significÂncia e mundo em heidegger · existencialismo. 4. filosofia alemã. 5. heidegger, martin,...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS MICHELE DE TOLEDO ATAIDE SIGNIFICÂNCIA E MUNDO EM HEIDEGGER Salvador 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

MICHELE DE TOLEDO ATAIDE

SIGNIFICÂNCIA E MUNDO EM HEIDEGGER

Salvador

2013

MICHELE DE TOLEDO ATAIDE

SIGNIFICÂNCIA E MUNDO EM HEIDEGGER

Monografia apresentada ao Curso de graduação em

Filosofia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,

Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial

para obtenção do grau de Bacharel em Filosofia.

Orientadora: Profª Drª Acylene Maria Cabral Ferreira

Salvador

2013

________________________________________________________________________

Ataide, Michele de Toledo

A862 Significância e mundo em Heidegger / Michele de Toledo Ataide. –

SALVADOR, 2013.

31f.: il.

Orientadora: Profª Drª Acylene Maria Cabral Ferreira

TCC (graduação) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de

Filosofia e Ciências Humanas, 2013.

1. Ontologia. 2. Espaço e tempo. 3. Existencialismo. 4. Filosofia alemã.

5. Heidegger, Martin, 1889-1976. I. Ferreira, Acylene Maria Cabral.

II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

III.Título.

CDD – 111

________________________________________________________________________

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiro a Deus pela oportunidade de cursar a

Graduação de Filosofia, a minha querida e prospera família, a

minha linda filha pelo apoio constante no percurso da graduação,

a orientadora Pós Doutora Acylene Maria Cabral Ferreira pelas

orientações, apreenções voltadas ao conhecimento, ao tempo de

pesquisa pelo PIBIC e CNPq,a participação no Grupo de

Pesquisa em “Fenomenologia e Hermenêutica” e demais

pesquisas e apresentações voltadas para o conhecimento

importantes da Filosofia. Obrigado pelo apoio, atenção e

oportunidades.

RESUMO

A monografia analisará a significância de mundo, em Ser e Tempo de Heidegger.

Investigaremos a articulação das estruturas existenciais da Presença [Dasein], como

disposição, compreensão, fala e mundanidade de mundo, com o objetivo de esclarecer

fenomenológica entre presença e mundo. Pretendemos mostrar a insuficiência da

concepção de mundo da ontologia tradicional, centrada na noção de natureza como

simplesmente dado, através do conceito de manualidade inerente a ontologia

fundamental.

Palavras-chave: Ser-no-mundo, manualidade, existenciais, significância de mundo

SUMÀRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 7

2. PRESENÇA COMO SER-NO-MUNDO ............................................................ 10

2.1. Disposição ........................................................................................................... 11

2.2. Compreensão ....................................................................................................... 13

2.3. Linguagem ........................................................................................................... 17

3. A MUNDANIDADE DO MUNDO ...................................................................... 20

3.1. A referencialidade................................................................................................ 24

3.2. A significância ..................................................................................................... 25

3.3. A espacialidade .................................................................................................... 27

CONCLUSÃO ............................................................................................................... 29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 31

7

INTRODUÇÃO

A monografia analisa a significância do mundo, em Ser e Tempo1 de Heidegger. Em

contraposição com a questão de mundo da filosofia Moderna em Descartes através da

fenomenologia hermeneutica. A fenomenologia não chega a mostrar o que é o

fenômeno, mas apenas veicula uma aproximação, por isso não traz nenhuma ligação

com outros fenômenos ou doutrinas tradicionais. Assim a fenomenologia procura

examinar o ser dos entes que se apresentam de forma implicita e a-temática, na qual

esse “mostrar” se faz temático. Este velamento do ser para a fenomenologia ocorre por

não notar o ser familiar e próximo como também corresponder a conceitos e doutrinas

tradicionais que estão enterradas. Desenvolveu uma analise fenomenológica do

fenômeno do ser que ele denominou de ontologia fundamental; uma investigação das

estruturas da Presença (Dasein)2 de modo ontológico, óntico e hermenêutico que tem

em vista de esclarecer a questão do sentido do ser em geral.

Pode-se observar que este entendimento do “ser” vem antes e desde o pensador

Heráclito, que traz um significado dentro de um processo na origem da filosofia, como

“o ser recolhe o ente pelo fato de que é o ente”, mostrando que o “ser” é o Lógos como

recolhimento e que “ todo o ente é no ser.” Neste processo, percebe que a questão do

ser é uma questão da filosofia, advém desde os clássicos, com Platão a separação dos

mundos, em mundo sensível e mundo inteligível ou aparências e ideias, de modo a não

abarcar este ser totalmente. Do mesmo modo Aristóteles, contrapõe ao mundo das

ideias de Platão que é separado do mundo sensível, assim a ideia de ser se faz junto do

intelecto e traz conceitos universais, porém privados. No mundo sensível existe o ato e

a potência, a semente e a árvore, em suas potencialidades de ser, assim engloba as

coisas existentes com explicações particulares, que faz cada coisa ser aquilo que é e

nada mais, sendo diferente do ser eterno de Parmênides.

Entretanto, a “questão do ser” como a pergunta o que é o ser; remete este “ser” a algo

que não se define, não tem limites, desse modo è universal, este ser enquanto ser é algo

que não temos condições de abarcar; o conceito de ser é visto como “evidente”e com

1 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2009.

2 O termo Dasein é utilizado em Ser e Tempo enquanto Presença, porque Heidegger procura não traduzir a palavra

Dasein em alemão, pois corresponde a um termo intraduzível, intransponível pelo fato de estar sempre traduzindo-se para a dimensão do pensamento. A palavra Presença está morfológica e etimológica próxima a Dasein, traz uma tradução da temporalidade do verbo, sendo distinto do significado substantivo, substantivado ou verbalizado. O termo Dasein também não se aproxima de estar-aí, mas remete a compreensão da vida fática do homem e representa uma palavra-indicação formal de experiência, uma palavra condutora do pensamento de Heidegger.

8

isso nos coloca como algo esquecido. Ocorre desta maneira uma entificação, o ente

enquanto ente e esquecimento do ser.

Assim, a definição seria correspondida na expressão da palavra “é”, não sendo

possível; a universalidade é algo sem transparência, por esse motivo precisa de

esclarecimento; a evidência corresponde a algo que não temos uma explicação mais

profunda, ou seja, quando afirma “o céu é azul”, “eu sou feliz”, a “evidência” do ser

está no “é” e no “sou”, não temos como saber e explicar de forma complexa, por isso

nos apresenta como “evidente”; nessas concepções contudo este ser não equivale a um

ente, demonstrando uma compreensão do ser mediana, vaga e obscura, por esses

motivos ocorre o esquecimento do ser. Chegamos na filosofia moderna onde “Descartes

recorre ao ser como algo evidente, por isso o auge da razão e entificação na

objetificação.”

Na obra Ser e Tempo, Heidegger procura voltar a essa questão do ser através do sentido

do ser e da diferença ontológica entre ser e ente. O ontológico corresponde ao ser e o

ôntico corresponde ao ente. “Ser: é a partir do que o ente é como tal. O ser, ao menos, é

o ser do ente. Perguntar o que significa ser seria então interrogar o ente quanto a seu

ser.”3 Dessa forma, buscar uma elaboração da questão e significado do ser requer uma

transparência de um ente ou de um modo de ser. Este ente que tem a possibilidade de

questionar é o Dasein, e por ter condições de compreender ser e questionar ser é um

ente privilegiado. Por isso, “Temos de levar a sério que o tema de Ser e Tempo é o ser

dos entes, o ser do que é, e está sendo, (das Sein des Seienden), e o sentido do ser em

geral, (der Sinn des Sein Überhaupt). A fenomenologia torna-se caminho de retorno, o

movimento de volta para a fonte donde o tema é investigado”4

Entretanto, o ente presença, em Ser e Tempo, está em constante encontrar-se e

relacionar-se com o mundo em geral, na lida com os objetos, os conteúdos e consigo

mesmo. A relação fenomenológica ôntico-ontológica se faz num processo de

descoberta e significância de mundo que nos apresenta em contraposição a questão de

mundo da filosofia Moderna, de Descartes. Assim, o problema da monografia

concentra-se na relação entre presença e mundo como possibilidade de superação da

3 DUBOIS, Christian. Heidegger: introdução a uma leitura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 16 4 LEÃO, Emanuel C. A fenomenologia de Edmund Husserl e a fenomenologia de Martin Heidegger. Revista TB, Rio

de Janeiro, 165: 5/21, abr.-jun., 2006, p. 8

9

dicotomia sujeito/objeto de Descartes; buscando o sentido do ser dentro do método

fenomenológico-hermenêutico inerente à ontologia fundamental.

10

2. PRESENÇA COMO SER-NO-MUNDO

Pode começar a entender esta expressão “ser-no-mundo” de Heidegger, como um ser

em um mundo, pois percebemos ente presença (Dasein) inserido em um mundo, em um

contexto em que este ente existe. Contexto em que refere-se a uma situação prévia que

se encontra a como um contexto histórico, uma situação, um lugar , ou um tempo em

que o ente presença se encontra inserido. Entretanto, há uma diferença entre a expressão

ser-no-mundo e a expressão “ser dentro do mundo”, que condiz aos simplesmente

dados, entes como uma pedra, cadeira, árvore que subsistem no mundo e estão dentro

do mundo.

Ser-no-mundo constitui a um fenômeno de unidade. É observado em Ser e Tempo, uma

tríplice visualização deste, destacando uma prévia totalidade do fenômeno, como o “em-

um-mundo”enfatiza a estrutura ontológica de mundo e mundanidade; o “ente que

sempre é” enfatiza o termo do quem na cotidianidade; o“ser-em como tal” enfatiza a

constituição ontológica do próprio ser-em. A unidade ontológica ser-no-mundo é

necessária e a priori à constituição da presença, um a priori que corresponde a origem.

A presença é um ser-em constituído como “em um mundo” e o simplesmente dado é

um ente “dentro de mundo” dentro de um espaço em um lugar, uma mesa “dentro” de

um quarto, um caneta “dentro” do estojo. O ser-em é um existencial que estrutura a

presença como um ser “em um mundo” um que habita em, uma familiaridade, pela qual

o ente está imerso em seu mundo.

A relação de sujeito e objeto para Heidegger, daquele que conhece e este que é

conhecido é vazia e separada, porém este não o nega mas procura outra forma de

explicitar a constituição ontológica da realidade. Os simplesmente dados são os

desmundanizados, fora da constituição ontológica do mundo. Uma mesa não se conecta

com a parede, estão um do lado do outro, mas não se tocam.

Como o ser-no-mundo consuma a presença? A expressão ser-no-mundo é uma

constituição necessária a priori fundamental e essencial da presença. Tanto na obra

Seminários de Zollikon quanto Ser e Tempo o “Da” da palavra Dasein diz respeito a

existir, e abertura como a antecipação poder-ser que caracteriza a presença enquanto

ser-no-mundo. Este não é um ente simplesmente presente e passível de objetivação.

Conforme Pasqua, o Dasein é constituido como “ser no mundo”, isto não nos remete a

falar de uma “natureza humana” e sim de que este ser singular do Dasein simplesmente

11

“existe”; tendo possibilidade de dizer eu sou pela mediação do mundo, sendo o

contrário das coisas e animais que não podem falar de si mesmos.

Heidegger define o homem como presença, porém este não busca uma definição

tradicional para homem como “animal racional” de Aristóteles. Conforme Michel Haar,

o logos traduzido por ratio está reduzido a uma faculdade humana, perde sua relação

com o ser, esquecendo então sua dependência do logos original. Por conseguinte, a

metafísica do sub-jectum remete a ideia do animal racional na qual “o homem projeta a

sua própria imagem objetivada na cena da representação”5 sendo central e autofundador.

O motivo pela qual traz uma desconstrução da essência tradicional do homem e uma

reconstrução desta unidade como ser-no-mundo. Isto é, segundo Heidegger uma

destruição da história da ontologia tradicional significa uma des-construção ou um

retorno aos conceitos, as fontes da tradição; uma revisão das representações usuais e

vazias, na qual se busca recuperar e não esquecer as experiências do ser na origem da

metafísica do ser enquanto ser. Um retorno a uma descoberta fenomenológica como

uma elaboração da estrutura ser-no-mundo. Contudo, esta expressão “presença” é vista

ôntico-ontologicamente e não se determina através destes preceitos racionais; é algo que

está além destes termos na tentativa de buscar uma originariedade existencial e fundar

uma ontologia fundamental.

2.1. Disposição

Presença está em relação com o mundo e o mundo está em relação com a presença de

modo ôntico-ontológico, assim a presença eksiste na sua facticidade a cada vez. Este

estar em um mundo, em um lugar, disposto em uma situação, não remete a um contexto

geográfico, mas a “um contexto em que” designa uma experiência da facticidade. A

presença de fato existe mas de forma factual e não fatual. Isto significa que a facticidade

é um existencial da presença estando afinada e sintonizada ôntico-ontológica no humor,

a facticidade revela “como alguém está e se torna” o que se é conforme podemos

constatar de Ser e Tempo no parágrafo 29.

Facticidade significa estar-lançado (Geworfenheit) na responsabilidade de ser isto “que

é e tem de ser”, como um destino inserto, obscuro, que não tem certeza de possibilidade

alguma, um nada. Nas situações ôntico-existenciárias ocorre uma esquiva na abertura

5 HAAR, Michel. Heidegger e a essência do homem. Lisboa: Instituto Piaget, 2003, p.119

12

como afinação de humor e de forma ontológico-existencial o que o “humor faz pouco

casoӎ descoberta uma responsabilidade do pre (Da). Esse esquivar-se traz uma abertura

do pre, estar-lançado no pre. Sempre sintonizada em um humor a presença está entregue

a responsabilidade de estar aí, existindo e tendo de ser, isto é, indicamos um ente numa

determinação existencial, a qual está no modo de ser-no-mundo. “Facticidade não é a

fatualidade do factum brutum de um ser simplesmente dado, mas um caratér ontológico

da presença assumido na existência, embora, desde o início, reprimido.”6Este reprimido

como uma esquiva significa uma fuga na impessoalidade do si-mesmo próprio.

O caratér da presença no pre se dispõe implícita e explicita no estar-lançado, a qual em

uma afinação de humor, estando em uma abertura, envia e desvia. Sendo, porém esse

desvio ou envio um modo da disposição. A presença se abre para si-mesma antes de

qualquer conhecimento e vontade, estando longe de ser um estado de alma. Demonstra-

se, então, o primeiro caratér ontológico da disposição, em que abre a presença em seu

estar-lançado, antes e na maior parte das vezes conforme um modo de desvio. È algo

que não vem de fora e nem de dentro, pois o humor se precipita. “A presença se

precipita para o “mundo” das ocupações numa dedicação e abandono

irrefletidos”7.Cresce como modo de ser-no-mundo. Não é algo psíquico e nem interior

este estado de humor e sim uma abertura do ser-no-mundo em sua totalidade que

implica um direcionar-se para.O segundo caráter essencial da disposição como uma

abertura existencial originária de mundo, co-presença e existência, é um modo do ser-

no-mundo.

Determinações essenciais da disposição explicam como a presença está situada, na

“abertura do estar-lançado e a abertura do ser-no-mundo em sua totalidade”8. Uma

abertura prévia do mundo também é uma forma de disposição e um terceiro carater da

disposição. Uma forma de determinar a mundanidade do mundo. O mundo já aberto vai

ao encontro do ente intramundano, através da uma circunvisão, a qual não é uma

sensação ou observação.“ Na disposição subsiste existencialmente um liame de abertura

com o mundo, a partir do qual algo que toca pode vir ao encontro.”9A descoberta

primária do mundo, se faz pela disposição e constitui a abertura mundana do mundo, e

6 HEIDEGGER,Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2009, p.194

7 Idem, p.196

8 Idem, p.196

9 Ibidem, p.197

13

da presença. Assim, a disposição é uma estrutura existencial sendo ontologica

metodologicamente importante para a analítica existencial.

2.2. Compreensão

A estrutura existencial da disposição, sempre está em nexo com a estrutura existencial

da compreensão, sendo esta afinada pelo humor. A compreensão é um fenômeno

fundamental de ser da presença. Como um modo primordial e originário, o compreender

é originário e não derivado do entendimento e do esclarecimento de algo. Um

conhecimento pré-temático, pré-teorico, anterior a alguma percepção sensível de um

ente, por isso constitui o ser do pre da presença. “Dizer que a presença existindo é o seu

pre significa, por um lado, que o mundo é “presença”, a sua pre-sença é o ser-em.”10

Remete esse “ser-em” em um ser-no-mundo como abertura, “em virtude de que a

presença é” sendo, então o compreender. Este “em virtude de” como abertura e

compreensão está em conjunto com a significância. A significância é aquilo que se

abre, como descoberta de um ente e do mundo. Conforme Heidegger, “dizer que o em

virtude de e a significância se abrem na presença significa dizer que a presença é um

ente em que, como ser-no-mundo, está em jogo seu próprio ser.”11

A estrutura

ontológica-existencial da compreensão, se encontra na relação com os entes em geral,

de modo significante na descoberta.

A presença no compreender estrutura-se como “poder-ser”, isto é, como “possibilidade

de ser”. Dentro de sua realidade e seu meio, ela é o que pode ser a cada vez, sendo as

possibilidades, as realizadas e as não realizadas. O poder-ser enquanto possibilidade de

ser, tem o caratér de um nada, ou seja é algo que tem possibilidade de acontecer ou não

acontecer, de ser ou não ser. Caracteriza o que “ainda não é real” e “nunca será

necessário”, mas é algo que é possível; na qual a possibilidade é a determinação

ontológica originária, positiva, em que ocorrem as aberturas da presença. Essa

“possibilidade de ser” existencial se diferencia da possibilidade lógica, vazia e da

contingência de algo “se passar”. Esta possibilidade conforme Stein, demonstra que

“sempre operamos com o compreender quando somos e quando queremos ser e nos

projetamos no futuro. (...) Nesta medida apreendemos o que podemos ser”12

como uma

10

Ibidem, p.203 11

Ibidem, p.203 12

STEIN, Ernildo. Aproximações sobre Hermenêutica. Porto Alegre: EDIPUCRS,2004, p. 63

14

“revelação daquilo que podemos e que queremos fazer”13

. As possibilidades de ser da

presença, se realizam na ocupação com o mundo e preocupação com os outros na

cotidianidade da presença.

O poder-ser é a doação constante de possibilidades,que a presença assume ou recusa

pelo fato de estar lançada no mundo.“A presença tem a possibilidade de ser livre para o

poder-ser mais próprio.”14

O “compreender” estrutura a presença como o poder-ser que

ela é. Dentro das possibilidades de ser a presença se compreende sendo desta ou daquela

maneira a cada vez, ou seja “sabe a quantas andas o seu poder-ser”. Este “saber” não

significa uma percepção imanente da presença, mas um acolhimento do modo de ser dos

entes no mundo. A presença pode perder-se e desconhecer-se a si mesma, neste sentido

ela desvia-se de seu próprio modo de ser seu e assume como seu o modo de ser de

outras presenças, como o existencial da compreensão está em nexo ontológico com o

existencial da disposição; dentro das possibilidades de ser da presença está a de o poder

reencontrar-se.

O poder-ser do compreender como abertura e ser-em remete a um “poder-ser-no-

mundo”, isto é, há uma abertura como um mundo em sua possível significância. De

modo fenomenológico o ente intramundano se abre em suas possibilidades, modos

possíveis de manualidade, a qual caracteriza o modo de ser do ente intramundano.

Ocorre uma descoberta do ente intramundano na manualidade e do manual na lida, na

utilidade, aplicabilidade ou prejudicialidade. A manualidade é determinada pela

totalidade conjuntural como a mesa em um quarto que está sendo usada para colocar

objetos em cima, ou, o livro sendo lido em cima da mesa. Contudo, não é o

simplesmente dado extenso, com largura e cor, comprimento e espaço e fora de uso que

nos dá uma significância e descoberta do mundo, antes é a totalidade conjuntural e a

manualidade que constituem a mundanidade do mundo.

O Compreender, como abertura, é caracterizado como projeto. Este projeta a presença

em seu “em virtude de” e na “significância” constituindo-o, como ser-no-mundo. O

caráter projetivo não corresponde a um plano previamente estabelecido, na qual planeja

algo anteriormente para ser realizado em sua realidade e contexto. Corresponde a um

13

Idem, p.63 14

HEIDEGGER,Martin. Ser e Tempo. Petrópolis:Vozes, 2009, p. 204

15

“estar-lançado”no cotidiano, no seu contexto em que, isto é, a presença se lança como

projeto, sempre se projetou e sempre se projetará no mundo como possibilidade de ser

de um ou outro modo. Um movimento existencial do projeto que diz que a presença só é

se projetando, sendo suas possibilidades mesmo que atematicamente.“O projeto é a

constituição ontológico-existencial do espaço de articulação do poder-ser fático.”15

A estrutura existencial da compreensão se constitui como abertura e a presença

compreende ser de forma circular, por isso temos em Ser e Tempo o “circulo da

compreensão”. Este diz respeito a uma compreensão prévia de ser; um movimento de

ser ôntico-ontológico anterior a qualquer razão, entendimento, ele consuma ao

conhecimento pré-teórico e pré-conceitual. Conforme Stein, o ente presença está de

modo “iluminado”, porém não condiz a uma subsistência ôntica e manifestação de

alguma claridade, sendo este ente iluminado, em sua plena abertura como preocupação

e enquanto ser-no-mundo, em função de seu próprio ser lançado. Nesta estrutura da

presença ocorre um movimento circular que a determina como finitude, porque a

presença enquanto antecipação e poder-ser mostra uma maneira de ser a cada vez, ora

de uma e depois ora de outra maneira, não podendo ser as duas ao mesmo tempo. Ora

me apresento profissionalmente, ora me apresento como um cidadão consumidor, ora

me apresento como mãe, pai,tia ou tio, dentro de um contexto histórico e cultural.

Como ocorre esta circularidade da compreensão ou circularidade hermenêutica do ser-

no-mundo? O homem na sua relação com os entes intramundanos descobre o sentido da

mundanidade do mundo. Este é uma estrutura existencial da Compreensão.“Somente a

presença pode ser com sentido ou sem sentido”16

havendo uma compreensão ou

incompreensão como uma “recusa” do ente “descoberto”. Este circulo da compreensão

não equivale a falácia do circulus vitiosus da lógica que tem a característica de ao

afirmar algo, a resposta nos leva à afirmação primeira. Conforme Ernildo Stein:

(...)à medida que a compreensão e explicitação constituem existencialmente

o ser-aí, o sentido deverá ser concebido como a estrutura formal e existencial

da revelação característica da compreensão. Assim, o sentido faz realmente

parte do ser-aí e não se prende às coisas. Somente o ser-aí pode ter ou estar

privado de sentido. Portanto, pela compreensão prévia, que é a abertura do

ser-aí, nós já sempre levamos conosco o sentido que buscamos. Disso resulta

o círculo da compreensão ou o círculo hermenêutico.17

15

Idem, p. 205 16

Idem, p. 213 17 STEIN, Ernildo. Compreensão e Finitude-estrutura e movimento da interrogação Heideggeriana. Ijuí: Unijuí,

2001, p. 247

16

O sentido existencial se estrutura pela posição prévia, visão prévia, concepção prévia.

Estas são estruturas hermenêuticas antecipativas da compreensão que determinam a

compreensão e interpretação de algo como algo. A posição prévia caracteriza o homem

em uma localização não de modo geográfico, este se percebe situado em um lugar, ou

situação, também este percebe o ente em sua totalidade conjuntural. A visão prévia

caracteriza o homem dentro desta situação, tendo uma visão e perspectiva,

direcionamento e interpretação da situação ou ente desvelado. A concepção prévia

caracteriza o homem já com sua posição e visão prévio que constituem a concepção

prévia, ou seja, o conceito definido e interpretado. Conforme Heidegger, “o que está a

mão sempre já se compreende a partir da totalidade conjuntural”18

, como também a

partir da circunvisão de mundo, pois não corresponde somente a uma interpretação ou

significado a algo singular. Desta maneira, observa-se que esta compreensão

interpretativa é fundamentada pela circunvisão, modo de ser da comprensão na

constituição ontológica de mundo. O compreender nos dá o sentido e a interpretação

nos dá a significância. Portanto, o compreender consuma o sentido, a interpretação à

significância e a proposição ao significado.

Porém, esta relação da presença com um ente determinado (instrumento) dentro de uma

conjuntura e circunvisão de mundo, caracteriza a ocupação da presença

constantemente, a cada vez “como isto ou como aquilo”. Como por exemplo o uso de

uma caneta na escrita de um papel, o uso desta mesma caneta como marcador de um

livro e derrepente acontece uma “deficiência”, quebra ou trato interrompido neste

instrumento, a qual acaba a tinta no ato da escrita, ou a caneta quebra na marcação deste

livro. Do mesmo jeito o martelo, o carro, a mesa, o telefone, o livro, o texto etc. Nesta

quebra da manualidade aparece o ente simplesmente dado, ou a desmundanização do

mundo. Percebe o “ente” como algo inutilizável, segundo Günter Figal o ente se

“manifesta” sendo “objetualizado”; colocando-se como um objeto que está separado do

sujeito e que será distanciado, experienciado, investigado e calculado de forma

empírica como um fenômeno físico. Como será este apreender do compreender?

Segundo Figal, a presença não corresponde a um ser simplesmente dado e sim

primariamente ao ser-possível.

Heidegger não se diferencia do indeterminismo epistêmico apenas por não

conceber o contexto do comportamento como um contexto causal, mas sim

como mundo; além disso, ele interpreta o não-saber do ser iminente como um

18 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 211

17

saber, e, em verdade, mais exatamente como um apreender. Se o ser iminente

já não estivesse sempre descerrado para alguém como um ser indeterminado,

não se teria em geral nenhuma ocasião para se perguntar como se pode e se

quer ser. ‘Compreender’ não consiste, contudo, em se perguntar por isso e em

responder de uma maneira ou de outra à questão. Ao contrário, um tal

perguntar e responder já pressupõem o compreender.‘Compreender’ é o

apreender do ser iminente e indeterminado e de determinados modos de

comportamento por meio dos quais esse ser é determinável. Vistas assim,

todas as possibilidades determinadas de comportamento, nas quais o ente é

‘significativo’para alguém, não são senão ‘em virtude’ do ser indeterminado,

iminente...O termo ‘apreender’ designa aqui a pura presença de

possibilidades, e possibilidades são uma vez mais o que se pode ser ou não se

pode ser. 19

O compreender de mundo ocorre porque a presença já tem uma compreensão de si

mesma e de sua possibilidade de ser no mundo, por isto a presença é ser-no-mundo.

Contudo, esta compreensão de mundo não será de um “continente de conteúdos”, nem

um ente singular e sim um copertencimento com o mundo, porque a presença é

transcendência como projeto.

2.3. Linguagem

Dessa forma, ocorre com os existenciais da Disposição, Compreensão e Linguagem

uma copertinência por que são co-originários no ser da presença. Se apresentando de

forma específica a interpretação e linguagem nos paragráfos 31 ao 34 de Ser e Tempo. O

fenômeno da interpretação derivada do compreender como já foi citado acima, não é

um conhecimento que se compreende de algo, de um ente e sim uma interpretação

existencial das possibilidades fácticas, por isso remete a uma hermenêutica da

facticidade. Indica-se que o sentido é um ponto fundamental para essa hermenêutica que

analisará as estruturas existenciais da presença. Por sua vez, o existencial da

interpretação se fundamenta em estruturas hermenêuticas antecipativas, as quais

fundamentam “algo como algo”, a mesa como mesa, o carro como carro, o texto como

texto, o enunciado como enunciado, o martelo como martelo. Estas estruturas são a

posição prévia, visão prévia e concepção prévia.

Observa-se que a linguagem e mundo se estruturam pelo “algo como algo”, ou seja algo

enquanto algo. Um ente que será apreendido e interpretado dentro de um sentido e

significado, inserido num contexto em que. Compreendamos o ser de uma cadeira,ou

19 FIGAL, Günter. Fenomenologia da Liberdade. Rio de Janeiro: Forense Universitária,2005, p.150 e 151

18

seja a cadeira como cadeira a partir do momento em que nos sentamos nela, esta pode

ser uma cadeira moderna ou mais antiga, estando em um contexto histórico. Esta coisa

cadeira com seu tamanho, largura, cor e estando parada junto de uma mesa não tem

nenhuma interpretação e significação, e sim ao sentarmos nela, ou utilizá-la como

enfeite em alguma exposição de arte, compreendemos a cadeira como para sentarmos

ou como obra de arte. Neste processo, a linguagem explana sobre o mundo através do

sentido, significado e da estrutura “como” da interpretação. Conforme Stein: “Quando

dizíamos que o ser humano só conhece através dos conceitos, só conhece através da

linguagem, estávamos dizendo que o ser humano somente é racional porque seu acesso

ao mundo se dá via sentido, via significado, via conceitos, via palavras, via

linguagem.”20

Segundo Stein, o homem como animal tem linguagem, esta pela análise lógica-formal

com seus silogismos, proposições e argumentos interpretam e manifestam o mundo

pela linguagem, mas de forma insuficiente; não tem como abarcar todo modo de

conhecer das coisas, por isso introduz o elemento da interpretação e compreensão, a

hermenêutica como significância e inserção histórica-cultural do ente em um mundo

determinado.

A “lógica tratará da estrutura da proposição sob o ponto de vista da forma e do

conteúdo, da forma da proposição e dará conta dos elementos que compõe uma

proposição, daquilo que é necessário para se pensar a possibilidade da articulação de

uma proposição”.21

Pode-se observar que, conforme Stein, a linguagem na compreensão

é percebida de dois modos: da compreensão se origina o entendimento, e intelecção de

frases, enunciados e proposições, ou seja, o homem se comunica através de frases.

Como este homem compreende este contexto de frases e sentido ? Através da

compreensão como existencial; que estrutura a presença como abertura. A lógica é uma

forma de discurso, desta forma o enunciado, os conceitos, o texto, um modo de ser

originário da compreensão, por isto entendemos o que siginifica uma frase. Stein

afirma:

Isso é o lado do compreender, da comunicação que é produzida pelo

discurso.Mas, se não houvesse uma comunicação anterior a esse discurso,

não haveria comunicação possível pela linguagem.Portanto, deve haver uma

comunicação não produzida pela linguagem.A primeira é trazida pelo ser-no-

20 STEIN, Ernildo. Aproximações sobre hermenêutica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 17 21 Idem, p. 29

19

mundo e está ligada ao projeto de sentido. (...)Não podemos analisar essa

compreensão primeira para chegar a essa compreensão segunda que se dá na

linguagem. É somente procurando compreender o que é linguagem, o que é

enunciado, o que é uma sentença, que podemos chegar aquilo que é condição

de possibilidade de uma sentença e falar sobre ela.(...)Se trata de um método

que sempre olha por dois focos: prestando atenção a um e encobrindo a outro

ou falando do outro e encobrindo o primeiro.(...) um jogo de velamento e

desvelamento.22

Heidegger, designa essa estrutura da linguagem na compreensão de “como

hermenêutico” ou logos hermenêutico enquanto mundo e o “como apofântico” ou logos

apofântico enquanto discurso. Conforme Stein, procuro explanar primeiro o significado

etimológico do termo hermenêutica como exprimir, interpretar, traduzir, trazer uma

compreensão acerca de um texto, transferir o sentido de uma palavra ou língua para

outra língua. Bem, como a partir do século XIX por Schleiermacher a hermenêutica

passa a ter um caratér mais filosófico sendo uma doutrina da interpretação e

compreensão. Entretanto, este “como hermenêutico” condiz com o mundo prático e que

já compreendemos de antemão as coisas e o conteúdo como um todo; e o “como

apofântico” de forma mais especifica trata do significado,das proposições e enunciados.

Gadamer influênciado pelo “acontecer da verdade” heideggeriano em sua obra Verdade

e Método trata da hermenêutica filosófica, que seria uma hermenêutica mais prática,

voltada para a análise das verdades na experiência da arte, do conhecimento histórico e

na linguagem, ou seja uma outra forma de ver a verdade da filosofia analítica ou a

lógica-semântica que trata da verdade e falsidade das proposições e seu método

dedutivo e indutivo, etc. Demonstrando que outros métodos e interpretações práticas,

cognitivas, historiais e culturais estão além da análise de proposições e argumentos que

condizem com o “sujeito e predicado” de um enunciado. Contudo, Gadamer em

articulações sobre a facticidade e a hermenêutica da facticidade afirma que:

A facticidade sublinha a fatualidade do fato. Desse modo, ela se torna uma

formulação que apresenta um desafio para todo querer compreender.(...)É

constitutivo do ser-aí humano o fato de virmos ao mundo sem sermos

questionados e de sermos chamados sem sermos questionados.Em todo nosso

“ter-sido-jogado” vivemos em vista de nosso futuro, de um futuro para o qual

nos projetamos.(...)Uma tal hermenêutica não segue manifestamente a

curiosidade ávida por ordem, a curiosidade com a qual o sistema da filosofia

é ensinado nas cátedras.Trata-se à sua maneira de uma outra compreensão –

trata-se daquilo que a própria vida dá a entender. A hermenêutica da

facticidade encontra-se diante do enigma de o ser-aí jogado no aí interpretar

a si mesmo, de ele projetar a si mesmo em vista de possibilidades, em vista

do que advém e do que vem ao seu encontro.23

22 Idem, p.28-29 23 GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica em retrospectiva. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 73-74

20

Portanto, o homem estando no mundo se projetando é facticidade, um ser jogado que se

relaciona com os entes mediante uma compreensão de ser.

3. A MUNDANIDADE DO MUNDO

Inicialmente, será aprofundado a analise da questão sobre o mundo que se apresenta

como fenômeno, sendo este um deixar e fazer ver o ente que se encontra dentro de um

mundo. Heidegger não coloca o mundo em copertinência com a presença de uma forma

subjetiva, mas procura uma mundanidade do mundo em geral. “A mundanidade é um

conceito ontológico e significa a estrutura de um momento constitutivo de ser-no-

mundo”24

. Neste contexto a mundanidade se apresenta como um existencial, por isto a

presença é mundana. O fenômeno mundo traz varios significados: primeiro o mundo

dentro de um conceito ôntico se caracteriza por uma totalidade de entes dentro do

mundo (os entes intramundanos como a natureza); segundo o mundo se constitui

ontologicamente, ou seja, o ser de uma totalidade de entes, como exemplo o “mundo”

dos objetos possíveis da matemática; terceiro o mundo de modo ôntico mas dentro do

contexto em que fático da presença, ou seja, sua vivência no cotidiano (próximo) ;

quarto o mundo é constituído existencial-ontologicamente como mundanidade, sendo

esta o a priori estruturante de mundo. E os entes simplesmente dados pertencentes ao

mundo ou que estão dentro do mundo são modos de ser dos entes intramundanos como

as coisas, instrumentos. Apresentando-se como árvores, casas, homens, estrelas,

montes, martelo, cadeira, livros, proposições, carro, caminho,etc. Segundo Pasqua:

Não são os objetos que explicam o mundo, mas o mundo que explica

os objetos.É impossível deduzir o mundo a partir dos objetos que

contém. O mundo não é um mundo de objetos, é o mundo do Dasein:

o ser do mundo é um momento constitutivo do ser do Dasein. A

ontologia do passado,podemos constatar não apreenderam o fenômeno

da mundanidade.À falta de compreenderem o Dasein como ser-no-

mundo, interpretaram o mundo a partir da natureza.Porém,a própria

natureza não é ontologicamente apreensível senão a partir do conceito

de mundo.Há um círculo!Foi por essa razão que a filosofia tradicional

caiu num impasse.A nossa analítica do Dasein, partindo do Dasein

24

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2009, p.111

21

enquanto ser-no-mundo, permitir-nos-á aceder ao verdadeiro ser do

mundo à sua mundanidade.25

Dessa forma, percebe-se que a ontologia tradicional não abarca este fenômeno de

mundo, nem o homem enquanto ser-no-mundo e presença. A ontologia tradicional

interpreta o mundo a partir da natureza, que não se apresenta em uma descoberta, do

ente intramundano que vem ao encontro da presença no mundo. Descartes interpreta o

ser do mundo como res extensa (substância extensa) estando em contraposição com a

res cogitans (substância pensante), porém o cartesianismo não abarca a constituição

ôntico-ontológica da presença. Na analítica existencial a presença tem uma primazia

ôntica, na qual possui uma determinação de ser em existir; uma primazia ontológica,

este existir é determinado pela sua compreensão de ser; assim ela tem uma primazia

ôntico-ontológico.

Em Descartes, o primeiro princìpio de sua filosofia é o cogito, pois ao afirmar “eu sou”

pressupõe uma existência. Neste momento tudo em sua volta lhe enganava, lhe trazia

dúvidas, até os sentidos, ou seja, não era possível conhecer o mundo que te escapa e

nem o corpo; o que mostra como seguro e certo é o sujeito pensante. Neste ato de

pensar e duvidar o sujeito descobre que existe: penso,logo existo. Isto seria evidente,

uma ideia com sua absoluta clareza e distinção. Como ir além dessa subjetividade? A

res extensa é o mundo físico e sua extensão, o corpo, a natureza, a substância extensa. O

método racional impera na ontologia cartesiana, onde a física-matemática trará

segurança e rigor para uma apreensão e percepção dos entes através da utilização do

método.

Além dessas duas substâncias no racionalismo cartesiano temos ainda a substância

infinita que é Deus, o fundamento ontológico que traz uma comunicação para as

substâncias finitas pensante (espírito,mente) e extensa (natureza, corpo,mundo) e

garante a transcedência do sujeito. “A extensão em comprimento, largura e altura

constitui o ser propriamente dito da substância corporea que chamamos ‘mundo’. A

extensão deve, portanto, ‘ser atribuída’ em primeiro lugar a coisa corpórea”26

. Assim, as

determinações da substância são modos da extensio (propriedades) e não correspondem

ao ser. O movimento um puro deslocamento, figura, dureza (resistência) sentido no tato,

25

PASQUA, Hervé. Introdução a leitura de Ser e Tempo de Martin Heidegger. Lisboa: Piaget,p.45-46 26

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, p. 141

22

peso, cor percebido pela visão são propriedades da matéria. Sobre as propriedades diz

Descartes:

No que se referia ao corpo, não duvidava de maneira alguma de sua

natureza: por corpo entendo tudo que pode ser limitado por alguma

figura;que pode ser compreendido em qualquer lugar e preencher um

espaço de tal sorte que todo outro corpo dele seja excluído; que pode

ser sentido ou pelo tato ou pela visão, ou pela audição, ou pelo olfato;

que pode ser movido de muitas maneiras, não por si mesmo, mas por

algo de alheio pelo qual seja tocado e do qual receba a impressão. Pois

não acreditava de modo algum que se devesse atribuir à natureza

corpórea vantagens como ter de si o poder de mover-se, de sentir e de

pensar; ao contrário, espantava-me antes ao ver que semelhantes

faculdades se encontravam em certos corpos.27

Observa-se que o ser da res corporea é a extensio e que mesmo tendo modificações

como a divisibilidade, figuração e movimento; vemos essas modificações no pedaço de

cera de abelha ao se aproximar do fogo, a qual continua a mesma em sua identidade. O

homem reconhece através do pensamento puro, intelecto, inspecção do espírito e não

pela percepção, visão, tato e imaginação esta identidade da cera modificada e ideia de

ser, ou seja, a coisa corporea que permanece constante é o ente caracterizando como a

substancialidade desta substância, por isso traz uma ideia de ser e uma determinação

ontológica da res extensa.

Entretanto, Heidegger questiona a universalidade do ser que remete a ideia de

substâncialidade porque nela o ser apresenta-se como algo obscuro e não esclarecido,

como em si já “evidente”. Dessa forma, a substâncialidade é algo inacessível para si

mesma, e demonstra que o ser não pode afetar e ser percebido, portanto há uma

insuficiência na questão do ser. Descartes procura desenvolver o problema da ontologia

do mundo fundada na distinção entre as substâncias de Deus, eu e “mundo”.

Heidegger, em sua concepção desenvolve outra forma de ver esta subjetividade, o

sujeito do conhecimento, a consciência que conhece e o objeto conhecido, ele efetiva

uma desconstrução como reconstrução da ontologia tradicional e constitui o homem

como presença em vez de sujeito. Por conseguinte, a presença é constituida como ser-

no-mundo, o ente intramundano como a garrafa, o livro, o martelo são mundanizados

pelo ser-no-mundo. Quando há quebra da mundanização do ente ocorre a

27

DESCARTES, René. Descartes - Discurso do Método; As paixões da Alma; Meditações; Objeções e Respostas . São Paulo: Nova Cultural, 1991, p. 175 ( Os pensadores)

23

desmundanização do ente, ou seja, há uma quebra do contexto da conjuntura. Conforme

Gianni Vattimo:

A filosofia e a mentalidade comum pensam, desde há séculos, que a

verdadeira realidade das coisas é a que se apreende “objetivamente”

com um olhar desinteressado que é, por excelência, o olhar da ciência

e das suas medições matemáticas. Mas se, como se viu, o modo

originário de as coisas se apresentarem na nossa experiência não é

aparecerem como “objetos” independentes de nós, mas darem-se

como instrumentos, fica aberto o caminho para reconhecerem a

própria objetividade das coisas como um modo particular de a

instrumentalidade se determinar. A objetividade é algo a que se chega

( sobre isto esta de acordo a própria metodologia científica), em

virtude de uma operação específica, na qual se “deixam de lado” os

preconceitos, as preferências, os interesses, para ver a coisa tal como é

“em si”. Mas esta operação é todavia, inevitavelmente, uma operação

do homem, que este leva a cabo precisamente com os olhos postos em

certos objetivos precisos: a conexão das ciências objetivas modernas

com a técnica não necessita de ser documentada. A simples-presença

revela-se aqui como um modo derivado da prestabilidade e da

instrumentalidade, que é o verdadeiro modo de ser das coisas.28

Os gregos utilizavam o termo pragmata (para dizer as coisas que se lidam

em uma ocupação na (, porém não era esclarecido ontologicamente e usado

como meras coisas. Para Heidegger, este ente intramundano que se encontra em uma

ocupação é o instrumento contido em um todo instrumental. A presença em sua

cotidianidade mediana utiliza instrumentos de escrever, costura, medição, carros,

martelo, em sua essência o instrumento é algo-para uma serventia, ou seja, um ser-para

em seu uso, manuseio, contribuição, aplicabilidade constituido como uma totalidade

instrumental. Segundo Gianni Vattimo, as coisas como instrumentos correspondem a

empregabilidade mas de modo que se apresentam dotadas de significado a nossa vida e

fins. Na manualidade a presença descobre o modo de ser do instrumento, ao manusear

os intrumentos a presença descobre o martelo, o telefone, o carro, o quarto, a mesa

dentro de uma conjuntura como uma totalidade de instrumentos em uma circunvisão

circundante. A manualidade manifesta o ser-em-si do instrumento.

Uma visualização teórica das coisas não pode abarcar essa manualidade. Essa atitude

prática do agir não corresponde a um ateórico, ele corresponde a utilização destes

conhecimentos teóricos em uma totalidade instrumental e conjuntural. Já o instrumento

na manualidade não corresponde a uma apreensão teórica, mas ao acolhimento do

manual na circunvisão da conjuntura. A manualidade se dá pelo para-quê , o

28

VATTIMO, Gianni. Introdução a Heidegger. Lisboa: edições 70, 1989, p. 28-29

24

compreender algo em algo, assim “ o sapato a ser produzido, é para ser calçado, o

relógio confeccionado é para ler o tempo”. Conforme Figal, “denomina a ‘circunvisão’

um comportamento que pode ser referido a partir de algo não manifesto para algo

expresso: ‘circunvisão’ é a visada que se direciona para a obra, seguindo a referência.”29

As coisas são produzidas a partir de uma totalidade de instrumental; martelo, prego,

alicate, estão todos sendo referenciados pelas suas matérias-primas madeira, aço, ferro,

derivadas da natureza, para produzir, por exemplo, um armário.

Nesta lida cotidiana e descoberta de um mundo circundante a natureza vem ao encontro

como uma forma de utilização, por exemplo a floresta como reserva florestal e habitat

dos animais, o vento seria um vento nas velas e fonte de energia, o rio um lugar para

pescar, lavar e represa como fonte de energia, a montanha é algo para escalada e uma

pedreira. Do mesmo modo, neste mundo público descobre a natureza na ocupação e em

suas varias direções como ruas, caminhos, pontes, edifícios, parques. Por isso, a

ocupação co-existe com as presenças e o mundo público.

3.1. A referencialidade

O manual é constituido pela estrutura de ser e com isso o fenômeno da referência. A

referência e totalidade referêncial nesta lida cotidiana estão no mundo, por isso

determinam e constituem a mundanidade. Dessa maneira, os sinais correspondem a

formas de demonstrar os intrumentos, ontologicamente essa estrutura de sinal traz uma

orientação para todo ente. Neste sentido, os sinais também se caracterizam como

instrumentos tendo a função de mostrar. E este mostrar correspondem a uma referência.

Porém, a referência e a totalidade referêncial correspondem em sua origem

ontologicamente a um relacionar, mas estes fenômenos de referência, sinal e significado

não se apresentam como relação. Cada sinal se mostra de uma maneira diferente e

podem ser anúncios, prenúncios, marcas, vestígios, rastros, restos, monumentos,

documentos, testemunhos, símbolos, expressões, manifestações, significados.

Contudo, o fenômeno do sinal tem como finalidade apoiar e sustentar o fenômeno da

referência, pois a referência é a constituição da manualidade e não seria uma concreção

29

FIGAL, Günter. Martin Heidegger: Fenomenologia da liberdade. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.74

25

ôntica de um manual. Assim, em Ser e Tempo, “o sinal está ônticamente à mão e,

enquanto é esse instrumento determinado, desempenha, ao mesmo tempo, a função de

alguma coisa que indica a estrutura ontológica de manualidade, totalidade referencial e

mundanidade.”30

3.2. A significância

De fato é explicitado o ser do ente que vem ao encontro com a presença desencadeando

um momento conforme Heidegger de descoberta desse ente como uma significância. A

manualidade constitui ontologicamente o mundo e a mundanidade. A descoberta do

instrumento em si é antecipativa, atemática em todo encontro. O manual se estabelece

na estrutura da referência, por isso a serventia é a condição ontológica a ser determinado

por apropriações. Assim, é estabelecido um caratér de estar referido a, ou seja, a

referência é o ente que ele mesmo é e está junto a; algo que se deixa e faz junto a. Esse

com...junto se refere a uma referência, a qual demonstra o caratér ontológico do manual

e do ser do ente caracterizado como a conjuntura.

A conjuntura se constitui pelo para quê, o em quê, o com...junto do manual, como em

Ser e Tempo o martelo age em uma conjuntura de pregar para construir algo, ou

proteger de algumas intempéries a presença; e isso tudo em uma totalidade conjuntural.

Com o termo conjuntura Heidegger apreende o não-manifesto e a não-objetualidade do

ente. Essa totalidade conjuntural é anterior a qualquer instrumento em sua

singularidade, neste processo o que está em determinação é o ser do ente que se

constitui como um mundanizado e enquanto ser-no-mundo. Segundo Figal, Heidegger

chega ao termo conjuntura:

O termo “conjuntura” em alemão (Bewandtnis) é, por um lado,

equivalente a “propriedade” e tem, por outro lado, o aspecto do

deixar-conformar-se. O termo propriedade é reservado por Heidegger

para coisas e só designa, por isso mesmo, o que se pode constatar

quando alguém se liga a algo.Em contraposição a isso, a conjuntura

não diz o que algo é, mas como o que ele é. Portanto, algo não é

justamente “descoberto” em sua conjuntura se nos ligamos a ele. Ao

contrário, a descoberta conjuntural só se dá se nos abstraímos dele.

Ele só se deixa interpretar “como algo” quando o “deixamos ser”, de

modo que a realização da interpretação nunca pode ser pensada senão

conjuntamente com um deixar.31

30

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, p. 132 31

FIGAL, Günter. Martin Heidegger: Fenomenologia da Liberdade, P.77

26

O deixar e fazer em conjunto apreende então o fenômeno da mundanidade. Esse deixar

e fazer ser será apreendido no seu sentido ôntico de modo ontológico, assim

corresponde a uma liberação prévia do manual, ou seja, não significa um ente que vem

pela primeira vez ao encontro, mas um descobrir do próprio ente na sua manualidade.

Por exemplo, o instrumento dentro de uma oficina, a mesa e a cama dentro de um

quarto, o caderno e a caneta em cima da mesa e dentro da biblioteca,etc.

A descoberta retira o ente intramundano do velamento. A presença compreende

previamente ser, ela é abertura que descobre a mundanidade do mundo. Assim, uma

compreensão que se dá numa relação de remissões, na qual a presença sendo, estando

no mundo e num estar com permite que o ente venha ao seu encontro como manual e

em uma perspectiva, ou seja, num contexto em que. Em Ser e Tempo, “o fenômeno do

mundo é o em quê (Worin) da compreensão referêncial, enquanto perspectiva de um

deixar e fazer encontrar um ente no modo de ser da conjuntura. A mundanidade do

mundo é esta estrutura da perspectiva em que a presença se refere”32

A familiaridade que espressa a compreensão de ser do mundo como um contexto em

que a presença está inserida corresponde a uma interpretação ontológico existencial de

remissões e referencialidade. O compreender no caratér das remissões das referências

enquanto uma totalidade conjuntural representa uma ação de significar (Bedeuten).

Contudo, pode-se perceber que essa ação de significar dentro de uma interpretação de

uma totalidade de remissões caracterizam a significância; que constitui uma estrutura de

mundo em que a presença se encontra inserido. Dessa forma conforme Vattimo:

O nosso ser-no-mundo não é só ou principalmente um estar no meio

de uma totalidade de instrumentos, mas um estar familiarizados com

uma totalidade de significados. A instrumentalidade das coisas, de

acordo com aquilo que dissemos, não é só o seu servir efetivo para

fins, mas é de uma maneira geral o seu “valer” para nós, num sentido

ou noutro; mas as valências das coisas, que nunca se descobriram

todas no seu uso efetivo, manifestam-se através da linguagem e em

geral através dos signos.(...)A conexão entre mundanidade e

significatividade prepara já o aparecimento da linguagem em primeiro

plano.33

Percebe-se que na significância está de um modo implícito a compreensão e

interpretação, pois com esta estrutura ontológica de ser obtem-se uma liberação e

abertura dos entes em significados fundando desta maneira a palavra e a linguagem. A

32

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, p.137 33

VATTIMO, Gianni. Introdução a Heidegger, p. 32

27

mundanidade do mundo se constitui como um existencial da presença, enquanto ser-no-

mundo. O ser dos entes intramundanos são determinados pela manualidade. Assim, este

abarcar fenomenal da relação presença e mundo constituido como uma mundanidade de

mundo, sentido, significância de sistema de relações não tem influência e envolvimento

com a funcionalidade matemática, ou seja, não é algo pensado e sim inseridos numa

ocupação.

3.3. A espacialidade

O modo da lida na ocupação cotidiana da presença tem o caratér de proximidade,

dentro de uma circunvisão que fixa e direciona a espacialidade. A proximidade e

direcionamento correspondem à instalação, disposição, instituição, lugar e alojamento e

não do instrumento. Esse lugar é um aqui e lá a que pertence tal instrumento,

demonstrando que esta pertinência é o caratér do instrumento, a qual esta inserido e

pertence a um todo instrumental como uma respectiva conjuntura. Esta determinada

circunvisão da lida e para onde da pertinência instrumental é caracterizado como a

região, e assim se faz uma orientação nesta região.

Nesta aproximação imediata seria insuficiente uma possível multiplicidade

tridimensional de posições dos entes. Os lugares: em cima é no teto, em baixo é no

chão, o atrás é junto a porta, não são medições de um tal espaço e sim interpretações de

uma circunvisão, por que este ente não está determinado em algum lugar específico,

mas corresponde ao enquanto ser-no-mundo. Conforme Hervé Pasqua, “trata-se dum

espaço de ordem qualitativa, não geométrica: espaço feito de direções não de

dimensões, de lugares não de pontos, de percursos não de linhas, de regiões e não de

planos. Nele determinam-se caminhos, não se medem distâncias.”34

Por exemplo, temos

o sol, a casa, a igreja e a sepultura; o sol sendo uma estrela que aquece todos nós, tem

os seus lugares marcados e empregados numa circunvisão como o nascente, o meio-dia,

o poente, a meia-noite, nos mostram os pontos cardeais demonstrando uma o para onde

da região; a casa construida em uma determinada região, seus cômodos se apresentam

em lados ou do sol, ou da ventilação juntamente com os instrumentos; igrejas e

sepulturas são construidas em regiões também determinadas do nascente e poente que

34

PASQUA, Hervé. Introdução à leitura do Ser e Tempo de Martin Heidegger, p. 60

28

correspondem a vida e morte; do mesmo modo um livro que esta em um lugar da mesa,

num quarto perto da janela para um uso; a partir do qual a presença na ocupação se

compreende enquanto ser-no-mundo.

Essa espacialidade do todo instrumental é do ente e com isso o espaço é fragmentado

em lugares, determinando uma unidade através da totalidade conjuntural. Essa

fragmentação não significa uma separação pois os entes estão de uma forma ligados

nessa conjuntura. Desse modo, cada mundo está numa descoberta da espacialidade do

espaço. A presença é a espacial e o ser-em a sua espacialidade se funda nos caracteres

de distanciamento e direcionamento.O distanciar implica numa falta de distância, numa

proximidade, providenciar, aprontar, nesse próprio distanciamento pode descobrir uma

distância. Assim, a distância não corresponde a um intervalo, mas uma determinação

dos entes sem intramundanos. O distânciamento é um caráter do existencial da

espacialidade que estrutura a presença enquanto ser-em junto do mundo.

Os distanciamentos que ocorrem no cotidiano da presença enquanto ser-no-mundo são

determinados quando dizemos até lá é um passeio, são dois passos, até em casa é meia

hora, um caminho objetivamente longo pode ser mais curto do que um caminho

objetivamente curto, são interpretações a cada vez, a partir de habitos, acontecimentos,

e circunvisão da ocupação, mesmo com cálculos precisos e não precisos; descobre-se

então o ser-em-si do mundo verdadeiro dos entes. No cotidiano a presença tem o seu

sentido de ver e ouvir do distanciamento, assim o instrumento do óculos que se encontra

no rosto corresponde a algo mais distante do que o quadro em uma parede, a estrada que

corresponde a um instrumento de caminhada, porém ao caminhar a presença se

encontra de uma forma mais distante da estrada, do que proxima. Dentro da ocupação

será correspondido aquilo que está mais próximo regulando assim os distanciamentos.

O aproximar remete ao ser-no-mundo em uma ocupação que vem ao encontro da

presença. Ao explanar que a presença ocupa um lugar não significa estar a mão em um

lugar, mas distanciar este manual circundante que se encontra numa descoberta prévia.

E com essa aproximação a presença não está fixa em um lugar, mas sempre lá e aqui

novamente, pois em sua essência tem o caratér de distanciamento e direcionamento. O

aproximar dentro de uma região de forma antecipada se direciona, ou seja, a ocupação

é um distânciamento direcional, assim os sinais são instrumentos que nos mostram uma

direção, mantendo aberta as regiões, o encaminhar, levar e buscar. Neste

29

direcionamento temos as direções da direita e esquerda, em cima e em baixo, não se

apresentam subjetivamente; mas enquanto ser-no-mundo, a qual presença utiliza

instrumentos como luvas, martelo,etc.

Conforme Pasqua a presença tem a tendência existencial de aproximar e integrar o

máximo das coisas que se encontram juntas em um mundo circundante. Esta

espacialidade da presença se aproxima, se situa e não é subjetiva e a priori segundo

Kant, suas direções se determinam num mundo já presente. Nesta ocupação e dentro do

deixar e fazer vir, ocorre um dar espaço como um arrumar, desarrumar e arrumar

novamente os entes, uma descoberta do espaço nessa espacialidade. Neste contexto, o

espaço não se encontra em um sujeito e nem o mundo se encontra neste espaço, assim

demonstrando que o espaço corresponde a um mundo enquanto descoberta deste espaço

pelo ser-no-mundo. A espacialidade do manual e a espacialidade do ser-no-mundo não

corresponde ao espaço puro da res extensa, mas caracterizam a elaboração do fenômeno

da espacialidade do mundo e demonstram a problemática ontológico do espaço.

CONCLUSÃO

Conforme o desenvolvimento da monografia na tematica de Ser e Tempo, de Heidegger,

pode-se concluir que a Presença é estruturada pelos existenciais da Disposição,

Compreensão, Linguagem, Mundanidade de Mundo, da Referencialidade, da

Significância e da Espacialidade. Essa relação fenomenológica de presença e mundo

ocorre na ocupação do cotidiano, de uma forma a descobrir o manual em sua

manualidade e mundanidade como uma significância de mundo, ou seja, uma totalidade

conjuntural, referencial e significativa. Esta relação fenomenológica da significância de

mundo na ocupação e preocupação como abertura, familiaridade e compartilhamento de

mundo na cotidianidade, traz uma outra forma de ver a relação dicotômica de

sujeito\objeto. Para Heidegger, a possibilidade da superação dicotômica sujeito\objeto

estaria na fenomenológia-hermenêutica da facticidade da presença e da significância do

mundo.

Portanto, para Martin Heidegger a presença na relação com o meio, se encontra situado,

estando inserido no mundo; como mundo está inserido na presença desenvolvendo uma

30

significância. Sendo distinto de uma relação e percepção distanciada do método na

modernidade, a qual fundara a clássica visão científica moderna; cujo sujeito visava

somente as propriedades do objeto, de modo mensuráveis, tamanho, forma, textura,

comprimento, largura. Assim, em oposição ao dualismo cartesiano que se aproxima de

um sujeito como uma entidade interior, a qual necessita da Bondade de Deus em

estabelecer uma conexão com o objeto. Dessa forma, a presença e mundo estão numa

relação fenomenológica-hermenêutica factica em uma abertura, familiaridade,

compartilhamento e mundanidade de mundo no pensamento de Heidegger.

31

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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