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76 Agosto 2010 artigo científico ac Análise do coeficiente de atrito utilizado durante a caminhada em diferentes velocidades BALBINOT, Gustavo 1 ; 1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Resumo A caminhada humana só é possível devido às forças de reação do solo (FRS) ântero-posterior (ou de cisalhamento) e vertical (ou de compressão), entre a superfície do solo e a superfície do pé ou solado do calçado. Quando a razão entre estas forças (coeficiente de atrito utilizado durante a caminhada; ) excede a razão entre a força de atrito estático (F e ) máxima e a força normal (N ou F N ), i.e. , o coeficiente de atrito estático ( ) , ocorre o deslizamento entre as superfícies. O objetivo do presente estudo foi analisar o durante a caminhada humana em diferentes velocidades. Participaram do estudo cinco sujeitos, que realizaram a caminhada no plano em 3 velocidades e, com 10 passadas coletadas para cada velocidade. Os instrumentos utilizados foram 2 plataformas de força da marca AMTI (mode- lo OR6-7; FN vertical 580Hz e horizontal 480Hz; com taxa de amostragem de 500Hz) e fotocélulas (para o controle da Palavras-chave: caminhada, atrito, coeficiente de atrito utilizado Human walking is only possible due to the shear and compressive forces acting at the ground and foot surface or shoe´s sole. When the ratio between these forces exceeds the ratio between the friction forces by a normal force (coefficient of dynamic friction), a surface slide occurs. The main objective of this study was to analyze the utilized coefficient of friction during walking on the level at different speeds. The instruments used were two AMTI force plates (model OR6-7; NF vertical 580 Hz and horizontal 480 Hz; with an acquisition rate of 500Hz) and photocells (for speed control). The utilized coefficient of friction reached its maximum values at load response and propulsion phases and its minimum values at Abstract velocidade). Os resultados da análise das FRS indicaram um aumento do para valores máximos durante as fases de resposta a carga e final do apoio e, menores valores durante o médio apoio e duplo apoio (fases da marcha definidas segundo COCHRAN, 1982 e PERRY, 1992), além de ter apresentado um aumento com a velocidade e alta variabilidade nos 50ms inici- ais e finais do ciclo de passo e passada. Os presentes achados estão de acordo com a literatura e assinalam uma série de cui- dados metodológicos relacionados, tanto à coleta, e.g. , controle de variáveis intervenientes (comprimento de passada, frequência de passada e velocidade média de progressão), quan- to à análise das variáveis envolvidas no cálculo do , e.g., interação entre as FRS do passo direito e esquerdo durante o duplo apoio, alta variabilidade do nos momentos iniciais do contato e despregue do passo ou passada. single support and double support phases (gait phases according to COCHRAN, 1982 and PERRY, 1992). This coefficient increased with speed and presented a high variability during early and terminal phases (first and last 50ms of step or stride cycle, respectively). The present findings are in accordance to the literature, involving a number of methodological issues of data acquisition such as: control of intervening variables (e.g. step length, step frequency and forward speed) and variable analysis used in the calculus of the coefficient of friction such as: interaction between ground reaction forces at double support phase and high variability of utilized coefficient of friction at early and terminal phases of stride or step contact. Keywords: walk, friction, utilized coefficient of friction ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ artigo científico.pmd 3/8/2010, 22:31 76

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Artigo Científico - Tecnicouro 254

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76 Agosto 2010

a r t i g o c i e n t í f i c oac

Análise do coeficiente deatrito utilizado durante acaminhada emdiferentes velocidadesBALBINOT, Gustavo1;

1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Resumo

A caminhada humana só é possível devido às forças de reaçãodo solo (FRS) ântero-posterior (ou de cisalhamento) e vertical(ou de compressão), entre a superfície do solo e a superfície dopé ou solado do calçado. Quando a razão entre estas forças(coeficiente de atrito utilizado durante a caminhada; ) excedea razão entre a força de atrito estático (Fe) máxima e a forçanormal (N ou FN), i.e., o coeficiente de atrito estático ( ) , ocorreo deslizamento entre as superfícies. O objetivo do presenteestudo foi analisar o durante a caminhada humana emdiferentes velocidades. Participaram do estudo cinco sujeitos,que realizaram a caminhada no plano em 3 velocidades e, com10 passadas coletadas para cada velocidade. Os instrumentosutilizados foram 2 plataformas de força da marca AMTI (mode-lo OR6-7; FN vertical 580Hz e horizontal 480Hz; com taxade amostragem de 500Hz) e fotocélulas (para o controle da

Palavras-chave: caminhada, atrito, coeficiente de atrito utilizado

Human walking is only possible due to the shear andcompressive forces acting at the ground and foot surface orshoe´s sole. When the ratio between these forces exceeds theratio between the friction forces by a normal force (coefficientof dynamic friction), a surface slide occurs. The main objectiveof this study was to analyze the utilized coefficient of frictionduring walking on the level at different speeds. The instrumentsused were two AMTI force plates (model OR6-7; NF vertical 580 Hz and horizontal 480 Hz; with an acquisition rate of500Hz) and photocells (for speed control). The utilizedcoefficient of friction reached its maximum values at loadresponse and propulsion phases and its minimum values at

Abstract

velocidade). Os resultados da análise das FRS indicaram umaumento do para valores máximos durante as fases deresposta a carga e final do apoio e, menores valores durante omédio apoio e duplo apoio (fases da marcha definidas segundoCOCHRAN, 1982 e PERRY, 1992), além de ter apresentado umaumento com a velocidade e alta variabilidade nos 50ms inici-ais e finais do ciclo de passo e passada. Os presentes achadosestão de acordo com a literatura e assinalam uma série de cui-dados metodológicos relacionados, tanto à coleta, e.g., controlede variáveis intervenientes (comprimento de passada,frequência de passada e velocidade média de progressão), quan-to à análise das variáveis envolvidas no cálculo do , e.g.,interação entre as FRS do passo direito e esquerdo durante oduplo apoio, alta variabilidade do nos momentos iniciais docontato e despregue do passo ou passada.

single support and double support phases (gait phases accordingto COCHRAN, 1982 and PERRY, 1992). This coefficient increasedwith speed and presented a high variability during early andterminal phases (first and last 50ms of step or stride cycle,respectively). The present findings are in accordance to theliterature, involving a number of methodological issues of dataacquisition such as: control of intervening variables (e.g. steplength, step frequency and forward speed) and variable analysisused in the calculus of the coefficient of friction such as:interaction between ground reaction forces at double supportphase and high variability of utilized coefficient of friction atearly and terminal phases of stride or step contact.

Keywords: walk, friction, utilized coefficient of friction

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A força mais comum atuando sobre ocorpo humano é a FRS e tem como pontode aplicação ou ponto de contato o pé,tanto na situação de repouso em doisapoios, caminhada ou corrida. Esse vetorde força é tridimensional, e constituídopor um componente vertical mais doiscomponentes de cisalhamento que agemsobre a superfície da plataforma de for-ça. Essas forças de cisalhamento são usu-almente denominadas de componenteântero-posterior e médio-lateral(WINTER, 2004). O componente verticaldessa força tem a função de suportar opeso corporal (PC), enquanto o compo-nente ântero-posterior permite a acelera-ção horizontal positiva ou negativa doindivíduo (BIEWENER, 2003).

Diferentes modos de progressãoapresentam padrões específicos de FRS(NILSON & THORSTENSSON, 1989). Nacaminhada humana, sempre há ao me-nos um pé em contato com o solo (fasede apoio) e um breve período onde osdois pés estão em contato com o solo(fase de duplo apoio). A componente ver-tical da FRS da caminhada apresenta umaumento rápido a partir do contato docalcanhar com o solo, até um valor depico onde a FRS excede o PC (i.e., a massacorporal é acelerada para cima), entãodurante o apoio médio ela tem um de-créscimo abaixo do PC. No despregue osflexores plantares são ativados e essaflexão plantar causa um segundo aumen-to acima do PC, o segundo pico da com-ponente vertical da FRS (WINTER, 2004).

A componente ântero-posterior daFRS da caminhada, imediatamente apóso contato do pé com o solo, tem valorespositivos (primeiros 50ms) indicandouma força, entre o solo e o pé para trás.Este transiente de força é atribuído a umafastamento dos membros inferiores emrelação ao Centro de Massa Corporal (CM)nos 50ms iniciais do contato (CAVAGNAet al., 1963). Após esta breve fase iniciala componente ântero-posterior da FRSapresenta valores negativos, indicandouma frenagem. É justamente durante esta

Introdução

frenagem onde ocorre a maior parte dosdeslizamentos entre as superfícies, res-ponsável por eventuais quedas e lesõesem indivíduos durante a caminhada(COOPER et al., 2008). Na segunda meta-de da fase de contato a curva de FRS épositiva indicando que ela está "empur-rando" o sujeito para frente (FARLEY et al.,1998; WINTER, 2004). Nesta última fase aocorrência de deslizamentos durante acaminhada é pequena. No presente estu-do, as forças de atrito entre dois corpossólidos serão investigadas segundo asleis do atrito seco ou atrito de Coulomb.

Força de atritoA força de atrito pode ser visualizadaexperimentalmente no lançamento de umobjeto ao longo de uma mesa comumhorizontal; o fato deste objeto parar emdeterminado momento significa que elesofreu resistência ao seu movimento.Esta resistência muda a velocidade docorpo e é medida por uma força com sen-tido contrário ao movimento deste cor-po, a força de atrito (HALLIDAY &RESNICK, 1971).

As microrugosidades existentes nasduas superfícies sólidas em contato sãoresponsáveis pela ocorrência das forçasde atrito (Figura 1). Através de investiga-ções experimentais detalhadas, Coulomb(1736-1806) determinou as relações daforça de atrito entre dois corpos que sãopressionados um contra o outro por umaFN (Figura 3; POPOV, 2010). Estas forçasapresentam propriedades distintas, comoveremos a seguir. No presente estudo,

estas forças serão analisadas durante acaminhada em diferentes velocidades ecom o uso de calçado convencional.

Coeficiente de atritoestáticoMesmo que não haja movimento relati-vo entre os objetos, pode existir força deatrito entre as superfícies, esta força édenominada força de atrito estático. Aforça de atrito estático é menor ou igualao coeficiente de atrito estático do corpoe a força normal (HALLIDAY & RESNICK,1971).

A razão entre os módulos da forçade atrito estático máxima e da força nor-mal é chamada de coeficiente de atritoestático. E o sinal de igualdade é utiliza-do quando Fe tem o seu valor máximo(ibid, 1971).

O é dependente do emparelha-mento dos materiais em contato, porém,apresenta pouca dependência da área decontato ou rugosidade (POPOV, 2010).

Figura 1: Interações entre a rugosidade - origem das forças de atrito (esboço original

realizado por Coulomb 1736-1806). Fonte: POPOV (2010).

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O método mais simples para a de-terminação experimental do , é amensuração do ângulo em que um cor-po, em repouso sob um plano inclinado,começa a deslizar (Figura 2). Este ânguloé chamado de ângulo de atrito.

À medida que o corpo aproxima-sedo ângulo de atrito, a Fe atinge o seu valormáximo. O equilíbrio entre as forças de-monstra que:

O valor de corresponde ao valormáximo que o pode alcançar antes deocorrer um deslizamento entre as super-fícies. Em relação à metodologia empre-gada no cálculo do , além possibilida-de da utilização de do método do ângulode atrito há, também, o método da forçanecessária para mover um objeto no pla-no. O método da força necessária paramover um objeto no plano consiste nautilização de uma célula de carga fixadaao objeto (ou sistema de polias; FONG et

al., 2009), onde a força registrada no mo-mento em que o objeto entra em movi-mento é utilizada para os cálculos do .A utilização destes dois métodos para ocálculo do em diferentes tipos demateriais (cartolina, alumínio e borracha)não apresentou diferenças significativas,com exceção da borracha ( foi 11%

maior para o método do ângulo de atrito;SEO et al., 2009). Desta forma, para o cál-culo do ambos os métodos são váli-dos, porém é sugerido cautela quando ofor for calculado por materiais que con-tenham látex ou similares em sua com-posição.

Coeficiente de atritodinâmicoA força máxima de atrito estático será amenor força a iniciar o movimento, ini-ciando o movimento as forças de atritoentre as superfícies habitualmente dimi-nuem de modo que é necessária uma for-ça menor para manter este movimento

uniforme. A força de atrito dinâmico éproporcional a força normal e indepen-dente da área de contato e da velocidadecom que se move (HALLIDAY & RESNICK,1971). A razão entre os módulos da forçade atrito dinâmico, i.e., força de resistên-cia que atua no corpo após a superaçãoda Fe, ou seja, após o deslizamento dassuperfícies em contato, e da força nor-mal é chamada de coeficiente de atritodinâmico .

Coloumb determinou experimental-mente as seguintes propriedades do atri-to dinâmico: é proporcional a força nor-mal, não apresenta nenhuma influênciaconsiderável da área de contato ourugosidade da superfície e é pouco de-pendente da velocidade de deslizamento(POPOV, 2010). Tanto quanto sãoconstantes, sem dimensão, cada um de-les sendo a razão de duas forças. Para umdado par de superfícies o é maior queo e, estes valores dependem da natu-reza das superfícies estudadas.

Figura 2: Um corpo em repouso sob um plano inclinado. Adaptado de POPOV (2010).

Figura 3: Um bloco em movimento sob a força ação de uma força normal e tangencial ao

plano; no diagrama de corpo livre pode-se visualizar a força de reação (FN) e a força de atrito

dinâmico (Fd). Adaptado de POPOV (2010).

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acAmbos os coeficientes podem exce-

der a unidade, contudo normalmente sãomenores que um (HALLIDAY & RESNICK,1971). O coeficiente de atrito dinâmiconão será abordado no presente estudo,uma vez que não houve a ocorrência dedeslizamentos entre a superfície do pé ea plataforma de força durante as coletas.

Materiais e métodosParticiparam do estudo cinco sujeitos(três do sexo masculino e dois do sexofeminino). Foram analisadas três veloci-dades, auto selecionada (VAS), acima(+VAS) e abaixo da auto selecionada(-VAS). Para cada velocidade foram anali-sados dez ciclos de passada em um totalde 600 curvas de FRS.

Protocolo de coletaA coleta de dados ocorreu no laboratóriode biomecânica do Instituto Brasileiro deTecnologia do Couro, Calçado e Artefa-tos (IBTeC), em Novo Hamburgo/RS. Fo-ram utilizadas para a coleta duas plata-formas de força da marca AMTI (modeloOR6-7; FN vertical 580Hz e horizontal 480Hz; com taxa de amostragem de500Hz), sendo o software utilizado paraaquisição dos dados o AMTI´s NetForce

1.0 (Advanced Mechanical Technology,

Inc).

A aquisição de dados foi disparadapor um trigger de 50N com um buffer de10% do sinal pré-trigger. As plataformasde força estavam alinhadas com duasfotocélulas - equipadas com sensores deinfravermelho e conectadas a um cronô-metro digital, para o controle da veloci-dade de progressão.

Na figura 4 o layout das plataformase fotocélulas para a aquisição dos dadosé ilustrado. As plataformas e fotocélulasestavam posicionadas ao final de um tra-jeto de aproximadamente dez metros e,com uma distância de três metros entreas fotocélulas.

Primeiramente o indivíduo executoua caminhada na VAS durante alguns mi-nutos para familiarização ao protocolode coleta e aquecimento. Em seguida,

após a explicação dos testes, o sujeitoexecutava a caminhada sobre as plata-formas em cada uma das velocidades(VAS, -VAS e +VAS), dez tentativas válidaspara cada velocidade. A ordem entre asvelocidades foi randômica e, as caminha-das sobre as plataformas foram realiza-das desta forma: partindo com no míni-mo cinco passos de distância da primei-ra plataforma e executando ao menosquatro passos depois do despregue coma segunda plataforma. Dessa forma, umamenor variabilidade da marcha foi asse-gurada.

Foram coletados dez ciclos de pas-sadas para cada velocidade, sendo o trial

considerado válido apenas quando o su-jeito acertava o pé no centro da platafor-ma: a primeira plataforma com o pé di-reito e, a segunda plataforma com o péesquerdo.

Em uma mesma velocidade, quandouma variação de tempos entre trials ex-cedia 10 centésimos de segundo, o trialera descartado. Dessa forma, uma me-nor variabilidade nas velocidades foiassegurada.

Análise dos dadosUma rotina computacional foi de desen-volvida no software LabView 8.5. Estarecortava automaticamente as FRS, soma-va, normalizava, aplicava o módulo ecalculava o , entre as componentesântero-posterior e vertical da FRS.

Resultados e discussõesFoi observado um aumento dos valoresdo durante a caminhada com o au-mento da velocidade horizontal de pro-gressão (Figura 5). Este comportamentodo com o aumento da velocidadehorizontal de progressão foi similar emestudos prévios (REDFERN et al., 2001;RHOADES & MILLER, 1988; CHANG et al.,2008). O aumento do com a veloci-dade horizontal de progressão pode seratribuído tanto a um aumento do com-primento de passada, quanto dafrequência de passada (COOPER et al.,2008), uma vez que a velocidade hori-zontal de progressão é diretamente pro-porcional à estas duas últimas variáveis.

Nota-se também a presença de picosnos valores iniciais (primeiros 50ms)do , estes picos apresentam altavariabilidade. Nestes períodos os valo-res de FRS apresentam baixa magnitudee, como o é a razão entre as compo-nentes da FRS, esse pode apresentar valo-res muito variáveis durante o contatoinicial (COOPER et al., 2008). Da mesmaforma, observa-se alta magnitude e vari-abilidade do no final do passo (Figura5).

O autor supracitado sugere a valida-de dos valores do apenas após aocorrência destes valores iniciais e fi-nais com alta variabilidade. Da mesmaforma, Fong et al. (2009) consideraram,

Figura 4: Plataformas de força AMTI e fotocélulas utilizadas no presente estudo

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para os cálculos do , apenas o registroapós os 30N iniciais da componente ver-tical da FRS.

Após a ocorrência destes picos ini-ciais há um comportamento crescente doì u desde o contato do calcanhar até afase de achatamento do pé, isto é, duran-te a fase de aceitação da carga. Nesta fasehá uma frenagem do movimento do CM,que apresenta um comportamentopendular durante a caminhada (CAVAGNAet al., 1976). Neste instante o CM está ace-lerado devido à troca de energia potenci-al (adquirida durante a elevação do CM;apoio médio) para cinética ou velocida-de horizontal (acumulada desde a segun-

da metade do apoio médio até o contatodo calcanhar e aceitação da carga). É nes-ta fase que o apresenta os valoresmais elevados e, onde a maior parte dosdeslizamentos entre as superfícies ocor-re (COOPER et al., 2008).

Os valores de pico do (durante afase de frenagem) obtidos no presenteestudo estão de acordo com a literatura,onde valores entre 0,17-0,23 foram rela-tados por diversos estudos (BUCZEK &BANKS, 1996; BURNFIELD et al., 2005;REDFERN et al., 2001; STRANDBERG,1983). Nota-se, ainda, a presença de umsegundo pico na parte final do passo, nopresente estudo este segundo pico apre-

sentou valores maiores quando compa-rado ao primeiro pico, este dado corro-bora com achados de Burnfield et al.(2007). Fong et al. (2009) utilizaram di-versos tipos de contaminantes da super-fície de contato do pé com o solo, a adi-ção destes contaminantes diminuía gra-dualmente o disponível durante ocontato com o solo. Foi constatada umadiminuição do durante a caminhadaquando o proporcionado pela super-fície diminui para valores de 0,41 (FONGet al., 2009). Em uma série de estudos foisugerido que o limite de segurança doxx para a caminhada no plano estariaentre 0,20-0,40 (GRONQVIST et al., 1989,2003; REDFERN & BIDANDA, 1994;STRANDBERG, 1983).

Na fase de apoio médio ( 60% ciclode passo) o apresenta um valor mí-nimo e volta a aumentar nas fases de re-tirada do calcanhar e despregue. Duranteo despregue há a ação de uma força depropulsão responsável por reacelerar oCM para frente após a diminuição de ve-locidade durante o apoio médio.

Na figura 6, o foi calculado du-rante um ciclo de passada, i.e., do contatodo calcanhar direito até o próximo conta-to do mesmo, esse apresenta uma fasede duplo apoio característica da machahumana. Nota-se que durante esta fase ovalor do decresce até próximo de ze-ro, porém não chega a valores tão baixosquanto durante o apoio médio unipodal( 0.014). O valor mínimo do du-rante o duplo apoio ocorreu a 50% dociclo de passada e apresentou um valormédio de 0.051±0.022 entre as velocida-des, também aumentando com a veloci-dade. Durante esta fase há a interação dasFRS do lado direito e esquerdo, para aanálise do as componentes da FRSforam somadas preservando-se o sinaldas mesmas. Desta forma na componen-te vertical da FRS há uma adição dos va-lores e na componente ântero-posteriorum breve momento de adição e a predo-minância de subtração das forças, con-forme o sinal desta componente duranteo duplo apoio. Apesar da importância des-

Figura 5: Média e desvio padrão (n=5) para o durante o do ciclo de passo (%) durante a

caminhada em 3 velocidades distintas: -VAS (velocidade abaixo da auto-selecionada; linha

tracejada e cinza clara), VAS (velocidade auto-selecionada; linha pontilhada e cinza escura) e

+VAS (velocidade acima da auto-selecionada; linha contínua e preta)

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actas características, que preservam o com-portamento verdadeiro do CM durante acaminhada, o é usualmente calculadoapenas para um passo em separado, ne-gligenciando as interações que ocorrementre as FRS (COOPER et al., 2008;REDFERN et al., 2001; BURNFIELD &POWERS, 2007). Ainda, o apresentouum pico no final do contato do pé direito:-VAS (45% ciclo de passada; =0,17±0.1),VAS (45% ciclo de passada, =0,21±0.05)e +VAS (46% ciclo de passada; uu =0,26±0.06); e no começo do contatodo pé esquerdo: -VAS (54% ciclo de pas-sada; = 0,14±0.08), VAS (54% ciclo depassada, = 0,16±0.05) e +VAS (55%ciclo de passada; = 0,19±0.05). Tam-bém, observam-se picos de alta magni-tude e variabilidade no começo e no finalda passada, porém durante o final do pri-meiro passo e começo do segundo pas-so estes picos de alta variabilidade e mag-nitude desaparecem. Quando as FRS dolado direito e esquerdo não são conside-radas em separado, ou seja, as regiõescom baixos valores de FRS (começo e fi-nal do contato) são somadas, a alta varia-bilidade e magnitude não foi constatada.Desta forma, é sugerido pelo presenteestudo o cálculo do durante o passoutilizando-se apenas as regiões de apoiounipodal. A região correspondente ao du-plo apoio - o começo e o final do passo,só poderá ser utilizada se houver a somados componentes de FRS (direito eesquedo).

Assim como na análise do duran-te o passo, durante a passada estes valo-res aumentaram com a velocidade. Quan-do o valor do ultrapassar o valor dexx (não calculado no presente estudo)ocorre o deslizamento das superfíciesadjacentes, ou seja, um deslizamento ouescorregão (REDFERN et al., 2001). O ccrepresenta a força máxima de atrito quepode ser suportada sem que ocorra umdeslizamento na superfície do calçado edo solo. O cálculo do é sugerido parafuturos estudos, assim como a análisedas FRS advindas de uma situação dedeslizamento. Através do cálculo do é

possível estabelecer os limites de segu-rança entre o atrito disponível ·caracte-rísticas dos materiais· e o atrito utilizado·características da marcha· (FONG et al.,2009). Ainda, o pode apresentar va-riações randômicas mesmo quandoamostras idênticas são utilizadas (dife-rentes equipamentos: Brungraber MarkII e English XL; CHANG & MATZ, 2001).Desta forma, o presente estudo sugerecautela no cálculo do .

ConclusãoA análise do durante a caminhadaapresenta alguns problemasmetodológicos relativos ao controle devariáveis intervenientes durante a (i) co-leta e (ii) análise dos dados. No primeirocaso, o comprimento e frequência de pas-sada, comprimento de membro inferiore velocidade horizontal de progressãopodem intervir diretamente nos resulta-

dos do . Se o controle destas variáveisintervenientes não for realizado um au-mento ou diminuição do não poderáser atribuído única e exclusivamente ascaracterísticas das superfícies em conta-to, mas sim as variáveis intervenientessupracitadas. No segundo caso, devido àalta variabilidade dos valores do nosmomentos iniciais e finais do ciclo depasso e passada estes períodos devemser desconsiderados (COOPER et al.,2008; FONG et al., 2009). Ainda, o valorque melhor representa o durante acaminhada é o valor máximo do du-rante os 25% iniciais do ciclo de passo(FONG et al., 2009).

Para o controle do comprimento depassada sugere-se a utilização demarcadores adesivos no solo, com umadistância constante e conhecida entre osmesmos. Estes marcadores sinalizarãoo local do contato do pé com o solo, desta

Figura 6: Média e desvio padrão (n=5) para o durante o % do ciclo de passada durante a

caminhada em 3 velocidades distintas: -VAS (velocidade abaixo da auto-selecionada; linha

tracejada e cinza clara), VAS (velocidade auto-selecionada; linha pontilhada e cinza escura) e

+VAS (velocidade acima da auto-selecionada; linha contínua e preta). Fases do ciclo de

passada: adaptado de GROSS et al. (2009).

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a r t i g o c i e n t í f i c oacforma, possibilitando um comprimentode passada constante. A frequência depassada deve ser controlada através deum metrônomo, desta forma garantindouma velocidade horizontal de progres-são constante.

Outro problema metodológico rela-cionado ao estudo das forças de atritodurante a caminhada humana é a com-plexa interação entre as FRS durante estefenômeno. A caminhada humana é ca-racterizada por uma fase de duplo apoioonde o pé direito e esquerdo estão emcontato com o solo, durante esta fase asFRS estão distribuídas em ambos os péssimultaneamente. Desta forma, a análiseda força de atrito atuante sobre um pénão pode ser considerada isoladamentedurante esta fase; se a influência destasforças é destinada para a aplicação emsituações reais de caminhada.

A utilização de calçados influi dire-tamente nos valores durante a cami-nhada. Foi constatado que sujeitos des-calços apresentaram um mais eleva-do quando comparados a sujeitos calça-dos (maiores comprimentos de passada;COOPER et al., 2008). Na situação calçadohá um potencial para forças decisalhamento internas, i.e., entre a solado pé e o calçado, estas forças podemacarretar um atraso na taxa de aplicaçãoda componente ântero-posterior da FRS,resultando em um menor durante asituação calçado. Por outro lado, na situ-ação descalço a pele é aderida fortemen-te às estruturas intrínsecas do corpo hu-mano. Estas propriedades podem resul-tar em um efeito no timing entre as FRSvertical e horizontal. Porém, devido àcomplexidade destas interações, mais es-tudos relativos ao comportamento do xxnas situações calçado e descalço são ne-cessários. McGorry et al. (2008) realiza-ram testes com calçados equipados comsalto de DelrinTM (material plástico durocom baixo ) e, constataram que duran-te o deslizamento os indivíduos apre-sentaram um decréscimo brusco do xxnos instantes iniciais do deslizamento.Estes achados devem nortear futuros es-

tudos. Ainda, para futuros estudos é su-gerido o controle das variáveisintervenientes, o cálculo do , análiseem superfícies, solados e situações di-nâmicas distintas, além da análise docomportamento do durante a cami-nhada com calçado, descalço entre ou-tras situações.

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