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POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO: AS AÇÕES DO ESTADO PRÓ-INDUSTRIALIZAÇÃO DO BABAÇU PUBLIC POLICIES AND DEVELOPMENT PROGRAMS: STATE ACTIONS TO PRO-INDUSTRIALIZE BABASSU José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior Universidade de São Paulo Endereço eletrônico: [email protected] Josoaldo Lima Rêgo Universidade Federal do Maranhão Endereço eletrônico: [email protected] RESUMO: Neste trabalho, a partir de um ponto de vista crítico, identificado com a Ecologia Política, o objetivo é analisar as relações existentes entre desenvolvimento, crise/questão ambiental e políticas públicas, focalizando o espaço ocupado pelo babaçu no âmbito do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e do Programa de Biodiesel do Maranhão. O trabalho aqui apresentado é parte da pesquisa “Industrialização e racionalização: as políticas públicas de desenvolvimento em torno do extrativismo de babaçu numa revisão crítica (1950-2010)”, realizada pelo Grupo de Estudos Rurais e Urbanos (GERUR), da UFMA, e conta com apoio financeiro do CNPq. Palavras-chave: Babaçu. Alternativa energética. PNPB ABSTRACT: In this work, from a critical point of view, identified with political ecology, the objective is to analyze the relationships between development, crisis/environmental issue and public policies, focusing the space occupied by babassu under the National Biodiesel Production and Use Program and Maranhao Biodiesel Program. The work, that is presented here, takes part of the "Industrialization and rationalization: the public policy development around the babassu extraction in a critical review (1950-2010)" held by the Rural and Urban Studies Group (GERUR) from UFMA, that has a financial support from CNPq. Keywords: Babassu. Alternative energy. PNPB

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POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO: AS AÇÕES DO

ESTADO PRÓ-INDUSTRIALIZAÇÃO DO BABAÇU

PUBLIC POLICIES AND DEVELOPMENT PROGRAMS: STATE ACTIONS TO

PRO-INDUSTRIALIZE BABASSU

José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior

Universidade de São Paulo

Endereço eletrônico: [email protected]

Josoaldo Lima Rêgo

Universidade Federal do Maranhão

Endereço eletrônico: [email protected]

RESUMO: Neste trabalho, a partir de um ponto de vista crítico, identificado com a Ecologia

Política, o objetivo é analisar as relações existentes entre desenvolvimento, crise/questão

ambiental e políticas públicas, focalizando o espaço ocupado pelo babaçu no âmbito do

Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e do Programa de Biodiesel do

Maranhão. O trabalho aqui apresentado é parte da pesquisa “Industrialização e racionalização: as

políticas públicas de desenvolvimento em torno do extrativismo de babaçu numa revisão crítica

(1950-2010)”, realizada pelo Grupo de Estudos Rurais e Urbanos (GERUR), da UFMA, e conta

com apoio financeiro do CNPq.

Palavras-chave: Babaçu. Alternativa energética. PNPB

ABSTRACT: In this work, from a critical point of view, identified with political ecology, the

objective is to analyze the relationships between development, crisis/environmental issue and

public policies, focusing the space occupied by babassu under the National Biodiesel Production

and Use Program and Maranhao Biodiesel Program. The work, that is presented here, takes part

of the "Industrialization and rationalization: the public policy development around the babassu

extraction in a critical review (1950-2010)" held by the Rural and Urban Studies Group (GERUR)

from UFMA, that has a financial support from CNPq.

Keywords: Babassu. Alternative energy. PNPB

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1. APRESENTAÇÃO: A BUSCA DE NOVO(S) PROMETEU(S)

Na mitologia grega, Prometeu é um semideus que teve a capacidade de roubar o

fogo dos deuses e entregou aos homens. A atitude de Prometeu foi, sem sombra de dúvida,

revolucionária. Ao roubar o fogo dos deuses, Prometeu atingiu a glória e passou então a rivalizar

com os deuses. Mas, está-se falando de mitologia. Todavia, em tempos mais modernos, a revolução

prometeica, a revolução que mais possibilitou à humanidade a conquista da glória, a busca do

chamado progresso e, principalmente, a “libertação” das amarras da Natureza foi,

indubitavelmente, a Revolução Industrial.

O capitalismo industrial é impulsionado não mais pelo domínio do fogo, como na

mitologia grega referente a Prometeu, mas pelo domínio das três fontes principais de

energia:carvão mineral, o petróleo e o gás natural.

De fato, como nos ensinam os físicos: energia é a capacidade de realizar trabalho.

Dessa forma, dominando-se as fontes de energia, obviamente domina-se a capacidade de realizar

trabalho. Logo, domina-se a uma das formas de se apropriar da Natureza e, por conseguinte, de

estabelecer mecanismos de domínio e poder entre os homens.

Há que se buscar nas discussões sobre energia mais do que uma simples questão

de realização de trabalho, como bem foi aludido acima; mas sim a manutenção de um estilo de

vida que requer, cada vez mais, a sustentação, por exemplo, dos altos níveis de industrialização,

urbanização e uma agricultura tecnificada. Obviamente, os exemplos não se encerram nestes

supracitados, mas eles servem para dar uma dimensão do quanto a globalização dos mercados e o

capitalismo industrial, enfim, a modernidade, são dependentes de uma demanda crescente de

energia.

Pari passu a uma demanda crescente de energia, bem como o consumo

desenfreado (inspirado no american way of life) veio à tona a questão da escassez dos combustíveis

fósseis, o que foi agravado pela(s) crise(s) do petróleo em 1974. Este momento é um marco na

busca de alternativas energéticas objetivando atenuar a dependência por combustíveis fósseis, tal

qual encontrar fontes de energia que possibilitassem a manutenção do crescimento econômico e

a sustentação do modelo hegemônico de desenvolvimento. Principia-se, destarte, o interesse

internacional por combustíveis de origem biológica produzidos a partir de fontes vegetais, como

é o caso do da cana-de-açúcar, soja e babaçu (dentre muitos outros).

No Brasil, como reflexo da referida crise do petróleo, configurou-se momento

oportuno para o “nascimento do novo”. Esta novidade pioneira do Governo Federal atende pelo

nome de Programa Nacional do Álcool - Proálcool (1975). Como bem o nome diz, o Proálcool

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buscou iniciar a produção de álcool combustível como forma de oferecer uma alternativa

energética à gasolina usada na frota brasileira de veículos. Além deste destaca-se, mais

recentemente (2004), o Programa Nacional de Produção e uso do Biodiesel (PNPB) que

concebeu diversas matérias-primas como fontes para produção de energia: como mamona,

dendê, soja, girassol e babaçu.

No Maranhão as pesquisas em torno do babaçu abordam diversos aspectos: o

contexto sociopolítico (VALVERDE, 1957), a conjuntura geoeconômica e a mobilização política

das quebradeiras de coco babaçu (RÊGO, 2004; RÊGO; PAULA ANDRADE, 2005) e, mais

recentemente, as que abordam o babaçu como alternativa energética (FERREIRA, 2005;

CARVALHO, 2010).

Objetiva-se, então, na tessitura dos aspectos supracitados, focalizar as políticas

públicas de desenvolvimento que enxergam no babaçu uma alternativa de energia e realizar uma

leitura crítica de processo.

2- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Como fundamento teórico de orientação deste texto, utilizamos um conjunto de

conceitos que contribuíssem para o entendimento das formas de desenvolvimento tocadas sob o

capitalismo. Numa leitura crítica desse processo, a obra de David Harvey (2004; 2010) e Neil

Smith (1988; 2009), ajudam-nos a pensar questões como desenvolvimento geográfico desigual e

apropriação e uso da natureza como estratégia de acumulação.

Para Harvey (2004) a produção das escalas espaciais está para além das

influências “naturais”. Isso não significa dizer que a natureza, ou os processos biofísicos, estejam

excetuados. Os processos ecológicos e físicos que regulam as condições da terra, da água e do ar,

por exemplo, atuam em várias escalas. Portanto, é a interação dinâmica com os planos escalares

de processos naturais que os seres humanos produzem suas próprias escalas.

De acordo com Harvey (2004) as escalas espaciais são mutáveis e resultam

igualmente de luta de classes, ao mesmo tempo em que definem a escala onde se trava essa

mesma luta de classe. A produção da escala está assentada em geometrias assimétricas de poder,

que acabam por definir de maneira multiescalar aquilo pelo qual se luta, sendo assim parte vital

do desenvolvimento geográfico desigual.

O segundo componente fundamental da teoria do desenvolvimento geográfico

desigual é a produção da diferenciação geográfica. Em tal tessitura, Harvey (2004) mostra que

existem uma gama de efeitos e processos que geraram modos e padrões de vida, bem como

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relações socioecológicas e formas político-culturais, conformando diferentes geografias (marcas

na terra). Os mosaicos das diferenças são, na visão de Harvey, mais que um legado histórico-

geográfico, posto que na arquitetônica das formas socioecológicas são (re)produzidas

perpetuamente e sofrem a influencia de processos político-econômicos ao longo do tempo.

Procura-se, ainda, entender os processos sócio-históricos que, através do trabalho,

apontam para um metabolismo entre sociedade e natureza nos termos de Marx (2006), salientado

também por Smith (1988).

Nesse sentido, é fundamental compreender como no desenvolvimento do

capitalismo a natureza primeiro é exteriorizada, para depois ser interiorizada contraditoriamente e

produzida segundo a lógica do mercado (mercadificação). Essa dialética interior-exterior só pode

ser pensada de maneira multiescalar posto que os processos biofísicos/socioecológicos

transcendem escalas na medida em que a análise da produção, distribuição, circulação e consumo

do capital não se restringem a um único nível.

Harvey (2010) entende que o capital cria continuamente algo “fora de si” que

pode ser mobilizado novamente no futuro, pois precisa de algo exterior a ele para se estabilizar

(quer se trate de um exterior pré-existente ou produzido). Isso significa que para continuar se

reproduzindo o capital tanto pode criar um exército industrial de reserva (possibilitando a queda

nos salários e o aumento da capacidade do capital em lucrar), quanto se articular

contraditoriamente com formações econômicas que podem ser entendidas como formas

econômicas não-capitalistas1, para intensificar mecanismos de reprodução. Em ambos os casos o

capitalismo requer algo fora de si para superar a si mesmo e as suas contradições internas.

Isso reforça a nossa referência a Smith (1988) quando este clarifica a construção

de uma ideologia da natureza que, por sua vez, traz consigo distintas perspectivas de uso e

significação do mundo natural, através dos processos e práticas que moldam e interpretam nossas

cosmologias sobre o mundo natural. Tais práticas e processos que estão (pre)supostas na

cosmovisão moderna de natureza culminou numa espécie de capitalização da mesma que faz, da

natureza um obstáculo ao desenvolvimento, mas também uma estratégia de acumulação (SMITH,

2009).

Smith (1988) advoga que a cada vez mais a reprodução social da natureza tem

tornado irrelevante a distinção entre “primeira e segunda natureza”, no sentido de uma externa

ao homem e outra produzida pelo homem. "Segunda natureza", em Hegel, ou nos termos de

Marx, é hoje cada vez menos produzida fora e em oposição à primeira natureza. assim, a

1 Se pensar nos termos indicados por Chayanov (1981).

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“primeira natureza” vem sendo produzida a partir de dentro e como parte desta “segunda

natureza” em si (SMITH, 2009).

Assim, nos termos do materialismo dialético proposto por Marx e Engels n’A

Ideologia Alemã (2007), a análise aqui empreendida tem como foco as relações sociais de

produção. Possibilita-nos, dessa maneira, enxergar a unidade na diversidade como um processo

de síntese de várias determinações, ou seja, permite conceber o pensamento como resultado do

real (MARX, 1973).

Apoiamo-nos também em Lefebvre (1983) uma vez que a lógica dialética

permite desvendar os aspectos do movimento contraditório (principalmente no desenvolvimento

desigual do capitalismo) e interdependente. Em sintonia com Lefebvre, empreendemos uma

análise objetiva, buscando entender as conexões internas do objeto estudado e de como o seu

desenvolvimento combina unidade e diversidade contraditoriamente. O conflito interno do

objeto nos condiciona a investigação da sua essência mais profunda, sem, contudo, querer

aprisionar o objeto livrando-o das transições, da riqueza do conteúdo. Em outras palavras,

procurando sempre radicalidade (profundidade) até o ponto de compreender solidamente as

contradições do movimento, nem que para isso seja necessário rever, repetir e até mesmo voltar a

ponto de partida. Dessa maneira demos a orientação e procedemos a operacionalização da

pesquisa em questão, adotando procedimentos metodológicos voltados para essa leitura crítica.

3- ESTÉTICA E CRÍTICA DOS PROGRAMAS EM QUESTÃO

3.1 PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO DO BIODIESEL (PNPB)2

Conceitualmente, o biodiesel é o biocombustível proveniente de biomassa

renovável que pode ser utilizado para geração de energia objetivando substituir totalmente ou

parcialmente os combustíveis fósseis. No ponto de vista da Agência Nacional do Petróleo (ANP),

“o biodiesel é um combustível composto de mono-alquilésteres de ácidos graxos de cadeia longa,

derivados de óleos vegetais ou de gorduras animais e designado B100” (Portaria nº 255/2003).

Ao lançar o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), em 06

de dezembro de 2004, o Governo Federal apoiou-se na crescente demanda por combustíveis de

fontes renováveis e no potencial brasileiro para atender parte expressiva dessas necessidades, com

a proposta ainda de gerar empregos e renda na agricultura familiar3, reduzindo disparidades

2 Este capítulo toma como base as discussões realizadas em Ribeiro Junior (2010). 3 É importante destacar, como bem salientou Oliveira (2007), que o conceito de agricultura familiar nada mais é que uma concepção neoliberal para interpretar esta agricultura de pequeno porte. É, pois, uma tentativa de sepultar a concepção da agricultura camponesa e com ela os próprios camponeses. Marques (2008) também vai em raciocínio semelhante e demonstra como o conceito de camponês é importante e atual, em detrimento do

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regionais e contribuindo para melhorar as condições ambientais. Isso sintetiza a lógica do PNPB.

Energia é considerada uma espécie de combustível indispensável para o desenvolvimento. No

século XVIII, a fonte predominante foi o carvão, seguido pelo petróleo nos séculos seguintes. Há

grande consenso entre analistas de que o século XXI será da agroenergia (BRASIL, 2010)4.

O Modelo Tributário do Biodiesel foi concebido com o propósito de conceder

redução total ou parcial dos tributos federais incidentes sobre os combustíveis (CIDE,

PIS/PASEP e COFINS) para produtores de biodiesel que apóiem a agricultura familiar, de modo

a viabilizar o atendimento dos princípios orientadores básicos do PNPB de promover a inclusão

social e reduzir disparidades regionais mediante a geração de emprego e renda nos segmentos

ligados a agricultura brasileira. O modelo parte da regra geral de uma tributação federal no

biodiesel nunca superior à do diesel mineral. Entretanto, os produtores de biodiesel que adquirem

matérias-primas de agricultores familiares, qualquer que seja a região brasileira, poderão ter

redução de até 68% nos tributos federais. Se essas aquisições forem feitas de produtores

familiares de dendê (palma) na região Norte ou de mamona no Nordeste e no Semi-Árido, a

redução pode chegar a 100%. Se as matérias-primas e regiões forem as mesmas, mas os

agricultores não forem familiares, a redução máxima é de 31%.

Primeiro é preciso apontar que a lógica do PNPB enquadra-se na mercadificação

da biomassa, ou seja, inserir na lógica macroeconômica capitalista as matérias-primas necessárias

à produção de biodiesel: dendê, soja, mamona e babaçu. Em virtude disto o governo federal

promove a isenção fiscal para capitalizar e atrair investimentos. Para usufruir desses benefícios

tributários, os produtores de biodiesel precisam ser detentores de um certificado: o Selo

Combustível Social (BRASIL, 2010). Na visão de Abramoway e Magalhães (2007, p.16):

A criação do Selo Combustível Social, representa uma nova fonte de

justificação para o sindicalismo rural. Com esse poder nas mãos, os sindicatos

abrem possibilidades inéditas de atuar formalmente na intermediação entre

produtores e indústrias e, dessa forma,influenciar na forma como se organiza o

novo mercado e agir diretamente na negociação dos preços pagos pelas

indústrias para os agricultores familiares.

conceito de agricultura familiar, porque destaca o sujeito histórico e de classe inerente ao desenvolvimento do capitalismo. 4 O documento, que está acessível no site www.mme.gov.br, é composto nos seguintes itens: Biodiesel no Brasil; Modelo Tributário do Biodiesel; Selo Combustível Social; Mistura Obrigatória, Mercado Crescente; Linhas de Crédito; Desenvolvimento Tecnológico; Outros Instrumentos de Apoio; O Princípio da Não-Discriminação com Garantia da Qualidade; O que é Preciso para Produzir Biodiesel e Documentos Legais e Normativos. Por questões de espaço serão abordados aqui os itens considerados pelos autores como principais em virtude da relevância para o entendimento da questão.

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A criação do Selo Combustível Social é uma mudança expressiva na lógica de

ação do governo. A aproximação entre empresas e organizações sindicais teve

como mediador o MDA que não só estabelece formalmente, através das

normas do selo, que as empresas busquem os sindicatos para fechar os

contratos com os agricultores, como estimula a formação de conselhos para o

planejamento da produção nos quais os dois lados estejam representados. O

próprio Ministério vem passando por mudanças importantes. Até então seu

universo de relações restringia-se ao campo dos órgãos públicos e organizações

do setor, e suas políticas se orientavam exclusivamente pelo atendimento de

direitos. Passando a estabelecer vínculos estreitos com grandes empresas

privadas do setor energético, o departamento do Ministério que coordena a

política, adquire também uma preocupação com a gestão, com os mercados e

com a racionalidade econômica das políticas pelas quais é responsável.

Nem tão otimista como o são Abramoway e Magalhães, vemos que é preciso estar

atento quando se fala em “combustível social” (antes disso o combustível não era “social”?).

Assim a intenção do Governo Federal com a inserção do Selo Combustível Social

(FIGURA 01) é justificar a política feita no mercado, bem como torná-la legítima, e em adendo é

tentar racionalizar e intervir na política de mercado no que diz respeito ao biodiesel.

O registro identificado pelo Selo Combustível Social (FIGURA 01) materializa-se

num certificado, concedido aos produtores de biodiesel que adquirem matérias primas de

agricultores familiares, dentro de limites mínimos, variáveis segundo a região, e atendam as

demais exigências, adiante mencionadas.

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Figura 01. Selo Combustível Social. Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)

Como previsto nas Instruções Normativas MDA nºs 01 e 02, de 2005, o Selo

Combustível Social514 é concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) a

produtores de biodiesel habilitados pelas leis brasileiras a operar na produção e comercialização

desse novo combustível e que atendam aos seguintes requisitos:

a) adquiram percentuais mínimos de matéria-prima de agricultores familiares, sendo de 10% nas

regiões Norte e Centro-Oeste; de 30% nas regiões Sul e Sudeste e de 50% no Nordeste e no

Semi-Árido; e

b) celebrem contratos com os agricultores familiares estabelecendo prazos e condições de entrega

da matéria-prima e respectivos preços e lhes prestem assistência técnica.

As empresas detentoras do Selo Combustível Social podem ter redução parcial ou

total de tributos federais, conforme definido no modelo tributário aplicável ao biodiesel. Podem

também participar dos leilões de compra desse novo combustível e usar esse certificado para

diferenciar a origem/marca do biodiesel no mercado (BRASIL, 2010).

Destaque-se que os leilões de biodiesel (FIGURA 02) são: 1) incentivo à

produção, além de garantir a 2) Compra assegurada por produtores e importadores de diesel e ser

uma 3) Medida de transição para o regime de mistura obrigatória a partir de 2008.

5 Instruções Normativas MDA nº 01, de 05.07.2005 (estabelece critérios e procedimentos para concessão de uso do Selo Combustível Social) e MDA nº 02, de 30.09.2005 (fixa critérios e procedimentos para enquadramento de projetos de produção de biodiesel no mecanismo do Selo Combustível Social).

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Figura 02. Leilões de Biodiesel. Fonte: Souto, 2010.

Pela Lei nº 11.097/2005, a partir de janeiro de 2008 será obrigatório, em todo

território nacional, a mistura B2, ou seja, 2% de biodiesel e 98% de diesel de petróleo. Em janeiro

de 2013, essa obrigatoriedade passará para 5% (B5). Em termos de mercado, para o período de

2005-2007 os números atestam 840 milhões de litros/ano; na faixa de tempo de 2008-2012, já

com os 2% de mistura obrigatório, os números giram em torno de 1 bilhão de litros/ano; por

fim, de 2013 em diante, com a obrigatoriedade de 5%, os números no mercado atingem 2,4

bilhões de litros/ano (SOUTO, 2010)

Há possibilidade também de empregar percentuais de mistura mais elevados e até

mesmo o biodiesel puro (B100) mediante autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás

Natural e Biocombustíveis (ANP) (BRASIL, 2010).

Assim, os estímulos econômicos à produção de biodiesel no Brasil decorrem da

própria evolução desse mercado cativo e da conquista de mercados externos, cabendo às políticas

públicas proporcionar condições para que ele funcione de modo eficiente e atenda aos objetivos

de promover a inclusão social e o desenvolvimento das regiões mais carentes, com

sustentabilidade em sentido amplo (BRASIL, 2010). Note-se que aqui se clarifica a lógica do

PNPB: mercadificar a biodiversidade, ou tornar “recursos6” os bens ambientais materiais, tornar

fonte mercantil a natureza.

O papel do governo federal é tornar-se um indutor e um direcionador das

políticas publicas para o beneficiamento da biomassa. Sendo assim, as atuais formas de

apropriação do dendê, da soja, da mamona e do babaçu são entendidas com ineficientes,

insustentáveis em sentido amplo e não conseguem garantir a inclusão social e o desenvolvimento

dos mais necessitados. É como se fora do mercado (capitalista), que possui suas próprias regras

de funcionamento, não houvesse possibilidade de existência socioeconômica. Logo ele se

6 A título de curiosidade, Shiva (2000, p.300) mostrou que a palavra recurso originalmente “enfatizava o poder de auto-regeneração da natureza e chamava atenção para a sua criatividade prodigiosa”.

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absolutiza como única dimensão econômica possível e pensável, o que nos leva a deduzir que, de

um ponto de vista externo do mercado (capitalista ou capitalizado), ou seja, fora do sistema

macroeconômico mercantil, exista apenas a exclusão (MORENO, 2005).

Visando operacionalizar a produção, o governo federal disponibilizou Linhas de

Crédito com encargos financeiros reduzidos e prazos mais longos de carência e amortização para

toda a cadeia produtiva do biodiesel, abrangendo investimentos em equipamentos e plantas

industriais e financiamentos ao cultivo de matérias-primas para produção de biodiesel. Esses

financiamentos são concedidos por bancos oficiais com recursos do Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social7 (BNDES), do Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (Pronaf) e de outras fontes. Dada a atratividade econômica da produção de

biodiesel, outras instituições de crédito estão financiando ou planejam financiar elos da cadeia

produtiva do biodiesel, como vem ocorrendo com o Banco do Brasil, com a linha de crédito

BBBiodiesel, e com outros bancos oficiais e privados nacionais e estrangeiros (BRASIL, 2010).

Está claro a financeirização dos processos produtivos. E aqui cabe uma ressalva

ao papel do BNDES. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social tem

financiado projetos voltados para o monocultivo de cana de açúcar e eucalipto, para a produção

insustentável de carne, para a exploração de minério, para a construção de fábricas de celulose,

usinas de produção de agroenergia, siderúrgicas, hidrelétricas e obras de infraestrutura, como

portos, ferrovias, rodovias, gasodutos e mineriodutos. Estes projetos têm afetado direta e

profundamente a vida de inúmeras pessoas. Nesse sentido, indígenas, quilombolas, camponeses,

ribeirinhos, pescadores do Brasil, Equador e Bolívia, reunidos no I Encontro Sul-Americano de

Populações Impactadas por Projetos financiados pelo BNDES - Rio de Janeiro, 25 de

novembro de 2009 - tornaram público os impactos causados pelos projetos de desenvolvimento

que contam com o financiamento do referido banco. Em verdade, os financiamentos dos bancos

estão servindo para aumentar os lucros de um grupo reduzido de algumas dezenas de grandes

empresas de capital nacional e internacional. Consequentemente, isso tem comprometido desde a

soberania alimentar de muitas populações, até a demarcação de terras indígenas e quilombolas,

bem como a realização da reforma agrária e a obtenção de empregos com garantia de direitos, no

campo e nas cidades (CARTA DOS ATINGIDOS PELO BNDES).

A despeito de tudo isso o governo federal tem investido direcionado recursos para

o incentivo e financiamento do Desenvolvimento Tecnológico.

7 Resolução BNDES nº 1.135/2004: institui o Programa de Apoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel, prevendo financiamento para todas as etapas da cadeia produtiva (financia até 90% dos projetos com Selo Combustível Social e até 80% sem essa característica).

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Esses incentivos incluem a seleção de matérias-primas segundo as características

diferenciadas de solo e clima regionais. Fato importante devido à diversidade de oleaginosas e ao

fato de as mesmas representarem algo em torno de 75% dos custos de produção do biodiesel

(BRASIL, 2010).

Outro componente de destaque é o desenvolvimento e/ou aperfeiçoamento de

processos de produção industrial mais eficiente e testes em motores e componentes com

diferentes proporções de biodiesel, inclusive para apoiar tecnicamente o uso de misturas

biodiesel/diesel em percentuais superiores a 5% num futuro próximo (BRASIL, 2010).

Desprezando todas as mazelas que o desenvolvimento (irracional do capitalismo)

industrial promoveu, inclusive o agravamento da crise ambiental, o governo federal incentiva e

busca aperfeiçoar processos industriais e eficientes8. Não nos esqueçamos que a CEPAL -

Comissão Econômica para a América Latina - constatou que os países latino-americanos tinham

como matriz da pobreza o fato de serem pouco industrializados. Era preciso então fomentar a

industrialização para que esses países não tivessem tanta desvantagem em relação ao mundo dito

desenvolvido. Ou seja, era preciso deixar de ser um país do primeiro setor (exportador de

matérias-primas) e adentrar ao mundo do segundo setor (a indústria). Esse é um dos objetivos do

PNPB: industrializar as matérias-primas, pois simboliza desenvolvimento e progresso.

A despeito da crítica ao desenvolvimento capitalista, assim como da insuficiência

política e tecnológica para a questão ambiental, o PNPB lança mão do Princípio da Não-

Discriminação com Garantia da Qualidade. O documento atesta que embora haja incentivos

tributários para a produção de biodiesel com matérias-primas cultivadas por agricultores

familiares e nas regiões mais periféricas do País, a existência de um mercado cativo e crescente

para o biodiesel representa um estímulo econômico muito importante para empresas

capitalizadas e com maior escala de produção. Como é próprio numa economia de mercado,

estas vão se posicionando conforme suas características e estratégias de negócios, já que ao

Governo Federal não cabe produzir biodiesel, mas promover sua produção e uso, com

sustentabilidade e qualidade compatível com as exigências dos mercados interno e externo

(BRASIL, 2010).

Interessante perceber que, apesar do PNPB prezar pela não-discriminação com

garantia de qualidade, ele é um programa que discrimina práticas alternativas de uso e apropriação

8 Na visão dos autores, a crítica de Alvares (2000) nos leva a questionar como a eficiência, concebida no âmbito da ciência moderna e do desenvolvimento capitalista, é um dos critérios principais para avaliar as tecnologias e o trabalho produtivo. Dessa forma, quanto mais eficiente for um processo produtivo, mais desenvolvido ele será. Eficiência e desenvolvimento se tornam sinônimos. A ciência é então o caminho para se atingir tal objetivo. Sob o cânone da ciência moderna esse conceito foi associado a um tipo específico de utilização de recursos (ALVARES, 2000).

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da natureza, como é o caso das quebradeiras de coco babaçu. Sob essa ótica, conflitos têm

surgido a partir do avanço das áreas de apropriação privada nas Unidades da Federação marcadas

pela defesa dos elementos da Natureza: movimentos contra o agronegócio da soja, movimento

de quebradeiras de coco babaçu, dentre outros.

3.2. PROGRAMA DE BIODIESEL MARANHÃO

Os combustíveis líquidos (Diesel, Gasolina, GLP, Álcool, Nafta, Óleo

Combustível e Querosene) representam 40,1% do consumo final de energia no Brasil (dados de

2004). Dentro dessa perspectiva, O consumo de combustíveis líquidos no Brasil está distribuído

da seguinte forma: transporte (61%), geração de energia (7,1%), indústria (6,9%), agropecuária

(5,9%), geração de energia elétrica (3%), setor energético (1,5%), serviços (1,4%) e uso não

energético (13,1%). O Diesel, a Gasolina, o Álcool e o Querosene representam 98,6% do

consumo de combustíveis líquidos no setor de transportes. O Óleo combustível, o diesel e o

GLP representam 99,8% do consumo de combustíveis líquidos na indústria. O GLP representa

99,8% do consumo de combustíveis líquidos no setor residencial. O diesel representa 98,1% do

consumo de combustíveis líquidos na agropecuária (SOUTO, 2010). Todos esses números

canalizam a discussão para a oferta de combustíveis líquidos, em especial produção e refino de

petróleo, além da importação de Nafta, GLP e Diesel e, no caso específico da discussão, a

produção de biomassa como alternativa energética (FIGURA 03).

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Figura 03. Produção total de biomassa como potencial energético. Fonte: Souto, 2010.

O Programa de Biodiesel Maranhão, conta com a participação conveniada de

Instituições de Pesquisa, como a FAPEMA (Fundação de Amparo à Pesquisa e ao

Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão), e as Universidades Federal e Estadual

do Maranhão (UFMA e UEMA, respectivamente).

Lançado em 2005, o programa objetiva construir uma unidade de produção de

biodiesel, como suporte a implantação do Programa Especial de Biodiesel do Maranhão que sirva

de apoio para demonstrar a viabilidade técnica, econômica, social e ambiental do agronegócio do

babaçu com vias a produção de biodiesel (PROGRAMA DE BIODIESEL DO MARANHÃO,

2005).

Ateste-se que o fato do Programa contar com a participação de duas

Universidades isso confere ao mesmo o poder de legitimar suas ações sobre a prerrogativa de que

as mesmas guiam-se pelo paradigma da ciência. Essa legitimidade científica confere justificativas

suficientes para controlar os recursos naturais (caso do babaçu) e direcionar todas as ações para

um uso específico de utilização de recursos, gerando assim um maior desenvolvimento

(ALVARES, 2000).

Preocupa também o apoio explícito ao agronegócio. Como o próprio nome diz, o

agronegócio transforma a agricultura, ou seja, a cultura se transforma em negação do ócio. Isso

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equivale a dizer que a forma tradicional ou cultural com as quais o babaçu é apropriado é

semelhante à noção de Valverde (1957) quando caracterizava o caboclo maranhense como

indolente e de má fé. Além do mais, o debate mais recente na perspectiva do agronegócio

processou-se na aprovação do Código Florestal, capitaneados pela Bancada Ruralista no

Congresso Nacional que tem como principais nomes a senadora e presidente da Confederação

Nacional da Agricultura, Kátia Abreu (DEM-TO) e o Deputado Federal e relator do Código,

Aldo Rebelo (PC do B-SP). O Código Florestal propõe, entre outras medidas, reduzir a Reserva

Legal na Amazônia de 80% para 50%; Reduzir as Áreas de Preservação Permanente como

margens de rios e lagoas, encostas e topos de morro; e anistiar os crimes ambientais, sem exigir o

reflorestamento da área.

O Código Florestal é “apenas” mais uma vitória da bancada ruralista que contribui

enormemente para o aumento dos conflitos no campo. Além desta, podemos destacar a

aprovação da Medida Provisória 422, de 25 de março de 2008, que regulariza propriedades de até

1500 hectares na Amazônia. Em suas próprias palavras “fica limitada a áreas de até quinze

módulos fiscais, vedada a dispensa de licitação para áreas superiores a esse limite9”; a Medida

Provisória 458, de 10 de fevereiro de 200910, que visa acelerar regularização de tais propriedades,

apelidada de "MP da Legalização da Grilagem", por igualar posseiros e grileiros) e o programa

Terra Legal (regulariza posses na Amazônia sem garantir fiscalização à propriedade, a fim de

comprovar as dimensões declaradas, entre outras irregularidades abrigadas também nas MPs

citadas11).

O reflexo da flexibilização das legislações aumentou o número de assassinatos no

campo conforme a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Segundo dados da entidade, em 2010

ocorreram 1186 conflitos, com 34 assassinatos.

O quadro de apologia ao agronegócio enfatiza por um lado o aumento da

produtividade, mas em compensação traz custos socioambientais elevadíssimos. Pior ainda, num

momento de flexibilização de leis quais os impactos que este quadro pode ter sobre a Lei do

Babaçu Livre?

As metas elencadas pelo programa foram: 1) Implementar e otimizar uma unidade

de produção biodiesel a partir do óleo do babaçu (capacidade 400 L/dia); 2) Avaliar as vantagens

econômicas, sociais e ambientais do programa MA-Biodiesel e sua inserção no arranjo produtivo

do babaçu; 3) Testar a avaliar o desempenho do biodiesel etílico de babaçu e de suas misturas

com petrodiesel em motores estacionários e veiculares; e 4) Expandir e atualizar a infraestrutura

9 http://www.camara.gov.br/sileg/integras/548346.pdf 10 http://sistemas.mda.gov.br/arquivos/1726920094.pdf 11 Conforme entrevista do Geógrafo e Professor Doutor em Geografia Ariovaldo Umbelino Oliveira ao Correio da Cidadania, disponível em http://www.correiocidadania.com.br/

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laboratorial (pesquisa e CQ) na área de biocombustíveis do estado (PROGRAMA DE

BIODIESEL DO MARANHÃO, 2005).

O argumento gira em torno 1) da abundância do babaçu presente em mais de

80% do Estado do Maranhão (TABELA 01); 2) Responsável por quase 30% da produção

brasileira de extrativos vegetais; 3) Cultura que carece de maiores estudos na exploração de seu

potencial; 4) Múltiplas formas de aproveitamento (64 produtos derivados do babaçu); e 5)

Emprega mais de 2 milhões de pessoas.

Tabela 01. Quadro síntese região ecológica x produtividade

REGIÃO

ECOLÓGICA

ÁREA

COBERTA

PRODUTI-

VIDADE

MÉDIA

PRODUÇÃO

ÁREA

COBERTA

PRODUÇÃO

ANO 1980 1980 1980 2000 2000

UND. ha kg/ha tonelada ha tonelada

Baixada 732.500 1.294,3 948.075 622.625 805.864

Cerrado 1.378.500 1.235,3 1.702.861 1.171.725 1.447.432

Cocais 1.841.500 2.148,9 3.957.199 1.565.275 3.363.619

Pré-Amazônia 98.850 935,1 92.435 84.023 78.569

Imperatriz 260.350 1.444,0 375.945 221.298 319.554

Planalto 146.559 1.696,1 248.579 124.575 211.292

Chapadões 217.200 2.293,3 498.105 184.620 423.389

Não Classificado 47.300 1.689,1 79.894 40.205 67.910

TOTAL

4.722.759

1.673,4

7.903.093

4.014.345

6.717.629

Fonte: Programa Maranhão Biodiesel, 2005.

O que se esconde por trás desse argumento é a necessidade. Quando o programa

fala de carência, utiliza esta palavra sabiamente. Isso porque necessidade diz respeito a um estado

de carência que motiva a busca de satisfação (ILLICH, 2000).

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS: APOLOGÉTICA DA CAPITALIZAÇÃO DO BABAÇU

O mito de Prometeu continua presente ainda hoje. O homem é capaz de se

“emancipar das forças escravizantes da natureza” que impedem o seu livre desenvolvimento.

Com o desenvolvimento progressivo do capitalismo a natureza vai perdendo o seu caráter de

produtora para o homem, como é o caso do petróleo, no qual nos consideramos, erroneamente,

produtores.

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O progresso industrial observado na modernidade cria necessidades que para

satisfação exige uma gama de tecnologias trazendo consigo um maior gasto de energia, poluindo

a natureza e produzindo resíduos sólidos. Tanto o carvão mineral, petróleo e gás natural, quanto

qualquer combustível de origem biológica produzido a partir de elementos vegetais da natureza,

tem sua sustentabilidade questionada, posto que como foi mostrado, a dita sustentabilidade está

atrelada ao desenvolvimento (do capitalismo).

Em que pese as alternativas energéticas existentes, tais como hidrelétricas,

termelétricas e energia nuclear, a produção de bioenergia pode ser positiva desde que esteja

atrelada à sustentabilidade ambiental da natureza, uma vez que a orientação do desenvolvimento

tem se pautado para a manutenção e sustentação de um estilo de vida que necessita de cada vez

mais de energia deslocando a sustentabilidade para o sistema capitalista.

Logo, na lógica do desenvolvimento do babaçu normalmente arrogam-se as

condições geográficas que beneficiam tal empreitada (terra agricultável, solo fértil, geração de

emprego e renda). Porém, o espaço ocupado pelo babaçu dentro das políticas públicas de

desenvolvimento e industrialização, a nível nacional, ainda é tímido, posto que as

principais matérias-primas para a produção do biodiesel ainda são: a mamona (que possui o maior

teor de óleo vegetal, 47%), soja (cuja produção em 2005 no Brasil atingiu a marca de 5.600.000

m3/a), dendê (a produção de óleo vegetal indicou 4.000 kg/ha), além do girassol e algodão. Mas

a questão também incide sobre: como ficará o solo se este for usado expansivamente para a

produção energética? Quais os impactos sobre a fauna e a flora?

Por isso tudo, o babaçu não pode ser reduzido apenas a uma dimensão energética,

mas sim como uma verdadeira atividade econômica12 na medida em que se insere

perfeitamente no cotidiano de milhares de mulheres que se auto-reconhecem como quebradeiras

de coco. A luta pela preservação dos babaçuais frente ao avanço da pecuária, bem como da

utilização do coco para as siderúrgicas, deve ser ampliada para a luta por uma manutenção de

uma identidade, na medida em que o processo de identificação das quebradeiras de coco babaçu

fundamenta tal noção coletiva.

12 É bom esclarecer que a palavra economia deriva de oikonomia que é a arte do aprovisionamento material da casa familiar (MARTÍNEZ ALIER, 2007, p. 53). Partindo desse pressuposto, o babaçu insere-se perfeitamente na casa, no cotidiano, enfim, na economia doméstica/familiar da vida de milhares de camponeses e camponesas, especialmente no Maranhão.

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