sobre o conceito de simultaneidade o... · admitamos, ainda, que o movimento relativo se processa...

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2014 DEEC – Área Científica de Telecomunicações Instituto Superior Técnico Fotónica Prof. Carlos R. Paiva SOBRE O CONCEITO DE SIMULTANEIDADE

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2014

DEEC – Área Científica de Telecomunicações Instituto Superior Técnico

Fotónica Prof. Carlos R. Paiva

SOBRE O CONCEITO DE SIMULTANEIDADE

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 1

A essência da teoria da relatividade restrita (Albert Einstein, 1905) radica na revisão do conceito de

simultaneidade. De acordo com a transformação (ou boost) de Galileu, o tempo é universal e

absoluto – não depende do referencial de inércia em que é medido. A teoria da relatividade restrita

(special relativity) de Einstein, porém, parte de dois postulados que – de acordo com a mecânica

newtoniana – são, pura e simplesmente, irreconciliáveis ou contraditórios.

P1 – Primeiro Postulado: As leis da física são as mesmas em todos os referenciais de inércia.

[Este postulado é conhecido como Princípio da Relatividade. Um referencial de inércia é um

sistema de coordenadas não acelerado.]

P2 – Segundo Postulado: A velocidade da luz, no vácuo, é uma constante universal – i.e., tem o

valor 1299 792 458 m sc em todos os referenciais de inércia.

Sejam S e S dois referenciais de inércia (ou sistemas de coordenadas inerciais) em movimento

relativo. O sistema de coordenadas espaciais de S é constituído pelos três eixos , ,X Y Z . O

sistema de coordenadas espaciais de S é constituído, por sua vez, pelos três eixos , ,X Y Z . Os

eixos são, respectivamente, paralelos – i.e., X X , Y Y e Z Z . Designemos por v a

velocidade relativa entre esses dois referenciais S e S . Admitamos, ainda, que o movimento

relativo se processa, exclusivamente, ao longo dos respectivos eixos X e X . Ou seja, de acordo

com o boost de Galileu, deverá ter-se:

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 2

x x vt x x vt

y y y y

z z z z

t t t t

A última equação t t limita-se a exprimir matematicamente a ideia newtoniana de que o tempo é

universal e absoluto – independente, portanto, do sistema de coordenadas inercial em que é medido.

Daqui decorre, imediatamente, a conhecida lei da adição de velocidades. Vejamos. Se uma partícula

tem uma velocidade u em relação a S , tal que x ut , então o boost de Galileu diz-nos que a

velocidade w dessa mesma partícula em relação a S será tal que

x wt x vt ut vt u v t u v t w u v .

Mas então, se a partícula for um fotão que tem velocidade u c em S , esta lei da adição de

velocidades implica que a velocidade do mesmo fotão, em S , deveria ser w c v c , em

contradição com P2 . A tarefa de conciliar, numa mesma teoria coerente, P1 com P2 , parece

condenada ao fracasso. Mas essa teoria existe: é a teoria da relatividade restrita de Einstein. E o

primeiro passo dessa teoria consiste em algo profundo e radical: há que rever o conceito de

simultaneidade. A equação t t do boost de Galileu parte de um princípio que tem de ser

questionado: será mesmo o tempo algo de absoluto, independente do referencial considerado? A

nova teoria não admite qualquer preconceito à partida – a saber: o conceito de simultaneidade

absoluta é incompatível com P2 . Por outras palavras: se P2 é verdadeiro (e a experiência diz-nos,

inequivocamente, que assim é), então a simultaneidade é necessariamente um conceito relativo –

depende do referencial de inércia em análise. É disso que este texto trata.

Consideremos uma vagão de comboio que se desloca, em relação à estação, com velocidade v

(constante). O comprimento da carruagem é 0L do ponto de vista do observador O (no interior do

compartimento) mas L do ponto de vista do observador O (na estação de comboios). Somos

tentados a admitir que se tem 0L L mas essa admissão deve, também ela, ser questionada. O

referencial S da estação corresponde ao sistema de coordenadas do observador O . Por sua vez, o

referencial S corresponde ao sistema de coordenadas do observador O (que se desloca no

interior da carruagem).

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 3

O espaço planar ,x ct consiste num plano em que cada ponto é, fisicamente, um acontecimento

único que se localiza no ponto x e acontece no instante t . A trajectória, seja de um ponto material

seja de um sinal luminoso ou electromagnético, neste espaço-tempo bidimensional, é designada por

linha de universo. Duas linhas de universo rectilíneas (movimento uniforme) não paralelas

encontram-se sempre num único acontecimento (bem determinado). Esta propriedade é aqui

explorada na determinação das coordenadas (quer em S quer em S ) de um dado acontecimento.

Sejam 1e a linha de universo da extremidade esquerda da carruagem e

2e a linha de universo da sua

extremidade direita. Então, do ponto de vista de O , a linha de universo 1e é dada pela equação

1e x vt

enquanto que a linha de universo 2e é dada por

2e x vt L .

Sendo m a linha de universo do ponto médio da carruagem, a respectiva equação (também do

ponto de vista de O ) será

2

Lm x vt .

No referencial S da estação (que corresponde ao sistema de coordenadas do observador O ) um

sinal electromagnético que se propaga no sentido positivo do eixo x é dado pelas equações

genéricas (representa-se, como é habitual, por c a velocidade da luz no vácuo – constante

universal, independente do sistema inercial de coordenadas considerado)

S x ct a

S x ct a

enquanto que um sinal electromagnético que se propaga no sentido negativo do eixo x é dado pelas

equações genéricas

S x ct b

S x ct b

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 4

As equações anteriores incorporam, portanto, o postulado P2: no sentido em que se tem c c .

Admite-se, para simplificar, que quando 0x x é 0t t . Suponhamos, agora, que no instante

0t o observador O observa a emissão de um sinal electromagnético a partir de 1e . Como o

acontecimento A de emissão a partir de 1e tem coordenadas 0, 0x ct A A em S e

coordenadas 10, 0x ct ct A A em S , as respectivas equações de propagação serão

0

0

S x ct a

S x ct a

Porém, tanto o sinal 1e m como o sinal 2e m chegam simultaneamente ao observador O

situado em m .

Com efeito, a emissão proveniente de 2e é representada pelo acontecimento B cujas coordenadas

em S deverão ser 0 , 0x L ct B B . Todavia, no referencial S da estação, as coordenadas de B

deverão ser 2,x ct ct B B . De momento desconhecemos os valores de e de 2t .

Desconhecemos, também, qual a relação existente entre os comprimentos L e 0L .

Nota – Naturalmente que, no caso (como iremos ver, errado) de se considerar que A e B são

(também) simultâneos em S , então deveria ser (mas não é) 2 1 0t t .

Seja M um terceiro acontecimento: a recepção, pelo observador mO , do sinal proveniente de

A . A questão central é, portanto, a seguinte:

Quais são as coordenadas do acontecimento M não só do ponto de vista de S mas também de S ?

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 5

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 6

Uma coisa é absolutamente inequívoca: os acontecimentos A e B são simultâneos em S pois o

sinal electromagnético tem de percorrer um mesmo espaço 0 2L quer no sentido

1e m quer no

sentido 2e m com a mesma velocidade c . Ou seja: do ponto de vista de S as coordenadas do

acontecimento M deverão ser

0 0 0,2 2 2

L L Lx ct c x

c

M M M

.

O acontecimento M pertence à linha de universo m . Por outras palavras: em S as coordenadas xM

e c tM têm de obedecer à equação genérica da linha de universo (tal como visto anteriormente)

2

Lm x vt .

E, além disso, o acontecimento M também pertence à linha de universo do sinal luminoso

x ct .

Mas então, tem-se

2 2 2

L L Lx vt ct c v t t

c v

M M M M M .

Logo:

0

2

2

c LS x ct

c v

LS x ct

M M

M M

Mas, por outro lado, também o acontecimento M pertence à linha de universo do sinal luminoso

2e m . Este sinal luminoso tem a equação genérica (como se viu anteriormente)

S x ct b

S x ct b

Logo, infere-se daqui que

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 7

0

0 00 0

22 2

22 2

c L c L c LS b x b x

c v c v c v

L LS b x b L x

M

M

Podemos resumir a situação relativa ao acontecimento M , dizendo: este acontecimento pertence a

três linhas de universo. A saber:

0

0 0

2 2

LLm m x vt x

x ct x ct

c Lx ct x ct x ct b ct L

c v

M

M

M

Para determinar as coordenadas dos acontecimentos A e B já sabemos que

10, 0

0, 0

S x ct ct

S x ct

A A

A A

A

2

0

,

, 0

S x ct ct

S x L ct

B B

B B

B

Mas o acontecimento B , além de pertencer à linha de universo do sinal luminoso 2e m , também

pertence à linha de universo da extremidade 2e . Recorda-se, aqui, esta situação:

1

0

S x vte

S x

2

0

S x vt Le

S x L

Logo, em particular, tem-se

1

0

0

S xe

S x

A

A

A

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 8

2

0

S x vt Le

S x L

B B

B

B

Portanto, como não só 2eB mas também B , vem sucessivamente:

0

c Lx ct x ct

c v

B

c L c L v Lx ct vt L c v t L c v t

c v c v c v

B B B B

2 2 2

v Lt t

c v

B

Podemos, portanto, escrever que

2 1 2 2 2

v Lt t t t

c v

.

Este intervalo de tempo t é o que separa, no referencial S da estação, os acontecimentos A e B

que, como se viu, são simultâneos em S (i.e., para um observador no interior do comboio): em S

o acontecimento B ocorre passado o intervalo de tempo t depois de A , i.e., B é posterior a A

do ponto de vista de O . E, contudo, estes dois acontecimentos A e B são simultâneos do ponto de

vista de O .

Uma equitemp é a linha que une todos os acontecimentos simultâneos, na perspectiva de um dado

referencial; uma «equitemp» de S não coincide com uma «equitemp» de S . Uma equiloc é a

linha que une todos os acontecimentos que ocorrem num mesmo local (ponto), na perspectiva de

um dado referencial; uma «equiloc» de S não coincide com uma «equiloc» de S (mas isso já

acontecia num boost de Galileu).

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 9

Conclusão fundamental: Os acontecimentos A e B são simultâneos em S (i.e., para o

observador O ) mas não são simultâneos em S (i.e., para o observador O ).

Esta conclusão contém o que há de mais essencial em relação à teoria da relatividade restrita de

Einstein: o conceito de simultaneidade é um conceito relativo – ao contrário da crença (errada), da

mecânica de Newton, segundo a qual o tempo seria absoluto e, portanto, a simultaneidade seria

(também) um conceito absoluto (i.e., independente do referencial considerado).

Note-se que a determinação de x B é, agora, trivial. Vem

2 2 2

2 2 2 2 2 21

v L v c Lx vt L L L

c v c v c v

B B

.

Introduzamos, agora, as definições (usuais, em relatividade) dos coeficientes e :

2

1,

1

v

c

.

Então, podemos reescrever alguns dos resultados já obtidos de acordo com esta notação:

2

2 2 2 21

v L c Lt L t

c v cc

2 22

2 2 2 21

c L c LL

c v c

O eixo x é a «equitemp» em S correspondente a 0ct , i.e., é a linha que liga os acontecimentos

A e B . O eixo ct , por sua vez, é a «equiloc» em S correspondente a 0x ou a x vt , i.e., é a

linha de universo 1e . Note-se, ainda, as seguintes relações geométricas: sendo o ângulo existente

entre os eixos ct e ct , é

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 10

tanv

c

dado que a equação do eixo ct tanto pode ser escrita quer como 0x quer como

x vt c t ct e corresponde à linha de universo 1e . Seja, agora, o ângulo existente

entre os eixos x e x . Nestas condições, tem-se

2, tan tanx L c t c t B .

Mas, como

2c t L ,

infere-se, ainda, que

2 2tan 1 tanL x L L B .

Logo, como é 2 L , vem

2

2 2

2

11 tan tan tan

.

Conclusão: O ângulo existente entre os eixos x e x é o mesmo que o ângulo entre os eixos ct e

ct . Se se designar esse ângulo por , é tan . Ver as figuras das páginas 5 e 11.

Assim, de acordo com os diagramas das páginas 5 e 11, o máximo ângulo possível é

tan 14

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 11

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 12

e corresponde à linha de universo x ct de um sinal electromagnético. Isto significa que os eixos

do referencial S correspondem a:

2

eixo «equiloc» 0

1eixo «equitemp» 0

ct x x ct vt

cx ct x ct t

v

A transformação (ou, com mais rigor, o «boost») de Lorentz deverá ter, assim, a seguinte forma:

1

2

ct ct x

x x ct

Com efeito, a transformação é linear (transforma linhas de universo rectilíneas em linhas de

universo também rectilíneas) e tem de ser tal que

Eixo : 0

Eixo : 0

x ct ct x

ct x x ct

Porém, o sinal tanto pode ser descrito (em S ) por x ct como pode ser descrito (em S ) por

x ct . Então, depois de substituir estas equações na transformação de Lorentz, obtém-se

1

1 2

2

11 1

1

ct ct t

ct ct t

pelo que deve ser, necessariamente,

1 2 1t

t

.

Assim, vem

1

1

ct ct

x x

.

A inversa desta transformação dá (invertendo a matriz anterior)

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 13

2

11

11

ct ct

x x

.

Mas, de acordo com o princípio da relatividade, deveria obter-se (correspondendo a uma simples

troca de v por v , ou, a uma simples troca de por )

1

1

ct ct

x x

.

Isto implica que deverá ter-se

2

22 2

1 1 1

11 1

já que, para 0v , deverá ter-se 1 .

Portanto, em síntese, um «boost» de Lorentz – que corresponde a transformar os eixos x e ct em

novos eixos x e ct tal como indicado geometricamente nas figuras das páginas 5 e 11 – escreve-

se analiticamente como segue:

2

1

1

ct ct x ct ct x

x x ct x x ct

Matricialmente:

1 1

1 1

ct ct ct ct

x x x x

.

A propósito: como se tem

2 2 2 2 2 2 21 1 1 cosh sinh 1

é sempre possível fazer

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 14

1

cosh1 12

tanh tanh ln2 1

sinh2

e e

e e

e ee e

.

Logo, também

1 2

1 2 2

cosh ln 1

sinh ln 1

Note-se, assim, que

cosh sinh cosh sinhdet det det det 1

sinh cosh sinh cosh

.

O parâmetro designa-se por rapidez do «boost» de Lorentz.

Neste pequeno estudo foram analisados, em concreto, três acontecimentos: A , B e M . Façamos,

aqui, uma lista das coordenadas destes três acontecimentos do ponto de vista dos dois referenciais

S e S .

0, 0

0, 0

x ct

x ct

A A

A A

A

0 0

1 1,

2 1 2 2 1 2

,2 2

c L L c L Lx ct

c v c v

L Lx ct

M M

M M

M

2

2 2 2 2 2 2

0

1,

1 1

, 0

c L vc Lx L ct L

c v c v

x L ct

B B

B B

B

Facilmente se verifica que a teoria da relatividade desmonta o mito popular segundo o qual «tudo é

relativo». Com efeito, encontra-se aqui um invariante. Qual? Vejamos.

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 15

A transformação de coordenadas entre os acontecimentos é, como se viu, a transformação de

Lorentz (ou, com mais rigor, o «boost» de Lorentz). De acordo com esta transformação:

1

1

ct ct

x x

.

Consideremos, agora, dois acontecimentos quaisquer P e Q . Tem-se então:

1 1,

1 1

ct ctct ct

x xx x

Q QP P

Q QP P

.

Daqui resulta, sucessivamente, que

2 22 2

2 22 2

2 22 2 2 2 2

2 22

1 1

P Q P Q P Q P Q

P Q

P Q

c t t x x

c t t x x x x c t t

c t t x x

c t t x x

PQ P Q P Q

P Q

P Q

S

o que mostra a invariância da quantidade real (positiva, negativa ou nula) 2

PQS .

Apliquemos, então, esta invariância do intervalo de espaço-tempo aos dois acontecimentos B e

A . Vem, neste caso,

2 2

2 2 2 2

0 2 2

1

1 1L L L

BAS .

Logo, desta equação, é possível relacionar os comprimentos L com 0L . Vem sucessivamente

2 2

2 2 2

0 2 2

2

2 2

2

2

2

1

1 1

11

1

1

1

L L L

L

L

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 16

donde se tira, finalmente, que

2 2 2 2 00 01 1

LL L L L

.

Note-se que, nesta última equação, se tem sempre

0L L .

Por essa razão este efeito é conhecido por contracção do espaço. Neste caso, isto significa que –

para o observador O – o comprimento L do vagão é menor do que o respectivo comprimento 0L

para o observador O . Sublinhe-se o seguinte: não se trata, aqui, de qualquer espécie de ilusão ou,

sequer, do facto de um observador estar «certo» e do outro estar «errado». Na verdade, ambos os

observadores estão a realizar medidas correctas. Simplesmente, em consequência da relatividade do

conceito de simultaneidade, o comprimento do vagão depende – efectivamente – do referencial em

que é medido. Da mesma forma é possível inferir-se, aqui, a dilatação do tempo. Vejamos como.

Seja 0T o intervalo de tempo que, do ponto de vista do observador O , decorre entre a emissão do

sinal electromagnético no acontecimento A e a sua recepção no acontecimento M . Pretende-se,

então, determinar o correspondente intervalo de tempo T entre esses mesmos dois acontecimentos

– mas agora do ponto de vista do observador O .

Mais precisamente: tem-se

00

2

LT t t

c M A

.

Pretende-se, então, determinar a relação de 0T com o intervalo de tempo T , tal que

1

1 2

LT t t

c

M A

.

Para este efeito podemos usar a já determinada expressão da contracção do espaço que determina

que se tem

2

01L L

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 17

e, assim, inserir esta última relação em

2 00

1 1 1 11

1 2 1 2 1 2

LLT L

c c c

.

Mas então, como se viu atrás

00

2

LT

c ,

donde se infere que

0 0 0

1

1T T T T

onde se introduziu o chamado factor de Bondi. Sublinhe-se, contudo, que esta não é a expressão

da dilatação do tempo – tal como é usualmente conhecida na teoria da relatividade.

Este resultado (do factor de Bondi) poderia ser directamente inferido da invariância do intervalo:

2 2

2 2 2 2

0 2 2

1

1 1L L L

BAS .

Se se substituir, nesta última equação,

0 02 , 2 1L c T L c T ,

obtém-se sucessivamente

2 2 22 22 2 2

0 0 22 22

2

2 2

0 0 02

1 12 2 1

1 1 1

1 1 1

1 1 1

L c T L L c T

T T T T T T

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 18

De forma a estudar a (verdadeira) dilatação do tempo há que empreender uma operação (ou

experiência) diferente: vamos admitir que, assim que o sinal emitido (no acontecimento A ) por 1e

atinge a linha de universo m (acontecimento M ), ele é instantaneamente reflectido de volta para a

linha de universo 1e aí chegando no (novo) acontecimento C (ver figuras das páginas 5 e 11).

Na chamada dilatação do tempo é necessário comparar o tempo total xT , que decorre em S , entre a

emissão e a recepção do sinal luminoso na mesma linha de universo 1e e o correspondente tempo

yT decorrido em S . Ou seja: trata-se de comparar o tempo decorrido entre os acontecimentos A e

C do ponto de vista dos dois referenciais. Sublinhe-se que, neste caso, o tempo xT decorre em S

sempre no mesmo ponto espacial x (i.e., na mesma «equilococ» – neste caso em 0x

correspondente ao eixo ct que coincide com a linha de universo 1e ). Obviamente que o problema é

trivial do ponto de vista de S , pois tem-se

002x

LT T

c .

A questão que se coloca é determinar o intervalo de tempo yT que decorre, em S , entre os

acontecimentos A e C . Este tempo é, no entanto, fácil de calcular. Basta ter em consideração que o

acontecimento C resulta da intersecção entre o sinal luminoso e a linha de universo 1e .

Recordando, aqui, que

1

0

e x vt

c Lx ct x ct

c v

vem então

2 2y y y y

c L c L cx vT cT c v T T L

c v c v c v

C .

2

2 2 2 2 2 2

0

,1 1

0,

y y

x

vc L L c L Lx vT ct cT

c v c v

x ct cT L

C C

C C

C

Logo, tendo em consideração que (pela contracção do espaço)

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 19

2

01L L ,

vem

2 2 0

0 02 2 2 2 2 2 2

11 1

1 1y

x

Lc c cT L L L

c v c v cc

T

2

1

1y x x xT T T T

.

Esta última expressão é que traduz o efeito conhecido, em teoria da relatividade, por dilatação do

tempo. Note-se que, usando sinais electromagnéticos, a determinação do factor de Bondi é mais

natural do que o factor da dilatação do tempo. A relação entre eles é dada por

1

.

Para valores 0 é sempre .

Nota Final

De acordo com as equações de Maxwell a velocidade da luz no vácuo é dada por

0 0

1c

.

Assim, o conceito de éter (i.e., de um meio em relação ao qual a luz se propaga – no mesmo sentido

que dizemos que o som se propaga num meio material como é o caso do ar) é supérfluo (já que

nenhuma experiência física consegue detectar a existência de um «vento» de éter). Neste sentido,

esta equação implica, de facto, o postulado P2. Ou seja: as equações de Maxwell são a única teoria

física, anterior à teoria da relatividade restrita, a permanecer incólume – ao contrário da mecânica

newtoniana. Com efeito, Einstein apresentou a sua teoria (da relatividade restrita) como

logicamente decorrente da electrodinâmica de Maxwell: a teoria física que compatibiliza P1 com

P2. Hoje, porém, sabemos mais: existem na natureza quatro interacções fundamentais

(gravitacional, electromagnética, nuclear forte e nuclear fraca) e, à excepção da gravitação (que

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 20

implica a generalização da teoria da relatividade restrita na forma de teoria da relatividade geral), as

outras três interacções fundamentais obedecem à teoria da relatividade restrita. A chamada teoria

quântica do campo (quantum field theory) revela uma harmonia perfeita entre a mecânica quântica e

a teoria da relatividade restrita. Existe, contudo, um problema em aberto: como conciliar a teoria da

relatividade geral com a mecânica quântica relativista numa TOE (theory of everything) se é que tal

teoria existe e é possível? A chamada teoria das supercordas (superstring theory) não é,

actualmente, uma teoria física sem problemas – é, apenas, uma hipótese de trabalho (no âmbito de

outras teorias físicas igualmente possíveis mas também problemáticas).

Comentário

A teoria da relatividade restrita é, hoje, totalmente pacífica e aceite por toda a comunidade

científica. Nem sempre assim foi: veja-se o caso notável de Herbert Dingle (1890 – 1978), alguém

que chegou a ser presidente da Royal Astronomical Society (entre 1951 e 1953), que até publicou

um livro de «divulgação», em 1922, sobre «relatividade» (intitulado Relativity for All) e que – é

hoje um facto pacífico –, nunca conseguiu perceber do que tratava realmente esta teoria: veja-se,

e.g., o seguinte comentário:

http://www.mathpages.com/home/kmath024/kmath024.htm.

Mas isso não significa que a teoria da relatividade restrita não cause, nos estudantes – especialmente

nos mais atentos e inteligentes – muitas interrogações. É essa a marca da genialidade de Albert

Einstein (1879 – 1955) . Sublinhe-se que, ainda hoje, existem (muitas) pessoas (quiçá, até, cientistas

de áreas que fazem pouco uso da física e da matemática) que – embora conheçam as equações da

transformação de Lorentz (aliás como o próprio Lorentz, quando as escreveu antes de Einstein) –

não percebem o significado físico do que elas encerram. Por essa razão, é fundamental que os

primeiros passos de um neófito da relatividade restrita não sejam dados através da simples dedução

das fórmulas de um boost de Lorentz. No início, tem de se apelar à compreensão física – não à cega

manipulação de equações de forma automática seguindo simples regras algébricas, sem atender ao

profundo significado físico que está por detrás da matemática que – de resto – é bastante simples

(acessível, até, a alunos do ensino secundário, que dominam a álgebra linear mais elementar mas

não possuem, todos, a maturidade intelectual necessária para entender do que se está realmente a

tratar).

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 21

Sugestão

Sugere-se que se entenda, do ponto de vista estritamente geométrico (no sentido da geometria

sintética e não da geometria analítica), a afirmação contida na legenda da figura da página 11. Mais

concretamente: os comprimentos CM e MB são iguais. Porquê? Porque a linha de universo (ver

agora a figura da página 5) intersecta três linhas de universo 1 2, ,e m e que são paralelas entre si

e equidistantes, i.e., a distância entre 1e e m é a mesma que a distância entre m e

2e (em qualquer

dos dois referenciais considerados).

Adenda (para uma abordagem mais rápida e intuitiva)

A relatividade do conceito de simultaneidade é, graficamente, muito simples de entender – se, ao

contrário do texto precedente, não for procurada uma quantificação dessa relatividade. É dessa

forma gráfica (e qualitativa/intuitiva) de revelar a relatividade da simultaneidade que trata esta

adenda. Centremos, então, a nossa atenção sobre a figura da página 11. O acontecimento M ocorre,

do ponto de vista de S , a uma distância da linha de universo 1e (que liga os acontecimentos A e

C ) dada por 0 2L , i.e., 0 2Mx L . Coloca-se, agora, a seguinte questão: sobre a «equiloc» 0x

de S (i.e., sobre a linha de universo 1e ) onde é que se situa o acontecimento N que, em S , é

simultâneo com M ? Por outras palavras: onde é que, em 1e , intersecta a «equitemp» de S que

passa em M ? A resposta é imediata: o acontecimento N situa-se, sobre 1e , a meia distância entre os

acontecimentos A e C . Justificação: o tempo que o sinal electromagnético demora (em S ) a ir

do acontecimento A até ao acontecimento M é o mesmo que o tempo que o sinal electromagnético

demora (também em S ) a ir do acontecimento M ao acontecimento C e que é

01

2 2

Lt t t t t t

c M A C M C A .

Assim, N tem de ter, em S , as seguintes coordenadas:

00,2

Lx ct N M .

Prof. Carlos R. Paiva, DEEC – IST, Fevereiro de 2014 Página 22

Em conclusão: A «equitemp» de S que passa por M é uma linha recta paralela ao eixo x que

intersecta 1e em N a meia distância entre A e C . Mas, por outro lado, é evidente que – do ponto

de vista de S – os acontecimentos N e M não são simultâneos (já que a linha que liga estes dois

acontecimentos não é paralela ao eixo x ).