01 ianni, octávio. sociologia da sociologia latino-americana (2 -sociologia e dependência...

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II Sociologia e Dependência Científica

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  • II

    Sociologia e Dependncia Cientfica

    . :~

  • 1. TEMAS

    Da mesma forma que as outras c1encias soctais, a so~ ciologia tambm reflete as peculiaridades da dependncia estrutural e histrica que caracteriza as sociedades da Am~ rica Latina. claro que a dependncia da Amrica Latina

    revela~se de modo mais direto e concreto quando se examinam os processos e as estruturas econmicos e polticos partcula~ res a cada uma dessas sociedades. Entretanto, no mbito das cincias sociais, consideradas como parcela importante da cul~ tura dessas naes, os processos e as relaes econmicos, po~ lticos, sociais e culturais tambm aparecem de modo claro e direto.

    Neste artigo realizo uma discusso exploratria de certos aspectos da cultura da dependncia, a partir da perspectiva da sociologia. Em particular, examino algumas implicaes cientficas e extracientficas de determinadas modalidades de intercmbio sociolgico, entre centros acadmicos da Amrica Latina e dos pases dominantes, particularmente os Estados Unidos.

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  • Para melhor esclarecer as tmitaes com as quais se defronta a sociologia latino~americana, examino os seguintes temas:

    (a) O carter externo de grande parte da problemtica sociolgica com a qual trabalham muitos socilogos interessados nas sociedades da Amrica Latina.

    ( b) As implicaes tericas inerentes adoo, por par-te desses sociolgos, de problemtica muitas vezes mal conceptualizada, secundria ou simplesmente externa.

    (c) A interpretao insatisfatria, superficial ou errnea das sociedades latino~americanas , resultante da adoo de problemtica externa, ou de assuntos te-matizados sem esprito crtico.

    ( d) As relaes entre cincia e poltica , conforme elas se exprimem ao nvel da prpria produo sociol-gica.

    No mr:u entender, esse tipo de discusso indispens~ vel, para que melhor se compreendam as perspectivas rea is (alm das limitaes tambm reais) com as quais se defron~ ta a sociologia latino~americana. Alis, a nova sociologia la-tino-americana est surgindo precisamente a partir dessa pers-pectiva crt ica. Ela no pode conhecer a realidade social sem realizar a anlise crtica das interpretaes que "enco-brem" essa mesma realidade social. Simultaneamente, essa nova sociologia est produzindo uma nova interpretao das sociedades latino-americanas e da Amrica Latina como um todo.

    Neste artigo, todavia, limito-me a examinar algumas das limitaes reveladas pela prpria produo sociolgica re-lativa a essa parte singular do chamado "mundo subdesen-volvido".

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    2. CULTURA CIENTFICA E DEPENDNCIA

    Conforme verificam todos os que estudam o pensameti~ to latino-americano, este sempre esteve fortemente influen~ ciado pela~ correntes cientficas e filosficas europias e

    norte~amertcana:. Da mesma maneira que no passado, na atualidade tambem a produo cientfica e filosfica dos pa-ses da Amrica Latina continua a revelar influncias acen~ tuadas da produo intelecutal norte-americana, francesa alem, inglesa etc1 '

    A sociologia encontra~se em situao semelhante das outras cincias sociais e da prpria filosofia2 A produo sociolgica latino-americana revela flutuaes tericas, meto-dolgicas e temticas semelhantes quelas que ocorrem nos centros cientficos de "maior prestgio acadmico". Nesse sentido, sucederam-se e continuam a suceder-se as "ondas" de ~restgios e influncia das obras de Comte, Spencer, Dur~ kheim, Marx, Weber, Gurvitch, Parsons, Lazarsfeld Mer~ ton: Lvi-Strauss, Boudon, Zetterberg e os seus dis~pulos, nativos ou estrangeiros. Na sociologia, assim como nas ar~ tes, nas outras ciencias sociais e na filosofia, ainda fre~

    I. Augu~to. Salaza~ Bondy, ~::istl! una Filosofia de Nuestra Amrica?, Sigl? Vemti.uno Edttores, Mexico, 1968; Leopoldo Zea, E/ Pensamimto Latm,oamertcan?_, 2 ~ol?os, Editorial Pormaca, Mxico, 1965; Pedro Hennquez Urena, Htstoria de la Cultura en la Amrica Hispnica

    F~md? d~ ~ltura Ec~~mica, Mxico, '1947; Cruz Costa, Contribui: ~o a Htst~za das ldezas no Brasil, 2" edio, Civilizao Brasileira, R10 de Jane1ro, 1967.

    2 Alfredo Poviia, Historia de la Sociologa Latinoamericana Fondo de Cultura , ~conmi~a, M~ico! 1941; Gino Germani, La S~ciologia en la Amenca Latina, E

  • qente que o prestgio de alguns socilogos latino~america~ nos esteja relacionado com a informao sobre a ltima no~ vidade sociolgica norte~americana ou francesa. Por isso, ainda so vlidas ......- em sua significao principal ......- as afirmaes de Maritegui, Flores Olea e Nisbet, sobre as relaes do pensamento latino~amercano com as correntes cientficas dos pases dominantes.

    Nossa Amrica continua a importar da Europa idias, livros, mquinas, modas3

    Menos evidente que as agresses econmicas, militares e diplomticas do imperialismo, mas no menos impor~ tante, pelos seus efeitos a longo prazo, o esforo de

    rica Latina", Revista Brasileira de Cincias Sociais, Vol. IV, N

  • tivas e necessanas. A emancipao econc;mca, poltica e cul~ tural dos povos da Amrica Latina depende tambm do co~ nhecimento e utilizao do que ocorre e se pensa nos centros hegemnicos. Por isso, indispensvel que as referidas re~ !aes sejam mantidas e aprofundadas. O que se pode e de~ ve discutir so as condies de intercmbio entre os centros cientficos, isto , entre as instituies, os cientistas e os es~ tudantes. A liberdade intelectual deve ser preservada tanto na realizao da pesquisa, em tdas as suas fases, como na escolha e formulao da problemtica.

    Os cientistas sociais latino~americanos mais conscientes das implicaes c;entficas e polticas da produo intelectual dos povos da Amrica Latina sabem que a emancipao eco~ nmica, poltica e cultural dessas sociedades depende da ca~ pacidade que esses mesmos povos tiverem para apropriar-se criticamente do pensamento cientfico europeu, norte-ameri~ cano e outros. Alis, a histria dos povos do "terceiro mun-do" revela que eles somente se emanciparam (parcial ou to-talmente) na medida em que se apropriaram critiamente do pensamento cientfico, poltico e filosfico dos pases metro-politanos ou dominantes. Isto verdade tanto para a China e a ndia como para o Egito e Cuba, para mencionar poucos exemplos.

    Conforme j mencionei, as influncias europias e norte-americanas na sociologia da Amrica Latina sempre se exer~ ceram em trs nveis: terico, metodolgico e quanto pro~ blemtica. Em geral, as relaes com os centros de ensino e pesquisa das naes dominantes provocaram a transfern-cia de teorias interpretativas, metodologias de pe:squisa e te-mas de investigao emprica. Nos trs nveis, os cientistas sociais latino~americanos tenderam e ainda tendem a adotar, integral ou parcialmente, as sugestes e os "modelos" formu-lados nas obras, nas aulas e nas pesquisas dos cientistas so-ciais europeus e norte~.americanos. lsto verdade tanto para a~ diversas cincias sociais como para a sociologia, em par~ ticular. Nesse sentido, ao assimilar a cultura cientfica dos pases mais adiantados, os centros acadmicos da Amrica Latina produzem combinaes paradoxais, ou verdadeiras ca-

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    ricaturas do que se produz nos centros metropolitanos, isto , mais avanados. Em certos casos, as contribuies te~ ricas e metodolgicas, assimiladas s pressas e sem qualquer reelaborao crtica, so rebaixadas em sua consistncia l~ gica. As vezes, parecem mesmo simples tradues da produ~ o sociolgica dos centros dominantes.

    Desde j, pois, convm registrar que a dependncia re !ativa em que se encontra a sociologia latino-ame-ricana , em boa parte, o resultado das condies polticas e econ~ micas que definem a dependncia das sociedades nacionais. Nesse contexto, entram em funcionamento os vnculos ins~ titucionais, as condies econmicas e os mecanismo de pres~ tgio acadmico e cientfico.

    3. Os PROBLEMAs PEsQUISAoos

    No necessrio fazer aqui o histrico da sociologia la-tino -americana. J foram escritos vrios livros e muitos ar-tigos sbre o assunto6

    Mas indispensvel apresentar agora uma sntese dos principais problemas com os quais preocuparam-se e ainda preocupam~se muitos socilogos que trabalham sobre a Am-rica Latina. O simples enunciado dos assuntos e temas mos-trar como essa sociologia acompanhou quase sempre as preo~ cupaes surgidas nos centros acadmicos ou governamentais dos pases dominantes. Em sntese, esta a problemtica por meio da qual surge e desenvolve-se a sociologia latino~ame~ ricana: determinismo geogrfico; europeizao tnica, cultu~ ral e das instituies polticas; estudos de comunidade; indi-genismo; relaes raciais e miscigenao; mudanas sociais;

    6 Sobre a histria da sociologia latino-americana, consultar a biblio-grafia mencionada na nota n9 2.

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  • estratificao e modalidade social, urbanizao e exploso ur~ bana; formao e papis das elites, principalmente empresa~ riais e militares; sociedades duais; moderniza~io; instabili~ dade e ilegitimidade dos regimes polticos; sociologia da vio~ lncia; posse e uso da terra; exploso demogrfica e plane~ jamento familiar; marginalidade.

    Quase todos esses asuntos esto relacionados influn~ cia de centros acadmicos, socilogos ou cientistas sociais preeminentes nos pases dominantes. Muitas vezes, a adoo dsses assuntos, por parte de socilogos da Amrica Latina, est relacionada aos recursos financeiros e institucionais, bem como aos mecanismos de aquisio de prestgio acadmico nos pases dependentes. Assim, por exemplo, os estudos sobre mudanas sociais foram fortemente estimulados pela UNESC07 No mesmo sentido, as pesquisas relacionadas com os tipos de uso e posse da terra so influenciadas pelos projetos, re~ cursos financeiros e institucionais do Comit lnteramericano de Desenvolvimento Agrcola ( CIDA), constitudo pela Orga~ nizao dos Estados Americanos ( OEA), Banco Interamerica~ no de Desenvolvimento (BID), Comisso Econmica para a Amrica Latina, das Naes Unidas etc. ( CEPAL) .s Da mes~ ma forma, ainda, as pesquisas e discusses sobre a exploso demogrfica esto sendo influenciadas de modo predominante pelas hipteses, recursos institucionais e especialistas norte~ americanos. No necessrio estender a lista de assuntos, re~ !aes e influncias.

    7 Consultar: Resistncias Mudana: Fatres que Impedem ou Di ficu/tam o Desenvolvimento, Anais do Seminrio Internacional, reu-nido no Rio de Janeiro, em outubro de 1959, sob o patrocnio do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Cincias Sociais, Rio de Janeiro, 1960; Social Change in Latin A.merica Today: Its Jmplicatins for United StatesPolicy, by R.N. Adams, O. Lewis, J.P. Giiiin, R.W. Patch, A. R. Holmberg and Charles Wagley, Vintage Books, New York, 1960.

    8 Comit Interamericano de Desenvolvimento Agrcola (CIDA), Pos-se e Uso da Terra e Desenvolvimento Scio-Econmico do Setor .Agr-cola, Brasil, publicado pela Unio Pan-Americana, Washington, 1966.

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    Todo cientista social com alguma informao sobre as condies institucionais, financeiras e polticas da produo cientfica conhece os meios e fins que esto em jogo na ado~ o e expanso dos estudos sobre os "problemas do subde~ senvolvimento". Conforme escrevem alguns cientistas sociaiS

    norte~americanos, ao analisar os aspectos polticos, econmi~ cos, militares e cientficos da ''interdependncia" e "coope~ rao" entre os Estados Unidos e as "naes em desenvol~ vimento:

    Os especialistas americanos podem tentar dar aos seus colegas estrangeiros oportunidades de adquirir situao de respeito e senso de realizao atravs da concesso de bolsas de estudos, de cooperao com seus planos de organizao, preparao de seminrio sobre educao, publicao dos seus trabalhos, reconhecimento dos seus mritos, e assim por diante9

    Dessa maneira, pouco a pouco, a sociologia latino~ame~ ricana assimila teorias interpretativas e mtodos de investi gao. Note~se, no entanto, que ao mesmo tempo ocorre a assimilao da prpria problemtica emprica com a qual trabalham muitos ;socilogos e grupos de estudos acadmicos na Amrica Latina. E este um problema importante nas re~ laes da sociologia latino~americana com a sociologia dos centros mais avanados e dominantes: a cooperao cient fica implica geralmente na adoo, por parte dos socilogos da Amrica Latina, da problemtica emprica sugerida ou em moda nos centros dominantes.

    9 Max F. Millikan e Donald L. M . Blackmer (autores e organiza-dores), Naes em Desenvolvimento: a sua Evoluo e a Poltica Ame-ricana, trad. de Ruy Jungmann, Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, 1963. Essa obra, produzida por um grupo de cientistas sociais do Massachusetts Institute of Technology, foi publicada originalmente em ingls, em New York (1961) , e traduzida tambm para o espa-nhol, Mxico (1961).

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  • Isto no significa que essa problemtica ni~o impor~ tante. Algumas vezes, ela terica e praticamente impor~ tante. Ocorre, entretanto, que muitas vezes os assuntos e temas em moda nos centros acadmicos norte~americanos e europeus no so os mais importantes para as populaes da Amrica Latina, do ponto de vista dos dilemas com os quais se defrontam essas mesmas populaes. Ou ento, os as~ suntos e temas envolvidos nos projetos propostos e finan~ ciados pela UNESCO, OEA ou determinados centros acadmi~ cos e governamentais dos Estados Unidos podem correspon~ der a concepes parciais, mal focalizadas ou mesmo er~neas dos problemas reais com os quais se defrontam os povos da Amrica Latina. Em muitos casos, no entanto, a problem~ tica sugerida por aquelas instituies est comprometida por "razes diplomticas", ou a ideologia dos governantes, os quais dominam ou influenciam determinados centros acad~ micos e instituies internacionais.

    Esse justamente o caso dos estudos sobre as relaes raciais entre negros e brancos no Brasil, os quais foram bas~ tante estimulados pela UNEsco. Segundo algumas evidn~ cias indiscutveis, os tcnicos e dentistas da UNEsco esta~ vam interesnados em demonstrar ao mundo que o Brasil era um exemplo notvel de "democracia racial", conforme pro~ palavam os idelogos oficiais do governo desse pas. De~ pois, medida que os resultados das pesquisas desmentiam a hiptese (nitidamente ideolgica e diplomtica) a prpria UNESCO desinteres-sou~se do "exemplo" brasileirolO.

    Esse caso, entre outros, demonstra que Myrdal tem ra~ zo, ao escrever:

    A pesquisa tende a tornJ.r~se "diplomtica", evasiva e, em geral, superotimista: omitindo fatos que suscitam

    10 Uma bibliogr~fia sobre essa questo encontra-se nas seguintes obras : Reger Bas tide e Florestan Fernandes, Brancos e Negros em Siio Paufo,. 2" edio, Companhia Editora Nacional, S. Paulo, 1959, esp. Apend1ce I; Octavio Ianni, Raas e Classes Socia is no Brasil Editora Civilizao Brasileira, Rio de Janeiro, 1966. '

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    graves problemas, ignorando-os sob uma terminolog ia impropriamente tcnica, ou focalizando~os de modo con-descendente e "compreensivo". Em realidade, a ten~ cincia a pensar e agir de modo diplomtico, quando focalizando problemas dos pases subdesenvolvidos, tornou~se , aps a independncia, uma nova verso da "carga do homem branco" 11

    Na medida em que a investigao cientfica se in sere no contexto das relaes polticas, econmicas e militares ( re~ !aes essas que tendem em geral a ser de dominao~subor~ di nao) pouco provvel que a sociologia , tanto quanto as outras cincias sociais, se liberte dessa limitao. A ideolo~ gia dos grupos dominantes tende sempre a ser a ideologia dominante, influenciando tambm a produo c;entfica. E ssa , ainda, uma lio da histria das cincias sociais.

    4. S ociEDADEs DuAIS E DESENVOLVIMEN To DESIGUAL

    Boa parte da produo sociolgica sobre as sociedades da Amrica Latina tem sido influenciada ou mesmo totalmente baseada na compreenso dualista da realidade social, em sentido amplo. Esses trabalhos sociolgicos fundam a des~ crino e a in terpre tao das sociedades em pares de concei~ tcs, tnis como os seguintes: orca'co-moderno, rural-urbano, agrrio-industrial, sociedade fechada-sociedade aberta, socie-dade estagnada-sociedade d inmica, sociedade tradicion al-so::iedade de massas, feudali smo-capitali smo, etc.

    11 Gunnar Myrclal, "Cleansing th e approach from Biases in th c Stu-dy of Underdeve loped Co nntries", Social Science ln format ion, VIII-3, P;t ris, 1969, pgs. 9-26; c itn:\o da p

  • A "sociedade arcaica" estaria caracterizada por rela~ es de tipo essencialmente familiar e pessoal, por ins~ tituies tradicionais (o compadrio, certas formas de trabalho coletivo, certos tipos de dominao paternalis~ ta, de clientelismo poltico, etc. ) , por uma estratifica~ o social rgida de status atribudo (isto , em que a posio real do indivduo na escala social est determi~ nada desde o nascimento, com poucas possibilidades de mudana durante a vida), e por normas e valres que enaltecem - ou ao menos aceitam ....- o status quo, as formas de vida tradicionais herdadas dos antepassados,

    , as quais constituem um obstculo ao pensamento eco~ nmico "racional".

    A "sociedade moderna", ao contrrio, consistiria de re~ laes sociais do tipo que os socilogos chamam "se~ cundrias", determinadas pelas aes interpessoais ori~ entadas segundo fins racionais e utilitrios; de institui~ es funcionais, de uma estratificao pouco rgida ( is~ to , com mobilidade social), em que abundam os status adquiridos atrqvs do esforo pessoal e determinados seja por ndices quantitativos (como s:o os montantes das rendas, ou o nvel educacional), seja por funes sociais (como :.. ocupao). Na "soci

  • Foi nesse contexto que os economistas comearam a preocupar-se com os problemas econmicos criados pelos "eu-claves" surgidos nas sociedades dependentes. Isto , deram-se conta de que em sociedades dependentes (os pases do chamado terceiro mundo), havia estruturas econmicas "duais" (de subsistncia e mercado), convivendo lado a la-do, ou mesmo funcionando autnomamente.

    Tambm socilogos e antroplogos comearam a de-dicar maior ateno s configuraes "duais" (indgena e eu-ropeu, mestio e branco, negro e branco, comunidade e so-ciedade etc. ) comuns s sociedades latino-americanas. Sob a influncia da propaganda cientfica e poltica, relacionada com a "dcada do desenvolvimento", os socilogos e antro-plogos reencontraram a perspectiva analtica e a problem-tica surgidas no sculo dezenove. Em graus variveis, mui-tos desses cientistas sociais adotaram a concepo de Boeke:

    O dualismo social a oposio entre um sistema social importado e um sistema social nativo, de outro estilo. Fre,qentemente, o sistema social importado o capi-talismo avanadolG.

    Assim, na Amrica Latina, depois de 1945. a abordagem dualista foi amplamente (mas no totalmente) adotada nas anlises sociolgicas. Muitos socilogos p3ssaram a descre-ver e a interpretar a realidade social latino-americana a p 'ot-

    ~xico, M xico, 1967; C~lso Furt:~do, TeCJria e Poltica do Desenvoi-Vl"'}e.nto Econmico, _Comran~i~ Editora Nacional, So Paulo, 1967;

    fnact~ Rangel, Dualtdadc Bas1ca da Econo1mia Brasileira, Institu:c.:> Supenor de Estudos Brasileiros (ISEB), Rio de Jan~:iro, 1957. 15 J. H . Boeke, E~onomics and Economic Policy of Dual Societies, New York, 1953, cttado por Benjamin Higgins, Economic Deve/op-ment, Constable and Company, London, 1959, pg. 275. Notese qu~

    B~~~e elaboro~1 as suas reflexes com base nos pas~s e colonias nstah~o.s e afncanos, nos quais havia superposio de grupos tnicos e ractats, bem como culturas, distintos.

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    tir do prinnpw da dualidade; isto , da coexistncia de duas sociedades com dinmicas diferent~s16 .

    De acordo com as investigaes desses socilogos, a responsabilidade maior pelo "subdesenvolvimento" das so-ciedades latino-americanas cabe ao segmento "arcaico" des-sas mesmas sociedades . Em outros termos, os problemas cru-ciais do "subdesenvolvimento" social na Amrica Latina so criados principalmente pela incapacidade da "sociedade fe-chada" de "modernizar-se", ou dinamizar-se, segundo a ten-dnc:a e o ritmo dominantes na "sociedade aberta". Devi-do a razes histricas e culturais, dizem eles, na maioria dos pases latino-am ericanos o segmento "colonial" (ndio, mes-tio. negro, rural, economia de subsistncia etc. ) no . se in-corporou dinmicamente ao segmento "moderno" (urbano, in-dustr ial, economia de mercado, branco) .

    P~ua explicar melhor essa situao e os problemas da decorrentes, a lguns socilogos utilizaram e ainda utili zam 0 princpio da causa ~ 5o circular acumulatiua 11 Com base nes-se pri:1cp'o . prccurou-se e ainda procura-se cxplicur "o cr-

    16 Jacques Lambert, A m rique La tine, Presse~ Universitaire5 de Fran-ce, Pans, 1963 ; Jacques Lambert, Os Dois Brass, Ministrio da Ed u-cao e Cul~nra, Rio de Janeiro, 19S9; Egbert de Vries y Jos Medi-na Echavarna (orgamzadores), Aspectos Sociales dei Desarrollo Eco-nonwo en Am rica Latina, 2 tomos, UNESCO Paris 1962 Gino Ge_rmani , Poltica y Sociedad en una poca de Transi~in, Editorial Pa1dos, Buenos Aires, 1962 ; Gino Germani, Sociologia de la Modu-nizacin, Editoria l Pai dos, Buenos Aires, 1969 ; Joseph A. Kahl, The Mesuren_1ent _o! Modanism (A Study o f Value5 in Brazil and Mxico), The Umvers1ty o f Texas Pres5, Austin, 1968 .

    17 Gunnar Myrdal, Value in Social Theory, Edited by Paul Streeten,. Routledge & Kegan Paul, London, 1958, esp. pg5. 188-192 e 198-205 Gun_nar Myrdal, Economic Theory a11d Underdeveloped RegioJlS, Uni:

    ver~1ty Paperbacks, London, 1963, esp. pg5. 16-20; Gunnar Myrdal, Aswn Drama, 3 vols., Penguin Books, London 1968, volume III,. Apendix 2; Ragna r Nurk.se; Prohlems of Capital Formation in Un-

    derde~elope_d c_ountrit>s, and, Pattems of J"rade and Developmmt, Oxford U!]IVersJty Press, New York, 1967. Salvo o livro Asian Dra-ma, os outros foram bastante' difundidos na Amrica Latina, em tra-dues para o espanhol e o portugus.

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  • culo v1c1oso da pobreza" (isto , da estagnao, do subde~ senvolvimento etc. ) . Devido ao tipo de encadeamento cau~ sal que esse princpio supe, as anlises sempre chegam a concluses logicamente semelhantes aquela difundida por Myrdal e Nurkse: "uma nao pobre pobre porque po~ bre18

    Em outros termos, nas anlises socwlgicas construdas sob a perspectiva dualstica, sempre estve presente ( expl~ cito ou no) o princpio funcionalista formulado por Myr~ dai. Isto , a incapacidade do segmento "arcaico" para in~ tegrar~se e dinamizar~se, segundo a tendncia e o ritmo pre~ dominantes no segmento "moderno" resultaria da operao do princpio da causao circular acumulativa . Ou seja, en~ quanto no se introduz nenhum elemento modernizante ou de mudana (liderana empresarial, por exemplo) no se consegue a dinamizao do segmento "estagnado", isto , da sociedade "fechada". De acordo com esta concepo (que se apia na causao funcional, como princpjo explicativo) basta inovar_ em um dos elos da cadeia que caracteriza a "sociedade arcaica" para que todo o sistema comece a mo~ dificar~se, por influncia dos efeitos diretos e reflexos de.ssa inovao. Assim, o surgimento de novas lideranas empre~ sariais, a redefinio das funes do Estado na esfera econ~ mica, ou a . substituio de uma das importaes; qualquer uma destas alteraes, ainda que adotada isoladamente, pro~ vocar, necessriamente, a modificao de todo o sistema.

    No cabe aqui uma crtica completa dsse tipo de ex~ plicao da realidade social. Convm observar, no entanto. que ela envolve, em primeiro lugar, o clssico processo de positivizao da dialtica. Isto , a anlise sociolgica retm da anlise dialtica apenas o nvel das conexes funcionais. Ela privilegia a causao funcional e abandona totalmente o princpio da contradio. Ali!i!, os antagonismos e con~ tradies somente aparecem no primeiro momento da investi~

    18 Poderamos sintetizar o exemplo preferido de Myrdal na seguin-te proposio: "O negro negro porque negro".

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    gao, quando se trata de apontar as desigualdades, isto . dualidades. Em seguida, a anlise tende a concentrar,.se e restringir~se s relaes internas do subsistema, como se ste pudesse ser encarado como uma totalidade significativa.

    Em segundo lugar, a anlise da realidade social basea~ da nos princpios da dualidade e da causao circular no ex~ plica convenientemente o seguinte fato: que a "coexistn~ c:a" de segmentos "arcaico" e "moderno", em uma mesma sociedade, resulta sempre de um certo tipo de integrao en~ tre agricultura e indstria, campo e cidade, ou as diferentes fras produtivas (capital, tecnologia e fora de trabalho) . A verdade que as "dualidades" no so seno uma expresso (ao nvel descritivo) das desigualdades e desequilbrios in e~ rentes s sociedades que se desenvolveram, historicamente, sob a influncia de sucessivos imperialismos; ou vrias fases do mesmo imperialismo. Mais do que isso, o segmento "ar~ caico" est sempre integrado, em algum nvel. no segmento "moderno". Um domina o outro, absorvendo o seu exceden~ te econmico efetivo ou os excedentes das suas fras pro~ dutivas, particularmente a fora de trabalho.

    Em verdade. o que est em jogo aqui o colonialismo interno 1'. Isto , trata~se de relaes econmicas, polticas e culturais que caracterizam, mantm e desenvolvem as de~ sigualdades e desequilbrios internos nos pases dependentes. Entretanto, quando se coloca a problemtica do "subdesen~ volvirhento" em termos de colonialismo interno,, dependncia estrutural e imperialismo2Q modificam~se essencialmente a colocao terica e as implicaes prticas da questo. A partir deste ponto, a problemtica sociolgica do "subdesen~

    19 Pablo Gonzlez Casanova, La Democracia en Mxico, 2"- edicin, Ediciones Era, Mxico, 1965, esp. pgs. 92-99; Octavio Ianni, Estado e Capitalismo, Editora Civilizao Brasileira, Rio de Janeiro, 1965, esp. pgs. 73-82. 20 Octavio Ianni, Imperialismo e Cultura da Violncia na Amrica Latina, no prelo, em traduo para o espanhol.

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  • volvimento" implica no abandono da perspect iva sincronJCa e funcionalista, em que se fundamenta a anlise dualstica e o princpio da causao circular.

    5. INSTABILIDADE POLTICA E APERFEIOAMENTO DO .. STATUS QUO"

    A sociologia poltica latino-americana j esteve muito preocupada com assuntos tais como os seguintes: caudilhis-mo ( caciquismo, gamonalismo, coronelismo), oligarquias ci-vis, oligarquias militares, democracia representativa, sociolo-gia eleitoral, poltica de boa vizinhana, geopoltica etc. En-tretanto, nas ltimas dcadas, boa parte da sociologia polti-ca produzida nos pases da Amrica Latina passou a con-centrar-se sobre outra problemtica. E o principal assunto tem sido "instabilidade poltica".

    Em geral, estudos dedicados instabilidade poltica Ia-tino-americana esto influenciados pelo ensaio de M erle Kling, intitulado "Contribuio P ara uma Teoria do Poder e da Instabilidade Poltica na Amrica Latina21 Nesse ensaio Merle Kling apresenta os quadros de referncia empricos para a interpretao das razes que explicam o carter "cr0-nico" da instabilidade poltica nos pases latino-americanos . Reconhece que a instabilidade poltica que caracteriza essas :5ociedades tem relaes muito prximas com as suas condi-es econmicas muito peculiares. Estes so alguns dos pon-tos bsico!5 da interpretao dsse autor:

    21 Mer!e Kling, "Toward a Theory of Power and Politica l Insta-bility in Latin America", publicado pela primeira vez em 1956 e re-publicado por Jame~ Petras and Maurice Zcitlin, Latin Amerca: Re-forrn or Rtvolution? (A Reader) , A Fawcett Premier Book, New York, 1968, pgs. 76-93 . Tambm publicado em tradues espanhola e portuguesa.

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    A instabilidade poltica na Amrica Latina distingue-se por trs caractersticas: ( 1 ) crnica; ( 2) em geral , acompanhada de pouca violncia; ( 3) no produz mu-danas importantes nas diretrizes econmicas, sociais e polticas22

    A anlise dos aspectos mais importantes das bases eco-nmicas do poder na Amrica Latina sugere que as fon-tes econmicas convencionais de poder constituem ele-mentos relativamente estticos. Como a propriedade da terra ou das minas no passa prontamente das mos de um grupo a outro, o contrle das bases convencionais de p.oder no pode ser assegurado pelos mestios, mu~ latos ou ndios mais ambiciosos sem uma convulso so-cial ampla. O sistema de posse da terra condena frus-trao as pessoas que ambicionam uma nova base agr-ria de poder. A explorao estrangeira dos recursos m;nerais bloqueia, de fato, as possibilidades de mudan-a na posse dessa base de poder. Alm disso, em seu presente ritmo de desenvolvimento, a industrializao no chega a transformar-se numa ampla e substancial base de poder23 Nos pases da Amrica Latina, a instabilidade poltica crnica uma funo da contradio entre as condies de uma. economia colonial e as exigncias polticas da soberania! .

    A partir dessa interpretao, ou contemporaneamente a ela, multiplicaram-se os estudos sobre as "causas" e os "f a~ tres" da instabilidade poltica na Amrica Latina. Ao mes-mo tempo, surgiram artigos e livros sobre assuntos correia.-

    22 Ibidem, pg. 79. 23 Ibidem, pg. 90.

    24 Ibidem, pg. 92.

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  • tos, tais como os seguintes: "ilegitimidade poltica", "indeci-so social" e "violncia"25.

    Em geral, esses estudos revelam a influncia direta ou indireta das hipteses e interpretaes apresentadas no en-saio de Merle Kling. Em alguns casos, tem havido a preocupao de fundamentar empiricamente as explicaes. Em outros, tem havido a preocupao de refinar o tratamen-to metodol6gico do assunto. Em quase todos os casos, no entanto, persistem os quadros de referncia emprica e in-terpretativos apresentados por Kling. Isto , a "instabilidade poltica" peculiar s sociedades latino-americanas encarada como o resultado da contradio entre a realidade econmica e as exigncias de legitimidade poltica.

    Essa interpretao insatisfatria, ainda que tenha sido lanada numa direo convincente, provavelmente correta. Vejamos em que pontos ela parece inconsistente.

    Em primeiro lugar, ela no explica por que a "estabili-dade poltica" no se realiza segundo as exigncias das es-truturas econmicas consideradas dominantes. Isto , n~o esclarece por que o segmento "arcaico" ( aurrio, latifun-dirio, de "elevado grau de desigualdade na distribuio da propriedade da terra") das sociedades latino-americanas no se impe sbre a sociedade como um todo, estabelecendo o

    25 D. P. Bwy, "Poltica! Instability in Latin Ame rica: The Cross-Cultural Test of a causal Model", Latin American Research Review, Volume III, N 2, Austin, pgs. 17-66; Irving Louis Horowitz, "La Legitimidad Poltica y la Institucionalizacin de la Crisis en Amrica Latina", Foro Internacional, N

  • e Chile os problemas polticos so semelhantes aos dos outros pases com pouca ou nenhuma industrializao27

    Em quarto lugar, a anlise est apoiada no pressuposto, bastante discutvel, de que .a "legalidade poltico~constitu ... cional" o paradigma necessrio das sociedades latino~ame ... ricanas. Os autores que se filiam a essa\ corrente de estudos sempre utilizam (consciente ou ineonscientem.ente) um mo dlo abstrato de "democracia representativa". Nesse caso, les trabalham com as categorias de pensamento elaboradas segundo os contedos histricos (sociais, polticos, econmi ... c os e culturais) das naes dominantes, particularmente os Estados Unidos. Em conseqncia, os regimes polticos na Amrica Latina aparecem como formas "degradadas" on manifestaes "anedticas" da "democracia norte~amerkana".

    Alis (em quinto e ltimo lugar), o prprio conceit0 de "instabilidade poltica" revela o carter externo1 quase: impressionista da perspectiva analtica adotada. A noo de instabiliade envolve uma . imagem fsica ou meclnica da realidade social e poltica. E sua contrapartida lgica e ne cessria, a "estabilidade". tambm no corresponde compre~ enso sociolgica da realidade social. A idia de estabilida~ de social. e poltica no aplicvel nem mesmo prpria sociedade norte-americana. A no ser que se tome a regu~ laridade das eleies como critrio nico, deixando de lado os riots, os assassinatos polticos e as guerras.

    Mas a anlise crtica dessa problemtica no precisa terminar nesse ponto. Se vamos adiante, verificamos que as preocupaes de socilogos norte~americanos e latino~ame~ ricanos com a instabilidade poltica e a violncia acabaram por encontrar continuidade no Projeto Camelot.. E esse pro jeto correspondeu a uma das manifestaes mais claras das

    27 O caso do Mxico especial apenas na medida em que o proces-so revolucionrio produziu uma singular identificao entre o Estado e o Partido Revolucionrio Institucional (PRI), dando ao regime um carter "monoltico". A propsito das contradies sociais e po-lticas na sociedade mexicana, consultar: Pablo Gonzlez Casanov11, op. cit.

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    tclaes entre cincia e dependncia, ou da "fase imperialista da pesquisa cientfica", como escreveu Nisbet. Conforme se l no referido projeto:

    O nome CAMELOT foi dado a um projeto de estudo que tem dois objetivos. O primeiro consiste em pesqui sar as condies e as razes por que se produzem, em dado pas, potencialidades para o desenvolvimento de movimentos insurrecionais. O segundo consiste em pesquisar o efeito que os atos do governo do pas pode ter sobre essas potencialidades. Este projeto de estudo ser realizado pelo Escritrio de Pesquisas de Ope~ raes Especiais ( Special Operations Research Office, SoRO) da Universidade Americana ( American Uni~ versity) 28

    Ness-: caso, encontram~se explicitamente a pesquisa cientfica e a poltica governamental de contrainssurreio, ambas iniciadas a partir dos recursos e objetivos de deter~ minadas agncias governamentais e cientficas do pas he~ gemnico. O que importante, na experincia latino~ameri~ cana com o Projeto Camelot, a revelao, para muitos socilogos e cientistas sociais, de como cincia e poltica esto encadeados.

    6. CORRESPONDNCIA ENTRE TEORIA E PESQUISA

    A discusso realizada neste antigo apenas explorat~ ria. Os temas suscitados aqui so complexos e controversos.

    28 CAMELOT: Un Proyecto de Estudio, mimeografado, sem data. Ir-ving Louis Horowitz, Ascenso e Queda do Projeto Camelot, trad. de Alvaro Cabral, Civilizao Brasileira, Rio de Janeiro, 1969. Robert A.

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  • Alm disso, foi necessrio deixar margem alguns proble-mas importantes. Por esses motivos, a discusso desenvol-vida no deve ser consider.ada seno como uma explorao provisria.

    Entretanto, cabe ainda uma observao final, para explicitar um aspecto bsico da sociologia da produo so-ciolgica.

    inegvel que existe certa correspondncia entre dada teoria e a problemtica emprica com a qual melhor operam os seus conceitos. Isto , a "viso do mundo" inerente a uma teoria sociolgica favorece a seleo de determinadas configuraes da realidade, sendo irrelevante outras confi-guraes da mesma realidade. Assim, a anlise dialtica, por exemplo, tende a tematizar a problemtica sociolgica em trmos de contradio. E a anlise funcionalista, por outro

    l~do, tende a tematizar a ptoblemtica sociolgica em termos do princpio da causao funcional. Quando se com-param as anlises da diviso social do trabalho, por exem-plo, nas obras de Marx e Durkheim, verificam--se claramente as diferenas entre as duas maneiras de tematizar o assunto e selecionar configuraes empricas para fins interpretativos. Eri_J cada caso est envolvida uma dada concepo de to-talidade, causao, determinao, transformao etc.

    Essa a razo por que a dependncia cientfica, nos tern:o~ em q~e ela ocorre em alguns centros sociolgicos da Amer1ca Latma, envolve sempre e necessriam1mte os nveis terico e emprico. Em outros termos, a adoo de uma dada

    Nisbet, op. cit. Gregorio Selser, Espionaje en America Latina Mxico 1~67. Revista Latinoamericana de Sociologia, N'? 2, Buenos Ai~es 1965, pags. 251-254. ' '

    ~ bvio que o. que Nisbet chama de "imperialismo cientfico'' no isen-~o ~e cont;ad1es. A minha hiptese, baseada apenas em evidncias

    md1~etas, e de .que a denncia do "Projeto Camelot" ocorrida em Sant1ag~ do Chile, em ~965, resultou da luta entre distintos grupos

    ~e socwl?gos norte-a~encanos, acompanhados dos seus associados la-~mo_-ame_n:anos. Dev~nam ser vultuosos os recursos financeiros postos a disposiao do refendo projeto.

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    problemtica empmca, proposta a partir dos centros domi-nantes, envolve, em geral, a assimilao das prprias condi-es e limites da explicao. Isto se demonstra em casos tai.s como o das dualidades sociais, do crculo vicioso da po-breza e da instabilidade poltica crnica, nas sociedades da Amrica Latina.

    Note-se que no se trata de rejeitar ou limitar o intercmbio cientfico, mesmo com os centros que exercem funes metropolitanas e inspiram-se principalmente em objetivos polticos. Essa seria uma atitude anti-cientfica. No devemos perder de vista o carter acumulativo e uni-versal d conhecimento cientfico. Alm disso, no devemos menosprezar a convenincia de conhecer melhor tanto as novas experincias metodolgicas e tericas como os resul-tados das investigaes empricas realizadas nos centros dominantes.

    Em suma, o reconhecimento e a anlise crtica das condies cientficas e extracientficas em que se d a pro-duo sociolgica parece ser uma condio indispensvel para o desenvolvimento da sociologia na Amrica Latina. A partir do balano crtico da experincia acumulada e dos dilemas reais do presente torna-se possvel progredir melhor na interpretao das sociedades latino-americanas. E a reinterpretao das sociedades latino-americanas, em par-ticular, e da Amrica Latina, em conjunto, provavelmente o melhor caminho tambm para o desenvolvimento terico da sociologia.

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