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Superior Tribunal de Justiça RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 57.488 - RS (2015/0047164-0) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS RECORRENTE : MAURÍCIO DAL AGNOL (PRESO) ADVOGADOS : EDUARDO SANZ DE OLIVEIRA E SILVA E OUTRO(S) LUIZ HENRIQUE MERLIN THIAGO TIBINKA NEUWERT RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL EMENTA PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. IMPEDIMENTO DOS MAGISTRADOS. ROL NUMERUS CLAUSUS . NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 252, IV, FINE, DO CPP. NECESSIDADE DE INTERESSE DIRETO NO RESULTADO DO PROCESSO, COM INCIDÊNCIA DOS EFEITOS POSITIVOS DA COISA JULGADA PENAL NA RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL CÍVEL. SUSPEIÇÃO. ROL NUMERUS APERTUS . CLÁUSULA GERAL DO INTERESSE INDIRETO NA CAUSA. NÃO VERIFICADA SUBSUNÇÃO À HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA NORMATIVA DO ART. 254, V, DO CPP. IMPRESCINDÍVEL, MAIS DO QUE O MERO AJUSTE FORMAL, A DEMOSTRAÇÃO DA SUSPEIÇÃO POR ELEMENTOS CONCRETOS E OBJETIVOS DO COMPORTAMENTO PARCIAL DO MAGISTRADO, SOB PENA DE PRESUNÇÃO ABSTRATA DE VIOLAÇÃO DO DEVER FUNCIONAL. DIFERENÇA ENTRE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO CONSUBSTANCIA-SE NO REGIME JURÍDICO DA NULIDADE, NÃO NOS EFEITOS. IMPEDIMENTO DECORRE DE VINCULAÇÃO DIRETA DO JUIZ COM O OBJETO DO PROCESSO. HIPÓTESES DOS ARTS. 252 E 253 DO CPP GERAM PRESUNÇÃO LEGAL DE PARCIALIDADE. MATÉRIA NÃO SUJEITA À PRECLUSÃO TEMPORAL OU DA COISA JULGADA MATERIAL. SUSPEIÇÃO. NÃO ALEGAÇÃO NA PRIMEIRA OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO NOS AUTOS, APÓS SUA CIÊNCIA. PRECLUSÃO TEMPORAL E LÓGICA. OCORRÊNCIA. AS CAUSAS ALEGADAS ANTECEDERAM A RESPOSTA À ACUSAÇÃO. INDEFERIMENTO LIMINAR DA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO PELA MAGISTRADA. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA. INAPLICABILIDADE DO ART. 100, § 2º, DO CPP. ERROR IN PROCEDENDO. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DA NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF . TRIBUNAL A QUO ANALISOU TODA A MATÉRIA SUSCITADA NA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO WRIT . RECURSO DESPROVIDO. 1. O incidente de arguição de impedimento ou suspeição é a forma estabelecida em lei para afastar o juiz da causa, por lhe faltar imparcialidade. As hipóteses de impedimento são presunções legais absolutas de parcialidade, pois apontam relações entre o julgador e o objeto do processo (causa objetiva), imperativamente repelidas pela lei (CPP, art. 252 e 253), de forma clara e objetiva. Ocorrida, pois, a subsunção às hipóteses legais, restará prejudicada, ope legis , a condição de julgamento imparcial pelo magistrado. As hipóteses Documento: 1517482 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/06/2016 Página 1 de 22

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 57.488 - RS (2015/0047164-0)

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTASRECORRENTE : MAURÍCIO DAL AGNOL (PRESO)ADVOGADOS : EDUARDO SANZ DE OLIVEIRA E SILVA E OUTRO(S)

LUIZ HENRIQUE MERLIN THIAGO TIBINKA NEUWERT

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL EMENTA

PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. IMPEDIMENTO DOS MAGISTRADOS. ROL NUMERUS CLAUSUS . NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 252, IV, FINE, DO CPP. NECESSIDADE DE INTERESSE DIRETO NO RESULTADO DO PROCESSO, COM INCIDÊNCIA DOS EFEITOS POSITIVOS DA COISA JULGADA PENAL NA RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL CÍVEL. SUSPEIÇÃO. ROL NUMERUS APERTUS . CLÁUSULA GERAL DO INTERESSE INDIRETO NA CAUSA. NÃO VERIFICADA SUBSUNÇÃO À HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA NORMATIVA DO ART. 254, V, DO CPP. IMPRESCINDÍVEL, MAIS DO QUE O MERO AJUSTE FORMAL, A DEMOSTRAÇÃO DA SUSPEIÇÃO POR ELEMENTOS CONCRETOS E OBJETIVOS DO COMPORTAMENTO PARCIAL DO MAGISTRADO, SOB PENA DE PRESUNÇÃO ABSTRATA DE VIOLAÇÃO DO DEVER FUNCIONAL. DIFERENÇA ENTRE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO CONSUBSTANCIA-SE NO REGIME JURÍDICO DA NULIDADE, NÃO NOS EFEITOS. IMPEDIMENTO DECORRE DE VINCULAÇÃO DIRETA DO JUIZ COM O OBJETO DO PROCESSO. HIPÓTESES DOS ARTS. 252 E 253 DO CPP GERAM PRESUNÇÃO LEGAL DE PARCIALIDADE. MATÉRIA NÃO SUJEITA À PRECLUSÃO TEMPORAL OU DA COISA JULGADA MATERIAL. SUSPEIÇÃO. NÃO ALEGAÇÃO NA PRIMEIRA OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO NOS AUTOS, APÓS SUA CIÊNCIA. PRECLUSÃO TEMPORAL E LÓGICA. OCORRÊNCIA. AS CAUSAS ALEGADAS ANTECEDERAM A RESPOSTA À ACUSAÇÃO. INDEFERIMENTO LIMINAR DA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO PELA MAGISTRADA. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA. INAPLICABILIDADE DO ART. 100, § 2º, DO CPP. ERROR IN PROCEDENDO. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DA NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF . TRIBUNAL A QUO ANALISOU TODA A MATÉRIA SUSCITADA NA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO WRIT . RECURSO DESPROVIDO.1. O incidente de arguição de impedimento ou suspeição é a forma estabelecida em lei para afastar o juiz da causa, por lhe faltar imparcialidade. As hipóteses de impedimento são presunções legais absolutas de parcialidade, pois apontam relações entre o julgador e o objeto do processo (causa objetiva), imperativamente repelidas pela lei (CPP, art. 252 e 253), de forma clara e objetiva. Ocorrida, pois, a subsunção às hipóteses legais, restará prejudicada, ope legis , a condição de julgamento imparcial pelo magistrado. As hipóteses

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causadoras de impedimento, constantes no art. 252 e 253 do Código de Processo Penal são taxativas, não sendo viável interpretação extensiva e analógica, sob pena de se criar judicialmente nova causa de impedimento não prevista em lei, o que vulneraria a separação dos poderes e, por consequência, cercearia inconstitucionalmente a atuação válida do magistrado. Precedentes do STJ e STF.2. Diversamente, as causas de suspeição vinculam subjetivamente o magistrado a uma das partes (causa subjetiva), motivo pelo qual possuem previsão legal com a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, haja vista haver infinidade de vínculos subjetivos com aptidão de corromper a imparcialidade do julgador. Por conseguinte, mais condizente com a interpretação teleológica da norma é concluir ser o rol de causas de suspeição do art. 254 meramente exemplificativo (Precedentes do STJ e STF). A conclusão igualmente é corolário de interpretação sistêmica da tutela processual, pois, se há cláusula geral de suspeição no âmbito processual civil, que não tutela a liberdade de locomoção, imperativo que a citada abrangência seja conferida às partes do processo penal. Diante da ausência de previsão legal expressa, de rigor a aplicação subsidiária, nos termos do art. 3º do CPP, da cláusula geral de suspeição do art. 135, V, do CPC (Novo CPC, art. 145, IV), para considerar a existência de suspeição nas hipóteses em que houver interesses exoprocessuais do magistrado no julgamento da causa.3. A correta interpretação do art. 252, IV, primeira parte, do CPP é no sentido que somente há impedimento se o magistrado, cônjuge ou parente, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau forem partes, especificamente, no processo penal em que o magistrado exercer a atividade jurisdicional. Quanto ao art. 252, IV, in fine, há impedimento do juiz se ele ou as descritas pessoas a ele vinculadas possuem interesse direto no resultado do processo, o que ocorre nas situações em que os efeitos positivos coisa julgada da seara penal repercutam, de maneira imediata, em relação jurídica material cível lato sensu do magistrado ou das descritas pessoas a ele vinculadas, em estado de litispendência ou não, seja em decorrência de sentença penal absolutória, com fundamento na prova de que o réu não concorreu para o fato, da inexistência do fato, ou da presença de causas justificantes reais (CPP, art. 386, I, IV, e VI, primeira parte, c/c arts. 65, 66 e 67), ou da norma individual do caso concreto constante da sentença penal condenatória, bem como seu efeito extrapenal (CP, art. 91, I, c/c CPP, art. 387, IV, c/c arts. 63 e 64).4. In concreto , por óbvio, os magistrados não são sujeitos passivos na ação penal, bem como a sogra do juiz de direito substituto, como aponta o parecer encomendado pelo recorrente, até porque pleiteia a adequação típica ao art. 252, IV, in fine. Nesse passo, não satisfeita a teoria da tríplice identidade da demanda, eventual condenação do paciente na esfera penal será irrelevante para o resultado das demandas cíveis apontadas pelo recorrente, haja vista os limites subjetivos da sentença, sob o regime jurídico da coisa julgada pro et contra das demandas individuais.5. Quanto à ação civil pública proposta com fim de estabelecer indenização por danos materiais das vítimas e danos morais coletivos, em desfavor do paciente e de sua sociedade de advogados (autos nº 021/1.14.0010050-1), igualmente não há falar em interesse direto, pois inviável a incidência dos

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efeitos positivos da coisa julgada penal na demanda cível coletiva. Primeiro, as partes da demanda penal não são idênticas, nem mesmo parcialmente, em relação àquelas da demanda relativa ao dano moral coletivo. Isso porque tem natureza jurídica de direito coletivo stricto sensu , portanto, transindividual, com a titularidade determinada por grupo ou classe e objeto indivisível, o que claramente refuta qualquer vinculação da tutela penal individual.6. A conclusão é idêntica quanto ao capítulo de natureza individual homogêneo (indenização dos danos materiais das vítimas). Necessário perceber que, em um primeiro momento, será definido o direito abstratamente na ação civil pública, sem individualizar as partes, haja vista que a sentença genérica erga omnes não define o an debeatur e o quantum debeatur da obrigação. Nesse diapasão, o direito individual homogêneo é inicialmente tratado como de titularidade indeterminada, que se torna determinada por ocasião da liquidação e posterior execução do direito individual tutelado coletivamente. Por conseguinte, diante da indeterminabilidade inicial dos sujeitos da ação coletiva, plenamente possível o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para beneficiar os litigantes individuais, contudo, não há falar em transposição dos efeitos positivos da coisa julgada individual à sentença genérica. Diante disso, os efeitos civis da sentença penal, haja vista seu caráter individualizado, pelo mesmo motivo, não tem o condão de alcançar a demanda coletiva. In casu, pretende o recorrente, com alegações infundadas, subverter toda a técnica processual, ao vislumbrar inovador transporte in utilibus “invertido” da coisa julgada da sentença individual penal ao processo coletivo, submetendo os titulares de direito individuais molecularizados na tutela coletiva e a coletividade ao resultado da persecução penal individualizada.7. Os fatos alegados acerca dos magistrados subsumem-se às situações legais de suspeição, nos termos do art. 254 do CPP, não às causas de impedimento, eminentemente objetivas e estritas. Trata-se, inversamente, de vínculos de ordem subjetiva dos magistrados com as partes, seja de ordem creditícia (CPP, art. 254, V), ou de interesses indiretos na causa, nos termos da cláusula geral de suspeição (CPP, art. 3º c/c art. 135, V, do CPC e Novo CPC, art. 145, IV). Entrementes, não basta invocar causas de suspeição, em abstrato, do pantanoso rol numerus apertus , para que haja o reconhecimento do vício de parcialidade, pois o legislador apenas sugere a incidência de certa desconfiança nesses casos. Imprescindível, pois, que o excipiente demostre - com elementos concretos e objetivos - o comportamento parcial do juiz na atuação processual, incompatível com seu mister funcional, sob pena de banalização do instituto e inviabilização do exercício da jurisdição 8. Conclusão diversa chegaria ao absurdo de impossibilitar que o magistrado possua quaisquer relações exoprocessuais, mesmo que meramente creditícias ou pessoais, presumindo-se em abstrato o desvio funcional. Conquanto incida de maneira formal e abstrata a cláusula geral de suspeição, haja vista possuírem os magistrados relação creditícia com o réu, de origem alheia ao objeto do processo, não incide materialmente a suspeita do legislador. Isso porque o recorrente não demostrou concretamente qualquer conduta processual suspeita dos magistrados, objetivamente capaz justificar o alegado interesse pessoal no julgamento da causa. Não há falar, pois, em parcialidade dos julgadores, e, por corolário, em suspeição, até porque a via do habeas corpus

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não comporta dilação probatória, apta a chancelar entendimento diverso.9. Trata-se de pressuposto processual de existência subjetivo da relação jurídica processual a investidura do magistrado na função jurisdicional. Portanto, somente será considerado inexistente o processo e as decisões nele incidentes se prolatada por um não-juiz. A imparcialidade, todavia, é requisito processual subjetivo de validade da relação processual referente ao juiz, cuja análise remete ao segundo degrau da escada ponteana, por conseguinte, eventual vício não atinge a existência da relação processual, pois o juiz é investido de jurisdição, apenas recebendo a sanção da nulidade, em razão da inobservância de requisito de validade exigido em lei para o regular exercício da atividade jurisdicional.10. Portanto, o que diferencia os institutos do impedimento e da suspeição não é o efeito, consistente na nulidade da relação processual, mas o respectivo regime jurídico, compatível com a gravidade de cada um dos vícios de parcialidade. O impedimento decorre de vinculação direta do juiz com o objeto do processo, por isso considerado mais grave, razão pela qual a subsunção às hipóteses dos arts. 252 e 253 do CPP gera certeza legal da parcialidade. Destarte, inarredável a conclusão que esse vício pode ser alegado a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive por ocasião de revisão criminal. Interpretação diversa levaria à teratológica contradição da norma processual penal: ao mesmo tempo que veda absolutamente o exercício jurisdicional pelo impedido, permitiria que a contumácia das partes e o não reconhecimento pelo magistrado convalidassem o vício por preclusão temporal. Outrossim, tendo em vista a subsidiariedade do direito penal e a maior gravidade das sanções impostas, seria interpretação desprovida de lógica considerar o impedimento um vício rescisório na seara processual civil, portanto, não sujeito sequer à preclusão máxima da coisa julgada (CPC, art. 495; Novo CPC, art. 975), e, por outro lado, o direito processual penal o submetesse à preclusão endoprocessual, em grave prejuízo ao réu.11. A suspeição, diversamente, é considerada vício de menor gravidade, o que se depreende do exemplificativo rol do art. 254, que atestam a dúvida do legislador acerca da atuação jurisdicional imparcial nessas hipóteses, que representam, muitas vezes, tênues e situacionais ligações do magistrado com os demais sujeitos processuais, sendo mera possibilidade de parcialidade. Diante das inúmeras hipóteses ensejadoras da suspeição, a ausência de um marco temporal preclusivo inviabilizaria a prestação jurisdicional, relativizando perigosamente a coisa julgada. Não é por outra razão que a exceção de suspeição, sob pena de preclusão temporal e lógica, deve ser proposta por ocasião da apresentação resposta à acusação, se a hipótese de suspeição era conhecida, ou deveria ser; ou na primeira oportunidade em que o réu se manifestar nos autos, se não era possível a ciência da causa de suspeição ou se é superveniente.12. Apesar da escusa da quantidade de clientes e a afirmação de se tratar de causa superveniente, as causas de suspeição suscitadas eram prévias e deveriam ser conhecidas pelo paciente. Isso porque o Juiz de Direito Substituto foi quem recebeu a denúncia em 19 de fevereiro de 2014; segundo, consoante consulta feita ao site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, relativa ao processo de autos nº 021/2120010212-5, a magistrada titular proferiu decisão

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em 12/03/2014, como informa a nota de expediente nº 6/2014, tendo sido intimada a defesa do paciente da decisão de recebimento de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público. Tendo ciência inequívoca dos magistrados que atuaram na causa, era dever do paciente perquirir eventual causa de suspeição, cuja efetiva ciência era possível ao paciente, bastando que procedesse à procura nos documentos existentes seu escritório advocatício. Entretanto, não impugnou a parcialidade dos magistrados no prazo da resposta à acusação, oferecida somente em 26/06/2014, mantendo-se inerte até em 08/09/2014, quando apresentou a petição de exceção de suspeição dos magistrados que atuaram perante a 3ª Vara criminal de Passo Fundo/RS.13. Mais que preclusão temporal, por se manter inerte por período superior a 2 meses do prazo de apresentação da resposta à acusação, a despeito da devida ciência acerca da causa de parcialidade, evidencia-se comportamento contraditório (venire contra factum proprium ) do réu, violador do dever de boa-fé objetiva processual e de cooperação, afinal, a ausência de irresignação levou os demais sujeitos processuais a criar legítimas expectativas sobre a imparcialidade do julgador, sendo, pois, dele afastada a situação de dúvida conferida pelo ordenamento jurídico.14. Conquanto preclusa a matéria da suspeição, há manifesto error in procedendo no julgamento da suspeição ou impedimento pelo próprio juiz de primeiro grau excepto, capaz de gerar nulidade do incidente processual. Não concordando o magistrado com as alegações da parte excipiente, deverá determinar a formação de autos apartados, oferecendo resposta em três dias, podendo, ainda, apresentar provas e arrolar testemunhas. Em seguida, conforme clarividente redação do art. 100, caput, do CPP, o expecto determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro em vinte e quatro horas, ao juiz ou tribunal a quem competir o julgamento. Trata-se de verdadeiro contrassenso jurídico imaginar que a parte passiva no incidente de suspeição possa imiscuir-se no juízo de admissibilidade ou de mérito, até porque é absolutamente incompetente, haja vista a competência funcional do Tribunal. Dentro dessa perspectiva teleológica, o disposto no art. 100, § 2º, do Código de Processo Penal deve ser interpretado no sentido de ter o Tribunal competência funcional absoluta para o julgamento do incidente, sendo possível, contudo, julgamento monocrático pelo relator, por delegação do colegiado.15. Ademais, a interpretação histórica do disposto igualmente aponta no sentido trabalhado. Como o art. 100, § 2º integra a redação original do CPP, a previsão expressa de que o juiz de primeiro grau possa rejeitar liminarmente a suspeição por manifesta improcedência coaduna com a organização judiciária à época, porquanto existiam órgãos jurisdicionais inferiores aos juízes de direito à época. Logo, se aqueles fossem réus no incidente de suspeição, o julgamento caberia aos juízes de direito.16. Malgrado patente a violação à norma processual pela magistrada excepta, ao simplesmente rejeitar o incidente sem o remeter ao Tribunal, não se vislumbra prejuízo. O paciente impetrou habeas corpus contra a decisão da magistrada, tendo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul inadmitido o writ com fundamento na inadequação da via eleita. Todavia, como a matéria impugnada não se deteve ao error in procedendo da magistrada, tendo sido

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abrangido igualmente o mérito da exceção de suspeição, o Tribunal a quo, ao verificar a necessidade de concessão da ordem de ofício, apreciou todos fundamentos do habeas corpus, por conseguinte, supriu o erro de procedimento da magistrada, estando, pois, expurgada qualquer alegação de prejuízo, o que inviabiliza a pretensão de declaração de nulidade da decisão impugnada, em atenção ao princípio do pas de nullité sans grief e ao disposto no art. 563 do CPP. Precedentes. 17. Por derradeiro, a improcedência do pedido de declaração de nulidade dos atos processuais decisórios por mácula de parcialidade, prejudica o pedido em cúmulo próprio sucessivo de relaxamento da prisão preventiva.18. Recurso ordinário desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.

Sustentaram oralmente: Dr. Cezar Roberto Bitencourt (p/recte) e Ministério Público Federal.

Brasília (DF), 07 de junho de 2016(data do julgamento)

Ministro RIBEIRO DANTAS Relator

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RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 57.488 - RS (2015/0047164-0)RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTASRECORRENTE : MAURÍCIO DAL AGNOL (PRESO)ADVOGADOS : EDUARDO SANZ DE OLIVEIRA E SILVA E OUTRO(S)

LUIZ HENRIQUE MERLIN THIAGO TIBINKA NEUWERT

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator):

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus , com pedido de liminar, interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que conheceu parcialmente do writ impetrado em favor de MAURÍCIO DAL AGNOL e, na parte conhecida, denegou a ordem.

Consta dos autos que o Ministério Público do Rio Grande do Sul ofereceu denúncia em face do ora recorrente e outras pessoas, imputando-lhes os crimes previstos nos artigos 168, § 1º, III, e 288, caput , ambos do Código Penal.

Aduziu o Parquet que antigos clientes da empresa BRASIL TELECOM S.A. teriam contratado o escritório do paciente, DAL AGNOL Advocacia, para propor, em face de referida prestadora de telefonia, Ação de Cumprimento de Obrigação, a fim de que a BRASIL TELECOM procedesse à complementação da subscrição das ações da empresa que pertenciam aos respectivos autores. As demandas cíveis patrocinadas pela sociedade DAL AGNOL Advocacia foram julgadas procedentes, todavia, os créditos dos clientes teriam sido apropriados pelos réus.

A denúncia foi recebida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal de Passo Fundo (RS) em 19/02/2014, por decisão subscrita pelo Juiz substituto, ORLANDO FACCIONI NETO (e-STJ, fls. 622/735). Na mesma ocasião, foi decretada a prisão preventiva do réu, o sequestro de seus bens móveis, bem como a medida de busca e apreensão de documentos em sua residência e em seu escritório.

Dessa decisão, a defesa manejou writ perante a Corte de origem, pugnando pelo restabelecimento da liberdade do acusado. Deferido o pleito de liminar, no mérito, o órgão colegiado denegou a ordem e, por consectário, cassou a tutela de urgência antes concedida.

O réu, então paciente, apresentou exceção de suspeição dos magistrados que atuaram perante a 3ª Vara criminal de Passo Fundo/RS, em 08/09/2014, pedindo o reconhecimento do impedimento ou suspeição, com a consequente declaração de nulidade dos atos judiciais até então praticados, desde a fase investigatória.

A magistrada não recebeu a manifestação do réu como exceção de suspeição, tendo, pois, indeferido os pedidos sucessivos nela constantes (e-STJ, fls. 5309/5324).

Na sequência, foi impetrado novo habeas corpus , no qual foi sustentado o impedimento e a suspeição dos Magistrados que atuam na referida serventia judiciária para o julgamento das sucessivas ações penais ajuizadas em desfavor do réu. O Tribunal a quo, sem discrepância de votos, conheceu parcialmente da impetração e, na parte conhecida, denegou a ordem, nos termos da seguinte ementa:

"HABEAS CORPUS . 1. ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO Documento: 1517482 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/06/2016 Página 7 de 22

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DOS MAGISTRADOS DA 3a VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PASSO FUNDO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MATÉRIA ALCANÇADA PELA PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ANÁLISE DA MATÉRIA QUE TAMBÉM ENSEJARIA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA QUANTO AO JUIZ SUBSTITUTO. MATÉRIAS NÃO CONHECIDAS. 2. NECESSIDADE DE SEGREGAÇÃO CAUTELAR DO PACIENTE. DESCABIMENTO DE ANÁLISE DE DECRETOS RELATIVOS A OUTRAS AÇÕES PENAIS QUE, INCLUSIVE, JÁ FORAM ALVO DE IMPETRAÇÃO ESPECÍFICA. PRISÃO PREVENTIVA QUE NÃO SE MOSTRA ILEGAL, POIS AUTORIZADA PELO 282, §4° E § 5º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA." (fl. 5495)

Neste recurso, a defesa aponta que a Juíza Titular e o Juiz Substituto da 3ª Vara Criminal da Comarca de Passo Fundo/RS não conheceram das exceções de impedimento/suspeição opostas pelo paciente, tendo o Tribunal de origem concluído pela preclusão do seu direito de opor exceções, nada obstante estas terem sido apresentadas no primeiro momento em que foram descobertos os fatos impeditivos, após o decurso do prazo para oferta de respostas à acusação, mas antes do despacho inicial sobre a análise das preliminares e condições da ação.

Narra não ter sido possível verificar no prazo da resposta à acusação o impedimento e a suspeição dos Juízes da 3ª Vara Criminal de Passo Fundo, pois o recorrente era responsável pela defesa de milhares de clientes, não sendo possível conhecer todos os contratos por ele firmados, razão pela qual deve ser reconhecida a tempestividade das exceções, por decorrerem da superveniente constatação de fatos que impedem a atuação dos referidos julgadores nos processos-crime contra ele ajuizados.

Ainda, conclui não ser admissível que a própria magistrada inquinada de impedida e suspeita rejeite as exceções, ainda que liminarmente, devendo o Tribunal, instância competente para o julgamento, rejeitar tais arguições.

Acrescenta que inexiste recurso legal contra a decisão que deixou de processar as exceções de impedimento e suspeição, portanto, deve ser admitida a impugnação na via do habeas corpus , ao contrário do reconhecido no acórdão ora combatido. Ainda, malgrado não tenha conhecido do writ, assevera que o Colegiado a quo analisou detidamente o mérito da impetração, tendo, contudo, deixado de conceder ordem de ofício.

Afirma que o acusado está preso há mais de 03 meses em virtude de decisões juridicamente inexistentes, pois exaradas por magistrados impedidos, sendo que o impedimento e suspeição não estão sujeitos à preclusão, pois constituem matéria de ordem pública e implicam nulidade absoluta dos atos por eles praticados, podendo ser reconhecidos, mesmo de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, até mesmo após trânsito em julgado da sentença penal condenatória, máxime quando fundados em fato objetivo.

Menciona que a Juíza Titular da 3ª Vara Criminal da Comarca de Passo Fundo/RS é cliente do paciente em demanda que tramita perante a 17ª Vara Cível de Porto Alegre/RS (autos 001/1.07.0243261-3), ação cível ajuizada contra a Brasil Telecom/CRT, que veicula pretensão idêntica àquelas de outros milhares de clientes do acusado, apontadas como vítimas da atividade advocatícia supostamente criminosa. Diante disso, assevera restar caracterizado o impedimento da referida magistrada, nos termos do art. 252, IV, do Código de Processo Penal, pois o eventual resultado condenatório no processo penal repercutirá em seus direitos civis. Rechaça, por outro lado, o argumento expedido pela Magistrada, que afirmou

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que a linha telefônica pertencia, de fato, a seu pai, porque tal circunstância não desconfigura o seu impedimento, por não afastar o seu interesse objetivo no julgamento da causa. Ainda, salienta que o paciente é credor da aludida magistrada em contrato de honorários advocatícios, na mesma medida em que esta é credora do paciente em contrato de prestação de serviços de advocacia, por se tratar de obrigação sinalagmática, restando, assim, evidenciada a sua suspeição, conforme o previsto no art. 254, V, do Código de Processo Penal.

No que tange ao Juiz Substituto em exercício na mencionada vara criminal, assevera que o paciente patrocina diversas causas ajuizadas em favor de empresa de propriedade de sogra do referido julgador, que tramitam perante o Juízo da 8ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS, fato que, nos termos do art. 252, IV, do CPP, configura situação de impedimento, por se tratar de parente em primeiro grau, por afinidade, sendo que a sua esposa é detentora de direitos sucessórios.

Outrossim, aduz que a esposa do referido magistrado, além de ter sido sócia e parceira do paciente na angariação de clientes para o seu escritório de advocacia, patrocina a defesa do réu nos processos 001/1.08.0248670-7 e 001/1.08.0236052-5, fato que configura suspeição nos termos do art. 135, II, do CPC. Ainda, possui direitos creditórios referentes a honorários advocatícios de causas nas quais atuou com o réu.

Nesse contexto, sustenta que os atos jurisdicionais proferidos pelos magistrados, desde a fase investigativa até o presente momento, são inexistentes ou nulos, incluindo a decretação da prisão cautelar.

Ao final, pediu reconhecimento da situação objetiva de impedimento e suspeição da Juíza Titular e do magistrado Substituto da 3ª Vara Criminal da Comarca de Passo Fundo/RS, com a consequente declaração de nulidade de todos os atos jurídicos praticados desde a fase pré-processual, inclusive da segregação cautelar do paciente.

Pleito de liminar indeferido (e-STJ, fls. 5587/5589).A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo improvimento do

recurso (e-STJ, fls. 5917/5920).É o relatório.

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RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 57.488 - RS (2015/0047164-0)RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTASRECORRENTE : MAURÍCIO DAL AGNOL (PRESO)ADVOGADOS : EDUARDO SANZ DE OLIVEIRA E SILVA E OUTRO(S)

LUIZ HENRIQUE MERLIN THIAGO TIBINKA NEUWERT

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL EMENTA

PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. IMPEDIMENTO DOS MAGISTRADOS. ROL NUMERUS CLAUSUS . NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 252, IV, FINE, DO CPP. NECESSIDADE DE INTERESSE DIRETO NO RESULTADO DO PROCESSO, COM INCIDÊNCIA DOS EFEITOS POSITIVOS DA COISA JULGADA PENAL NA RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL CÍVEL. SUSPEIÇÃO. ROL NUMERUS APERTUS . CLÁUSULA GERAL DO INTERESSE INDIRETO NA CAUSA. NÃO VERIFICADA SUBSUNÇÃO À HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA NORMATIVA DO ART. 254, V, DO CPP. IMPRESCINDÍVEL, MAIS DO QUE O MERO AJUSTE FORMAL, A DEMOSTRAÇÃO DA SUSPEIÇÃO POR ELEMENTOS CONCRETOS E OBJETIVOS DO COMPORTAMENTO PARCIAL DO MAGISTRADO, SOB PENA DE PRESUNÇÃO ABSTRATA DE VIOLAÇÃO DO DEVER FUNCIONAL. DIFERENÇA ENTRE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO CONSUBSTANCIA-SE NO REGIME JURÍDICO DA NULIDADE, NÃO NOS EFEITOS. IMPEDIMENTO DECORRE DE VINCULAÇÃO DIRETA DO JUIZ COM O OBJETO DO PROCESSO. HIPÓTESES DOS ARTS. 252 E 253 DO CPP GERAM PRESUNÇÃO LEGAL DE PARCIALIDADE. MATÉRIA NÃO SUJEITA À PRECLUSÃO TEMPORAL OU DA COISA JULGADA MATERIAL. SUSPEIÇÃO. NÃO ALEGAÇÃO NA PRIMEIRA OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO NOS AUTOS, APÓS SUA CIÊNCIA. PRECLUSÃO TEMPORAL E LÓGICA. OCORRÊNCIA. AS CAUSAS ALEGADAS ANTECEDERAM A RESPOSTA À ACUSAÇÃO. INDEFERIMENTO LIMINAR DA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO PELA MAGISTRADA. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA. INAPLICABILIDADE DO ART. 100, § 2º, DO CPP. ERROR IN PROCEDENDO. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DA NULIDADE. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF . TRIBUNAL A QUO ANALISOU TODA A MATÉRIA SUSCITADA NA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO WRIT . RECURSO DESPROVIDO.1. O incidente de arguição de impedimento ou suspeição é a forma estabelecida em lei para afastar o juiz da causa, por lhe faltar imparcialidade. As hipóteses de impedimento são presunções legais absolutas de parcialidade, pois apontam relações entre o julgador e o objeto do processo (causa objetiva), imperativamente repelidas pela lei (CPP, art. 252 e 253), de forma clara e objetiva. Ocorrida, pois, a subsunção às hipóteses legais, restará prejudicada, ope legis , a condição de julgamento imparcial pelo magistrado. As hipóteses causadoras de impedimento, constantes no art. 252 e 253 do Código de

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Processo Penal são taxativas, não sendo viável interpretação extensiva e analógica, sob pena de se criar judicialmente nova causa de impedimento não prevista em lei, o que vulneraria a separação dos poderes e, por consequência, cercearia inconstitucionalmente a atuação válida do magistrado. Precedentes do STJ e STF.2. Diversamente, as causas de suspeição vinculam subjetivamente o magistrado a uma das partes (causa subjetiva), motivo pelo qual possuem previsão legal com a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, haja vista haver infinidade de vínculos subjetivos com aptidão de corromper a imparcialidade do julgador. Por conseguinte, mais condizente com a interpretação teleológica da norma é concluir ser o rol de causas de suspeição do art. 254 meramente exemplificativo (Precedentes do STJ e STF). A conclusão igualmente é corolário de interpretação sistêmica da tutela processual, pois, se há cláusula geral de suspeição no âmbito processual civil, que não tutela a liberdade de locomoção, imperativo que a citada abrangência seja conferida às partes do processo penal. Diante da ausência de previsão legal expressa, de rigor a aplicação subsidiária, nos termos do art. 3º do CPP, da cláusula geral de suspeição do art. 135, V, do CPC (Novo CPC, art. 145, IV), para considerar a existência de suspeição nas hipóteses em que houver interesses exoprocessuais do magistrado no julgamento da causa.3. A correta interpretação do art. 252, IV, primeira parte, do CPP é no sentido que somente há impedimento se o magistrado, cônjuge ou parente, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau forem partes, especificamente, no processo penal em que o magistrado exercer a atividade jurisdicional. Quanto ao art. 252, IV, in fine, há impedimento do juiz se ele ou as descritas pessoas a ele vinculadas possuem interesse direto no resultado do processo, o que ocorre nas situações em que os efeitos positivos coisa julgada da seara penal repercutam, de maneira imediata, em relação jurídica material cível lato sensu do magistrado ou das descritas pessoas a ele vinculadas, em estado de litispendência ou não, seja em decorrência de sentença penal absolutória, com fundamento na prova de que o réu não concorreu para o fato, da inexistência do fato, ou da presença de causas justificantes reais (CPP, art. 386, I, IV, e VI, primeira parte, c/c arts. 65, 66 e 67), ou da norma individual do caso concreto constante da sentença penal condenatória, bem como seu efeito extrapenal (CP, art. 91, I, c/c CPP, art. 387, IV, c/c arts. 63 e 64).4. In concreto , por óbvio, os magistrados não são sujeitos passivos na ação penal, bem como a sogra do juiz de direito substituto, como aponta o parecer encomendado pelo recorrente, até porque pleiteia a adequação típica ao art. 252, IV, in fine. Nesse passo, não satisfeita a teoria da tríplice identidade da demanda, eventual condenação do paciente na esfera penal será irrelevante para o resultado das demandas cíveis apontadas pelo recorrente, haja vista os limites subjetivos da sentença, sob o regime jurídico da coisa julgada pro et contra das demandas individuais.5. Quanto à ação civil pública proposta com fim de estabelecer indenização por danos materiais das vítimas e danos morais coletivos, em desfavor do paciente e de sua sociedade de advogados (autos nº 021/1.14.0010050-1), igualmente não há falar em interesse direto, pois inviável a incidência dos efeitos positivos da coisa julgada penal na demanda cível coletiva. Primeiro, as

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partes da demanda penal não são idênticas, nem mesmo parcialmente, em relação àquelas da demanda relativa ao dano moral coletivo. Isso porque tem natureza jurídica de direito coletivo stricto sensu , portanto, transindividual, com a titularidade determinada por grupo ou classe e objeto indivisível, o que claramente refuta qualquer vinculação da tutela penal individual.6. A conclusão é idêntica quanto ao capítulo de natureza individual homogêneo (indenização dos danos materiais das vítimas). Necessário perceber que, em um primeiro momento, será definido o direito abstratamente na ação civil pública, sem individualizar as partes, haja vista que a sentença genérica erga omnes não define o an debeatur e o quantum debeatur da obrigação. Nesse diapasão, o direito individual homogêneo é inicialmente tratado como de titularidade indeterminada, que se torna determinada por ocasião da liquidação e posterior execução do direito individual tutelado coletivamente. Por conseguinte, diante da indeterminabilidade inicial dos sujeitos da ação coletiva, plenamente possível o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para beneficiar os litigantes individuais, contudo, não há falar em transposição dos efeitos positivos da coisa julgada individual à sentença genérica. Diante disso, os efeitos civis da sentença penal, haja vista seu caráter individualizado, pelo mesmo motivo, não tem o condão de alcançar a demanda coletiva. In casu, pretende o recorrente, com alegações infundadas, subverter toda a técnica processual, ao vislumbrar inovador transporte in utilibus “invertido” da coisa julgada da sentença individual penal ao processo coletivo, submetendo os titulares de direito individuais molecularizados na tutela coletiva e a coletividade ao resultado da persecução penal individualizada.7. Os fatos alegados acerca dos magistrados subsumem-se às situações legais de suspeição, nos termos do art. 254 do CPP, não às causas de impedimento, eminentemente objetivas e estritas. Trata-se, inversamente, de vínculos de ordem subjetiva dos magistrados com as partes, seja de ordem creditícia (CPP, art. 254, V), ou de interesses indiretos na causa, nos termos da cláusula geral de suspeição (CPP, art. 3º c/c art. 135, V, do CPC e Novo CPC, art. 145, IV). Entrementes, não basta invocar causas de suspeição, em abstrato, do pantanoso rol numerus apertus , para que haja o reconhecimento do vício de parcialidade, pois o legislador apenas sugere a incidência de certa desconfiança nesses casos. Imprescindível, pois, que o excipiente demostre - com elementos concretos e objetivos - o comportamento parcial do juiz na atuação processual, incompatível com seu mister funcional, sob pena de banalização do instituto e inviabilização do exercício da jurisdição 8. Conclusão diversa chegaria ao absurdo de impossibilitar que o magistrado possua quaisquer relações exoprocessuais, mesmo que meramente creditícias ou pessoais, presumindo-se em abstrato o desvio funcional. Conquanto incida de maneira formal e abstrata a cláusula geral de suspeição, haja vista possuírem os magistrados relação creditícia com o réu, de origem alheia ao objeto do processo, não incide materialmente a suspeita do legislador. Isso porque o recorrente não demostrou concretamente qualquer conduta processual suspeita dos magistrados, objetivamente capaz justificar o alegado interesse pessoal no julgamento da causa. Não há falar, pois, em parcialidade dos julgadores, e, por corolário, em suspeição, até porque a via do habeas corpus não comporta dilação probatória, apta a chancelar entendimento diverso.

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9. Trata-se de pressuposto processual de existência subjetivo da relação jurídica processual a investidura do magistrado na função jurisdicional. Portanto, somente será considerado inexistente o processo e as decisões nele incidentes se prolatada por um não-juiz. A imparcialidade, todavia, é requisito processual subjetivo de validade da relação processual referente ao juiz, cuja análise remete ao segundo degrau da escada ponteana, por conseguinte, eventual vício não atinge a existência da relação processual, pois o juiz é investido de jurisdição, apenas recebendo a sanção da nulidade, em razão da inobservância de requisito de validade exigido em lei para o regular exercício da atividade jurisdicional.10. Portanto, o que diferencia os institutos do impedimento e da suspeição não é o efeito, consistente na nulidade da relação processual, mas o respectivo regime jurídico, compatível com a gravidade de cada um dos vícios de parcialidade. O impedimento decorre de vinculação direta do juiz com o objeto do processo, por isso considerado mais grave, razão pela qual a subsunção às hipóteses dos arts. 252 e 253 do CPP gera certeza legal da parcialidade. Destarte, inarredável a conclusão que esse vício pode ser alegado a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive por ocasião de revisão criminal. Interpretação diversa levaria à teratológica contradição da norma processual penal: ao mesmo tempo que veda absolutamente o exercício jurisdicional pelo impedido, permitiria que a contumácia das partes e o não reconhecimento pelo magistrado convalidassem o vício por preclusão temporal. Outrossim, tendo em vista a subsidiariedade do direito penal e a maior gravidade das sanções impostas, seria interpretação desprovida de lógica considerar o impedimento um vício rescisório na seara processual civil, portanto, não sujeito sequer à preclusão máxima da coisa julgada (CPC, art. 495; Novo CPC, art. 975), e, por outro lado, o direito processual penal o submetesse à preclusão endoprocessual, em grave prejuízo ao réu.11. A suspeição, diversamente, é considerada vício de menor gravidade, o que se depreende do exemplificativo rol do art. 254, que atestam a dúvida do legislador acerca da atuação jurisdicional imparcial nessas hipóteses, que representam, muitas vezes, tênues e situacionais ligações do magistrado com os demais sujeitos processuais, sendo mera possibilidade de parcialidade. Diante das inúmeras hipóteses ensejadoras da suspeição, a ausência de um marco temporal preclusivo inviabilizaria a prestação jurisdicional, relativizando perigosamente a coisa julgada. Não é por outra razão que a exceção de suspeição, sob pena de preclusão temporal e lógica, deve ser proposta por ocasião da apresentação resposta à acusação, se a hipótese de suspeição era conhecida, ou deveria ser; ou na primeira oportunidade em que o réu se manifestar nos autos, se não era possível a ciência da causa de suspeição ou se é superveniente.12. Apesar da escusa da quantidade de clientes e a afirmação de se tratar de causa superveniente, as causas de suspeição suscitadas eram prévias e deveriam ser conhecidas pelo paciente. Isso porque o Juiz de Direito Substituto foi quem recebeu a denúncia em 19 de fevereiro de 2014; segundo, consoante consulta feita ao site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, relativa ao processo de autos nº 021/2120010212-5, a magistrada titular proferiu decisão em 12/03/2014, como informa a nota de expediente nº 6/2014, tendo sido

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intimada a defesa do paciente da decisão de recebimento de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público. Tendo ciência inequívoca dos magistrados que atuaram na causa, era dever do paciente perquirir eventual causa de suspeição, cuja efetiva ciência era possível ao paciente, bastando que procedesse à procura nos documentos existentes seu escritório advocatício. Entretanto, não impugnou a parcialidade dos magistrados no prazo da resposta à acusação, oferecida somente em 26/06/2014, mantendo-se inerte até em 08/09/2014, quando apresentou a petição de exceção de suspeição dos magistrados que atuaram perante a 3ª Vara criminal de Passo Fundo/RS.13. Mais que preclusão temporal, por se manter inerte por período superior a 2 meses do prazo de apresentação da resposta à acusação, a despeito da devida ciência acerca da causa de parcialidade, evidencia-se comportamento contraditório (venire contra factum proprium ) do réu, violador do dever de boa-fé objetiva processual e de cooperação, afinal, a ausência de irresignação levou os demais sujeitos processuais a criar legítimas expectativas sobre a imparcialidade do julgador, sendo, pois, dele afastada a situação de dúvida conferida pelo ordenamento jurídico.14. Conquanto preclusa a matéria da suspeição, há manifesto error in procedendo no julgamento da suspeição ou impedimento pelo próprio juiz de primeiro grau excepto, capaz de gerar nulidade do incidente processual. Não concordando o magistrado com as alegações da parte excipiente, deverá determinar a formação de autos apartados, oferecendo resposta em três dias, podendo, ainda, apresentar provas e arrolar testemunhas. Em seguida, conforme clarividente redação do art. 100, caput, do CPP, o expecto determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro em vinte e quatro horas, ao juiz ou tribunal a quem competir o julgamento. Trata-se de verdadeiro contrassenso jurídico imaginar que a parte passiva no incidente de suspeição possa imiscuir-se no juízo de admissibilidade ou de mérito, até porque é absolutamente incompetente, haja vista a competência funcional do Tribunal. Dentro dessa perspectiva teleológica, o disposto no art. 100, § 2º, do Código de Processo Penal deve ser interpretado no sentido de ter o Tribunal competência funcional absoluta para o julgamento do incidente, sendo possível, contudo, julgamento monocrático pelo relator, por delegação do colegiado.15. Ademais, a interpretação histórica do disposto igualmente aponta no sentido trabalhado. Como o art. 100, § 2º integra a redação original do CPP, a previsão expressa de que o juiz de primeiro grau possa rejeitar liminarmente a suspeição por manifesta improcedência coaduna com a organização judiciária à época, porquanto existiam órgãos jurisdicionais inferiores aos juízes de direito à época. Logo, se aqueles fossem réus no incidente de suspeição, o julgamento caberia aos juízes de direito.16. Malgrado patente a violação à norma processual pela magistrada excepta, ao simplesmente rejeitar o incidente sem o remeter ao Tribunal, não se vislumbra prejuízo. O paciente impetrou habeas corpus contra a decisão da magistrada, tendo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul inadmitido o writ com fundamento na inadequação da via eleita. Todavia, como a matéria impugnada não se deteve ao error in procedendo da magistrada, tendo sido abrangido igualmente o mérito da exceção de suspeição, o Tribunal a quo, ao

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verificar a necessidade de concessão da ordem de ofício, apreciou todos fundamentos do habeas corpus, por conseguinte, supriu o erro de procedimento da magistrada, estando, pois, expurgada qualquer alegação de prejuízo, o que inviabiliza a pretensão de declaração de nulidade da decisão impugnada, em atenção ao princípio do pas de nullité sans grief e ao disposto no art. 563 do CPP. Precedentes. 17. Por derradeiro, a improcedência do pedido de declaração de nulidade dos atos processuais decisórios por mácula de parcialidade, prejudica o pedido em cúmulo próprio sucessivo de relaxamento da prisão preventiva.18. Recurso ordinário desprovido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator):

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus , com pedido de liminar, interposto em favor de MAURÍCIO DAL AGNOL, contra acórdão da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do qual sustenta o impedimento e suspeição da juíza titular e do magistrado substituto da 3ª Vara Criminal da Comarca de Passo Fundo/RS, bem como a declaração de nulidade de todas as decisões prolatadas, desde a fase pré-processual.

Não prosperam as suscitadas causas impeditivas dos Magistrados ANA CRISTINA FRIGHETTO CROSSI e ORLANDO FACCINI NETO, consistentes na existência interesse direto no julgamento da ação penal, em virtude da perfeita identidade entre as ações cíveis propostas pelo paciente em nome de seus clientes, então sujeitos passivos imediatos do crime de apropriação indébita, e as demandas cíveis propostas, respectivamente, em nome da magistrada titular e da sogra do magistrado substituto, BRIANE TRENTIN DE WITT.

Como cediço, o incidente de arguição de impedimento ou suspeição é a forma estabelecida em lei para afastar o juiz da causa, por lhe faltar imparcialidade. As hipóteses de impedimento são presunções legais absolutas de parcialidade, pois apontam relações entre o julgador e o objeto do processo (causa objetiva), imperativamente repelidas pela lei (CPP, art. 252 e 253), de forma clara e objetiva. Ocorrida, pois, a subsunção às hipóteses legais, restará prejudicada, ope legis , a condição de julgamento imparcial pelo magistrado.

Diante disso, consolidada jurisprudência dos Tribunais Superiores sustenta que as hipóteses causadoras de impedimento, constantes no art. 252 e 253 do Código de Processo Penal são taxativas, não sendo viável interpretação extensiva e analógica, sob pena de se criar judicialmente nova causa de impedimento não prevista em lei, o que vulneraria a separação dos poderes e, por consequência, cercearia inconstitucionalmente a atuação válida do magistrado. (Assim é a jurisprudência do STF: HC 112.121, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe 02/03/2015; RHC 105.791/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 01/02/2013; HC 97.544, Relator p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe 03/12/2010. No mesmo sentido, os precedentes do STJ: REsp 1171973/ES, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 25/03/2015; HC 324.206/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 17/08/2015; HC 283.532/PB, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe

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25/04/2014; HC 131.792/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 06/12/2011).

Diversamente, as causas de suspeição vinculam subjetivamente o magistrado a uma das partes (causa subjetiva), motivo pelo qual possuem previsão legal com a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, haja vista haver infinidade de vínculos subjetivos com aptidão de corromper a imparcialidade do julgador. Por conseguinte, mais condizente com a interpretação teleológica da norma é concluir ser o rol de causas de suspeição do art. 254 meramente exemplificativo, como bem estende esta Corte. (HC 324.206/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 17/08/2015; HC 331.527/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 21/10/2015HC 279.008/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 22/10/2014; HC 146.796/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJe 08/03/2010)

A conclusão igualmente é corolário de interpretação sistêmica da tutela processual, pois, se há cláusula geral de suspeição no âmbito processual civil, que não tutela a liberdade de locomoção, imperativo que a citada abrangência seja conferida às partes do processo penal. Diante da ausência de previsão legal expressa, de rigor a aplicação subsidiária, nos termos do art. 3º do CPP, da cláusula geral de suspeição do art. 145, IV, do Novo Código de Processo Civil, para considerar a existência de suspeição nas hipóteses em que houver interesses exoprocessuais do magistrado no julgamento da causa.

Nesse diapasão, a correta interpretação do art. 252, IV, primeira parte, do CPP é no sentido que somente há impedimento se o magistrado, cônjuge ou parente, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau forem partes, especificamente, no processo penal em que o magistrado exercer a atividade jurisdicional. Quanto ao art. 252, IV, in fine, há impedimento do juiz se ele ou as descritas pessoas a ele vinculadas possuem interesse direto no resultado do processo, o que ocorre nas situações em que os efeitos positivos da coisa julgada da seara penal repercutam, de maneira imediata, em relação jurídica material cível lato sensu do magistrado ou das descritas pessoas a ele vinculadas, em estado de litispendência ou não, seja em decorrência de sentença penal absolutória, com fundamento na prova de que o réu não concorreu para o fato, da inexistência do fato, ou da presença de causas justificantes reais (CPP, art. 386, I, IV, e VI, primeira parte, c/c arts. 65, 66 e 67), ou da norma individual do caso concreto constante da sentença penal condenatória, bem como seu efeito extrapenal (CP, art. 91, I, c/c CPP, art. 387, IV, c/c arts. 63 e 64).

In concreto , por óbvio, os magistrados não são sujeitos passivos na ação penal, bem como a sogra do Juiz de Direito Substituto, BRIANE TRENTIN DE WITT, como aponta o parecer encomendado pelo recorrente (e-STJ, fl. 145), até porque pleiteia a adequação típica ao art. 252, IV, in fine. Nesse passo, não satisfeita a teoria da tríplice identidade da demanda, eventual condenação do paciente na esfera penal será irrelevante para o resultado das demandas cíveis apontadas pelo recorrente, haja vista os limites subjetivos da sentença, sob o regime jurídico da coisa julgada pro et contra das demandas individuais.

Ademais, quanto à ação civil pública proposta com fim de estabelecer indenização por danos materiais das vítimas e danos morais coletivos (e-STJ, fls. 550/627), em desfavor do paciente e de sua sociedade de advogados (autos nº 021/1.14.0010050-1), igualmente não há falar em interesse direto, pois inviável a incidência dos efeitos positivos da coisa julgada penal na demanda cível coletiva.

Primeiro, as partes da demanda penal não são idênticas, nem mesmo parcialmente, em relação àquelas da demanda relativa ao dano moral coletivo. Isso porque o direito tutelado na ação civil pública tem natureza jurídica de direito coletivo stricto sensu ,

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portanto, transindividual, com a titularidade determinada por grupo ou classe e objeto indivisível, o que claramente refuta qualquer vinculação da tutela penal individual.

A conclusão é idêntica quanto ao capítulo de natureza individual homogêneo (indenização dos danos materiais das vítimas). Perceba que, em um primeiro momento, será definido o direito abstratamente na ação civil pública, sem individualizar as partes, haja vista que a sentença genérica erga omnes não define o an debeatur e o quantum debeatur da obrigação. Nesse diapasão, o direito individual homogêneo é inicialmente tratado como de titularidade indeterminada, que se torna determinada por ocasião da liquidação e posterior execução do direito individual tutelado coletivamente. Por conseguinte, diante da indeterminabilidade inicial dos sujeitos da ação coletiva, plenamente possível o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para beneficiar os litigantes individuais, contudo, não há falar em transposição dos efeitos positivos da coisa julgada individual à sentença genérica. Diante disso, os efeitos civis da sentença penal, haja vista seu caráter individualizado, pelo mesmo motivo, não têm o condão de alcançar a demanda coletiva.

In casu, pretende o recorrente, com alegações infundadas, subverter toda a técnica processual, ao vislumbrar inovador transporte in utilibus “invertido” da coisa julgada da sentença individual penal ao processo coletivo, submetendo os titulares de direito individuais molecularizados na tutela coletiva e a coletividade ao resultado da persecução penal individualizada.

Em princípio, os fatos alegados acerca dos magistrados subsumem-se às situações legais de suspeição, nos termos do art. 254 do CPP, não às causas de impedimento, eminentemente objetivas e estritas. Trata-se, inversamente, de vínculos de ordem subjetiva dos magistrados com as partes, seja de ordem creditícia (CPP, art. 254, V), ou de interesses indiretos na causa, nos termos da cláusula geral de suspeição (CPP, art. 3º, c/c art. 145, IV, do Novo CPC).

Entrementes, não basta invocar causas de suspeição, em abstrato, do pantanoso rol numerus apertus , para que haja o reconhecimento do vício de parcialidade, pois o legislador apenas sugere a incidência de certa desconfiança nesses casos. Imprescindível, pois, que o excipiente demostre - com elementos concretos e objetivos - o comportamento parcial do juiz na atuação processual, incompatível com seu mister funcional, sob pena de banalização do instituto e inviabilização do exercício da jurisdição (REsp 1462669/DF, Rel. p/ Acórdão Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 23/10/2014; APn 733/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, DJe 04/08/2015). Conclusão diversa chegaria ao absurdo de impossibilitar que o magistrado mantenha quaisquer relações exoprocessuais, mesmo que meramente creditícias ou pessoais, presumindo-se em abstrato a sua parcialidade em situações meramente cotidianas.

Conquanto incida de maneira formal e abstrata a cláusula geral de suspeição, haja vista possuírem os magistrados relação creditícia com o réu, de origem alheia ao objeto do processo, não incide materialmente a suspeita do legislador. Isso porque o recorrente não demostrou concretamente qualquer conduta processual suspeita dos magistrados, objetivamente capaz justificar o alegado interesse pessoal no julgamento da causa. Não há falar, pois, em parcialidade dos julgadores, e, por corolário, em suspeição, até porque a via do habeas corpus não comporta dilação probatória, apta a chancelar entendimento diverso.

Malgrado o afastamento da alegação de suspeição, subsiste o fundamento autônomo da preclusão lógica e temporal da matéria, o que faz necessário imiscuir na questão relativa à natureza e às consequências dos vícios de parcialidade em tela.

Não se desconhece haver forte doutrina processualista penal no sentido de ser o impedimento causa de inexistência do ato, e a suspeição, de nulidade absoluta.

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Entrementes, tal conclusão não compactua com a natureza dos institutos em análise. A vulneração da imparcialidade é vício dilatório, que culmina na invalidade dos atos decisórios prolatados pelo magistrado, seja no caso de suspeição ou de impedimento, espécies do gênero.

Evidencia-se ser pressuposto processual de existência subjetivo da relação jurídica processual a investidura do magistrado na função jurisdicional. Portanto, somente será considerado inexistente o processo e as decisões nele incidentes se prolatados por um não-juiz. A imparcialidade, todavia, é requisito processual subjetivo de validade da relação processual referente ao juiz, cuja análise remete ao segundo degrau da escada ponteana, por conseguinte, eventual vício não atinge a existência da relação processual, pois o juiz é investido de jurisdição, apenas recebendo a sanção da nulidade, em razão da inobservância de requisito de validade exigido em lei para o regular exercício da atividade jurisdicional.

Portanto, o que diferencia os institutos do impedimento e da suspeição não é o efeito, consistente na nulidade da relação processual, mas o respectivo regime jurídico, compatível com a gravidade de cada um dos vícios de parcialidade.

O impedimento decorre de vinculação direta do juiz com o objeto do processo, por isso considerado mais grave, razão pela qual a subsunção às hipóteses dos arts. 252 e 253 do CPP gera certeza legal da parcialidade. Destarte, inarredável a conclusão que esse vício pode ser alegado a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive por ocasião de revisão criminal. Interpretação diversa levaria à teratológica contradição da norma processual penal: ao mesmo tempo que veda absolutamente o exercício jurisdicional pelo impedido, permitiria que a contumácia das partes e o não reconhecimento pelo magistrado convalidassem o vício por preclusão temporal.

Outrossim, tendo em vista a subsidiariedade do direito penal e a maior gravidade das sanções impostas, seria interpretação desprovida de lógica considerar o impedimento um vício rescisório na seara processual civil, portanto, não sujeito sequer à preclusão máxima da coisa julgada (CPC, art. 495; Novo CPC, art. 975), e, por outro lado, o direito processual penal o submetesse à preclusão endoprocessual, em grave prejuízo ao réu.

A suspeição, diversamente, é considerada vício de menor gravidade, o que se depreende do exemplificativo rol do art. 254, que atesta a dúvida do legislador acerca da atuação jurisdicional imparcial nessas hipóteses, que representam tênues ligações do magistrado com os demais sujeitos processuais, sendo mera possibilidade de parcialidade. Diante das inúmeras hipóteses ensejadoras da suspeição, a ausência de um marco temporal preclusivo inviabilizaria a prestação jurisdicional, relativizando perigosamente a coisa julgada.

Não é por outra razão que a exceção de suspeição, sob pena de preclusão temporal e lógica, deve ser proposta por ocasião da apresentação da resposta à acusação, se a hipótese de suspeição era conhecida, ou deveria ser; ou na primeira oportunidade em que o réu se manifestar nos autos, se não era possível a ciência da causa de suspeição ou se é superveniente.

Desse modo vem decidindo esta Corte e o Supremo Tribunal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. CRIME DE CONCUSSÃO. CAPACIDADE POSTULATÓRIA. MEMBRO DO MPF. ART. 29 DO ADCT C/C ART. 83 DA LEI 8.906/1994. DIREITO DE ADVOGAR. EXCEÇÃO DE IMPEDIMENTO/SUSPEIÇÃO. REJEIÇÃO LIMINAR. PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE E DA DIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. VÍCIOS EM PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS. NÃO

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REPERCUSSÃO NA AÇÃO PENAL. INDEPENDÊNCIA DE INSTÂNCIAS. ART. 6º DA LEI 8.038/1990. PRESENÇA DE MEROS INDÍCIOS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.[...]EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO/IMPEDIMENTO 6. Nos termos do art. 100, § 2º, do CPC, "Se a suspeição for de manifesta improcedência, o juiz ou relator a rejeitará liminarmente". No caso dos autos, o denunciado não indica qual seria especificamente o enquadramento a evidenciar a parcialidade do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República. Não obstante, como não se trata das hipóteses objetivas do art. 252 do CPP, o único enquadramento possível seria o de suspeição por inimizade capital (art. 254 do CPP), tendo em vista que o requerido alega sofrer uma espécie de "perseguição" por parte da autoridade denunciante.7. A Exceção deve ser rejeitada liminarmente. Primeiro porque, consoante a jurisprudência deste Tribunal Superior, a Exceção de Suspeição precisa ser apresentada na primeira oportunidade em que o denunciado se manifestar nos autos. Precedentes: a) AgRg no Ag 1.430.977/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 12.6.2013; b) AgRg no AREsp 111.293/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27.8.2013, DJe 12.9.2013; c) HC 55.703/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 20.10.2011, DJe 28.11.2011; e d) HC 152.113/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 6.9.2011, DJe 21.9.2011.8. Neste feito, o denunciado teve a oportunidade prevista no art. 4º da Lei 8.038/1990 e nada questionou. [...](APn 733/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, DJe 04/08/2015)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. PARCIALIDADE DO JUÍZO. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT IMPETRADO NA ORIGEM. MATÉRIA NÃO SUSCITADA A TEMPO E MODO PELA DEFESA. PRECLUSÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO DESPROVIDO.1. A imparcialidade do magistrado deve ser arguida por meio da exceção prevista nos artigos 98 e seguintes do Código de Processo Penal, a ser oposta no momento adequado, qual seja, no prazo para a defesa prévia, quando o motivo da recusa é conhecido pela parte antes mesmo da ação penal, ou na primeira oportunidade de manifestar-se nos autos, quando é descoberto posteriormente. Doutrina. Precedente do STF.[...]4. Olvidando-se o recorrente ou a sua defesa, mesmo cientes da suposta causa de imparcialidade do Juízo, de argui-la tempestivamente, não podem agora, depois de julgado inclusive o recurso de apelação interposto, pretender o reconhecimento da alegada suspeição do magistrado, seja pelo Tribunal de Justiça, seja por este Sodalício, já que o ordenamento jurídico repudia a adoção de comportamentos contraditórios em sede processual.(RHC 43.295/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 15/09/2014)

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. MARCOS

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INTERRUPTIVOS. ARTIGO 117 DO CÓDIGO PENAL. SUSPEIÇÃO. PRESUNÇÃO RELATIVA DE PARCIALIDADE. EXCEÇÃO NÃO APRESENTADA. PRECLUSÃO. ALEGAÇÕES FINAIS. INÉRCIA DO ADVOGADO CONSTITUÍDO DEVIDAMENTE INTIMADO. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. NULIDADE INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA. [...] 2. A presunção de parcialidade nas hipóteses de suspeição é relativa, pelo que cumpre ao interessado arguí-la na primeira oportunidade, sob pena de preclusão. Precedente. (HC 107780, Relatora  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe 05-10-2011)

HABEAS CORPUS. SUSPEIÇÃO DO MAGISTRADO. PRAZO. 1. A exceção de suspeição não pode ficar à disposição do réu, no tocante ao momento de suscitá-la. Logo em seguida ao interrogatório, quando o denunciado toma conhecimento da pessoa que irá julgá-lo, a exceção há de ser suscitada, sob pena de preclusão. Na hipótese, somente depois de dois julgamentos pelo Tribunal do Júri, é que o paciente lembrou-se da exceção. Impossibilidade. 2. Habeas corpus indeferido.(HC 88188, Relatora Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe 28/04/2006)

Apesar da escusa da quantidade de clientes e a afirmação de se tratar de causa superveniente, as causas de suspeição suscitadas eram prévias e deveriam ser conhecidas pelo paciente. Isso porque o Juiz de Direito Substituto, ORLANDO FACCINI NETO, foi quem recebeu a denúncia em 19 de fevereiro de 2014 (e-STJ, fls. 622/735); consoante consulta feita ao site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, relativa ao processo de autos nº 021/2120010212-5, a magistrada titular ANA CRISTINA FRIGHETTO CROSSI proferiu decisão em 12/03/2014, como informa a nota de expediente nº 6/2014, tendo sido intimada a defesa do paciente da decisão de recebimento de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público.

Tendo ciência inequívoca dos magistrados que atuaram na causa, era dever do paciente perquirir eventual causa de suspeição, cuja efetiva ciência era possível ao paciente, bastando que procedesse à procura nos documentos existentes em seu escritório advocatício. Entretanto, não impugnou a parcialidade dos magistrados no prazo da resposta à acusação, oferecida somente em 26/06/2014, mantendo-se inerte até 08/09/2014, quando apresentou a petição de exceção de suspeição dos magistrados que atuaram perante a 3ª Vara criminal de Passo Fundo/RS (e-STJ, fls. 5309/5324).

Mais que preclusão temporal, por se manter inerte por período superior a 2 meses do prazo de apresentação da resposta à acusação, a despeito da devida ciência acerca da causa de parcialidade, evidencia-se comportamento contraditório (venire contra factum proprium ) do réu, violador do dever de boa-fé objetiva processual e de cooperação, afinal, a ausência de irresignação levou os demais sujeitos processuais a criar legítimas expectativas sobre a imparcialidade do julgador, sendo, pois, dele afastada a situação de dúvida conferida pelo ordenamento jurídico.

Conquanto preclusa a matéria da suspeição, há manifesto error in procedendo no julgamento da suspeição ou impedimento pelo próprio juiz de primeiro grau excepto, capaz de gerar nulidade do incidente processual. Não concordando o magistrado com as alegações da parte excipiente, deverá determinar a formação de autos apartados, oferecendo resposta em três dias, podendo, ainda, apresentar provas e arrolar testemunhas. Em seguida, conforme clarividente redação do art. 100, caput , do CPP, o expecto determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro em vinte e quatro horas, ao juiz ou tribunal a quem Documento: 1517482 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 17/06/2016 Página 2 0 de 22

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competir o julgamento.Trata-se de verdadeiro contrassenso jurídico imaginar que a parte passiva no

incidente de suspeição possa imiscuir-se no juízo de admissibilidade ou de mérito, até porque é absolutamente incompetente, haja vista a competência funcional do Tribunal. Dentro dessa perspectiva teleológica, o disposto no art. 100, § 2º, do Código de Processo Penal deve ser interpretado no sentido de ter o Tribunal competência funcional absoluta para o julgamento do incidente, sendo possível, contudo, julgamento monocrático pelo relator, por delegação do colegiado.

Ademais, a interpretação histórica do dispositivo igualmente aponta no sentido trabalhado. Como o art. 100, § 2º integra a redação original do CPP, a previsão expressa de que o juiz de primeiro grau possa rejeitar liminarmente a suspeição por manifesta improcedência se coaduna com a organização judiciária à época, porquanto existiam órgãos jurisdicionais inferiores aos juízes de direito. Logo, se aqueles fossem réus no incidente de suspeição, o julgamento caberia aos juízes de direito.

Muito bem explica o tema Tourinho Filho:

“quando o CPP entrou em vigor, nos idos de 1942, havia entre nós órgãos jurisdicionais hierarquicamente inferiores aos juízes de direito. Eram os Pretores, os Juízes municipais e os Juízes preparadores. Quando se arguia suspeição de um desses órgãos, o julgamento competia ao Juiz de Direito. Isso explica também as regras dos arts. 582, 591 e 592, todos do CPP” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código Processual Comentado, volume 1: (arts. 1º a 393). 13ª ed. rev., e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 264)

Malgrado patente a violação à norma processual pela magistrada excepta, ao simplesmente rejeitar o incidente sem o remeter ao Tribunal, não se vislumbra prejuízo. O paciente impetrou habeas corpus contra a decisão da magistrada, tendo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul inadmitido o writ com fundamento na inadequação da via eleita (e-STJ, fls. 5495/5516).

Entretanto, como a matéria impugnada não se deteve ao error in procedendo da magistrada, tendo sido abrangido igualmente o mérito da exceção de suspeição, o Tribunal a quo, ao verificar a necessidade de concessão da ordem de ofício, apreciou todos fundamentos do habeas corpus , por conseguinte, supriu o erro de procedimento da magistrada, estando, pois, expurgada qualquer alegação de prejuízo, o que inviabiliza a pretensão de declaração de nulidade da decisão impugnada, em atenção ao princípio do pas de nullité sans grief e ao disposto no art. 563 do CPP (STF: RHC 127530 AgR, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe 30/09/2015; HC 107882 ED, Relator Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 06/03/2015. STJ: RHC 41.179/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 19/06/2015; RHC 58.485/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 25/11/2015).

Por derradeiro, a improcedência do pedido de declaração de nulidade dos atos processuais decisórios por mácula de parcialidade, prejudica o pedido em cúmulo próprio sucessivo de relaxamento da prisão preventiva.

À vista do exposto, conheço do recurso ordinário em habeas corpus e lhe nego provimento.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUINTA TURMA

Número Registro: 2015/0047164-0 PROCESSO ELETRÔNICO RHC 57.488 / RSMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00400668220128210021 02121200102125 03694600620148217000 2121200102125 2121300066368 2121300094523 2121400048485 2121400055384 2121400055490 2121400071835 2121400078368 400668220128210021 70061768974

EM MESA JULGADO: 07/06/2016

RelatorExmo. Sr. Ministro RIBEIRO DANTAS

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. FRANCISCO DE ASSIS VIEIRA SANSEVERINO

SecretárioMe. MARCELO PEREIRA CRUVINEL

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : MAURÍCIO DAL AGNOL (PRESO)ADVOGADOS : EDUARDO SANZ DE OLIVEIRA E SILVA E OUTRO(S)

LUIZ HENRIQUE MERLINTHIAGO TIBINKA NEUWERT

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SULCORRÉU : PABLO GEOVANI CERVICORRÉU : MARCIA FATIMA DA SILVA DAL AGNOLCORRÉU : CELI ACEMIRA LEMOSCORRÉU : VILSON BELLÉ

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Apropriação indébita

SUSTENTAÇÃO ORAL

SUSTENTARAM ORALMENTE: DR. CEZAR ROBERTO BITENCOURT (P/RECTE) E MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso."Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, Jorge Mussi e Reynaldo Soares da

Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.

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