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O ARRENDAMENTO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL À LUZ DA SUCESSÃO TRIBUTÁRIA CLÁUDIO SEHBE FICHTNER Porto Alegre 2009

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O ARRENDAMENTO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL À LUZ DA SUCESSÃO TRIBUTÁRIA

CLÁUDIO SEHBE FICHTNER

Porto Alegre 2009

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RESUMO

Esta monografia apresenta como tema principal a analise da responsabilidade tributária do arrendatário, na condição de sucessor do arrendador, pelo arrendamento do estabelecimento empresarial. O trabalho propõe, primeiramente, a exposição dos elementos da obrigação tributária até a questão da sucessão tributária. Em ato contínuo, são analisados os elementos que compõe e constituem o estabelecimento empresarial. Por fim, discute-se o contrato de arrendamento de estabelecimento empresarial, em especial, o objeto do negócio jurídico realizado entre o arrendador e o arrendatário, frente a questão da sucessão tributária prevista no artigo 133, do Código Tributário Nacional.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 4 1 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA ................................................................... 7 1.1 OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ............................................................................................. 7 1.2 ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ............................................................ 10 1.2.1 Sujeito Ativo ........................................................................................................ 11 1.2.2 Sujeito Passivo ................................................................................................... 12 1.2.2.1 Contribuinte ......................................................................................................... 13 1.2.2.2 Responsável ......................................................................................................... 14 1.2.2.2.1 Substituto .......................................................................................................... 16 1.2.2.2.2 Sucessor ............................................................................................................ 17 1.2.3 Objeto ...................................................................................................................... 22 1.2.4 Causa ........................................................................................................................ 22 2 ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL ................................................................. 24 2.1 DEFINIÇÃO JURÍDICA ................................................................................................... 24 2.2 ELEMENTOS .................................................................................................................... 29 2.2.1 Clientela .................................................................................................................. 34 2.2.2 Aviamento ............................................................................................................. 37 2.2.3 Título de Estabelecimento ........................................................................... 40 2.2.4 Ponto Comercial ................................................................................................. 41 2.2.5 Bem Imóvel .......................................................................................................... 42 3 DO ARRENDAMENTO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL ......... 43 3.1 DEFINIÇÃO E REQUISITOS LEGAIS ........................................................................ 43 3.2 A SUCESSÃO TRIBUTÁRIA NO CONTRATO DE ARRENDAMEN TO DE ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL ........................................................................... 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 56 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 60

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INTRODUÇÃO

Já faz um tempo que o Brasil tem sido palco de um significativo aumento nos

grandes negócios corporativos, envolvendo inúmeras e variadas empresas, que, na busca

de maximizar o seu potencial, formalizam os mais diversos tipos de contratos. Essa

realidade pode ser justificada pela necessidade de as empresas se tornarem cada vez

mais competitivas, tanto a nível nacional, como internacionalmente, reduzindo custos e

otimizando matéria-prima, a fim de potencializar os lucros.

Diante de tais necessidades, frente a uma realidade cada vez mais complexa, se

constata que as empresas acabam comercializando, não só os seus produtos ou serviços,

mas, também, parte ou todo o seu ativo e/ou passivo, como forma de garantir a própria

sobrevivência. Nesse contexto, o ordenamento jurídico é apontado como responsável

para regular todas essas relações jurídicas, todos os direitos e deveres correlatos, e,

porque não dizer, as respectivas condutas pessoais também.

É incontestável a importância que o direito tem de construir os vínculos,

especificar os elementos definidores das relações jurídicas e determinar as obrigações e

responsabilidades de cada sujeito partícipe do negócio formalizado.

Nesse diapasão, verifica-se que a evolução de um conceito de empresa e da sua

importância, tanto no mercado econômico como no mundo jurídico, trouxe, como conseqüência

direta, o surgimento de novas normas preocupadas em tutelar, mais de perto, os negócios

jurídicos praticados pelos empresários, em especial, àqueles atinentes a compra e venda dos

estabelecimentos empresariais. É de se verificar, ainda, que esses novos conceitos, princípios e

institutos, apresentados pelo novo Código Civil, estão alicerçados em concepções econômicas,

evidenciando, mais uma vez, a preocupação do legislador em formar um sistema mais sensível

às novas exigências do mercado.

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Ilustrando a realidade ora comentada, com muita sabedoria, Tullio Ascarelli enfatiza a

importância da criação de novos institutos de direito comercial:

A renascença do comércio e da vida econômica exigia um sistema contratual simultaneamente mais completo e mais elástico, assente, de um lado, na liberdade de formas e, de outro lado, no princípio geral da possibilidade das partes se o obrigarem.1

Esse fenômeno de entrelaçamento do direito com a economia, baseado em

idéias do Código Civil Italiano de 1942, permitiu que fossem identificados e separados

os elementos da empresa, tendo como importante exemplar, o estabelecimento

empresarial que passou a ser objeto de inúmeros negócios jurídicos. Diante dessa

realidade, o estabelecimento empresarial assumiu um conceito econômico e jurídico,

maior do que a própria soma de todos seus bens individuais juntos, de modo que surge o

interesse e a necessidade de avaliar as implicações legais dos negócios jurídicos

atinentes ao mesmo, em especial, o contrato de arrendamento.

Posta assim a questão, um dos pontos mais importantes, na análise de todas as

evoluções normativas do direito empresarial, é, sem dúvida, o direito tributário. É, pois,

justamente, na seara tributária que vão ser travadas as maiores batalhas e discussões

sobre os diversos negócios jurídicos envolvendo a transferência dos elementos do

estabelecimento empresarial.

Com efeito, no intuito de tentar preservar a segurança no cumprimento das

obrigações tributária e garantir a satisfação dos aludidos créditos, por meio do

patrimônio do contribuinte, foram introduzidas novas e severas regras de transferência

de responsabilidade, dentre as quais, se destaca o artigo 133 e seguintes, do CTN, que

trata da aquisição do estabelecimento empresarial.

1 ASCARELLI, Tulio. Panorama do direito comercial. Sorocaba, SP: Minelli, 2005. p. 10.

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Nesse cenário, considerando as significativas alterações trazidas pela

legislação, se impõem a criação de uma sintonia entre o direito empresarial e o direito

tributário, a fim de buscar soluções jurídicas satisfatórias para as questões que,

diariamente, são submetidas aos operadores do direito. Portanto, propõe-se o presente

trabalho a analisar a extensão da responsabilidade tributária, por meio da sucessão, ao

arrendatário do estabelecimento empresarial.

Oportuno se torna dizer que, apesar da importância do tema e da indefinição do

texto legal sobre o arrendamento do estabelecimento empresarial, os estudos e a

jurisprudência sobre a questão são escassos, sendo que todas as discussões estão

direcionadas, quase que basicamente, à aquisição definitiva e não sobre o arrendamento.

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1 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

A primeira parte do estudo terá como objeto de análise a responsabilidade

tributária, em especial, a responsabilidade do adquirente do estabelecimento

empresarial, sob a ótica da sucessão tributária. Dessa forma, torna-se saudável a

identificação da noção jurídica dos elementos que compõe a responsabilidade do

sucessor, começando com o instituto da obrigação tributária, que pode-se dizer como

gênero tributário, dentro da espécie, que é a sucessão tributária.

1.1 OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

Apesar de possuírem naturezas distintas, existe uma pressuposição entre a

obrigação do responsável e a obrigação tributária, motivo pelo qual, para que se possa

compreender, com exatidão, a idéia da responsabilidade tributária, convém,

primeiramente, discorrer sobre a relação obrigacional existente no direito tributário, a

partir do conceito e dos elementos da obrigação tributária. Além disso, como bem

assevera Hugo de Brito Machado2, não há mais dúvidas que a relação de tributação

consiste em uma relação jurídica e não meramente em uma relação de poder, o que

torna saudável a avaliação da obrigação tributária em conjunto com outras disciplinas

do ordenamento jurídico.

O instituto da obrigação, de acordo com o Direito das Obrigações, pode ser

entendido como o poder jurídico pelo qual um determinado sujeito ativo, considerado

como credor, baseado em uma causa, considerada legal ou contratual, tem o direito de

exigir de outro sujeito (passivo), considerado como devedor, o cumprimento de uma

2 MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição Federal de 1998. 3.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 9.

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prestação possível, lícita, determinável e possuindo expressão econômica, que é o objeto

da obrigação.

É, sobremodo, importante destacar que a doutrina civilista se encarregou de

explorar muito bem a conceituação do instituto das obrigações, dando como exemplo a

definição proposta por Clóvis Beviláqua:

é a relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente apreciável, em proveito de alguém, que, por ato nosso ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude de lei, adquiriu o direito de exigir de nós essa ação ou omissão.3

A concepção do instituto pode ser aplicada tanto ao direito civil como ao

direito tributário (com a única ressalva que a primeira está vinculada ao direito privado

e a segundo ao direito público)4, sendo, perfeitamente, possível a extração de seus

elementos constitutivos em ambos os campos. Partindo dessa perspectiva, Orlando

Gomes sintetiza a interação entre todos esses elementos como: “um vínculo jurídico

entre duas partes, em virtude do qual uma delas fica adstrita a satisfazer uma prestação

patrimonial em proveito de outra, que pode exigi-la, se não for cumprida

espontaneamente, mediante agressão ao patrimônio do devedor.”5

Comentado sobre o nascimento da obrigação tributária, Paulo de Barros

Carvalho assevera que a mesma estará sempre atrelada ao fato típico e vice-versa, na

medida em que a prática do fato gerador conduz à relação tributária.6

Por se tratar de direito público, Alcides Jorge Costa, em obra coordenada por

Ives Gandra da Silva Martins, comenta sobre a indisponibilidade da obrigação

tributária:

ocorrido o fato previsto em lei e, portanto, nascida a obrigação, deva ela ser cumprida em seus exatos termos, não podendo o contribuinte furtar-se ao cumprimento nem a autoridade administrativa dispensá-lo. Um dos aspectos da indisponibilidade está expresso no art. 123 do Código Tributário Brasileiro: “Salvo disposições de lei em contrário, as convenções

3 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco

Alves, 1930, v. 4, p. 6. 4 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 245. 5 GOMES, Orlando. Obrigações. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 10. 6 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 295.

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particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.”7

Em análise ao caráter ex lege da obrigação tributária, Luciano Amaro explica

que essa prescinde da manifestação de vontade do sujeito passivo, pois bastaria a

ocorrência do fato previamente descrito na lei para que surja a obrigação.8 Em severa

crítica ao texto da lei, Paulo de Barros Carvalho comenta que:

Em várias passagens do texto da Lei nº 5.172/66 deparamos com a estranha separação entre obrigação e crédito. [...] Soa mal, portanto, quando declara o legislador, ingenuamente, que a obrigação nasce com a realização do fato gerador, mas o crédito tributário se constitui pelo lançamento.9

Posteriormente, o aludido jurista, respondendo as suas críticas, refere que

“havemos de assimilar a mensagem legislativa, contida no fim desse §1º, com o

seguinte conteúdo: ocorrido o fato jurídico tributário, inaugura-se a relação

obrigacional, com o crédito para o sujeito ativo e o débito para o sujeito passivo.”10

Não se pode olvidar que os elementos que compõe a estrutura da obrigação

tributária, constante no artigo 113, do Código Tributário Nacional, também espelham

essa mesma definição:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

7 COSTA, Alcides Jorge. Obrigação tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de

direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 185. 8 AMARO, op. cit., p. 247. 9 CARVALHO, 2005, p. 297. 10 Ibid., p. 298.

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Não obstante o texto legal identificar 02 (dois) tipos de obrigação tributária:

principal e acessória, o presente trabalho se propõe a analisar e discutir os reflexos

decorrentes da obrigação principal, aqui compreendida como aquela que surge com a

ocorrência do fato gerador, que tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade

pecuniária, não tendo grande relevância, para esse estudo, a responsabilidade advinda

do inadimplemento das obrigações acessórias.

Apenas para fins elucidativos, a obrigação tributária acessória decorre da

legislação tributária, sem conteúdo pecuniário, que se traduz em prestações positivas ou

negativas no interesse da fiscalização ou da arrecadação de tributos. Nesse sentido, Luiz

Felipe Silveira Diffini esclarece que as obrigações acessórias “são todos aqueles deveres

de cunho administrativo que a legislação impõe ao contribuinte (ou a terceiro), com o

objetivo de facilitar a arrecadação de tributos devidos ou a sua fiscalização.” 11 Como

exemplo desses deveres, o autor destaca o preenchimento das guias de arrecadação,

apresentação de declaração de renda, emissão de nota fiscal, etc12.

Esclarecida esta distinção legal, pode-se sintetizar o conceito de obrigação tributária

como o vínculo jurídico pelo qual o Estado, com base, exclusivamente, na legislação tributária,

pode exigir do particular uma prestação tributária positiva ou negativa. A obrigação surge com a

descrição da conduta em concreto, ou seja, com a subsunção do fato à norma de Direito

Tributário, que consiste no fato imponível, classificado fato gerador e que crie conseqüências no

campo jurídico - a exigibilidade do tributo.

1.2 ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

É de se verificar que o conceito jurídico de obrigação tributária, analisado

anteriormente, permite a identificação dos seus 04 (quatro) elementos constitutivos, quais

sejam: sujeito ativo, sujeito passivo, o seu objeto e a sua causa. Apesar de 03 (três) desses

elementos (objeto, causa e sujeito ativo) não guardarem muita discussão na doutrina, é o sujeito

11 DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 209. 12 Ibidem, p. 209.

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passivo que abordará as maiores controvérsias e que formará o vinculo com o tema do presente

estudo, ou seja, o sucessor tributário.

Assim, a despeito de não terem muita relação com a questão abordada, é importante

examinar os demais elementos da obrigação tributária para melhor compreender a

responsabilidade na sucessão tributária do arrendatário do estabelecimento empresarial.

1.2.1 Sujeito Ativo

Como sujeito ativo de uma obrigação tributária, leia-se a pessoa titular do direito de

cobrar aquele pagamento ou a pessoa legitimada para exigir o cumprimento do dever formal ou

acessório.13 Não havendo qualquer discussão sobre o sujeito ativo da obrigação tributária, tendo

em vista sua natureza de direito público, o artigo 119, do Código Tributário Nacional, dispôs

que o “sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência

para exigir o seu cumprimento.” Posta assim a questão, o credor da obrigação tributária é aquele

que tem o direito de exigir a obrigação, àquele que integra o pólo ativo da relação jurídica

tributária, ou seja, o titular do poder de tributar, que provêm da soberania do Estado,

devidamente, especificado em lei.

Em sentido contrário, convém registrar o posicionamento do ilustre Sacha

Calmon Navarro Coelho:

muitas vezes, pessoas jurídicas de Direito privado (SESI, SESC, SENAI etc.) e até mesmo pessoas naturais (os titulares de tabelionatos) se apresentam como sujeitos ativos de obrigações tributárias. E, no entanto, não são: (a) pessoas jurídicas de Direito Público e, muito menos, (b) titulares da competência para exigir- em sentido legislativo – o cumprimento das obrigações nas quais figuram como sujeitos ativos.14

13 AMARO, 2006, p. 291-292. 14 COÊLHO, Sacha Clamon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2006, p. 682-683.

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Nesse mesmo sentido e sem pretensão de esgotar a divergência em questão,

Paulo de Barros Carvalho refere que o texto legal do artigo 119, do CTN, é letra morta e

que o titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária pode ser tanto uma

pessoa jurídica de direito público, como privada, não existindo, inclusive, óbices que

venha a ser uma pessoa física.15 O posicionamento levantado pelo nobre jurista reside

nos mandamentos constitucionais que possibilitam às pessoas titulares de competência

tributária a transferência da capacidade ativa e a conseqüente nomeação de outros entes

públicos ou privados para figuraram na relação.16

1.2.2 Sujeito Passivo

Por uma questão lógica, compreende o sujeito passivo a pessoa que tem o

dever de prestar ou pagar ao sujeito ativo o objeto da obrigação tributária. Da mesma

forma que o sujeito ativo, a lei preocupou-se em positivar, no seu artigo 121, o conceito

de sujeito passivo, sendo este “a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade

pecuniária.”

Todavia, o legislador houve por bem em especificar 02 (duas) modalidades do

sujeito passivo:

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Portanto, a obrigação tributária principal e/ou acessória é dever do sujeito passivo,

assim como o crédito tributário é direito do sujeito ativo, nascendo, por conseguinte, a relação

jurídica tributária entre estes dois sujeitos, passivo e ativo. O que interessa ao presente estudo

são atribuições do sujeito passivo da obrigação tributária principal, sendo dispensável a análise

15 CARVALHO, 2005, p. 301. 16 Ibidem, p. 302.

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dos deveres impostos pela obrigação tributária acessória,17 uma vez que o primeiro é

responsável pelo pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária, enquanto o segundo

cumpre as obrigações impostas pela legislação tributária, tão-somente, no interesse da

arrecadação ou da fiscalização de tributos.

Assim, o sujeito passivo da obrigação principal, segundo Luiz Felipe Silveira Diffini,

é “a pessoa, natural ou jurídica, obrigada, em função da legislação, a prestar, ao sujeito ativo, o

objeto da obrigação.”18 De uma forma mais dinâmica, Luciano Amaro acrescenta que:

a identificação do sujeito passivo da obrigação principal (gênero) depende apenas de verificar quem é a pessoa que, à vista da lei, tem o dever legal de efetuar o pagamento da obrigação, não importando indagar qual o tipo de relação que ela possui com o fato gerador.19

Não obstante, pela análise do texto legal, o sujeito passivo da obrigação principal pode

ser contribuinte ou responsável.

1.2.2.1 Contribuinte

O contribuinte, em uma concepção simplista, é a pessoa que pratica a conduta descrita

como fato gerador da obrigação tributária20. É, assim, aquele que tem relação direta com o fato

gerador descrito na norma jurídica de direito publico, a que realiza o imponível (fato tipificado).

Sob essa perspectiva, Luciano Amaro destaca que há uma pertinência lógica entre a situação e a

pessoa, uma ligação entre a ação e o agente que é classificada como relação pessoal e direta e

17 Para Hugo de Brito Machado, o sujeito passivo da obrigação acessória “é a pessoa à qual a legislação

tributária atribui deveres diversos do dever de pagar. [...] Qualquer dever diverso do pagamento atribuído pela legislação tributária a qualquer pessoa, no interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos, é obrigação acessória, na linguagem do Código Tributário Nacional.” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 126).

18 DIFFINI, 2008, p. 212. 19 AMARO, 2006, p. 298. 20 Com a ressalva de que nem sempre a descrição do fato gerador indica, claramente, quem seja o

contribuinte.

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que é utilizada pelo CTN para enquadrar o sujeito como contribuinte.21 Interpretando a

referência ao caráter pessoal e direto, conclui-se que o sujeito passivo deverá, pessoalmente,

realizar o fato gerador e ser, como refere Luciano Amaro, ser identificado como o personagem

principal.22

Para Diffini, essa relação, prevista no texto legal, deve ser entendida como a ação ou

situação que resulta no fato imponível e que contenha indícios de capacidade contributiva,

podendo, nos casos em que houver a designação de mais de agentes, ser escolhido, a critério do

legislador, um deles.23

Não obstante, é de se verificar, nesse ponto, que o Código Tributário Nacional foi

redundante ao apresentar, em 02 (dois) dispositivos diferentes24, a mesma conceituação do

contribuinte: “Contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como

dispuser a lei.” A definição legal deixa claro que o contribuinte é caracterizado pela sujeição

passiva direta.

1.2.2.2 Responsável

No sentido etimológico, o termo responsável designa a situação de sujeição de alguém

que responde pelos próprios atos ou pelos de outrem. Em contraponto ao que foi referido

anteriormente, o responsável é caracterizado pela sujeição passiva indireta. Nas palavras de

Plácido e Silva: “forma-se o vocábulo responsável, de responder, do latim respondere, tomado

na significação de responsabilizar-se, vir garantido, assegurar, assumir o pagamento do que se

obrigou ou do ato que praticou.”25

21 AMARO, 2006, p. 299. 22 Ibidem, p. 302. 23 DIFFINI, 2008, p. 213. 24 Artigos 42 e 66 do CTN. 25 SILVA, De Placido e. Vocabulário jurídico. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense: 1998, p. 713.

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Na acepção que interessa ao presente estudo, ou seja, a do direito tributário, o termo

responsável é dirigido para designar uma modalidade específica de sujeição passiva tributária,

prevista em lei, distinta do sujeito passivo que praticou o fato gerador (contribuinte). Nas

palavras de Luciano Amaro, o responsável passa a ocupar a posição que, naturalmente, seria do

contribuinte, em decorrência de uma modificação subjetiva no pólo passivo da obrigação.26

Posta assim a questão, o ordenamento jurídico tributário alude à 02 (dois) tipos de

responsáveis tributários: o primeiro, em sentido amplo, que nos interessa, está previsto no artigo

121, II, do CTN; o segundo, em sentido estrito, está contemplado entre o rol do artigo 134, do

CTN. No tocante ao responsável em sentido amplo, Zelmo Denari define como “o sujeito

passivo obrigado ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária ex vi legis.”27 Em

comparação com o contribuinte, Sacha Calmon Nararro Coelho refere que: “É denominado pelo

CTN de contribuinte quanto realiza, ele próprio, o fato gerador da obrigação, e de responsável,

quando, não realizando o fato gerador da obrigação, a lei lhe imputa o dever de satisfazer o

crédito tributário em prol do sujeito ativo.”28

Além do contribuinte, o artigo 121, § único, II, do Código Tributário Nacional,

admite que o sujeito ativo atribua a terceiros a qualidade de responsáveis pelo

pagamento de tributos e/ou penalidades de outrem (contribuinte), podendo, no máximo,

ter uma relação indireta com o fato imponível (substituto) ou mesmo não ter nenhuma

(sucessor).

Assim sendo, desde que, devidamente, previsto na lei, a obrigação tributária é

atribuída a uma pessoa diversa daquela relacionada com o ato ou negócio jurídico

tributado, sendo que a própria lei substituirá o sujeito passivo direto (contribuinte) pelo

indireto (responsável). Portanto, o responsável nada tem (pelo menos nada precisa ter)

com o fato imponível, pois não pratica ato, nem se encontra em situação que faz

acontecer o fato gerador. Sua obrigação decorre de disposição expressa da lei que

estende ao responsável uma obrigação que, originariamente, era só do contribuinte.

26 AMARO, 2005, p. 303. 27 DENARI, ZELMO. Sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária. In: MARTINS, Ives Gandra

da Silva (Coord.). Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 168. 28 COÊLHO, S. C. N., 2006, p. 683.

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Tenha-se presente que o texto do artigo 128, do Código Tributário Nacional29,

indica 02 (duas) formas de responsabilidade tributária: substituição ou transferência. Na

substituição, a lei atribui a responsabilidade, desde o nascimento da obrigação tributária,

ao terceiro que não praticou o fato gerador; enquanto que, na transferência, a obrigação

tributária nasce para o contribuinte e, posteriormente, é transferida para o outro sujeito

passivo.

Em qualquer dos casos, o terceiro, responsável em sentido amplo, não terá

nenhuma ligação pessoal e direta com o fato gerador, mas terá relação com o

contribuinte praticante do fato imponível, sendo que a sua obrigação decorre de

disposição legal.30 No caso da transferência, a lei prevê 02 (duas) espécies de

responsabilidade em sentido estrito: substituição e sucessão.

1.2.2.2.1 Substituto

Na responsabilidade por substituição, como a própria nomenclatura já indica, a

lei substitui a responsabilidade do contribuinte (substituído), excluindo e atribuindo-a

para o terceiro (substituto), a quem passa a ser o único e exclusivo responsável pela

obrigação tributária. Nas palavras de Luiz Felipe Silveira Diffini:

o substituto legal tributário é o terceiro, participante das operações anteriores ou posteriores na cadeia de produção e comercialização, a quem a lei atribuiu responsabilidade por crédito tributário, excluindo a responsabilidade do contribuinte (substituiído).31

Como se pode notar, o terceiro substituto possuí, de alguma forma, uma

relação com o fato gerador descrito na norma, mas não é o responsável direto pela

obrigação tributária, sendo que a transferência do sujeito passivo deve estar prescrita na

lei. Para Sacha Calmon Navarro Correa, o instituto da substituição decorre de uma 29 Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a

responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

30 DIFFINI, 2008, p. 214. 31 Ibidem, p. 226.

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praticidade, na medida em que a mesma se origina pelo raciocínio jurídico de que quem

realiza o fato jurídico é que deve pagar o tributo. O autor chama a atenção de que o

fundamental é que a pessoa designada na lei como a praticante do fato gerador é diversa

da que, na conseqüência da norma, aparece como sujeito passivo da obrigação.32

É, sobremodo, importante destacar que, nessa modalidade de responsabilidade,

não há solidariedade ou subsidiaridade com o contribuinte, uma vez que o substituto

entra na relação jurídica, ao mesmo tempo em que o substituído sai, não podendo o

sujeito ativo cobrar desse último a obrigação tributária que não for adimplida pelo

primeiro.

1.2.2.2.2 Sucessor

Ao contrário do que ocorre com o substituto tributário, o sucessor tributário

não tem qualquer vinculação com fato imponível, sendo que a sua responsabilidade está

baseada na relação jurídica que possui com o contribuinte principal. Nessa concepção,

Diffini distingue sobre a importância de não se confundir o sucessor tributário com as

demais espécies de sujeitos passivos, pois o mesmo não tem ligação com o fato

imponível, mas tem uma ligação, de direito privado, com o contribuinte, em virtude da

qual a lei promove sua sub-rogação nos direitos e obrigações tributárias do contribuinte.

É essa relação jurídica, de direito privado, entre contribuinte e sucessor que serve de

suporte fático para a lei criar a sub-rogação do sucessor nos direitos e obrigações do

contribuinte.33 e 34

No conceito de Zelmo Denari, a sucessão tributária “é modelo de sujeição

passiva, legalmente, previsto para assegurar a continuidade das relações jurídicas

ativadas pelo contribuinte, que, por razões diversas, deve ser sucedido na relação

jurídica tributária.”35

32 COÊLHO, S. C. N., 2006, p. 692. 33 DENARI, 2001, p. 170. 34 DIFFINI, op. cit, p. 241. 35 DENARI, 2001, p. 169.

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As hipóteses de responsabilidade tributária do sucessor encontram-se consignadas nos

artigos 129 a 133 do Código Tributário Nacional, na qual “aplica-se por igual aos créditos

tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela

referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações

tributárias surgidas até a referida data.”36 Na sucessão, o sucessor passa a ocupar a posição do

antigo devedor, no estado em que a obrigação se encontrava na data do evento que motivou a

modificação subjetiva passiva.37

Apenas para registro, existem 04 (quatro) espécies de sucessão tributária:

imobiliária (com previsão no artigo 130, do CTN), causa mortis (com previsão no artigo

131, II e III, do CTN), falimentar (com previsão no artigo 184, do CTN) e, finalmente, a

que interessa ao presente estudo, a sucessão empresarial (com previsão nos artigos 132 e

133 do CTN):

Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.”

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

§ 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial:

36 Artigo 129 do Código Tributário Nacional. 37 AMARO, 2006, p. 320.

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I – em processo de falência;

II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.

§ 2o Não se aplica o disposto no § 1o deste artigo quando o adquirente for:

I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;

II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou

III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.”

No mínimo autêntica a abordagem de Paulo de Barros Carvalho sobre os preceitos que

ensejam a responsabilidade do terceiro por sucessão tributária. Com efeito, o jurista se inclina a

afirmar que a natureza jurídica que reveste a integração de sujeitos passivos que não praticaram

o fato gerador é sancionadora.38 O autor explica que, a teor do artigo 134, do CTN, se constata o

timbre sancionatório, o indisfarçável ilícito e o animus puniendi que inspira o legislador a

construir a prescrição normativa:

Cremos haver demonstrado a natureza do vínculo que se instala, sempre que pessoa externa ao acontecimento do fato jurídico tributário é transportada para o tópico de sujeito passivo. Teremos uma relação jurídica de cunho obrigacional, mas de índole sancionatória – sanção administrativa.39

Sem desmerecer à importância dos demais temas relativos à sucessão tributária, ao

presente estudo importa analisar a questão relativa à sucessão do adquirente do estabelecimento

empresarial, a qual será oportuna e detalhadamente analisada.

Nessa perspectiva, comentado o artigo 133, do CTN, Luciano Amaro esclarece que:

38 CARVALHO, 2005, p. 324. 39 Ibidem, p. 327.

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O dispositivo busca evitar que, na venda do estabelecimento, o alienante se livre do patrimônio que poderia dar respaldo a suas obrigações tributárias. Se o alienante continua na atividade, ou a reinicia, presume-se que mantenha capacidade de pagar suas obrigações tributárias. Caso, apesar disso, não a mantenha, e na medida em que não a mantenha, opera a responsabilidade subsidiária do adquirente pelos tributos gerados pela exploração do estabelecimento sob a gestão do alienante.40

Registre-se, ainda, que a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

tem dispensado, para a caracterização da sucessão tributária, a comprovação inequívoca da

realização do negócio jurídico de alienação do fundo de comércio entre as empresas. É de se

verificar, nas ementas abaixo colacionadas, que a simples demonstração de que houve troca de

titularidade do estabelecimento empresarial já configura a regra do artigo 133, do CTN:

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA. PRESCRIÇÃO. DOCUMENTOS ESSENCIAIS. AUSÊNCIA.

A configuração da responsabilidade por sucessão pressupõe a existência de um liame entre a atividade da empresa que anteriormente ocupava o ponto e a da que passou a ali a atuar, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual (art. 133 do CTN). A circunstância de não ter sido formalizada a sucessão é irrelevante, desde que os elementos fáticos permitam inferir a continuidade da exploração da atividade econômica.

Evidenciado que a embargante, ocupando o antigo estabelecimento da empresa devedora originária, seguiu no mesmo ramo de negócios que ela, na mesma sede e utilizando-se dos mesmos equipamentos para exercer sua atividade, não resta dúvida de que houve aquisição do fundo de comércio, ocorrendo a sucessão tributária das empresas.41

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FORTES INDÍCIOS DE OCORRÊNCIA DE SUCESSÃO COMERCIAL. ART. 133 DO CTN. REDIRECIONAMENTO.

1. Para que haja o redirecionamento da execução à empresa apontada como sucessora, não se faz necessária a prévia comprovação da responsabilidade tributária dessa, bastando, neste momento, a presença de fortes indícios apontando para a sucessão comercial, como ocorre no caso. A discussão sobre a ocorrência ou não de sucessão comercial deverá ser travada no seio dos embargos de devedor, que permitem ampla produção probatória e a comprovação das alegações de ambas as partes.

40 AMARO, 2006, p. 324. 41 BRASIL. Tribunal Regional Federal 4ª Região. Primeira Turma. AC - Apelação Civel

Nº2002.71.09.000669-1/RS Relator: Vilson Darós. Julgado em: 01 out. 2008. DJ 07 out. 2008.

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2. Na hipótese, a empresa apontada como sucessora adquiriu da sucedida o seu imóvel-sede, sendo que esta prosseguiu na exploração da atividade em outra localidade. Dessa forma, aplicável o disposto no art. 133, II, do CTN, que determina a responsabilidade subsidiária - com benefício de ordem - da sucessora. Autorizado, portanto, o redirecionamento pleiteado pela recorrente, tendo em vista a falência da empresa sucedida sem a quitação integral do débito ora em cobrança.42

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por sua vez, adota um

posicionamento um tanto diverso do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no tocante à

comprovação concreta da operação jurídica realizada entre as empresas:

DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA. SUCESSÃO DE EMPRESAS. ÔNUS DA PROVA. O direcionamento da execução por sucessão tributária exige prova concreta da presença dos elementos do art. 133 do CTN, que passa pela análise da natureza das empresas envolvidas, seu objeto social e circunstâncias que as ligam. É do credor o ônus dessa prova. HIPÓTESE DE RETRATAÇÃO E DE NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO, PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.43

Todavia, é preciso insistir do fato de que, independentemente, da jurisprudência do

TRF4 ter afastado a necessidade da comprovação do efetivo negócio jurídico de alienação,

bastando evidenciar que o sucessor assumiu o estabelecimento empresarial deixado pelo

contribuinte, permanece inabalável que essa operação seja realizada de forma definitiva, ou seja,

que o contribuinte não volte a explorar àquela atividade econômica com aquele estabelecimento

empresarial.

Sobre a legitimidade da atualização normativa, trazida pela Lei Complementar nº

118/2005, Sacha Calmon Navarro Côrrea esclarece que o texto legal buscou evitar a fraude

causada pelas operações simuladas entre sócios, comparsas e parentes, bem como possibilitar

aos adquirentes de boa-fé a adoção de filiais ou unidades produtivas isoladas, dando liquidez à

42 BRASIL. Tribunal Regional Federal 4ª Região. Primeira Turma. Agravo de Instrumento nº

2007.04.00.041680-6 /SC. Relator: Joel Ilan Paciornik. Julgado 02 abr. 2008. DJ 15 abr. 2008.

43 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Vigésima Segunda Câmara Cível. Agravo de Instrumento Nº 70023739485, Relatora: Rejane Maria Dias de Castro Bins. Julgado em: 06 maio 2008

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massa e a sua recuperação judicial sem o receio da responsabilidade dos débitos deixados pela

empresa devedora alienante.44

1.2.3 Objeto

Como não poderia deixa de ser, o objeto da obrigação tributária será sempre uma

prestação de natureza tributária, ou seja, relacionada a um tributo. Em contribuição, Luciano

Amaro salienta que “o objeto da obrigação tributária pode ser: dar uma soma pecuniária ao

sujeito ativo, fazer algo (por exemplo, emitir nota fiscal, apresentar declaração de rendimentos)

ou não fazer algo (por exemplo, não embaraçar a fiscalização). É pelo objeto que a obrigação

revela sua natureza tributária.”45

Em análise ao artigo 113, parágrafo 1º, do CTN, Paulo de Barros Carvalho comenta

que o tributo, na acepção de quantia em dinheiro, é o objeto da obrigação tributária que o sujeito

passivo deverá prestar ao sujeito ativo, uma vez praticada o fato gerador.46

1.2.4 Causa

O conceito de obrigação tributária, por si só, já apresenta a definição da sua causa,

senão vejamos: o vínculo jurídico em virtude do qual o sujeito passivo (devedor) deve prestar

algo ao sujeito ativo (credor), em virtude de determinada causa. Ora, sem nenhuma divergência

na doutrina, a causa da obrigação tributária é simplesmente a previsão legal. Nesse sentido, Luiz

Felipe Silveira Difini assevera que:

44 COÊLHO, S. C. N., 2006, p. 718. 45 AMARO, 2006, p. 245. 46 CARVALHO, 2005, p. 295.

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Finalmente, sua causa – que nas obrigações direito civil é a vontade (obrigações decorrentes de contratos ou atos unilaterais de vontade) ou o ato ilícito (obrigação de reparação de dano decorrente de ato ilícito) - na obrigação tributária é a lei (o tributo não decorre da vontade do sujeito passivo, nem é sanção de ilícito).47

47 DIFINI, 2008, p. 208.

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2 ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

No tocante ao estabelecimento empresarial, tratando-se de um instituto com natureza

jurídica e econômica distinta de empresa e dos próprios elementos que a compõe, convém,

primeiramente, discutir a sua definição jurídica, em contraposição ao conceito de empresa.

Em um segundo plano, tendo em vista a divergência de posicionamentos existentes,

serão apresentados e abordados, individualmente, os elementos constitutivos do estabelecimento

empresarial. Oportuno se torna dizer que não existe um esqueleto jurídico padrão do

estabelecimento empresarial, sendo que cada empresa, de acordo com a sua atividade explorada

e com a respectiva clientela, fará uso de diferentes elementos, os quais terão diferentes graus de

importância para cada empresário.

2.1 DEFINIÇÃO JURÍDICA

Atualmente, o estabelecimento empresarial já possui um conceito definido em

lei, por meio do artigo 1.142, do Código Civil:

Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

É, sobremodo, importante, antes de adentrar na análise da questão propriamente dita,

distinguir o estabelecimento empresarial de a empresa48 e 49. Enquanto que o primeiro não

possui personalidade jurídica e a segunda sim, nos termos do artigo 44, do Código Civil. A

empresa é sujeito de direito e o estabelecimento, como será analisado posteriormente, é apenas

objeto de direito. 48 Para Haroldo Verçosa: “a empresa é a atividade econômica organizada pelo empresário, na qual o lucro

é buscado como finalidade.” (VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial 1. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 147).

49 GLADSTON, Mamede. Manual de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 253.

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Não há dúvidas que o conceito de empresa, no ordenamento jurídico brasileiro,

decorre do conceito de empresário, exposto no artigo 966, do Código Civil: “considera-se

empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou

a circulação de bens ou de serviços.” Dessa forma, do conceito legal de empresário, por via

transversa, chega-se ao entendimento do que seria empresa50. Registre-se, ainda, que esse último

conceito teve origem na legislação italiana, de 1942. Posta assim a questão, Fabio Tokars

sintetiza que “os conceitos não se mostram sinônimos, sendo o fundo de empresa um dos

elementos integrantes da noção mais ampla que é a de empresa.”51

Comentando o conceito de empresa, contido no Código Civil, Fábio Konder

Comparato assevera como “toda organização de trabalho e capital tendo como fim a produção

de bens ou serviços para troca.”52 O autor acrescenta, ainda, que:

O conceito de empresa acolhido pelo código é aquele da ‘Carta del Lavoro’, não ligado a setores particulares da economia, porém abrangendo cada forma de atividade produtiva organizada, agrícola, industrial, comercial, creditícia; nem ligado a especiais dimensões quantitativas, porém envolvendo a grande e média empresa, assim como a pequena empresa do cultivador direto do fundo, do artesão, do pequeno comerciante, salvo, para pequena empresa, as particularidades do seu estatuto.53

Por sua vez, em análise ao dispositivo legal que conceitua o estabelecimento, Ricardo

Negrão refere que “não é possível compreender a existência de empresário (sujeito de direito) e

de empresa (exercício da atividade) sem estabelecimento (objeto de direito), uma vez que o

Código Civil o concebeu como objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos

ou constitutivos, que sejam compatíveis com sua natureza.”54

50 BERTOLDI, Marcelo. Curso avançado de direito comercial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.

2003, v. 1. Teoria geral do direito comercial, direito societário de acordo com o novo Código Civil, p. 55.

51 TOKARS, Fabio. Estabelecimento empresarial. São Paulo: LTr, 2006, p. 42.

52 COMPARATO, Fabio Konder. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v. 35, n. 104, out./dez. 1996, p. 110.

53 Ibidem, p. 113. 54 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 1, p.

55-56.

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Nas sábias palavras de Waldirio Bulgarelli, a empresa é “atividade econômica

organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado, exercida pelo

empresário, em caráter profissional, através de um complexo de bens.”55 Oportuno se tornam as

críticas de Rubens Requião de que o conceito jurídico de empresa, atrelado ao conceito de

empresário, está assentado em conceitos econômicos e citando as noções trazidas por Giuseppe

Ferri, refere que:

Estes organismos econômicos, que se concretizam da organização dos fatores de produção e que se propõem a satisfação das necessidades alheias, e, mais precisamente, das exigências do mercado geral, tomam na terminologia econômica o nome de empresa.56

Acompanhando essa opinião, Marcelo Bertoldi salienta que o aspecto econômico

influenciou, diretamente, na formulação do conceito jurídico de empresa.57

De outra banda, no tocante ao conceito de estabelecimento empresarial, Oscar Barreto

Filho define como: “complexo de bens, materiais e imateriais, que constituem o instrumento

utilizado pelo comerciante para a exploração de determinada atividade mercantil.58” Para

Rubens Requião, o estabelecimento empresarial “é o instrumento da atividade do empresário.

Com ele o empresário comercial aparelha-se para exercer sua atividade. Forma o fundo de

comércio a base física da empresa, constituindo um instrumento da atividade empresarial.”59

É, sobremodo, importante dizer que foi o Código Civil de 2002 o primeiro diploma

legal nacional a conceituar, diretamente, o estabelecimento empresarial e a estabelecer um

maior regramento jurídico sobre a matéria, sendo que, antes disso, esse instituto era tratado

apenas de forma indireta e fracionada entre tantos outros dispositivos legais existentes.60

55 BULGARELLI, Waldirio. Tratado de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas. 1995, p. 100. 56 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 1, p. 49. 57 BERTOLDI, 2003, p. 55. 58 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p.

75. 59 REQUIÃO, op. cit., p. 276. 60 TOKARS, 2006, p. 16.

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Oportuno se torna dizer que a definição do artigo 1.142, do Código Civil é muito similar à

definição empregada pelo Código Civil italiano que, em seu artigo 2.555, define

estabelecimento empresarial como o complexo dos bens organizados pelo empresário para o

exercício da empresa.

A atenção destinada pelo Código Civil ao estabelecimento empresarial,

inclusive, sendo merecedor de um conceito positivado, é justificada por Cássio

Machado Cavalli pelo fato de que:

os empresários e as sociedades empresárias, ao exercerem a atividade empresarial, organizam um conjunto de bens instrumentais voltados à obtenção de bens destinados à satisfação de necessidades alheias, este conjunto de bens instrumentais, por sua orientação teleológica, assume um significado técnico e econômico distinto dos bens individuais que o compõem.61

Não se pode perder de vista que esse conjunto organizado de bens (materiais e

imateriais) adquire um sobre-valor diferenciado e maior do que o simples somatório do valor

individual de cada um deles.62 É, justamente, nessa diferença de valor que está a função e a

capacidade de o estabelecimento empresarial atingir o seu objetivo econômico, produzir

riquezas e gerar lucros, e que não pode ser, meramente, equiparada ao valor individual de cada

bem ou elemento que o compõe.

Oportuno se torna dizer que as primeiras linhas da teoria do estabelecimento

empresarial foram traçadas de forma a tratar isoladamente cada um dos elementos da

empresa, sendo que a regra de circulação e transferência de cada um dos bens que

compunham o estabelecimento era própria, específica e diferente dos demais. Nesse

sentido, apesar de admitir a valorização econômica e jurídica decorrente da organização

de seus elementos, para Tullio Ascarelli não há distinção entre o estabelecimento

empresarial e a simples reunião dos seus elementos, eis que:

61 CAVALLI, Cássio Machado. Apontamentos sobre a teoria do estabelecimento empresarial no direito

brasileiro. Revista de Direito, São Paulo, v. 96, n. 858, abr. 2007, p. 31. 62 BERTOLDI, 2003, p. 60 e p. 108.

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Estes elementos constituem, sim, no seu conjunto, uma organização e sua conexão não é desprovida de valor econômico e relevância jurídica, mas cada qual deles continua sujeito a sua própria disciplina, de bens móveis, bens imóveis, créditos, bens imateriais; não constitui o seu conjunto, o estabelecimento, “um novo” bem, uma nova res objeto de direito reais.63

Na concepção dessa teoria, que era chamada de teoria atomista64, o estabelecimento

empresarial era regulado por meio da tutela individual de cada um de seus elementos,

conservando, por óbvio, a disciplina jurídica que lhes era particular.

Atualmente, a questão se encontra consolidada e o estabelecimento empresarial possui

natureza mobiliária e foi definido como uma universalidade de direito, que, nos termos do artigo

91, do Código Civil, constitui o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor

econômico.65

O estabelecimento empresarial, também chamado de fundo de comércio - expressão

utilizada pelos franceses como fonds de commerce ou aziendas para os italianos, não se resume

apenas ao local da atividade do empresário, mas também a forma de organização de sua

atividade econômica, os equipamentos utilizados para o desenvolvimento da atividade, são os

móveis, utensílios, marca, logotipo e demais direitos de propriedade industrial, etc. Enfim, o

estabelecimento empresarial, como o próprio conceito legal já refere, é entendido como todo o

complexo dos elementos, o conjunto de bens que o empresário ou a sociedade empresária

organizam para o exercício da empresa, entendido empresa como a atividade desenvolvida pelo

empresário.

Nesse mesmo sentido, Fabio Ulhoa Coelho, enfatizando a importância de se

proteger a organização racional dos bens destinados à atividade empresarial, assevera

que:

63 ASCARELLI, 2005, p. 134. 64 Ibidem, p. 137. 65 TOKARS, 2006, p. 20.

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Devido à intangibilidade dessa organização racional que o empresário introduz na utilização dos bens integrantes do estabelecimento empresarial, e tendo em vista que ela tem valor de mercado, o direito necessita desenvolver mecanismos para tutela desse plus e do valor que ele representa.66

Em consonância com as idéias apresentadas e contrapondo o posicionamento de Tullio

Ascarelli, Fabio Tokars justifica ser o estabelecimento empresarial um objeto de direito, distinto

dos elementos que o compõem, asseverando que:

no âmbito do direito brasileiro, tais considerações se mostram inaplicáveis, seja porque o estabelecimento de há muito é considerado como objeto do contrato de trespasse, seja porque a necessidade de se recorrer à orientação doutrinária para se chegar a tal constatação se esvai com a edição do novo Código Civil, cujo art. 1.143 deixa claro tratar-se o estabelecimento de um objeto de direito.67

Assim, após a promulgação do Código Civil de 2002, parece que não se encontra mais

campo para discussões a respeito da natureza jurídica do estabelecimento empresarial, tendo

sido ele definido como uma universalidade de direito, tanto pela aplicação teórica e positivada,

como, também, pela prática que demandou uma maior proteção e regulação desse conjunto de

bens vinculados para uma determinada atividade econômica.

2.2 ELEMENTOS

Primeiramente, convém salientar que não existe uma definição exata ou objetiva sobre

o que seria ou quais seriam os elementos do estabelecimento empresarial. Oportuno se torna a

lição trazida por Láudio Camargo Fabretti de que “elementos são as partes necessárias para

66 COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2007, p.

57. 67 TOKARS, 2006, p. 24.

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compor determinado todo” e a empresa, na condição de unidade econômica organizada, é um

todo.68 Nesse diapasão, Haroldo Verçosa refere que “a expressão “elemento de empresa”,

encontrada no art. 966, parágrafo único, do NCC, não apresenta sentido jurídico claro.”69

Em crítica ao ordenamento jurídico brasileiro, sobre a ausência de um rol normativo

sobre os diferentes elementos que poderiam integrar o fundo de comércio, Fábio Tokars destaca

que: “No Brasil, optou-se pela inexistência de norma com este conteúdo. E tal opção se mostra

acertada, já que não se torna viável a construção de um rol fechado sobre todos os possíveis

elementos de um fundo de empresa.”70

Com efeito, o estabelecimento empresarial é composto por um conjunto de bens de

natureza material e imaterial. Para Fabio Tokars, “em qualquer espécie de atividade, haverá

elementos que se mostram mais relevantes do que outros.”71 Os bens materiais (corpóreos)

correspondem às coisas fisicamente tangíveis tais como mercadorias, equipamentos, utensílios,

instalações, veículos, etc. E, os bens imateriais (incorpóreos), são aqueles que não ocupam

espaço no mundo físico como as marcas, as criações intelectuais, os contratos, os direitos, ponto

comercial, o aviamento, a clientela, entre outros (que se alteram de acordo com a doutrina

pesquisada). Para Láudio Camargo Fabretti, os elementos que compõe o estabelecimento

empresarial são: o capital, o estabelecimento (em sentido físico, o prédio), a força de trabalho

(com ou sem vínculo de emprego) e o objetivo (o tipo de atividade econômica exercida para

gerar lucro).72

Não se pode deixar de atentar que nem todos os elementos constitutivos do

estabelecimento empresarial pertencem, efetiva e juridicamente, ao empresário, como é o caso

dos imóveis alugados ou dos equipamentos que são objeto de contratos de arrendamento

mercantil. Com efeito, esses elementos fazem parte do estabelecimento empresarial, mas não

são de propriedade da empresa e/ou do empresário. Nessa concepção o elemento pertencente ao

68 FABRETTI, Láudio Camargo. Direito de empresa no novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004,

p. 35. 69 VERÇOSA, 2004, p. 141. 70 TOKARS, 2006, p. 59. 71 Ibidem, p. 58. 72 FABRETTI, op. cit., p. 35.

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estabelecimento empresarial é o instrumento contratual, em especial, os direitos decorrentes

desses pactos.

Nas palavras de Tullio Ascarelli: “com freqüência, entretanto se fala em

estabelecimento, considerando não um complexo de bens, mas um complexo de direitos.”73

Nessa mesma perspectiva, atentando para a realidade econômica, Cássio Machado Cavalli

acrescenta que “os contratos, enquanto fonte de relações jurídicas que atribuem direitos aos

sujeitos, integram o estabelecimento.”74

Como claro exemplo, pode-se destacar o contrato de locação de imóvel não-

residencial, onde está instalada a sede da empresa. A empresa não é proprietária do imóvel e,

por conseguinte, o mesmo não faz parte dos bens do estabelecimento empresarial. Todavia,

durante o prazo do contrato, a empresa possui o direito de usar o imóvel e não poderá ser

removida (sem justa causa). Esse direito de uso, decorrente do contrato de locação, faz parte dos

bens (incorpóreos) que compõem o estabelecimento empresarial. Ora, além das locações,

existem outros tantos contratos que são, frequentemente, utilizados pelos empresários, tais como

leasing de veículos e maquinários, que fazem parte da rede de contratos que, organizados,

agregam valor ao estabelecimento empresarial.

Portanto, diante de um conceito atual e baseado na função econômica da empresa,

Cássio Cavalli ensina que, na realidade, o empresário não organiza bens alheios, mas sim

relações jurídicas que são estabelecidas sobre os diversos bens e coisas que compõem o

estabelecimento empresarial.75

O inverso também pode ser verdade, ou seja, há bens que podem pertencer ao

patrimônio da empresa e que não se incluem dentre os bens do estabelecimento empresarial, na

medida em que não estejam alinhados e/ou em consenso com a atividade desenvolvida pela

mesma. Dito isso, Mamede Gladston salienta que “o estabelecimento não se confunde com o

patrimônio do empresário ou sociedade empresária, já que nesses podem existir bem ou bens

73 ASCARELLI, 2005, p.140. 74 CAVALLI, 2007, p. 34. 75 Ibidem, p. 34.

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que não são destinados ao exercício da empresa.”76 Fabio Ulhoa Coelho explica que: “os bens

de propriedade do empresário, cuja exploração não se relaciona com o desenvolvimento da

atividade econômica, integram o seu patrimônio, mas não o estabelecimento empresarial.”77

Nessa segunda hipótese, esses bens não agregarão ao estabelecimento nenhum valor

econômico ou jurídico, senão ao que simplesmente valem no mercado. Posta assim a questão,

Fabio Tokars, amparado no posicionamento de Oscar Barreto Filho, vai além e conclui que “os

conceitos de patrimônio e estabelecimento são absolutamente distintos, seja pela possibilidade

de identificação de elementos que integrem uma realidade sem pertencer à outra.”78

Em consonância com essa idéia, Alfredo de Assis Gonçalves Neto salienta que:

O estabelecimento, como conjunto de bens afetados ao exercício da atividade do empresário, pode não abranger a totalidade de seu patrimônio. É, tão-somente, a parcela do patrimônio do empresário composta por aqueles bens por ele utilizados para o exercício de sua atividade. Outros bens que integram o patrimônio do empresário sem tal destinação, não se enquadra na noção de estabelecimento.79

Por derradeiro, como bem sintetiza Fabio Tokars, independentemente, da condição do

elemento (pertencente ou não ao empresário), basta que haja afetação à atividade empresária e

que seja transferível, para que o mesmo seja integrado ao estabelecimento empresarial.80 Dito

isso, esses elementos podem ser divididos em 02 (duas) categorias: corpóreos (materiais) ou

incorpóreos (imateriais).81 e 82

76 GLADSTON, 2006, p. 253. 77 COELHO, F. U., 2007, p. 58. 78 TOKARS, 2006, p. 33. 79 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos966 a 1.195 do

Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 559. 80 TOKARS, op. cit., p. 60. 81 Há autores que propõe diferentes formas de divisão, sem, contudo, implicar qualquer prejuízo a

sistemática da questão. 82 FABRETTI, 2004, p. 41.

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Por serem de fácil visualização e de conhecimento público, não há maiores discussões

a respeito dos elementos corpóreos do estabelecimento comercial, podendo-se incluir dentro

dessa categoria as mercadorias, o maquinário, os veículos, o mobiliário, equipamentos, em

síntese, os bens materiais que são utilizados pelo empresário para desenvolver a sua atividade.

Como exemplo de bens incorpóreos, que integram o estabelecimento empresarial,

Cássio Cavalli cita as marcas e patentes de invenção, os modelos de utilidade e o próprio título

de estabelecimento.83 Em comparação aos exemplos indicados e sempre regidos pela

expectativa da lucratividade, Haroldo Verçosa acrescenta à lista anterior, como bens

incorpóreos, o bom nome do empresário, o ponto comercial, a rede de contratos voltada à

atividade desenvolvida e a insígnia do estabelecimento.84

Apenas para registro, enquanto que o nome do estabelecimento se refere ao próprio

nome e expressão utilizada pelo empresário, a insígnia consiste no emblema, no desenho gráfico

que representa a atividade empresarial.

No tocante aos contratos, Mamede Gladston destaca que:

O estabelecimento pode ser considerado como um objeto unitário de direitos, bem como de negócios jurídicos, sejam eles translativos (a exemplo da venda ou da doação) ou constitutivos (a exemplo da alienação fiduciária ou de garantia real), desde que sejam compatíveis com a sua natureza.85

Contrariando o posicionamento anterior sobre a rede de contratos, Rubens Requião

refere que a mesma não faz parte dos elementos do estabelecimento, mas, tão-somente, da

empresa, haja vista que não são considerados como bens. O autor acrescenta que os contratos

são instrumentos utilizados pelo empresário para o exercício da empresa, da qual o

estabelecimento, também, faz parte, não havendo que se fazer confusão entre eles.86

83 CAVALLI, 2007, p. 33. 84 VERÇOSA, 2004, p. 245. 85 GLADSTON, 2006, p. 254. 86 REQUIÃO, 2005, p. 291.

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2.2.1 Clientela

Certamente, a clientela é o elemento mais emblemático e controvertido do

estabelecimento empresarial. Em que pese existirem diferentes conceituações jurídicas para os

termos clientela e freguesia87 e 88, por força do objeto do presente estudo, não será feita distinção

entre os vocábulos.

Não existe uma definição exata sobre a clientela, sendo que a mesma está, nas

palavras de Fábio Tokars, ligada à idéia de permanência, lealdade e abrange o conjunto de

interessados que, atraídos pela qualidade do aviamento ou por outros motivos pessoais,

freqüentam e consomem a produção gerada pela empresa.89. Utilizando-se da definição de Oscar

Barreto Filho, Haroldo Verçosa explica que a clientela é “o conjunto de pessoas que, de fato,

mantém com o estabelecimento relações continuadas de procura de bens e serviços.”90

Há quem inclua esse elemento na organização do estabelecimento empresarial, há

quem afirme que, juridicamente, ela não possa ser considerada como elemento91 e, também, há

quem destaque que a clientela é o próprio estabelecimento empresarial92.

Quem defende a idéia de que a clientela não possa ser considerada, juridicamente, um

elemento integrante do estabelecimento empresarial, justifica que nenhum empresário é

proprietário ou dono de seus clientes.93 Os clientes, quando muito, podem ser, indiretamente,

87 GLADSTON, 2006, p. 260. 88 NEGRÃO, 2005, p. 87. 89 TOKARS, 2006, p. 87. 90 VERÇOSA, 2004, p.250. 91 TOKARS, op. cit., p. 84. 92 Ibidem, p. 29-30. 93 VERÇOSA, op. cit., p. 250.

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tutelados, contra a concorrência desleal, sendo que o empresário nada poderá fazer se a

clientela, simplesmente, optar por outro estabelecimento.

Em que pese ser reconhecido que a clientela não é de propriedade do empresário, há

quem a considere como elemento do estabelecimento empresarial, na medida em que sua

posição é fruto da organização e proteção do próprio estabelecimento. Oportuno se torna dizer

que tal posicionamento está amparado em preceitos do direito francês, onde a clientela é tida

como principal e fundamental elemento do fundo, sem a qual, o mesmo não existiria.94 Na lição

do francês Planiol em Traité Élémentaire de Droit Civil, citado por Rubens Requião, ”a

clientela não é como se diz, um elemento do fundo, é o próprio fundo.”95 O comercialista

brasileiro acrescentou, posteriormente, que essa opinião foi, amplamente, discutida e criticada

pela doutrina que se seguiu.

Não se discute que a clientela é de suma importância para o estabelecimento

empresarial, haja vista que é a própria conseqüência lógica da sua existência, e, por conta disso,

deverá ser considerada na avaliação do estabelecimento. Contudo, por não ser objeto de direito

da sociedade empresária, nem de ninguém, não poderá ser comercializada ou transferida como

os demais elementos do estabelecimento, mas, tão-somente, levada em consideração.96

Sob essa mesma ótica, Oscar Barreto Filho refere que:

A clientela não é um bem imaterial, objeto autônomo de direito; é uma situação de fato, à qual se atribui um valor econômico, muitas vezes relevante, que é protegido indiretamente pela lei. Essa situação de fato decorre dos fatores do aviamento, sobre o qual também influi.97

A clientela não pode ser traduzida como um simples direito privado do

estabelecimento, ela representa, basicamente, uma decorrência lógica do sucesso que vem com a

organização dos bens voltados a atendê-la, ou seja, a atividade empresarial. Dessa forma, quanto 94 TOKARS, op. cit., p. 84. 95 REQUIÃO, 2005, p. 278. 96 TOKARS, 2006, p. 85. 97 BARRETO FILHO, 1988, p. 183.

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maior e melhor for a clientela, mais valia terá o estabelecimento empresarial. Sob essa

perspectiva, Fabio Tokars destaca que “o valor do estabelecimento empresarial está ligado

diretamente à sua capacidade de atração de clientela, objetivo final de qualquer empresário.”98

Nesse sentido, Tullio Ascarelli assevera sobre a necessidade de estabelecer regras de

proteção do estabelecimento empresarial para proteger, por conseguinte, a sua clientela, pois: “o

adquirente do estabelecimento empresarial poderá, por isso, gozar, como vimos, do aviamento

deste e da respectiva clientela quando desfrutar os elementos que foram o aviamento.”99

Portanto, apesar de não poder ser considerada como elemento jurídico do

estabelecimento empresarial, não há dúvida que a clientela tem valor econômico relevante100 e

que recebe, ainda que indiretamente (direito à indenização em caso de não renovação do

contrato de locação / repressão à concorrência desleal / crime de sabotagem)101, proteção legal

em função do estabelecimento, sendo sua existência perceptível quando ocorre o trespasse. Para

Mamede Gladston, os instrumentos jurídicos utilizados para proteção da clientela estão, na

realidade, voltados para a preservação da identidade empresária, na medida em que visa

assegurar:

que o bom trabalho realizando numa empresa preserve, junto ao mercado consumidor, os resultados de uma clientela cativa, que procura por determinada empresa e não é enganada por outros empresários ou sociedades empresárias que tenta se beneficiar das vantagens de mercado engendrados por seu concorrente.102

Nas palavras de Georges Ripert, citado por Fabio Tokars, sobre a propriedade do

estabelecimento empresarial:

Esta propriedade é em realidade um direito à clientela. É assim que a doutrina mais recentemente analisa todas as propriedades incorpóreas. O comerciante

98 TOKARS, op. cit., p. 30. 99 ASCARELLI, 2005, p. 139. 100 VERÇOSA, 2004, p. 253. 101 NEGRÃO, 2005, p. 89-90. 102 GLADSTON, 2006, p. 260.

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não tem um direito exclusivo à exploração de uma clientela, já que não existe um monopólio, expondo-se sempre a perdê-la, mas de fato conserva os elementos que permitem confiar na manutenção de uma clientela, e eventualmente em seu aumento, bastando, para tanto, conservar ou transmitir estes elementos para manter ou ceder a clientela.103

Por fim, convém dizer que a relação entre clientela e o estabelecimento empresarial é

bem estreita, sendo a primeira, essencialmente, a razão de ser do segundo, a qual tem validade

enquanto a empresa e o estabelecimento estão em exercício de suas funções.

2.2.2 Aviamento

Esse elemento, também, de suma importância para o estabelecimento empresarial,

também encontra conturbado posicionamento a respeito da sua efetiva titularidade. Com efeito,

por ser considerado mais uma qualidade (de gerar lucros) do estabelecimento, do que

propriamente um bem ou objeto de titularidade, ele não é enquadrado como elemento.104

Para Ricardo Negrão, o aviamento se trata de um valor e não de coisa105; já, para

Oscar Barreto Filho, um atributo, enquanto instrumento do exercício da empresa106; e, na

opinião de Rubens Requião, é mais valia que existente entre a diferença do valor do

estabelecimento e da soma do valor unitários de todos os seus bens.107

Compartilhando desses conceitos, Mamede Gladston contribui que o aviamento

consiste na percepção de um plus, de uma busca por uma vantagem de mercado (goodwill of

103 TOKARS, 2006, p. 29. 104 BERTOLDI, 2003, p. 112. 105 NEGRÃO, 2005, p. 85. 106 BARRETO FILHO, 1988, p. 171. 107 REQUIÃO, 2005, p. 344.

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trade) que a organização dos bens do estabelecimento representa no exercício da sua

atividade.108

O aviamento é o resultado de um conjunto de variados fatores pessoais, materiais e

imateriais, que conferem ao estabelecimento empresarial a aptidão de produzir riquezas. É uma

expectativa de lucros futuros, um acréscimo de valor que se acresce à soma dos valores dos

elementos singularmente considerados, em virtude da organização de todos os demais

elementos do estabelecimento. Referindo-se, especificamente, sobre o aviamento, Fran Martins

comenta que:

Também constitui elemento do fundo de comércio a propriedade imaterial, que se caracteriza pelo que se costumou chamar de aviamento e pela freguesia, elemento do aviamento que, pela sua importância na marcha dos negócios do comerciante, tem papel preponderante nos mesmos.109

A noção de aviamento está, sem dúvida, ligada à noção de clientela, que é o conjunto

de pessoas que, de fato, mantém com o estabelecimento relações continuadas de procura de bens

e de serviços e que constitui exatamente a manifestação externa do aviamento. A relação entre

clientela e aviamento é bem estreita. A clientela representa um objeto de direito, assim como o

aviamento, ao qual se atribui um valor econômico de notória relevância. Sob essa perspectiva,

Oscar Barreto Filho assevera que enquanto o aviamento é ação, a clientela é reação e vice versa,

inexistindo relação de causa e efeito.110

Todavia, como ocorre na clientela, apesar de possuir valor contábil, quando da venda

do estabelecimento, no encerramento da atividade empresarial, esse elemento, também,

automaticamente desaparece. Assim, em disparidade aos outros bens que compõem o

estabelecimento, o aviamento consiste mais com um resultado dessa organização e da atividade

empresarial do que efetivamente um elemento da mesma.

108 GLADSTON, 2006, p. 253. 109 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 513. 110 BARRETO FILHO, 1988, p. 178.

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Sem pretensão de esgotar a discussão sobre a questão, convém registrar a opinião

diversa de Mamede Gladston, que qualifica o aviamento como elemento: “Dá-se o nome de

aviamento a esse algo a mais que marca a organização do complexo de bens utilizados na

empresa, a esse jeito como as coisas são feitas, elemento que merece a proteção jurídica.”111

Convém observar que, segundo Marcelo Bertoldi, há 02 (dois) tipos de aviamento:

a) o aviamento objetivo, que é o proveniente da reunião dos elementos do estabelecimento e sua organização para o objetivo empresarial, e b) o aviamento subjetivo, que, por sua vez, liga-se à pessoa ou às pessoas que estão à frente da empresa e que emprestam a ela todo o seu prestígio, boa fama, correção e demais qualidades que certamente acabam por aviar o estabelecimento tanto quanto a reunião dos elementos do estabelecimento objetivamente considerados.112 e 113

Em virtude das considerações expostas sobre a clientela e aviamento, pode-se afirmar

que nenhum desses elementos podem ser objetos de alienação isolada de um estabelecimento

empresarial. Nas palavras de Ricardo Negrão, “nem a clientela nem o aviamento integram o

estabelecimento empresarial porque não se subsomem ao conceito de coisa, suscetível de

domínio.”114

Ainda que não sejam considerados como elementos do estabelecimento, não há dúvida

que a clientela e o aviamento são essenciais para a existência da empresa, tendo validade

enquanto a empresa e o estabelecimento estiverem em exercício de suas funções. Assim, ambos

têm valor econômico relevante e recebem proteção legal, mesmo que indiretamente115 e 116, em

função do estabelecimento, sendo sua existência perceptível quando ocorre o trespasse,

momento em que se recebem uma valoração.

111 GLADSTON, 2006, p. 258. 112 BERTOLDI, 2003, p. 113. 113 Nesse mesmo sentido, NEGRÃO, 2005, p. 86. 114 Ibidem, p. 84. 115 NEGRÃO, 2005, p. 87. 116 REQUIÃO, 2005, p. 348.

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2.2.3 Título de Estabelecimento

O título de estabelecimento compreende, também, a insígnia utilizada pelo empresário

na divulgação da sua atividade empresarial. Fabio Tokars explica que nem sempre o nome

empresarial é atrativo à clientela, levando a empresa a criar um novo elemento de identificação

para ser utilizado publicamente na propagação do seu fundo de comércio.117

No tocante ao título de estabelecimento, Ricardo Negrão salienta que:

Além do nome do estabelecimento, por meio do qual o empresário exerce e assina os atos relativos à empresa, admite-se o uso de um título de estabelecimento e a insígnia ou outro elemento que se relacione à atividade da empresa ou seu titular, tais como pseudônimos, alcunhas, iniciais da firma, etc.118

Para Rubens Requião “serve para designar o local onde o empresário expõe as suas

mercadorias e se encontra com a clientela,”119 e para Haroldo Verçosa, “corresponde ao nome

ou à expressão utilizados pelo empresário para identificar o local onde está instalado.”120 Com

efeito, esses componentes da empresa também são objetos de tutela do direito e fazem parte do

estabelecimento empresarial.

Assim sendo, o título de estabelecimento se enquadra como o meio de identificação

entre a empresa e a sua clientela, tendo grande relevância dentro do estabelecimento

empresarial, agregando valor econômico ao mesmo e, por conseguinte, sendo objeto de

proteção.

117 TOKARS, 2006, p. 273. 118 NEGRÃO, op. cit., p. 80. 119 REQUIÃO, op. cit., p. 295. 120 VERÇOSA, 2004, p. 245.

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2.2.4 Ponto Comercial

Na percepção de Fábio Tokars, o ponto comercial se constitui como um dos mais

importantes elementos do estabelecimento empresarial e a justificativa do autor decorre de:

a probabilidade de sucesso é muito maior quando a atividade é instalada em local onde há tradicional afluxo de compradores, sem que exista a necessidade de criar novos hábitos de deslocamento para a clientela, em comparação ao projeto e constituição de um estabelecimento em local que não apresente esta caracterísitca.121

O ponto comercial está alicerçado, basicamente, na localização da empresa e do

direito do empresário continuar explorando a sua atividade nesse local por meio da sua

propriedade ou dos direitos de renovação compulsória inerentes ao contrato de locação de

imóvel comercial. Nessa perspectiva, Alfredo de Assis Gonçalves Neto acrescenta que esse

elemento consiste no direito ao local em que está situado o estabelecimento, no direito de estar

nesse local, e que não está limitado à tutela da locação renovável, pois poderá derivar de vários

outros vínculos ou contratos que não sejam só de locação.122

Rubens Requião adverte que:

O ponto existe desde que o empresário, estabelecido em determinado local, comece a chamar a atenção e atrair a clientela. Pode não haver contrato escrito e nem serem satisfeitos aqueles requisitos da Lei nº 8.245/91, mas o ponto continuará existindo, muito embora sem proteção da lei. Ele terá um valor, caso entenda o empresário de vender o estabelecimento a outrem.123

121 TOKARS, 2006, p. 77. 122 GONÇALVES NETO, 2007, p. 560-561. 123 REQUIÃO, 2005, p. 292.

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2.2.5 Bem Imóvel

A definição do bem imóvel como elemento do estabelecimento empresarial não

encontra posicionamento pacífico na doutrina, sendo que a divergência de opiniões reside,

fundamentalmente, em 02 (dois) aspectos: (a) o estabelecimento empresário é classificado como

bem móvel, motivo pelo qual não poderia ser composto de bens imóveis;124 (b) o patrimônio

total do empresário não se identifica com o estabelecimento empresarial.

Na concepção de Ricardo Negrão, o imóvel faz parte dos elementos do

estabelecimento empresarial, pois compõe a organização dos bens que permitem a exploração

da atividade e a busca de lucratividade.125 Acompanhando esse posicionamento, Alfredo de

Assis Gonçalves Neto ressalta que a análise do imóvel como elemento do estabelecimento

empresarial vai depender da existência de uma afetação pela atividade exercida, ou seja, se o

imóvel é utilizado na atividade produtiva, será considerado elemento e caso não houver relação,

será apenas mais um bem da empresa e não será considerado como elemento.126

Já, Rubens Requião possui outro posicionamento, que o imóvel pode, quanto muito,

ser elemento da empresa, mas não do fundo de comércio, não havendo que se fazer confusão do

mesmo com patrimônio.127 Acompanhamento o posicionamento de Requião, Haroldo Verçosa é

taxativo ao dizer que os imóveis, mesmo pertencentes ao próprio empresário, não integram o

estabelecimento.128

124 BARRETO FILHO, 1988, p. 155. 125 NEGRÃO, 2005, p. 76. 126 GONÇALVES NETO, 2007, p. 562. 127 REQUIÃO, 2005, p. 290. 128 VERÇOSA, 2004, p. 247.

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3 DO ARRENDAMENTO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Nesse terceiro e último capítulo do estudo, será construída a definição jurídica do

contrato de arrendamento de estabelecimento empresarial, frente às suas peculiaridades expostas

no Código Civil e na Lei de Falências. Em ato seqüente, essa modalidade de negócio jurídico,

sua definição e elementos, que transferem provisoriamente o estabelecimento empresarial, serão

contrapostos às normas legais que regram a responsabilidade do sucessor tributária, equiparando

a figura do arrendatário com a figura do adquirente do estabelecimento empresarial, exposto no

artigo 133, do CTN.

3.1 DEFINIÇÃO E REQUISITOS LEGAIS

O arrendamento do estabelecimento empresarial é a operação pela qual o proprietário

de um estabelecimento empresarial – empresário/arrendador, transfere para terceiro/arrendatário

o uso temporário desse estabelecimento, mediante o pagamento de um valor previamente

combinado. Não se pode olvidar que o objeto do contrato, que é destinado para exploração

temporária de terceiros, não é a pessoa jurídica legalmente constituída (empresa), mas

simplesmente o conjunto de bens e equipamentos essenciais para a realização de uma

determinada atividade econômica – estabelecimento empresarial.

Pela própria noção etimológica do termo, a operação jurídica realizada entre o

arrendador e o arrendatário, denominada de arrendamento, é realizada em caráter provisório,

temporário. Nas palavras de Oscar Barreto Filho:

O estabelecimento pode ser objeto de negócios que visem não à transferência da titularidade plena, mas à continuidade de direitos de uso e gozo, que propiciam ao titular secundário sua utilização econômica, como acontece no arrendamento e no usufruto.

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Em qualquer desses negócios, é pressuposto necessário a continuação da exploração, de modo que lhes é comum o efeito de atribuir ao titular secundário (arrendatário, usufrutuário) o poder de gestão do estabelecimento. Verifica-se, destarte, a separação entre a titularidade do estabelecimento e sua exploração econômica, ou seja, entre o titular primário do estabelecimento e o empresário.

Têm o usufruto e o arrendamento do fundo mercantil, portanto, como característica comum a de importarem a substituição temporária da titularidade da própria empresa.”129

Posta assim a questão, Fabio Tokars destaca que esse negócio jurídico é de grande

importância para o direito empresarial, na medida em que possibilita aos empresários a livre

negociação dos seus estabelecimentos, bem como serve de solução para os casos de

incapacidade superveniente e/ou da continuidade da atividade do falido.130 Em análise aos

comentários traçados pelo jurista, se deduz que o negócio jurídico em comento surge mais como

uma alternativa legal para a superação de eventuais obstáculos que encontram os empresários do

que, propriamente, uma proposta de negócio rentável.

Acompanhando esse posicionamento, convém observar que o arrendamento do

estabelecimento empresarial é indicado pelo próprio legislador como plano de

recuperação judicial, no artigo 50, VII, da Lei nº 10.101/05:

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

Para Cássio Machado Cavalli, essas operações, previstas na Lei nº 11.101/05,

decorrem do princípio da maximização do valor dos ativos do empresário em recuperação ou

falido e se constituem como uma alternativa para preservar a empresa.131

129 BARRETO FILHO, 1988, p. 257-258. 130 TOKARS, 2006, p. 135. 131 CAVALLI, 2007, p. 42.

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Independentemente da causa determinante proposta pelo texto legal ou escolhida pelo

empresário, o arrendamento de estabelecimento empresarial possui previsão legal nos artigos

1.144 e seguintes, do Código Civil:

Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.

Do dispositivo legal citado, conclui-se que o contrato de arrendamento, para ter

validade perante terceiros (credores, devedores e o próprio fisco) necessariamente deverá ser

realizado por instrumento escrito, registrado na Junta Comercial e publicado na imprensa

oficial. Tenha-se presente que o comando da norma visa dar a devida publicidade ao ato e à

realidade fática e jurídica atinente à empresa, bem como proteger os terceiros que mantém

relações jurídicas com esta, a fim de evitar confusões. Nesse sentido, Alfredo de Assis

Gonçalves Neto destaca que: “É bem verdade que toda e qualquer obrigação firmada entre as

partes e não tornada pública pelo meio legal do registro empresarial não produz efeitos contra

terceiros e os partícipes do negócio terão de aceitar essa restrição.”132

Tenha-se presente que, além dos requisitos legais indicados pelo artigo 1.444, do

Código Civil, é necessário atentar que o artigo 1.147, parágrafo único, do CCB, impõe ao

arrendatário a obrigação de, durante o prazo contratual, não fazer concorrência ao arrendador:

Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.

Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.

132 GONÇALVES NETO, 2007, p. 573.

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De outra banda, convém analisar que se o estabelecimento empresarial, objeto do

contrato de arrendamento, contempla um imóvel, o negócio jurídico ficará, também, sujeito às

disposições do artigo 52, §1º, da Lei nº 8.245/91, que trata da locação de imóveis não-

residenciais, senão vejamos:

Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se: II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente. 1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences.

Dessa forma, como assevera Fabio Tokars, em caso de o estabelecimento empresarial

possuir elemento imobiliário, o arrendamento será regulado como locação imobiliária, pela lei

de locações, e não pelo Código Civil, apesar de reconhecida a natureza mobiliária dessa

universalidade de direitos.133 Posta assim a questão, se o estabelecimento empresarial não

contiver elemento imobiliário, o seu arrendamento será regulado pelos artigos 1.444 e seguintes

do Código Civil.

Em não havendo titularidade de um bem imóvel, Fábio Tokars adverte para a

dificuldade de os contraentes necessitarem formalizar um contrato de sublocação do imóvel

onde se situa o estabelecimento, para buscarem a autorização do locador (proprietário do

imóvel), não sendo, pois, aplicável a regra do artigo 1.148, do Código Civil, que trata da sub-

rogação automáticas dos contratos, haja vista que a mesma estaria limitada ao pacto de

alienação e não arrendamento.134

Diante de todo o exposto e em que pese não existirem regras claras e objetivas sobre o

contrato de arrendamento de estabelecimento empresarial, com ressalva daquelas já comentadas

anteriormente, é necessário dizer que, dentre os direitos e deveres implícitos aos contraentes, se

encontram: (a) a transferência da posse do estabelecimento empresarial, por meio da entrega da

gerência/administração ao arrendatário; (b) o pagamento de um preço, à título de arrendamento;

133 TOKARS, 2006, p. 134. 134 TOKARS, 2006, p. 134.

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(c) dar continuidade à atividade empresarial explorada pelo arrendador, preservando, sempre

que possível, as características do negócio; (d) conservar e/ou ampliar o aviamento e a clientela;

(e) por fim, restituir, ao final do prazo pactuado, o estabelecimento empresarial ao arrendador.

Comentando as particularidades do arrendamento do estabelecimento

empresarial, Hugo Barreto Sodré Leal salienta que:

Dito de outro modo, o arrendamento do estabelecimento empresarial envolve a transferência temporária da própria exploração da empresa, passando o arrendatário a atender, durante o período do contrato, a clientela do arrendador. No entanto, o estabelecimento continua no patrimônio do arrendador, devendo o arrendatário restituir-lhe a posse e a fruição, bens tangíveis e intangíveis, ao término do prazo contratual, juntamente, com os seus atributos (aviamento e clientela).135

3.2 A SUCESSÃO TRIBUTÁRIA NO CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE

ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Primeiramente, convém relembrar que sucessão tributária é a modalidade

jurídica onde a obrigação tributária do sujeito passivo original (contribuinte) é

transferida a um terceiro que não tem nenhuma relação direta e pessoal com o fato geral,

mas que, em virtude de sua relação jurídica com o sujeito passivo, passa a ser

responsabilizado. Oportuno se torna dizer que a transferência da obrigação decorre de

um fato superveniente ao fato gerador e devidamente previsto na legislação.

É importante esclarecer que a sucessão tributária que interessa ao presente

estudo é aquela consubstanciada no rol do artigo 133, do Código Tributário Nacional,

ou seja, referente à transferência de titularidade do estabelecimento empresarial. Nesse

diapasão, a responsabilidade do sucessor, operada por esse dispositivo legal, está

135 LEAL, Hugo Barreto Sodré. Responsabilidade tributária na aquisição do estabelecimento

empresarial. São Paulo:Quartier Latin, 2007, p. 242.

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alicerçada na aquisição do estabelecimento empresarial, pelo adquirente que passará a

ocupar o lugar do alienante.

Nas palavras de Hugo Barreto Sodré Leal:

O que faz o art. 133 do CTN é qualificar a aquisição do estabelecimento empresarial como um fato jurídico que implica no conseqüente normativo a responsabilidade do adquirente pelos tributos devidos pelo alienante, ou seja, regula os efeitos tributários da sucessão ocorrida na titularidade do estabelecimento empresarial.136

É de se verificar que a responsabilização do sucessor carece, sem exceções, que

o fato jurídico realizado entre o terceiro e o contribuinte, que motivou a transferência da

obrigação tributária, esteja, devidamente, previsto em lei. No caso do artigo 133, do

CTN, o fato jurídico previsto pela norma é a aquisição do estabelecimento empresarial,

que está expresso no caput do artigo.

No tocante à descrição do fato jurídico, Paulo de Barros Carvalho explica que è

defeso à autoridade legislativa extrapolar os limites da descrição da norma:

não pode transpor as fronteiras do fato que ele mesmo (legislador ordinário) demarcou, a não ser que venha a refazer a regra matriz, mexendo no arcabouço do tributo, o que também só é possível se mantiver o núcleo de referência que a Constituição lhe atribuiu.137

Sobre os limites à definição legal da responsabilidade tributária, Luciano

Amaro salienta que o preceito de que qualquer indivíduo possa ser responsabilizado

pelo seu vínculo jurídico com o contribuinte, desde que haja previsão legal é relativa. O

autor comenta que não é qualquer indivíduo ou mesmo qualquer vínculo com o

contribuinte e/ou fato gerador previsto em lei que enseja a condição de responsável,

uma vez que a lei deverá oportunizar ou prever condições do terceiro realizar o

pagamento do tributo sem onerar o seu próprio bolso.138

136 LEAL, 2007, p. 188. 137 CARVALHO, 2005, p. 324. 138 AMARO, 2006, p. 312.

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Posta assim a questão, o fato gerador que transfere, em tese, a responsabilidade

da obrigação tributária no arrendamento do estabelecimento empresarial está focada na

aquisição dessa universalidade de direitos, chamada estabelecimento empresarial, pelo

arrendatário e que encontra amparo legal do artigo 133, do CTN. Assim, compete-nos

analisar a conduta praticada pelas partes frente ao que estabelece o texto legal tributário:

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato.

Convém observar que o dispositivo legal descreve a existência de 02 (dois)

sujeitos de direito, a adquirente e a alienante, a conduta praticada por eles, que é a

transferência definitiva de um objeto de direito, que é o fundo de comércio ou

estabelecimento empresarial. Registre-se, ainda, que a norma não faz distinção sobre a

forma de aquisição (título gratuito ou oneroso), mas condiciona a aplicação da regra ao

fato de o adquirente continuar a mesma atividade empresarial.

Comentando sobre o artigo 133, do CTN, Sacha Calmon Navarro Côrrea refere

que “a sucessão não precisa sempre ser formalizada, admitindo a jurisprudência a sua

presunção desde que existentes indícios e provas convincentes (matéria de fato, caso a

caso).”139

Conforme se depreende pela interpretação literal da norma, acompanhada pela

interpretação da doutrina, se constata que o objetivo do texto é evitar a fraude, por meio

da alienação do estabelecimento empresarial, deixando o empresário alienante sem

patrimônio para cumprir com a respectiva obrigação tributária. A transferência,

caracterizada no texto legal pelo termo “aquisição” é em caráter definitivo, não

comportando compreensões extensivas, ou seja, não há que se falar em aluguel ou

arrendamento, até mesmo porquê, o objetivo tutelado é evitar o esvaziamento de bens

do alienante, o que não ocorre com o aluguel ou arrendamento.

139 COELHO, S. C. N., 2006, p. 718.

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Oportuno se torna observar que, na jurisprudência do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul, materialidade da sucessão tributária, do artigo 133, do

CTN, está vinculada com inexistência de patrimônio do contribuinte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. DEVEDORA SEM BENS. REDIRECIONAMENTO. ELEMENTOS DE RAZOÁVEL CONSISTÊNCIA NO SENTIDO DE TER HAVIDO SUCESSÃO TRIBUTÁRIA, NOS TERMOS DO ART. 133 DO CTN, OU DE UMA DISSOLUÇÃO IRREGULAR. AGRAVO PROVIDO LIMINARMENTE (CPC, ART. 557, CAPUT, C/C O § 1º-A).140

Do inteiro teor da decisão monocrática do eminente Desembargador Relator

Irineu Mariani, impende transcrever uma passagem que ilustra, com precisão, a

preocupação do julgador em relação a transferência da totalidade dos bens do

contribuinte, senão vejamos:

Havendo elementos de razoável consistência, como bem demonstra a peça recursal, bem assim no pedido articulado no juízo singular, no sentido de os acionistas da empresa executada (já sem patrimônio) constituíram outra (fl. 57, item 2), inclusive com os mesmos administradores (fl. 58, item 2.5), merece acolhimento, de plano, o pedido de redirecionamento, porquanto, em princípio, está-se diante de uma sucessão tributária, nos termos do art. 133 do CTN, ou de uma dissolução irregular.

Além da ementa supra mencionada, cita-se:

DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA. SUCESSÃO DE EMPRESAS. ÔNUS DA PROVA. O direcionamento da execução por sucessão tributária exige prova concreta da presença dos elementos do art. 133 do CTN, que passa pela análise da natureza das empresas envolvidas, seu objeto social e circunstâncias que as ligam. É do credor o ônus dessa prova. HIPÓTESE DE RETRATAÇÃO E DE NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO, PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.141 APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA INTEGRAL. PRESCRIÇÃO. NULIDADE DAS CDAs. 1. Sucessão tributária integral. Se, (1) o objeto de uma sociedade é contido por outra, com objeto mais amplo; se (2) ambas têm o mesmo endereço e pelo menos parte do quadro social é comum; se (3) os próprios nomes são de tal modo semelhantes que chegam a criar confusão; e se (4) a sociedade de objeto menos amplo deixa de operar e não mais é encontrado patrimônio em

140 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Primeira Câmara Cível. Agravo de Instrumento Nº

70025633991. Relator: Irineu Mariani. Julgado em: 05 ago. 2008. 141 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Vigésima Segunda Câmara Cível. Agravo de

Instrumento Nº 70023739485, Relatora: Rejane Maria Dias de Castro Bins. Julgado em: 06 maio 2008

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seu nome, então (5) conclui-se que esta foi toda para dentro da outra, isto é, foi incorporada, sendo irrelevante, para fins de restar caracterizada a sucessão tributária integral (CTN, art. 133, I), o fato de inexistir ato formal de incorporação. 2. Prescrição. Ocorrendo sucessão tributária, a interrupção da prescrição face à sucedida alcança a sucessora, pois a relação jurídico-tributária é a mesma. 3. Nulidade das CDAs. 3.1 ¿ CDAs formalmente perfeitas. Inexistência de nulidade. 3.2 ¿ A notificação da empresa sucedida acerca dos lançamentos tributários dispensa, mais tarde, a da sucessora. Vigora o mesmo princípio da interrupção da prescrição. 4. Dispositivo. Apelação desprovida.”

Em que pese a dificuldade de colacionar o posicionamento da jurisprudência

do Superior Tribunal de Justiça, em virtude da impossibilidade de reexaminar a matéria

fática, constante na Súmula 007 do STJ, a discussão está voltada na comprovação da

aquisição dos elementos do estabelecimento empresarial, senão vejamos:

TRIBUTÁRIO – SUCESSÃO EMPRESARIAL – ART. 133 DO CTN – SÚMULA 7/STJ. 1. O art. 133 do CTN é de aplicação restrita aos casos em que uma pessoa natural ou jurídica adquire de outra fundo de comércio ou estabelecimento. 2. In casu, verifica-se que o Tribunal a quo reconheceu não ter havido comprovação de qualquer aquisição de fundo de comércio ou de estabelecimento comercial. 3. Para concluir que houve sucessão empresarial, apta a ensejar a responsabilidade tributária da recorrida, faz-se mister o reexame de aspectos fáticos; inviável na instância especial, à luz da Súmula 7/STJ. Recurso especial não-conhecido.142

Além das ementas analisadas anteriormente, é, no mínimo, exemplar a decisão

do RESP/RS 906200, oriunda da 2ª Turma do STJ, que refere, expressamente, sobre a

necessidade de transferência da propriedade para configurar a sucessão empresarial,

prevista no artigo 133, do CTN:

TRIBUTÁRIO - PROCESSO CIVIL - IPVA - EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - OFENSA A DIREITO LOCAL - NÃO-CONHECIMENTO - SÚMULA 280/STF – ACÓRDÃO - OMISSÃO - INOVAÇÃO NA LIDE - INEXISTÊNCIA - ABORDAGEM COMPLETA - CERCEAMENTO DE DEFESA - PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO – SUCESSÃO TRIBUTÁRIA - NÃO-COMPROVAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO - HONORÁRIOS DE ADVOGADO - TEORIA DA CAUSALIDADE – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL - AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. 4. A questão da sucessão tributária é prejudicada pela não-comprovação da transferência da propriedade dos veículos automotores. 5. A parte, que não registra a transferência da propriedade de veículo automotor no órgão próprio, impossibilita o conhecimento da propriedade por

142 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. REsp 768.499/RJ. Relator: Ministro

Humberto Martins. Julgado em: 03 maio 2007. DJ 15 maio 2007, p. 262.

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terceiros, responsabilizando-se pelos honorários de advogado em ação na qual se discute esta mesma propriedade.143

No tocante especificamente as decisões do TRF4, TJRS e STJ sobre sucessão

tributária/empresarial e arrendamento, a jurisprudência encontrada ficou limitada a 01

(um) único acórdão, datado do ano de 1996:

TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DA SUCESSORA. ART-133 DO CTN. CERCEAMENTO DE DEFESA. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNRURAL. MANUTENÇÃO DA LEGISLAÇÃO PRECEDENTE A CF-88. 1. Utilizando-se a embargante do mesmo fundo de comércio que a empresa executada, dando continuidade à mesma atividade que ela e operando sempre na mesma sede, seja antes seja durante ou depois da vigência do contrato de arrendamento que com ela celebrado, caracterizada está a sucessão decorrente de aquisição de fundo de comércio ou estabelecimento. 2. Evidenciada a sucessão na utilização do fundo de comércio, aplicável à espécie o disposto no ART-133 do CTN, que determina a responsabilidade do sucessor no pagamento da dívida fiscal.144

Em que pese o acórdão AC 94.04.29456-0 / PR entender pela configuração da

sucessão tributária diante de um arrendamento de estabelecimento empresarial, a

realidade fática evidencia que a operação jurídica realizada era outra, ou seja, de

trespasse, haja vista que, antes e mesmo após o encerramento do contrato, a arrendatária

permanecia na titularidade do fundo de comércio, evidenciando, assim, a simulação de

negócios. Dito isso, nos demais julgados colacionados, a idéia da sucessão tributária

estava alinhada com a transferência de todo o patrimônio da empresa sucedida.

Não obstante, é de se verificar que a principal premissa do contrato de

arrendamento é a transferência provisória da posse e não da propriedade definitiva do

estabelecimento empresarial, ou seja, o arrendatário não adquire, apenas arrenda. Com

efeito, o bem tutelado, que é a reserva patrimonial do alienante não é afetada no negócio

jurídico realizado entre arrendador e arrendatário, na medida em que não há

transferência de patrimônio e, portanto, não há prejuízo para o fisco com essa operação.

Em síntese, o fisco não perde a segurança de receber os tributos devidos que reside no

patrimônio do empresário, já que o mesmo não é transferido, apenas locado. 143 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. Processo REsp 906200/RS RECURSO

ESPECIAL 2006/0264522-9 Relatora: Ministra Eliana Calmon. Julgado em: 21 ago. 2008. DJ 26 set. 2008.

144 Apelação Civel nº 94.04.29456-0 / PR. Relatora: Tânia Terezinha Cardoso Escobar. Julgado 05 set. 1996. DJ 25 set. 1996. 2ª Turma

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No tocante ao caráter provisório do negócio jurídico, Hugo Barreto Sodré Leal

explica que:

Dito de outro modo, o arrendamento do estabelecimento empresarial envolve a transferência temporária da própria exploração da empresa, passando o arrendatário a atender, durante o período do contrato, a clientela do arrendador. No entanto, o estabelecimento continua no patrimônio do arrendador, devendo o arrendatário restituir-lhe a posse e a fruição, bens tangíveis e intangíveis, ao término do prazo contratual, juntamente com os seus atributos (aviamento e clientela).145

Em virtude dessas considerações, o que se denota é que não há materialização

do artigo 133, do CTN, uma vez que não há a aquisição de titularidade por parte do

arrendatário, mas, tão-somente, a locação. Nas palavras de Sacha Calmon Navarro

Côrrea, “em caso de arrendamento do estabelecimento, o arrendatário só responde por

atos dolosos (responsabilidade por infrações). O devedor é o estabelecimento (pessoa

jurídica pertencente aos arrendantes).”146 Como visto, o fisco não perde a sua garantia,

haja vista que o patrimônio do arrendador não é alterado com o negócio jurídico.

Ora, para que ocorra a sucessão tributária é preciso que o sucessor tenha,

efetivamente, adquirido o estabelecimento empresarial, ou seja, que tenha se tornado, a

qualquer título, proprietário do mesmo, nos termos do artigo 133, do CTN, o que não

ocorre no contrato de arrendamento, já que não há alienação. Ademais, é de se verificar

que os incisos I e II não deixam dúvidas sobre o caráter definitivo da alienação,

mencionada no caput do artigo, o que evidencia, ainda mais, a distinção entre os 02

(dois) negócios jurídicos: arrendamento e aquisição.

Portanto, seja pela questão etimológica de que o termo “aquisição” previsto na

norma que não contempla arrendamento, haja vista que não há transferência definitiva

do objeto de direito; ou seja pela questão da tutela, que é a preservação da garantia do

pagamento dos tributos, que não é perdida, pois o contribuinte não transfere o seu

patrimônio, o arrendamento do estabelecimento empresarial não pode ser equiparado ao

145 LEAL, 2007, p. 242. 146 COELHO, S. C. N., 2006, p. 718.

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fato gerador descrito no artigo 133, do CTN, e, portanto, não acarretaria a

responsabilidade da arrendatária, na condição de sucessora tributária da arrendadora.

É de se verificar que a própria Secretaria da Receita Federal, por meio do

Parecer Normativo CST nº 2, de 05/01/1972, reconheceu a impossibilidade de

configurar sucessão tributária em arrendamento de estabelecimento empresarial:

Responsabilidade tributária por sucessão (art. 133, do CTN). Não sendo a locação meio hábil à aquisição de bens, a pessoa natural ou jurídica que figurar como locatária de máquinas ou mesmo de estabelecimento comercial ou fundo de comércio não se sub-roga nas obrigações tributáveis do locador, ainda que, em decorrência da inatividade deste, sua clientela passe a ser atendida pela locatária.147

Ainda, nesse mesmo sentido, as Soluções de Consulta da Secretaria da Receita

Federal:

Contrato de Arrendamento – Em contratos de arrendamento não ocorre a sucessão, tendo em vista que não há transferência ou aquisição da propriedade, não ficando o arrendatário sujeito aos débitos fiscais da arrendadora, anteriores ao contrato de arrendamento. (DEC. 7ª RF 35/97) Contrato de Arrendamento ou cessão de uso – Contratos de arrendamento ou de cessão de uso não têm efeito de tornar o arrendatário ou cessionário sucessor do arrendante ou cedente; portanto, não eximem os bens objeto desses contratos de responsabilidade patrimonial relativa às obrigações tributárias em que o arrendante ou cedente figure como sujeito passivo. (DEC. 5ª RF 8/98)148

Acompanhando o posicionamento defendido, a decisão do Conselho de

Contribuintes do Ministério da Fazenda:

Não sendo a locação meio hábil à aquisição de bens, a pessoa natural ou jurídica que figurar como locatária de máquinas ou mesmo de estabelecimento comercial ou fundo de comércio não se sub-roga nas obrigações tributárias do locador, ainda que, em decorrência da inatividade deste, sua clientela passa a ser atendida pela locatária. (AC. 105-4.599, 1º CC MF, 5ª C.. Rel. COns, Aldenor Abrantes, DOU de 07/11/1990)149

147 LEAL, 2007, p. 243. 148 Ibidem, p. 244. 149 Ibidem, p. 244.

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Retomando os comentários expostos anteriormente, Paulo de Barros Carvalho

entende que o vínculo jurídico que atribui a responsabilidade aos sujeitos passivos

alheios ao fato gerador estão carregadas de natureza administrativa sancionatória.150

150 CARVALHO, 2005, p. 324.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Convém relembrar que o objetivo do presente estudo está focado na

transposição do arrendamento do estabelecimento empresarial ao fato gerador da

sucessão tributária, previsto no artigo 133, do Código Tributário Nacional.

Diante das inovações trazidas pela Lei nº 11.101/05, relativas à transferência

do estabelecimento empresarial, as quais foram recepcionadas pelo Código Tributário

Nacional, por meio da Lei Complementar nº 118/05, entendeu-se que a discussão

relativa à sucessão tributária deveria iniciar da noção de obrigação tributária.

Identificada como a relação jurídica pela qual o fisco tem o poder/direito de cobrar uma

prestação pecuniária, aqui considerada como pagamento de tributo, do contribuinte, sob

pena de ter seu patrimônio expropriado, a obrigação tributária prevê, também, regras de

responsabilização de terceiros que não tenham relação direta e pessoal com o fato

gerador, mas que, por alguma razão, mantiveram operações jurídicas com o contribuinte

que justificaram o redirecionamento da responsabilidade.

Conforme foi demonstrado, a responsabilidade do contribuinte pelo pagamento

do tributo previsto em lei e decorrente da prática da conduta descrita no fato gerador

pode ser transferida a terceiros que não detiveram relação direta e pessoal com o fato

gerador, mas que passaram a ser enquadrados como sujeitos passivos. Esses novos

sujeitos passivos, chamados de responsáveis tributários, são trazidos à relação

contribuinte-fisco, em decorrência da relação jurídica praticada com o contribuinte, para

cumprirem com a obrigação tributária que não foi adimplida pelo sujeito passivo

original (contribuinte).

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Dentre as várias categorias de responsáveis tributários, a que interessa ao

debate posto em tela é a do sucessor tributário, que encontra previsão legal entre os

artigos 129 à 133, do Código Tributário Nacional. Como visto, o sucessor tributário não

tem nenhuma ligação com o fato gerador da tributação, mas o seu vinculo jurídico

privado com o contribuinte da mesma é que servirá de liame legal para implicar a sua

sub-rogação nas obrigações tributárias do contribuinte.

Das 04 (quatro) espécies de sucessor tributário, a sucessão empresarial, com

fulcro no artigo 133, do CTN, é a que, em tese, legitimaria a responsabilidade do

arrendatário pelo contrato de arrendamento de estabelecimento empresarial. Com efeito,

o aludido texto legal estabelece que a pessoa natural ou jurídica que adquirir o

estabelecimento empresarial e continuar a respectiva exploração responderá pelos

tributos relativos ao mesmo.

Partindo-se da análise da sucessão tributária pela aquisição do estabelecimento

empresarial e como necessidade de melhor compreender a operação jurídica realizada

entre a empresa arrendadora e o empresário arrendatário, apresentou-se a definição

jurídica de empresa, de estabelecimento empresarial, bem como dos seus elementos que

servirão de objeto no contrato de arrendamento.

Nessa perspectiva, a empresa possui e representa um conceito distinto do

estabelecimento empresarial. Enquanto que a empresa é o sujeito de direito e possui

personalidade jurídica, o estabelecimento consiste apenas em objeto de direito e

representa a universalidade de direitos que permitem à empresa a exploração da sua

atividade econômica.

Inovando às legislações anteriores e partindo do que já havia estabelecido o Código

Civil Italiano de 1942, o Código Civil positivou o conceito de estabelecimento empresarial

como o complexo de bens organizado destinados ao exercício da empresa. Desse conceito

legal e com base no que dispõe a doutrina e a própria prática de mercado, verifica-se que o valor

contábil do estabelecimento empresarial se sobrepõe ao somatório do valor individual dos seus

elementos, sendo que esse diferencial se traduz como reconhecimento pelo trabalho e

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organização do empresário na exploração da sua atividade econômica. Vale ratificar que os

elementos que constituem o estabelecimento empresarial podem ser corpóreos e/ou incorpóreos

e não se confundem com o patrimônio da empresa ou do empresário, uma vez que podem existir

bens que a eles pertençam, mas que não estejam direcionados ao exercício da atividade,

requisito essencial para comporem o estabelecimento empresarial.

Assim, na condição de objeto de direito, o estabelecimento pode ser comercializado

pela empresa, tendo, inclusive, expressa previsão legal, a saber, o artigo 1.444, do Código Civil

e artigo 50, VII, da Lei nº 11.101/05. Dentre os vários negócios jurídicos que podem ter o

estabelecimento empresarial como objeto, o presente estudo focou-se no arrendamento e na

possibilidade de responsabilização tributária do arrendatário, a teor da sucessão tributária.

As observações precedentes demonstraram que o contrato de arrendamento de

estabelecimento empresarial visa a transferência provisória/temporária do complexo de bens

destinados à exploração de uma atividade econômica, mediante o pagamento de uma

remuneração mensal, sendo que, ao final do contrato, haverá a restituição desses bens ao

arrendador. Assim, como condições gerais e intransferíveis dessa modalidade contratual, a

operação deverá, obrigatoriamente, conter: a transferência da posse do estabelecimento

empresarial, por meio da entrega da gerência/administração ao arrendatário; o pagamento de um

preço, à título de arrendamento; a continuidade da atividade empresarial explorada pelo

arrendador, ou seja, a preservação das características do negócio; conservação do aviamento e

da clientela; e por último, mas não menos importante, a restituição, ao final do prazo pactuado,

do estabelecimento empresarial ao arrendador.

Contrapondo as características do arrendamento de estabelecimento empresarial, com

o fato gerador descrito no artigo 133, do CTN, que estabelece a sucessão tributária, se observa

algumas importantes diferenças que, a priori, impossibilitam a sub-rogação do arrendatário nas

obrigações tributárias do arrendador. Por primeiro, o contrato de arrendamento não configura

aquisição de estabelecimento empresarial, mas, tão-somente, transferência de posse provisória.

Em segundo lugar, a norma legal tem por objetivo preservar a garantia patrimonial do

contribuinte no cumprimento das suas obrigações tributárias, evitando que o mesmo transfira

todos os seus bens. Todavia, tal realidade não ocorre no arrendamento, na medida em que o

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sujeito ativo da obrigação tributária não perde nenhuma garantia, eis que não há transferência de

titularidade de patrimônio.

Assim sendo, por qualquer dos motivos declinados acima, não haveria a materialidade

do artigo 133, do CTN, no arrendamento do estabelecimento empresarial, haja vista que o tipo

descrito pela norma é aquisição definitiva e não arrendamento. Nesse sentido, conforme já foi

colocada, a interpretação do texto legal não pode ser estendida a ponto de modificar o fato

gerador que é adquirir e passaria a ser arrendar. Com efeito, aquisição e arrendamento são duas

modalidades, totalmente, distintas de negócios jurídicos, com regras próprias e que produzem

conseqüências diferentes entre os contraentes.

Em virtude dessas considerações, concluiu que o contrato de arrendamento de

estabelecimento empresarial não configura a sucessão tributária, até mesmo porque, em sentido

terminológico, não haveria sucessão empresarial, pois, ao final dessa operação, não há alteração

nos sujeitos (arrendador e arrendatário) e, tampouco, no patrimônio dos mesmos, haja vista que

o estabelecimento empresarial é restituído.

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