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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA POLÍTICAS PÚBLICAS: PROGRAMAS SOCIAIS FEDERAIS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA – BOLSA FAMÍLIA João Pessoa /PB 2005 ALDACY DE PAIVA COSTA

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARABA CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO CURSO DE ESPECIALIZAO EM GESTO PBLICA

    POLTICAS PBLICAS: PROGRAMAS SOCIAIS FEDERAIS DE TRANSFERNCIA DE RENDA BOLSA FAMLIA

    Joo Pessoa /PB

    2005

    ALDACY DE PAIVA COSTA

  • POLTICAS PBLICAS E PROGRAMAS SOCIAIS FEDERAIS DE TRANSFERNCIA DE RENDA : BOLSA FAMLIA

    Monografia apresentada ao curso de especializao em Gesto Pblica, promovido pela Universidade Estadual da Paraba em convnio com o Governo do Estado da Paraba, como requisito parcial para obteno do Grau de Especialista em Gesto Pblica.

    Orientadora : Prof Dra. Auri Donato da

    Costa Cunha

    Joo Pessoa//PB

    2005

  • POLTICAS PBLICAS E PROGRAMAS SOCIAIS DE TRANSFERNCIA DE RENDA: BOLSA FAMLIA

    MONOGRAFIA APROVADA EM ___/___/___

    Prof Auri Donato da Costa Cunha

    Examinador

    Examinador

    Joo Pessoa/PB

    2005

  • RESUMO

    O estudo em foco teve como objetivo analisar a atuao do Programa Bolsa Escola junto aos beneficirios no Centro de Cidadania IDALIA DA SILVA LIMA AZEVEDO na cidade de Joo Pessoa/PB, no conjunto dos Bancrios. A pesquisa foi realizada com os beneficirios do referido programa. As entrevistas foram realizadas no Centro da Cidadania, centro este pertencente a Coordenadoria do Programa Bolsa Famlia em Joo Pessoa. Discorreu sobre a questo da distribuio de renda no Brasil; abordou sobre as polticas pblicas de transferncia de renda e apontou o grau de impacto na melhoria da qualidade de vida dos beneficirios do programa. Concluiu-se que o grau de impacto na melhoria da qualidade de vida das famlias do programa tem sido satisfatrio. Os dados obtidos atravs da pesquisa de campo revelaram que muito embora 70% dos entrevistados tenham feito algumas crticas negativas em relao ao Programa, tambm reconhecem a relevncia do mesmo. Constatou-se tambm, a importncia do Programa para toda a sociedade envolvida no contexto onde esto inseridas as famlias contempladas. Palavras-chave: Polticas Pblicas; Programas Sociais; Bolsa Famlia.

  • ABSTRACT

    The study in focus jun had as objective to analyze the performance of the Program Stock market School you to the beneficiaries in the Centro de Cidadania IDALIA DA SILVA LIMA AZEVEDO in the city of Pessoa/PB Joo, in the set of the Bank clerks. The research was carried through with the beneficiaries of the related program. The interviews had been made in the Center of the Citizenship, center this pertaining a Coordenadoria of the Bolsa-Famlia Program in Joo Pessoa. It discoursed on the question of the distribution of income in Brazil; it approached on the public politics of income transference and pointed the degree of impact in the improvement of the quality of life of the beneficiaries of the program. It concluded that the degree of impact in the improvement of the quality of life of the families of the program has been satisfactory. The data gotten through the field research had disclosed that much even so 70% of the interviewed ones have made some critical ones, also recognize the relevance of the Program. It was also evidenced, the importance of the Program for all the involved society in the context where the benefited families are inserted. Key-words: Polticas Public; Social Programs; Bolsa Famlia.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO.......................................................... 09 1.1 Objetivos 12 1.1 Consideraes Metodolgicas............................ 13 2 FUNDAMENTAO TERICA ......................... 20 2.1 Renda: Breve Histrico 20 2.2 A Distribuio de Renda no Brasil.............................. 24 2.3 A M Distribuio de Renda: Fatores Histricos........... 28

    3 POLTICAS PBLICAS DE INCLUSO SOCIAL...58 3.1 Do Fome Zero a Bolsa Famlia.................................... 61 3.2 Planejamento Execuo do Programa Bolsa Famlia.... 66 4 ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS.................... 70 CONSIDERAES FINAIS........................................... 73 REFERNCIAS............................................. 75 APNDICE 78

  • 1 INTRODUO

    O Programa Bolsa Famlia, do Governo Federal, o maior e mais

    ambicioso programa de transferncia de renda da histria do Brasil. O Bolsa

    Famlia nasce para enfrentar o maior desafio da sociedade brasileira, que o de

    combater a fome e a misria, e promover a emancipao das famlias mais pobres

    do pas. Atravs do Programa o Governo Federal concede mensalmente

    benefcios em dinheiro para famlias em situao de excluso social, com renda

    per capita de at R$ 100,00(cem reais), que associa transferncia do benefcio

    financeiro o acesso aos direitos sociais bsicos sade, alimentao, educao e

    assistncia social.

    O Bolsa Famlia criado pela Lei n 10.836, de 9 de janeiro de 2004, unificou

    todos os benefcios sociais (Bolsa Escola, Bolsa Alimentao, Carto Alimentao

    e Auxlio Gs) do governo federal num nico programa. A medida visa dar mais

    agilidade na liberao do dinheiro a quem precisa, reduziu burocracias e criou

    mais facilidade no controle dos recursos, dando assim mais transparncia ao

    programa.

    Os programas de transferncia de renda, alm de beneficiar as famlias

    pobres, esto aumentando o dinheiro em circulao nos municpios. Em

    comparao com as transferncias constitucionais obrigatrias, como o Fundo de

    Participao dos Municpios (FPM), o Bolsa Famlia equivale a um adicional de

    repasse de 18,6% do FPM do conjunto dos municpios brasileiros. Ao se somar

  • com os demais programas, as transferncias de renda do governo federal

    equivalem a 33,9% do FPM (Programa Fome Zero - www.fomezero.gov.br).

    O Bolsa Famlia est presente em 5.521 municpios do Pas. Em setembro

    de 2004, o programa atendeu mais de 5 milhes de famlias, de acordo com os

    nmeros do Ministrio de Desenvolvimento e Combate a Fome (MDS). A meta

    prevista pelo governo chegar a 8,7 milhes em 2005 e, em 2006, 11,2 milhes,

    ou seja, todas as famlias pobres, conforme dados do IBGE.

    Segundo os critrios do programa, as famlias com renda per capita

    mensal de at R$ 50,00 recebem um benefcio bsico de R$ 50,00 mais um valor

    varivel de R$ 15,00 por filho de at 15 anos(Bolsa Escola), gestantes e nutrizes,

    at o limite de R$ 45,00. O dinheiro entregue mensalmente s famlias por meio

    de carto magntico, atravs da Caixa Econmica Federal, rgo que

    operacionaliza o Programa.

    Implantado em outubro de 2003, dentro do conjunto de aes do Fome

    Zero, o Bolsa Famlia unificou os programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentao,

    Carto Alimentao e Auxilia Gs. O objetivo foi dar proteo integral a todo grupo

    familiar, alm de reduzir custos operacionais. Com a mudana, o governo

    aumentou os recursos destinados a cada famlia e, ainda, o nmero de

    beneficirios. Est, tambm, integrando as polticas sociais. Aps a unificao, o

    valor mdio do benefcio por famlia triplicou, passando de R$ 24,00 para R$

    73,00, em mdia.

    O Cadastro nico, principal ferramenta do Programa Bolsa Famlia visa

    assegurar a participao de todas as famlias pobres em polticas sociais bem

  • como melhorar o uso dos recursos pblicos, principalmente porque evita

    sobreposio de programas.

    Principal programa de transferncia de renda do Governo Federal, o Bolsa

    Famlia est presente em mais de 6,5 milhes de lares e a meta chegar a todas

    as famlias que atendam aos critrios do programa at o fim de 2006.

    O Programa Bolsa Famlia vem com uma perspectiva de que capaz de

    minimizar a pobreza no nosso pais, tendo como agravante a m distribuio de

    renda; como importante gerador de renda nos municpios; forte arma de combate

    a pobreza juntamente com a oferta de programas complementares que

    possibilitem a sada da condio de pobreza.

    Portanto, observando as condies de dificuldades enfrentadas pelo

    Governo Federal especificamente no processo de gesto do beneficio e apesar do

    trabalho das instncias de governo que compem da Rede Pblica de

    Fiscalizao do Bolsa Famlia, de extrema importncia que o programa seja

    acompanhado pela sociedade civil, alm disso, se faz necessrio uma pesquisa

    para avaliar os impactos do Bolsa Famlia, visando estimar o impacto do referido

    programa na economia dos municpios e mensurar sua importncia na melhoria

    das condies de vida de seus beneficirios, a partir de um diagnstico, utilizando

    como universo de pesquisa o municpio de Joo Pessoa, Paraba.

    Considerando estas questes como relevantes, a pesquisa em foco teve

    por objetivo analisar aspectos do Programa, entre os quais partiu-se das seguintes

    hipteses: o Programa Bolsa Famlia est contribuindo para melhorar a qualidade

    de vida das famlias beneficiadas, atingindo os objetivos do Programa Fome Zero,

  • programa este que visa reduzir o grau de misria entre as famlias brasileiras, bem

    como vem cumprido o seu objetivo dentro das metas do Programa Bolsa Escola,

    no sentido de erradicar o ndice de analfabetismo?

    1.1 OBJETIVOS

    1.1.1 Objetivo Geral:

    Analisar a contribuio o Programa Bolsa Famlia do Governo Federal na

    melhoria da qualidade de vida de seus usurios.

    1.1.2 Objetivos Especficos:

    Analisar o grau de impacto dos programas de transferncia de renda sobre

    a populao beneficiria;

    Averiguar a eficincia das polticas pblicas de transferncia de renda e

    gesto do programa Bolsa Famlia;

    Identificar e analisar o grau de impacto na melhoria da qualidade de vida de

    seus beneficirios.

  • 1.2 Consideraes Metodolgicas

    1.2.1 Caracterizao do Estudo

    Toda e qualquer classificao de pesquisa se faz mediante algum

    critrio. Assim, usual a classificao de pesquisas com base em seus objetivos

    gerais, podendo ser classificadas em trs grandes grupos: exploratria,

    descritiva e explicativa (LAKATOS, 2004).

    A pesquisa exploratria vista como o primeiro passo de todo o

    trabalho cientfico. Este tipo de pesquisa tem por finalidade, especialmente quando

    se trata de pesquisa bibliogrfica, proporcionar maiores informaes sobre

    determinado assunto; facilitar a delimitao de uma temtica de estudo; definir os

    objetivos ou formular as hipteses de uma pesquisa ou, ainda, descobrir um novo

    enfoque para o estudo que se pretende realizar. Pode-se dizer que a pesquisa

    exploratria tem como objetivo principal o aprimoramento de idias ou a

    descoberta de intuies.

    Na maioria dos casos, a pesquisa exploratria envolve: a) levantamento

    bibliogrfico; b) entrevistas com pessoas que tiveram experincias prticas com o

    problema pesquisado; c) anlise de exemplos que estimulem a compreenso do

    fato estudado.

    Atravs da pesquisa exploratria avalia-se a possibilidade de se

    desenvolver um estudo indito e interessante, sobre uma determinada temtica.

    Sendo assim, este tipo de pesquisa tem como objetivo proporcionar maior

  • familiaridade com o problema, com vistas a torn-lo mais explcito. De um modo

    geral, esta pesquisa constitui um estudo preliminar ou preparatrio para outro tipo

    de pesquisa. Embora o planejamento da pesquisa exploratria seja bastante

    flexvel, quase sempre ela assume a forma de pesquisa bibliogrfica ou de estudo

    de caso.

    A pesquisa bibliogrfica procura explicar um problema a partir de

    referncias tericas publicadas em documentos. Pode ser realizada

    independentemente ou, tambm, como parte da pesquisa descritiva ou

    experimental, quando feita com o intuito de recolher informaes e

    conhecimentos prvios acerca de um problema para o qual se procura resposta ou

    acerca de uma hiptese que se quer experimentar. Em ambos os casos, busca-se

    conhecer e analisar as contribuies culturais ou cientficas existentes sobre um

    determinado assunto, tema ou problema. A pesquisa bibliogrfica abrange toda a

    bibliografia j tornada pblica em relao ao tema de estudo, desde publicaes

    avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material

    cartogrfico e meios de comunicao como rdio, gravaes em fita magntica e

    audiovisuais (filmes e televiso) (LAKATOS, 2004).

    O estudo de caso caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de

    um ou de poucos objetos, de maneira que permita a investigao de seu amplo e

    detalhado conhecimento. Por essa razo cabe lembrar que, embora este tipo de

    estudo se processe de forma relativamente simples, pode exigir do pesquisador

    nvel de capacitao mais elevado que o requerido para outros tipos de

    delineamento, devido dificuldade de generalizao dos resultados obtidos,

  • quando a unidade escolhida para a investigao for bastante anormal em relao

    s muitas de sua espcie.

    Este estudo caracteriza-se por grande flexibilidade, sendo impossvel

    estabelecer um roteiro rgido que determine com preciso como dever ser

    desenvolvida a pesquisa. Porm, na maioria dos estudos de caso, possvel

    distinguir as seguintes fases: delimitao da unidade-caso; coleta de dados;

    anlise e interpretao dos dados; e redao do relatrio.

    A difuso deste tipo de estudo est ligada prtica psicoteraputica,

    caracterizada pela reconstruo da histria do indivduo, bem como ao trabalho

    dos assistentes sociais junto a indivduos, grupos e comunidades. Atualmente, o

    estudo de caso adotado na investigao de fenmenos das mais diversas reas

    do conhecimento.

    A pesquisa descritiva procura observar, registrar, analisar, classificar

    e interpretar os fatos ou fenmenos (variveis), sem que o pesquisador interfira

    neles ou os manipule. Este tipo de pesquisa tem como objetivo fundamental a

    descrio das caractersticas de determinada populao ou fenmeno. Ou, ento,

    o estabelecimento de relaes entre variveis, isto , aquelas que visam estudar

    as caractersticas de um grupo: sua distribuio por idade, sexo, procedncia,

    nvel de escolaridade, estado de sade fsica e mental, e outros. Procura

    descobrir, com a preciso possvel, a freqncia com que um fenmeno ocorre,

    sua relao e conexo com os outros, sua natureza e caractersticas.

    So inmeros os estudos que podem ser classificados como pesquisa

    descritiva e uma de suas caractersticas mais significativas a utilizao de

  • tcnicas padronizadas de coletas de dados, tais como o questionrio e a

    observao sistemtica, e instrumentos como a observao e o formulrio.

    Algumas pesquisas descritivas vo alm da simples identificao da

    existncia de relaes entre variveis, objetivando determinar a natureza dessa

    relao aproximando-se, assim, da pesquisa explicativa.

    A pesquisa descritiva pode assumir diversas formas e, de um modo

    geral, assume a forma de um levantamento, sendo mais realizada por

    pesquisadores das reas de cincias humanas e sociais, preocupados com a

    atuao prtica. tambm utilizada por instituies educacionais, partidos

    polticos, empresas, e outras organizaes.

    A pesquisa explicativa, alm de registrar, analisar e interpretar os

    fenmenos estudados, tem como preocupao primordial identificar os fatores que

    determinam ou que contribuem para a ocorrncia dos fenmenos, isto , suas

    causas. Este o tipo de pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da

    realidade, porque explica a razo e o porqu das coisas.

    O presente estudo caracteriza como descritivo e a investigao de

    cunho bibliogrfico, documental e exploratria.

    Quanto aos meios de investigao um estudo de caso, porque

    investiga um fenmeno contemporneo dentro de seu contexto real, quando as

    fronteiras entre o fenmeno e o contexto no so claramente evidentes, utilizando

    assim mltiplas fontes de evidncias, como documentos e bibliografias (textos,

    artigos, relatrios entre outros) relacionados aos Programas de Transferncia de

    Renda, e para uma melhor compreenso desse tema faz jus, at porque a

    literatura sobre polticas pblicas no muita vasta, um maior enfoque sobre a

  • distribuio de renda no Brasil. Adentrando, ser abordado o assunto polticas

    pblicas para transferncia de renda, especificando o Programa Bolsa Famlia.

    Universo/amostra

    O estudo foi realizado no CENTRO DA CIDADANIA IDLIA DA SILVA

    LIMA AZEVEDO Bancrios, na cidade de Joo Pessoa, onde foram

    entrevistadas famlias, as quais so beneficiadas com o referido programa, Centro

    este pertencente a Coordenadoria do Programa Bolsa Famlia, local onde

    realizado o cadastramento e o recadastramento das famlias residentes naquelas

    imediaes. Apenas a populao que estava presente para fazer o

    recadastramento que foi entrevistada, visto que j dispunha das informaes

    para serem analisadas no presente trabalho.

    Assim o presente estudo foi desenvolvido com base em dados

    secundrios e primrios, no primeiro caso foram pesquisados livros, documentos,

    artigos, e revistas sobre o assunto especificamente. Quanto aos dados primrios,

    a coleta foi realizada atravs da aplicao de questionrios, em funo da

    homogeneidade dos elementos, cerca de 2% do universo, contendo itens com

    perguntas fechados e abertas, objetivando uma maior preciso das informaes,

    bem como fidelidade, da realidade a ser investigada, considerando as seguintes

    variveis: renda, moradia, sade, lazer, bens materiais entre outros.

    Instrumento da pesquisa

  • Foi utilizado como instrumento da pesquisa a entrevista semi-

    estruturada e previamente elaborada, bem como formulrio com questes aberta e

    fechadas, aplicado junto a populao beneficiada com o Programa Bolsa Famlia

    do Governo Federal, conforme descrito no item universos da amostra.

    Anlise dos dados

    A anlise dos dados ocorreu a partir dos resultados obtidos atravs

    da aplicao dos formulrios, instrumento direto de coleta de dados, para

    identificar os fatores que interferem no controle efetivo do Programa, alm de

    estimar o impacto na economia dos municpios e mensurar sua importncia na

    melhoria das condies de vida do grupo familiar. Os dados obtidos sero

    analisados com base em um enfoque no mtodo quanti/qualitativo e apresentado

    em forma de tabela e discutido luz da literatura pertinente.

  • 2 FUNDAMENTAO TERICA

    Renda: Breve Histrico

    Para um melhor entendimento do tema relacionado as polticas pblicas

    de transferncia de renda, parte-se do princpio que se faz necessrio conhecer o

    que significa renda. A renda, de acordo com Silva (1996), pode ser tomada no

    sentido amplo e no sentido restrito. Num sentido amplo, todas as categorias da

    repartio (renda, salrios, juros, lucros e impostos), podem ser considerados

    como renda; da os estudos da Renda Nacional que englobam todas as espcies

    do sistema econmico.

    Segundo Vasconcellos (1996, p. 92) a Renda Nacional :

    agregado representativo do fluxo dos recursos nacionais em bens e servios, gerados ao longo de um determinado perodo. Inclui salrios, rendimentos de profissionais liberais, lucros privados e lucros obtidos por empresas pblicas, juros, aluguis e receitas provenientes de arrendamento.

    Antigamente, porm, a palavra renda era usada em sentido restrito.

    Tratava-se do pagamento ou remunerao que cabia ao proprietrio do solo, no

    qual so encontrados os bens durveis da natureza, tais como as quedas dgua,

    as jazidas, os terrenos cultivveis, as minas entre outros.

    Apesar de ser um dos captulos mais antigos da humanidade, as

    questes que envolvem renda no perdeu a atualidade, pois at hoje o problema

  • continua o mesmo: saber como repartir entre todos de maneira satisfatria, o

    resultado da produo. A concentrao da renda nas mos de poucos outro

    desafio para o governo, os economistas e cientistas sociais.

    A distribuio de renda nacional ou social, de acordo com SILVA

    (1996), uma teoria que procura explicar, do ponto de vista da poltica social-

    democrtica como o produto nacional repartido entre os diversos agentes

    econmicos.

    Para um melhor entendimento do que se trata a repartio e sua

    origem, necessrio conhecer fatores que concorrem ou influem na produo,

    que so:

    Terra Trabalho Capital

    Com o desenvolvimento da sociedade, de modo geral, a produo

    passou a ser conseguida por meio de empresas (comerciais, industriais, agrcolas

    entre outros). Por ser de tamanha importncia a incluso da empresa na vida

    moderna, esta passou a ser considerada como um novo fator de produo, isto ,

    um quarto fator.

    Com a formao de muitas empresas de produo, surge outro

    fenmeno, que o de repartio. De certa forma, as empresas devem ser

    consideradas como unidades encarregadas da repartio ou da distribuio de

    renda, assim como da produo.

    O que determina esta distribuio , antes de mais nada, o montante

    de salrios, o qual deduzido do produto, deixa como resduo, nas mos dos

  • capitalistas ativos ou empresrios, o lucro bruto, ficando para eles a tarefa de

    dividir ou fazer a distribuio da renda com os subordinados.

    Dadas estas consideraes, pode-se dar um outro conceito sobre

    repartio, sendo que este conceito se baseia na chamada repartio funcional

    da renda, que segundo Silva (1996, p. 81) a repartio ou distribuio significa

    dividir entre os proprietrios dos fatores de produo o resultado obtido com a

    venda dos bens e servios.

    Quanto a essa questo, Troster (1996, p. 205) afirma que a

    distribuio funcional da renda refere-se repartio da renda entre os fatores de

    produo, fundamentalmente o trabalho e o capital.

    A repartio encontra fundamento no direito de propriedade, que

    significa o direito de cada pessoa dispor livremente das coisas que lhe pertencem.

    Ao Estado cabe assegurar o direito de propriedade, dentro de sua funo geral de

    atender ao bem coletivo. A influncia do Estado no sistema econmico to

    preponderante que o mesmo passou a ser considerado parte integrante do

    sistema.

    O Estado para atingir seus fins, precisa do concurso de funcionrios

    civis, militares, tem que adquirir bens e servios entre outros, e, para manter sua

    ao, necessita de recursos que vai obter dos particulares, em forma de

    contribuies ou tributos (impostos e taxas).

    Estando ciente destes aspectos mencionados, pode-se concluir que a

    distribuio de renda em um pas, dentre os diferentes agentes econmicos, o

    resultado no s das rendas obtidas livremente por meio dos fatores produtivos,

  • mas tambm ela ser condicionada pela ao do setor pblico por meio da

    poltica distributiva impostos e subsdios.

    Para se entender a repartio da renda impossvel no levar em

    considerao a atuao do Estado, uma vez que este um dos nicos rgos que

    possui o poder de intervir no sistema econmico, tendo a capacidade de diminuir

    as diferenas exageradas de renda, e para esta finalidade o Estado utiliza a

    poltica distributiva, que segundo Troster (1994, p. 206) uma poltica que

    compreende um conjunto de medidas cujo objetivo principal modificar a

    redistribuio da renda entre os indivduos ou grupos sociais.

    Os instrumentos que dispe a poltica de distribuio de renda so,

    fundamentalmente:

    Sistema Tributrio ou Impostos instrumento quantitativamente

    mais relevante dentro da poltica distributiva. De acordo com Troster (1994, p. 206)

    os impostos so definidos como

    uma imposio do Estado a indivduos, unidades familiares e empresas, para que paguem uma certa quantidade de dinheiro em relao a determinados atos econmicos, por exemplo, ao realizar o consumo de um bem, ao obter receitas pelo trabalho ou ao gerar lucros nas empresas.

    Os gastos com transferncia de renda, entre os quais cabe ser

    destacados os que correspondem ao seguro-desemprego e os subsdios

    associados poltica educacional, ainda segundo o autor (p. 208), as

    transferncias so as provises que se realizam sem a proviso correspondente

    de bens e servios por parte do receptor. As transferncias buscam garantir uma

  • base mnima do nvel de vida para todos os indivduos e dar igualdade primria na

    distribuio de renda.

    Assim, aquelas medidas que implicam interveno direta no

    mecanismo de mercado essas medidas passam a atuar no processo de

    formao de receitas, isto , sobre as foras da demanda e oferta de mo-de-obra

    e sobre outros fatores da produo tais como capital, a exemplo, a imposio de

    salrios mnimos, a limitao dos dividendos e dos aluguis e os controles sobre

    os preos geralmente de artigos de primeira necessidade.

    2.2 A Distribuio de Renda no Brasil

    O Brasil historicamente tem apresentado um padro de renda bastante

    desigual. Nos anos 90 o governo brasileiro buscou melhorar o padro de renda

    atravs da estabilizao da economia. De fato, aps a implementao do Plano

    Real (1993/94), que foi muito bem sucedido em reduzir a taxa de inflao no pas,

    o padro de distribuio de renda melhorou de maneira consistente.

    A estabilizao dos preos no Brasil foi muito importante na melhora da

    distribuio de renda porque o setor informal da economia, que bastante

    significativo na economia brasileira, predominantemente composto de indivduos

    com baixa renda no tinha como se proteger da perda do poder de compra.

    De acordo com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o

    ndice de Gini da renda dos chefes de famlias evoluiu de 0,6366 em 1991 para

  • 0,6090 em 2000, indicando um clara melhora. Entretanto, o ndice de Gini da

    renda familiar regrediu de 0,5698 em 1987 para 0,5813 em 1996, o que poderia

    sugerir uma piora no padro da renda familiar. Este ltimo dado porm considera

    todas as rendas alm da renda do trabalho, que tendem a serem rendas

    subestimadas nos bancos de informaes do IBGE.

    Uma anlise de mais longo prazo revela que houve uma melhora no

    padro de renda nos anos 90 comparado com o final da dcada de 80, mas no

    uma melhora em relao ao incio desta mesma dcada. Todavia, considerando

    que a dcada de 90 reverteu o padro de crescimento da desigualdade, iniciado

    na segunda metade dos anos oitenta, este resultado foi bastante relevante para a

    sociedade brasileira. Alm disso, vale ressaltar que a melhora aps o plano Real

    foi mais consistente do que a do incio da dcada de 90, pois esta estava

    associada com recesso.

    Um aspecto importante da desigualdade de renda no Brasil est

    relacionado com a distribuio setorial de renda, ou seja, a participao de cada

    setor da economia no produto comercializado; com a diviso pessoal de renda,

    isto , o grau de concentrao de rendimentos entre os residentes deste pas e

    com a desigualdade de renda regional, a regio Sudeste extremamente mais

    rica do que as demais macro regies do pas. Alm disso, consideradas as

    distribuies de renda internas em cada regio, verifica-se que Sul e Sudeste

    apresentam melhor padro de distribuio de renda do que as demais regies.

    Nos anos 90 houve uma melhora na desigualdade dentro das regies,

    acompanhando a melhora geral do pas, mas entre as regies a desigualdade

    permaneceu inalterada. Sobre a distribuio interna de cada regio pode-se dizer

  • que as regies Norte e Nordeste continuaram a apresentar um padro de

    desigualdade maior dos que as demais regies.

    H concentrao de renda na regio Sudeste e melhor evidenciada ao

    comparamos estes dados com a diviso territorial ou com a repartio da

    populao por regio. O Sudeste tem pouco mais de 42% da populao brasileira,

    mas responde por quase 60% da renda nacional; j o Nordeste tem pouco menos

    de 30% da populao e menos de 15% da renda nacional, o que faz com que o

    rendimento mdio da regio Sudeste seja praticamente o triplo do rendimento

    mdio da regio Nordeste. Nota-se tambm, que h um ligeiro processo de

    modificao da participao regional na renda, com o crescimento das regies

    Norte e Centro-Oeste, com queda para a regio Sudeste, devido evoluo da

    fronteira agrcola e ao desenvolvimento subseqente que ela acarreta. A forte

    concentrao regional, porm, ainda se faz presente. O Sudeste responde por

    praticamente 60% da renda nacional, enquanto o Norte e o Centro-Oeste

    somadas so responsveis por apenas 10% desta renda.

    Outra mudana ocorrida no Brasil nos anos 90 foi a distribuio da

    renda do trabalho das mulheres, de acordo com o IBGE a mdia de salrios

    aumentou de 28,7% em termos reais entre 1989 e 1999. A mdia de salrios dos

    homens, entretanto, diminuiu de 14,7% no mesmo perodo, resultado que pode

    estar relacionado com aumento de concorrncia devido a entrada das mulheres no

    mercado de trabalho.

    Estes resultados e a considervel estabilidade de preos desde 1994

    tm sugerido novas discusses e estudos sobre polticas para continuao do

    processo de melhora do padro de distribuio de renda no pas, pois o grau de

  • desigualdade social, na atualidade ainda alarmante. Outra motivao tem sido

    ao conseqente aumento de outros problemas sociais, tais como o da

    criminalidade e da violncia urbana, especialmente nas grandes metrpoles.

    As pesquisa realizadas, no contexto atual, aponta, sobretudo, a

    importncia da educao para reduzir a desigualdade de renda, compreendendo

    desde trabalhos baseados na teoria do capital humano at aqueles, mais ligados

    classe poltica, que sugerem simplesmente transferncias de renda para famlia

    com filhos em idade escolar.

    A alta concentrao de renda da economia brasileira tambm pode ser

    observada quando seus nmeros so comparados com os do resto do mundo. O

    Brasil disputa a liderana da pior distribuio de renda com Honduras, Guatemala

    e Guin-Bissau. Mesmo pases de baixo desenvolvimento econmico, como a

    Etipia ou Uganda, tem distribuio de renda muito melhor que a brasileira. Nos

    pases desenvolvidos, em mdia, os 20% mais ricos tem uma renda que oito ou

    dez vezes superior que quela dos 20% mais pobres, enquanto no Brasil essa

    diferena de 25 vezes maior.

    Utilizando o ndice ajustado pela ONU, o Brasil cai ainda mais no

    ranking e passa a ser o 70, sendo considerado o pas de pior distribuio pessoal

    de renda do mundo.

  • 2.3 A M Distribuio de Renda no Brasil: Fatores Histricos

    A m distribuio de renda no Brasil busca explicaes na sua histria.

    Por um lado, tem-se o perodo colonial, no qual as terras foram distribudas em

    grandes latifndios, aos quais poucos tiveram acesso, e isto no foi reformulado

    depois da Independncia ou da Proclamao da Repblica. Por outro lado, o

    processo de industrializao por substituio de importao adotou tecnologias

    que utilizavam intensivamente o fator capital em vez de mo-de-obra, isto num

    pas onde a intensidade dessa mesma mo-de-obra foi inferior quela dos

    detentores do capital.

    Sobre o processo industrializao, Mello (1986) acrescenta que

    desenvolvimento industrial brasileiro pode ser caracterizado como um processo

    retardatrio de expanso do capitalismo, querendo indicar, com isso, tanto o

    momento histrico mais geral do qual o pas partiu rumo industrializao, quanto

    a base material interna que definiria o potencial de superao de certas etapas

    necessrias ao longo do tempo.

    De acordo com esta viso, as especificidades da industrializao

    retardatria podem ser acompanhadas a partir de um esquema endgeno de

    investigao para o processo de acumulao de capital que se pe em curso a

    partir da dcada de 1930. Sua natureza estava localizada em dois vetores: a) o

    ponto de partida da industrializao brasileira, que residia no fato de a economia

    nacional estar assentada, no sculo XIX, sobre uma atividade produtiva de

  • natureza tipicamente exportadora, o complexo cafeeiro; e b) o momento da partida

    da industrializao nacional em termos mundiais, que estava j marcada pelo

    capitalismo monopolista em escala global.

    Nestes termos, os principais fatores condicionantes do retardo da

    industrializao brasileira podem ser resumidos nos seguintes elementos.

    Primeiro, no que toca natureza do processo social de acumulao capitalista,

    verifica-se que

    a posio subordinada da economia brasileira na economia mundial est duplamente determinada: pelo lado da realizao do capital cafeeiro e pelo lado da acumulao do capital industrial. Esta dependncia resulta da no constituio de foras produtivas capitalistas (MELLO; 1986, p. 108).

    Segundo, no que se refere estruturao do mercado de trabalho

    brasileiro, o fato de ter perdurado, aps a abolio da escravido, um imenso

    contingente de trabalhadores no incorporveis pela emergncia e expanso dos

    mercados domsticos, aspecto este responsvel tanto pela manuteno de uma

    estrutura concentrada da renda e da riqueza, quanto pela reproduo da pobreza

    e da marginalizao social no campo e mesmo nas cidades. Situao esta que se

    agravaria com a importao de mo-de-obra estrangeira no comeo do sculo,

    mediante uma macia imigrao europia e japonesa, dando origem a um

    mercado de trabalho de base muita ampla, com grande excedente estrutural de

    fora de trabalho. Como ponto relevante considera-se , as dimenses estreita e

    subordinada do mercado interno em relao dinmica comportamental do

    complexo cafeeiro, principalmente at os anos de 1930, quando um novo padro

    se estabeleceria na dinmica de acumulao de capital no pas.

  • Entre 1933/55, grosso modo, a economia brasileira teria se movido

    segundo a lgica da industrializao restringida, de acordo com a qual o

    movimento da acumulao esteve fundado na expanso industrial interna. O

    movimento endgeno de acumulao de capital no pas era, porm, restrito, pelo

    fato de as bases tcnicas e financeiras apresentarem-se ainda incapazes de

    prover as condies indispensveis implantao e consolidao do setor

    produtor de bens de capital. por esta razo que a industrializao restringida se

    move segundo um padro de acumulao limitado em trs dimenses: pela a da

    capacidade para importar, pelo lado da questo tecnolgica e de escala mnima, e

    pela da insero do Estado na esfera econmica (MELLO, 1986).

    Apesar disto, no perodo de industrializao pr Juscelino Kubischek

    (JK), a expanso da renda gerada internamente engendrava a constituio de

    uma estrutura de demanda compatvel com a ampliao da estrutura produtiva,

    apontando para a possibilidade de homogeneizao dos padres de consumo da

    maioria da populao urbana, tendncia esta que alterada profundamente no

    perodo seguinte de industrializao.

    O segundo momento da industrializao brasileira se concretizaria

    entre 1956/61, mediante a efetivao do Plano de Metas no perodo JK, a partir de

    quando se pode falar de uma industrializao pesada no pas. Mas o nascimento

    tardio da indstria pesada implicava uma descontinuidade tecnolgica dramtica

    (MELLO; 1986, p. 112), apenas solucionada com uma certa diviso industrial do

    trabalho, sobre a qual se conformaria o trip da industrializao brasileira.

  • Com a consolidao de uma cadeia industrial complexamente

    articulada, a economia brasileira passava a comportar-se segundo uma dinmica

    estruturalmente cclica, de forma que, aps a fase inicial de expanso do enorme

    bloco de inverses produtivas devidas ao Plano de Metas, o sistema adentraria

    numa fase de desacelerao, marcada pela queda das taxas de crescimento do

    produto e do emprego, pelo desequilbrio do balano de pagamentos e por uma

    acelerao dos nveis de inflao. Todos estes, aspectos que evidenciavam tanto

    os desajustes ainda presentes entre as estruturas de oferta e demanda, como

    tambm uma crise de realizao do potencial de acumulao crescente. Viriam

    tona fortes suspeitas quanto ao trmino e adequao do processo de

    industrializao no Brasil e, principalmente, quanto idia de que a

    (auto)determinao do capital seria capaz de assegurar, de fato, tanto a

    reproduo ampliada do sistema como a superao da dependncia e do

    subdesenvolvimento nacional.

    O aspecto fundamental neste momento era o descolamento entre o

    processo de constituio da estrutura de consumo interna que se vinha gestando

    desde 1930 e a nova estrutura de produo que se sobrepunha estrutura

    vigente, instaurando-se num curto espao de tempo no pas. A concentrao da

    renda pessoal nos dois decis superiores da distribuio operava como soluo

    no definitiva aos novos problemas de realizao que passariam a fazer parte da

    economia brasileira:

    a nova descontinuidade que se coloca para a distribuio da renda pessoal surge quando, uma vez internalizado o efeito-

  • demonstrao de padres de consumo das classes altas na prpria configurao do aparato produtivo, se requer expandir o mercado interno das novas indstrias de consumo durvel instaladas sob forte proteo do exterior, e cujos preos absolutos requerem consumidores com rendas muito superiores mdia nacional. O problema no reside pois no efeito-demonstrao, mas na necessidade de antecipar a demanda, quer dizer, distribuir a renda de modo mais concentrado, uma vez esgotada a reserva de mercado existente (TAVARES; 1979, p. 54).

    A redistribuio da renda pessoal em favor dos novos estratos

    consumidores, e contra os assalariados e consumidores de base, consolidava

    uma grande disperso na estrutura de remuneraes da economia brasileira. O

    descompasso provocado por esta caracterstica singular da dinmica de

    funcionamento do modelo brasileiro se expressava de forma mais pura junto ao

    segmento da populao de maiores rendas, justamente aquele que se beneficiava

    das potencialidades do capitalismo na esfera do consumo, enquanto a maior parte

    da populao permanecia margem do processo produtivo e do mercado

    consumidor em larga escala.

    As implicaes destes aspectos para a heterogeneidade da estrutura

    produtiva da economia brasileira estavam ligadas principalmente desproporo

    existente entre o tamanho das novas plantas industriais trazidas do exterior e a

    dimenso econmica dos mercados setoriais domsticos. As plantas importadas

    dos pases centrais se caracterizavam por tcnicas avanadas de produo,

    geralmente poupadoras de mo-de-obra, que eram mais do que suficientes

    cobertura dos mercados locais. Como os estmulos da poca a tais instalaes

    provinham basicamente do potencial de crescimento do mercado interno, e no de

  • possveis estratgias exportadoras, gerava-se um excesso de capacidade

    produtiva ociosa, conformando-se uma estrutura industrial necessariamente

    oligopolizada no pas. Alm disso, como os preos industriais acabavam sendo

    mais altos que seus similares no estrangeiro, isto se convertia, juntamente com a

    estrutura de baixos salrios dominante, em mais um elemento explicativo a

    impedir a formao de um amplo mercado consumidor de massas no Brasil. Como

    decorrncia desta forma de organizao da produo domstica, impunha-se um

    padro de consumo reflexo e dependente dos pases centrais, descolado da

    estrutura de demanda da maior parte da populao.

    A situao paradoxal, do ngulo do mercado de trabalho e de

    consumo de massas, que se estava constituindo uma estrutura industrial, em

    grande medida, incapaz de absorver o imenso contingente de fora de trabalho

    excedente, e ao mesmo tempo, necessitada de uma escala mnima de operao

    superior dimenso do mercado consumidor interno. Isto engendrava um perfil de

    distribuio de renda estruturalmente concentrado, disposto sobre um mercado de

    trabalho heterogneo desde a origem.

    E justamente no contexto da crise do incio dos anos 60 que o

    governo militar instaurado em 1964 conseguiria levar a cabo o PAEG (Programa

    de Ao Econmica do Governo), um programa de estabilizao que pretendia

    reverter, em curto espao de tempo, a trajetria das principais variveis

    macroeconmicas internas: dficits crescentes, inflao em alta e grande

    capacidade ociosa nos principais setores da economia. Sintonizada ao boom de

    crescimento da economia mundial, a economia brasileira conseguiria obter taxas

  • expressivas de expanso a partir de 1968, valendo-se, at 1970, de sobras de

    capacidade instalada na indstria, e de expanso produtiva entre 1970/73.

    A anlise do perodo 1968/74 permite extrair a concluso de que o

    movimento da acumulao vivido pela economia brasileira inevitavelmente

    acabaria por trazer problemas de realimentao dinmica, dados,

    fundamentalmente, pela existncia de capacidade ociosa em setores lderes do

    crescimento industrial (bens de consumo durveis), associado expanso das

    margens de endividamento familiar no curto prazo, fruto das reformas financeiras

    do PAEG (COUTINHO; BELLUZZO, 1982). Alm disto, outros fatores atuavam na

    mesma direo desestruturadora do sistema. Dentre eles, cabe destaque para o

    fato de que foi devido ao investimento pblico que a reverso cclica no se

    manifestou j em fins de 1973, sendo prolongada em forma de uma sobrevida at

    1977, por conta do conjunto de inverses realizadas a partir de 1974 no bojo do II

    PND. Este pacote de investimentos estatais que se materializaria em meio crise

    internacional, aprofundada pelo choque do petrleo, pretendia tornar a estrutura

    produtiva interna relativamente independente, atravs da implantao daquelas

    indstrias de base que ainda no estavam consolidadas no pas. Em parte, isto foi

    possvel devido a que no cessou, no perodo, a entrada de recursos externos,

    notadamente sob a forma de emprstimos em moeda estrangeira, somado ao fato

    de que a capacidade fiscal do governo e de autofinanciamento das estatais ainda

    no estava definitivamente comprometida.

    Em tal contexto, a economia passava a operar segundo a lgica do stop

    and go, apenas adiando uma reverso que seria praticamente inevitvel do ritmo

  • de acumulao. Mas enquanto a crise mais geral era adiada, pde se sustentar,

    ao longo dos anos 70, uma conjuno de fatores positivos pelo lado do emprego e

    do consumo agregados. O resultado do crescimento na oferta interna de bens de

    consumo, crescimento no salrio real, junto ao crescimento do emprego privado e

    do governo, resultou no crescimento da massa de salrio. Esta pde ser ento

    absorvida pela economia, pois no se verificou efeitos de aumentos de preo

    significativos desses bens, no perodo. (CASSEB; 1996, p. 359-60) Este

    comportamento ratificava, de alguma forma, a idia de que o estrangulamento da

    economia estava concentrado, basicamente, no lado das contas externas, cujo

    financiamento dos gastos e consumo corrente, via endividamento externo

    crescente, no poderia ser ilimitado no tempo.

    Dvida externa e inflao crescentes no perodo eram sinais explcitos

    da crise estrutural pela qual passava a economia brasileira ao final dos anos 70.

    Tanto, que foram divulgados nmeros que representava a deteriorao na

    distribuio de renda em pleno perodo do milagre econmico. Esta piora na

    distribuio de renda, deveria ser passageira, pois a crise tenderia a desaparecer

    com a continuidade do crescimento. O que no ocorreu.

    Na verdade, o desenvolvimentismo industrializante perseguido pelo

    Brasil durante os cinqenta anos compreendidos entre 1930/80, tinha esgotado

    seu flego frente ao colapso de seus mais importantes elementos de sustentao.

    A segunda crise do petrleo em 1979 e a subida das taxas de juros norte-

    americanas acabariam por acelerar o processo de desarticulao da economia

    nacional. No plano internacional, os acontecimentos de fins desta dcada

  • representaram a ruptura do padro de regulao que tinha norteado o processo de

    internacionalizao do sistema capitalista no ps guerra, dando origem a uma

    nova onda de liberalizao dos mercados, a partir do incio da dcada de 1980.

    Os anos 80 no Brasil foram ento marcados por uma conturbada

    trajetria poltica, no mbito das relaes de poder, e pela estagnao do produto

    e altas taxas de inflao, no campo das decises econmicas. A concepo a

    respeito dos descaminhos da economia brasileira neste perodo procura enfatizar

    a idia de que muito contribuiu para o aprofundamento da crise, o padro de

    ajustamento macroeconmico efetuado no perodo entre 1979/83.

    Aps o perodo relativo ao ajustamento externo, no incio da dcada, a

    economia produziria grandes e seguidos supervits em suas contas externas,

    associados ao baixo nvel de absoro interna e s recorrentes desvalorizaes

    cambiais. Entretanto, os supervits gerados tinham como principal finalidade a

    transferncia de recursos reais ao exterior, devidos em sua maior parte ao

    pagamento de juros sobre a dvida externa contrada em perodos anteriores. Pelo

    fato de a dvida externa brasileira encontrar-se, desde os primeiros anos da

    dcada de 80, praticamente toda em mos do Estado, e considerando ainda que

    os setores privados eram em grande parte os detentores dos megasupervits

    comerciais conquistados nestes anos, o setor pblico precisava adquirir as divisas

    do setor privado para envi-las ao exterior, valendo-se, para tanto, de emisso de

    dvida pblica interna, principal responsvel pelo endividamento crescente do

    setor pblico ao longo da dcada.

  • O carter financeiro do dficit pblico fez com que taxas de juros

    crescentes e prazos cada vez mais curtos se tornassem a regra, comprometendo

    seriamente a capacidade de financiamento do Estado brasileiro diante da crise.

    no bojo deste quadro de desajustamento patrimonial do setor pblico que a

    inflao viria a se constituir no principal problema macroeconmico da dcada de

    80, suscitando o deslocamento do eixo das discusses, que antes girava em torno

    da problemtica do desenvolvimento econmico do pas com endividamento

    externo crescente, para centrar-se em torno das causas e conseqncias da

    inflao em pases de industrializao retardatria ou em contextos de

    subdesenvolvimento crnico. Na prtica, o binmio ajuste externo-desajuste

    interno estabeleceu as condies para a perpetuao da crise e da inflao, e

    materializou, em grandes propores, um tipo de apartheid social e econmico

    nico em economias com o grau de urbanizao e industrializao similares ao do

    Brasil.

    Como conseqncia da alternativa seguida, gerou-se um setor pblico

    altamente endividado e imobilizado, ao mesmo tempo que um setor privado

    financeiramente saneado. Com isso, na medida em que se elegeu o setor pblico

    como depositrio dos custos do ajustamento externo da economia, criou-se uma

    situao na qual o Estado foi perdendo o poder de outrora de condutor do

    desenvolvimento, seguindo o pas o rumo da estagnao. O capital privado,

    movendo-se por estmulos de mercado, notadamente rentveis no curto prazo,

    transferiu e concentrou grande parte de sua riqueza em ativos financeiros ao invs

    de produtivos. Ainda mais, no foi capaz de ocupar o espao do setor estatal com

  • o objetivo de redirecionar o sentido do desenvolvimento, fundando um novo pacto

    poltico apto a dar conta da superao da crise.

    Enquanto a dcada de 80 pode ser caracterizada como representante

    da fase I da era da industrializao regressa do pas, marcada pela estagnao do

    crescimento da produtividade e do produto industrial, portanto, etapa de

    desarticulao do modelo de desenvolvimento industrial progresso, os anos 90

    podem ser vistos como palco da fase II da trajetria brasileira de regresso

    industrial, na medida em que um perodo de retrao absoluta e relativa do

    emprego e do ritmo de expanso da indstria. Na fase da industrializao

    regressa, de desorganizao do parque produtivo domstico, os anos 80

    representam, portanto, o momento da desarticulao do desenvolvimento

    industrial interno, enquanto os anos 90 simbolizam o colapso daquela estratgia

    pretrita de crescimento industrializante do pas.

    Na dcada de 1990, o segmento tercirio (comrcio e servios)

    despontou como principal conjunto de atividades da economia brasileira. Isto

    porque foi responsvel por quase o dobro da gerao de valor adicionado frente

    ao segmento industrial (e oito vezes a agropecuria), como ainda representou

    duas vezes e meia a absoro de pessoal ocupado na indstria (e duas vezes na

    agropecuria). Este enorme contingente de pessoas empregadas nas atividades

    tercirias foi responsvel pela gerao de uma massa de remuneraes algo

    como quatro vezes a gerada na indstria e vinte e cinco vezes a gerada na

    agropecuria. Embora os servios tambm tenham estado na liderana do

    processo global de gerao de lucros, sua posio j no foi to distante da

  • indstria e representou apenas trs vezes mais que a agropecuria (CARDOSO

    Jr., 1999).

    Este processo de transformaes engendrou uma situao de pequena

    melhora distributiva no segmento industrial, explicada em parte pelos processos

    de reconverso produtiva e racionalizao de custos, como estratgias

    imperativas das empresas diante do contexto de abertura e maior exposio

    competio internacional nos anos 90, as quais, ao promoverem uma pronunciada

    reduo de pessoal nos principais complexos da atividade industrial, acabaram

    por afetar positivamente os indicadores de distribuio neste segmento

    econmico.

    J nas atividades ligadas ao tercirio, houve uma piora distributiva por

    conta da absoro de um grande contingente de pessoas portadoras de nveis

    muito dspares de qualificao, produtividade e rendimentos mdios, ofertantes de

    uma imensa gama de trabalhos de natureza muito heterognea, os quais

    evidenciam uma situao de crescente desestruturao do mercado de trabalho

    brasileiro. Suas formas mais aparentes de manifestao puderam ser percebidas

    pelo crescimento da participao dos assalariados sem carteira e trabalhadores

    autnomos, bem como pela dificuldade dos rendimentos mdios destas categorias

    alcanarem os nveis ainda prevalecentes para os trabalhadores industrias com

    carteira assinada (CARDOSO Jr., 1999). Portanto, a piora distributiva no

    segmento atualmente mais importante da trajetria recente de crescimento da

    economia brasileira seria a contraface de uma maior precarizao do emprego e

    das relaes de trabalho no meio urbano nacional.

  • O processo de desenvolvimento capitalista no Brasil ensejou a

    formao de uma estrutura econmica diferenciada e heterognea do ponto de

    vista dos nveis mdios de produtividade do trabalho alcanados pelos diversos

    setores econmicos. Esta heterogeneidade evidenciava-se mais claramente na

    constatao de que os setores intermedirios e mais atrasados recebiam menos

    que proporcionalmente os novos investimentos em expanso da capacidade

    produtiva e em modernizao (apropriao e difuso) tecnolgica, com o que o

    diferencial de produtividade mdia tendia a se alargar constantemente no tempo.

    Sobretudo o conjunto de empresas lderes setorialmente, de origem

    transnacional, eram as que estavam em posio privilegiada para gerar e

    apropriar maiores parcelas do excedente social, na medida em que apresentavam

    produtividade mais alta pelo uso intensivo de tecnologias avanadas, e tambm

    porque no havia, no sistema econmico nacional, foras competitivas capazes de

    obrigar uma transferncia maior de suas vantagens relativas aos preos, com o

    que elas podiam, inclusive, remunerar melhor seus funcionrios, em repasses no

    raras vezes superiores aos incrementos de produtividade real.

    Este ltimo aspecto fez com que a heterogeneidade da estrutura

    produtiva brasileira engendrasse, por sua vez, uma estrutura de ocupaes

    tambm heterognea, j que marcada por padres muito distintos para a relao

    produtividade / salrios, para no falar na heterogeneidade reinante nas relaes

    e condies de trabalho. Isto quer dizer que a heterogeneidade estrutural da

    economia brasileira no se manifesta somente ao nvel da estrutura produtiva, na

    coexistncia de distintas formas de organizao da produo, cuja multiplicidade

  • de processos tcnicos combinam atividades de nveis muito diferentes de

    produtividade do trabalho (RODRIGUEZ, 1998), mas pode tambm ser percebida

    do ponto de vista das relaes sociais. Mais especificamente, por relaes de

    trabalho de distintas naturezas que se manifestam em uma grande variedade de

    contratos de trabalho e diversas possibilidades de apropriao de renda.

    Em suma, pode-se dizer que os dois principais vetores de determinao

    da heterogeneidade estrutural presente na economia brasileira tenham sido, de

    um lado, a dinmica desigual e descontnua da industrializao tardia e, de outro

    lado, o atavismo reinante na histria da formao da sociedade nacional,

    particularmente o atavismo existente nas relaes sociais do campo, que

    impediram a transformao da estrutura fundiria e retardaram o avano da

    modernizao s suas relaes mais fundamentais de produo. Neste quadro,

    estimulou-se uma violenta migrao rural em direo s cidades que, aliada a um

    ritmo intenso de crescimento demogrfico no ps-guerra, explicam boa parte do

    surgimento de um excedente estrutural de mo-de-obra ativa que no consegue

    ser inteiramente absorvido pela dinmica de expanso da economia brasileira,

    precisando criar meios alternativos de sobrevivncia margem dos mercados de

    produo e de consumo modernos.

    A informalizao das relaes de trabalho e a marginalizao de

    parte no desprezvel da populao rural recm urbanizada conformaram um

    mercado de trabalho pouco estruturado no pas, que se caracteriza por tipos muito

    diferenciados de insero setorial e ocupacional, reflexo sobretudo do tipo de uso

    e remunerao da fora de trabalho por parte dos empregadores. Esta

  • caracterstica singular do mercado de trabalho brasileiro est, portanto, referida a

    uma situao de heterogeneidade da estrutura produtiva que se rebate numa

    heterogeneidade da estrutura ocupacional e de rendimentos para a maior parte da

    populao ocupada do pas. Em outras palavras, h uma ciso pronunciada no

    padro de insero da fora de trabalho ativa que reflete, em primeira instncia, os

    desnveis de organizao das unidades produtivas, e apenas secundariamente, os

    atributos individuais prprios de cada trabalhador.

    De modo bastante estilizado, o segmento do mercado de trabalho

    considerado no organizado se caracterizaria por uma oferta abundante de mo-

    de-obra, compondo a base geral e ampla do mercado de trabalho, com indivduos

    em geral de baixa qualificao tcnica, sem organizao sindical, disputando

    empregos instveis, portanto de elevada rotatividade, baixo nvel de qualificao

    exigida e prometida, que oferecem poucas perspectivas de ascenso profissional

    e produzem baixos nveis de produtividade individual e coletiva. A determinao

    salarial neste segmento desestruturado do mercado de trabalho est ligada a

    formas atpicas e variadas de contratao, uso e remunerao da fora de

    trabalho, dada fundamentalmente por uma concorrncia que se estabelece pelo

    lado da oferta de mo-de-obra, o que define e reproduz sempre baixos nveis

    mdios de rendimentos.

    Em contraposio, o chamado mercado organizado de trabalho se

    distinguiria por uma oferta de trabalho que regulada pelo ritmo de expanso das

    atividades estruturadas em moldes dinamicamente capitalistas, oferecendo

    empregos mais estveis e portanto com taxas de rotatividade mais baixas, cujo

  • nvel de qualificao de entrada exigida e prometida mais elevada, sendo mais

    promissoras as perspectivas de ascenso profissional nos planos de cargos e

    salrios das empresas, com o que os nveis individuais e coletivos de

    produtividade so necessariamente superiores. A determinao salarial nestes

    segmentos mais organizados do mercado de trabalho dada por uma

    concorrncia que se instaura pelo lado da demanda por mo-de-obra,

    mediatizada, por um lado, pelas estruturas hierrquico-funcionais internas s

    empresas, e por outro lado, pela ao sindical que na verdade sanciona e refora

    os inmeros segmentos internos do mercado de trabalho. Nos mercados de

    trabalho estruturados, onde prevalece o assalariamento da mo-de-obra, as

    remuneraes so apenas marginalmente influenciadas pelas condies

    provenientes do lado da oferta de fora de trabalho; elas so definidas, em

    primeira instncia, pelas caractersticas dos postos de trabalho que conformam a

    estrutura produtiva da economia.

    No caso brasileiro, durante a experincia de industrializao e

    urbanizao vivida ao longo dos anos compreendidos entre 1950/80, possvel

    constatar um movimento de expanso do segmento dito organizado do mercado

    de trabalho, fruto do alargamento das atividades assalariadas formais (regulares e

    registradas em carteira), com uma concomitante reduo das ocupaes sem

    cobertura legal, sem remunerao e por conta prpria. Este fenmeno foi em parte

    possvel graas incorporao de mo-de-obra pelo avano do ncleo dinmico

    do capitalismo no pas, fundamentalmente industrial, que, no por acaso, fez

    crescer sensivelmente seu peso no processo de absoro urbana.

  • Por seu turno, a partir da dcada de 80, associado ao colapso do

    padro de desenvolvimento industrial, houve tambm a ruptura do padro de

    estruturao do mercado de trabalho, que se refletiu, por um lado, no perfil setorial

    das ocupaes urbanas localizadas no tercirio e, por outro, no alargamento dos

    segmentos considerados no organizados do mercado de trabalho. Ainda que a

    taxa geral de assalariamento tenha se mantido praticamente inalterada na dcada

    de 80, j era possvel perceber a reverso da trajetria pretrita de organizao do

    mercado de trabalho, evidenciada pelo aumento do peso relativo dos

    trabalhadores sem carteira assinada, bem como dos pequenos empregadores e

    trabalhadores por conta prpria.

    Neste retrato simplificado da evoluo dos segmentos organizado e

    no organizado da economia, as implicaes que a heterogeneidade do mercado

    de trabalho brasileiro confere s dimenses funcional e pessoal da distribuio de

    renda esto fundamentalmente relacionadas, de um lado, com as inseres

    setoriais dos indivduos no processo produtivo e, de outro, com as inseres

    ocupacionais que desfrutam dentro dos respectivos setores de atividade.

    Do ponto de vista da distribuio funcional da renda, ou mais

    propriamente, da participao dos salrios na renda nacional, esta se apresenta

    estruturalmente reduzida no Brasil, em comparao com pases desenvolvidos,

    por conta de pelo menos dois fatores que agem na mesma direo. Em primeiro

    lugar, a manuteno de um peso elevado de trabalhadores em mercados de

    trabalho desestruturados, que marcados pela ausncia de movimentos sindicais

    organizados e polticas pblicas de transferncias de renda e proteo social,

  • reproduzem um distanciamento permanente entre ganhos de produtividade e

    repasses reais aos salrios. Em segundo lugar, como reflexo do tipo de

    crescimento econmico que imposto pela dinmica especificamente capitalista

    no Brasil, o ritmo insuficiente de absoro de fora de trabalho ativa nos

    segmentos mais organizados do mercado de trabalho d origem a uma massa

    reduzida de remuneraes.

    Reforando ambos os aspectos acima mencionados, tem-se no caso

    brasileiro que tanto a ausncia de polticas salariais de orientao estruturante do

    mercado de trabalho, quanto o poder restrito dos sindicatos na fixao dos

    salrios nominais, constituram-se em fatores adicionais para manter reduzida a

    participao dos salrios na renda nacional. No que toca s caractersticas do

    sindicalismo no pas, a pulverizao do nmero expressivo de sindicatos por base

    municipal, a fraca presena da representao dos empregados por local de

    trabalho e a inexistncia de instrumentos voltados para a contratao coletiva

    retiram parte significativa do poder de barganha sindical na determinao do

    salrio nominal. (POCHMANN; 1994, p. 662) E com respeito esfera de

    influncia do Estado, tendo em conta o contexto de consolidao do aparato

    produtivo domstico e de altas taxas de crescimento da economia entre 1967/73,

    pode-se sustentar que

    num momento em que o pas ingressava em perodo de rpida expanso da produo e da produtividade, quando estavam dadas favorveis condies para a elevao dos salrios reais, o bloqueio ao sindical e uma legislao salarial definida sem participao popular ou interveno sindical reduziam a renda dos trabalhadores. Enquanto na Europa os sindicatos asseguravam conquistas salariais atravs dos contratos coletivos de trabalho e,

  • em muitos pases, amparados por legislao, Estados democrticos dispunham-se a garantir a progressiva generalizao das conquistas, no Brasil as favorveis condies econmicas para a elevao dos salrios foram desprezadas, num processo que somente pde ser viabilizado pela represso poltica (OLIVEIRA; 1994, p. 213)

    Nos principais pases industrializados da Europa e mesmo nos EUA, o

    fortalecimento dos sindicatos no local de trabalho, como agentes relevantes nas

    disputas polticas, e a institucionalizao dos contratos coletivos de trabalho, como

    importante instrumento de reivindicao, atuaram no sentido de civilizar as

    relaes entre patres e empregados, e colaboraram para que o conjunto dos

    trabalhadores pudesse usufruir do aumento de produtividade e da diversificao

    do consumo. (BALTAR; PRONI, 1995 p. 11) Por seu turno, no Brasil, onde o

    regime de trabalho no garante estabilidade no emprego para a grande maioria da

    populao ocupada, imprimindo, ao contrrio, alta flexibilidade e alta rotatividade

    da mo-de-obra, os elevados ganhos de produtividade obtidos pelas firmas

    raramente so convertidos em aumentos reais de salrios, consolidando tanto um

    baixo nvel dos salrios de base quanto uma pssima distribuio funcional e

    pessoal da renda.

    Durante o perodo de autoritarismo no Brasil, a ao governamental

    influenciava por trs caminhos o processo de formao dos salrios. Primeiro,

    atravs da flexibilizao do regime de contratao individual do trabalho

    assalariado, estimulava-se uma alta rotatividade dos trabalhadores, sobretudo os

    de menor qualificao, impedindo um processo de estruturao virtuosa (maiores

    salrios de base e menor disperso salarial) do mercado de trabalho urbano. Em

  • segundo lugar, por meio do crescente poder tutelar do Estado para dirimir

    conflitos trabalhistas e fixar os reajustes gerais dos salrios, eliminavam-se as

    presses sindicais externas s empresas, transferindo-lhes maior liberdade na

    fixao dos salrios nominais. Por fim, atravs das mudanas governamentais na

    conduo da poltica de salrio mnimo, produzia-se um distanciamento crescente

    entre o valor do mnimo e o custo de reproduo da fora de trabalho, outro fator a

    favorecer uma piora na distribuio pessoal da renda.

    Percebe-se ento que os baixos salrios de entrada no mercado de

    trabalho brasileiro esto associados aos intensos fluxos de contratao e

    desligamentos, que so a face externa da alta rotatividade e da grande

    flexibilidade alocativa da mo-de-obra, principalmente para trabalhadores com

    pouca escolaridade e pouco tempo de servio nas empresas. Isto coloca em

    dvida a tese de que o principal problema do mercado de trabalho urbano no

    Brasil reside na baixa qualificao do trabalhador, e no na baixa qualidade do

    posto de trabalho. Ora, se associarmos a qualidade do posto de trabalho

    estabilidade dos vnculos de emprego, possibilidade de ascenso profissional,

    juntamente com uma progresso salarial compatvel com o tempo de servio e a

    produtividade, ento no est claro porque deve ser eleita a baixa qualidade do

    trabalhador como causa unidirecional da baixa qualidade do posto de trabalho.

    Em outras palavras, porque no conceber a baixa qualidade do posto

    de trabalho como resultado de um processo mais complexo de determinao, em

    que se reforam mutuamente aspectos ligados, de um lado, frgil insero dos

    trabalhadores no mercado de trabalho, dada sim pela sua baixa qualificao

  • (medida pelo grau de instruo em anos de estudo), mas tambm pela

    precariedade de laos de solidariedade no seio da prpria classe trabalhadora,

    pela ausncia de sindicatos organizados e representativos nos locais de trabalho e

    pela ausncia de contratos coletivos de trabalho que facilitassem o ingresso e a

    permanncia dos trabalhadores no interior das empresas. E, de outro lado,

    aspectos ligados frgil insero das empresas no processo produtivo, que se

    reverte em estratgias empresariais de ajuste voltadas precarizao das

    relaes de trabalho, com baixo investimento em recursos humanos, poucas

    perspectivas de continuidade na carreira, portanto, reproduo de um baixo

    padro de qualificao exigido para o posto de trabalho e alta rotatividade de seu

    quadro de pessoal, com o que apenas se refora a tendncia de manuteno de

    baixos salrios e apropriao desigual dos ganhos de produtividade do trabalho.

    Ainda do ponto de vista da concentrao pessoal da renda, como a

    hierarquia de remuneraes responde s caractersticas da estrutura produtiva,

    preponderantemente vinculada aos segmentos estruturados dos mercados de

    trabalho, e como o peso e a dinmica deste setor no consegue absorver

    integralmente toda a oferta efetiva de mo-de-obra, tem-se necessariamente um

    perfil altamente concentrado para a distribuio dos rendimentos provenientes do

    trabalho, que reforado pela existncia de um nvel muito baixo de salrios para

    a maior parte das pessoas pertencentes base no organizada do mercado de

    trabalho.

    O mercado de trabalho com uma base muito extensa e poucos

    segmentos especficos explicam em boa medida a existncia e a reproduo de

  • uma taxa salarial de nvel muito reduzido como referncia para o sistema

    econmico, tanto em termos de custo empresarial (peso reduzido das

    remuneraes na composio do custo total dos bens e servios), como se

    pensada em termos do poder de compra dos trabalhadores. Quanto menor o piso

    salarial do mercado de trabalho, maior tende a ser a diferenciao salarial possvel

    de se verificar no sistema, j que ela se estabelece em funo da hierarquizao

    de cargos e remuneraes derivadas do grau de complexidade da estrutura

    produtiva da economia como um todo.

    As transformaes econmicas engendradas pelo movimento de

    abertura externa com recesso domstica no incio dos anos 90, por sua vez,

    agiram no sentido de aprofundar as inseres setoriais ligadas aos servios

    prestados s empresas (servios produtivos), comrcio e transportes (servios

    distributivos), servios prestados s famlias (servios pessoais) e servios no

    mercantis (servios diversos). Ao mesmo tempo, acentuaram-se as inseres

    ocupacionais dos assalariados sem carteira e trabalhadores autnomos

    (CARDOSO Jr., 1999).

    Estes eventos recentes sobre o mercado de trabalho brasileiro

    foram uma reavaliao acerca da natureza do chamado setor informal da

    economia, na medida em que as categorias ocupacionais tidas como informais

    (trabalhadores sem carteira assinada, autnomos de baixos rendimentos mensais

    e pequenos empregadores) passam a ser no mais a porta de entrada para o

    mercado de trabalho, ou um refgio temporrio para a mo-de-obra excedente,

  • mas assumem drasticamente o carter de principal alternativa de insero para a

    maioria da populao em idade ativa do pas.

    A exploso da informalidade nos anos 90, como decorrncia da

    sobreposio entre, de um lado, os movimentos setoriais de reestruturao

    produtiva e organizacional forados pela abertura ao exterior e, de outro, as

    polticas econmicas domsticas de orientao recessiva, geraram um quadro de

    aprofundamento da heterogeneidade do mercado de trabalho que sinaliza uma

    situao de deteriorao das condies de insero ocupacional para a maior

    parte da classe trabalhadora no Brasil. Enquanto nos anos 70 a heterogeneidade

    era vista como fruto de um crescimento das atividades modernas insuficiente para

    absorver a disponibilidade existente de fora de trabalho, na dcada de 90 a

    heterogeneidade do mercado de trabalho pode ser analisada tambm como

    produto da passagem de trabalhadores formais para a situao de informalidade

    crescente que se acentua pela perda de dinamismo global do sistema econmico.

    Nestes termos, pode-se afirmar que a configurao setorial e

    ocupacional que se constituiu no Brasil nos anos 90, como conseqncia das

    transformaes recentes sobre sua base econmica, favoreceu mais o emprego

    no segmento tercirio que na indstria, e mais em ocupaes sem carteira e

    autnomas (trabalhadores por conta prpria) que aquelas formalmente

    assalariadas. Este panorama geral esconde, portanto, uma situao perversa num

    duplo sentido. Por um lado, as novas inseres setoriais seriam fruto mais da

    perda de dinamismo econmico da estrutura produtiva brasileira que de um

    reordenamento da mesma rumo a um novo padro de desenvolvimento

  • sustentvel. Por outro lado, as novas inseres ocupacionais representariam

    muito mais estratgias de sobrevivncia dos trabalhadores diante do colapso das

    alternativas de empregabilidade formal com proteo social que uma livre escolha

    para alcanar seja ascenso profissional ou realizao pessoal, ainda que muitas

    destas novas atividades autnomas possam redundar em certo prestgio social ou

    mesmo em rendimentos mdios mais elevados nas fases ascendentes dos ciclos.

    Este cenrio de desalento que se afigura para o mercado de trabalho

    urbano no Brasil ao final do milnio no parece, em suma, ser resultado de um

    modelo de desenvolvimento econmico sustentvel no longo prazo e, ao contrrio,

    parece conduzir a classe trabalhadora a um esquema de reproduo social

    fortemente ancorado no individualismo das solues de sobrevivncia, com

    reflexos perversos sobre a estrutura j bastante concentrada da renda do trabalho

    pessoal.

    Diante do cenrio vivido pela economia brasileira na dcada de 80,

    nem de estranhar que todos os grupos sociais tivessem piorado suas posies

    relativas na estrutura distributiva, com exceo dos grupos mais ricos.

    A piora distributiva verificada nos anos 80 esteve diretamente

    associada ao tipo de ajuste macroeconmico que se promoveu para enfrentar a

    crise externa:

    a ausncia de crescimento de produtividade nesses anos e a reduo da quantidade ofertada de bens de consumo no mercado interno propiciaram queda no salrio real. A queda no salrio real, associada reduo do volume de emprego, levou queda da massa de salrio real, provocando conseqncias negativas sobre a distribuio de renda. (CASSEB; 1996, p. 362)

  • Ora, como existe uma relao muito estreita na transmisso de

    produtividade entre o setor produtor de bens salrios e os demais setores

    econmicos, capaz de fazer crescer os salrios reais sem comprometer a

    acumulao de capital (pela reduo do valor da fora de trabalho), levantam-se

    constrangimentos endgenos distribuio de renda sempre que estas ligaes

    no se completam no circuito econmico.

    J na dcada de 90, no momento em que o tema da distribuio volta

    agenda de discusso no Brasil, observa-se, em termos mundiais, a conformao

    de um novo formato de desenvolvimento econmico que tende a reforar a

    excluso social de grandes contingentes de populao, mesmo nos pases mais

    avanados. E o posicionamento da economia brasileira diante do conjunto de

    transformaes provenientes do cenrio internacional no parece indicar, at o

    momento, qualquer mudana de trajetria para o padro histrico de distribuio

    da renda. Isto tende a reforar, por um lado, a inoperncia das polticas pblicas

    na tentativa de modificar a natureza do padro distributivo e, por outro, refora

    tambm a caracterstica apenas compensatria das polticas sociais.

    O estudo realizado por (CARDOSO Jr., (1999), constatou que a maior

    parte dos complexos econmicos da indstria combinaram grande capacidade de

    gerao e de apropriao de valor adicionado, fruto, por um lado, de uma

    expanso considervel da produtividade do trabalho e, por outro, de um sucesso

    relativo nas estratgias de conteno de custos e de formao de preos, a

    despeito do contexto de abertura comercial (desde 1990) e de estabilizao

  • (desde 1994). No caso dos servios, a despeito da trajetria de maior apropriao

    de remuneraes sobre lucros, particularmente a partir de 1994, os resultados

    mostraram que mesmo neste segmento h importantes setores onde a dinmica

    distributiva tambm se inclina mais intensamente aos rendimentos do capital que

    do trabalho. Por fim, o segmento agropecurio claramente inclinado aos lucros,

    do ponto de vista da distribuio funcional, devido combinao entre uma

    produtividade do trabalho muito pequena, mas, ao mesmo tempo, um elevado

    poder de apropriao de valor adicionado, pelo lado dos rendimentos do capital,

    dado por nveis no desprezveis de mark ups e razo custos variveis.

    No cenrio vivido pela economia brasileira nos anos 90, portanto, a

    dinmica distributiva se inclinou francamente em favor dos rendimentos do capital,

    minimizando, consequentemente, o impacto dos rendimentos do trabalho sobre a

    demanda agregada. Este aspecto poderia explicar em parte as baixas taxas de

    crescimento da economia brasileira no perodo, pois num contexto de retrao dos

    investimentos pblicos produtivos e de pequena contribuio ao crescimento vinda

    do setor exportador, o montante de lucros no se converte inteiramente em

    investimentos produtivos privados, dada a existncia de inmeras formas de

    valorizao financeira, esterilizadoras do crescimento real. A concentrao

    funcional da renda se inclina perversamente em favor do capital.

    Em segundo lugar, no se pode menosprezar a influncia exercida,

    desde os primeiros anos da dcada, pelos processos de abertura comercial e

    financeira ao exterior. Se a abertura comercial foi capaz de segurar a inflao

    domstica ao manter a concorrncia internacional em condio de permanente

  • contestabilidade dos mercados e preos internos, tambm demonstrou ser capaz

    de desarticular o parque industrial aqui constitudo, ao impor srios limites

    retomada dos investimentos produtivos em territrio nacional. E a abertura

    financeira, se conseguiu inserir o Brasil nos fluxos internacionais de capital,

    eliminando, ou pelo menos relativisando drasticamente a restrio externa que

    perdurou sobre o pas durante toda a dcada de 80, tambm aprofundou a crise

    bancria em curso, comprometendo duramente a capacidade de regulao

    sistmica por parte das autoridades macroeconmica e monetria.

    Por fim, tambm no se pode ignorar a influncia do plano de

    estabilizao (Plano Real) sobre as baixas taxas de crescimento econmico

    durante praticamente toda a segunda metade da dcada de 90. Ou seja, se por

    um lado o plano de estabilizao ancorado no Real alcanou relativo sucesso no

    combate inflao, por outro, levou a economia brasileira uma combinao

    perversa de trs armadilhas bem visveis, sem sada no curto prazo e nas atuais

    condies.

    A primeira armadilha a da estagnao econmica, onde se constata

    uma certa incapacidade das foras de mercado em operar o milagre da retomada

    do crescimento sustentado, em claros sinais de que estabilizao sem

    crescimento do produto no pode se manter indefinidamente. A segunda

    armadilha a da crise fiscal e financeira do Estado brasileiro, pela qual se verifica

    o crescente esgotamento dos mecanismos clssicos de financiamento das contas

    pblicas. Finalmente, a terceira armadilha diz respeito aos prprios sustentculos

    da estabilizao, cujos anteparos tm se mostrados extremamente vulnerveis e

  • dependentes das condies do mercado internacional. A abertura no seletiva

    com cmbio flutuante impacta negativamente o crescimento. A estagnao

    econmica com juros elevados inviabiliza qualquer tentativa de recomposio das

    condies de financiamento do setor pblico. Por fim, Estado em situao

    financeira ponzi acelera a deteriorao do cenrio poltico, sintoma inequvoco de

    aprofundamento da crise latente no pas.

    Em contrapartida, tendo em vista o objetivo de uma distribuio de

    renda mais igualitria no pas, preciso reconhecer que o crescimento econmico,

    embora necessrio para a gerao de condies mais propcias redistribuio

    dos estoques de riqueza e dos fluxos de rendimentos provenientes do trabalho,

    certamente no pode ser, por si s, condio suficiente, como j ficou

    demonstrado em outros momentos histricos do pas. Alguns requisitos

    importantes se impem neste processo.

    Em primeiro lugar, seria preciso que uma parte maior dos ganhos de

    produtividade do trabalho fossem repassados continuamente para os salrios

    reais, em comparao com o que at hoje tem se verificado na economia

    brasileira. Esta possibilidade concreta diante da tendncia histrica reduo do

    custo do trabalho no custo total dos bens e servios produzidos, bem como em

    funo do tamanho da apropriao feita em nome de uma maior acumulao de

    capital, tal qual verificada pelos incrementos de produtividade alcanados nos

    anos 90 no Brasil. O meio poltico para estas conquistas deveria passar pelo

    fortalecimento da representao sindical nos locais de trabalho e por negociaes

    mais amplas, como no caso das cmaras setoriais, cujas agendas de

  • reivindicao no estavam limitadas simplesmente reposies salariais,

    estendendo-se tambm para temas como qualificao profissional, (re)emprego,

    sistemas de previdncia privados, participao nos lucros, etc.

    Em segundo lugar, seria preciso, alm do crescimento econmico,

    polticas pblicas sociais e de mercado de trabalho ativas. As primeiras deveriam

    orientar-se pelo princpio da progressividade distributiva, seja nos marcos da

    universalizao, seja nos da focalizao. As segundas deveriam articular as

    atividades clssicas de capacitao profissional e intermediao de mo-de-obra

    com polticas setorialmente definidas de gerao de empregos e renda, sem as

    quais as polticas fincadas no lado da oferta do mercado de trabalho perderiam

    sentido e eficcia.

    certo que toda esta nova estrutura socioeconmica s poderia se

    concretizar mediante o ataque sistemtico e coordenado excluso e pobreza,

    atravs de polticas governamentais ativas e simultneas, que buscassem a

    construo de uma institucionalidade democrtica auto-gerida. Para tanto, a

    idealizao de um Estado minimalista no Brasil no referncia para os

    compromissos de reformas estruturantes que o pas precisa enfrentar. A

    construo poltica de um novo padro de desenvolvimento nacional, no percurso

    de superao da crise, passa obrigatoriamente pela reorganizao, em novas

    bases, do setor pblico brasileiro e, ademais, pelas formas de articulao deste

    com os setores privados, nacional e estrangeiro.

    Em suma, somente com uma perspectiva positiva de integrao social,

    portanto, no excludente como a que tem comandado as esferas de dominao

  • poltica e econmica vigente no pas, que os anos vindouros desse novo milnio

    podem vir a representar um perodo histrico de grande importncia para o Brasil,

    rumo superao dos impasses nos quais est atualmente inserido. dessas

    esferas que podem ser institudas no pas as polticas pblicas para transferncia

    de renda e, conseqentemente a diminuio da excluso social por parte dos mais

    necessitados.

  • 3 POLTICAS PBLICAS DE INCLUSO SOCIAL

    Conforme visto anteriormente, o elevadssimo grau de concentrao de

    renda e de riqueza uma das caractersticas marcantes da economia brasileira.

    Os ndices de desigualdade na nossa sociedade esto entre os mais altos do

    mundo. Neste cenrio, a implantao da garantia de uma renda mnima - a

    transferncia de recursos em dinheiro para pessoas ou famlias que no alcanam

    determinado patamar de renda - um dos instrumentos fundamentais para

    combater a misria e minimizar esse dramtico quadro social.

    A nvel mundial, h diferentes programas e mecanismos de garantia de

    renda mnima destinados a pblicos diversos e com objetivos e critrios variados.

    As discusses sobre a renda mnima comearam a ser formuladas por

    pensadores liberais no sculo XVIII. Mas as experincias com programas de

    garantia de renda mnima (PGRM) surgem nos pases desenvolvidos, no sculo

    XX, medida que vai se consolidando o chamado Estado de Bem-Estar-Social.

    Seu objetivo era criar uma rede de proteo social para as populaes mais

    pobres, atravs de uma transferncia de renda complementar. Um dos primeiros

    programas de transferncia de renda de que se tem notcia foi institudo pelo

    governo britnico em 1908. Muitos pases europeus j nos anos 30-40 passam a

    adotar polticas com esse perfil redistributivo. A partir de 1975, quando os

    empregos passam a se tornar escassos na Europa, os governos introduziram

    polticas compensatrias, como o salrio-desemprego. Em 1986 fundou-se a Rede

  • Europia da Renda Bsica, a Basic Income European Network (BIEN), com o

    propsito de se tornar um frum para debater intensamente todas as experincias

    de renda de mnima, bsica ou de cidadania, nos mais diversos pases, rede que

    difundiu esta idia mundialmente.

    Segundo RICUPERO (2000), existem algumas polticas que podem

    ser empregadas para o combate desigualdade e pobreza.

    Essas polticas distributivas podem ser classificadas em: de preos,

    estruturais e compensatrias.

    Polticas de Preos essas polticas afastam os preos do seu valor

    de equilbrio. A de maior tradio a do salrio mnimo. Devido ao

    valor extremamente baixa dessa remunerao e ao elevado grau de

    informalidade, as polticas baseadas no salrio mnimo apresentam

    srios limites no combate pobreza no Brasil.

    Polticas Estruturais visam a repartir a renda por meio da

    redistribuio de ativos (ou bens de produo), garantindo aos mais

    pobres a posse de volumes suficientes de terra, capital fsico ou

    humano capazes de faz-los sair da pobreza, como reforma agrria,

    crdito a pequenos empresrios e agricultores, poltica educacional,

    principalmente a voltada capacitao profissional entre outros.

    Polticas Compensatrias visam a corrigir os efeitos da

    desigualdade, sem intervir na distribuio dos ativos ou nos preos

    de mercado. Atinge os grupos carentes, recorrendo a transferncias

    monetrias ou de benefcios, como a renda mnima, o abono

    salarial, o seguro desemprego entre outros.

  • Diante disso, o mais adequado seria a combinao de polticas

    estruturais, de resultados duradouros e de longo prazo, com polticas

    compensatrias de resultados imediatos.

    Para Ricupero (2000), as vantagens da primeira a possibilidade de

    reduo duradoura da pobreza, como produto de investimento com elevada taxa

    de retorno social, sem impacto negativo sobre a eficincia da economia e sem

    estigmatizar seus beneficirios. A desvantagem que, por depender de demorada

    maturao, o resultado s ocorre a longo prazo. J a segunda tem como

    vantagens a transparncia , o impacto distributivo imediato, o menor efeito sobre a

    eficincia do sistema produtivo, porm, elas no representam soluo duradoura,

    pois obrigam a contnua transferncia de recursos, o que impacta o oramento

    pblico, alm de estigmatizar os beneficirios.

    A confluncia de fatores torna a atual conjunta um momento

    particularmente propcio para refletir, criticamente, sobre o paradigma hegemnico

    em matria de interveno pblica na rea social.

    Na realidade, as polticas de combate pobreza entraram na agenda

    nacional nos anos 90 pela influncia de vrios fatores. O mais importante, sem

    dvida, foi a campanha nacional da Ao da Cidadania Contra a Fome, a Misria

    e pela Vida, um dos mais importantes movimentos sociais dos ltimos anos que,

    liderado pelo socilogo Betinho, conclamou a sociedade brasileira a indignar-se e

    a mobilizar-se na luta contra a fome e a pobreza.

    Outra importante iniciativa, que abriu o campo para a ao

    governamental, foi a aprovao no Senado, em 1991, do projeto de lei do senador

    Eduardo Suplicy (PT/SP), que institui o Programa de Garantia de Renda Mnima

  • (PGRM), segundo o qual toda a pessoa de 25 anos ou mais que no recebesse o

    equivalente, hoje, a cerca de R$ 350,00 teria o direito de receber 30%, ou at

    50%, da diferena entre aquela quantia e sua renda. Posteriormente enviado

    Cmara dos Deputados, o projeto recebeu parecer favorvel do deputado

    Germano Rigotto (PMDB-RS) mas, at hoje, apesar de pronto, aguarda para ser

    votado.

    A partir dos exemplos pioneiros e simultneos do prefeito Magalhes

    Teixeira (PSDB), de Campinas, com o PGRM, e do governador Cristovam

    Buarque (PT), do Distrito Federal, com o Bolsa-Escola, ambos em 1995, os

    resultados dessas e de outras experincias positivas de Renda Mnima e Bolsa-

    Escola se alastraram por muitos municpios e alguns estados.

    3.1 Do Fome Zero a Bolsa Famlia

    O primeiro fator so as sucessivas crises que marcam a administrao

    das polticas sociais do governo federal. Na atual gesto