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2014 DEEC – Área Científica de Telecomunicações Instituto Superior Técnico Propagação e Antenas Prof. Carlos R. Paiva SOBRE O CONCEITO DE SIMULTANEIDADE UMA INTRODUÇÃO À TEORIA DA RELATIVIDADE RESTRITA

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2014

DEEC – Área Científica de Telecomunicações Instituto Superior Técnico

Propagação e Antenas Prof. Carlos R. Paiva

SOBRE O CONCEITO DE

SIMULTANEIDADE UMA INTRODUÇÃO À TEORIA DA RELATIVIDADE RESTRITA

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 1

A essência da teoria da relatividade restrita, formulada pela primeira vez por Albert Einstein em

1905, radica na revisão do conceito de simultaneidade. De acordo com a transformação de Galileu,

o tempo é universal e absoluto, i.e., não depende do referencial de inércia em que é medido. A

teoria da relatividade restrita (special relativity) de Einstein, porém, parte de dois postulados que –

de acordo com a mecânica newtoniana – são, pura e simplesmente, irreconciliáveis (i.e.,

contraditórios entre si).

P1 – PRIMEIRO POSTULADO: As leis da física são as mesmas em todos os

referenciais de inércia.

[NOTA: Este postulado é conhecido como Princípio da Relatividade. Um referencial de

inércia é um sistema de coordenadas não acelerado.]

P2 – SEGUNDO POSTULADO: A velocidade da luz, no vácuo, é uma

constante universal: tem o valor 1299 792 458 m sc em todos os

referenciais de inércia.

[NOTA: O valor numérico de c é, desde 1983, um valor exacto – por definição. De acordo

com o SI (em francês: le Système International d’unités), o metro passou a ser definido como a

distância percorrida pela luz, no vácuo, numa fracção de 1 299 792 458 do segundo.]

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 2

Sejam S e S dois referenciais de inércia (ou sistemas de coordenadas inerciais) em movimento

relativo. O sistema de coordenadas espaciais de S é constituído pelos três eixos , ,X Y Z . O

sistema de coordenadas espaciais de S é constituído, por sua vez, pelos três eixos , ,X Y Z . Os

eixos são, respectivamente, paralelos – i.e., X X , Y Y e Z Z .

Designemos por v a velocidade relativa entre esses dois referenciais S e S . Admitamos, ainda,

que o movimento relativo se processa, exclusivamente, ao longo dos respectivos eixos X e X . Ou

seja, de acordo com o boost de Galileu, deverá ter-se (veja-se a figura da página 36):

x x vt x x vt

y y y y

z z z z

t t t t

A última equação t t limita-se a exprimir matematicamente o preconceito newtoniano de que o

tempo é universal e absoluto – independente, portanto, do sistema de coordenadas inercial em que é

medido. Daqui decorre, imediatamente, a conhecida lei da adição de velocidades. Vejamos. Se uma

partícula tem uma velocidade u em relação a S , tal que x u t , então o boost de Galileu diz-nos

que a velocidade w dessa mesma partícula em relação a S será tal que

x wt x vt u t vt u v t u v t w u v .

Mas então, se a partícula for um fotão que tem velocidade u c em S , esta lei da adição de

velocidades implica que a velocidade do mesmo fotão, em S , deveria ser w c v c

para 0 ,v em contradição com P2 . A tarefa de conciliar, numa mesma teoria coerente, P1 com

P2 , parece condenada ao fracasso. Mas essa teoria existe: é a teoria da relatividade restrita de

Einstein. E o primeiro passo dessa teoria consiste em algo profundo e radical: há que rever o

conceito de simultaneidade. A equação t t do boost de Galileu parte de um princípio que tem de

ser questionado: será mesmo o tempo algo de absoluto, independente do referencial considerado? A

nova teoria não admite qualquer preconceito à partida – a saber: o conceito de simultaneidade

absoluta é incompatível com P2 . Por outras palavras: se P2 é verdadeiro (e a experiência diz-nos,

inequivocamente, que assim é), então a simultaneidade é necessariamente um conceito relativo –

depende do referencial de inércia em análise. É disso que este texto trata.

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 3

Consideremos um vagão de um comboio que se desloca, em relação à estação, com velocidade v

(constante). O comprimento da carruagem é 0L do ponto de vista do observador O (no interior do

compartimento) mas L do ponto de vista do observador O (na estação de comboios). Somos

tentados a admitir que se tem 0L L mas essa admissão deve, também ela, ser questionada. O

referencial S da estação corresponde ao sistema de coordenadas do observador O . Por sua vez, o

referencial S corresponde ao sistema de coordenadas do observador O (que se desloca no

interior da carruagem).

O espaço planar ,x ct consiste num plano em que cada ponto é, fisicamente, um acontecimento

único que se localiza no ponto x e acontece no instante t . A trajectória, seja de um ponto material

seja de um sinal luminoso ou electromagnético, neste espaço-tempo bidimensional, é designada por

linha de universo. Duas linhas de universo rectilíneas (movimento uniforme) não paralelas

encontram-se sempre num único acontecimento (bem determinado). Esta propriedade é aqui

explorada na determinação das coordenadas (quer em S quer em S ) de um dado acontecimento.

Sejam 1e a linha de universo da extremidade esquerda da carruagem e

2e a linha de universo da sua

extremidade direita. Então, do ponto de vista de O , a linha de universo 1e é dada pela equação

1e x vt

enquanto que a linha de universo 2e é dada por

2e x vt L .

Sendo m a linha de universo do ponto médio da carruagem, a respectiva equação (também do

ponto de vista de O ) será

2

Lm x vt .

Um sinal electromagnético que se propaga no sentido positivo do eixo x é dado pelas equações

genéricas (representa-se, como é habitual, por c a velocidade da luz no vácuo – constante

universal, independente do sistema inercial de coordenadas considerado)

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 4

S x ct a

S x ct a

enquanto que um sinal electromagnético que se propaga no sentido negativo do eixo x é dado pelas

equações genéricas

S x ct b

S x ct b

As equações anteriores incorporam, portanto, o postulado P2 (i.e., tem-se c c ).

Admite-se, para simplificar, que 0x x quando 0t t . Suponhamos, agora, que no instante

0t o observador O observa a emissão de um sinal electromagnético a partir de 1e . Como o

acontecimento A de emissão a partir de 1e tem coordenadas 0, 0x ct A A em S e

coordenadas 10, 0x ct ct A A em S , as respectivas equações de propagação serão

0

0

S x ct a

S x ct a

Porém, tanto o sinal electromagnético 1e m como o sinal electromagnético 2e m

chegam simultaneamente ao observador O situado em m (veja-se a figura da página 5). Com

efeito, a emissão proveniente de 2e é representada pelo acontecimento B cujas coordenadas em S

deverão ser 0 , 0x L ct B B . Todavia, no referencial S da estação, as coordenadas de B deverão

ser 2,x ct ct B B . Desconhecemos (ainda) os valores de e de 2t . Desconhecemos, também,

qual a relação entre os comprimentos L e 0L .

Nota – Naturalmente que, no caso (como iremos ver, errado) de se considerar que A e B são

(também) simultâneos em S , então deveria ser (mas não é) 2 1 0t t .

Seja M um terceiro acontecimento: a recepção, em m , do sinal proveniente de A . A questão

central é, portanto, a seguinte:

Quais são as coordenadas do acontecimento M não só do ponto de vista de S mas também de S ?

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 5

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 6

Uma coisa é absolutamente inequívoca: os acontecimentos A e B são simultâneos em S pois o

sinal electromagnético tem de percorrer o mesmo espaço 0 2L quer no sentido

1e m quer no

sentido 2e m (com a mesma velocidade c ). Ou seja: do ponto de vista de S as coordenadas do

acontecimento M deverão ser

0 0 0,2 2 2

L L Lx ct c x

c

M M M

.

O acontecimento M pertence à linha de universo m . Por outras palavras: em S as coordenadas xM

e ctM têm de obedecer à equação genérica da linha de universo (tal como visto anteriormente)

2

Lm x vt .

E, além disso, o acontecimento M também pertence à linha de universo do sinal luminoso

x ct .

Mas então, tem-se

2 2 2

L L Lx vt ct c v t t

c v

M M M M M .

Logo:

0

2

2

c LS x ct

c v

LS x ct

M M

M M

Por outro lado, o acontecimento M também pertence à linha de universo do sinal luminoso

2e m . Este sinal luminoso tem a equação genérica (como se viu anteriormente)

S x ct b

S x ct b

Logo, infere-se daqui que

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 7

0

0 00 0

22 2

22 2

c L c L c LS b x b x

c v c v c v

L LS b x b L x

M

M

Podemos resumir a situação relativa ao acontecimento M , dizendo: este acontecimento pertence a

três linhas de universo. A saber:

0

0 0

2 2

LLm m x vt x

x ct x ct

c Lx ct x ct x ct b ct L

c v

M

M

M

Para determinar as coordenadas dos acontecimentos A e B já sabemos que

10, 0

0, 0

S x ct ct

S x ct

A A

A A

A

2

0

,

, 0

S x ct ct

S x L ct

B B

B B

B

Mas o acontecimento B , além de pertencer à linha de universo do sinal luminoso 2e m ,

também pertence à linha de universo da extremidade direita 2e . Recorda-se, aqui, esta situação:

1

0

S x vte

S x

2

0

S x vt Le

S x L

Logo, em particular, tem-se

1

0

0

S xe

S x

A

A

A

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 8

2

0

S x vt Le

S x L

B B

B

B

Portanto, como não só 2eB mas também B , vem sucessivamente:

0

c Lx ct x ct

c v

B

c L c L v Lx ct vt L c v t L c v t

c v c v c v

B B B B

2 2 2

v Lt t

c v

B

Podemos, portanto, escrever que

2 1 2 2 2

v Lt t t t

c v

.

Este intervalo de tempo t é o que separa, no referencial S da estação, os acontecimentos A e B

que, como se viu, são simultâneos em S (i.e., para um observador no interior do comboio): em S

o acontecimento B ocorre passado o intervalo de tempo t depois de A , i.e., B é posterior a A

do ponto de vista de O .

Definições – Uma equitemp é a linha que une todos os acontecimentos simultâneos, na perspectiva

de um dado referencial (uma «equitemp» de S não coincide com uma «equitemp» de S ). Uma

equiloc é a linha que une todos os acontecimentos que ocorrem num mesmo local (ponto), na

perspectiva de um dado referencial (uma «equiloc» de S não coincide com uma «equiloc» de S ;

mas isso já acontecia, também, num boost de Galileu).

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 9

Conclusão fundamental: Os acontecimentos A e B são simultâneos em S (i.e., para o

observador O ) mas não são simultâneos em S (i.e., para o observador O ). Por outras palavras:

as «equitemps» de S não são paralelas às «equitemps» de S .

Esta conclusão contém o que há de mais essencial em relação à teoria da relatividade restrita de

Einstein: o conceito de simultaneidade é um conceito relativo – ao contrário da crença (errada), da

mecânica de Newton, segundo a qual o tempo seria absoluto e, portanto, a simultaneidade seria

(também) um conceito absoluto (i.e., independente do referencial considerado).

A determinação de x B é trivial. Vem

2 2 2

2 2 2 2 2 21

v L v c Lx vt L L L

c v c v c v

B B .

Introduzamos, agora, as definições (usuais, em relatividade) dos coeficientes e :

2

1,

1

v

c

.

Então, podemos reescrever alguns dos resultados já obtidos de acordo com esta notação:

2

2 2 2 21

v L c Lt L t

c v cc

2 22

2 2 2 21

c L c LL

c v c

O eixo x é a «equitemp» em S correspondente a 0ct , i.e., é a linha que liga os acontecimentos

A e B . O eixo ct , por sua vez, é a «equiloc» em S correspondente a 0x ou a x vt , i.e., é a

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 10

linha de universo 1e . Notem-se, ainda, as seguintes relações geométricas: sendo o ângulo

existente entre os eixos ct e ct , é

tanv

c

dado que a equação do eixo ct tanto pode ser escrita quer como 0x quer como

x vt c t ct uma vez que corresponde à linha de universo 1e .

Seja, agora, o ângulo existente entre os eixos x e x . Nestas condições, tem-se

2, cot tan2

x L c t c t

B .

Mas, como

2c t L ,

infere-se, ainda, que

2 2tan 1 tanL x L L B .

Logo, como é (também, como visto anteriormente) 2 L , obtém-se

2

2 2

2

11 tan tan tan

.

Conclusão: O ângulo existente entre os eixos x e x é o mesmo que o ângulo entre os eixos ct e

ct . Se se designar esse ângulo por , é tan . Ver as figuras das páginas 5 e 11.

Assim, de acordo com os diagramas das páginas 5 e 11, o máximo ângulo possível é

tan 14

.

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 11

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 12

Este ângulo máximo corresponde à linha de universo x ct (de um sinal electromagnético). Isto

significa que os eixos do referencial S correspondem a:

2

eixo «equiloc» 0

1eixo «equitemp» 0

ct x x ct vt

cx ct x ct t

v

A transformação (ou, com mais rigor, o «boost») de Lorentz deverá ter, assim, a seguinte forma:

1

2

ct ct x

x x ct

Com efeito, a transformação é linear (transforma linhas de universo rectilíneas em linhas de

universo, também, rectilíneas) e tem de ser tal que

Eixo : 0

Eixo : 0

x ct ct x

ct x x ct

Porém, o sinal tanto pode ser descrito (em S ) por x ct como pode ser descrito (em S ) por

x ct . Então, depois de substituir estas equações na transformação de Lorentz, obtém-se

1

1 2

2

11 1

1

ct ct t

ct ct t

pelo que deve ser, necessariamente,

1 2 1t

t

.

Assim, vem

1

1

ct ct

x x

.

A inversa desta transformação dá (invertendo a matriz anterior)

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 13

2

11

11

ct ct

x x

.

Mas, de acordo com o princípio da relatividade, deveria obter-se (correspondendo a uma simples

troca de v por v , ou, a uma simples troca de por )

1

1

ct ct

x x

.

Isto implica que deverá ter-se

2

22 2

1 1 1

11 1

já que, para 0v , terá de ser 1 .

Portanto, em síntese, um «boost» de Lorentz – que corresponde a transformar os eixos x e ct em

novos eixos x e ct , tal como indicado (geometricamente) nas figuras das páginas 5 e 11 –

escreve-se analiticamente como segue:

2

1

1

ct ct x ct ct x

x x ct x x ct

Na forma matricial, tem-se:

1 1

1 1

ct ct ct ct

x x x x

.

A propósito: como se tem

2 2 2 2 2 2 21 1 1 cosh sinh 1

é possível fazer (pois 1 e 1 1 )

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 14

1

cosh1 12

tanh tanh ln2 1

sinh2

e e

e e

e ee e

.

Logo, também

1 2

1 2 2

cosh ln 1

sinh ln 1

Note-se, assim, que

cosh sinh cosh sinhdet det det det 1

sinh cosh sinh cosh

.

O parâmetro designa-se por rapidez do «boost» de Lorentz.

Neste pequeno estudo foram analisados, em concreto, três acontecimentos: A , B e M . Façamos,

aqui, uma lista das coordenadas destes três acontecimentos (do ponto de vista de ambos os

referenciais S e S ).

0, 0

0, 0

x ct

x ct

A A

A A

A

0 0

1 1,

2 1 2 2 1 2

,2 2

c L L c L Lx ct

c v c v

L Lx ct

M M

M M

M

2

2 2 2 2 2 2

0

1,

1 1

, 0

c L vc Lx L ct L

c v c v

x L ct

B B

B B

B

Facilmente se prova que a teoria da relatividade desmonta o seguinte mito popular: na teoria da

relatividade «tudo é relativo». Com efeito, encontra-se aqui um invariante. Qual? Vejamos.

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 15

A transformação (passiva) de coordenadas para um mesmo acontecimento é, como se viu, a

transformação de Lorentz. De acordo com esta transformação:

1

1

ct ct

x x

.

Consideremos, agora, dois acontecimentos quaisquer P e Q . Tem-se então:

1 1,

1 1

ct ctct ct

x xx x

Q QP P

Q QP P

.

Daqui resulta, sucessivamente, que

2 22 2

2 22 2

2 22 2 2 2 2

2 22

1 1

P Q P Q P Q P Q

P Q

P Q

c t t x x

c t t x x x x c t t

c t t x x

c t t x x

PQ P Q P Q

P Q

P Q

S

o que mostra a invariância da quantidade real (positiva, negativa ou nula) 2

PQS .

Apliquemos, então, esta invariância do intervalo de espaço-tempo aos dois acontecimentos B e

A . Vem, neste caso,

2 2

2 2 2 2

0 2 2

1

1 1L L L

BAS .

Logo, a partir desta equação, é possível relacionar os comprimentos L com 0L . Vem

sucessivamente

2 2

2 2 2

0 2 2

2

2 2

2

2

2

1

1 1

11

1

1

1

L L L

L

L

donde se tira, finalmente, que

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 16

2 2 2 2 00 01 1

LL L L L

.

Note-se que, nesta última equação, se tem sempre

0L L .

Por essa razão este efeito é conhecido por contracção do espaço. Neste caso, isto significa que –

para o observador O – o comprimento L do vagão é menor do que o respectivo comprimento 0L

para o observador O . Sublinhe-se o seguinte: não se trata, aqui, de qualquer espécie de ilusão ou,

sequer, do facto de um observador estar «certo» e do outro estar «errado». Na verdade, ambos os

observadores estão a realizar medidas correctas. Simplesmente, em consequência da relatividade do

conceito de simultaneidade, o comprimento do vagão depende – efectivamente – do referencial em

que é medido. Da mesma forma é possível inferir-se, aqui, a dilatação do tempo. Vejamos como.

Seja 0T o intervalo de tempo que, do ponto de vista do observador O , decorre entre a emissão do

sinal electromagnético no acontecimento A e a sua recepção no acontecimento M . O objectivo

consiste, então, em determinar o correspondente intervalo de tempo T entre esses mesmos dois

acontecimentos – mas agora do ponto de vista do observador O .

Mais precisamente: tem-se

00

2

LT t t

c M A

.

Pretende-se, então, determinar a relação de 0T com o intervalo de tempo T , tal que

1

1 2

LT t t

c

M A

.

Para este efeito podemos usar a já determinada expressão da contracção do espaço, que determina

que se tem

2

01L L ,

e, assim, inserir esta última relação em

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 17

2 00

1 1 1 11

1 2 1 2 1 2

LLT L

c c c

.

Mas então, como se viu atrás

00

2

LT

c ,

donde se infere que

0 0 0

1

1T T T T

onde se introduziu o chamado factor de Bondi. Sublinhe-se, contudo, que esta não é a expressão

da dilatação do tempo – tal como é denominada na teoria da relatividade.

O resultado anterior (do factor de Bondi) poderia ser directamente inferido da invariância do

intervalo:

2 2

2 2 2 2

0 2 2

1

1 1L L L

BAS .

Se se substituir, nesta última equação,

0 02 , 2 1L c T L c T ,

obtém-se, sucessivamente,

2 2 22 22 2 2

0 0 22 22

2

2 2

0 0 02

1 12 2 1

1 1 1

1 1 1

1 1 1

L c T L L c T

T T T T T T

De forma a estudar a (verdadeira) dilatação do tempo há que levar a cabo uma outra operação (ou

experiência conceptual) diferente: vamos admitir que, assim que o sinal emitido (no acontecimento

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 18

A ) por 1e atinge a linha de universo m (acontecimento M ), ele é instantaneamente reflectido de

volta para a linha de universo 1e , aí chegando no (novo) acontecimento C (ver figuras das páginas

5 e 11).

Na chamada dilatação do tempo, é necessário comparar o tempo total xT , que decorre em S (entre

a emissão e a recepção do sinal luminoso na mesma linha de universo 1e ), com o correspondente

tempo yT (decorrido do ponto de vista de S ). Ou seja: trata-se de comparar o tempo decorrido entre

os acontecimentos A e C do ponto de vista dos dois referenciais. Sublinhe-se que, neste caso, o

tempo xT decorre em S sempre no mesmo ponto espacial x (i.e., na mesma «equilococ» – neste

caso em 0x correspondente ao eixo ct que coincide com a linha de universo 1e ). Obviamente

que o problema é trivial do ponto de vista de S , pois tem-se

002x

LT T

c .

A questão que se coloca é a seguinte: determinar o intervalo de tempo yT que decorre, em S , entre

os acontecimentos A e C . Este tempo é, no entanto, fácil de calcular. Basta ter em consideração

que o acontecimento C resulta da intersecção entre o sinal luminoso e a linha de universo 1e .

Recordando, aqui, que

1

0

e x vt

c Lx ct x ct

c v

vem então

2 2y y y y

c L c L cx vT cT c v T T L

c v c v c v

C .

2

2 2 2 2 2 2

0

,1 1

0,

y y

x

vc L L c L Lx vT ct cT

c v c v

x ct cT L

C C

C C

C

Logo, tendo em consideração que (pela contracção do espaço)

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 19

2

01L L ,

vem

2 2 0

0 02 2 2 2 2 2 2

11 1

1 1y

x

Lc c cT L L L

c v c v cc

T

2

1

1y x x xT T T T

.

Esta última expressão é que traduz, de facto, o efeito conhecido – em teoria da relatividade – por

dilatação do tempo. Note-se que, usando sinais electromagnéticos, a determinação do factor (de

Bondi) é mais natural do que o factor (da dilatação do tempo). A relação entre eles é dada por

1

.

Tem-se 1 apenas para 0 . Para 1 0 vem . Para 1 0 vem .

Nota Final

De acordo com as equações de Maxwell, a velocidade da luz no vácuo é dada por

0 0

1c

.

Assim, o conceito de éter (i.e., de um meio em relação ao qual a luz se propaga – no mesmo sentido

que dizemos que o som se propaga num meio material como é o caso do ar) é supérfluo (já que

nenhuma experiência física consegue detectar a existência de um «vento» de éter). Neste sentido,

esta equação implica, de facto, o postulado P2. Ou seja: as equações de Maxwell são a única teoria

física (denominada electrodinâmica clássica), anterior à teoria da relatividade restrita, a permanecer

incólume – ao contrário da mecânica newtoniana – a esta revisão conceptual. Com efeito, Einstein

apresentou a sua teoria (da relatividade restrita) como logicamente decorrente da electrodinâmica de

Maxwell, a saber: a electrodinâmica clássica é teoria física que compatibiliza P1 com P2. Hoje,

porém, sabemos mais: existem na natureza 4 interacções fundamentais (gravitacional,

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electromagnética, nuclear forte e nuclear fraca) e, à excepção da gravitação (que implica a

generalização da teoria da relatividade restrita na forma de teoria da relatividade geral), as outras

três interacções fundamentais obedecem à teoria da relatividade restrita. A chamada teoria quântica

do campo (quantum field theory) revela uma harmonia perfeita entre a mecânica quântica e a teoria

da relatividade restrita. Existe, contudo, um problema (ainda) em aberto: como conciliar a teoria da

relatividade geral com a mecânica quântica relativista numa TOE (theory of everything) – se é que

uma tal teoria existe e é possível? A chamada teoria das supercordas (superstring theory) não é,

actualmente, uma teoria física aceite – ela constitui, apenas, uma hipótese de trabalho (no âmbito de

outras teorias físico-matemáticas, igualmente possíveis, mas também problemáticas).

Comentário

A teoria da relatividade restrita é, hoje, totalmente pacífica e aceite por toda a comunidade científica

reconhecida (i.e., de mainstream). Nem sempre assim foi: veja-se o caso notável de Herbert Dingle

(1890 – 1978), alguém que chegou a ser presidente da Royal Astronomical Society (entre 1951 e

1953), que até publicou um livro de «divulgação», em 1922, sobre «relatividade» (intitulado

Relativity for All) e que – é hoje um facto pacífico –, nunca conseguiu entender do que tratava

realmente esta teoria: veja-se, e.g., o seguinte comentário:

http://www.mathpages.com/home/kmath024/kmath024.htm.

Mas isso não significa que a teoria da relatividade restrita não cause, nos estudantes – especialmente

nos mais atentos e inteligentes – muitas interrogações. É essa a marca da genialidade de Albert

Einstein (1879 – 1955) . Sublinhe-se que, ainda hoje, existem (muitas) pessoas (quiçá, até, cientistas

de outras áreas, que fazem pouco uso da física) que – embora (até) conheçam as equações da

transformação de Lorentz (aliás como o próprio Lorentz, quando as escreveu antes de Einstein) –

não conseguem entender o (verdadeiro) significado físico do que elas encerram. Por essa razão, é

fundamental que os primeiros passos de um neófito (da relatividade restrita) não sejam dados

através da simples dedução das fórmulas de Lorentz. No início, tem de se apelar à compreensão

física – nunca à manipulação (cega) de equações, de forma automática (i.e., seguindo simples regras

algébricas), sem se atender (primeiro) ao profundo significado físico que está por detrás da

matemática. A matemática fundamental – de resto – é (até) bastante básica e simples (acessível,

inclusivamente, a alunos do ensino secundário que dominem a álgebra linear mais elementar). Isto

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 21

não significa que os alunos do ensino secundário tenham – todos eles – a maturidade intelectual

suficiente para entender o que está realmente em causa.

Sugestão

Sugere-se que se entenda, do ponto de vista estritamente geométrico (no sentido da geometria

sintética e não da geometria analítica), a afirmação contida na legenda da figura da página 11. Mais

concretamente: os comprimentos CM e MB são iguais. Porquê? Porque a linha de universo (ver

agora a figura da página 5) intersecta três linhas de universo 1 2, ,e m e que são paralelas entre si

e equidistantes, i.e., a distância entre 1e e m é a mesma que a distância entre m e

2e (em qualquer

dos dois referenciais considerados).

ADENDA: Para uma abordagem mais rápida e intuitiva

A relatividade do conceito de simultaneidade é, graficamente, muito simples de entender – se, ao

contrário do texto precedente, não for procurada uma quantificação precisa dessa relatividade. É

dessa forma gráfica (e qualitativa/intuitiva) de revelar a relatividade da simultaneidade que trata

esta adenda. Centremos, então, a nossa atenção sobre a figura da página 11. O acontecimento M

ocorre, do ponto de vista de S , a uma distância da linha de universo 1e (que liga os acontecimentos

A e C ) dada por 0 2L , i.e.,

0 2Mx L . Coloca-se, agora, a seguinte questão: sobre a «equiloc»

0x de S (i.e., sobre a linha de universo 1e ) onde é que se situa o acontecimento N que, em S ,

é simultâneo com M ? Por outras palavras: onde é que 1e intersecta a «equitemp» de S que passa

em M ? A resposta é imediata: o acontecimento N situa-se, sobre 1e , a meia distância entre os

acontecimentos A e C . Justificação: o tempo que o sinal electromagnético demora (em S ) a ir

do acontecimento A até ao acontecimento M é o mesmo que o tempo que o sinal electromagnético

demora (também em S ) a ir do acontecimento M ao acontecimento C e que é

01

2 2

Lt t t t t t

c M A C M C A .

Assim, N tem de ter, em S , as seguintes coordenadas:

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 22

00,2

Lx ct N M .

Em conclusão: A «equitemp» de S , que passa por M , é uma linha recta paralela ao eixo x que

intersecta 1e em N a meia distância entre A e C . Mas, por outro lado, é evidente que – do ponto

de vista de S – os acontecimentos N e M não são simultâneos (já que a linha que liga estes dois

acontecimentos não é paralela ao eixo x ).

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 23

Nesta adenda aos apontamentos anteriores discute-se, mais pormenorizadamente, a construção das

linhas «equiloc» e «equitemp» para uma dado observador inercial O . Para fixar ideias vamos

considerar que o observador em questão se desloca, em relação ao LAB (laboratório), com uma

velocidade normalizada 1 1 1 3v c . Se designarmos por y ct a linha de universo deste

observador (i.e., a sua «equiloc»), podemos escrever – no referencial do LAB – que esta linha de

universo corresponde à equação

1 1, 0y x ,

em que, portanto, se tem 1 11 3 . Vamos, ainda, considerar que existe um acontecimento

A que, no referencial do LAB, tem coordenadas ,x yA A com y ctA A . Admitamos que se tem

1x A e 3 2y A .

Começamos por perguntar: qual é a «equitemp» de O que contém o acontecimento A ? Por outras

palavras: qual é o acontecimento R que é – do ponto de vista de O – simultâneo com o

acontecimento A ? A resposta encontra-se nas Figs. 1 e 2 da página seguinte.

No instante t (acontecimento P ) é enviado um sinal electromagnético de O para A . Neste

acontecimento A o sinal é instantaneamente reflectido de volta para O aí chegando no instante t

(acontecimento Q ). Então, o acontecimento R simultâneo com A localiza-se sobre a linha de

universo O a meia distância dos acontecimentos P e Q (Fig. 2). Com efeito, o tempo gasto pelo

sinal electromagnético no percurso (de ida) P A é idêntico ao tempo gasto no percurso (de volta)

A Q . Por essa razão, o instante (para o observador O ) do acontecimento R é tR tal que

1

2c t ct ct R .

Na Fig. 2 indica-se, ainda, o acontecimento B que – tal como A e R – também pertence à mesma

«equitemp» O do observador O . A notação traduz o facto de que – por definição – a «equiloc»

O é ortogonal à «equitemp» O .

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 24

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 25

Podemos, agora, determinar – no referencial do LAB – as coordenadas dos acontecimentos P e Q

da Fig. 2. O acontecimento P pertence ao sinal electromagnético de equação

y x a

enquanto que o acontecimento Q pertence ao sinal electromagnético de equação

y x b .

Como o acontecimento A se encontra na intersecção destes dois sinais, vem

y x a a y x

y x b b y x

A A A A

A A A A

pelo que, como 1x A e 3 2y A , vem

1,

2

5.

2

a

b

Mas então, como os acontecimentos P e Q pertencem à «equiloc» O cuja equação é 1y x ,

infere-se que

1

1 1

1

1

1

ax

y x a

y x ay

P

P P

P PP

donde, como 1 3 ,

1,

8

3.

8

x

y

P

P

Analogamente, obtém-se

1

1 1

1

1

1

bx

y x b

y x by

Q

Q Q

Q QQ

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 26

5,

4

15.

4

x

y

Q

Q

É agora possível determinar todas as coordenadas dos acontecimentos assinalados na Fig. 2 do

ponto de vista do observador O . Designemos essas coordenadas por ,x y para as distinguir das

coordenadas ,x y relativas ao referencial do LAB. Obviamente, a «equiloc» das Figs. 1 e 2,

correspondente a 1y x em relação ao LAB, escreve-se agora

0x .

Pelo acontecimento A passa a «equiloc» x x A enquanto que, pelo acontecimento B , deverá

passar a «equiloc» x x A (Fig. 2). Qual é o valor de xA ? Facilmente se responde a esta questão

se se tiver em consideração que o percurso do sinal electromagnético de 0x (acontecimento P )

até x x A (acontecimento A ) leva o mesmo tempo que o percurso inverso de x x A

(acontecimento A ) até 0x (acontecimento Q ). Logo

1

2x ct ct A .

Porém, como A e R pertencem à mesma «equitemp» de O , infere-se que

1

2y y y ct ct A B R .

Recorda-se, aqui, que 0x x x P Q R . Falta, portanto, determinar os valores de ct e ct para se

poder, finalmente, calcular as coordenadas ,x yA AA do ponto de vista de O .

Porém, a geometria do espaço-tempo de Minkowski não é euclidiana. Mais precisamente: a unidade

de comprimento ao longo da «equiloc» O não é idêntica à unidade de comprimento do LAB; o

comprimento unitário ao longo de O deverá valer um valor (desconhecido, por enquanto) em

termos da unidade do LAB.

Nestas condições, podemos calcular – em termos de – os valores de ct e de ct .

Assim, vem sucessivamente

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 27

2 2

2 2

,

,

ct x y

ct x y

P P

Q Q

2 2 2 2

0,

1,

2 2

x

y c t ct ct x y x y

R

R R Q Q P P

2 2 2 2

2 2 2 2

1,

2 2

1.

2 2

x ct ct x y x y

y ct ct x y x y

A Q Q P P

A Q Q P P

Para os valores numéricos considerados, vem:

2 2

2 2

5 10,

4

10.

8

ctx y

ctx y

Q Q

P P

Para calcular o coeficiente há que ter em consideração a hipérbole de calibração que passa pelo

acontecimento A . A equação desta hipérbole, no referencial do LAB, é dada por

2 2 2 2 2 2 2 2

0 0c t x c y x y y c H .

Para calcular o valor de 0y basta substituir na equação anterior as coordenadas do acontecimento

A dadas para o referencial do LAB:

0

1 591

3 2 4 2

xy c

y

A

A

.

Esta hipérbole intersecta a linha de universo O , dada por 1y x , no acontecimento

,S x yS S

tal que (ver Fig. 3 na pág. 29)

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 28

0

2

12 2 2 2

1 0

1 01

2

1

,1

.1

yx

x x yy

y x

S

S S

S S

Calculando numericamente, obtém-se:

22 2 1

0 2LAB LAB1

1 5

1 54 2

1 43 5

4 2

S S

x

x y y

y

S

S

OS OS .

Mas, por outro lado, tem-se – na verdadeira métrica de Minkowski – o valor

2 2

1 10 0 2 2LAB

1 1

1 1

1 1y c y

OS OS

que, numericamente, corresponde a

2

5 .

Assim, obtém-se:

9 25 2,

82

2 11 2.

4 8

xct

ct y

A

A

Note-se que, portanto, esta métrica depende exclusivamente do declive 1 . Este factor de

conversão só faz sentido, naturalmente, quando 1 1 . Para

1 1 (sinal electromagnético) vem

0 . No outro extremo, quando 1 (caso do LAB), obtém-se 1 .

De seguida vai-se analisar, geometricamente, o significado do acontecimento S sobre a linha de

universo O . Para isso, porém, há que considerar a Fig. 3.

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 29

Em primeiro lugar considera-se um novo observador (inercial) P a que pertence o acontecimento

A das Figs. 1 e 2. O acontecimento O resulta da intersecção entre O e P . Faremos, doravante,

0,0O para todos os observadores incluindo o referencial do LAB. Note-se que a linha de

universo do observador P corresponde, no referencial do LAB, à equação

2y x .

Para os valores numéricos considerados, vem

2

3

2

y

x A

A

.

Há ainda a necessidade de introduzir um terceiro observador – o referee – que se designará por

R . Este terceiro observador árbitro está sempre colocado a «meio» caminho entre os dois

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 30

observadores O e P no seguinte sentido: os sinais electromagnéticos emitidos pelo árbitro R ,

num certo instante (acontecimento U da Fig. 3), em direcção quer a O quer a P são reflectidos

(acontecimento S de O e acontecimento A de P ) e voltam simultaneamente ao observador

árbitro R (acontecimento V da Fig. 3).

Do ponto de vista do observador P o acontecimento A tem coordenadas 0, ct c AA .

Além disso, como se viu anteriormente, do ponto de vista do observador O tem-se, por outro lado,

0, c t ctPP , 0, ctRR , 0, xc t ctSS e 0, c t ctQQ . Então, introduzindo o

factor de Bondi, facilmente se verifica que

t tt t

t t

.

Note-se, também, que

2

1t t

tt

.

Analogamente, sendo o factor de Bondi entre O e P e o factor de Bondi entre O e R ,

vem ainda

2x

x x

x x

x

t t t t

t tt tt t t t t t t t

t t t t

t tt t

onde se considerou que, do ponto de vista de O , se tem 0, xc t ctSS e, do ponto de vista de

R , se tem 0, ct ct UU e 0, ct ct VV . Mas então, infere-se que

xt t t .

Note-se, também, que

4 2t

t

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 31

e ainda

2

1x

x

t t t

tt t

.

Portanto

2

t t

t t

.

Além disso, vem

3 4 1 44

1 4 3 44

1

x

x

tt t t t t t t t

t

t t tt t t t t t

t

Para os valores numéricos considerados, confirma-se o valor de 0y c já obtido anteriormente:

0

5

2y c ct ct .

Este último resultado expressa o chamado teorema de Minkowski: o comprimento OA é, na

métrica não euclidiana do espaço-tempo de Minkowski, idêntico ao comprimento OS . Na Fig. 3 da

pág. 29 tem-se, de acordo com este teorema, c OA OS .

c ct ct EOREMA DE INKOWSKIT M OA OS

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 32

Seja v c a velocidade normalizada relativa do observador P em relação ao observador O .

Logo, como

v

x y c tc

A A A ,

vem

2

2

11

11

t

x ct ct t

ty ct ct

t

A

A

.

Daqui infere-se que, inversamente,

1

1

.

Para os valores numéricos considerados, vem

910 ,

11

ct

ct

.

Também se tem

2

4

2

10 11 110 ,

1 1 10 1

,

em que v c tanto representa a velocidade relativa (normalizada) do árbitro R em relação

ao observador O como a velocidade relativa (normalizada) do observador P em relação ao

árbitro R .

Na pág. 35 representam-se na Fig. 4: os vários observadores, o LAB, a hipérbole de calibração e os

acontecimentos S e A . Note-se que, no LAB, o acontecimento ,x yU UU tem coordenadas

1

2

1

2

x y y x x

y y y x x

U S P S P

U S P S P

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 33

de modo que a equação da trajectória, no LAB, do referee será

3 3,y

y xx

U

U

.

Para os valores numéricos considerados, vem:

3

1 51

4 2 5 2

5 21 51

4 2

xy

xy

U

U

U

U

.

Em síntese: no referencial do LAB, o observador O é descrito pela equação 1y ct x , o

observador P é descrito pela equação 2y ct x e, finalmente, o referee R é descrito pela

equação 3y ct x . Numericamente, tem-se:

1 2 3

1 2 3

5 21 1 3 13, ,

2 5 2

.

Ou seja:

31 21 2 3

1 2 3

5 21 1 1 2 1, ,

3 3 5 2

vv v

c c c

.

Note-se, a propósito, o seguinte: usando a composição de velocidades de Einstein, é possível

confirmar os valores obtidos para 1 , e

2 . De acordo com o esquema

tem-se

LAB

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 34

12

11

.

Como, no exemplo numérico considerado, 9 11 e 1 1 3 , resulta efectivamente

2

2

3 .

Na mesma linha de raciocínio, obtém-se

2

2

1

.

Para

10 1

10 1

vem então, como não podia deixar de ser,

9

11 .

Obviamente que, de forma análoga, se tem

3 12 3

3 1

,1 1

.

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 35

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 36

Vai-se, agora, apresentar uma primeira dedução da transformação de Lorentz. Tal como se disse

atrás, a transformação de Lorentz só deve ser apresentada e deduzida depois de uma primeira parte

exclusivamente dedicada ao estudo da relatividade do conceito de simultaneidade (sem artifícios

matemáticos desnecessários, que apenas podem desviar a atenção da essência física do problema).

Como sempre considera-se, aqui, a chamada configuração «standard» dos eixos dos dois

referenciais de inércia ,S S que se encontram em movimento relativo com velocidade v c .

A origem O do sistema de eixos , ,S X Y Z coincide com a origem O do sistema de eixos

, ,S X Y Z quando 0t t . Um dado acontecimento A é descrito em S através das

coordenadas , , ,ct x y z . Esse mesmo acontecimento A é descrito em S através das coordenadas

, , ,ct x y z . A transformação de Lorentz relaciona, entre si, as coordenadas de S com as de S .

Usam-se, nesta primeira dedução, os dois postulados explicitados (logo) na página 1.

Uma vez que o movimento relativo apenas deve relacionar os eixos espaciais X com X , deverá

ter-se (tal como na transformação de Galileu):

,

.

y y

z z

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 37

A configuração «standard» dos eixos implica, desde logo, que tem de ser

0

0

x x vt

x x vt

.

Isto significa que se deverá procurar uma transformação da forma

x x vt x ct

x x vt x ct

onde os coeficientes , são desconhecidos (por enquanto).

NOTA – Poder-se-ia admitir uma transformação mais complicada. Porém, se for possível chegar a

uma solução em coerência com esta hipótese, o problema pode considerar-se resolvido.

Comecemos por aplicar o postulado P1 (princípio da relatividade). De acordo com este postulado

deverá ter-se pois, no espaço livre e ilimitado (homogéneo e isotrópico), nada distingue os

dois sistemas de coordenadas – a não ser o facto das duas velocidades relativas serem

diametralmente opostas (enquanto que O vê O afastar-se para a direita, O vê O afastar-se para a

esquerda).

NOTA – A transformação de Galileu corresponde ao caso particular em que se tem, simplesmente,

1 . Como se verá adiante 1 corresponde, para 0 , a considerar-se c .

Assim, tem-se

,x x ct x x ct .

Vai-se aplicar, agora, o postulado P2 (invariância da velocidade da luz no vácuo). Se um laser

emitir um feixe luminoso descrito, em relação a S , pela equação

x ct ,

o mesmo feixe luminoso terá de ser descrito, em relação a S , pela equação

x ct .

Logo, após substituir estas duas últimas equações de propagação nas equações de transformação,

obtém-se, respectivamente,

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 38

1 , 1ct ct ct ct .

Multipliquemos (ordenadamente) estas duas últimas equações:

2 2 2 21c t t c t t .

Daqui se infere – porque deverá ser 1 quando 0v – a seguinte conclusão:

2

1

1

.

Falta, então, determinar de que forma o tempo se transforma. Comecemos pela equação

x x ct x ct ct x x .

Logo, de pois de substituir na última equação x x ct , vem ainda

2 2 2 1ct x x x x ct ct x

2 1

ct ct x

.

Porém, atendendo a que

22 2 2

2 22

1 11 1

1 11

infere-se, ainda, que

2 1

.

Logo, é também possível escrever

ct ct x ct ct x .

Deixa-se como exercício para o leitor demonstrar, de forma análoga, que se obteria (também)

ct ct x .

Por simetria, esta última equação obtém-se da anterior substituindo . Em síntese:

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 39

2

1,

1

ct ct x ct ct x

x x ct x x ct v

cy y y y

z z z z

.

Note-se que a uma onda electromagnética esférica em S da forma

2 2 2 2 2x y z c t

corresponde, em S , a onda electromagnética (também esférica)

2 2 2 22x y z c t .

A validade simultânea destas duas equações revela que tal é, de facto, incompatível com a

transformação de Galileu (verifique porquê).

A transformação de Lorentz permite, desde já, demonstrar – como corolário – a seguinte

invariância:

2 2 2 22 2 2 2 2 2c t x y z c t x y z

.

Como y y e z z , basta provar que (invariância do intervalo de espaço-tempo ou, mais

simplesmente, invariância do intervalo)

2 22 2 2 2c t x c t x .

Vejamos. Atendendo a que 2 21 1 , vem sucessivamente

2 2 2 22 2

22 2 2 2 2

2 2

1 1

ct x ct x x ct

ct x

ct x

como se pretendia demonstrar.

Nas páginas 13 e 14 introduziu-se o parâmetro da rapidez. Aqui vai-se elaborar um pouco mais

sobre este conceito.

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 40

Comecemos por reescrever a transformação de Lorentz na forma matricial:

2 2 2 1ct ct

x x

.

A transformação inversa corresponde, então, a

ct ct

x x

.

Como

cosh , sinh , tanh ,

vem sucessivamente

cosh sinh

sinh cosh

ct ct x ct ct x

x x ct x ct x

cosh sinh

sinh cosh

ct ct

x x

pelo que

cosh sinh

cosh sinh

ct x ct x ct x e ct x

ct x e ct xct x ct x

2 22 2 2 2ct x ct x ct x ct x c t x c t x .

Ou seja: a introdução da rapidez permite uma demonstração mais elegante da invariância do

intervalo. Esta invariância desempenha, em relatividade restrita, um papel fundamental. Com base

nela pode afirmar-se que a geometria do espaço-tempo de Minkowski não é euclidiana. O plano

,x ct tem uma métrica hiperbólica.

NOTA – O plano euclidiano ,x y tem uma métrica euclidiana: a distância D , tal que

2 2 2D x y , é invariante numa rotação. O plano hiperbólico ,x ct tem uma métrica hiperbólica:

o intervalo , tal que 22 2ct x , é invariante num «boost» de Lorentz. A forma quadrática

2 ,Q D x y é definida positiva. Porém, a forma quadrática 2 ,Q x ct não é definida positiva

– mas também não é definida negativa. Com efeito, tem-se: (i) 2 0Q , se ct x ; (ii)

2 0Q , se ct x ; (iii) 2 0Q , se ct x .

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 41

Vai-se, agora, apresentar uma segunda dedução da transformação de Lorentz. Esta dedução deve-se

ao matemático e cosmólogo Sir Hermann Bondi (1919 — 2005); tem a vantagem de fazer intervir o

factor de Bondi, de que se falou anteriormente (primeiro na página 17 e, mais extensamente, no

segmento sobre «equilocs» e «equitemps»). Trata-se, portanto, de uma dedução com um maior

conteúdo físico-geométrico do que a anterior (essencialmente analítica).

Consideremos, em primeiro lugar, a Fig. 3 da página 29. Ao observador O associamos o sistema

de coordenadas S . Como y y e z z , apenas iremos considerar as coordenadas ,S x ct .

Por sua vez, ao observador O associa-se o novo sistema de coordenadas ,S x ct .

Comecemos por, em relação à Fig. 3 da página 29, determinar as coordenadas – em S – do

acontecimento A . Tal como se viu anteriormente, tem-se

1 1

,2 2

ct ct ct x ct ct A A .

Daqui resulta

,ct x ct ct x ct A A A A .

Mas, introduzindo o factor de Bondi, deverá ter-se

,t t t t A A ,

donde

2t t .

NOTA – A utilização do mesmo factor nas duas equações anteriores deve-se ao postulado P1

(princípio da relatividade).

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 42

Portanto, infere-se que

2 ct ct x

ct ct x

A A

A A

.

Seja v c a velocidade relativa de S O em relação a S O . Obtém-se então

x v t ct A A A .

Sublinhe-se o seguinte: aqui v c representa a velocidade relativa do observador O em relação

a O . Logo, conclui-se que

2 1 1

1 1

ct x

ct x

A A

A A

.

Note-se que, para 1 1 , é sempre 0 . Para 1 vem 0 e, para 1 , vem

.

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 43

Consideremos, agora, a nova figura anexa (no início da página 42).

Trata-se de determinar, nesta nova figura, as coordenadas do (novo) acontecimento A , aí

representado, quer em relação a S O quer em relação a S O . Será ,x ctA no

referencial S (observador O ) e ,x ct A no referencial S (observador O ). De acordo,

então, com esta nova figura, vem

1 1

2 2

1 1

2 2

ct ct ct ct ct ct

S S

x ct ct x ct ct

Daqui infere-se, portanto, que

ct x ct ct x ctS S

ct x ct ct x ct

Notemos, no entanto, que – sendo v c a velocidade relativa de S em relação a S – vem:

1 1, ,

1t t t t

.

Mas então

1 1ct x ct ct ct x

ct x ct ct ct x

donde se tira, finalmente,

1 1 1 1

2 2

1 1 1 1

2 2

ct ct x

x x ct

Para terminar a nossa dedução falta, apenas, fazer alguns cálculos simples:

2 2

1 2 1 22 , 2

1 1

.

Assim, vem

ct ct x

x x ct

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 44

o que termina a nossa demonstração. Na figura seguinte apresenta-se o correspondente diagrama de

Minkowski.

Note-se que se tem

1 12 2 cosh , 2 2 sinh

1 2

1 2

1tanh

1

.

Deste modo, a relação entre a rapidez e o factor de Bondi é a seguinte:

1 1 1tanh ln ln ,

2 1e

.

Para 1 vem e 0 . Para 1 0 vem 0 e 0 1 . Para 0 vem 0

e 1 . Para 0 1 vem 0 e 1 . Para 1 vem e .

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 45

Nesta secção vai-se deduzir a lei de composição (ou adição) de velocidades em relatividade restrita.

Considera-se, em primeiro lugar, a simples composição de velocidades na mesma direcção. E, neste

caso, usa-se o conceito de rapidez (ver páginas 13, 14, 40 e 44).

Tal como se viu na página 40 tem-se

ct x e ct x

ct x e ct x

em que

1 1 1

ln ln1 2 1

.

Nestas expressões apenas se considera o movimento relativo entre S e S caracterizado pela

velocidade relativa v c .

Vamos, agora, considerar uma situação (ligeiramente) mais complexa – tal como se indica no

diagrama seguinte.

v uS S S

Esta situação pode, também, ser analisada na seguinte perspectiva alternativa.

wS S

Em termos da transformação de Galileu a relação entre as duas situações é bastante simples. Vem,

como se viu na página 2,

w u v .

Porém, como – também – se viu, este resultado é incompatível com o postulado P2 [sobre a

invariância da velocidade da luz (no vácuo)].

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 46

Vejamos, então, qual a (nova) perspectiva da transformação de Lorentz sobre esta simples

composição de velocidades.

Façamos, por definição,

1 2

1 2

1

2 &

v cct x e ct x ct x e ct x

u cct x e ct x ct x e ct x

w c

e, ainda,

ct x e ct x

ct x e ct x

tendo-se considerado, portanto,

1 21 2

1 2

1 11 1 1 1ln , ln , ln

2 1 2 1 2 1

.

Inversamente, tem-se (página 44)

1 1 2 2tanh , tanh , tanh .

Mas então, como facilmente se verifica, deverá também escrever-se

1 22 1

2 1 1 2

ct x e ct x e e ct x e ct x

ct x e ct x e e ct x e ct x

ou seja, esta composição de velocidades corresponde, simplesmente, à seguinte soma:

1 2 .

Daqui resulta, portanto, que

1 2tanh tanh .

Infere-se, então, que

1 2 1 2

1 2

1 21 2

tanh tanhtanh

11 tanh tanh

,

ou seja

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 47

21

u vw

u v

c

.

Esta última expressão corresponde, portanto, à lei da composição de Einstein de velocidades (no

caso mais simples, em que u e v são colineares). Por vezes, escreve-se (simbolicamente):

21

u vw u v

u v

c

.

Note-se, desde já, que

limc

u v u v

.

Ou seja: quando se faz c na lei de Einstein recupera-se a lei da composição de velocidades de

Galileu-Newton.

Além disso, esta nova lei – como não poderia deixar de ser – é compatível com o postulado P2.

Com efeito, se u c , então

1

c v c vw c v c c

v c v

c

,

mesmo no caso em que (também) v c (i.e., tem-se c c c ).

NOTA – Deve, porém, salientar-se que, quando u c , se obtém

1

c v c vw c v c c

v c v

c

desde que se considere v c . Por exemplo, para v c , obtém-se (também)

w c c c . Mas os casos w c c e w c c conduzem a indeterminações.

Com efeito, estes dois últimos casos poderão ser interpretados como pertencentes à mesma onda

electromagnética – caso em que 0c c c c .

Vai-se, agora, deduzir um caso mais geral.

Vamos admitir que , ,x y zu u uu em S , com

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 48

, ,x y zx u t y u t z u t .

As correspondentes componentes, em S , serão , ,x y zu u u u . Mais uma vez admite-se uma

configuração «standard» (como se ilustra na figura da página 36). A situação física é a seguinte:

uma partícula tem uma velocidade (vectorial) 3u , em relação ao sistema inercial S , e pretende-

se conhecer a velocidade (vectorial) 3u , dessa partícula, em relação ao sistema inercial S que

se move em relação a S (tal como se indica na figura da página 36). Os dois diagramas seguintes

ilustram esta situação.

= , , , ,partículax y z x y zu u u u u u

S S S

u u

vS S

Notemos, desde já, a relação entre esta (nova) nomenclatura e a dos diagramas da página 45: nos

diagramas desta página u e u correspondem, respectivamente, a w e u nos diagramas da página

45; mais precisamente xu w e

xu u .

Comecemos, então, por definir

, ,x y zx u t y u t z u t .

Vamos, neste caso, utilizar as seguintes expressões para a transformação de Lorentz:

2

2

2 2

2

1

1

11

xx xx

y

xy yz

x

xz z

u vu t u v tx u v tx x vt

cy u ty y

u vu t u tz u tz z

cu vv

t t x t t u vu t u tc c

c

Comecemos por verificar que, da primeira equação, resulta:

2

2

1

1

x xx x x

x

u v u vu v u u

u vc

c

.

Porém, antes de prosseguir, sublinhe-se a seguinte equivalência que faz uso da equação anterior:

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 49

2

2

2 2 22

2 2 2

11

1 1 1

1 1 1

x x x

x x x

vu v u v u vv c

u v u v u vc c c

c c c

.

Esta última equação permite, agora, obter – com facilidade – as restantes duas equações de

transformação. Vem então:

2 2

2 2

1 , 1

1 1

yx x zy y z z

x x

uu v u v uu u u u

u v u vc c

c c

.

Assim, em síntese, obtém-se:

2 2 2

, ,

1 1 1

yx zx y z

x x x

uu v uu u u

u v u v u v

c c c

.

Estas fórmulas podem facilmente reduzir-se ao caso elementar anteriormente já deduzido. Com

efeito, façamos (ver a correspondência entre os diagramas das paginas 45 e 48): 0y zu u , xu u

e xw u . Infere-se, assim, que

21

u vw

u v

c

.

Este resultado coincide, de facto, com o resultado obtido anteriormente por intermédio do conceito

de rapidez e aplica-se – como se referiu então – ao caso particular das velocidades colineares.

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 50

A lista bibliográfica que, aqui, se apresenta encontra-se agrupada em três secções distintas. A

separação entre cada um destes grupos baseia-se, essencialmente, no respectivo grau de sofisticação

matemática. O primeiro grupo (elementar) tem como público-alvo os alunos universitários do

primeiro ciclo (fase inicial da licenciatura ou, até mesmo, os melhores alunos do ensino

secundário). O segundo grupo (intermédio) destina-se a alunos universitários do segundo ciclo

(alunos de mestrado ou na fase terminal do primeiro ciclo). Finalmente, o terceiro grupo (avançado)

destina-se a alunos do terceiro ciclo universitário – correspondente, portanto, a alunos de

doutoramento ou, nalguns casos até, de pós-doutoramento. Note-se, porém, que apenas se incluem –

nesta lista – os livros dedicados, exclusivamente, à teoria da relatividade restrita. Excluem-se,

portanto, os livros sobre relatividade geral que (apenas) abordam, nos primeiros capítulos, a

relatividade restrita. Termina-se esta lista com uma colectânea de artigos originais (incluindo os de

Albert Einstein).

Nível Elementar

Andrew M. Steane, The Wonderful World of Relativity – A Precise Guide for the General

Reader. Oxford: Oxford University Press, 2011.

Hermann Bondi, Relativity and Common Sense – A New Approach to Einstein. New York:

Dover Publications, 1980 – republication of the original (1964) edition.

N. David Mermin, It’s About Time – Understanding Einstein’s Relativity. Princeton, NJ:

Princeton University Press, 2005.

Edwin F. Taylor and John Archibald Wheeler, Spacetime Physics – Introduction to Special

Relativity, Second Edition. New York: W. H. Freeman and Company, 1992.

Tevian Dray, The Geometry of Special Relativity. Boca Raton, FL: CRC Press, 2012.

Domenico Giulini, Special Relativity – A First Encounter 100 Years Since Einstein. Oxford:

Oxford University Press, 2005.

David Bohm, The Special Theory of Relativity. London: Routledge, 1996.

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 51

Nível Intermédio

Wolfgang Rindler, Introduction to Special Relativity, Second Edition. Oxford: Oxford

University Press, 1991.

Norbert Dragon, The Geometry of Special Relativity – A Concise Course. Heidelberg: Springer,

2012.

Dierck-Ekkehard Liebscher, The Geometry of Time. Berlin: Wiley-VCH, 2005.

A. P. French, Special Relativity. New York: W. W. Norton & Company, 1968 (MIT).

N. M. J. Woodhouse, Special Relativity. London: Springer, 2003.

Andrew M. Steane, Relativity Made Relatively Easy. Oxford: Oxford University Press, 2012.

Moses Fayngold, Special Relativity and How it Works. Weinheim: Wiley-VCH, 2008.

Nível Avançado

Éric Gourgoulhon, Special Relativity in General Frames – From Particles to Astrophysics.

Berlin: Springer, 2013.

Gregory L. Naber, The Geometry of Minkowski Spacetime – An Introduction to the

Mathematics of the Special Theory of Relativity. Mineola, NY: Dover, 2003 (unabridged

republication of the 1992 edition).

Roman U. Sexl and Helmuth K. Urbantke, Relativity, Groups, Particles – Special Relativity and

Relativistic Symmetry in Field and Particle Physics. Wien: Springer, 2001.

J. Ehlers and C. Lämmerzahl, Eds., Special Relativity – Will it Survive the Next 101 Years?

Berlin: Springer, 2006.

John W. Schutz, Independent Axioms for Minkowski Space-Time. Essex, England: Longman,

1997.

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Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Agosto de 2014 Página 52

Apresenta-se, por fim, uma colectânea de artigos originais – incluindo traduções dos primeiros

artigos de Einstein – sobre as teorias da relatividade restrita e geral.

Artigos Originais

A. Einstein, H. A. Lorentz, H. Weyl and H. Minkowski, The Principle of Relativity – A

Collection of Original Papers on the Special and General Theory of Relativity (Notes by A.

Sommerfeld). New York: Dover, 1952 (unaltered, unabridged reprint of the 1923 translation).