sucessao em estabelecimento empresarial

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Rua dos Ingleses, 149 Bela Vista | 01329-000 São Paulo – SP | Tel.: (11) 3147-1800 | [email protected] | www.fortes.com.br Sucessão fraudulenta de estabelecimento empresarial – Prejuízos a credores Marcelo Augusto de Barros 1 [email protected] Outubro 2009 O conceito de estabelecimento empresarial é dado pelo artigo 1.142, do Código Civil, como “todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresários, ou por sociedade empresária”. Esses bens podem ser de natureza corpórea ou incorpórea. Bens de natureza corpórea compreendem a matéria-prima, mercadorias estocadas, mobiliário, veículos, máquinas ou equipamentos, etc. Já os elementos incorpóreos, segundo ensinamentos de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, in “Curso de Direito Comercial Volume 1”, Malheiros, pág. 245: “são constituídos pela expectativa de lucros (aviamento), pelo bom nome do empresário, pelo ponto comercial, pelos contratos relacionados com a atividade do empresário, pelo título, pela insígnia do estabelecimento e pelos bens inerentes à chamada ‘propriedade industrial’ (marcas e patentes)”. Para os fins da presente pesquisa, é relevante tratar do aviamento ou goodwill, que pode ser conceituado “como sendo a qualidade, o atributo do estabelecimento, traduzido na sua capacidade de gerar lucros, derivado da proficiência de sua organização na conjugação dos 1 Integrante das área Societária/Contratos

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  • Rua dos Ingleses, 149 Bela Vista | 01329-000 So Paulo SP | Tel . : (11) 3147-1800 | contato@for tes.adv.br | www.for tes.com.br

    Sucesso fraudulenta de estabelecimento

    empresarial Prejuzos a credores

    Marcelo Augusto de Barros1

    [email protected]

    Outubro 2009

    O conceito de estabelecimento empresarial dado pelo artigo 1.142, do Cdigo Civil, como

    todo complexo de bens organizado, para exerccio da empresa, por empresrios, ou por

    sociedade empresria. Esses bens podem ser de natureza corprea ou incorprea.

    Bens de natureza corprea compreendem a matria-prima, mercadorias estocadas, mobilirio,

    veculos, mquinas ou equipamentos, etc.

    J os elementos incorpreos, segundo ensinamentos de Haroldo Malheiros Duclerc Verosa, in

    Curso de Direito Comercial Volume 1, Malheiros, pg. 245:

    so const itu dos pela expectat iva de lucros (aviamento), pelo

    bom nome do empresr io, pelo ponto comercia l , pe los

    contratos relac ionados com a at ividade do empresrio, pe lo

    t tulo, pela insgnia do estabelecimento e pe los bens

    inerentes chamada propriedade industr ia l (marcas e

    patentes).

    Para os fins da presente pesquisa, relevante tratar do aviamento ou goodwill, que pode ser

    conceituado como sendo a qualidade, o atributo do estabelecimento, traduzido na sua

    capacidade de gerar lucros, derivado da proficincia de sua organizao na conjugao dos

    1 Integrante das rea Societria/Contratos

  • 2

    diversos fatores que o integram (Srgio Campinho, in O Direito de Empresa luz do novo

    cdigo civil, 6 edio, Renovar, pg. 318).

    do aviamento, por exemplo, que nasce a clientela, reputao do empresrio e solidez de

    crdito, fatores de suma importncia para a explorao da atividade econmica.

    Soma-se, ainda, a tais elementos corpreos e incorpreos , a combinao de outro fator,

    para perfeita compreenso do conceito de estabelecimento: a atividade laboral. Como bem

    observado por Modesto Carvalhosa, in Comentrios ao Cdigo Civil, volume 13, 2 edio,

    Saraiva, pg. 618:

    De nada adianta ao empresrio reunir todos os bens

    corpreos e incorpreos que considera necessrios para o

    sucesso da empresa. A eles deve ser ad ic ionado esse fator

    traba lho, sem o qual os mesmos bens no adquirem sequer a

    unidade funciona l que os caracter iza como e lementos do

    estabelecimento, e muito menos instrumental izam o exerccio

    da empresa..

    A tais elementos, que integram de forma conjunta o estabelecimento, podem-se atribuir pesos

    de maior ou menor relevncia no sucesso da atividade empresarial. Em muitos casos, tais

    atributos so de pblico conhecimento dos clientes, como marcas, reputao do empresrio, ou

    ponto empresarial.

    Uma loja em Shopping Center, por exemplo, traduz maior confiabilidade a determinados

    compradores. Para outros, o que importa a marca, como ocorre com freqncia na moda

    jovem.

    Noutros casos, a gerao de riqueza est agregada a tcnicas e experincias acumuladas pelo

    empresrio ou seus colaboradores, empregados ou no, mantidas com absoluto sigilo da

    concorrncia, tais como tcnicas de industrializao, informaes de fornecedores, relatrios

    estatsticos, mercados, produtos e empregados promissores, etc.

  • 3

    Prtica comum, no entanto, a criao de manobras fraudulentas envolvendo estabelecimentos

    empresariais com o nico objetivo de burlar a lei e frustrar credores. So estruturas societrias

    que, embora formalmente distintas, mantm unidade gerencial, laboral e patrimonial.

    Ou seja, um mesmo estabelecimento empresarial desfrutado por duas ou mais sociedades; o

    chamado grupo econmico. Trata-se de mtodos simples, porm deveras eficazes, em especial

    contra credores no diligentes. Com a mera inscrio de outro CNPJ, por exemplo, evita-se a

    penhora on-line, sonho de qualquer credor em Juzo.

    Bens que no dependem de registro em rgos pblicos (maquinrio, mercadorias) so

    desviados, impedindo-se constries por oficiais de justia. Veculos e bens imveis so

    vendidos a terceiros, em consilium fraudis travestida de boa-f. Marcas e patentes so

    licenciadas para as prprias sucessoras.

    Em determinados casos, criam-se estruturas paralelas, tambm meramente formais, com o

    nico objetivo de reduzir a gerao de fluxos de caixa e, com isso, diminuir o valor da

    sociedade. Basta lembrar que o mtodo de avaliao de empresas mais utilizado o fluxo de

    caixa descontado (FCF, DCF, discounted cash flow), sendo que peritos judiciais de So Paulo

    costumam projetar os fluxos futuros com base nos resultados passados. Nesse sentido, Agravo

    de Instrumento n 492.275-4/3, www.tj.sp.gov.br. Scios minoritrios ou afastados da

    administrao, e principalmente cnjuges, so os grandes prejudicados nessa modalidade.

    O Poder Judicirio, felizmente, est atento a tais fraudes. Dvidas, entretanto, restam quanto

    definio do fundamento jurdico da responsabilizao do grupo econmico perante os

    credores.

    A jurisprudncia costuma tratar tais questes como desconsiderao da personalidade jurdica.

    Nesse sentido:

    Havendo gesto fraudulenta e pertencendo a pessoa jur d ica

    devedora a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com

    estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas

    pessoas jur d icas do grupo exercem suas at ividades sob

    unidade gerencia l , laboral e patr imonial , legit ima a

  • 4

    desconsiderao da personal idade jur dica da devedora para

    que os efeitos da execuo alcancem as demais soc iedades do

    grupo e os bens do scio major itr io.

    REsp n 332763/SP, 3 Turma, j . 30/4/2002, Acrdo.

    Fortes indcios de sucesso entre empresas. Coincidncia de

    ramo de at iv idade, estabelec imento, sc ios e patronos .

    Desenvolv imento ir regular da at ividade empresar ia l , f raude

    contra credores ou abuso na ut i l i zao da pessoa jur d ica ,

    sem reserva de bens idneos da executada para garant i r o

    crdito exequendo. Hiptese de caracter izao da disregard

    doctr ine . Agravo provido.

    TJSP, AI n 7.152.981-2, 11 Cmara de Direito Pr ivado, Des.

    Rel. Soares Levada, j. 2/8/2007, Acrdo;

    CITAO - SOCIEDADE COMERCIAL - Pretenso c itao da

    pessoa jur d ica const ituda pe la executada, bem como de seus

    scios - Alegao de confuso patr imonia l e tentat iva de

    ocultao de c itao pela executada - Admissib i l idade - P le ito

    plaus vel , vez que fundado em bom direito e em provas que

    fazem presumir sua razo e que no foram impugnadas nesta

    oportunidade - Determinao de c itao da pessoa jur dica

    que pertence ao mesmo grupo econmico da agravada e de

    seus scios que no traz nenhuma grave conseqncia que

    no possa ser bem dir imida pelo Poder Judic ir io depois da

    ouvida dos novos executados - Medida, ademais, necessria

    para garant ir o di re ito desses terce iros de oferta de bens

    penhora - Agravo provido para asse f im.

  • 5

    TJSP, AI n 7.106.632-5, 23 Cmara de Direito Pr ivado, Des.

    Rel. Rizzatto Nunes, j . 31/1/2007, Acrdo;

    No mesmo sentido:

    Tribunal de Justia de So Paulo

    AI n 887.216-0/6, 35 Cmara de Direito Privado, Des. Rel. Mendes Gomes, j. 6/6/2005;

    AI n 7.096.108-9, 16 Cmara de Direito Privado, Des. Rel. Jorge Farah, j. 30/1/2007

    Tribunal de Justia do Rio de Janeiro

    AI n 2007.002.07107, 9 Cmara Cvel, Des. Rel. Roberto de Abreu e Silva, j. 7/8/2007

    Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul

    AI n 70020255220, 6 Cmara Cvel, Des. Rel. Osvaldo Stefanello, j. 18/10/2007;

    AI n 70013241930, 5 Cmara Cvel, Des. Rel. Ana Maria Nedel Scalzilli, j. 26/5/2006

    Superior Tribunal de Justia

    RMS n 12872/SP, 3 Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, j. 16/12/2002;

    So casos, em sua maioria, em que demonstrada a existncia de abuso da personalidade

    jurdica e/ou confuso patrimonial, requisitos de extenso de responsabilidade aos scios e

    administradores, na forma do artigo 50, do Cdigo Civil.

    o que ensina Fbio Ulhoa Coelho, in Curso de Direito Comercial, Volume 2, 5 edio,

    Saraiva, pg. 43:

    Admite-se a descons iderao da persona l idade jur d ica da

    sociedade empresria para co ibi r atos aparentemente l c i tos.

    A i l i c i tude somente se conf igura quando o ato de ixa de ser

    imputado pessoa jur dica da sociedade e passa a ser

    imputado pessoa f s ica responsvel pela manipulao

    fraudulenta ou abus iva do pr inc pio da autonomia

    patr imonial.

  • 6

    Nos julgados citados, contudo, a responsabilidade pelas dvidas foi estendida, tambm, s

    demais sociedades integrantes do grupo econmico, hiptese no prevista, literalmente, no

    referido dispositivo legal.

    Melhor interpretao, talvez, seria a declarao de ineficcia da alienao do estabelecimento

    (CC., art. 1.145) ou o reconhecimento da responsabilidade solidria das pessoas jurdicas que

    passaram a explorar o estabelecimento empresarial, a que se pode chamar de sociedade

    sucessora ou integrante do mesmo grupo econmico, conforme o caso (CC., art. 1.146).

    H diversos julgados nesse sentido, todos do Tribunal de Justia de So Paulo:

    PENHORA Incidncia sobre bens de pessoa jur dica

    executada - Superveniente al ienao do ponto comercia l e do

    nome fantas ia Alegao de impenhorabi l idade diante da

    dist ino das personal idades jur dicas - Improcedncia

    Ausncia de prova documenta l pr-const i tu da neste sent ido

    ou just i f icat iva para sua ausncia nos autos Inexistncia

    igualmente de prova documental da propriedade ou posse dos

    bens Presena dos ant igos proprietr ios no

    estabelecimento supostamente a l ienado Indc ios que

    apontam para a inverossimi lhana das alegaes

    Condic ionamento, ademais, da eficcia da al ienao ao

    pagamento de todos os credores ou ao consent imento destes

    Intel igncia do art . 1145 do Cdigo Civi l Embargos de

    tercei ro re jei tados - Apelao improvida

    TJSP, Ap. Civ. n 1084414-5, 19 Cmara de Direito Pr ivado,

    Des. Rel . R icardo Negro, j . 24/7/2007, Acrdo

    EXECUO POR TTULO EXTRAJUDICIAL - Cheques -

    Insurgncia contra de deciso que no reconheceu a

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    ocorrncia de sucesso de empresas, revendo deciso anter ior

    para indefer i r a penhora dos bens de tercei ro -

    Admiss ib i l idade - Fortes ind cios que apontam no sent ido de

    ocorrncia de sucesso empresaria l - Constr io de bens da

    sucessora permit ida - Agravo de instrumento provido

    AI n 7.150.310-5, 18 Cmara de Direito Pr ivado, Des. Rel .

    Roque Mesquita, j . 18/9/2007, Acrdo

    Embargos de Tercei ro - Constr io que inc id iu sobre o

    faturamento de empresa que no f igura no plo passivo da

    execuo - Encerramento ir regular das at ividades da empresa

    executada - Sociedades que desempenham as mesmas

    at ividades, no mesmo endereo - Hiptese, ademais, em que

    os scios de ambas as empresas so irmos - Ocorrncia de

    sucesso empresar ia l de fato - Penhora mant ida. Embargos

    improcedentes. Recurso no provido.

    Ap. C iv. n 1342702-6, 23 Cmara de Direito Pr ivado, Des.

    Rel. Jos Francisco Matos, j . 22/6/2007, Acrdo

    No mesmo sentido:

    Tribunal de Justia de So Paulo

    AI n 7.156.478-6, 15 Cmara de Direito Privado, Des. Rel. Antonio Ribeiro, j. 31/7/2007,

    Acrdo;

    AI n 537.079-4/5, 9 Cmara de Direito Privado, Des. Rel. Antonio Vilenilson, j. 18/12/2007,

    Acrdo

    A diferena entre a desconsiderao da personalidade jurdica e a sucesso empresarial foi,

    alis, bem tratada em deciso proferida pela 21 Cmara de Direto Privado do Tribunal de

    Justia de So Paulo, sob relatoria do eminente desembargador Souza Lopes, que anotou:

  • 8

    pode perfe itamente o credor postular a descons iderao da

    personal idade jur d ica, voltando-se contra os scios, o que

    totalmente dist into de pretender comprovar sucesso

    TJSP, Ap. Civ. n 7.091.887-5, j . 29/11/2006

    Pode-se entender, portanto, que manobras fraudulentas praticadas com a nica finalidade de

    esvaziar o patrimnio da sociedade, mediante dilapidao dos elementos integrantes do

    estabelecimento empresarial, devem implicar tanto desconsiderao da personalidade jurdica

    para atingir os bens dos scios (CC., art. 50), quanto a responsabilidade solidria da sucessora

    do estabelecimento (arts. 1.145 e 1.146).

    Impedir tais conseqncias implicaria prestigiar a fraude lei ou contra credores.

    Teixeira Fortes Advogados Associados tem uma equipe experiente na recuperao de crditos. Se necessrias alguma informao adicional ou cpia das normas mencionadas, entre em contato com o autor. Direitos autorais reservados a Teixeira Fortes Advogados Associados. 2009.