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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA Campus Governador Valadares Departamento de Direito SISTEMA PENAL E VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL Projeto de Extensão apresentado ao Departamento de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora, campus Governador Valadares, em parceria informal”com o NTPDH (Núcleo de Estudos da Tutela Penal e Educação em Direitos Humanos - UNESP) o Instituto Internacional Eduardo Correia e integrante das atividades desenvolvidas no Centro de Referências de Direitos Humanos, coordenado pelo Prof. Adamo Dias Alves, da mesma instituição. Governador Valadares Ago. 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

Campus Governador Valadares

Departamento de Direito

SISTEMA PENAL E VIOLÊNCIA

INSTITUCIONAL

Projeto de Extensão apresentado ao Departamento

de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora,

campus Governador Valadares, em parceria

informal”com o NTPDH (Núcleo de Estudos da

Tutela Penal e Educação em Direitos Humanos -

UNESP) o Instituto Internacional Eduardo

Correia e integrante das atividades já

desenvolvidas no Centro de Referências de Direitos

Humanos, coordenado pelo Prof. Adamo Dias

Alves, da mesma instituição.

Governador Valadares

Ago. 2014

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SISTEMA PENAL E VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL

1. INFORMAÇÕES GERAIS

Título: Sistema Penal e Violência Institucional

Área temática: Direitos Humanos e Justiça.

Linha de extensão: Segurança pública e defesa social

Data de início: outubro de 2014.

Data de fim: sem previsão de término.

Por ser parte das atividades desenvolvidas no Centro de Referências em

Direitos Humanos (CRDH), projeto de extensão coordenado pelo Prof. Adamo Dias

Alves, e levando em consideração que tratar-se de projeto estruturado por meio de

cinco diretorias, organizadas de acordo com cinco eixos temáticos de ações

extensionistas em direitos humanos, este projeto localiza-se no núcleo “Estudos da

violência e promoção dos Direitos Humanos”.

2. EQUIPE

2.1 Coordenação

Coordenador: Guilherme Gouvêa de Figueiredo

Vice-coordenador: Daniel Mendes Ribeiro

2.2 Colaboradores docentes na UFJF

SIAPE NOME

1650987 Adamo Dias Alves

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2

2027806 Daniel Mendes Ribeiro

2031493 Guilherme Gouvêa de Figueiredo

2036035 Nara Pereira Carvalho

2128345 Tayara Talita Lemos

2.3 Colaboradores externos

NOME DESIGNAÇÃO NO PROJETO

Paulo César Corrêa

Borges

Mestre, Especialista e Doutor em Direito Penal.

Professor junto aos cursos de graduação e pós-

graduação da UNESP (Universidade Estadual

Paulista). Fundador e coordenador do NETPDH.

Coordenador do programa de pós-graduação em

Direito da UNESP

Fernando Andrade

Fernandes

Doutorado em Direito pela Universidade de Coimbra

(2000) e pós-doutorado em Direito Penal pela

Universidade de Salamanca (2011). Atualmente é

professor Assistente doutor da UNESP. Tem

experiência na área das Ciências Jurídico-Criminais,

com ênfase em Direito Penal, Política criminal e

Criminologia

Paulo Silva

Fernandes

Mestre em Ciências Jurídico-criminais pela

Universidade de Coimbra, Doutor em Direito pela

Universidade de Salamanca. Professor de direitos

humanos e criminalidade na Universidade do Minho-

Portugal

Renato Santos

Gonçalves

Especialista em Direito Público e Mestre em Saúde,

Sociedade e Ambiente.

Professor recém-empossado na Universidade Federal

de Juiz de Fora, campus Governador Valadares,

Departamento de Direito (quando entrar em exercício

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e obtiver o SIAPE respectivo, integrará o núcleo de

colaboradores docentes da UFJF do projeto).

3. DESCRIÇÃO

3.1 JUSTIFICATIVA GERAL (aporte teórico)

Tornou-se lugar comum a crise por que passa o Direito Penal brasileiro.

Crise a demarcar não somente a ineficácia do sistema penal (os seus instrumentos

próprios de atuação) mas, além, também um qualquer potencial ilegítimo,

segregatório e criminógeno, conatural ao próprio aparato punitivo estatal.

E a criminologia moderna, depois de um notável rearranjo de objeto, tem sido

o horizonte científico mais frutuoso para denunciar o que ficou dito e apontar

renovados vetores político-criminais. Partindo-se de renovada perspectiva, o

criminoso, num primeiro momento, deixa de ser visto como alguém a quem se deve

imprimir um qualquer predicado negativo, sendo “a adesão a valores, normas,

definições e o uso de técnicas que motivam e tornam possível um comportamento

‘criminoso’, um fenômeno não diferente do que se encontra no caso de

comportamentos conforme à lei”.1 O que diferencia o comportamento desviado do

“normal” depende muito menos da assunção de uma postura interior intrinsecamente

positiva ou negativa do que da definição legal e social, que determina quais devem

ser as condutas aceitáveis e quais as criminosas. Da mesma forma, o crime perde o

seu trivial significado de conduta atentatória a valores consensuais e indispensáveis

à manutenção da ordem social, ao passo que a doutrina criminológica vai

progressivamente reconhecendo o caráter criminógeno desta mesma (des)ordem

social.

1 Cf. BARATTA, Criminologia crítica e crítica do direito penal (introdução à sociologia do direito penal).

Rio de Janeiro: Revan, 2002., p. 85. De fato, a partir do momento em que as construções de cunho mais

marcadamente sociológico começam a questionar o determinismo das vetustas teorias etiológicas do

crime, passa-se a considerar a deviance não como algo anormal ou inato ao agente, mas antes como o

resultado de um peculiar processo de socialização.

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Oportuna será, pois, uma breve referência à discussão à volta da problemática

da criminologia do consenso vs. criminologia de conflito. Ora, enquanto a primeira

aposta na existência de valores comuns e indispensáveis à manutenção da sociedade

e no direito como forma de assegurar o livre exercício de tais valores; a segunda, de

inspiração crítica,2 desdobra-se para demonstrar que aqueles mesmos valores,

reforçados pelos instrumentos institucionais, exprimem não mais do que a vontade

das classes sociais dominantes. O modelo criminológico do conflito ficou a dever a

uma pluralidade de matrizes teóricas, marxistas e não marxistas,3 e a sua

transposição mais detalhada para o pensamento criminológico encontrou eco

principalmente nos setores da nova criminologia (ou criminologia radical) que,

como se verá, tiveram como fundamental o propósito de descortinar o caráter

classista do direito criminal.4

Adiante, com o advento das teorias da “reação social”, ou labeling approach,

é a própria definição dos objetivos e métodos de investigação criminológica que é

posta cabeça abaixo. Partindo de uma notável inversão de sentido, os criminólogos

do labeling deixam de lado a tradicional busca pelas razões do fenômeno criminal

nos fatores (biológicos, psicológicos ou sociais) que interferem na pessoa do

criminoso e se voltam para os mecanismos institucionais de definição, seleção e

controle. Assim, as teorias do etiquetamento procuram uma resposta para o

problema da criminalidade por meio de uma postura assumidamente crítica, que se

ocupa em condenar as instâncias formais de controle, enquanto formas constitutivas

e não preventivas da criminalidade. Portanto, a própria definição institucional de

2 Para uma síntese das doutrinas do conflito, em contraste ao pensamento do “delito natutal” ver:

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica... cit.,, p. 117 e ss. 3 Ficou a dever a Dahrendorf a mais conceituada construção contrária às de inspiração marxista. “O

conflito em Marx é um conflito de duas classes, definindo-se estas pela posição quanto `propriedade

pelos meios de produção. Dahrendorf, por seu turno, além de não reconhecer uma linha unitária de

divisão e conflito, privilegia, quer como critério de definição de classe, que como fonte de conflito, a

distribuição desigual da autoridade...” (DIAS, Jorge de Figueiredo; COSTA ANDRADE, Manuel.

Criminologia...., p. 254). 4 Mais detalhadamente, sobre os pontos convergência e dissintonia entre a chamada criminologia radical e

a criminologia do conflito. BERNARD. The distinction between conflict and radical criminology. The

Journal of Criminal Law and Criminology 72/362 e ss.

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crime teria um efeito estigmatizante ao determinar previamente e de forma não

consensual quais são os comportamentos atentatórios à ordem social.

A orientação metodológica dos teóricos do labeling approach se concentra

em duas direções fundamentais, que, da perspectiva da doutrina da reação social, se

podem condensar na distinção entre delinquência “primária” e delinquência

“secundária”.5 Esta distinção desenvolvida por Lemert, é considerada o grande

marco para o desenvolvimento da perspectiva interacionista. De fato, toda a

investigação interacionista, radicada na busca por soluções à declarada

estigmatização operada pelas estruturas sociais, procura por respostas a duas grandes

indagações: “quais são os critérios em nome dos quais certas pessoas e só elas são

estigmatizadas como delinquentes?” e “quais as consequências desta

estigmatização?”.6

A resposta à primeira delas se busca fundamentalmente a partir da análise

geral dos mecanismos de seleção e controle, responsáveis pelo processo de

criminalização primária e pela fragmentariedade do ordenamento jurídico-penal.

Nesta linha, os autores do labeling, partidos de uma pretensa neutralidade política,7

atacam grande parte dos mandamentos de criminalização por serem contrários ao

pluralismo cultural e a valores legítimos pertencentes a parcelas segregadas da

sociedade. Por outro lado, o próprio processo de criminalização e controle, assim

como as instâncias informais, são considerados responsáveis, por meio da

simbolização normativa que promovem, pela estigmatização de determinados

indivíduos como delinquentes. Eis, em breves linhas, os motivos que determinam a

estigmatização de determinadas pessoas no ambiente social antes mesmo de uma

resposta desviante e que implicam num rearranjo da atitude do indivíduo consigo

mesmo e do papel por ele desempenhado no seio social.

5 Sobre a inversão metodológica operada pela teoria do etiquetamento ver: BARATTA, Alessandro.

Criminologia crítica... cit., p. 86 e ss. 6 DIAS, Jorge de Figueiredo; COSTA ANDRADE, Manuel. Criminologia..., p. 342.

7 Pretensa neutralidade que é fortemente atacada por autores atrelados aos vetores da chamada

criminologia radical. Assim, por exemplo, Baratta, para quem a teorias do etiquetamento são, pela sua

despolitização e desvinculação a vetores econômicos, doutrinas de “médio alcance” (Criminologia

crítica... cit., p. 99 e ss.).

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Quanto à segunda indagação, a resposta se encontra partindo da construção

de uma plêiade de conceitos cunhados para a determinação do impacto das respostas

sociais ao desvio, ou seja, para a aferição das consequências das respostas sociais na

formação da identidade dos indivíduos e nas chamadas carreiras criminais.8 Obtém-

se, portanto, numa relação de diálogo com a primeira, a resposta à segunda

indagação. A então chamada delinquência secundária seria uma consequência da

interiorização “bem sucedida” pelo indivíduo do “estigma” de delinquente. Assim, o

desvio não é característica de uma ação praticada por um indivíduo, mas um rótulo

social e institucional que se atribui a alguém, estigmatizado então como desviante ou

outsider. Daí emerge todo um ambiente intelectual de repulsa à reação social

promovida contra os indivíduos rotulados como desviantes.

Para um estudo crítico dos processos de desviação secundária, os teóricos do

labelling procuram deslindar os mecanismos de etiquetamento da perspectiva dos

que rotulam e da dos que são rotulados (role-engulfment). Ora, como se viu, a

seleção que ocorre no plano das estruturas sociais, v.g. os processos de

criminalização, é em si uma demonstração de uma definição antecipada e

estereotipada que a sociedade promove. Além disso, da perspectiva do indivíduo

etiquetado, o fato de se inserir nesta definição já é em si um fator estigmatizante. E o

comportamento propenso ao desvio secundário se concretiza à medida que o

indivíduo se percebe como um outsider. Daí o fervor com que a doutrina do

etiquetamento condena todo o procedimento de seleção e persecução. Desde a

criminalização, passando pelo contato com os órgãos de investigação e controle até

o final julgamento, as chamadas cerimônias degradantes, furtam a identidade dos

submetidos e lhes atribuem uma outra. A forma teatral e ritualizada como ocorrem

as atuações estigmatizantes interferem de tal forma na autoimagem do indivíduo que

os torna cada vez mais “donos” dos estigmas que lhes são atribuídos. Na formulação

8 Daí advém a preocupação em tecer uma série de conceitos demonstrativos de toda uma realidade

estigmatizante. Tais como self, autoimagem, outros significantes, audiência social, moral cruzaders,

delinquência potencial, estereótipo, negociação, delinquência secundária, cerimônias degradantes,

instituições totais, role-engulfment etc. Um panorama geral encontramos em: DIAS, Jorge de Figueiredo;

COSTA ANDRADE, Manuel. Criminologia..., 347 e ss.

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de Becker, “tratar uma pessoa como se ela não fosse, afinal, mais do que um

delinquente acaba por funcionar como um profecia-que-a-si-mesma-se-cumpre. Põe

em movimento um conjunto de mecanismos que compelem a pessoa a conformar-se

e a corresponder com a imagem que o público tem dela. Quando o desviante é

apanhado, é tratado em harmonia com o diagnóstico vulgar. E é o tratamento que

provavelmente provocará um aumento da delinquência”.9 Em outras palavras, “a

estigmatização pública como desviado e criminoso implica na atribuição à pessoa de

um papel desviado, que finalmente adota e conforme o qual se comporta”.10

Por ser a criminologia da reação social extremamente avessa aos

instrumentos institucionais de controle, nomeadamente os processos de

criminalização, as vias institucionais de persecução11 – as cerimônias degradantes

de que falava Garfinkel12 – e a pena privativa de liberdade (cunhadas como

instituições totais), as propostas reformistas vão por caminhos “não institucionais”.

A seguir ao aparecimento da doutrina do etiquetamento, a criminologia

crítica passa por uma crescente politização. A então nova criminologia13 dos anos 70

viria a apontar para certas limitações das construções desenvolvidas pelos autores do

labeling. Estes são criticados por apresentarem uma teoria de “médio alcance” à

medida que não oferecem respostas satisfatórias aos problemas que os mesmos se

propuseram a descortinar.14 Estas teorias teriam reduzido o estudo da criminalidade

à própria definição legal ocorrida no momento da criminalização, deixando

9 BECHER, Howard. Outsiders. Studies in the sociology of deviance. New York: Free Press, 1963. p. 34

apud DIAS, Jorge de Figueiredo; COSTA ANDRADE, Manuel. Criminologia...., p. 352. 10

BAJO FERNÁNDEZ, Miguel. La delincuencia económica desde el punto de vista criminológico. In:

ALFARO, Reyna; MIGUEL, Luis (coords.). Nuovas tendencias del derecho penal económico y de la

empresa. Lima: Ara, 2005. p. 34, grifo nosso. 11

Sobre esta limitação da doutrina do etiquetamento, nomeadamente em relação à criminalidade de

colarinho branco, ver: BAJO FERNÁNDEZ, Miguel, La delinquencia., p. 36 e ss. 12

Cf. GARFINKEL. Conditions of successful degradation ceremonies. American Journal of Sociology. n.

61. Cidade; Editora, 1956. 13

Expressão cunhada a partir da paradigmática obra de: TAYLOR, Ian; WALTON, Paul; YOUNG, Jock. The

new Criminology, passim 14

Fato que, mesmo aprofundado pelas posteriores manifestações da criminologia radical, já é objeto de

críticas pelos precursores da criminologia radical, que acusam os teóricos do labeling de um acentuado

determinismo e, além, de um esquecimento da criminalidade primária (cf. TAYLOR, Ian; WALTON, Paul;

YOUNG, Jock. The new criminology. London: Routledge, 1973., p. 176).

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consequentemente fora do seu horizonte de análise a discussão sobre a existência de

uma série de outros interesses merecedores de tutela.15 Por outro lado, são criticadas

por negligenciarem a análise politicamente interessada, de fatores sociais e

econômicos, que deveria oferecer uma enorme contribuição para o discurso

criminológico.

A nova criminologia, busca, por sua vez, oferecer uma teoria criminológica

globalizante. Para tanto parte para o questionamento das estruturas sociais,

econômicas e políticas que avalizam a manutenção de uma sociedade desigual e

fragmentada e que, assim, reproduz um modelo de controle da criminalidade

também injusto e fragmentado.16 Partindo da crítica dos postulados positivistas,

avança para uma abordagem que contempla a definição legal de crime como uma

tentativa institucional de adaptar os valores da classe trabalhadora aos da classe

dominante. Por meio do caráter estigmatizante e coercitivo do sistema punitivo, o

Estado pretende tornar consensual a necessidade de obediência a determinados

padrões de comportamento que na verdade afirmam as vontades das classes mais

favorecidas. Sendo assim, as reformas que foram propostas pelas correntes

criminológicas logo anteriores são menosprezadas por perpetuarem o caráter

classista do aparato punitivo estatal. E é exatamente por isso que este ramo da

criminologia é chamado de radical. “Os pressupostos teóricos de que parte, bem

como a intencionalidade política que a caracteriza, levam a criminologia radical a

recusar todas as tentativas de conceptualização já ensaiadas: porque partem de

perspectivas epistemológicas viciadas e, além disso, funcionam como racionalização

de legitimação ou mesmo apologética da ordem vigente”.17 Daí surgem domínios do

15 Nesta linha, Baratta critica a doutrina do etiquetamento por deixar de fora de suas preocupações aqueles

“comportamentos lesivos de interesses merecedores de tutela, ou seja, aqueles comportamentos

(criminalizados ou não) que aqui denominamos ‘comportamentos socialmente negativos’, em relação às

mais relevantes necessidades individuais e coletivas. A qualidade de desvio efetivo que tais

comportamentos problemáticos tem em face do funcionamento do sistema socioeconômico, ou a sua

natureza expressiva de reais contradições daquele sistema, permanece inteiramente obscurecida,

reduzindo-se o seu significado ao efeito das definições legais e dos mecanismos de estigmatização e

controle social (...)” (cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica... cit., p. 98). 16

TAYLOR, Ian; WALTON, Paul; YOUNG, Jock. The new criminology…, p. 176. 17

DIAS, Jorge de Figueiredo; COSTA ANDRADE, Manuel. Criminologia…., p. 78.

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pensamento criminológico radical que aspiram, avessos às tendências reformistas

impulsionadas pela tentativa de minimizar o caráter desigualitário do sistema

jurídico-penal, à utilização do sistema como um instrumento revolucionário de

transformação da sociedade.18

3.2. JUSTIFICATIVA ESPECÍFICA (aporte prático)

Partindo do contexto traçado em linhas gerais sobre a gritante ausência de

linearidade científica e legitimidade entre os instrumentos formais de persecução e

controle e a realidade dos atores envolvidos no “jogo do desvio” é que projeto

avança. E avança partindo do reconhecimento de que, por serem notórios os

processos de criminalização primária e secundária em relação à criminalidade

massiva, é papel da Universidade Pública atuar como um instrumento de

emancipação social, pala via do contato politicamente interessado com o crime, sua

gênese, e a violência institucionalizada coeva (impacto da resposta social ao desvio).

De acordo com o último senso do IBGE, a cidade de Governador Valadares, onde o

projeto de extensão Sistema Penal e Violência Institucional pretende se

desenvolver, conta com 263.689 habitantes, sendo 10.389 habitantes os que

compõem a população residente rural e 253.300 a população residente urbana. O

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal é de 0,727 e as proporções

geográficas são de 2.342,319 km2.19

Mas, os números que mais saltam aos olhos em relação ao município são os

relacionados às estatísticas criminais. A despeito da não fiabilidade dos dados

oficiais20, e eis aqui um grande objeto de estudo eleito pelo projeto, Valadares é uma

das cidades mais violentas do Estado, com altos índices de homicídios, roubos,

18 TAYLOR, Ian; WALTON, Paul; YOUNG, Jock The new criminology…, p. 160 e ss.

19 Cf. IBGE ( http://www.cidades.ibge.gov.br/).

20 Não há dados suficientes, senão extraoficiais, sobre a cartografia da violência no município. De resto,

por mais que tenhamos consultado IBGE, Wikpedia, etc, cremos na clara seletividade e manipulação de

dados institucionais. Crença que, por si, já imprime relevo ao projeto.

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furtos, e outras tantas infrações relacionadas mormente ao tráfico de drogas. Conta

com Estabelecimentos Prisionais superlotados, onde a privação de liberdade é

majorada pela ofensa a direitos fundamentais da pessoa e a aplicação velada de

penas corporais; índices elevados de violência policial, etc.

Em contrapartida, é praticamente inexistente um qualquer aparato (formal ou

informal) que garanta elementos de apoio às vítimas da violência institucional, o que

reverbera num círculo vicioso que torna a criminalização secundária num

instrumento de exclusão social e perpetração do desvio.

De mais a mais, por mais que o que aqui se projeta tenha como objeto a

extensão, importa deixar claro que a ideia de efetivar o contato transformador entre a

UFJF-GV e a “comunidade criminalizada” de Governador Valadares, decorre de

pesquisa que já vem sido levada a acabo pelo Prof. Guilherme desde 2009, com a

criação do NETPDH – Núcleo de Tutela e Educação em Direitos Humanos

(http://www.netpdh.com.br/2012/). Criado em 2009, o Núcleo ganhou projeção

internacional a partir do fomento à pesquisa e à extensão em temas voltados à

minimização da violência institucional, do estudo de formas contemporâneas de

criminalidade, e de publicações regulares sobre criminologia crítica e o empenho de

construir um pensamento criminológico crítico latino-americano.

O núcleo promove, anualmente, um seminário internacional e tem como

linhas de pesquisa: a) Educação em Direitos Humanos; b) Formas de Violação

dos Direitos Humanos com Repercussão Penal; c) O direito à Defesa dos

Direitos Humanos; d) O sistema penitenciário como violência institucional.

Para além do NETPDH, o projeto será realizado em parceria com:

- INSTITUTO EDUARDO CORREIA

http://www.institutoeduardocorreia.com.br/

O Instituto Eduardo Correia nasceu do esforço de juristas brasileiros, partidos

mormente das ciências jurídico-criminais, egressos da Escola de Coimbra. Trata-se

de Instituição Internacional, sem fins lucrativos, que tem for objetivo a

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disponibilização de obras de relevo, o fomento à pesquisa, e, primordialmente o

debate científico à volta dos problemas criminais. O Instituto é fruto do convênio

entre a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, o Instituto Brasileiro de

Ciências Criminais e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O

Prof. Guilherme Gouvêa de Figueiredo é membro do Conselho Permanente do

Instituto.

- INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

http://www.ibccrim.org.br/

Instituto sem fins lucrativos criado na década de 90 como um instrumento e

discussão, pesquisa e extensão na área criminal. É hoje o mais respeitado instituto

especializado em Ciências Criminais da América Latina.

Objetivos

1.1 Objetivo Geral

Promover a inclusão social e a minoração da violência institucional a partir da

promoção de ações vocacionas à emancipação da “comunidade criminalizada”.

1.2 Objetivos Específicos

- Mapeamento do “crime” em Valadares: infrações penais mais praticadas na cidade

a partir da análise de sentenças condenatórias;

- Mapeamento da violência: cartografia da criminalidade no município e a procura

da gênese da criminalidade e do etiquetamento; Ações de inclusão social em regiões

de potencial criminógeno;

- Atuação incisiva junto aos Estabelecimentos Prisionais: Levantamento de dados

sobre a violência prisional; assistência jurídica aos encarcerados (pedidos de

progressão de regime, livramento condicional, visitas); Audiências públicas e

mutirões;

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- Em busca da gênese da criminalidade: entrevistas com a população carcerária,

monitoramento das condições de encarceramento: saúde, lazer, alimentação;

- Desenvolvimento de mecanismos de sensibilização da comunidade valadarense

em relação aos direitos da “comunidade criminalizada”;

- Organizar debates públicos com a população atingida e com a população

interessada, com o objetivo já apontado de sensibilização da comunidade, mas

também de fortalecimento dos direitos específicos e ao combate à violência

institucional;

- Promover eventos públicos: palestras, eventos culturais, seminários com a

participação dos docentes, membros do projeto e colaboradores, e discentes;

- Tornar o projeto num centro de referência no apoio à população vitima dos

mecanismos institucionais de seleção.

- Fomentar a pesquisa e a difusão científica das constatações trazidas do campo

PÚBLICO ALVO

Vítimas, na cidade de Governador Valadares, da criminalização primária e

secundária reiterada pelo manejo institucional da violência.

JUSTIFICATIVA PARA BOLSA

Obviamente, para o cumprimento dos objetivos do projeto de extensão, é

necessário ter à disposição uma equipe, para além dos docentes já envolvidos no

projeto, viabilizando as ações previstas.

Os alunos bolsistas realizarão as primeiras atuações, de acordo com os

objetivos já levantados, por meio de aplicação de questionários, para além das

demais ações previstas.

JUSTIFICATIVA PARA ABERTURA DE VAGAS PARA ALUNOS

VOLUNTÁRIOS

Para a realização das atividades previstas no projeto serão aceitos alunos

voluntários comprometidos com o projeto.

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BOLSAS

2 (duas) bolsas.

BIBLIOGRAFIA

ALBRECHT, Peter-Alexis. El derecho penal en la intervención de la política populista. La

insustenible situación del derecho penal. Granada: Comares, 2000.

ALLER, German. White collar crime. Edwin H. Sutherland y “El delito de cuello blanco”.

Revista de Derecho Penal y Procesal Penal. n. 6. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,

fev. 2005.

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criminológico. In: ALFARO, Reyna; MIGUEL, Luis (coords.). Nuovas tendencias del

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sociologia do direito penal). Rio de Janeiro: Revan, 2002.

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ciência penal. Revista de Direito Penal. vol. 31. 1981.

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teoría sistémica. Doctrina Penal. n. 29. Buenos Aires: , 1985.

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