-gado: Advogado-Geral da União).

Decisão: A Turma, por votação majoritária, conheceu e deu provimento aorecurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencido, em parte, o MinistroJoaquim Barbosa, nos termos do voto que proferiu. Ausentes, justificadamente, nestejulgamento, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Gilmar Mendes.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a MinistraEllen Gracie. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Maria Caetana Cintra Santos.

Brasília, 6 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 426.183 — RJ

Relator: O Sr. Ministro Marco Aurélio

Agravante: Caixa Econômica Federal – CEF — Agravados: Roberto Tavares e outro

Recurso extraordinário — Decisão de turma recursal. O acesso aoSupremo Tribunal Federal pressupõe o esgotamento da jurisdição naorigem. Acionado pelo Relator integrante da Turma Recursal o dispostono artigo 557 do Código de Processo Civil, há de ser manuseado oagravo nele previsto, instando-se a própria Turma a apreciar o tema e aprolatar decisão passível de ser impugnada perante o Supremo TribunalFederal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, em negar provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termosdo voto do Relator.

Brasília, 16 de dezembro de 2004 — Marco Aurélio, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por meio da decisão de folha 271, neguei segui-mento ao extraordinário, consignando:

Recurso extraordinário — Decisão passível de impug-nação na origem — Impropriedade.

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1. O recurso extraordinário pressupõe o esgotamento da jurisdição na ori-gem — inciso III do artigo 102 da Constituição Federal. Nota-se que o Relator, naTurma Recursal, acionou o disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil.Contra essa decisão era cabível o agravo previsto no § 1º do citado artigo 557. Nocaso, foi realmente observada esta regra. O Relator, todavia, recebeu o agravocomo embargos declaratórios e os julgou, passando tal decisão a integrar aanterior. Surgiu oportunidade, então, para acionar-se o § 1º referido. Isso nãoocorreu, interpondo-se, de imediato, o extraordinário.

2. Ante o quadro, nego seguimento a este extraordinário.

3. Publique-se.

A Caixa, no agravo de folhas 274 a 280, evoca as Leis n. 9.099/95 e 10.259/2001,além dos Verbetes n. 25 e 26 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio deJaneiro, e sustenta que os recursos, no âmbito do Juizado, ficaram limitados ao recursode sentença definitiva e às medidas de urgência para atacar liminares. Restou autoriza-da, ainda, a utilização de embargos de declaração. Na espécie, a recorrente diz terprotocolado dois agravos inominados: um contra a sentença e o outro contra a decisãodo Relator, que foi recebido como embargos de declaração. Transcreve os Verbetes n.25 e 26 citados. No primeiro, há autorização para o Relator negar seguimento aorecurso; no segundo, prevê-se o não-cabimento de agravo para a Turma Recursal, nahipótese de decisão monocrática do Relator. Dessa forma, conclui, não havendo outrorecurso, a decisão impugnada era de última instância, mostrando-se viável o extraordi-nário. Passa a discorrer sobre o tema de fundo, relativo à impossibilidade de se procederà anulação do termo de adesão, conforme ocorrido no âmbito do Juizado Especial.

Os agravados, apesar de instados a manifestarem-se, permaneceram silentes(folha 284).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio (Relator): Na interposição deste agravo, foramobservados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscritapor profissional da advocacia credenciado mediante o documento de folha 281, restouprotocolada no qüinqüídio. Conheço.

A regência do processo nos juizados especiais faz-se no sentido de, tanto quantopossível, simplificar-se a tramitação, afastadas normas que têm conteúdo formal maior.Daí entender-se viável, na Turma Recursal, a evocação do disposto no artigo 557 doCódigo de Processo Civil, atuando o próprio Relator nos casos contemplados. Ora,assentada essa premissa, forçoso é concluir que o ato do Relator não pode ficar imuneao crivo do Colegiado. Na hipótese de recurso inominado para a Turma Recursal e a elesendo negada seqüência pelo Relator, ou julgado a partir do mencionado artigo doCódigo de Processo Civil, abre-se a via do agravo e este, no caso, não foi apresentado.Então, a decisão não se mostrou de última instância. Não houve o esgotamento dajurisdição na origem e, se pertinente o exame do Supremo Tribunal Federal, dar-se-á aquebra do próprio sistema, vindo a Corte a fazer as vezes da Turma Recursal, aprecian-do o acerto, ou desacerto, não de sentença por esta proferida, mas do ato monocrático.

Desprovejo este agravo.

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EXTRATO DA ATA

RE 426.183-AgR/RJ — Relator: Ministro Marco Aurélio. Agravante: CaixaEconômica Federal – CEF (Advogados: Alison Miranda de Freitas e outro). Agravados:Roberto Tavares e outro (Advogado: Francisco das Chagas Pereira da Silva).

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordi-nário, nos termos do voto do Relator. Unânime.

Presidência do Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os MinistrosMarco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Subprocurador-Geral daRepública, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira.

Brasília, 16 de dezembro de 2004 — Ricardo Dias Duarte, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 442.683 — RS

Relator: O Sr. Ministro Carlos Velloso

Recorrente: Ministério Público Federal — Recorridos: União, Sebastião Borgesde Lima e outro, Carla Núbia Pereira Elmir, Amaro Danilevicz Cabral e Heloísa HelenaFaleiro Balardin e outro

Constitucional. Servidor público: provimento derivado: inconsti-tucionalidade: efeito ex nunc. Princípios da boa-fé e da segurança jurí-dica.

I - A Constituição de 1988 instituiu o concurso público como formade acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituiçãode ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a progres-são de servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos — 1987 a1992 —, o entendimento a respeito do tema não era pacífico, certo que,apenas em 17-2-1993, é que o Supremo Tribunal Federal suspendeu, comefeito ex nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, §4º; art. 17 e art. 33, IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses queforam declarados inconstitucionais em 27-8-1998: ADI 837/DF, Relatoro Ministro Moreira Alves, DJ de 25-6-1999.

II - Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam aadoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstituciona-lidade. Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriammaiores que eventuais vantagens do desfazimento dos atos administra-tivos.

III - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

IV - RE conhecido, mas não provido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Celso de Mello,na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade devotos, conhecer do recurso extraordinário e negar-lhe provimento, nos termos do votodo Relator.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Velloso, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Carlos Velloso: O acórdão recorrido, proferido, em apelação cível,pela Quarta Turma do eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, está assimementado:

“Ação civil pública. Desconstituição de ato administrativo. Provimentoderivado. Servidores do TRT da 4ª Região. Concurso público. Agravo retidorejeitado. Preliminares rejeitadas.

1. Agravo retido rejeitado.

2. A legitimação do MP, a partir da promulgação da Carta Magna de1988, deve ser interpretada de modo a alargar o rol previsto no art. 1º da Lei n.7.347/85, meramente exemplificativo. No caso, o MPF busca a desconstitui-ção de ato administrativo que reputa em desacordo com a ordem jurídicaconstitucional.

3. Rejeitada a preliminar de prescrição anual, uma que não se está a discutiro resultado do concurso e sim o empossamento dos candidatos.

Desacolhida a preliminar de prescrição qüinqüenal, eis que não se imputaexclusivamente ao autor a demora na citação dos réus, bem como a pretensão doautor é contra a posse dos servidores nos novos cargos e não contra o resultado doconcurso que os habilitou.

4. Não restam dúvidas de que a Constituição de 1988 instituiu o concursopúblico como forma universal de acesso aos cargos públicos.

Todavia, não é menos certo que, à época dos fatos (entre 1987 e 1992), essenão era um entendimento pacífico, inclusive no âmbito do Supremo TribunalFederal. Apenas em 17 de fevereiro de 1993 o STF (na Medida Cautelar na ADInn. 837-4) suspendeu a eficácia do art. 8º, III e do art. 10, X, parágrafo único, da Lein. 8.112/90, passando a prevalecer o entendimento de que o concurso interno nãopoderia mais ser realizado.

In casu, os prejuízos que adviriam para a Administração, além dos servidores,seriam maiores que eventuais vantagens do desfazimento destes atos. Prevaleceo princípio da segurança jurídica e da boa-fé, como tem entendido a jurispru-dência.” (Fls. 920-921)

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Daí o recurso extraordinário, interposto pelo Ministério Público Federal, funda-do no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art. 37, II, damesma Carta, sustentando, em síntese, que “qualquer forma de investidura, sejainicial ou derivada, requer a ‘aprovação prévia em concurso público de provas ou deprovas e títulos’” (fl. 926).

Admitido o recurso (fl. 1043), subiram os autos.

A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pela ilustre Subprocura-dora-Geral da República, Dra. Sandra Cureau, opinou pelo provimento do recurso (fls.1056/1061).

Autos conclusos em 24-11-2005.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): Tal como informa o Ministério PúblicoFederal, no parecer de fls. 1056/1061, da ilustre Subprocuradora-Geral, Dra. SandraCureau, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a ascensão funcio-nal, espécie de provimento derivado vertical, pelo que tem declarado a inconstitucio-nalidade de dispositivos de leis e de Constituições estaduais que admitem essa formade provimento derivado vertical. Indico, entre os muitos precedentes, a ADI 3.030/AP,de minha Relatoria, citado, aliás, no parecer da Procuradoria-Geral da República. Nojulgamento da ADI 806-MC/DF, também de minha Relatoria, outro não foi o decididopela Corte Suprema (RTJ 156/801). No mesmo sentido: ADI 245/RJ, Ministro MoreiraAlves, RTJ 143/391; ADI 248/RJ, Ministro Celso de Mello, RTJ 152/341; ADI 231/RJ,Ministro Moreira Alves, RTJ 144/24; ADI 1.476-MC/PE, Ministro Sepúlveda Pertence,DJ de 1º-3-2002; ADI 368/ES, Ministro Moreira Alves, DJ de 2-5-2003.

Aqui, entretanto, estamos diante de ação do processo subjetivo. E, conformedeixa expresso o acórdão, os atos impugnados ocorreram sob o pálio de lei que osautorizava, Lei 8.112, de 1990, art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17e art. 33, inciso IV, dispositivos esse que somente foram declarados inconstitucionaisna ADI 837/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, julgamento realizado em 27-8-1998,publicado o acórdão no DJ de 25-6-1999. A suspensão cautelar de tais disposiçõeslegais ocorreu em 1993, com efeito ex nunc (ADI 837-MC/DF).

Por isso mesmo, acentuou o ilustre Desembargador Edgard Lippman Júnior, novoto em que se embasa o acórdão recorrido:

“(...)

Atualmente, é certo que não restam dúvidas de que a Constituição de 1988instituiu o concurso público como forma universal de acesso aos cargos públicos.Todavia, não é menos certo que, à época dos fatos, esse não era um entendimentopacífico, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Veja-se que, entreoutros destacados autores, sustentavam a permanência do concurso interno CelsoAntônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, DiógenesGasparini, Hely Lopes Meirelles e Adilson Abreu Dallari. Praticamente todos os

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Tribunais, inclusive esta Corte e o próprio STF, fizeram concursos internos depoisde 1988. Apenas em 1993, depois das designações aqui contestadas, é que o STFsuspendeu a eficácia do art. 8º, III e do art. 10, X, parágrafo único, da Lei n. 8.112/90, passando a prevalecer o entendimento de que o concurso interno não poderiamais ser realizado. Não se pode, portanto, aplicar mecanicamente a norma consti-tucional agitada na peça vestibular.

No tocante à declaração judicial de ineficácia dos atos administrativosnascidos de forma irregular, em texto trazido pelos apelantes (fl. 730), MiguelSeabra Fagundes já advertia: ‘pode acontecer que a situação resultante do ato,embora nascida irregularmente, torne útil àquele mesmo interesse (público)’, demodo tal que ‘também as numerosas situações pessoais alcançadas e beneficiadaspelo ato vicioso podem aconselhar a subsistência de seus efeitos’.

Assim, no julgamento do caso, deve-se considerar tanto o interesse públicoquanto as situações individuais envolvidas.

Primeiro, o interesse público foi manifestado pelo próprio réu, a UniãoFederal, em nome do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que informaque seus serviços seriam amplamente prejudicados pela interrupção do exercíciodos servidores ascendidos há mais de uma década. Como estes funcionáriosteriam que retornar a seus cargos anteriores, também não teria o Tribunal comocontornar a situação daqueles outros servidores que foram convocados, via con-curso público, para preencher tais cargos. A situação seria de verdadeiro tumultoadministrativo, se não de atingimento da esfera individual de terceiros nãopresentes no feito.

Segundo, quanto às situações individuais, seria injusto fazer retornar aoscargos anteriores funcionários que, pelo longo tempo transcorrido, atingiramelevado grau de especialização nas novas funções e estruturaram suas vidas,pessoais e familiares, a partir dos novos patamares remuneratórios.

Os servidores, de boa-fé, foram convocados pela Administração, que tam-bém agiu de boa-fé, a participarem de concurso interno, nos mesmos moldes deconcurso público, com igual grau de dificuldade, para preencher certo número devagas reservadas com essa finalidade, de acordo com a Lei n. 8.112/90, a Lei n.5.645/79 e o Decreto n. 85.654/81.

Logo, entendo ser inadequado, mais de uma década depois, simplesmentenegar validade a tais atos, construídos, naquele momento, dentro de uma aparentelegalidade e em estrito cumprimento de norma legal que se tinha por vigente,desconsiderando os efeitos concretos que advieram.

No caso, os prejuízos que adviriam para a Administração, além dos servido-res, seriam maiores do que eventuais vantagens do desfazimento destes atos. Deveprevalecer, pois, o princípio da segurança jurídica e da boa-fé, como tementendido a jurisprudência.

(...).” (Fls. 906-907)

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Na mesma linha, com argumentos igualmente consistentes, voto do ilustreDesembargador Valdemar Capelletti (fls. 912-917), que registrou que o Supremo Tribu-nal Federal, quando apreciou o pedido de suspensão cautelar dos dispositivos acoima-dos de inconstitucionais, na ADI 837-MC/DF, por consagrarem formas de provimentoderivado vertical, dispositivos da Lei 8.112/90, deferiu a citada cautelar, fazendo-o,entretanto, com efeito ex nunc.

Está na ementa do referido acórdão do Supremo Tribunal:

“(...)

‘Ação direta de inconstitucionalidade. Dispositivos impugnados por admi-tirem a ascensão, o acesso, a progressão ou o aproveitamento como formas deprovimento de cargos públicos.

- Ocorrência, no caso, de relevância jurídica e de conveniência da suspensãoda eficácia requerida.

Pedido liminar deferido, suspendendo-se, ex nunc, a eficácia do artigo 4º daLei 7.707, de 1988, e da Lei 7.719, de 1989, do artigo 10 da Lei n. 7.727, de 1989,do artigo 17 da Lei 7.746, de 1989, dos artigos 8º, III, e das expressões ‘acesso eascensão’ do artigo 13, parágrafo 4º, ‘ou ascensão’ e ‘ou ascender’ do artigo 17, edo inciso IV do artigo 33, todos da Lei n. 8.112, de 1990, bem como dos artigos 3º,15, 16, 17, 18, 19 e 20 do ato Regulamentar n. 1, e do artigo 2º, II, a, da Resoluçãon. 14, ambos de 1992, editados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.’

(decisão 11-2-93, unânime, DJ 23-4-93)

(...).” (Fls. 915-915v)

Decidiu, depois, o Supremo Tribunal, o mérito da mencionada ADI 837/DF, noano de 1998, acórdão publicado no DJ de 25-6-1999:

“Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Formas de provimentoderivado. Inconstitucionalidade.

— Tendo sido editado o Plano de Classificação dos Cargos do PoderJudiciário posteriormente à propositura desta ação direta, ficou ela prejudicadaquanto aos servidores desse Poder.

— No mais, esta Corte, a partir do julgamento da ADI 231, firmou oentendimento de que são inconstitucionais as formas de provimento derivadorepresentadas pela ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocantea cargos ou empregos públicos. Outros precedentes: ADI 245 e ADI 97.

— Inconstitucionalidade, no que concerne às normas da Lei n. 8.112/90, doinciso III do artigo 8º; das expressões ascensão e acesso no parágrafo único doartigo 10; das expressões acesso e ascensão no § 4º do artigo 13; das expressõesou ascensão e ou ascender no artigo 17; e do inciso IV do artigo 33.

Ação conhecida em parte, e nessa parte julgada procedente para declarar ainconstitucionalidade dos incisos e das expressões acima referidos.”

Abrindo o debate, esclareça-se que a ordem jurídico-constitucional brasileiraconsagra, em termos de jurisdição constitucional, o controle misto. É dizer, temos o

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controle de constitucionalidade difuso, a partir da 1ª República, segundo o modelonorte-americano, instituído a partir do célebre Madison vs. Marbury case, de 1803, e ocontrole concentrado, em abstrato, a partir da EC 16, de 1965, que conferiu competên-cia ao Supremo Tribunal Federal para julgar a representação de inconstitucionalidadede atos normativos federais e estaduais, legitimado o Procurador-Geral da Repúblicapara o seu aforamento. O modelo adotado foi o dos Tribunais Constitucionais euro-peus. Intituiu-se, pois, a partir daí, a ação direta genérica.

O controle difuso, segundo o modelo norte-americano, realiza-se no caso concre-to, em qualquer ação, incidentalmente ou por via de exceção; a sentença é declaratória,com efeito retroativo, ex tunc e inter partes. Já o modelo europeu continental, quesurgiu sob a inspiração de Kelsen, na Constituição da Áustria de 1920, aperfeiçoadocom a reforma de 1929, dá-se em abstrato, numa ação direta, que será aforada apenas emum Tribunal, o Tribunal Constitucional. O acórdão tem natureza constitutiva-negativaou descontitutiva; a eficácia é erga omnes e o efeito fixado pro tempore: ex tunc, exnunc ou pro futuro. O ato inconstitucional é anulável e não nulo. Bem por isso e em boahora, veio a lume a Lei 9.868, de 10-11-1999, que, no seu art. 27, estabeleceu que aodeclarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões desegurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal, pormaioria de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos da declaração, decidir que ela sóterá eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a serfixado.

Isto não deve ter sabor de novidade.

Na pátria do efeito ex tunc, nos Estados Unidos, a Suprema Corte admite o teorpolítico do controle de constitucionalidade e que o ingrediente político da decisãotomada no controle de constitucionalidade pode relativizar o princípio da retroação extunc. O trabalho doutrinário do professor Sérgio Resende Barros é bastanteesclarecedor (“O Nó Gordio do Sistema Misto”, in Argüição de Descumprimento dePreceito Fundamental: Análises à Luz da Lei 9.882/99, Ed. Atlas, 2001, p. 180).

No caso Linkletter vs. Walker, de 1965, “a Suprema Corte reconheceu que aquestão da retroatividade ou prospectividade dos efeitos do judicial review nãocorresponde a um princípio exarado na Constituição, mas a uma práticajurisprudencial, que pode ser alterada, portanto, pela própria jurisprudência, senecessário” (Sérgio Resende de Barros, ob. cit.). Nos casos Stevall vs. Denno e Gedeão,a Suprem Corte reiterou o entendimento.

Anota a Desembargadora Maria Isabel Gallotti, em excelente artigo de doutrina(A Declaração de Inconstitucionalidade das Leis e seus Efeitos, RDA 170/18), que,“nos países que aderem à doutrina da eficácia ex tunc”, “a retroação dos efeitos dadeclaração de inconstitucionalidade, se levada a extremos, por dar margem a sériasinjustiças, bem como a perigosa insegurança nas relações jurídicas, econômicas esociais”. E acrescenta a ilustre magistrada que “a realidade é que, como poderá LúcioBittencourt, ‘os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos,sumariamente, por simples obra de um decreto judiciário’”. (Lúcio Bittencourt, Ocontrole jurisdicional de constitucionalidade das leis, Rio de Janeiro, Forense, 1949,p. 148). E, invocando Willoughby, “conquanto a lei inconstitucional deva, sob o

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ponto de vista estritamente lógico, ser considerada como se jamais tivesse tido forçapara criar direitos ou obrigações, considerações de ordem prática têm levado ostribunais a atribuir certa validade aos atos praticados por pessoas que, em boa-fé,exercem os poderes conferidos pelo diploma posteriormente julgado ineficaz” (MariaIsabel Gallotti, ob. e loc. cits.).

Essa posição, registra Maria Isabel Gallotti, foi sustentada pelo Ministro Leitãode Abreu, no RE 79.343/BA. Destaco do voto do eminente e saudoso Ministro:

“(...)

Coincidentes as opiniões quanto aos efeitos da declaração de inconstitucio-nalidade, efeitos distintos conforme se tratar de declaração de invalidadeincidenter tantum ou de declaração de nulidade em tese, a questão segunda, quese apresenta, tocante à nulidade ou anulibilidade da lei, isto é, da sua nulidade abinitio ou a partir do ato declaratório da invalidade, não recolhe, quanto ao seudeslinde, total consenso dos tribunais e de parte da doutrina. O Corpus JurisSecundum, reportando-se ao direito norte-americano, assim compendia a diretrizaí dominante: ‘Em sentido amplo, uma lei inconstitucional é nula, em qualquertempo, e a sua invalidade deve ser reconhecida e proclamada para todos os efeitosou quanto a qualquer estado de fato. Não é lei ou não é uma lei; é algo nulo, nãose reveste de força, não possui efeito ou é totalmente inoperante. Falando domodo geral, a decisão, pelo tribunal competente, de que a lei é inconstitucionaltem por efeito tornar essa lei nula e nenhuma; o ato legislativo, do ponto de vistajurídico, é tão inoperante como se não tivesse sido emanado ou como se a suapromulgação não houvesse ocorrido. É considerado inválido ou nulo, desde adata da promulgação e não somente a partir da data em que é, judicialmente,declarado inconstitucional’. Exposta, assim, a orientação dominante, acrescenta,todavia, o mesmo repositório, explicitado os termos em que se coloca a opiniãodivergente: ‘Por outro lado’ — prossegue — ‘tem sido sustentado que essa regrageral não é universalmente verdadeira; que existem muitas exceções ou quecertas exceções têm sido reconhecidas a esse respeito; que essa teoria é temperadapor diversas outras considerações; que uma visão realista vem corroendo essadoutrina; que asserções tão amplas devem ser recebidas com reservas e que,mesmo uma lei inconstitucional, é um fato eficaz, ao menos antes da determina-ção da constitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é lícito ignorar.Tem sido sustentado, por isso: que a lei inconstitucional não é nula, mas somenteanulável, ou que é inexecutável em vez de nula, ou nula no sentido de que éinexecutável, porém não no sentido de que é anulada ou abolida; que a leiinconstitucional permanece inoperante enquanto a decisão que a declara inváli-da é mantida e que, enquanto essa decisão continua de pé, a lei dorme, porém nãoestá morta’ (...) (Corpus Juris Secundum, v. 16, § 101).

(...).”

Depois de citar Kelsen, que enfrentou o problema na sua General Theory of Lawand State, dando pela anulabilidade e não pela nulidade da lei inconstitucional, peloque a decisão que declara a inconstitucionalidade é um ato constitutivo, concluiu oMinistro Leitão de Abreu:

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R.T.J. — 197 707

“(...)

2. Acertado se me afigura, também, o entendimento de que não deve tercomo nulo ab initio ato legislativo, que entrou no mundo jurídico munido depresunção de validade, impondo-se, em razão disso, enquanto não declaradoinconstitucional, à obediência pelos destinatários dos seus comandos. Razoá-vel é a inteligência, a meu ver, de que se cuida, em verdade, de ato anulável,possuindo caráter constitutivo a decisão que decreta a nulidade. Como, entre-tanto, em princípio, os efeitos dessa decisão operam retroativamente, não seresolve, com isso, de modo pleno, a questão de saber se é mister haver comodelitos do orbe jurídico atos ou fatos verificados em conformidade com a normaque haja sido pronunciada como inconsistente com a ordem constitucional.Tenho que procede a tese, consagrada pela corrente discrepante, a que se refereo Corpus Juris Secundum, de que a lei inconstitucional é um fato eficaz, aomenos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter conseqü-ências que não é lícito ignorar. A tutela da boa fé exige que, em determinadoscircunstâncias, notadamente quando, sob a lei ainda não declarada inconstitu-cional, se estabeleceram relações entre o particular e o poder público, se apure,prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão, que decreta ainconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve porlegítimo o ato e, fundado nele, operou na presunção de que estava procedendosob o amparo do direito objetivo.

(...).”

Em diversos recursos extraordinários oriundos do Estado do Amazonas, sustentei,com o apoio dos meus eminentes Colegas da 2ª Turma, que “a lei inconstitucionalnasce morta. Em certos casos, entretanto, os seus efeitos devem ser mantidos, emobséquio, sobretudo, ao princípio da boa-fé” (RE 328.232-AgR/AM, DJ de 2-9-2005).

Destaco do voto que proferi:

“(...)

A decisão é de ser mantida. Conforme nela acentuado, não se está reconhe-cendo a constitucionalidade superveniente. O que se reconhece, no caso, é que osefeitos do ato da administração do Estado do Amazonas devem ser mantidos, emobséquio, sobretudo, ao princípio da boa-fé, certo que esses efeitos, na hipótesesob julgamento, viram-se convalidados pela Constituição de 1988.

O tema traz ao debate o princípio da segurança jurídica, que foi versado deforma superior pelo Ministro Gilmar Mendes, no julgamento, pelo Plenário, doMS 22.357/DF (Plenário, 27-5-2004, DJ de 5-11-2004). Invocou o MinistroGilmar Mendes o clássico estudo de Almiro do Couto e Silva sobre a aplicação doprincípio da segurança jurídica em direito comparado (Revista da ProcuradoriaGeral do Estado, v. 18, n. 46, 1988, pp. 11-29) e lição de Miguel Reale (Revoga-ção e anulamento do ato administrativo, Forense, 2ª ed., 1980, pp. 70-71) paraconcluir que ‘considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assentoconstitucional (princípio do Estado de Direito) e está disciplinado, parcialmente,no plano federal, na Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (v.g. art. 2º)’.

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O princípio da segurança jurídica assenta-se, sobretudo, na boa-fé e nanecessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. No caso,não custa repetir, o ato administrativo embasa-se no princípio da boa-fé, tanto doórgão administrativo que deferiu a vantagem, como, e principalmente, do servi-dor público, o que recomenda a manutenção dos efeitos do ato, efeitos esses que,de resto, conforme linhas atrás foi dito, se viram convalidados pela Constituiçãode 1988.

(...).”

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 197.917/SP, Relator o Minis-tro Maurício Corrêa, julgou inconstitucional o parágrafo único do art. 6º da LeiOrgânica n. 226, de 1990, do Município de Mira Estrela/SP — caso do número devereadores —, mandando, entretanto, que se respeitasse o mandato dos atuais vereado-res. É dizer, emprestou efeito pro futuro à decisão (DJ de 7-5-2004).

Destaco do voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, no sentido do efeito profuturo:

“(...)

É interessante notar que, nos próprios Estados Unidos da América, ondea doutrina acentuara tão enfaticamente a idéia de que a expressão ‘leiinconstitucional’ configurava uma contradictio in terminis, uma vez que “theinconstitutional statute is not law at all” (Willoughby, Westel Woodbury. TheConstitutional Law of the United States, New York, 1910, v. 1, p. 9/10; cf.Cooley, Thomas M., Treaties on the Constitutional Limitations, 1878, p. 227),passou-se a admitir, após a Grande Depressão, a necessidade de se estabeleceremlimites à declaração de inconstitucionalidade (Tribe, Laurence. The AmericanConstitutional Law, The Foundation Press, Mineola, New York, 1988). A Supre-ma Corte americana vem considerando o problema proposto pela eficácia retroa-tiva de juízos de inconstitucionalidade a propósito de decisões em processoscriminais. Se as leis ou atos inconstitucionais nunca existiram enquanto tais,eventuais condenações nelas baseadas quedam ilegítimas, e, portanto, o juízo deinconstitucionalidade implicaria a possibilidade de impugnação imediata detodas as condenações efetuadas sob a vigência da norma inconstitucional. Poroutro lado, se a declaração de inconstitucionalidade afeta tão-somente a demandaem que foi levada a efeito, não se há que cogitar de alteração de julgadosanteriores.

Sobre o tema, afirma Tribe:

‘No caso Linkletter v. Walker, a Corte rejeitou ambos os extremos: ‘aConstituição nem proíbe nem exige efeito retroativo.’ Parafraseando oJustice Cardozo pela assertiva de que ‘a constituição federal nada diz sobreo assunto’, a Corte de Linkletter tratou da questão da retroatividade comoum assunto puramente de política (política judiciária), a ser decidido nova-mente em cada caso. A Suprema Corte codificou a abordagem de Linkletterno caso Stovall v. Denno: ‘Os critérios condutores da solução da questãoimplicam (a) o uso a ser servido pelos novos padrões, (b) a extensão da

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dependência das autoridades responsáveis pelo cumprimento da leicom relação aos antigos padrões, e (c) o efeito sobre a administração dajustiça de uma aplicação retroativa dos novos padrões’. (Tribe, AmericanConstitutional Law, cit., p. 30)

(...).”

Depois de considerações outras, acrescentou o Ministro Gilmar Mendes:

“(...)

A jurisprudência americana evoluiu para admitir, ao lado da decisão deinconstitucionalidade com efeitos retroativos amplos ou limitados (limitedretrospectivity), a superação prospectiva (prospective overruling), que tantopode ser limitada (limited prospectivity), aplicável aos processos iniciados após adecisão, inclusive ao processo originário, como ilimitada (pure prospectivity),que sequer se aplica ao processo que lhe deu origem (Palu, Oswaldo Luiz.Controle de constitucionalidade, São Paulo 2ª. ed., 2001, p. 173; Medeiros, Rui.A Decisão de Inconstitucionalidade, Universidade Católica Editora, Lisboa,1999).

Vê-se, pois, que o sistema difuso ou incidental mais tradicional do mundopassou a admitir a mitigação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidadee, em casos determinados, acolheu até mesmo a pura declaração de inconstitucio-nalidade com efeito exclusivamente pro futuro (Cf. a propósito, Sesma, El Prece-dente, cit., p. 174 s). De resto, assinale-se que, antes do advento da Lei n. 9.868, de1999, talvez fosse o STF, muito provavelmente, o único órgão importante dejurisdição constitucional a não fazer uso, de modo expresso, da limitação deefeitos na declaração de inconstitucionalidade. Não só a Suprema Corte america-na (caso Linkletter v. Walker), mas também uma série expressiva de CortesConstitucionais e Cortes Supremas adotam a técnica da limitação de efeitos (Cf.v.g. Corte Constitucional austríaca (Constituição, art. 140), a Corte Constitucio-nal alemã (Lei Orgânica, § 31, 2 e 79, 1), a Corte Constitucional espanhola(embora não expressa na Constituição, adotou, desde 1989, a técnica da declara-ção de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade. Cf. Garcia de Enterría,Justicia Constitucional, cit., p. 5), a Corte Constitucional portuguesa (Constitui-ção, art. 282, n. 4), o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia (art.174, 2 doTratado de Roma), o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (caso Markx, de 13de junho de 1979. Cf. Siqueira Castro, Carlos Roberto. Da Declaração de Incons-titucionalidade e seus efeitos em face das Leis n. 9.868 e 9882/99, in: Sarmento,Daniel, O Controle de Constitucionalidade e a Lei 9.868/99 (organizador), Riode Janeiro, 2001).

No que interessa para a discussão da questão em apreço, ressalte-se que omodelo difuso não se mostra incompatível com a doutrina da limitação dosefeitos.

(...).”

Em caso semelhante, MS 22.357/DF, Relator o Ministro Gilmar Mendes, o Supre-mo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, decidiu:

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“Ementa: Mandado de Segurança. 2. Acórdão do Tribunal de Contas daUnião. Prestação de Contas da Empresa Brasileira de Infra-estruturaAeroportuária - INFRAERO. Emprego Público. Regularização de admissões. 3.Contratações realizadas em conformidade com a legislação vigente à época.Admissões realizadas por processo seletivo sem concurso público, validadas pordecisão administrativa e acórdão anterior do TCU. 4. Transcurso de mais de dezanos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5. Obrigatoriedadeda observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio doEstado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administra-tivamente. 6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurançajurídica. Presença de um componente de ética jurídica e sua aplicação nas rela-ções jurídicas de direito público. 7. Concurso de circunstâncias específicas eexcepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes; a realização de processoseletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero, vigente à época darealização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época dascontratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, deconcurso público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economiamista. 8. Circunstâncias que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido,afastam a alegada nulidade das contratações dos impetrantes. 9. Mandado deSegurança deferido.” (DJ de 5-11-2004)

A questão dos efeitos ex nunc ou pro futuro da decisão que decreta a inconstitu-cionalidade de lei não tem, conforme vimos, sabor de novidade no Supremo TribunalFederal. É que, anotei no voto que proferi no citado RE 328.232-AgR/AM, “uma dasrazões mais relevantes para a existência do direito está na realização do que foiacentuado na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, de 1776,o direito do homem de buscar a felicidade. Noutras palavras, o direito não existe comoforma de tornar amarga a vida dos seus destinatários, senão de fazê-la feliz”.

Do exposto, conheço do recurso, mas lhe nego provimento.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Sr. Presidente, quero cumprimentar o MinistroCarlos, mais uma vez, pelo belíssimo voto proferido, num tema com tanta relevância eque, até pouco tempo, era raro nas manifestações da jurisdição constitucional brasileira.

Tal como pontuou o eminente Relator, no caso temos a necessidade de fazer aponderação entre o princípio da nulidade da lei inconstitucional — o qual, conformeassumimos entre nós, tem hierarquia constitucional — e o princípio da segurançajurídica, que, muitas vezes, justifica a subsistência de atos concretos a despeito dadeclaração de inconstitucionalidade e, até mesmo, a pronúncia de uma declaração deinconstitucionalidade com efeitos estritos ou mitigados. O art. 27 da Lei n. 9.868, bemapontado pelo eminente Ministro Relator, na verdade apenas explicita, estrutura edeclara o que o Tribunal pode fazer a partir do próprio Texto constitucional.

Outro ponto já ressaltado na manifestação eloqüente e belíssima do eminenteMinistro Carlos Velloso diz respeito a essa separação de planos. Uma coisa é a declara-ção de nulidade da lei; outra é se essa nulidade repercute sobre os atos concretos. Bem

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soube fazer essa distinção o Supremo Tribunal Federal ao aceitar, sim, a ADI contra anorma constante da Lei n. 8.112, mas dando-lhe eficácia ex nunc, a sinalizar que nãoqueria tumultuar, em razão da segurança jurídica, os certames concursivos eventual-mente verificados.

Temos tido não só no Plenário, mas também na Turma, oportunidade de salientara importância do princípio da segurança jurídica, que imanta toda essa discussão.Portanto, é fundamental destacarmos essa separação de planos. Convivemos com essarealidade em razão, até mesmo, das fórmulas de preclusão; muitas vezes ela ocorre nossistemas tributário e administrativo.

Hoje, felizmente, temos, de forma clara, essa questão colocada na Lei n. 9.784, aLei de Procedimento Administrativo. Essa Lei diz que a eventual declaração de nulida-de administrativa não poderá se fazer sobre atos já velhos, de mais de cinco anos.Portanto estabeleceu, também aqui, uma fórmula de preclusão ou aquilo que a doutrinachama de uma decadência administrativa.

Nessa oportunidade, quero ressaltar — esta é uma questão recentemente assumidapor esta Corte, afora os casos mencionados e de relevância histórica — a importânciaque, nesses casos, assume a doutrina brasileira, especialmente aquela defendida porMiguel Reale e pelo notável Professor gaúcho Dr. Almiro do Couto e Silva, este comestudos pioneiros sobre o princípio da segurança jurídica.

Com essas considerações, invocando os subsídios que trouxe em outros casos elouvando o belíssimo voto do Ministro Carlos Velloso, acompanho o voto de SuaExcelência.

VOTO

A Sra. Ministra Ellen Gracie: Sr. Presidente, creio que o voto do eminente Relator,brilhante como sempre, modulou adequadamente os efeitos dessa declaração de in-constitucionalidade. À parte o cumprimento a Sua Excelência, adianto que utilizarei oprecedente para outro caso que tenho em espera.

Acompanho o voto do Ministro Relator.

EXTRATO DA ATA

RE 442.683/RS — Relator: Ministro Carlos Velloso. Recorrente: MinistérioPúblico Federal. Recorridos: União (Advogado: Advogado-Geral da União), SebastiãoBorges de Lima e outro (Advogados: Felipe Néri Dresch da Silveira e outro), CarlaNúbia Pereira Elmir (Advogado: Marcos José Bochehin), Amaro Danilevicz Cabral(Advogados: José Renato Buchaim e outro) e Heloísa Helena Faleiro Balardin e outro(Advogados: Pedro Maurício Pita Machado e outro).

Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu do recurso extraordinário,mas lhe negou provimento, nos termos do voto do Relator. Falou, pelos recorridosHeloisa Helena Faleiro Balardin e outros, o Dr. Pedro Maurício Pita Machado e, pelosdemais recorridos, o Dr. Amarildo Maciel Martins.

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Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Subprocuradora-Geral daRepública, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 13 de dezembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 448.558 — PR

Relator: O Sr. Ministro Gilmar Mendes

Recorrente: União — Recorrido: Yuki Takahashi

Recurso extraordinário. 2. Tributário. ITR. 3. A nova configura-ção do ITR disciplinada pela MP 399 somente se aperfeiçoou com suareedição de 7-1-94, a qual por meio de seu Anexo alterou as alíquotas doreferido imposto. 4. A exigência do ITR sob esta nova disciplina, antes de1º de janeiro de 1995, viola o princípio constitucional da anterioridadetributária (Art. 150, III, b). 5. Recurso extraordinário a que se negaprovimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Carlos Velloso(RISTF, art. 37, II), na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, porunanimidade de votos, conhecer do recurso e lhe negar provimento, nos termos do votodo Relator.

Brasília, 29 de novembro de 2005 — Gilmar Mendes, Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes: Trata-se de recurso extraordinário interposto comfundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão assim ementado(fl. 268):

“Embargos à execução fiscal. ITR. Ano base 1994. Alíquotas fixadas pelaLei 8.847/94. Conversão medida provisória 399/03. MP retificadora.Descumprimento. Princípio da anterioridade tributária.

1. É pacífico o entendimento de que a Medida Provisória é lei em sentidomaterial, sendo o veículo formal posto à disposição do Poder Executivo pararegular os fatos, atos e relações do mundo fático, desde que obedecidos oscritérios de urgência e necessidade que, no entendimento do Supremo TribunalFederal, dependem do poder discricionário do Presidente da República.

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2. O termo inicial do prazo para cumprimento do princípio da anterioridadecorresponde à data da publicação da medida provisória.

3. A Medida Provisória n. 399/03 foi publicada em 30 de dezembro de 2003(SIC). Contudo, na data originalmente publicada, a citada Medida Provisória nãocontinha as alíquotas do ITR. Tal omissão fez com que fosse publicada, em 07 dejaneiro de 1994, uma retificação da aludida Medida Provisória, no Diário Oficial,contendo as novas tabelas de alíquotas.

4. A retificadora não tem o condão de retroagir à data da publicaçãooriginal — 30 de dezembro de 1993 — de forma a cumprir o disposto no artigo150, III, b, da Constituição Federal de 1988 e tornar possível a cobrança do ITRainda no ano de 1994.

5. Como o instrumento legal modificador de alíquota só foi publicado noano de 1994, a cobrança do ITR com base nas alíquotas constantes na Lei n.8.847/94 é vedada, nos termos do artigo 150, III, b, da Constituição Federal, parao ano de 1994.”

A recorrente interpôs recurso extraordinário de fls. 270/280, no qual sustenta:

“De início, não há que se falar em violação ao princípio constitucional daanterioridade, consagrado no art. 150, III, b, da CF/88, pois a Lei n. 8.847/94nada mais é do que a conversão de Medida Provisória editada pelo PoderExecutivo, mais especificamente a MP n. 399, de 29.12.93. A Medida Provisó-ria convertida em lei obedeceu o princípio da anterioridade, pois foi editada noexercício anterior. Ainda, os parâmetros para a exação tributária foram fixadosna lei, havendo somente a regulamentação pela instrução normativa. A publica-ção de instrução normativa não está sujeita a tal princípio, pois somentecomplementa a lei e a medida provisória possui força de lei desde a sua edição.”

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso, em parecerdo Subprocurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, reportan-do-se ao parecer de seu colega, Dr. Geraldo Brindeiro, manifestado no RE 401.149 (fls.288/294):

“5. É certo que doutrina e jurisprudência são assentes em proclamar que oprincípio da anterioridade consagrado no art. 150, III, a, da Constituição Federalinclui todos os elementos necessários à sua apuração. Assim é que lecionaLuciano Amaro:

‘Pode ocorrer que o fato gerador de determinado tributo seja compostopela soma de vários fatos isolados, valorizados num. certo período detempo, de tal sorte que só se aperfeiçoe tal fato gerador com a implementa-ção do último daqueles fatos isolados (ou melhor, com o término do lapsode tempo dentro do qual é possível a ocorrência de fatos isolados relevantesque, no seu conjunto, implementam o fato gerador). É o que se dá com oimposto de renda das pessoas físicas e jurídicas, cujo fato gerador corres-ponde à soma algébrica de valores correspondentes a rendimentos e despesas,que vão sendo ganhos ou gastos ao longo de certo tempo. Trata-se de fatogerador periódico, que examinaremos mais adiante, ao cuidar da classifica-ção dos fatos geradores.

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O fato gerador, aí, não se traduz, isoladamente, nos fatos a ou b(rendimentos), ou no fato c (despesa). O fato gerador é a série a + b - c.

A lei, para respeitar a irretroatividade, há de ser anterior a série a + b - c,vale dizer, a lei deve preceder todo o conjunto de fatos isolados quecompõem o fato gerador do tributo. Para respeitar-se o princípio dairretroatividade, não basta que a lei seja prévia em relação ao último dessesfatos ou ao término do período durante o qual os fatos isoladamente ocorri-dos vão sendo registrados’ (AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasi-leiro. São Paulo, Ed. Saraiva, 2003, pp. 119 e 120).

6. No mesmo sentido, o E. Supremo Tribunal Federal já se pronunciou noRecurso Extraordinário n. 234.605-6, Relator o E. Ministro Ilmar Galvão, Rio deJaneiro, DJ de 1º-12-2000:

‘Ementa: Tributário. Estado do Rio de Janeiro. IPTU. Aumento darespectiva base de cálculo, mediante aplicação de índices genéricos devalorização, por logradouros, ditados por ato normativo editado nomesmo ano do lançamento. Taxa de Iluminação Pública. Serviço públicoque não se reveste das características de especificidade e divisibilidade.Somente por via de lei, no sentido formal, publicada no exercício finan-ceiro anterior, é permitido aumentar tributo, como tal havendo de serconsiderada a iniciativa de modificar a base de cálculo do IPTU, por meiode aplicação de tabelas genéricas de valorização de imóveis, relativamentea cada logradouro, que torna o tributo mais oneroso. Caso em que as novasregras determinantes da majoração da base de cálculo não poderiam seraplicadas no mesmo exercício em que foram publicadas, sem ofensa aoprincípio da anterioridade. No que concerne à taxa de iluminação pública,é de considerar-se que se trata de serviço público insuscetível de sercusteado senão por via do produto dos impostos gerais. Recurso nãoconhecido.’

7. Assim sendo, no caso ora posto sob exame, as tabelas de alíquotas, tendosido publicadas apenas em 1994, não poderiam alcançar o imposto devido em1993.”

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Relator): No presente caso discute-se se houve ounão violação ao princípio da anterioridade tributária ao se cobrar o ITR, com base naMP n. 399, de 1993, convertida na Lei n. 8.847, de 28 de janeiro de 1994, referente aofato gerador ocorrido no exercício de 1994.

Para tanto, deve-se analisar se houve instituição de imposto ou sua majoração.

Ao sentenciar, o Juiz Arthur César de Souza assim examinou a controvérsia (fls.253/254):

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“A Lei 8.847/94 é conversão da MP 399, publicada em 30-12-93. Entretan-to, na publicação da MP 399 de 30-12-93 não acompanhou o Anexo I, quecontinha as Tabelas imprescindíveis à incidência do tributo. Assim, em 7-1-94,foi reeditada a MP 399, agora com o Anexo I e as respectivas tabelas contendo asalíquotas.

O art. 150, I e III, a e b, CF, estabelece:

‘Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribu-inte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

(...)

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigênciada lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a leique os instituiu ou aumentou.’

A MP 399 e a Lei 8.847/94 — a primeira explícita e a segunda implicita-mente — revogaram o art. 50, da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), na redaçãoconferida pela Lei 6.746/79. Nesse sistema, o lançamento do ITR era feito combase nas informações prestadas pelo contribuinte. Todavia, a MP 399 e a Lei8.847/94 inovaram aumentado o valor do tributo, pois estabeleceram um valormínimo de terra nua por hectare (VTNm/ha), e criaram novas alíquotas.

O fato gerador do ITR, segundo a MP 399 e a Lei 8.847/94, é a propriedade,o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, em 1º de janeiro de cadaexercício, localizado fora da zona urbana do município (art. 1º, MP 399 e Lei8.847/94).

O art. 144, caput, CTN, dispõe:

‘Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gera-dor da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormentemodificada ou revogada’.

Percebe-se que a embargada, utilizando-se da MP 399 convertida, posterior-mente, na Lei 8.847/94, está cobrando ITR em relação a fato gerador ocorrido nopróprio exercício de 1994. Impossível se admite a existência de ‘lei’ anterior combase na MP 399 publicada em 30.12.93, porque ausente na publicação o Anexo Ique trazia as tabelas, cujo conhecimento dos contribuintes era indispensável paradeterminação das alíquotas do tributo. A republicação da MP 399 é de serconsiderada lei nova ante o disposto no art. 1º, § 4º, LICC: ‘As correções a texto delei já em vigor consideram-se lei nova”.

Assim, como a MP 399 e a Lei 8.847/94 foram publicadas, validamente, em1994, só poderiam incidir sobre fato gerador ocorrido a partir de 1º.1.95 (art. 1º,MP 399, art. 1º, Lei 8.847/94, art. 144, caput, art. 150, I, e III, a e b, CF), jamais, apartir de 1º.1.94, como ocorreu.”

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Portanto, ao se verificar que houve de fato instituição de nova configuração doimposto e que esta apenas se aperfeiçoou em 7 de janeiro de 1994, com a publicação, atítulo de “retificação”, do Anexo à MP 399, essencial à caracterização e quantificaçãoda alíquota da exação por força do mesmo diploma, conclui-se que a exigência do ITRsob esta nova modalidade, antes de 1º de janeiro de 1995, por força do art. 150, III, b, daCF, viola o princípio constitucional da anterioridade tributária.

Cabe ressaltar que o referido princípio constitucional é uma garantia fundamentaldo contribuinte, não podendo ser suprimido nem mesmo por emenda constitucional,conforme assentado por esta Corte no julgamento da ADI 939, Plenário, Rel. SydneySanches, DJ de 18-3-94.

Assim, nego provimento ao recurso.

EXTRATO DA ATA

RE 448.558/PR — Relator: Ministro Gilmar Mendes. Recorrente: União (Advo-gado: PFN – Marcelo Coletto Pohlmann). Recorrido: Yuki Takahashi (Advogado:Yoshikazu Fucuda).

Decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe negou provi-mento. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Celso de Mello. Presi-diu este julgamento o Ministro Carlos Velloso.

Presidência do Ministro Carlos Velloso. Presentes à sessão a Ministra EllenGracie e os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificada-mente, o Ministro Celso de Mello. Subprocurador-Geral da República, Dr. HaroldoFerraz da Nóbrega.

Brasília, 29 de novembro de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 460.868 — PA

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello

Agravante: Caixa Econômica Federal – CEF — Agravado: Joaquim Rodrigues daCruz

FGTS — Contas — Correção monetária — Ação rescisória —Aplicação da Súmula 343/STF — Debate revestido de caráterinfraconstitucional — Impugnação, em sede de apelo extremo, dos fun-damentos da decisão rescindenda — Inadmissibilidade — Recurso ex-traordinário que deve insurgir-se, não contra o acórdão rescindendo,mas, sim, contra a fundamentação do acórdão proferido na açãorescisória — Inviabilidade do recurso extraordinário — Agravoimprovido.

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R.T.J. — 197 717

— O recurso extraordinário interposto contra decisão que julgaação rescisória deve adstringir-se, quando presente situação de litigiosi-dade constitucional, às razões que dão suporte ao acórdão que aprecioua própria ação rescisória, e não aos fundamentos em que se apoiou oacórdão rescindendo. Doutrina. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por maioria de votos, negar provimento ao recurso de agravo, nostermos do voto do Relator, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, que lhe dava provi-mento. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes.

Brasília, 14 de junho de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamenteinterposto, contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento deduzidopela parte ora recorrente.

Eis o teor da decisão que sofreu a interposição do presente recurso de agravo:

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a propósito da aplicaçãoda Súmula 343/STF — que proclama não caber ação rescisória, por ofensa aliteral disposição de lei, na hipótese em que a decisão rescindenda apoiar-se emtexto legal de aplicação controvertida nos Tribunais — firmou-se no sentido deque o debate a ela pertinente não viabiliza o acesso à via recursal extraordinária,por referir-se a tema de caráter eminentemente infraconstitucional (AI 238.557-AgR/SP, Rel. Min. Moreira Alves — AI 238.892-AgR/SC, Rel. Min. MaurícioCorrêa — AI 243.598-AgR/RJ, Rel. Min. Sydney Sanches — AI 254.037-AgR/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão — AI 261.116-AgR/RS, Rel. Min. SepúlvedaPertence — AI 265.718/MG, Rel. Min. Néri da Silveira — AI 269.131/MG, Rel.Min. Maurício Corrêa — AI 271.425/BA, Rel. Min. Nelson Jobim — AI272.123/DF, Rel. Min. Moreira Alves, v.g.):

‘(...) A questão da aplicação, ou não, da Súmula 343 se situa noâmbito infraconstitucional, pois ela se fundou na legislação processualordinária. Ademais, saber se foi, ou não, violado texto constitucional, paraa procedência, ou não, da rescisória, é questão que se coloca no terreno dalegislação processual infraconstitucional relativa aos requisitos da açãodessa natureza. Ambas as alegações, portanto, são de ofensa indireta oureflexa à Carta Magna, o que não dá margem ao cabimento do recursoextraordinário.

Agravo a que se nega provimento.’(AI 238.557-AgR/SP, Rel. Min. Moreira Alves — grifei)

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R.T.J. — 197718

Vê-se, portanto, que a questão concernente à aplicabilidade da Súmula 343/STF, além de qualificar-se como tema de caráter meramente processual — o que, por sisó, bastaria para tornar incabível o recurso extraordinário —, poderá, quando muito,introduzir discussão, que, em última análise, conduzirá ao eventual reconhecimentode situação configuradora de violação oblíqua ao ordenamento constitucional.

Não se tratando, pois, de conflito direto e frontal com o texto da Constitui-ção, como exigido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 120/912, Rel. Min. Sydney Sanches — RTJ 132/455, Rel. Min. Celso de Mello),torna-se insuscetível de conhecimento o recurso extraordinário a que se refere opresente agravo de instrumento.

Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente agravode instrumento.

(...)Ministro Celso de Mello

Relator”

Inconformada com esse ato decisório, a parte ora recorrente interpõe o presenteagravo, postulando seja ele conhecido e provido, em ordem a viabilizar oprocessamento do recurso extraordinário denegado pela Presidência do Tribunal deorigem (fls. 110/113).

Por não me convencer das razões expostas, submeto, à apreciação desta ColendaTurma, o presente recurso de agravo.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): Não assiste razão à parte agravante, eisque a pretensão recursal por ela deduzida, considerada a própria matéria ora em exame,não tem o beneplácito de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal (AI459.949-AgR/DF, Rel. Min. Carlos Britto — RE 408.409-AgR/PB, Rel. Min.Sepúlveda Pertence — RE 426.114-AgR/PB, Rel. Min. Carlos Velloso — RE429.359-AgR/PB, Rel. Min. Carlos Velloso, v.g.).

Cumpre assinalar, por relevante, que o entendimento exposto na decisão oraagravada foi reiterado em julgamentos colegiados, a ela posteriores, emanados dasduas (2) Turmas desta Suprema Corte (AI 461.460-AgR/DF, Rel. Min. Cezar Peluso —RE 395.080-AgR/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, v.g.):

“Agravo regimental em agravo de instrumento. Ação rescisória. Hipó-teses de cabimento. Ofensa indireta. Matéria infraconstitucional.

Acórdão fundado em normas processuais de admissibilidade da açãorescisória. Hipótese em que, se houvesse afronta a preceitos da Constituição doBrasil, seria de forma indireta, pois a matéria cinge-se ao âmbito infraconstitu-cional. Inviabilidade de admissão do recurso extraordinário.

Agravo regimental a que se nega provimento.”(AI 520.081-AgR/SP, Rel. Min. Eros Grau — grifei)

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R.T.J. — 197 719

“Constitucional. Correção monetária de contas do FGTS. Açãorescisória: aplicação da Súmula 343/STF.

I - A jurisprudência do STF é firme no sentido de que o recurso extraordi-nário interposto em ação rescisória deve ter por objeto a fundamentação doacórdão nela proferido e não as questões versadas na decisão rescindenda.Precedentes.

II - Agravo regimental não provido.”(RE 424.968-AgR/PE, Rel. Min. Carlos Velloso — grifei)

Impende destacar, por necessário, na linha dos precedentes que venho de mencio-nar, que se revela processualmente inviável, em sede recursal extraordinária, oexame dos fundamentos que dão suporte à decisão rescindenda.

Não constitui demasia acentuar, no ponto, que o Supremo Tribunal Federal, apropósito dessa questão, tem enfatizado que “os pressupostos do recurso extraordiná-rio devem compor-se em relação ao decidido na rescisória e não na sentençarescindenda” (AI 103.247-AgR/RJ, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ de 29-11-85 —grifei).

Essa orientação jurisprudencial da Suprema Corte adverte que o recurso extra-ordinário interposto contra decisão que julga ação rescisória deve adstringir-se,quando presente situação de litigiosidade constitucional, às razões que dão suporte aoacórdão proferido no exame da própria ação rescisória, e não aos fundamentos em quese apoiou o acórdão rescindendo (RTJ 33/549 — RTJ 70/495 — RTJ 77/489 — RTJ77/952 — RTJ 87/502 — RTJ 93/721 — RTJ 93/754 — RTJ 93/908 — RTJ 94/1090 — RTJ 98/185 — RTJ 105/1156 — RTJ 113/340 — RTJ 125/684 — RTJ 127/649 — RTJ 158/934-935, v.g.):

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é assente no sentido deque o recurso extraordinário, interposto em ação rescisória, deve dirigir-se aospressupostos desta e não aos fundamentos da sentença rescindenda. Se assimnão fosse, a ação rescisória teria a virtude de ressuscitar o recurso extraordiná-rio não interposto da decisão rescindenda.”(RE 92.821/SP, Rel. Min. Soares Muñoz — grifei)

A ratio subjacente a essa orientação jurisprudencial foi bem realçada em votodo eminente Ministro Moreira Alves, Relator, proferido no julgamento do RE96.050/SP:

“(...) Essa restrição se justifica, porque os fundamentos do julgado rescin-dendo somente poderiam ser examinados no extraordinário que, a tempo, fossemanifestado contra aquela decisão, e não no recurso contra o acórdão prolatadona rescisória, o que importaria inadmissível dilatação do prazo do extraordinárioque deveria ter atacado o aresto rescindendo (...).” (Grifei)

Cabe relembrar, neste ponto, por oportuno, o preciso magistério expendido porPontes de Miranda (“Tratado da Ação Rescisória das Sentenças e de Outras Deci-sões”, p. 552, 5ª ed., 1976, Forense), que assim analisa o tema em causa:

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“A respeito de ação rescisória têm-se de distinguir o que se passou (a) narelação jurídica processual em que foi proferida a sentença rescindenda e o quese passou (b) na relação jurídica processual em que se pede a rescisão. Não podehaver recurso extraordinário, na relação jurídica processual b), quanto ao quese passou na relação jurídica processual a). Seria entrar-se na relação jurídicaprocessual extinta (ex hypothesi, a sentença rescindenda transitou em julgado eação rescisória é ação contra a res iudicata) para se admitir recurso extraordi-nário.” (Grifei)

Vê-se, portanto, que nada justifica o acolhimento da postulação recursal oradeduzida pela Caixa Econômica Federal, uma vez que o Supremo Tribunal Federal,no tema referido, já firmou a sua posição jurisprudencial, reconhecendo ainadmissibilidade, na espécie em análise, do recurso extraordinário interposto poressa empresa pública, consideradas as razões que dão suporte ao mencionado apeloextremo.

Sendo assim, em face das razões expostas, e considerando, notadamente, osprecedentes que ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal firmaram na maté-ria ora em exame, nego provimento ao presente recurso de agravo, mantendo, emconseqüência, por seus próprios fundamentos, a decisão agravada.

É o meu voto.

VOTO

O Sr. Ministro Joaquim Barbosa: Senhor Presidente, peço vênia para dar provi-mento aos recursos.

EXTRATO DA ATA

AI 460.868-AgR/PA — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: Caixa Eco-nômica Federal – CEF (Advogados: Sérgio Luiz Guimarães Farias e outro). Agravado:Joaquim Rodrigues da Cruz.

Decisão: A Turma, por votação majoritária, negou provimento ao recurso deagravo, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Joaquim Barbosa, que lhedava provimento. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro GilmarMendes.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Ministro GilmarMendes. Subprocuradora-Geral da República, Dra. Sandra Verônica Cureau.

Brasília, 14 de junho de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 536.030 — SP

Relator: O Sr. Ministro Celso de Mello

Agravante: Roseli Secolin — Agravado: Banco do Estado de São Paulo S.A. –BANESPA

Agravo de instrumento — Razões recursais que não infirmam osargumentos da decisão agravada — Impugnação recursal que não guardapertinência com os fundamentos em que se assentou o ato decisório questio-nado — Ocorrência de divórcio ideológico — Inadmissibilidade — Recursoimprovido.

— O recurso de agravo a que se referem os arts. 545 e 557, § 1º,ambos do CPC, deve infirmar todos os fundamentos jurídicos em que seassenta a decisão agravada. O descumprimento dessa obrigação proces-sual, por parte do recorrente, torna inviável o recurso de agravo por eleinterposto. Precedentes.

— A ocorrência de divergência temática entre as razões em que seapóia a petição recursal, de um lado, e os fundamentos que dão suporte àmatéria efetivamente versada na decisão recorrida, de outro, configurahipótese de divórcio ideológico, que, por comprometer a exata compreen-são do pleito deduzido pela parte recorrente, inviabiliza, ante a ausênciade pertinente impugnação, o acolhimento do recurso interposto. Prece-dentes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do SupremoTribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata do julgamento e dasnotas taquigráficas, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de agravo,nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a MinistraEllen Gracie.

Brasília, 17 de maio de 2005 — Celso de Mello, Presidente e Relator.

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Celso de Mello: Trata-se de recurso de agravo, tempestivamenteinterposto, contra decisão que não conheceu do agravo de instrumento deduzido pelaparte ora recorrente.

Eis o teor da decisão, que, por mim proferida, sofreu a interposição do presenterecurso de agravo (fl. 139):

“Verifico faltar, nestes autos, cópia das contra-razões ao recurso extraordi-nário interposto pela parte ora agravante. Trata-se de peça de traslado obrigatório,indispensável à formação do presente instrumento de agravo, exigida pelo art.544, § 1º do Código de Processo Civil.

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Sem que a parte agravante promova a adequada e integral formação doinstrumento, com a apresentação de todas as peças que dele devem constarobrigatoriamente, ou com qualquer outra que seja essencial à compreensão dacontrovérsia, torna-se inviável conhecer do recurso de agravo (AI 214.562-AgR/SC, Rel. Min. Moreira Alves), cabendo enfatizar, ainda, que a composição dotraslado deve processar-se, necessariamente, perante o Tribunal a quo (RTJ 144/948, Rel. Min. Celso de Mello - AI 199.935-AgR/SP, Rel. Min. MaurícioCorrêa).

A eventual ausência, nos autos principais, das contra-razões ao recursoextraordinário ou da procuração outorgada pela parte recorrida — que constituem,dentre outras, peças de traslado obrigatório — impõe, à parte agravante, o dever deinstruir a formação do instrumento com a pertinente certidão que ateste a ocorrên-cia desse fato (RTJ 170/666-667, Rel. Min. Celso de Mello — AI 189.685-AgR/SP, Rel. Min. Moreira Alves — AI 200.426-AgR/PR, Rel. Min. Marco Aurélio— AI 239.487-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello).

Sendo assim, e pelas razões expostas, não conheço deste recurso (Súmula288/STF).

(...)

Ministro Celso de MelloRelator”

A parte ora agravante, ao insurgir-se contra o ato decisório em causa, não só nãoinfirmou os fundamentos em que se assentou a decisão recorrida, como, também,tratou, nesta sede de agravo, de modo impertinente, de questões absolutamente estra-nhas àquelas que realmente constituíram objeto de análise pelo ato ora questionado.

Sendo esse o contexto, submeto, à apreciação desta Colenda Turma, o presenterecurso de agravo.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Celso de Mello (Relator): A pretensão recursal deduzida é inaco-lhível. É que a parte agravante, ao veicular o presente recurso, deixou de impugnar osfundamentos jurídicos em que se assentou o ato decisório ora questionado.

Ao assim proceder, a parte agravante descumpriu uma típica obrigação processualque lhe incumbia atender, pois, como se sabe, impõe-se ao recorrente afastar, pontual-mente, cada uma das razões invocadas como suporte da decisão agravada (AI 238.454-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).

O descumprimento desse dever jurídico — ausência de impugnação de cada umdos fundamentos em que se apóia o ato decisório agravado — conduz, nos termos daorientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte, ao improvimento doagravo interposto (RTJ 126/864 — RTJ 133/486 — RTJ 157/541):

“O recurso de agravo deve impugnar, especificadamente, todos os funda-mentos da decisão agravada.

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R.T.J. — 197 723

— O recurso de agravo a que se referem os arts. 545 e 557, § 1º, ambos doCPC, na redação dada pela Lei n. 9.756/98, deve infirmar todos os fundamentosjurídicos em que se assenta a decisão agravada. O descumprimento dessa obriga-ção processual, por parte do recorrente, torna inviável o recurso de agravo por eleinterposto. Precedentes.”(AI 257.310-AgR/DF, Rel. Min. Celso de Mello)

Na realidade, a parte ora agravante, de maneira absolutamente impertinente,tratou de questões que sequer foram versadas na decisão ora agravada, pondo-se adiscutir temas inteiramente diversos dos que deveriam constituir objeto de suaimpugnação recursal.

O fato irrecusável, no caso ora em exame, é um só: a petição veiculadora dopresente recurso de agravo limitou-se a tratar de questão absolutamente estranhaàquela que constituiu objeto de análise pelo ato decisório que não conheceu do agravode instrumento deduzido pela parte ora recorrente.

Essa incoincidência temática — que se evidencia pela ocorrência de divergênciaentre as razões em que se apóia a petição recursal e os fundamentos que dão suporte àmatéria efetivamente versada na decisão impugnada — configura hipótese de divórcioideológico, circunstância esta que inviabiliza a exata compreensão do pleito deduzidopela parte agravante, impedindo, desse modo, o acolhimento do recurso de agravo.

Cabe assinalar, por necessário, que a ocorrência de divórcio ideológico temlevado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a repelir petições recursais quetenham incidido nesse vício de ordem lógico-formal (RTJ 164/784-785, Rel. p/ oacórdão Min. Celso de Mello — RE 122.472/DF, Rel. Min. Moreira Alves — AI 145.651-AgR/PR, Rel. Min. Celso de Mello — AI 165.769/MG, Rel. Min. Francisco Rezek).

Sendo assim, e pelas razões expostas, nego provimento ao presente recurso deagravo.

É o meu voto.

EXTRATO DA ATA

AI 536.030-AgR/SP — Relator: Ministro Celso de Mello. Agravante: RoseliSecolin (Advogados: Celso Fernando Gioia e outro). Agravado: Banco do Estado deSão Paulo S.A. – BANESPA (Advogados: Janaína Castro Félix Nunes e outro).

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo,nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a MinistraEllen Gracie.

Presidência do Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão os Ministros CarlosVelloso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, a MinistraEllen Gracie. Subprocurador-Geral da República, Dr. Francisco Adalberto da Nóbrega.

Brasília, 17 de maio de 2005 — Carlos Alberto Cantanhede, Coordenador.

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ÍNDICE ALFABÉTICO

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A

Adm Ação declaratória em curso: irrelevância. (...) Desapropriação. MS 25.006RTJ 197/522

Ct Ação direta: descabimento. (...) Controle concentrado de constitucionalidade.ADI 2.938 RTJ 197/452

PrPn Ação penal. Anulação a partir das alegações finais. Prejuízo à defesa. CPP/41, art. 384: ofensa. HC 86.276 RTJ 197/630

PrPn Ação penal. Procedimento especial. Crime de imprensa. Juizado Especial:competência inocorrente. Lei de Imprensa. Lei n. 9.099/95, art. 61. HC86.102 RTJ 197/626

PrPn Ação penal. Programa de Recuperação Fiscal – REFIS. Inclusão antes dorecebimento da denúncia: desnecessidade. Suspensão da pretensão punitiva.Lei n. 9.964/2000, art. 15. RE 409.730 RTJ 197/672

PrPn Ação penal. Trancamento: descabimento. Justa causa. HC 84.738 RTJ 197/618

Ct Ação popular. Competência originária do STF: ausência. Ato do presidenteda República. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499

PrSTF Ação popular. Negativa de seguimento. Remessa dos autos ao juízo compe-tente: impossibilidade. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal –RISTF, art. 21, § 1º. CPC/73, art. 113, § 2º: inaplicabilidade. Pet 3.422-AgRRTJ 197/499

PrSTF Ação rescisória: cabimento e aplicação da Súmula 343. (...) Recurso extra-ordinário. AI 460.868-AgR RTJ 197/716

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IV

PrPn Acórdão criminal. Acusação e condenação: identidade. Princípio da corre-lação: ofensa inocorrente. HC 83.658 RTJ 197/557

PrPn Acórdão criminal. Decisão do STJ. Nulidade. Pressuposto fático equivo-cado: morte do paciente. HC 84.870 RTJ 197/625

Adm Acumulação. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515

PrPn Acusação e condenação: identidade. (...) Acórdão criminal. HC 83.658 RTJ197/557

Ct ADCT da Constituição Federal/88, art. 29, § 3º. (...) Ministério Públicoestadual. ADI 2.836 RTJ 197/446

PrCv Agravo. Inovação temática. Decisão agravada e petição recursal. Divórcioideológico. AI 536.030-AgR RTJ 197/721

PrCv Agravo. Razões. Decisão agravada: ausência de impugnação. AI 536.030-AgR RTJ 197/721

PrSTF Agravo: necessidade. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ197/698

Trbt Alíquota: alteração. (...) Imposto Territorial Rural – ITR. RE 448.558 RTJ197/712

PrPn Ameaça à liberdade de locomoção: ausência. (...) Habeas corpus. HC83.966-AgR RTJ 197/587

Ct Animal submetido a crueldade. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442

Ct Anistia. Concessão. Congresso Nacional e chefe do Executivo: competên-cia. Juízo de oportunidade e conveniência. Controle judicial. Lei n. 8.985/95. ADI 1.231 RTJ 197/413

Pn Antecedentes: irrelevância. (...) Pena-base. HC 83.658 RTJ 197/557

PrPn Anulação a partir das alegações finais. (...) Ação penal. HC 86.276 RTJ 197/630

Ct Aposentadoria: julgamento de legalidade. (...) Tribunal de Contas da União –TCU. MS 24.742 RTJ 197/515

Adm Aposentadoria posterior em cargo civil. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515

Adm Ascensão funcional. (...) Ato administrativo. RE 442.683 RTJ 197/700

PrPn Assinatura do MP: falta. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543

Adm Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA:ilegitimidade ativa. (...) Subsídio. AO 1.230-AgR RTJ 197/407

Adm Ato administrativo. Ascensão funcional. Desconstituição: limite temporal.Estabilidade da situação criada administrativamente. Princípio da segurançajurídica. RE 442.683 RTJ 197/700

Acó-Ato — ÍNDICE ALFABÉTICO

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V

PrCv Ato administrativo. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ197/396

PrPn Ato decisório anterior: nulidade. (...) Competência criminal. Rcl 2.123 RTJ197/428

Ct Ato do presidente da República. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499

Ct Ato do superintendente regional do Incra. (...) Competência originária. MS25.271-AgR RTJ 197/534

Cv Ato jurídico perfeito. (...) Caderneta de poupança. RE 393.021-AgR RTJ197/660

Trbt Ato jurídico perfeito: ofensa inocorrente. (...) Contrato. RE 247.593-AgRRTJ 197/634

PrPn Audiência. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543

Adm Autonomia municipal: ofensa. (...) Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488

PrPn Autor: identificação por testemunha e perícia grafotécnica. (...) Habeascorpus. HC 83.658 RTJ 197/557

PrPn Autoridade coatora. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587

B

Ct Banco: porta eletrônica. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ197/645

Trbt Bem destinado a uso próprio. (...) Imposto sobre Produtos Industrializados –IPI. RE 255.682-AgR RTJ 197/636

PrCv Benefício fiscal para o Estado de destino. (...) Embargos de declaração. RE338.681-AgR-ED RTJ 197/642

PrCv Benefício previdenciário: restabelecimento de pagamento. (...) Tutela ante-cipada. Rcl 1.013 RTJ 197/389

Pn Bilateralidade: inaplicabilidade. (...) Corrupção ativa. HC 83.658 RTJ 197/557

Ct Briga de galos. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442

C

PrSTF Cabimento. (...) Reclamação. Rcl 1.013 RTJ 197/389

Cv Caderneta de poupança. Contrato de depósito. Ato jurídico perfeito. Leinova: inaplicabilidade. RE 393.021-AgR RTJ 197/660

PrCv Caráter infringente. (...) Embargos de declaração. HC 82.770-ED RTJ 197/553

ÍNDICE ALFABÉTICO — Ato-Car

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VI

Ct Cargo ou função de confiança: exercício na própria instituição. (...) Ministé-rio Público estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446

Trbt Celebração anterior à lei instituidora. (...) Contrato. RE 247.593-AgR RTJ197/634

Adm CF/67, art. 93, § 9º. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515

Adm CF/88, arts. 1º, IV, e 170. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 422.941RTJ 197/678

Adm CF/88, arts. 14, § 3º, e 98, II. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct CF/88, art. 21, I: ofensa. (...) Competência legislativa. ADI 3.069 RTJ 197/485

Ct CF/88, art. 22, I. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 –ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct CF/88, art. 30, I. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ 197/645

Ct CF/88, art. 98, II. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452

Adm CF/88, arts. 98, II, e 225. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct CF/88, art. 102, I, “d”. (...) Competência originária. MS 25.271-AgR RTJ197/534

PrCv CF/88, art. 155, § 2º, X, “b”. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642

Ct CF/88, art. 225, § 1º, VII: ofensa. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442

Pn Circunstância judicial desfavorável. (...) Pena-base. HC 83.658 RTJ 197/557

Adm Classificação além do número de vagas. (...) Concurso público. RE 367.460-AgR RTJ 197/655

Adm Código Eleitoral e norma federal específica: observância compulsória. (...)Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452

PrPn Código Eleitoral/65, art. 350. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439

Adm Coisa julgada. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537

Ct Competência. (...) Tribunal de Contas da União – TCU. MS 24.742 RTJ197/515

PrPn Competência criminal. Prefeito e co-réu. Decisão no HC n. 71.551:descumprimento. Perda de mandato. Ato decisório anterior: nulidade. Rcl2.123 RTJ 197/428

Adm Competência funcional. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452

PrCv Competência jurisdicional. Tribunal Regional Federal – TRF. Mandado desegurança. Ato administrativo. Eleição para cargo de direção. Loman/79, art.102. Súmulas 623 e 624. AO 1.160-AgR RTJ 197/396

Car-Com — ÍNDICE ALFABÉTICO

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VII

Ct Competência legislativa. Estado-Membro. Juiz de paz: arrecadar bem, fun-cionar como perito, nomear escrivão “ad hoc”. CF/88, art. 98, II. Lei estadualn. 13.454/2000-MG. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct Competência legislativa. Município. Banco: porta eletrônica. Interesselocal. CF/88, art. 30, I. AI 347.717-AgR RTJ 197/645

Ct Competência legislativa. União Federal. Direito do Trabalho. Feriado paratodos os efeitos legais. CF/88, art. 21, I: ofensa. Lei distrital n. 3.083/02-DF,art. 2º: inconstitucionalidade. ADI 3.069 RTJ 197/485

Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: assistência a em-pregado em rescisão de contrato de trabalho. CF/88, art. 22, I. Lei estadual n.13.454/2000-MG, art. 15, IX: inconstitucionalidade. ADI 2.938 RTJ197/452

Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: elegibilidade. CF/88,art. 22, I. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: prisão especial.Loman/79, art. 112, § 2º. CF/88, art. 22, I. Lei estadual n. 13.454/2000-MG,art. 22: inconstitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct Competência legislativa. União Federal. Juiz de paz: processar auto decorpo de delito, lavrar auto de prisão. CF/88, art. 22, I. Lei estadual n.13.454/2000-MG, art. 15, VIII: inconstitucionalidade. ADI 2.938 RTJ197/452

Ct Competência originária. Supremo Tribunal Federal – STF. Mandado desegurança. Ato do superintendente regional do Incra. Referendo do presi-dente da República. CF/88, art. 102, I, “d”. MS 25.271-AgR RTJ 197/534

Ct Competência originária do STF: ausência. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgRRTJ 197/499

PrPn Competência territorial. Jornal: local da impressão. Lei de Imprensa, art. 42.HC 86.102 RTJ 197/626

Int Compromisso formal: necessidade. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384

Int Comutação em pena não superior a trinta anos. (...) Extradição. Ext 944 RTJ197/384

Ct Concessão. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413

Pn Concurso material. Inocorrência. Falsificação de documento e estelionato.Princípio da consunção. Ext 931 RTJ 197/376

Adm Concurso público. Classificação além do número de vagas. Prazo de valida-de: término. Prorrogação: inocorrência. Convocação para segunda fase: im-possibilidade. RE 367.460-AgR RTJ 197/655

Pn Condenação. (...) Corrupção ativa. HC 83.658 RTJ 197/557

Pn Configuração. (...) Tráfico de entorpecente. HC 70.231 RTJ 197/543

ÍNDICE ALFABÉTICO — Com-Con

Page 370: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

VIII

Ct Congresso Nacional e chefe do Executivo: competência. (...) Anistia. ADI1.231 RTJ 197/413

PrCv Contradição. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642

PrCv Contradição inexistente. (...) Embargos de declaração. RE 395.121-EDRTJ 197/664

Ct Contraditório: inaplicabilidade. (...) Tribunal de Contas da União – TCU.MS 24.742 RTJ 197/515

Trbt Contrato. Celebração anterior à lei instituidora. Fator de deflação (tablita):aplicação imediata. Ato jurídico perfeito: ofensa inocorrente. Lei n. 8.177/91, art. 27. RE 247.593-AgR RTJ 197/634

Cv Contrato de depósito. (...) Caderneta de poupança. RE 393.021-AgR RTJ197/660

Ct Controle concentrado de constitucionalidade. Ação direta: descabimento.Efeito repristinatório. Norma ab-rogatória e revogada: necessidade de im-pugnação. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct Controle externo. (...) Tribunal de Contas da União – TCU. MS 24.742 RTJ197/515

Ct Controle judicial. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413

Adm Convocação para segunda fase: impossibilidade. (...) Concurso público.RE 367.460-AgR RTJ 197/655

Pn Corrupção ativa. Condenação. Corrupção passiva: absolvição de um dosdenunciados. Bilateralidade: inaplicabilidade. HC 83.658 RTJ 197/557

Pn Corrupção passiva: absolvição de um dos denunciados. (...) Corrupçãoativa. HC 83.658 RTJ 197/557

PrSTF CPC/73, art. 113, § 2º: inaplicabilidade. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgRRTJ 197/499

PrSTF CPC/73, art. 557, § 1º. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ197/698

PrPn CPP/41, art. 384: ofensa. (...) Ação penal. HC 86.276 RTJ 197/630

Pn Crime contra a honra. Difamação contra promotor de justiça: não-configu-ração. Crítica à atuação de agente público. Lei de Imprensa. Inq 2.154 RTJ197/436

PrPn Crime de imprensa. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626

PrPn Crime eleitoral. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439

PrPn Crime hediondo. (...) Sentença condenatória. HC 82.770-ED RTJ 197/553

Pn Crítica à atuação de agente público. (...) Crime contra a honra. Inq 2.154RTJ 197/436

Con-Crí — ÍNDICE ALFABÉTICO

Page 371: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

IX

D

PrCv Decisão agravada: ausência de impugnação. (...) Agravo. AI 536.030-AgRRTJ 197/721

PrCv Decisão agravada e petição recursal. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721

PrSTF Decisão de relator de Juizado Especial. (...) Recurso extraordinário. RE426.183-AgR RTJ 197/698

PrPn Decisão do STJ. (...) Acórdão criminal. HC 84.870 RTJ 197/625

PrCv Decisão na ADC n. 4: ofensa. (...) Tutela antecipada. Rcl 1.013 RTJ 197/389

PrPn Decisão no HC n. 71.551: descumprimento. (...) Competência criminal. Rcl2.123 RTJ 197/428

PrSTF Decisão plenária do STF. (...) Reclamação. Rcl 1.013 RTJ 197/389

Adm Decreto n. 2.250/97: orientação administrativa. (...) Desapropriação. MS25.006 RTJ 197/522

Adm Defesa do meio ambiente. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452

Int Delito de associação criminosa. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376

PrPn Denúncia. Inépcia. Venda de bem alienado fiduciariamente. Elemento sub-jetivo não demonstrado. HC 84.161 RTJ 197/604

PrPn Denúncia. Inépcia inocorrente. Tráfico de entorpecente. Descrição suficienteda conduta. HC 70.231 RTJ 197/543

PrPn Denúncia. Recebimento. Crime eleitoral. Deputado federal. Suspensão con-dicional do processo penal — “sursis” processual: proposta aceita. CódigoEleitoral/65, art. 350. Inq 2.170 RTJ 197/439

PrPn Deputado federal. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Ação declaratória em curso: irrelevância.MS 25.006 RTJ 197/522

Adm Desapropriação. Reforma agrária. Imóvel invadido. Vistoria: possibilidade.Decreto n. 2.250/97: orientação administrativa. MS 25.006 RTJ 197/522

PrPn Descabimento. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587

PrSTF Descabimento. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ 197/698

Adm Desconstituição: limite temporal. (...) Ato administrativo. RE 442.683 RTJ197/700

Adm Desconto. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503

PrPn Descrição suficiente da conduta. (...) Denúncia. HC 70.231 RTJ 197/543

Ct Desincompatibilização dos candidatos. (...) Ministério Público estadual.ADI 2.836 RTJ 197/446

ÍNDICE ALFABÉTICO — Dec-Des

Page 372: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

X

Adm Deslocamento sem prejuízo de vencimentos. (...) Professor. ADI 3.114 RTJ197/488

Adm Devolução ao órgão de origem. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ 197/524

Pn Difamação contra promotor de justiça: não-configuração. (...) Crime contraa honra. Inq 2.154 RTJ 197/436

PrPn Direito à intimidade: proteção. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ197/587

PrPn Direito de apelar em liberdade. (...) Sentença condenatória. HC 82.770-EDRTJ 197/553

Ct Direito do Trabalho. (...) Competência legislativa. ADI 3.069 RTJ 197/485

PrCv Divórcio ideológico. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721

Int Dupla tipicidade. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376 – Ext 944 RTJ197/384

E

PrSTF Efeito devolutivo limitado. (...) Recurso extraordinário. AI 347.717-AgRRTJ 197/645

Ct Efeito repristinatório. (...) Controle concentrado de constitucionalidade.ADI 2.938 RTJ 197/452

PrSTF Efeito vinculante. (...) Reclamação. Rcl 1.013 RTJ 197/389

Adm Eleição e investidura. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452

PrCv Eleição para cargo de direção. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ 197/396

PrPn Elemento subjetivo não demonstrado. (...) Denúncia. HC 84.161 RTJ 197/604

PrCv Embargos de declaração. Contradição. Imposto sobre Circulação de Mer-cadorias e Serviços – ICMS. Benefício fiscal para o Estado de destino.Lubrificante e combustível derivado de petróleo. Operação interestadual.CF/88, art. 155, § 2º, X, “b”. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642

PrCv Embargos de declaração. Contradição inexistente. Tribunal “a quo”: maté-ria constitucional no voto vencido. RE 395.121-ED RTJ 197/664

PrCv Embargos de declaração. Intempestividade. Publicação do acórdãoembargado: necessidade. AC 738-QO-ED RTJ 197/373

PrCv Embargos de declaração. Pressupostos inocorrentes. RHC 82.390-ED RTJ197/549

PrCv Embargos de declaração. Pressupostos inocorrentes. Caráter infringente.HC 82.770-ED RTJ 197/553

Des-Emb — ÍNDICE ALFABÉTICO

Page 373: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XI

Ct Emenda parlamentar sem aumento de despesa. (...) Processo legislativo. ADI3.114 RTJ 197/488

Int Entrega do extraditando adiada até o término da ação penal. (...) Extradição.Ext 944 RTJ 197/384

Adm Estabilidade da situação criada administrativamente. (...) Ato administrativo.RE 442.683 RTJ 197/700

Ct Estado-Membro. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452

Pn Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, arts. 110, 111 e 122. (...)Medida socioeducativa. HC 84.682 RTJ 197/611

Int Estelionato. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376

PrPn Execução provisória: inadmissibilidade. (...) Sentença condenatória. HC84.802 RTJ 197/621

Int Extradição. Dupla tipicidade. Estelionato. Prescrição inocorrente. Lei por-tuguesa. Ext 931 RTJ 197/376

Int Extradição. Dupla tipicidade. Tráfico internacional de entorpecente. Trata-do Brasil—Estados Unidos da América. Ext 944 RTJ 197/384

Int Extradição. Indeferimento. Delito de associação criminosa. Pedido impreciso.Lei n. 6.815/80, art. 80. Ext 931 RTJ 197/376

Int Extradição. “Indictment” e pronúncia: equivalência. Prescrição inocor-rente. Ext 944 RTJ 197/384

Int Extradição. Prisão perpétua. Comutação em pena não superior a trinta anos.Compromisso formal: necessidade. Ext 944 RTJ 197/384

Int Extradição. Processo criminal no Brasil. Entrega do extraditando adiada atéo término da ação penal. Ext 944 RTJ 197/384

F

Pn Falsificação de documento e estelionato. (...) Concurso material. Ext 931RTJ 197/376

PrPn Fase de alegações finais. (...) Processo criminal. HC 86.276 RTJ 197/630

PrPn Fato concreto: não-demonstração. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ197/587

Trbt Fator de deflação (tablita): aplicação imediata. (...) Contrato. RE 247.593-AgR RTJ 197/634

Ct Feriado para todos os efeitos legais. (...) Competência legislativa. ADI 3.069RTJ 197/485

Adm Filiação partidária: obrigatoriedade. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452

ÍNDICE ALFABÉTICO — Eme-Fil

Page 374: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XII

Pn Fixação acima do mínimo legal. (...) Pena-base. HC 83.658 RTJ 197/557

PrPn Fundamentação em fato ocorrido no período. (...) Suspensão condicional doprocesso penal — “sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608

PrPn Fundamentação insuficiente. (...) Sentença condenatória. HC 84.802 RTJ197/621

PrPn Fundamentação suficiente. (...) Prisão preventiva. HC 82.770-ED RTJ 197/553

Adm Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental: recursos.(...) Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488

G

PrPn Garantia da ordem pública. (...) Prisão preventiva. HC 82.770-ED RTJ 197/553

Adm Gratificação. Servidor público. Incorporação. Sentença judicial transitadaem julgado. Supressão pelo TCU: impossibilidade. Coisa julgada. MS25.460 RTJ 197/537

H

PrPn Habeas corpus. Descabimento. Autoridade coatora. Fato concreto: não-demonstração. HC 83.966-AgR RTJ 197/587

PrPn Habeas corpus. Direito à intimidade: proteção. Sigilo telefônico: quebra.Relação entre advogado e cliente. Ameaça à liberdade de locomoção: ausên-cia. HC 83.966-AgR RTJ 197/587

PrPn Habeas corpus. Ilegitimidade passiva “ad causam”. Procurador-geral daRepública. HC 83.966-AgR RTJ 197/587

PrPn Habeas corpus. Interceptação telefônica: pedido. Ameaça à liberdade delocomoção: ausência. HC 83.966-AgR RTJ 197/587

PrPn Habeas corpus. Vedação de análise probatória: parcimônia. Autor: identifi-cação por testemunha e perícia grafotécnica. Prova produzida na instruçãoprocessual. HC 83.658 RTJ 197/557

I

PrPn Ilegitimidade passiva “ad causam”. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgRRTJ 197/587

Adm Imóvel invadido. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522

Trbt Importação por pessoa física não empresária. (...) Imposto sobre ProdutosIndustrializados – IPI. RE 255.682-AgR RTJ 197/636

Fix-Imp — ÍNDICE ALFABÉTICO

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XIII

PrCv Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. (...) Embargosde declaração. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642

Trbt Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Não-incidência. Veículoautomotor. Importação por pessoa física não empresária. Bem destinado auso próprio. RE 255.682-AgR RTJ 197/636

Trbt Imposto Territorial Rural – ITR. Medida provisória reeditada. Alíquota:alteração. Princípio da anterioridade tributária: ofensa. RE 448.558 RTJ197/712

PrPn Inclusão antes do recebimento da denúncia: desnecessidade. (...) Açãopenal. RE 409.730 RTJ 197/672

Adm Incorporação. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537

Int Indeferimento. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376

Int “Indictment” e pronúncia: equivalência. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384

PrPn Inépcia. (...) Denúncia. HC 84.161 RTJ 197/604

PrPn Inépcia inocorrente. (...) Denúncia. HC 70.231 RTJ 197/543

Pn Inocorrência. (...) Concurso material. Ext 931 RTJ 197/376

PrCv Inovação temática. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721

PrPn Inquirição de testemunha. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543

PrSTF Instância ordinária não esgotada. (...) Recurso extraordinário. RE 426.183-AgR RTJ 197/698

PrPn Instrução criminal. Audiência. Inquirição de testemunha. Ministério Público:ausência. Intimação regular. Nulidade inocorrente. HC 70.231 RTJ 197/543

PrPn Instrução criminal. Termo de audiência. Assinatura do MP: falta. Nulidadeinocorrente. HC 70.231 RTJ 197/543

PrCv Intempestividade. (...) Embargos de declaração. AC 738-QO-ED RTJ 197/373

PrPn Interceptação telefônica: pedido. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ197/587

Ct Interesse local. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ 197/645

Adm Intervenção estatal na economia. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE422.941 RTJ 197/678

PrPn Intimação regular. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543

J

PrPn Jornal: local da impressão. (...) Competência territorial. HC 86.102 RTJ197/626

Adm Juiz de paz. Competência funcional. Defesa do meio ambiente. Vigilânciasobre mata, rio e fonte. CF/88, arts. 98, II, e 225. ADI 2.938 RTJ 197/452

ÍNDICE ALFABÉTICO — Imp-Jui

Page 376: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XIV

Adm Juiz de paz. Eleição e investidura. Filiação partidária: obrigatoriedade.CF/88, arts. 14, § 3º, e 98, II. ADI 2.938 RTJ 197/452

Adm Juiz de paz. Legislação estadual: criação da justiça de paz. Código Eleitorale norma federal específica: observância compulsória. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct Juiz de paz: arrecadar bem, funcionar como perito, nomear escrivão “ad hoc”.(...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct Juiz de paz: assistência a empregado em rescisão de contrato de trabalho. (...)Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct Juiz de paz: elegibilidade. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ197/452

Ct Juiz de paz: prisão especial. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ197/452

Ct Juiz de paz: processar auto de corpo de delito, lavrar auto de prisão. (...)Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452

PrPn Juizado Especial: competência. (...) Processo criminal. HC 86.276 RTJ 197/630

PrPn Juizado Especial: competência inocorrente. (...) Ação penal. HC 86.102RTJ 197/626

Ct Juízo de oportunidade e conveniência. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413

PrPn Justa causa. (...) Ação penal. HC 84.738 RTJ 197/618

L

Adm Legislação estadual: criação da justiça de paz. (...) Juiz de paz. ADI 2.938RTJ 197/452

PrCv Legitimidade passiva. (...) Mandado de segurança. MS 24.544 RTJ 197/503

Ct Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 9º, § 1º, “c”. (...) MinistérioPúblico estadual. ADI 2.836 RTJ 197/446

Ct Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 165. (...) Ministério Públicoestadual. ADI 2.836 RTJ 197/446

Ct Lei Complementar estadual n. 836/97/SP, art. 25, parágrafo único. (...) Pro-cesso legislativo. ADI 3.114 RTJ 197/488

Adm Lei Complementar estadual n. 836/97/SP, art. 46: inconstitucionalidade. (...)Professor. ADI 3.114 RTJ 197/488

PrPn Lei de Imprensa. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626

Jui-Lei — ÍNDICE ALFABÉTICO

Page 377: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XV

Pn Lei de Imprensa. (...) Crime contra a honra. Inq 2.154 RTJ 197/436

PrPn Lei de Imprensa, art. 42. (...) Competência territorial. HC 86.102 RTJ 197/626

Ct Lei distrital n. 3.083/02/DF, art. 2º: inconstitucionalidade. (...) Competêncialegislativa. ADI 3.069 RTJ 197/485

Ct Lei estadual n. 11.366/2000/SC: inconstitucionalidade. (...) Meio ambiente.ADI 2.514 RTJ 197/442

Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG. (...) Competência legislativa. ADI 2.938RTJ 197/452

Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG, art. 15, VIII: inconstitucionalidade. (...)Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG, art. 15, IX: inconstitucionalidade. (...)Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452

Ct Lei estadual n. 13.454/2000/MG, art. 22: inconstitucionalidade. (...) Com-petência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452

Int Lei n. 6.815/80, art. 80. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376

Adm Lei n. 6.999/82. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ 197/524

Adm Lei n. 8.112/90, arts. 45 e 46. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503

Trbt Lei n. 8.177/91, art. 27. (...) Contrato. RE 247.593-AgR RTJ 197/634

Adm Lei n. 8.443/92, art. 28, I. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503

Ct Lei n. 8.985/95. (...) Anistia. ADI 1.231 RTJ 197/413

PrPn Lei n. 9.099/95, art. 61. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626

PrPn Lei n. 9.099/95, art. 89, § 5º. (...) Suspensão condicional do processo penal— “sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608

PrPn Lei n. 9.964/2000, art. 15. (...) Ação penal. RE 409.730 RTJ 197/672

Cv Lei nova: inaplicabilidade. (...) Caderneta de poupança. RE 393.021-AgRRTJ 197/660

Int Lei portuguesa. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376

PrCv Loman/79, art. 102. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ197/396

Ct Loman/79, art. 112, § 2º. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452

PrCv Lubrificante e combustível derivado de petróleo. (...) Embargos de declara-ção. RE 338.681-AgR-ED RTJ 197/642

ÍNDICE ALFABÉTICO — Lei-Lub

Page 378: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XVI

M

Adm Magistrado. (...) Vencimentos. AO 1.056-AgR RTJ 197/392

Adm Majoração. (...) Subsídio. AO 1.230-AgR RTJ 197/407

PrCv Mandado de segurança. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgRRTJ 197/396

Ct Mandado de segurança. (...) Competência originária. MS 25.271-AgR RTJ197/534

PrCv Mandado de segurança. Legitimidade passiva. Tribunal de Contas daUnião – TCU. Proventos: determinação de desconto. MS 24.544 RTJ 197/503

PrCv Mandado de segurança. Matéria de prova. Produtividade do imóvel. MS25.006 RTJ 197/522

PrCv Matéria de prova. (...) Mandado de segurança. MS 25.006 RTJ 197/522

PrSTF Matéria infraconstitucional. (...) Recurso extraordinário. AI 460.868-AgRRTJ 197/716

PrPn Matéria pendente de julgamento no Plenário do STF: Rcl n. 2.391. (...)Sentença condenatória. HC 82.770-ED RTJ 197/553

PrSTF Medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade. (...) Reclama-ção. Rcl 1.013 RTJ 197/389

Trbt Medida provisória reeditada. (...) Imposto Territorial Rural – ITR. RE448.558 RTJ 197/712

Pn Medida socioeducativa. Regime de semiliberdade. Substituição porinternação sem prazo determinado: impossibilidade. Estatuto da Criança edo Adolescente – ECA, arts. 110, 111 e 122. HC 84.682 RTJ 197/611

Ct Meio ambiente. Proteção. Animal submetido a crueldade. Briga de galos.CF/88, art. 225, § 1º, VII: ofensa. Lei estadual n. 11.366/2000/SC:inconstitucionalidade. ADI 2.514 RTJ 197/442

Ct Membro admitido antes da CF/88. (...) Ministério Público estadual. ADI2.836 RTJ 197/446

Adm Militar reformado. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515

PrPn Ministério Público: ausência. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543

Ct Ministério Público estadual. Membro admitido antes da CF/88. Regimeanterior: opção a qualquer tempo. Cargo ou função de confiança: exercí-cio na própria instituição. ADCT da Constituição Federal/88, art. 29, § 3º.Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ, art. 165. ADI 2.836 RTJ 197/446

Mag-Min — ÍNDICE ALFABÉTICO

Page 379: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XVII

Ct Ministério Público estadual. Procurador-geral de justiça: eleição. Desin-compatibilização dos candidatos. Lei Complementar estadual n. 106/03/RJ,art. 9º, § 1º, “c”. ADI 2.836 RTJ 197/446

Adm Ministro do STF. (...) Subsídio. AO 1.230-AgR RTJ 197/407

Ct Município. (...) Competência legislativa. AI 347.717-AgR RTJ 197/645

Adm Município: ressarcimento ao Estado-Membro. (...) Professor. ADI 3.114RTJ 197/488

PrPn “Mutatio libelli”. (...) Processo criminal. HC 86.276 RTJ 197/630

N

Trbt Não-incidência. (...) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. RE255.682-AgR RTJ 197/636

PrSTF Negativa de seguimento. (...) Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499

Ct Norma ab-rogatória e revogada: necessidade de impugnação. (...) Controleconcentrado de constitucionalidade. ADI 2.938 RTJ 197/452

PrPn Nulidade. (...) Acórdão criminal. HC 84.870 RTJ 197/625

PrPn Nulidade inocorrente. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543

O

PrCv Operação interestadual. (...) Embargos de declaração. RE 338.681-AgR-EDRTJ 197/642

P

Adm Parcela autônoma de equivalência: não-incidência. (...) Vencimentos. AO1.056-AgR RTJ 197/392

Int Pedido impreciso. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376

Pn Pena-base. Fixação acima do mínimo legal. Circunstância judicial desfavo-rável. Antecedentes: irrelevância. HC 83.658 RTJ 197/557

PrPn Perda de mandato. (...) Competência criminal. Rcl 2.123 RTJ 197/428

Adm Período anterior à EC n. 20/98. (...) Proventos. MS 24.742 RTJ 197/515

Adm Período de afastamento: término. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ197/524

PrPn Período de prova findo. (...) Suspensão condicional do processo penal —“sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608

Pn Porte de substância tóxica. (...) Tráfico de entorpecente. HC 70.231 RTJ197/543

ÍNDICE ALFABÉTICO — Min-Por

Page 380: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XVIII

Adm Prazo de validade: término. (...) Concurso público. RE 367.460-AgR RTJ197/655

Adm Preço: fixação. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE 422.941 RTJ197/678

PrPn Prefeito e co-réu. (...) Competência criminal. Rcl 2.123 RTJ 197/428

PrPn Prejuízo à defesa. (...) Ação penal. HC 86.276 RTJ 197/630

Int Prescrição inocorrente. (...) Extradição. Ext 931 RTJ 197/376 – Ext 944RTJ 197/384

PrPn Pressuposto fático equivocado: morte do paciente. (...) Acórdão criminal.HC 84.870 RTJ 197/625

PrCv Pressupostos inocorrentes. (...) Embargos de declaração. RHC 82.390-EDRTJ 197/549 – HC 82.770-ED RTJ 197/553

Trbt Princípio da anterioridade tributária: ofensa. (...) Imposto Territorial Ru-ral – ITR. RE 448.558 RTJ 197/712

Pn Princípio da consunção. (...) Concurso material. Ext 931 RTJ 197/376

PrPn Princípio da correlação: ofensa inocorrente. (...) Acórdão criminal. HC83.658 RTJ 197/557

Adm Princípio da livre iniciativa. (...) Responsabilidade civil do Estado. RE422.941 RTJ 197/678

Adm Princípio da segurança jurídica. (...) Ato administrativo. RE 442.683 RTJ197/700

PrSTF Princípio “jura novit curia”: inaplicabilidade. (...) Recurso extraordinário.AI 347.717-AgR RTJ 197/645

Int Prisão perpétua. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384

PrPn Prisão preventiva. Fundamentação suficiente. Garantia da ordem pública.HC 82.770-ED RTJ 197/553

PrPn Procedimento especial. (...) Ação penal. HC 86.102 RTJ 197/626

PrPn Processo criminal. “Mutatio libelli”. Fase de alegações finais. JuizadoEspecial: competência. HC 86.276 RTJ 197/630

Int Processo criminal no Brasil. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384

Ct Processo legislativo. Projeto de lei de iniciativa do Executivo. Emendaparlamentar sem aumento de despesa. Lei Complementar estadual n. 836/97/SP, art. 25, parágrafo único. ADI 3.114 RTJ 197/488

PrPn Procurador-geral da República. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ197/587

Ct Procurador-geral de justiça: eleição. (...) Ministério Público estadual. ADI2.836 RTJ 197/446

Pra-Pro — ÍNDICE ALFABÉTICO

Page 381: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XIX

PrCv Produtividade do imóvel. (...) Mandado de segurança. MS 25.006 RTJ 197/522

Adm Professor. Deslocamento sem prejuízo de vencimentos. Município: ressarci-mento ao Estado-Membro. Fundo de Desenvolvimento e Manutenção doEnsino Fundamental: recursos. Autonomia municipal: ofensa. Lei Comple-mentar estadual n. 836/97/SP, art. 46: inconstitucionalidade. ADI 3.114RTJ 197/488

PrPn Programa de Recuperação Fiscal – REFIS. (...) Ação penal. RE 409.730 RTJ197/672

Ct Projeto de lei de iniciativa do Executivo. (...) Processo legislativo. ADI3.114 RTJ 197/488

Adm Prorrogação: inocorrência. (...) Concurso público. RE 367.460-AgR RTJ197/655

Ct Proteção. (...) Meio ambiente. ADI 2.514 RTJ 197/442

PrPn Prova produzida na instrução processual. (...) Habeas corpus. HC 83.658RTJ 197/557

Adm Proventos. Acumulação. Militar reformado. Aposentadoria posterior emcargo civil. Período anterior à EC n. 20/98. CF/67, art. 93, § 9º. MS 24.742RTJ 197/515

Adm Proventos. Desconto. Ressarcimento ao erário. Tomada de contas especialpelo TCU. Lei n. 8.112/90, arts. 45 e 46. Lei n. 8.443/92, art. 28, I. MS 24.544RTJ 197/503

PrCv Proventos: determinação de desconto. (...) Mandado de segurança. MS24.544 RTJ 197/503

PrCv Publicação do acórdão embargado: necessidade. (...) Embargos de declara-ção. AC 738-QO-ED RTJ 197/373

Q

Pn Quantidade apreendida: divergência irrelevante. (...) Tráfico de entorpecente.HC 70.231 RTJ 197/543

R

PrCv Razões. (...) Agravo. AI 536.030-AgR RTJ 197/721

PrPn Recebimento. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439

PrSTF Reclamação. Cabimento. Decisão plenária do STF. Medida cautelar emação declaratória de constitucionalidade. Efeito vinculante. Rcl 1.013 RTJ197/389

ÍNDICE ALFABÉTICO — Pro-Rec

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XX

PrPn Recolhimento à prisão: condição para apelar. (...) Sentença condenatória.HC 84.802 RTJ 197/621

PrSTF Recurso extraordinário. Descabimento. Instância ordinária não esgotada.Decisão de relator de Juizado Especial. Agravo: necessidade. CPC/73, art.557, § 1º. RE 426.183-AgR RTJ 197/698

PrSTF Recurso extraordinário. Efeito devolutivo limitado. Princípio “jura novitcuria”: inaplicabilidade. AI 347.717-AgR RTJ 197/645

PrSTF Recurso extraordinário. Matéria infraconstitucional. Ação rescisória: cabi-mento e aplicação da Súmula 343. AI 460.868-AgR RTJ 197/716

Ct Referendo do presidente da República. (...) Competência originária. MS25.271-AgR RTJ 197/534

Adm Reforma agrária. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522

Ct Regime anterior: opção a qualquer tempo. (...) Ministério Público estadual.ADI 2.836 RTJ 197/446

Pn Regime de semiliberdade. (...) Medida socioeducativa. HC 84.682 RTJ 197/611

PrSTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF, art. 21, § 1º. (...)Ação popular. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499

PrPn Relação entre advogado e cliente. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ197/587

PrSTF Remessa dos autos ao juízo competente: impossibilidade. (...) Ação popu-lar. Pet 3.422-AgR RTJ 197/499

Adm Requisição pela Justiça Eleitoral. (...) Servidor público. MS 25.194 RTJ197/524

Adm Responsabilidade civil do Estado. Intervenção estatal na economia. Preço:fixação. Princípio da livre iniciativa. CF/88, arts. 1º, IV, e 170. RE 422.941RTJ 197/678

Adm Ressarcimento ao erário. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503

PrPn Revogação posterior: possibilidade. (...) Suspensão condicional do proces-so penal — “sursis” processual. HC 84.660 RTJ 197/608

S

PrPn Sentença condenatória. Direito de apelar em liberdade. Crime hediondo.Matéria pendente de julgamento no Plenário do STF: Rcl n. 2.391. HC82.770-ED RTJ 197/553

PrPn Sentença condenatória. Recolhimento à prisão: condição para apelar. Fun-damentação insuficiente. Trânsito em julgado: inocorrência. Execução pro-visória: inadmissibilidade. HC 84.802 RTJ 197/621

Rec-Sen — ÍNDICE ALFABÉTICO

Page 383: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XXI

Adm Sentença judicial transitada em julgado. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ197/537

Adm Servidor público. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ 197/537

Adm Servidor público. Requisição pela Justiça Eleitoral. Período de afastamento:término. Devolução ao órgão de origem. Lei n. 6.999/82. MS 25.194 RTJ197/524

PrPn Sigilo telefônico: quebra. (...) Habeas corpus. HC 83.966-AgR RTJ 197/587

Adm Subsídio. Majoração. Ministro do STF. Associação Nacional dos Magistra-dos da Justiça do Trabalho – ANAMATRA: ilegitimidade ativa. AO 1.230-AgR RTJ 197/407

Pn Substituição por internação sem prazo determinado: impossibilidade. (...)Medida socioeducativa. HC 84.682 RTJ 197/611

PrCv Súmulas 623 e 624. (...) Competência jurisdicional. AO 1.160-AgR RTJ197/396

Ct Supremo Tribunal Federal – STF. (...) Competência originária. MS 25.271-AgR RTJ 197/534

Adm Supressão pelo TCU: impossibilidade. (...) Gratificação. MS 25.460 RTJ197/537

PrPn Suspensão condicional do processo penal — “sursis” processual. Perío-do de prova findo. Revogação posterior: possibilidade. Fundamentaçãoem fato ocorrido no período. Lei n. 9.099/95, art. 89, § 5º. HC 84.660 RTJ197/608

PrPn Suspensão condicional do processo penal — “sursis” processual: propostaaceita. (...) Denúncia. Inq 2.170 RTJ 197/439

PrPn Suspensão da pretensão punitiva. (...) Ação penal. RE 409.730 RTJ 197/672

T

PrPn Termo de audiência. (...) Instrução criminal. HC 70.231 RTJ 197/543

Adm Tomada de contas especial pelo TCU. (...) Proventos. MS 24.544 RTJ 197/503

Pn Tráfico de entorpecente. Configuração. Porte de substância tóxica. Quanti-dade apreendida: divergência irrelevante. HC 70.231 RTJ 197/543

PrPn Tráfico de entorpecente. (...) Denúncia. HC 70.231 RTJ 197/543

Int Tráfico internacional de entorpecente. (...) Extradição. Ext 944 RTJ 197/384

PrPn Trancamento: descabimento. (...) Ação penal. HC 84.738 RTJ 197/618

ÍNDICE ALFABÉTICO — Sen-Tra

Page 384: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XXII

PrPn Trânsito em julgado: inocorrência. (...) Sentença condenatória. HC 84.802RTJ 197/621

Int Tratado Brasil—Estados Unidos da América. (...) Extradição. Ext 944 RTJ197/384

PrCv Tribunal “a quo”: matéria constitucional no voto vencido. (...) Embargos dedeclaração. RE 395.121-ED RTJ 197/664

Ct Tribunal de Contas da União – TCU. Competência. Aposentadoria: julga-mento de legalidade. Controle externo. Contraditório: inaplicabilidade. MS24.742 RTJ 197/515

PrCv Tribunal de Contas da União – TCU. (...) Mandado de segurança. MS24.544 RTJ 197/503

PrCv Tribunal Regional Federal – TRF. (...) Competência jurisdicional. AO1.160-AgR RTJ 197/396

PrCv Tutela antecipada. Benefício previdenciário: restabelecimento de paga-mento. Decisão na ADC n. 4: ofensa. Rcl 1.013 RTJ 197/389

U

Ct União Federal. (...) Competência legislativa. ADI 2.938 RTJ 197/452 – ADI2.938 RTJ 197/452 – ADI 3.069 RTJ 197/485

V

PrPn Vedação de análise probatória: parcimônia. (...) Habeas corpus. HC 83.658RTJ 197/557

Trbt Veículo automotor. (...) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. RE255.682-AgR RTJ 197/636

Adm Vencimentos. Magistrado. Verba de representação: cálculo. Parcela autôno-ma de equivalência: não-incidência. AO 1.056-AgR RTJ 197/392

PrPn Venda de bem alienado fiduciariamente. (...) Denúncia. HC 84.161 RTJ197/604

Adm Verba de representação: cálculo. (...) Vencimentos. AO 1.056-AgR RTJ 197/392

Adm Vigilância sobre mata, rio e fonte. (...) Juiz de paz. ADI 2.938 RTJ 197/452

Adm Vistoria: possibilidade. (...) Desapropriação. MS 25.006 RTJ 197/522

Trâ-Vis — ÍNDICE ALFABÉTICO

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ÍNDICE NUMÉRICO

Page 386: Rtj Supremo Tribunal Federal 197
Page 387: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

ACÓRDÃOS

738 (AC-QO-ED) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/373931 (Ext) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 197/376944 (Ext) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/384

1.013 (Rcl) Rel. p/ o ac.: Min. Nelson Jobim ............ 197/3891.056 (AO-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/3921.160 (AO-AgR) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 197/3961.230 (AO-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/4071.231 (ADI) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/4132.123 (Rcl) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 197/4282.154 (Inq) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/4362.170 (Inq) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/4392.514 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau ............................... 197/4422.836 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau ............................... 197/4462.938 (ADI) Rel.: Min. Eros Grau ............................... 197/4523.069 (ADI) Rel.: Min. Ellen Gracie .......................... 197/4853.114 (ADI) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/4883.422 (Pet-AgR) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/499

24.544 (MS) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/50324.742 (MS) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/51525.006 (MS) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/52225.194 (MS) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/52425.271 (MS-AgR) Rel.: Min. Ellen Gracie .......................... 197/53425.460 (MS) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/53770.231 (HC) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/54382.390 (RHC-ED) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 197/54982.770 (HC-ED) Rel.: Min. Gilmar Mendes ...................... 197/55383.658 (HC) Rel.: Min. Joaquim Barbosa ................... 197/557

Page 388: Rtj Supremo Tribunal Federal 197

XXVI ÍNDICE NUMÉRICO

83.966 (HC-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/58784.161 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 197/60484.660 (HC) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/60884.682 (HC) Rel.: Min. Cezar Peluso .......................... 197/61184.738 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/61884.802 (HC) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/62184.870 (HC) Rel.: Min. Sepúlveda Pertence ............... 197/62586.102 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ............................... 197/62686.276 (HC) Rel.: Min. Eros Grau ............................... 197/630

247.593 (RE-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/634255.682 (RE-AgR) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/636338.681 (RE-AgR-ED) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/642347.717 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/645367.460 (RE-AgR) Rel.: Min. Gilmar Mendes ...................... 197/655393.021 (RE-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/660395.121 (RE-ED) Rel.: Min. Carlos Britto .......................... 197/664409.730 (RE) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/672422.941 (RE) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/678426.183 (RE-AgR) Rel.: Min. Marco Aurélio ....................... 197/698442.683 (RE) Rel.: Min. Carlos Velloso ....................... 197/700448.558 (RE) Rel.: Min. Gilmar Mendes ...................... 197/712460.868 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/716536.030 (AI-AgR) Rel.: Min. Celso de Mello ...................... 197/721