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Sociologia Urbana

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2009

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© 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escritodos autores e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE Brasil S.A.

Crédito da imagem: Digital Juice.

IESDE Brasil S.A.

Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200Batel – Curitiba – PR0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Todos os direitos reservados.

S586 Silva, Angelo. / Sociologia Urbana. / Angelo Silva.

 — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.

188 p.

ISBN: 978-85-387-2269-4

1.Sociologia urbana. 2.Sociologia – Origem. 3.Urbanização.

I.Título.

CDD 307.76

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Doutor em História pela Universidade Federal doParaná (UFPR). Mestre em Ciência Política pela UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp). Bacharel em CiênciasSociais pela Unicamp.

Angelo Silva

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SUMÁRIO

As origens da Sociologia: os pais fundadores ............................................11

Os antecedentes do surgimento da Sociologia ..............................................................................11

A sociedade transforma-se em objeto de estudo ..........................................................................12

Os precursores ............................................................................................................................................13

Karl Marx e a revolução ..........................................................................................................................13

Émile Durkheim e a institucionalização da Sociologia ................................................................15

Max Weber e a Sociologia compreensiva .........................................................................................17

As grandes cidades industriais inglesas do século XIX e a crítica deFriedrich Engels .................................................................................................31

O contexto da época ................................................................................................................................32

Um pouco da biografia do autor..........................................................................................................33

Sobre o texto de Engels .........................................................................................................................34

“As grandes cidades” ................................................................................................................................35

Comentários sobre o texto .....................................................................................................................37

Reforçando algumas ideias ....................................................................................................................38

Sobre a metrópole capitalista e seus efeitos no indivíduo ....................45

Georg Simmel e a Sociologia ................................................................................................................45

O que é que a grande cidade tem de especial? ..............................................................................46

Conclusão ........................................................................................................................................ .............52

Max Weber e a cidade .........................................................................................57

Sobre o autor ...............................................................................................................................................57

Max Weber e a cidade ..............................................................................................................................58

Alguns elementos para a definição de cidade ................................................................................59

A cidade e o campo ..................................................................................................................................60

A cidade como local de defesa .............................................................................................................61

Observando mais de perto ....................................................................................................................62

Reunindo os fios .........................................................................................................................................63

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A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra Park ......67

Sobre o autor em foco ...............................................................................................................67

Uma pequena síntese da obra de Robert Park .................................................................68Conclusão ....................................................................................................................................... 73

Louis Wirth e o urbanismo como modo de vida............................. 79

Uma pequena apresentação ................................................................................................... 79

Sobre seu texto mais conhecido no Brasil ..........................................................................79

Buscando uma conclusão .........................................................................................................86

Paul Singer e a Sociologia Urbana no Brasil ..................................... 91Uma base marxista para pensarmos o Brasil .....................................................................92

Alguns aspectos teóricos sobre o processo de migração ............................................95

O perfil das cidades recortado pelo tipo de desenvolvimento capitalista .............97

Uma conclusão que se impõe aos olhos .............................................................................98

Henri Léfèbvre e a Sociologia Urbana pela ótica marxista .......105

Sobre o autor .............................................................................................................................. 105

A revolução urbana .................................................................................................................. 106Discussão metodológica ........................................................................................................ 107

Análise histórica ....................................................................................................................... 108

Algumas suposições teóricas sobre a fase crítica ......................................................... 110

Manuel Castells e a Sociologia Urbana ............................................117

Sobre o autor .............................................................................................................................. 117

Sua produção na temática urbana ..................................................................................... 117

Contribuição para os estudos urbanos ............................................................................. 118O debate sobre a teoria do espaço .................................................................................... 119

Delimitação teórica do urbano ............................................................................................ 122

Consumo como processo de reprodução da força de trabalho .............................. 123

Instrumentos teóricos para o estudo da política urbana ........................................... 125

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Ilhas de felicidade no meio do caos urbano ............................................ 135

Um pouco mais sobre a autora e o tema .......................................................................................135

Construindo muralhas para esconder a diferença......................................................................136A transformação do espaço público em espaço privado ......................................................... 139

Uma comparação esclarecedora: São Paulo e Los Angeles..................................................... 141

A modernidade invade as cidades: os shopping centers e as mudançasdo urbano ......................................................................................................... 149

O começo da história ............................................................................................................................150

Recriando identidades .......................................................................................................................... 153

O mundo cabe dentro de um SC ......................................................................................................155

Redesenhando a fisiognomia da metrópole moderna ........................ 161

O livro das passagens ...........................................................................................................................161

Uma primeira volta pela quadra para reconhecimento .......................................................... 163

Um olhar mais próximo ........................................................................................................................ 165

A cidade que sobrepõe texto e imagens .......................................................................................167

No Brasil, São Paulo e Minas Gerais .................................................................................................. 168

GABARITO ............................................................................................................. 175

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 185

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APRESENTAÇÃO

O objetivo principal deste trabalho é situar o leitor nadiscussão acadêmica sobre a Sociologia Urbana.

Temos aqui dois caminhos que seguirão em paralelo,pelo menos inicialmente, até que venham a convergirno sentido de termos uma ideia clara do surgimento daSociologia como ciência e da Sociologia Urbana comoum ramo no tronco da ciência maior.

Com este objetivo, organizei o trabalho de uma maneiracronológica, por um lado, e monográfica, por outro. Istoquer dizer que organizei os capítulos do livro a partir dosurgimento da Sociologia como ciência, passando pelosprecursores da Sociologia Urbana, depois pelos seus fun-dadores propriamente ditos. Isto posto, chegamosaos autores contemporâneos e ao Brasil. Mantivemosaqui uma cronologia não muito rigorosa.

Outro aspecto relativo à forma de organização do traba-lho é que procurei trabalhar com os principais autores

dos respectivos temas. Tanto no caso da cronologiaquanto da autoria, não segui com rigidez essas deter-minações. Elas funcionaram mais como um parâmetrogeral do que como uma lei imutável, algo próximo dascaracterísticas relacionadas às ciências sociais em gerale à Sociologia em particular. Não estamos tratando dasCiências Exatas aqui, da Matemática, Física etc. Podemos,portanto, trabalhar com uma flexibilidade maior. Foi oque procurei aplicar na própria construção do texto, emsuas partes e no conjunto que estas partes formam.

Temos, então, ao longo dos capítulos, um arranjo próxi-mo do seguinte: uma parte introdutória sobre as origensda Sociologia, seguida dos precursores da SociologiaUrbana, para depois chegarmos aos principais autorescontemporâneos. Dedico uma parte do trabalho pararefletirmos sobre os problemas urbanos mais atuais,articulados com a realidade brasileira.

Boa leitura!

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As origens da Sociologia:

os pais fundadores

Para compreendermos a Sociologia Urbana é imprescindível que façamos ummovimento de olhar para trás. Este é o sentido deste capítulo, a saber: tomarmos con-tato com as origens da Sociologia. Vou lançar mão desse recuo histórico para iniciarmeu trabalho. Veremos, a seguir, uma contextualização do período em que surgiu aSociologia para depois tomarmos um primeiro contato com os assim chamados pre-

cursores dessa ciência.

Os antecedentes do surgimento da SociologiaDa mesma maneira que as outras ciências, exatas, naturais ou sociais, a Sociologia

passou por um processo de construção. É desse período da história dessa ciência quetrataremos aqui. Estamos no final do século XVIII, no centro da Europa, e podemos cons-tatar que a assim chamada Revolução Industrial já havia lançado suas raízes na Inglaterrae esparramava-se pelo continente. Essa revolução tinha alterado de forma significativaa maneira como os indivíduos e a sociedade produziam os seus bens. Queremos dizercom isso que o artesanato tinha sido deixado de lado e que a manufatura predominava.Aquele espaço de produção de mercadorias, que hoje chamamos de fábrica, começavaa ganhar uma feição mais definida. Conforme as coisas foram se alterando no sistemaprodutivo, as cidades também foram se modificando. O mundo daquela época era pre-dominantemente rural, mas em alguns lugares a concentração de pessoas nas cidadescomeça a crescer: podemos mencionar Londres e Paris, entre outros.

Nesse mundo para o qual nos conduzimos, uma nova revolução veio se somar àanterior. Refiro-me à Revolução Francesa, que, assim como a Industrial, também pro-vocou muitas transformações, por isso mesmo uma revolução. Enquanto a primeira secaracterizou por alterar as bases materiais da sociedade europeia, a segunda deixousuas principais marcas no campo das ideias. Parte significativa das ideias dos filósofosiluministas que antecederam essa revolução ganharam um corpo e uma vida com ela.As ideias de liberdade, igualdade e fraternidade não foram as únicas a se destacarem

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em 14 de julho de 17891. Uma das mais importantes concepções nascentes pode serpercebida no primeiro verso da Marselhesa, que se tornou o hino nacional francês, emque vemos surgir a ideia de Nação. O verso “Avante filhos da Pátria” inaugura a materia-lização dessa ideia que se esparramou pelo mundo todo, do ponto de vista histórico,em pouco tempo.

Estamos diante de uma dupla revolução que promove uma reviravolta na formacomo as pessoas estavam acostumadas a viver (a trabalhar, por exemplo) e na formacomo as pessoas estavam acostumadas a pensar, a ver o mundo. Os resultados dessasduas mudanças importantes não se fizeram esperar para produzirem seus efeitos.

A sociedade transforma-se em objeto de estudoDo ponto de vista material, as cidades começaram a crescer desenfreadamente

em função da Revolução Industrial. Não só as cidades cresceram, mas a quantidade e otipo de problemas que esse crescimento produziu foram notáveis. Nesse momento, al-gumas mudanças também ocorreram no campo das ideias, cujo exemplo que merecemaior destaque é a Revolução Francesa. Antes desse período, predominava a visão docatolicismo, que era a religião dominante. Isso significava que tudo o que acontecia navida das pessoas e da sociedade tinha uma explicação divina. Em outras palavras, eraassim porque Deus queria. A partir dessa revolução, a maneira de se pensar foi altera-da. Não era mais Deus que estava no centro das explicações e sim o homem, ou seja,era possível e necessário compreender os fenômenos sociais porque estes eram resul-

tado da ação dos homens e não da vontade divina. Portanto, as duas grandes revolu-ções, a Industrial e a Francesa, abalaram e, por fim, derrubaram a maioria dos alicercessobre os quais a sociedade europeia se apoiava. Tanto no plano material quanto no dasideias, as alterações foram largas e profundas.

Do ponto de vista do qual estamos observando essa história, o conjunto de mo-dificações ocorridas levou a uma série de conflitos que colocaram a sociedade comoum problema a ser estudado e resolvido. O crescimento desordenado das cidades e osproblemas relativos a ele e o clima de instabilidade gerado pelas revoluções e pela in-certeza diante das mudanças foram mais do que suficientes para fazer com que vários

pensadores e homens de ação começassem a se preocupar em resolver esses proble-mas. Com o isolamento da religião católica e o deslocamento do teocentrismo, abriu-se a possibilidade de pensar o mundo sem os limites impostos pela Igreja.

De outro ponto de vista, observamos que, com as mudanças na produção, omundo se alterou com o crescimento das cidades. O capitalismo, que começava a se

1Apesar de a Revolução Francesa ser um processo com raízes nos fatos do passado, diversos acontecimentos ocorreram no ano de 1789, sendo o principal

deles a tomada da Bastilha e m 14 de julho, símbolo máximo da resistência popular frente aos privilégios da nobreza.    S   o   c    i   o    l   o   g    i   a    U   r    b   a   n   a

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desenvolver, fez surgir a classe operária, que, com suas reivindicações, produzia umasérie de conflitos sociais. Nesse clima de conflitos, aqueles que se preocupavam emrefletir sobre a sociedade começaram a ocupar-se com ideias sobre a sua reforma.Vimos surgir então um grupo de pensadores que viam na derrubada do antigo regimea origem de todas as mazelas que a sociedade enfrentava. A solução para os proble-mas estava dada, ou seja, bastava voltar para o sistema feudal que tudo se resolveria.

Essa proposta foi atropelada pela História e não vingou. O feudalismo e seus principaissustentáculos tinham perdido o seu lugar e era o capitalismo que imperava.

Os precursoresEstamos na primeira metade do século XIX e um dos pioneiros da Sociologia

como a conhecemos hoje produzia suas ideias a respeito da sociedade. Estou falandode Augusto Comte. Esse autor lançaria as bases para a consolidação da Sociologia nofinal desse mesmo século. Comte tomou de outras ciências já consolidadas, a Física, aMatemática, a Fisiologia/Biologia, elementos metodológicos que procurou aplicar àanálise da sociedade.

Comte acabou por ver a necessidade de se criar o que ele chamou de física social ,ou seja, uma nova ciência que deveria estudar os fenômenos sociais a partir das ci-ências ditas naturais, aquelas que têm como objeto de estudo a natureza. Seus esfor-ços não o levaram à fundação dessa nova ciência, mas seus seguidores, como ÉmileDurkheim dariam seguimento às suas ideias. Contudo, antes de continuarmos com

Durkheim, vamos tratar de apresentar as ideias de Karl Marx, que se constituíram nummarco, não só para a Sociologia, mas para as Ciências Sociais como um todo.

Karl Marx e a revoluçãoO autor do qual vamos tratar nas próximas linhas produz opiniões muito contro-

versas, desde a sua época até os dias atuais. Por conta disso, vou fazer um breve relatosobre a construção das linhas que nortearam o pensamento de Marx. Nascido em 5 de

maio de 1818, na antiga Prússia, hoje Alemanha, no interior de uma família de judeusconvertidos ao protestantismo, ele seguiria o caminho tradicional para um filho declasse média da época, desenvolvendo estudos no campo do Direito e da Filosofia.Com 25 anos de idade, esse autor encontrava-se na direção do jornal Gazeta Renana,assumindo a profissão de jornalista. No final de 1843, ao escrever  Crítica da Filosofia doDireito de Hegel , Marx declarou publicamente que havia abandonado o campo políticodo liberalismo e da burguesia para se colocar no campo da classe operária e do co-munismo. Esse movimento político pode ser entendido como resultado de uma série

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de fatores. Destaco o fato de que o autor em foco entrou em contato com a militânciacomunista da época e, além disso, pôde verificar com seus próprios olhos a situação demiséria na qual se encontrava a classe trabalhadora.

Karl Marx tornou-se, portanto, um militante da causa revolucionária e seus es-tudos têm uma marca muito clara, a saber, o fato de realizar suas análises a partir da

experiência vivida e não dos estudos desenvolvidos no interior dos gabinetes. Alémdisso, encontra-se em sua obra uma clara intenção prática de transformação. Para ele, oconhecimento servia para mudar o mundo, para fazer a revolução socialista e não parafundar uma ciência. Foi dentro dessa perspectiva que Marx produziu sua obra.

O primeiro trabalho de Marx que ganhou o mundo foi escrito entre dezembro de1847 e janeiro de 1848, sendo publicado em fevereiro daquele ano. O Manifesto do Par-tido Comunista, escrito em parceria com Friedrich Engels, tornou-se rapidamente umdos livros mais traduzidos e vendidos da história da imprensa. Por que tanto sucesso?Nessa obra, por meio de uma linguagem clara e direta, os autores apresentaram as

principais teorias que desvendariam o funcionamento do capitalismo e propuserammedidas para a sua superação.

A luta de classes, uma ideia fundamental no pensamento de Marx, abre o Mani-festo. Além disso, outros conceitos, como a dialética, a ditadura do proletariado  e asformas de exploração da classe trabalhadora pelos capitalistas, aparecem no interiordo texto. Posteriormente a esse trabalho, Marx escreveu O 18 Brumário de Luís Bona- parte, no qual é analisado o golpe de estado que colocou esse Bonaparte no comandodo Estado francês ao longo de 20 anos, de 1851 a 1871. Nessa obra, temos uma ra-diografia da sociedade francesa, fundamentalmente no campo da política, com umacrítica ácida aos vários agrupamentos políticos que se batiam naquele momento. Marxdenuncia que todos os partidos ligados à burguesia optaram, em função das pressõesexercidas pela classe operária, que havia feito revoluções por toda a Europa em 1848,por entregar o poder a um ditador para garantir a sua dominação. É a clássica ideia deentregar os anéis para não perder os dedos.

No ano de 1867, Marx publicou o primeiro volume de O Capital , sua obra maisimportante. Esse trabalho resultou da experiência do autor como militante do comu-nismo, como fundador de partidos e organizações políticas com abrangência nacional

e internacional e, também, como intelectual que inaugura uma maneira de produzirconhecimento, ou seja, associando às ideias uma ação concreta.

Alguns dos principais temas que Marx trabalhou em O Capital  constituíram-seem pilares do conhecimento no campo da Política, da Economia, da Sociologia, entreoutros. A título de exemplo, podemos tomar, inicialmente, a descoberta do meio peloqual os capitalistas exploram a classe operária, a saber, a mais-valia. Esse conceitorevela como, ao final do expediente, o operário recebe um valor predeterminado,

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entregando ao capitalista o produto do seu trabalho. A exploração se dá na medidaem que o valor obtido com a venda dos produtos que o trabalhador produziu e que foiapropriado pelo empregador é muito maior do que aquilo que foi pago como salário.Assim, a exploração não é ilegal, porque o contrato de trabalho acorda justamenteesse procedimento, mas não deixa de ser exploração do trabalho. A partir disso, Marxdesvenda também como as leis estão a serviço daqueles que dominam a sociedade e

que o Estado não existe para representar todos os indivíduos, mas que, em nome detodos, ele, o Estado, garante que alguns mantenham a sua dominação sobre o conjun-to da sociedade.

Em função do exposto, fica mais fácil imaginar por que esse autor foi tão perse-guido em seu tempo e por que seus seguidores continuam sendo. Contudo, o obje-tivo é mostrar que as intenções de Marx, nesse caso, não têm importância para nós.O que importa é a contribuição que esse autor deu para compreendermos o mundoque nos cerca.

Émile Durkheim e a institucionalização

da SociologiaTodos aqueles que estiveram ligados às origens da Sociologia possuíam intenções

práticas. Isto quer dizer que, de uma maneira ou de outra, havia uma preocupação emtransformar a sociedade da época, no caso, o século XIX. Existem, contudo, diferentesmaneiras de se intervir na realidade social. De forma muito distinta daquela pretendidapor Karl Marx, o autor que passaremos a tratar também deixou marcada a sua contri-buição para o desenvolvimento dessa ciência.

David Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858, na região da Alsácia, naFrança, no interior de uma família de rabinos. Assim como Karl Marx, Durkheim rea-lizou seus estudos até o nível universitário. Em 1887, tornou-se professor na Univer-sidade de Bordeaux, criando a primeira cátedra exclusivamente destinada ao ensinoda Sociologia. Esse autor vinha se dedicando, mesmo antes de criar essa disciplina na

academia, a construir a Sociologia como uma ciência autônoma. Seu pensamento foiinfluenciado por vários autores, atuantes na época e menos conhecidos hoje em dia,como Spencer, Espinas, Wundt e Comte. Deles, retirou algumas características quemarcaram a ciência produzida por Durkheim. Como exemplo, podemos utilizar a pre-ferência durkheimiana por modelos biológicos, ou seja, pensar a sociedade como umorganismo vivo. Além dessa influência, esse autor articulou conhecimentos de outrasáreas, mais ou menos estabelecidas, como da Antropologia e da Psicologia, em seutrabalho de criação da nova ciência, a Sociologia.

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É possível ver, pelos títulos dos trabalhos publicados por Émile Durkheim, o seuempenho no sentido de construir a Sociologia, senão vejamos: em 1889, temos os Ele-mentos de Sociologia; quatro anos depois, apareceu  A Divisão do Trabalho Social ; em1895, foram publicadas As Regras do Método Sociológico; em 1897 e 1912, foram pu-blicados, respectivamente, O Suicídio e  As Formas Elementares da Vida Religiosa. Entreessas duas últimas publicações, Durkheim fundou, em 1898, uma revista que se cons-

tituiu em local privilegiado de divulgação da recém-criada sociologia francesa. Essarevista chamou-se L’Année Sociologique (O Ano Sociológico). Após sua morte, ocorridaem 1917, ainda foram publicados Educação e Sociologia, em 1922; Sociologia e Filosofia,em 1924; A Educação Moral , em 1925; e, por fim, O Socialismo, que é de 1928.

A Sociologia da ordem

Além de buscar os parâmetros para a construção da Sociologia, Durkheim voltou

suas expectativas para a produção de um conjunto de novas ideias que poderiam me-lhorar as condições de existência no interior da sociedade de sua época. A Europa emgeral, e a França em particular, experimentavam no final do século XIX um períodomuito conturbado. Por um lado, uma série de abalos na economia, de conflitos sociaisresultantes das crises do sistema capitalista, tornava difícil a vida naqueles dias. Poroutro, os progressos técnicos e a expansão econômica também eram muito marcados.Diante dessa sociedade marcada pela contradição, Durkheim acabou trilhando um ca-minho oposto àquele escolhido por Karl Marx, por exemplo.

Para ele, reformas econômicas não resolveriam os problemas colocados. Antes

disso, Durkheim acreditava ser necessário descobrir por meio da pesquisa sociológicaquais eram as leis que regiam o funcionamento da sociedade. Com isto em mãos, aSociologia ganhava um caráter “positivo”, ou seja, ao invés de negar a sociedade exis-tente, tratava-se de orientá-la positivamente no sentido de corrigir aquelas anormali-dades provocadas pelas tensões sociais e mantidas pela ignorância em relação à suaexistência. Quero dizer com isto que a Sociologia durkheimiana pretendia encontrarpor meio da pesquisa científica os padrões considerados normais para uma determi-nada sociedade. Assim, era possível corrigir os “desvios” e “anormalidades” que eramresponsáveis pelos conflitos existentes.

A sociologia positiva criada por Durkheim constituiu-se em uma das principaiscorrentes da Sociologia como ciência autônoma. Definindo o fato social  como objetode estudo dessa ciência e estabelecendo um conjunto de métodos e técnicas para oestudo desse objeto, o trabalho desse autor ganhou rapidamente influência na Françae, posteriormente, no restante da Europa e nos Estados Unidos.

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Max Weber e a Sociologia compreensivaSeguindo a ordem cronológica, temos o trabalho de outro pensador alemão

que também se constitui em um dos principais suportes para o trabalho no inte-rior das Ciências Sociais e da Sociologia mais especificamente. Max Weber nasceu

no interior de uma família de protestantes, na Alemanha, no dia 21 de abril de 1864.Faleceu com 56 anos, em 1920. Assim como Karl Marx e Émile Durkheim, Weber teveuma formação acadêmica muito sólida. Este autor tornou-se um dos mais importan-tes pensadores do século XX. Com um interesse por diferentes temas sociais, como oDireito, a Economia, a Música, além da Sociologia, Weber trará para o interior dessaciência essa diversidade de abordagens.

Da mesma maneira que Durkheim procurou dar à Sociologia as bases para suaformação como uma ciência, Weber também trabalhou nesse sentido. Uma das princi-pais maneiras adotadas por ele para perseguir esse objetivo foi criar uma diferenciação

muito precisa entre a política e a ciência. Para esse autor, jamais poderiam ser confun-didas essas duas formas de ação. A primeira delas estava calcada sobre juízos de valorpróprios a cada indivíduo. Esses juízos serviriam para orientar as escolhas de atuaçãode todos. O próprio Weber teve, ao longo de sua vida, uma intensa intervenção política.Portanto, o cientista pode e inclusive deve se posicionar em relação à política, mas en-quanto cidadão e não enquanto cientista, pois, caso contrário, contaminaria a ambas.No que diz respeito à ciência, o procedimento do autor era no sentido de tratar decompreender  os fenômenos sociais por meio de uma metodologia de pesquisa extre-mamente rigorosa e detalhada. No que diz respeito à Sociologia, ele adere de maneira

mais intensa a ela já no final de sua carreira. Afirma, como uma espécie de definição,que essa ciência deve se voltar para a compreensão interpretativa da ação social. Alémdisso, deve também fornecer uma explicação a partir das causas dessa ação e, por fim,os efeitos prováveis que ela produzirá.

Weber insistia sempre que o cientista deveria tratar com frieza, sem ira e nempaixão, os fenômenos por ele analisados. Além disso, as conclusões a que o cientistachegava serviriam para orientar o político. Este sim, um indivíduo de ação que semove também com o combustível da paixão. Nesse sentido, os produtos do conhe-cimento da ciência poderiam ser tratados como mercadorias que não possuem pre-ferências, juízos de valor ou cores políticas. Cada um de nós pode, segundo Weber,fazer o uso que julgar conveniente de um conhecimento científico. Dessa proposiçãoé que vai surgir posteriormente, no interior da Sociologia, a ideia de que os mesmosprocedimentos de pesquisa podem tanto ajudar a vender um sabonete quanto aeleger um presidente.

As proposições feitas por Max Weber sempre produziram muita polêmica. Contu-do, por meio de sua extensa obra, ele consegue fundamentar suas proposições como

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poucos o fizeram. Seus principais trabalhos no campo da Sociologia são os seguintes:Economia e Sociedade,  A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Ciência e Política:duas vocações.

Max Weber e a ação individual

A Sociologia weberiana é fortemente influenciada por pensadores alemães, tantoos contemporâneos a ele quanto outros que o precederam. Uma visão pessimista deseu mundo Weber toma emprestada de Nietzsche2.

A generalização para todos os indivíduos da capacidade de agir racionalmenteorigina-se de proposições de Kant3. Além desses, Weber estabeleceu, pela sua obra,um intenso diálogo com Karl Marx. Boa parte dos escritos de Weber procura refutar ouverificar a eficiência dos conceitos presentes nos principais trabalhos daquele autor.Outros menos conhecidos por nós também deixaram sua cota de contribuição à Socio-

logia weberiana, dentre os quais Georg Lukács4 e Georg Simmel5.

O tipo de Sociologia desenvolvida por Weber leva em conta, fundamentalmen-te, o indivíduo e sua ação. Nesse sentido, o autor se contrapõe a outros pensadoresque procuram colocar no centro de suas atenções o coletivo, como faz Marx com asclasses sociais, ou as instituições sociais como o Estado, as empresas, os partidos po-líticos. Weber destaca que o caminho principal do sociólogo para a compreensão dosfenômenos sociais passa pela compreensão das motivações que levam um indivíduo apraticar uma determinada ação.

Para a perseguição desse objetivo, o autor define quatro tipos de ação como intuito de construir um modelo teórico que auxilie o cientista em seu trabalho decompreensão. A primeira ação tratada por Weber é a ação racional com vistas a umdeterminado fim. Essa ação toma por base o pensamento racional que é utilizado parase atingir um determinado objetivo, seja ele profissional, pessoal, criativo etc. Comoexemplo desse tipo de ação, temos o compositor que escreve uma música ou o médicoque realiza uma cirurgia.

2Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844, em Röcken, localidade próxima à Leipzig, e morreu em Weimar, em 25 de agosto de 1900.

Foi um filósofo crítico do seu tempo, tido por alguns como autoritário e por outros como transformador. Sua obra vem ganhando importância nas últimasdécadas.  Assim Falou Zaratustra é um de seus trabalhos mais difundidos. As indicações de data e locais foram retiradas do site: <www.mundodosfilosofos.com.br/nietzsche.htm>, em 25 de agosto de 2008, por coincidência aniversário da morte do filósofo.

3 Immanuel Kant passou sua vida, trabalhou e produziu sua obra na cidade Koenigsberg, Alemanha. A segunda metade do século XVIII foi o período maissignificativo na produção desse filósofo, que tem como obra mais conhecida  A Crítica da Razão Pura. Informações disponíveis em: <www.mundodosfilosofos.com.br/kant.htm>. Acesso em: 25 ago. 2008.

4 Georg Lukács foi um filósofo húngaro, nascido em Budapeste no dia 13 de abril de 1885 e falecido na mesma cidade em 5 de junho de 1971. Teve umatrajetória intelectual muito intensa, iniciando seu trabalho a partir da obra de Kant e chegando, em sua última etapa, ao marxismo. História e Consciência deClasse, de 1923, é o trabalho que o coloca no campo da teoria mar xista, sendo um dos mais conhecidos no Brasil. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Luk%C3%A1cs>. Acesso em: 25 ago. 2008.

5 Georg Simmel, nascido em Berlim, viveu de 1.º de março de 1858 a 28 de setembro de 1918. Foi um dos fundadores da sociologia alemã e um pensadormuito eclético, abordando temas como dinheiro, moda, as grandes metrópoles etc. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Georg_Simmel>. Acesso em:25 ago. 2008.    S

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Um segundo tipo é a ação racional determinada por valores. Neste caso, o que de-termina o sentido da ação pensada e refletida racionalmente não é um determinadoobjetivo, mas sim um valor, que pode ser moral, político, dentre outros. Exemplificando,tomo o caso de um político que prefere perder uma eleição, seu objetivo, em nome daspropostas políticas que defende. No exemplo, o que conta para a ação não é o objetivoracionalmente definido, ganhar a disputa, mas manter-se fiel, também racionalmente,

a um determinado valor ou conjunto de valores.

Outro tipo é a ação afetiva que, como o próprio nome revela, é toda ação execu-tada de maneira irracional, ou seja, afetiva. Este tipo de ação tem como determinanteas emoções do indivíduo e não o cálculo frio e racional. No caso em que alguém deixede assinar um contrato, por exemplo, por estar de mau humor, pode-se dizer que essaação foi motivada pelo instinto, pela ausência da razão e pela prevalência da emoção.

Por fim, a ação tradicional  tem por motivação a predominância de valores incul-cados no indivíduo através da tradição. Com esse tipo de ação podemos compreender

melhor como em espaços dominados pela tradição, por exemplo, as religiões, o quemove as pessoas não é o cálculo nem o sentimento, mas um conjunto de normas pas-sado de um indivíduo para outro através da tradição, seja ela escrita, oral ou ritual.

Weber, além de criar esses conceitos para analisar a ação dos indivíduos, tambémpropõe outras formas de instrumentalizar o sociólogo para a análise e compreensãodas ações individuais.

O tipo ideal

O conceito de tipo ideal  criado por Weber articula-se ao papel dado por ele à ma-neira como o cientista deve proceder para realizar suas análises. No positivismo deDurkheim, em função da utilização de modelos das ciências naturais, o pesquisadorocupa muitas vezes o lugar de um mero fornecedor de informações. Os dados obje-tivos da realidade são coletados e inseridos em um questionário, por exemplo, e asrespostas quase que aparecem automaticamente. Max Weber se opõe a essa metodo-logia, propondo outro tipo de lugar para o sociólogo, a saber, o de realizar um intensoesforço mental para tirar conclusões a respeito das ações individuais. Para tanto, ele

necessita de instrumentos lógicos de análise e o tipo ideal  vem cumprir esse papel.

De forma resumida, podemos dizer que esse conceito é, antes de tudo, uma cons-trução mental, algo parecido com um modelo que deve auxiliar na compreensão dofenômeno estudado, não existindo de fato na realidade, mas apenas na cabeça do pes-quisador. Um exemplo utilizado pelo próprio Weber é a “ideia” de artesanato. A partirde um conjunto de observações a respeito desse fenômeno conhecido como artesa-nato, desenha-se um modelo que apresenta os elementos mais característicos desse

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fenômeno. Uma vez construído o modelo, pela observação do fato a partir de diferen-tes pontos de vista, a análise torna-se mais eficiente.

Vemos, ainda, outra marca da teoria weberiana que se expressa na crítica feita porWeber à tentativa de Marx de explicar o capitalismo apenas pela economia. SegundoWeber, os fenômenos sociais têm tal complexidade que não existe apenas uma explica-

ção para eles. O papel do cientista é produzir o maior número possível de abordagense somar a estas outras interpretações para compor um leque explicativo mais comple-to. No entanto, no campo das Ciências Sociais, a compreensão definitiva é apenas umamotivação para a continuidade do trabalho.

TEXTO COMPLEMENTAR

Opúsculos de Filosofia Social

(COMTE, 1978)

Entendo por Física Social  a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenô-menos sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos,

físicos, químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cujadescoberta é o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar  dire-tamente, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento daespécie humana, considerado em todas as suas partes essenciais; isto é, a descobrir oencadeamento necessário de transformações sucessivas pelo qual o gênero humano,partindo de um estado apenas superior ao das sociedades dos grandes macacos, foiconduzido gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na Europa civilizada. Oespírito dessa ciência consiste sobretudo em ver, no estudo aprofundado do passado,a verdadeira explicação do presente e a manifestação geral do futuro.

Considerando sempre os fatos sociais, não como objetos de admiração ou decrítica, mas como objetos de observação, ocupa-se ela unicamente em estabelecersuas relações mútuas e apreender a influência que cada um exerce sobre o conjuntode desenvolvimento humano. Em suas relações com a prática, afastando das diver-sas instituições qualquer ideia absoluta de bem ou de mal, encara-as como cons-tantemente relativas ao estado determinado da sociedade, e com ele variáveis, aomesmo tempo que as concebe como podendo se estabelecer espontaneamente

Selecionei aqui alguns trechos de obras dos principais autores que estiveram naorigem do surgimento da Sociologia. Começamos com Augusto Comte tratando dealguns temas gerais dessa ciência.

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pela única força dos antecedentes, independente de qualquer intervenção políticadireta. Reduzem-se, pois, suas pesquisas de aplicação a colocarem em evidência,segundo as leis naturais da civilização combinadas com a observação imediata, asdiversas tendências próprias de cada época.

Esses resultados gerais tornam-se, por sua vez, o ponto de partida positivo dostrabalhos do homem de Estado, que só tem, por assim dizer, como objetivo real,descobrir e instituir as formas práticas correspondentes a esses dados fundamen-tais, a fim de evitar, ou pelo menos mitigar, quanto possível, as crises mais ou menosgraves que um movimento espontâneo determina, quando não foi previsto. Numapalavra, nesta, como em qualquer outra ordem de fenômenos, a ciência conduz àprevidência, e a previdência permite regular a ação. (COMTE: sociologia, p. 53-54)

As regras do método sociológico

(DURKHEIM, 1987)

Pouco se preocuparam até hoje os sociólogos em caracterizar e definir ométodo que aplicam ao estudo dos fatos sociais. É assim que, em toda a obra deSpencer, o problema metodológico não ocupa nenhum lugar; pois a Introduction àla Science Sociale, cujo título podia dar essa ilusão, está consagrada à demonstraçãodas dificuldades e da possibilidade da sociologia, e não à exposição dos processosde que ela se deve servir. É verdade que Stuart Mill se ocupou com a questão demaneira assaz longa; mas não procurou senão passar no crivo de sua dialética o queComte dissera a respeito dessa ciência, sem nada acrescentar de verdadeiramentepessoal. Um capítulo do Cours de Philosophie Positive, eis o único, ou quase o único,

estudo original e importante que possuímos sobre a matéria.

Esta aparente despreocupação nada tem, todavia, que nos surpreenda. Comefeito, os grandes sociólogos cujos nomes acabamos de lembrar não saíram das ge-neralidades sobre a natureza das sociedades, sobre as relações entre o reino social eo reino biológico, sobre a marcha geral do progresso; a própria sociologia de Spen-cer, tão desenvolvida, não tem outro objetivo senão mostrar como a lei da evolução

Émile Durkheim, sociólogo responsável pela implantação da Sociologia comouma disciplina acadêmica no sistema educacional francês, apoiou-se muito sobreas ideias de Comte, dando a elas, contudo, um sentido mais prático. Temos, a seguir,alguns trechos de seu trabalho As Regras do Método Sociológico, publicado em Paris, noano de 1895. Esse livro se constituiu em uma referência para a Sociologia.

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universal se aplica às sociedades. Ora, para tratar dessas questões filosóficas nãosão necessários processos especiais e complexos. Era bastante então avaliar com-parativamente os méritos da dedução e da indução, fazendo um levantamento su-mário dos recursos mais gerais de que dispõe a investigação sociológica. Porém, asprecauções a tomar com a observação dos fatos, a maneira pela qual os principais

problemas devem ser colocados, o sentido em que se deve nortear as pesquisas, aspráticas especiais que soem lhes permitir chegar ao fim, as regras que devem presi-dir a administração das provas permaneciam indeterminadas.

Que é Fato Social? 

Antes de indagar qual o método que convém ao estudo dos fatos sociais, énecessário saber que fatos podem ser assim chamados.

A questão é tanto mais necessária quanto esta qualificação é utilizada sem

muita precisão. Empregam-na correntemente para designar quase todos os fenô-menos que se passam no interior da sociedade, por pouco que apresentem, alémde certa generalidade, algum interesse social. Cada indivíduo bebe, dorme, come,raciocina e a sociedade tem todo o interesse em que estas funções se exerçam demodo regular. Porém, se todos esses fatos fossem sociais, a Sociologia não teriaobjeto próprio e seu domínio se confundiria com o da Biologia e da Psicologia.

Na verdade, porém, há em toda sociedade um grupo determinado de fenô-menos com caracteres nítidos, que se distingue daqueles estudados pelas outras

ciências da natureza.

Quando desempenho meus deveres de irmão, de esposo ou de cidadão,quando me desincumbo de encargos que contraí, pratico deveres que estão defini-dos fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes. [...]

Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres muito es-peciais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo,dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem. Por conseguinte,não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, pois consistem em repre-sentações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, que não existem senão naconsciência individual e por meio dela. Constituem, pois, uma espécie nova e é a elesque deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. [...] Nossa definição compre-enderá, pois, todo o definido, se dissermos: É fato social toda maneira de agir fixa ounão, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, que é geral naextensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independentedas manifestações individuais que possa ter [...].

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O Manifesto do Partido Comunista

(MARX; ENGELS, 1983)

“Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potênciasda velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo: o papa e o czar, Met-ternich e Guizot, os radicais da França e os policiais da Alemanha.

Que partido de oposição não foi acusado de comunista por seus adversáriosno poder? Que partido de oposição, por sua vez, não lançou a seus adversários dedireita ou de esquerda a pecha de comunista?

Duas conclusões decorrem desses fatos:

o comunismo já é reconhecido como força por todas as potências da1.Europa;

é tempo de os comunistas exporem, à face do mundo inteiro, seu modo de2.ver, seus fins e suas tendências, opondo um manifesto do próprio partidoà lenda do espectro do comunismo.

Com este fim, reuniram-se, em Londres, comunistas de várias nacionalidadese redigiram o manifesto seguinte, que será publicado em inglês, francês, alemão,italiano, flamengo e dinamarquês.

I – Burgueses e proletários 1

Até hoje, a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias [...] temsido a história das lutas de classes.

1 Na edição inglesa de 1888, F. Engels escreve a seguinte nota, reproduzida aqui: “Por burguesia compreende-se a classe dos capitalistas modernos, pro-prietários dos meios de produção social, que empregam o trabalho assalariado. Por proletários compreende-se a classe dos trabalhadores assalariadosmodernos que, privados de meios de produção próprios, se veem obrigados a vender sua força de trabalho para poder existir. “

Afastar todas as pré-noções...

Karl Marx, pensador que influenciou na construção de várias áreas do conheci-mento humano, desde a Filosofia, passando por Economia, Psicologia, Teoria Literária,Crítica de Arte, Ciência Política e, também, a Sociologia, é o autor que exporemos aseguir, com algumas passagens de um dos seus textos mais conhecidos, O Manifesto

do Partido Comunista. Ele foi escrito por Marx e Engels entre dezembro de 1847 e janei-ro de 1848 e publicado pela primeira vez em Londres, em fevereiro de 1848, como umaespécie de panfleto ou manifesto, para os operários, com uma síntese das propostasdos comunistas da época.

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Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporaçãoe companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têmvivido uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminousempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela des-truição das suas classes em luta.

Nas primeiras épocas históricas, verificamos, quase por toda parte, uma com-pleta divisão da sociedade em classes distintas, uma escala graduada de condiçõessociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; naIdade Média, senhores, vassalos, mestres, companheiros, servos; e, em cada umadessas classes, gradações especiais.

A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal,não aboliu os antagonismos de classes. Não fez senão substituir novas classes, novascondições de opressão, novas formas de luta às que existiram no passado.

Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simpli-ficado os antagonismos de classes. A sociedade divide-se cada vez mais em doisvastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a bur-guesia e o proletariado.

Dos servos da Idade Média nasceram os burgueses livres das primeiras cidades;dessa população municipal, saíram os primeiros elementos da burguesia.

A descoberta da América, a circunavegação da África ofereceram à burguesia

em ascensão um novo campo de ação. Os mercados da Índia e da China, a coloniza-ção da América, o comércio colonial, o incremento dos meios de troca e, em geral,das mercadorias imprimiram um impulso, desconhecido até então, ao comércio, àindústria, à navegação, e, por conseguinte, desenvolveram rapidamente o elementorevolucionário da sociedade feudal em decomposição.

A antiga organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita às corpora-ções fechadas, já não podia satisfazer às necessidades que cresciam com a abertura denovos mercados. A manufatura a substituiu. A pequena burguesia industrial suplantou

os mestres das corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desa-pareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina.

Todavia, os mercados ampliavam-se cada vez mais; a procura de mercadorias au-mentava sempre. A própria manufatura tornou-se insuficiente; e então o vapor e a ma-quinaria revolucionaram a produção industrial. A grande indústria moderna suplantou amanufatura; a média burguesia manufatureira cedeu lugar aos milionários da indústria,aos chefes de verdadeiros exércitos industriais, aos burgueses modernos. [...]

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As armas que a burguesia utilizou para abater o feudalismo voltam-se hoje contraa burguesia.

A burguesia, porém, não forjou somente as armas que lhe darão morte; pro-duziu também os homens que manejarão essas armas – os operários modernos, osproletários.

Com o desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital, desenvolve-se tambémo proletariado, a classe dos operários modernos que só podem viver se encontraremtrabalho, e que só encontram trabalho na medida em que este aumenta o capital.Esses operários, constrangidos a vender-se diariamente, são mercadoria, artigo decomércio como qualquer outro; em consequência, estão sujeitos a todas as vicissi-tudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado.

O crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho, despojando o tra-

balho do operário de seu caráter autônomo, tiraram-lhe todo atrativo. O produtorpassa a um simples apêndice da máquina e só se requer dele a operação mais sim-ples, mais monótona, mais fácil de aprender. Desse modo o custo do operário se reduz,quase exclusivamente aos meios de manutenção que lhe são necessários para vivere perpetuar sua existência. Ora, o preço do trabalho, [...] como de toda mercadoria, éigual ao custo de sua produção. Portanto, à medida que aumenta o caráter enfadonhodo trabalho, decrescem os salários. Mais ainda, a quantidade de trabalho cresce com odesenvolvimento do maquinismo e da divisão do trabalho, quer pelo prolongamentodas horas de labor, quer pelo aumento do trabalho exigido em um tempo determina-do, pela aceleração do movimento das máquinas etc.

A indústria moderna transformou a pequena oficina do antigo mestre da cor-poração patriarcal na grande fábrica do industrial capitalista. Massas de operários,amontoados na fábrica, são organizados militarmente. Como soldados da indústria,estão sob a vigilância de uma hierarquia completa de oficiais e suboficiais. Não sãosomente escravos da classe burguesa, do Estado burguês, mas também diariamen-te, a cada hora, escravos da máquina, do contramestre e, sobretudo, do dono dafábrica. E esse despotismo é tanto mais mesquinho, odioso e exasperador quantomaior é a franqueza com que proclama ter no lucro seu objetivo exclusivo.

Quanto menos o trabalho exige habilidade e força, isto é, quanto mais a indús-tria moderna progride, tanto mais o trabalho dos homens é suplantado pelo dasmulheres e crianças. As diferenças de idade e de sexo não têm mais importânciasocial para a classe operária. Não há senão instrumentos de trabalho, cujo preçovaria segundo a idade e o sexo.

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A “objetividade” do conhecimento nas Ciências Sociais

(WEBER, 1989)

Na medida em que a nossa ciência, pela regressão causal, atribui causas individu-ais – de caráter econômico ou não – a fenômenos culturais econômicos, ela busca umconhecimento “histórico”. Na medida em que persegue um elemento específico dos

fenômenos culturais – neste caso o elemento econômico – através dos mais variadoscomplexos culturais, no intuito de discernir o seu significado cultural, ele busca umainterpretação histórica sob um ponto de vista específico. Oferece assim uma imagemparcial, um trabalho preliminar , para o conhecimento histórico da cultura. [...]

O domínio do trabalho científico não tem por base as conexões “objetivas” entreas “coisas”, mas as conexões conceituais entre os  problemas. Só quando se estudaum novo problema com auxílio de um método novo e se descobrem verdades queabrem novas e importantes perspectivas é que nasce uma nova “ciência”. [...]

Atualmente, a chamada “concepção materialista da História”, segundo, porexemplo, o antigo sentido genial-primitivo do Manifesto Comunista, talvez apenassubsista nas mentes de leigos ou diletantes. Entre estes, com efeito, encontra-seainda muito difundido o singular fenômeno de que a sua necessidade de explicaçãocausal de um fenômeno histórico não fica satisfeita, enquanto não se demonstre(mesmo que só na aparência) a intervenção de causas econômicas. [...]

A “objetividade” do conhecimento no campo das ciências sociais dependeantes do fato de o empiricamente dado estar constantemente orientado por ideias

de valor que são as únicas a conferir-lhe valor  de conhecimento, e ainda que a sig-nificação desta objetividade apenas se compreenda a partir de tais ideias de valor,não se trata de converter isso em pedestal de uma prova empiricamente impossívelda sua validade. E a crença – que todos nós alimentamos sob uma forma ou outra– na validade supraempírica de ideias de valor últimas e supremas, em que funda-mentamos o sentido da nossa existência, não exclui, antes pelo contrário inclui, avariabilidade incessante dos pontos de vista concretos a partir dos quais a realidade

Por último, mas não menos importante, temos trechos de um trabalho de MaxWeber intitulado  A “objetividade” do conhecimento nas Ciências Sociais, que, pelo fatode ser posterior aos trabalhos aqui apresentados de Durkheim e Marx, estabelece umdiálogo com esses autores do ponto de vista metodológico. Por outro lado, esse traba-lho também é útil para percebermos como Weber trata de maneira particular o temada metodologia nas Ciências Sociais e, dentro delas, da Sociologia.

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empírica adquire significado. A realidade irracional da vida e o seu conteúdo de sig-nificações possíveis são inesgotáveis, e também a configuração concreta das relaçõesvalorativas mantém-se flutuante, submetida às variações do obscuro futuro da cul-tura humana. A luz propagada por essas ideias de valor supremas ilumina, de cadavez, uma parte finita e continuamente modificada do caótico curso de eventos que

flui através do tempo.

É preciso não darmos a tudo isso uma falsa interpretação no sentido de consi-derarmos que a autêntica tarefa das Ciências Sociais consiste numa perpétua caçaa novos pontos de vista e construções conceituais. Pelo contrário, convém insistirmais do que nunca sobre o seguinte: servir o conhecimento da significação culturalde complexos históricos e concretos constitui o único fim último e exclusivo ao qual, juntamente com outros meios, está também dedicado o trabalho da construção ecrítica de conceitos.

ATIVIDADES

Por que a Sociologia surge no século XIX?1.

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Por que o teocentrismo foi uma barreira para o desenvolvimento das ciências?2.

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Quais são os principais elementos constitutivos da teoria marxista?3.

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As grandes cidades industriais

inglesas do século XIX e acrítica de Friedrich Engels

Nesta aula trabalharemos com um autor significativo das ciências humanas, cha-mado Friedrich Engels, ou simplesmente, Engels. Ele foi parceiro de Karl Marx, este sim,

muito mais conhecido e lido do que o primeiro. Para equilibrarmos um pouco as coisas,vamos trabalhar com o livro de Engels  A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra(1985), mais especificamente com o capítulo “As grandes cidades”.

Esse trabalho, no seu conjunto, lançou as bases para a elaboração de várias ideiasque Marx e Engels desenvolverão posteriormente. Serviu, também, para aproximaresses militantes que identificaram um conjunto de semelhanças na sua maneira depensar a realidade na qual viviam e se esforçavam para transformar.

Como o próprio título do livro diz, o texto discute a situação da classe trabalhado-

ra inglesa na primeira metade do século XIX. O autor tratou das condições de trabalhodos operários, dos salários, das diferentes divisões da classe, por exemplo, trabalhado-res agrícolas, das minas, das fábricas, dentre outros. Além disso, inaugurou um conjun-to de pesadas críticas ao capitalismo, denunciando a maneira como a burguesia orga-nizava a exploração da classe operária, orquestrando diferentes artifícios para extrairo máximo do trabalho e dos ganhos dos trabalhadores. Neste último caso, cobrandoaluguéis de espaços que não poderiam ser chamados de moradia. É, justamente, nocapítulo tomado para esta aula que o autor trabalha com as grandes cidades industriaisinglesas. Encontravam-se, ali, os elementos constituintes da formação das cidades e de

suas principais características porque o capitalismo lançava suas bases e se consolidavanaquele período e era por esse motivo que ficava mais visível o conjunto de parâmetrosque dão os contornos para as cidades, inclusive nesses dias do século XXI.

Poderíamos pensar que se trata de saudosismo estudarmos um texto dos anosquarenta, do século XIX. Contudo, a atualidade desse trabalho se mostrará sem esforçoà medida que formos apresentando e discutindo as ideias de Engels.

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O contexto da épocaÉ importante que nos situemos em relação ao período analisado por Engels. Fare-

mos um recuo de um pouco mais de 160 anos para chegarmos à Inglaterra do séculoXIX. E, lá chegando, encontramos um mundo que é ao mesmo tempo conhecido e dis-

tante. O que o torna conhecido é nossa “memória” que se constitui a partir de leituras,fotos, pinturas, e outras formas de construção de uma representação do capitalismodo século XIX.

No caso inglês, local de origem dessa forma de organização social, as grandes ci-dades já vinham sofrendo um adensamento populacional relativamente intenso desdeo século XVIII. A Revolução Industrial ainda produzia efeitos como um remédio que vaiproduzindo alterações em nosso corpo, mesmo depois de passado muito tempo de suaingestão. Cidades como Manchester e Londres vão conhecer e expressar a maneira ca-pitalista de construção das cidades. Centenas de milhares de pessoas saíram do campo

rumo aos centros urbanos para trabalhar nas fábricas. Essa migração deu-se, em certamedida, espontaneamente, porque as cidades sempre exerceram um fascínio sobre aimaginação das pessoas, atraindo-as como as mariposas são atraídas pela luz das lâm-padas. Por outro lado, na Inglaterra, houve um conjunto de pressões, leis e ações do go-verno que expulsaram do campo uma multidão de agricultores. Isso aconteceu porquea base da industrialização inglesa era constituída pelas fábricas de tecidos, que precisamda lã para produzir a famosa casimira britânica. Houve, assim, uma ação levada adiantepelo governo e pelos industriais da época no sentido de expulsar os camponeses de suasterras, cercá-las e criar ovelhas porque era o que dava lucro naquele momento.

Para nós interessa perceber que os indivíduos que foram expulsos de suas terrasnão tinham nada a fazer, além de procurar um lugar para trabalhar nas cidades, nasfábricas têxteis, como mão-de-obra barata, uma vez que havia excesso de operários.Esse movimento desordenado marcou o perfil dos espaços urbanos. Como exemplo,encontramos em um primeiro momento dessa urbanização os trabalhadores habi-tando bairros próximos das fábricas, que ficavam no chamado centro da cidade. Osdonos das fábricas habitavam a periferia, lugares mais calmos, arborizados, limpos etc.Depois, essa realidade se alterou com o deslocamento dos bairros operários para aborda das cidades, junto com as fábricas, na maioria das vezes. Em função disso, temosa modelagem do espaço urbano com profundas alterações. Em um determinado pe-ríodo o centro das cidades foi valorizado, em outros foi a periferia. Até hoje, vemosmovimentos semelhantes aos descritos acima.

Vamos continuar nossa viagem através da memória e associá-la aquilo que vemosao nosso redor. O que é essencial em uma cidade, pelo menos do ponto de vista ma-terial? O que compõe, portanto, uma cidade digna desse nome? Vamos buscar as res-postas para esta pergunta.

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As alterações do espaço, os deslocamentos, a cultura

Um dos primeiros aspectos que devem ser marcados quando pensamos em umespaço urbano é a existência de construções, espaços de moradia, de poder, de socia-bilidade. Como é habitual dizer, a cidade é um espaço que o homem interferiu, alterou,

modelou. Essa alteração produzida por nós atinge diferentes dimensões. Uma delas,além das construções, é relativa aos meios de transporte, ou seja, toda cidade precisater meios para que seus habitantes se desloquem de um lugar para outro. Desde osdeslocamentos a pé até aqueles feitos por carroças, carros, ônibus, a cidade tem queprover os caminhos para os deslocamentos, através de ruas e calçadas, por exemplo.Ainda encontramos em muitas cidades, em pleno século XXI, a carroça utilizada comomeio de transporte. No século XIX, os diferentes tipos de carros puxados por animaispredominavam nas cidades para transportar pessoas e cargas. É nesse quadro queEngels traça suas análises.

Outro aspecto importante na conformação das cidades é o comércio que animaos espaços urbanos. Quando pensamos em lojas que nos oferecem para a compra umainfinidade de produtos, estamos diante de uma herança daquele período. Precisandoum pouco mais essa ideia, podemos dizer que se o comércio surge muitos séculosantes do XIX, é nele que se intensifica de uma forma nunca antes vista. Nessas áreas ur-banas temos uma agitação mais intensa do que naquelas destinadas à moradia. Alémdisso, como as cidades não produzem alimentos, os espaços comerciais que as abaste-cem são locais muito importantes. Basta lembrarmos as feiras livres, os mercados e osarmazéns para visualizarmos um pedaço daquele século.

A maneira como a cidade é construída influencia também as relações sociais entreos seus habitantes e a cultura que se desenvolve no meio urbano. Uma cidade commuitos parques e praças pode incentivar as atividades físicas e de lazer das pessoas. Aexistência de muitas casas de espetáculos, e de restaurantes, provavelmente vai inten-sificar a sua vida noturna. Por outro lado, as universidades, os centros de pesquisa, asescolas intermediárias podem se constituir em atrativo como também transformar acidade em produtora de conhecimento. Enfim, certas características das cidades, quesobrevivem à passagem do tempo, vão nos dizer muito sobre como é viver nesses es-paços urbanos à medida que alteram o comportamento e as expectativas dos mora-

dores da cidade.

Um pouco da biografia do autorAntes de passarmos para o texto, vamos apresentar melhor este autor. Friedrich Engels

nasceu em 28 de novembro de 1820 em Barmen, atualmente a cidade de Wuppertal, na

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Alemanha. Filho de um rico industrial do ramo têxtil foi enviado pelo pai para o centrodo capitalismo naquela época, Manchester, para trabalhar com um sócio do Sr. Engels.Ele pretendia transformar o filho em seu sucessor no comando das empresas, comoé de se esperar de um pai. Além disso, o jovem Engels já manifestava algumas ideiascríticas em relação ao capitalismo nascente. Com o passar do tempo, o pai de Engelspercebeu que seus esforços para transformar o filho em capitalista não deram certo.

Com apenas 22 anos o herdeiro da família Engels viajou para o centro do capitalismodaquela época, a Inglaterra, visitando suas principais cidades. E, ao invés de aprendera administrar empresas ele constata como o capitalismo se desenvolvia e alterava amaneira dos indivíduos se relacionarem. Em relação às cidades, o candidato a revolu-cionário observa que elas se transformavam em algo maravilhoso e assustador.

Foi nesse momento que Engels trava contato com Karl Marx, um dos principais,senão o principal, crítico do capitalismo. Esses dois militantes do socialismo, a partirdesse momento vão estreitar seus laços políticos e de amizade, construindo uma obrasignificativa de crítica ao capitalismo. De fato, o pai de Engels não esperava por essesresultados quando envia o filho para a Inglaterra.

Sobre o texto de EngelsPor uma série de motivos o livro de Engels  A Situação da Classe Trabalhadora na

Inglaterra constitui-se em obra fundamental. Escrito por um autor com uma capacida-de de síntese muito apurada, ele traça o primeiro contorno da classe trabalhadora no

capitalismo inglês do século XIX. Resultado da viagem do autor para a Inglaterra em1842, o livro é publicado em 1845, na cidade de Leipzig, inaugurando a crítica do capi-talismo na vertente marxista.

A forma de escrever adotada por esse autor transforma o texto em algo fluente deser lido, embora o tema central, a miséria humana, esteja distante de ser consideradoagradável. O conteúdo do trabalho apresenta inovações que também merecem nossaatenção. Quais são elas? Refiro-me ao amplo uso na construção daquele livro de fontesestatísticas, entrevistas, depoimentos em inquéritos policiais etc. que mostram o cami-nho dos futuros trabalhos no campo das ciências sociais. Além disso, ele visita os locais

sob análise, o que permite um relato mais intenso e cheio de vida. Engels nos mostrade forma ricamente alimentada pelos dados como vivia a classe trabalhadora inglesa,como morava, quais os mecanismos de exploração, ou seja, ele consegue articular afrieza dos dados estatísticos com o dia-a-dia das pessoas.

Para nós pode parecer banal ou óbvio que fundamentemos as informações cien-tíficas em “provas” que são oferecidas ao pesquisador através dos dados contidos, por

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exemplo, em um censo demográfico. Nunca é demais lembrar, contudo, que na épocada edição daquele trabalho isso era pouco usual, para dizer o mínimo. Vale frisar, ainda,que a Inglaterra possuía essas informações estatísticas organizadas e disponíveis, oque facilitava o trabalho do pesquisador.

“As grandes cidades”Este foi o título que o autor deu para a parte de seu trabalho que analisa as gran-

des cidades inglesas. Focarei a atenção para este capítulo do livro que é, naquilo quenos diz respeito, sua parte essencial. O início do texto de Engels já se mostra uma pre-ciosidade. O autor nos transporta para a Londres de meados do século XIX. Chega a seremocionante.

Uma cidade como Londres, onde podemos andar horas sem sequer chegar ao princípio do fim, sem

descobrir o menor indício que assinale a proximidade do campo, é realmente um caso singular.Esta enorme centralização, este amontoado de 3,5 milhões de seres humanos num único  lugar,centuplicou o poder destes 3,5 milhões de homens. Ela elevou Londres à condição de capital comercialdo mundo, criou docas gigantescas e reuniu milhares de navios, que cobre continuamente o Tâmisa.(ENGELS, 1985, p. 35)

Essa metrópole de mais de três milhões de indivíduos não é uma descrição doséculo passado, mas de quase dois séculos atrás. É curioso notar como Engels identificanessa concentração de pessoas uma concentração de poder. O fato de aqueles indi-víduos viverem simultaneamente naquele lugar mobiliza um conjunto de forças quemultiplica o poder da cidade diante das outras aglomerações humanas.

Não conheço nada mais imponente que o espetáculo oferecido pelo Tâmisa, quando subimos o riodesde o mar até a ponte de Londres. A massa de casas, os estaleiros navais de cada lado, sobretudoacima de Woolwich, os numerosos navios dispostos ao longo das duas margens, apertando-se cadavez mais uns contra os outros, a ponto de, por fim, deixarem somente um estreito canal no meiodo rio, sobre o qual se cruzam, a toda a velocidade, uma centena de barcos a vapor – tudo isto étão grandioso, tão enorme, que nos sentimos atordoados e ficamos estupefatos com a grandeza daInglaterra antes mesmo de pôr os pés em terra. Quanto aos sacrifícios que tudo isto custou, só osdescobrimos mais tarde. (ENGELS, 1985)

Depois de colocar os pés em terra, nosso autor descobre o preço de todo essepoder e essa riqueza materializada na maior cidade europeia daquele século. Inicial-

mente, Engels percebe as transformações ocorridas com os indivíduos que circulampelas ruas.

Depois de pisarmos, durante alguns dias, as pedras das ruas principais, de a custo termos abertopassagem através da multidão, das filas sem fim de carros e carroças, depois de termos visitado os“bairros de má reputação” desta metrópole, só então começamos a notar que estes londrinos tiveramque sacrificar a melhor parte da sua condição de homens para realizar todos estes milagres dacivilização de que a cidade é fecunda, que mil forças que neles dormiam ficaram inativas e foram

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neutralizadas para que só algumas pudessem se desenvolver mais e fossem multiplicadas pela uniãocom outras. Até a própria multidão das ruas tem, por si só, qualquer de repugnante, que revolta anatureza humana. Estas centenas de milhar de pessoas, de todos dos estados e todas as classes, quese apressam e se empurram, não serão todas seres humanos possuindo as mesmas qualidades ecapacidades e o mesmo interesse na procura da felicidade? E não deverão, enfim, procurar a felicidadecom os mesmos métodos e processos? E, contudo, estas pessoas cruzam-se apressadas como se nadativessem em comum, nada a realizar juntas, e a única convenção que existe entre elas é o acordo tácitopelo qual cada um ocupa a sua direita no passeio, a fim de que as duas correntes da multidão que se

cruzam não se constituam mutuamente obstáculo; e, contudo, não vem ao espírito de ninguém aideia de conceder a outro um olhar sequer. (ENGELS, 1985, p. 35-36)

O processo de desumanização referido pelo autor é identificado de maneira ine-quívoca quando ele lança mão de uma notícia do Times, de 17 de novembro de 1843,para informar sobre as condições de vida de alguns operários.

Por ocasião de uma inspeção mortuária realizada pelo Sr. Carter, coroner do Surrey, no corpo de AnnGalway, de 45 anos de idade, em 14 de novembro de 1843, os jornais descreveram a casa da defuntanestes termos: habitava no n. 3, White Lion Court, Bermondsey Street, Londres, com o marido e o filhode 19 anos, em um pequeno quarto onde não havia nem cama, nem lençóis, nem o menor móvel.Jazia morta ao lado do filho sobre um monte de penas, espalhadas sobre o corpo quase nu, porque

não havia nem cobertores nem lençóis. As penas estavam de tal maneira coladas ao seu corpo queo médico nem pôde observar o cadáver antes deste ter sido limpo; encontrou-o então totalmentedescarnado e roído pelos vermes. Parte do soalho da sala estava escavado e esse buraco servia desanitário à família. (ENGELS, 1985, p. 41)

Este relato, que foi publicado pelo jornal inglês, ilustra de maneira inequívoca a si-tuação de pobreza absoluta da maioria dos operários da época. Há outra narrativa quepodemos agregar a esta para formarmos uma imagem mais precisa e vem de outro tipode fonte. Trata-se do relato de um pregador religioso em uma região de Londres domina-da por bairros operários. O nome da paróquia do Sr. M. G. Alston é Bethnal Green.

Ela possui 1 400 casas habitadas por 2 795 famílias, ou seja, cerca de 12 000 pessoas. O espaço em quehabita esta população não chega a 400 jardas quadradas, e num tal amontoado não é raro encontrarum homem, a sua mulher, quatro ou cinco filhos e também por vezes o avô e a avó num só quarto de10 ou 12 pés quadrados1 é minha [sic], onde trabalham, comem e dormem. Creio que antes do bispode Londres ter chamado a atenção do público para esta paróquia tão miserável ela era tão poucoconhecida na extremidade oeste da cidade como os selvagens da Austrália ou das ilhas do Pacífico.E, se quisermos conhecer pessoalmente os sofrimentos destes infelizes, se os observarmos a comer asua magra refeição e os virmos curvados pela doença e pelo desemprego, descobrimos uma tal somade angústia e de miséria que uma nação como a nossa deveria envergonhar-se de sua existência. Fuipastor perto de Huddersfield durante três anos de crise, no pior momento de marasmo das fábricas,mas nunca vi os pobres numa miséria tão profunda como depois, em Bethnal Green. Não há umúnico pai de família em cada 10, em toda a vizinhança, que tenha outras roupas além de sua roupa detrabalho, e esta rota e esfarrapada; muitos só têm, à noite, como cobertas, estes farrapos e, por cama,

um saco cheio de palha e serragem. (ENGELS, 1985, p. 41)

Diante desse quadro resta muito pouco a dizer do ponto de vista humanitário.Farei, contudo, um esforço para descrever como se construiu essa realidade perversa ealguns de seus aspectos mais visíveis. Seguirei os passos Friedrich Engels para analisaros eventos aqui narrados.

1Cerca de 3 a 3,5 metros quadrados.    S

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Comentários sobre o textoAos nossos olhos do século XXI pode parecer um tanto carregado nas tintas o

cenário pintado pelo texto. Torna-se importante destacar que este quadro de misérianão é resultado de nenhum tipo de ficção ou de “efeitos especiais” para usar uma lin-

guagem atual. Trata-se de uma descrição das mais fidedignas da realidade, aquilo queacabamos de ler. Mas, como é possível construir tal situação?

Inicio estes comentários destacando o processo de pauperização da classe operá-ria através do desemprego cíclico. Como funciona esse processo? Vislumbremos a cenana qual um número significativo de operários mantém suas contas em dia consumindoseu salário com isto. No século XIX eram comuns as crises do capitalismo por exces-so de produção e queda de consumo. Produzia-se muito e vendia-se pouco, tendocomo resultado a crise e o fechamento das fábricas. Isso produzia o desemprego e oendividamento dos trabalhadores que permaneciam desempregados por meses a fio.

Comprava-se comida e mais nada. Quando o crédito acabava aqueles trabalhadoresiniciavam seu percurso em direção à miséria absoluta. Vendiam as roupas e usavam osmóveis como lenha. Aglomeravam-se em pequenos cubículos para gastarem menoscom aluguel. Finalmente, chegavam às situações descritas anteriormente. Os maisfortes sobreviviam até o final da crise, recuperando empregos e retomando uma vida“normal” de operários. Os mais frágeis morriam de fome e de doenças, com uma ali-mentando a outra.

As situações descritas constituíam a fase aguda da exploração dos trabalhadores.

No cotidiano, uma série de mecanismos impedia a estabilização econômica da maioriada classe operária. O salário era constantemente rebaixado – ou mantido em níveisbaixos – em função da fragilidade na qual se encontravam os sindicatos dos trabalha-dores e da concorrência entre os próprios operários. Como havia uma grande ofertade mão-de-obra o valor dos salários restringia-se ao suficiente para a sobrevivência doindivíduo. A ideia de poupança para dias difíceis era de fato impossível.

Outra forma de entender como os trabalhadores tinham condições tão ruins dehabitação é perceber, junto com Engels, que em função das leis britânicas da época, ocontrato de locação é feito “por 20, 30, 40, 50 ou 90 anos, após o que este retorna, com

tudo o que aí se encontra, à posse do seu primeiro proprietário, sem que este tenha depagar, seja o que for, como indenização pelas instalações que aí foram feitas. O locatá-rio do terreno calcula o preço dessas instalações de forma a que tenham o menor valorpossível quando o contrato expirar” (ENGELS, 1985, p. 70-71). Some-se a isso que nosmomentos de crise o operário “retira” o que pode dela, deixando o “esqueleto” apenas.Assim, quando as casas de operários são construídas às dezenas o cálculo do constru-tor prioriza o menor custo da obra, sinônimo de péssima qualidade. As casas vão sedeteriorando sem receber nenhum tipo de manutenção e ao fim restam espaços que

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não podem ser chamados de habitações. Contudo, como diz Engels, sempre existealguém disposto a pagar alguma coisa de aluguel por quatro paredes sem portas e janelas porque não tem dinheiro para pagar algo melhor.

Em relação ao transporte dos trabalhadores o dinheiro do salário não se mostravasuficiente para pagá-lo. A saída, portanto, é morar próximo o suficiente do trabalho para

dirigir-se a este caminhando. Como consequência dessa estratégia de sobrevivência asvilas operárias acabaram por surgir ao redor das fábricas, sem qualquer planejamento,condições de higiene ou de salubridade. Some-se este aspecto aos demais aqui anota-dos e podemos vislumbrar como as condições de vida de boa parte da classe operária– nos momentos de crise – eram, na maioria das vezes, sub-humanas.

Nada escapava ao esforço das classes proprietárias de ganhar dinheiro, segundonos informa Engels. O pagamento dos salários dos operários era feito semanalmentenos sábados à tarde. Este detalhe aparentemente trivial carregava um objetivo dis-simulado de permitir que as classes médias fizessem suas compras nos mercados e

feiras no período da manhã, consumindo o que havia de melhor. Ao final da tardeapenas os restos serviam a classe operária que pagava o mesmo preço pelos produ-tos comprados.

No interior desse quadro a imagem pintada por Engels sobre as grandes cidades in-glesas não é das mais alegres. Contudo, uma vez que esse autor apoia seu texto sobre asinformações produzidas pelos próprios ingleses não podemos imputar a ele a responsa-bilidade pelos tons carregados do livro. Muito pelo contrário, esse autor contribuiu comseus escritos para alertar outros lugares da Europa sobre o conjunto de problemas queadvinha do processo de crescimento exagerado das cidades no século XIX.

Reforçando algumas ideiasNão devemos nos despedir desse texto de Friedrich Engels sem destacar alguns

aspectos que se constituem em elementos centrais no interior desse trabalho. O fatode ser um dos primeiros trabalhos escritos no século XIX sobre as cidades já se cons-titui em fator de destaque. Mas, para além desse aspecto, o texto muito bem elabo-

rado por um jovem de vinte e poucos anos funda a corrente analítica marxista nointerior da sociologia urbana, ou seja, o jovem Engels cria as bases de análise sobrea cidade que marcam a teoria marxista daquela época até nossos dias. Embora as“profecias” de Engels sobre as revoltas que deveriam surgir em função dessa misériageneralizada pela classe operária não tenham ocorrido, muito menos a instalaçãodo socialismo, o que garante a longevidade dessa obra é o fato do autor inauguraruma metodologia para se estudar um determinado tema. Engels, portanto, define

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um tipo de modelo para a análise sociológica em geral e a sociologia urbana em par-ticular. Tanto do ponto de vista teórico quanto metodológico, as contribuições desseautor foram muito significativas.

A utilização de dados estatísticos, diferentes fontes de pesquisa como jornais,revistas, plantas e mapas, além de realizar visitas in loco, dão tamanha densidade

para os fatos ali narrados que, mesmo depois de passados tantos anos, se fecharmosnossos olhos depois de lermos o trabalho, as imagens daquelas grandes cidades comseus “bairros de má reputação” – os bairros operários – quase que se materializam aonosso redor.

TEXTO COMPLEMENTAR

A contribuição dos textos juvenis

de Engels à crítica da economia política

(CASTELO BRANCO, 2008)

Introdução

Na história do marxismo existem inúmeras discussões sobre este ou aqueletema. O papel da obra de Engels é um dos nós centrais dos debates socialistas, e nãopodemos deixar de registrar algumas palavras a este respeito, dado que estamoscelebrando, no ano presente, uma data especial – os 110 anos da morte do grandeepígono do marxismo.

Certa vez Engels escreveu sobre o seu papel na formulação das teses do so-cialismo científico. Enquanto Marx foi vivo, colocou-se como um “segundo violino”,com o velho Mouro ocupando a regência da orquestra. Após a morte do regente,dizia que seu nome estava sendo superestimado pelos companheiros socialistas.Pura modéstia.

Engels foi um pensador original, e não apenas um amigo e colaborador de Marx.Ele teve, até 1844, um desenvolvimento intelectual e político autônomo e chegouao comunismo, ao materialismo e à crítica da economia política antes de Marx, fatonegligenciado pela maioria dos marxistas. “Frequentemente, a sua obra aparece co-locada como mero adendo à portentosa arquitetura marxiana; frequentemente, se

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deixa na sombra a sua influência sobre Marx; frequentemente se menospreza a suacontribuição pessoal ao que hoje conhecemos como teoria marxista”2.

A presente comunicação tem como objeto central, as duas principais obras es-critas na juventude de Engels, Esboço de uma Crítica da Economia Política (1844) e A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra  (1845), e, como objetivo principal,a demonstração da importância que tais textos exerceram na crítica da economiapolítica dos quatro livros de O Capital .

I. O genial esboço

Preocupado com as preferências do seu filho pelas artes e, pior, pela agitação po-lítica, o que poderia desviá-lo dos negócios familiares, o velho Friedrich obrigou Engelsa abandonar os estudos do liceu para aprender, na forma de estágio, as artimanhasdo comércio. Para isto, enviou-o, primeiro, ao porto alemão de Bremen, depois para

Manchester, o epicentro da Revolução Industrial. Como ironia da história, o feitiçovirou contra o feiticeiro. Por força da decisão paterna, Engels acabou nos braços dooperariado, e, consequentemente, do comunismo.

Da literatura, passando pela filosofia, Engels, rapidamente, migrou do terreno daerudição e da metafísica para o real, o mundano e o profano. O desenvolvimento eco-nômico avançado e a primazia política internacional tornaram o Império Britânico umponto de observação privilegiado ao estudioso interessado em entender os impactossociais da Revolução Industrial. A Inglaterra, assim, foi o laboratório de Engels nos seus

estudos da classe trabalhadora no surgimento da grande indústria.

[...]

Preocupado com as profundas alterações sociais que ocorriam a sua volta,Engels percebeu a necessidade de estudar a economia para entendê-las, e, se possí-vel, alterá-las a partir de uma intervenção direta, ou seja, a partir da luta de classes.

[...]

II. A situação da classe trabalhadora

No parágrafo final do Esboço, Engels deixa em aberto um tema de suma impor-tância para o entendimento das relações sociais do modo de produção capitalista: osistema fabril. Consciente desta lacuna, o autor alemão vai, no ano seguinte, reunir suas

2José Paulo Netto, F. Engels: subsídios para uma aproximação, p. 27, grifos originais. In: Friedrich Engels: política. José Paulo Netto (org.). São Paulo:

Ática, 1981.    S   o   c    i   o    l   o   g    i   a    U   r    b   a   n   a

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anotações sobre industrialização e miséria tomadas durante sua permanência em Man-chester, e dar uma redação final ao extenso material, para publicá-lo na forma de livro.

Desde sua chegada na Inglaterra, em 1842, Engels escrevia trabalhos a res-peito da situação de miséria e opressão vivida pela população rural arrancada dassuas raízes, e agora jogada nas periferias fétidas e insalubres das grandes cidadesindustriais. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, de 1845, é uma espéciede síntese final dos seus estudos juvenis sobre os impactos sociais do capitalistamosobre a classe trabalhadora.

Nessa obra, Engels utiliza-se do conhecimento teórico adquirido com as pes-quisas realizadas para o Esboço, e aplica-o a uma “análise concreta de situação con-creta”. Temas como riqueza, pauperismo, crises e desemprego, descritos no artigo de1844, são retomados sob um novo enfoque, sob cores e tons mais realistas, descre-vendo, com detalhes, o funcionamento real da economia capitalista. Do concreto ao

abstrato, do abstrato ao concreto pensado: este foi o percurso teórico, com base nadialética hegeliana, navegado por Engels nos seus estudos da economia política. Oporto final era o conhecimento da realidade de como vivem os trabalhadores paraauxiliá-los na tarefa política de superação da ordem capitalista – estamos, obvia-mente, falando da revolução socialista.

A situação da classe operária inglesa em meados do século XIX é relatada numlinguajar moralista, mas isto não diminui o impacto da sua obra; em determinadaspassagens, instiga, fustiga, choca o leitor com a descrição detalhada das condições

de vida dos trabalhadores. Homens e mulheres, crianças e idosos dormiam amonto-ados num mesmo cômodo, alguns vestidos com farrapos, outros inteiramente nus;corpos espalhados pelo chão coberto de palhas e pedaços de pano – o espaço eramínimo para tantas pessoas. As casas não possuíam mobílias, vendidas na épocade recessão e desemprego para comprar alimentos, remédios e roupas, que logoacabavam ou se desgastavam. A miséria absoluta era descrita por crônicas jorna-lísticas de várias cidades britânicas, e não parecia mudar de acordo com o lugar. Aconclusão dos periódicos era sempre a mesma: um animal não merecia morar ondeviviam os proletários.

[...]

Despontando como um jovem pesquisador de extraordinário faro científico,Engels traz à tona as mazelas sofridas pelo proletariado, e a motivação dos crimescometidos contra a classe operária inglesa. Ele identifica a grande indústria, as rela-ções sociais e econômicas burguesas como a fonte dos horrores e da indignação vi-vidos cotidiamente pelos trabalhadores. O capitalismo, libertando o trabalhador da

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servidão feudal, logo em seguida, aprisiona-o no despotismo fabril, na organizaçãomilitar do trabalho, e utiliza-o como uma coisa, uma mercadoria consumida duranteo processo de trabalho. O trabalhador vira uma mercadoria como outra qualquer aser transacionada no mercado e regulada pela oferta e demanda.

A solução para os problemas sociais dos trabalhadores não era imediata, e nãopassava por saídas fáceis e projetos utópicos prontos e acabados. Se havia algumasolução, ela estaria no jogo político, no choque de interesses, na correlação de forçasentre as diferentes classes sociais, que definiriam os rumos dos fundamentos bá-sicos do capitalismo – o mundo da produção, a divisão social do trabalho, a cisãoentre campo e cidade. Se existia uma solução, esta residiria na revolução socialistaorganizada pelos trabalhadores, que lutariam pelo fim da propriedade privada, daexploração do trabalho e da alienação.

Concluindo a seção, podemos dizer o seguinte: a partir da sua vivência nas fá-

bricas e cidades inglesas, e dos seus estudos empíricos sobre a realidade de meadosdo século XIX, Engels tornou-se o primeiro pensador revolucionário a caracterizara luta de classes no capitalismo como produto da grande indústria, e a fazer umaligação teórica e prática entre industrialização e pauperismo. Pela primeira vez, umautor estabeleceu, mesmo que de forma precária e intuitiva, uma relação dialéticaentre pobreza e riqueza, miséria e opulência. Antes vista como resultado da deca-dência feudal, a pobreza foi descrita como efeito da ascensão capitalista. Ninguémpode tirar este mérito de Engels.

ATIVIDADES

Que relação podemos fazer entre a cidade e as formas de socialização e cultura1.humanas segundo o texto?

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Quais as principais inovações que encontramos no texto de Engels trabalhado2.nesta aula?

Qual a principal contradição que envolvia os trabalhadores industriais ingleses3.que podemos destacar a partir do texto de Engels?

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Sobre a metrópole capitalista e seus

efeitos no indivíduo

A grande concentração de indivíduos em um mesmo espaço urbano, regidos poruma lógica muito particular, produz um conjunto de efeitos que alteram significati-vamente nossa maneira de agir, de pensar e de sentir. No início do século passado,mais precisamente em 1902, é publicado um texto que trata desse tema e que marcouum lugar no campo de estudos da sociologia urbana. Refiro-me ao trabalho de Georg

Simmel intitulado  A Metrópole e a Vida Mental . O autor em foco realiza, nesse texto,uma abordagem que podemos chamar de psicológica, ou seja, observamos uma aná-lise das transformações produzidas no comportamento, na maneira de pensar e desentir dos indivíduos. O texto que vamos trabalhar é o resultado de algumas aulas pro-feridas pelo autor na passagem do século XIX para o XX.

Georg Simmel e a SociologiaO autor em foco nasceu no coração da cidade de Berlim no dia 1.º de março de

1858, falecendo em Estrasburgo no dia 28 de setembro de 19181. Apesar de não terse constituído como uma figura importante no meio acadêmico de sua época, a con-tribuição por ele deixada é significativa. Uma grande parte de seus escritos tem umcorte ensaísta, ou seja, a forma como ele escrevia era mais próxima de um contar es-tórias do que uma aula com gráficos e tabelas. Contudo, percebemos a força de suasideias quando vemos os autores que ele influenciou: Robert Park, Louis Wirth, RobertMerton, Georg Lukács, Ernst Bloch, Karl Mannheim, Walter Benjamin, Theodor Adorno,Max Horkheimer, Max Weber.

Das obras deixadas por Simmel, citaremos algumas que possuem tradução parao português: Da Diferenciação Social , Introdução à Ciência da Ética, Os Problemas da Fi-losofia da História, A Filosofia do Dinheiro, A Metrópole e a Vida Mental , Questões Funda-mentais da Sociologia.

1 Informações biográficas retiradas do site: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Simmelw> Acesso em: 2 set. 2008.

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A classificação da obra desse autor pode nos dar mais prejuízos que vantagens, levando--se em conta o fato de que se trabalho apresenta tal número de facetas que a busca de umacomo exemplar não se mostra o melhor caminho. Segundo Leopoldo Waizbort,

Quem tentar esboçar a fisionomia de Georg Simmel [...], logo se encontra em meio a dificuldades quesão características próprias daquilo que se quer apreender. Simmel sempre postulou para seu própriopensamento uma mobilidade e uma plasticidade para se adaptar ao seu objeto – uma multiplicidade

de direções, uma defesa do fragmento –, que se opõem a toda tentativa de fixação e acabamento, atoda pretensão de sistema.

Por isso todos os rótulos que lhe são atribuídos, apesar de possuírem seu teor de verdade, sempresoam tão falsos: vitalismo, relativismo, esteticismo, formalismo, irracionalismo, psicologismo,impressionismo e tantos mais. Disto também é exemplo o fato de Simmel, hoje considerado, ao ladode Max Weber e Ferdinand Tönnies, um dos “pais” da sociologia alemã, não poder ser classificado semmais como “sociólogo”, sob pena de se perderem várias outras dimensões que são essenciais ao seupensamento. (WAIZBORT, 2000, p. 11)

O pensamento de Simmel segue caminhos pouco comuns. Esse fato lhe rendeu,à sua época, certo desprezo pela academia, talvez devido à grande incompreensão

que sofreu. Por outro lado, se a multiplicidade de temas e de abordagens poderia servista como um problema por teóricos ortodoxos, essa mesma multiplicidade é o quepermitiu que sua obra permanecesse viva até os dias de hoje. Seguindo, ainda, comWaizbort, vemos que aquele autor motivou-se por temas distantes do sentido comum,como a guerra, a dominação, o conflito, o espaço, a cultura, o dinheiro, a cidade, aponte, a moldura, a aventura, o estranho, o amor, o pobre, a solidão, a conversa.

Provavelmente o próprio Georg Simmel ilumine melhor a sua maneira de pesqui-sar o mundo do que nós poderíamos fazer. Na passagem abaixo a imagem mental éreveladora:

Em uma fábula um camponês à morte diz a seus filhos que há em suas terras um tesouro enterrado.Em consequência disso, os filhos escavam e reviram profundamente a terra por toda parte, semencontrar o tesouro. Mas no ano seguinte a terra assim trabalhada produz três vezes mais frutos. Issosimboliza a linha da metafísica indicada aqui. Nós não iremos encontrar o tesouro, mas o mundo quenós escavamos à sua procura trará ao espírito três vezes mais frutos – mesmo se não se tratasse denenhum modo na realidade do tesouro, mas sim de que esse escavar é a necessidade e a determinaçãointerior do nosso espírito. (SIMMEL apud  WAIZBORT, 2000, p. 20)

O que é que a grande cidade tem de especial?O trabalho de Simmel sobre o qual vamos nos debruçar chama-se  A Metrópole ea Vida Mental . Ele é um dos desdobramentos de uma reflexão desenvolvida pelo autorno livro  A Filosofia do Dinheiro, publicado pela primeira vez em 1900.  A metrópole éuma conferência que foi publicada inicialmente em 1902. O tom mais geral desse textopode ser chamado de “psicológico”, ou seja, como o próprio título nos chama a aten-ção, o autor procurou identificar quais foram as mudanças ocorridas na vida mental

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dos indivíduos moradores das grandes metrópoles ocasionadas pelas característicasdessas cidades, pelas condições que impunham a eles e de que forma tais modifica-ções se tornaram possíveis e se efetivaram. Como já mencionamos, o próprio Simmelera um cidadão de uma das mais importantes metrópoles mundiais de sua época, acapital da Alemanha, Berlim.

Autonomia do indivíduo e controle social

O primeiro aspecto levantado pelo autor diz respeito ao desejo dos indivíduos depreservarem o seu espaço de liberdade individual. No interior das grandes cidades aspressões das normas sociais e de seus mecanismos de controle acabam por criar umacontradição. Temos aqui, talvez, a principal questão que o autor buscou responder, ouseja, como os indivíduos resolvem essa contradição.

E qual seria esta situação imposta pelas grandes cidades? Para Simmel, a contra-

dição que aparece juntamente com as metrópoles pode ser vista como o paradoxo dacoletividade e da individualidade. Com o conjunto de especializações a que os habi-tantes das grandes cidades foram levados a realizar, cada um deles tornou-se singular,imprescindível no interior da engrenagem urbana, tornando-se, ao mesmo tempo, es-treitamente dependente dos outros. Podemos dizer que o preço pago pela liberdadeda individualização constituiu-se na prisão da interdependência urbana. Cada um denós usufrui de uma liberdade que é bem-vinda ao mesmo tempo em que nos rouba oconhecimento e os meios para uma vida autônoma e independente.

[...] a pessoa resiste a ser nivelada e uniformizada por um mecanismo sociotecnológico. Umainvestigação que penetre no significado íntimo da vida especificamente moderna e seus produtos,que penetre na alma do corpo cultural, por assim dizer, deve buscar resolver a equação que estruturascomo a metrópole dispõem entre os conteúdos individual e superindividual da vida. Tal investigaçãodeve responder à pergunta de como a personalidade se acomoda nos ajustamentos às forças externas.Esta será minha tarefa de hoje. (SIMMEL, 1973, p. 12)

Uma vida estressante

Uma das primeiras observações feitas por Simmel aponta na direção do desgaste

nervoso a que estão expostos os habitantes das metrópoles. Por receberem diariamen-te uma grande quantidade de estímulos, esses indivíduos desenvolvem uma capaci-dade de racionalizar os impulsos sensoriais externos. Nas pequenas cidades, por seuturno, as pessoas mantêm-se em um campo mais afetivo. Existe um espaço maior paraa emoção, porque ali o tempo passa mais lentamente, se é que podemos dizer isso,e o espaço psicológico desse indivíduo centra-se mais nos sentimentos. No caso dasmetrópoles o espaço privilegiado não é o coração, mas o cérebro. É nele que as defesasse desenvolvem.

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A vida metropolitana, assim, implica uma consciência elevada e uma predominância da inteligênciano homem metropolitano. A reação aos fenômenos metropolitanos é transferida àquele órgão queé menos sensível e bastante afastado da zona mais profunda da personalidade. A intelectualidade,assim, se destina a preservar a vida subjetiva contra o poder avassalador de vida metropolitana. E aintelectualidade se ramifica em muitas direções e se integra com numerosos fenômenos discretos.(SIMMEL, 1973, p. 13)

Temos aqui uma primeira marca significativa da vida metropolitana se compara-

da com a vida em pequenos centros urbanos: a racionalização das ações em funçãoda pressão exercida sobre o indivíduo. O autor não trata dessa questão simplesmentecomo uma “vantagem” ou “desvantagem”, mas sim como uma constatação que o leva adesenvolver sua argumentação. O que importa ao autor é destacar que o deslocamen-to do foco do pequeno círculo para a incomensurável medida da grande cidade produzno indivíduo uma espécie de amortecimento dos sentidos. Essa paralisia das capacida-des afetivas e a amplificação da racionalidade se mostram tanto no perfil psicológicodos habitantes da metrópole quanto nas próprias formas de vida desse espaço urbano.Um elemento articulador desse universo, segundo Simmel, é o dinheiro.

O cálculo, o dinheiro e o relógio

As mudanças que o autor enfoca podem parecer um pouco óbvias para aquelesque, como nós, estão habituados à vida no século XXI. Por isso, nunca é demais lembrarque Simmel escreveu as linhas que estamos discutindo a mais de um século atrás.

Retomando a linha proposta naquele texto, nos deparamos com as afirmaçõesdo autor exemplificando o processo de racionalização da mente do homem da grande

metrópole.

A mente moderna se tornou mais e mais calculista. A exatidão calculista da vida prática, que a economiado dinheiro criou, corresponde ao ideal da ciência natural: transformar o mundo num problemaaritmético, dispor todas as partes do mundo por meio de fórmulas matemáticas. Somente a economiado dinheiro chegou a encher os dias de tantas pessoas com pesar, calcular, com determinaçõesnuméricas, com uma redução de valores qualitativos a quantitativos. Através da natureza calculativado dinheiro, uma nova precisão foi efetuada pela difusão universal dos relógios de bolso. Entretanto,as condições da vida metropolitana são simultaneamente causa e efeito dessa característica. Osrelacionamentos e afazeres do metropolitano típico são habitualmente tão variados e complexos que,sem a mais estrita pontualidade nos compromissos e serviços, toda a estrutura se romperia e cairianum caos inextrincável. (SIMMEL, 1973, p. 14)

A partir da citação acima, podemos perceber a enorme distância que separa opadrão mental dos habitantes das grandes cidades daqueles que vivem nos pequenosespaços urbanos. Uma das marcas dessa distinção é a alteração da maneira como aspessoas sentem e pensam, identificada pelo autor a partir de seus conceitos de racio-nalidade e calculabilidade do mundo. Essas diferenças produzem seus efeitos, diferen-ciando a própria construção do espaço urbano construído pelo homem.

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A abordagem feita por Simmel nos permite chegar até o centro da vida na grandemetrópole através dos seus efeitos na psicologia de cidadão cosmopolita e, ao mesmotempo, identificar como as transformações que perpassam as emoções do indivíduodão um aspecto singular à fisionomia da metrópole.

Aquilo que apontamos acima não esgota a abordagem simmeliana sobre as gran-

des cidades. Como uma aranha tecendo sua teia, o autor adiciona à sua trama mais umelemento considerado por ele como peculiar e contrastante da grande metrópole: aatitude blasé.

Blasé ou não blasé: eis a questão

O que entende o autor por blasé? Tentando responder por ele, poderíamos dizerque a atitude blasé é aquela expressão de enfado e tédio de quem está dormitandocom os olhos abertos, não importa diante do que. Podemos agregar a isto a ideia da

falta de compromisso com os assuntos em pauta. O blasé nos impede de avaliarmosseus desejos, emoções ou projetos, assim como o bom jogador de cartas que, ao con-trolar suas expressões e sentimentos, não permite que seus oponentes percebam quaiscartas ele dispõe em suas mãos. A sutil diferença é que o jogador assume essa atitudeconscientemente, já o blasé nem se dá conta de sua própria situação.

Não há talvez fenômeno psíquico que tenha sido tão incondicionalmente reservado à metrópolequanto a atitude blasé. A atitude blasé resulta em primeiro lugar dos estímulos contrastantes que,em rápidas mudanças e compressão concentrada, são impostos aos nervos. Disto também pareceoriginalmente jorrar a intensificação da intelectualidade metropolitana. Portanto, as pessoas estúpidas,que não têm existência intelectual, não são exatamente blasé. Uma vida em perseguição desregradaao prazer torna uma pessoa blasé porque agita os nervos até seu ponto de mais forte reatividadepor um tempo tão longo que eles finalmente cessam completamente de reagir. (...) Isto constituiaquela atitude blasé que, na verdade, toda criança metropolitana demonstra quando comparada comcrianças de meios mais tranquilos e menos sujeitos a mudanças. (SIMMEL, 1973, p. 16)

Acrescentamos a esta última frase um complemento: na atualidade a atitudeblasé expandiu-se da infância para a adolescência. É importante destacar que o autor,a partir do conceito de blasé está na realidade identificando um conjunto de caracterís-ticas peculiares no processo de adaptação do indivíduo ao ritmo das grandes cidades.Dessa forma, segundo Simmel: “na medida em que o indivíduo submetido a esta forma

de existência tem de chegar a termos com ela inteiramente por si mesmo, sua autopre-servação em face da cidade grande exige dele um comportamento de natureza socialnão menos negativo” (SIMMEL, 1973, p. 17).

Esta impossibilidade, por parte do indivíduo, de responder a todos os estímulosque recebe (como poderia fazer em uma pequena cidade onde todos se conheceme os contatos são mais afetivos) cria esta negatividade, esta indiferença tão própria

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do fenômeno urbano conceituada pelo autor como blasé. Na metrópole, como aspessoas passam por dezenas, centenas de outras, se elas dessem a mesma atençãoàs outras tal como na cidade pequena, não sobraria tempo para mais nada. Dessaforma, podemos afirmar que a atitude blasé e o isolamento funcionam como umaespécie de defesa, produzindo indivíduos que andam pelas ruas sem sequer dirigir oolhar para os passantes. Esse fenômeno produz, por um lado, proteção e por outro,

seres fechados em si mesmo.

A maneira como Georg Simmel trata a questão da vida mental na metrópolenão permite que se pense esse mundo em uma única direção. O isolamento dosindivíduos em seus “casulos” , apesar de um diagnóstico de grande importância, éapenas um dos lados da questão. Mas existem vários outros aspectos do fenômenourbano que ele nos revela.

Sobre a prisão e a liberdade

Conforme estamos traçando o perfil do indivíduo metropolitano seguindo os passosde Simmel, identificamos que existe uma compensação dos limites, pressões e raciona-lismos que comandam a vida dos cidadãos metropolitanos. Essa compensação “confereao indivíduo uma qualidade e uma quantidade de liberdade pessoal que não tem qual-quer analogia sob outras condições” (SIMMEL, 1973, p. 18). Notamos que essa formula-ção pode nos ajudar a compreender porque as grandes cidades exercem uma atraçãoquase mágica sobre as pessoas. Na maioria das vezes, o indivíduo colocado diante danecessidade de escolher entre uma vida pacata no campo ou em uma pequena cidade e

uma vida agitada em um grande centro urbano, opta pela segunda alternativa.

A articulação existente nas grandes cidades entre essa mencionada liberdade in-dividual e a transcendência dos limites da própria cidade e do corpo dos seus habitan-tes é mais uma das surpreendentes conclusões que nos oferece Georg Simmel. Naspalavras desse autor entramos no claro desenho dessa afirmação.

A característica mais significativa da metrópole é essa extensão funcional para além de suasfronteiras físicas. E essa eficácia reage por seu turno e dá peso, importância e responsabilidade à vidametropolitana. O homem não termina com os limites de seu corpo ou a área que compreende suaatividade imediata. O âmbito da pessoa é antes constituído pela soma de efeitos que emana dela

temporal e espacialmente. Da mesma maneira, uma cidade consiste em seus efeitos totais, quese estendem para além de seus limites imediatos. [...] O ponto essencial é que a particularidade eincomparabilidade que, em última análise, todo ser humano possui, sejam de alguma forma expressasna elaboração de um modo de vida. O fato de estarmos seguindo as leis de nossa própria natureza– e isto, afinal, é liberdade – só se torna óbvio e convincente para nós mesmos e para os outros se asexpressões dessa natureza diferirem das expressões de outras. Apenas nosso caráter inconfundívelpode provar que nosso modo de vida não foi imposto por outros. (SIMMEL, 1973, p. 21)

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A citação anterior nos leva a pensar em um elemento muito importante que afetaa vida mental dos moradores das grandes metrópoles, e que pode ser resumido naideia de construção da identidade individual. Podemos entender esse processo comoa recuperação da autoestima dos indivíduos, deprimidos em função de todas as pres-sões que eles sofrem no interior das metrópoles. Tal perspectiva, por um lado nos per-mite compreender o porquê do aumento significativo de pessoas com depressão ou,

a mesma coisa dita de outra maneira, a tendência da modernidade metropolitana deampliar de forma epidêmica o número de deprimidos.

Porém, uma série de mecanismos se articula para promover esse movimento derecuperação. Por isso, o outro lado dessa mesma história é o fato de que os indiví-duos pautados pelo dinheiro, pela racionalidade, pela supressão do contato afetivocom os outros e pela expansão do sentimento de liberdade para o interior do próprioindivíduo estabelecem uma relação com as coisas e não com o espírito. É construí-da, assim, uma alavanca para a autoestima que se apoia na materialidade e não naafetividade. O indivíduo é o que ele tem e não outra coisa qualquer que incorporevalores, personalidade etc. Caminhamos para o mundo das aparências, da substitui-ção do eu sou pelo eu tenho.

Isso ainda não é o fim da nossa história.

O grande irmão

Para que o habitante da grande metrópole consiga construir sua própria identi-

dade ele necessita ver e ser visto. Além disso, também precisa estar em determinadoslugares, frequentar espaços significativos para ele, pois: “Para muitos tipos característi-cos, em última análise, o único meio de salvaguardar para si próprio um pouco de auto-estima e a consciência de preencher uma posição é indireto, através do conhecimentodos outros” (SIMMEL, 1973, p. 22).

Como o indivíduo se constrói pelo que acumula em bens, ou como disse Simmel,o “espírito objetivo” predomina sobre o “espírito subjetivo” a sua realização passa peloreconhecimento do outro, de forma objetiva, da quantidade de bens que um indivíduoeventualmente possua.

Talvez daí, possamos tirar a conclusão que explica o sucesso mundial dos programasdos nossos tempos chamados de reality shows: eles se constituem uma espécie de “espaçometropolitano” para a realização de todas as identidades, ou seja, quanto mais pessoas meveem mais eu me realizo, fujo da depressão, da insignificância e do desconhecimento.É apenas nesse momento que a identidade se efetivaria, e por isso, todos têm a neces-sidade de “aparecer” na televisão porque apenas ali é que nos tornamos alguém.

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Antecipando possíveis avaliações preconceituosas, Simmel conclui seu texto di-zendo o seguinte:

A metrópole se revela como uma daquelas grandes formações históricas em que correntes opostasque encerram a vida se desdobram, bem como se juntam às outras [...]. Entretanto, neste processo, ascorrentes da vida, quer seus fenômenos individuais nos toquem de forma simpática, quer de formaantipática, transcendem inteiramente a esfera para a qual é adequada a atitude de juiz. Uma vez quetais forças da vida se estenderam para o interior das raízes e para o cume do todo da vida histórica aque nós, em nossa efêmera existência, como uma célula, só pertencemos como uma parte, não noscabe acusar ou perdoar, senão compreender. (SIMMEL, 1973, p. 25)

ConclusãoApós acompanharmos em sobrevoo as ideias expostas por Georg Simmel em  A

Metrópole e a Vida Mental , é inegável que tivemos diante de nós um conjunto de ideiasmuito significativas para refletirmos sobre o estudo do espaço urbano. A singularidade

do pensamento simmeliano é algo por si só digno de nota. Para o nosso foco de inte-resse, contudo, podemos destacar dois aspectos fundamentais desse autor e de seutrabalho sobre a metrópole e o indivíduo que a habita.

Em primeiro lugar, temos uma aproximação intensa entre o pesquisador e suapesquisa. Nas palavras de Waizbort, podemos dizer que “para Simmel, filosofia significasempre abordar o campo de forças que se estabelece entre sujeito e objeto” (WAIZ-BORT, 2000, p. 20). Essa relação sujeito/objeto pode ser compreendida, também, comouma relação entre sujeitos e objetos sob o olhar do pesquisador. Para Simmel, muitas

vezes, a sutileza diz mais do que o explícito.O segundo aspecto a ser destacado é que esse autor nos coloca diante de ques-

tões e de respostas com uma naturalidade muito grande. Em várias oportunidadestemos a sensação de que chegaríamos àquelas conclusões naturalmente, sem a “ajuda”da leitura do texto. Em outros momentos notamos certa lentidão do nosso raciocíniopara acompanhá-lo.

Mas não há dúvidas de que os conceitos de racionalização e calculabilidade davida, de autoproteção e de atitude blasé, bem como autoafirmação e reconhecimento,

apesar de facilmente encontrados em nossa vida cotidiana adquirem outro aspectoa partir da forma como são utilizados por Simmel. No final da história acabamos porolhar para nós mesmos, e também para a cidade de outra maneira. Como se nós esti-véssemos vagando pelas ruas e identificando aqueles fenômenos, posturas individu-ais, sensações e, por que não, cheiros das grandes metrópoles.

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TEXTO COMPLEMENTAR

As cidades e o dinheiro em Georg Simmel

(GAGLIETTI, 2008)

Ao desenvolver a ideia de estilo de vida moderno, Simmel aponta para a metrópolecomo o lugar histórico desse processo. O maior problema da “vida moderna” está noconflito entre a cultura em sua dimensão interior e em sua dimensão exterior ao indiví-duo. Trata-se de uma configuração histórica do processo civilizatório, de diferenciaçãosocial, de identidade do eu. O que, para o “homem primitivo”, foi a “luta com a nature-za” visando à autoconservação, para o homem moderno, como assinala Woodward2, éa tensão entre o individual e o supraindividual. Desse modo, como destaca Simmel3, o

fundamento psicológico a partir do qual o tipo das individualidades da cidade grandese eleva pode ser caracterizado pela intensificação da vida nervosa, que resulta da mu-dança rápida e ininterrupta de impressões internas e externas. Além disso, conformeSimmel, mais do que qualquer outro critério, o que caracteriza a cidade grande é a rela-ção que os indivíduos estabelecem com o dinheiro e todos os seus significados.

O habitante da cidade grande aprende a reagir não com o sentimento, mascom o entendimento. Em outras palavras, o racionalismo possui na cidade grandeo seu lugar específico, próprio e adequado, lugar este onde a intensidade e a ve-

locidade das imagens e dos impulsos são tão grandes que, sem um mecanismode defesa, o indivíduo está ameaçado de se desintegrar. Nesses termos, a obje-tividade, no tratamento das coisas e dos seres humanos, que o entendimentopropicia, é adequada a um mundo no qual prevalece a lógica do dinheiro. E essaobjetividade do entendimento e do dinheiro deixa as qualidades individuais delado, submersas na indiferença; contrapõem-se à subjetividade e aos sentimen-tos que constituem a diferença e a individualidade.

Na metrópole, tudo é feito por desconhecidos e para desconhecidos, o que

torna a objetividade das transações muito mais fácil, sem as interferências que asrelações pessoais, baseadas no ânimo e nos sentimentos, trazem consigo. [...] Assim,o estilo de vida da cidade grande propicia e promove a impessoalidade, oportunizao aparecimento de mecanismos de individualização, fazendo justiça ao duplo papeldo dinheiro e à ambiguidade que caracteriza a modernidade.

2Cf. WOODWARD, Howard. The First German Municipal Expositions (Dresden, 1903). The American Journal of Sociology, v. IX, p. 433-458, p. 612-630, p.

812-831, 1904; v. X, p. 47-63, 1905.

3 SIMMEL, Georg. Questões Fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2006. p. 12.

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O dinheiro, então, cria condições para a vida na cidade grande, não apenascondições objetivas, mas também condições subjetivas, como o distanciamentopsicológico e funcional. Por outro lado, a vida da metrópole cria condições para avida do dinheiro. Este possui uma força centrípeta que, como um imã, atrai tudoe todos ao seu redor. Assim, a cidade grande, como ponto de concentração do

dinheiro, é também o ponto de maior incremento da divisão do trabalho, da espe-cialização, da criação de novas necessidades e refinamentos, da luta dos indivídu-os entre si pela sobrevivência.

Relacionada a essa sensibilidade do habitante da metrópole está um elemen-to que Simmel julga especialmente característico do homem moderno: a atitudeblasé. A quantidade de estímulos com que o indivíduo se vê defrontado, ao viver nacidade, exige-lhe tanto que ele não é mais capaz de responder adequadamente aeles. Sua indiferença a tais estímulos torna-se, então, análoga àquela que o dinheiropromove nas relações interpessoais por ele mediadas. A fim de explicar essa indife-rença, Simmel faz uso das categorias “proximidade” e “distância”. A proximidade cor-poral e a distância espiritual são os fatores que explicam a sensação única de estarsó em meio a uma infinidade de pessoas. Nesse sentido, o moderno é ambíguo, ea cidade é o local privilegiado dessa ambiguidade, pois a metrópole, assim como odinheiro, não conhece fronteiras. É exatamente isso que faz o seu habitante romperas fronteiras interiores e exteriores; em outras palavras, é assim que se constrói aprópria ideia de liberdade individual.

ATIVIDADES

Que tipos de mudanças na vida mental dos indivíduos das cidades foram identifi-1.cados por Simmel?

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Escreva um texto procurando identificar em seu cotidiano, ou seja, nas ativida-2.des habituais de um dia normal, alguns princípios que Simmel apresenta sobrea vida mental das metrópoles.

Qual é o efeito contrário da individualização ou autonomia individual identifi-3.cado por Simmel nas metrópoles?

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Max Weber e a cidade

O autor que trabalharemos neste texto é considerado um dos fundadores da So-ciologia. As obras do autor tem a característica de tratar de uma vasta gama de temas eabordagens bem como apresentar um viés que podemos chamar, com certa liberdade,de densamente teórico. O trabalho que serve de base para este capítulo, Conceito eCategorias da Cidade, mantém essa “tradição” weberiana.

Faremos um esforço no sentido de trazê-lo para um lugar mais próximo de nossaexperiência cotidiana. Esperamos, com isso, propiciar um mergulho na teoria de Weber

com muita visibilidade. Vamos a ele.

Sobre o autorMax Weber1 nasceu em 21 de abril de 1864, na cidade de Erfurt, Alemanha. É con-

siderado um dos fundadores da Sociologia. Foi o primogênito dos sete filhos de MaxWeber e Helene Fallenstein. Weber, o pai, era protestante e a mãe, calvinista. Podemossupor que essa influência da religião se reflete na trajetória do filho.

Um dos textos mais conhecidos desse autor é  A Ética Protestante e o Espírito doCapitalismo, em que ele discute como o protestantismo tem, em sua ética, uma ade-quação maior ao capitalismo do que a ética da religião católica. Em poucas palavras,a ideia fundamental é que os protestantes se dispõem a trabalhar mais e acumular,enquanto os católicos trabalhariam por obrigação. Nos termos das duas éticas, para osprimeiros, o trabalho dignifica o homem (cabeça vazia seria oficina do diabo) e quantomais riqueza nós temos mais nos aproximamos de Deus. Para os segundos, o trabalhoé ligado à punição, quando da expulsão de Adão e Eva do paraíso ( ganharás o teu pão

com o suor do próprio rosto) e a acumulação de riquezas é uma barreira para a entradano céu (é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar noreino do céu).

Além dessa influência religiosa fundamental, existe, na trajetória acadêmica doautor, a necessidade de um diálogo constante entre outros teóricos. No caso da ÉticaProtestante, Karl Marx é seu principal interlocutor, pois Weber se opõe à visão marxista

1Informações retiradas do site: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_weber>. Acesso em: 16 set. 2008.

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de que a economia está na base de toda a explicação da vida social. Como o autorpretendeu demonstrar com seu livro, existem muitos outros elementos que compõemuma explicação sociológica da realidade social, por exemplo, a religião.

Ele considerava que para compreendermos o mundo social era imprescindível queo observássemos da maior quantidade possível de lugares. Dessa forma, ele estudou

direito, música, política, economia, religiões etc. e poderíamos dizer que Max Weber sedistingue de outros teóricos por estudar diferentes aspectos de uma mesma realidade.

Muito importante foi a contribuição desse autor para o campo da política. Ao se-parar a ciência da política, Weber retoma a discussão metodológica feita por outrosautores, como Durkheim, mostrando que o político e o cientista ocupam lugares dife-rentes no interior da sociedade. Ou seja, a ação do cientista é separada das demandasda política, assim como a ação do político é separada da ciência.

Uma das definições de Weber mais conhecidas e importantes no campo da política

é aquela do Estado. Para ele, o Estado é aquela instituição que detém o monopólio legíti-mo da violência física, o que quer dizer que apenas os agentes do aparelho estatal têm odireito de reprimir. Essa ideia é quase uma marca do pensamento político ocidental.

Os estudos desenvolvidos por Max Weber sobre a burocracia também constituemum conjunto de análises sobre a realidade social que marcaram o pensamento socio-lógico do ocidente. É muito difícil trabalhar com esse tema sem utilizar os conceitosdesenvolvidos pelo autor. A contribuição de Weber é muita extensa e nós apontamosaqui apenas algumas das suas principais ideias que permaneceram após sua morte,ocorrida no dia 14 de junho de 1920, em Munique, Alemanha.

Max Weber e a cidadeNo trabalho de Weber que vamos analisar mais de perto, publicado pela primeira

vez em 1921 e intitulado Conceito e Categorias da Cidade, o autor procura traçar umperfil conceitual do que ele compreende por cidade e seus diferentes tipos.

Diversas definições da cidade tendem a supervalorizar os aspectos quantitativos

e físicos, e acabam por desvalorizar a dimensão humana. Tal posicionamento pode serverificado na seguinte passagem de Weber:

A localidade considerada sociologicamente significaria um estabelecimento de casas pegadas umasàs outras ou muito juntas, que representam, portanto, um estabelecimento amplo, porém conexo, poisdo contrário faltaria o conhecimento pessoal mútuo dos habitantes, que é específico da associação devizinhança. (WEBER, 1973, p. 68)

Além desse aspecto, para o autor, é de grande importância também localizar acidade em um contexto temporal, ou seja, em determinadas épocas uma localidade    S

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poderia ser chamada de cidade, em função de outros critérios diferentes do adensa-mento de uma população em habitações também adensadas em um determinadoespaço geográfico. O autor destaca o aspecto jurídico para mostrar a importânciadessas considerações que contextualizem o objeto a ser definido, no caso, a cidade.

Como esse autor trabalha no sentido de construir uma trama analítica, achamos

por bem mostrar os principais fios que sustentam os elementos por ele definidos.Assim, vamos organizar a nossa discussão de maneira mais esquemática para não per-dermos a ligação com o pensamento de Weber.

Alguns elementos para a definição de cidadeVamos sistematizar os principais elementos que compõem a definição de Max

Weber sobre a cidade. Além dos aspectos quantitativos e geográficos já mencionados,

existem outros que o autor alinha para construir sua definição. Vale frisar um que men-cionamos de passagem: o jurídico. Muitas vezes uma determinada localidade pode serconsiderada uma cidade porque possui o status  jurídico para tanto. É bom lembrar,contudo, que essa definição tinha uma validade maior no passado, sendo que nos diasatuais ela perde sua importância. Ou seja, antigamente, algumas comunidades rece-biam o “título” de cidade, apesar de não possuírem as outras características para seremchamadas de cidade.

Outros elementos surgem para substituir esse, contudo. Trata-se das questões re-lativas à economia.

Falaremos de “cidade” no sentido econômico  quando a população local   satisfaz uma parteeconomicamente essencial de sua demanda diária no mercado local e, outra parte essencial também,mediante produtos que os habitantes da localidade  e a povoação dos arredores produzem ouadquirem para colocá-los no mercado. Toda cidade no sentido que aqui damos a essa palavra é um“local de mercado”, quer dizer, conta como centro econômico do estabelecimento com um mercadolocal e no qual em virtude de uma especialização permanente da produção econômica, também apopulação não-urbana se abastece de produtos industriais ou de artigos de comércio ou de ambos e,como é natural, os habitantes da cidade trocam os produtos especiais de suas economias respectivase satisfazem desse modo suas necessidades. [...] a cidade – no sentido que usamos o vocábulo aqui – éum estabelecimento de mercado. (WEBER, 1973, p. 69-70)

Começamos a vislumbrar um elemento-chave na composição da cidade webe-riana. O elemento econômico é sempre valorizado por esse autor e no tema em pautanão poderia ser diferente.

Para chamarmos, portanto, um aglomerado de casas em um local densamentepovoado de cidade é imprescindível que esse espaço tenha atingido tal grau de de-senvolvimento no qual os indivíduos são incapazes de produzir tudo aquilo de quenecessitam para sobreviver, desde alimentos até ferramentas.

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Como os alimentos são os bens mais difíceis de ser produzidos em quantidade su-ficiente para atender a todos no espaço urbano, o mercado central é, prioritariamente,o espaço de compra e venda de produtos alimentícios. Esse local de origem, o mercadomunicipal , pode ser observada nas pequenas e grandes cidades contemporâneas a nós.

Este fato acarretará em uma interdependência entre a cidade e outros locais, uma

vez que dentro da cidade existirá sempre a demanda de diferentes produtos externos aela. Nesse sentido, o mercado municipal (ou mercado central) é a instituição “definido-ra” da cidade, por concentrar e facilitar o andamento do comércio em sentido amplo. Omercado municipal é, portanto, um dos principais elementos que compõe a cidade.

Cidades “marginais”

Entretanto, existe também um outro tipo de cidade, ou ao menos uma cidadeque se origina de uma forma diferente daquela que se articula ao redor de um centro

comercial, no caso, o mercado. Neste caso, temos uma cidade que se forma a partir daautorização de um governante para existir. Utilizando uma linguagem atual, podemosdizer que essas cidades são fundadas por algum tipo de autoridade constituída e sãoautorizadas a existir reguladas por um conjunto de leis, pagando impostos e receben-do em troca (em uma palavra) segurança.

Porém a cidade podia nascer também [...] sem esse apoio na corte do príncipe ou da concessão dopríncipe, mediante a reunião de intrusos, piratas ou comerciantes colonizadores ou nativos, dedicadosao comércio intermediário, e esse fenômeno foi bastante frequente nas costas mediterrâneas nosprimeiros tempos da Antiguidade e também, por vezes, nos primeiros tempos da Idade Média.(WEBER, 1973, p. 70-71)

Vemos que existem diferentes origens e formas assumidas pelas cidades. Essasdiferenças articulam-se no decorrer da história do lugar e fazem com que a definiçãodessas “instituições” agregue diferentes elementos. Podemos alinhar enfim, uma pri-meira definição para o nosso tema: Apenas cabe dizer que as cidades representam,quase sempre, tipos mistos e que, portanto, não podem ser classificadas em cada casosenão tendo-se em conta seus componentes predominantes (WEBER, 1973, p. 73).Neste caso, um dos elementos que se destaca do conjunto para a apreciação da cidadeé o econômico.

A cidade e o campoOutro aspecto levado em conta por Max Weber é a relação entre campo e cidade.

Como existem diferentes formas tomadas por essas relações, o autor procura caracte-rizar algumas que ele considera mais significativas. Como vimos no início do presente

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capítulo, normalmente, a cidade estabelece com o meio rural uma simples troca deprodutos. No caso, o campo fornece os alimentos para a cidade enquanto que a cidadefornece para o campo bens industriais. Esse tipo de padrão foi chamado, segundoWeber, de “economia urbana”, em oposição a outros tipos de economia como a de umpaís inteiro.

Porém nesse conceito se confundem medidas de  política  econômica com categorias puramenteeconômicas. A razão está em que o mero  fato da coexistência de comerciantes ou industriais e oabastecimento das necessidades cotidianas regulado pelo mercado não esgotam o conceito de“cidade”. Quando isso ocorre, quer dizer, quando dentro dos estabelecimentos autárquicos tomamoscomo diferença unicamente o grau da própria satisfação das necessidades por meio da agriculturaou – o que não é a mesma (coisa) – o grau de produção agrária em relação à atividade lucrativa não-agrária, e a ausência ou presença de mercados, falaremos de “localidades” industriais e mercantis e de“zonas de mercado”, porém não de “cidade”. O fato de a cidade ser não só um conjunto de casas, mastambém uma associação econômica com propriedade territorial própria, com economia de receitase despesas, não a diferencia da aldeia, que conhece as mesmas coisas, ainda que qualitativamente adiferença possa ser muito grande. (WEBER, 1973, p. 75)

Como visto na citação acima, é necessário algo mais para compor a definição de

cidade. Para o autor, esse algo mais é a definição a médio e a longo prazo de um con- junto de medidas que regulavam essas trocas. Podemos chamar esse conjunto de leisde política econômica urbana, como o faz Weber.

Associamos, dessa forma, aos conceitos de economia – o mercado, as trocas, ocomércio – aqueles da política, como as leis, os regulamentos e outros termos mais.Notamos, aqui, que já temos dois grandes grupos de conceitos que compõem a defi-nição de cidade: economia e política. Contudo, existem ainda, outros elementos que searticulam a estes para compor o grande quadro traçado por Max Weber.

A cidade como local de defesaUma característica marcante na construção dos conceitos sobre a cidade é a sua

relação com aquilo que chamaremos de aspecto militar . A cidade cumpriu e cumpreainda, em vários lugares, esse papel de oferecer segurança a um lugar, a uma popu-lação, a um porto, enfim, vemos aqui a associação entre cidade e fortaleza. A cidade-fortaleza, no primeiro estágio de seu desenvolvimento no sentido de uma estrutura

política particular, era, continha ou se apoiava no burgo de um rei ou de um senhornobre [...] (WEBER, 1973, p. 79).

É necessário, portanto, que grandes concentrações de pessoas, de comércio, dedinheiro, a economia, tenham um conjunto de outros mecanismos que a regulem,que resolvam as pendências, que tenham uma autoridade ou várias para dirimir asquestões mais difíceis – reis, juízes, representantes – que normalmente se colocam, a política que funciona como uma espécie de mediadora. Portanto, de forma conjuntacom os aspectos econômicos e políticos, temos o terceiro elemento, ligado aos demais,

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necessário para garantir que as leis sejam aplicadas internamente e para impedir queos de fora saqueiem a cidade, o aspecto militar .

Quando esses elementos se encontram presentes na cidade, podemos conside-rar que ela possui certa estabilidade. Uma materialização visível desses “conceitos” nascidades da colonização espanhola é a famosa Plaza Mayor , uma praça central, cuja im-

portância econômica é fundamental e, associada a ela, encontram-se frente a frente elado a lado as autoridades que governam a cidade: a igreja, a prefeitura, a cadeia.

Observando mais de pertoPara pensarmos, junto com Max Weber, os desdobramentos desses três grandes

pontos de apoio para fundamentar a definição de cidade, iremos destacar alguns ele-mentos que estão difusos no texto em pauta, mas que identificamos, sintetizamos eiremos alinhar a seguir.

A primeira ideia que vamos desenvolver neste item é aquela que tem a ver com anossa noção contemporânea de justiça. Para resolver o significativo volume de quere-las que surgem no interior de uma cidade, é importante que haja um corpo de magis-trados que faça com que as leis sejam aplicadas dentro de normas reconhecidas portodos como justas. Esse processo refere-se à construção da legitimidade de um corpo judiciário, que, normalmente, toma certo tempo ao longo da história para se consoli-dar. A importância de mencioná-lo aqui se mostra à medida que uma cidade que nãoconsegue construir esse corpo tende a se esfacelar a partir de dentro, em função dadificuldade maior de resolver seus conflitos internos.

Já vimos que a representação política também é um elemento significativo nocampo urbano. Porém é fundamental destacar que as assembleias (do grego enklesia– assembleia de cidadãos, e que está na origem da palavra igreja) ganham sua impor-tância no interior do espaço urbano e servem para que decisões sejam tomadas peloconjunto dos cidadãos. Essa ideia básica se desenvolveu ao longo da História e a maio-ria esmagadora das cidades do nosso presente tem suas decisões políticas tomadas apartir das decisões tomadas por seus representantes reunidos em assembleia.

Paralelamente a esses dois elementos aqui apresentados temos a especialização da

defesa dos interesses da “instituição cidade”: o uso da força. Como é corrente no jargãoda política, a guerra é a continuação da política por outros meios. Esses outros meios, aviolência no caso, são elementos que passaram por um processo de aprimoramento nahistória das cidades. Conforme mencionamos acima, seja para se defender dos inimigosexternos ou dos internos, a força passa a fazer parte do cotidiano das urbes.

Os três elementos destacados, relativos à justiça, representação política e à defesados interesses das urbes, nos ajudam a entender como, a partir da perspectiva weberiana,

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podemos identificar os elementos que podem compor uma definição sociológica doque é uma cidade, seja esta grande ou pequena, pois, segundo Weber, as alterações nadimensão não modificam os princípios gerais que constituem a definição.

Reunindo os fiosTivemos aqui uma síntese do pensamento weberiano no que diz respeito à cidade.

Como é próprio a esse autor, ele monta uma trama de elementos para sustentar a suadefinição de cidade. Nesse sentido, lembramos que os principais pontos a serem reti-dos são três. O primeiro deles diz respeito à economia. Nesse caso, as trocas comerciaisconcentram-se no espaço do mercado municipal. A segunda marca nos fala da política.Aqui, temos uma série de elementos que se articulam no sentido de melhor gerir oufazer funcionar a cidade e sua economia. Por último, para garantir a paz e a ordem,vitais para o bom desenvolvimento econômico, é necessária a força. O aspecto militar ,portanto, fecha a trama, em seu sentido mais amplo, para a construção da cidade se-gundo Max Weber.

TEXTO COMPLEMENTAR

Cidade e cidadania: inclusão urbana e justiça social

(RIBEIRO, 2008)

Os cidadãos urbanos usurparam o direito de

dissolver os laços da dominação senhorial – e esta foi

a grande inovação, de fato, a inovação revolucionária

das cidades medievais do Ocidente em face de todas as

outras – a quebra do direito senhorial. Nas

cidades centro e norte-europeias originou-se o

conhecido dito: “o ar da cidade liberta”

Max Weber 

A democracia é um regime que promoveu a desvinculação do homem das re-lações de dominação pessoal que marcavam o feudalismo. A fundação da cidade ex-pressa a subversão da ordem feudal, na qual o camponês estava atrelado ao proprie-tário da terra por laços de subordinação pessoal. Por esse motivo, essa sociedade eracaracterizada pela segregação dos homens em estratos sociais hierarquizados. É na

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cidade que o homem adquire a emancipação material e moral, como bem demons-trou Max Weber. A ordem social passa a ser associada à emergência dos direitos hu-manos ligados aos direitos considerados naturais, intrinsecamente associados à con-dição humana. Direitos à liberdade, à propriedade, à segurança e direito de resistênciaà opressão. A multiplicação das cidades e as formas de vida que elas ensejam levaram

à subversão da ordem feudal contra as formas de opressão.

As palavras cidade, cidadão e cidadania foram, historicamente, ganhando omesmo sentido. Podemos identificar três momentos dessa evolução. Antes de tudo,na antiguidade clássica, cidadania tem a ver com a condição de civitas pela qual oshomens, vivendo em aglomerados urbanos, contraem relações fundadas em direitose deveres mutuamente respeitados. Posteriormente, à condição de civitas somou-sea de polis, ou seja, o direito de os moradores das cidades participarem nos negóciospúblicos. Já no século XIX, a condição de cidadania é expandida com a inclusão dedireitos de proteção do morador da cidade contra o arbítrio do estado. No final doséculo XIX e no início do século XX, a condição de cidadão expressava também osdireitos relacionados à proteção social, inicialmente relacionados aos riscos do tra-balho assalariado (desemprego, acidente do trabalho etc.) e, posteriormente, esten-didos à própria condição de cidadão.

O sentido moderno da palavra cidadania expressa, portanto, três focos: o de-mocrático, o liberal e o social. O primeiro é o  polis, o segundo o civitas e o terceirosocietas. Este último foco tem a ver com a descoberta de que o civitas e o  polis so-mente poderiam existir com o mínimo de justiça social. Podemos, então, imaginar

uma sequência: cidadania cívica, cidadania política e cidadania social.

ATIVIDADES

Quais são os três elementos fundamentais que Weber destaca na definição da1.cidade?

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Desenvolva um trabalho sobre o “marco zero” da cidade onde você mora, ou2.seja, identifique o local onde sua cidade se originou e trace um pequeno relatodessa origem, trabalhando com os conceitos pertinentes do texto.

Faça uma pesquisa sobre a importância da economia em sua cidade. Pesquise3.também sobre a localização e concentração do comércio no local. Para isso, uti-lize revistas, jornais e realize entrevistas com pessoas de gerações mais antigasque você. Anote os resultados obtidos e procure relacioná-los com o que você

aprendeu da visão de Weber sobre o assunto.

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A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago:

Robert Ezra Park

A sociologia urbana contou com um impulso muito marcante para o seu desen-volvimento com a criação da assim chamada “Escola de Chicago”. No interior daquelauniversidade norte-americana, uma série de autores debruçou-se sobre os estudos daSociologia nas primeiras décadas do século XX, produzindo uma extensa bibliografiaque marcou a história dessa ciência. Um dos principais integrantes desse grupo de

autores foi Robert Park.

Sobre o autor em focoRobert Ezra Park 1 (14 de fevereiro de 1864 – 7 de fevereiro de 1944), um dos fun-

dadores da Escola de Chicago, estudou na Universidade de Michigan. Seu interessepelas questões sociais, especialmente as questões raciais e urbanas, levou-o a traba-lhar como jornalista em Chicago. Depois de ser jornalista, estuda Psicologia e Filosofiaem Harvard. Vai à Alemanha onde permanece por quatro anos estudando com Simmele Wilhelm Windelband. Retorna aos Estados Unidos em 1903, tornando-se assistenteem Filosofia em Harvard em 1904-1905.

Park lecionou em Harvard até quando, por um convite de Booker T. Washington,passou a trabalhar no Instituto Tuskegee, desenvolvendo estudos sobre questõesraciais do sul do país. Ingressou no departamento de Sociologia na Universidade deChicago em 1914 onde permaneceu até sua aposentadoria em 1936. No entanto,Park continuou a lecionar na Universidade Fisk, até sua morte, ocorrida em Nashville,

Tennessee, aos 79 anos de idade. Figura reconhecida nos círculos acadêmicos, foi pre-sidente da Associação Sociológica Americana e da Liga Urbana de Chicago, além demembro do Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais.

Influenciou no desenvolvimento da teoria da assimilação que era pertinente aos imi-grantes dos Estados Unidos ao defender quatro passos no ciclo de relações raciais do imi-grante em seu contexto: o primeiro era chamado de “contato”, o segundo “competição”, e

1Informações retiradas do site: <http://forum.g-sat.net/showthread.php?t=117550>. Acesso em: 19 ago. 2008.

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no terceiro passo cada grupo deveria se acomodar aos outros. Caso isso não ocorresse,o grupo imigrante passaria por um processo de assimilação.

Durante a estadia de Park na Universidade de Chicago, seu departamento de So-ciologia começou a usar a cidade que a cercava como uma espécie de laboratório depesquisa. Seu trabalho, conjuntamente com o de seus colegas, acabou por acrescentar

outra qualificação à Sociologia Urbana. Essa Sociologia praticada lá nos Estados Unidosficou conhecida como a Escola de Chicago.

Uma pequena síntese da obra de Robert ParkRobert Ezra Park é considerado o principal autor americano que se preocupou

em sistematizar um corpo de reflexões já em 1916, através da publicação no  Jornal Americano de Sociologia do artigo intitulado “A Cidade: sugestões para investigação do

comportamento humano no meio urbano”, no qual formula uma proposta de estudosobre a cidade. Posteriormente, esse texto será tomado como o roteiro indicativo dosestudos da Sociologia Urbana, na perspectiva da Escola de Chicago.

Sua proposta nesse texto objetiva definir um ponto de vista sobre a cidade e aindicar um programa para o estudo da vida urbana, destacando sua organização física,suas ocupações e sua cultura. Lá encontramos a seguinte passagem:

[...] a cidade é um estado de espírito, um corpo de costumes e tradições e dos sentimentos e atitudesorganizados, inerentes a esses costumes e transmitidos por essa tradição. Em outras palavras, a cidadenão é meramente um mecanismo físico e uma construção artificial. Esta, envolvida nos processos

vitais das pessoas que a compõem; É um produto da natureza, e particularmente da natureza humana.(PARK, 1979, p. 26)

Para Park, a cidade pode ser analisada em uma dimensão geográfica, de ecolo-gia humana, ou ainda de um ponto de vista econômico, mas o que a torna objeto deuma análise sociológica é o fato de ser o habitat  do homem civilizado, ou seja, umaárea cultural.

O autor é um dos primeiros a fazer uma crítica às concepções econômica, ecológi-ca e arquitetônica, porque entende a cidade como além de um mero artefato. Diz ele:

Mas essas coisas, em si mesmas são utilidades, dispositivos adventícios que somente se tornam parte dacidade viva quando, e enquanto, se interligam através do uso e do costume, como uma ferramenta namão do homem, com as forças vitais residentes nos indivíduos e na comunidade. (PARK, 1979, p. 27)

Seu trabalho está organizado em quatro eixos: a planta da cidade e a organizaçãolocal; a organização industrial e a ordem moral; as relações secundárias e o controlesocial, e o temperamento e o meio urbano.

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A planta da cidade e a organização local

Park e os demais autores da Escola de Chicago tomam a cidade americana comoreferência e, a partir dela, propõe uma explicação para todos os demais fenômenosurbanos. Para ele a base física da cidade se expressa no binômio xadrez-quarteirão,

enraizada nos hábitos e costumes das pessoas que a habitam. Assim, a cidade possuiuma organização moral bem como uma organização física e as duas interagem mutu-amente de modos característicos para se moldarem e modificarem uma a outra.

Da combinação dos dois elementos (físico e moral) cada cidade assumirá umafeição própria. E, dependendo da maior ou menor segmentação, da atividade econô-mica predominante e da maior complexidade da malha urbana, pode ser estudadainicialmente a partir da vizinhança, das colônias e das áreas segregadas. Como hipó-tese de trabalho afirma que “a organização da cidade, o caráter do meio urbano e dadisciplina por ele imposta são, em última análise, determinados pelo tamanho da po-

pulação, sua concentração e distribuição dentro da área citadina” (1979, p. 30).

A vizinhança tem como características principais o fato de estar assentada no prin-cípio da associação; de ser a menor unidade local dentro da cidade; de ser diferente decomunidade porque pressupõe o princípio da racionalidade e, além disso, porque visadar expressão ao sentimento local, em face de assuntos de interesse local.

As colônias e áreas segregadas formam a antítese da vizinhança, na medida emque minam os laços de vizinhança, como os grupos raciais ou de imigrantes. “Ondeindivíduos da mesma raça ou da mesma vocação vivem juntos em grupos segregados,

o sentimento de vizinhança tende a se fundir com antagonismos de raça e interessesde classe” (PARK, 1979, p. 34).

A organização industrial e a ordem moral

Da mesma forma que Max Weber, Park define a cidade moderna como lugar domercado e da troca. Para ele o mercado é a base da competição industrial e da divisãodo trabalho. Utiliza-se do exemplo das cidades livres da Europa, que resultam da com-

binação entre lei e mercado aberto. Da definição de cidade como lócus do mercadosugere os seguintes temas de estudo: classes sociais e tipos vocacionais; as notícias e amobilidade do grupo social e a bolsa de valores e a multidão.

Ao tratar das classes sociais e tipos vocacionais, o autor afirma que a cidade é o am-biente natural do homem livre, onde o indivíduo pode desenvolver seu potencial. Citaum velho adágio alemão o qual afirma que “o ar da cidade liberta os homens” indicandoque o mesmo permanece válido “na medida em que o indivíduo encontra nas possibili-dades, na diversidade de interesses e tarefas, e na vasta cooperação inconsciente da vida

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citadina a oportunidade de escolher sua vocação própria e de desenvolver seus talentosindividuais peculiares” (PARK, 1979, p. 36).

Na cidade, toda vocação tende a assumir o caráter de profissão. Isso leva a um atoextremo de racionalização, especialização na ocupação e ao desenvolvimento de umatécnica consciente e específica para chegar a tal profissionalização. O desenvolvimen-

to de tipos vocacionais dará origem a outras formas de associação, sendo a principalos sindicatos, que se organizam de forma diferente das associações de vizinhança.

Para o autor em foco, a divisão do trabalho leva a maior interdependência dasdiversas vocações, ou seja, cada vez mais o indivíduo depende do grupo no qual seinsere. O efeito da divisão do trabalho é que essa crescente interdependência daspartes, sob condições de competição pessoal, cria na organização industrial certo tipode solidariedade social fundada sobre uma comunidade de interesses. Nesse ponto desua obra fica clara a aproximação ao conceito de solidariedade orgânica, elaborado porÉmile Durkheim.

Em relação à diferenciação, ele aponta para estruturas polares que se diferen-ciam: na vizinhança desenvolve-se uma forma de sociabilidade apoiada no senti-mento, enquanto nas associações e nos grupos vocacionais a forma que predominaé a do interesse.

Para Park, sentimento é a incapacidade de agir com relação a algo de uma ma-neira completamente racional: há motivos para ação, mas estes não se apresentamde forma plenamente consciente. Por outro lado, o interesse implica na existência demeios e de uma consciência da distinção entre meios e fins. Dessa discussão sobre

mobilidade social emergem conceitos considerados por ele fundamentais: dinheiro,grupos sociais e equilíbrio.

O autor irá tratar o dinheiro como um “mediador social”, mediação esta que enfa-tiza a racionalização de valores e o interesse ao invés do sentimento. A Bolsa de Valoresé, para Park, uma instituição que sintetiza, na cidade, este argumento, pela extremamobilidade e a instabilidade da vida social, baseadas na variação de recursos e na pos-sibilidade de crise permanente e de manipulação financeira. Nessa forma de organi-zação social, vemos que os grupos sociais ali existentes são compostos por indivíduosem competição, isto é, em equilíbrio instável, possível de ser mantido apenas atravésde um contínuo reajustamento.

Desse conjunto de conceitos sugere que cabe à Sociologia Urbana realizar estu-dos sobre as mudanças social, espacial e residencial. Afirma que “mede-se mobilidadenum indivíduo ou numa população não apenas pela mudança de localidade, mas antespelo número e variedade dos estímulos a que o indivíduo ou a população responde”(PARK, 1979, p. 41).

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A partir da discussão da divisão do trabalho o autor construirá um quadro compa-rativo das diferenças entre a cidade grande e o campo ou comunidades de vizinhanças.Somente na cidade, para Park, é que se encontra o fenômeno da multidão, conjuntode indivíduos que perdem a sua capacidade de manifestação de interesses individuais,torna-se um ente irracional e, portanto, pode ser manipulada e controlada. A multidãosó é possível na cidade, pois exige alto estágio de mobilidade, bem como relações

modernas e industriais.

Uma das principais conclusões de Park, que permite que se afirme que a So-ciologia é essencialmente uma ciência do urbano, é que ele afirma que a cidade é olaboratório por excelência para investigação do comportamento humano. Vejamoso que ele diz:

A cidade, e especialmente a grande cidade, onde mais do que qualquer outro lugar as relações humanastendem a ser impessoais e racionais, definidas em termos de interesse e em termos de dinheiro, énum sentido bem real um laboratório para a investigação do comportamento coletivo. As greves emovimentos revolucionários menores são endêmicos no meio urbano. As cidades, e especialmente

as cidades grandes, estão em equilíbrio instável. O resultado é que os enormes agregados casuaise móveis, que constituem nossas populações urbanas, estão em estado de perpétua agitação, varridospor todo novo vento de doutrina, sujeitos a alarmas constantes e, em consequência, a comunidadeestá numa condição de crise crônica. (PARK, 1979, p. 45. Grifo nosso)

Relações secundárias e controle social

A sociedade moderna, os meios de transportes e de comunicação levam a mu-danças, cada vez mais rápidas e intensas, com a substituição das relações primárias,

diretas, face a face, por relações indiretas, secundárias.Entendo por grupos primários aqueles caracterizados por associação e cooperação íntimas face a face.Eles são em vários sentidos primários, mas principalmente no de que são fundamentais na formaçãoda natureza social e dos ideais de cada indivíduo. Psicologicamente, o resultado da associação íntimaé uma certa fusão de individualidades em um todo comum, de tal forma que o próprio ser individual,pelo menos para muitos fins, é a vida e o propósito comuns do grupo. (PARK, 1979, p. 47)

Uma vez que na cidade há o enfraquecimento das relações íntimas do grupo pri-mário, com a perda das funções da família e igreja, a fusão de individualidades em umtodo comum não mais ocorrerá. Com o afrouxamento dos laços comunais, o principalfenômeno social que explica a existência dos vícios e crimes nas grandes cidades, avida social se alterará significativamente.

Park tratará essas alterações como temas de estudo, enfocando temas como oenfraquecimento da família e da igreja; a crise e os tribunais; o vício comercializadoe o tráfico de bebidas; política partidária e publicidade; propaganda e controle socialna cidade, como espaço da racionalidade e em função da heterogeneidade, muitosindivíduos diferentes se cruzam, mas não se veem. Isso provoca o enfraquecimentodo controle social a partir das instituições clássicas. Para controlar a crise social latente

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(necessária para a mobilidade e a mudança social) a cidade só pode funcionar apoiadana ideia de uma lei positiva, em que a norma jurídica substitui o controle antes feitopelo costume, tradição e moral.

Segundo Park, o controle social sob as condições de vida citadina talvez possaser estudado melhor nas suas tentativas de eliminar o vício e de controlar o tráfico,

uma vez que os vícios, mesmo não sendo típicos (naturais) da cidade, encontram nohabitat  urbano os estímulos para sua livre expressão. Assim, o autor também propõeestudos para investigar esforços de regulamentação e supressão dessas formas deexploração e tráfico.

Outra dimensão importante das relações secundárias é a política partidária e a pu-blicidade. O crescimento da cidade e sua organização complexa exigem que sua admi-nistração não fique apenas na mão do indivíduo eleito. Há a necessidade de um corpode funcionários, não conhecidos dos eleitos e longe dos interesses dos indivíduos.

Nesse ponto de sua argumentação, Park revela outra preocupação que é a daimportância da publicidade e da propaganda para a vida moderna, como a formacontemporânea de controle social. Desenvolve a noção da “organização para umbom governo”, ou seja, a emergência de escritórios de pesquisa que buscam repre-sentar os interesses da cidade como um todo, fazendo apelo a um sentimento quenem é local nem pessoal.

Na cidade a publicidade passa a ser a forma de controle social reconhecido, emer-gindo, então, como profissão, sustentada por um corpo de conhecimentos específicosque são uma forma eficiente de controle da opinião pública nas sociedades baseadas

em relações secundárias. Seus principais instrumentos são os jornais diários e os escri-tórios de pesquisas que, segundo ele (é bom lembrar que o autor escreve na Chicagode 1916!)

[...] são os mecanismos para o uso da publicidade como meio de controle social mais interessantes epromissores [...] O jornal é o grande meio de comunicação dentro da cidade, e é na base da informaçãofornecida por ele que se baseia a opinião pública. A primeira função que um jornal preenche é a queanteriormente o falatório desempenhava na aldeia. (PARK, 1979, p. 60-61)

O temperamento e o meio urbano

A cidade, pela extensa mobilidade social que provoca, gera novos contatos eformas mais sutis de interação, com a existência não só dos tipos vocacionais, mastambém dos tipos temperamentais. Partindo dessa constatação, Park destaca três eixosde estudos: a mobilização do homem individual, a região moral e o temperamento econtágio social. No primeiro eixo, da mobilização do homem individual, destaca que acidade proporciona muitos contatos, mais transitórios e menos estáveis, a substituição

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das associações mais íntimas e permanentes da comunidade por uma relação casual efortuita, o peso do status, ou seja, da aparência.

A cidade é o ambiente para a emergência de outro temperamento humano apoia-do em elementos do acaso e aventura, funcionando como atração especial aos “nervos jovens e frescos”. A cidade é sinônimo de um clima moral que lhe dá liberdade, é o

espaço para excentricidade e para a livre manifestação dos talentos.Do estudo desses tipos excepcionais e temperamentais, deveríamos distinguir

entre as qualidades mentais abstratas em que se baseia a excelência técnica e as ca-racterísticas inatas mais fundamentais que encontram expressão no temperamento.Esta outra dimensão da cidade como região moral é importante para os estudos sobrea cidade, pois para Park a segregação ocorre não apenas por interesses, mas de acordocom os gostos e temperamentos de seus habitantes. Assim, pode ser tomada tambémcomo apenas um ponto de encontro, um local de reunião ou um local de moradia.Para entendermos o surgimento da região moral é necessário perceber o que o autor

chama de teoria dos impulsos latentes do homem.

A verdade parece ser que os homens são trazidos ao mundo com todas as paixões, instintos eapetites, incontrolados e indisciplinados. A civilização, no interesse do bem-estar comum, requeralgumas vezes a repressão, e sempre o controle, dessas disposições naturais. No processo de imporsua disciplina ao indivíduo, de refazer o indivíduo de acordo com o modelo comunitário aceito,grande parte é completamente reprimida, e uma parte maior encontra uma expressão substituta nasformas socialmente valorizadas ou pelo menos inócuas. É nesse ponto que funcionam o esporte, adiversão e a arte. Permitem ao indivíduo se purgar desses impulsos selvagens e reprimidos por meioda expressão simbólica. É esta a catarse de que Aristóteles escreve em sua Poética, e à qual têm sidodadas significações novas e mais positivas pelas investigações de Sigmund Freud e dos psicanalistas.(PARK, 1979, p. 65)

Somente a vida na cidade permite “contágio” de tipos excêntricos, em que os tiposdiferentes podem se associar com outros de sua laia, pois a cidade lhes dá o suportemoral. Dessa forma, a região moral é uma categoria analítica para se aplicar a regiõesonde prevaleça um código moral divergente, por uma região em que as pessoas que ahabitam são dominadas, de uma maneira que as pessoas normalmente não o são, porum gosto, por uma paixão, por algum interesse que tem suas raízes diretamente nanatureza original do indivíduo.

ConclusãoPodemos afirmar que Park, ao construir a categoria de região moral como explicativa

para as diferentes associações (por interesse) presentes na sociedade, desloca do campoeconômico para o psicossocial as explicações para a segmentação presente na cidade e,por conseguinte na sociedade. Se sua leitura da estrutura física e econômica caminha no

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mesmo sentido dos autores clássicos da Sociologia, a introdução da dimensão moralcomo constitutiva das relações sociais citadinas desloca-o do campo dos “ecologistas”para o campo dos “culturalistas”. A influência que esta abordagem terá sobre os auto-res da Escola de Chicago será a de fortalecer a cisão entre essas duas correntes. Nasdécadas de 1920 e 1930 elas se afastarão gradativamente, dando origem praticamentea “duas Escolas de Chicago”, com respectivamente Louis Wirth assumindo a vertente

culturalista e Ernest Burgess a ecologista.

Com o quadro a seguir, fizemos uma pequena síntese das categorias analíticasformuladas por Robert Park.

Quadro das categorias propostas por Park 

Cidade Campo/comunidades de vizinhanças

Interesse Sentimento

Mobilidade Isolamento

Divisão do trabalho Simplicidade do trabalho

Raciocínio abstrato Raciocínio concreto

Homem síntese: judeu Homem síntese: camponês

Competição Cooperação

Mores  (usos sociais, maneiras de agirracionais)

Folkways  (costumes tradicionais, derivados de agrupa-mentos homogêneos e simples)

Excentricidade Conservadorismo

Aventura Acomodação

TEXTO COMPLEMENTAR

A organização moral e a cidade

(PARK, 1979, p. 62-63)

Não somente o transporte e a comunicação, mas também a segregação da po-pulação urbana tendem a facilitar a mobilidade do homem individual. Os processosde segregação estabelecem distâncias morais que fazem da cidade um mosaico depequenos mundos que se tocam, mas não se interpenetram. Isso possibilita ao indi-víduo passar rápida e facilmente de um meio moral a outro, e encoraja a experiência

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fascinante, mas perigosa, de viver ao mesmo tempo em vários mundos diferentese contíguos, mas de outras formas amplamente separados. Tudo isso tende a dar àvida citadina um caráter superficial e adventício; tende a complicar as relações so-ciais e a produzir tipos individuais novos e divergentes. Introduz, ao mesmo tempo,um elemento do acaso e aventura que se acrescenta ao estímulo da vida citadina e

lhe confere uma atração especial para nervos jovens e frescos. O atrativo das cida-des grandes é talvez uma consequência de estímulos que agem diretamente sobreos reflexos. Enquanto tipo de comportamento humano, pode ser explicado, num aespécie de tropismo, como a atração de uma mariposa pela chama.

Entretanto, a atração da metrópole é em parte devida ao fato de que a longoprazo cada indivíduo encontra em algum lugar entre as variadas manifestações davida citadina o tipo de ambiente no qual se expande e se sente à vontade; encontra,em suma, o clima moral em que sua natureza peculiar obtém os estímulos que dãolivre e total expressão a suas disposições inatas. São motivações desse tipo, suspeito

eu, que têm suas bases não no interesse, nem mesmo no sentimento, mas em algomais fundamental e primitivo, que trazem muitos, se não a maioria dos jovens e mu-lheres, da segurança de suas casas no interior para a grande e atordoante confusãoe excitação da vida citadina. Na comunidade pequena, o homem normal, o homemsem excentricidade ou gênio, é o que parece mais tendente a se realizar. Poucasvezes a comunidade pequena tolera a excentricidade. A cidade, pelo contrário, a re-compensa. Nem o criminoso, nem o defeituoso, nem o gênio, têm na cidade peque-na a mesma oportunidade de desenvolver sua disposição inata que invariavelmenteencontra na cidade grande.

Os conceitos de folkways e mores

(KAUFFMANN NETO, 2008)

Folkways: Sumner denominou folkways (modos do povo, costumes) aos modosde agir que condicionam o comportamento do homem na sociedade, gerando umaetiqueta social que caracteriza o que é certo ou errado, rude ou refinado, adequa-do ou inadequado dentro de determinados contextos. Esses códigos podem serexpressos no jeito de falar, no relacionamento pessoal (inclusive na distância físicaentre os indivíduos), no tipo de roupa e aparência visual. O grupo a que pertenceuma pessoa pode muitas vezes ser deduzido a partir dos trajes, corte de cabelo,postura corporal e de outros detalhes que se tornam verdadeiros “uniformes” de umambiente ou procedência. O “jeitinho brasileiro”, mecanismo de adaptação das rela-ções pessoais informais à sociedade moderna, que procura garantir os direitos doscidadãos através de normas impessoais, é uma forma de manifestação de folkways.

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Nem todos os folkways, entretanto, possuem igual importância perante o grupo,pois não são posturas rígidas. Podem ser modificados sem que a sociedade reajavigorosamente contra as mudanças. As práticas do namoro (da troca de olhares,mãos dadas e abraços ao período razoável de relacionamento para decisões quantoa noivado e casamento) têm passado por muitas transformações, sem que isso afete

a instituição “casamento”.Mores: Alguns folkways, contudo, são considerados especiais. A sua omissão

pode gerar situações de inquietação e conflito dentro do grupo. O motivo dessadistinção deve ser procurado na forma latente que os interesses tomam no corposocial. São os valores morais, as crenças, os princípios norteadores da conduta e oscódigos de comportamento, bem como a filosofia de vida de determinado agru-pamento social que definem o grau de importância de cada ato praticado. A essesfolkways diferenciados Summer denominou mores. O uso da aliança, simbolizando aunião matrimonial, é uma prática que pertence à categoria dos mores. Um conjunto

de folkways  e mores  relativos a um determinado interesse vital dá origem a umaInstituição.

ATIVIDADES

Por que Robert Park considera possível a existência de uma Sociologia da ci-1.dade ou Sociologia Urbana?

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Como o autor em pauta encara a divisão do trabalho do ponto de vista das2.relações humanas?

Qual relação o autor estabelece entre propaganda e controle social para a épo-3.ca em que viveu?

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Louis Wirth e o urbanismo como

modo de vidaNesta aula trabalhamos com um autor significativo da Sociologia Urbana: Louis

Wirth. Apoiado nos autores clássicos da Sociologia e em suas ideias originais a respeitodo tema, esse sociólogo marcou um espaço no campo sociológico, sendo um dos fun-dadores da Escola de Chicago1.

Uma pequena apresentaçãoLouis Wirth (1897-1952) nasceu na Alemanha, mas fez seus estudos nos Estados

Unidos, na Universidade de Chicago. Formado pela primeira geração dessa escola, esteautor iria tornar-se, mais tarde, um de seus mais importantes professores. Suas principaisobras são O Gueto, publicado em 1928, e o texto aqui apresentado, “O urbanismo comomodo de vida” . Publicado originalmente no American Journal of Sociology , em 1938, tornou-se o seu texto mais popular, muito utilizado pela Antropologia, em seus estudos sobre acidade. Foi traduzido para o português em 1987, e integra a coletânea O Fenômeno Urbano,organizado por Otávio Guilherme Velho e publicado pela Editora Guanabara.

Sobre seu texto mais conhecido no BrasilEm “O urbanismo como modo de vida”,  Wirth divide sua análise em quatro

aspectos:

a cidade e a civilização contemporânea;

uma definição sociológica da cidade;

uma teoria sobre o urbanismo; e

a relação entre a teoria do urbanismo e a pesquisa sociológica.

1A universidade de Chicago, nos Estados Unidos, produz na primeira metade do século XX um conjunto de trabalhos, inclusive no campo da Sociologia

Urbana, que possuem um determinado padrão teórico que os aproxima. Quando dizemos Escola de Chicago nos referimos àquele padrão a nalítico.

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A cidade

Ele começa por apontar para a clássica discussão da sociologia, presente no iníciodo século XX, que vincula o moderno à cidade e seu crescimento constante. O tradicio-nal , nessa concepção, é ligado ao campo, ao meio rural. Além disso, o autor reafirmaque é típico do homem moderno viver em cidades, lócus das ideias e práticas de civi-lização. Portanto, elege como objeto de estudo as modificações na vida social decor-rentes da urbanização. Alerta, numa perspectiva evolucionista2, que o modo de vidaurbano não elimina outros modos de associação humana que predominavam antesdele. Na verdade, muito ao contrário, as características da vida nas cidades se sobre-põem àquelas relativas ao meio rural.

Para efeitos analíticos Wirth lança mão da referência weberiana, no que diz respeitoà construção de tipos ideais, elaborando dois deles: comunidade rural de folk e socieda-de urbano-industrial, encarada por ele como “dois polos em relação aos quais todos osconglomerados humanos tendem a se dispor” (WIRTH, 1979, p. 92), e, portanto, comoimportante instrumento para análise das formas reais de associação humana.

Uma definição

O segundo aspecto destacado pelo autor é uma definição sociológica da cidade, naqual ele seleciona os elementos do urbanismo que marcam a urbe como um modo dis-tinto de vida dos agrupamentos humanos. Isto quer dizer que para Louis Wirth, a vidana cidade produz um tipo diferente de personalidade humana em relação àqueles indi-

víduos que não vivem no meio urbano. Dando continuidade às suas ideias, ele constróium conceito de urbanismo que não apresenta predominância de aspectos quantitativos(por exemplo, o tamanho da cidade), administrativos ou geográficos. Diz ele:

A urbanização não é apenas o processo pelo qual os indivíduos são atraídos a uma localidadeintitulada cidade e incorporadas em seu sistema de vida. Ela se refere também àquela acentuaçãocumulativa das características que distinguem o modo de vida associado com o crescimento dascidades e, finalmente, com as mudanças de sentido dos modos de vida reconhecidos como urbanosque são aparentes entre os povos, sejam eles quais forem, que tenham ficado sob o encantamento dasinfluências que a cidade exerce por meio do poder de suas instituições e personalidades, através dosmeios de comunicação e transporte. (WIRTH, 1979, p. 93-94)

Para Wirth, tanto o tamanho como a densidade devem ser encarados como relati-vos ao contexto cultural geral no qual as cidades surgem e existem, e somente são so-ciologicamente relevantes até o ponto em que operam como fatores condicionantesda vida social. O mesmo se aplica à profissão dos habitantes, às instalações, instituiçõese formas de organização política.

2Alusão à teoria evolucionista de Darwin.    S

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Nessa definição, encontramos algumas questões metodológicas que devem serressaltadas: a análise sociológica do urbanismo deve dar conta da descoberta das va-riações nas características essenciais das cidades, bem como deve ser suficientementeinclusiva para conter quaisquer características essenciais que os diferentes tipos decidade têm em comum.

Trata-se então de encontrar no urbanismo o ponto central de investigação de umaSociologia Urbana e tratá-lo como um complexo de caracteres que formam o modo devida peculiar das cidades. Para Wirth, a urbanização seria o desenvolvimento e a extensãodesses fatores, encontrados em todos os grupamentos, mas principalmente nas grandesáreas metropolitanas. A cidade foi conceituada pelo autor como um núcleo relativamen-te grande, denso e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos.

Essas definições de urbanismo, urbanização e cidade seriam utilizadas, a partir dadata de elaboração do texto que tratamos, como consenso nos estudos urbanos.

Uma teoria do urbanismo

O esforço de Wirth em construir uma teoria sobre urbanismo partiu de seu diag-nóstico acerca da falta de um corpo de hipóteses derivadas de uma definição socioló-gica de cidade e do conhecimento sociológico geral, passível de comprovação atravésda pesquisa científica. Tratava-se, portanto, de produzir essas hipóteses.

Apoiado em Max Weber e Robert Park, Wirth coloca em evidência alguns temasrelativos às formas de ação e organização social que emergem em grupamentos com-

pactos, relativamente permanentes, de grande número de indivíduos heterogêneos, eencontra, como suas principais hipóteses de trabalho, os seguintes postulados:

 quanto mais densamente habitada, quanto mais heterogênea for a comunida-de, tanto mais acentuadas serão as características associadas ao urbanismo;

 como o modo de vida urbano se espalha para além da cidade, ele poderá ser per-petuado sob condições bem diferentes daquelas necessárias para sua origem;

 a quantidade populacional conduz à alta densidade;

 a heterogeneidade dos habitantes e da vida social resulta tanto do crescimentopróprio dos centros urbanos como da migração.

Para esse autor, portanto, a cidade tem sido “o cadinho das raças, dos povos e dasculturas e o mais favorável campo de criação de novos híbridos biológicos e culturais.Ela não só tolerou como recompensou diferenças individuais” (WIRTH, 1979, p. 98).

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Ao detalhar o tamanho do agregado populacional , Wirth afirma que quanto maioro número de indivíduos participando de um processo de interação, tanto maior a dife-renciação potencial entre eles e tais variações dão origem à separação espacial entreos indivíduos. Esse processo leva ao afrouxamento dos laços dos grupos primários oucomunitários: em comunidades (folk ) imperam os vínculos de solidariedade ao passoque na cidade (city ) são os mecanismos formais de controle e a concorrência que pre-

dominam. Na cidade os contatos são muito mais frequentes e menos intensos. O indi-víduo depende de mais pessoas, o que leva a uma maior segmentação de papéis.

Acerca desta questão, Wirth parte de diversas contribuições teóricas dasociologia:

Max Weber [...] salientou que, do ponto de vista sociológico, os grandes números de habitantes ea densidade do agrupamento significam que as relações de conhecimento pessoal mútuo entre oshabitantes, inerentes a uma vizinhança, estão faltando.” (WIRTH, 1979, p. 100)

O autor destaca também a influência de Georg Simmel, quando afirma:

[...] [Se] o incessante contato externo de uma quantidade de pessoas na cidade devesse sercorrespondido pelo mesmo número de reações interiores como numa pequena vila, na qualconhecemos quase todas as pessoas que encontramos e com cada uma das quais temos uma relaçãopositiva, estaríamos completamente atomizados internamente e cairíamos numa condição mentalindescritível. (WIRTH, 1979, p. 100)

É então que a atitude blasé3 do homem metropolitano, teorizada por Simmel, émencionada pelo autor:

A reserva, a indiferença e o ar blasé  que os habitantes urbanos manifestam em suas relaçõessão instrumentos para se imunizarem contra exigências pessoais e expectativas dos outros. O

superficialismo, o anonimato, e o caráter transitório das relações urbano-sociais explicam, também, asofisticação e a racionalidade geralmente atribuídas ao habitante da cidade. Nossos conhecidos têma tendência de manter uma relação de utilidade para nós, no sentido de que o papel que cada umdesempenha em nossa vida é sobejamente encarado como um meio para alcançar os fins desejados.Embora, portanto, o indivíduo ganhe, por um lado, certo grau de emancipação ou liberdade de controlespessoais e emocionais de grupos íntimos, perde, por outro lado, a espontânea autoexpressão, a moral,e o senso de participação, implícitos na vida numa sociedade integrada. Isso constitui essencialmenteo estado de anomia ou de vazio social a que se refere Durkheim ao tentar explicar as várias formas dedesorganização em sociedade tecnológica. (WIRTH, 1979, p. 101)

Como vimos, Wirth resgata diversas contribuições importantes da Sociologia noque se refere à análise do fenômeno urbano. Mas o autor visa trazer conceitos sobre o

urbanismo para além das definições iniciais da cidade como lócus dos contatos sociaissecundários e da sofisticada divisão do trabalho.

Para o autor, a cidade é um espaço institucionalizado dos trabalhos especializa-dos, o que confere um caráter segmentário e feições utilitaristas nas relações pessoais. Étambém o lugar das operações que envolvem o dinheiro, e por isso, tais relações sociais

3 Para Georg Simmel, a cidade grande produz uma espécie de depressão no indivíduo, em função da quantidade que situações que o cidadão tem que en-frentar ao morar na cidade. Assim, uma atitude típica do homem metropolitano é um ar blasé, que pode ser entendido como um olha r vazio, uma indiferençaaparente.    S

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necessitam ser regidas por códigos claramente definidos, reconhecidos e aceitos portodos.

A ética ocupacional se torna a base da associação entre as pessoas, organizada apartir da especialização dos indivíduos inseridos em um mercado ampliado. Por fim, acomplexa divisão do trabalho é a base da dominação do campo pela cidade e a expli-

cação tanto para o extremo grau de interdependência como o equilíbrio instável davida urbana.

O autor conclui esta argumentação indicando que o tamanho da cidade impõetambém uma forma específica de organização política, afirmando que

numa comunidade composta de grande número de indivíduos que não se conhecem intimamente ecujo número é excessivo para se reunirem num só lugar, torna-se necessário efetuar a comunicaçãopor meios indiretos e articular interesses individuais por um processo de delegação. Especificamentena cidade, os interesses são efetivados através de representação. O indivíduo pouco conta, mas a vozdo representante é ouvida com uma deferência proporcional ao número de indivíduos em nome dosquais ele fala. (WIRTH, 1979, p. 102)

Assim, a comunicação de massa e a forma representativa são efeitos necessáriose indispensáveis para a vida urbana, tal como a questão da densidade. Sobre o tema,Wirth, retoma Durkheim, ao afirmar que o aumento do número de pessoas numa áreatende a produzir objetivamente diferenciação e especialização, ou seja, mais diversi-ficação dos homens e de suas atividades e aumento da complexidade da estruturasocial e, subjetivamente, mais contato físico e menos contato social.

Apenas na cidade poderemos encontrar um mosaico de mundos sociais de taldimensão, pela convivência de diferentes camadas da população, com localização di-

ferenciada no espaço, permitindo, no entanto, o agrupamento dos iguais, devido afunções especializadas.

A densidade, os valores da terra, os aluguéis, a acessibilidade, a salubridade, o prestígio, consideraçõesestéticas, a ausência de inconvenientes tais como o barulho, fumaça e sujeira, determinam asatratividades de várias áreas da cidade como locais para o estabelecimento de diferentes camadas dapopulação. O local e a natureza do trabalho, a renda, as características raciais, étnicas, o status social, oscostumes, hábitos, gostos, preferências e preconceitos estão entre os fatores significantes de acordocom os quais a população urbana é selecionada e distribuída em locais mais ou menos distintos.Elementos populacionais diversos, habitando localidade compacta, tendem portanto a se separar unsdos outros na medida em que suas necessidades e modos de vida são incompatíveis uns com osoutros e na medida em que sejam antagônicos. Do mesmo modo, pessoas de status e necessidades

homogêneos, consciente ou inconscientemente, se dirigem ou são forçadas para a mesma área. Asdiferentes partes da cidade, portanto, adquirem funções especializadas. A cidade, consequentemente,tende a parecer um mosaico de mundos sociais nos quais é abrupta a transição de um para o outro.A justificação de personalidades e modos de vida divergentes tende a produzir uma perspectivarelativista e um senso de tolerância de diferenças que poderão ser encaradas como pré-requisitospara a racionalidade e que conduzem à secularização da vida. (WIRTH, 1979, p. 103-104)

Outra dimensão importante da teoria do urbanismo refere-se à heterogeneida-de. Segundo Wirth, grupos diferentes convivendo no mesmo espaço tendem a que-brar qualquer diferenciação social rígida (casta/classe), produzindo uma estratificação

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mais ramificada. A cidade é o local do cosmopolitismo e da sofisticação. Nela, nenhumgrupo isolado é possuidor da fidelidade exclusiva do indivíduo, isto é, o mesmo indiví-duo está ligado a diversos grupos ao mesmo tempo, pois todos são tangenciais ou seentrecortam de forma bastante variável.

O conceito desenvolvido pelo autor para tratar desse fenômeno é a noção de

“status flutuante”: trata-se da tendência de aceitação da instabilidade e da insegurançano mundo como norma geral. No meio urbano o comportamento coletivo é sempreproblemático para Wirth, porque em função da heterogeneidade, a individualidadepode ser exercitada mais plenamente. Tal fato, somado à mobilidade social, produziráo efeito conceituado pelo autor como “massas fluidas”.

Mas a cidade não produz apenas a heterogeneidade: exerce também uma influ-ência niveladora e despersonalizadora sobre os indivíduos, resultado da divisão dotrabalho. A combinação entre a fluidez das massas e despersonalização levará Wirth aargumentar que o principal “motor” de controle social nos processos políticos passará

a ser as modernas técnicas de propaganda.

A teoria do urbanismo e a pesquisa sociológica

No último tópico de seu trabalho, o autor toma a pesquisa empírica nos EstadosUnidos para provar as proposições teóricas estabelecidas. Diz ele:

O urbanismo como modo de vida característico pode ser abordado empiricamente de três perspectivasinter-relacionadas: 1) como uma estrutura física consistindo uma base de população, uma tecnologia

e uma ordem ecológica: 2) como um sistema de organização social envolvendo uma estrutura socialcaracterística, uma série de instituições sociais e um modelo típico de relações sociais; 3) como umconjunto de atitudes, de ideias e uma constelação de personalidades dedicadas a formas típicas docomportamento coletivo e sujeitas a mecanismos característicos de controle social. (p. 107)

Assim, para compreender corretamente o urbanismo como modo de vida, é ne-cessário desenvolver em conjunto esses três grandes eixos de pesquisa na SociologiaUrbana, conforme Wirth. Detalharemos a seguir cada um deles.

O urbanismo na perspectiva ecológica

Essa perspectiva busca entender o urbanismo como uma estrutura física, consis-tindo em uma base populacional, uma tecnologia e uma ordem ecológica. A tecnologiaseria derivada do tamanho e densidade da cidade, a base populacional caracterizadapor sua heterogeneidade (poderíamos destacar a existência de mais mulheres, jovens,raças e etnias do que na configuração rural).

As cidades, em geral, e as americanas em particular, são formadas de uma gama heterogênea depovos e culturas, de modos de vida altamente diferenciados entre os quais muitas vezes há apenas

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um mínimo de comunicação, a maior das indiferenças e a maior tolerância, por vezes árdua luta, massempre o contraste mais marcante. (WIRTH, 1979, p. 108)

Outro aspecto importante está relacionado às características biológicas que sãosociologicamente significantes porque tanto refletem o modo urbano de existênciacomo condicionam o crescimento e a futura dominância das cidades e sua organizaçãosocial básica. Ou seja, o autor adota um aspecto da ecologia para aplicar à sociologia.

O urbanismo como forma de organização social

Esta perspectiva centra sua atenção na estrutura social, instituições e relaçõesentre os indivíduos. Acerca destas dimensões, além do predomínio dos contatos se-cundários, podemos identificar diversas características do urbanismo como forma deorganização social.

Wirth identifica a transferência de funções históricas da família para outras insti-

tuições fora do lar, o que significaria a ampliação da importância da esfera pública navida individual. Em contrapartida, percebe o predomínio da família nuclear sobre ogrupo de parentesco, o que reflete a ênfase no indivíduo e maior divergência vocacio-nal, religiosa, educacional, recreativa e política no fenômeno urbano.

A economia de subsistência é desencorajada, e consequentemente, o custo devida torna-se mais alto, as necessidades humanas passam a ser satisfeitas necessaria-mente através do mecanismo de compra e o lazer surge como forma de escapar dotédio e da rotina.

Por fim, é importante destacar que, como o indivíduo esforça-se para fazer partede grupos organizados de interesses semelhantes para obter seus fins, ocorre o surgi-mento das organizações voluntárias, como os sindicatos, por exemplo. Além disso, oautor afirma que

enquanto numa sociedade primitiva e rural é geralmente possível, com base em alguns fatoresconhecidos, prever quem pertencerá ao que, e quem se associará a quem, em quase todas as relaçõesda vida, na cidade só podemos projetar o padrão geral de formação e filiação do grupo, e esse padrãomostrará muitas incongruências e contradições. (WIRTH, 1979, p. 110)

A personalidade urbana e o comportamento coletivoA última perspectiva destacada por Wirth procura focalizar as implicações do

urbanismo nas ideias, atitudes e personalidades. De início, poderíamos afirmar que éapenas na cidade que o homem urbano exprime e desenvolve plenamente sua per-sonalidade, adquire status e consegue desempenhar a quantidade de atividades queconstitui sua carreira na vida.

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O controle social resultante do tamanho, da densidade e da heterogeneidade dascidades deve processar-se tanto por meio de grupos formalmente organizados comoatravés dos meios de comunicação. Nesse sentido, a manipulação das massas atravésde símbolos e estereótipos comandados por indivíduos “operando de longe” é um dosfenômenos urbanos da maior importância. Sobre esse assunto, nos diz Wirth “o auto-governo, quer seja no reino econômico, político ou cultural, está nessas circunstâncias

reduzido a uma simples figura de retórica, ou na melhor das hipóteses está sujeito aoequilíbrio instável de grupos de pressão” (WIRTH, 1979, p. 110).

Tais grupos de pressão são instituições como sindicatos, associações, e outrasformas de organização de interesses, baseados em outra solidariedade social e quetem sua origem vinculada ao fenômeno urbano:

[...] a cidade como comunidade decompõe-se, numa série de relações segmentarias tênues,sobrepostas a uma base territorial com um centro definido, mas sem uma periferia definida, e umadivisão do trabalho que transcende bastante a localidade contígua, e é universal em extensão. Quantomaior o número de pessoas num estado de interação umas com as outras, tanto menor é o nível de

comunicação e tanto maior é a tendência da comunicação proceder num nível elementar, isto é, nabase daquelas coisas que se supõem serem comuns ou de interesse de todos. (WIRTH, 1979, p. 111)

Vimos, nessa passagem, que além das forças que tencionam a sociedade existemoutras que levam a uma coesão social, proporcionando um certo equilíbrio entre asforças sociais.

Buscando uma conclusãoA passagem de Wirth que transcrevemos abaixo é de particular importância por

retomar sua teoria ampla do urbanismo como modo de vida, além de tratar da função eimportância do sociólogo urbano:

Somente na medida em que o sociólogo tiver uma compreensão clara do que seja a cidade comoentidade social e possuir uma teoria razoável sobre urbanismo, poderá ele desenvolver um corpounificado de conhecimentos, pois aquilo que passa por “Sociologia Urbana” certamente não o éatualmente. Se se tomar como ponto de partida uma teoria sobre urbanismo como delineada naspáginas anteriores, a ser elaborada, testada e revista à luz de mais análises e pesquisa empírica, pode-se esperar que seja determinado o critério de relevância e validade de dados concretos. Esse sortimentoheterogêneo de informações separadas que foram incorporadas em tratados de Sociologia sobre a

cidade poderá, assim, ser filtrado e incorporado num corpo coerente de conhecimentos. A propósito,somente por meio de uma teoria desse tipo, o sociólogo escapará da fútil prática de enunciar em nomeda ciência sociológica, uma variedade de julgamentos, às vezes insuscitáveis, relativos a problemastais como pobreza, habitação, planejamento urbano, higiene, administração municipal, policiamento,mercadologia, transporte e outros itens técnicos. Embora o sociólogo não possa solucionar qualquerdesses problemas práticos – pelo menos não por si só – ele poderá, se descobrir sua função apropriada,contribuir para a sua compreensão e solução. As perspectivas de fazê-lo são mais claras através deuma abordagem geral, teórica, do que por uma abordagem ad hoc. (WIRTH, 1979, p. 112)

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Como pudemos observar, Louis Wirth trabalha com uma expectativa de constru-ção da sociologia urbana. Para realizar essa tarefa, ele apoia-se nos autores clássicos daSociologia, que o precederam, tais como Georg Simmel e Max Weber. O passo seguinteé produzir um leque de questões sobre a cidade e articulá-las teoricamente em um pri-meiro movimento para, depois, proceder a uma pesquisa na realidade e, assim, chegara uma teoria do urbano, da Sociologia Urbana.

TEXTO COMPLEMENTAR

O efeito metrópole na cultura política:

reflexões a partir de Louis Wirth

(ANDRADE, 2008)

Louis Wirth (1897-1952) nasceu na Alemanha, mas fez seus estudos nos EstadosUnidos, na Universidade de Chicago. Formado pela primeira geração dessa escola,tornar-se-ia mais tarde um de seus mais importantes professores. Suas principaisobras são O Gueto, publicado em 1928, e o texto aqui apresentado, “O urbanismocomo modo de vida”. Publicado originalmente no  American Journal of Sociology ,teve tradução para o português no livro O Fenômeno Urbano, organizado por OtávioGuilherme Velho (1987) e publicado pela Editora Guanabara. Trata-se de uma impor-tante coletânea, que traz ainda textos de Georg Simmel, Robert Park, Max Weber e P.H. Chombart de Lauvwe, mas que se encontra esgotada.

Em “O urbanismo como modo de vida” , a influência do sociólogo alemão GeorgSimmel é facilmente perceptível. O texto de Wirth remete a várias questões discuti-das por Simmel em “A metrópole e a vida mental” (1987), mas há contribuições novase importantes. A primeira delas refere-se ao tratamento do urbano e do rural nãomais como opostos ou como dois espaços e modos de vida separados e sem con-tato. Ao contrário, Wirth destaca a interpenetração desses mundos. A vida urbana é

influenciada pela vida rural, até porque muitos de seus habitantes têm origem rural,e o urbanismo rompe as fronteiras da cidade, levando sua influência para além deseus limites físicos.

Wirth, como Simmel e Weber, tratou esses mundos como tipos ideais e procurouuma definição de cidade que captasse tanto a sua dimensão física quanto a social.A cidade como uma realidade sui generis, “uma determinada forma de associação

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humana” e um ambiente que produz uma forma também específica de vida, “ummodo distinto de vida dos agrupamentos humanos” (1987, p. 92). Enfim, a metrópolee a vida mental, nos termos de Simmel, ou a cidade e o urbanismo, para Wirth.

[...]

A cidade, para Wirth, tal como para Simmel, é palco de forças contraditórias.A liberdade e autonomia são conquistadas em detrimento de vínculos mais fortescom os diversos grupos sociais. A participação na vida coletiva é dificultada por essafragmentação, pela multiplicidade de papéis sociais assumidos pelos indivíduos.Se em determinados contextos a individualização e a autonomia podem ser expe-rimentadas como potência e força, em outros pode revelar-se como impotênciadiante de uma totalidade extremamente complexa e da qual pouco se apropria. Daía necessidade de se associar para fazer valer seus interesses. Mas, como os interessessão diversos, há uma multiplicidade de associações, com objetivos também muito

distintos. E não são os interesses econômicos, ou a classe social, a principal referên-cia para essas organizações, o que dá margem à constituição de organizações compadrões muitas vezes contraditórios e incongruentes. Ou seja, na metrópole nãoocorre como na pequena cidade ou no mundo rural, onde se percebe facilmentequem se filiará a quem, uma vez que as posições sociais são mais rígidas.

ATIVIDADES

Por que o autor se propõe a forjar uma “Sociologia Urbana”?1.

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Quais as diferenças assinaladas por Wirth entre os conceitos de urbanização, ur-2.banismo e cidade?

Segundo Louis Wirth, a grande dimensão das metrópoles faz surgir uma forma3.específica de representação política. Qual é ela? Qual a principal forma de con-trole social nesse novo contexto urbano?

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Paul Singer e a Sociologia Urbana no Brasil

Um dos mais importantes pesquisadores do espaço urbano no Brasil é Paul Singer. Olivro que trabalhamos neste capítulo, Economia Política da Urbanização, teve sua primeiraedição em 1973 e constituiu-se em um clássico dos estudos sobre as cidades no Brasil.

Apresentamos a seguir algumas anotações sobre o autor que trabalhamos nopresente capítulo: Paul Israel Singer1 é austríaco, nascido em Viena, em 24 de marçode 1932. Uma vez que, no ano seguinte ao seu nascimento, o nazismo ascendeu aopoder na Alemanha, Paul Singer e sua família, de origem judia, emigram para o Brasil,

chegando ao país em 1940.

No início dos anos 1950 já era militante político da esquerda brasileira, mais pre-cisamente do Partido Socialista Brasileiro. Formado em Economia em 1959, doutora-seem Sociologia no ano de 1966. Foi perseguido pela ditadura militar instalada no Brasilem 1964, perdendo sua vaga de professor na Universidade de São Paulo em 1969. Re-torna à atividade docente 10 anos depois, além de manter sua atividade política. É umdos principais integrantes da velha guarda do Partido dos Trabalhadores, trabalhandopela sua fundação em 1980. Mais recentemente, recebeu a incumbência de implemen-tar a Secretaria Nacional de Economia Solidária do Governo Lula, em 2003.

Elencamos abaixo seus principais livros, mais diretamente ligados ao nossotema2:

 Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo,2002.

 O Brasil na Crise: perigos e oportunidades. São Paulo: Contexto, 1999.

  Globalização e Desemprego: diagnósticos e alternativas. São Paulo: Contexto,1998.

  Social Exclusion in Brazil . Geneva: Internacional Institute for Labour Studies,1997.

 São Paulo’s Master Plan, 1989-1992: the politics of urban space. Washington, D.C.:Woodrow Wilson International Center for Scholars, 1993.

1 Informações retiradas do site <http://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Singer>. Acesso em: 9 out. 2008.

2Relação retirada do site <http://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Singer>.

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 São Paulo: trabalhar e viver . São Paulo: Brasiliense, 1989. Em coautoria com BRANT,V. C.

 Dominação e Desigualdade: estrutura de classes e repartição de renda no Brasil . Riode Janeiro: Paz e Terra, 1981.

 Economia Política da Urbanização. São Paulo: Brasiliense, 1973. A Cidade e o Campo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1972. Em coautoria com CAR-DOSO, F. H.

 Dinâmica Populacional e Desenvolvimento. São Paulo: Hucitec, 1970.

  Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana. São Paulo: Editora Nacional,1969.

Uma base marxista para pensarmos o BrasilPodemos destacar, inicialmente, a adesão desse autor ao campo do marxismo. Que-

remos esclarecer com isso que o seu referencial teórico é constituído dos elementos fun-damentais da teoria de Marx, ou seja, Paul Singer trabalha com os conceitos de classessociais – burguesia e proletariado, fundamentalmente –, e articula suas análises tomandoas bases econômicas da sociedade como grande pilar de suas considerações. Não é poracaso que o trabalho que serve de base para a nossa discussão está intitulado EconomiaPolítica da Urbanização. No caso, a “economia política” está presente até no título.

Já no início de seu trabalho o autor mostra-nos como articula os conceitos dateoria para aplicá-los na análise da realidade concreta. Um elemento inicial vem mar-cado por um tipo de dificuldade em perceber como os conflitos de classe estão na basedos processos de transformação da realidade histórica em geral e dos espaços urbanosem particular.

De acordo com Singer, é muito difícil perceber as divisões de classe no interior deum espaço urbano ou rural, quando o cotidiano se impõe de forma rotineira e orde-nada. Quando tudo está em paz as diferenças desaparecem e tudo caminha de umamaneira mais homogênea. Temos a impressão, na maioria das vezes que estendemosnossos olhares sobre a sociedade, que todos pertencemos à mesma comunidade eco-lógica, para utilizarmos uma expressão do autor. As diferenças de interesse ficam, nestecaso, ocultas pelo andar dos fatos.

Somente em determinados momentos cruciais da história, quando a dinâmica da sociedade inclusivaenseja o enfrentamento global de classe contra classe, estando o futuro de toda sociedade em jogo,somente nestes momentos a estrutura de classes aparece à luz, sobrepujando as demais divisõessociais, inclusive a ecológica. Quando os camponeses da França arrasavam castelos, em apoio aos

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“sans-cullotes” de Paris, ou quando os Junkers prussianos se aliaram aos industriais do Ruhr em apoio aonazismo – para apontar apenas um momento revolucionário e outro contrarrevolucionário – ninguémdeixou de perceber que o antagonismo entre campo e cidade (ou entre agricultura e indústria) tinhaum caráter historicamente muito menos decisivo que as contradições de classe. (SINGER, 1987, p.11)

A contradição entre as classes sociais dominantes e dominadas, embora se consti-tua na contradição fundamental não é a única a produzir conflitos no interior da socie-

dade. As diferenças de interesses entre o campo e a cidade também se somam aos an-tagonismos de classe. Embora de maneira subordinada, esse conflito estará no centrodas análises do trabalho em pauta. Ele reúne alguns ensaios do autor que vamos traba-lhar, destacando os aspectos relativos à análise do processo migratório e suas relaçõescom a realidade das grandes cidades brasileiras.

O campo, a cidade e a migração

De acordo com aquilo que já apontamos anteriormente, o foco de atenção desseautor está voltado para a compreensão das relações existentes no processo de urbani-zação do terceiro mundo e suas relações com as diferenças entre campo e cidade quepermitem compreender o processo de crescimento das cidades.

Uma vez que Paul Singer trabalha com o conjunto de conceitos do marxismo, eleprocura desenvolver seus estudos, articulando, em uma hierarquia, o universo maissignificativo de conflitos existentes. Tomando como referência mais geral a discussãoda economia, o autor apresenta um dos elementos destacados pelos economistas jáno século XIX, para analisar as transformações ocorridas no processo de implantação

do capitalismo. Estamos nos referindo aqui a um aspecto da produção de bens no in-terior de uma determinada sociedade, a divisão do processo de trabalho.

Uma alteração na forma como as mercadorias eram produzidas, redundou emum conjunto de transformações na economia como um todo. Vamos exemplificar essetema para facilitar o seu entendimento. Quando a sociedade europeia encontrava-seno feudalismo, antes do século XIX, portanto, a maneira como os objetos eram pro-duzidos era muito diferente daquela que estamos acostumados a ver hoje em dia. Oaspecto que nos interessa destacar aqui é a divisão do trabalho. Naquela época, um

único indivíduo era responsável pela produção de uma mercadoria, desde a obtençãoda matéria-prima até a venda do produto final. Isto quer dizer que um marceneiro, porexemplo, precisa conseguir a madeira e dispor das ferramentas e dos conhecimentospara produzir uma cadeira ou uma mesa. Além disso, ele deveria vendê-la ou trocá-la,depois de ter feito a mercadoria. Com o processo de industrialização, esse trabalhoartesanal foi se transformando.

Uma primeira transformação significativa foi a utilização cada vez maior das má-quinas para a produção. Outra delas foi o parcelamento (ou divisão) do processo de

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trabalho. Cada indivíduo que trabalhava no interior da fábrica era responsável por umaparte da produção, ou seja, um operário apenas preparava a matéria-prima enquantooutro realizava um trabalho complementar àquele e assim sucessivamente. E, ao fimdo processo, nenhum deles tinha que se preocupar em vender ou trocar os objetosproduzidos. O resultado mais importante dessa divisão de tarefas foi o fato de que aprodutividade aumentou muito.

Em outras palavras, a quantidade de produtos que um determinado número deartesãos produzia em um determinado tempo, fazendo o trabalho completo, era de-zenas de vezes menor do que o mesmo número de operários produzindo os mesmosbens de forma parcelada. Várias medições e contagens foram feitas na época e ficoudemonstrado que, por exemplo, se 10 artesãos trabalhassem 12 horas em um dia elesproduziriam 20 cadeiras no total. No caso de 10 operários que produzissem o mesmotipo de cadeiras no mesmo período de tempo, de forma parcelada, o resultado alcan-çado era cerca de 10 vezes maior, tendo como número final 200 peças.

É fácil percebermos porque o modo de produção capitalista superou o modo deprodução feudal, observando o aumento da produtividade. O que é interessante des-tacar, no entanto, é que com o passar do tempo essa divisão de tarefas ou especializa-ção do trabalho refletiu-se em outras direções. Referimo-nos a uma espécie de divisãode trabalho entre a cidade e o campo.

Desde as origens das cidades essa divisão já existia. Contudo, ela se acentuoucom o desenvolvimento do capitalismo na Europa do século XIX e nos países do assimchamados “terceiro mundo” no século seguinte. Essa referida divisão pode ser expressada seguinte maneira:

[...] quando se pensa qualquer sociedade humana que tenha atingido o estágio da civilização urbana– em que a produção e/ou a captura de um excedente alimentar permite a uma parte da populaçãoviver aglomerada, dedicando-se a outras atividades que não à produção de alimentos – a divisão entreurbe e campo aparece claramente aos olhos. (SINGER, 1987, p.11)

Quando chegamos ao final do século XX essa divisão de tarefas entre cidade ecampo ganhou novos contornos. Em função dos diferentes aspectos do processo deprodução de alimentos terem sido alterados pela técnica e por outros elementos dapolítica e da economia, as distinções aqui começam a perder os seus contornos.

A divisão do trabalho entre campo e cidade sofreu, deste modo, uma transformação tão ampla que

hoje já é legítimo se colocar a dúvida quanto à validade da distinção entre campo e cidade. Não édifícil prever uma situação em que a maioria da população “rural”, no sentido ecológico, se dedique afunções urbanas e que a prática da agricultura – mecanizada, automatizada, computadorizada – emnada se distinga das demais atividades urbanas. (SINGER, 1987, p. 27)

Notemos que o autor levanta um aspecto do processo de alteração das relaçõesentre a cidade e o campo que ainda não vislumbramos o seu final. De qualquer ma-neira, esse conjunto de mudanças afeta diretamente o fluxo de migrantes que nãoencontram mais o que fazer no campo e se dirigem à cidade em busca de trabalho, de

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melhores condições de vida, ou simplesmente se deixam levar pelo poder de atraçãoque as cidades sempre despertaram.

Na apresentação da obra Economia Política da Urbanização, Paul Singer nos apontamais claramente o sentido de seus escritos, apresentando a forma da abordagem porele adotada.

Os ensaios que se seguem tratam dos problemas da urbanização no contexto do desenvolvimento.Todos eles têm, como traço teórico comum, um enfoque globalizador: a problemática urbana sópode ser analisada como parte de um processo mais amplo de mudança estrutural, que afeta tantocidade como campo, e não se esgota em seus aspectos ecológicos e demográficos. Na verdade, hojemais do que no passado, estes aspectos não passam de uma primeira aparência de um processo maisprofundo de transformação da estrutura de classes e dos modos de produção em presença. É por issoque a análise do processo de urbanização não passa, muitas vezes, de uma abordagem inicial que éobrigada a superar o seu próprio tema se, de fato, deseja elucidá-lo. Portanto, quando se pensa emurbanização numa sociedade que se industrializa, é preciso procurar pelo papel que as classes sociaisdesempenham nela, pois, em caso contrário, ela tende a ser tomada como um processo autônomo,fruto de mudança de atitudes e valores da população rural, perdendo-se de vista seu significadoessencial para o conjunto da sociedade. (SINGER, 1987, p. 28)

Vamos trabalhar agora com um dos ensaios que compõe o livro de Paul Singer, noqual ele nos dá as bases para o desenvolvimento de seu estudo o processo migratórioem países como o Brasil.

Alguns aspectos teóricos sobre o processo

de migraçãoA primeira grande constatação é que o os movimentos migratórios apresentam

um perfil histórico que marcou a movimentação da espécie humana sobre o planeta aolongo do tempo. Em todos esses movimentos identificamos, inicialmente, um determi-nante natural. Queremos dizer com isso que, por mudanças climáticas, por esgotamentodo solo cultivável etc., populações inteiras se deslocaram num passado remoto.

Posteriormente a esses movimentos, outros fenômenos migratórios ocorreramcujos propulsores, além das causas naturais, foram de outra ordem. Causas políticas emilitares levaram povos inteiros a se deslocar: as guerras que ocorreram na antiguida-

de e as mais recentes, como as duas grandes guerras, constituem-se claros exemplosdisto. Além desse fator, no período aproximado dos três últimos séculos, tivemos oprocesso de industrialização pautando o movimento migratório. Nesse sentido, a eco-nomia começa a ganhar o lugar de protagonista no processo em foco.

Podemos afirmar, portanto, que as mudanças na forma de produção que foramengendradas pelo incremento das indústrias, levaram a migração do campo para acidade a sofrer um impulso. Esse processo pode ser observado no berço do processo

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da industrialização, na Inglaterra. Conforme a Revolução Industrial foi se expandindo,esse movimento de atração da cidade sobre o campo foi cada vez mais se generalizan-do, não apenas na Inglaterra, mas na Europa, de uma forma mais geral (e posterior-mente no resto do mundo).

Quando o capitalismo se consolida, no caso europeu nos fins do século XIX, oprocesso de deslocamento das populações ganha forte impulso. E, mais uma vez, aeconomia determina o ritmo do movimento em função da implantação do modo deprodução capitalista de maneira diferenciada, de país para país e, dentro dos países,com diferenças também de região para região. Basta que imaginemos, por exemplo,o capitalismo da Alemanha, que sustentou duas guerras mundiais, perdeu as duas e,apesar disso, o país ainda é uma potência. Quando comparamos o capitalismo alemãocom o da Espanha, podemos perceber as diferenças.

Um aspecto a ser abordado a seguir nos coloca no campo da História, ou seja,vamos tratar de analisar, junto com o autor em foco, o sentido histórico do processo de

migração interna nos países da América Latina de uma forma mais geral e no Brasil, demaneira mais específica.

No caso da América Latina e, mais especificamente do Brasil, vemos a implantaçãodo modo de produção capitalista e suas desigualdades regionais fazendo a diferença noque diz respeito ao deslocamento das populações. Conforme nos mostra Paul Singer,

a criação de desigualdades regionais pode ser encarada como o motor principal das migraçõesinternas que acompanham a industrialização nos moldes capitalistas. [...] as regiões favorecidas nãocessam de acumular vantagens e os efeitos de difusão do progresso se fazem sentir num âmbitoterritorial relativamente acanhado. A população das áreas desfavorecidas sofre, em consequência, umempobrecimento relativo: o arranjo institucional faz com que participem do processo de acumulação

sem que possam beneficiar-se dos seus frutos. (SINGER, 1987, p. 37-38)

Esse quadro, apontado acima, provoca duas consequências. Em primeiro lugar,temos um empobrecimento da região com cultura de subsistência, baixa urbanização eindustrialização, colonialismo interno, ou seja, uma região mais desenvolvida mantémuma relação de metrópole com outra menos desenvolvida, que ocupará o lugar da co-lônia, assim como acontecia, por exemplo, entre a Inglaterra e a Índia. A diferença aquiestá no fato de que essa “exploração colonial” se dar no interior do mesmo país, entreas regiões ricas e pobres. Além disso, os centros regionais mais desenvolvidos exercemsobre os centros subdesenvolvidos uma poderosa atração levando às migrações inter-

nas que marcaram – e ainda marcam – as regiões Sudeste e Nordeste do Brasil.

Esse processo de deslocamento de populações, que resulta das diferenças entreos níveis de desenvolvimento regionais, marcou e marca a realidade das principais ci-dades brasileiras. Essas desigualdades econômicas acabam por criar uma situação demarginalidade social em relação aqueles que saem dos seus locais de nascimento emigram em direção aos grandes centros urbanos industriais.

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O perfil das cidades recortado

pelo tipo de desenvolvimento capitalistaO conjunto de elementos que alinhamos até aqui nos permite traçar, a partir de

agora, uma direção para o processo de definição do perfil das grandes cidades brasilei-ras. Nesse sentido, podemos iniciar esta parte de nossa reflexão lembrando que o sis-tema econômico, implantado pelos europeus no que seria mais tarde a América Latina,tinha por objetivo geral a obtenção de um excedente comercializável (SINGER, 1987,p. 95). Esta marca original é o primeiro passo para desenharmos a interpretação denossas cidades, senão de todas, das que foram fundadas na época do Brasil Colônia.

A primeira consequência dessa origem é a construção do espaço urbano comoum local de administração dos interesses dos senhores de terra, uma vez que a econo-mia dos países latino-americanos era predominantemente agrária. Em outras palavras,

podemos afirmar que a cidade tinha um perfil mais rural do que urbano porque foifundada, construída, pelos oligarcas da terra.

Em outro sentido, contudo, a própria forma de vida e os padrões de consumo dasgrandes cidades não permitem mais que elas vivam em um mundo pré-industrial ouagrário. Quando falta algum produto na cidade, ou ela mesma produz ou precisa im-portar. Assim, a cidade por si só acabou por pressionar os senhores de terras e senho-res das cidades em direção à industrialização. Paul Singer procura mostrar-nos, comessa ideia, que as contradições próprias do desenvolvimento econômico e urbano depaíses como o Brasil constituem-se de movimentos contraditórios e entrelaçados.

As imensas vagas de imigrantes que chegam à cidade quebram o equilíbrio estático das relações entrecampo e cidade. O tumultuoso crescimento da população urbana coloca, mais cedo ou mais tarde,a necessidade de que as técnicas de produção agrícola sejam revolucionadas. Nestas condições, asformas tradicionais de exploração no campo começam a se tornar inviáveis, o que leva a crer que nosencontramos face a uma nova etapa nas relações entre campo e cidade na América Latina. (SINGER,1987, p. 37-38)

Lembrando que o processo trabalhado por Paul Singer continuou se desenvolven-do nos anos posteriores, fato que manteve o sentido das alterações na relação entrecampo e cidade nos países da América Latina e, dentre eles, o caso brasileiro, o que deixa

diante de uma realidade muito transparente.Para que fique mais claro, a ideia aqui expressa nos situa no processo de mo-

dernização do campo, da sua mecanização e eliminação de postos de trabalho.Nesse sentido, os trabalhadores manuais são dispensados pelos tratores, colheita-deiras etc. o que produz um excedente de mão-de-obra que é obrigada a migrarpara as cidades para conseguir sobreviver. Esse processo, ainda em curso, marca onosso país profundamente.

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Uma conclusão que se impõe aos olhosPodemos apontar para algumas conclusões depois de alinharmos as ideias sobre o

processo de construção do perfil de nossas cidades e sua relação com o desenvolvimentoeconômico. A primeira delas nos permite dizer que o tipo de colonização levada a cabo

pelos europeus, na América Latina, marcou decisivamente as feições das nossas cidades.À medida que os aspectos econômicos e políticos dos países latino-americanos

foram se transformando, suas cidades também se transformaram. E, aqui, se impõe aprincipal conclusão dessa discussão, a saber: que o modelo de desenvolvimento indus-trial das nossas cidades produziu um efeito de atração sobre as populações daquelasreligiões do país menos industrializadas, que amplificou de maneira brutal as diferen-ças de desenvolvimento e distribuição de riquezas.

Em última instância, o padrão de desenvolvimento que conhecemos produziutal grau de contradições que nos vemos diante de uma realidade caótica. Talvez nãoexista, no país, uma cidade sequer que não tenha um cinturão de migrantes pobres emarginalizados que para lá se deslocaram em busca de uma vida melhor, atraídos pelopoder de sedução que a cidade oferece em relação ao campo.

TEXTO COMPLEMENTAR

A educação como elemento de transformação econômica3

(SINGER, 2008)

[...]

O desenvolvimento das forças produtivas consiste no que a gente costumachamar hoje de evolução ou desenvolvimento tecnológico. É o avanço da técnica.A técnica é que nos permite dominar as forças da natureza, da natureza animada einanimada da qual nós, como seres humanos, fazemos parte, e colocarmos essa na-

tureza, transformada por nós, a serviço da satisfação das nossas necessidades. Então,a técnica é uma forma humana de enfrentar a natureza e de colocá-la a seu serviço.E essa técnica vai mudando, desde o homem primitivo, a invenção do fogo, a capaci-dade que temos de acender e apagar fogo, de colocar o fogo a nosso serviço, a roda,enfim, a invenção do alfabeto, uma série de avanços que vão progredindo ao longoda história do gênero humano e assume uma importância enorme mais recente-mente, eu diria nos últimos séculos, a partir da Revolução Industrial.

3 O texto apresentado foi retirado de uma fala de Singer no Congresso Educação e Transformação Social ocorrido no SESC Santos em maio de 2002. Dispo-nível em: <www.sescsp.org.br/sesc/conferencias_new/subindex.cfm?Referencia=166&ParamEnd=5>. Acesso em: 29 out. 2008.

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Como é que se dá esse avanço, essa evolução, esse desenvolvimento das forçasprodutivas? Ela se dava sempre na própria produção, se dava ali onde as pessoas pro-curavam precisamente submeter a natureza às suas necessidades. Na agricultura, nocampo. Na mineração, nas minas. Na pesca, no mar. Na manufatura, nas oficinas. Querdizer, o avanço da técnica, o avanço tecnológico, ele era parte do próprio processo pro-

dutivo – que, aliás, é um processo educativo, também. Ao produzir, nós aprendemos. Aoenfrentar as dificuldades que a natureza, de certa forma, antepõe ao esforço humano,nós aprendemos, nós nos educamos. Nós aprendemos a trabalhar trabalhando.

[...]

Nós estamos chegando num ponto, agora, no alvorecer do século XXI, em quepraticamente toda a atividade tecnológica se dá fora da atividade produtiva, em quehá uma completa separação entre a produção das coisas, a produção material de bense de serviços, e a produção do conhecimento. Essa é uma separação que foi se dando

ao longo dos últimos 200 anos e chega um momento em que ela é quase completa.

[...]

Isso exige uma reeducação dessas pessoas, isso exige a formação de novos tra-balhadores, trabalhadores com os conhecimentos novos, que as novas tecnologiasexigem. Então, hoje nós estamos avançando em função dessa rápida transformaçãoda vida econômica, da vida produtiva, não só da vida produtiva mas também da distri-buição, das trocas. Só para dar um exemplo rápido: o comércio está mudando inteira-

mente, mesmo o comércio a varejo, estamos sendo convidados a comprar e a venderpela internet, pela via eletrônica direta. Hoje se fazem leilões pela internet incessante-mente, hoje não é necessário você sair e ir ao shopping center, como tem um enormeaqui ao lado, para olhar... As pessoas da minha geração preferem fazer isso do quesentar diante de uma tela e tentar, através de imagens que aparecem no computador,e os preços e as condições, tomar uma decisão. Eu quero só chamar a atenção de queestá tudo em mudança e essas mudanças exigem reeducação contínua.

[...]

A economia solidária é uma resposta de uma parte das pessoas a essa situaçãode marginalização, de afastamento, de perda de oportunidade, de possibilidade, dese integrar à divisão social do trabalho. Então, as pessoas, de mil formas diferentes,procuram se apossar de algum capital e se organizam de uma forma coletiva e soli-dária, não-capitalista e, dessa forma, se reintegram à sociedade de uma forma legal,de uma forma não-violenta e de uma forma decente. Então, a economia solidária,hoje, é uma coisa importante no Brasil.

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Quando eu, pessoalmente, deduzi que nós deveríamos ir nessa direção – isso foiem 1996, não faz muito tempo, seis anos – eu pensei que tivesse realmente inventadoalguma coisa muito nova. Aí escrevi um pouco a respeito disso, participei em cam-panhas eleitorais, em poucos meses descobri que já estava acontecendo em muitoslugares do Brasil. E ainda continuamos nesse processo de descoberta nesse momento.

Existem cooperativas, associações pequenas, comunitárias, grandes, enormes, empre-sas falidas que, em lugar de fechar acabam ficando na mão de seus ex-empregados eeles as reorganizam como cooperativas e elas trabalham e funcionam como coopera-tivas durante muitos anos. Há centenas delas que nós conhecemos, não se sabe quan-tas que nós não conhecemos. O MST e outros movimentos de reforma agrária, quandoconseguem que fazendas improdutivas sejam desapropriadas pelo poder público eentregues aos sem-terra, a pessoas que estão marginalizadas e querem ser agricul-tores, como é que eles organizam essa atividade? Em cooperativas. Não dá para fazermais agricultura familiar pura, cada um no seu lote. Dá para fazer, mas num padrão de

vida muito pequeno, muito baixo. A economia de subsistência, hoje, é quase equiva-lente a um alto grau de pobreza, de carência.

Então, existe todo um processo, hoje, tanto do MST, da CONTAG, de uma sériede movimentos que impulsionam a reforma agrária no Brasil, no sentido de rein-ventar formas novas de economia solidária. O tempo não me permite prosseguirna descrição disso, então eu quero chamar a atenção do elemento educativo dessatransformação. É claro que a economia solidária exige uma completa reeducaçãodos seus participantes. E é um processo bonito de ver.

[...]

Eu diria que há um processo profundo de reeducação, que não se dá numaescola, se dá na própria empresa. Então, os trabalhadores se reeducam, eles têm queagora tomar conhecimento de tudo o que acontece na empresa, o que não aconte-cia antes. Antes eles sabiam apenas o necessário para cumprir sua tarefa, que podiaser uma coisa só eles, eles e o seu torno, eles e a sua prensa ou qualquer que fosse amáquina que eles estivessem operando, ou no máximo a sua seção, os trabalhado-res com os quais eles estavam colaborando diretamente.

Agora não: agora tudo o que se passa na empresa é do seu interesse porqueeles vão participar de decisões, os pedidos que estão sendo feitos, os preços queestão sendo cobrados, as compras que estão sendo feitas, os planos de expansão, detudo isso eles se tornam corresponsáveis. Isso é uma profunda reeducação.

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[...]

A economia solidária, à medida que vai se desenvolvendo, exige um enormeprocesso educativo e a existência de organizações para isso. Porque, se nós olhar-mos o panorama da economia solidária, por exemplo no Brasil, nós vamos encontraruma série de entidades que são basicamente entidades educativas, mas não sãoescolas no sentido convencional porque as pessoas não podem parar de trabalharpara passar por uma reeducação. Elas têm que se reeducar no processo, durante otrabalho, durante a sua transformação em adultos, em autônomos, em donos asso-ciados dos seus empreendimentos.

[...]

Faz sentido, talvez, para eu terminar e termos tempo de trocar ideias, o que é maisinteressante, dizer a vocês que já se tenta agora criar um escola ou escolas que edu-

quem os jovens e as crianças para a economia solidária, porque aí são outros valores.

[...]

As escolas democráticas [...] são escolas que não têm professores, também nãotêm aulas e também não têm classes. São comunidades, desde criancinhas peque-nas, cinco anos, até adolescentes de aproximadamente 17, 18 anos, juntos, comeducadores adultos, que também ficam juntos, que formam uma república. Sãochamadas também de repúblicas de crianças. Essa república se reúne e faz a sua

constituição, faz as suas regras de convivência junta.

[...]

Eu quero, finalmente, terminar dizendo a vocês que a educação é um elemento,sem dúvida, importantíssimo na transformação econômica atual. Não vou discutirna História... na atual ela é indiscutivelmente fundamental. Não há ciência sem edu-cação, é preciso formar o cientista, e depois não há como se integrar numa atividadeeconômica que a ciência está alterando, mudando, revolucionando o tempo todo,sem um processo de educação que acompanhe a vida das pessoas praticamente o

tempo todo. Só que essa educação se tornará, penso eu – e posso estar enganado,é claro, é uma hipótese –, cada vez menos hierárquica, cada vez menos “escolar”, nopior sentido da palavra. Nós vamos ter, cada vez mais, processos educativos horizon-tais, entre iguais, por que todos nós temos inteligência, todos nós temos imagina-ção, todos nós temos capacidade de “bolar” coisas, em arte, em ciência, na produção,na vida afetiva. E é essa troca incessante de saberes que é a essência da educação.

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A educação acontece quando seres humanos entram em troca. Troca afetiva entrehomens e mulheres, entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre irmãos, entre vi-zinhos, entre colegas, entre jogadores do mesmo time de qualquer coisa, isso é queé, essencialmente, educação. Temos processos educativos, claro, planejados, é precisoaprender uma certa coisa para poder fazer uma certa coisa, então para isso há institui-ções, mas há um processo contínuo, eu diria fascinante, de reeducação que a vida nos

proporciona, se nós tivermos capacidade, sensibilidade e abertura para aproveitá-la aomáximo. Obrigado.

ATIVIDADES

Desenvolva a ideia apresentada no texto sobre o aumento da produção exis-1.tente na indústria, se comparada ao artesanato.

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O que é o colonialismo interno?2.

Como o desenvolvimento tecnológico da agricultura afeta o equilíbrio popula-3.cional entre o campo e a cidade?

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Henri Léfèbvre e a Sociologia Urbana

pela ótica marxista

No capítulo que ora iniciamos vamos trabalhar com Henri Léfèbvre, um impor-tante teórico e divulgador do marxismo. No campo de nossos interesses específicos,ou seja, da sociologia urbana, Léfèbvre também deixou uma contribuição significativa.Vamos trabalhar com ela.

Sobre o autorHenri Léfèbvre nasceu em 16 de junho em 1901 e faleceu em 29 de junho de 1991.

A partir de 1927, adere ao marxismo de que se torna o primeiro divulgador, não só naEuropa, mas em todo o mundo. Em 1948 publica Le Marxisme, na colecção ‘Que sais-je?’  da Presses Universitaires de France. Este livrinho tornou-se um verdadeiro best-seller ,atingindo – sempre na mesma coleção – a vigésima edição em 1983. Está atualmentetraduzido em 15 línguas, entre as quais, japonesa e árabe.

Léfèbvre abrangeu várias áreas de estudo e se destacou como intérprete do pen-samento de Marx. Estudioso da vivência das cidades e da sociologia rural, ressaltou aimportância do caráter histórico das ideias de Marx acerca da influência do fator eco-nômico na história. As suas teses, no âmbito da Sociologia Urbana, salientam a açãodas forças produtivas sobre o espaço físico. Introduziu os conceitos de espaço “perce-bido”, “concebido” e “vivido”. O primeiro corresponde à “prática espacial”, que asseguraa continuidade numa relativa coesão social. A prática espacial é diferente conformeos conjuntos espaciais próprios de cada formação social. O segundo diz respeito às

“representações do espaço”, pois este é concebido de acordo com a influência que asrepresentações sociais exercem na sociedade. Já o espaço vivido refere-se aos “espa-ços de representação”, isto é, o espaço dos habitantes, que tentam apropriar o espaçopelas imagens e símbolos que o acompanham.

Henri Léfèbvre propôs uma crítica da vida cotidiana, a qual corresponde à vidaprivada, que é única, mas ao mesmo tempo, semelhante a de todos os outros indivídu-os. Sugere a revelação das lacunas dessa realidade cotidiana a partir dos valores que

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a realidade apresenta como possíveis. Opôs-se ao estruturalismo marxista, ou marca-damente influenciado pelo marxismo de autores como Lévi-Strauss, M. Foucault e L.Althusser.

Talvez uma das melhores definições sobre o autor seja o texto de Damiani e Seabra(2001) em resenha sobre o livro A Revolução Urbana, em que afirmam:

Léfèbvre jamais admitiria permanecer circunscrito a uma ciência. Dizia-se filósofo, melhor ainda“metafilósofo”, pensador da realidade social como totalidade, incluindo o virtual; sem definir opensamento independente da prática; nem tornar a realidade pensada um sistema definido e acabado.Não preteria qualquer contribuição científica, seja das ciências naturais ou sociais. [...] Também nãoseparava, a ponto de excluir, o sentir do pensar, o pensamento da arte. [...] Entre as categorias quemoveram seu pensamento, a alienação foi sendo definida como crucial. Trouxe de Marx, entre oslegados, esta enorme contribuição, negada pelo pensamento marxista dogmático, contra o qualse chocou, noção que deveria ser cuidadosamente reelaborada e que tem uma história na obra deHegel. Através da alienação, mais ainda das alienações, de seu reconhecimento e de sua crítica, funda-se uma ira e uma luta contra o(s) absolutos(s), como impossibilidade do viver. Dessa forma, chegaà necessidade de uma sociologia, que pense a mediação do social, entre o econômico e o político,rompendo com as interpretações, ao mesmo tempo, ontológicas e esvaziadas dos intermediários,

ou seja das mediações, para ele fundamentais na reflexão: a subjetividade, o social, a alienação, ocotidiano, o vivido, a percepção etc. Isto não significa que se diria sociólogo e não filósofo; que tenhaescolhido uma entre as ciências estabelecidas; antes, define seu modo de ser filosófico.

A revolução urbanaDentre os vários estudos publicados, duas das principais obras que trata da temá-

tica urbana são A Revolução Urbana, publicada no Brasil em 1999 e Espaço e Política, de2008, todas pela Editora da UFMG.

Na discussão presente em  A Revolução Urbana Léfèbvre parte de uma hipótesenorteadora – a de que a urbanização completa da sociedade leva à sociedade urbanae que esta sociedade urbana é uma virtualidade hoje. Com essa hipótese propõe umrompimento das ambiguidades no estudo do urbano, nos quais se colocava, sob ummesmo nome, tipos muito diferentes de cidades.

Segundo ele, a categoria “sociedade urbana” é aplicada à sociedade que surgecom a industrialização, isto é, caracterizada por um processo de dominação e assimi-lação da produção agrária. É concebida como culminação de um processo em que,

através de transformações descontínuas – ou seja, com intervalos de tempo –, as antigasformas urbanas detonam (explodem). Dito de outra forma, para Léfèbvre, a sociedadeurbana só pode ser concebida ao final de um processo, no curso do qual explodem asantigas formas urbanas, herdadas de transformações descontínuas.

Concebe a sociedade pós-industrial como aquela que nasce da industrialização ea sucede. Pode ser conceituada como sociedade urbana que se refere mais que a umarealidade palpável, a uma tendência, uma orientação e a uma virtualidade.

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Tal hipótese tem implícita uma concepção epistemológica e metodológica.

O conhecimento não é necessariamente cópia ou reflexo, simulacro ou simulação, de um objeto  já real. Em contrapartida, ele não constrói necessariamente seu objeto em nome de uma teoria prévia doconhecimento, de uma teoria do objeto ou de “modelos”. Para nós, aqui, o objeto se inclui na hipótese,ao mesmo tempo em que a hipótese refere-se ao objeto. Se esse “objeto” se situa além do constatável(empírico), nem por isso ele é fictício. Enunciamos um objeto virtual, a sociedade urbana, ou seja, umobjeto possível, do qual teremos que mostrar o nascimento e o desenvolvimento relacionando-os a

um processo e a uma práxis (uma ação prática). (LÉFÈBVRE, 1999, p.16)

Para construir seu argumento proporá uma prova da hipótese, através dos se-guintes enunciados:

a produção agrícola se transforma em um setor (submisso) da produçãoindustrial;

tal crescimento econômico domina o território, primeiramente o local, depois oregional, o nacional, até dominar os continentes;

logo, a aglomeração tradicional se altera: a integração entre produção e con-sumo, concentração de população e dos meios de produção ocorre ao mesmotempo.

Outro conceito fundamental é o de tecido urbano, o qual prolifera não como umcontínuo de cidades, mas como um conjunto de manifestações do predomínio da cidadesobre o campo. Tal processo leva, no urbano (grande cidade), ao surgimento de “duvi-dosas excrescências” ou “protuberâncias ambíguas” denominação que o autor dá aosconjuntos residenciais, complexos industriais e às cidades satélites.

Então, a hipótese de Léfèbvre se impõe como conclusão dos conhecimentos ad-quiridos e como ponto de partida de uma nova análise e de novas perspectivas: a ur-banização realizada. Tal hipótese se antecipa, prolongando a tendência fundamentaldo momento atual: através e no seio da “sociedade burocrática e do consumo dirigido” seestá gestando a sociedade urbana (LÉFÈBVRE, 1999, p.18).

Assim, a categoria sociedade urbana atende a uma necessidade teórica, isto é, deuma elaboração, investigação e também da criação de conceitos. Alinha-se e torna-semais clara por estar inserida numa corrente do pensamento que se perfila na busca deum certo concreto e talvez do concreto. Esta corrente tenderá a uma prática, isto é, à

prática urbana captada ou reencontrada.

Discussão metodológicaLéfèbvre, como os demais marxistas, coloca-se contra o empirismo da Escola de

Chicago1, e propõe que se fale em uma teoria que se apresenta a partir de uma hipótese

1 “Escola de Chicago” é uma alusão a um conjunto de trabalhos no campo da Sociologia, produzido por pesquisadores da Universidade de Chicago, nos EstadosUnidos, na primeira metade do século XX.

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teórica. Diz ele que “a esta investigação e elaboração se associam iniciativas de carátermetodológico ou metódico” (LÉFÈBVRE, 1999, p. 18).

Por exemplo, a investigação sobre um objeto virtual, com vistas a defini-lo e reali-zá-lo a partir de um projeto, tem já uma entidade (corpo). Junto aos passos e operaçõesclássicas – a dedução e a indução – existe a transdução, entendida como a reflexão sobre

o objeto possível. Dessa discussão metodológica aponta como primeira conclusão ade que a sociedade urbana é, ao mesmo tempo, hipótese e definição.

Chega, então, ao âmago de sua discussão ao conceituar revolução urbana como oconjunto de transformações que se produzem na sociedade contemporânea para marcara passagem desde o período em que predominam os problemas de crescimento e de in-dustrialização (modelo, planificação, programação) até aquele outro em que predomina-rá, antes de tudo, a problemática urbana e onde a busca de soluções e modelos própriosda sociedade urbana passará ao primeiro plano.

Sobre o urbanismo, indica dois caminhos a percorrer:

urbanismo como prática científica e teórica, porque há uma falta de trabalhoscom esse perfil e também porque o caráter institucional e ideológico predominasobre o científico;

 apresentando-se como política, o urbanismo submete-se à dupla crítica, tantoaquela de perfil conservador de direita quanto a de perfil progressista quandose propõe abrir o caminho do possível; explorar e definir (distanciar-se de) umâmbito que ultrapasse o do “real”.

Para sua análise histórica do urbanismo propõe um eixo de 0 a 10, que é tanto es-pacial como temporal. Essa forma esquemática permite representar os vários aspectos dahistória, bem como uma divisão do tempo, até certo tempo abstrata e arbitrária, dandolugar a operações (periodizações) em lugar de outras.

Análise históricaO autor aponta que pela análise histórica pode-se apreender que, ao longo da

história, a cidade tem convivido com a presença de formas mais simples de organiza-ção urbana – a aldeia. Seu modelo lembra muito a proposta weberiana de análise, poisaponta que o primeiro modelo de cidade é a cidade política, que surge como forma desubmeter a agricultura aos interesses da cidade e se manifesta imediatamente com ainstauração de uma vida social.

Num segundo momento esta cidade política entra em conflito com o comércio,resistindo a ele até a Idade Média. Só no Ocidente europeu no final da Idade Média é

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que a mercadoria, o mercado e os mercadores se introduzem triunfalmente na cidade.Nesse momento o mercado substitui o fórum ou a ágora e no seu entorno se agrupama Igreja e a Câmara Municipal.

A arquitetura segue e reflete a nova concepção de cidade. O espaço urbano torna-se o lugar do encontro das coisas e das pessoas, da troca. Ele se ornamenta dos signos

dessa liberdade conquistada. De sua análise histórica conclui que a cidade mercantilsó se insere na Europa Ocidental depois da cidade política, no século XIV. Só nesse pe-ríodo é que o intercâmbio comercial se converte em uma função urbana; tal função fazcom que surja uma forma (ou várias formas arquitetônicas ou urbanísticas) e, a partirdelas, uma nova estrutura do espaço urbano. Trará como exemplo a cidade de Paris:

As transformações de Paris ilustram essa complexa interação entre os três aspectos e os três conceitosessenciais: forma, função e estrutura. Os burgos e faubourgs, inicialmente comerciais e artesanais –Beaubourg, Saint-Antoine, Sant--Honoré –, tornam-se centrais, disputando a influência, o prestígioe o espaço com os poderes propriamente políticos (as instituições), obrigando-os a compromissos,participando com eles da constituição de uma poderosa unidade urbana. (LÉFÈBVRE, 1999, p. 23)

No Ocidente europeu assiste-se um acontecimento: o peso da cidade no con- junto social torna--se tão grande que o conjunto se desequilibra – as antigas relaçõesapoiadas no campo se modificam. Agora, a cidade penetra na consciência e no conhe-cimento como um dos termos, igual ao outro, da oposição campo-cidade.

No ponto crítico do eixo, a realidade urbana se coloca como mediadora entre ohomem e a natureza, entre o centro e o lar (lugar do pensamento e da existência).Nesse momento, a sociedade jamais coincide nem com o campo nem com a cidade.É o estado que une-as e domina-as. É o momento do triunfo do racionalismo (substi-tuição da confusão que pressupõe o momento da substituição da primazia rural pelaurbana). É aqui que nasce a imagem da cidade. A cidade como imagem é a possibilida-de de a mesma ser apreendida não apenas como detentora de leis e ordens (escrita),mas como dotada de sua própria escritura: o plano ou planimetria. Através dos planos,que surgem entre os séculos XVI e XVII, a cidade é mostrada de alto a baixo, em pers-pectiva, pintada, retratada e, por sua vez, descrita geograficamente. Do ponto de vistaepistemológico é uma intenção, ideal e realista ao mesmo tempo, por que produto dopensamento e do poder. Situa-se na dimensão vertical (próprios ao conhecimento e àrazão) para dominar e constituir uma totalidade, a cidade.

Então, Léfèbvre coloca a seguinte questão: Estará a indústria ligada à cidade? Res-ponderá a esta indagação dizendo que sua conexão seria mais bem estabelecida coma ideia de não-cidade, ou seja, com a ausência ou ruptura da realidade urbana. Logo, aindústria, pela primeira vez na história, é uma atividade econômica que prescinde daestrutura urbana. Sua dependência será em primeiro lugar das fontes de energia e dasmatérias-primas e das reservas de mão-de-obra. Se ele se aproxima das cidades é paraacercar-se dos capitais e dos capitalistas, dos mercados e da mão-de-obra abundante,por isso mesmo, barata. Por isso é que a chama de não-cidade, porque ela põe em riscoas cidades mercantil e política.

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Então, “a não-cidade e a anticidade vão conquistar a cidade, penetrá-la, fazê-laexplodir, e com isso estendê-la desmesuradamente, levando à urbanização da socie-dade, ao tecido urbano, recobrindo as reminiscências da cidade anterior a indústria”(LÉFÈBVRE,1999, p. 25).

Nesse movimento, a realidade urbana, ao mesmo tempo amplificada e estilhaçada, perde os traçosque a época anterior lhe atribuía: totalidade orgânica, sentido de pertencer, imagem enaltecedora,

espaço demarcado e dominado pelos esplendores monumentais. Ela se povoa de signos dourbano na dissolução da urbanidade; toma-se estipulação, ordem repressiva, inscrição por sinais,códigos sumários de circulação (percursos) e de referência. Ela se lê ora como um rascunho, oracomo uma mensagem autoritária. Nenhum desses termos descritivos dá conta completamente doprocesso histórico; a implosão-explosão (metáfora emprestada da física nuclear), ou seja, a enormeconcentração (de pessoas, de atividades, de riquezas, de coisas e de objetos, de instrumentos, de meiose de pensamento) na realidade urbana, e a imensa explosão, a projeção de fragmentos múltiplos edisjuntos (periferias, subúrbios, residências secundárias, satélites etc.). (LÉFÈBVRE,1999, p. 26)

A mercadoria, o mercado, a troca, quebram todos os obstáculos e, então, oefeito (realidade urbana) torna-se causa e razão. O induzido passa a ser dominante– indutor.

A problemática urbana impõe-se à escala mundial. Pode-se definir a realidadeurbana como uma “superestrutura”, na superfície da estrutura dominante, capitalistaou socialista? Como um simples resultado do crescimento e das forças produtivas?Como uma modesta realidade marginal em relação à produção? Não! A realidadeurbana modifica as relações de produção, sem, aliás, ser suficiente para transformá-las.Ela torna-se força produtiva, como a ciência.

Algumas suposições teóricas sobre a fase críticaTemos, então, outra inflexão, na qual a industrialização se converte em realidade

dominada através de uma crise profunda. Ao se tomar a sociedade urbana deve-seconsiderar que as modalidades de urbanização dependem das características da so-ciedade (capitalista ou socialista). Nessa perspectiva, não cabe uma ciência da cidade(sociologia urbana / economia urbana etc.), mas sim um conhecimento em fase de ela-boração do processo global, bem como de seu limite (objetivo e sentido). Queremosdizer com isso que o autor em foco posiciona-se contra a denominação de Sociologia

Urbana por entender que não é possível uma ciência (Sociologia) da cidade (urbana).

Agora, o urbano não se define, pois, como uma realidade consumada, situada notempo como reflexo da realidade atual, mas pelo contrário, como horizonte e comovirtualidade classificadora. Trata-se do  possível , definido por uma direção que, ao tér-mino do trajeto, se chega até ele.

Nesse momento o autor retoma a questão metodológica já enunciada no começodesse texto, pois para ele    S

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o conhecimento teórico não deve deixar esse objeto virtual, objetivo da ação, no abstrato, [...] (umavez) que agora o urbano é abstrato unicamente sob o título de abstração científica, isto é, legítima. Oconhecimento teórico pode e deve mostrar o terreno e a base sobre os quais ele se funda: uma práticasocial em marcha, a prática urbana em via de constituição, apesar dos obstáculos que a ela se opõem.Que atualmente esta prática esteja velada e dissociada, que existam apenas fragmentos da realidadee da ciência futuras, esse é um aspecto da fase crítica. Que nesta orientação exista uma saída, queexistam soluções para a problemática atual, é o que é preciso mostrar. Em suma, o objeto virtual nãoé outra coisa que a sociedade planetária e a “cidade mundial”, além de uma crise mundial e planetária

da realidade e do pensamento, além das velhas fronteiras traçadas desde o predomínio da agricultura,mantidas no curso do crescimento das trocas e da produção industrial. (LÉFÈBVRE, 1999, p. 31)

Portanto, cabe ao analista descrever e discernir tipos de urbanização e dizer aoque se tornaram as formas, as funções, as estruturas urbanas transformadas pela ex-plosão da cidade antiga e pela urbanização generalizada. Até o presente, a fase críticacomporta-se como uma “caixa preta”. Sabe-se o que nela entra; às vezes percebe-se oque dela sai. Não se sabe bem o que nela se passa.

TEXTO COMPLEMENTAR

Potencialidades do método regressivo-progressivo:

pensar a cidade, pensar a história

(FREHSE, 2001)

Este texto é produto de uma inquietação teórica mais ampla em relação à ur-banização paulistana da virada do século XX. [...] Meu objetivo aqui é demonstrarcomo as reflexões metodológicas de Henri Léfèbvre sobre as “temporalidades dahistória” (MARTINS, 1996) me ajudaram, num trabalho específico (FREHSE, 1999), adesenvolver uma leitura antropológica daquilo que seria a historicidade dos pro-cessos sociais na São Paulo da segunda metade do XIX – concepções específicasque as diversas sociedades têm do devir em meio à vigência de relações de de-pendência, de “modos de socialidade”, também peculiares (LEFORT, [1951] 1979, p.48). Precisamente, discorrerei sobre como o método regressivo–progressivo, explici-

tado por Léfèbvre pela primeira vez em dois artigos voltados a pensar a realidadesocial do mundo rural (LÉFÈBVRE, [1949] 1981b; [1953] 1981a) , me forneceu umaperspectiva de compreensão do mundo urbano paulistano da época; em particu-lar, como a sociedade paulistana de então percebeu, no âmbito local, da vida detodo dia, o processo histórico que vivenciou – e ajudou a consolidar – na cidadenaquelas décadas.

[...]

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Entretanto, o que justificaria a aplicação do método a um universo social comoa São Paulo de fins do Império, tão profundamente diferente, em termos sociológi-cos, espaciais e temporais, da “comunidade rural atual” que inspirou Léfèbvre? Afinal,a Imperial Cidade é, diferentemente do mundo rural focalizado pelo nosso autor, umuniverso urbano – mesmo que se trate de um urbano ruralizado, conforme atesta

a intensa presença, nos espaços centrais da cidade nos anos que aqui interessam,de atividades sociais estreitamente vinculadas ao mundo rural, como a criação e ocomércio de cabras, porcos e muares.

A fim de responder à questão, nada melhor do que retomar, mesmo que bre-vemente, as condições de produção do próprio método lefebvriano. O seu diálogotranscorre, em primeira instância, com os sociólogos rurais, então pouco afeitos aenxergar no mundo rural mais do que uma “confusa mescla acidental de homens, deanimais e de coisas” desprovida de um passado. O passado, no campo, permaneceriatão atual e vivo que chegaria a se confundir com o presente, de forma a suscitar aimpressão de que não é passado (LÉFÈBVRE, 1981b, p. 144–146). Diferentemente, omundo urbano atestaria de maneira mais explícita a presença do passado como pas-sado: “Numa rua de Paris, um hotel da idade média [sic] afasta–se, por si próprio, da‘modernidade’ ao redor e guarda, em si mesmo, sua distância no tempo. Os edifícios justapostos, das ruínas romanas aos bancos, reproduzem no espaço, as idades dahistória, a sucessão de suas épocas” (LÉFÈBVRE, 1981b, p. 145). Tal como no mundorural abordado por Léfèbvre, na São Paulo da segunda metade do século XIX o pas-sado está tão presente que com este se confunde. No entanto, diferentemente dosPireneus dos anos 1940, a partir desse momento a presença do passado começa aser identificada com uma realidade que, por seu caráter mesmo de passado, passa aser combatida política e materialmente. Advém dessa ambiguidade – e da enormedramaticidade que ela encerra para a vida de todo dia das pessoas na cidade – ariqueza analítica que o contexto paulistano oitocentista oferece ao observador.

Se, como afirma Léfèbvre, a “lei de desenvolvimento desigual de formas análo-gas e de interação dessas formas parece ser uma das grandes leis da história”, issoimplica que num mesmo espaço, “local de pesquisa”, convivam essas relações sociaise concepções historicamente diversas. A fim de aplicar concretamente o método, a

dúvida fica sendo, portanto, definir o “local” cuja realidade fenomênica será descrita,datada, histórico–geneticamente analisada. Isso se torna mais complexo ainda nocaso de um universo de dimensões ao mesmo tempo amplas e indefinidas como aSão Paulo das duas décadas finais do Império, cuja cifra populacional ascensional – acidade de 26 040 habitantes em 1872 chega a 1886 com 47 715 moradores – insinuauma expansão física de lógica dificilmente apreensível.

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Para tanto, é fundamental considerar que ruas, becos, largos e várzeas com-põem um cenário que reflete de maneira privilegiada o processo histórico maisabrangente em curso. Como aponta Léfèbvre em relação à sociedade francesa dosanos 1970, o espaço da rua sintetiza o cotidiano por seu caráter mesmo de mero“lugar de passagem, de interferências, de circulação e de comunicação”(LÉFÈBVRE,

[1960] 1970). Ora, essas categorias começam a se fazer mais e mais presentes nocontexto e na consciência sociais aqui contemplados. Até a década de 1870, as ruaspaulistanas eram um espaço em que, a despeito da paulatina ampliação do setorde serviços e de manufatura, se mantinham relevantes sobretudo as atividades decriação de animais e de distribuição de gêneros de primeira necessidade. Eram asruas também que, nos dias santos, abrigavam as grandes procissões e festas, con-gregando grande parte da população. No entanto, na esteira das transformaçõessocioeconômicas em curso, o cenário urbano paulistano é levado a conviver comuma política cada vez mais ostensiva, de racionalização dos usos sociais das ruas,

implementada pelo poder público. Ela obedece aos moldes daquela que vem sendoefetivada pelo Estado nas grandes cidades europeias já desde no mínimo meadosdo século XIX (BEGUIN, [1977] 1991; WEBER, [1986] 1990), implicando, entre outros,medidas punitivas e impostos, projetos urbanísticos, a implantação de equipamen-tos de infraestrutura urbana até então nunca vistos na cidade.

Percebe-se, por essas considerações mesmo que breves, que a rua paulista-na de fins do século XIX se encontra submetida a mudanças históricas que visamtransformá-la no cenário primordial do cotidiano descrito por Léfèbvre: lugar depassagem, de circulação e de comunicação propriamente moderno. E isso tudo aomesmo tempo em que o velho insiste em se fazer presente. Está montado o cenáriopara contradições sociais que, remetidas a desencontros de temporalidades históri-cas, não devem ser analisadas como se as relações que delas decorrem fossem rela-ções de mesma data e, portanto, contemporâneas (cf. MARTINS, 1996, p. 17).

ATIVIDADES

Qual a distinção entre espaço “percebido”, “concebido” e “vivido” desen-1.volvidos por Léfèbvre?

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Discuta o conceito de “sociedade urbana”.2.

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Qual é a relação estabelecida pelo autor em foco entre a arquitetura e os3.aspectos econômicos? Desenvolva a ideia com exemplos.

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Manuel Castells e a Sociologia Urbana

Manuel Castells é um dos principais “representantes” da escola de SociologiaUrbana de orientação marxista. Possui uma extensa obra que serve de base para umaprodução mais recente sobre o tema, que indicamos logo a seguir.

Sobre o autor

Manuel Castells é um dos mais importantes sociólogos da atualidade. Nasceu em1942 e, desde 1979, trabalha na Universidade da Califórnia, Berkeley, como catedráticode Sociologia e Planejamento Urbano e Regional. Além disso, tem passagens por diver-sos centros renomados da Europa, por exemplo, a École Pratique des Hautes Études enSciences Sociales (Escola Prática de Estudos Avançados em Ciências Sociais), em Paris.

Na América Latina, trabalhou como professor visitante em 15 Universidades. Pu-blicou 20 livros em diversas línguas e é membro de um reconhecido centro: a Acade-mia Europeia.

Castells destaca-se em seus estudos por abordar, de forma reconhecidamente efi-ciente, as transformações provocadas pelo que é conhecido como “sociedade da infor-mação”, ou seja, a nossa sociedade contemporânea movida a televisão e informática.Militante político, ficou exilado na França nos anos 1960, em função da ditadura fran-quista, tendo sido expulso daquele país durante o famoso maio de 1968. Sua atividadepolítica aproxima-o das correntes e partidos socialistas. Nesse sentido, colaborou naredação do Programa 2000 do Partido Socialista Obrero Español, o PSOE.

Sua produção na temática urbanaEstudioso do espaço urbano em suas diferentes abordagens temáticas, Castells

começa sua produção com foco sobre a assim chamada sociedade civil e aqueles mo-vimentos sociais que receberam o nome de movimentos populares. Nesse sentido, pu-blica no ano de 1975 o importante trabalho intitulado Movimentos Sociais Urbanos, noqual abarca desde estudos sobre comunidades espanholas do século XV até as açõesde planejamento nos bairros da classe operária dos anos 1960.

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Intelectualmente inquieto e, ao mesmo tempo atento às mudanças, dirige grada-tivamente seu foco de atenção para outros temas ligados à cidade. É assim o texto  AQuestão Urbana, que vem a lume no ano de 1976. Uma característica desse trabalho éarticular as análises com a possibilidade concreta de aplicação pelos movimentos dasociedade, de cunho reformista, por exemplo, aqueles ligados ao socialismo.

Seguindo com as “atualizações” em suas abordagens, o autor nos oferece, em1994, As Tecnópolis do Mundo, tendo como objeto central as profundas mudanças nosparques industriais e tecnológicos e seus efeitos sobre o meio urbano.  As Tecnópolisdo Mundo é um trabalho em coautoria com Peter Hall, criando uma associação entre osociólogo e a Geografia, tendo em vista que este último é geógrafo.

Um ano depois de escrever o trabalho com Peter Hall, Castells nos oferece  ACidade Informacional , no qual o tema das novas tecnologias e, mais especificamente,a da informação dominam a discussão. Nesse trabalho o autor desenvolve o conceitode “espaço dos fluxos”, que revela as mudanças que a informática, principalmente,

produziu no processo de acumulação e nos movimentos da economia, num sentidomais geral.

Em 1997, mais uma vez associado a um geógrafo, Castells publica o Local e Global ,em parceria com Jordi Borja. O texto articula uma discussão sobre as contradições ecomplementaridades do local e do global. A direção para a qual o trabalho aponta éa de que o planejamento urbano em época de globalização deve pautar-se pelas de-mandas locais e não pelas pressões globais.

Contribuição para os estudos urbanosEm suas obras sobre a temática urbana Castells explora a dimensão do processo

histórico da urbanização, como central para o desenvolvimento das sociedades e re-vela-nos, ao mesmo tempo, uma imprecisão conceitual ideológica: destaca que outrasabordagens sobre a cidade deixam de marcar conceitualmente as influências de classeno perfil urbano. Para Castells, o processo de formação das cidades está na base dasredes urbanas e condiciona a organização social do espaço, sendo absolutamente ne-

cessário estudar a produção das formas espaciais a partir da estrutura social de base.Uma problemática sociológica da urbanização deve considerá-la enquanto pro-

cesso de organização e desenvolvimento, partindo da relação entre forças produtivas,classes sociais e formas culturais (dentre as quais o espaço). Uma investigação dessetipo deve, com a ajuda de seus instrumentos conceituais, explicar situações históricasespecíficas, bastante ricas para que apareçam as linhas de força do fenômeno estuda-do, ou seja, a organização do espaço.

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A obra que tomamos como indicativa para entender a produção de Castells é ovolume  A Questão Urbana, publicado em 1976 e cuja primeira edição brasileira é de1983, pela editora Paz e Terra. No prefácio escrito especialmente para a edição brasilei-ra, Castells afirma:

 A Questão Urbana  efetua três operações intelectuais, entrelaçadas porém diferentes. Em primeirolugar leva a cabo uma crítica sistemática das principais contribuições das ciências sociais ao estudo

da urbanização. A partir desta crítica, trata de reconstruir um esquema teórico capaz de entenderos processos sociais subjacentes à problemática urbana, com base na teoria marxista codificadaem sua versão althusseriana1. Por fim, a partir desse novo arsenal conceitual tenta-se uma série deinvestigações empíricas, particularmente sobre temas de política urbana, que tentam provar, aindaque de forma limitada, a eficácia dos novos instrumentos. (CASTELLS, 1983, p. II)

Após tratar das críticas que a obra recebeu, Castells afirma que a primeira parte, arevisão crítica das teorias continua a mais válida, seguida das investigações concretas; aomesmo tempo, reconhece que seu esquema analítico peca por um excessivo formalismo,apoiado num marxismo dogmático. No entanto, retoma a provocação teórica sobre asrazões de os problemas urbanos terem se convertido em temas fundamentais da prática

social e política, sem terem tido igual tratamento pelas teorias e ciências sociais.

O debate sobre a teoria do espaçoNo que diz respeito à estrutura urbana, ele começa discutindo a produção teó-

rica desde os primórdios da Escola de Chicago2  até o início dos anos 1960. Diz ele:  “O espaço é um produto material em relação com outros elementos materiais, entre

outros, os homens, que entram também em relações sociais determinadas que dão aoespaço uma forma, uma função e uma significação social” (CASTELLS, 1983, p.146).

Nesse sentido a teoria do espaço é parte integrante de uma teoria social geral . Assim,Castells irá se contrapor, teoricamente, à Escola de Chicago pela autonomia que estadá ao urbano, em especial Robert Park. Em  A Questão Urbana ele vai tratar da crítica àsteorias urbanas construídas dentro da Sociologia, mostrando, por um lado, as falhas ouinconsistência das mesmas, mas não deixa de destacar os pontos em que elas apresen-taram avanços ou análises mais consistentes.

Para a elaboração de uma teoria do espaço é necessário descobrir as leis estruturais daprodução e do funcionamento das formas espaciais estudadas. Diz ele: “a oposição entredeterminação natural e cultural do espaço deve ser ultrapassada a partir de uma análiseda estrutura social considerada como processo dialético de correlacionamento dos dois

1O texto nos remete a discussão do estruturalismo marxista, que tem em Louis Althusser um dos seus mais conhecidos autores. Para a discussão que aqui

fazemos é importante termos em mente apenas que essa visão estruturalista foca suas análises no papel da economia, do Estado, das classes sociais, vistoscomo estruturas que determinam as ações humanas.

2A universidade de Chicago produz, na primeira metade do século XX, um conjunto de trabalhos, inclusive no campo da Sociologia Urbana, que possuem um

determinado padrão teórico que os aproxima. Quando dizemos Escola de Chi cago nos referimos àquele padrão analítico.

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tipos de elementos por meio das práticas sociais determinadas por suas características his-tóricas” (CASTELLS, 1983, p.157-158). Assim, a conclusão de Castells é que, na verdade, nãohá uma teoria específica do espaço, mas o desdobramento e a especificação da teoria daestrutura social, para prestar contas das características de uma forma social particular: oespaço, e de sua articulação a outras formas e processos dados historicamente.

Não se trata, portanto, de propor novos elementos, uma vez que já foram apon-tados por inúmeros autores, mas sim de trazer para o campo da análise do espaçoos conceitos fundamentais do materialismo histórico, buscando a construção de umateoria estrutural do espaço. Para estruturar sua análise, Castells retoma alguns concei-tos fundamentais da teoria marxista, dentre eles: modos de produção3, práticas so-ciais4, economia5.

Falar em modo de produção significa ter presente a ação contraditória inerente aele, isto é, a estrutura possui engrenagens/defasagens e cria oposições ao seu desen-volvimento. A estrutura reage sempre sobre a própria estrutura e produz novos efeitos.

Estes dependem da especificidade das combinações de suas práticas e isso é deter-minado pelo estado da estrutura. Logo, a capacidade de modificação que as práticassociais têm, dentro de uma estrutura, não é ilimitada: permanece encerrada no interiordas etapas do desdobramento de uma estrutura, ainda que possa acelerar seu ritmoe mudar seu conteúdo histórico. Portanto, analisar o espaço enquanto expressão daestrutura social resulta, consequentemente, estudar sua modelagem pelos elementosdo sistema econômico (produção, consumo, troca), do sistema político-institucional edo sistema ideológico, bem como pelas combinações e práticas sociais que decorremdele. Pode-se representar graficamente o Sistema Econômico em suas articulações:

Sistema Econômico

Produção Consumo

(expressão espacial dos meios de produção) (expressão espacial das forças de trabalho)

Troca(derivado de P e C)

(espacialização das transferências entre P e C, no interior de P e C)

3 Modo de produção: é a combinação entre as instâncias (sistemas de práticas) fundamentais da estrutura social: econômica, político-institucional e ideológica.Isso gera uma matriz particular que leva o nome de um modo de produção específico. A instância econômica, do ponto de vista marxista, é determinante nocapitalismo, entendida como o lugar onde o homem transforma a natureza.

4 Práticas sociais: entendem-se como tal as ações dos homens determinadas por sua inserção part icular nos diferentes locais da estrutura.

5Economia: é a maneira pela qual o “trabalhador”, com a ajuda de certos meios de produção, transforma a nat ureza (objeto de trabalho) para produzir os bens

materiais necessários à existência social. Determina, em última instância, a forma particular da matriz, quer dizer, as leis do modo de produção.    S   o   c    i   o    l   o   g    i   a    U   r    b   a   n   a

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Para correta análise do sistema econômico é necessário articulá-lo a outro siste-ma, o  político-institucional , também denominado gestão. A gestão, entendida comoum quarto elemento, fundamental para a análise, é o processo de regulação das rela-ções entre produção, consumo e troca. Ao falar do sistema político institucional, Cas-tells afirma que o mesmo é definido por duas relações principais: dominação/regulaçãoe integração/repressão. A expressão espacial do sistema institucional é, por um lado, a

divisão do trabalho do espaço (cidades, vilas etc.) e, por outro, a ação sobre a organiza-ção econômica do espaço através da regulação/dominação que as instâncias exercemsobre os elementos do sistema econômico.

Portanto, Castells articula seu modelo analítico afirmando que

[...] a organização social do espaço pode ser compreendida a partir da determinação das formasespaciais: por cada um dos elementos das três instâncias [...]; pela combinação das três instâncias;pela persistência de formas espaciais ecológicas, suscitadas pelas estruturas sociais anteriores [...]; pelaação diferencial dos indivíduos e dos grupos sociais [...] (CASTELLS, 1983, p. 161)

Feita a definição do espaço, Castells dirá ser possível analisar a cidade, não comouma variável independente como fizeram na Escola de Chicago, mas como resultantedas relações entre os elementos da estrutura social. Assim, o urbano conota uma uni-dade definida, seja na instância ideológica, seja na jurídico-político, seja na econômica.Sua obra se centra na revisão da produção acadêmica sobre o tema e, sinteticamente eledistingue dois sentidos, extremamente distintos, do termo urbanização: concentraçãoespacial de uma população, a partir de certos limites de dimensão e densidade e; difusãodo sistema de valores, atitudes e comportamentos denominados “cultura urbana”.

Sua crítica à Escola de Chicago na construção de urbanização como sinônimo de

cultura urbana se deve ao que ele chama de confusão entre conteúdo e fins. Ou seja,para ele “cultura urbana” é o sistema cultural característico da sociedade industrial ca-pitalista. Aponta ainda, em sua crítica que a Escola de Chicago opera com uma equi-valência entre os termos urbanização e industrialização, construindo as dicotomiascorrespondentes rural/urbana e emprego agrícola/emprego industrial. Isso porque atendência culturalista da análise da urbanização fundamenta-se em uma premissa: acorrespondência entre certo tipo técnico de produção, um sistema de valores e umaforma específica de organização do espaço que pode ser assim sintetizado:

Econômico Social Ambiental

Tipo técnico de produção Sistema de valores Forma específica

Indústria Modernismo Cidade

Outra vertente analítica que Castells localiza é a que toma o urbano como sinô-nimo do aparelho jurídico e político, fundamento da existência da cidade em certasconjunturas históricas, de acordo com a leitura weberiana, a qual dá como origem de

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certos tipos de cidades a criação de um tribunal (aparelho jurídico) ao redor do qualsurgirá a cidade. Segundo Castells, contemporaneamente nenhuma dessas ideias dãoconta das realidades metropolitanas, por exemplo, aquelas cujo conteúdo se explicamais pela instância econômica. Diz o autor: “não é por acaso, pois tudo ocorre como seas unidades espaciais se definissem em cada sociedade conforme instância dominan-te, característica do modo de produção (jurídico e político no feudalismo, econômica

no capitalismo)” (CASTELLS, 1983, p. 286-287).

Delimitação teórica do urbanoEm sua análise do urbano enquanto comunidade econômica Castells trata da 

cidade como síntese de uma estrutura complexa em termos de monopólios em se-tores de produção (relações técnicas) ou, se o considerarmos diacronicamente, emtermos de ciclos e fases. Na análise urbana, os meios de produção remetem mais aos

problemas regionais (administração dos elementos técnicos da produção), tendo emconta recursos naturais e produtivos e os movimentos de capital.

Já a força de trabalho é tomada na dimensão das condições para sua reproduçãoe não para a sua aplicação direta no processo de produção. Assim, o espaço urbano édefinido, por certa parte da força de trabalho, por um mercado de emprego e por umaunidade relativa do seu cotidiano, ou seja, o urbano é a conotação do processo de re-produção da força de trabalho.

Essas duas noções articuladas permitem abordar teoricamente as questões colo-

cadas, pois no interior de qualquer unidade em análise está presente o conjunto doselementos da estrutura social. Disso se induz duas problemáticas associadas: a distri-buição espacial de cada elemento da estrutura social, fazendo parte, num nível muitogeral, de uma teoria das formas – explicação da realidade urbana a partir das formas –e, a constituição de unidades espaciais que combinam, de modo específico, o conjuntodos processos que acabamos de citar.

A hipótese do autor é que “nas sociedades capitalistas avançadas, o processo queestrutura o espaço é o que concerne à reprodução simples a ampliada da força detrabalho; o conjunto das práticas ditas urbanas conotam a articulação do processo ao

conjunto da estrutura social” (CASTELLS, 1983, p. 288). Ele continua:Esta definição produz efeitos particulares na combinação dos elementos da estrutura social,nas unidades (espaciais) deste processo. As “unidades urbanas” seriam assim para o processo dereprodução o que as empresas são para o processo de produção, com a condição de não imaginá-lasapenas como locais, mas sim como estando na origem de efeitos específicos sobre a estrutura social(da mesma maneira, por exemplo, que as características de uma empresa – unidade de produção– afetam a expressão e as formas das relações de classe que se manifestam). É para conceber estasrelações internas e sua articulação com o conjunto da estrutura que propomos o conceito de sistemaurbano. (CASTELLS, 1983, p. 288)

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Castells entende o sistema urbano como a articulação específica das instânciasde uma estrutura social no interior de uma unidade (espacial) de reprodução da forçade trabalho. O conjunto de relações presentes entre os elementos da estrutura social éorganizado pelo sistema urbano da seguinte forma:

1 – O conjunto de relações entre os dois elementos fundamentais do sistema econômico e o elementoque deriva dele.

  Elemento P (produção): Meios de produção específicos.

  Elemento C (consumo): Força de trabalho específica.

O elemento não-trabalho aparece como um efeito necessário do sistema econômico na reprodução, que se divide em três produtos:

- Reprodução dos meios de produção.

- Reprodução da força de trabalho.

- Apropriação do produto pelo não-trabalho.

  Estratificação social ao nível de organização social  (sistema de distribuição).

  Funcionamento das instituições (aparelhos políticos e ideológicos).

  Ao nível das estruturas, isto, é pode recair também na reprodução de meios de produção e/ou daforça de trabalho.

  Elemento T (troca) entre P e C, no interior de P, no interior de C, e com outras instâncias. (CASTELLS,

1983, p. 288-9)

Além dos elementos do sistema econômico, Castells dirá que o sistema urbanoé constituído também dos elementos de gestão e do simbólico. Gestão é a regulaçãodas relações entre produção, consumo e troca, de acordo com o momento histórico eas condições econômicas vividas num momento histórico específico. A gestão é clara-

mente a especificação urbana da instância política. O elemento Simbólico exprime aideologia a partir das formas espaciais, sem que possa ser compreendida em si mesma,mas na sua articulação com o conjunto do sistema urbano.

Consumo como processo de reprodução da força de

trabalhoPara Castells (e essa assertiva é, talvez, a sua maior contribuição na formulação

da Sociologia Urbana), o elemento consumo exprime, do ponto de vista da unidadeurbana, o processo de reprodução da força de trabalho. Para expor seu argumento,retoma a distinção entre reprodução simples e ampliada da força de trabalho. É carac-terística da reprodução simples a produção de moradias e equipamentos e materiaismínimos tais como: esgoto, iluminação e manutenção de ruas. A reprodução ampliadada força de trabalho é o local para onde convergem/refletem os três sistemas (econô-mico, jurídico-político e ideológico).

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Como exemplos da reprodução ampliada da força de trabalho, do ponto de vistameramente econômico, isto é, da reprodução biológica tem-se os espaços verdes, a po-luição, o barulho, ou seja, o meio ambiente urbano. Do ponto de vista do sistema insti-tucional, isto é, da estrutura jurídico-política a qual faz a mediação entre a organizaçãodo estado e a forma de socialização num dado momento da sociedade, tem-se, comoexemplo, o equipamento escolar. Num último patamar, em sentido mais sutil e mais

refinado aparece, no plano da reprodução ampliada da força de trabalho, como umaforma de ampliação do sistema ideológico, o exemplo dos equipamentos sociocultu-rais, museus ou cinemas, por exemplo.

Produção, troca e gestão no sistema urbano

Do ponto de vista da produção, o autor faz uma distinção fundamental entre instru-mentos de trabalho e o objeto de trabalho (matéria-prima especialmente), por um ladoe, por outro, a articulação da produção com as outras instâncias. São elementos internosao processo de trabalho os instrumentos de trabalho como as fábricas, por exemplo, esão objetos de trabalho, entre outros, a matéria-prima. Castells distingue também a re-lação entre o processo de trabalho e a instância econômica no seu conjunto, ou seja, omeio industrial ou meio técnico e ambiental e a relação entre o processo de trabalho eoutras instâncias, cujo melhor exemplo é a gestão, informação (escritórios).

Outro nível que o autor distingue para pensar o sistema urbano é o elementotroca, entendido como um conjunto de tantos elementos quanto o número de transfe-rências possíveis no interior ou entre os elementos e instâncias da estrutura social comrelação a uma dada unidade urbana. Em outras palavras, na transferência é o momentoem que se estabelecem todas as articulações e contatos do comércio etc; entre produçãocom produção; entre produção e consumo; entre produção e o nível ideológico; entre con-sumo e espetáculos; entre consumo e política; e entre produção e política. Em resumo, doponto de vista das transferências havidas entre os elementos consumo, produção, opolítico e o ideológico, todos podem ser analisados do ponto de vista da troca.

O elemento gestão articula sistema urbano à instância política e regula as relaçõesentre o conjunto de seus elementos. Ele se define, portanto, pela sua oposição à dupladicotomia presente no interior da cidade ou na análise da cidade do ponto de vistaglobal/local e do específico/geral, o que determina quatro subelementos possíveis:

Local Gobal

Específico

(versando sobre elemento)

G1

Administração urbana

G3

Organismo de planificação

Geral  (versando sobre as relaçõesentre os elementos)

G2

Municipalidade

G4

Delegação de autoridade central(Prefeito)

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O simbólico, os subelementos e os sistemas de lugares

O simbólico trata da especificação da instância ideológica em relação às formasespaciais da unidade de consumo coletivo (a expressão  formas é tomada no seu senti-do mais amplo). Sobre o tema, nos diz Castells:

[...] o simbólico tomará as configurações particulares conforme a importância relativa dos diferenteselementos e lugares da instância ideológica. Esta etapa caracteriza-se por um duplo efeito: a níveldas práticas e, num efeito de desconhecimento-reconhecimento- comunicação; a nível das instânciasestruturais, num efeito de legitimação (marcação do espaço, por exemplo, no nosso caso). Por outrolado, a instância ideológica, enquanto a produtora de mensagens, comporta as posições de emissor,de receptor, e de canais. A combinação desses dois efeitos com estas diferentes posições deve permitirestabelecer subelementos do simbólico, mais adequados à apreensão da complexidade formal detodo o conjunto urbano. (CASTELLS, 1983, p. 292)

  Castells apontará, ainda, como um último item os subelementos e sistemas delugares em que ele vai propor uma abordagem de situações concretas nas quais indicao lugar de uma contradição, bem como os elementos e os agentes-suportes dessa con-tradição. Além disso, aponta as posições de cada um dos subelementos dentro dasestruturas desses agentes-suportes. Diz ele:

São as diferenças entre as posições ocupadas pelos agentes-suportes que explicam as práticas sociaiscontraditórias e permitem transformações no sistema urbano, que é necessário então decompor emsubelementos como também diferenciar , precisando no interior de cada subelemento, níveis e papéis.(CASTELLS, 1983, p. 293)

A seguir, ele vai dar uma série de exemplos, tomando a moradia como objeto deanálise, em que relaciona os níveis (moradias de luxo, moradias sociais etc.) com os

papéis (hóspede, locatário, coproprietário, proprietário). Conclui a discussão teóricaafirmando:

De fato, o sistema urbano é apenas um conceito e, enquanto tal, tem como única utilidade a de esclareceras práticas sociais, as situações históricas concretas, ao mesmo tempo para compreendê-las e deduzirsuas leis. Se nossa construção em termos de estrutura urbana permite pensar situações sociais, ela nãopode apreender o processo social de sua produção sem uma teorização das práticas através das quaisse realizam estas leis estruturais [...]. Já que não existe estrutura social sem contradições, isto é, semlutas de classes, a análise da estrutura do espaço prepara e exige o estudo da política urbana. (CASTELLS,1983, p. 294)

Instrumentos teóricos para o estudo da políticaurbana

Podemos argumentar que Castells parte de uma especificação teórica retomandotrês conceitos fundamentais: o político, a política, e o urbano.

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 Político: é a instância pela qual uma sociedade trata as contradições e defasagensdas diferentes instâncias que a compõe e reproduz leis estruturais ampliando-ase assegurando, assim, a realização dos interesses da classe dominante.

 Política: sistema de relações de poder. O espaço teórico do conceito de poder éo de relações de classes. Entende-se por poder a capacidade de uma classe em

realizar seus interesses objetivos, específicos, à custa dos outros.

 Política urbana: trata-se da articulação entre o poder e o urbano. Para compreen-dê-la é necessário conhecer as estruturas e as práticas:

Estruturas

Relações entre as instânciasdentro da lógica da formação social

Práticas

Procedimentos de sua transformação, isto é,as relações sociais enquanto expressão direta

ou refratária da luta de classes

Para a análise da política urbana é preciso considerar dois campos analíticos in-dissoluvelmente ligados na realidade social: a planificação urbana e os movimentossociais urbanos. A primeira trata do estudo da intervenção dos aparelhos de estado,em todas as suas variantes, sobre a organização do espaço e também o estudo sobre ascondições sociais de reprodução da força de trabalho. Os movimentos sociais urbanosestudam a articulação da luta de classes, compreendendo aí também a luta política, no

campo de relações sociais assim definidos. Se é mais visível a relação entre os aparelhosdo estado e a luta de classes, o mesmo não ocorre no que diz respeito à organização doespaço e aos processos de consumo. Tal articulação pode ser apreendida ou na práticasocial, isto é, na especialização dos problemas de equipamentos; ou na ideologia doambiente e seus derivados. Nesse sentido, ele estuda duas práticas sociais.

 Processo de planificação: entendido como intervenção do político nas diferentesinstâncias de uma formação social (inclusive no político) ou sobre suas relações,com a finalidade de assegurar a reprodução ampliada do sistema; e de regular

suas contradições não antagônicas e de reprimir as contradições antagônicas,assegurando assim, os interesses da classe social dominante, bem como a repro-dução estrutural do modo de produção dominante.

 Movimento social: é entendida como a organização do sistema dos agentes so-ciais (conjuntura das relações de classe), tendendo a produzir um efeito qualita-tivamente novo sobre a estrutura social (efeito pertinente).

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Tal efeito, qualitativamente novo, ocorre sobre:

 Estrutura Sistema de prática

Uma mudança na lei estrutural da instância do-minante (no modo de produção capitalista, e oeconômico).

Uma modificação nas relações de forças e, indo aoencontro da dominação social institucionalizada.

O sistema de determinação das práticas políticas urbanas

Segundo Castells, o problema urbano pode ser definido pelo seu lugar no sistemaurbano; pelo seu lugar na estrutura social (econômico, ideológico ou jurídico-político,por exemplo); pelo seu lugar na organização social; pelo sistema de distribuição do pro-duto entre os agentes-suportes; pelo sistema organizacional ou pelas formas materiaisespecíficas no domínio tratado. Por exemplo, ao se tomar um movimento de luta pela mo-

radia urbana em qualquer das cidades brasileiras, ele é um problema urbano na medidaem que é constituído de pessoas pobres do ponto de vista da produção; invasores doponto de vista da propriedade; e, do ponto de vista da organização ecológico-espacial,tal fenômeno geralmente ocorre em uma área insalubre. Para sua análise é necessário vercomo ele vincula-se ao processo de produção, consumo e troca no interior do sistemaeconômico. Na perspectiva político-institucional, esse mesmo movimento deve ser ana-lisado relacionando-o às políticas habitacional e de saneamento, bem como às formasde representação política (grupos e subgrupos políticos). Quanto ao sistema ideológico,esse movimento coloca em xeque os discursos ambientais da cidade, expõe o problema

da espoliação da força de trabalho, é a manifestação física da periferização da região ondea cidade está inserida e, por fim, destaca o desejo de possuir uma casa própria como ele-mento importante. Na organização social, parte da experiência histórica de acesso à casaprópria; assinala as atitudes políticas conservadoras ou avançadas presentes na cidade, éresultado do aproveitamento da conjuntura política.

Podemos concluir a leitura de Castells com dois conceitos fundamentais:

 Planificação urbana – intervenção do político sobre a articulação específica dasdiferentes instâncias de uma formação social no âmbito de uma unidade co-

letiva de reprodução da força de trabalho, com a finalidade de assegurar suareprodução ampliada, de regular as contradições não antagônicas, assegurandoassim os interesses da classe social no conjunto da formação social e a reorgani-zação do sistema urbano, de forma a garantir a reprodução estrutural do modode produção dominante.

 Movimento social urbano – sistema de práticas resultando da articulação de umaconjuntura do sistema de agentes urbanos e das outras práticas sociais, de forma

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que seu desenvolvimento tende objetivamente para a transformação estruturaldo sistema urbano ou para uma modificação substancial da relação de forças naluta de classes, quer dizer, em última instância, no poder do estado.

Esses dois conceitos representam, em certa medida, a contribuição do autor paraa Sociologia Urbana.

TEXTO COMPLEMENTAR

Um mundo ligado

(ERCILIA; TOLEDO, 1999)

A diferença entre Manuel Castells e outros tantos teóricos da sociedade da in-formação é que ele não fugiu do trabalho braçal de ir a campo e ver o que estáacontecendo no mundo. Sua trilogia “A Era da Informação – Economia, Sociedade eCultura” se baseia em pesquisa original e em dados colhidos ao longo de quase 20anos. Espanhol, Castells estudou com Alain Touraine em Paris. Foi o professor mais jovem da Universidade de Paris, em 1966. Chegou a Berkeley, Califórnia, em 1979,no começo da revolução da informática que se originou ali. Mais tarde, ensinou emCingapura, Japão, Rússia, Brasil (Campinas), África e Europa.

A ambiciosa trilogia de Castells foi comparada por Anthony Giddens, diretor daLondon School of Economics, à obra de Max Weber. Ela situa na raiz da era da infor-mação três movimentos iniciados nos anos 1960 e 1970: a tecnologia da informação,que revolucionou a produção, a reestruturação e flexibilização do capitalismo e doestatismo e movimentos sociais como feminismo, ecologia e movimento gay. Ostrês livros percorrem um espectro de assuntos extraordinariamente amplo, da his-tória da informática às transformações no trabalho e nos costumes sexuais [...] Leiaabaixo a entrevista concedida por Castells à Folha.

[...]

Folha – O Sr. vem da tradição da crítica marxista. Quando começou a se inte-

ressar pelas relações entre sociedade e tecnologia? Como avalia a posição da es-

querda em relação à tecnologia?

Castells – Sempre me interessei por tecnologia. Minha tese de doutorado, em Paris(1967), foi sobre as estratégias de localização industrial das empresas de alta tecnologia.

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Mas meu interesse cresceu a partir de 1979, quando aceitei uma cátedra na Universi-dade da Califórnia, em Berkeley, e cheguei ao Silicon Valley no período de formação darevolução nas tecnologias da informação. Dei-me conta de que tudo mudava, não comoconsequência da tecnologia, mas devido a um meio tecnológico que convertia a capa-cidade de investigar e gerar conhecimento em força produtiva direta. A esquerda sabe

a importância da tecnologia. O que a esquerda não admite é que os custos da transiçãotecnológica sejam pagos por todos os trabalhadores. Ou que, com pretexto de transiçãotecnológica, se imponham políticas sociais regressivas. [...]

Folha - Em “A Ascensão da Sociedade de Rede”, o Sr. se refere ao Brasil, Japão,

Espanha e outros países como sociedades informacionais. O que caracteriza uma

 sociedade informacional?

Castells  - A sociedade de informação é uma sociedade em que as fontes depoder e riqueza dependem da capacidade de geração de conhecimento e proces-

samento de informação. Capacidade que depende da geração da interação entrerecursos humanos, infraestrutura tecnológica e inovação organizacional e estrutu-ral. Nesse sentido, todas as sociedades estão conectadas globalmente em redes deinformação que condicionam toda a sua dinâmica. Mas há sociedades majoritaria-mente conectadas e outras em que somente um polo dinâmico pertence a essasredes globais informacionais. Creio que seja essa a diferença entre desenvolvimentoe irrelevância hoje.

Folha – A produção de informação e entretenimento cresce exponencialmen-

te, enquanto a distribuição e armazenamento de informação estão ficando cadavez mais baratos. Há suficiente demanda para absorver toda esta produção?

Castells  – Não há excesso de informação. Há defasagem entre a capa-cidade cultural das pessoas e a riqueza de informação. E há defasagem entreo que as pessoas querem e o entretenimento de baixa qualidade. As pes-quisas das empresas de multimídia demonstram que a ampliação da ofertade informação passa por novos conteúdos – educativos, culturais, políticos.A abertura ao mundo de toda a informação universal é uma possibilidade extraordiná-

ria, que está mudando nossas vidas e nosso imaginário. Desde que o sistema educativoproporcione pessoas com capacidade para buscar, escolher e desfrutar este mundo.

Folha – Em “The Rise of Network Society” o Sr. caracteriza todas as cidades

com mais de 10 milhões de habitantes como megacidades pertencentes a um

mesmo clube, cuja função é integrar sua população e a de seus países à economia

global. Entretanto muitas não são centros econômicos (Lagos, Karachi e Bombaim,

 por exemplo). O Sr. acha que não há diferença entre megacidade e cidade global?

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Castells  – A maior transformação urbana de nosso tempo é a formação demegacidades. Estas são aglomerações de grandes dimensões (10 milhões de habi-tantes, às vezes mais, às vezes menos), que concentram o essencial do dinamismoeconômico, tecnológico, social e cultural dos países e que estão conectadas entre sinuma escala global. As megacidades se estendem no espaço e formam verdadeiras

nebulosas urbanas onde se integram campo e cidade, criatividade e problemas so-ciais ao mesmo tempo. Mas são os centros nervosos do sistema mundial. Não há ci-dades globais. Toda grande cidade é algo global, em proporções diferentes. E muitolocal ao mesmo tempo. A maioria dos bairros e pessoas vive vidas locais. O que églobal são as funções direcionais da cidade. Nesse sentido, Bombaim e Lagos sãoglobais também. Bombaim é um grande centro financeiro e de software em nívelmundial, conectado com Londres e com o Silicon Valley. Lagos está conectada fi-nanceiramente à indústria energética e também é um centro estratégico das máfiascriminosas globais. Mas Londres, Bombaim, Lagos, Silicon Valley têm áreas locais

desconectadas das redes globais, ainda que em proporções diferentes. Cerca de90% de Lagos está desconectada da rede global. No Silicon Valley esta proporção éde 10%, enquanto São Paulo está entre os dois, em termos de proporções. A cidadeglobal não é concreta, é uma rede interterritorial de espaços locais conectados emuma rede global de capital e informação, onde estão Wall Street, a City de Londres,Ginza de Tóquio e a Avenida Paulista, entre outros.

Folha – O Sr. foi um dos primeiros a identificar o que chama de “dual city”,

cidade que concentra o pior e o melhor: conectada à rede global e, ao mesmo

tempo, com populações desconectadas desse processo –”funcionalmente desne-

cessárias”. O que o Sr. acha que seja a tendência: aumentar ou diminuir a desi-

gualdade socioeconômica dentro de uma cidade?

Castells – Megacidades como São Paulo serão os territórios que concentrammaiores problemas sociais e ambientais. Mas também reúnem as maiores possibili-dades de desenvolvimento, de criatividade e de vontade política de mudar as coisas.Não são elas a fonte dos problemas, mas as redes globais de poder e riqueza queconectam o que dá lucro e desconectam o que não tem outro valor além de existir.Não sei muito do futuro. Mas sei do presente e da última década. E sabemos que em

todo o mundo aumentou a exclusão social, a polarização e a desigualdade social.Em muitos países (mas não em todos; não, por exemplo, no Chile, China e Índia)também aumentou a pobreza. Um modelo dinâmico, mas excludente, pode agra-var os problemas sociais. Cerca de 40% do planeta mal sobrevive com menos deUS$2,00 por dia.

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Folha – No Brasil, megacidades como São Paulo tendem a ampliar sua área

de influência, exportando linhas de produção da indústria, mas concentrando as

 sedes administrativas das empresas. Há também uma interiorização do cresci-

mento: a formação de novas aglomerações urbanas e a volta do crescimento da

 população rural. O Sr. acredita que no futuro será possível fazer a distinção tradi-

cional entre população rural e urbana?

Castells – O aumento da população rural pode ser reação de sobrevivência,mais que resultado da difusão das telecomunicações. Mas a maioria do que se contacomo crescimento rural é a difusão em espaços que, parecendo rurais, estão conec-tados a redes metropolitanas. O mundo é hoje 47% urbano; em 2005 ultrapassará50%. Na América Latina a população urbana já é de 73%. Chegamos ao estádio daurbanização generalizada como modo de vida.

Folha –  Como o Sr. prevê, as megacidades devem continuar a crescer.

Quais seriam as soluções para as consequências, i.e. poluição, violência,

congestionamentos?

Castells  – O crescimento das megacidades, sem controle e planejamento,conduz à catástrofe ecológica, cujos sinais já estão presentes em nossa vida. Podeainda levar as elites a se refugiar em comunidades para ricos, rompendo o tecidosocial urbano. A difusão da urbanização pode conduzir à desaparição da cidadecomo modo de relação social, cultura urbana e democracia política.

ATIVIDADES

Como Manuel Castells tem sua teoria associada ao marxismo?1.

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Discuta a articulação feita pelo autor entre os termos2. gestão, simbólico e con-sumo.

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Discuta o lugar dado por Castells aos movimentos sociais urbanos no que diz3.respeito ao espaço das cidades.

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Ilhas de felicidade no meio do caos urbano

Neste capítulo trabalharemos com textos de Teresa Pires do Rio Caldeira, que ana-lisa as metrópoles atuais e suas relações com a violência e as diferenças sociais. Foramdois os trabalhos aqui utilizados na discussão presente neste capítulo. O primeiro delesé o livro Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. O outro trabalhoé um artigo publicado na revista Novos Estudos, intitulado “Enclaves fortificados: a novasegregação urbana”.1

Um pouco mais sobre a autora e o temaTeresa Caldeira trabalha nos Estados Unidos como pesquisadora e professora do

College of Environmental Design, da Universidade Berkeley. Antes disso havia sido pro-fessora da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. Foi também pesquisadorado importante centro de pesquisas na cidade de São Paulo, o CEBRAP.

Como resultado de seus trabalhos, publicou vários livros e artigos, dentre os quaisdestacamos A Política dos Outros: o cotidiano dos morados da periferia e o que pensam do

 poder e dos poderosos, de 1984, e Cidade de Muros, que foi premiado o Senior Book Prizer  de 2001, conferido pela American Ethnological Society.2

O foco de atenção da autora

Teresa Caldeira desenvolve seus estudos sobre o espaço urbano buscando identi-ficar as mudanças que ocorrem em seu interior e os sentidos (bem como os impactos)de tais mudanças. Dessa forma, nos trabalhos que utilizamos aqui, vamos destacar umdesses sentidos, qual seja o da privatização do público.

Tal conceito pode ser mais precisamente explicitado como referente aos caminhostomados pela apropriação e construção dos espaços das grandes cidades que apontampara uma separação clara das diferenças sociais e econômicas, levando a uma inversãodaquilo que podemos ler nos livros sobre o espaço público e o espaço privado.

1Seguem as indicações completas: CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo . São Paulo: Ed. 34/Edusp, 2000 e

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Enclaves fortificados: a nova segregação urbana. In: Novos Estudos, n. 47, março de 1997, p. 155-176.

2Informações baseadas em consulta feita ao site: <www.anthro.uci.edu/faculty_bios/caldeira/caldeira.php>. Acesso em: 21 out. 2008.

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Em outras palavras, poderíamos dizer que as classes médias-altas, ao reservar parasi o que eles imaginam ser o melhor, os serviços, o comércio, as áreas de lazer, a segu-rança, deixam para os outros, os pobres, o espaço da rua, mal cuidado, sujo, violento.

O meio para construir esse apartheid  social vem sendo sua materialização em umaespécie de “paraíso na terra” no meio de um inferno, ou, em outras palavras, aquilo que

costumamos chamar de condomínio fechado.Temos aqui o resumo do foco de atenção da autora. Mas, antes de desenvolvermos

o nosso assunto, queremos mencionar um texto muito revelador e que nos veio à lem-brança enquanto escrevíamos estas linhas. Trata-se do livro de Ítalo Calvino, intitulado  As Cidades Invisíveis, que traça um roteiro das “personalidades” urbanas. Nesse texto deficção, Calvino cria uma história que se desenrola através do diálogo entre Kublai Khan eMarco Polo. O primeiro deles, um conquistador, que buscava a posse de todas as cidades.O segundo, um viajante, que sabia que jamais iria conhecer todas as cidades.

No diálogo entre os dois, os pontos de vista se apresentavam e se confrontavam. En-quanto isso, Marco Polo descrevia as cidades que conhecera, narrando cuidadosamenteos desenhos e formas que elas tomavam e que se imprimiram na memória do viajante.Ao final das histórias, Kublai Khan encontrava-se aflito porque talvez viesse a conquistaras cidades dos pesadelos que o atormentavam. Então, ele disse para Marco Polo:

- É tudo inútil, se o último porto só pode ser a cidade infernal, que está lá no fundo e que nos suga numvórtice cada vez mais estreito.

E Polo:

- O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemostodos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácilpara a maioria das pessoas; aceitar o inferno e tornar-se arte deste até o ponto de deixar de percebê-lo.A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e oque, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço. (CALVINO, 2001, p. 150)

A ficção nos informa que a tentativa de fugir do inferno é vã. Na direção oposta, arealidade continua tentando fugir dele e, quanto mais foge e tenta fugir, mais se apro-xima do coração do inferno. A fuga, nesse caso, não obtém êxito porque as pessoasnão percebem que levam o inferno consigo. Elas imaginam que o lugar é o problema,mas a estória de Calvino nos mostra um pouco o contrário.

Construindo muralhas para esconder a diferençaDando sequência à nossa discussão vamos abordar os espaços onde a autora

centra sua atenção: a cidade de São Paulo, no Brasil, e a de Los Angeles, nos EstadosUnidos. Buscando uma comparação entre ambas, Teresa Caldeira apresenta o processo

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pelo qual essas fortalezas urbanas vão surgindo cada vez em maior número nas cida-des em pauta e, podemos dizer, nas principais cidades do Ocidente.

Nas últimas décadas, a proliferação de enclaves fortificados vem criando um novo modelo desegregação espacial e transformando a qualidade da vida pública em muitas cidades ao redor domundo. Enclaves fortificados são espaços privatizados, fechados e monitorados para residência,consumo, lazer ou trabalho. Esses espaços encontram no medo da violência uma de suas principais

 justificativas e vêm atraindo cada vez mais aqueles que preferem abandonar a tradicional esferapública das ruas para os pobres, os “marginais” e os sem-teto. Enclaves fortificados geram cidadesfragmentadas em que é difícil manter os princípios básicos de livre circulação e abertura dos espaçospúblicos que serviram de fundamento para a estruturação das cidades modernas. Consequentemente,nessas cidades o caráter do espaço público e da participação dos cidadãos na vida pública vem sendodrasticamente modificado.

Para discutir essas transformações, este artigo analisa o caso de são Paulo e toma Los Angeles comocomparação. (CALDEIRA, 1997, p. 155-156)

Como afirmou a autora, trata-se de observar a cidade de São Paulo em função daenorme desigualdade social e econômica que abriga, colocando para viver lado a lado

a mais extrema pobreza com a imensa riqueza. Em um país como o Brasil, onde existeuma das piores distribuições de renda do planeta, torna-se mais visível o mecanismode segregação que os novos padrões de habitação engendram.

Esse processo de construção de “fortificações” seguiu um caminho diferenciadoao longo da história. A segregação espacial e social já teve diferentes etapas de de-senvolvimento. “No começo do século, São Paulo era uma cidade extremamente con-centrada e os diferentes grupos sociais viviam próximos uns dos outros, embora emarranjos residenciais radicalmente distintos: os ricos em casas espaçosas, os pobresamontoados nos cortiços” (CALDEIRA, 1997, p. 156).

Esse perfil se alterou com o passar do tempo, resistindo até o momento dos prédiosde apartamentos que eram vistos pelas classes mais abastadas como enormes cortiçosde concreto armado. As pessoas “de bem” moravam em casas, longe da promiscuida-de dos prédios de apartamentos. Os ricos, por seu turno, moravam em mansões, sendoapenas no espaço público das ruas é que ocorria a convivência entre ricos e pobres.

A partir dos anos 1980, da confluência de vários fatores, essa realidade espacial dacidade de São Paulo alterou-se.

Os diferentes elementos que transformaram a cidade

Vamos destacar alguns dos principais elementos que contribuíram para alteraresse perfil de espaço urbano e de sua ocupação. O conjunto de alterações que a eco-nomia sofreu a partir de meados dos anos 1970 e que aqui se manifestaram clara-mente na década seguinte produziu muitas modificações que atingiram inclusive oaspecto das cidades.

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Por um lado, a crise econômica produziu o aumento do desemprego, da pobre-za, levando para as ruas um contingente de cidadãos que não puderam suportar osefeitos da crise econômica. Ao mesmo tempo, vivemos uma transformação do quadroprodutivo da cidade, que produziu um rearranjo espacial das cidades, ou seja, fábricasfecharam enquanto novas unidades de produção surgiram, deslocando bairros ope-rários, por exemplo. Além disso, houve um crescimento do setor de serviços. No co-

mércio, a entrada em cena dos “centros comerciais” e dos shopping centers tambémcontribuiu decisivamente para essas transformações.

No campo da política, não podemos nos esquecer do processo chamado “aberturapolítica”, iniciado nos final dos anos 1970 e concluído com o governo civil de José Sarney,que viu uma retomada das ruas com passeatas, mobilizações e uma pressão sobre os po-deres públicos no sentido de melhorarem as condições de vida da população mais pobre.

Como fecho para esse conjunto de mudanças, temos a ampliação da violência,agora explícita e diária, presente nas ruas e nos meios de comunicação de massas.

Assim, essa última transformação produz o pretexto para o que estava por vir.

Esse processo de mudança relaciona-se mais diretamente ao novo padrão de segregação residencialurbana, porque fornece a retórica que o justifica: o crescimento do crime violento e do medo. Nãosomente a criminalidade tem aumentado desde meados da década de 1980 em São Paulo, mas,sobretudo, houve uma mudança qualitativa no padrão da criminalidade. Nos anos 1990, os crimesviolentos representam 30% do total de crimes, proporção que era de 20% no início da década anterior.As taxas de homicídios na década de 1990 chegam a quase 50 por 100 000 pessoas em São Paulo. Umdos elementos mais graves no aumento da violência em São Paulo é a violência policial. No início dadécada de 1990, a Polícia Militar de São Paulo matou mais de mil suspeitos por ano, um número semsimilar em qualquer outra cidade do mundo. (CALDEIRA, 1997, p. 158)

A articulação dessas mudanças na vida urbana que poderíamos chamar, resumi-damente, de econômicas e políticas, acabam por produzir uma profunda mudança napaisagem urbana da metrópole.

Em certo sentido, observamos também uma mudança no estado de espíritodas pessoas e, dessa forma, o quadro torna-se perfeitamente favorável à intervençãodaqueles que se dispuseram a explorar o clima de insegurança para auferir lucros. OEstado não cumpre com suas obrigações, e dessa forma, o setor privado acaba substi-tuindo o Estado, conferindo conforto, segurança e qualidade de vida para aqueles quepodem pagar. Essa lógica estendeu-se por vários outros setores, passando, por exem-

plo, da saúde até os meios de transporte.

Os resultados das transformações

Vimos, portanto, que

[...] com o crescimento da violência, da insegurança e do medo, os cidadãos adotam novas estratégiasde proteção, as quais estão modificando a paisagem urbana, os padrões de residência e circulação,

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as trajetórias cotidianas, os hábitos e gestos relacionados ao uso das ruas e do transporte público.Na verdade, o medo do crime acaba modificando todos os tipos de interação pública no espaçoda cidade. São Paulo é hoje uma cidade de muros. Ergueram-se barreiras por toda parte – em voltadas casas, prédios de apartamentos, parques, praças, complexos de escritórios e escolas. Edifícios ecasas que comumente se ligavam às ruas por jardins hoje estão separados por altos muros e gradese têm equipamentos eletrônicos de vigilância e guardas privados armados. [...] Uma nova estética desegurança modela todos os tipos de construção, impõe sua lógica de vigilância e distancia como destatus e muda o caráter da vida e das interações públicas. (CALDEIRA, 1997, p.158-159)

Com a consolidação desse tipo de transformação do espaço urbano e, mais queisso, da vida em seu interior, surge o modelo paradigmático e exagerado que nos re-ferimos: os enclaves fortificados. Esse fenômeno, se analisado como um todo, revelaas suas origens, significados e, se é que podemos assim dizer, objetivos: podem servirpara moradia, trabalho ou consumo; destinam-se às classes médias e altas e podem sercaracterizados como enormes espaços privados para uso coletivo.

Em seu livro Cidade de Muros, Teresa Caldeira inicia o capítulo sobre os enclavesfortificados com um trecho do livro de Chico Buarque, Estorvo, que parece traduzir de

maneira inigualável o que é um condomínio fechado, ou, segundo a terminologia daautora, um enclave fortificado. Tomaremos emprestada aqui a epígrafe da autora parafecharmos este item de nosso trabalho.

O vigia na guarita fortificada é novo no serviço, e tem a obrigação de me barrar no condomínio.Pergunta meu nome e destino, observando os meus sapatos. Interfona para casa a 16 e diz que há umcidadão dizendo que é irmão da dona da casa. A casa 16 responde alguma coisa que o vigia não gostae faz “hum”. O portão de grades de ferro verde e argolões dourados abre-se aos pequenos trancos,como que relutando em me dar passagem. O vigia me vê subindo a ladeira, repara nas minhas solas,e acredita que eu seja o primeiro pedestre autorizado a transpor aquele portão. A casa 16, no final docondomínio, tem outro interfone, outro portão eletrônico e dois seguranças armados. Os cães ladramem coro e para de ladrar de estalo. Um rapaz de flanela na mão abre a portinhola lateral e me faz entrar

no jardim com um gesto de flanela. [...] O empregado não sabe que porta da casa eu mereço, pois nãovim fazer entrega nem tenho aspecto de visita. Para, torce a flanela par escoar a dúvida, e decide-sepela porta da garagem, que não é aqui nem lá. Obedecendo a sinais convulsos da flanela, contornoos automóveis na garagem transparente, subo por uma escada em caracol, e dou numa espécie desala de estar com pé-direito descomunal, piso de granito, parede inclinada de vidro, outras paredesbrancas e nuas, muito eco, uma sala de estar onde nunca vi ninguém sentado. À esquerda dessa salacorre a grande escada que vem do segundo andar. E ao pé da grande escada há uma salinha que eleschamam de jardim de inverno, anexa ao pátio interno onde vivia o fícus. Eis minha irmã de peignoir,tomando o café da manhã numa mesa oval. (BUARQUE apud CALDEIRA, 2000, p. 257)

Com um exemplo de tal força literária, podemos considerar apresentado o encla-ve fortificado referido pela autora ao longo dos seus textos.

A transformação do espaço público

em espaço privadoO principal aspecto destacado pela autora em suas obras tem relação às mu-

danças aqui apontadas em relação aos espaços público e privado. Utilizando-se da

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proposta arquitetônica do modernismo, os projetos atuais invertem o sentido daquelatendência, originária de uma ideia de “abertura” dos espaços públicos para todos.

Por isso, nas grandes cidades brasileiras da atualidade não encontramos umespaço de convivência que seja público no sentido predominante há algumas déca-das. As mudanças ocorridas foram profundas e marcam não apenas a estética dos lu-gares, mas também, e mais grave e importante, a visão de mundo das pessoas.

No passado recente, o imaginário social trabalhava com uma ideia necessaria-mente positiva de “público”, uma vez que ela referia-se a um “espaço” de todos, da de-mocracia, da igualdade, dos direitos e assim por diante. Por exemplo, as calçadas dasruas eram espaços públicos mantidos pelos impostos e serviam para que todo e qual-quer cidadão pudesse circular livremente por elas.

Como destacado por Caldeira, atualmente vemos uma apropriação privada destadimensão que deveria ser coletiva. O que são as calçadas hoje? São espaços ignora-dos pelos poderes públicos (apesar dos impostos continuarem a ser arrecadados) que

seguem dois caminhos. O primeiro deles é o abandono e o famoso salve-se quempuder. São buracos que comemoram aniversários, são locais de “pontos” para diferen-tes tipos de trabalhos e apropriações individuais.

Na outra ponta temos a “compra” dos espaços públicos pelos diferentes tipos decomércio. Ou seja, o comerciante se apossa de parte do espaço público, ganha comisso, e usa como desculpa para a sua apropriação o fato de que mantém o local bemcuidado. O único problema é que não são todos (o público todo) que podem desfrutardessa melhoria.

No panorama geral das grandes metrópoles, no que tange aos enclaves fortifica-dos, algo parecido acontece.

Em vez de criar um espaço no qual as distinções entre público e privado desapareçam – tornandopúblicos todos os espaços, como pretendiam os modernistas –, os enclaves fortificados utilizam-se deconvenções modernistas para criar espaços nos quais a qualidade privada é visivelmente reforçadae o público, um vazio sem forma tratado como resíduo, considerado irrelevante. Este foi o destinoda arquitetura modernista e de seu “espaço totalmente público” em Brasília. No entanto, neste caso,o resultado representa uma perversão das suas premissas e intenções iniciais. Exatamente o opostoocorre em relação aos condomínios fechados e outros enclaves fortificados dos anos 1980 e 1990:seu objetivo é segregar e mudar o caráter da vida pública, trazendo para seus espaços privados,construídos como ambientes socialmente homogêneos (e portanto excludentes), as atividades que

anteriormente tinham lugar em espaços públicos (heterogêneos e em princípio não-excludentes).(CALDEIRA, 1997, p. 168)

A confusão entre o público e o privado transforma-se em apropriação do públicopelo privado e, tudo isso, “em nome do público”.

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Uma comparação esclarecedora: São Paulo e

Los AngelesPara além das semelhanças mais visíveis, a comparação entre duas metrópoles,

uma do primeiro e a outra do terceiro mundo, servem para mostrar aspectos quenegam a igualdade dos dois contextos. Assim, as coisas em comum que aproximam asduas cidades servem para nos deixar abertas as possibilidades para pensarmos alter-nativas a esse processo de privatização dos espaços públicos das cidades, oferecendosupostas soluções para aqueles que dispõem de mais recursos e negando alternativaspara os que não têm nenhum recurso.

O primeiro aspecto que se destaca ao compararmos as duas cidades é o fato deque em São Paulo existe uma concentração maior das diferenças do que em Los An-geles. Os espaços ocupados pelas classes altas aparecem mais visivelmente na cidadebrasileira, assim como os espaços da pobreza.

Em Los Angeles, os aparatos de segurança são mais discretos, menos ostensivos.Além disso, talvez a face mais visível, os muros não predominam lá como se dá em SãoPaulo. As casas ainda têm jardins e o aspecto geral não é de uma fortaleza com gua-ritas, pessoas armadas e cachorros latindo desesperadamente. As fachadas das casasnão são ofuscadas pelas grades e cercas elétricas que mais lembram uma penitenciáriado que uma residência.

A polícia paulistana é menos eficiente e incomparavelmente mais violenta do quea norte-americana – e a de Los Angeles, embora seja considerada violenta, o é para ospadrões norte-americanos – fato que permite, provavelmente, que algumas das dife-renças apontadas acima existam. De qualquer maneira, além das diferenças que exis-tem entre as duas cidades, a partir do ponto de vista que adotamos, muita coisa emcomum também pode ser identificada. Conforme nos aponta Teresa Caldeira,

Apesar das muitas diferenças, é claro que tanto em Los Angeles como em São Paulo as convenções doplanejamento urbano modernista e as tecnologias de segurança são usadas para criar novas formasde espaço urbano e segregação social. Nas duas cidades, as elites estão se recolhendo em ambientesprivados cada vez mais controlados e abandonando os espaços públicos modernos para os pobres.

(CALDEIRA, 1997, p. 171).

Se em ambas as cidades podemos perceber a crescente tendência para a polariza-ção de posições, é interessante terminar esta aula destacando que, segundo a autora, épossível manter certo otimismo relativo sobre o fenômeno. Para Caldeira:

Como se poderia esperar, crescem também, nas duas cidades, os debates de planejadores e arquitetosem que os enclaves são frequentemente criticados, mas também defendidos e teorizados. Em São

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Paulo, onde o modernismo foi dogma nas escolas de arquitetura e exerce grande influência até hoje, adefesa de construções muradas é recente e tímida, usando como argumentos apenas razões práticas[...]. (CALDEIRA, 1997, p. 171)

Para Caldeira, a expansão dos muros explicita as diferenças, e torna-as cada vezmais óbvias, fazendo com que os segregados vejam claramente que são segregados,excluídos.

Nesse sentido, a existência de uma série de movimentos sociais urbanos parecedeixar entrever a possibilidade de se retomar os espaços públicos como tais e diminuiro grau das diferenças que dividem a nossa sociedade de maneira tão clara.

TEXTO COMPLEMENTAR

Condomínios residenciais e loteamentos “fechados”

(SOUZA, 2008)

O presente artigo busca reflexões sobre a produção da segregação urbana,tendo como referência uma análise sociourbanística e jurídica dos impactos da im-plantação dos condomínios residenciais e dos loteamentos “fechados” nas grandese médias cidades brasileiras. Percebemos que existem características comuns que

aproximam essas formas de urbanismo com outra forma de assentamento, os es-pontâneos e, em particular, as favelas brasileiras. O debate teórico sobre segregaçãosocioespacial e a crescente fragmentação urbana das cidades brasileiras aparece,na maioria das vezes, vinculado à discussão dos efeitos da violência urbana e pode,assim, ser estudado a partir de determinadas angulações, formando um leque deconceitos que passam a explicar, em parte, esse fenômeno.

Uma das nossas primeiras questões é de cunho metodológico e está na própriaconceituação do termo segregação, como ele pode e costuma ser empregado pelas

Ciências Sociais. Primeiramente, [...] tomamos emprestado o conceito adotado porT. Schelling, citado por Paul Krugman (1996, p.25) quando afirma que “a segregaçãose produz quando as pessoas preferem não ter muitos vizinhos que não se pareçamcom eles, seja por questões culturais, raciais ou econômicas.”

 [...]

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A crescente expansão dos condomínios residenciais e dos loteamentos “fecha-dos” no cenário urbano brasileiro pode, em parte, ser explicada através desta con-cepção. O mesmo entendimento já não vale para explicar o fenômeno da expansãodas favelas nas nossas grandes e médias cidades, cujo princípio de formação nãorepousa nessa voluntariedade de se autoexilar, porém, naquilo que podemos deno-

minar de uma segregação do tipo compulsória.

[...]

Uma das ideias principais desse trabalho repousa, então, em procurar compre-ender um pouco como essa chamada segregação compulsória – aquela que inde-pende da vontade do indivíduo e cuja maior expressão espacial se encontra nasfavelas brasileiras, difere, e em determinados aspectos se iguala à segregação dotipo voluntária – aquela representada, basicamente, pela figura dos grandes con-domínios residenciais e dos loteamentos “fechados”, que cada vez mais surgem no

cenário urbanístico de nossas cidades, e que passam a se constituir em verdadeiros“enclaves” urbanísticos e sociais, provocando graves transtornos ao planejamentourbano, à gestão da cidade e à organização do seu território.

[...]

Numa análise mais minuciosa, verificaremos que, do ponto de vista jurídico,excetuando-se a questão formal da existência ou não de um título de propriedade,existem, a nosso juízo, poucas diferenças entre os assentamentos residenciais em

forma de condomínio e a maioria dos assentamentos informais, em particular asnossas favelas. Vamos perceber, no decorrer da análise, que a estigmatização exercefator determinante no julgamento empírico dessas formas de urbanização.

É claro que estratégias diversas dão origem a essas diferentes formas de ocupaçãodo solo urbano. Nas favelas podemos observar que, sua grande maioria, foi formadae pode também ser caracterizada por um certo grau de espontaneidade, homogenei-dade social, uniformidade espacial, padrão econômico similar e uma peculiar “regula-mentação jurídica” e fundiária, que se caracteriza, paradoxalmente, pela quase ausên-

cia de normas urbanísticas e legais, mas que são, na prática, substituídas e validadaspela observância de determinados padrões construtivos e formais que avalizam a suaconduta, e que assim passam a transmitir a seus moradores um viés de legalidade.

Utilizando-se do exemplo brasileiro mais tradicional, de formação de favelasem nossas cidades – as cariocas –, as mesmas deixaram há muito tempo de se apre-sentar como uma solução provisória de moradia, para se tornar um destino quaseque permanente.

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 [...]

Nosso esforço aqui é procurar demonstrar, através do processo de formaçãodas “favelas” , que este possui aspectos de natureza informal que se assemelham aoschamados “condomínios residenciais e loteamentos fechados”. Em primeiro lugar,é importante salientar que o termo correntemente utilizado, condomínio fechado,representa uma redundância, pois, do ponto de vista legal, todo condomínio é, pornatureza, uma figura jurídica de direito privado, regulamentada pela Lei Federal4.591/64 (que dispõe sobre o condomínio em edificações e das incorporações), tendoportanto sua espacialidade e seus limites definidos, regulados e decididos na esferae no domínio do direito privado. Em outras palavras, é, por lei, um espaço de usorestrito e privativo de seus condôminos.

De forma análoga, não existe a figura jurídica do chamado “loteamento fecha-do” , pois todo parcelamento do solo destinado à implantação de loteamentos é

regulamentado pela Lei Federal 6.766/79 (que dispõe sobre o parcelamento do solourbano, e foi modificada parcialmente pela Lei Federal 9.785/99), que define e regu-lamenta as normas dos loteamentos para fins urbanos, e que são, pela sua natureza jurídica, espaços de uso público. Ou seja, a acessibilidade ao seu território não podeser restrita a seus moradores, apesar dos inúmeros exemplos em contrário existen-tes em nossas cidades. A prática corrente do setor imobiliário em denominar umacoisa como sendo outra, além de constituir um ato jurídico imperfeito, represen-ta uma propaganda enganosa, pois cria uma falsa sensação de segurança aos seusadquirentes.

Para alguns estudiosos as favelas apresentam, entre outras particularidades, ofato de não possuírem, formalmente, uma regulamentação jurídica e urbanística. Essapseudoausência de normas se deve à dificuldade de caracterização desses assen-tamentos, e também pelo fato de que muitas administrações se negam a reconhe-cer a existência de favelas em suas cidades. Na maioria das favelas, a acessibilidadetambém é restrita, só que não por vontade de seus moradores, mas por imposiçãodas facções que controlam e que dominam o seu território, em grande parte ligadasao narcotráfico.

[...]

Agora, depois dessas reflexões, ainda ficam no ar várias perguntas sem respos-tas, entre elas, quais os motivos que levam cada vez mais pessoas a optarem por morarem grandes condomínios residenciais e loteamentos “fechados” e, de uma certa forma,submeter-se a uma clausura voluntária? Como pode a legislação urbanística minorar osimpactos urbanísticos desses grandes empreendimentos? Quais propostas de políticas

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públicas podem ser adotadas para tratar da questão da exclusão social, que afeta aperiferia urbana e, principalmente, os moradores das favelas brasileiras? Podemosacreditar que o aprofundamento do debate teórico sobre os discursos do medo e dafala do crime (CALDEIRA, 2000; ZALUAR, 1998), com certeza representam um forte ar-gumento nesse sentido.

[...]

O retrato dessa forma de organização espacial reflete também, em menor escala,um modo de vida que está transformando o cotidiano das grandes e médias cidadesbrasileiras, gerando novas necessidades para o Planejamento Urbano e a gestão dosserviços públicos. A diminuição gradativa dos espaços públicos, e sua substituição poráreas cada vez mais controladas por serviços privados de vigilância, condenam a po-pulação urbana a um certo tipo de confinamento restritivo de liberdade. Para muitos, arua já não é mais considerada patrimônio público. A praça já não é mais o local seguro

destinado à diversão das crianças e ao uso tranquilo dos mais velhos. A escola públicanão se reconhece mais como tal. Vivemos, materialmente e socialmente, um processode privatização generalizada.

O aumento da segregação residencial está, assim, presente em toda parte e emtodos os momentos. A dimensão espaço-tempo, anulada pelo processo de “globali-zação”, contribui para o culto ao medo, à violência, para o aumento das desigualda-des sociais e econômicas e, principalmente, para o discurso ideológico que mantéme garante o status quo das classes dominantes:

 [...]

Assim, por motivações aparentemente opostas, os habitantes dos condomíniosresidenciais e dos loteamentos “fechados”, bem como os moradores das favelas brasi-leiras, de certa forma se igualam ao serem vítimas de um certo tipo de cerceamentorestritivo de suas liberdades. O poder subjacente, que impõe e determina a configura-ção espacial desses assentamentos, produz sobre seus indivíduos uma certa forma deimobilidade socioespacial, que é gerada, em grande parte, pela disseminação de

uma cultura do medo e da violência urbana, que acaba por justificar determinadasações.

[...]

A segregação, parcialmente voluntária, dos condôminos de classe média se con-funde assim, sob determinados aspectos, com a segregação compulsória da popula-ção moradora das favelas brasileiras. O crescente confinamento espacial representa

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apenas uma das faces da complexidade atual que representa a vida cotidiana nasgrandes e médias cidades brasileiras, agravada cada vez mais pela estigmatização epelo efeito que o discurso do medo produz sobre a sociedade.

ATIVIDADES

Como Teresa Caldeira define os enclaves fortificados?1.

Qual é a relação entre abertura política e crescimento do número de enclaves2.fortificados no Brasil?

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Quais são os principais aspectos resultantes da comparação entre São Paulo e3.Los Angeles?

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A modernidade invade as cidades:

os shopping centers e as mudançasdo urbano

As cidades brasileiras passaram por diferentes processos de mudança ao longodos últimos anos. Em meados do século XX o Brasil passou a ter a maioria da sua po-

pulação vivendo nas cidades ao invés da zona rural, como acontecia até então. Ascidades cresceram e ganharam um incremento populacional significativo. Ao longodas décadas, uma série de outras mudanças ocorreram em diferentes planos e níveis.Voltaremos nosso foco de atenção para um tipo de alteração significativa do espaçourbano que produziu uma série de outras mudanças nos espaços de sociabilidade, naeconomia, alterando a disposição do comércio, seu ritmo e outros fatores.

Para tratarmos desse assunto tomamos uma coletânea de textos que analisa ofenômeno acima mencionado, reunindo diferentes enfoques sobre o mesmo tema. Otrabalho se chama Shopping Centers: espaço, cultura e modernidade nas cidades brasilei-ras. Ele foi organizado por Silvana Maria Pintaudi e Heitor Frúgoli Jr.

Nas palavras que antecedem os trabalhos reunidos no livro, encontramos umaclara visão do tratamento dado ao assunto em foco. O “prefácio” começa dizendo que:

Lida-se aqui com os shopping centers brasileiros, focalizados a partir de perspectivas múltiplas. Elessão vistos como novo espaço de lazer e sociabilidade, em especial para jovens; como canal alternativopara o comércio varejista, em particular dos bens e serviços ligados ao corpo e à casa, ao gosto e àmoda, às classes médias e altas, – à distinção social, em suma. É observado também como grandeempreendimento imobiliário capaz de orquestrar, via gerência centralizada, o estilo de ação e a relaçãocom o público por parte de dezenas ou centenas de lojistas. Finalmente, é examinado como fator de

mudança na expansão urbana e mesmo como espaço (por enquanto – infelizmente – só potencial)para o exercício da cidadania. (PINTAUDI; FRÚGOLI JR., 1992, p. 7)

Vamos iniciar nossa discussão com o capítulo da organizadora, Silvana Pintaudi,intitulado “O Shopping Center no Brasil: condições de surgimento e estratégias de lo-calização”, no qual é feita uma contextualização do objeto central da discussão do livropor ela organizado.

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O começo da históriaInicialmente a autora procura nos mostrar que os diferentes setores do comércio obti-

veram ganhos distintos no final da década de 1980, considerada uma década perdida, umavez que a economia do Brasil teria ficado estagnada ao longo daqueles 10 anos.

Um exemplo desse fato é a constatação de que, em 1988, as vendas dos shoppingcenters (expressão que será abreviada por SC, a partir de agora) cresceram cerca de20%, em relação ao ano anterior. Inversamente, o comércio varejista apresentou umadiminuição nas suas vendas.

Isto significou um faturamento de 2 bilhões de dólares que os consumidores gastaram entre joias,roupas e pipocas: dos quais 10% ficaram nas mãos dos proprietários, um resultado que permite atémesmo questionar se os anos 80, denominados de “década perdida” pelos economistas, foram ruinspara todos os setores da atividade econômica.

É nítido que o marco para este fenômeno no Brasil é o ano de 1980. Embora os germens da expansãodos SC já se estivessem manifestando na metade da década de 70, é a partir de 1980 que esta expansãose dá de maneira efetiva, ou seja, é quando o volume de implantações aumenta, indicando o caráterirreversível do processo. (PINTAUDI; FRÚGOLI JR., 1992, p. 7)

Os SC consolidam-se, portanto, em nosso país, na década de 1980. Resta saber,então, como e por que esse processo se desenvolve. Vamos tratar um pouco desseaspecto do problema a partir de agora.

Do ponto de vista físico, os SC reorganizam o comércio centralizando as lojas emum único espaço, o que faz com que o comprador economize deslocamentos para

realizar suas compras.Outro aspecto relacionado a este é que a administração do espaço é centralizada,

o que aparenta ser uma economia em escala, ou seja, a publicidade das lojas, as cam-panhas promocionais, por exemplo, são decididas por uma única empresa contratadapara tanto. Com isso, cada lojista, individualmente, é dispensado de ter esse custo parapromover a sua loja.

Além disso, o espaço unificado que as lojas ocupam produzem um efeito posi-tivo para as vendas, uma vez que reúnem lojas e serviços no mesmo lugar, levando

a uma alta concentração de pessoas que ali se colocam com a intenção primeirade consumir.

Essa concentração leva a dois possíveis desdobramentos. O primeiro deles é aconstituição de um local de sociabilidades: as pessoas vão aos SC para passear, parase encontrar, para comer, para se divertir nos cinemas ou  playgrounds. O segundo éo próprio consumo, ou seja, a organização do espaço, as cores, o sentido da subidaou descida das escadas-rolantes, e uma série de outros fatores amplificam de maneiravisível o desejo de consumo das pessoas.

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Segundo Milton Santos,1

[...] numa sociedade tornada competitiva pelos valores que erigiu como dogmas, o consumo é o verdadeiroópio, cujos templos modernos são os shopping centers e os supermercados, aliás, construídos à feiçãode catedrais. O poder de consumo é contagiante, e sua capacidade de alienação é tão forte que a suaexclusão atribui às pessoas a condição de alienados. Daí a sua força e o seu papel perversamente motorna sociedade atual. [...]

Como se depreende do exposto, o caráter do consumo na sociedade capitalista hodierna [atual] é umfator de suporte para o desenvolvimento dos SC, lugares atraentes do ponto de vista arquitetônico eonde não existem problemas sociais, ao menos aparentemente. (PINTAUDI; FRÚGOLI JR., 1992, p. 17)

Como veremos, ao seguir o texto de Silvana Pintaudi, os SC, construídos no paíshá muito tempo, vêm ganhando cada vez mais espaço e impacto no ambiente urbano.Vamos traçar um pequeno roteiro desse processo, seguindo o texto da autora.

Os primeiros shoppings no Brasil

O primeiro SC instalado no Brasil o foi na cidade de São Paulo, no ano de 1966.Por certo período permaneceu como o único representante do modelo, até que outrodeles surgiu em Brasília e mais um no estado do Paraná.

“Entre 1975 e 1979 foram inaugurados mais quatro SC (dois em São Paulo, umem Minas Gerais e um na Bahia) e foi só a partir de 1980 que o fenômeno se difundiupor outros estados brasileiros [...]” (PINTAUDI; FRÚGOLI JR., 1992, p.17). Conforme já foimencionado acima, é somente nos anos 1980 que se tornou claro e evidente que os SCseriam a maneira pela qual o comércio iria realizar-se dali em diante.

É claro que outros tipos de comércio permanecem ao longo dos tempos. Umexemplo clássico é o das feiras livres que remonta há séculos e séculos. Porém, a ideiafundamental a ser retida acerca dos SC é que esse padrão de consumo transformou-se em central, ou seja, generalizou pelos quatro cantos do país, movimentando maispessoas e maior volume de dinheiro. Nesse sentido, os SC tornaram-se “dominantes”no perfil do comércio e serviços do Brasil.

Entendendo o processo

Pudemos constatar como deu-se o crescimento do número de shoppings no tempoe no espaço de nosso território. O que nos falta agora é saber o motivo desses centroscomerciais consolidarem seu desenvolvimento num período de crise econômica.

1 Aproveitamos uma citação feita pela autora do reconhecido geógrafo, Milton Santos para concluirmos esse grupo de ideias que apresentamos. A passagem deMilton Santos, foi retirada do livro, conforme nos informe a autora, O Espaço do Cidadão, São Paulo: Nobel, 1987, p. 34.

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Parece estranho o crescimento do número de SC no Brasil e particularmente em São Paulo, nummomento de pouco crescimento da economia. Mas, na realidade o que está ocorrendo é a concentraçãoterritorial do comércio, anteriormente disseminado pelo espaço urbano nas ruas do centro ou nossubcentros comerciais. Porém não podemos esquecer que essa concentração do capital, que emmomentos de crise precisa investir no ramo mais favorável do ponto de vista de seu retorno ampliado.Para se ter uma ideia, o investimento feito numa indústria demora em média 10 anos para que hajaretorno do capital, enquanto num SC leva a metade do tempo.

[...] A perspectiva é de que se continue a construção de SC, pelo menos na próxima década.2

 (PINTAUDI;FRÚGOLI JR., 1992, p. 41)

Cabe acrescentar que o acerto na previsão foi preciso, faltando apenas dizer (eisso é por nossa conta) que às razões econômicas podem ser acrescentadas outras deordem cultural e política.

Estamos nos referindo, basicamente, a dois aspectos desse processo que se arti-culou com o anterior para acelerar o crescimento do número de SC. Trata-se, primei-ramente, de uma razão do campo da sociabilidade, ou seja, é “moda” ir aos SC. Esseaspecto, que se mostrou duradouro, é significativo para a manutenção e ampliação doritmo de crescimento.

Articulando-se a esse aspecto, temos outro relativo ao campo da segurança públi-ca, ou melhor, da falta dela. Nesse sentido, esses espaços tornam-se locais que ofere-cem senão a segurança propriamente dita, certamente a sensação de segurança, o quefaz toda a diferença.

Outras consequências da predominância dos SC sobre o

comércio tradicionalOs aspectos até aqui anotados não são os únicos a resultar do crescimento e predo-

mínio dos SC no espaço urbano. Existem outras consequências diretas e indiretas desseprocesso, destacadas pela autora.

A partir dessa pulverização e especialização dos espaços da cidade unidos pelo automóvel, oshabitantes da metrópole, por exemplo, passaram a “selecionar” o espaço em função dos “seus” hábitose desejos. Ora, é sabido que o comércio sempre foi um elemento de integração de relações sociais,que se estabelecem no cotidiano. O fato de apresentar-se concentrado no centro da cidade, mesclado

a outras funções terciárias e à moradia, atraía para lá pessoas de todos os estratos sociais que, mesmosem se falarem, tocavam-se, ainda que com o olhar. Quanto [sic] esse contato é rompido, as relaçõessociais tornam-se mais frágeis. A isso deve-se acrescentar que o centro da cidade constitui-se numespaço carregado de memória da coletividade, o que une as pessoas, já que se constitui em referencialsimbólico. Aliás, esse é o elemento de distinção do centro da cidade frente aos novos centros.(PINTAUDI; FRÚGOLI JR., 1992, p. 43)

2 Note-se que esse trabalho foi produzido no início dos anos 1990. De qualquer forma, o crescimento do número de SC continua, e em ritmo acelerado.

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Vamos acrescentar, ainda, que a sociabilidade fica alterada negativamente de duasmaneiras: a primeira é a inviabilização do contato entre pessoas de diferentes estratossociais devido à seletividade dos SC, e a segunda, decorrente desta, é a instituição deuma segregação social, o que leva à fragilização das redes de relações sociais.

Recriando identidadesVamos trabalhar o segundo momento deste capítulo discutindo o espaço como

responsável também pela criação/construção de uma identidade. Acabamos de men-cionar que um dos “efeitos” dos SC é a fragilização da rede de relações sociais. Vamosagora conduzir nosso olhar para dentro do espaço do shopping e tentar verificar o queestá além do consumo e da segregação social.

O capítulo seis do livro em foco, “Demarcações de identidade em espaço coletivo:

o shopping Iguatemi de Porto Alegre”, servirá como referência para a nossa escritura. Aautora do trabalho é Tânia Torres Rossari3 e o centro de sua atenção é o shopping quecarrega a “bandeira” do primeiro a ser inaugurado no Brasil, na cidade de São Paulo, em1966. Dessa vez, contudo, não estaremos em São Paulo, mas no Rio Grande do Sul.

O lugar de cada um de nós

A primeira questão a ser destacada por Tânia Rossari trata de uma ideia de “residência”.

Segundo ela,o espaço de nossa existência encontra, no conceito de residir, seu elemento mais decisivo; conformeNorberg-Schulz, esta é uma das instâncias fundamentais da vida individual. A dramaticidade daexpressão “não ter onde cair morto” realça tal fato, evidenciando que o indivíduo só encontra suaidentidade a partir da própria casa, da moradia.

Penso que o nível residencial, enquanto expressão hierárquica do “lugar social” dos indivíduos, podeser estendido para outros lugares. Inclusive aqueles menos privados que a casa, mas que as pessoastêm como importantes em sua vida. Nesse caso, o conceito de “residir” pode se expandir para o de“frequentar”. (ROSSARI, 1992, p. 107)

O trecho acima realiza um movimento de expansão entre o “residir” e o “frequen-

tar”. Esse processo é possível na medida em que os locais, além da residência, passam aadquirir importância fundamental, e por isso, são inseridos no processo de construçãoda identidade. Nesse sentido, partimos para a realidade dos SC, local onde as identida-des vão se compondo.

3Tânia Torres Rossari é antropóloga da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), em São Leopoldo – RS, conforme as informações presentes no texto

maior, que ora examinamos.

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O espaço do shopping escolhido pela autora foi construído em um bairro de históriarecente. Como ela afirma, ele não tem passado, o que permite interpretar a preferênciados jovens pelo local. Isto quer dizer que eles constroem uma identificação com o localpor um tipo de afinidade que passa pela situação social do jovem que ainda não temuma história e o prédio e o bairro que apresentam o mesmo perfil. Espaço da modernida-de, como foi chamado, é possível percebê-lo como não tendo um  passado, o que coinci-

de com a realidade existencial dos próprios grupos jovens, cuja frequência o caracteriza.Num e noutro caso, ainda não se definiu uma memória (ROSSARI, 1992, p. 113).

A modernidade reinventada a cada segundoA ideia de modernidade é construída e reconstruída conforme as necessidades do

vendedor. No caso em questão, ou seja, o Shopping Center Iguatemi, de Porto Alegre,as formas utilizadas para representar a referida modernidade se mostram como algofalso, como aponta Rossari.

Sob muitos aspectos, a organização espacial do SC sugere a de uma cidade artificial. Seus caminhosinternos assemelham--se a ruas cobertas, encerradas numa película protetora que isola de todo odesconforto. “Assim vão ser as cidades do futuro”, afirmou a pessoa entrevistada, na faixa de meia-idadee com nível universitário.

A artificialidade, a clara organização desses espaços em sua multifuncionalidade, é que acaba sugerindocodificações quase do tipo ficção. Nesse modo de ver, o SC seria como uma antecipação da fisionomiafutura do meio urbano. Acrescente--se que a frase me foi dita em tom de entusiasmo, não deixandoperceber nenhuma lástima pela perda do contato com elementos da natureza e da cultura urbanatradicional, implícita nessa previsão. (ROSSARI, 1992, p. 118-119)

Poderíamos acrescentar uma observação que pretende destacar um aspecto signi-ficativo dessa troca de bens naturais por bens artificiais. Em uma sociedade que apresen-ta uma dificuldade marcante e visível para o amadurecimento, ou seja, a todo instante aspessoas querem voltar para o conforto da vida antes do nascimento. Assim, os SC comoespaços isolados e confortáveis são quase um “retorno ao útero materno”, com vanta-gens, por ser repleto de outras pessoas e apresentar a possibilidade de fazer compras.

Além da artificialidade mencionada, uma outra vem agregar-se a ela e contribuipara a construção da identidade da juventude, que predominantemente frequenta oespaço: os espelhos.

Distribuindo-se através das fachadas das lojas, são também usados em suas decorações internas,ampliando os espaços e aumentando a luminosidade, fortalecendo o clima de “festa” permanenteque lá dentro tantos sentem. Além da duplicação espacial, os espelhos proporcionam um retornode imagem ao indivíduo, que nesse “rever-se” a cada passo, vai recebendo uma confirmação daimagem que eventualmente assuma lá dentro. (É preciso lembrar, nesse sentido, do grande númerode entrevistados que revelaram cuidar da aparência quando iam até lá.)

A função do espelho, inclusive, não é apenas de reflexão da aparência exterior de uma pessoa.

Os espelhos do Iguatemi refletem a imagem da pessoa naquele ambiente, num processo pelo qual oindivíduo incorpora a si as qualidades, a positividade do lugar. (ROSSARI, 1992, p.120)

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Podemos acrescentar a essas observações a imagem de  Alice no País das Maravi-lhas, na qual o espelho cumpre também o papel de fronteira entre dois mundos, umdeles aborrecido e cinzento e o outro, no qual a magia, as cores e a suposta liberdadepredominam. Nesse sentido, um mundo de espelhos sempre promete uma passagempara o mundo da magia.

O mundo cabe dentro de um SCNos dois capítulos de Shopping Centers: espaço, cultura e modernidade nas cida-

des brasileiras, trabalhados nesta aula, pudemos identificar um tom crítico e um tantodesesperançado em relação ao futuro das cidades. Ficamos com a impressão de quealgo de fundamental está sendo tomado pela proliferação dos SC. Talvez uma certanostalgia das pequenas cidades do interior seja responsável por isso.

Vamos trabalhar, então, pensando que os SC vieram para ficar como expressão deuma forma de desenvolvimento econômico e que determina uma série de aspectos davida das cidades contemporâneas. As identidades são imprescindíveis e sempre achamcaminhos para se constituírem. O que aparece, para nós, é o fato de que os meios e asformas de construção das identidades têm variado em muito. Essa variação coloca emxeque a nossa própria identidade, causando certo estorvo. Não temos nada a fazer emrelação a esse estorvo, a não ser, é claro, superá-lo positivamente.

TEXTO COMPLEMENTAR

Os espaços de varejo

configurando novas dinâmicas territoriais

(NASCIMENTO, 2008)

A produção dos espaços de varejo desempenha, desde os primeiros tempos, papelcrucial na formação das relações sociais e do ambiente urbano. O homem contemporâ-neo, na busca incessante de novos espaços de comercialização, convivência e recreação,encontra referência e identidade nos jogos de formas e sedução dos shopping centers.

O processo da globalização transcendeu os fenômenos meramente econômi-cos e se expandiu para outros âmbitos, a exemplo da geração de um mundo de

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signos e imagens, formas e matérias, bens e produtos, que afetam o padrão compor-tamental dos indivíduos. Esse processo fortaleceu novos conceitos de varejo comoos shopping centers.

Esses megaprojetos são centros de serviço integrados, possuem uma escalamultifuncional, utilizam-se da infraestrutura urbana e tornam-se centros irradiado-

res, capazes de aumentar o consumo e o lucro, com o objetivo de fazer prosperar ociclo do capital. Os shopping centers consagraram-se em território americano jun-tamente com o processo de mobilidade urbana, durante os anos 1960, oferecendoa possibilidade de quase todas as compras serem realizadas em um único espaço.Nos Estados Unidos, até os anos 1970, mais de oito mil shoppings foram inaugura-dos, segundo Rybczynski (1996). Esses espaços, comerciais, foram fechados e clima-tizados, construídos de forma horizontal e vertical, permitindo instalar mais lojasem um espaço menor. A cada ano, os empreendedores americanos incorporavamnovas atrações para aglutinar consumidores; nesse momento, os shopping centers

não eram mais apenas um lugar de compras, mas um centro urbano (RYBCZYNKSI,1996). Embora as lojas não deixassem de ser o carro-chefe, outros serviços foramadicionados aos shoppings, condicionados por novas estratégias de vendas como:academias de ginástica, pistas de skate e patinação, parques aquáticos, bancos, cen-tros médicos, bibliotecas, museus, escolas, sinagogas, teatros etc. fazendo com queos shopping centers chegassem ao nível de centros turísticos.

O shopping center que surgiu nos Estados Unidos, adquiriu importância crucialna manutenção da lógica do capital, do fortalecimento da sociedade de consumo e

do modo de vida consumista, segundo Padilha (2006). Esses modelos americanos decomércio foram, em sua maioria, idealizados para responder aos anseios da classemédia. Outros conceitos surgiram ao longo dos anos, procurando atender as neces-sidades dos consumidores com poder aquisitivo mais baixo.

Durante as décadas de 1980 e 1990, principalmente após a queda do muro deBerlim, em 1989, os modelos e técnicas americanas de comercialização foram rapi-damente espalhados para outras localidades do mundo. O comércio e o consumoapresentavam-se cada vez mais hegemônicos, consagrando o shopping center comoo modelo de comercialização mais difundido e envolvente até os dias atuais. Este

conseguiu reunir várias atividades de diferentes segmentos em um único local, ge-rando novas formas de socialização e vem alterando, cada vez mais, o modo de vidae o comportamento da população das metrópoles e cidades médias brasileiras.

[...] tornando-se o local: a) da busca da realização pessoal pela felicidade do consumo; b) deidentificação – ou não – com os grupos sociais; c) de segregação mascarada pelo imperativo dasegurança; d) de enfraquecimento da atuação dos seres sociais e de fortalecimento da atuaçãodos consumidores; e) de materialização dos sentimentos; f) da manipulação das consciências; g)de homogeneização dos gestos, dos pensamentos e dos desejos e – o mais grave: h) de ocupação

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quase integral do “tempo livre” das pessoas (a televisão parece ser a concorrente mais forte).(PADILHA, 2006, p. 24)

Na era da globalização, de um mundo sem fronteiras, em que o mercado temlugar de destaque na economia, o capital vem conseguido criar e recriar localizaçõese espaços de varejo que propagam, constantemente, a ideologia da melhor qualidade

de vida, com o propósito constante de substituir a diversidade pela padronização.

O shopping center na realidade brasileira

A influência americana e as tendências do urbanismo moderno transformarama realidade brasileira. Atualmente, a maioria das cidades metropolitanas e médiaspossui várias opções comerciais semelhantes aos shopping centers americanos. Aautonomia desses edifícios foi crescendo ao longo dos anos, tornando-se, muitasvezes, a própria identidade da cidade: o centro, o espaço público e privado, o polo

irradiador de atividades comerciais, culturais e de lazer.

As modificações nos hábitos do consumo, o automóvel, o papel da mulherno mercado de trabalho e o crescimento da população urbana intensificaram oprocesso de implantação dos shopping centers nas principais regiões brasileiras.Segundo Pintaudi (1992), os shopping centers surgiram no Brasil no momento emque o capitalismo necessitava do monopólio do espaço, pois é por meio do mer-cado que são equacionados os problemas da acumulação do capital.

Os shopping centers não só foram construídos na grande região metropolitana

de São Paulo, como também no interior e em outros estados brasileiros, a partir de1980. Essa expansão vertiginosa aconteceu em função da distribuição do comérciovarejista e do capital imobiliário (PINTAUDI, 1992). Esses equipamentos foram implan-tados nos estados do Rio de Janeiro e, principalmente, São Paulo, devido ao fato deque esses estados são grandes mercados consumidores, possuindo grandes contin-gentes populacionais e sendo concentradores de poder aquisitivo. Segundo dados daABRACE (Associação Brasileira de Shopping Center), os shopping centers continuamconcentrados, em sua maioria, no estado de São Paulo (56 shoppings construídos),bem como no estado do Rio de Janeiro (com o total de 23 edificações). Minas Gerais

apresentou 12 shoppings, sendo que os outros estados não apresentaram númerosrelevantes. No entanto, ao longo dos anos, o volume de implantações dessas “caixasde consumo” cresceu rapidamente, indicando que o processo seria irreversível.

Em 1983, somente 15% desses empreendimentos estavam localizados no inte-rior do país, sendo que até o ano de 2002 essa taxa evoluiu para 45%, com 227 shop-pings em operação e 26 em construção. Apesar do fato dos shopping centers brasi-leiros terem iniciado seu “boom” de desenvolvimento na década de 1980, somente na

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década de 1990 esse processo se acentuou, devido ao crescimento dos investimentosinternacionais no ramo de autosserviço, segundo Sposito (2001).

É notório que a região Sudeste do país apresenta considerável força de con-centração da população com grande poder aquisitivo, pois a localização dessesequipamentos comparece nas áreas onde se encontram as camadas de alta renda,

segundo Villaça (2001).

Quanto mais desigual seja a distribuição territorial de renda e do espaço urbano,mais fácil é a decisão de onde implantar um shopping center. Os estados brasileiros,atualmente, apresentam fatores de desenvolvimento econômico diferentes, bemcomo espaços urbanos repletos de desigualdades, o que fragmenta a distribuiçãodesses equipamentos pelo país, apropriando-se dos mais variados modelos e pa-drões já existentes no mundo e procurando adequar-se às realidades geográficas eàs necessidades dos diversos consumidores.

Segundo Bruna (1989), o padrão pretendido a ser alcançado pelos shop-pings é o de uma área urbana central, porém, organizada espacialmente e ur-banisticamente para proporcionar acessibilidade. Em muitas cidades brasileiras,os shoppings funcionam como âncoras nas localidades em que se situam; sãovistos como espaços de lazer (ofertando vários serviços), de possibilidade decompras em segurança, além de atuarem para a valorização e revitalização dolocal onde foram inseridos. O shopping desencadeou uma série de fatos-chaveque modificaram, metodicamente, o entorno construído para receber e incluir asatividades de consumo, segundo Koolhas (2001).

[...]

ATIVIDADES

Como a autora Silvana Pintaudi trabalha com a questão da concentração1.das lojas no espaço do shopping center?

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Como a autora Tânia Rossari se apropria do conceito de2. residir  e asseme-lha-o ao de frequentar ?

Exponha a sua visão da parte final do texto, ou seja, posicione-se sobre3.as conclusões do trabalho de Tânia Rossari no que diz respeito ao proces-so de construção da identidade.

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Redesenhando a fisiognomia da

metrópole moderna

Nesta aula trabalharemos com o livro de Willi Bolle intitulado Fisiognomia da Me-trópole Moderna: representação da História em Walter Benjamin. Escolhemos trabalharcom esses autores porque eles nos revelam outra forma de ver o espaço das cidades,principalmente as grandes cidades.

Willi Bolle1

 é um importante pesquisador na universidade brasileira e nos permiteestudar, com seus escritos um pouco da grande metrópole capitalista. Apesar de nãotratar-se de um sociólogo, a sua maneira de ver as questões relativas ao tema da cidadeé muito produtiva para quem se debruça sobre a cidade moderna. Uma abordagemmais poética é uma das formas de descrever esse “tratamento” dado à questão urbana.Como não temos uma única forma de tratar dos temas relativos ao conhecimentovamos alterar um pouco as cores do nosso trabalho.

Walter Bendix Schönflies Benjamin nasceu em Berlim, em 15 de julho de 1892 e,supostamente, suicidou-se em 27 de setembro de 1940, em Portbou, na fronteira entre

França e Espanha, tentando fugir dos nazistas que o perseguiam por ser judeu e mar-xista. Pensador multifacetado do início do século XX, possuía um leque de interessesmuito amplo, desde a História, passando pela Filosofia e chegando à Sociologia. Foiinfluenciado por vários autores dentre eles Karl Marx e Georg Simmel. Nunca seguiuuma carreira acadêmica como outros de seus conterrâneos, constituindo-se em umafigura marginal à sua época. Foi “descoberto” no Brasil no final do século passado.

O livro das passagensO principal trabalho de Benjamin utilizado por Willi Bole para produzir o livroque analisaremos a seguir recebeu Passagens como título de sua edição brasileira. Éum livro extenso e inconcluso, resultado de uma produtiva, porém breve, existência.Em resumo o trabalho feito por Benjamin, de 1927 a 1940, ano de sua morte, soma

1 Stefan Wilhelm Bolle é professor titular de Literatura na Universidade de São Paulo. Fez o doutorado em Literatura Brasileira (na Universidade de Bochum/Alemanha) com uma tese sobre a técnica narrativa de Guimarães Rosa, e a livre-docência em Literatura Alemã (na USP) com uma tese sobre Walter Benjamin ea cultura da República de Weimar. Suas pesquisas tratam da modernidade no Brasil e na Alemanha, na intersecção da Literatura com a História.

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1 170 páginas na sua edição brasileira e oferece uma infinidade de elementos para aanálise. Engloba diversos assuntos tratados de diferentes maneiras, incluindo sériesde considerações anotadas com cores diferentes, desenhos, figuras etc., que ajudama compor a obra.

Para que formemos uma ideia mais clara sobre aquilo que estamos falando, torna-

se necessário um breve comentário descrevendo o livro Passagens. O tema que dá otítulo para o livro são passagens existentes na Paris do século XIX. Algo como galeriasde pedestres que concentravam as lojas da moda naquele período e constituíam-seem local de desfile de roupas, joias e demais acessórios da burguesia parisiense dofinal do XIX.

Algumas dessas passagens existem ainda em pleno século XXI. E, em certo senti-do, continuam expressando um pouco da vida da cidade. Hoje, elas apresentam picha-ções, grafites e outras intervenções urbanas. Os imigrantes e não mais a classe alta éque ocupam essas galerias. O comércio ali existente reflete essa ocupação.

O período analisado por Walter Benjamin é o final do século XIX, conforme já disse-mos. Naquele momento da história parisiense, contudo, o ambiente das passagens eraexpressão do refinamento e local para ver ser visto. Poderíamos traçar um paralelo comos shopping centers de nossa época. Vagando pelas ruas de Paris e também pelas pas-sagens, Benjamin traça um fio que nos revela uma pouco da história do capitalismo e damodernidade na Europa a partir de um método muito peculiar, “criado” pelo autor.

O flaneur 

A forma como Walter Benjamin analisa a sociedade da época mescla diferentesabordagens, de diferentes autores. O termo que pode sintetizar o principal aspecto dametodologia por ele desenvolvida é flaneur . Esse termo da língua francesa pode ser en-tendido, em uma tradução livre, como aquele que vaga, passeia pelas ruas da cidade,“ocioso sonhador”, como escreveu Willi Bolle. Através desse vaguear o autor observavaaspectos da realidade urbana que só eram possíveis de serem observados dessa forma.Caso ele corresse apressado ou fosse levado por algum meio de transporte as coisasque seriam vistas mudariam e, principalmente, o número das que deixariam de ser

vistas aumentaria em muito.

Pensando agora como “tradicionalmente” são feitas as pesquisas, com entrevistas,gráficos, estatísticas etc., podemos ter maior clareza sobre a novidade que significouo método benjaminiano. Um dos aspectos incorporados a essa forma de estudar acidade é a valorização do olhar. A arquitetura, a publicidade, a maneira de se vestirdas pessoas, dentre outras tantas coisas, ganham destaque em detrimento dos nú-meros, predominantes em outras formas de estudar a realidade social. Além disso, a

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linguagem visual oferece uma flexibilidade maior para a imaginação do pesquisador.A importância da capacidade de articular as informações percebidas pelo olhar comas análises a respeito da realidade aumenta significativamente quando esse método éseguido. Em outras palavras, é muito maior o peso dado ao cientista e ao seu raciocíniodo que aquele dado aos componentes das estatísticas e dos gráficos.

Nesse trabalho, umas das indicações deixadas pelo autor é que as passagenspropriamente ditas eram a concretização do “espírito” do capitalismo, ou seja, umasuperficialidade e um elogio à grandiosidade. O indivíduo sente-se pequeno dianteda monumentalidade da estrutura arquitetônica daquelas galerias. Algo similar aosentimento de desamparo quando nos vemos em uma grande cidade na qual nuncaestivéramos antes. Como podemos notar, estamos falando de sentimentos, imagense ideias. É com esse arsenal teórico emprestado a Walter Benjamin que Willi Bolle falada metrópole contemporânea.

Uma primeira volta pela quadrapara reconhecimento

Willi Bolle inicia seu trabalho contextualizando o leitor em relação a Walter Ben- jamin e ao tema que nos interessa, a saber: a metrópole moderna. Relacionadas à me-trópole, Benjamin trabalha com a poesia de Baudelaire2, com a ideia de modernidade.Bolle apresenta uma passagem de Walter Benjamin que reproduzimos abaixo, na qual

a ideia de modernidade ganha uma definição.

Escreve Benjamin no exposé de 1939 sobre o Trabalho das Passagens:

O século XIX não soube corresponder às novas possibilidades técnicas com uma nova ordem social.Assim se impuseram as mediações falaciosas entre o velho e o novo, que eram o termo de suasfantasmagorias. O mundo dominado por essas fantasmagorias é – com uma palavra-chave encontradapor Baudelaire – a Modernidade. (BOLLE, 1994, p. 24)

Além da modernidade torna-se importante levar em conta o fato de que a discus-são sobre as cidades na América Latina em geral e no Brasil, em particular, constitui-se

em uma particularidade que Willi Bolle destaca, lançando mão de uma célebre frasedo antropólogo estruturalista francês Claude Lévi-Strauss, retirada de seu não menosconhecido trabalho Tristes Trópicos, de 1955. Naquele texto, ele escrevia:

Dizem as más línguas que o continente americano emergiu da barbárie apenas para entrar emdecadência, sem, no meio tempo, ter tido contato com a cultura. Talvez se possa dizer o mesmodas cidades do Novo Mundo, que parecem desmoronar antes de começar a envelhecer. (BOLLE,1994, p. 23)

2Importante poeta francês do século XIX.

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No “prefácio” de seu trabalho Bolle nos conta um pouco do caminho percorridopara desenhá-lo. Ele nos mostra como articulou uma série infinita de fragmentos emum texto sobre a metrópole moderna. Nessa constelação de imagens da cidade e dasociedade europeias saltam contradições que articularão a construção do livro, bus-cando aproximá-lo de nossa realidade.

O presente trabalho é um comentário dos textos mais relevantes de Benjamin sobre o fenômenoda metrópole moderna.3  [...] Sua obra é uma constelação de fragmentos urbanos, chamada aquide Fisiognomia da Metrópole Urbana. Metodologicamente falando, nosso estudo oscila entre umaapresentação orientada de fatos empíricos – momentos decisivos da cultura alemã no período entreas duas guerras mundiais – e uma historiografia alegórica, visando uma comparação da experiênciabenjaminiana da metrópole europeia com dimensões da metrópole no terceiro mundo, no caso, aAmérica Latina. (BOLLE, 1994, p. 18)

Complementando essa afirmação, seguimos com o autor para dizer que essasideias de modernidade e de progresso eram muito fortes na virada do século XIX parao XX. Simultâneas a elas, a Europa vivia uma contradição muito marcante que apenasmencionamos acima. Tratava-se de viver e compreender um mundo que oferecia infi-

nitas possibilidades de criação para os homens, ao mesmo tempo em que se envolviaem duas guerras de destruição total.

Retomando o prefácio do autor, explicitamos a ligação que se pode estabelecerentre tantas coisas aparentemente tão díspares, a saber, Europa, America Latina, rique-za e miséria.

O conceito de metrópole (cidade-mãe), uma categoria histórica que ressurgiu na era do imperialismooitocentista com as cidades de Londres e Paris (a capital do século XIX), revela-se, juntamente comsua contraparte, a “periferia”, um instrumento útil de reflexão sobre as relações entre países altamentedesenvolvidos (hegemônicos) e atrasados (dependentes).

Elaborado numa metrópole do terceiro mundo (São Paulo), o presente estudo trabalha com a hipótesede que esta experiência urbana caótica, num país periférico no fim do século XX, é propícia para “revelar”as imagens benjaminianas de cidades, a fim de se extrair daqueles textos “clássicos” uma compreensãoaprofundada do assunto. (BOLLE, 1994, p. 18)

Dando ritmo à nossa caminhada vamos nos dirigir agora na direção da decifraçãode certas imagens e palavras. Trataremos de descobrir alguns sentidos novos e algu-mas palavras novas também. Podemos dizer que vamos tentar olhar o mundo comoutros olhos.

Um retrato em 3x4 da metrópole

Pensar as cidades do nosso mundo latino-americano a partir das ideias de pensa-dores europeus é uma parte da tarefa que nos propomos a realizar neste capítulo. Para

3 Willi Bolle refere-se aqui às obras Origem do Drama Barroco Alemã, escrito entre 1916 e 1928 e Paris, Capital do Século XIX , conhecido como A Obra das Passa-gens, O Livro das Passagens etc., produzido entre os anos de 1927 e 1940, conforme já indicamos. Do primeiro trabalho Bolle retira uma crítica feita à Alemanhado período compreendido entre a Primeira Grande Guerra e os anos que a sucederam. No caso do texto Paris, Capital ... o esforço de Benjamin aponta para acompreensão de como uma república pode se transformar em ditadura, no caso a República alemã transformando-se na ditadura nazista.    S

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tanto, Fisiognomia da Metrópole Moderna ainda pode nos ajudar. Continuando com aapresentação do trabalho de Willi Bolle – o que também significa conhecermos mais otrabalho de Walter Benjamin – cremos que é importante explicitar o sentido da palavrafisiognomia, articuladora do livro desse autor. Como ele mesmo nos alerta, trata-se deum neologismo, ou seja, uma palavra nova por ele inventada. Tomando emprestado aotexto do clássico Dicionário Aurélio a definição para o termo fisiognomonia encontramos

o seguinte: “[Do gr. physiognomonía] S. f. Arte de conhecer o caráter das pessoas pelos traçosfisionômicos”. (FERREIRA, 1999, p. 909)

O movimento realizado no livro de Bolle nos conduz para a compreensão do fe-nômeno urbano a partir da análise dos traços do rosto da cidade. Ninguém melhor doque o autor para nos descrever o seu caminho:

A “fisiognomia” – neologismo introduzido aqui para expressar um vaivém entre o objeto estudado,a “fisionomia” da cidade, e o olhar do “fisiognomonista” – é uma técnica de leitura da cultura e dasociedade que remonta a uma tradição fundamentada por Johann Caspar Lavater (1741-1801), com seus Fragmentos Fisiognomônicos. Vivendo o choque entre o surgimento da grande cidade contemporânea

e a cultura tradicional do campo, o autor suíço-alemão procurou elaborar um vademecum4 para quemse aventurasse adentro as grandes cidades, no sentido de poder detectar o caráter dos transeuntesanônimos a partir da leitura de seus traços exteriores. Apesar dos pressupostos um tanto ingênuos,a obra de Lavater suscitou interesse pelo seu valor empírico, influenciando a criminalística, aantropologia, a psicologia social, e alguns escritores mais lúcidos da modernidade, entre eles Edgar A.Poe, Baudelaire, os surrealistas e Benjamin. Dificilmente, uma história do cotidiano da modernidadepoderá prescindir das descobertas desses fisiognomistas urbanos que, perseguindo rastros e detalhes“aparentemente irrelevantes”, desmascaram feições e feitos da modernidade, inscrevendo-se ente osgrandes “detetives” da história. (BOLLE, 1994, p. 18-19)

Juntando a frieza do dicionário com o texto vivo de Willi Bolle, acreditamos quedeixamos um traço suficientemente claro dos caminhos que percorrem esse tipo de

análise do fenômeno urbano contemporâneo. Trata-se, portanto, de reconhecer asmarcas impressas na superfície visível da cidade por aqueles que se dispõem a cami-nhar por suas passagens e observar com “olhos de ver” e também com os olhos daciência aquilo que se revela para nós, as contradições entre as infinitas possibilidadesde criação e as forças também infinitas da destruição.

Um olhar mais próximoEstamos agora nos aproximando do passeio pela metrópole terceiro-mundista,

a cidade de São Paulo, objeto do estudo, se é que podemos dizer dessa forma, deWilli Bolle. Da mesma forma que o dicionário sobre o qual lançamos mão a pouco,a cidade comporta infinitas formas de se abrir e de se ler. Vamos nos concentrar emduas partes mais significativas para os nossos interesses ao tratarmos com o livroFisiognomia da Metrópole.

4Podemos traduzir o sentido desse termo como guia ou roteiro.

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A primeira parte desse texto trabalhará com a introdução feita por Bolle, na qual eleapresenta um panorama das indicações deixadas por Benjamin como leitor da fisionomia dascidades. Explicitamos, assim, a ideia do neologismo e a sua “aplicação” no estudo da metrópo-le. Além disso, revelamos os “resultados” obtidos, ou melhor, alguns tipos de “resultados” quepodem ser obtidos com essa forma peculiar de se estudar a cidade.

Quando chegarmos à outra parte tomaremos os capítulos intitulados “A cidadecomo escrita” e o capítulo final “A metrópole – palco do flâneur ” como os principaispontos de apoio sobre os quais assentaremos nossos pés para observarmos melhor oespetáculo metropolitano e caminhar por ele.

Com os olhos – e o coração – de Walter Benjamin

O já mencionado trabalho enciclopédico feito por Benjamin funciona aqui comoum mapa para o leitor das cidades. Podemos imaginá-lo, também, como um guia de

viagens. Talvez esta última imagem se aplique melhor às nossas intenções. Vamos calçarconfortáveis sapatos e vamos iniciar a nossa viagem.

A cidade de São Paulo, no sentido que alinhamos a seguir, pode ser comparada àde Paris. E, sobre esta, uma discussão muito atual é feita por Benjamin. Ele nos mostracomo a modernidade é sedutora e também como produz desigualdades. Para chegar aesse ponto da discussão, lembramos que a metrópole é “uma categoria do imperialismooitocentista” como define Willi Bolle. Paris surge, portanto, como a capital do império (ouuma das capitais de um dos impérios) que se apresenta como uma vitrine sedutora.

Vamos utilizar aqui uma longa citação do texto de Bolle para exemplificar forma eresultados obtidos com a metodologia de análise em questão. Começamos com umapoesia e terminamos com uma denúncia.

Discretamente, o poder da Metrópole aparece numa imagem do poema de Baudelaire “L’invitation auVoyage”:

Vois sur ces canaux

Dormir ces vaisseaux

Dont l’humeur est vagabonde;

C’est pour assouvir

Ton moindre désir

Qu’ils viennent du bout du monde5.

5 Transcrevemos a nota original do texto de Willi Bolle para a tradução dos versos: Charles Baudelaire, Oeuvres complètes , ed. 1961, pp. 51s. – O Convite à Viagem,trad. Guilherme de Almeida: “Pelos canais, vê / Esses barcos que / Têm um humor vagabundo; / É para poder / Te satisfazer / Que eles vêm do fim do mundo”  (BOLLE, 1994, p. 29).    S

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Os versos aludem a um conteúdo factual histórico: a circulação das mercadorias no mercado mundial.Nas vitrines da metrópole, o consumidor, como um príncipe, tem a seus pés a abundância dasmercadorias de todos os países do mundo. Essa atmosfera é apropriada a colocá-lo num estado deêxtase, que o embala numa sensação de ubiquidade cosmocêntrica, em “luxo, calma e languidez”.

A essa mitologia do habitante da Metrópole, às imagens de desejo do consumidor, Benjamin contrapõe,como meio de “despertar”, outras visões da mesma cidade:

Seja qual for o partido a que se pertence [...] é impossível não ficar comovido com o espetáculo dessamultidão doentia, que traga a poeira das fábricas, inspira partículas de algodão, se deixa penetrar peloalvaiade, pelo mercúrio e todos os tóxicos usados na fabricação de obras-primas. Ela se sente correrem suas veias um sangue púrpura e lança um olhar demorado e cheio de tristeza sobre a luz do Sol ea sombra dos grandes parques [...]

O contraste aqui descrito entre a população miserável da periferia e o luxo e resplendor da capital sereproduz em escala maior entre os países metropolitanos, os que dominam a economia mundial, e osperiféricos. (BOLLE, 1994, p. 29-30)

Nesse mundo de altos contrastes vemos surgir alguns contornos daquilo que po-demos chamar de uma crítica da modernidade. A sedução da propaganda da vitrine

versus a dura realidade dos bairros sem vitrines para se admirar. Locais onde o que semostra é a negação da riqueza. A cidade moderna, a Metrópole Moderna, encarna essaimagem dupla, da riqueza e da pobreza, dos desejos sendo satisfeitos ou reprimidos.

Com essa forma de escrever, observada na citação acima, Willi Bolle desenha umretrato da forma como Walter Benjamin escreveu, como se produzisse uma metalin-guagem dos textos benjaminianos. Para os nossos objetivos pudemos encontrar aquium primeiro resultado produzido pela forma de abordar a cidade oitocentista quetambém serve para a análise das megalópoles do século XXI.

A cidade que sobrepõe texto e imagensA obra benjaminiana trabalhada por Willi Bolle acaba por nos conduzir a uma

cidade que se constitui de textos e de imagens. Imagens mentais, literárias, além defotografias, desenhos e outros tantos tipos de imagens nos conduzem pelos meandrosda grande cidade em um esforço, muitas vezes recompensado, de nos vender algumacoisa.

A lógica do capitalismo constrói a cidade e marca seus caminhos para que nelatrafeguemos e vejamos o que é para ser visto, ao mesmo tempo em que oculta tudo oque não reforça o desejo do consumidor. A forma, mais uma vez, mostra-se inseparáveldo conteúdo. Afirmamos isso porque entendemos que as articulações feitas por essesautores nos permitem ver com maior largueza e profundidade os processos de sedu-ção das mercadorias, da publicidade, ao mesmo tempo em que conseguimos percebertambém como esse jogo, embora exclua uma parcela importante da população, deixasempre a porta do desejo entreaberta.

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A massa de desclassificados sonha com a sua inclusão no rol dos “príncipes” ur-banos que andam flanando pelas ruas das cidades enchendo os olhos com as mer-cadorias expostas nas vitrines. Parece menos uma questão de postura política e maisde oportunidades. Contudo, o olhar de Walter Benjamin destoa dos demais olhareseuropeus à medida que ele trabalha com os desclassificados, com os marginalizados.Da literatura, passando pela economia e chegando à política, esse autor nos dá a opor-

tunidade de olhar para nós mesmos e de vermos como certos mecanismos de controlee de alienação se apresentam. Ele nos permite, ainda, ver os nossos próprios leitores darealidade terceiro-mundista. O processo pelo qual criamos os nossos marginalizados.

No Brasil, São Paulo e Minas GeraisPodemos apontar para o final de nosso passeio pelas ruas da escrita desses autores

citando o comentário feito por Willi Bolle sobre o Grande Sertão: Veredas, de GuimarãesRosa.

Visionariamente, o autor (Guimarães Rosa) mostra algo que a história da segunda metade do séculoXX iria confirmar: uma procissão de depauperados e miseráveis saindo de um sertão do tamanho domundo a caminho das grandes cidades, que simbolizam riqueza e progresso, ao mesmo tempo que setransformam em imensos formigueiros humanos, superpovoados, cada vez mais inchados: megalópoles,onde se acumulam o ouro e a sucata da humanidade. Barroco como Benjamin, Guimarães Rosaapresenta a história humana através de imagens da história natural: massas humanas em movimento,uma avalanche de matéria vulcânica, que se arrasta da margem da história em direção à Metrópole.(BOLLE, 1994, p. 400)

Pensar as metrópoles a partir da poesia e das passagens, vitrines do dinheiro, não

necessariamente produz um retrato cor-de-rosa. Enfim, as contradições da realidade, seuschoques e conflitos aparecem, mais ou menos, mas sempre estão nas esquinas e calçadaspara serem descobertos. O olhar atento e treinado ainda é a melhor forma de vê-los.

TEXTO COMPLEMENTAR

Walter Benjamin e a leitura da cidade moderna

(GAETA, 2005)

Walter Benjamin foi um dos mais importantes associados da “Escola de Frank-furt” e um dos seus principais ensaístas e críticos literários. Sofreu influências impor-tantes das análises marxistas, da psicologia freudiana e da tradição judaica. Viveuem um período conturbado da história da Europa, sob a convulsão de duas guer-ras e da ascensão de regimes totalitários. Nasceu na Alemanha (Berlim, 1892), de

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origem judia, e foi vítima das ideologias nazistas antissemitas. Suicidou-se em 1940,deixando para a humanidade uma obra inacabada e, muitas vezes, enigmática.

Um dos seus mais importantes legados para as ciências humanas é a capaci-dade de transpor fronteiras, reunindo conhecimentos diversos e produzindo umaimportante reflexão sobre a modernidade, vista tanto em seus aspectos liberta-

dores quanto opressores. Também é significativa a sua aproximação entre arte,filosofia e ciência.

Em sua obra se destacam as referências a Paris e a Baudelaire. Para sua principalobra, o Trabalho das Passagens, Benjamin, recolheu dados e formulou apontamentos,reunidos em uma série de notas sobre as “passagens parisienses” (as galerias comer-ciais envidraçadas) e sobre “Baudelaire”, o poeta, crítico da modernidade e contempo-râneo do apogeu de tais feições urbanas. A maior parte dessas notas (fragmentos)não foi utilizada em escritos conclusivos. Considera-se que a obra tenha ficado ina-cabada devido a uma série de fatores, como as resistências dos próprios frankfurtia-nos (Adorno), as razões políticas que o obrigaram a fugir da Alemanha, o deliberadoreordenamento da linha do projeto, ou, ainda, por seu precoce desaparecimento.

[...]

A perspectiva de Walter Benjamin parece conter dois pontos essenciais consti-tutivos: de um lado, a influência do romantismo alemão, atualizado pelas questõeslevantadas pelo marxismo e pela crítica frankfurtiana; e, de outro, pela sua inserçãona cultura judaica.

[...]

A existência de um método, de um parâmetro claro de análise capaz de ser uti-lizado por outros investigadores, é uma questão em aberto para os que analisamWalter Benjamin. De acordo com alguns estudiosos, as concepções de Benjamindevem ser tratadas menos como método, no sentido rígido, e mais como concep-ções filosóficas. Afinal, Benjamin não era um “cientista social”, no sentido próprio,isto é, formulador e experimentador de um método de análise. O ensaísta definiriamelhor sua escrita.

Mas, ainda que seja esse o caso, Benjamin ilumina a possibilidade de um métodoinovador de análise da cidade moderna?

[...]

A temática de Benjamin põe em evidência dois extremos tradicionais no pen-samento filosófico: o universal, as ideias, e o particular, os fenômenos. A questãodos extremos não se reduz, na perspectiva benjaminiana, ao dilema da verdade,

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filosófico. Compreende igualmente o dilema da individualidade frente à constitui-ção de uma sociedade de massa, que também é um tema sociológico. Os extremoscontemplariam ainda o dilema do fragmento urbano diante da grande cidade e dosprojetos autoritários avassaladores de reforma urbana, como o de Haussmann. Assim,suas preocupações desdobram-se em camadas: o particular, a individualidade, osfragmentos urbanos.

[...]

A preocupação com as descontinuidades – temporais e espaciais – é ponto im-portante no pensamento benjaminiano. A análise da Paris do século XIX, por Ben- jamin, ganha interesse e complexidade por essa presença. Benjamin se interessapelas descontinuidades do passado presentes no atual. São fragmentos urbanos,“mortos”, no agora. São descontinuidades, fraturas reveladoras. Benjamin encontranessas descontinuidades – assim como nas particularidades – um objeto de aten-ção. Há nelas uma importância reservada para o presente, ainda que presente ho-mogêneo não as veja.

[...]

Se entendermos a cidade como texto (escrito pelo homem), as suas particula-ridades podem ser palavras. Nesse sentido, a elas pode ser aplicado tanto a análisedo texto e subtexto (como análise semiológica), como a análise do dito e do não-dito reveladora do sujeito e dos sujeitos (como a análise psicanalítica).

[...]

Walter Benjamin trata de fenômenos muito particulares, aparentemente.Assim, quando fala de Paris, está tratando dos cafés, das galerias, dos bulevares. Noentanto, o que procura é por uma universalidade para eles e pelo seu testamento.A leitura da cidade moderna (e, no sentido restrito, também escrita) não apareceem Benjamin como uma totalidade. Ele escolhe partes eleitas, pedaços. Mas nãosão entendidos assim como partes e sim como mônadas. São “indivíduos exempla-res”, na perspectiva em que esses revelam uma época. Benjamin trabalha tempo eespaço na transição e como tensões. Mas não os dissocia, isto é, há na perspectivado espaço, um tempo, um mundo (social, político, econômico, arqueológico, histó-rico, artístico, técnico).

[...]

A orientação benjaminiana de leitura de cidade aponta para a consideraçãodesse urbano – estrutura – enquanto passado perdido. Enquanto passado não com-preendido, as morfologias urbanas retornam como fantasmas. É a transição linear –ao enterrar as contradições e os sonhos contidos – que cria fantasmas do passado.

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Deve-se ter em conta que a cidade burguesa não pode ser vista como um todoharmônico, mas como uma organização repleta de fraturas nascidas nas próprias con-tradições sociais. Há, portanto, um pressuposto crítico à ideia de totalidade, associadaà linearidade e à homogeneidade. Por isso, as fraturas são realidades mais verdadeirasque a leitura da cidade como um todo. Benjamin aposta no estudo dos fragmentos.

Na Paris de Walter Benjamin, há a escolha de sujeitos particulares e lugaresparticulares que se associam em suas perspectivas. Os olhares são perspectivas deverdade. Perspectivas particulares, sujeitos determinados, lugares destacados sãocomponentes essenciais na cidade moderna de Walter Benjamin.

ATIVIDADES

Como a ideia do1. flaneur  pode ser útil para a pesquisa sociológica?

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Qual é o efeito sedutor da vitrine e como ele se manifesta em uma cidade como2.São Paulo?

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O que a imagem da lava e do vulcão que Willi Bolle associa ao3. Grande Sertão:Veredas, de Guimarães Rosa, revela sobre o Brasil?

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GABARITO

As origens da Sociologia: os pais fundadores

Se as revoluções burguesas do século XVIII alteraram as estruturas hierárquicas1.e as ideias vigentes, colocando a sociedade como questão, isso se intensificaráao longo do século XIX, de forma que cada vez mais os conflitos e problemas

sociais demandarão uma busca de solução por parte dos filósofos e dos ho-mens de ciência. A sociologia surge trazendo as primeiras respostas para essasquestões, seja a partir da ideia positivista de Auguste Comte, da busca da or-dem social em Durkheim, ou mesmo com a análise das contradições e conflitossociais com Karl Marx.

Enquanto as ideias religiosas permaneceram fornecendo todas as explicações2.necessárias acerca do mundo e dos homens, não havia a necessidade de inves-tigar, compreender e questionar as coisas do mundo, pois estas seriam sempredeterminadas pela vontade de Deus e não pela ação dos homens. Com a derroca-da do teocentrismo, o conhecimento em geral ganha novo impulso e liberdadepara seu desenvolvimento, o que causará grandes avanços nas ciências, artes ena filosofia.

A teoria marxista tem a ideia de contradição como base de seu olhar. Para ela, o3.processo histórico é dinâmico e movido pela luta de classes, ou seja, pelo em-bate constante entre os proprietários e os despossuídos de quaisquer bens. No

capitalismo esta questão se amplifica de uma forma nunca antes vista, uma vezque esse sistema apoia-se na exploração do trabalhador pelos burgueses, de-tentores dos meios de produção. Essa ideia cristaliza-se em diversos conceitosmarxistas, como o de mais-valia (a diferença entre o valor produzido pelo traba-lhador e o valor fornecido a este em troca, em forma de salário), ou mesmo navisão de Marx do Estado como defensor dos interesses da classe dominante.

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As grandes cidades industriais inglesas

do século XIX e a crítica de Friedrich Engels

A forma como a cidade está organizada influencia diretamente o comporta-1. mento, as relações sociais e até mesmo a cultura das pessoas que vivem nela.Os meios de transporte disponíveis, as formas de comércio, os locais de lazer(parques, praças etc.), escolas e universidades fornecem as possibilidades dedeslocamento, consumo, entretenimentos e o conhecimento disponíveis aseus habitantes. É também importante pensar que a cidade é fruto do tempohistórico e das condições sociais estabelecidas pelos seus próprios habitantes.

Além de sua forma literária, o texto de Engels é um grande exercício de síntese2.

que utiliza diversos dados como fontes estatísticas, entrevistas, depoimentosde inquéritos policiais etc que mostram o caminho dos futuros trabalhos nocampo das Ciências Sociais. Além disso, a visita dos locais permite que ele rea-lize um relato mais intenso e cheio de vida. Engels consegue, desta forma, arti-cular os dados estatísticos com o dia-a-dia das pessoas.

A principal contradição seria a do próprio sistema capitalista, pois os operários3.que produziam a riqueza (os bens nas fábricas) eram submetidos a jornadas detrabalho excessivas e situações de vida degradantes, ou seja, a própria fonte detodas as riquezas (o trabalho humano) era vista de forma desumana, apenascomo uma máquina ou uma mercadoria.

Sobre a metrópole capitalista e seus efeitos no indivíduo

O fenômeno das grandes cidades causa diversas modificações na sensibilidade,1.

nos hábitos, relações, na personalidade e na vida mental dos indivíduos. As prin-cipais mudanças identificadas por Simmel são: a racionalização e calculabilidadeda vida e das relações expressas no controle do tempo e na mediação do dinheiro,a atitude blasé (devido à grande quantidade de estímulos que não podem ser res-pondidos da mesma forma), a ênfase na materialidade das coisas e não mais naafetividade das relações e na autoafirmação individual através da busca do reco-nhecimento dos outros.

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A resposta será pessoal, mas é fundamental que o aluno destaque a influência2.do dinheiro no consumo, serviços e relações cotidianas. Além disso, o relógiopode ser identificado como um bom exemplo da calculabilidade das coisas (do-mínio do tempo). Acerca da atitude blasé, um exemplo pode ser o de um consu-midor frente aos anúncios de um supermercado, frente a comerciais de propa-ganda, ou mesmo no desinteresse e ações automáticas no seu cotidiano.

Segundo o autor, o desejo dos indivíduos de preservarem o seu espaço de3.liberdade individual faz com que apareça uma contradição. Trata-se do para-doxo da coletividade e da individualidade: à medida que as especializações seampliam e os habitantes das grandes cidades passam a tornar-se singulares,estes são também imprescindíveis no interior da engrenagem urbana. Este é ofenômeno tratado pelo autor como interdependência urbana.

Max Weber e a cidade

Weber parte de uma visão histórica e analisa os impactos do surgimento das1.cidades e encontra três elementos fundamentais: o econômico, geralmentecentralizado no espaço do mercado municipal, local fundamental para o sur-gimento da cidade devido à sua dependência de alimentos, bens e serviços.O segundo elemento seria político, composto por estruturas que se articulam

para melhor gerir ou fazer funcionar a cidade e sua economia. Por fim, o ele-mento militar é também fundamental para garantir a paz e a ordem, vitais parao desenvolvimento econômico e perpetuação da cidade.

A proposta pretende que o aluno identifique o local e que produza um peque-2.no texto sobre essa origem. O importante é que ele consiga aplicar aqui e ali osconceitos apresentados para discussão. Em função do tipo de origem da cidadepoderemos ver o mercado municipal, um local de abrigo para viajantes, umaigreja. O objetivo principal é envolver o aluno com a história do local onde elevive atualmente.

A resposta é aberta. O aluno deverá encontrar referências acerca da importância3.da economia em relação à constituição da cidade. Eventualmente encontraráuma atividade econômica originária da cidade (tropeiros, café, agricultura etc.).Acerca do comércio (e dos serviços) e sua relação com a dimensão econômica

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de sua cidade, poderá eventualmente refletir sobre sua concentração no centrogeográfico da cidade ou distribuição por afinidade em áreas e setores específi-cos, relacionando a localidade com um ramo do comércio ou serviços.

A Sociologia Urbana e a Escola de Chicago: Robert Ezra ParkPara uma resposta apropriada o aluno deve mencionar que esse autor se pro-1.põe a estudar o espaço urbano, tendo como principal motivação o fato de ser ohabitat do homem civilizado, ou seja, uma área cultural.

A expectativa é de que o aluno desenvolva sua resposta, mostrando que o autor2.afirma que com a acentuada divisão do trabalho e especialização desenvolve-

se uma espécie de solidariedade entre os indivíduos porque, cada vez mais, unsdependem dos outros para viver.

O importante é que o aluno desenvolva a ideia de que, para Park, o controle so-3.cial dá-se através da propaganda, ou seja, que as pessoas são conduzidas pelosgovernos através da propaganda.

Louis Wirth e o urbanismo como modo de vida

O aluno, em sua resposta, deverá destacar como aspecto fundamental a crítica1.que Wirth faz sobre a inexistência de uma verdadeira teoria sobre o urbano,ou seja, da inexistência de um corpo de hipóteses derivadas de uma definiçãosociológica de cidade e do conhecimento sociológico geral, passível de com-provação através da pesquisa científica.

Para o autor, o fenômeno do urbanismo é o ponto central de investigação de2.uma sociologia urbana. Deve-se tratá-lo como um complexo de caracteres queformam o modo de vida peculiar das cidades (o que extrapola a dimensão geo-gráfica das cidades). Para Wirth, a urbanização seria o desenvolvimento e a exten-são desses fatores, encontrados em todos os grupamentos, mas principalmentenas grandes áreas metropolitanas. Já a cidade foi conceituada pelo autor comosendo um núcleo relativamente grande, denso e permanente de indivíduos so-cialmente heterogêneos.    S

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Sendo a cidade composta por um enorme número de indivíduos desconhe-3.cidos, a comunicação passa a ocorrer por meios indiretos, através dos meiosde comunicação. Associado a este fator, existe também a influência niveladorae despersonalizadora exercida pela cidade sobre os indivíduos, resultado dadivisão do trabalho. O surgimento das massas despersonalizadas levará Wirth aargumentar que o principal “motor” de controle social nos processos políticos

passará a ser as modernas técnicas de propaganda.

Paul Singer e a Sociologia Urbana no Brasil

O aspecto fundamental a ser mostrado pelo aluno é que o parcelamento do1.trabalho produz um aumento significativo na produção. Enquanto o artesão

dispersa sua energia em diferentes atividades, o operário executa um númeromenor de movimentos. Esse fato dá ao trabalho do mesmo um rendimentomaior.

Esta resposta deve conter um elemento central que é o fato de que uma região2.de um país é submetida (podemos dizer “explorada”) economicamente à outraregião do mesmo país.

O elemento principal a ser apresentado pelo aluno é aquele que revela a libe-3.ração da mão-de-obra do cultivo, levando ao desemprego massivo no campo eao subsequente deslocamento dessa população para as cidades.

Henri Léfèbvre e a Sociologia Urbana pela ótica marxista

O autor compreende por espaço “percebido” aquele que corresponde à “prática1.

espacial”, ou seja, aquele relativo à produção e reprodução que assegura a con-tinuidade em uma situação de coesão social. O espaço “concebido” diz respeitoàs “representações do espaço”, de acordo com a influência que as diferentesrepresentações sociais exercem na sociedade. Já o espaço “vivido” refere-se aos“espaços de representação”, isto é, o espaço dos habitantes apropriados pelasimagens e símbolos que o acompanham.

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A resposta deve conter a ideia fundamental de que apenas uma cidade que se2.desenvolveu plenamente, do ponto de vista do capitalismo – por exemplo, coma submissão do campo aos interesses da cidade – atinge o status de “sociedadeurbana”.

O aluno deve demonstrar, com exemplos, que compreendeu a relação determi-3. nante dos interesses econômicos sobre a arquitetura da cidade. Os exemplos sãomuitos, portanto, deixamos um como referência: a destruição das casas e a suasubstituição por arranha-céus para atender os interesses do mercado imobiliário.

Manuel Castells e a Sociologia Urbana

O aluno deve apresentar os elementos da teoria marxista que Castells trabalha,1.por exemplo, a luta de classes, o primado da estrutura econômica sobre a vidasocial. A resposta se torna mais completa com a associação das categorias mar-xistas de análise à crítica feita por Castells à “Escola de Chicago”.

O fundamental a ser trabalhado pelo aluno é, inicialmente, a relação desses2.termos com a teoria marxista, ou seja, como Castells se apropria dos termos deMarx – produção, ideologia e troca comercial – e os atualiza para a sua aborda-gem do urbano. A segunda parte da resposta implica em mostrar as consequ-ências para a análise do urbano desses termos atualizados, ou seja, dizer comoas bases econômicas atuais conformam o perfil das cidades.

Em primeiro lugar, o aluno deve destacar a importância dos movimentos sociais3.na análise de Castells. Em um segundo momento, a resposta deve conter umadiscussão que explicite como o autor hierarquiza os movimentos sociais referi-dos, destacando o seu papel na alteração desse espaço, em maior ou menor grau,de acordo com a correlação de forças no cenário político da cidade em foco.

Ilhas de felicidade no meio do caos urbano

A definição que a autora dá para os enclaves é o que segue: “são espaços priva-1.tizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer ou trabalho”.

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Espera-se que o aluno desenvolva uma resposta que aponte na direção do in-2.cremento do número de enclaves, tendo como um dos motivos as mobilizaçõespolíticas ocorridas no espaço da cidade que aumentaram o clima de inseguran-ça e “justificaram” a criação dos referidos enclaves.

A resposta deve conter alguns elementos mais significativos como a inexistên-3. cia dos muros em Los Angeles, como aqueles da cidade de São Paulo; a pobrezana cidade norte-americana é menor do que na brasileira; a polícia norte-ame-ricana é tida como mais eficiente, o que se reflete nos muros menores ou ine-xistentes naquela cidade; as noções de direitos dos cidadãos e outros direitosespecíficos (minorias, por exemplo) são mais presentes em Los Angeles do queem São Paulo.

A modernidade invade as cidades:os shopping centers e as mudanças do urbano

O objetivo aqui é levar o aluno a perceber que a concentração das lojas é mais1.uma vantagem para o capital que controla o shopping do que para os consu-midores. É importante, ainda, que ele perceba o processo de ilusão com o quala publicidade trabalha para convencer o consumidor de que só existem vanta-

gens no processo e nenhuma desvantagem.

O aspecto fundamental, aqui, é mostrar como um determinado conceito pode2.ser derivado para outro, o que justifica e explica porque os autores se apoiamem outros para produzir suas análises. Sobre os conceitos propriamente, o resi-dir, que é fundamental para a criação da identidade dos indivíduos é substituí-do pelo frequentar que, de acordo com a autora, permite associar a construçãoda identidade à frequência ao shopping.

O objetivo aqui é permitir que o aluno estabeleça um debate com o texto a3.partir da sua própria visão do espaço analisado, supondo-se que todos os alu-nos conheçam um shopping. Não existe, portanto, uma resposta, sendo quevale observar pela negativa que não é considerada respondida a pergunta se oaluno disser que concorda com a autora sem dar a sua (dele) opinião.

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Redesenhando a fisiognomia da metrópole moderna

A ideia pode ser útil à medida que o caminhar pela cidade permite ver e coletar1.informações que outras formas de pesquisa (ou de trabalho, se preferirmos)

não dão conta de alcançar.

A vitrine oferece ao seu admirador o sonho, o exótico, o luxo e a riqueza ao2.alcance das mãos. Em uma cidade como a de São Paulo, é ela própria que semostra como vitrine, seduzindo aqueles que veem a cidade como se esta fosse,de fato, uma vitrine.

Essa imagem revela em primeiro lugar as desigualdades entre as regiões bra-3.sileiras. Outro aspecto revelado por ela é o fluxo migratório interno que se re-laciona com essas desigualdades. A “vitrine” das grandes cidades atrai levas demigrantes para si.

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