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Sítio EcológicoUm gUia para Salvar a tErra

moiSES matiaS

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À amada Kels-Cilene,Às crianças

Maíra, Mariana e Pedro. Aos amigos e amigas que, em 20 anos de Maranhão, participaram, de manei-

ras distintas, da criação do guia para salvar a terra.

Impressão: Estação Gráfica. Diagramação: Erilson Gomes.Capa: Dupla Criação.

Contato com o Autor: 98 3253-3372 E-mail: [email protected]

Agradecimentos:À Fapema, pelo apoio à pesquisa;

Ao Manoel Campanhã Júnior (Apoio técnico);Ao José Luís Diniz (Revisão);

Ao Ferdinan Gutman (Fotografias).

S725ASousa, Moisés Matias Ferreira de Sítio ecológico: um guia pra salvar a

Terra | Moisés Matias Ferreira de Sousa._São Luís: Ed.

Estação, 2008. 104p.: il.;15x21cm.1. Ecologia. 2. Sítio ecológico. I. Título.

CDU 574

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SumárioApresentação

AS PRIMEIRAS FLORESDO SÍTIO ECOLÓGICO

As palavras grávidasA reação do planetaA emergência do CuidadoSítio ecológicoPrimeiros passos

O DESENHO DO SÍTIOBROTA DO CORAÇÃO

Critérios para decisãoDefinição da áreaEstudo do localPlanejamentoA construção do diagnóstico

AGRICULTURASUSTENTÁVEL

Origem da agricultura ecológicaAgricultura modernaAgricultura AlternativaDiferença entre os dois tiposde AgriculturaTipos de conhecimentoA produção para auto consumoAmpliação do conceitoConforto e segurançaAgregação de valorCuidando da terraSistema de produção

A MORADA ECOLÓGICA

Bio-moradiaPreceitos de uma casa ecológicaCustos Técnicas de construção

ARTE E TÉCNICADO (RE)USO

Contra plástico e Cia Princípio dos 3 Erres

ÁGUA, UM SOPRO DE DEUS

A água da chuva Valor da água

USINA SOLAR NO SÍTIO

A Energia Sustentável Uma Shell no quintalEnergias de FuturoComo será a Casa PanakuiEnergia Solar em todo lugar

CONSUMO SUSTENTÁVEL

Riqueza (in)visívelIDH AmbientalNão ao desperdícioProdutos de Limpeza EcológicosReduzir o consumoAuto-suficiênciaSeu prato aquece o planeta

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SAÚDE E QUALIDADEDE VIDA

A lição da sementeFaça sua parteTrabalho e rendaCentro Holístico de IcatuAuto-CuraAlimento natural

MARKETING ECOLÓGICO: o segredo

Arrancada holísticaO processo do marketing ecológicoO diferencial do Sítio Panakuí

REFERÊNCIAS

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aprESEntação

Salvar a tErra Juarez Alves Lima*

Falar de “Sítios Ecológicos”, na obra do Jornalista Moisés Matias, é ter em mente o futuro da humanidade.

À proporção que o mundo avança de forma globalizada, enfrenta peri-gos e transformações, levando-nos a profunda reflexão, na percepção da grande diversidade cultural e das formas de vida, onde a espécie humana e todo o planeta têm um destino comum. Depois de vários estágios da sociedade, resta-nos repensar as nossas ações no planeta: falou o comunismo, falhou o liberalis-mo, hoje o neoliberalismo, resta-nos gerar esforços na busca de uma sociedade sustentável global onde haja respeito à natureza, aos direitos humanos e onde haja justiça econômica mundial numa conjuntura de paz.

Urge uma tomada de consciência dos povos da terra, onde cada um será responsável consigo mesmo, com o outro, com a humanidade e com as futuras gerações, constituindo co-responsabilidades. Dessa forma, numa perspectiva divina e humana, vamos tirar o nosso sustento dos sítios ecológicos e viver em paz consigo mesmo (ecologia interna), com a humanidade (ecologia pla-netária) e com a natureza (ecologia natural), construindo assim o socialismo planetário ecológico.

Nós, de Icatu, iniciamos esta proposta revolucionária dos sítios ecoló-gicos com a implantação do Centro Holísticos de Medicina Alternativa, onde a população é atendida e trabalhada dentro de quatro pedagogias: “Soma”, “Psique”, “Nous” e Pnema”, de forma semelhante aos terapeutas de Alexan-dria, utilizando o Holismo numa perspectiva cósmica.

Os sítios ecológicos, na nossa administração de Icatu, serão instrumen-tos de política pública.

Juarez Alves Lima*Médico, pós graduado em Homeopatia e Prefeito de Icatu

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aS primEiraS FlorES do Sítio Ecológico

“As palavras estão grávidas de significados existenciais.”Leonado Boff )

aS palavraS grávidaS

Certa vez, em uma palestra sobre turismo ecológico para um grupo de ín-dios do Maranhão, manifestei a alegria que sentia em falar para os repre-

sentantes dos povos guardiões de grandes tradições da Humanidade. Contei que sou um pouco índio, uma vez que a minha avó paterna fora descendente de uma nação que vive no Vale do Juruá1 no Estado do Acre. Após a palestra um chefe da nação Guajajara2 perguntou:

“Qual é o seu tronco lingüístico?”. Demorei a entender a pergunta. O chefe Guajajara completou:

1 Os Kaxinawá, nome que os brancos deram aos Huni Kui. Em seu idioma hãtxa Kui (língua verdadeira, de origem Pano, significa “gente verdadeira”).Vivem nos afluentes do rio Juruá, no Acre, e no Alto Purus, na fronteira com o Peru. Estão espalhados em 14 aldeias e juntos somam aproximadamente 4 mil pessoas.

2 Além de Guajajára, “portador do cocar”, eles têm outra auto-denominação mais abrangente, Tenetehára, que quer dizer “somos os seres humanos verdadeiros”. A língua Guajajára pertence à família tupi-guarani. Os Guajajára chamam sua língua de ze’egete (“a fala boa”). Todas as terras indígenas dos Guajajara, onze no total, estão situadas no centro do Maranhão

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Moises Matias

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“Qual o nome do seu povo, a língua que ele fala?”.Não soube responder. Aquele chefe pronunciava com dificuldade as pa-

lavras em português, mas poderia dizer, inclusive, se tenho algum parentesco com a nação Guajajara.

Descobri assim que sabia pouco sobre a história da minha gente. Passei então a estudar as minhas origens, a tentar descobrir quem sou, de onde venho. Ainda sei pouco sobre as coisas, a terra onde nasci e o mundo onde vivo.

A humanidade existe sobre a terra há aproximadamente quatro milhões de anos, mas nós que nascemos no leito da cultura ocidental, mesmo carregan-do sangue indígena ou africano nas veias, ignoramos o saber ainda preservado das grandes tradições da humanidade.

Nós nos afastamos do saber das grandes tradições, assim como nos des-ligamos do meio onde vivemos. “O pé não sente mais o macio da grama verde. A mão não pega mais um punhado de terra escura”, ( BOFF. p. 90. 1999).

Construímos prédios que são verdadeiras fortalezas; fazemos naves es-paciais para explorar o universo, entre outros avanços, mas seguimos uma vida na maioria das vezes alheia ao vento que passa carregando aves, ao tempo em sua rotina de noite com lua e dias com sol e chuvas.

O depoimento de um dos maiores educadores do Brasil, Moacir Ga-dotti, no Livro Pedagogia da Terra, mostra o tamanho do fosso que separa a humanidade da natureza. “Nunca tive na escola a oportunidade de plantar uma árvore, de colher os legumes de uma horta, de chupar deliciosamente uma manga colhida do jardim da escola.”. (GADOTTI, p12, 2000).

O mundo moderno faz uma permanente negação da natureza. Em pra-ticamente todos os campos do conhecimento a natureza é vista como algo distante.

Dizemos que “é preciso preservar a natureza”, não que “é preciso que nos salvemos”. Nós somos parte indissociável do que chamamos de natureza.

A maioria das escolas, inclusive, trata o tema natureza como uma exter-nalidade, lembrado nas datas comemorativas. “Cresce a consciência de que a natureza funciona, não só como despensa ou almoxarifado, mas como quarto de despejo, lata de lixo e esgoto, para onde são jogados os detritos, dejetos e re-jeitos, tanto os da produção como os do consumo”. (MENDES. p 17. 1993).

A visão subjetiva de mundo que trazemos nem sempre segue os precei-tos da sociedade convencional, com seus códigos e certezas. Pelo menos no Norte e Nordeste do Brasil ainda há um conteúdo que vem da origem rural e se manifesta nas hortas e jardins das casas, na tradição de se criar animais do-mésticos, na manutenção de enredos, brincadeiras tradicionais e da literatura focada no tema rural.

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Sítio Ecológico - Um guia para salvar a terra

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Em alguns casos, a natureza subjetiva consegue se fazer ouvir, inclusive em sonhos, e nos faz, por exemplo, percorrer o caminho em busca de uma vida sustentável.

Nesta nova imersão, levamos na bagagem parte daquilo que consegui-mos construir, social e culturalmente, ao longo dos séculos.

A experiência humana nos levou ao paradoxo da existência. Como po-demos sobreviver no planeta terra sem causar danos às criaturas e ao meio ambiente? Este é o maior enigma que enfrentamos na atualidade. A aventura maior do projeto humano, a mudança da rota da destruição para a rota da ci-vilização sustentável.

“Uma nova forma de civilização, fundamentada no aproveitamento sus-tentável dos recursos renováveis, não é apenas possível, mas essencial”. (SA-CHS, p.29. 2002).

Não se trata de um retorno à natureza, como quem volta à idade da pedra, mas de um reencontro de um ser cultural, dotado de conhecimentos e vivências, com uma natureza que é nosso berço. É esta simbiose que torna possível a vivência na natureza, a garantia de uma vida com qualidade para todas as criaturas.

a rEação do planEta

Vivemos uma situação única na história da humanidade. A terra começa a reagir à poluição do ar, das águas e do solo. Tempestades colossais acontecem em várias partes do planeta; ondas gigantes sacodem as águas do mar e arras-tam cidades. A temperatura oscila de forma desordenada. Epidemias descon-troladas avançam, consumindo milhares de criaturas humanas na África, na Ásia, nos países mais pobres.

O desenvolvimento industrial, mantido sem considerar os limites do planeta, consome os recursos e dissemina a poluição.

Os sinais da reação do planeta estão por todos os lados. O desapareci-mento de milhares de espécies, a contaminação das águas, dos alimentos e das pessoas por metais pesados, o descongelamento das calotas polares.

A saída desta crise de proporção apocalíptica passa por uma profunda mudança de rota da humanidade.

a EmErgência do cUidado

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Moises Matias

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É preciso uma imersão do humano no oceano da natureza. Precisamos ativar todos os nossos sentidos, os nossos instintos, em um mergulho no ima-ginário humano, em busca de uma interação plena com a natureza e com o universo.

Cultivar uma semente e vê-la evoluir pode ser um ato revolucionário.Com este ato de carinho, desenvolvemos o Cuidado*, a dimensão ma-

ternal, o carinho que a mãe tem pela cria. Da pequena planta, evoluímos para o jardim, para o pequeno bosque e ao sítio ecológico, espaço que possibilita a vivência do projeto humano em uma relação solidária e sustentável com a natureza.

Mais que um ato isolado, cuidar de um sítio ecológico é uma atitude de adoção de uma pequena fração do universo, ao tempo em que nos doamos para

* Leonardo Boff, no livro Saber Cuidar, dá várias definições para o Cuidado: “ Cuidado: É um modo de ser singular do homem e da mulher. Sem cuidado deixamos de ser humano”.(BOFF. p. 89.1999). Cui-dar das coisas implica ter intimidade, senti-las dentro, acolhê-las, dar-lhes sossego e repouso” (BOFF. p. 96.1999). “O cuidado com a terra representa o global. O cuidado com o próprio nicho ecológico representa o local”. (BOFF. p. 134. 1999).

um projeto maior. Transformamos em atos o desejo de retornar ao aconche-go do útero materno, na sua dimensão ampliada, a natureza.

Como profetizou Mahatma Gandhi, “Os fins são os meios, ou seja, a maneira como se faz uma coisa determina a direção aonde se vai che-

gar” (PÁDUA e LAGO, p.66.1991).Em todos os países acontece um conjunto de iniciativas ecológicas, uma

reação orquestrada em defesa da vida em seu conceito mais amplo, contra a destruição da vida na terra.

São cientistas, artistas, agricultor@s, consumidor@s, cidad@os, reli-gios@s e leig@s3 . Estas pessoas formam um verdadeiro exército atuando na elaboração de alternativas, construindo soluções, construindo escolas integra-das, produzindo alimentos orgânicos, casas ecológicas, aparatos ajustados ao conceito da sustentabilidade social e ambiental.

Sítio Ecológico

3 *Parece estranho esta @ no texto. É uma tentativa de fazer a língua menos machista. É que não inventaram uma maneira de falar e de escrever sem discriminar a mulher, figura impor-tantíssima na construção de um sítio e de um mundo ecológico.

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Sítio Ecológico - Um guia para salvar a terra

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A construção de um sítio ecológico é parte desta estratégia. Através da criação de pequenos espaços, da proliferação de pequenas experiências, na jun-ção de iniciativas minúsculas, mas que possuem um brilho mágico, um canto apaixonante, amplia-se o esforço pela construção de um projeto de civilização justo e sustentável.

Os recursos naturais existentes neste mundo não nos pertencem; nós os recebemos por herança, uma vez que somos hóspedes neste pequeno planeta e é nossa obrigação deixar tudo em ordem, as coisas arrumadas, uma terra sau-dável para aqueles que virão.

primEiroS paSSoS

Após um período de estresse, causado por um ritmo frenético de traba-lho, descobri a necessidade de reencontrar a minha essência.

Passei a caminhar nas áreas verdes. Procurei sentir o tempo correr em sua pulsão regular, desenvolvendo atividades manuais ligadas à terra, como cuidar de um pequeno jardim e de canteiros de hortaliças.

Nas caminhadas, reservo um tempo para a meditação. Procuro um lugar tranqüilo e tento entrar em sintonia com o eu profundo. Em um desses dias consegui viajar através do universo do corpo, por entre veias, tecidos, ossos e membranas. Depois, saí do corpo e tive uma visão ampla da terra, atravessando árvores, montanhas, águas profundas e o espaço, visualizando infinitas formas de vida em cores fortes. E vi que tudo estava vivo, fecundo, ligado, movido por uma energia descomunal. Então eu chorei profundamente. Mas estava feliz, como uma criança que chora após perder a mãe, em uma cidade estranha, por alguns instantes, e a reencontra em seguida.

Este exercício despertou em mim uma nova dimensão, algo como uma memória intracelular e cósmica que normalmente não conseguimos alcançar de forma consciente. Esta memória está guardada no inconsciente humano. Foi assim que descobri que trago dentro de mim um índio, espírito livre que se manifesta em contato com a natureza.

E assim comecei a construir um sítio ecológico. Distante do verdejante Acre, das suas aves multicoloridas e dos odores silvestres, busquei construir um refúgio para o corpo e a mente.

Consultei especialistas, pesquisei o assunto e logo estava tentando com-prar uma terra para algumas famílias de agricultores tradicionais, parceiros na aventura. Nesta fase descobri que não havia muita coisa sobre o tema sítio eco-lógico. Uma literatura vaga refletia principalmente a realidade do sudeste do

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Brasil, ou experiências realizadas na Inglaterra e em outros países europeus. Senti o ambiente desfavorável à pequena produção ecológica, ajustada

ao Nordeste, ao contexto do Maranhão e, sendo mais específico, à realidade rural da ilha de São Luís.

“a relação rural e urbano no âmbito da modernidade tem sido sistematicamente tensionada por um tipo de concepção que valora positivamente o urbano como locus privilegiado de realização do que é moderno e do que é o progresso, e nega-tivamente o rural como locus do que é tradicional e do que é atrasado4 .

Descobri outros sitiantes, os quais mantinham espaços ecológicos en-frentando grandes dificuldades. Em outras regiões do país, como Paraná e Santa Catarina, identifiquei experiências com a Permacultura, a Agroecologia, a Ecologia Intuitiva, a Bioconstrução, entre outras denominações, todas bus-cando uma vida em equilíbrio com o ambiente natural, a produção de parte do alimento da família, uma vida sustentável.

Nesta fase o projeto já estava esboçado em sua forma ecológica e políti-ca, ajustado ao lema “penso globalmente e atuo no cotidiano”. Deveria ser uma célula irradiadora, uma base para a conspiração ecológica.

As dimensões do sítio ecológico

4 KARAN, Karen Fallador. A Agricultura Orgânica como Estratégia de Novas Ruralidades: um estudo de caso na Região Metropolitana de Curitiba. Disponível em http/www.planetaor-ganico.com.br>. Aceso em: 15 jun 2008.

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Sítio Ecológico - Um guia para salvar a terra

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O sítio ecológico precisava ser uma experiência vitoriosa, no sentido do atendimento das minhas necessidades, trazendo bem estar e qualidade de vida à família, tornando-se um laboratório de práticas ecológicas.

Assim nasceu o Sítio Panakuí, o laboratório de ecologia do jornal que edito - Folha do Amanhã - cuja pesquisa resultou na presente publicação. O sí-tio ecológico almeja, portanto, “Ser parte de uma grande comunidade de vida”, “Aperfeiçoar a ética para a vida sustentável “, tendo claro que “Viver sustenta-velmente deve ser o princípio guia de todos os povos do mundo”. (PNUMA. p. 05. 1991).

Localização geográfica. Mapa situacional (Brasil, Maranhão, São Luís).

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o dESEnho do Sítio Brota do coração

“O que é o jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins.” Moacir Gadotti

critérioS para dEciSão

O sítio ecológico produtivo deve existir como uma obra de arte dentro de você. É preciso, antes da decisão final, cultivar o hábito de cuidar da natu-

reza. Montar um pequeno jardim pode ser um bom início. O sítio ecológico é um espaço para criar pequenos animais, cultivar plantas, semear flores e colher frutos. Pode ser a construção de uma obra de arte viva, cuja complexidade e beleza dependerão sempre do cuidado e da dedicação.

É um ambiente ideal para a recriação de um estilo de vida com paz, com canto de pássaros ao fundo e aroma de flores no ar.

O sítio pode ser um espaço de trabalho, um projeto para aumentar a renda da família e produzir gêneros alimentícios de qualidade. O ideal é que a iniciativa seja carregada de significados especiais - uma área onde se brincou na infância, ou um local para se construir uma bela casa para a família, onde as crianças possam crescer; um local para se envelhecer com dignidade.

dEFinição da árEa

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Fazer um sítio ecológico é algo que pode ser prazeroso, mas exige um planejamento detalhado.

É preciso analisar as condições objetivas e subjetivas. Trata-se de um investimento carregado de emoção. Todos os detalhes devem ser estudados, para que a iniciativa seja coroada de êxito.

O ideal é que a área atenda às exigências objetivas e subjetivas d@ fu-tur@ sitiante, assim como da sua família.

Antes de tomar qualquer decisão, converse com as pessoas queridas; consulte livros e ouça a opinião de especialistas e curiosos sobre o assunto.

Faça algumas visitas às instituições que trabalham com o tema, como os órgãos de assistência técnica. Todavia, procure manter a cabeça sempre bem aberta e o coração atento. Às vezes uma opinião negativa, vinda de uma cabeça conservadora, tem o efeito exatamente contrário. Mas é necessário tomar a decisão após ouvir todos os lados da questão.

É primordial que a área tenha água, energia, vias de acesso, uma boa pai-sagem, um riozinho, abundantes recursos naturais e esteja próxima do centro consumidor.

Todavia, cada caso tem a sua singularidade. Alguns procuram exata-mente o oposto, como uma mina abandonada ou uma área degradada, para que assim possam recuperar o espaço.

Afinal, a pessoa pode querer um sítio para fazer uma base de resistência política e ecológica. Ou um espaço para construir um refúgio, um local para escrever, por exemplo.

EStUdo do local

Após escolher as melhores áreas, mas antes da decisão final, procure namorar um pouco cada uma delas. Responder o questionário seguinte, com os dados das áreas pré-escolhidas, pode ser um ótimo exercício:

1. Em que tipo de solo se situa a terra?2. Quantos dias faltam para a lua cheia?3. De que direção costuma vir as tempestades de inverno, na região?4. Para onde vai o lixo da área?5. Quanto tempo dura o período de plantio na área? 6. No lugar, em que dia do ano as sombras são mais curtas?7. Cite cinco espécies de aves que vivem na área, ou migram para ela.8. Na região, como as pessoas utilizavam a terra, no século passado?

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Sítio Ecológico - Um guia para salvar a terra

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9. Que espécies foram extintas, na área?10. Quais os principais grupos vegetais da área?11. Do lugar onde está a terra, aponte para o norte.12. Na região, qual a primeira flor silvestre a brotar na primavera?13. À noite as estrelas são visíveis?14. Quantas pessoas moram na região, vizinhas à terra. Quais os seus nomes?15. Quanto combustível você gastará, em média, por semana, para ir e vir ao sítio?16. Por que tipo de energia você pagará mais caro?17. Que recursos energéticos existem na área, em uso ou em potencial?

(SCHWARZ, p.100, 1990).

Definido o local mais adequado ao projeto, começa então a construção do diagnóstico intuitivo e objetivo da área.

O estudo intuitivo visa atender às necessidades subjetivas do futuro si-tiante. Se a pessoa deseja um local para observar os pássaros, então el@ precisa de uma área afastada do barulho urbano.

O estudo objetivo deve ser feito de forma detalhada. Uma análise do tipo de solo, por exemplo, deve ser feita. A análise do solo é que vai dizer se a terra é adequada à produção agrícola, se possui algum tipo de contaminação ou de carência de minerais.

Pronto, a decisão já pode ser tomada. A área pode ser alugada, empres-tada, adquirida em sociedade, conseguida do governo local e até comprada. Lembre-se que a construção de um sítio ecológico é uma obra de grande al-cance social e ambiental, pois as pessoas envolvidas estarão na verdade ajudan-do a salvar o planeta terra.

planEjamEnto

O projeto deve ser erguido com o tempero da paciência. O açodamento deve ser evitado. É preciso evitar as dívidas. O sítio deve

ser sustentável desde o início. Um período de tolerância de seis meses é mais que suficiente para se garantir a auto-sustentação do empreendimento. Depois deste tempo, o sítio já pode ter uma receita própria para pagar os seus custos básicos. O ideal é que se use uma poupança, o valor da venda de um outro imóvel, ou aquela receita inesperada. O melhor início é aquele que já nasce com um plano na área da economia solidária, como uma associação (formal ou

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Moises Matias

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informal), ou uma cooperativa.Empréstimos bancários devem constar como a última opção a ser ado-

tada para o início do sítio. Para os trabalhadores que fazem parte da agricultura familiar, o Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) tem linhas com crédito acessível e a juros baixos.

Os bancos públicos (Banco do Brasil e Banco do Nordeste) possuem linhas de crédito interessantes para as pessoas que não podem ter acesso ao PRONAF. Mas a luta deve ser para ampliar o leque e fazer o governo garantir um programa de crédito específico para todos que desejarem produzir alimen-tos e viver na terra.

a conStrUção do diagnóStico

Diagnóstico intuitivo

Este estágio pode demorar algumas semanas ou alguns meses. Depende do grau de profundidade e de sintonia que se queira construir com o local.

Procure ativar a inteligência emocional para conseguir entendê-lo em profundidade. Busque uma integração da área com o próprio corpo; deseje senti-lo como mais um membro da família, um ente querido na sua seleta rede de afeto.

Adote inicialmente um caderno de anotações e construa o diário do sítio.

Tire fotos, filme ou desenhe as flores, a paisagem, os animais e as plan-tas. Deixe tudo acontecer de forma sedutora e espontânea.

Nas visitas regulares, faça exercícios de respiração; acompanhe o nascer e o pôr-do-sol no local.

Pratique Yoga, ou outra terapia de auto-conhecimento. Monte pequenos experimentos no local, como um jardim, uma horta, ou

pratique alguma arte manual, usando os produtos da área.Procure ouvir os sinais de vida, como o aroma das flores, o movimento

dos insetos, o canto dos pássaros. Descubra o sabor do local. Invente receitas e pratos a partir dos pro-

dutos da área. Há uma variedade de ingredientes que podem ser extraídos de uma pequena área verde, como o palmito das palmeiras, as pequenas frutas silvestres.

Os detalhes dizem muito sobre a história do local. Converse com os moradores da região e ouça-os com atenção.

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Sítio Ecológico - Um guia para salvar a terra

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Exercícios como os indicados ajudam a desenvolver a visão interior, o ouvido interno.

Uma vez atingido este nível de integração, o espaço ecológico passa a fazer parte do mundo real e do mundo dos sonhos d@ sitiante. É hora, então, de avançar para a próxima etapa do estudo.

Diagnóstico técnico

O diagnóstico técnico deve ser feito na área do sítio. Busca-se, com o estudo, alcançar o máximo de conhecimento sobre a terra, os recursos existen-tes, as vantagens e as desvantagens do espaço. Como demonstração do estudo, faremos um diagnóstico rápido do Sítio Panakuí.

O sítio panakuí tem o formato de um ferro de engomar, é largo de um lado e fino do outro, com 30.000 m2, ou três hectares.

Após inúmeros desmatamentos e queimadas, a área possui uma vege-tação remanescente da mata amazônica e mata de transição, com muitas pal-meiras de babaçu.

Espécies como a maçaranduba, a catuaba, o ipê e muitas outras plantas nativas sobrevivem na forma de miniaturas de árvores à espera da oportunida-de de sobrevivência.

Na parte que limita com o mangue predomina a vegetação de áreas baixas e alagadas, com alguns pés de juçaras, buritis e outras.

Pequenos roedores, cutias, pacas e tatus; lagartos, tejos; cobras, jacarés, macacos e guaxinins, visitam a área, saindo da vegetação do mangue, que se comunica com o sítio em sua porção Sudoeste. Toda a área que limita com o mangue apresenta fontes de água doce, que escorrem o ano inteiro para o mangue.

Têm ainda cupins, formigas e maribondos, borboletas e pássaros.A área apresenta uma leve declividade na direção nordeste/sudoeste, o

que representa risco de erosão.Chove durante sete meses, de janeiro a julho. Nos outros meses a chuva

é rara.O Lençol freático é acessível a 8,0 metros de profundidade, no final do

verão. Possui uma água cristalina e livre de contaminação.Na parte oeste, subindo para o sul, a área é circundada por uma vegeta-

ção de mangue. No limite da área há um pequeno braço de água salgada que sai do rio Tibiri, que por sua vez bebe na Baía do Arraial, regendo a área do

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sitio com as energias das grandes marés que banham o litoral do Maranhão. Este pequeno braço de mar tem a sua ligação com o Sítio Panakuí através do Porto Panakuí5 . É daí que vem o nome da área.

Nas noites de lua cheia a maré atinge seu mais alto nível, avançando nas partes baixas do terreno.

O vento forte vem principalmente do leste, nascente, durante o dia, com mudanças para a direção nordeste. Nos meses de verão (agosto/ dezembro) aparecem as correntes vindas do oeste e sudeste (raras). Nos meses de agosto e setembro, principalmente, o vento incide com grande intensidade na área do sítio, apresentando um potencial para a geração de energia eólica.

Image google Earth

5 Panã: paneiro; Kuí: pequeno, na língua tupi. Na tradução livre para o sítio, ficou então Panakuí: Pequeno cesto de idéias.

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agricUltUra SUStEntávEl “Plante boas sementes, plante sementes doces. Elas farão nascer árvores frondosas, que produzirão frutos suculentos. Cada um desses frutos será responsável por novas sementes, que irão acrescentar

mais prazer à vida”.Ensinamento budista

origEm da agricUltUra Ecológica

As origens da agricultura estão perdidas em um passado remoto. “Estima-se que as primeiras lavouras tenham sido intencionalmente semeadas ao

redor de 10 mil anos atrás” (KATOUNIAN, p.17.2001)Pequenos agrupamentos humanos mantiveram por longos períodos da

história uma relação saudável com a natureza.Estes grupos valorizavam a figura da mulher, veneravam as deusas, os

astros do céu e se deixavam seguir pela tradição e pela intuição. Eram socieda-des matriarcais que viviam em grupos, sustentando tradições comunais.

“Investigações encontraram evidências de sociedades agrícolas de vida confortável não fortificadas, de orientação matriarcal e divindades femininas 6.”

6 BIGNARD, Fernando. Agricultura ecológica e a saúde humana. Disponível em <http/ scribd.com. Acesso em 20 jun 2008.

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Através da observação da natureza a humanidade selecionou as semen-tes, cultivou determinadas plantas e domesticou animais. Assim a vida seguiu durante milhares de anos. Com o crescimento dos agrupamentos humanos, aumentou a necessidade de alimentos, gerando uma pressão crescente sobre o meio natural.

A natureza, então, deixa de ser a mãe caridosa. A figura masculina exi-ge o espaço de poder na sociedade. Começam as disputas por territórios, por alimentos e surge a propriedade. O matriarcado termina subjugado e começa o domínio do patriarcado, o poder da força que se impõe sobre as mulheres e sobre os mais fracos. E a natureza, manifestação do feminino, passa a ser asso-ciada a um armazém ilimitado de criaturas e outros recursos.

Essa visão insensível acabou prevalecendo, como bem demonstra a mensagem bíblica seguinte: “Então Deus disse: “façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra”. (Gênesis, p. 2 .2001).

A visão antropocêntrica, que coloca o homem como imagem e seme-lhança do criador e acima de todas as criaturas, passa a predominar, rompendo assim com a visão biocêntrica – que não considera o homem com centro de tudo, mas, apenas, como um dos muitos componentes da natureza.

Com a nova forma de explorar a natureza, os problemas foram cada vez mais se ampliando.

“Uma após outra, civilizações foram florescendo apoiadas sobre deter-minada base natural e, à medida que cresciam, iam esgotando essa mesma base natural de que dependiam”.(KATOUNIAN, p17. 1991).

A dominação da natureza avançou em grande marcha. A história das ci-vilizações apresenta inúmeros casos de ambientes naturais que foram extintos, o surgimento de colossais desertos em antigas terras férteis, até o desapareci-mento de civilizações que esgotaram os seus recursos naturais, como é o caso dos antigos habitantes da Ilha de Páscoa.

O resumo da história é que o modelo da destruição avançou por centenas de anos. No percurso, aconteceram a Inquisição, as Grandes Nave-gações e o chamado “Descobrimento do Novo Mundo”, uma Revolução In-dustrial multiplicou a capacidade de intervenção humana na natureza, duas grandes guerras mostraram o potencial de destruição então disponível, naves espaciais levaram o homem à lua e avança a exploração do sistema solar, ini-ciando pelo planeta Marte.

No caminho ficaram as marcas da degradação social e ambiental. Os fla-gelos humanos se traduzem em miséria, na mortalidade infantil, em um mun-

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do dividido entre os poucos que têm em abundância e os muitos que vivem na desolação e na pobreza. Os flagelos sociais estão representados na destruição dos diversos ecossistemas, na poluição descontrolada e na catástrofe ambiental que chega a ameaçar a continuidade da vida humana no planeta Terra.

agricUltUra modErna

Na agricultura moderna - característica deste processo recente - há um desrespeito aos elementos da natureza. Impõe-se a volúpia destrutiva. Reti-ram-se da natureza, sob tortura, os gêneros, as frutas e verduras, os minérios, entre outros produtos, fazendo-se uso de máquinas pesadas, de agrotóxicos e de fertilizantes danosos ao ambiente natural.

De 1500 a 1850, presume-se que a cada 10 anos foi eliminada uma espécie de vida. De 1850 a 1950, uma espécie por ano. A partir de 1990, está desaparecendo uma espécie por dia. (BARROS, p. 22. 2002).

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4 Ciclo vicioso da agricultura química

ZAMBERLAN, 2007

agricUltUra altErnativa

Mas a agricultura alternativa, aquela desenvolvida pelos pequenos agru-pamentos humanos ao longo da história humana, continuou e continua sendo praticada, apesar das adaptações e pequenas mudanças, conserva o respeito à natureza, produzindo gêneros alimentícios saudáveis.

Na agricultura alternativa a terra é tratada como a ‘Mãe-Terra’, a “Pa-cha-Mama’, ‘o pó de que fomos criados e para o qual voltaremos”. “Em vários pontos do planeta e em várias épocas se acumularam conhecimentos sobre for-mas mais sustentáveis de existência. Talvez o exemplo de maior expressão seja as civilizações orientais baseadas no arroz irrigado. Há pelo menos 40 séculos, essas ‘civilizações do arroz’ ocupam os mesmos terrenos e mantém, apenas com o uso de recursos locais, rendimentos de 2t a 4t de arroz por hectare”. (KA-TOUNIAN. p 18. 1991)

Na Amazônia, estudos de antropologia demonstram a riqueza do co-nhecimento tradicional sobre a agricultura ecológica praticada por nações in-dígenas.

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“As comunidades tradicionais da Amazônia, indígenas e caboclas prati-cavam - muitas delas ainda praticam - sistemas de subsistência e de produção que não prejudicam de forma significativa o meio ambiente e permitem a ma-nutenção da cobertura florestal (DUBOIS IN: PAVAN, p. 260, 1996).

Dom Sebastião Armando Gameleira Soares, na apresentação do livro “O Espírito vem pelas águas”, (p. 16) destaca: “Lembrai-nos de que muito temos a aprender com os povos do Oriente e as culturas ancestrais dos povos aborígenes e negros. Que reviravolta, quando pensamos o quanto estes povos têm sido desprezados, negados e exterminados!”.

Diferença entre os dois tipos de AgriculturaOrgânica Química

Tecnologia de processo(Solo-planta-ambiente)

Tecnologia de produto. Dependente de re-cursos externos

Equilíbrio do solo-ambienteVida microbiana – matéria orgânica e mine-rais essenciais balanceados

Erosão do solo, empobrecimento em húmus e microorganismos, desequilíbrio mineral

Plantas equilibradas e resistentesProdutos sadios

Plantas desequilibradas, com baixa resistên-cia. Uso de pesticidas agressivos, produtos contaminados.

Ecossistema EquilibradoAuto-sustentável

Poluição e deterioração do ecossistema. Des-capitalização.

Fonte:Introdução à agricultura orgânica, Penteado, p. 2

O ciclo vicioso da agricultura química atua no curto prazo e quer extrair o máximo de produtos de uma área, fazendo uso de máquinas pesadas que retiram a vegetação nativa e reviram a terra; aplicam fertilizantes artificiais, defensivos e agrotóxicos.

“Tanto os resíduos de adubos, como os venenos, prejudicam a microvida do solo. Por isso, em seguida tem que se adubar mais para se obter a mesma produção, pois a fertilidade natural foi diminuída. E isto leva ao aumento do desequilíbrio do solo e, consequentemente, da nova planta.” (RINKLIN IN:ZAMERLAN, p. 108, 2007)

O estudo, a observação e a pesquisa dos conhecimentos agrícolas acu-mulados pelos chamados grupos tradicionais, de diferentes partes do globo, que construíram durante milhares de anos sistemas de produção ecológica tendo por base os recursos disponíveis na natureza, sendo que muitos destes grupos ao redor do planeta sustentam ainda hoje modelos alternativos de sociedade,

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serviram de base para a formulação de correntes teóricas sobre a agricultura orgânica.

De acordo com Darolt, “Desde o final do século XIX existia na Europa e, mais especificamente na Alemanha, um movimento por uma alimentação natural que preconizava uma vida mais saudável”. (DAROLT, p 18. 2002).

Surgiram, a partir das primeiras décadas do século XX, diversas corren-tes que defendem uma agricultura orgânica, todas tendo por base ou inspiração os conhecimentos acumulados por diferentes grupos de agricultor@s tradicio-nais, em oposição à agricultura predatória (ou química).

Darolt, a partir de EHLERS (1996), agrupa o movimento orgânico em quatro grandes vertentes:

( Principais correntes de pensamento ligados ao movimento orgânico e seus precursores.)

AGRICULTURABIODINÂMINCA

AGRICULTURAORGÂNICA

AGRICULTURAORGANO-BIOLÓGICA

AGRICULTURA BIOLÓGICA

AGRICULTURAECOLÓGICA

AGRICULTURAALTERNATIVA *

AGROECOLOGIA * AGRICULTURASUSTENTÁVEL **

AGRICULTURAREGENERATIVA

PERMACULTURA

AGRICULTURANATURAL

(Rudolf Steiner/E.Pfeiffer)

Início década 20Alemanha/ Áustria

(Albert Howard/E. Balfour/J.I. Rodale)

Anos 30 e 40Grã Bretanha/EUA

Hans Muller/Hans P. Rusch

Início década 30Suíça / Áustria

J.Boucher/R. LemaireDécada 60/70

C. Aubert/F.ChaboussouFrança

(H. Vogtmann/Univ. Wageningen

Final 70/ Início dos Anos 80Alemanha/ Holanda

Anos 70

NOTA: *Esses termos não constituem uma corrente ou uma filosofia bem definida de agricultura, apenas são úteis para reunir as correntes que se diferenciam da agricultura convencional. ** Termo bastante desgastado por sua falta de precisão e pela forma como vem sendo utilizada. A maioria das definições procura associar o termo com objetivos a serem atingidos numa agricultura durável ao longo do tempo.

M. Altieri / S. GliessmanAnos 80

(América Latina / EUA) Final dos 80/ Anos 90

(Robert Rodale /J. PrettyFinal 70/ Início 80Estados Unidos

Bill MollisonAnos 70 e 80

Austrálica

(Mokiti Okada/Masanobu Fukuoka)

Meados anos 30Japão

Essas correntes teóricas têm como ponto comum também o fato de terem recorrido ao conhecimento acumulado pelos povos tradicionais das di-ferentes regiões da terra, que acumulam experiências milenares nas práticas agrícolas.

O crédito a estes povos nem sempre é dado. São enciclopédias não-es-critas, a reserva de conhecimento holístico necessário à ciência nova, ao planeta solidário e ecológico. Em muitos casos, as pesquisas acabam privatizadas com

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o registro de patentes e marcas.Desde os anos 70 a Agricultura Alternativa vem incorporando as dife-

rentes abordagens que se preocupam com a preservação dos recursos naturais e com a qualidade de vida das criaturas viventes. As Comunidades Alternativas, surgidas no final dos anos 60, como parte do movimento de contracultura, pregavam um estilo de vida integrado à natureza, com a produção de parte do alimento e em paz com o mundo. O movimento seguia o exemplo de outras “Comunidades Alternativas”, formadas pelos povos indígenas, pelos antigos quilombos e por outros povos que viviam - e muitos ainda vivem – em harmo-nia com a natureza circundante.

A agricultura alternativa é, portanto, a denominação que indica o cami-nho para a implantação de um sítio ecológico.

A partir dos componentes das várias linhas, formamos o seguinte dese-nho do modelo de agricultura alternativa que precisamos implantar em nossos sítios.

A área do sítio é entendida como um organismo vivo. Devemos consi-derar os astros para fazer os plantios, as colheitas e outros serviços. A fertilida-de do solo deve ser promovida por um processo biológico natural, pelo uso da matéria orgânica, assim como os compostos naturais podem reativar as forças vitais da natureza. Uma planta bem nutrida, além de resistente a doenças e pragas, fornece alimento de maior valor biológico. Devemos promover a inte-gração das atividades de plantação e de criação de animais, bem como a inte-gração entre as áreas produtivas com o conjunto das atividades agropecuárias e produtivas regionais, incluindo a manutenção de ecossistemas cultivados no campo e nas cidades, com habitação e energia ecológicas.

tipoS dE conhEcimEnto

Há três níveis de conhecimentos que precisamos definir para melhor entender o processo que ocorre em um sítio ecológico.

O conhecimento tradicional, também chamado de empírico, baseia-•se nas vivências práticas transmitidas ao longo de gerações, princi-palmente pela linguagem oral. Ex: conhecimento tradicional sobre a pesca, a caça, a agricultura.O conhecimento científico, também chamado de racional, é a lin-•guagem da ciência. Precisa ser provado. É racionalizado a partir de experiências concretas e pode ser reproduzido em outras situações. Ex: invenção de remédios, descobertas científicas sobre as coisas do

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mundo, feitas em laboratório, registradas em patentes.Conhecimento intuitivo. Predomina a sensibilidade sobre o intelec-•to. Ultrapassa os limites da razão. Uma percepção apurada que em alguns casos ultrapassa os limites do espaço e do tempo. Exemplo: instinto materno acerca do bem-estar e da segurança d@s filh@s; percepção de riscos e perigos que nos faz optar por caminhos di-ferenciados. Capacidade sensorial que herdamos desde que nasce-mos.

Conhecimento tradicional Conhecimento científico Conhecimento intuitivo

Conhecimento tácito (subjetivo) Conhecimento explícito (obje-tivo)

Sujetivo, objetivo e sensível

Conhecimento de experiência (corpo)

Conhecimento de racionalidade (mente)

Conhecimento da experiência, da mente e do coração

Conhecimento simultâneo (aqui e agora)

Conhecimento seqüencial (na-quele lugar, naquele tempo)

Simultâneo, seqüencial e inte-grado

Conhecimento analógico (prá-tico)

Conhecimento digital (teoria) Prático, teórico e criativo

Fonte: Rahman, 2000.In: Pierina German Castelli & e John Wilkinson, com adaptações.

Os três níveis de conhecimento fazem parte da capacidade humana de criar e reinventar a realidade. Eles coexistem em nossa rotina diária, mas foram desprezados com o desenvolvimento e o predomínio da racionalidade científica. A realidade do mundo atual, com suas crises sociais, econômicas e ambientais, é associada à crise da racionalidade. Precisamos, portanto, buscar o equilíbrio entre os três níveis de conhecimento.

O Holismo, que faz a integração destes níveis de conhecimento, não é algo novo. Ele está presente nas várias concepções filosóficas ao longo de evo-lução do pensamento humano. O termo Holismo origina-se do grego holos, que significa todo.

“Essa visão vem se contrapor à visão dualista, fragmentadora e mecani-cista que despojou o ser humano da sua unidade, ao longo desses séculos de ci-vilização tecnológica e de racionalismo exacerbado”. (TAVARES. p. 62. 1993)

O pensamento holístico é, portanto, profundamente ecológico. O sítio ecológico é, sob todos os aspectos, um espaço holístico e @ sitiante, para que possa desenvolver os processos de integração (interna e externa), incorporação (do antigo, do atual e do novo), e conservação, precisa desenvolver, de forma equilibrada, os três níveis de conhecimento, com especial atenção ao conheci-mento intuitivo, que incorpora os demais níveis.

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Costumes tradicionais predatóriosA cultura do fogo ainda sobrevive, em muitas paragens deste país. No

caso dos pequenos agricultores, predomina o uso das queimadas na limpeza das áreas, no cultivo da mandioca e de outras culturas. Após o fogo, a madeira é retirada, as varas de espécies raras, como a maçaranduba e a andiroba, que podem atingir mais de 25 metros, são transformadas em cercas e em carvão.

Prática predatória dos correntõesAinda mais grave é a práticas dos correntões acoplados a tratores, que

arrasam centenas de hectares de mata nativa no cerrado brasileiro, arrancando as árvores pela raiz, para plantar monoculturas. Logo depois vem a carvoaria, que produz o carvão para abastecer as siderurgias.

Um ambiente natural construído ao longo de milênios acaba destruído em alguns dias.

a prodUção para aUto conSUmo

No livro A reconstrução ecológica da agricultura (2001), Carlos Armênio Khatounian apresenta um estudo sobre a produção para consumo doméstico. O autor trata a questão no âmbito do consumo da família e constrói uma inte-ressante abordagem sobre o assunto. O capítulo do livro de Khatounian serve de roteiro e inspiração para esta seção do trabalho. Todavia, o termo “consumo doméstico” será visto de forma ampliada, envolvendo toda a base de uma famí-lia, com seus parentes, os vizinhos, a rede de amizade, ou seja, todas as pessoas envolvidas na rede solidária d@ sitiante que tenha interesse em adquirir e con-sumir os produtores orgânicos diretamente, sem intermediários.

A produção para o auto consumo é a forma mais antiga de produção e ainda existe de forma generalizada nas diversas regiões do planeta, normal-mente associada à cultura de subsistência. No Brasil, o auto consumo garante a produção de gêneros agrícolas de qualidade para milhares de famílias de tra-balhador@s rurais, gerando um excedente que abastece mercados e cidades.

A crise na produção de alimentos tem elevado o preço dos produtos e gerado conflitos por gêneros alimentícios em diversas regiões do planeta. O assunto tornou-se um tema de segurança nacional.

Neste cenário, o auto consumo pode ser um dos caminhos para a con-quista da segurança alimentar das populações do planeta7 . 7 Um estudo sobre a agricultura mundial, elaborado por representantes de 110 países e insti-

tuições-chave, conclui que a América do Norte está cada vez mais dominada por uma estru-tura agrícola vertical. Segundo a Avaliação Internacional do Conhecimento, da Ciência e da

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No sitio ecológico o auto-consumo tem uma destacada importância. O objetivo principal é garantir os produtos orgânicos para o consumo da família. Com a produção integrada, as sobras de um determinado setor migram para alimentar o outro. Exemplo: a sobra da horta vai para os animais de criação; o estrume dos animais enriquece o solo da horta, garantindo a fertilidade do ecossistema.

No sítio Panakuí mantemos uma área menor para a horta, espaços maio-res como sistemas agroflorestais, um cercado reservado para a criação de aves e uma área maior como reserva.

Exemplo de organização do sistema de produção do Sítio Panakuí.

Área de lavoura/horta/canteiro medicinal1. Área de cultivo2. Área de coleta3. Cozinha/laboratório de sabor4. Oficina de artesanato5. Área de reserva6.

Priorizamos os cultivos de plantas adaptadas ao clima local, resistentes a doenças e pouco exigentes de água, com boa produção e valorizados no merca-do, em sua forma natural ou com algum beneficiamento. É o caso do urucum, do murici, do caju, do coco d`água, do limão, da pimenta malagueta, do gerge-lim, da macaxeira, do milho, do feijão, do maracujá, do abacaxi e da romã.

Os produtos da horta seguem os mesmos princípios. Algumas espécies regionais são mais resistentes. É o caso da vinagreira, do João gomes, da couve,

Tecnologia no Desenvolvimento Agrícola (IAASTD), publicada em meados deste mês, “os grandes atores têm uma influência predominante sobre a produção, o processamento e a co-mercialização de alimentos”.

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da cebolinha, do maxixe e do quiabo.No caso dos animais de cria-

ção, optamos pela criação da galinha caipira, para consumo doméstico e para produção de ovos. Também criamos perus, capotes e patos. Tudo para consumo doméstico, em pe-quena quantidade, em um cercado amplo e com muita vegetação, “cujas necessidades nutricionais podem ser atendidas pelos recursos regionalmente disponíveis”.(KATOUNIAN, p. 258, 2001)

De acordo com Khatounian, “sistemas de produção para consumo do-méstico não se transportam, senão para condições ambientais muito semelhan-tes. No entanto, é possível utilizar criativamente recursos genéticos e elementos de manejo desenvolvidos em outras regiões, mas que possam contribuir para estratégias de produção alimentar sustentável do ponto de vista nutricional, ecológico, econômico e cultural”. (KATOUNIAN, p. 259, 2001)

Além do auto consumo, a produção excedente pode ser transformada em molhos (pimenta), bolos (macaxeira e milho), cuxá (vinagreira e gergelim), xaropes (romã) e pomadas (urucum). A produção excedente poderá ser trocada com os vizinhos por outros produtos, vendida antecipadamente para consumi-dores amigos e comercializada nas feiras.

Observe-se que, como ressalta Khatounian “os itens a serem produzidos dependem da cultura, da demanda, dos recursos naturais disponíveis”. No sítio Panakuí há uma boa quantidade de palmeiras de babaçu, palmeiras de tucum e várias espécies nativas.

Do babaçu aproveitamos, por enquanto, o carvão e o estrume das palmeiras. Ainda não ex-traímos o óleo de babaçu. Vamos fazer de cada palmeira uma espécie de canteiro suspenso para a criação de plantas nativas, entre elas algumas espé-cies de bromélias .

Do tucum vamos extrair o óleo vegetal e a fibra para a produção de artesanato.

Das espécies de árvores nativas, vamos co-letar as sementes para a produção de mudas. Esta é a lógica de aproveitamento racional e sustentável dos produtos.

Incluímos, no Panakuí, duas áreas como es-

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tratégicas: a cozinha se transforma em um fábrica de doces, molhos, conservas e outras variedades da culinária, aproveitando os recursos alimentícios; e a ofi-cina de arte e ofícios, que passa a reutilizar e inventar maneiras de reaproveitar os recursos materiais existentes no sítio.

ampliação do concEito

Até o momento temos nos referido à pessoa do sítio ecológico como “sitiante”. Este não é um termo adequado. O termo “agricultor” também é limitado. O sítio ecológico é uma usina movida a energia solar, não trabalha apenas com a agricultura. A responsável pela área é agricultor(a), artesão(a), carpinteiro(a), cozinheiro(a), pescador(a); ela conhece o movimento das marés, o ciclo da lua, as estações do ano, os enredos. É uma pessoa com ampla forma-ção na arte de cuidar da terra, de viver na terra.

Para Ana Maria Primavesi, uma das maiores autoridades em agroecolo-gia da América Latina, “Produzir não tem nada a ver com instrução, saber ler ou escrever... na cidade pode ser imprescindível, mas no campo pode não ser”. (Orgânicos em Revista, ano I,. vol. 01, p 21. 2008)

Novo conceito

Nesta perspectiva, o termo artecultor – pessoa que se dedica à criação de bens materiais e ou simbólicos, tendo como base para o trabalho o am-biente natural, os recursos extraídos da natureza (vegetal, animal, mineral e a paisagem, modo de vida e práticas culinárias), representa @ profissional que se dedica a tão importante e variada missão, que é cuidar de um pedaço da terra para as presentes e futuras gerações.

No sítio ecológico @ artecultor@ exerce novo papel. “É o executor e o criador. Inovador e transformador do processo produtivo. Inventor de processo e de estruturas, desenvolvendo uma visão global da propriedade e do processo produtivo”. (ZAMBERLAN, p. 95.2007).

Além destas importantes funções, @ artecultor@ precisa desenvolver a capacidade de empreender, desbravar um novo campo que se abre, usando como recursos o conhecimento construído ao longo do processo de desenvol-vimento da agricultura tradicional.

Políticas Ecológicas

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Tantas exigências somente serão atendidas se houver um amplo esforço das estruturas públicas em criar espaços de formação e de capacitação ecológi-ca, aproveitando o conhecimento tradicional existente nas diferentes regiões. Exemplo: professores indígenas poderão ensinar nas escolas e nas universi-dades como cuidar da natureza; artistas poderão ensinar artecultor@s como extrair pigmentos naturais; escultor@s e ceramistas poderão ensinar artecul-tor@s como trabalhar o barro de suas propriedades, sendo @s artecultor@s, as pessoas que conhecem a arte e a maneira de ser sitiante.

Agricultura esportiva

A atividade rural deixou de ser apenas uma modalidade econômica res-trita à agricultura. Outras dimensões, não necessariamente econômicas, estão sendo incorporadas à vida no campo.

Assim como existe a pesca esportiva, a caça esportiva, também existe o trabalho agrícola como terapia. Alguns centros alternativos de saúde utilizam esta terapia do calo.

Turismo Rural

Pequenos produtores de agricultura orgânica abrem suas propriedades para receber pessoas interessadas em conhecer um pouco da cultura, da his-tória e do dia-a-dia de quem vive no campo. Chalés simples e aconchegantes, quarto dentro das casas ou apenas refeições (fartas) e caminhadas em trilhas são oferecidos por preços mais baixos que no turismo convencional. A expe-riência é resultado do projeto Acolhida na Colônia, um dos maiores afiliados na América Latina da Accueil Paysan, associação francesa, hoje em 19 países, que aposta no agroturismo ecológico para valorizar o modo de vida rural. As famílias envolvidas precisam seguir o cultivo orgânico e continuar sua produ-ção mesmo na presença de hóspedes. Ao menos 50% da alimentação oferecida precisa vir da propriedade, e 30% dos sítios vizinhos (Revista Vida Simples, nº 63. Out, 2008).

Preservação do planeta Existe um número crescente de pessoas que deseja melhorar o padrão de

vida, em um conceito ecológico. Alguns estão mudando para o campo, corrente que vem desenhando uma nova ruralidade.

De acordo com Karen Follador Karam, essa é uma noção em processo de construção. Assume-se que é o agricultor que “por uma livre escolha, bem

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precisa e particular, decide não mais morar na cidade e não mais trabalhar em profissões urbanas, resolvendo se mudar para o campo e trabalhar na agricultura ou na criação de animais”.

O “neo-ruralismo” é um conceito que surgiu na França, no final dos anos 60, como um movimento de contracultura.

Astronomia na EcologiaOs calendários indígenas são geralmente mais com-plexos que o nosso, e as várias fases do ciclo anual de-terminam precisamente as épocas para plantio, caça, preparo dos artefatos para pesca e caça, rituais etc.A lua e o sol determinam o regime das marés, que por sua vez influenciam o comportamento de mui-tos organismos aquáticos e afetam direta e indireta-mente o ritmo da pesca artesanal. O ciclo de marés também é responsável pela elevada produtividade biológica das regiões estuarinas e dos manguezais. (http:/www.lapa.ufscar.br)

No Brasil suas dimensões são ainda pouco conhecidas. Outros gostam de visitar regularmente o campo, onde consomem pro-

dutos orgânicos, passam férias em ambientes ecológicos. Essas pessoas reali-zam caminhadas, passeios de barco e de cavalo, observam pássaros, borboletas, flores e outros. Muitos estão buscando a paz e os sons naturais para escrever, pensar, pintar, fotografar, enfim, realizar alguma atividade de criação.

Dada a diversidade de atividades que podem ser realizadas, é também um campo de experiência e de formação para interessados em aprender com a natureza e com as pessoas que vivem no campo.

As fases da lua e as plantas

@ artecultor@ conhece a influência da lua na agricultura. Qualquer ar-tecultor@ com mais de 30 anos sabe qual é a fase da lua mais apropriada para plantar, colher, caçar, pescar, tirar madeiras e palhas, cuidar do corpo entre outras atividades. Fizemos uma tabela, com uma síntese sobre a fase da lua e as plantas, a partir de informações do site www.astrothon.com ( 09/11/2007):

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No subsolo se produzem movimentos de água que afetam as atividades agrícolas. A luz lunar vai aumentando e estimulando o metabolismo das plantas, favorecendo o crescimento da folhagem e da raizGerminação: As sementes de germinação rápida como o milho, feijão, arroz, verduras e outros, têm a oportunidade de absor-ver água mais rapidamente e germinar.Plantar as sementes de germinação rápida durante os três primeiros dias da lua nova.No próprio dia e hora da lua nova é melhor não mexer com plantasNo mínimo três horas antes ou depois da lua nova exata. Corte de madeira. Toda madeira ou bambu quando cortado entre três ou dois dias antes da lua nova, presta-se mais para trabalhos de marcenaria e carpintaria, pois é mais durável. Podas gerais – observe o momento do ciclo da arvore, o ideal é depois da árvore terminar sua fase de frutificação.Semeadura / plantio - tudo o que cresce acima da terra, nos primeiros três dias após a lua nova, o que cresce abaixo da terra, durante os três dias antes da lua nova.Para colher flores belas e viçosas, suas sementes ou mudas devem ser plantadas entre a lua nova e a quarto crescente. No caso de eclipse solar não mexer com plantas. Não plantar.

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ia Aumenta a luz lunar. As plantas contam com maior quantidade e movimento interno de água. Aumenta o crescimento das folhagens e se estabiliza o crescimento das raízes.Germinação: As sementes plantadas anteriormente na lua nova, que não germinaram, recebem um estímulo especial para que o façam.Transplante: muito bom neste período, as plantas enraízam rápido e cresce a folhagemA seiva começa a subir para as folhas. Luminosidade em crescendo. Colheita de folhas (medicinais);

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A luz refletida pela Lua diminui dia a dia.Transplante: Bom para o transplante. Crescimento rápido das raízes.Com pouca luz o crescimento das folhagens é lento, A planta emprega boa parte de sua energia no crescimento de seu sistema radicular. Germinação: Recomenda-se a semeadura de sementes de germinação lenta. No dia da lua cheia deve-se evitar mexer nas plantas. A colheita de plantas curativas deve ser efetuada quando as hastes estiverem cheias de seiva, isto é, na lua crescente perto da cheia, de preferência logo que o sol nascer até umas 08h. Três dias antes e três depois é o período mais favorável pra colher frutas no ponto.

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A luz noturna diminui. Lento crescimento do sistema radicular e foliar. Período quase de repouso, Muitos agricultores preferem realizar seus trabalhos agrícolas neste período de repouso. As plantas podem se adaptar com maior facilidade às mudanças. A seiva descendo para as raízes. Luminosidade em queda. Ideal para plantio/semeadura de tudo o que cresce abaixo da terra. Plantio de raízes comestíveis. Durante os três dias antes da lua nova, ideal para colheita de sementes. Boa também para adubações, limpeza de mato e mexer na terra. *Podas/corte de árvores e bambus, especialmente três dias antes da lua nova. Toda madeira ou bambu quando cortado entre três ou dois dias antes da lua nova, presta-se mais para trabalhos de marcenaria e carpintaria, pois é mais durável. Podas gerais - observe o momento do ciclo da árvore, o ideal é depois da árvore terminar sua fase de frutificar, quando as folhas começam a cair.

As águas do mar regulam a vida no sítio. Cultivo o hábito de banhar na maré cheia, para descarregar as energias negativas. Foi o que aprendi com os pescadores amigos residentes na região. O meu dia melhora sensivelmente. As marés são regidas pela lua. O melhor banho é na maré da lua cheia, quando a água chega ao ponto mais alto. Aprendi com os pescadores também um pouco sobre a lua, as marés e as fases boas de pesca. Não sou muito de pescar. Acom-panho a onda. Mas a turma não entra na canoa se a lua – e a maré - não estiver na fase adequada.

conForto E SEgUrança

A vida em um sítio ecológico pode ser ajustada às melhores condições de conforto. Os instrumentos e equipamentos desenvolvidos pela humanidade, ao longo de milênios de evolução, são até necessários.

O sítio ecológico não é um chamado à vida nas cavernas. Afinal, não somos contra a tecnologia. Ela foi desenvolvida pela humanidade e deve servir ao seu bem estar. É perfeitamente possível se fazer uso da internet, da televi-são, do telefone e do automóvel, assim como fazemos uso do facão, do moinho manual e da bomba de captação de água. O limite será sempre o bom senso. A vida em um sítio implica na adoção de um estilo de vida ecológico, do uso de

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energia renovável, do consumo de produtos naturais e orgânicos e da valoriza-ção de um estilo de vida que privilegia uma dimensão ampliada da existência humana na face da terra.

agrEgação dE valor

A produção do sítio ecológico, por ser demais valiosa, deve ser comer-cializada em um formato que possibilite a máxima agregação de valor. Para tanto, deve-se lançar mão dos recursos disponibilizados pela Biotecnologia, no seu aspecto ecológico, sem interferir nas características originais dos organis-mos vivos, para aperfeiçoar, aumentar ou gerar variações para os produtos. A humanidade vem acumulando avanços nesta área há milhares de anos. É o caso dos alimentos fermentados, do beneficiamento dos mais diferentes produtos. E também da produção de óleos vegetais e a sua comercialização na forma de sabões especiais, sabonetes, óleos medicinais, entre outros.

Outra forma de agregar valor aos produtos é investir em designer. Algu-mas raízes, troncos, partes de madeiras, por exemplo, podem ser transformados em objetos utilitários com formato artístico, valorizados no mercado.

3.9 cUidando da tErra

Na visão ecológica devemos tratar o solo como uma estrutura viva8 . As plantas, os animais e os seres humanos saudáveis são os resultados de um solo equilibrado e ativo. As pragas, as doenças e as plantas silvestres são tratadas com métodos ecológicos. Assim, cuidamos das causas dos problemas, não dos efeitos. E assim deveria ser desde sempre. De acordo com um antigo ditado chinês, “a agricultura é a arte de colher sol”.

8 Esta parte do trabalho segue o roteiro apresentado no livro Agricultura Ecológica – Reinven-tando o futuro, de Moacir Roberto Darold.

Algumas sobras de madeira e refugos podem ser transformados em objetos prosaicos, como ca-bides, vasos de plantas e casas de pássaros. Revista Natureza, ano 10, nº 2, ed. 110. p. 45.

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a) Diversificação e integração dos sistemas

A natureza é sábia, com muitas formas e estilos. Assim também deve ser o sítio ecológico.

- Utilize o policultivo; cultive de forma variada. Faça como os nos-sos indígenas: “As roças contém de 14 a 55 espécies e variedades de plantas cultivadas”.

“Batata doce ocupa a parte central e na periferia há uma fila de

Práticas agricolas dos Índios KayapóPolicultura com consórcio de plantas culti-vadas nas roças.Polivariedade nas roças.Zoneamento de culturas nas roças.Reciclagem de material orgânico nas roças, com a queima de resíduos etc.Árvores plantadas nas roças (frutíferas e outras).Classificação de tipos de solos agricultáveis, com reconhecimento de suas potenciali-dades.Uso prolongado das roças, depois da safra de batata-doce e de mandioca.

DUBOIS,p.189, 1996

bananeiras. Milho, arroz, mandioca, abóbora, inhame, feijão, melancia e muitas espécies de plantas alimentícias, medicinais e fibrosas são encontradas nas ro-ças”. POSSEY, in: Pavan, Vol I, 189, 1996.

Sistemas Agroflorestais

A introdução de árvores e arbustos nas áreas de produção agrícola ou pecuária gera benefícios a partir das interações ecológicas e econômicas. As árvores são combinadas com culturas agrícolas e com a criação de animais, segundo a conveniência do espaço e do que se almeja produzir.

(Arte Globo Rural, Setembro de 2008, p. 27).

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Rotação de cultura

A rotação de culturas consiste em alternar espécies vegetais, no correr do tempo, numa mesma área agrícola. As espécies escolhidas devem ter propósito comercial e de manutenção ou recuperação do meio-ambiente.

“O planejamento de rotação deve considerar, além das espécies comer-ciais, aquelas destinadas à cobertura do solo, que produzam grandes quantida-des de biomassa, cultivadas quer em condição solteira ou em consórcio com culturas comerciais”. (www.cnpso.embrapa.br, em 15.07.2008).

Plantio Direto

Plantio direto sobre a palha de leguminosas protege e recupera o solo, diminuindo custos com mão-de-obra e insumos. A produtividade aumenta graças ao efeito benéfico causado no solo pela matéria orgânica resultante da decomposição das palhas. A construção da fertilidade do solo permite a utili-zação de uma mesma área por vários anos.

“O solo não é um simples arcabouço de matéria morta. Um grama de solo fértil, por exemplo, pode conter 2,5 bilhões de bactérias e 6.400 fungos”. Pádua, p. 76, 1991.

Adubação orgânica

A adubação orgânica é feita através da utilização de vários tipos de resí-duos, tais como: esterco curtido, estrume de minhocas, compostos fermentados e cobertura morta. Pode-se usar cinzas, aproveitadas do forno caseiro ou do fogão de barro.

Adubação verde

É uma das fontes principais para aumentar a microvida e a fertilidade do solo. É preciso considerar o tipo de planta a ser utilizada para a adubação verde (gramínea ou leguminosa) e o clima da região). Num clima quente a adubação verde de leguminosas, feita para alimentar a cultura que a substitui-rá, ocasionará um ciclo natural mais rápido, obtendo-se assim o aumento da produção.

As leguminosas fixam nitrogênio do ar, disponibilizando-o para as cul-turas seguintes. Elas decompõem-se bem mais rápido, fornecendo nitrogênio para a nova planta a ser cultivada (ZAMBERLAN, p. 116, 2007).

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Cobertura Viva

O solo deve estar sempre coberto com plantações ou com vegetação nativa. De preferência, com plantas que tenham profundidades e formatos de raízes diferentes, formando uma rede protetora do solo. A cobertura viva pro-tege o solo da erosão de uma forma geral.

Nas leguminosas plantadas serão feitas podas, periodicamente, para in-corporar matéria orgânica no solo e, em alguns casos, produzir ração e até alimentos, como é o caso do feijão guandu.

Cobertura morta

“O solo geralmente é bem protegido, com uma camada de fólico. Isso aumenta o número de insetos na área, especialmente formigas, e mantém maior umidade no solo. Entre os insetos na roça, elas são agentes naturais de controle biológico de pragas. (POSSEY IN: PAVAN, p. 185, 1996).

A cobertura morta ajuda a manter a umidade do solo e não deixa crescer o mato, protegendo a matéria orgânica. Quando chove a água penetra mais facilmente, diminuindo o risco da erosão.

Quebra vento e áreas de reserva de mato.No entorno da área de plantio deve ser mantida uma pequena reserva

de vegetação, de preferência mata nativa, para servir de proteção natural contra o vento e também como abrigo para insetos danosos e para os seus inimigos naturais.

b) Manejo e conservação do solo e da água

“822 milhões de toneladas/ano de solo fértil são perdidos por ano no Brasil. A degradação do solo é um dos problemas ambientais mais sérios no mundo”. (CONSUMO SUSTENTÁVEL. p. 50. 2005)

Para a conservação do solo e da água devemos adotar as seguintes téc-nicas:

Terraços – construção de terraços, ou canteiros grandes, técnica bastan-te usada pelos antigos incas para produzir no alto das montanhas.

Plantio em nível - Nas áreas com declividade, as plantações devem ser feitas em filas horizontais, para ajudar a conter a erosão e a força das águas.

Respeito à aptidão natural - As encostas, por exemplo, são adequadas à plantação de árvores para a produção de madeira, de fruteiras de médio e

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grande porte, entre outras espécies que ajudam a segurar a terra e a combater a erosão.

É preciso valorizar a ação dos microorganismos, minhocas e raízes das plantas; reduzir a aração mecânica e preservar as águas e as matas ciliares.

c) Escolha de variedades

Prefira as plantas adaptadas às condições ecológicas locais. No Sítio Pa-nakuí algumas espécies foram selecionadas segundo este critério. Considera-mos a rusticidade, a produtividade e a valorização. Plantamos limões comuns (resistentes a doenças e pouco exigentes de água), murici (planta rústica com excelente produtividade), urucum (planta rústica com excelente produtividade de corante natural, também usado como pomada medicinal), a romã (planta exótica, mas bem adaptada à região, usada na forma de xarope para problemas na garganta), a bucha (plantada junto à palmeira de babaçu, para fazer esponja para banho e luva térmica), além de preservar espécies nativas de grande valor, como a catuaba e a maçaranduba, entre outras

Buscamos valorizar as sementes nativas e caboclas. O ideal é a produção local das próprias mudas e sementes, adequadas ao clima, ao solo e à região. No sítio Panakuí criamos um banco com sementes caboclas de espécies silvestres e agrícolas

“O banco de sementes passou a ser um meio de pesquisa, recuperação e valorização das sementes tradicionais da região”. (Barros, p 20, 2002)

Até um período relativamente recente, o único método de seleção dirigi-da era coletar as sementes daqueles indivíduos de uma população que mostrava uma ou mais características desejáveis, como potencial de alto rendimento ou resistência a doenças, e usar aquelas sementes para plantar a próxima safra.

Através de métodos de seleção, produtores de todo o mundo desenvol-veram variedades chamadas crioulas. Elas são adaptadas às condições locais e, ainda que uma variedade crioula possua características que a diferenciem em relação às demais variedades, ela possui, internamente, uma maior variabilidade genética quando comparada às variedades obtidas por outros métodos.(www.planetaorganico.com.br, em 28.07.2008).

d) Nutrição Vegetal

Ao cuidar do solo, estamos assegurando a nutrição das plantas. Uma pequena área de três hectares, com a integração ecológica das atividades, pode suprir as necessidades de adubos orgânicos. Para o esterco ser aplicado direta-

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mente na cultura, se faz a compostagem ou a semi compostagem (ZAMBER-LAN. p 124. 2007).

Fertilizantes minerais naturais pouco solúveis – “Servem como com-plemento da matéria orgânica no aporte de elementos fundamentais, como fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca), magnésio (Mg) e micronutrientes (boro, ferro, zinco, cobre, outros). Para fornecimento desses elementos dá-se prefe-rência ao uso de farinha de ossos e rochas moídas”. (PENTEADO, p. 101. 2000).

e) Manejo de pragas, doenças e invasoras

Os procedimentos ecológicos citados permitem uma boa estruturação do solo e, assim, fortalecem o sistema das plantas.

-Biofertilizantes: reforçam as defesas das plantas. “É um fertilizante líquido obtido da degradação da matéria orgânica (esterco de animais, aves ou restos vegetais) em condições aeróbicas em biodigestor. Fornece também um resíduo sólido que pode ser aplicado no solo, como fertilizante. Além do efeito nutricional, fornecendo proteínas, enzimas, vitaminas, antibióticos na-turais, alcalóides, macro e micronutrientes, é utilizado como defensivo natural. (PENTEADO, p. 49. 2000).

- Controle Biológico: Uso de inimigos naturais, mantidos em refúgios naturais em bosques e quebra-ventos.

- Proteção física: plantar em estufas plásticas, evitando-se a entrada de insetos.

- Armadilhas: mecânicas, luminosas, calor e frio.Armadilhas para insetos como moscas das frutas, com emprego de gar-

rafas plásticas.Podem ser utilizadas também armadilhas luminosas e mecânicas para

traças e mariposas.O ensacamento de frutas com papel impermeável evita o ataque de

moscas de frutas, mariposas, lagartas, etc.Deve-se destacar o emprego de faixas e placas atrativas coloridas (com

produtos de atração odor-sexual e feromônios naturais, sendo de coloração amarela para a captura de insetos nocivos em geral e azul específica para tripes. (PENTENADO, p. 49. 2000) *

- Tratamentos curativos feitos com extratos e soluções vegetais à base de plantas:

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Calda de pimenta malagueta.Sabão com produtos minerais simples e pouco tóxicos. Tem ainda óleo

mineral, querosene, calda de citronela, calda de Melão de São Caetano e água de cinzas.

Catação manual, coleta de insetos, tratamento com calor (água quente, vapor, etc) cobertura do solo com plástico preto, cal virgem, sabão, óleos na-turais, extrato de insetos, própolis, ceras naturais, etc . (PENTEADO, p. 49. 2000)9.

As plantas invasoras devem ser manejadas como parte integrante do sistema. Quando manejadas corretamente, podem ser úteis no controle da ero-são, na conservação e umidade do solo, na formação de matéria orgânica, como refúgio para inimigos naturais e no controle das próprias invasoras. Algumas plantas invasoras podem ser inclusive aproveitadas na alimentação.

3.9 SiStEma dE prodUção

Área de lavoura

Milho – para a produção de ração e alimentação doméstica. Pode ser consumido in natura, como milho verde, transformado em canjica, pamonha, cuscuz e bolo. O milho verde tem boa valorização no mercado regional.

Arroz – Produz em solos pobres. Para consumo doméstico, compensa apenas a sua produção na forma integral. Pode ser produzido em consórcio informal com os vizinhos, depois trocado por out-ros produtos.

Macaxeira – A mais resistente, a mais usada e pro-duz em solos fracos. Pode ser consumida in natura, transformada em farinhas, goma, bolo, beiju. Ótima para ração. As folhas são usadas em saladas, no co-zido. É rica em ferro. Sua casca é usada para ração animal. Seu tucupi, extraído da casca, é um defen-sivo agrícola eficiente.

Feijão – Leguminosa, com várias espécies, ajuda a fixar nitrogênio no solo. Produz em 90 dias, em média. Pode ser consumido cozido, pré-cozido na salada, verde, maduro e como alimento vivo (oito horas com água, mais 8 horas sem água. Con-somem-se os brotos). As folhas podem alimentar os animais.

Guandu – conhecido como “O Zebu das Legumi-nosas”, e a “ mais subexplorada nos nossos sistemas agrícolas” ( KHATOUNIAN:268, 2001). Resiste a solos fracos, fixa o nitrogênio na terra, é consumido verde (a água do primeiro cozimento é descartada), como hortaliças e em conservas. Pode servir de ra-ção para aves e animais, o que inclui as folhas.

Amendoim – Tem mais proteína que o leite e a carne. Além de cozido, na casca, pode também ser consumido tostado, salgado, na forma de doce, pa-çoca, pé-de-moleque, coberturas e recheios em tor-tas e sorvetes. O amendoim seco pode ser tostado com sal, caramelizado com açúcar ou transformado em farinha para uso em diversas preparações cu-linárias. Produz ainda manteiga, pasta e óleo. (Vida e saúde, agosto 2004, p 40.)

9 O livro de Penteado traz várias receitas de compostos orgânicos.

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Banana – Não pode faltar na área do sítio. Protege o solo. Produz durante todo o ano. As Folhas e as artes são usadas na ração animal, funcionando como vermífugo. As fibras são usadas para a produção de artesanato.É uma planta que possui três açucares: a sacarose, a frutose e a glicose. É rica em fibras, em ferro e em potássio, sendo recomendada para pessoas que gastam muita energia nas atividades diárias. Pode ser consumida in natura e gera mais de 20 produtos, entre farinha, passas, caldas, doces, biscoitos, barras, sorvetes, purês e outros.

Batata doce – Produz em um período de quatro a cinco meses. Pode ser consumida cozida, na salada. Produz um doce saboroso. Suas folhas e partes áreas podem ser consumidas pré-cozidas e em saladas. A sobra pode ser transformada em ração.

Cará – Bastante resistente, pouco exigente em água, produz nos solos fracos e tem grande durabilidade.

Vinagreira – Planta bastante utilizada no Maranhão, é pouco exigente em água, de fácil cultivo. Suas folhas são ricas em ferro. Após cozidas, adiciona-se o gergelim e se faz um saboroso cuxá. As flores, de cor rósea, dão uma saborosa geléia. Cultivadas no cercado das aves, funcionam como plantas forrageiras. As folhas, misturadas com outros produtos do sítio, transformam-se em uma fabulosa ração.

Maxixe – Planta rústica, produz em quarenta dias um fruto com baixa caloria e rico em sais minerais, especialmente o zinco. É consumido cozido, refo-gado, em molhos e em conservas.

Quiabo – É considerado em São Luís como “o produto que paga projeto”, por sua facilidade de produção. É bem adaptado ao clima quente e pro-duz em até 60 dias após o plantio. É consumido in natura (quando bem novo), ou cozido, refogado e frito

Ervas especiais

Babosa – O cultivo da Aloé Vera não requer muito trabalho. Pode ser produzida em quintais, em vasos e em espaços maiores. É usada na fitoterapia para o tratamento de feridas, coceiras, acne e queimadura, e também para o tratamento estético da pele, na forma de pomadas, creme e xampu.

Melão de São Caetano -. Poderoso defensivo con-tra pulgas, insetos e carrapatos, conhecido no meio popular, é carente de uma atenção maior da ciên-cia. Sua rama se espalha com facilidade em áreas abandonadas.

Citronela - Um inseticida natural, substitui com vantagem os repelentes químicos contra insetos.Pode ser plantada próxima da casa e até na varan-da. Sua pomada é eficiente para tratar de orelha de cães. (Vida e saúde, agosto 2004, p. 41)

Pindaíba. Planta nativa da região Nordeste. É um repelente natural contra insetos (Queima-se as fol-has com alguma casca para produzir fumaça).

Há inúmeras espécies de plantas medicinais que podem ser cultivadas em um sítio ecológico. Além da horta, uma área precisa ser reservada para o cultivo de plantas medicinais. As plantas medicinais representam um impor-tante recurso para a geração de renda e a agregação de valor para o sítio. Além disso, através do estudo e do cultivo das plantas medicinais se resgata o conhe-cimento popular sobre saúde alternativa através das plantas.

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Área de cultivo intensivo

A produção de hortaliças e de culturas mais exigentes deve ser feita preferencialmente em área próxima da casa, para aproveitar melhor o tempo e facilitar os cuidados com as plantas.

Normalmente o local é cercado para evitar a entrada de animais.A produção da horta destina-se ao consumo doméstico, à comercializa-

ção, na forma de conservas e molhos. Alguns produtos podem ser comerciali-zados in natural, pois atingem um bom preço no mercado regional.

Berinjela – De fácil adaptação, está presente em diversas e saborosas receitas. Desenvolve-se bem em clima quente. Em finas fatias, pode substituir a massa de trigo na pizza. Pode ser cultivada em pequenas áreas.

Manjericão – Usado em saladas, molhos, recheios, carnes, arroz e em vários pratos. Pode ser cultivado em pequenos espaços e em vasos. A planta apre-senta um ótimo rendimento no clima quente. É também um repelente de insetos, matéria-prima para a indústria de perfume, assim como é um aro-matizante de alimentos e bebidas.

Pimenta malagueta – Planta resistente, de fácil manejo e que pode ser transformada em molhos e em geléia especial.

Abóbora – Produz polpa, folhas, sementes e cas-cas comestíveis. Entre outros usos, é indicada na recuperação de enfermidades agudas do aparelho digestivo. Pode ser consumida cozida, na forma de purê e como bolo.

Tomate cereja – Mais resistente ao calor, esta hortaliça tem um sabor mais ácido e é usado em saladas. Pode ser consumido in natura, ou como molho, como tomate seco, só ou em conserva com cebola e azeite de oliva.

Criação de aves

No Panakuí, as aves são criadas em abrigos rústicos, em um amplo cer-cado cultivado com espécies de plantas produtoras de ração. Com a utilização de um pequeno triturador, diversos produtos se transformam em ração, como batatas, galhos, frutos e folhas, com um pouco de milho. Em breve funcionará também o galinheiro rotativo. Usaremos as galinhas para “limpar” certas áre-as.

Frangos e galinhas – Optamos pela criação em regime semi-intensivo (mais intensivo que semi) da galinha cabocla, que é mais adaptada ao clima e aceita diversos tipos de alimentos - ou o que estiver disponível na área. A produção é baixa e lenta, mas se produz um alimento orgânico, sem nenhum tipo de hormônio ou aditivos industrializados.

Galinha de angola – Conhecida como capote, é uma ave rústica, resistente a doenças e com uma carne com sabor silvestre. É bastante adaptável às condições de criação em regime semi-intensivo. Produção também para o consumo doméstico.

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Peru – Aves que se desenvolvem bem nas condições naturais de criação. Desenvolve um bom peso, após certo período. Aceita bem a alimentação orgânica, com um pouco de milho. É criado para as datas especiais

Patos – Criados nos tanques reservados para os peixes. Podem ser uma alternativa de geração de renda. No mês de junho há uma grande procura por patos para o mercado de Belém/Pa, quando se comemora o Círio de Nazaré e onde se consome o Pato no Tucupi.

Área de coleta de alimentos silvestres

Juçara - Planta da família do açaí, com o mesmo sabor, as mesmas propriedades. O suco e a polpa são utilizadas como energético em academias e praias. O produto, originário da Amazônia, é co-mercializado em algumas cidades dos EUA. O litro do vinho, feito de forma artesanal, é comercializado em São Luís por R$ 5,00 reais.

Buriti, planta rica em betacaroteno. Um hectare produz dois 2,5 kg de betacaroteno, comercial-izado no mercado internacional a U$ 12.000,00 o kg. Também produz óleo, doce, polpa e licor. A semente é usada para produzir colares e outros adereços do chamado mercado de biojóias.

Murici – Planta resiste ao calor e ao período com pouca chuva. Produz uma polpa de excelente quali-dade, de cor amarela, rica em gordura e que dá um suco saboroso e de grande aceitação.

Coco da Bahia - Desta planta se aproveita tudo: a água, um poderoso isotônico natural rico em sais minerais, a casca para a fabricação de diversos produtos, o coco para a produção de óleos, farinhas, entre outros usos. A produção ocorre depois de três anos.

Romã – A planta, símbolo de amor e da fertilidade, produz bem no clima quente. Pode ser cultivada em jardim, consumida fresca, como suco, geléia e vinho. Na fitoterapia é usada para combater inflamação na garganta, na forma de xaropes. O quilo da fruta é vendido por até R$ 8,00 reais.

Agrofloresta alimentar

“Construindo nossa economia num ambiente orginalmente flo-restal, a diretriz é nos converter cada vez mais em agricultores do estrato arbóreo”.(KATOUNIAN. p. 274. 2001).

Um olho bem treinado, acompanhado de um experiente agricultor, con-segue descobrir centenas de usos sustentáveis dos recursos florestais existentes em uma pequena área de mata nativa. São essências florestais, flores exóticas, plantas ornamentais nativas, orquídeas silvestres, bromélias, cipós, formas ar-tísticas na madeira, raízes, madeira nobre, insetos, pequenos animais, paisagem e inúmeros outros recursos.

Com o estudo, a pesquisa em laboratório, estes recursos podem ser transformados, de forma sustentável, em medicamentos, cosméticos, perfumes, objetos de arte, utensílios de uso doméstico, fotografias, filmes e ainda serem conservados para a posteridade.

É possível fazer carvão com espécies cultivadas. O sabiá, além de pro-

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duzir flores em abundância para a produção de mel, é uma leguminosa e apre-senta uma madeira de boa qualidade para a construção de cercas, carvão para o fogão a lenha, ainda gerando cinza.

Outros usos

No Sítio Panakuí, várias espécies nativas estão sendo preservadas para produzirem sementes. É o caso da maçaranduba, da catuaba – a planta que anima as cabeças, segundo um anúncio de bebida -, um afrodisíaco natural; dos ipês amarelos, brancos e roxos, e outras 20 espécies. Também estamos pre-servando cipós ornamentais, plantas exóticas (bromélias, orquídeas), para que sejam comercializadas, após o processo de seleção, domesticação e a necessária autorização do Ibama.

Nos alagados, ambiente com grande diversidade, podem ser desenvol-vidas atividades agroflorestais, com a plantação do cupuaçu (creme, bombom, sorvete), da andiroba (sabonete, óleo, etc), do buriti, da juçara, da bacaba, etc.

No caso da agrofloresta, na estruturação de um ambiente florestal, cada artecultor@ precisa buscar “na sua área de ação qual a melhor agrofloresta que se pode implementar no presente, e qual o caminho para aprimorá-la no futu-ro”. (KATOUNIAN. p. 276. 2001)

Concluímos esta parte do trabalho com a afirmativa de Carlos Armênio Khatounian, no livro A reconstrução Ecológica da Agricultura: “Agricultura eco-lógica, e nela a produção para consumo doméstico, é um exercício de qualidade total na agricultura, orientada para o aproveitamento integral e inteligente dos recursos disponíveis na propriedade”. (KATOUNIAN. p. 283. 2001).

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a morada Ecológica

“Eu quero uma casa no campo do tamanho da paz,

onde eu possa plantar meus amigos,meus discos e livros e nada mais.”

Música de Zé Rodrix e Tavito.

Assim como o joão-de-barro constrói a sua morada no alto da

árvore, construímos uma residência para nos proteger do frio e do calor, para abrigar a família e garantir um merecido conforto. A casa ecológica é o núcleo fundante do sítio intuitivo. É nela que devemos embalar os nossos corações e materializar os sonhos de uma vida sustentável.

A casa ecológica pode ser feita usando as tecnologias e os materiais disponíveis na região, como o adobe, a taipa, a madeira, o bambu e outros recursos, dentro de um conceito ar-quitetônico que valoriza a cultura e preserva a natureza.

A terra é na verdade a nossa casa ecológica. Construir uma casa, ou fazer uma adaptação ecológica de uma residência, é algo perfeitamente possível nos dias atuais, além de ser uma maneira eficiente de preservar a vida do planeta.

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“E deixaremos a casa comum sempre em ordem para outros hóspe-des que virão depois de nós” (BOFF, p. 118,1999).

4.1 Bio-moradia

A morada ecológica é um con-ceito que evolui ao longo da história humana. Desde que os grupos huma-nos abandonaram a vida nômade e fi-xaram residência em um determinado local, as técnicas voltadas à construção de casas sofrem constantes aperfeiço-amentos. As técnicas tradicionais de construção de casas aproveitam os materiais das localidades, são feitas segundo o conhecimento acumulado pelos diferentes grupos sociais, trans-mitido de geração a geração, em sin-tonia com as estações do ano, o clima predominante.

Após a Revolução Industrial começa um rompimento na visão de mundo até então predominante, base-ada na tradição e no respeito aos valo-res e aos saberes adquiridos ao longo da história, tendo por essência uma relação sustentável da humanidade para com a natureza.

A nova concepção de mundo estimula a dominação e a exploração da natureza; a acumulação de riquezas e o consumo excessivo. As novas mo-radias representam este novo padrão de civilização.

Em pouco mais de 300 anos o mundo, predominantemente rural,

Johan Van Lengen - Profeta da bio-arquitetura

Há três décadas ele vem se dedicando ao desenvolvimento da Bio-Arquite-tura, uma corrente da arquitetura que se ajusta às condições naturais e às ne-cessidades humanas. O arquiteto Jo-han Van Lengen, natural da Holanda, adotou o Brasil como pátria do coração, onde reside há mais de 40 anos.Johan está para a arquitetura inter-nacional como um Oscar Niemeyer, nosso maior arquiteto, só que em uma corrente ecológica. Sua obra influencia estudiosos e praticantes de arquitetura em diversos países. No Brasil a Bio-Ar-quitetura avança de forma consistente nas universidades, nas organizações da sociedade civil e em governos.Há cerca de 20 anos Johan Van Len-gen adquiriu uma área descampada em Bom Jardim (RJ), onde construiu o TIBÁ - Instituto de Tecnologia In-tuitiva e Bio-Arquitetura. A área abriga atualmente uma floresta, com animais silvestres e toda uma biodiversidade.O TIBÁ é a fortaleza de onde Johan comanda uma batalha a favor da salva-ção do planeta Terra. E, nesta batalha, tudo começa com a casa ecológica, ou seja, com a Bio-Arquitetura.Johan viajou por vários países, visitou comunidades tradicionais, estudando a arquitetura de diversos povos. Suas pes-quisas estão didaticamente resumidas no livro Manual do Arquiteto Descalço, um guia para quem deseja redescobrir o prazer de morar em equilíbrio com a natureza.

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avançou para o urbano. As cidades cresceram de forma desordenada, avan-çando sobre rios, vegetação, gerando contaminação e poluição até se tornarem grandes chagas na face do planeta.

A Virada Urbana. Veja 16.04.2008, p109

Mas o conhecimento arquitetônico das grandes tradições da humanida-de - dos antigos povos da Mesopotâmia aos nativos do pólo norte; dos africa-nos da fase anterior à escravidão aos povos indígenas da Amazônia -, em sua dimensão sustentável e ecológica, continuou preservado e sendo reinventado pelos grupos tradicionais, principalmente os que se mantiveram isolados e sem contatos com a civilização de origem européia.

A partir dos anos 60, dentro do movimento de contra-cultura que se expandiu pelo mundo a partir da França, começa então um processo de reva-lorização dos saberes tradicionais, a busca por uma vida de melhor qualidade. Os pioneiros foram as chamadas sociedades alternativas, grupos sociais que resolveram sair das cidades e viver em um espaço rural, produzindo o seu ali-mento, construindo a própria casa, mantendo uma vida em equilíbrio com a natureza.

Atualmente esse movimento aglutina um número crescente de pessoas em todo o mundo. A qualidade de vida, algo cada dia mais difícil nas grandes cidades, começa a ser buscada por inúmeros grupos sociais.

A crise energética, a crise dos alimentos, a poluição do ar, as catástro-fes ambientais e as doenças sem controle estimulam o processo de mudança. Novos estudos sobre técnicas de construção resgatam o conhecimento sobre a moradia ecológica e tornam possível a realização do desejo de morar bem,

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preservando a natureza.

Casas “verdes” ajudam mais que o Protocolo de Kyoto

Uma boa arquitetura e a economia de energia em prédios poderiam fazer mais pelo combate ao aquecimento global do que todas as restrições de emissão de gases de efeito estufa defini-das no Protocolo de Kyoto, afirma um estudo do programa de Meio Ambiente das Nações Unidas.O relatório pede uma ação global para promover construções “mais verdes”. O uso mais eficiente de concreto, metais e madeira na construção e um menor consumo de energia poderiam economizar bilhões de dólares em um setor responsável por até 40% do consumo mundial de energia. Folha On Line 30/03/2007

4.2 prEcEitoS dE Uma caSa Ecológica

Clima tropical úmidoCom o clima tropical úmido, com chuvas e altas temperaturas, os tetos devemser altos e bem inclinados, a pequena diferença entre o dia e a noite faz com oideal seja uma construção distante da outra para que haja ventilação entre ascasas.

Tetos altos parafacilitar a ventilação.

Abertura no tetopara ventilar.

Tetos beminclinados paraa chuva correr.

Varandas abertasao redor da casa para

proteger da chuva Janelas grandespara aproveitar a ventilação.

Piso elevadopara evitar

umidade do solo

Paredes finaspara não reteremmuita umidade.

Na morada ecológica do Panakuí, em um exemplo concreto, aplicamos os 12 princípios da casa ecológica.

01 - Obra planejada no longo prazoA Casa Panakuí foi pensada para ser a residência da família, o cartão de

apresentação do laboratório de ecologia. O projeto é da engenheira civil Kels-Cilene Pereira Carvalho.

Uma parte da casa deveria ser de adobe, mas a obra atrasou e chegou o

2007 HowStuffWorksArquiteto Fernando Neves Bussoloti CREA: 5062438921

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período da chuva. Adobe precisa de muito sol. Tivemos que mudar de planos e os adobes disponíveis deram apenas para uma parede, a da sala. Mas todas as demais construções existentes e as que serão feitas utilizarão a tecnologia tradicional de construção com base no uso do barro do local.

02 - Materiais naturais da área valorizadosA obra foi feita utilizando principalmente o barro (adobe e aterros),A cobertura de 165 m2 é toda de palha de babaçu, retirada das palmeiras

existentes na área, que tem uma vida útil de 04 anos, após receber o tratamento com uma resina protetora natural. Esperamos, em um futuro breve, trocar a cobertura de palha por tela de captação de energia solar, como já é possível na França.

A madeira, na impossibilidade de aquisição da certificada, foi comprada a de origem desconhecida. O uso da madeira nas construções é uma eficiente forma de seqüestrar carbono da atmosfera. Já plantamos mais de mil mudas novas na área, como pena. Os tijolos vieram de uma cerâmica muito anacrô-nica, situada a 60 km do local da obra. Também estamos pagando pelo gás carbônico gerado e vamos distribuir sementes de árvores nativas pelo resto de nossas vidas.

03 - Recursos naturais, como ar, luz e vento consideradosA casa foi construída com a frente para a nascente. Da varanda acom-

panhamos o nascer do sol. Quatro janelas serão construídas no telhado, sendo dois sobradinhos de cada lado, para facilitar a entrada de ar e a iluminação na-tural. O telhado recebeu telhas transparentes. Há duas janelas, uma na parede da frente, perto da cumeeira, outra na parte de trás, perto da cumeeira, para a entrada e a saída do vento. Na parte de trás está prevista a construção de um mirante de madeira, onde plantaremos vegetação de rama, para fazer sombra e proteger a parede da luz do sol, no período da tarde. De lá poderemos acom-panhar melhor o pôr do sol.

04 - Condições ambientais observadasA casa tem um pé direito de 6 metros. O telhado foi construído com

uma acentuada inclinação, para evitar o calor, durante o dia, e facilitar a des-cida da água da chuva. Para proteger do frio nas noites do inverno tropical, os quartos da casa serão forrados.

05 - Conforto e qualidade interna dos ambientesA casa possui três banheiros, ampla sala, ampla cozinha, quatro quartos

e móveis em estilo colonial. O escritório de trabalho possui computador - ain-da sem acesso à internet.

Durante o dia uma leve brisa sopra da terra para o mar; de noite a cor-rente vem do mar para a terra. Cantos de diferentes pássaros, que têm ninhos

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na área, embalam as primeiras horas da manhã. À noite alguns insetos se in-surgem, mas são afugentados com o uso de defensivos naturais.

06 - Uso de materiais e técnicas ambientalmente corretas; Usamos principalmente a técnica do adobe, que é conhecida pela po-

pulação rural do Maranhão. Infelizmente o adobe vem sendo substituído nas áreas rurais pelo tijolo cozido, junto com o cimento, ambos com ônus ambien-tal grande, elevando também o custo da obra.

07 – Eficiência energética da obra – A casa foi planejada para ser auto-sustentável em energia, a partir da combinação de diversas fontes.

08 - Uso adequado da água A água do lençol freático do sítio é muito boa e vem de dois poços semi-

artesianos, construídos por um morador da região. Um deles está reservado para funcionar com um cata-vento. Um serralheiro amigo fez um projeto de cata-vento capaz de puxar água, acender lâmpadas e ainda mover um equipa-mento para fazer ração, por exemplo.

A água da chuva também será aproveitada. No local onde foi retirado o barro para o aterro da casa será construída uma grande cisterna. Parte da água da chuva que escorre no terreno será canalizada para a cisterna.

09 - Gestão dos resíduos sólidos e líquidosO sistema de água da casa funciona de forma bem simples. A água de

uso da cozinha e de banho é separada do sistema de esgoto sanitário.As águas das pias, da cozinha e dos chuveiros passam por uma caixa de

gordura, depois por um filtro natural e acabam irrigando as plantas. Tomamos o cuidado de usar somente produto de limpeza biodegradável, produzidos no local.

A água que sai dos banheiros, com as fezes, cai em uma fossa. O mate-rial orgânico será posteriormente retirado, tratado e transformado em adubo orgânico.

10 - Reduzir, reutilizar e reciclarTodo o lixo orgânico produzido no sitio é reutilizado, em forma de co-

mida para os animais e aves, ou transformado naturalmente em adubo. O lixo inorgânico é selecionado, os sacos são utilizados para fazer muda de plantas. Os que não podem ser utilizados são selecionados e entregues em local apro-priado para a coleta urbana.

Em breve deverá funcionar no local uma Oficina de Artesanato, onde as embalagens serão reutilizadas como casa de pássaros, vaso de plantas, entre outros.

11 - Garantir a permeabilidade do soloToda a área do sítio vinha sofrendo um acelerado processo de desgaste

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do solo, após incêndios e desmata-mentos. A terra estava fraca e asso-reada. Fizemos o plantio de grama e aproveitamos um capim nativo, cha-mado de gengibre brabo, que prote-ge a terra do calor do sol e da erosão. Posteriormente descobrimos que as aves gostam deste capim nativo, agora usado também como complemento da ração dos animais. A área vem sen-do cultivada em uma pequena parte, menos de 40 por cento da área total.

12 - Sustentabilidade social e ambiental da obra

Na construção da casa usa-mos principalmente a mão-de-obra local. Apenas o mestre-de-obra veio de fora. No caso dos adobes, os tra-balhadores locais conhecem a técnica de construção com o adobe. O mesmo ocorre com a cobertura do telhado. Os trabalhadores locais fizeram a extração, o tratamento e também a cobertura do telhado. Durante cinco dias dez homens se revezaram no mutirão para a cobertura da Casa Panakuí.

A Casa Panakuí foi construída ajustada às necessidades sociais e am-bientais da área onde está inserida.

cUStoS

O preço da construção depende do sistema utilizado.As técnicas são conhecidas nas áreas rurais do Nordeste. Nas áreas ur-

banas esse conhecimento é difuso e se torna difícil encontrar a mão-de-obra qualificada. A solução, no caso, é importar trabalhadores das áreas rurais.

Dependendo do método, dos recursos existentes e com mutirão na cons-trução, o custo pode ser reduzido. A terra é de graça.

Em alguns casos, a indisponibilidade de terra de qualidade pode ser um problema.

Em caso de falta de terra apropriada, a matéria-prima pode ser importa-da de local próximo ou adicionarem-se aditivos como cal, areia, óleos vegetais e estrume seco bovino.

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Os preços variam mas acabam inferiores em até 50% aos das casas con-vencionais. É tem ainda o aspecto sociamente justo e ecologicamente susten-tável.

técnicaS dE conStrUção

Uma casa de terra pode ser construída com qualidade e aparência igual ou até melhor que as feitas com tijolos ou blocos.

As técnicas mais utilizadas na construção com terra: - Adobe - Tijolo de barro seco ao sol. Pode ter vários formatos e tama-

nhos.- A taipa de pilão - Na taipa de pilão, uma mistura de terra é socada em

camadas em uma fôrma tipo sanduíche, tornando-se um bloco monolítico, que será a parede.

- O tijolo prensado - Para fazer tijolo prensado, a terra é compactada em uma prensa (manual ou não) e colocada para secar na sombra.

- Taipa de mão: Na taipa de mão, o barro é estruturado em armações de bambu ou madeira.

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artE E técnica do (rE)USo “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.

(Lavoisier, Antoine Laurent. 1743-1794)

contra pláStico E cia

No Sítio Panakuí o controle dos resíduos orgânicos e industriais é uma pre-ocupação permanente. O resíduo orgânico vem sendo totalmente recupe-

rado e reintegrado à natureza, na própria área. Já a praga moderna do resíduo não degradável é uma ameaça constante. Ela parece uma maldição e assume várias formas, como sacolas, pontas de cigarro, papel de doces e embalagens industriais.

Mantemos uma vigilância para evitar a contaminação do espaço ecoló-gico, mas enfrentamos uma batalha desigual e silenciosa. Fazemos um esforço na formação da equipe que trabalha no sítio. Os visitantes precisam ser vigia-dos. Após a visita de um grupo, normalmente fica uma contribuição na forma de lixo que precisa ser localizado e coletado, gerando despesas e preocupação.

Este é o preço que pagamos por vivermos em uma sociedade que faz a apologia ao consumo e que se especializa em produzir o lixo. Como não somos um planeta isolado a milhões de anos-luz da terra, inevitavelmente sofremos as conseqüências de uma cultura que se esmera em esgarçar os laços que a hu-manidade precisa manter com a natureza para continuar existindo.

“Até o início do século passado, o lixo gerado – restos de comida, ex-crementos de animais e outros materiais orgânicos – reintegrava-se aos ciclos naturais e servia como adubo para a agricultura. Mas, com a industrialização e a concentração da população nas grandes cidades, o lixo foi se tornando um problema”. (CONSUMO SUSTENTÁVEL, p 116, 2005)

O caminho da integração ecológica precisa, neste processo, fazer o traje-to inverso, que é reaprender a viver sem produzir lixo, ou, pelo menos, produzir um material que possa ser reduzido, reutilizado ou reciclado.

princípio doS 3 ErrES

Um caminho para a solução dos problemas relacionados com o lixo é apontado pelo Princípio dos Três Erres (3Rs) – reduzir, reutilizar, reciclar. Fatores associa-dos com estes princípios devem ser considerados, como o ideal de prevenção e não geração de resíduos, somados à adoção de padrões de consumo sustentável, visando poupar os recursos naturais e conter o desperdício. (CONSUMO SUS-TENTÁVEL, p. 116, 2005).

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Reduzir – consumir menos. Reutilizar – Dar novo uso ao material.Reciclar - Gerar um novo produto a partir do material usado

Temos, mesmo diante das dificuldades, a meta do lixo industrial zero, pelo menos na área do sítio. Não podemos mudar o mundo, mas podemos cuidar da parte do planeta que escolhemos para viver.

Decomposição de materiais

Materiais Tempo de decomposiçãoPapel De 3 a 6 mesesPanos De 6 meses a 1 anoFiltro de cigarro Mais de 5 anosMadeira pintada Mais de 13 anosNáilon Mais de 20 anosMetal Mais de 100 anosAlumínio Mais de 200 anosPlástico Mais de 400 anosVidro Mais de 1000 anosBorracha Indeterminado

A questão dos resíduos sintetiza a problemática atual vivenciada pela humanidade. Os resíduos mostram o estilo de vida de uma determinada socie-dade. O lixo gerado pelo povo nômade Guajá10 , do interior do Maranhão, que até recentemente não sabia fazer fogo, é basicamente orgânico. Já o lixo produ-zido por um paulistano é estimado pelo IBGE em 1.200 kg/ano, material que, em sua maioria, acaba poluindo o meio ambiente.

Em 1995, o Brasil produzia 241.614 toneladas de lixo por dia, e 76% permaneciam expostos a céu aberto em lixões. A produção de lixo “per capita” no Brasil hoje gira em torno de 600g/hab/dia.

10 Em termos ambientais um Guajá é mais sustentável que um americano. O lixo produzido pelos EUA, por exemplo, coloca em risco a camada de ozônio, eleva a temperatura do planeta, polui as águas dos rios e do mar.

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Os países industrializados são os que mais produzem lixo. A taxa de produção de lixo per capita dos norte-americanos, de 1,5 quilo por dia, a mais alta do mundo, sendo que apenas 11% do lixo que produzem é recuperado.

Um oceano de plásticoSão produzidos anualmente cerca de 100 milhões de toneladas de plástico e cerca de 10% deste total acabam nos oceanos.No Oceano Pacífico há uma enorme camada flutuante de plástico, que já é considerada a maior concentração de lixo do mundo, com cerca de 1000 km de extensão e atinge uma pro-fundidade de mais ou menos 10 metros. Segundo seus descobridores, a mancha de lixo tem quase duas vezes o tamanho dos Estados Unidos. Um marinheiro que navegou pela área no final dos anos 90disse que ficou atordoado com a visão do oceano de lixoplástico a sua frente. “Como foi possível fazermos isso?”.Essa sopa plástica pode funcionar como uma esponja, queconcentraria todo tipo de poluentes persistentes. Ou seja,qualquer animal que se alimentar nestas regiões estaráingerindo altos índices de venenos, que podem ser introduzidos, através da pesca, na cadeia alimentar humana, fechando-se o ciclo, na mais pura verdade de que o que fazemos à terra retorna à nós, seres humanos.Há seis anos, uma baleia minke foi encontrada morta na Normandia, no norte da França, com 800 quilos de sacolas plásticas no estômago. Veja, 5 de março de 2008, p 93.

Reutilização

Todo o resíduo orgânico gerado no sítio é reaproveitado, transformado em ração para as criações e reintegrado ao ambiente natural na forma de adubo.

Para a produção de ração, usamos uma pequena máquina que tritura os resíduos orgânicos, juntamente com as sobras de legumes e verduras da horta. A situação ideal, todavia, é a utilização de uma composteira.

Veja quadro:

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Como fazer uma composteira1) Reserve um recipiente, em sua cozinha, apenas para o descarte de resíduos orgânicos;2) Escolha um canto no seu quintal, de preferência sombreado, onde você montará sua com-posteira. Use materiais como bambu, madeira velha, adobe ou tijolo, sem cimentar;3) Deposite na composteira o material orgânico já separado do seu lixo. Cubra-o com folhas (do quintal ou de área próxima) ou serragem, esterco seco, etc.4) Regue até umedecer a camada mais seca. A cada dois ou três dias areje bem o monte, revi-rando o material. Em época de chuva, cubra a composteira. Proteja-a também do sol direto.Importante! O material irá fermentar. Para adicionar mais material orgânico, é só repetir a etapa três, aumentando as camadas.Fungos e outros bichinhos inofensivos estarão trabalhando para você, decompondo o mate-rial. Após dois meses o material estará pronto para ser doado, usado ou vendido. Peneire a leira e devolva os bichinhos à composteira.O material está pronto para ser usado se:- Tiver cor marrom café e cheiro agradável de terra.,- Estiver homogêneo e não der para distinguir os restos orgânicos (talvez um osso ou um caroço mais duro).- Não esquentar mais. Fonte: http://www.cecae.usp.br/recicla

Reciclar

Do lixo não orgânico, reciclamos o que é possível. O restante é levado para a coleta regular realizada pela prefeitura, que o leva para o aterro sanitário da cidade. Infelizmente São Luís do Maranhão ainda não tem um sistema de coleta seletiva.

Mas um sítio ecológico possui uma infinidade de materiais e produtos que podem ser reutilizados. A reutilização é uma forma de aproveitar melhor os recursos e evitar o desperdício de matéria e energia.

“Apesar da pobreza em que vive grande parte da população, o lixo brasi-leiro é um retrato do desperdício. No país perde-se em média 15% da safra de grãos. Na construção civil, as perdas de materiais chegam a 33% e, nas feiras e supermercados, cerca de 30% do estoque de alimentos vai para o lixo” (CON-SUMO SUSTENTÁVEL, p. 128. 2005).

Não há dados conhecidos do desperdício de matérias e energias em um sítio. Podemos, todavia, considerar que o desperdício é muito grande. Por exemplo, em uma pequena área de mata é possível extrair madeira, essências vegetais, fibras, plantas ornamentais, fungos, cogumelos, adubo vegetal, argila, água; e tem ainda a paisagem, o ambiente natural.

Mas, no caso da agricultura moderna, a área é desmatada e o máximo que se aproveita é a madeira para a produção de carvão, alguma cerca e só. Na

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agricultura de subsistência, a área é queimada e a madeira que sobra é vendida no metro, principalmente para a indústria siderúrgica.

O sítio ecológico, por sua vez, adota um terceiro caminho, através da valorização de todos os recursos da área.

Quando uma pequena área é desmatada para a produção agrícola, im-planta-se a agrofloresta. A área não é queimada. Parte da madeira é utilizada. As raízes das árvores derrubadas são transformadas em móveis artísticos. To-dos os recursos da área são valorizados. As varas podem ser transformadas em vasos para plantas, na forma de gaiolas, em casa de pássaros

A montagem de uma pequena oficina de artesanato no sítio abre um leque de possibilidades para a criação de objetos, agregando valor e renda ao sítio.

A cozinha também pode dar novos usos aos materiais. Uma cozinha é - de certa forma - um laboratório de criação de sabores e produtos. De uma única planta - a vinagreira - é possível extrair até 20 produtos na cozinha. As embalagens se tornam vasos de molhos e conservas. A produção excedente do consumo, normalmente vendida por um valor irrisório nas feiras, transforma-se em doces, geléias, conservas, pastas e massas, agregando valor aos materiais e às energias do sítio.

Criar e reinventar

Neste processo de criação e de reinvenção do uso dos recursos disponí-veis, devemos observar a natureza em toda a sua complexidade – do movimen-to diário dos astros ao funcionamento da micro-vida no solo. Assim estamos reaprendendo a respeitar as suas leis naturais.

A resposta a esta postura é gratificante e vem de muitas maneiras. No sítio ecológico aumenta a quantidade e a qualidade da água, o solo fica mais fértil, as galinhas põem mais ovos, as flores ficam mais coloridas e perfumadas e as frutas mais doces.

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ágUa, Um Sopro dE dEUS

“Minha garganta pede um copo d´águaE os meus olhos pedem o teu olhar”.

Gilberto Gil

O elemento água é talvez a maior riqueza do sítio panakuí. A chuva banha as terras do sítio por, em média, sete meses do ano – de janeiro a julho.

No verão as chuvas incidem de forma mais esparsa, mas sempre aparecem para amenizar o calor, amaciar a terra e molhar as plantas.

Mesmo quando a chuva está em falta, nas noites acontecem chuvas mi-núsculas, com bilhões de gotas de orvalho caindo regularmente e molhando a terra. É pouca chuva, esta de orvalho, mas é melhor pouco que nada. E o orvalho é a melhor água que deus joga na terra.

O sítio tem uma situação de fartura de água, este líquido raro atualmen-te no mundo.

Um africano utiliza10 litros de água

0

100

200

300

400

500

Um francês150 litros

Um americano425 litros.

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No lençol superficial do sítio é possível encontrar uma reserva de água que ainda não conseguimos avaliar em sua totalidade. com equipamento nor-mal, cavamos dois poços semi-artesiano.

O primeiro foi cavado no mês considerado o mais seco do ano para a região, novembro, e deu água com sete metros. Com 13 metros de profundi-dade e mais de nove metros de água a maior parte do ano, foi este poço que abasteceu o sítio por mais de um ano.

Cavamos outro poço, que deu água com sete metros, mas que ficou com 17 metros de profundidade e 12 de água a maior parte do ano. Deste poço tiramos, por dia, uma média de 12 mil litros de água da melhor qualidade.

Os dois poços comprovam que em qualquer lugar da área do sítio é possível extrair água de boa qualidade do lençol superficial.

Este recurso nós cuidamos com todo carinho. Não usamos produtos tóxicos que possam causar algum tipo de contaminação. Mantemos a maior parte do sítio sempre coberta por vegetação.

a ágUa da chUva

No período de chuva, procuramos conservar a maior quantidade da água na área do sítio, montando pequenas barreiras com restos de vegetação, com troncos de palmeiras e alguma vala. Tudo para facilitar a absorção da água pela terra, uma forma de ampliar o estoque de água do lençol freático do sítio.

Ainda estamos estudando formas para a exploração deste potencial. Esta água será usada como reserva de recursos do sítio, uma vez que um litro de água já está sendo vendido ao preço de meio litro de gasolina no comércio regional.

Esperamos implantar formas de demonstrar a importância da preserva-ção dos recursos hídricos, através da construção de equipamentos e estruturas que dêem maior visibilidade ao recurso água no sítio.

No livro Manual do Arquiteto Descalço,(LENGEM,2002, há um capítu-lo com orientações para a implantação de estruturas - como bombas artesanais, cisternas e filtros - que ajudam na captação de água, no uso sustentável, no transporte, no tratamento e na irrigação

Na área baixa, fizemos pequenos açudes para criar patos e vamos criar peixe orgânico. Também queremos usar os açudes para atrair as aves aquáticas, como garças, guarás, entre outros.

Para garantir o recurso hídrico do sítio, fizemos o plantio de espécies

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vegetais que ajudam na conservação da água, como a juçara e o buriti, plantas adaptadas ao ambiente úmido, como as margens de rios e de igarapés, e que também geram frutos saborosos e com ótima aceitação no mercado.

Em um espaço de menos de 30 mil metros quadrados, temos um poten-cial de água doce no lençol freático superficial, aquele que pode ser alcançado com equipamentos manuais, e mais um potencial para a água doce, aquela que pode ser estocada em açudes com até 2 metros de profundidade, feitos de forma manual.

Esta água é mais do que suficiente para a manutenção das atividades do sítio Panakuí, uma vez que fazemos um uso racionalizado do recurso hídrico, usando um sistema simplificado de irrigação por micro aspersão e por goteja-mento.

Na nova fase, vamos captar a água da chuva que incide no telhado da casa Panakuí, para usar na irrigação, conservando-a em cisternas construídas com placas de cimento feitas no sítio.

Mas a realidade do Sítio Panakuí é apenas uma ação positiva. Serve para mostrar que podemos agir para evitar o agravamento da crise e que a natureza, quando bem tratada, devolve sempre muito mais do que recebe.

No aspecto mais amplo, o Brasil é um país rico também em recursos hídricos. É dono de 14% da água doce do mundo e de 30% dos mananciais subterrâneos.

Ocorre que o uso da água acontece de forma predatória, não só no Brasil.Nos últimos 100 anos, o consumo anual de água saltou de 633.33 litros per capita. Enquanto a população mundial cresceu 3,75 vezes, o consumo total de água aumentou 7, 6 vezes. Isso significa que, para cada copo de água em 1900, gasta-se agora quase oito copos.Veja, 30.01.2008, p 88

Os dados da Organização das Nações Unidas (ONU) estimam que o planeta possui 1 bilhão e 400 milhões de km2 de água, contidos em oceanos, mares, rios, lagos, fontes e lençóis sub-terâneos. Isso corresponde a 75% do planeta.97,5% é água salgada, 2,5% é água doce. Nos pólos estão 2,086%; Rochas sedimentares 0, 291%; Lagos 0,0017%; Na atmosfera 0,001%.Apenas 0,01% estão à disposição direta da humanidade. BARROS, p. 23. 2002

Mas o destino da água usada pela humanidade é que precisa ser revisto.8% doméstico;22% indústria;70% agricultura

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6.3 valor da ágUa

Na agricultura a irrigação faz um uso sem medida dos recursos hídricos, ainda causando contaminação e envenenamento, desconsiderando o “ valor econômico da água”, sendo que este “valor econômico da água não a coloca acima da vida das pessoas” (BARROS, 57, 2002).

Se o valor econômico da água fosse considerado, haveria uma melhor racionalização do seu uso.

O valor hídrico das coisasTudo que é produzido, de alimentos a automóveis, tem um custo em recursos hídricos. Este quadro mostra a quantidade de água utilizada para obter cada produto.Veja, 30.01.2008, p. 88

Sem a valoração dos recursos hídricos, a produção agrícola e a industrial acabam mascarando a exploração insustentável dos recursos naturais, causando uma apropriação indevida dos recursos do planeta, bens da humanidade, por grupos capitalistas que investem no mercado de curto prazo, sem considerar a realidade das pessoas e da natureza.

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“Pouca gente nota, mas a água tornou-se um dos produtos mais presentes no comércio global. Países com poucos recursos hídricos, como a China, compensam a escassez importando a “água virtual”, embutida em produtos agrícolas ou industriais (...) Como se gasta muito mais água na irrigação do que nas fábricas, em proporção ao valor final do produto, pode valer mais a pena para um país importar alimentos e concentrar suas forças na indústria. A China, um das nações com a menor disponibilidade de água doce per capita, está passando por esta transição”. Veja, 30.01.2008, p, 89.

Os dados existentes mostram que a exportação virtual da água não pode se perpetuar. Os produtos explorados nas regiões periféricas precisam passar por um beneficiamento adequado, de forma a sofrer a necessária agregação de valor. É o que propõe o sítio ecológico. O Brasil, por exemplo, não pode conti-nuar destruindo o Cerrado para vender a soja in natura, ou outros produtos do gênero, desperdiçando o ecossistema, poluindo as águas, contaminando o solo, gerando pobreza e doenças para a sua população.

Os conflitos pelo uso da água já ocorrem em várias partes do planeta. “Se não tomarmos, hoje, o devido cuidado, provavelmente, daqui a alguns anos a água se tornará escassa e objeto de luta por parte dos povos. As pessoas comercializarão um litro de água potável por dois de petróleo e assim por diante!”. (BARROS, p.19. 2002)

Em uma análise mais enfática, o vice-presidente do Banco Mundial, Is-mael Serageldin, afirmou em 1995 que “no século XXI, as guerras acontecerão pela água e não pelo petróleo ou por motivos políticos”.

Faltará água potável para 40% da população mundial até o ano de 2050 - Dados ONU.

Várias experiências acontecem no globo, enfocando a necessidade de

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conservação e de preservação dos recursos hídricos. O projeto Água da Chu-va, uma campanha pela convivência com o Semi-Árido Brasileiro, realizado (ASA – completar) pela Cáritas Brasileira, a Comissão Pastoral da Terra e outras organizações, é um bom exemplo de ação ecológica em defesa do uso sustentável dos recursos naturais, entre eles a água.

“Armazenar água da chuva, entretanto, é uma aprendizagem cultural, é uma revolução nos costumes que aponta para um novo comportamento em relação à natureza”. (ÁGUA DA CHUVA, p35. 2001).

“Portanto, a água da chuva é um enorme potencial hídrico desperdi-çado”, e “O mecanismo de captar água da chuva para consumo humano, por meio das cistenas familiares, revelou-se o mais eficiente e barato de todos” (ÁGUA DA CHUVA, p.33, 2001, ).

Mas em alguns casos o dano ambiental é bem mais grave e até irrever-

sível. A poluição ambiental chega a tornar impossível a recuperação de alguns recursos contaminados com metais pesados, por exemplo.

Em certos lugares, até a água da chuva já não é mais confiável e pode ser perigosa, a chamada “chuva ácida” (BARROS, p.9, 2002).

O desastre anunciado já começou.

Vivemos numa terra única, a nossa casa, o berço em que nascemos. Por mais que a situação seja em alguns casos desesperadora, precisamos avançar na construção das alternativas. Precisamos multiplicar os exemplos e assim envol-ver o maior número possível de pessoas neste processo de salvação das nossas vidas, das vidas das pessoas que amamos, das criaturas que compartilham a experiência de viver neste pequeno e maravilhoso planeta do universo, pois, como diz o filósofo Marcelo Barros: “As águas são nossa matriz, nascemos nas águas. O mundo brota das águas, são elas a fonte da criação, é por elas que vem “voando o sopro de Deus”. (BARROS, p.13, 2002).

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USina Solar no Sítio

“Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino”. Paulo Freire

a EnErgia SUStEntávEl

Somente o olhar sensível pode perceber a área física do sítio ecológico como uma usina de energia em três dimensões. É exatamente isso: uma usina

extraordinária, movida de forma contínua com a energia eterna do sol. “A luz solar é a fonte primordial de energia que aciona todos os processos da natureza. (KATOUNIAN, p 95. 2001).

Através deste olhar potente é possível sentir a energia irradiando do sol, entrando nas plantas através das folhas, sendo transformada pela fotossíntese 11, convertida em nutrientes diversos e então servindo de alimento para os mi-lhares de seres que habitam a área. Além da energia do sol, tem ainda a energia que sai das entranhas da terra, as energias originárias do sol e que se manifes-tam na forma do vento, da água corrente, das chuvas, que depois acabam arma-zenadas na massa biológica formada pelo movimento da vida, a biomassa.

As frutas, as verduras, os ovos e outras produções do sítio ecológico são, na verdade, energia do sol em estado sólido, com um pouco de água e outros nutrientes.

A Fazenda Pork Terra, de João Paulo Muniz Filho, em Caconde, a 290 km de São Paulo, há dois anos começou a transformar o que era dano ambien-tal em solução para o problema da energia.

Com os dejetos dos animais, Muniz faz biofertilizantes para a lavoura de café e biogás, que supre 50% da energia elétrica da propriedade, além de outros usos. Já a banha não aproveitada na linha de torresmo pré-pronto vira combustível para tratores e veículos. E a glicerina, subproduto do biodiesel, de origem animal, transforma-se em sabão. (Sebrae Agronegócio, nº 05, de 06.07.2008).

Fogo na economia da família

Como é atualmente comum entre os trabalhadores rurais de grande par-te do Brasil, certo dia um vizinho do Sítio Panakuí transportava uma carroça 11 *Essa energia, que é dispersa e de difícil captação pelos meios tecnológicos atuais, encontra

na fotossíntese das folhas o mecanismo de direta captação, fácil armazenamento, e adequada concentração. (VASCONCELOS, p. 156, 2004).

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com cerca de 400 varas de madeira nobre, retiradas de uma área que ele acabara de desmatar para plantar mandioca. A carga seria vendida por 100 reais, para fazerem uma cerca. Apenas três árvores da Amazônia, de um hectare, rende até U$ 20 mil dólares/ano. Fiz as contas: Naquela carroça estava uma produção de 400 árvores. Considerando apenas 99 árvores, após um período estimado em 15 anos, a carroçada renderia (33 X 20.000) U$ 660.000.

“1 metro cúbico de madeira com 20% de umidade equivale a 1 barril de petróleo. Na região do Cerrado mineiro, no Vale do Jequitinhonha, a Acesita tem mais de 100 mil hectares plantados, com produtividade de 60 estéreos por hectare, por ano, que significam, em comparação energética com o petróleo, 60 barris de petróleo, por ano.” (VASCONCELOS, p 290, 2004)

Movido por uma fina dor de barriga vazia, o trabalhador rural prefere passar por pouca coisa uma poupança certa no futuro, considerando-se apenas a venda da madeira, sem contar os outros recursos existentes em uma peque-na área de mata nativa, ignorando que vive “num espaço de terra mui rico e formoso, como é o caso do privilegiado território físico brasileiro, abençoado todos os dias, de norte a sul, de leste a oeste, por imensa fonte de energia pri-mária, permanente e limpa, o nosso astro-rei: o sol”. (VASCONCELOS, p. 11, 2004).

Apesar de a cultura popular registrar com sensibilidade a riqueza dos recursos naturais, cantada em verso e prosa, em brincadeiras, em rituais mági-cos, em lendas e mitos como Iara, a Mãe D´água; o Saci Pererê; o Curupira; a Iemanjá (a rainha do mar); “os sentidos (dos brasileiros) estão embotados à percepção do matrimônio entre o sol e a água, tendo como suporte principal a terra, de que a biomassa é a filha pródiga dos trópicos”. (VASCONCELOS, p. 11, 2004).

Uma ShEll no qUintal

De acordo com o J.W. Batista Vidal, o criador do Programa Nacional do Álcool, a maior alternativa energética ao petróleo, a Biomassa, a energia solar concentrada na matéria, “é igualitária porque cada cidadão que detenha um metro quadrado de terra pode ser proprietário de uma pequena Shell”. “Cada quintal nos trópicos pode ser considerado uma Esso familiar. (VASCONCE-LOS, p. 270, 2004)

Algumas iniciativas têm sido feitas no país para despertar este imenso potencial energético também nos pequenos.

Paulo Okamoto, presidente do Sebrae, diz que o foco atual da organi-

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zação é a inserção dos pequenos negócios, integrando a cadeia produtiva dos biocombustíveis. “Estamos desenvolvendo, com sucesso, dez projetos em oito estados, beneficiando mais de 6.000 produtores da agricultura familiar com recursos da ordem de R$ 10 milhões até 2009”. (Revista Sebrae Agroenergia, junho de 2007).

O embotamento da visão não deixa a nação perceber a dimensão da ri-queza existente na linha do equador. “Somente na bacia amazônica incide dia-riamente uma quantidade de radiação solar equivalente à energia de 6 milhões de bombas nucleares, do porte das lançadas pelos norte-americanos sobre Hi-roshima” . Ainda segundo J. W. Batista Vidal, 30% do território brasileiro não é apto para a agricultura, mas o é para florestas. Com esses 30% é possível pro-duzir 50% das reservas de petróleo dos Estados Unidos, por ano! Em dois anos podemos produzir, pelo uso de florestas, o total das reservas norte-americanas de petróleo, que é da ordem de 20 bilhões de barris, o que sobrou de reservas de cerca de 180 bilhões de barris!”( VASCONCELOS, p. 290, 2004)

No caso da agricultura alternativa, podemos fazer a agricultura na flo-resta e produzir vários tipos de energia.

7.3 EnErgiaS dE FUtUro

Biomassa, a energia verde – Primeira energia renovável no mundo, a biomassa compreende três setores:

a) Madeira-energia – utilizada para o aquecimento de milhões de lares, mas também na indústria e no habitat coletivo;

b) Biogás (metano) - oriundo da fermentação dos dejetos orgânicos ur-banos e agrícolas, queimado em fornos ou utilizado como combustível;

c) Combustíveis biológicos - originários do girassol, do trigo, da beter-raba e da cana, eles alimentam os motores, puros ou misturados à gasolina ou ao gasóleo.

Hidráulica, a energia da água - é a energia renovável mais desenvolvida depois da biomassa. Os cursos d´água são equipados com turbinas ligadas a alternadores que convertem a força d’água em eletricidade.

Eólica, a energia do vento – Enquanto pequenas usinas eólicas servem para bombear a água, os grandes aerogeradores convertem a força dos ventos em eletricidade, para alimentar locais isolados ou a rede elétrica nacional.

Fotovoltaica, e eletricidade solar – Células fotovoltaicas transformam a luz do sol em eletricidade. Ainda onerosa, mas pesquisas recentes apresentam avanços expressivos.

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Geotérmica, a energia da terra – A água quente extraída do subsolo é utilizada para o aquecimento ou, sob a forma de vapor, para movimentar tur-binas e produzir eletricidade.

Hidrogênio, a energia do futuro – O hidrogênio está disponível em quantidade ilimitada na natureza. Sua utilização como combustível nos mo-tores ou para estocar eletricidade não causa poluição. (Revista Label France, dez, 2001 p. 11)

“O Brasil tem assim uma oportunidade histórica que jamais freqüen-tou outro povo”, sentencia Vidal, afirmando que “Tudo se deve à presença, de modo intenso e permanente, do sol, grande e eterna fonte de energia, gi-gantesco reator a fusão nuclear que nos fornece quantidade diária de energia equivalente à produzida em 24 horas por 350.000 usinas hidrelétricas de Itaipu (VASCONCELOS. P.156, 2004).

As descobertas recentes na área avançam na perspectiva do negócio pe-queno ampliado em milhões.

como SErá a caSa panakUi

Atualmente a Casa Panakuí é abastecida com a energia distribuída pela Eletronorte. Usamos a energia da Hidrelétrica de Tucurui, situada no sul do Pará.

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A área do sítio recebe uma grande incidência solar, o ano todo. Nos meses de setembro, principalmente, um vento forte incide na região e pode movimentar turbinas geradoras de energia eólica. O telhado da Casa Panakui foi construído para captar energia solar. Assim que este tipo de energia se tornar acessível no Brasil, esperamos conquistar a auto-suficiência energética. Acompanhamos as pesquisas em energia renovável. Tudo indica que a micro-energia poderá ser em breve uma alternativa viável para as pequenas áreas.

Mas há outros recursos. A biomassa existente no sitio é variada. O prin-cipal recurso da área, em termos de biomassa, é a ocorrência de cerca de 300 palmeiras de babaçu, ainda em fase de recuperação dos incêndios sofridos, antes do projeto Panakuí.

A casa Panakuí busca, portanto, a auto-suficiência energética através da combinação de fontes diferenciadas de energia.

Micro-geração de energiaNão serão apenas grandes projetos de geração de energia em escala. Serão milhões (bilhões) de pequenas gerações de energia. Serão criados milhões de empregos. Acredito que vamos ter nesta área algo semelhante ao que temos hoje com o computador. O mesmo espero que aconteça com as fontes REALMENTE limpas de energia.“O Mossoró West Shopping, no Rio Grande do Norte, é outro exemplo. Há três meses usa energia eólica para iluminar seu estacionamento. Em cima de cada poste há um cata-vento de 40 centímetros de diâmetro que gera a eletricidade. E, se for preciso, também há uma bateria que armazena energia para até 12 horas”.http://chicaodoispassos.blogspot.com/

EnErgia Solar Em todo lUgar

Pesquisadores ultrapassaram uma grande barreira para a energia solar em larga escala: armazenar energia para quando o Sol não esteja brilhando, assim como as plantas fazem na fotossíntese. Os pesquisadores do Massachus-sets Institute of Technology (MIT) chegaram a um processo simples, barato e altamente eficiente de armazenar energia solar.

O trabalho foi publicado na edição de 31 de julho da revista Science. Espera-se que em dez anos seja possível que residências possam usar células fotovoltaicas para armazenar energia através de células de combustível e abas-tecer as suas casas. (http://hiperscience.com).

“Brasil é o continente tropical do planeta, com predestinação para desempenhar papel crucial no futuro da humanidade” (VASCONCELOS, p.154, 2004), ou seja, a missão de “abastecer o mundo de combustíveis só-

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lidos, líquidos e gasosos, em horizonte temporal ilimitado, a partir da bio-massa e, ao mesmo tempo, dar soluções aos graves problemas ambientais”. (VASCONCELOS, p. 155, 2004).

Com um olhar ainda mais ampliado, percebemos que a terra é realmen-te um planeta abençoado. Todos os dias, o astro-rei incide sobre a nossa casa e despeja energia em forma de luz.

“A quantidade de energia solar que cai no hemisfério da Terra equivale do ponto de vista energético, às reservas de petróleo já descobertas, incluindo as ainda não descobertas, apenas inferidas. Ou seja, a civilização do petróleo, a cujos estertores assistimos, corresponde à civilização de um dia de energia solar” (VASCONCELOS, p. 254, 2004).

Em um caso específico, “o babaçu do Maranhão vale uma Arábia Saudi-ta para sempre, sem mencionar o potencial incrível do dendê, da mamona, do girassol, do abacate, da soja, do amendoim... e das imensas florestas tropicais” (VASCONCELOS, p.20, 2004).

No ano de 1977 o pesquisador cearense Expedito José de Sá Parente, 66 anos, sistematizou o processo de produção de biodiesel. Na mesma época o pesquisador cearense descobriu o bioquerosene, o que resultou na conquista do prêmio Blue Sky Award (Troféu Céu Azul), concedido pela ONU em 2005. (Revista Agronegócio, Sebrae, julho/07).

A oleaginosa, já utilizada em larga escala para a produção de biodiesel, serviu de base para a fabricação do bioquerosene que levou um Boeing 747 da Virgin Atlantic de Londres a Amsterdã, o primeiro vôo comercial a utilizar um combustível limpo. O vôo foi realizado no dia vinte e quatro de fevereiro de 2008. (Revista Dinheiro Rural, 42, abril/2008).

A mandioca, plantada de norte a sul do Brasil, uma cultura de origem tropical disseminada pelas nações indígenas, também gera energia. “No caso do uso da mandioca como fonte energética, além de poder provocar o mesmo efeito que ocorreu ao açúcar, garantindo produção extensiva e redução de cus-tos, possibilita a produção de imensa quantidade de proteína, pela utilização de suas folhas”. (VASCONCELOS/VIDAL . p. 44. 2004).

Entre outros produtos, ainda segundo Batista Vidal, “Somente de óleo diesel natural de dendê (são centenas os óleos vegetais) a região amazônica poderia produzir, in loco e por dia, 6 milhões de barris, substituto vantajoso do sujo diesel do petróleo”.

Energia solar mais competitiva“Após trinta anos de pesquisa e experiências, sei como produzir energia

solar de modo que ela seja competitiva com a tradicional”, afirmou ao jornal

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israelense Ha’aretz David Feiman, diretor do Centro Nacional de Energia So-lar de Sde Boker, no deserto do Neguev.

O físico israelense disse ter desenvolvido um novo dispositivo de pai-néis de células fotovoltaicas - que transformam a luz solar em energia elétrica - a um custo aceitável e com possibilidade de armazenamento. Segundo o especialista, uma célula fotovoltaica de 100 cm² produz normalmente um watt de eletricidade. Com o novo dispositivo, poderá produzir 1,5 mil watts. “Nin-guém produziu até agora tanta eletricidade com uma única célula solar”, disse Feiman. (JB On Line. 09/08/2007)

As novidades, em termos de política de democratização da produção de energia sustentável, começam a aparecer no país. Por exemplo, o Estado de São Paulo propôs recentemente uma lei para exigir a instalação de painéis de energia solar nos imóveis, especificamente para o aquecimento da água. (Épo-ca, 14.05.2007, p 62).

Assim, dando valor a cada gota de orvalho, a cada ramo de flor, a cada abelha ou microorganismo, é que devemos colocar em operação a usina ener-gética do sítio ecológico. Trata-se de um bem de valor inestimável e que deve ser gerido com as cautelas reservadas às relíquias do império Inca - ou da rainha da Inglaterra.

Energia renovável recebeu mais de US$ 100 bilhões em 2007A capacidade de geração de eletricidade renovável dobrou desde 2004, alcançando cerca de 240 gigawatts (GW) ao redor do mundo em 2007 e empregando 2,4 milhões de pessoas. Os dados são do relatório Renewables 2007 Global Status (Estado global das energias renováveis em 2007, na tradução livre), produzido pela Rede de Energias Renováveis para o século 21 (REN21, na sigla em inglês) em colaboração com Worldwatch Institute.Mais de US$100 bilhões foram investidos somente em 2007, divididos entre capacidade ener-gética, construção de usinas e pesquisa e desenvolvimento. As renováveis representam 5% da capacidade energética global e 3,4% da geração energética global, segundo o relatório da REN21. (Paula Scheidt, do Carbono Brasil)

A usina solar Panakuí busca, portanto, a auto-suficiência energética através da combinação de fontes diferenciadas de energia.

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conSUmo SUStEntávEl

“Devemos ser a mudança que queremos ver no mundo”Mahatma Gandhi

riqUEza (in)viSívEl

No sítio ecológico o consumo sustentável assume uma importância estra-tégica. Na área do Panakuí, por exemplo, o uso dos recursos ocorre de

forma moderada. Buscamos o uso sustentável das energias e das matérias, a extração de recursos e a produção de alimentos sem causar danos e desperdí-cios, de maneira a atender as nossas necessidades sem causar prejuízos para as demais criaturas da terra, desta ou de outras gerações.

Os recursos naturais materializam o que há de mais valioso em um sítio ecológico. A forma de utilização dos recursos, todavia, depende do projeto que se deseja implantar. Exemplos:

Abrindo espaço para a circulação do ar, a brisa torna o ambiente aprazí-vel e alivia o calor, melhorando a habitabilidade.

A luz solar pode ser transformada em energia. A maior parte é transfor-mada em biomassa no local, através da fotossíntese realizada pelas plantas.

Os recursos hídricos – água da chuva, água subterrânea, água superficial - refrescam a terra, molham as plantas, saciam as diferentes criaturas que vi-vem na área, ou que a visitam, e tornam possível a realização da fotossíntese.

A cobertura florestal protege o solo, produz sombra, flores, frutos, ma-deiras, essências, paisagem e outros produtos que podem ser transformados em fonte de renda.

Até a luz da lua pode ser aproveitada. Na lua cheia, por exemplo, o sítio se transforma em espaço para animadas reuniões em torno da fogueira.

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KATOUNIAN, p.160.2001, com adaptações

Visto como um sistema onde nada se perde, tudo se transforma, o sítio funciona como um organismo, um espaço ambiental12 com entrada e saída de materiais e energias.

Os produtos industriais, usados de forma moderada, geram resíduos que são reutilizados ou devolvidos ao sistema que os produziu.

Os produtos industrializados normalmente trazem alguns ingredientes básicos e uma sopa de produtos químicos que causam impacto na saúde e no meio ambiente. No valor do produto normalmente estão incluídos a embala-gem, a propaganda, a energia e o transporte.

A produção local precisa suprir grande parte das necessidades do sítio, reduzindo as entradas de material externo (despesas), gerando excedentes para a comercialização (receitas). idh amBiEntal

O sítio ecológico procura respeitar a funcionalidade do sistema natural. Em uma abordagem mais ampla, o enfoque sustentável dado ao ambiente do sítio deveria ser o mesmo dado à natureza em qualquer divisão administrativa (Município, Estado e País), assim como ao ambiente do planeta Terra.12 Devemos fazer como nossos avós - ou como as comunidades tradicionais -, que viviam

isolados no interior do Nordeste ou da Amazônia e não compravam o que podiam produzir, consertar, transformar ou reutilizar.

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Espaço Ambiental é um indicador que mede a quantidade de matéria-prima não renovável, terras para agricultura e florestas que nós podemos usar em escala mundial.

De acordo com este conceito, cada país deve ter a mesma quantidade de espaço ambiental per capita disponível.

O cálculo de espaço ambiental tem sido feito com base em cinco ele-mentos: energia, solos, água, madeira e recursos não-renováveis. A partir da estimativa da oferta global destes recursos, dividida pelo conjunto dos seres humanos, é possível calcular o quanto de espaço ambiental cada país está con-sumindo além do aceitável. Este conceito é útil, pois evidencia as implicações ambientais dos padrões e níveis desiguais de consumo de diferentes países e grupos sociais. (BRAKEL (1999), em CONSUMO SUSTENTÁVELL, p. 21, 2005).

não ao dESpErdício

Perto de 44% do que é plantado se perde na produção, distribuição e comercialização: 20% na colheita, 8% no transporte e armazenamento, 15% na indústria de processamento e 1% no varejo.

Com mais cerca de 20% de perdas no processamento culinário e nos hábitos alimentares, os desperdícios totalizam 64% em toda a cadeia.

Dicas ecológicas

•Nãojogueforaassobras.As sobras dos alimentos se transformam em ração para as criações. Os exceden-tes, como frutas e legumes maduros, viram compotas, geléias e recheios para pães caseiros e bolos. O que não pode ser utilizado vai para a composteira e vira adubo orgânico.

•Opteapenaspeloessencial.No sítio nós compramos somente o essencial para o consumo, priorizando os pro-dutos que podem ser adquiridos nas proximidades, incentivando assim uma rede de comércio e de troca solidários.

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•Prefiraprodutosdaestação.As frutas, verduras e legumes da estação são mais saborosos e benéficos à saúde. O aproveitamento integral destes produtos permite uma maior agregação de valor, gerando vários produtos. Na região do Panakuí há uma produção considerável de caju, de acerola, de murici, entre outros. Diversas maneiras estão sendo estudadas para aproveitar melhor a pro-dução local. Fazemos polpas, secamos a frutas (caju, banana) com o fogão solar para usar como ração e como farinha.

•Façaoalimentodurarmais.Vegetais, incluindo talos e folhas, podem ser congelados pelo processo de branquea-mento: mergulhe os vegetais em água fervente, espere que a água volte a ferver, retire do fogo e mergulhe imediatamente esses vegetais em uma vasilha de água gelada.

prodUtoS dE limpEza EcológicoS

Que tal fabricar seus próprios produtos de limpeza?•DetergenteEcológicoIngredientes: Um pedaço de sabão de coco neutro, dois limões, quatro colheres

de sopa de amoníaco (que é biodegradável);Preparo: Derreta o sabão de coco, picado ou ralado, em um litro de água. De-

pois, acrescente cinco litros de água fria. Em seguida, esprema os limões. Por último, despeje o amoníaco e misture bem. Guarde o produto resultante em garrafas e utilize-o no lugar dos similares comerciais.

•DetergenteEcológicoMultiusoIngredientes: água, vinagre, amônia líquida (amoníaco), bicarbonato de só-

dio e ácido bórico.Preparo - Em um litro de água morna (cerca de 45º C), coloque uma colher de

sopa de vinagre, uma colher de sopa de amoníaco, uma colher de sopa de bicarbonato de sódio e uma colher de sopa de bórax ou ácido bórico. Como qualquer produto de limpeza convencional, mantenha os detergentes ecológicos fora do alcance de crianças e animais domésticos.

•DesodorantedeAmbientePode ser substituído por uma solução de ervas (citronela, capim limão, erva

cidreira) com vinagre ou suco de limão. Além de gastar menos dinheiro, evita-se os produtos responsáveis pelo aumento de doenças respiratórias e alergias. (www.ess-cialsites.com.br, Planeta na Web, WWF Brasil. com adaptações)

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A doença do consumo, também chamada de consumismo, a expansão da cultura do “ter” em detrimento da cultura do “ser”, é criada pelo evangelho do consumo, que inspira o comportamento de um número crescente de pesso-as em todo o mundo.

Somente os países desenvolvidos, com 20% da população mundial, con-somem:

85% do alumínio e químico sintéticos; 80% do papel, do ferro e do aço; 80% da energia comercial; 75% da madeira;65% da carne, dos pesticidas e do cimento; 50% dos peixes e grãos;40% da água doce.

(Informe sobre o Desenvolvimento Humano, Nações Unidas, 1998)

Os países considerados ricos também produzem 80% da poluição e da degradação dos ecossistemas.

Os países considerados pobres ficam com apenas 20% dos recursos na-turais, assim como são os responsáveis por 20% da poluição e da degradação.

A população mundial consome 30% a mais em recursos naturais do que o planeta consegue repor. Se continuarmos assim, em 2050 vamos precisar de mais dois planetas Terra para saciar este consumo voraz.(Revista Veja, no 41, set 2008).

O padrão de consumo das sociedades ocidentais modernas, além de ser socialmente injusto e moralmente indefensável, é ambientalmente insustentá-vel (Consumo sustentável, p.18.2005)

rEdUzir o conSUmo

É preciso diminuir o consumo de material supérfluo nos países indus-triais avançados, assim como nos países em desenvolvimento. Principalmente, precisamos redescobrir as formas sustentáveis de consumo, incorporando os procedimentos ecológicos na rotina do dia-a-dia, em nossas casas.

Há, inclusive, a necessidade urgente de definição de “um piso mínimo e de um teto máximo de consumo para reduzir as disparidades sociais, econômi-cas” e ambientais. (Manual da Educação, p. 18).

A grande agricultura é uma consumidora voraz de recursos ambientais, como água e energia, além de causar um impacto considerável com o uso de agrotóxicos. A maior parte da produção agropecuária é destinada aos países ricos, mas os custos ambientais não são repassados às regiões produtoras.

“Quando os custos da degradação ecológica não são pagos por aqueles que a produzem, estes custos são externalidades para o sistema econômico, ou

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seja, custos que afetam terceiros, sem a devida compensação” ( Quanto vale a caatinga, p. 69, 2002)

Quando um americano consome um quilo de filé de carne bovina13 produzido em área desmatada da Amazônia, o valor pago pelo produto não reflete o custo ambiental total que a ele deve ser agregado. A incorporação do custo ambiental ao produto precisa considerar também o valor dos bens natu-rais (água, ar puro), a biodiversidade (insetos, pássaros, plantas), o solo (tipo de solo, minerais) e os danos causados ao ambiente.

É necessário consumir menos carne. O consumo de carne tem forte im-pacto ambiental por, pelo menos, duas razões. O rebanho bovino cresce todos os anos e exige a abertura de grandes extensões de terras para pastagens. Um estudo do Banco Mundial aponta que nos anos 90 a pecuária foi a maior causa de desmatamento da região amazônica. (Carta Capital, 6.07.2007, p. 52.).

Atualmente os padrões de consumo das pessoas são formados sem in-ternalizar os custos ambientais. (Quanto vale a caatinga, p. 69, 2002).

O teólogo Leonardo Boff, no livro Saber Cuidar, defende que para cui-dar do planeta “precisamos todos passar por uma alfebetização ecológica e re-ver os nossos hábitos de consumo”. (BOFF, p. 134, 1999). Segundo Boff, “a sociedade deve mostrar-se capaz de assumir novos hábitos e de projetar um tipo de desenvolvimento que cultive o cuidado com os equilíbrios ecológicos e funcione dentro dos limites impostos pela natureza”. (BOFF, p. 137. 1999).

aUto-SUFiciência

“O objetivo essencial do pensamento verde é a auto-suficiência sadia”. (SHWARZ, DOROTHY, p. 24, 1990). As populações tradicionais mantêm uma relação de respeito e de equilíbrio com a natureza. Eles praticam a educa-ção ecológica, construída ao longo de séculos, de milênios.

Ou seja, “muito do que está sendo procurado já existe e existiu no seio de centenas de sociedades tradicionais que conservam, manejam e utilizam a biodiversidade do planeta terra”, (POSSEY, IN: PAVAN, V.I, p. 149, 1996).

O antropólogo Darrel Possey, que viveu vários anos com os índios da Amazônia, considera que os povos tradicionais possuem vasta experiência na utilização e conservação da diversidade biológica e ecológica, que está atual-mente sendo destruída, em parte, pela falta de reconhecimento do potencial 13 (CAMPANHA CONTRA O CONSUMO DE CARNE - AQUECIMENTO GLO-

BAL E O CONSUMO DE CARNE. PARAR DE COMER CARNE PODE SALVAR A AMAZÔNIA? Revista Época 18/02/2008)

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econômico das espécies nativas para remédios, alimentos, fertilizantes naturais, pesticidas, etc. (POSSEY, IN: PAVAN, V.I, p. 149, 1996). “Esses grupos pro-duzem o suficiente para a sua subsistência, mas não produzem excedentes para não exaurir o meio ambiente”, e que “o modo de produção está sedimentado numa ideologia da reciprocidade entre o humano e o animal, segundo o qual, para que os humanos subexistam, é preciso deixar vingar as outras formas de vida”. (POSSEY, IN: PAVAN, V.I, p. 149, 1996).

Essa cultura da sustentabilidade, característica predominante das popu-lações tradicionais, faz parte do imaginário do povo brasileiro. Muitas práticas, na saúde, na alimentação, na produção agrícola, ainda estão presentes na rotina de milhares de famílias brasileiras.

No sítio Panakuí estamos implantando as novas alternativas de produ-ção, principalmente do tipo agroflorestal, inspiradas em modelos tradicionais dos povos da floresta, mas também de consumo, de aproveitamento e de valo-rização dos recursos naturais disponíveis, fazendo uso da tecnologia que vem para auxiliar nesta volta ao passado, que é, ao mesmo tempo, a reinvenção do futuro.

Buscamos fazer a nossa parte, ciente que em outras localidades, em ou-tros países, há milhares de pessoas marchando nesta direção.

Nos Estados Unidos, por exemplo, produtores orgânicos estão vendendo antecipadamente a produção para os consumidores locais, formando assim um sistema de financiamento solidário, em que o consumidor financia o peque-no produtor, que entrega cotas de legumes e verduras produzidos de maneira ecológica, gerando renda, economizando energia, combustível e preservando a natureza. (Globo Rural, julho/08, p 64.)

SEU prato aqUEcE o planEta

A queima de combustíveis fósseis (gasolina e diesel) no transporte de alimentos contribui para o aquecimento global. Esse translado é responsável por até 70% das emissões de gás carbônico (CO2) dos alimentos. Confira abai-xo quanto cada um polui e quantos quilômetros, em média, percorrem até chegar a sua mesa.

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(Época, 31 de março/08, p. 82).

Nós partimos do local para o global, formando redes, promovendo as novas práticas de consumo, estimulando a união em associação, em cooperati-vas e, principalmente, funcionando como exemplo.

Precisamos nos salvar de nós mesmos. Esta marcha para o desastre não pode prosseguir.

Sabemos que o automóvel a álcool que usamos, que roda 40 km ao dia, por um ano, emite uma quantidade de poluentes que precisaria de centenas de árvores em crescimento para ser anulada.

Nós, no sitio Panakuí, procuramos anular a poluição que produzimos plantando árvores e semeando idéias, pois “devemos ser a mudança que que-remos ver no mundo”.

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SaúdE E qUalidadE dE vida

“Que a comida seja teu alimento e o alimento tua medicina.”Hipócrates (c. 460-c. 377 a.C.

a lição da SEmEntE

Uma castanha de caju, colhida de um frondoso cajueiro situado no ca-minho para o sítio, foi plantado no verão e cresceu saudável na entrada do local onde depois construímos a Casa Panakuí. Quatro anos depois, vi as flores rompendo, abrindo-se ao sol e, mais algumas semanas, comi as primeiras frutas saborosas

A história do ainda pequeno cajueiro resume o conteúdo do capítulo sobre Saúde e qualidade de vida. Muitas pessoas, por razões diversas, não con-seguem plantar uma semente, cuidar de uma planta, muito menos comer frutas colhidas diretamente do galho.

A crise por que passa o mundo, com seus alimentos inadequados, micro desnutridos e contaminados por metais pesados; suas águas poluídas e conta-minadas por resíduos industriais, plásticos e outros produtos, com a destruição dos recursos naturais avançando, é já uma realidade amplamente conhecida.

“Há pouco mais de uma década uma nova especialidade médica, a me-dicina ortomolecular, começou a estudar o metabolismo humano como um

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todo e percebeu que estes pacientes estavam na verdade micro desnutridos e intoxicados, isto é, apresentavam deficiência de vitaminas e sais minerais e os metais pesados e outras substâncias estavam nocivamente em excesso em seu organismo. (BIGNARD, in: http/scribd.com).

O pequeno cajueiro nos leva em uma viagem pelo tempo em que comer frutas recém-colhidas era parte de uma rotina em muitas localidades, inclusive nas urbanas. Atualmente o alimento humano faz parte de um sistema que produz a fruta em grandes plantações, utilizando máquinas pesadas, defensivos e agrotóxicos, em uma região; a industrialização acontece em outra, alterando as propriedades, inserindo conservantes, adoçantes, gorduras trans14 e outros produtos artificiais; e a venda ocorre em diferentes regiões, tornando o alimen-to um produto sem vínculos com a região produtora, com a estação do ano ou com quem a compra na gôndola do supermercado.

No Brasil, tramita na Câmara Federal o Projeto de Lei 826/07, do de-putado Fernando Coruja (PPS-SC), que proíbe a fabricação e a comercializa-ção de produtos com a gordura transaturada, a partir de 2010.

No norte e nordeste, principalmente nas áreas rurais e nas pequenas cidades, por conta do isolamento geográfico, muitas frutas ainda podem ser consumidas frescas e saudáveis, com suas características originais preservadas.

Mas o exemplo do cajueiro também faz uma conexão com o futuro, ao mostrar que há chance de salvamento. Para que isto seja possível “devemos percorrer um longo caminho de conversão de nossos hábitos cotidianos e polí-ticos, privados e públicos, culturais e espirituais” (BOFF. p. 17. 1999).

Com o resgate de hábitos simples, usando técnicas ecoeficientes de pro-dução, a experiência em um sítio ecológico pode resultar em uma vida com qualidade para as pessoas que vivem na área, gerando renda e preservando os recursos naturais.

9.2 Faça SUa partE

Em um efeito em escala, desde que sejam asseguradas as políticas es-truturantes, com assistência técnica multiprofissional e com enfoque ecológico profundo, com crédito oferecido em condições justas e juros baixos, com a formação de redes solidárias de produtores e consumidores, o sítio ecológico é um marco importante para a transformação das realidades micro-regionais, municipais e estaduais.

Para os que desejam a transformação do modelo de desenvolvimento e 14 Nova York poderá ser a primeira cidade do mundo a proibir a gordura transaturada. O con-

sumo em excesso causa sérios problemas nas artérias e no coração.

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a salvação da Terra, o sítio ecológico é uma estratégia ecológica revolucionária que, a partir do local - da produção de alimentos, do auto consumo, da valo-ração dos recursos naturais, da valorização do ser, em detrimento do ter, como defenderam os ecologistas Jesus Cristo, Mahatma Gandhi e Chico Mendes – contribui para a preservação das condições de vida em nosso planeta.

traBalho E rEnda

Um sítio ecológico, dependendo do tamanho da área e da sua utilização, é um ótimo caminho para a criação de trabalho e renda. A necessidade de grande envolvimento emocional indica que se trata de um projeto de interesse da família, vista de forma ampla, como um conjunto de pessoas que se gos-tam e que desejam o bem-estar comum. Todavia, outras pessoas, vizinhas do projeto, podem ser inseridas em atividades produtivas e criativas, a partir do estabelecimento de relações solidárias e sustentáveis, amparadas por contratos de parcerias ou até de sociedades formais.

A base conceitual do pleno emprego está desgastada. Os projetos pro-dutivos nas regiões Norte e Nordeste são voltados, em sua maioria, para as atividades que causam danos irreparáveis à natureza. A base salarial que é paga principalmente às pessoas que saíram das áreas rurais ou semi-rurais não aten-de as necessidades de sobrevivência de uma família. No sítio ecológico as pes-soas, além da renda auferida com a comercialização da produção e da prestação de serviços na área, podem garantir parte do alimento familiar.

Além do mais, as pessoas podem desenvolver outras atividades direta-mente ligadas ao sítio (turismo ecológico e rural, gastronomia, comércio dos produtos, etc), capacitações específicas em área que ainda não possui pessoal formado por instituições de ensino da região (bioarquitetura, permacultura, agricultura ecológica tradicional), ou mesmo trabalhar uma parte do tempo no sítio e ter uma profissão regular (jornalismo, arquitetura, medicina, magistério, etc).

Há os que desejam apenas viver em um espaço ecológico e produzir parte do seu alimento, o que não deixa de ser uma mudança profunda na vida da pessoa e da família.

cEntro holíStico dE icatU

O sítio vem sendo cuidado como um organismo vivo, recebendo aten-ção e carinho. As plantas, a água, o ar, a paisagem, a criação de animais, sem

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aditivos artificiais, sem o uso de fogo e de agrotóxicos. Mas faltava avançar no cuidado com a saúde sustentável, um conceito mais amplo que inclui o bem-estar físico, mental, espiritual e ambiental.

No município de Icatu, pequena cidade da região do Munim - distante 110 km de São Luís, capital do Maranhão, descobrimos que um sítio ecológico é, principalmente, um espaço de saúde sustentável.

Em Icatu, encontramos o Centro de Saúde Holístico, mantido pela Pre-feitura Municipal, funcionando com instalações modestas e que vem apresen-tando impressionantes resultados de cura, de recuperação e de preservação da saúde.

O atendimento é gratuito e a população local tem acesso aos mais efi-cientes métodos de tratamento das Terapias Integrativas. Através da combina-ção de terapias naturais, alimentação natural e do aproveitamento dos recursos naturais, o centro holístico apresenta uma lista com vários casos de doentes crônicos que passaram pelo tratamento e foram curados, ou que passaram a ter uma vida melhor.

aUto-cUra

Jackson Alexandre, terapeuta e coordenador do centro, conseguiu en-frentar um câncer dado pela medicina alopática como terminal, com a auto-aplicação das terapias naturais.

No centro de saúde, a manhã começa com uma caminhada pela trilha de terra do pequeno sítio, seguindo-se de uma sessão de Yoga ministrada pela terapeuta Norma dos Santos Tresbach, formada pela Universidade de Viçosa (MG) e com mais de três décadas de prática. Depois, dependendo de cada paciente, vem a massagem, a terapia com barro, o tratamento com sol, com ar, com plantas medicinais.

Maria Amélia, terapeuta natural, trabalha com Fitoterapia – a cura atra-vés das plantas - e também passou por um processo de auto-cura, usando ape-nas plantas medicinais e alimentação natural.

Para Juarez Lima, prefeito de Icatu, médico com doutorado na Univer-sidade de São Paulo (USP) na área do câncer, “O centro holístico é uma prova de que é possível fazer medicina preventiva”.

As chamadas terapias integrativas são incentivadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pois são ecologicamente corretas. A portaria 914, do Ministério da Saúde, autoriza o uso das terapias integrativas, as quais de-vem ser inseridas no Sistema Único de Saúde (SUS).

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Principais terapias naturais aplicadas no Centro Holístico de Icatu:Geoterapia - tratamento por meio da aplicação da terra. Hidroterapia - tratamento por meio da água. Fitoterapia - ciência que usas as plantas. Helioterapia - tratamento por meio do calor e da luz solar. Ginmoterapia - ginástica para recuperar o equilíbrio dos órgãos e sis-

temas. Eoloterapia - uso do ar para fins de saúde. Jejunoterapia - é a técnica jejum, eficaz no tratamento de doenças. Alimentação racional, humana e dialética - a saúde ou doença depen-

de do que comemos. Homeopatia. Acupuntura. Evangelhoterapia - a pessoa passa a perce-

ber a si e aos outros da forma perfeita. Massagem ANANDA - Técnica de massagem teorizada por Norma

dos Santos Tresbach. Yoga - Remete o praticante ao auto conhecimento.A recuperação da saúde, conseguida através do tratamento realizado em

espaços como o centro holístico de Icatu, impõe o desafio da preservação dos recursos naturais, como ar puro, luz solar, ambiente saudável e livre de contaminação, água de qualidade, entre outros recursos que passam por uma exploração insustentável, ou sofrem processo avançado de contaminação.

alimEnto natUral

No Centro Holístico, a alimentação natural é parte do processo de tra-tamento, mas os pacientes, após sentirem os benefícios da alimentação, muitos acabam adotando as mudanças no regime alimentar.

Somos clientes do Centro Holístico e adotamos todas as suas recomen-dações. Desejamos atingir e manter a saúde sustentável. A desintoxicação do organismo, com a eliminação das toxinas e de outras substâncias nocivas ao corpo, é feita com sucos vegetais e com a adoção da dieta natural.

Como parte do tratamento, adotamos a alimentação sem carne verme-lha. Também adotamos o sal marinho15 , o arroz integral e o açúcar mascavo.

15 O sal “refinado” passou por tratamento em altas temperaturas, sofreu alterações em sua es-trutura molecular original, perdendo inúmeros minerais vitais da sua composição, mas ganhou aditivos artificiais nocivos. Seu consumo está associado à hipertensão arterial, doenças cardio-vasculares e renais. O sal marinho seco naturalmente no sol contém traços de vida marinha que fornece iodo em sua forma orgânica, além de dezenas de minerais vitais.

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O arroz integral

No grão de arroz estão dosados todos os elementos nutritivos que o or-ganismo precisa. Deveria ser consumido na forma integral, aproveitando assim todos os seus nutrientes. Mas o beneficiamento do produto retira os principais nutrientes naturais do grão, entre eles o selênio, mineral que faz parte dos processos cerebrais.

O arroz branco, sem a película mais nutritiva, ainda recebe parafina, substância tida como causadora do câncer de intestino.

O cruel do processo é que o arroz integral, que deveria ser consumido por ser mais saudável e nutritivo, acaba sendo comercializado pelo triplo do preço do arroz branco.

Açúcar mascavoO açúcar mascavo é o açúcar bruto, escuro e úmido, extraído depois

do cozimento do caldo de cana. É vendido até pelo triplo do preço do açúcar refinado e conserva o cálcio, o ferro e os sais minerais.

Já o açúcar refinado perde no processo até 90% dos sais minerais e ainda ganha substâncias artificiais para ficar “branquinho”.

Vivemos a fase de consumo dos produtos “bonitinhos e ordinários”, em uma suposta modernidade que ignora as lições do passado e, entre outros pro-blemas, dissemina doenças e mal estar nas pessoas e no ambiente.

UrinoterapiaUma das terapias preventivas e com caráter de cura, recomendada por

terapeutas experientes, é a Urinoterapia. Aparentemente pode parecer estra-nho, consumir a própria urina. Hipócrates, o pai da medicina, afirmou há 2.500 anos: “Que a comida seja teu alimento e o alimento tua medicina”. O que entra no organismo pode levar à cura, mas também à doença. Atualmente

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consumimos refrigerantes como coca cola16 *, gorduras artificiais, alimentos com hormônios, adoçantes artificiais e outras substâncias. Mas nos recusamos a consumir a própria urina. Talvez porque tenhamos consciência de que aquilo que estamos consumindo não faz bem ao organismo e grande parte ainda sai pela urina, logo ela é objeto de nojo.

A lógica da Urinoterapia segue, portanto, o princípio de Hipócrates.“Uma das terapias de cura mais antigas do mundo, a Urinoterapia, com

escritos registrados em várias culturas e datados em até 5.000 anos antes de Cristo, está sendo revalorizada em todo o mundo. É o tratamento com o con-sumo da própria urina. A natureza é sábia e sempre cria as suas próprias alter-nativas de cura. Assim acontecem com as árvores, que possuem um eficiente sistema de autodefesa; com os animais, que até conseguem identificar e consu-mir remédios naturais, quando estão com problemas de saúde (é o caso do cão, que procura um determinado capim para sarar de problemas intestinais). Com o homem ocorre a mesma coisa. O remédio natural, produzido pelo corpo, inserido na corrente sangüínea, acaba sendo filtrado pelos rins e o excedente é expelido pela urina. O consumo da urina, produzido por um corpo desintoxi-cado, segundo a literatura especializada, ajuda a curar inúmeros problemas de saúde (www.xistonet.com/urinoterapia, acesso em 30.07.2008).

Nas palavras de Leonardo Boff, “ousamos apresentar caminhos de cura e de resgate da essência humana, que passam todos pelo Cuidado”. Assim, estamos tentando recuperar, na prática ecológica diária, no sítio ecológico que pode ser um pedaço de terra em qualquer lugar do planeta, ou então uma fra-ção do universo que trazemos dentro de nós, “a visão do ser humano como ser de relações ilimitadas, ser de criatividade, de ternura, de cuidado, de espiritua-lidade, portador de um projeto sagrado e infinito. (BOFF, p. 98, 1999).

A adoção da Urinoterapia é uma das terapias integrativas que remete ao resgate de um conhecimento milenar sobre o corpo humano, a vida e o mundo. Mais respeito pela vida. Mais Cuidado. Menos arrogância. Esta é a grande mudança que todos desejamos: a construção de um mundo socialmente justo e ecologicamente sustentável, um mundo de paz e de solidariedade entre todas as criaturas.

16 Para Ione Irulegui, Doutora em Química (USP) e com pós-doutorado na University of Birmingham (Inglaterra), “a Coca-Cola é criminosa. No início dos anos 60 a pesquisadora analisou a qualidade do refrigerante e verificou que sua composição tem ácido fosfórico, que causa a osteoporose. “Esse ácido é ávido por cálcio. A avidez chega ao ponto de fazer o orga-nismo repor o cálcio perdido com o existente nos ossos, gerando um ciclo perverso que leva à doença”. (Revista Caros Amigos, ano XII, nº 43, junho 2008. p. 9)

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arrancada holíStica

No processo de desenvolvimento do sítio ecológico, que exige a

atuação de uma frente de profissionais, uma espécie de “força-tarefa”, consti-tuída com profisssionais de diferentes áreas, entre agrônom@s, veterinári@s, químic@s, antropólog@s, assistentes sociais, pedagog@s, engenheir@s, ar-quitet@s, economistas e outr@as, as-sume destaque a participação de uma pessoa da área da comunicação, que deverá ser a encarregada pela elabora-ção do Plano de Marketing Ecológico para cada sítio ecológico.

O sítio ecológico é uma ação local transformadora. Parte-se da explora-ção sustentável do local, para se fazer avançar um projeto de mudança mais amplo. Para que se consiga avançar na mudança de mentalidade – na ma-neira de consumir, de cuidar da saúde, de cuidar da terra etc -, precisamos investir em marketing, ferramenta de grande importância para a dissemina-ção da maneira ecológica de ser e de se fazer ecologia profunda. Como exemplos de marketing estraté-

O Segredo

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gico, citamos o exemplo de Mahatma Gandhi, que adotou a política da não-violência para enfrentar o império in-glês na Índia, além da produção de gêneros para o auto-consumo, boico-tando assim os produtos importados da Inglaterra. Em outra frente, Chico Mendes adotou os empates, onde seringueiros e suas famílias resistiram desarmados, na frente de motosseras e jagunços, os desmatamentos dos seringais nativos do Acre. Os dois exemplos mostram a importância do Marketing Estratégico, mesmo que intuitivo. Maratma Gandhi coman-dou a luta pela libertação da índia do Império Inglês, enquanto que Chico Mendes tornou-se um ícone da luta ecológica no Brasil e no mundo. Por-tanto, não podemos abrir mão da fer-ramenta do marketing estratégico.

Há um slogan popular no movimento ecológico que funciona como uma senha, uma síntese ética e voluntária a favor da mudança: pense globalmente e atue no cotidiano.

Esse slogan é, na realidade, a primeira mensagem ecológica, uma bandeira holística de comportamento.É basicamente deste slogan que trata a abordagem de Marketing Ecológico para o sítio ecológico.

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Um conceito de marketing podemos encontrar em Kotler (1980), para quem “marketing é a atividade hu-mana dirigida para a satisfação das necessidades e desejos, através dos processos de troca”. O marketing tem sido criticado por atuar principal-mente na geração de desejos artifici-ais, dando impulso à chamada doença do consumismo.

O conceito que consideramos mais apropriado, neste estudo, é o de mar-keting como sendo a entrega de um padrão de qualidade de vida à socie-dade. Por padrão de vida, entendemos uma existência humana saudável, livre das carências materiais, com direito a um meio ambiente equilibrado e lim-po, e vivido com responsabilidade e respeito inclusive às gerações futuras.

Esse conceito vem sendo adotado por organizações não-governamentais que cuidam da questão ambiental. Os agentes militantes da causa ecológica procuram implantá-lo mostrando as ações que consideram ecologicamente corretas na alimentação saudável, no consumo de produtos naturais ou produzidos sem agredir o meio am-biente.

O programa de Marketing Ecológico para o sítio ecológico deverá impul-sionar um processo de mudança, a partir do local, com uma ousada es-tratégia de visibilidade.

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O planejamento, a execução e o controle do Marketing Ecológico são feitos de forma ampla, segundo a dinâmica do pensar global e agir local.

Gerenciamento do marketing ecológico

O Marketing Ecológico é a atividade principal do sítio ecológico. Todas as áreas devem ser enfocadas sob esse prisma. Os produtos do sítio ecológico – turismo, gastronomia, gêneros agropecuários, artesanato etc, devem traduzir a idéia geral do sítio ecológico, que é a transformação da realidade e da men-talidade a partir da ação prática.

Segmentação

O chamado mercado alvo do trabalho deverá ser previamente definido, de modo a permitir a definição de critérios precisos para cada segmento. A im-portância dessa estratégia explica o sucesso ou o fracasso de vários programas.É necessário considerar que estamos tratando de questões ecológicas, lidan-do com valores e crenças enraizadas na sociedade e que o objetivo final a ser atingido, além da elevação do número de visitantes, da elevação do consumo de determinado produto ou serviço, é a mudança de mentalidade.

Sistema de informação de marketing

Para o desenvolvimento do Marketing Ecológico, é necessário um profundo conhecimento da área a ser enfocada, do ambiente em termos de atitudes, comportamentos e valores existentes em torno do projeto. No planejamento deverão constar a coleta, a análise, a distribuição e o armazenamento de infor-mações a serem utilizadas.

Análise das restrições, ameaças e oportunidades. Pela natureza da proposta de mudança intrínseca no Marketing Ecológico, as intervenções nesta área deverão ser detalhadamente estudadas, de maneira a evitar problemas futuros e reflexos desagradáveis que venham a prejudicar ou a causar qualquer tipo de problema, principalmente no caso do envolvimento de grupos tradicionais. Envolve a construção de um diagnóstico e de um prog-nóstico da realidade.

o procESSo do markEting Ecológico

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Deixe aNatureza fazer

parte dasua vida...

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o diFErEncial do Sítio panakUí

Formatação Ecológicado produto

O produto vem sendo formatado ao longo de três anos. Possui uma ima-gem de sítio ecológico, construída junto aos moradores da região e junto aos formadores de opinião que já visi-taram a área, ou participaram de ativi-dades no local.

A Marca

Desenvolvemos a marca Panakuí, após estudar vários nomes e formatos. (Marca do folder, marca de produtos)

Embalagem reciclável

Os principais produtos do sítio serão embalados em produtos extraídos das palmeiras de babaçu.

Da produção ecológica

O objetivo é diferenciado. O projeto é colocado a serviço da construção de uma realidade justa e sustentável, mas assegurando uma vida com quali-

dade para aquel@s que se envolvem diretamente na construção do sítio ecológico. Para a divugação do Sítio Panakuí, contamos com o Jornal Ecológico Folha do Amanhã, veiculado como encarte nos jornais de São Luís e em breve como veículo regular, e com o site www.folhadoamanha.net.

Deixe aNatureza fazer

parte dasua vida...

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Rua Alfa Crucis, 38 - Recanto dos VinhaisFone/Fax:(098) 3236-9177site: www.estacaografica.net

email:[email protected]ão Luís-MA

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