regularidade e simultaneidade na técnica violonística de mão direita

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Lucas Nézio Malta Regularidade e simultaneidade na técnica violonística de mão direita: uma abordagem quantitativa de arpejos, sons plaqué e tremolos Escola de Música 2012

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  • Lucas Nzio Malta

    Regularidade e simultaneidade na tcnicaviolonstica de mo direita: uma abordagem

    quantitativa de arpejos, sons plaqu etremolos

    Escola de Msica2012

  • Lucas Nzio Malta

    Regularidade e simultaneidade na tcnicaviolonstica de mo direita: uma abordagem

    quantitativa de arpejos, sons plaqu etremolos

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Msica da Universi-

    dade Federal de Minas Gerais, como re-

    quisito parcial para a obteno do ttulo

    de Mestre em Msica.

    Orientador: Srgio Freire Garcia

    UFMG

    Escola de Msica2012

  • M261r

    Malta, Lucas Nzio.

    Regularidade e simultaneidade na tcnica violonstica de mo direita: uma

    abordagem quantitativa de arpejos, sons plaqu e tremolos [manuscrito] / Lucas Nzio

    Malta. 2012.

    73 f., enc.

    Orientador: Srgio Freire Garcia.

    Dissertao (mestrado em Msica) Universidade Federal de Minas Gerais, Escola

    de Msica.

    Inclui bibliografia: p. 72-73.

    1. Msica para violo - mtodos. 2. Msica e tecnologia 3. Acstica (msica). I. Garcia,

    Srgio Freire. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Msica. III. Ttulo.

    CDD: 781

  • 3

    Agradecimentos

    Agradeo ao meu orientador Prof. Dr. Srgio Freire pela generosidade no co-

    nhecimento transmitido, pela pacincia e pela amizade no decorrer de todos esses

    meses de trabalho.

    Ao Prof. Dr. Jalver Bethnico pela confiana, pela amizade, pela oportunidade

    de o acompanhar em suas disciplinas e pelo aprendizado da experincia docente.

    Ao programa Capes/REUNI pelo suporte e contribuies indispensveis.

    Aos colegas da Escola de Msica da UFMG pela amizade, pelos momentos de

    descontrao e pelas trocas de conhecimentos. Agradeo tambm a todos os alu-

    nos de violo que participaram das gravaes durante o projeto.

    Ao meu amigo rico pelo apoio e pelos momentos de lucidez.

    Aos meus amigos e famlia pelo incentivo.

    Laiane pelo carinho e apoio essenciais nesse momento.

    Agradeo, principalmente, aos meus pais e ao meu irmo pelo suporte e moti-

    vao indispensveis em todos os momentos.

  • 4

    Resumo

    O texto aborda as questes de simultaneidade de ataques e de regularidadertmico-dinmica presentes em diferentes tcnicas de mo direita de violonistas,a saber: tcnicas de arpejos, sons plaqu e tremolos, sendo todas caractersticasmarcantes da sonoridade do violo.

    Discute-se inicialmente, de forma qualitativa, diversos tpicos da psicoacs-tica relacionados a estas tcnicas, tanto para ilustrar a complexidade presente nes-tas questes quanto para subsidiar algumas decises metodolgicas da parte ex-perimental.

    A seguir descrito o sistema utilizado nesta pesquisa, desenvolvido a partirde 2011 no Laboratrio de Performance com Sistemas Interativos da Escola deMsica da UFMG: um violo acstico com captao hexafnica (um sinal porcorda) conectado a um software de processamento digital de sons em tempo real.Discute-se tambm a deteco de ataques (e de extino de notas) e a estimaode amplitudes, ferramentas fundamentais para as anlises propostas.

    So analisados excertos de obras do repertrio violonstico que so dedica-das ao estudo das tcnicas de mo direita escolhidas: "Estudo n 1"e "Estudo n4"de Heitor Villa Lobos, "Estudo n 2"de Matteo Carcassi e o terceiro movimento,"Scherzino", da pea "Cavatina"de Alexandre Tansmans.

    Os aspectos da simultaneidade e da regularidade presentes nessas obras sodiscutidas atravs da comparao de diferentes execues (realizadas por ummesmo ou por diferentes msicos), destacando-se tanto caractersticas comunscomo diferenas individuais. Ao invs da definio de um padro de execuo"ideal"a priori, optou-se pela busca de consistncia interpretativa em cada um dosintrpretes/execues, onde so levadas em conta tambm opes de dedilhadode mo direita e esquerda.

    No se trata de um estudo quantitativo exaustivo dessas tcnicas, mas sim deum estudo que abre novas possibilidades metodolgicas e inicia a discusso dequestes tcnico-interpretativas no violo decorrentes da utilizao do sistemadesenvolvido.

    Palavras-chave: violo, tcnica violonstica, processamento digital de sons,sistemas musicais interativos.

  • 5

    Abstract

    The text approaches the issues of simultaneity of attacks and rhythmic-dynamicregularity present in different guitarists right hand techniques, namely: arpeg-gio and tremolo techniques and plaqu sounds, all hallmarks of this instrumentssound.

    Initially it is discussed, in a qualitative way, several psychoacoustic topics rela-ted to these techniques, both to illustrate the complexity present in these issues asto subsidize some methodological decisions of the experimental part.

    The next section describes the system used in this study, developed in 2011at the Laboratory of Performance with Interactive Systems in the Music School atUFMG: an acoustic guitar with hexaphonic pickups (one signal per string) con-nected to a real time digital audio processing software. We also discuss the attackdetection, extinguishment of notes and the amplitude estimation, fundamentaltools for the proposed analysis.

    Excerpts of the guitar repertoire of works devoted to the study of the chosenright hand techniques were analysed: "Study n 1"and "Study n 4"by Heitor VillaLobos, "Study n 2"by Matteo Carcassi and the third movement, "Scherzino", ofthe composition "Cavatina"by Alexander Tansmans.

    Simultaneity and regularity aspects present in these works are discussed bycomparing different plays (performed by the same or by different musicians),highlighting both common features such as individual differences. Instead of de-fining a "ideal"standard of execution, it was decided to search for interpretativeconsistency in each of the performers / performances where right and left handsfingering options are also taken into account.

    This is not a comprehensive quantitative study of these techniques, but rathera study that opens new methodological possibilities and initiates technical andinterpretive issues of the guitar from the use of the developed system.

    Keywords: guitar, guitar technique, digital audio processing, interactive musicsystems.

  • Sumrio

    Agradecimentos 3

    Resumo 4

    Abstract 5

    Sumrio 6

    Lista de Figuras 8

    Introduo 12

    1 Captao hexafnica no violo: descrio do sistema utilizado. 15

    1.1 Reviso dos conceitos psicoacsticos pertinentes . . . . . . . . . . . . 15

    1.1.1 Simultaneidade e conceitos psicoacsticos relacionados . . . 16

    1.1.2 Integrao temporal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

    1.1.3 Regularidade rtmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

    1.2 Descrio do sistema utilizado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

    1.2.1 Hardwares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

    1.2.2 Softwares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

    1.2.2.1 Max . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

    1.2.2.2 Digital Performer e Soundflower . . . . . . . . . . . . 28

    1.2.3 Comparao entre som microfonado e som captado . . . . . . 29

    1.3 Descritores utilizados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

    1.3.1 Deteco de ataques . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

    1.3.2 Clculo de amplitudes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

    1.3.3 Extino de notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

    2 Aplicao do sistema: anlises de excertos musicais 44

    2.1 Arpejos: Estudo n 1 de Heitor Villa-Lobos . . . . . . . . . . . . . . . . 44

    2.1.1 Comparaes entre diferentes execues . . . . . . . . . . . . 48

    2.2 Plaqu: Estudo n 4 de Heitor Villa-Lobos . . . . . . . . . . . . . . . . 51

    2.2.1 Comparaes entre diferentes execues . . . . . . . . . . . . 51

    2.3 Repetio de notas: Estudo n 2 de Matteo Carcassi . . . . . . . . . . . 56

    2.3.1 Comparaes entre diferentes execues . . . . . . . . . . . . 57

    6

  • SUMRIO 7

    2.4 Tremolo: Scherzino de Alexandre Tansman . . . . . . . . . . . . . . . . 62

    2.4.1 Comparaes entre diferentes execues . . . . . . . . . . . . 63

    3 Discusso 69

    4 Concluso e perspectivas futuras 72

    Referncias 73

  • Lista de Figuras

    1 Curva representando a intensidade (dB) de estmulos entre 20 e 200

    ms, necessria para a percepo de uma mesma intensidade. (GEL-

    FAND, 2009, p.170) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

    2 Sensao de ritmo subjetivamente uniforme. A coluna esquerda

    mostra esquematicamente exemplos de envelopes temporais; as

    prximas duas colunas indicam os intervalos de tempo TA e TB de

    duraco dos eventos sonoros; o deslocamento temporal entre os

    eventos, t, que necessrio para produzir ritmo subjetivamente

    uniforme mostrado na ltima coluna direita. (ZWICKER, 2007, p.271) 21

    3 Ressonncia observada na corda 6 do violo durante execuo de

    pea polifnica. Notas tocadas: f# e mi. Acima: forma de onda do

    trecho observado. Abaixo: espectrograma do mesmo trecho. . . . . . 25

    4 Patch de Max: Exemplo de programao com alguns objetos (coluna

    esquerda: nmero inteiro, float, mensagem e comentrio; coluna

    direita: um objeto visual toggle, o objeto metro com o argumento

    de inicializao de 1000 ms e um objeto visual bang ). . . . . . . . . . 27

    5 Cocleagrama e envelopes dinmicos utilizados na comparao dos

    sons do violo (f# 92,5Hz). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    6 Cocleagrama e envelopes dinmicos utilizados na comparao dos

    sons do violo (d central 261,6Hz). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

    7 Cocleagrama e envelopes dinmicos utilizados na comparao dos

    sons do violo (f# 740Hz). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

    8 Sonogramas relativos nota d central (261.6 Hz) em trs nveis di-

    nmicos. O grfico acima representa o excesso espectral do som

    do captador, o grfico do meio representa o excesso do som mi-

    crofonado e o grfico abaixo representa os componentes comuns. . 35

    8

  • LISTA DE FIGURAS 9

    9 Fluxograma do processamento de sinais digitais das cordas do vio-

    lo: preprocessamento da corda estudada, determinao do piso,

    deteco de ataques, clculo de amplitudes e extino de notas. . . . 36

    10 Na primeira linha desta figura, podemos observar a forma de onda

    resultante de um ataque em uma das cordas do violo. Na segunda

    linha, um trao vertical marca o momento de deteco do ataque.

    Na terceira linha, est representada a evoluo da curva de RMS do

    sinal observado na primeira linha. No eixo vertical as unidades so

    arbitrrias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

    11 Exemplo de captaes de ataques e de extines de notas. No eixo

    horizontal superior est indicada a escala temporal. No eixo vertical

    as unidades so arbitrrias. Acima: forma de onda. Centro: linhas

    verticais marcam momento da deteco de ataques. Abaixo: linhas

    verticais marcam momento da extino das notas. . . . . . . . . . . . 41

    12 Formas de onda observadas na gravao do excerto analisado na se-

    o 2.4 realizada pelo msico 1. Aumentos na amplitude da onda em

    momentos entre ataques sugerem a preparao do ataque seguinte.

    Nos dois eixos as unidades so arbitrrias. . . . . . . . . . . . . . . . . 42

    13 Formas de onda observadas na gravao do excerto analisado na se-

    o 2.4 realizada pelo msico 2. Aumentos na amplitude da onda

    nos momentos finais das notas sugerem que o msico abafa a nota

    soante para preparar a seguinte. Nos dois eixos as unidades so ar-

    bitrrias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

    14 Compassos 7 a 12 do Estudo n1 de Villa-Lobos para violo (VILLA-

    LOBOS, 2000). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

    15 Patch que mostra programao visual onde possvel observar mo-

    mento de ataque e durao das notas tocadas. Este trecho repre-

    senta o primeiro compasso no excerto da figura 14. . . . . . . . . . . . 45

    16 Representao grfica das amplitudes captadas em uma janela de

    oito segundos. esquerda, uma viso geral das amplitudes referen-

    tes aos compassos 7 e 8 (parte) em uma execuo do "Estudo n 1"de

    Villa-Lobos; direita, detalhe das amplitudes das cordas 3 e 4. . . . . 47

  • LISTA DE FIGURAS 10

    17 Acima, representao da regularidade na execuo das semicol-

    cheias tocadas. Abaixo, representao da regularidade medida em

    semnimas, mnimas e semibreves. Esto representados 4 compas-

    sos do Estudo n 1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

    18 Grficos relativos aggica de trs execues (por trs msicos di-

    ferentes) de excerto do Estudo n 1 de Villa-Lobos (cp. 7 a 13). . . . . 50

    19 Evoluo do pulso de semnima - expresso em bpm - em cada uma

    das interpretaes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

    20 Trecho selecionado: compassos iniciais do Estudo n 4 de Villa-

    Lobos para violo (VILLA-LOBOS, 2000). . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

    21 Espalhamento das notas dos 8 primeiros acordes das verses A1, A2,

    B e C. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

    22 Na figura acima, sequncia de amplitudes das cordas 3 e 4 (respec-

    tivamente linhas verde e azul) em 4 pulsos da verso C. Na figura

    abaixo, sequncia de amplitudes das mesmas cordas no primeiro

    compasso da verso A1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

    23 Amplitudes da corda 5 em acordes no sucessivos da verso A1, to-

    cada primeiramente pelo dedo indicador e depois pelo polegar. . . . 55

    24 Estudo n 2 de Matteo Carcassi (CARCASSI, 1852). . . . . . . . . . . . . 56

    25 Variao do pulso (bpm dado pelo intervalo entre mnimas) na ver-

    so 1. Curva azul: notas graves (tocadas nas cordas 4, 5 e 6); curva

    verde: corda 3; curva laranja: corda 2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

    26 Variao do pulso (bpm dado pelo intervalo entre mnimas) na ver-

    so 2. Curva azul: notas graves (tocadas nas cordas 4, 5 e 6); curva

    verde: corda 3; curva laranja: corda 2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

    27 Intervalo de tempo entre todos os ataques do trecho. Verso 1. . . . . 59

    28 Intervalo de tempo entre todos os ataques do trecho. Verso 2. . . . . 59

    29 Durao das notas tocadas na primeira corda do violo. . . . . . . . . 60

    30 Amplitude de cada nota. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

    31 Amplitude das notas tocadas na primeira corda do violo, verso 1. . 61

    32 Amplitude das notas tocadas na primeira corda do violo, verso 2. . 61

    33 Scherzino - Alexandre Tansman (TANSMAN, 1952). . . . . . . . . . . . . 63

    34 Variao do pulso de colcheia (bpm) nas duas verses. . . . . . . . . . 64

    35 Intervalo de tempo entre ataques - msico 1. . . . . . . . . . . . . . . 65

    36 Intervalo de tempo entre ataques - msico 2. . . . . . . . . . . . . . . 65

  • LISTA DE FIGURAS 11

    37 Intervalos de tempo (normalizados) entre ataques na primeira corda

    do violo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

    38 Durao (normalizada) das notas tocadas na primeira corda do violo. 66

    39 Amplitude das notas tocadas na primeira corda do violo. . . . . . . . 67

    40 Amplitude das notas que formam a melodia (cordas 2, 3 e 4). . . . . . 67

  • 12

    Introduo

    A prtica violonstica, em suas diversas manifestaes estilsticas, guarda uma

    caracterstica tcnica bsica: as aes bastante especficas e diferenciadas de cada

    uma das mos, sendo, em geral para pessoas destras, a mo direita responsvel

    pela excitao das cordas e a esquerda pela variao da afinao de cada uma de-

    las. Devido a este fato, bastante comum serem encontradas colees de estudos

    tcnicos voltados para cada uma das mos. Podemos citar algumas das princi-

    pais tcnicas de mo direita como sendo os arpejos (quando notas de um acorde

    so tocadas em sequncia, em diferentes cordas), o plaqu (quando notas de um

    acorde so tocadas simultaneamente), o tremolo (repetio rpida de uma nota a

    fim de produzir a sensao de sustentao) e a polifonia de estratos (quando se

    usa o instrumento para expor vrios estratos da msica, como baixo, acompanha-

    mento e melodia).

    A reviso de textos dessa rea no revela muitos estudos quantitativos sobre

    as tcnicas especficas do violo, mas merecem meno alguns estudos similares

    feitos com uma guitarra eltrica. Por exemplo, Lima (LIMA; RAMALHO, 2008) relata o

    estudo do ritmo da Bossa Nova atravs de uma guitarra Midi; os principais proble-

    mas relatados se devem ao fato da converso Midi no poder ser controlada pelo

    pesquisador, alm de se perderem informaes de sonoridade nessa converso.

    Nos artigos (FRISSON et al., 2009; REBOURSIRE et al., 2010), os autores propem uma

    guitarra eltrica multimodal, que inclui captao hexafnica1 e vm nesse projeto

    possibilidades tanto de estudo da performance quanto da ampliao criativa do

    instrumento. Miller Puckette (PUCKETTE, 2007) tambm se prope a trabalhar com

    uma guitarra hexafnica, mas concentra-se nas possibilidades de manipulao do

    sinal de udio via processamento digital.

    Outros estudos com instrumentos capazes de gerar mais de uma voz (polifni-

    cos) tambm foram encontrados. Citaremos como exemplo o artigo (REPP, 1996),

    onde o autor fala sobre a assincronia entre notas de piano tocadas pela mesma

    1Captao individual por corda, mais informaes na seo 1.2 do captulo 1.

  • Introduo 13

    mo ou por mos diferentes de um mesmo msico. Este estudo foi realizado com

    a utilizao de um piano Disklavier e o repertrio era composto por trs peas

    do repertrio tradicional do instrumento (de Schumann, Chopin e Debussy). No

    artigo, o autor apresenta tambm os resultados e as principais tendncias obser-

    vadas.

    Esta dissertao trata de estudos realizados com trs tcnicas de mo direita:

    arpejos, sons plaqu e tremolos. A primeira delas trata das notas de um acorde to-

    cadas de forma sucessiva em diferentes cordas e que, no caso estudado, so toca-

    das todas com o mesmo espaamento temporal, de forma rtmica precisa e repe-

    titiva. A tcnica plaqu requer do msico que todas as notas de um acorde sejam

    executadas em conjunto, soando como um bloco (em ingls, a tcnica chamada

    de block chord). Esta tcnica requer do instrumentista preciso para que todos

    os dedos ataquem ao mesmo tempo. A pea escolhida para o estudo dessa tc-

    nica tambm requer que o msico possua boa habilidade rtmica, pois demanda

    a execuo de vrios acordes em plaqu de forma sucessiva e com ritmo preciso.

    J a tcnica tremolo tambm requer as mesmas habilidades, mas nesse caso, uma

    nota tocada rpida e repetidamente a fim de imitar o som de uma nota susten-

    tada, como acontece com a tcnica de mesmo nome utilizada em instrumentos

    de arco. O msico, nesse caso, deve tomar muito cuidado para que os dedos di-

    ferentes que atacam a corda em questo no produzam diferenas de timbre e

    intensidade muito grandes.

    Para um estudo mais objetivo e quantitativo de tcnicas violonsticas, desen-

    volvemos um sistema composto por um violo acstico com captao hexaf-

    nica (um sinal por corda) e uma plataforma de processamento digital de sons em

    tempo real. A descrio desse sistema, suas caractersticas tcnicas, possibilida-

    des e limitaes so o assunto do captulo 1. Uma breve discusso de temas da

    psicoacstica relacionados com o estudo proposto precedem essa descrio.

    No captulo 2 descrevemos e analisamos quatro estudos feitos ao longo do de-

    senvolvimento do nosso trabalho. A primeira seo trata do estudo da tcnica ar-

    pejo, a segunda do plaqu, a terceira trata da repetio de notas na mesma corda e

    a quarta do tremolo. As peas escolhidas para a realizao dos estudos de caso fo-

    ram, respectivamente, "Estudo n 1"de Heitor Villa Lobos, "Estudo n 4"de Heitor

    Villa Lobos, "Estudo n 2"de Matteo Carcassi e o terceiro movimento, "Scherzino",

    da pea "Cavatina"de Alexandre Tansman.

  • Introduo 14

    O captulo final aborda, de maneira global, os resultados obtidos at o mo-

    mento e aponta direes futuras tanto para o aprimoramento do sistema quanto

    para a abordagem de outros aspectos da tcnica violonstica.

    Embora a partitura seja apenas uma maneira de indicar ao msico o que deve

    ser tocado e se mostrar imprecisa em alguns aspectos, acreditamos que durante a

    realizao de um estudo tcnico o estudante busca mxima regularidade e equil-

    brio na tcnica estudada. Sabemos que regularidade e simultaneidade absolutas

    no fazem parte dos dados que analisaremos, mas nos interessa saber (mesmo

    que apenas atravs de comparaes entre msicos) o quo regular e sincrnico

    podem ser tais execues musicais.

  • 15

    1 Captao hexafnica no violo:descrio do sistema utilizado.

    Este captulo se inicia com uma discusso de resultados de experimentos psi-

    coacsticos relevantes para o estudo proposto. A seguir so descritos os elementos

    de hardware e software do sistema utilizado. Detalhes de programao e ajustes

    de parmetros so tambm discutidos, ao lado de algumas limitaes.

    A ltima seo do captulo trata da extrao de dados pelo sistema. So eles a

    captao do momento de ataques, a estimao de amplitudes e a extino de no-

    tas, ferramentas fundamentais para a realizao dos estudos de caso apresentados

    no prximo captulo.

    1.1 Reviso dos conceitos psicoacsticos pertinentes

    Nesta seo descrevemos os conceitos psicoacsticos e os resultados corres-

    pondentes relatados nos estudos acadmicos sobre algumas habilidades percep-

    tivas. Acreditamos que os resultados de experimentos controlados podem ser teis

    para a abordagem, discusso e compreenso de sonoridades especficas do violo,

    abordadas no Captulo 2.

    Frente s tcnicas escolhidas (arpejos, plaqu, tremolos), pode-se notar a im-

    portncia da discusso da percepo tanto da regularidade do espaamento tem-

    poral quanto da simultaneidade de eventos sonoros para as anlises propos-

    tas. Adicionalmente consideramos tambm importante a discusso da integrao

    temporal do ouvido, responsvel pela percepo de intensidade, j que precisa-

    mos estimar um valor de amplitude para cada nota tocada no violo, cujo som se

    caracteriza por um transiente muito definido seguido de um decaimento bastante

  • 1.1 Reviso dos conceitos psicoacsticos pertinentes 16

    rpido.

    1.1.1 Simultaneidade e conceitos psicoacsticos relacionados

    Nosso interesse em estudar a simultaneidade de ataques de duas ou mais no-

    tas no violo surgiu juntamente com a possibilidade de detectarmos os momentos

    de ataques separadamente em cordas individuais do instrumento. Aps algumas

    gravaes preliminares de trechos de peas que utilizam a tcnica plaqu, cons-

    tatamos que as micro-variaes temporais existentes mereciam um estudo mais

    detalhado.

    Inicialmente pretendamos projetar e realizar um experimento psicoacstico

    para avaliar a percepo de simultaneamente utilizando os sons do violo, e assim

    relacionar o experimento com os estudos de tcnicas que estamos realizando. In-

    felizmente tal experimento escapa ao escopo do projeto inicialmente proposto e

    se mostra muito complexo para ser realizado em pouco espao de tempo. A difi-

    culdade de se montar um experimento psicoacstico em situao musical voltado

    para o estudo do som plaqu no violo se deve ao grande nmero e variabilidade

    dos parmetros envolvidos: nmero de notas, registro das notas, tipos de toque,

    nveis dinmicos, forma dos envelopes dinmicos, harmonia utilizada, uso de cor-

    das soltas etc. Mais ainda: devemos considerar a nota do violo como sendo com-

    posta por um transiente rpido seguido por uma ressonncia ou devemos trat-

    la como um s estmulo sonoro? Somam-se a isto questes ligadas a processos

    cognitivos, tais como a habilidade perceptiva de se identificar e separar as notas

    tocadas.

    Os experimentos psicoacsticos que podem contribuir com a abordagem do

    som plaqu no violo lidam com a resoluo temporal (capacidade de separar dois

    eventos), com a percepo da precedncia de estmulos, com a percepo de sin-

    cronicidade entre dois ou mais estmulos de natureza variada, com a integrao

    temporal do ouvido, com o mascaramento e com a influncia da forma dos enve-

    lopes na percepo rtmica.

    Um dos conceitos psicoacsticos centrais sobre os limites da percepo entre

    estmulos simultneos e sucessivos a resoluo temporal, em torno da qual al-

    guns experimentos foram feitos para medir o menor intervalo de tempo em que o

    ouvido humano pode discriminar dois sinais. Uma das tcnicas usadas para medi-

  • 1.1 Reviso dos conceitos psicoacsticos pertinentes 17

    la a chamada gap detection threshold (GDT), ou limiar de deteco de lacuna, e

    descrita por Gelfand (GELFAND, 2009) e por Rossing (ROSSING, 2007). Nesse tipo de

    experimento, utiliza-se um evento sonoro (rudo, senide etc) com, por exemplo,

    500 ms de durao e ento faz-se uma pequena lacuna de aproximadamente 10 ms

    de silncio no meio desse rudo. Dessa forma, obtm-se 245 ms de rudo seguido

    por 10 ms de silncio (lacuna), seguido, por sua vez, de outros 245 ms do mesmo

    rudo inicial. O tamanho da lacuna de silncio (gap) alterado durante o experi-

    mento e os indivduos so questionados sobre sua capacidade de ouvi-la. Desse

    modo, detectou-se uma resoluo temporal da ordem de 2 a 3 ms, com a utiliza-

    o de rudos sem a excluso das frequncias mais altas e em nveis normais de

    intensidade, com o mesmo rudo em ambos os lados da lacuna. Em contraste, in-

    tervalos bem maiores foram encontrados (em mdia maiores que 20 ms) quando

    as sons pr e ps-lacuna diferiam em vrias formas, tais como em seus espectros

    e/ou duraes. Gelfand explica a diferena entre os dois casos:

    Ouvir a lacuna simplesmente envolve detectar a descontinuidadeentre os dois sons quando ambos so iguais (ou seja, dentro domesmo filtro do canal auditivo), [...] o que pode ser realizado pelosistema auditivo perifrico. Por outro lado, a comparao maiscomplexa quando os dois sons so diferentes (ou seja, em diferen-tes canais auditivos), o que requer processamento central de dife-rentes canais auditivos. (GELFAND, 2009, p.178).

    Experimentos de deteco de lacunas com senides (apresentadas com um

    rudo de fundo constante para mascarar as interrupes bruscas do estmulo)

    apontam para valores entre 6 e 8 ms na faixa entre 400 e 2000 Hz, mas que aumen-

    tam consideravelmente para frequncias mais graves - cerca de 18 ms para 100 Hz

    (ROSSING, 2007). Outras tcnicas de medida da resoluo temporal usam a modu-

    lao da amplitude de estmulos, tais como rudo branco e faixas de rudo com

    diferentes frequncias centrais. Os experimentos buscam medir a audibilidade de

    tais modulaes a partir de diferentes frequncias e intensidades de modulao

    (ROSSING, 2007).

    Embora a deteco de lacunas e a identificao da ocorrncia de mais de

    um estmulo (em geral clicks) acontea no intervalo entre 2 e 3 ms, Hammil e

    Price (2008) apontam que a identificao da ordem temporal dos estmulos se d

    quando estes esto separados por um intervalo de pelo menos 20 ms. Essa iden-

    tificao da precedncia ou ordenao pode ser dificultada pela heterogeneidade

  • 1.1 Reviso dos conceitos psicoacsticos pertinentes 18

    dos estmulos que, alm do processamento central de diferentes canais auditivos,

    ainda exigem a segregao da informao auditiva baseada na identificao de

    fontes diversas (stream segregation). Em um experimento com 4 estmulos dife-

    rentes, onde um soava imediatamente aps o outro, Warren e outros (WARREN et

    al., 1969) detectaram que uma durao de 200 ms para cada um deles foi insufici-

    ente para uma correta identificao de sua ordem de apresentao. No texto, h a

    sugesto de que, para ouvintes inexperientes, um aumento na durao dos sons de

    200 ms para 700 ms seria suficiente para que metade dos participantes conseguis-

    sem identificar verbalmente a ordem correta dos estmulos ouvidos. Para ouvintes

    experientes, os autores dizem ser impossvel identificar a ordem com estmulos de

    apenas 200 ms de durao, mas que isso poderia ser realizado com estmulos de

    300 ms.

    Em experimentos utilizando dois tons puros, apresentados com defasagens de

    0, 10, 20, 30, 40 e 45 ms, Shirado e Yanagida (2001) concluem que a assincronici-

    dade entre os estmulos foi melhor percebida para intervalos maiores que 30 ms e

    chegam a definir uma zona temporal de quase-simultaneidade abaixo desse valor.

    Entre 0 e 30 ms no foi detectada uma assincronia entre os incios dos estmulos.

    O efeito de mascaramento um dos mais estudados na psicoacstica, con-

    tando com experimentos que utilizam uma grande variedade de estmulos e estra-

    tgias. Este efeito fundamental tanto para a compreenso da percepo de in-

    tensidade, de timbre, de harmonicidade, de consonncia/dissonncia etc., quanto

    para aplicaes mais prticas de reduo de dados em gravaes de udio e em

    conforto acstico. A base para o seu estudo a descrio e a definio das bandas

    crticas (ZWICKER, 1961), faixas de frequncias que compartilham o mesmo feixe

    de nervos na membrana basilar.

    No presente estudo, decidimos tratar as amplitudes das notas do violo sem

    levar em conta o clculo de loudness (intensidade subjetiva) e do mascaramento

    mtuo de notas. O clculo de loudness pode ser implementado sem problemas

    para qualquer sinal de udio (PEETERS, 2004); no entanto, no faz sentido para

    sons simultneos - ou quase - de violo, usar essa grandeza sem o clculo do mas-

    caramento mtuo que, neste caso, apresenta dificuldades dado o grande nmero

    de variveis a serem consideradas. Buscamos ento uma grandeza de amplitude

    simples, relacionada s intenes de execuo do msico (um correlato da fora

    aplicada).

  • 1.1 Reviso dos conceitos psicoacsticos pertinentes 19

    1.1.2 Integrao temporal

    Do ponto de vista da percepo de intensidade, estmulos maiores que 1

    segundo podem ser considerados infinitos para a audio (GELFAND, 2009), en-

    quanto estmulos com durao muito menor que esta interferem na sensibilidade

    do sistema auditivo. Gelfand, ao discutir o fenmeno da integrao temporal, nota

    que "o ouvido integra energia com o passar do tempo dentro de uma janela tem-

    poral de aproximadamente 200 ms". Ao se reduzir a durao de estmulo abaixo

    desse limite, obtm-se tambm uma reduo da intensidade percebida. Essa rela-

    o expressa pela figura abaixo.

    Figura 1: Curva representando a intensidade (dB) de estmulos entre 20 e 200 ms, neces-sria para a percepo de uma mesma intensidade. (GELFAND, 2009, p.170)

    Na seo 1.3 trataremos dos descritores utilizados para a obteno de dados

    pelo sistema desenvolvido. Umas das partes principais a obteno dos dados

    referentes s amplitudes (intensidades) com que as cordas foram tocadas pelos

    msicos. Essas informaes so extradas de forma parecida com a que acontece

    no nosso ouvido: uma integrao temporal. Mas nesse caso, o tempo de integra-

    o definido pelo tempo necessrio para fazer o clculo da energia da corda.

  • 1.1 Reviso dos conceitos psicoacsticos pertinentes 20

    1.1.3 Regularidade rtmica

    Zwicker (2007) descreve a influncia da forma dos envelopes dinmicos de

    sons de curta durao na percepo da regularidade rtmica. Segundo o autor

    eventos sonoros sucessivos com igual espaamento temporal provocariam sen-

    sao de ritmo subjetivamente uniforme apenas fossem curtos e com envelopes

    temporais que crescem rpidamente (como um degrau). Os eventos sonoros com

    envelopes que crescem suavemente muitas vezes requerem desvios sistemticos

    do espaamento temporal para se produzir ritmo a sensaco de subjetivamente

    uniforme. Ele ilustra esse fenomeno atravs da figura 2. A coluna a esquerda

    mostra esquematicamente exemplos de envelopes temporais; as prximas duas

    colunas indicam os intervalos de tempo TA e TB de duraco dos eventos sono-

    ros; o deslocamento temporal entre os eventos, t, que necessrio para produzir

    ritmo subjetivamente uniforme mostrado na ltima coluna direita. So rela-

    tadas diferenas de at 60 ms (figura 2 linha f) no espaamento temporal entre os

    estmulos ao se alterarem o formato e a durao de suas curvas dinmicas.

    A discusso dos resultados dos estudos em psicoacstica serve para funda-

    mentar a anlise de resultados quantitativos, sejam em relao ao ritmo realizado,

    simultaneidade dos acordes ou real efetividade dos valores de amplitude cal-

    culados. Essa questo tambm deixa evidente a dificuldade j mencionada em se

    conceber um experimento para estudo da sonoridade plaqu em situao musi-

    cal. Chegamos a realizar, em laboratrio, experimentos informais sobre a percep-

    o de acordes de 3 e 4 notas com defasagens entre 0 e 50 ms entre os ataques;

    ficou evidente que difcil precisar regies qualitativamente diferentes, a no ser

    quando a diferena entre duas notas sucessivas exagerada. Nota-se sempre uma

    alterao de sonoridade, um maior ou menor espalhamento entre as notas, mas

    nada quantitativamente caracterstico. Alm disso, as variaes de dinmica, da

    distribuio das notas no registro e dos diferentes tipos de acordes trazem novas

    complicaes para uma sistematizao. Frente a isso, nossa deciso metodol-

    gica foi a de buscar consistncia nos dados temporais e de amplitudes gerados por

    diferentes msicos semi-profissionais.

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 21

    Figura 2: Sensao de ritmo subjetivamente uniforme. A coluna esquerda mostra es-quematicamente exemplos de envelopes temporais; as prximas duas colunasindicam os intervalos de tempo TA e TB de duraco dos eventos sonoros; o des-locamento temporal entre os eventos, t, que necessrio para produzir ritmosubjetivamente uniforme mostrado na ltima coluna direita. (ZWICKER, 2007,p.271)

    1.2 Descrio do sistema utilizado

    Descreveremos a seguir o sistema utilizado no presente trabalho. Iniciaremos

    listando os equipamentos utilizados (hardwares e softwares) e em seguida fala-

    remos sobre as diferenas entre o som do violo captado por microfone e o som

    captado por captadores.

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 22

    1.2.1 Hardwares

    Atualmente, o sistema est assim configurado:

    um violo acstico espanhol Alhambra modelo E-533 (1978);

    captadores individuais do fabricante LRBaggs, de funcionamento passivo;

    cabos para conexo das seis sadas independentes;

    mesa de som analgica Mackie 24x8 para adequao da impedncia dos si-

    nais (com nveis semelhantes ao de um microfone dinmico);

    placa de som Motu 828 mkII;

    computador PowerPC G5 2 Ghz.

    Com os equipamentos descritos acima e com o software Max (ver 1.2.2.1), ob-

    tivemos os valores bsicos de nveis de sinal expressos na tabela 1 (todos os valores

    em dB so dados em dBFS, que atribui 0 dB ao valor RMS mximo obtido na digi-

    talizao do sinal). O valor RMS de cada corda foi calculado para cada 1024 amos-

    tras, atualizada a cada 512 amostras e com uma frequncia de amostragem de 48

    kHz. Nessa tabela pode-se observar que a faixa dinmica de cada corda encontra-

    se em torno a 40 dB.

    Afinao Nota Rudo de fundo Intensidade em Intensidade em

    (Hz) (dB) ataque pp ataque ff

    Corda 1 330 Mi -88 -60 -23

    Corda 2 247 Si -89 -62 -23

    Corda 3 196 Sol -89 -62 -20

    Corda 4 147 R -89 -60 -23

    Corda 5 110 L -89 -60 -23

    Corda 6 82.5 Mi -90 -60 -20

    Tabela 1: Valores dos nveis de intensidade bsicos do sistema

    Com esse sistema, foi possvel observar o fenmeno de acoplamento mec-

    nico entre as cordas do violo. Trata-se da transmisso de energia, na forma de

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 23

    vibrao, de uma corda para as outras. Sendo o instrumento construdo em ma-

    deira e possuindo o tampo1 flexvel, as ondas mecnicas produzidas pelas cordas

    atacadas so transmitidas tanto para a caixa acstica, quanto para as demais cor-

    das.

    O acoplamento mecnico mtuo existente entre as diferentes cordas do violo

    utilizado, apesar de ser uma caracterstica esperada de um instrumento acstico,

    foi maior do que o esperado. Face inviabilidade de uma medio objetiva de

    todas as combinaes possveis entre as cordas, as posies dos dedos da mo

    esquerda e as dinmicas, podemos dizer que esse acoplamento pode ser razoa-

    velmente expresso pelos valores da tabela 2. A primeira coluna representa a am-

    plitude RMS medida em uma corda solta no tocada, enquanto todas as outras

    cordas so tocadas o mais forte possvel. A segunda coluna representa a soma das

    amplitudes RMS de cinco cordas no tocadas, enquanto a corda restante tocada

    o mais forte possvel. Neste caso, pode-se notar que, de maneira geral, as cordas

    agudas tm mais influncia sobre as graves. Essas medidas se referem ao transi-

    ente de ataque, que transmitido pelo cavalete s outras cordas.

    Influncia mxima das outras Influncia mxima da corda

    Nota cordas sobre a corda no tocada sobre as restantes

    tocada (dB) no tocadas (dB)

    Corda 1 Mi -48 -34

    Corda 2 Si -45 -35

    Corda 3 Sol -44 -42

    Corda 4 R -45 -45

    Corda 5 L -45 -49

    Corda 6 Mi -45 -46

    Tabela 2: Valores do acoplamento mtuo entre as cordas.

    Um outro efeito tambm significativo a ressonncia por simpatia, que faz

    com que uma corda, mesmo sem ser tocada, produza um sinal mais longo com1O tampo superior um dos elementos da cadeia de casamento de impedncia do violo, que

    liga a vibrao das cordas emisso sonora em sua abertura circular; essa cadeia inclui ainda aslaterais e o tampo inferior, alm do prpria cavidade de ressonncia do violo. Tal fenmeno acon-tece porque uma das extremidades das cordas do violo presa no cavalete, que se localiza sobreo tampo do instrumento e recebe diretamente a vibrao das cordas. Nesse percurso, diversasfiltragens acontecem.

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 24

    energia no desprezvel e composio espectral varivel no tempo (observe a fi-

    gura 3). Tal fenmeno acontece quando uma das cordas vibra em uma frequncia

    que pertence srie harmnica de alguma das demais cordas. Quando isso acon-

    tece, a corda no tocada que possui tal frequncia como um de seus harmnicos

    comea a vibrar gerando sinal de udio que no deve ser confundido com um ata-

    que.

    A figura 3 ilustra o fenmeno de ressonncia j citado. Nessa figura, podemos

    observar na parte de cima a forma de onda de um trecho selecionado e abaixo o

    espectrograma do mesmo trecho. Na forma de onda podemos observar dois mo-

    mentos bastante caractersticos: os ataques. Esses momentos podem ser identifi-

    cados pela diminuio sbita da intensidade seguida de um aumento tambm s-

    bito da mesma. Cada um desses eventos pode ser identificado no espectrograma

    pelas duas mudanas espectrais que apresentam grande quantidade de transien-

    tes (prximos aos tempos 2 e 4 marcados no eixo horizontal).

    No espectrograma, as linhas horizontais representam as frequncias que com-

    pem a onda. A intensidade de cada uma dessas frequncias representada pela

    intensidade da cor da linha. Observe que nos momentos de ataque as intensidades

    esto mais escuras e, com o passar do tempo, se tornam mais claras at desapare-

    cerem. Em algumas frequncias mais graves, em torno da linha que marca 625 Hz,

    possvel observar algumas linhas que possuem intensidades que variam sem te-

    rem recebido energia de um novo ataque. Esse fenmeno est bastante claro entre

    os segundos 6 e 8 na linha sobre a frequncia 625 Hz. Esse ganho de energia por

    frequncias especficas acontece quando notas que pertencem srie harmnica

    da corda estudada so atacadas em outras cordas do instrumento.

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 25

    Figura 3: Ressonncia observada na corda 6 do violo durante execuo de pea polif-nica. Notas tocadas: f# e mi. Acima: forma de onda do trecho observado.Abaixo: espectrograma do mesmo trecho.

    Atravs da figura 3, tambm possvel observar algumas linhas espectrais si-

    milares aos momentos de ataque localizadas logo antes dos reais ataques. Tratam-

    se dos momentos em que o dedo do msico encosta na corda para atac-la. Em

    alguns desses momentos, possvel perceber esses eventos como rudos nas gra-

    vaes, que so causados principalmente por esbarres da unha dos intrpretes.

    1.2.2 Softwares

    1.2.2.1 Max

    Nos prximos pargrafos, sero explicadas as principais caractersticas e ter-

    mos envolvidos na programao do sistema de captao de dados, discutida na

    seo 1.3. Gostaramos de apresentar de forma clara o software e a linguagem de

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 26

    programao utilizados, para que o leitor possa entender melhor algumas sees

    e as descries da programao realizada.

    Max (CYCLING74, a) uma linguagem de programao visual criada para tra-

    balhar com msica e com multimdia ao vivo e largamente utilizada por com-

    positores, designers de software, pesquisadores e artistas interessados em fazer

    performances, instalaes e arte interativa. O programa foi escrito por Miller Puc-

    kette em meados da dcada de 1980 no IRCAM, como um editor grfico (patcher)

    que trazia para os compositores a possibilidade de se fazer msica interativa com

    computadores. O nome Max uma homenagem de Puckette boa influncia que

    sofreu do trabalho de Max Matthews, um pioneiro na rea de computao musical

    que desenvolveu alguns dos primeiros softwares para gerao de som (PUCKETTE,

    2002). Atualmente o programa desenvolvido e distribudo pela empresa ame-

    ricana Cycling74, localizada em So Francisco, Califrnia. Ele possui um grande

    nmero de extenses, das quais destaco um conjunto de objetos chamados Max

    Signal Processing (MSP), derivados do trabalho de Puckette no desenvolvimento

    de rotinas de processamento de sinal em tempo real para o software Puredata (Pd)

    (PUCKETTE, 2002). Esta extenso permite a manipulao de sinais de udio digital

    em tempo real, tornando possvel a anlise, a sntese e o processamento digital de

    udio paralelamente ao desenvolvimento da programao. Aps a adio desse

    mdulo, o software comeou a ser chamado tambm de Max/MSP.

    A linguagem bsica do Max um sistema de fluxo de dados. As programaes

    criadas nesse software so chamadas de patches e so feitas dentro de um patch

    (uma tela em branco como uma pgina em branco de um editor de texto ou editor

    de imagem), atravs da organizao e interconexo de blocos fundamentais cha-

    mados objetos. Esses objetos so como pequenos programas ou partes de pro-

    gramas que desempenham funes especficas e podem ser conectados entre si

    para gerar um programa maior. Em uma programao em Max, h alguns coman-

    dos que nos possibilitam introduzir objetos na tela inicial. Eles so visualizados

    como pequenos blocos que contm seus nomes e seus parmetros de inicializa-

    o. O software suporta seis tipos de dados bsicos que podem ser transmitidos

    de objeto para objeto: nmeros inteiros (int), nmeros no inteiros (float), listas,

    smbolos (symbol), bang (mensagem padro que ativa eventos na programao) e

    sinais digitais. Alm dos componentes j citados, o Max possui tambm matrizes e

    vetores (utilizados para manipular dados mais complexos), objetos que permitem

    a manipulao de udio digital e alguns objetos visuais (com interface para usu-

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 27

    rio). Outras maneiras de lidar com os dados de forma mais especfica podem ser

    encontradas no prprio software e tambm nos artigos (PUCKETTE, 2002) e (PUC-

    KETTE, 1988).

    A figura 4 mostra um exemplo de um patch feito em Max. Nele esto represen-

    tados alguns objetos de programao para ilustrar o funcionamento do software.

    Na coluna esquerda no patcher, esto dispostos quatro objetos visuais de pro-

    gramao utilizados, so eles: o float (nmero no inteiro), int (nmero inteiro),

    mensagem, e comentrio. Esses objetos so utilizados para configurar objetos ex-

    ternamente enquanto o programa est em funcionamento, o que possibilita uma

    programao dinmica e em tempo real.

    Figura 4: Patch de Max: Exemplo de programao com alguns objetos (coluna esquerda:nmero inteiro, float, mensagem e comentrio; coluna direita: um objeto vi-sual toggle, o objeto metro com o argumento de inicializao de 1000 ms e umobjeto visual bang ).

    Observe que o objeto "metro"possui pequenos quadrados escuros nas linhas

    superior e inferior que compem seus blocos visuais. Os quadrados superiores so

    as entradas de dados (ou inlets) e os quadrados inferiores so as sadas de dados

    (ou outlets). Os objetos se comunicam atravs de ligaes entre os outlets e inlets

    (e nunca o contrrio) feitas por cordas visuais.

    O objeto "metro", por exemplo, uma funo pr-programada que dispara um

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 28

    bang a cada intervalo de tempo (em milissegundos), determinado pelo programa-

    dor. O nmero escrito dentro do objeto "metro" seu argumento inicializador, o

    que significa que se este objeto for ligado ele produzir um bang em seu outlet a

    cada 1000 ms (1 segundo). O inlet da esquerda do "metro"serve para ligar ou desli-

    gar este objeto, e nele est ligado um objeto visual chamado toggle, que serve como

    um boto de liga/desliga e envia de seu outlet o nmero 1 ou o nmero 0 toda

    vez que clicado. O inlet direita no "metro"serve para receber um nmero que

    altere seu intervalo entre bangs. Isso pode ser feito conectando um objeto visual

    de nmero (como os da esquerda no patch - inteiros ou no inteiros) a essa en-

    trada e escrevendo o nmero diretamente nesse objeto. A sada do metro"(outlet)

    est conectada ao objeto grfico bang, que apenas altera sua cor quando recebe

    um dado em seu inlet ou quando clicado (neste caso ele envia um bang para seu

    outlet).

    Na pequena programao do exemplo, quando ligamos o toggle podemos ob-

    servar que o bang ligado ao "metro"pisca a cada 1 segundo. Caso liguemos uma

    caixa de nmero no segundo inlet do "metro"poderemos alterar a frequncia dos

    disparos apenas alterando o valor na tela, em tempo real.

    No desenvolvimento deste trabalho, o uso de dados e de processamento de si-

    nal em tempo real foi indispensvel. Fazem parte dos nossos objetivos o uso do

    sistema em performances ao vivo e tambm como ferramenta didtica. Para am-

    bos os casos, respostas e, se necessrio, a visualizao de parmetros especficos

    simultaneamente performance do msico so almejados. O software tambm

    nos permite trabalhar em tempo diferido, que importante para algumas anlises

    mais minuciosas. As caractersticas descritas nesta seo reforam nossa escolha

    por esta plataforma, que nos possibilita realizar performances e estudos detalha-

    dos.

    1.2.2.2 Digital Performer e Soundflower

    Para realizar gravaes com o sistema que estamos descrevendo utilizamos o

    software Digital Performer (MOTU). Este software uma plataforma de trabalho

    para udio digital (Digital Audio Workstation/Sequencer - DAW ) que acompanha

    as interfaces de udio da marca MOTU. Esse programa nos permite gravar v-

    rias pistas simultaneamente, sendo possvel a gravao independente dos sinais

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 29

    de cada captador.

    Utilizamos tambm o software Soundflower (CYCLING74, b), que nos permite

    transportar o udio de um programa para outro. Ele reconhecido pelo computa-

    dor como um dispositivo virtual de udio por onde os programas podem enviar e

    receber at 16 canais de udio.

    Utilizando em conjunto os trs softwares descritos, possvel analisar grava-

    es em tempo diferido. Podemos utilizar o Digital Performer para gravar vrios

    msicos em uma s sesso, ou vrias gravaes de um mesmo msico, sem nos

    preocuparmos em analisar em tempo real o que est sendo tocado. Mais tarde,

    quando j temos dados suficientes para analisar e comparar, podemos reproduzir

    as gravaes no Digital Performer e enviar o udio para o Max utilizando o Sound-

    flower. Desta forma, pela nossa programao temos acesso direto aos dados grava-

    dos. Essa caracterstica do sistema nos possibilita ajustar e calibrar a programao

    de forma precisa para cada intrprete.

    1.2.3 Comparao entre som microfonado e som captado

    A utilizao de um instrumento acstico sem modificao de sua forma ou

    de sua sonoridade original bastante vantajosa ao trabalhar com anlise de gra-

    vaes de interpretao musical, j que as condies normais de execuo per-

    manecem preservadas. O uso de captadores tambm oferece vantagens frente s

    inevitveis diferenas de timbre e intensidade causadas pela movimentao do

    msico frente a um microfone, alm de reduzir a influncia dos ambientes e dos

    equipamentos de gravao nos resultados. No entanto, necessrio conhecer a

    correlao entre o que o msico escuta (representado aqui pela captao por mi-

    crofone) e o que captado, pois do som captado que extrairemos as informaes

    (descritores acsticos) relativas interpretao de um determinado instrumen-

    tista.

    Um estudo exaustivo dessa correlao, embora no impossvel, invivel den-

    tro do escopo de nosso projeto. Precisaramos, ao menos, garantir a realizao

    de um mesmo tipo de ataque em todas as notas do instrumento e em diferentes

    nveis dinmicos, o que s seria possvel com o uso de automao. J que na utili-

    zao regular do sistema no foram detectadas distores significativas de timbre

    e amplitude ligadas s diferentes cordas e posies no brao do violo, decidimos,

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 30

    como alternativa, estudar esta correlao a partir de notas tocadas em trs regis-

    tros do instrumento, em trs diferentes dinmicas. Utilizou-se um microfone ca-

    pacitivo de sensibilidade mdia - Samson C02.

    As notas escolhidas foram f#2 na corda 6 (frequncia fundamental de 92,5

    Hz), d central na corda 3 (261,6 Hz) e f#5 na corda 1 (740 Hz). Essas trs notas

    foram executadas em trs nveis de dinmica, sendo eles pianssimo, mezzopiano e

    forte, e a gravao foi feita simultaneamente pelos captadores e pelo microfone. As

    gravaes foram normalizadas para cada uma das alturas. Na comparao, sero

    utilizados os envelopes dinmicos, cocleagramas2 e espectrogramas.

    Nas figuras 5, 6 e 7, cada coluna representa uma das alturas escolhidas, nos

    trs nveis de dinmica; de cima para baixo temos cocleagrama do som do capta-

    dor, cocleagrama do som microfonado e envelopes dinmicos de ambas as fontes

    (a curva mais escura representa o sinal dos captadores e a mais clara o sinal do

    microfone).2O cocleagrama representa o padro de excitao da membrana basilar no ouvido interno em

    funo do tempo. O eixo vertical calibrado em Barks. Figuras geradas a partir do software Praat(BOERSMA; WEENINK). Informaes sobre a diviso das frequncias auditivas em bandas crticas po-dem ser encontradas em ZWICKER (1961).

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 31

    Figura 5: Cocleagrama e envelopes dinmicos utilizados na comparao dos sons do vio-lo (f# 92,5Hz).

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 32

    Figura 6: Cocleagrama e envelopes dinmicos utilizados na comparao dos sons do vio-lo (d central 261,6Hz).

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 33

    Figura 7: Cocleagrama e envelopes dinmicos utilizados na comparao dos sons do vio-lo (f# 740Hz).

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 34

    possvel observar, de maneira geral, algumas caractersticas comuns nessas

    representaes: os cocleagramas do sinal do microfone mostram uma presena

    maior das frequncias graves (colunas 1 e 2), enquanto nos momentos de ataque

    os cocleagramas dos sinais dos captadores mostram uma melhor definio dos

    transientes desses eventos (colunas 1, 2 e 3). O padro dos cocleagramas afe-

    tado pelo nvel de intensidade com que a corda foi tocada e as execues em forte

    (maior intensidade) possuem maior espalhamento espectral. Nos grficos que re-

    presentam os envelopes dinmicos, podemos notar que os sinais captados pelo

    microfone, em geral, so mais ruidosos que os dos captadores, o que pode ser me-

    lhor observado nos momentos de menor intensidade entre os ataques. As curvas

    que representam os envelopes so praticamente iguais, embora para a frequncia

    mais grave (coluna 1) possamos observar que o envelope traado pelo microfone

    descreve um decaimento mais acentuado nos primeiros instantes de cada ataque,

    ficando em paralelo curva do captador logo em seguida. Pode-se ainda notar

    que as distncias entre os picos de dinmica de cada nota so um pouco maior

    nos sinais gerados pelo captador.

    Podemos comparar, de forma aproximada, as representaes dos sinais repre-

    sentados pelas figuras 5, 6 e 7 com o que se escuta nas gravaes correspondentes.

    Ouvindo as gravaes feitas por microfone percebe-se claramente sua melhor re-

    soluo de frequncias graves, bem como o maior nvel dos rudos. A sonoridade

    das duas gravaes bastante diferente, faltando ao som do captador as ressonn-

    cias mais graves tpicas do violo acstico. Por outro lado, sua definio de tran-

    sientes melhor, o que vantajoso para as rotinas de deteco de momentos de

    ataque (seo 1.3). Para uma representao quantitativa das diferenas espectrais

    entre os dois sons, utilizamos a seguinte estratgia: (1) normalizao do envelope

    de amplitude nos dois canais (canal 1: som do captador, canal 2: som do micro-

    fone); (2) clculo das magnitudes espectrais e sua evoluo temporal (short-time

    FFT ); (3) subtrao das magnitudes de cada bin da anlise espectral em cada uma

    das janelas de anlise; (4) valores positivos foram ressintetizados como excesso

    do captador e valores negativos foram ressintetizados como excesso do som mi-

    crofonado (aps multiplicao por -1) e (5) os valores mnimos de cada com-

    parao foram ressintetizados como componentes comuns. A figura 8 mostra o

    espectro de cada uma dessas ressnteses para as gravaes da nota d central.

  • 1.2 Descrio do sistema utilizado 35

    Figura 8: Sonogramas relativos nota d central (261.6 Hz) em trs nveis dinmicos. Ogrfico acima representa o excesso espectral do som do captador, o grfico domeio representa o excesso do som microfonado e o grfico abaixo representaos componentes comuns.

  • 1.3 Descritores utilizados 36

    1.3 Descritores utilizados

    Esta seo apresenta os descritores implementados e utilizados para a extrao

    de dados quantitativos de gravaes realizadas. O principal descritor implemen-

    tado a deteco de ataques, descrita na subseo 1.3.1. Tambm esto expostos

    os descritores de clculo de amplitudes e de extino de notas.

    1.3.1 Deteco de ataques

    Figura 9: Fluxograma do processamento de sinais digitais das cordas do violo: preproces-samento da corda estudada, determinao do piso, deteco de ataques, clculode amplitudes e extino de notas.

    A deteco de ataques a base de toda a aquisio de dados do sistema. Ela

    realizada a partir da comparao do sinal digital das cordas aps passar por pro-

    cessamentos previamente programados. Resumidamente, comparamos as ampli-

    tudes de uma mdia dos valores de pico do sinal da corda prefiltrado com um valor

    de mdia RMS das demais cordas, que funciona como um limiar adaptativo. Os

  • 1.3 Descritores utilizados 37

    detalhes desse processo esto representados do fluxograma abaixo. Em seguida,

    descrevemos como o processo ocorre para cada corda, lembrando que ele ocorre

    simultaneamente para as 6 cordas e em tempo real. O algoritmo descrito a partir

    do prximo pargrafo foi originalmente desenvolvido pelos participantes do pro-

    jeto, embora algumas sugestes tenham sido aproveitadas do artigo (BELLO et al.,

    2005).

    O primeiro passo dessa etapa a filtragem do sinal digital da corda estudada.

    Essa filtragem consiste em retirar do sinal grande parte das suas frequncias mais

    baixas, como fundamental e primeiros harmnicos. O que sobra do sinal, no do-

    mnio das frequncias, so em maior parte os transientes que ocorrem quando a

    corda em questo sofre ataques. Esse procedimento feito para que possamos ob-

    servar mais claramente uma caracterstica forte dos ataques nas cordas do violo:

    transientes extensos e claros.

    Do sinal resultante identifica-se, a cada 10 ms, os maiores valores absolutos de

    amplitude (valor de pico3). Uma mdia com os trs ltimos valores calculada e

    o valor resultante (convertido para dB). O motivo pelo qual acumulamos os lti-

    mos trs valores de pico numa lista e fazemos uma mdia entre eles que, caso

    o pico observado seja realmente um ataque, os valores da mdia se mantm al-

    tos e contribuem na etapa de deteco de ataques. J quando o que ocorre um

    esbarro na corda, ou um toque onde a corda no continua vibrando (quando,

    por exemplo, estamos tocando uma corda e encostamos em outra), os valores da

    mdia caem muito rpido e assim evitamos deteces de falsos ataques.

    A ideia bsica do algoritmo comparar o valor de pico da amplitude da corda

    estudada com seu valor de amplitude RMS (medido normalmente a cada 1024

    amostras). Mas tambm deve ser levado em conta a influncia das outras cor-

    das sobre a prpria corda estudada, o que feito pela determinao do piso de um

    amplitudes. Este piso existe para determinar o valor mnimo que a amplitude da

    corda estudada deve superar, no momento de ataque, para que o ataque ocorrido

    seja validado. O piso adaptativo, ou seja, varia de acordo com os parmetros que

    descreveremos a seguir.

    Para o clculo que se segue, os valores de entrada so a soma dos valores de

    3Durante o desenvolvimento deste algoritmo, a utilizao de valores de pico para a amplitudeneste estgio do processamento mostrou-se mais efetivo do que o valor RMS medido no mesmointervalo temporal.

  • 1.3 Descritores utilizados 38

    pico (maior valor absoluto a cada 10 ms) dos sinais das outras cinco cordas do

    instrumento. O sinal resultante serve como um monitor da atividade nas demais

    cordas. Esses valores so reescalados no linear para servirem como um valor va-

    rivel que se soma a um piso fixo estabelecido em -60dB4. Ou seja, quanto maior

    a atividade nas outras cordas, maior o valor do piso, e portanto, menor chance

    de um esbarro ou ressonncia por simpatia causar falsa deteco de ataque na

    corda estudada.

    Os valores resultantes passam ento por um objeto que coloca uma condio

    para a criao do piso. Caso o valor do piso seja maior que o valor RMS da corda

    estudada, o valor que prevalece o das outras cordas; j no caso contrrio, onde

    a corda estudada possui maior amplitude RMS, prevalecer o valor da corda estu-

    dada. Esse mecanismo nos garante que o piso ser obedecido e construdo sempre

    com os maiores valores necessrios a fim de evitar erros.

    O passo seguinte estabelecer, a partir do valor do piso, um valor superior e

    um inferior que sero utilizados na comparao com o valor de pico resultante

    da corda estudada. Os valores calculados so usados como parmetros no se-

    guinte procedimento. O sinal prefiltrado entra como dado a ser analisado e sua

    amplitude monitorada por um objeto que produz um sinal 0 ou 1 na sada

    de acordo com as seguintes condies: caso a amplitude se mantenha abaixo do

    valor superior, o resultado do procedimento um sinal com valor 0; caso ela ul-

    trapasse o valor superior o resultado um sinal de valor 1; quando a amplitude

    do sinal de entrada cai a valores abaixo do valor inferior, o sinal resultante retoma

    o valor 0. Essa alternncia do sinal entre zeros e uns monitorada por um objeto

    que detecta suas mudanas nos dois sentidos, de zero para um e de um para

    zero. No nosso caso, definimos as mudanas de um para zero como sendo um

    ataque. Dessa forma, necessrio que o sinal de entrada ultrapasse o valor su-

    perior e em seguida o valor inferior para que um novo ataque seja reconhecido,

    evitando deteco de ataques em casos em que a amplitude da corda permanece

    alta e ela no atacada.4Como visto na seo 1.2.1 tabela 1, o valor -60dB a intensidade mais baixa alcanada quando

    a corda tocada em pianssimo. Sinais com valores menores que esse so considerados rudo docaptador ou do sistema.

  • 1.3 Descritores utilizados 39

    1.3.2 Clculo de amplitudes

    No mesmo patch em que se processa a deteco de ataques, tambm se moni-

    tora a evoluo da amplitude do sinal da corda estudada. Como dissemos anteri-

    ormente, na seo de psicoacstica, assim como em nossos ouvidos h um atraso

    devido integrao temporal da intensidade percebida, tambm no clculo da

    amplitude feita pelo computador h um atraso entre o momento de ataque e a

    leitura da amplitude mxima atingida pela corda (ver figura 10). A amplitude

    calculada atravs da mdia (RMS) feita para cada 1024 (podendo ser alterado para

    valores maiores ou menores) amostras do sinal digital da corda estudada, atuali-

    zados a cada 512 amostras. Trabalhando com frequncia de amostragem igual a

    48000 Hz, sabemos que essa mdia atualizada a cada 11 ms.

    Aps algumas medidas e observaes sobre o comportamento do desenvolvi-

    mento dessa curva aps uma deteco de ataques, observamos que, nas condies

    descritas anteriormente, a mdia calculada demora em torno de 60 ms para a atin-

    gir seu valor mximo. Dessa forma, a amplitude da corda monitorada o tempo

    todo, e quando acontece um ataque atribumos a ele o maior valor de amplitude

    ocorrido num intervalo de 60 ms depois da deteco.

    Como a gerao sonora no violo se baseia no modelo ataque-ressonncia,

    estamos assumindo que o pico do envelope dinmico aps o ataque representa a

    amplitude do toque. Embora esse clculo no leve em conta as caractersticas no-

    lineares do ouvido, responsveis pela real percepo de loudness (intensidade sub-

    jetiva) nas diferentes regies de frequncia (PEETERS, 2004), ele, de certa maneira,

    representa a fora que o msico emprega em seu toque. Como nosso sistema est

    bem calibrado em relao aos ganhos individuais de cada corda, consideramos

  • 1.3 Descritores utilizados 40

    que o valor calculado pode indicar com fidelidade a dinmica do trecho tocado.

    Figura 10: Na primeira linha desta figura, podemos observar a forma de onda resultante deum ataque em uma das cordas do violo. Na segunda linha, um trao verticalmarca o momento de deteco do ataque. Na terceira linha, est representada aevoluo da curva de RMS do sinal observado na primeira linha. No eixo verticalas unidades so arbitrrias.

    1.3.3 Extino de notas

    Para realizar o estudo de notas repetidas nas mesmas cordas e o estudo de

    tremolos (respectivamente no captulo 2, seo 2.3 e seo 2.4) resolvemos medir

    tambm a durao efetiva de cada nota tocada. Para isso, implementamos duas

    estratgias complementares: no violo, o final de uma nota ou definido por um

    novo ataque na mesma corda ou quando a amplitude RMS decresce abaixo de

    certo valor. Este valor um dos parmetros a serem afinados na programao de

    cada trecho a ser estudado.

    No caso dos tremolos na corda 1, utilizamos um valor relativamente elevado

    (entre -39 e -48 dB), j que os intervalos temporais so bastante curtos nesse caso

    e um valor mais baixo acabaria por indicar o final da nota somente no incio da

    prxima.

  • 1.3 Descritores utilizados 41

    A figura 11 mostra, acima, a forma de onda de um trecho de uma gravao

    onde o msico executou a tcnica tremolo. O trecho recortado referente a trs

    ataques na primeira corda do instrumento. Na linha central, podemos ver linhas

    verticais que marcam os momentos das deteces de ataques. J na linha inferior,

    esto representadas linhas verticais (mais curtas que as anteriores) que marcam

    as extines das notas tocadas.

    Figura 11: Exemplo de captaes de ataques e de extines de notas. No eixo horizontalsuperior est indicada a escala temporal. No eixo vertical as unidades so ar-bitrrias. Acima: forma de onda. Centro: linhas verticais marcam momento dadeteco de ataques. Abaixo: linhas verticais marcam momento da extino dasnotas.

    As linhas verticais que marcam os eventos mostrados na figura 11 foram clicks

    disparados nos momentos em que cada evento foi detectado. Eles foram grava-

    dos em canais de udio separados para ilustrar o funcionamento das deteces de

    ataques e extines de notas descritas anteriormente.

    Devemos tambm chamar ateno para a influncia da maneira como os m-

  • 1.3 Descritores utilizados 42

    sicos agem sobre as cordas para provocar a extino de uma nota. Tal efeito foi

    observado, principalmente, nas anlises apresentadas nas sees 2.3 e 2.4, que

    tratam de repeties de notas em uma mesma corda. As figuras 12 e 13 mostram

    formas de ondas observadas nas gravaes analisadas na seo 2.4 pelos dois m-

    sicos participantes.

    Na figura 12, podemos observar pequenos aumentos da amplitude da onda

    logo antes de um ataque. Esse efeito sugere a preparao de um ataque. O m-

    sico parece encostar o dedo (ou a unha, ou ambos) na corda momentos antes de

    realizar o ataque seguinte. J na figura 13 (e tambm na figura 11) podemos ob-

    servar um aumento da amplitude da onda na parte final de sua durao. Tal efeito

    parece acontecer quando o msico abafa a corda (que estava soando) para em

    seguida realizar um novo ataque. Ambos os efeitos observados se referem dife-

    rentes maneiras de atacar repetidamente a mesma corda, e por consequncia, ao

    abafamento da nota que soava anteriormente.

    Figura 12: Formas de onda observadas na gravao do excerto analisado na seo 2.4 re-alizada pelo msico 1. Aumentos na amplitude da onda em momentos entreataques sugerem a preparao do ataque seguinte. Nos dois eixos as unidadesso arbitrrias.

  • 1.3 Descritores utilizados 43

    Figura 13: Formas de onda observadas na gravao do excerto analisado na seo 2.4 re-alizada pelo msico 2. Aumentos na amplitude da onda nos momentos finaisdas notas sugerem que o msico abafa a nota soante para preparar a seguinte.Nos dois eixos as unidades so arbitrrias.

  • 44

    2 Aplicao do sistema: anlisesde excertos musicais

    Este captulo discute os anlises de excertos realizadas entre 2011 e 2012, que

    tambm tiveram um papel importante no refinamento progressivo do sistema de-

    senvolvido e utilizado na pesquisa. Tais anlises foram feitas em tempo diferido

    a partir de gravaes de excertos das peas "Estudo n 1"e "Estudo n 4"de Heitor

    Villa Lobos, "Estudo n 2"de Matteo Carcassi e o terceiro movimento, "Scherzino",

    da pea "Cavatina"de Alexandre Tansman. Essas peas tratam respectivamente

    das tcnicas arpejos, plaqu, repetio de notas e tremolo. Todos os excertos foram

    escolhidos privilegiando os aspectos de regularidade e simultaneidade presentes

    na tcnicas do violo.

    2.1 Arpejos: Estudo n 1 de Heitor Villa-Lobos

    O primeiro estudo de caso que descreveremos foi o primeiro a ser testado pelo

    sistema. Em um trabalho anterior (FREIRE; NZIO; PIMENTA, 2011) mostramos a

    parte inicial do projeto, as caractersticas do desenvolvimento que estava acon-

    tecendo naquele momento e um estudo preliminar de uma gravao do Estudo n

    1 de Heitor Villa Lobos. Posteriormente foi apresentado no trabalho (FREIRE; NZIO;

    PIMENTA, 2012a), um estudo mais consistente da mesma pea, com mais dados e

    com o sistema em melhor funcionamento.

    A tcnica violonstica que abordaremos nessa seo sero os arpejos. Trata-se

    da maneira de se produzir som em que o msico toca as notas de um acorde de

    forma sucessiva. Foram realizadas gravaes com 3 estudantes de violo; no pe-

    rodo das gravaes dois deles cursavam o 5 perodo e um cursava o 7 perodo

    do curso de Msica da UFMG. Os msicos foram instrudos apenas a seguir a par-

  • 2.1 Arpejos: Estudo n 1 de Heitor Villa-Lobos 45

    titura do excerto selecionado (figura 14).

    Figura 14: Compassos 7 a 12 do Estudo n1 de Villa-Lobos para violo (VILLA-LOBOS, 2000).

    caracterstica do violo, no caso de notas tocadas em posio fixa1, como as

    mostradas na partitura (figura 14), que o msico continue prendendo a corda na

    posio de execuo e esta continue soando, gerando o efeito mostrado na figura

    15.

    Figura 15: Patch que mostra programao visual onde possvel observar momento deataque e durao das notas tocadas. Este trecho representa o primeiro com-passo no excerto da figura 14.

    1Neste caso, a digitao feita pela mo esquerda do msico fixa em cada compasso, ou seja,os dedos dessa mo permanecem parados apertando as cordas num nico ponto. J a mo direitarealiza os arpejos sempre repetindo uma mesma forma de digitao.

  • 2.1 Arpejos: Estudo n 1 de Heitor Villa-Lobos 46

    Essa figura mostra o patch contrudo para se observar o momento de ataque e

    a durao das notas tocadas em tempo real. Os dados esto representados pelas

    linhas grossas cinzas na figura. O eixo vertical desse grfico representa as notas to-

    cadas, enquanto o eixo horizontal representa o tempo. Podemos notar no incio de

    cada linha cinza um nmero sobre um quadrado com largura ligeiramente maior

    que a da linha. Esse nmero indica o nmero da corda em que a nota foi atacada.

    O comprimento horizontal dessas linhas representa a durao das notas e a am-

    plitude representada pela intensidade da cor da linha. Podemos observar que

    as duraes efetivas so diferentes, efeito resultante que faz parte da sonoridade

    tpica do violo.

    No trabalho (FREIRE; NZIO; PIMENTA, 2011) tnhamos proposto uma quantiza-

    o das amplitudes em faixas dinmicas fixas. Mais tarde, decidimos mudar essa

    interpretao e representar graficamente os valores reais calculados das amplitu-

    des para cada uma das cordas tocadas no violo. A figura resultante um grfico

    de barras em uma tela que armazena as amplitudes de eventos dos ltimos 8 se-

    gundos da execuo (figura 16). A altura das barras representa a amplitude da

    corda tocada. O grfico se encontra na tela inicial do patch principal, servindo

    como uma representao visual para as seis cordas ao mesmo tempo e em tempo

    real.

    O dedilhado de mo direita utilizado neste estudo e que se repete a cada com-

    passo : p(6) i(4) p(5) i(3) p(4) m(2) i(3) a(1) m(2) a(1) i(3) m(2) p(4) i(3) p(5) i(4),

    onde p indica dedo polegar, i indicador, m mdio, a anular, e os nmeros

    entre parnteses indicam qual corda tocada. Nas mudanas de acorde, a corda

    4 a mais problemtica, pois a ltima a ser atacada em um acorde e a segunda

    nota do acorde seguinte. Na figura 16 podemos ver esse momento onde em cada

    grupo de quatro amplitudes para a corda 4, a segunda se refere a um ataque no

    novo acorde e tem sempre a amplitude menor do que as vizinhas.

  • 2.1 Arpejos: Estudo n 1 de Heitor Villa-Lobos 47

    Figura 16: Representao grfica das amplitudes captadas em uma janela de oito segun-dos. esquerda, uma viso geral das amplitudes referentes aos compassos 7 e 8(parte) em uma execuo do "Estudo n 1"de Villa-Lobos; direita, detalhe dasamplitudes das cordas 3 e 4.

    Para o estudo da regularidade de ritmo e andamento no Estudo n 1 de Villa-

    Lobos, desenvolvemos duas representaes grficas que funcionam em tempo

    real. Uma delas mede a regularidade da execuo calculando as duraes en-

    tre cada ataque; a outra representa o andamento (BPM) de trs formas: em cada

    pulso, metade do compasso e compasso inteiro (figura 17). Para as anlises e com-

    paraes subsequentes, escolhemos o excerto compreendido entre os compassos

    7 e 13 (cada um com uma repetio - figura 14).

  • 2.1 Arpejos: Estudo n 1 de Heitor Villa-Lobos 48

    Figura 17: Acima, representao da regularidade na execuo das semicolcheias tocadas.Abaixo, representao da regularidade medida em semnimas, mnimas e semi-breves. Esto representados 4 compassos do Estudo n 1.

    No grfico da regularidade rtmica, valores excntricos normalmente repre-

    sentam uma deteo de falso ataque (ou a no deteco de um deles), que pode

    indicar problemas na regulagem do sistema e tambm sujeiras na execuo do

    instrumentista.

    2.1.1 Comparaes entre diferentes execues

    Os grficos que se seguem representam os intervalos de tempo corresponden-

    tes execuo de trs nveis rtmicos (semibreve, mnima e semnima) extrados

    de gravaes feitas com trs violonistas diferentes tocando o excerto do Estudo

    n1 de Villa-Lobos indicado na figura 14. importante lembrar que o clculo do

    andamento s feito a partir do segundo ataque: desse modo, no grfico de se-

    mibreves, o primeiro ponto indica o incio do ritornelo do primeiro compasso (cp.

    7), e seu valor em BPM se refere ao intervalo temporal entre o primeiro ataque

    do compasso anterior e o incio do atual (cp. 7b). O mesmo vale para os nveis

  • 2.1 Arpejos: Estudo n 1 de Heitor Villa-Lobos 49

    mais rpidos: o valor de BPM para as mnimas calculado a partir da metade do

    primeiro compasso, e para as semnimas a partir do segundo pulso do primeiro

    compasso (cp. 7). Dessa forma, os grficos abaixo iniciam-se com o ponto 2.

    A mudana de acordes (um fator relevante a ser considerado na anlise da regu-

    laridade) acontece em cada ponto mpar (do eixo horizontal) para o nvel das se-

    mibreves, a cada 4 pontos (5, 9, 13, 17 etc.) para o nvel das mnimas e a cada 8

    pulsos de semnima (pontos 9, 17, 25, 33 etc.). O trecho escolhido apresenta uma

    caracterstica importante: dos compassos 7 a 11, os acordes exigem o uso de pes-

    tana2 pela mo esquerda e, a partir do compasso 12, um acorde de forma fixa com

    cordas soltas inicia um longo movimento descendente pelo brao.

    2Tcnica violonstica em que o dedo indicador da mo esquerda pressiona todas as cordas doinstrumento na mesma casa.

  • 2.1 Arpejos: Estudo n 1 de Heitor Villa-Lobos 50

    Figura 18: Grficos relativos aggica de trs execues (por trs msicos diferentes) deexcerto do Estudo n 1 de Villa-Lobos (cp. 7 a 13).

    As interpretaes 2 e 3 apresentam, respectivamente, maior e menor regula-

    ridade rtmica. Nota-se que a irregularidade do msico 3 se d nos trs grficos

    apresentados na figura 18. Observa-se tambm que a regularidade no nvel das

    semibreves, presente em todas as execues, construdo de forma diferente pe-

    los msicos: nem sempre o padro de variaes no nvel das semnimas se reflete

    nos nveis mais lentos. Por exemplo, as variaes que o msico 3 realiza no excerto

  • 2.2 Plaqu: Estudo n 4 de Heitor Villa-Lobos 51

    (grfico superior), so geradas por diferentes relaes entre os pulsos tocados em

    cada compasso. O momento em que a mo esquerda deixa de realizar a pestana,

    aliado ao fato do prximo ataque se dar em uma corda solta, tambm marcante

    nas trs execues (ndice 11 nas semibreves, 21 nas mnimas e 41 nas semni-

    mas): enquanto o msico 1 desacelera, os msicos 2 e 3 aceleram. Nota-se ainda

    que esse msico tende a desacelerar aps a troca de acordes.

    2.2 Plaqu : Estudo n 4 de Heitor Villa-Lobos

    Para a abordagem quantitativa dos sons simultneos, escolhemos um trecho

    do Estudo n 4 de Villa-Lobos (Des accords rpts). O trecho escolhido composto

    em sua maior parte por acordes de 4 notas, cada um repetido quatro vezes, em

    um andamento relativamente rpido. Trs estudantes de violo, dois do quinto

    e um do stimo perodo do curso, foram solicitados a realizar uma execuo no

    expressiva, sem seguir as indicaes dinmicas e aggicas da partitura e tambm

    evitando qualquer arpejo deliberado afim de evitar variaes na tcnica estudada.

    Em todos os acordes, os dedos da mo direita utilizados foram polegar, indicador,

    mdio e anular. A anlise que se segue uma extenso do trabalho apresentado

    anteriormente em (FREIRE; NZIO; PIMENTA, 2012b).

    2.2.1 Comparaes entre diferentes execues

    Foram realizadas vrias gravaes e escolhemos quatro delas para serem ana-

    lisadas. Os trs msicos sero chamados, nessa seo, de msico A, msico B e

    msico C. Do msico A examinamos uma verso mais lenta e outra mais rpida

    (A1 e A2), dos msicos B e C examinamos apenas uma verso. No total, cada tre-

    cho possui 36 acordes. A tabela 3 mostra as mdias e desvios padro dos intervalos

    entre as primeiras notas atacadas nos acordes e dos espalhamentos das notas (in-

    tervalo de tempo entre a primeira e a ltima nota atacada em cada acorde) em

    cada uma das execues.

  • 2.2 Plaqu: Estudo n 4 de Heitor Villa-Lobos 52

    Execuo Intervalo Desvio padro Mdia do Desvio padro

    (ms) (ms) espalhamento (ms) (ms)

    A1 365 20 31 9

    A2 243 19 25 7

    B 263 13 8 5

    C 276 21 11 5

    Tabela 3: Mdias e desvios padro dos intervalos entre as primeiras notas atacadas nosacordes e dos espalhamentos das notas (intervalo de tempo entre a primeira e altima nota atacada em cada acorde) em cada uma das execues.

    Figura 19: Evoluo do pulso de semnima - expresso em bpm - em cada uma das inter-pretaes.

    A figura 21 representa os espalhamentos dos 8 primeiros acordes de cada uma

    das verses. interessante notar que o msico A, que apresenta uma mdia maior

    de espalhamento, mantm um certo padro de ordenao dos ataques em ambas

    as verses, lenta e rpida. No se observa a mesma regularidade no espalhamento

    das notas nas verses dos msicos B e C, cuja mdia bem menor. Pode-se notar

    tambm que a montagem dos acordes diferente entre os msicos, j que nos

    primeiros 4 acordes o msico A utiliza as cordas 6, 4, 3 e 2, enquanto os outros 2

    usam as cordas 6, 5, 4 e 3.

  • 2.2 Plaqu: Estudo n 4 de Heitor Villa-Lobos 53

    Figura 20: Trecho selecionado: compassos iniciais do Estudo n 4 de Villa-Lobos para vio-lo (VILLA-LOBOS, 2000).

    Figura 21: Espalhamento das notas dos 8 primeiros acordes das verses A1, A2, B e C.

    Em nenhuma das verses detectou-se um equilbrio entre as amplitudes das

    notas; as notas mais forte e mais fraca de cada acorde diferenciam-se s vezes em

    at 10 dB. A anlise da variao de amplitude em cada corda deve levar em conta,

  • 2.2 Plaqu: Estudo n 4 de Heitor Villa-Lobos 54

    dentre outros fatores, o dedo da mo direita que a ataca. Os grficos mostrados

    nas figuras 22 e 23 representam a sequncia de amplitudes das cordas 3 e 4 (res-

    pectivamente linhas verde e azul) em trechos especficos de mudanas de dedos

    da mo direita. No grfico acima na figura 22, esto representadas as amplitu-

    des do msico C nos acordes compreendidos entre o segundo tempo do primeiro

    compasso e os 2 primeiros tempos do segundo compasso. Entre o oitavo e nono

    acordes, ocorre uma mudana dos dedos da mo direita que atacam essas cordas,

    e onde exatamente se d o cruzamento das linhas de amplitude. Nota-se tam-

    bm que o dedo mdio m mantm uma regularidade dinmica, mesmo aps a

    troca de cordas. No grfico abaixo na figura 22, o comportamento desse mesmo

    dedo se mantm para o msico A (verso A1). Um fator complicador da anlise

    desse ltimo caso a presena de cordas soltas nos acordes extremos, que apre-

    sentam, na maioria das vezes, com amplitudes mais baixas do que as das cordas

    presas.

  • 2.2 Plaqu: Estudo n 4 de Heitor Villa-Lobos 55

    Figura 22: Na figura acima, sequncia de amplitudes das cordas 3 e 4 (respectivamentelinhas verde e azul) em 4 pulsos da verso C. Na figura abaixo, sequncia deamplitudes das mesmas cordas no primeiro compasso da verso A1.

    Figura 23: Amplitudes da corda 5 em acordes no sucessivos da verso A1, tocada primei-ramente pelo dedo indicador e depois pelo polegar.

  • 2.3 Repetio de notas: Estudo n 2 de Matteo Carcassi 56

    Em todas as verses, observa-se uma tendncia das notas tocadas pelo pole-

    gar serem mais fortes do que as demais. A figura 23 ilustra uma diferena de 10

    dB entre notas de 2 acordes no sucessivos na corda 5, tocada primeiramente pelo

    indicador e em seguida pelo polegar. Os acordes esto no segundo tempo do pri-

    meiro compasso e no primeiro tempo do terceiro compasso. Embora no suces-

    sivos, no h toque na corda 5 entre esses acordes, devido ao dedilhado de mo

    esquerda escolhido pelo msico.

    2.3 Repetio de notas: Estudo n 2 de Matteo Car-cassi

    Nesta seo mostraremos os resultados da anlise da seo inicial do Estudo

    n 2 de Matteo Carcassi (CARCASSI, 1852). O trecho selecionado est ilustrado na

    figura 24, com seus oito primeiros compassos. Podemos observar no motivo mu-

    sical que se repete ao longo desse trecho, arpejos compostos por uma nota grave

    (tocada pelo dedo polegar p nas cordas 4, 5 ou 6), seguido de uma nota na corda

    3 (tocada pelo dedo indicador i), outra na corda 2 (tocada pelo dedo mdio m)

    e uma sequncia de cinco notas na corda 1 (tocadas por combinaes dos dedos

    indicador i, mdio m e anular a). Cada um desses padres tocado com uma po-

    sio fixa da mo esquerda. As duraes das notas repetidas na corda 1 merecero

    uma ateno especial mais adiante.

    Figura 24: Estudo n 2 de Matteo Carcassi (CARCASSI, 1852).

  • 2.3 Repetio de notas: Estudo n 2 de Matteo Carcassi 57

    A anlise apresentada a seguir compara duas gravaes feitas pelo mesmo m-

    sico, onde em cada verso so utilizados padres tcnicos diferentes na repetio

    das ltimas cinco notas de cada motivo musical. O msico executou o trecho re-

    alizando os padres de mo direita p-i-m-a-m-a-m-a (ou seja, foram utilizados

    sucessivamente os dedos: polegar, indicador, mdio, anular, mdio, anular, mdio

    e anular) na primeira verso e p-i-m-a-m-i-m-a (ou seja, foram utilizados suces-

    sivamente os dedos: polegar, indicador, mdio, anular, mdio, indicador, mdio e

    anular) na segunda verso.

    Este estudo de repetio de notas prepara a prxima anlise (sobre a tcnica

    tremolo) que aborda a repetio de notas de forma mais rpida que a tratada na

    presente seo.

    2.3.1 Comparaes entre diferentes execues

    As variaes do pulso (bpm) nas verses estudadas esto representadas nos

    grficos das figuras 25, verso 1, e 26, verso 2. Nesta anlise decidimos represen-

    tar o pulso pelas mnimas em cada compasso, ou seja, o intervalo temporal en-

    tre dois motivos musicais completos. Para enriquecer essa representao decidi-

    mos plotar, alm dos intervalos de mnimas dado pela nota mais grave (baixos), os

    mesmos intervalos realizados pelas notas tocadas na terceira e na segunda corda

    do violo. Na partitura (figura 24), podemos observar que as repeties de notas

    nessas cordas tambm representam intervalos de mnimas. As curvas em azul re-

    presentam o andamento das mnimas tocadas pelo dedo polegar nas cordas 4, 5

    e 6, enquanto as curvas em verde e em laranja representam as mnimas tocadas,

    respectivamente, na corda 3 e na corda 2.

  • 2.3 Repetio de notas: Estudo n 2 de Matteo Carcassi 58

    Figura 25: Variao do pulso (bpm dado pelo intervalo entre mnimas) na verso 1. Curvaazul: notas graves (tocadas nas cordas 4, 5 e 6); curva verde: corda 3; curvalaranja: corda 2.

    Figura 26: Variao do pulso (bpm dado pelo intervalo entre mnimas) na verso 2. Curvaazul: notas graves (tocadas nas cordas 4, 5 e 6); curva verde: corda 3; curvalaranja: corda 2.

    Nas duas verses observamos que os pulsos variam em torno de 40 bpm, sem

    alteraes bruscas, at o quarto compasso do trecho selecionado (oitava mnima).

    Na primeira verso, podemos observar que as curvas azul e laranja descrevem um

    accelerando nos compassos 5 e 6, e logo em seguida, um ritardando nos ltimos

    2 compassos. Nesse mesmo trecho a curva verde mostra variaes em torno das

    outras duas. J na segunda verso, h um accelerando das trs curvas por 2 com-

    passos (quatro pontos) e em seguida um ritardando marcando o final do trecho.

    As variaes entre os pulsos medidos pelo dedo polegar, indicador e mdio

  • 2.3 Repetio de notas: Estudo n 2 de Matteo Carcassi 59

    indicam antecipaes e atrasos das notas tocadas pelos dedos indicador e mdio,

    em relao nota do polegar, nesta sequncia de motivos musicais.

    Figura 27: Intervalo de tempo entre todos os ataques do trecho. Verso 1.

    Figura 28: Intervalo de tempo entre todos os ataques do trecho. Verso 2.

    Os dados que mostram os intervalos de tempo entre ataques, figura 27 ver-

    so 1 e figura 28 verso 2, apresentam intervalos de tempo com variaes peque-

    nas, sendo a mdia dos valores de cada verso, respectivamente 184 ms e 186 ms.

    Os desvios padro correspondentes so 17 ms (verso 1) e 18 ms (verso 2), mos-

    trando que os msicos realizaram em mdia 10% de variao em torno da mdia.

    Dessa forma, os grficos podem ser lidos como uma execuo bastante precisa,

    onde o msico respeitou o tempo de durao de cada nota. Esses resultados con-

    cordam com os grficos de variao de pulso no mesmo trecho, figuras 25 e 26.

  • 2.3 Repetio de notas: Estudo n 2 de Matteo Carcassi 60

    Figura 29: Durao das notas tocadas na primeira corda do violo.

    A figura 29 representa as duraes das notas tocadas na primeira corda do ins-

    trumento. As curvas das duas verses concordam mostrando algumas particulari-

    dades do trecho da pea escolhida. Os picos apresentados com durao maior que

    250 ms esto sempre localizados em valores mltiplos de cinco no eixo horizontal,

    o que indica que representam a ltima nota de um dos motivos musicais. Esses

    picos acontecem devido maneira como feita a digitao das notas pelos dedos

    da mo esquerda do msico. Quando a digitao do acorde seguinte em uma

    posio afastada ou muito diferente da do acorde anterior, o msico precisa de

    mais tempo para realizar a mudana, forando o trmino das notas que ainda es-

    to soando. J quando a diferena de digitao pequena, ou se faz uso de corda

    solta (nota mi 5), o msico realiza as mudanas necessrias mais rapidamente,

    podendo deixar as notas tocadas sejam um pouco mais longas.

    Para as curvas em azul, que representam a verso 1, a curva de duraes mos-

    trou valor mdio de 134 ms e desvio de 17 ms. Na curva em vermelho, que repre-

    senta a verso 2, os valores foram 130 ms de mdia com 20 ms de desvio padro

    para a curva que mostra a durao das notas tocadas na primeira corda do instru-

    mento.

  • 2.3 Repetio de notas: Estudo n 2 de Matteo Carcassi 61

    Figura 30: Amplitude de cada nota.

    Figura 31: Amplitude das nota