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SISTEMATIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS DE ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL: UM ESTUDO DE CASO Manuela Pereira de Sousa 1 Glauco Nunes Souto Ramos (O) 2 Resumo A Educação Física parece não apresentar critérios bem definidos para a organização curricular da área. Sistematizar os conteúdos da Educação Física Escolar seria o ato de organizá-los de forma coerente em seus diferentes níveis de ensino. Os professores atuantes no Ensino Fundamental e no Ensino Médio devem realizar as suas próprias sistematizações, a fim de adequá-las aos seus objetivos e aos seus alunos promovendo uma relação entre o contexto sócio-cultural do aluno com a sua sistematização. Assim, este trabalho, teve como objetivo analisar como uma professora atuante no Ensino Fundamental sistematiza os conteúdos de ensino do componente curricular educação física. A referência metodológica que orientou este estudo foi estruturada pela pesquisa qualitativa através de um estudo de caso. A coleta envolveu análise documental e uma entrevista semi- estruturada. Foram analisados documentos particulares da professora, como seus cadernos e referenciais e a sua proposta de sistematização. Os dados revelaram que a proposta de sistematização produzida pela professora pesquisada parece ter surgido de uma necessidade pessoal para nortear sua própria ação docente. Sua proposta está pautada sobre o ensino da cultura corporal de movimento, no qual o aluno deverá vivenciar e refletir a maior variedade possível de elementos da cultura, entendendo-os de forma crítica. A seleção dos conteúdos e temas parte dos conhecimentos prévios e do patrimônio cultural dos alunos, o que denota uma relação entre a sistematização e o contexto sócio-cultural do aluno. Os dados revelaram ainda que, o processo de sistematização se constrói e se modifica ao longo dos anos, sofrendo adaptações e transformações constantemente, através das análises e reflexões da docente e, que a experiência lhe atribuiu maior segurança para a construção de sua proposta. Concluindo, pode-se notar que o processo de organização curricular da Educação Física deve ser pensado na forma de estruturar os diferentes elementos da cultura corporal de movimento de forma dinâmica, considerando a realidade escolar envolvida e os sujeitos da ação, sendo constantemente refletida e atribuída de valor ao contexto no qual será aplicada, pois, uma proposta de sistematização, traz inúmeros benefícios aos professores e alunos de Educação Física. Palavras-chave: Sistematização de conteúdos de ensino, educação física escolar, organização curricular. Abstract Physical education does not seem to present defined criteria for curricular organization of the area. Systematize the content of physical education would be the act of organizing them in a consistent manner at different levels of education. Teachers working in elementary school and high school should make their own systematization in order to adapt them to their goals and their students by promoting a relationship between the socio-cultural context of students with its systematization. Thus, this work was to analyze how an elementary school teacher active in systematizing the teaching contents of the physical education curriculum component. The methodological framework that guided this study was structured qualitative research through a case study. Data collection involved document analysis and a semi-structured interview. We analyzed the teacher's private documents, like their notebooks and official standard references and its proposal for systematization. Data revealed that the proposed systematization produced by the teacher searched seems to have arisen from a personal need to guide their own teaching activities. The proposal is 1 Professora de Educação Física da Rede SESI/SP; aluna do III Curso de Especialização em Educação Física Escolar do DEFMH/UFSCar. 2 Professor Adjunto e Coordenador do Curso de Especialização em Educação Física Escolar do DEFMH/UFSCar.

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SISTEMATIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS DE ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL: UM ESTUDO DE CASO

Manuela Pereira de Sousa

1

Glauco Nunes Souto Ramos (O)2

Resumo A Educação Física parece não apresentar critérios bem definidos para a organização curricular da área. Sistematizar os conteúdos da Educação Física Escolar seria o ato de organizá-los de forma coerente em seus diferentes níveis de ensino. Os professores atuantes no Ensino Fundamental e no Ensino Médio devem realizar as suas próprias sistematizações, a fim de adequá-las aos seus objetivos e aos seus alunos promovendo uma relação entre o contexto sócio-cultural do aluno com a sua sistematização. Assim, este trabalho, teve como objetivo analisar como uma professora atuante no Ensino Fundamental sistematiza os conteúdos de ensino do componente curricular educação física. A referência metodológica que orientou este estudo foi estruturada pela pesquisa qualitativa através de um estudo de caso. A coleta envolveu análise documental e uma entrevista semi-estruturada. Foram analisados documentos particulares da professora, como seus cadernos e referenciais e a sua proposta de sistematização. Os dados revelaram que a proposta de sistematização produzida pela professora pesquisada parece ter surgido de uma necessidade pessoal para nortear sua própria ação docente. Sua proposta está pautada sobre o ensino da cultura corporal de movimento, no qual o aluno deverá vivenciar e refletir a maior variedade possível de elementos da cultura, entendendo-os de forma crítica. A seleção dos conteúdos e temas parte dos conhecimentos prévios e do patrimônio cultural dos alunos, o que denota uma relação entre a sistematização e o contexto sócio-cultural do aluno. Os dados revelaram ainda que, o processo de sistematização se constrói e se modifica ao longo dos anos, sofrendo adaptações e transformações constantemente, através das análises e reflexões da docente e, que a experiência lhe atribuiu maior segurança para a construção de sua proposta. Concluindo, pode-se notar que o processo de organização curricular da Educação Física deve ser pensado na forma de estruturar os diferentes elementos da cultura corporal de movimento de forma dinâmica, considerando a realidade escolar envolvida e os sujeitos da ação, sendo constantemente refletida e atribuída de valor ao contexto no qual será aplicada, pois, uma proposta de sistematização, traz inúmeros benefícios aos professores e alunos de Educação Física. Palavras-chave: Sistematização de conteúdos de ensino, educação física escolar, organização curricular. Abstract Physical education does not seem to present defined criteria for curricular organization of the area. Systematize the content of physical education would be the act of organizing them in a consistent manner at different levels of education. Teachers working in elementary school and high school should make their own systematization in order to adapt them to their goals and their students by promoting a relationship between the socio-cultural context of students with its systematization. Thus, this work was to analyze how an elementary school teacher active in systematizing the teaching contents of the physical education curriculum component. The methodological framework that guided this study was structured qualitative research through a case study. Data collection involved document analysis and a semi-structured interview. We analyzed the teacher's private documents, like their notebooks and official standard references and its proposal for systematization. Data revealed that the proposed systematization produced by the teacher searched seems to have arisen from a personal need to guide their own teaching activities. The proposal is

1 Professora de Educação Física da Rede SESI/SP; aluna do III Curso de Especialização em Educação Física Escolar do DEFMH/UFSCar. 2 Professor Adjunto e Coordenador do Curso de Especialização em Educação Física Escolar do DEFMH/UFSCar.

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guided on teaching the culture of movement, in which students will experience and reflect the broadest possible range of elements of culture, understanding them critically. The selection of content and themes of the prior knowledge and cultural heritage of the students, which denotes a relation between the systematic and socio-cultural context of the student. Data also revealed that the system process is built up and modified over the years, undergoing adjustments and changes constantly throughout the analysis and reflections of teaching and that experience gave it greater safety for the construction of its proposal. In conclusion it may be noted that the process of curricular Physical Education must be thought on how to structure the different elements of the culture of body movement in a dynamic way, taking into consideration the school involved and the subjects of the action, being constantly reflected and given value to the context in which it is applied, therefore, an attempt to systematize, brings countless benefits to teachers and students of Physical Education. Key-words: Systematization of teaching contents, physical education, curriculum organization. 1 INTRODUÇÃO

A sistematização dos conteúdos em Educação Física é um assunto emergente na área.

De acordo com Kawashima et. al. (2009) a Educação Física ainda não apresenta critérios bem

definidos para a organização curricular da área. Tal fato preocupa-me e, pelo observado na

literatura, parece inquietar professores de distintos componentes curriculares. Soares et. al. (1992)

acredita que este seja um problema metodológico básico não só da Educação Física como também

de todos os outros componentes curriculares.

Segundo Kawashima et. al. (2009), sistematizar os conteúdos da Educação Física

Escolar seria o ato de organizá-los de forma coerente em seus diferentes níveis de ensino.

Para a Educação Física Escolar existem algumas propostas de sistematizações dentre

as quais podemos citar: Hildebrant e Laging (1986); Tani et. al. (1988); Freire (1989); Kunz (1991);

Betti (1992); Soares et. al. (1992); Daólio (1996); Resende e Soares (1996); Brasil (1997, 1998,

1999); Matos e Neira (2004); São Paulo (2008). Em algumas destas propostas os autores baseiam o

objetivo da Educação Física Escolar e o conhecimento a ser tratado na perspectiva da cultura

corporal de movimento através dos conteúdos: jogos, lutas, esporte, dança e ginástica.

Segundo Bracht (2003) sob o viés da cultura corporal de movimento “... o

movimentar-se é entendido como forma de comunicação com o mundo que é constituinte e

construtor de cultura, mas, também, possibilitado por ela” (p. 45).

Assim, é necessário que os professores atuantes na Educação Básica (Ensino

Fundamental e Ensino Médio) busquem realizar as suas próprias sistematizações, a fim de adequá-

las aos seus objetivos e aos seus alunos. Pois o programa de ensino é o pilar da disciplina e por ele

deve-se basear a prática pedagógica (SOARES et. al.,1992).

Como selecionar, distribuir e organizar os conteúdos da Educação Física Escolar?

Como diferenciar turma a turma? Quais os aspectos relevantes, informações necessárias para tal

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processo? Estas são questões que podem nortear a prática pedagógica dos docentes.

Desta forma este trabalho teve como objetivo analisar como uma professora de

Educação Física atuante no Ensino Fundamental sistematiza os conteúdos de ensino do componente

curricular Educação Física.

2 SISTEMATIZAÇÃO DE CONTEÚDOS ESCOLARES

A temática dos conteúdos de ensino (saber escolar ou conhecimento escolar)

encontra-se permanentemente em discussão. Quando falamos em conteúdos escolares não podemos

apenas resumir ao “o que ensinar?”, devemos envolver outras questões referentes aos objetivos da

escola, como o “para que ensinar?” (ZABALZA, 1994). Desta forma o autor propõe que a seleção

dos conteúdos não pode ser estática e nem apenas baseada no programa escolar ou em livros

didáticos como um conjunto de conhecimentos a se adquirir; ao contrário disso, ele acredita que o

currículo deve ser dinâmico promovendo uma formação baseada em objetivos claros.

Forquin (1993) destaca que o modo como uma sociedade seleciona, classifica e

transmite os saberes escolares infere numa relação de poder. Segundo o autor, a maneira como

ocorre o processo de seleção e de organização dos conteúdos cognitivos e culturais do ensino,

transmite consigo pressupostos ideológicos e interesses de grupos dominantes.

O modo como os conteúdos serão sistematizados é interferida pela política da

instituição escolar, pois a forma como será feita a estratificação ou hierarquização dos saberes

escolares, será determinada pelos valores e padrões da escola (YOUNG apud FORQUIN, 1993).

Segundo Zabalza (1994), as dimensões assumidas hoje classificam a programação

escolar em quatro tipos de currículos. O primeiro encontra-se centrado nas disciplinas e

aprendizagens formais; o segundo está centrado no aluno; o terceiro é denominado de crítico e o

último de tecnológico e funcional.

O modelo de ensino centrado nas disciplinas e aprendizagens formais é uma

abordagem que está centrada no programa escolar, os conteúdos e os objetivos a serem alcançados

por ele são determinados. Para o autor é o modelo de ensino mais freqüente em nossa sociedade.

O modelo de ensino centrado no aluno é também denominado de humanista e

espontaneísta, nesta concepção não há currículos pré-determinados, os conteúdos a serem

trabalhados partem dos interesses e motivações dos alunos.

No estilo curricular crítico os conteúdos são utilizados de forma a promover uma

mudança e uma consciência social, os saberes escolares são selecionados não para os interesses e

necessidades do aluno considerado individualmente, mas de uma situação social a que o mesmo

pertence. Isso é reforçado pelas idéias de Libâneo (1995) quando aborda a pedagogia crítico-social

dos conteúdos. Nesta concepção a escola media a relação do aluno com o mundo da cultura, na qual

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os conteúdos são transmitidos de forma crítica, inseridos na prática social e atuando de forma

objetiva e histórica.

O modelo tecnológico funcional está fortemente ligado ao conceito de uma educação

eficaz refletida por uma maior “cientificidade”, o professor não deve preocupar-se apenas com o

conteúdo a ser explorado, mas com que recurso didático metodológico (retroprojetor, datashow,

etc.) o explicitará.

Pode-se dizer, então, que antes do início de qualquer seleção e de sistematização dos

conteúdos é necessário ter claramente definido a que resultado se pretende chegar, ou seja, uma

educação deve ser orientada para os objetivos da aprendizagem (MAGER apud KURZ, 1986).

Porém, não se pode selecionar conteúdos aleatoriamente para o ensino escolar. Freire

(1999) ressalta que o conteúdo ou saber escolar tem características próprias e que não pode ser

confundido com a inserção de conhecimento científico dentro do ambiente escolar; assim, define

conteúdo como conjunto de conceitos ou formas culturais cuja assimilação e apropriação pelos

alunos são considerados efetivos para o seu desenvolvimento e socialização.

Coll (apud DARIDO, 2001) define conteúdo como uma seleção de formas ou saberes

culturais que produzem desenvolvimento e socialização adequada ao aluno. O conteúdo escolar é

definido por Wull e Schave (apud ZABALZA, 1994) como sendo a base em que as atividades de

aprendizagem estão unidas entre si.

Para Veronezi (1999) os conteúdos são um meio de desenvolvimento dos indivíduos

e, por isso, deve-se selecionar conteúdos que proporcionem uma aprendizagem significativa, ou

seja, que o aluno possa utilizar-se dos conteúdos aprendidos para questionar a sua realidade

(transferência para novas situações). Desta forma, o papel fundamental da escola é potencializar o

desenvolvimento dos alunos, fazendo com que eles consigam integrar adequadamente os

conhecimentos trazidos e adquiridos para o seu próprio mundo (ZABALZA, 1994).

Destacam-se, então, dois importantes princípios para o processo de seleção dos

conteúdos escolares: 1) a sua relevância social: no qual o aluno será capaz de compreender os

conteúdos escolares dando sentido e significado à sua realidade; 2) o princípio da

contemporaneidade: no qual haverá necessidade de se inserir, na organização curricular, os

conteúdos mais atuais no âmbito nacional e internacional (SOARES et. al.,1992).

Soares et. al. (1992) propõem ainda mais um princípio para o processo de seleção

dos conteúdos escolares: adequação às possibilidades sócio-cognoscitivas dos alunos, isto é,

adequar o conteúdo selecionado às capacidades cognitivas e à prática social dos alunos.

Desta forma, a seleção dos conteúdos escolares deve favorecer-se de meios que

conduzam ao alcance dos objetivos e dos ideais educativos (SPERB, 1972). Segundo o autor, os

conteúdos devem proporcionar o desenvolvimento cognitivo do aluno, fazendo com que o mesmo

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elabore conhecimento em todas as áreas do saber, além de favorecer a formação de habilidades

sociais, valores e atitudes.

Zabalza (1994) descreve dez critérios que devem ser seguidos para a preparação e

seleção dos conteúdos escolares:

1) revisão de literatura: rever literatura especializada e geral da área a se atuar,

procurando estabelecer conceitos básicos dos conteúdos que se pretende abordar;

2) identificação dos conteúdos axiais (conteúdos relativos ao eixo, à área): visão

ampla da área, o professor sendo então capaz de discriminar o que será fundamental e o que será

secundário em sua disciplina;

3) processo experiencial: optar por um modelo de intervenção indutiva baseado em

hipóteses (onde não há esquemas prévios);

4) critério de representatividade: aqui o professor deve certificar-se que os conteúdos

escolhidos (parte) representam uma boa idéia do conjunto (todo);

5) critério de exemplaridade: importância da estratégia nos campos de conhecimento

para a organização dos conteúdos;

6) significação epistemológica: respeitar a estrutura própria de cada disciplina;

7) transferibilidade: privilegiar conteúdos com maior capacidade de aprendizagens

generalizáveis, onde o aluno conseguirá transferir conceitos de determinados temas para outras

situações (diferentes do contexto onde ele aprendeu);

8) durabilidade: utilizar o que é fundamental, o que é necessário e que apresente

maior durabilidade;

9) convencionalidade e consenso: selecionar os conteúdos importantes e válidos para

a sociedade em que os aplicará, não fazer dos conteúdos escolhidos uma forma de confronto com a

sociedade (exemplo: educação religiosa e sexual);

10) especificidade: elencar conteúdos que sejam específicos para a sua disciplina,

conteúdos estes que dificilmente serão abordados por outras disciplinas e em outros momentos.

Assim, para Zabalza (1994), sistematizar os conteúdos escolares é a ação de reduzir

elementos cognitivos e culturais a um sistema, ou seja, selecionar e organizar os conteúdos de

forma coerente ao longo dos anos escolares.

De acordo com o autor, a maneira como os conteúdos são ordenados interfere na

aprendizagem de forma qualitativa (tipo de aprendizagem) e de forma quantitativa (quantidade de

aprendizagem alcançada). E a forma como os conteúdos devem ser distribuídos deve partir sempre

da totalidade para atingir à especificidade (BANTULÀ; CARRANZA, 1999).

Após a seleção dos conteúdos é necessária sua ordenação. Esta necessidade de

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organizar e sistematizar os conteúdos deve fundamentar-se em princípios metodológicos

(ZABALZA, 1994), que são: princípio do confronto e contraposição de saberes e o princípio de

sequencialização.

O princípio do confronto e contraposição de saberes pressupõe um confronto do

saber popular (senso comum) com o saber escolar. Pois, somente desta forma, o aluno consegue

transpor o senso comum, construindo novas formas de pensamento. (SOARES et. al., 1992).

O princípio de sequencialização é muito complexo, pois através dele pode-se

distinguir aspectos como: a importância de cada elemento dos conteúdos selecionados e duração

dos mesmos na seqüência.

Zabalza (1994) classifica as sistematizações de conteúdos em simples e complexas.

As seqüências simples ou lineares são classificadas em:

a) seqüência homogênea: na qual todos os conteúdos têm a mesma importância no

programa;

b) seqüência heterogênea: se atribui importância diferente aos conteúdos;

c) seqüência eqüidistante: todos os conteúdos são abordados num mesmo espaço de

duração de tempo;

d) seqüência não-eqüidistante: há diferenças na previsão para se abordar cada

conteúdo (muito ligado também à questão de importância dos conteúdos).

Assim, programas de ensino, podem ser de seqüência: homogênea-eqüidistante,

heterogênea-eqüidistante, heterogênea e não-eqüidistante.

As seqüências complexas completam as seqüências simples apresentando variações

quanto à eqüidistância e homogeneidade. São elas:

a) seqüência complexa com alternativas: para passar de um conteúdo para outro o

professor pode ter mais de um caminho. Assim, cabe ao professor escolher entre as alternativas

possíveis, deixar a opção para os alunos ou ainda dividir os alunos em grupos onde cada um aborda

um dos caminhos etc.;

b) seqüência complexa com retroatividade: a ordenação prevê saltos para frente ou

para trás no programa, possibilitando ao professor esclarecer o porquê de novos conceitos;

c) seqüência em espiral: onde há uma continuidade e sequencialidade curricular, ou

seja, um modelo onde existe um aprofundamento e uma ampliação dos conteúdos aprendidos em

anos anteriores.

d) seqüência convergente: o mesmo conteúdo pode ser analisado sob pontos de vista

distintos e cada ponto de vista infere a necessidade de introdução de novos conceitos.

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A sistematização de um componente curricular – qualquer que seja ele – deve pautar-

se em quatro princípios: objetivo, conteúdo, estratégia e avaliação. Neste trabalho, fizemos um

recorte utilizando a sistematização de conteúdos na Educação Física. Vale ressaltar que em toda

forma de sistematização de conteúdos, é fundamental que o mesmo esteja diretamente conjugado ao

projeto pedagógico da instituição de ensino.

3 PROPOSTAS DE SISTEMATIZAÇÃO DE CONTEÚDOS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

A Educação Física brasileira passou por várias mudanças de objetivos ao longo dos

anos; estas diferentes identidades conceituais surgiram de acordo com as necessidades de distintos

momentos históricos (RESENDE; SOARES, 1996). Os conteúdos escolares têm um caráter

histórico e de acordo com cada momento e necessidades há uma reelaboração dos mesmos

(DARIDO, 2001).

Desta forma, vamos explicitar o caminho histórico por qual passou a Educação Física

brasileira nos últimos anos, suas características e seus objetivos definidos em cada época.

De acordo com Ghiraldelli Jr. (2004), houve cinco tendências na Educação Física

brasileira: a Educação Física Higienista (até 1930), a Educação Física Militarista (1930-1945), a

Educação Física Pedagogicista (1945-1964), a Educação Física Competitivista (pós 64) e, por fim, a

Educação Física Popular.

A tendência higienista da Educação Física ocorreu entre 1889 e 1930. Seu objetivo

era a promoção e manutenção da saúde (melhoria das funções orgânicas) e formação das qualidades

motoras. A sua ênfase estava na formação de homens e mulheres sadios o que vislumbrava a

possibilidade e a necessidade de resolver problemas de saúde pública através da educação, ou seja,

a Educação Física funcionava como um agente de saneamento público (GHIRALDELLI JR., 2004).

O autor destaca ainda que na década de 1930, se estabelece a Educação Física

Militarista com o objetivo principal de formar uma juventude preparada para o combate e para a

guerra: o “cidadão-soldado”. Nesta concepção também há preocupação com a saúde individual e

coletiva, mas, sobretudo, do homem obediente e adestrado.

A partir da década de 1950, ocorreu uma esportivização da Educação Física Escolar

através do Método Desportivo Generalizado. No qual, o objetivo eram as melhorias fisiológicas,

psíquicas, sociais e morais dos alunos.

Já no Método Esportivista, objetivava-se a busca do rendimento, da seleção de novos

talentos e da iniciação esportiva (DARIDO, 2001).

Na década de 1970, caracteriza-se uma tendência de pedagogização da Educação

Física Escolar. Sendo integrantes deste bloco às tendências da Psicomotricidade, a Construtivista e

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a Desenvolvimentista (DARIDO, 2001; RESENDE; SOARES, 1996).

Apenas em meados de 1980, que, na busca por uma identidade da Educação Física

Escolar, se começa a olhar a área com base na perspectiva da cultura corporal de movimento

(RESENDE; SOARES, 1996).

Para Mariz de Oliveira (apud FREIRE, 1999), a Educação Física Escolar deve

apresentar objetivos claros e um corpo de conhecimento específico e organizado.

Freire (1999) acredita que a Educação Física não possui uma característica

integralizadora, pois os professores estão preocupados apenas com a Educação Física do

movimento (o saber-fazer). Desta forma, pode-se dizer que a Educação Física é uma área baseada e

que prioriza, fundamentalmente, os conteúdos procedimentais (DARIDO, 2001, BANTULÀ;

CARRANZA, 1999).

Vários autores defendem a utilização de elementos da cultura corporal de movimento

como conteúdo da Educação Física Escolar (DARIDO, 2001; DAOLIO, 1996; RESENDE, 1995,

RESENDE e SOARES 1996, 1997; SOARES et. al., 1992;). O ensino da Educação Física nesta

perspectiva não se limita ao ensino das qualidades físicas e capacidades motoras, mas, também, a

compreensão e reflexão da cultura corporal (RESENDE & SOARES, 1996).

Libâneo (1995) destaca que tradicionalmente a prática pedagógica é dividida em três

dimensões: o saber, o saber ser e o saber fazer, e que sempre uma destas dimensões acaba tendo

maior importância em determinados processos educativos. Para o autor, esta fragmentação retira a

totalidade da ação pedagógica sendo então necessária uma integração das três dimensões.

Para Darido (2004), nesta perspectiva, deve haver uma nivelação de importância dos

conteúdos, sendo os mesmos abordados em suas dimensões procedimentais (“o que se deve saber

fazer?”), conceituais (“o que se deve saber?”) e atitudinais (“como se deve ser?”). Esta divisão em

dimensões não deve favorecer o ensino parcial do conteúdo, pois, este deve ser visto em sua

totalidade. Assim:

Essas categorias são utilizadas para melhor clareza das diferentes dimensões que interferem nas aprendizagens, permitindo uma análise global para a diferenciação da abordagem metodológica. Nesse sentido, deve-se considerar que essas categorias de conteúdo (conceitual, procedimental, atitudinal) sempre estão associadas, mesmo que tratadas de maneira específica. (BRASIL, 1998, p. 73).

De acordo com Freire (1999), o movimento aprendido deve possuir algum

significado para o aluno (aprendizagem significativa) e isto só é possível quando as dimensões dos

conteúdos são tratadas conjuntamente. Aponta-se que, para um ensino de qualidade, há necessidade

não somente de variar-se os conteúdos, mas também de tratá-los com profundidade numa

abordagem que envolva os diferentes aspectos que compõem suas significações (DARIDO, 2004).

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Quando for tratar o futebol, ir além do fazer (técnicas e táticas), abordando sua presença na cultura, suas transformações ao longo da história, a dificuldade da expansão do futebol feminino (causas e efeitos), a mitificação dos atletas do futebol, os grandes nomes do passado, a violência nos campos de futebol etc. Em síntese, é preciso ir além do costumeiro jogar. (DARIDO, 2004, p.65).

Corroborando com esta idéia, Mauro Betti cita que não basta o aluno:

(...) correr ao redor da quadra; é preciso saber porque se está correndo, como correr, quais os benefícios advindos da corrida, qual intensidade, freqüência e duração são recomendáveis. Não basta aprender as habilidades motoras específicas do basquetebol; é preciso aprender a organizar-se socialmente para jogar, compreender as regras como um elemento que torna o jogo possível. É preciso, enfim, que o aluno seja preparado para incorporar o basquetebol e a corrida na sua vida para deles tirar o melhor proveito possível. (BETTI, 1992, p. 285-286).

A Educação Física é parte da cultura humana e estuda práticas ligadas ao corpo e ao

movimento como, por exemplo: jogos, ginásticas, lutas, danças e esportes. Hoje, a Educação Física

Escolar tem como conteúdo elementos da cultura corporal de movimento e ao longo do Ensino

Fundamental e Médio é necessário fazer um processo de sistematização destes conteúdos

(DAÓLIO, 1996). Porém, os conteúdos devem ser elencados de acordo com a realidade,

necessidades e interesses dos alunos, não sendo possível pré-determinar o momento adequado de

ensinar determinados conhecimentos a alguém. Desta forma, uma sistematização dos conteúdos da

Educação Física, deve possibilitar o processo de construção da cidadania dos alunos, o aumento do

repertório de conhecimento/habilidade e compreensão e reflexão sobre a cultura corporal de

movimento (RESENDE e SOARES, 1997).

De acordo com Soares et. al. (1992) e Resende e Soares (1997), a sistematização dos

conteúdos para a Educação Física deve ser progressiva em relação à complexidade, no qual os

conteúdos devem ser abordados em todas as séries mudando-se o nível de complexidade em cada

uma - princípio da espiralidade. Segundo os autores, com esta forma de organização curricular, tira-

se a idéia de pré-requisitos em relação aos conteúdos (SOARES et. al., 1992).

Para Kunz (2004), a Educação Física deve ser mais que a simples aprendizagem

motora, mas deve-se voltar também para o desenvolvimento social do aluno, contribuindo para o

desenvolvimento de competências cognitivas, afetivas e sociais. Para o autor, apenas com a

proposição da Educação Física a partir da perspectiva da cultura de movimento que se pode superar

o reducionismo da idéia do ensino da Educação Física exclusivo do gesto motor.

Assim, podemos tecer como finalidade da Educação Física Escolar:

... possibilitar aos alunos a vivência sistematizada de conhecimentos/habilidades da cultura corporal, balizada por uma postura reflexiva, no sentido da aquisição da autonomia

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necessária a uma prática intencional, que considere o lúdico e os processos sócio-comunicativos, na perspectiva do lazer, da formação cultural e da qualidade coletiva de vida. (RESENDE e SOARES, 1997, p.28).

Desta forma, deve-se favorecer que os alunos compreendam seu próprio corpo e suas

possibilidades, a partir do conhecimento e do domínio de variadas atividades corporais, para que

futuramente tenha autonomia na escolha das atividades que sejam mais convenientes para o seu

desenvolvimento pessoal (melhora de condições de vida e saúde) e de suas relações sociais

(BANTULÀ; CARRANZA, 1999).

3.1 Abordagens da Educação Física Escolar

A seguir serão descritas algumas propostas de sistematização em Educação Física

Escolar. Suas exposições ocorrem de forma cronológica tentando explicitar os objetivos e a

ordenação dos conteúdos e temáticas descritos pelos autores.

3.1.1 Hildebrant e Laging (1986)

Os autores propõem uma nova perspectiva no desenvolvimento do processo de

ensino e aprendizagem da Educação Física, trazendo uma perspectiva humanista para disciplina. O

objeto de estudo desta abordagem é o mundo do movimento e suas implicações sociais.

Nesta abordagem, considera-se a possibilidade de participação do aluno no

planejamento, na escolha dos objetivos, conteúdos e nas formas de transmissão e comunicação no

ensino, pois, se trata de uma concepção aberta de ensino no qual o aluno é o centro da

aprendizagem e a sua subjetividade é considerada.

Assim, o professor para atender a esta proposta deverá desenvolver ações

problematizadoras, onde tanto os alunos como o professor, interagem para a resolução dos

problemas. O processo de avaliação privilegia a julgamento do processo ensino-aprendizagem

3.1.2 Tani et. al. (1988)

A abordagem desenvolvimentista dirigi-se às crianças de quatro a quatorze anos de

idade, estando pautada sobre os processos de crescimento, de desenvolvimento e de aprendizagem

motora do ser humano. Segundo os autores, o objetivo desta proposta é buscar uma fundamentação

teórica para a Educação Física Escolar.

É uma tentativa, portanto, de caracterizar a progressão normal no crescimento físico, no desenvolvimento fisiológico, motor, cognitivo e afetivo-social, na aprendizagem motora e, particularmente, nas interações destes processos em crianças desta faixa etária e, em função destas características, sugerir aspectos ou elementos relevantes para a estruturação da Educação Física Escolar. (TANI et. el, 1988, p. 02).

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369

A habilidade motora é o conteúdo a ser desenvolvido nas aulas de Educação Física

Escolar, pois é através dela que os seres humanos se adaptam aos problemas do cotidiano. Em

relação à avaliação, os autores sugerem que se observe aspectos relativos à execução do

movimento.

Assim, Tani et. al. (1988), acreditam ser necessário que o professor possua uma

bagagem de conhecimentos sobre crescimento, desenvolvimento e aprendizagem motora para que

possa: estabelecer os objetivos, conteúdos e métodos de ensino coerentes com as características das

crianças; observar e avaliar mais apropriadamente os comportamentos individuais de seus alunos e

interpretar o significado real do movimento dentro do ciclo de vida do ser humano.

3.1.3 Freire (1989)

Esta concepção está pautada em pressupostos de Piaget estando direcionada a

crianças até a 4ª série ou 5° ano do Ensino Fundamental. Dá-se ênfase aos aspectos: psicológico,

social, afetivo e motor da criança.

Nesta abordagem o jogo é entendido como uma forma de desenvolvimento da

condição humana e há uma busca da compreensão da criança enquanto um ser social e criativo.

Para Freire (2001), o aluno deverá ser levado à descoberta de suas possibilidades através da

exploração do espaço, do reconhecimento de si em relação ao outro, do seu corpo em movimento.

Para o autor, todas as situações de ensino devem ser interessantes para a criança e

que, as atividades lúdicas, jogos e brincadeiras devem ser considerados instrumentos pedagógicos

prioritários para o ensino. Assim, o jogo é visto como conteúdo e estratégia sendo, o principal modo

de ensinar. Pois, segundo Freire (2001), enquanto joga e brinca a criança aprende. Porém, o autor

ressalta que o jogo deve possuir objetivos educacionais como qualquer outra atividade inserida no

âmbito escolar.

Em relação à avaliação, esta abordagem a infere como um processo de auto-

avaliação devendo considerar a condição do aluno em relação ao grupo, contemplando aspectos

emocionais, afetivos, intelectuais, etc.

Esta abordagem mostra-se bastante crítica em relação a anterior já que o autor

acredita que considerar isoladamente o ato motor reduz o papel da Educação Física, pois deve-se

considerar a intenção e o desejo humano na sua forma de compreensão do mundo, principalmente,

nas suas manifestações motoras.

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370

3.1.4 Kunz (1991)

Kunz (2004) justifica a sua obra sob a carência da Educação Física de uma

responsabilidade pedagógica. Na obra, também conhecida como abordagem crítico-emancipatória,

o autor coloca o esporte como um meio sócio-educativo. Pois, para o autor, o esporte não deve ser

excluído das aulas de Educação Física, mas deve ser utilizado como um meio para desenvolver uma

função social e política, função esta que é inerente a qualquer ação pedagógica.

Nesta abordagem o aluno é o centro da aprendizagem. Assim, o autor acredita que se

deve apreciar o mundo de vidas das crianças, considerando-se então, os movimentos advindos das

culturas populares ou tradicionais. Para o autor, a Educação Física deve colocar o aluno como

sujeito de sua própria ação e o movimento humano deve ser considerado o centro do processo de

ensino-aprendizagem.

Sob a perspectiva crítico-emancipatória, o aluno participa das situações de decisão

do ensino fazendo-os participar enquanto sujeitos responsáveis em todo o processo de ensino.

Para o autor, tal proposição busca encontrar uma legitimidade teórica para a

Educação Física indo de encontro às necessidades educacionais e sociais do contexto social no qual

está inserido.

3.1.5 Betti (1992)

Segundo o autor, os professores de Educação Física não conseguem explicitar

claramente os objetivos de sua disciplina.

Assim, Betti (1992) determina enquanto função pedagógica para a Educação Física:

“... integrar e introduzir o aluno de 1° e 2° graus no mundo da cultura física, formando o cidadão

que vai usufruir, partilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física

(o jogo, o esporte, a dança, a ginástica...)”.(p. 285)

Desta forma, nesta abordagem, o autor sugere que o aluno usufrua da cultura de

movimento construindo conhecimentos sobre a mesma sobre diferentes aspectos que não só os

procedimentais.

3.1.6 Soares et. al. (1992)

A abordagem crítico-superadora está teoricamente formulada na obra intitulada

“Metodologia do Ensino da Educação Física”, composta por Soares et. al. (1992). Esta proposta

estabelece critérios para a sistematização da Educação Física no âmbito da escola. Apresenta-se

pautada sobre um projeto histórico de homem e sociedade que tem como princípio, a superação da

sociedade capitalista. Fundamenta-se, dentre outros, nos estudos de José Carlos Libâneo e

Dermeval Saviani.

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371

Nesta obra, há a divisão dos anos escolares em ciclos, pois segundo os autores, é

possível se trabalhar com simultaneidade de conteúdos o que proporciona uma visão total da

educação e não apenas uma visão parcial.

Os ciclos propostos por esta obra são:

a) Ciclo de Organização da Identidade dos Dados da Realidade (da pré-escola até a

terceira série do Ensino Fundamental): aqui, os conteúdos são percebidos pelos alunos de maneira

difusa e global, pois os mesmos se encontram no momento da experiência sensível, onde

prevalecem as referências sensoriais. Desta forma, o trabalho nas aulas de Educação Física Escolar,

deve promover aos alunos a possibilidade de formar sistemas, encontrar as relações entre as coisas,

identificar as diferenças e semelhanças daquilo que lhe é apresentado.

b) Ciclo de Iniciação a Sistematização do Conhecimento (4ª - 6ª série do Ensino

Fundamental): neste ciclo, o aluno começa a estabelecer generalizações, adquire a consciência de

sua atividade mental, consegue raciocinar de forma abstrata, confronta os dados da realidade com as

representações do seu pensamento sobre eles. Nesta fase, os conteúdos utilizados devem promover,

por exemplo, o pensamento técnico e tático, o que possibilita um auxílio ao aluno na sua

socialização e na construção do pensamento coletivo.

c) Ampliação da Sistematização do Conhecimento (7ª e 8ª séries do Ensino

Fundamental): neste ciclo o aluno consegue identificar dados de sua realidade, pois acaba

ampliando as referências conceituais do seu pensamento, o que o faz tomar consciência de atividade

teórica, ou seja, consegue reconstituir as operações na sua imaginação – fazendo uma leitura da

realidade. O nível de conhecimento do aluno possibilita a antecipação de alguns fatos haja vista que

o mesmo pode elaborá-los teoricamente através de uma construção mental.

d) Ciclo de Aprofundamento da Sistematização do Conhecimento (Ensino Médio):

nesta fase, os alunos poderão questionar, refletir e relacionar os conteúdos aprendidos com a sua

realidade. Aqui, o aluno adquire uma relação especial com o objeto de estudo, proporcionando

reflexão sobre o mesmo e, começa a perceber regularidades e disparidades entre objetos, na medida

em que pode compreendê-los e explicá-los.

Nos diferentes ciclos propostos, os autores enfatizam que o professor deverá

desenvolver o conhecimento técnico do aluno (sem visar o aperfeiçoamento) e que deve diversificar

ao máximo o conteúdo de suas aulas. Nesta proposta, também há utilização de elementos da cultura

corporal de movimento como conteúdo da Educação Física Escolar.

3.1.7 Resende e Soares (1996)

Outra proposta de sistematização de conteúdos para a Educação Física Escolar é a de

Resende e Soares (1996). Os autores baseiam-se na perspectiva da cultura corporal de movimento

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372

não se limitando às qualidades físicas, mas ampliando a sua atuação para a compreensão e reflexão

destes conteúdos, favorecendo o prazer e a inclusão.

Para as séries iniciais do Ensino Fundamental, os autores propõem que os alunos

vivenciem as diferentes possibilidades do movimento humano (habilidades motoras fundamentais).

Já nas séries intermediárias, são indicados esquemas motores estruturados, combinação de

movimentos e, gradativamente, a inclusão da reflexão dos elementos da cultura corporal e a

proposição de situações problema para serem resolvidos individualmente ou em grupos. A partir

dos doze/treze anos de idade (da sétima série até o Ensino Médio), os alunos devem ser estimulados

a refletir e abstrair, aprimorar suas habilidades e conceito dos diferentes conteúdos da cultura

corporal de movimento.

3.1.8 Daólio (1996)

Nesta proposição, o autor defende uma Educação Física que atinja a todos os alunos,

em uma prática plural, na qual não haja discriminação.

Segundo o autor, os objetivos da Educação Física Escolar não devem estar voltados

para a aptidão física e nem para a melhora do rendimento esportivo. Deve-se ter como objetivo a

sistematização e reconstrução de elementos da cultura corporal de movimento por parte dos alunos.

O autor propõe a seguinte sistematização da Educação Física Escolar na educação

básica:

a) para as séries iniciais do Ensino Fundamental, os conhecimentos da cultura

corporal de movimento devem compor-se basicamente de forma vivencial, os alunos devem

vivenciar variadas formas de movimento; o aluno deverá realizar, compreender e dar significado

aos movimentos executados.

b) nas séries intermediárias do Ensino Fundamental (até a sexta série), o professor

deverá priorizar o desenvolvimento e reconstrução de técnicas esportivas, ginásticas e de dança;

mas não de forma padronizada. Assim, o professor deverá utilizar vários elementos e complementos

para que o aluno construa e reconstrua diversas situações, tornando a aprendizagem mais

significativa.

c) final do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio: deve-se ampliar os objetivos

da Educação Física. Nesta fase os alunos, além de vivenciar a cultura corporal de movimento,

devem compreendê-la, criticá-la e transformá-la. Além disso, o autor indica para o Ensino Médio o

trabalho com temas nos quais os alunos possam estudar e aplicar seus conhecimentos.

3.1.9 Brasil (1997, 1998 e 1999)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 1997, 1998 e 1999),

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defendem alguns critérios para se selecionar conteúdos para a Educação Física Escolar como:

relevância social, característica dos alunos e característica da área.

Nesta proposta, a divisão dos anos escolares se dá em ciclos sendo que o primeiro

ciclo engloba 1ª e 2 ª séries do Ensino Fundamental; o segundo ciclo 3ª e 4 ª séries do Ensino

Fundamental; o terceiro ciclo abrange a 5ª e 6 ª série do Ensino Fundamental; o quarto Ciclo a 7ª e 8

ª séries do Ensino Fundamental e por último o ciclo que envolve as três séries do Ensino Médio.

Para o Ensino Fundamental, os conteúdos deverão ser divididos em três blocos que

serão abordados ao longo dos quatro ciclos: esportes, jogos, lutas e ginásticas; atividades rítmicas e

expressivas e conhecimentos sobre o corpo. Os três blocos têm conhecimentos específicos e comuns

e por isso deve haver uma integração entre eles.

Nos dois primeiros ciclos, o professor deve considerar o conhecimento que o aluno

traz consigo das suas vivências e experiências sociais. Favorecer o movimento e atender a

necessidade dos alunos de movimentar-se, promovendo uma grande variedade de opções de

atividades. Outra questão abordada é o desenvolvimento de atividades em que meninos e meninas

vivenciem os conteúdos de forma a haver uma troca entre os dois grupos.

À medida que os alunos vão adquirindo uma maior compreensão e uma bagagem de

conteúdos, deve-se aprofundar a abordagem dos mesmos em relação aos jogos, brincadeiras,

esportes, danças, lutas e ginásticas. As habilidades corporais devem apresentar desafios mais

complexos (habilidades motoras conjugadas) podendo-se apresentar conteúdos nas formas

conceituais, atitudinais e procedimentais. Assim, para o segundo ciclo, deve-se ampliar o que foi

aprendido no primeiro.

Para o terceiro e quarto ciclos, também há um enfoque nos conteúdos atitudinais,

procedimentais e conceituais. Aqui os objetivos pautam-se na autonomia do aluno, na diversidade

de conteúdos a serem abordados. Nestes dois ciclos finais do Ensino Fundamental, as possibilidades

e necessidades de aprendizagem devem ser tratadas com mais profundidade. Este aprofundamento

não deve estar centrado somente nos interesses dos alunos, pois deverá possibilitar não só uma

aprendizagem significativa para os mesmos, como também, a articulação e a compreensão de si

mesmo, do outro e da realidade sociocultural.

No Ensino Médio, a Educação Física deverá ser desenvolvida de forma que se atinja

os objetivos do Ensino Médio propostos pela LDB nº 9.394/96. Sendo, uma das orientações centrais

da Educação Física, a educação voltada para a saúde. O documento não prevê a elaboração de um

programa de condicionamento, mas sim um programa que preste serviço de educação social,

contribuindo para que o aluno tenha uma vida produtiva e bem-sucedida. O objetivo da Educação

Física para o Ensino Médio é que o aluno compreenda e atue de forma ampla nas diferentes

manifestações da cultura corporal de movimento.

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374

3.1.10 Matos e Neira (2004)

Considerando o Ensino Médio, Matos e Neira (2004), desenvolveram uma proposta

de sistematização da Educação Física para estes três anos da educação básica.

Os autores descrevem alguns fatores como determinantes para a seleção dos

conteúdos da Educação Física Escolar, sendo: primeiramente o conteúdo deverá estar dentro da

especificidade da área, ou seja, que haja valorização do movimento; segundo que o conteúdo esteja

dentro da especificidade do grupo assim, o mesmo deve aproximar o aluno do Ensino Médio das

aulas de Educação Física – no qual o conteúdo deve adequar-se as suas necessidades; terceiro, que o

conteúdo seja interessante e possua aplicabilidade social (determinar a relevância social do

conteúdo escolhido) e, por fim, deve-se considerar as reais condições de trabalho na escola.

Os autores têm como proposta uma sistematização baseada em temáticas. Sendo

mais evidenciado durante a obra a dimensão conceitual dos conteúdos. Na obra, as competências do

ensino da Educação Física no Ensino Médio são o desenvolvimento dos seguintes blocos:

conhecimentos do corpo, aptidão física e saúde; ginástica; ritmo e expressão através do movimento

e esportes, jogos e lutas. Sendo o eixo central da proposta desta obra a temática “Aptidão física,

saúde e qualidade de vida”.

Para os autores, a aula deve dividir-se em duas partes: primeira parte, a inicial, na

qual deve ser feita uma exposição teórica dos conteúdos/temáticas abordadas e, a segunda parte, que

será destinada para a prática. Sob esta temática, sugere-se que o professor enfatize os benefícios da

atividade física e os malefícios do sedentarismo. Cada temática deve ser dividida em subtemas,

como por exemplo: aptidão física; princípios da atividade física, resistência aeróbia e anaeróbia,

nutrição entre outros.

Como na obra de Matos e Neira (2004) parece haver um distanciamento do ensino

dos esportes, os autores justificam-se e apontam que os esportes devem ser trabalhados na escola,

mas com uma modificação na metodologia tradicionalmente empregada nas aulas de Educação

Física. Justificando enquanto conteúdo por propor o ensino e socialização e aprendizagem social

através do jogo e do desporto.

3.1.11 São Paulo (2008)

A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo lançou em 2008 uma proposta curricular

para ser implementada em todas as escolas da rede Pública do Estado de São Paulo. Ela está

destinada aos alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio.

A Educação Física deve tratar a cultura corporal sob diferentes formas, dentre as

quais elenca: os jogos, a ginástica, as danças, as atividades rítmicas, as lutas e os esportes. De

acordo com a proposta, deve-se partir do repertório de conhecimentos que os alunos já possuem

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375

afim de que se aprofunde, amplie e qualifique-os criticamente.

Para o Ensino Fundamental, propõe-se o trabalho com cinco eixos de conteúdo: jogo,

esporte, ginástica, luta e atividade rítmica. Já no Ensino Médio, a idéia é cruzar estes eixos de

conteúdos com quatro eixos temáticos, relevantes socialmente: lazer e trabalho; mídias;

contemporaneidade; corpo, saúde e beleza.

Nesta proposta a Educação Física deve assumir um importante papel em relação à

dimensão do Se-Movimentar humano, relacionando-se ativamente com os outros componentes

curriculares. O que, segundo o documento, influi na vida dos alunos de maneira significativa.

Vimos através destes exemplos que existem algumas obras que se preocupam com o

ensino da Educação Física de forma sistematizada. Nota-se que, além da seleção e sistematização

dos conteúdos da área, deve-se prioritariamente traçar os objetivos educacionais a que se pretende

atingir.

Considerando-se que o objetivo deste estudo é analisar como uma professora de

Educação Física atuante no Ensino Fundamental sistematiza os conteúdos de ensino da Educação

Física na escola, a seguir apresento a trajetória metodológica construída para a realização desta

pesquisa.

4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Em função do objetivo da nossa investigação que é analisar como uma professora de

Educação Física atuante no Ensino Fundamental sistematiza os conteúdos de ensino da Educação

Física na escola, a referência metodológica que orientou este estudo foi estruturada pela pesquisa

qualitativa.

Segundo André (1995), a pesquisa qualitativa leva em consideração todos os

componentes de uma situação em suas interações e influências recíprocas.

Neste tipo de pesquisa o sujeito tem um caráter especial sendo atribuidor de

significados, cabendo ao pesquisador a busca da compreensão destes significados. Assim, a

descrição constitui uma significativa importância na pesquisa qualitativa (MARTINS, 1989).

Martins (1989) considera o ato de descrição um processo complexo e afirma que este

não tem por objetivo fundamentar idealizações, desejos ou imaginações tão pouco utilizar

procedimentos sistemáticos em busca de generalizações. Para o autor, não há espaço para

teorizações dedutivas em pesquisas do tipo qualitativa.

Assim, de acordo com Martins e Bicudo (1994), diferentemente da pesquisa

quantitativa, a pesquisa qualitativa não tem por objetivo alcançar princípios explicativos e propor

generalizações sobre os alvos estudados bem como exceder-se em preocupação com o tratamento

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estatístico dos dados.

Desta forma, analisamos a proposta de sistematização de uma professora de

Educação Física Escolar atuante na rede municipal de São Paulo. Tal professora foi escolhida

devido ao seu envolvimento e dedicação com a profissão, já que a profissional mostra-se engajada

em grupos de estudos, em constante participação em programas de formação continuada, com

postura crítica e reflexiva em relação à sua atuação docente, além de ser convidada constantemente

por pares para exposição de seus resultados para alunos de graduação e pós-graduação, entre outros

pontos determinantes para a sua escolha.

Assim, nesta pesquisa, realizamos uma revisão de literatura sobre diferentes

abordagens da Educação Física Escolar e nos aprofundamos sobre a sistematização de conteúdos de

uma professora de Educação Física Escolar, caracterizando-se sob a forma de um estudo de caso.

Optou-se pelo estudo de caso, pois, através dele, é possível examinar diversos

aspectos da vida de um determinado indivíduo, grupo ou comunidade representativo de seu

universo (CERVO e BERVIAN, 1983). Em uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, o

evento a ser estudado “... pode ser escolhido porque é uma instância de uma classe ou porque é por

si só interessante” (ANDRÉ, 1995, p. 31), ou seja, o estudo de caso prioriza o conhecimento do

particular.

Pádua (1996) alerta para não se entender o estudo de caso como a tentativa de

analisar um indivíduo em toda sua unicidade, mas tentar envolver e abranger as características mais

importantes em relação à temática estudada.

Para Lima (2004), apenas o estudo de caso possibilita uma imersão integral,

profunda e detalhada do pesquisador sobre a realidade social investigada. Sendo então necessário,

selecionar uma determinada unidade e tentar compreendê-la enquanto única, podendo-se também,

relacioná-la ao contexto no qual está inserida, sua dinâmica e as suas inter-relações - a unidade em

ação (ANDRÉ, 1995).

As técnicas de coleta utilizadas nesta pesquisa foram: a entrevista semi-estruturada e

a análise documental.

A análise documental consiste em analisar, descrever, comparar fatos estabelecendo

características ou tendências a partir de documentos contemporâneos ou retrospectivos autênticos

(PÁDUA, 1996). Para a autora, documento seria: “... toda base de conhecimento fixado

materialmente e suscetível de ser utilizado para consulta, estudo ou prova.” (PÁDUA, 1996, p.63).

De acordo com Marconi e Lakatos (1996), as fontes de documentos podem ser de

três tipos: públicos, particulares e fontes estatísticas. Como documentos, podem ser consideradas

também fontes que não apenas material instituído na forma de textos escritos como, por exemplo,

fotos, filmes, vídeos.

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377

Nesta pesquisa utilizamos arquivos particulares da professora estudada, como:

cadernos de planejamentos, livros de referência, anotações sobre as suas aulas, pastas de arquivos e

documentos escolares, diários de aula, entre outros.

A entrevista ocorreu após a análise documental. Para Bauer e Gaskell (2002), a

entrevista qualitativa fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das

relações entre os sujeitos sociais e a sua situação, possibilitando explorar em profundidade o mundo

da vida. Sendo que, esta forma de coleta de dados, tem como principal objetivo a obtenção de

informações sobre determinado assunto ou problema (MARCONI e LAKATOS, 1996), ou seja,

deve-se colher dados relevantes em um contato direto do pesquisador com o sujeito pesquisado

(MATTOS, ROSSETTO JR, BLECHER, 2004).

De acordo com Matos, Rossetto Jr e Blecher (2004), as entrevistas podem ser

classificadas em três categorias distintas: estruturada, semi-estruturada e não estruturada. Durante a

nossa pesquisa, utilizamos a pesquisa semi-estruturada.

Laville e Dionne (1999) definem a entrevista semi-estruturada como sendo “... uma

série de perguntas abertas feitas oralmente em uma ordem prevista, mas na qual o entrevistador tem

a possibilidade de acrescentar questões de esclarecimento.” (p. 333) Desta forma, pode-se conduzir,

quando necessário, o entrevistado ao objeto de pesquisa (CERVO e BERVIAN, 1983). Ou seja,

permite ao pesquisador realizar explorações não-previstas, de forma ao entrevistado falar com mais

liberdade sobre um determinado assunto de relevância a pesquisa (NEGRINE, 1999).

Alerta-se para que a entrevista não seja entendida como uma simples conversa, mas

como uma conversa orientada para um objetivo definido (CERVO e BERVIAN, 1983). Assim,

antes da entrevista, o pesquisador deve conhecer o assunto do qual vai tratar de forma profunda para

poder formular questões estimulantes ao entrevistado (BOSI, 2003).

Segundo Bauer e Gaskell (2002), este tipo de entrevista é distinta:

... de um lado da entrevista de levantamento, fortemente estruturada, em que é feita uma série de questões pré-determinadas, e de, outro lado, distingue-se da conversação continuada menos estruturada da observação participante, ou etnografia, onde a ênfase é mais em absorver o conhecimento local e a cultura por um período de tempo mais longo do que em fazer perguntas dentro de um período relativamente limitado (p.64).

Cervo e Bervian (1983) enfatizam ainda a necessidade de se atentar a alguns

procedimentos anteriores à realização da entrevista como: planejamento da das questões delineando

cuidadosamente ao objetivo a ser alcançado; obter conhecimentos prévios do candidato e marcar a

entrevista com antecedência. Além disso, o entrevistado deve falar livremente sem sofrer

interrupções; sendo os tópicos da entrevista interessantes e não difíceis de serem respondidos

(MARTINS e BICUDO, 1994). Assim, o pesquisador deverá deixar o entrevistado tranqüilo e livre

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para responder à vontade as questões propostas sem pressões ou interrupções.

Para a nossa pesquisa, a entrevista foi realizada para responder aos questionamentos

surgidos ao longo da análise documental. A entrevista contou com indagações sobre a formação

profissional da professora, quais objetivos e conteúdos da Educação Física são utilizados por ela e

como os mesmos são organizados.

A entrevista foi realizada na residência da professora, localizada no município de São

Paulo com duração estimada de 50 minutos. A professora em questão assinou um Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido estando ciente dos objetivos dessa pesquisa e sua divulgação.

Por questões de ética e sigilo os nomes citados na entrevista foram substituídos por codinomes.

5 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Para analisar e classificar os dados obtidos através da análise dos documentos da

professora (cadernos, orientações curriculares da prefeitura de São Paulo e pasta de arquivos) e da

entrevista, utilizamos a categorização de dados.

As categorias de análise se referem à idéia de agrupar em classes ou em séries os

elementos provenientes da pesquisa de campo (GOMES, 1994). As categorias encontradas nesta

pesquisa foram: formação e atuação profissionais; relações entre as metas da docente, suas ações e

orientações institucionais e construção do ensino ao longo do processo.

Tais categorias serão explicitadas abaixo com trechos da entrevista para dar mais

destaque às ocorrências.

5.1 Formação e atuação profissionais

A professora pesquisada formou-se na Universidade Estadual de São Paulo – UNESP

– campus de Bauru no ano de 2005, é especialista em Educação Física Escolar pelas Faculdades

Metropolitanas Unidas - FMU (2009). Recentemente, ingressou no mestrado em Ciência e

Pedagogia da Motricidade Humana, sobre a linha de pesquisa Formação Profissional e Campo de

Trabalho, na Universidade Estadual de São Paulo – UNESP - campus de Rio Claro.

Segundo Martins e Batista (2006), a formação de professores de Educação Física

deve objetivar em seu curso a capacitação profissional para a atuação em instituições públicas e

privadas de ensino da educação básica – do ensino infantil ao médio - favorecendo uma formação

didático-pedagógica. Entretanto, os autores afirmam, que há uma discordância entre a formação

inicial e a ação cotidiana de intervenção do futuro professor. Talvez por isso, a professora

entrevistada valorize outras experiências obtidas ao longo de sua formação inicial, considerando-as

imprescindíveis a sua formação.

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379

O estágio na academia me ajudou bastante. Trabalhar com recreação me ajudou muito (risos), trabalhar com festas de, de crianças... em corridas. Eu acho que tudo que eu corria atrás pra trabalhar, conseqüentemente, influenciava na minha formação (...)

Parece que a professora atribui grande importância aos saberes da experiência, que

são aqueles provenientes da história de vida pessoal de cada professor e que também são produzidos

pelos professores no cotidiano de sua prática.

Durante a entrevista, nota-se também que a professora atribui a participação em

projetos de extensão um grande valor de contribuição à sua formação docente. Para muitos

licenciandos, o contato com situações reais de sala de aula ocorre apenas em estágio

supervisionado. De acordo com Portela et. al. (2009), a participação em projetos de extensão

permite ao licenciando uma aproximação e atuação em sala de aula com um certo nível de discussão

e planejamento em grupo, auxiliando-o no seu desenvolvimento profissional.

E... uma das coisas que eu acho que... me ajudou muito na formação foi o projeto de extensão. Não tem o que falar! Eu passei muito tempo dentro do projeto. Não só do projeto de extensão de handebol, mas também de natação de adaptada (...) eu andei muito... eu fuçava muito o que tinha na faculdade né? Então eu tentei passar por diversas coisas. Eu acho que isso... foi uma das coisas que me, me fortaleceu como profissional. Influenciou muito na minha formação, ter diversas vivências dentro de projetos (...)

De acordo com Pimenta (2007), em um curso de licenciatura, a finalidade não é a

formação de um professor, mas sim deve-se proporcionar meios para o entendimento do futuro

docente sobre a natureza do seu trabalho e, que o mesmo compreenda, que a sua formação baseia-se

em um processo, possibilitando uma constante construção de seus saberes-fazeres docentes a partir

da realidade que lhes será apresentada diariamente. Uma vez que,

...professorar não é uma atividade burocrática para a qual se adquire conhecimentos e habilidades técnico mecânicas. Dada a natureza do trabalho docente, que é ensinar como contribuição ao processo de humanização dos alunos historicamente situados, espera-se da licenciatura que desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca no cotidiano. (PIMENTA, 2007, p. 18).

Corroborando com esta posição, percebe-se ao longo da entrevista, que a professora

relata a sua trajetória de formação não pautando-se apenas em sua formação inicial mas, descreve

este processo como contínuo e inacabado. Sendo, segundo a entrevistada, constituído ao longo dos

anos e com diversas influências que não apenas as acadêmicas. Mostrando-se permanentemente

construindo o seu saber-fazer docente. Os trechos abaixo elucidam essa posição.

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Então, correndo atrás das coisas, começaram a vir os cursos. E aí, tinham os cursos dentro da própria escola, que eu corria pra aprender é... e esses cursos foram trazendo outras pessoas pra minha vida. E essas outras pessoas foram auxiliando nessa formação.

Então os grupos de estudos, eu vi que é uma coisa muito rica, eles puxam a gente pra continuar estudando. Essa formação (...) fez... correr atrás cada vez mais e (...) me alimenta como profissional e como pessoa (...)

A troca com os professores de outras áreas que eles... é... eles vêm é... com um conhecimento a mais... eu tento conhecer, eu tento aprender o tempo todo. Eu acho que não é só passar o meu né? O meu conhecimento. E... eu acho que minha formação se estabelece aí (...)

E aí eu acho que um outro fator que me ajuda muito na formação, são os meus alunos. Eles, eles completam todo dia minha formação, eles mostram onde eu “to” errada, ou não “to”, mesmo você sabendo que o errado e o certo as vezes não existem.

Além disso, nota-se em suas falas que a docente busca atualizações em cursos,

procura estudar individualmente e, também, com seus pares. A professora atribui grande influência

aos seus colegas de graduação e da universidade, e aos ex-professores na constituição de sua

formação.

Aí veio o segundo momento que foi o Alberto! O Alberto ele é essencialmente essencial (risos) na minha formação. Ele... ele é um coordenador pedagógico, um auxílio, um amparo psicológico e profissional. É eu acho que sem ele, ele, ele é uma das pessoas assim que me fortalece muito como, como profissional, que me faz arriscar que quando ele fala não aí eu falo: “Pow, beleza!” Então é o momento de correr atrás. A gente estuda muito juntos... é nós corremos atrás de cursos juntos, publicamos juntos, escrevemos juntos. É eu acho que a gente fala uma mesma linguagem, desde o primeiro dia que a gente se conheceu, até hoje. Então, é um parceiro de trabalho (...) Mas, o que eu tenho um contato muito forte e é, basicamente, todos os dias, é o Alberto né? Eu me amparei nos professores que eu tinha... que eu tive aula: Maria, poxa o João, o Carlos mesmo me ajudou muito, em muita coisa, a Paula. São professores assim que eu estabeleço contato até hoje né? Acho que têm outros que, de repente, eu não citei... mas, que me ajudam... constantemente.

De acordo com Ferreira (2005), os professores de Educação Física valorizam a troca

com os pares, entendendo-a como uma forma de aprendizagem. “Tal aspecto parece nos sugerir a

necessidade deste professor ter um contato com os docentes em horários coletivos onde possa haver

uma troca de experiência conjunta.” (p.33).

A professora entrevistada parece entender a profissão docente, e conseqüentemente,

a sua formação como um processo em permanente construção. Pois, segundo ela, o contexto e o

momento lhe possibilitam diferentes atuações.

A formação de um docente não pode ser entendida como apenas de responsabilidade

de um curso de formação inicial, pois, o desenvolvimento profissional docente é um processo

contínuo que apenas é iniciado nos cursos de licenciatura (PORTELA et. al., 2009) e, segundo

Pimenta (2007), pode começar a ser construído antes mesmo do início da graduação.

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381

Essas considerações denotam um caráter dinâmico da profissão docente enquanto

prática social, pois, “É na leitura crítica da profissão diante das realidades sociais que se buscam os

referenciais para modificá-la”.(PIMENTA, 2007, p. 19).

Assim, a sistematização de conteúdos da Educação Física Escolar apresentada

atualmente pela professora, encontra-se em constante transformação, trazendo diversos elementos

de sua formação e carreira.

5.2 Relações entre as metas da docente, suas ações e orientações institucionais

De acordo com Rocha (2009), a especificidade da Educação Física vem sendo

bastante discutida e tal objeto de indagação permeia também as discussões no âmbito escolar. O

pressuposto básico é que há um conhecimento prático e teórico referente à motricidade humana e

que o mesmo teria por finalidade otimizar as possibilidades e potencialidades dos educandos no que

se refere ao movimentar-se (FERRAZ, 1996).

Quando questionada sobre os objetivos da Educação Física Escolar, a professora

entrevistada, atribui primeiro um sentido mais amplo à área atrelando-o aos objetivos da educação.

É eu me preocupo demais com isso (...) é acho que antes disso (...) pra mim, o principal é a formação do cidadão mesmo, mas, cidadão indiferente da disciplina sabe?... aquele que respeita, aquele que sabe ouvir, aquele que sabe lidar com, na sociedade, que sabe lidar com regras, aquele que... é, sabe viver em sociedade. Não adianta saber viver... eu não sei viver dentro da escola, se eu não sei viver dentro da escola, eu não sei viver fora. Tudo é um reflexo, ali é uma mini-comunidade que se reflete pro mundo. Então, acho que primeiro para mim, na Educação Física, ou em qualquer outra, acho que eu poderia trabalhar em qualquer disciplina, pra mim a formação do cidadão ta? Hoje em dia, eu tenho que formar a pessoa como cidadão para ver se ele consegue chegar na faculdade. Mas, não é, às vezes, não é o foco dele. Por isso que eu tenho que formar ele como cidadão. Pra mim seria esse o objetivo. A Educação Física tem o mesmo objetivo da educação, talvez... não sei... é uma coisa minha, hoje. “Ta”, talvez não agrade a gregos e troianos, mas... eu trabalho assim... eu... a minha linha é essa. E eu acho que é a de muitos também mas (...) Mas acho que o objetivo da Educação Física... ah, não consigo falar só da Educação Física. É da educação. Porque a partir do momento que a Educação Física faz parte da educação, ela tem um objetivo único que é a formação do cidadão, hoje! Daqui um tempo pode ser que mude, publico muda, a vida muda, as pessoas mudam (...)

De acordo com Ferraz (1996), a Educação Física parece estar dissociada da situação

geral da educação, estando submetida a um papel secundário dentro da escola, sendo-lhe, muitas

vezes, atribuída um papel recreacionista ou de atividade complementar. Ao observá-la enquanto

componente curricular no âmbito escolar, nota-se que ainda não há uma clara definição de sua

função nesta conjuntura, o que gera uma dificuldade na interação com outros componentes

curriculares.

Por isso, segundo Kunz (2004), é necessária uma mudança na concepção da

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Educação Física e em todo seu processo de ensino. Enquanto componente curricular, a Educação

Física Escolar deve ser valorizada, mostrando-se inserida no contexto da educação nacional e,

principalmente, no seu contexto social.

Desta forma, quando a professora entrevistada atribui primariamente uma função

geral para a Educação Física, pautada nos seus ideais de educação, pode ser um indicativo de

atribuição, enquanto possibilidade de mudança de significado para a área, denotando uma inserção

efetiva da disciplina no contexto da educação.

Como discutido anteriormente, algumas proposições de sistematizações para a

Educação Física Escolar permeiam os objetivos deste componente curricular pautados sobre a

cultura corporal de movimento. Em alguns momentos, define-se a cultura corporal como uma

parcela da cultura geral; abarcando então qualquer conhecimento que fora produzido e acumulado

historicamente. Em outros momentos, define-se a cultura corporal enquanto detentora de eixos de

conhecimento sendo considerados: o esporte, o jogo, a ginástica, as danças e as lutas – estes

também vistos como forma de expressão de conhecimentos constituídos ao longo do tempo.

Segundo Ferraz (1996), ao apropriar-se dos conhecimentos da cultura corporal, o

aluno deverá estar capacitado a um processo de “regulação, interação e transformação ao meio em

que vive, na busca de uma melhor qualidade de vida.” (p. 17), ou ainda, pelo ensino da Educação

Física Escolar poderia permitir-se a aprendizagem de determinadas competências através do

movimento possibilitando que o aluno seja capaz se ser sujeito de suas próprias ações (KUNZ,

2004).

O referencial curricular da prefeitura municipal de São Paulo do ciclo I determina

enquanto objetivo da Educação Física Escolar:

(...) proporcionar aos estudantes condições para que se expressem por meio da linguagem gestual e interpretem seu sentido e significado nos mais variados contextos, visando à comunicação e compreensão dos sentimentos, valores, crenças e conceitos manifestados pela gestualidade. (SÃO PAULO, 2007a, p. 99).

Ou seja, o estudante deverá refletir, ressignificar, apropriar-se, analisar criticamente e

ampliar seus conhecimentos a respeito da cultura corporal (SÃO PAULO, 2007a). Já as orientações

curriculares do ciclo II indicam que a Educação Física Escolar deverá:

(...) garantir ao educando o acesso ao patrimônio da cultura corporal historicamente acumulado por meio da experimentação das variadas formas com as quais ela se apresenta na sociedade, analisar os motivos que levaram determinados conhecimentos acerca das práticas corporais à atual condição privilegiada na sociedade, como também, refletir sobre os conhecimentos veiculados pelos meios de comunicação de massa e os saberes da motricidade humana reproduzidos pelos grupos culturais historicamente desprivilegiados na escola. (SÃO PAULO, 2007b, p. 35).

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383

A professora parece não destoar de tais proposições quando questionada sobre quais

objetivos ela determina para a Educação Física Escolar.

(...) se eu fosse falar em objetivo, eu ia falar em, é... aproximá-los né? (...) das manifestações corporais que tem aí dentro da cultura.

Depois a gente vem com as manifestações. Eu mudo isso sempre! Aí, tem hora que eu acho que o importante, é ele vivenciar, tem horas que eu acho importante ele discutir, tem horas que eu acho importante ele pesquisar. Eu tento é, é... não só mediar mas, equilibrar um pouquinho de cada coisa porque eu acho que dentro disso, ah, você “ta” trabalhando com a manifestação (...) Então, assim, é... elementos eu já trabalhei, eu trabalho dança, lutas, jogos é... esportes, é ginásticas...

É necessário garantir o acesso dos alunos às práticas da cultura corporal, pois esta

ação poderá proporcionar um auxílio ao desenvolvimento do conhecimento ajustado a si mesmo. De

acordo com Kunz (2004): “Trata-se, portanto, de desenvolver e ampliar o mundo do movimento das

crianças, respeitando-se o Contexto de Mundo Vivido das mesmas.” (p. 182).

A entrevista revela ainda que, quando a professora é questionada sobre os objetivos

da Educação Física, ela apresenta uma certa insegurança em sua resposta. Em suas falas, a

professora parece demonstrar que não acredita na possibilidade de se delimitar o objetivo da área

sem considerar os sujeitos inseridos na ação (alunos, professores, comunidade escolar...).

É... eu não sei se é objetivo da Educação Física, eu não sei se eu ando no objetivo da Educação Física, estabeleço um objetivo pra mim no contexto que eu “to”. E eu acho que assim, cada professor deveria fazer porque, são realidades diferentes. Sua realidade é totalmente diferente da minha, que é totalmente diferente do Alberto. Então, às vezes, o que é loucura pra você, não é loucura para mim e aí vai né?

Deve-se haver uma flexibilização entre os conteúdos, objetivos escolhidos com as

necessidades dos alunos. O modo como a professora concebe a educação parece estar baseado no

modelo humanista espontaneísta descrito por Zabalza (1994), onde os conteúdos a serem

trabalhados partem dos interesses e motivações dos alunos.

De acordo com São Paulo (2007a), a escolha das manifestações presentes no

universo da cultura corporal de movimento, deve partir do conhecimento prévio e do patrimônio

cultural dos estudantes. Tal posicionamento corrobora com a opinião de Kunz (2004), que acredita

que a Educação Física deve estar relacionada ao seu contexto sócio-cultural local fazendo com que

seu planejamento pedagógico também seja desenvolvido a partir deste, ou seja, o objetivo da

Educação Física deve estar pautado nas perspectivas dos sujeitos participantes da ação pedagógica.

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384

5.3 Construção do ensino ao longo do processo

A professora pesquisada, parece ter chegado até a sistematização dos conteúdos para

a Educação Física Escolar utilizando sua própria experiência, tentativa e reflexão. De acordo com

Rosário e Darido (2005), alguns professores de Educação Física produzem as suas próprias

sistematizações a partir de suas próprias experiências, pois o referencial teórico da área parece não

construir possibilidades que pudessem nortear tal prática.

(...) em cada escola acaba sendo de um jeito né? É... eu tenho esse tipo de sistematização hoje, porque a turma permite. Desde trabalhar com conteúdos, desde fazer basicamente o que eu quero, mexer o que eu quero, porque a escola me permite tá? É meio que sorte! Eu ainda faço experiência né? Para ver se dá ou não dá. Tem encaixado certo. Acho que talvez... porque conheci a turma e, por maturidade. Talvez se eu cair num lugar novo, talvez essa seqüência aqui não dê nada certo. Vou ter que reconfigurar tudo. E conhecer de novo o público, lá, por enquanto, o que eu tenho feito, eu arrisco, e tem dado certo. (...) partir de uma sistematização mesmo com a contribuição dos alunos é... é você andar num terreno que você não sabe de onde você começa e aonde você chega. Eu hoje, eu tenho um pouco mais de firmeza de saber, porque é o segundo ano que eu estou na escola. (...) falar de sistematização... eu não consigo ver ela fechada... ela, ela não existe ah, peguei aqui, pronto! Vai ser assim... e um bimestre, achei interessante aquilo que eu falei... eu penso o que vai dar continuidade nisso? (...) Ah, aí eu vejo o que está acontecendo, o momento e encaixo o outro.

Em suas falas a professora deixa claro que não concebe a sistematização como algo

fechado e pronto. Este processo se constrói ao longo do ano, sofrendo adaptações e transformações,

sendo que a experiência lhe atribuiu maior segurança.

(...) primeiro, você não encana com algumas coisas que você encanava no começo né? Você começa a ver o que, que, o que, que dá pra fazer lá ou não... é... o lugar, o público, muda muito. É... você... aprende a lidar com as pessoas: professores e alunos. É... com o contexto, com o, com o sistema que é, que existe na educação pública. Você aprende a lidar até com isso. Com orientações né? Cadernos e etc... porque eu não tenho me atrapalhado muito. Aprendi a trabalhar com, com os professores, aprendi a arriscar. Eu acho que... o amadurecimento ele traz... uma certa segurança né? (...) eu acho que esse amadurecimento me fortaleceu pra, pra aprender a fazer sistematização... é pra saber o que dá... e saber que não existe coisa fechada (...) Mas isso mudou muito, do começo até agora eu sou muito mais segura... eu tenho muito mais postura, acho que eu tinha no começo, mas eu tenho mais. Eu sei como lidar com o aluno, o aluno sabe como lidar comigo. (...) Em questão da sistematização, é... totalmente diferente (risos) o que eu faço hoje, eu não conseguia prever. Esses tópicos que eu prevejo, aqui um pouco antes de um caminho a ser trilhado, eu não conseguia fazer (risos)(...) (...) hoje eu consigo criar com muito mais facilidades, os meus alunos me ajudam a criar muito, a ver atividade de outra maneira... é... eu consigo ver outras possibilidades porque a escola também me dá outras possibilidades... eles me ajudam, é... conseqüentemente ou

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inconseqüentemente, a estruturar isso aqui, eu consigo ver o caminho a partir deles assim né? Eu penso o que seria legal pra eles dentro daquele tópico, interessante e aí, sistematizo. essa... sistematização, ela vem, continua sendo detalhada... que se não eu me perco, ela vem mais madura e mais é... desafiadora pra mim também. Antes era mais fechadinha. Tal, tal, tal, tal. Agora eu já vou arriscando... ah, mais pode e... e assim... eu também consigo prever algumas outras coisas que vão ter. Agora eu já sei que ah, não deu, vai pra outra, que vai pra outra, por causa que... então, eu já consigo prever mais ou menos isso. Por isso eu acho que, que os, os conteúdos começam a se encaixar melhor no bimestre. Né? Acho que tem todo esse processo de amadurecimento, eu arrisco outros conteúdos, eu arrisco colocar umas outras coisas que às vezes até eu não sei.

Em sua primeira fala, a professora atribui ao tempo de ação docente um significado

de melhoria em sua atuação, principalmente no que se refere ao entendimento do funcionamento do

sistema escolar. Ferreira (2005) acredita que “Para o professor de Educação Física, principalmente

o iniciante, a compreensão da micropolítica do contexto escolar é fundamental para a diminuição da

sua ansiedade, estresse, desânimo e outros tantos sentimentos negativos”.(p. 32). Tal fator deve ser

considerado, pois, segundo a autora, tais sentimentos podem nortear de forma negativa a atuação

dos docentes, ou ainda, fazê-lo desistir de sua profissão.

Acredita-se que a experiência determina inúmeras alterações na ação docente.

Segundo Larrosa Bondía (2002), “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos

toca”.(p. 21). Para Tardif e Lessard (2005), o professor experiente é aquele que "(...) conhece as

manhas da profissão, ele sabe controlar os alunos, porque desenvolveu, com o tempo e o costume,

certas estratégias e rotinas que ajudam a resolver os problemas típicos (...)” (p.51). Ou seja, ele

adquire um repertório de soluções a situações advindas de sua ação docente. Desta forma, não se

pode relacionar a experiência apenas ao tempo de forma cronológica, mas experiência no sentido de

reflexão sobre a ação docente.

A sistematização proposta pela professora para o ciclo I e II está expressa no quadro

abaixo (QUADRO 1). O ciclo I compreende de 1ª a 4ª série e o ciclo II de 5ª a 8ª série do ensino

fundamental. Sendo, neste trabalho, compreendida a divisão por ciclos utilizada pela prefeitura do

município de São Paulo (SÃO PAULO, 2007a; SÃO PAULO, 2007b). Em tais referenciais, ainda

não houve adequação a nova legislação que determina o ensino fundamental em 9 (nove) anos.

A proposta de sistematização aqui analisada é realizada bimestralmente como propõe

o referencial seguido pela professora (SÃO PAULO, 2007a; SÃO PAULO, 2007b), mas a mesma

apresenta-se em dúvida sobre esta divisão temporal.

(...) é saber o que que dá para encaixar em cada bimestre e se... o que me questiona muito hoje... se é realmente necessário mudar por bimestre. Eu não sei se é tão necessário. Tem bimestre que, que nem esse agora. Eu me alonguei muito, mas não foi por mim, porque as coisas foram acontecendo. Havia necessidades, esse fechamento prolongou, foi rico em

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ginástica e em lutas. Então, assim, eu estou tendo um tempo espremido para trabalhar modalidades...

Tal posicionamento da professora pode estar relacionado ao fato de a mesma não

conceber a sistematização como fechada e sim como um processo em constante transformação,

estando relacionado às necessidades da comunidade escolar.

No QUADRO 1 (abaixo), a primeira coluna refere-se à sistematização proposta nos

cadernos da professora e a segunda a realidade efetivada em sala de aula, identificada através da

entrevista.

QUADRO 1 – Sistematização dos conteúdos da Educação Física Escolar - ciclo I e II – ano letivo

2009.

Proposta de sistematização – documentos pessoais da professora

Proposta de sistematização – entrevista

1° bimestre Jogos e brincadeiras (histórico e atividades práticas).

1° bimestre Jogos e brincadeiras (histórico e atividades práticas).

2° bimestre Danças folclóricas (princípios básicos) e lutas (vivências básicas).

2° bimestre Danças folclóricas.

3° bimestre Modalidades esportivas coletivas e ginástica artística e GRD.

3° bimestre Ginástica artística.

CICLO I

(1ª a 4ª série)

4° bimestre Atividades circenses; atletismo e tênis e tênis de mesa.

4° bimestre Lutas.

1° bimestre Tópicos da área da saúde. Descrição

principais ossos e músculos, capacidades físicas.

1° bimestre Atividade física e saúde. (Apenas a 5ª série que trabalhou a

ressignificação dos jogos e brincadeiras com ênfase na saúde).

2° bimestre Ritmo do corpo e do outro. Danças. 2° bimestre Ritmo do corpo e do outro. Danças folclóricas e atividades rítmicas.

3° bimestre Modalidades esportivas 3° bimestre Lutas.

CICLO II

(5ª a 8ª série) 4° bimestre Lutas. 4° bimestre Modalidades esportivas. Sendo para a 5ª série handebol e para a 7ª série

futsal e handebol.

Nota-se que a professora varia os conteúdos ao longo do ano tentando explorar as

diferentes manifestações da cultura corporal de movimento (esporte, ginástica, danças, lutas e

jogos). Em cada série é realizado um trabalho pedagógico diferente mesmo quando explorado um

mesmo tema ou conteúdo.

A disposição dos temas e dos conteúdos ao longo do ano parece retomar a dois

princípios básicos: o primeiro refere-se às necessidades e anseios dos alunos e o segundo

relacionado a eventos ocorridos na instituição escolar. Tal justificativa apresenta-se nas falas da

professora:

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Então, no começo do ano, eu pego meus alunos, o que que eles conhecem de Educação Física, tento fazer um processo de convencimento, de, tento mostrar o que que é, outras coisas que tem... é... questioná-los porque que eles não tiveram tudo, para que eu possa trazer coisas novas. É... eles já me dão ali muito feedback né? Do que eles gostaram, do que eles tiveram, do que eles aprenderam, do que eles ainda não aprenderam. Então, para mim, acaba vindo o que eles tem interesse, acaba sendo muito bom e muito... rico ... a partir disso eu começo (...) a traçar, a fechar realmente mais ou menos o que dá pra trabalhar em cada bimestre... (...) ginástica artística pro ciclo I. Porque é o momento agora. Eles já estavam corporalmente pedindo desde o começo aí, eu entrava na quadra eu via: estrelinha, inversão... olha professora! Eles ficavam mostrando o tempo todo. A hora que eu falei que ia ter eles piraram, eles surtaram de tanto que eles queriam. (...) também referente aos acontecimentos que tem na escola: festa junina, tem dia dos professores, tem um monte de coisa. Então assim, eu tento atrelar as coisas que tem para ver se eu não vou perder aquele conteúdo, se eu consigo “linkar” com... o acontecimento que tem que ter, passa a ter mais significado, a aprendizagem passa a ser mais fácil. Terceiro bimestre eu tinha pensado em modalidades esportivas porque tinha um campeonato, que tem uma competição lá pro município. Aí eu vi que não cabia pro ciclo II, eu falei: “Bem vamos deixar isso pro último, porque tem um campeonato pela escola!”

A sistematização proposta pela professora mostra-se flexível estando sempre atrelada

a sua finalidade principal à formação do cidadão. Desta forma, se em algum momento for

necessário realizar mudanças na proposta o foco estará mantido no objetivo central de sua

concepção de Educação Física Escolar.

Então, por exemplo, o ano passado, estava trabalhando acho que ginástica artística aí, de repente, precisou, a turma só se matava. Só se batia! Era “porradaria” a aula inteira. Falei: “Não, tem alguma coisa errada!” Parei e a gente começou a fazer um projeto (...) Mas é um projeto de cidadania que eu comecei a trabalhar respeito, saber ouvir... deu uma melhorada no final. Então, eu assim, abortei a situação de trabalhar um conteúdo específico, para trabalhar uma questão de formação do cidadão. Por que? Porque senão a aula não ia continuar, eles precisavam daquilo no momento.

A sistematização proposta encontra-se em construção e não tem por finalidade

encerrar-se em um modelo pronto. Pois, segundo a professora, o contexto escolar e o corpo discente

acabam norteando a sua ação pedagógica. Porém a docente acredita que a distribuição dos

conteúdos de forma organizada e o planejamento prévio de suas ações são de fundamental

importância para a sua atuação.

é engraçado porque assim é... eu aprendi que eu precisava planejar né? (risos). Como eu aprendi eu acabei ficando dependente disso. (...) Mesmo assim, para mim teria que ter uma sistematização porque, porque se não eu acho que não dá pra começar sem saber aonde você vai chegar ou pelo menos, ter uma noção de onde você vai chegar. (...) eu tento sistematizar antes, porque senão eu me perco, isso é um defeito meu, eu preciso às vezes de um papel para conseguir ter seqüência das coisas né? Eu faço nem que for um planejamento geral, depois eu vou especificando (...)

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Com a análise desta proposta, parece que a professora aqui estudada aprendeu

durante a sua ação docente a desenvolver uma forma de lidar com os problemas do dia-a-dia,

entendendo as necessidades de seus alunos e determinando formas eficazes de se trabalhar no

contexto escolar.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que a sistematização ainda é um assunto pouco abordado nas pesquisas em

Educação Física Escolar e que este processo necessita ser melhor definido para proporcionar uma

possível organização curricular da área (ROSÁRIO e DARIDO, 2005; KAWASHIMA et. al 1992).

Desta forma, a sistematização seria a organização lógica e coerente dos conteúdos ao longo dos

distintos anos escolares.

Neste trabalho, algumas sistematizações de Educação Física Escolar foram revistas

(HILDEBRANT e LAGING, 1986; TANI et. al., 1988; FREIRE, 1989; KUNZ, 1991; BETTI,

1992; SOARES et. al., 1992; DAÓLIO, 1996; RESENDE e SOARES, 1996; BRASIL, 1997, 1998,

1999; MATOS e NEIRA, 2004; SÃO PAULO, 2008). Nestas propostas, observou-se uma

necessidade em valorizar a Educação Física enquanto componente curricular, inserido dentro da

proposta pedagógica da escola atribuindo-lhe valor idêntico aos demais componentes. Nota-se como

principal contribuição, além da tentativa de organização curricular, a mudança de objetivo da área.

Deixou-se de lado a idéia de adestramento do corpo e focou-se em uma perspectiva que entende o

aluno enquanto ser humano histórico, produtor e possuidor de cultura.

A proposta de sistematização produzida pela professora pesquisada parece ter

surgido de uma necessidade pessoal para nortear sua própria ação docente. Tal indício sugere que

uma organização sequencial, pautada numa seleção, divisão e contextualização dos conteúdos na

Educação Física podem ser importantes para subsidiar o trabalho no âmbito escolar na busca de sua

autonomia profissional.

A sistematização realizada pela professora parece pautar-se nos pressupostos

descritos por Zabalza (1994), no qual, pensando em um modelo humanista de ensino, o autor

propõe que a seleção dos conteúdos não deve ocorrer de forma estática mas, deve ser dinâmica

promovendo uma formação baseada em objetivos claros.

Outro ponto considerado, é que na sistematização apresentada pela professora

pesquisada a concepção parece estar pautada no ensino da cultura corporal de movimento, no qual o

aluno deve vivenciar e refletir a maior variedade possível de elementos da cultura entendendo-os de

forma crítica.

Para a escolha dos elementos das manifestações presentes no universo da cultura

corporal de movimento, a professora pesquisada, tenta identificar os conhecimentos prévios e o

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patrimônio cultural de seus alunos. Desta forma, pode-se dizer, que existe uma relação entre o

contexto sócio-cultural do aluno com a sua sistematização. Assim, em sua proposta, o objetivo da

Educação Física está pautado sobre as perspectivas dos sujeitos participantes da ação pedagógica.

Em nossa análise, nota-se que em tal sistematização, não há uma concepção fechada

e rígida. Para a docente, este processo se constrói e se modifica ao longo dos anos, sofrendo

adaptações e transformações constantemente, através de suas análises e reflexões. Sendo que, a

experiência lhe atribuiu maior segurança para a construção de tal proposta.

Ressaltamos que a reflexão durante e após a ação docente deve ser contemplada

como uma fonte construtora do conhecimento prático dos docentes. “Através do processo de

reflexão, os professores acabam construindo um conhecimento que lhes auxilia em suas próprias

práticas.” (SOUSA e FERREIRA, 2007, p.44). As mudanças de postura da docente observada ao

longo de sua carreira parecem denotar que o conhecimento prático do professor vai se constituindo

de maneira contínua ao longo dos anos, em um processo permanente de reflexão e construção do

conhecimento, ou seja, este processo não ocorre de forma imediata.

Para concluir esta pesquisa, acredito, assim como Rosário e Darido (2005), que

mesmo em um país extenso e repleto de diferenças culturais como o nosso, uma proposta de

sistematização traria inúmeros benefícios aos professores e alunos de Educação Física, dentre os

quais podemos citar: maior reflexão sobre a atuação docente, melhoria no planejamento e inclusão

de outros elementos da cultura corporal.

Assim, concluo, através da análise da sistematização dos conteúdos de ensino de uma

professora de Educação Física do Ensino Fundamental, que o processo de organização curricular da

área deve ser pensado de forma a estruturar os diferentes elementos da cultura corporal de

movimento de modo dinâmico, considerando a realidade escolar envolvida e os sujeitos da ação,

sendo constantemente refletida e re-significada de valor ao contexto no qual será aplicada.

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