o vitral: guardiões da última profecia

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Enquanto aguardava o concerto dentro da capela de um colégio, Addae Emussen observou que em um dos vitrais daquele lugar havia uma gravura nada condizente com a fé cristã. Atento a todos os detalhes, logo percebeu que o vitral não estava ali por acaso. Nele está embutido um singelo convite deixado por uma fraternidade milenar, que, infiltrada no Vaticano e também em diversas outras religiões espalhadas pelo mundo, atravessa os séculos com a missão de guardar o segredo que mudaria o rumo da humanidade. Para conhecer tal mistério, todos os envolvidos deveriam passar por uma transformação psíquica e espiritual, e Addae Emussen estava pronto para viver tal experiência. O enigma do vitral e o interesse que a fraternidade tem em chegar até o Addae é o ponto de partida deste romance, que envolverá você, leitor, e o fará trilhar um caminho mágico pelos mistérios da vida e da criação.

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São Paulo 2014

talentos da literatura brasileira

Fernando Valverde

O VitralGuardiões da última profecia

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DaDos InternacIonaIs De catalogação na PublIcação (cIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Valverde, FernandoO Vitral – Guardiões da última profecia / Fernando Valverde. – Barueri, SP : Novo Século Editora, 2014. – (Talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título.

14-09278 CDD-869.93

Índices para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

Copyright © 2014 by Fernando Valverde

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

coorDenação eDItorIal

PreParação

DIagramação

caPa

comPosIção De caPa

revIsão

Letícia Teófilo

Fernanda Guerriero

Project Nine

Fernando Valverde

Novo Século

Daniela Georgeto

2014IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO ÀNOVO SÉCULO EDITORA LTDA.CEA - Centro Empresarial Araguaia IIAlameda Araguaia, 2190 – 11º andar

Bloco A - Conjunto 1111CEP 06455-000 - Alphaville Industrial - SPTel. (11) 3699-7107 - Fax (11) 3699-7323

[email protected]

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DedicatóriaEste livro foi escrito para meus filhos, Christopher e

Philipi, seres iluminados capazes de levar qualquer pai ao mundo das grandes reflexões.

É dedicado primeiramente a Cris, minha esposa, eternamente linda, o leme que mantém nosso barco na direção certa.

Dedico também a toda comunidade global. Espero um dia viver para vê-la brilhar à luz do amor e da compreensão.

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AgradecimentosAntes de mais nada, à Letícia Teófilo, minha amiga e

editora, por ter trabalhado tanto nesta obra e compreen-dido com destreza o significado deste livro.

Jamais poderei exprimir plenamente a minha gratidão ao selo Talentos da Literatura Brasileira, em especial ao Cleber Vasconcelos, por sua generosidade, seu interesse e sua atenção. Agradeço também a Eliana Holanda, Cirlei Garcia, Hugo Sulacov, Linda Cristina Mont’Cinel, Luciano e Claudia Jaccoud, que, de olhos fechados, acreditaram neste livro desde o início. E o meu reconhecimento vai também para Luís Pereira, pela fantástica composição de capa.

Pela benevolente ajuda dada na investigação deste livro, estou em dívida com meu grande amigo e também escritor Anderson Salafia.

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Espiritualidade vem de espírito. Para entendermos o que seja espírito, precisamos desenvolver uma concepção de ser humano que seja mais fecunda do que aquela convencional, transmitida pela cultura dominante. Esta afirma que o ser humano é com-posto de corpo e alma ou de matéria e espírito.

Ao invés de entender essa afirmação de uma forma integrada e globalizante, entendeu-a de forma dualista, fragmentada e justaposta. Assim, surgiram os muitos saberes ligados ao corpo e à matéria (ciências da natureza) e os vinculados ao espírito e à alma (ciências do humano). Perdeu-se a unidade sagrada do ser humano vivo que é a convivência dinâmica de matéria e de espírito entrelaçados e inter-retro-conectados.

Leonardo Boff

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Prólogo

Em uma época em que a fé havia se tornado ferramenta de manipulação e lucro, quando muitos já não sabiam mais em que acreditar e parte das pessoas não mais supor-tava aquele estilo regressivo de vida, algo deveria aconte-cer. Escândalos, corrupção, promessas vazias e aquisições milionárias em nome de Deus faziam os argumentos arcai-cos sobre dependência religiosa se tornarem motivos de controvérsia entre muitos. A mente humana despertava... Algo estava para acontecer.

Mais uma vez, o mundo vivia uma era messiânica. Ânimos esgotados, intolerância, doenças psicofísicas, falta de esperança, tudo isso era parte dos bastidores daquela vida ilusória que, por séculos, veio sendo instituída.

Por todos os lados, dava para ver aqueles que jogavam o jogo da ignorância e do faz de conta. No entanto, em uma comunidade que beirava o número de oito bilhões de habitantes, centenas de milhares emergiam do mar da superficialidade em busca de respostas. Eles sabiam que algo iria acontecer.

Então, nos últimos dias daquele tempo, eis que surgiu o início da mudança.

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Na varanda de sua casa, o teólogo Dionísio Albuquerque acertava os últimos detalhes.

– Conseguiram contato?– Faz alguns minutos, Marcos ligou dizendo-me que

falou com ele. Falou que estava saindo de casa.– É chegada a hora, António, prepare tudo.– Fique tranquilo, o encontro com o monge acontecerá

dentro do colégio.– Que seja na capela. Lá o rapaz verá o símbolo; este

será o momento da abordagem.– Avisarei a todos. Fique em paz. – A paz esteja contigo também, António.Brincadeiras de pardais no terreiro, o rio correndo

para o mar. Era uma plácida manhã no alto da encosta, uma região conhecida como Saco das Anchovas, em um pequeno vilarejo da região costeira de Paraty.

•••

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Por volta das duas horas da tarde, Addae Emussen se arrumava para sair. Fora convidado para assistir a um con-certo na Basílica de São Bento em São Paulo. O convite foi feito por seu amigo Marcos Beltram, seminarista dedicado e cheio de espiritualidade e ciência. Além do concerto, o convidara também para visitar as dependências do mos-teiro e de todo o complexo, incluindo o colégio – por isso, Addae teria de chegar mais cedo. Addae Emussen cursava Filosofia da Religião, foi daí que reencontrara Marcos, seu amigo de infância.

A visita ao mosteiro era algo raro de acontecer, somente pessoas convidadas e autorizadas conseguiam tal privilégio.

O dia estava quente, o suor descia corpo abaixo e era difícil se concentrar, mas, se não se apressasse, Addae pro-vavelmente perderia a hora.

Desceu as escadas rapidamente. Enquanto uma das mãos deslizava no corrimão, a outra fechava o último botão da camisa polo. Morar sozinho obrigava-o a apagar as luzes, fechar as janelas, procurar pela carteira, pelo celular, pela chave do carro; sempre tinha a sensação de que ia se atrasar.

Depois de muito custo, cerca de uma hora e meia depois, Addae finalmente estava próximo ao Largo São Bento. As ruas estavam cheias, pessoas atravessavam à sua frente; eram carrinhos de entrega, mulheres com bebês, crianças. Chegando ao local, à direita estava a tão cobiçada entrada do colégio. Acessar o portão obrigava o convidado a subir na calçada e passar em frente à Basílica. Transeuntes e camelôs obstruíam o caminho, mas Addae estava tran-quilo, pois havia chegado a tempo: faltavam dez minutos para o horário combinado.

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Passando por sobre a calçada baixa e apontando o carro para a entrada, viu que não havia ninguém a quem se apre-sentar. Olhou para o relógio, fitou o infinito corredor de gente que transitava sobre o viaduto Santa Ifigênia; isso o distraiu por alguns segundos até que o portão se abriu. Como de costume, colocou a mão no câmbio do carro, balançou-o para os lados umas duas ou três vezes, engatou a primeira marcha e seguiu rumo ao estacionamento. Era um lugar de árvores e flores dentro da imensa cidade, um canto de beleza e receptividade bem no meio do frenesi paulistano.

O homem que guardava o portão pelo lado de dentro deu um sorriso de boas-vindas e acenou para que seguisse em frente. Uma atmosfera diferente daquela que havia ficado do lado de fora fazia encher o coração de curiosi-dade. Havia um lugar para estacionar, e foi logo embicando o carro. Antes mesmo de finalizar a baliza, Marcos apare-ceu e deu dois toques no vidro; estava fechado por causa do ar-condicionado. Aquilo soou estranho. Quando em minha vida alguém viera me recepcionar no estacionamento?, pensou Addae. Foi uma honraria, sinal de importância e tudo mais, e o fez sentir-se especial, sem dúvida.

Finalmente o freio de mão pôde ser puxado e o motor, desligado.

– Olá, meu amigo! – cumprimentou Marcos cheio de entusiasmo.

– Que alegria estar aqui... – respondeu Addae descendo do carro.

– A alegria é nossa! É bom tê-lo conosco... Vamos?Addae Emussen não via a hora de entrar nas dependên-

cias do mosteiro. Mais de quatrocentos anos de história e

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uma arquitetura de tirar o fôlego, todo em estilo alemão beuronense; uma obra-prima que fascinava qualquer um.

Uma visão profunda das religiões era o que ele buscava desde muito jovem. Estar naquele colégio e no mosteiro daria a ele um panorama mais abrangente sobre a espiri-tualidade cristã através da experiência beneditina, da regra do ora et labora et legere (ore, trabalhe e leia). O Cristianismo era sua religião de batismo. Quando entrou na adolescên-cia, algumas questões passaram a lhe importunar com rela-ção às crenças, o que fez dele um apreciador e estudioso do fenômeno: homens e deuses. Addae Emussen era de muita espiritualidade, sua fé era seu tesouro. Tinha alguns ami-gos religiosos escolhidos a dedo, que, sempre que podiam, motivavam-no a buscar a mística do inter-relacionamento. Algo parecia levá-lo para essa direção, espontaneamente.

Do lado direito deles, acima, pelo vidro, dava para ver o vulto. Em uma das janelas do segundo piso, alguém obser-vava fixamente os dois.

As árvores balançavam levemente acompanhando o vento morno. Pombos pousavam no beiral do prédio do colégio, dava para ouvir a batida das asas; vozes e gritos de crianças vinham de todas as partes. O vulto havia sumido. Addae, como bom observador, tentava manter em seu consciente todos os detalhes, e continuaram caminhando em direção ao arco abobadado que ornamentava o portal de acesso ao interior do colégio.

Lá dentro, que era a porta de entrada para aquele mundo, gente passava de um lado para o outro. Jovens de uniformes jogavam basquete na quadra coberta, onde também ficava a lanchonete. Marcos, com trejeitos de guia

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turístico, muito atencioso, ia dando alguns detalhes a res-peito das curiosidades que surgiam. Addae não parava de perguntar, dava a impressão de que ele faria daquele pas-seio seu trabalho de conclusão de curso.

No corredor do piso térreo, onde estavam, vinha um monge sorridente, cujos olhos eram daqueles que pene-travam a alma. Cheio de bom humor, girava o cíngulo a cada passo que dava; parecia ter superado todo tipo de luta contra as paixões desregradas daquele mundo hostil. Seu hábito branco de escapulário e capuz preto, feito em tecido gabardine, dançava resvalando o chão limpo. Segundo Marcos, aquele era o monge Enrico, um homem de uns trinta e poucos anos, de Taranto, Itália.

– Então você é o Addae? – Chegou Enrico esbanjando afeto, dando-lhe um beijo no rosto.

– É assim que me chamam, monge Enrico. É esse quem sou – disse Addae meio sem jeito.

– Marcos falou muito de você, meu amigo.Pouquíssimo sotaque, cabelos ralos e castanho-claros.

Ele era um pouco mais alto do que o Addae, cerca de um metro e noventa. Enrico de Puglia, como era chamado pela maioria, fazia parte da Ordem dos Celestinos. Era amante da natureza e um homem que apreciava o deserto da alma, segundo ele. Quando em dias de conhecer alguém, inter-rompia o jejum e as orações, pois sabia estar recebendo o próprio Jesus em suas diversas facetas. Alguém de aspecto extremamente acolhedor era ele, Enrico, o homem que antes, do segundo piso, observava os dois pela janela.

Enquanto conversavam, distraídos, veio por detrás uma mulher sem muito brilho no olhar. Avisava que era a hora

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noa do ofício divino. Marcos trocou com eles as últimas palavras, disse que logo voltaria, despediu-se e se foi.

– Addae, eu ficarei contigo.– Tudo bem, monge Enrico.– Então podemos dar uma volta, posso apresentar o

colégio a você. Acompanhe-me, por favor.Corredores largos e compridos, vitrines que ofereciam

livros de estudo, janelas altas e entreabertas que davam para os jardins do claustro; alguém aguardava descer o antiguíssimo elevador de serviço. As crianças de uniforme pareciam ter desaparecido, apenas em uma das salas de aula jovens asiáticos concentrados ouviam a fala do pro-fessor. Perto da escadaria, um painel galardoava ex-alunos ou antigos mestres. Pouco deu para analisar, pois Enrico parecia ter pressa. Subiram ao segundo andar.

Nada de muito diferente havia naquele piso. Salas e corredores por todos os lados formavam o grande labi-rinto. A conversa fluía, e mais escadas. Eles subiram e che-garam ao terceiro andar. Addae demonstrava certa fadiga, sua respiração estava acelerada; dois lances de escadas em poucos segundos foram demais para ele. Enrico também respirava fundo.

– Temos tempo, monge Enrico – disse Addae meio sem ar.– Creio que não – respondeu Enrico. – Precisamos con-

versar. Vamos?Com a mão nas costas do Addae, Enrico o empurrava

como alguém que queria esconder-se.Mesmo sem entender o motivo da súbita conversa e

muito menos a pressa, Addae tranquilamente seguiu os passos do monge celestino.

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Onde estavam, no final da escadaria do terceiro andar, encontrava-se a porta da capela. Um lugar de um mistério ainda não revelado. Enrico a abriu.

Salão comprido, não muito largo, com apenas duas fileiras de bancos em madeira escura, clássica, formando um corredor central. O teto verde piramidal com desenhos emoldurados em cor dourada dava o ar da graça. Tudo geometricamente projetado. Do lado direito lindas gravuras; do lado esquerdo, vitrais. Contemplação e interiorização eram os impulsos que a capela instigava. Não havia ninguém no local.

– Addae, sente-se.– Que lugar mágico – comentou ele ao aceitar o convite

do monge.– Verdade. As paredes estão impregnadas de mistério.

Essa capela tem muito a nos dizer.– Que altar lindo, monge Enrico. Pequeno, mas

repleto de detalhes. E essas portas laterais, triangulares? Lembram-me as casas europeias medievais.

– É a peculiaridade da arte beuronence.– Extraordinário...Com olhar profundo, pensativo, Enrico alisava a barba.

Parecia que esperava algo acontecer. Addae, envolvido pelo acabamento da capela, mal percebeu o desassossego do monge. Enrico avisou:

– Preciso sair por um instante... pode me aguardar aqui? – E se levantou.

– Se o senhor me autoriza, claro que sim – respondeu Addae.

Enquanto os minutos corriam, ele não conseguiu ficar quieto. Addae levantou-se do banco dezenas de vezes.

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Andou pelo corredor central em direção ao altar, voltou, tocou a madeira talhada do confessionário, que ficava no fundo da capela, ao lado da porta de entrada. Olhou as gravuras na parede, que eram de uma riqueza artística sem igual. Enquanto apreciava os detalhes, algo lhe prendeu a atenção.

– Nossa! Que estranho... O que isso tem a ver com o Cristianismo? – falou baixinho deslizando os dedos pelo vitral.

Addae estava intrigado. Anjos com cajados e imagens de igrejas e luzes vindas do céu pareciam inofensivos com-parados àquele vitral. Nele, havia um símbolo que pare-cia não representar a espiritualidade cristã convencional. Apontava uma dimensão de fé além-Cristianismo, um enigma a ser decifrado. Para alguns fanáticos, poderia ser um sinal de ocultismo, obra da nova era, como se ouvia falar por aí. Para Addae, aquilo abria uma nova porta, um sinal misterioso que sugeria algo não acessível, mas de extremo chamamento.

Concentrado, ele nem se deu conta de que estava sendo observado por Enrico, de longe. O monge foi se aproxi-mando lentamente, parecendo um felino em posição de ataque. Não dava para ouvir seus passos. Addae Emussen tirou o celular do bolso e apontou para o vitral; queria foto-grafá-lo para depois analisar e, quem sabe, descobrir a cha-rada. Para buscar o melhor ângulo e a melhor luz, afastou--se, tropeçou no genuflexório do banco e se desequilibrou. No mesmo instante, foi amparado por Enrico.

– Tudo bem, Addae? – perguntou ele.– Tu... tudo, monge Enrico, desculpe-me.

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– Não há do que se desculpar... Mas o que estava ten-tando fazer?

– Bem... eu...– Acalme-se, irmão, fique tranquilo. Sente-se. – Sim, vamos nos sentar.Envergonhado, Addae usou da sinceridade:– Eu ia tirar uma foto, mas na verdade nem sei se é

permitido.– Então por que ia fazer?– Não sei, monge Enrico.– Algo em especial lhe chamou a atenção, Addae?– Não... imagina! Eu achei tudo muito bonito.– Tem certeza?Addae não era bom de mentiras, então foi confessando:– Monge Enrico, esse vitral...– O que tem esse vitral, Addae?– Ele é diferente.– Do quê?– Dos outros...– E o que você sabe a respeito dos outros?– Eu estudei sobre artes sacras... estudei também um

pouco de simbologia, e esse vitral...– Entendi! Você percebeu que está fora do contexto das

imagens que vemos por aí: nos livros cristãos, nos ícones, nas paredes das paróquias, não é?

– É... foi o que eu pensei, mas nem sei se estou certo.Medo é uma sensação que proporciona um estado

de alerta, geralmente por se sentir ameaçado. O medo, provocado pelas reações químicas do corpo, é iniciado com a descarga de adrenalina no organismo, causando

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aceleração cardíaca e tremores. É consequência do con-tato com algum estímulo físico ou mental – interpretação, imaginação, crença – que gera uma resposta de alerta. Essa reação inicial dispara uma resposta fisiológica que libera hormônios do estresse, ou seja, adrenalina e cor-tisol, preparando o indivíduo para lutar ou fugir... só que Addae não era de fugir.

– Addae, eu sei que você não é daqueles que julgam precipitadamente.

– Não, eu não sou assim! Eu jamais pensaria que essa gravura é algo demoníaco ou um símbolo secreto.

– Mas é! – exclamou Enrico.– Como? – perguntou Addae espantado.– É sim um símbolo secreto, mas está longe de ser

demoníaco.– Bem que eu imaginei.– E por que se espantou?– Por quê? É que eu... como posso explicar? Por nada! A

minha fé...– Fale-me de sua fé, Addae.– Sinto ter uma fé diferente em relação à da maioria das

pessoas; não consigo ser radical, fanático. Logo, esse vitral não me escandalizou, apenas me chamou a atenção.

– Interessante, fale mais!– É que... quando eu olho para as pessoas que praticam

o Cristianismo ou qualquer outra religião, parece que todos estão dentro de um aquário. Dá a impressão de que só é permitido experimentar aquilo que se oferece. Se você tem um anseio maior pelo sagrado e decide sair em buscar de respostas, parece cometer um grave pecado.

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– Você tem razão. Eu pensava assim.– Quer saber, monge Enrico? Sinto isso todos os dias!

Um duelo enorme entre buscar Deus por minhas próprias experiências e a culpa que me ensinaram a sentir em rela-ção a isso. Que peso!

– Pode se abrir, Addae. – Enrico estava tendo o que que-ria: o desabafo.

– Olhe, dentro da minha experiência de vida, eu tenho certeza de que todos aqueles que foram além do bê-á-bá da fé parecem ter descoberto coisas que não são ensina-das por aí.

– E você está certo! – exclamou Enrico.– Eu estou certo?– Sim, Addae. Esse vitral é a prova de que existe algo

mais do que aquilo que se ensina por aí.– Eu sabia! – Addae andava de um lado para o outro.– A busca por esse assunto lhe trouxe até aqui – disse

Enrico.Fitando a câmera do celular, depois o vitral, olhou para

o altar que estava à sua frente, depois para o monge. Addae Emussen estava se recompondo, pois uma fenda foi aberta dentro dele. Perguntava-se em pensamento: O que esse monge tem para me dizer? Eu não posso sair daqui antes de ele me explicar o tal desenho do vitral. E Marcos? Se ele chegar, vamos nos distrair... Antes disso, eu preciso da resposta.

– Monge Enrico, seria inconveniente perguntar do que se trata o desenho?

– Acho que não. Depende de como você vai se sair no teste.

– Me sair no teste?

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– Antes preciso lhe fazer algumas perguntas, Addae.– Se eu conseguir responder...– É isso mesmo, vai depender de suas respostas.– Então está bem, quero tentar.Parecia que Enrico se aproveitava da curiosidade de

Addae para caçoar. No entanto, o monge sorridente e bem-humorado parecia ser outra pessoa; definitivamente, ele estava mudado.

O teste começou:– Quem é Deus, Addae?– Bem, para mim, é aquele que criou o Universo, a Terra

e tudo o que existe.– Acha que o Deus que professamos se reporta ou per-

tence exclusivamente aos cristãos?– Essa é difícil...– Lembre-se de que isso é um teste – alertou Enrico.Na frente de um monge e dentro de uma capela bene-

ditina, ficava difícil expor sua opinião, mas Addae foi adiante.

– Monge Enrico, eu acho que não. Nem mesmo Jesus é propriedade ou monopólio de uma ou outra instituição. Sua mensagem é universal e Sua ação se estende e influen-cia toda a Terra.

– Muito bem, Addae. Falando de Jesus, você acredita que ele existiu ou foi apenas inspiração dos homens?

– Eu acredito que ele esteve por aqui... Desde jovem, eu busco encontrar seus rastros.

Enrico de Puglia se levantou, andou até o altar, retor-nou pelo canto dos vitrais, parou em frente ao desenho e disse:

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– Se eu disser que Jesus nunca existiu, qual seria a sua reação?

– Poderia uma mentira sobreviver por mais de dois milênios? Eu lhe faria essa pergunta, monge Enrico.

– Está certo. Então, se ele existiu de fato, teve uma mãe. E você sabe quem foi ela, não é mesmo?

– Maria, mãe de Jesus.– Para existir, Maria teve que ter pai, mãe...– Sim... Joaquim e Ana.– Muito bem. Você nunca se perguntou por onde anda a

descendência de Jesus?– Eu? Nunca... O que aconteceu com ela depois da

morte de Jesus não faço a mínima ideia.– É, Addae... Está vendo? Temos por verdade os livros

sagrados e somos ensinados a pensar que tudo se encerra ali, não é mesmo?

– Aparentemente sim. E não deveria ser dessa forma, monge Enrico?

– O que você acha?– Aí está a minha diferença em relação à maioria dos

cristãos. Eu acho que existem muitas verdades sobre Jesus fora das escrituras. E creio existir informações a seu res-peito às quais jamais teremos acesso.

– Você está certo, existem verdades sobre Jesus fora das escrituras, mas está errado em pensar que não temos acesso a elas.

Addae estava ainda mais confuso. Por segundos, pare-ceu que o homem à sua frente era tudo, menos um reli-gioso. Um monge afirmando tais coisas, questionando a base da sua própria fé, soava ser um impostor. Enrico

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precisava segurar Addae naquela capela por mais algum tempo. Para isso, preferiu usar de assuntos filosóficos, pois, enquanto o distraía, conheceria mais a seu respeito.

Encucado, Addae foi direto ao assunto:– Monge Enrico, quem é o senhor?– Como assim, Addae?– Um homem de vestes monásticas deveria falar sobre

essas coisas?– Está escandalizado novamente?– Um pouco...– Percebe? Você está agindo como a maioria! Entende

por que não abrimos os detalhes para o mundo?– Não estou entendendo – disse Addae ao se sentar pela

milésima vez.– Nas missas, para as pessoas que vivem às margens da

religião, na superficialidade... Não podemos ensinar tudo. Entendeu agora?

– Será que não é por esconder tais informações que o povo está vivendo uma fé imatura? – Addae estava se sen-tindo incomodado.

– Irmão, mesmo dizendo ter uma fé diferente da dos outros, e eu sei que tem, você se escandalizou. Imagine só divulgar toda a verdade nas homilias de domingo, para cen-tenas de pessoas que mal se interessam pelas palavras do padre ou pelo que de fato está acontecendo na celebração?

– Nisso você tem razão... mas de quais detalhes o senhor está falando?

– Estou falando da fonte, de onde tudo se originou. Addae, alguns padres, bispos e até papas nunca souberam os detalhes a fundo, mas a maioria sabe. E seja dentro do

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clero ou fora dele, religiosos ou não, há milhares de pessoas no mundo inteiro se empenhando para proteger a fonte.

– Eu queria saber também o significado desse desenho – falou Addae apontando para o vitral. Ele queria saber de tudo.

– Esse desenho tem tudo a ver com a nossa conversa. Esse símbolo, Addae, é um sinal de convocação.

– Então me fale sobre a convocação, monge Enrico.– O que posso lhe adiantar é que você passou no teste –

avisou Enrico com ar de descontração. – Acalme-se.– Acho que o senhor tem mais alguma coisa para me

contar!– Para falar sobre o vitral e o símbolo, você deverá se

libertar das correntes do conformismo, sair da zona de conforto da fé.

– Isso eu já fiz há anos!– Você acabou de se escandalizar, Addae.– Eu sei, é que eu...– Você não está preparado ainda! No entanto, você

deseja, é sincero de coração; busca a verdade, investe nisso o seu tempo, sua vida. É assim que pessoas no mundo inteiro chegaram até nós.

– Do jeito que está falando, parece que o senhor já sabia da minha vinda até aqui.

– Você acertou. Marcos foi o nosso intercessor. Graças ao empenho dele estamos aqui.

– Monge Enrico, o senhor está me assustando. Seja claro.

– Você demoraria demais para encontrar a resposta sozi-nho, acredite nisso – disse Enrico ao se levantar. – Agora temos de participar da missa. Vamos?

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