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Serviços socioassistenciais de cuidados para pessoas com deficiência e suas famílias implementados em parceria Estado-Sociedade Civil: casos de inovação social na definição de problemas públicos? 1 Edgilson Tavares de Araújo 2 [email protected] Rosana de Freitas Boullosa 3 [email protected] Alice Dianezi Gambardella 4 [email protected] Maria Amélia Jundurian Corá 5 mel_cora@hotmail Iasminni de Souza e Souza 6 [email protected] RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar comparativamente dois casos de implementação indireta de equipamentos do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), os Centros-dia de Referência para Pessoas com Deficiência e suas Famílias, em duas capitais localizados na Região Nordeste do Brasil, com foco em como vem se dando as relações entre os órgãos gestores municipais da Assistência Social e organizações da sociedade civil, apontando possíveis inovações sociais que tenham sido produzidos, especialmente na definição de problemas públicos, bem como seus desafios. Foram realizadas visitas in loco aos equipamentos, com a realização de observação simples, entrevistas semiestruturadas com gestores municipais da Assistência Social e gestores do Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS), e grupos focais com as equipes técnicas e cuidadores. A análise é feita com base na teoria da instrumentalização de políticas públicas (LASCOUMES, LE GALÈS, 2012) e nos conceitos de problemas públicos e inovação social. São observados os discursos explícito e implícitos dentro de quatro dimensões avaliativas: político-institucional, cognitiva, técnico-operacional e gestão. Vários desafios são apontados neste processo, dado o elevado grau de inovação exigido pelo serviço, desde a própria definição do problema público que procura abordar: a falta de cuidados à pessoa com deficiência e o alto grau de oneração do cuidador familiar. Isso tem mobilizado as organizações privadas executoras do serviço a compreender algumas gramáticas, o processo de institucionalização e como usar os recursos de modo a compreender o problema público e a alternativa de solução, o modo que foi definido e explicado e como tem sido vivenciado nos processos de implementação dos Centros-dia. RESUMEN 1 Este trabalho tem o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) por meio do Edital CNPq nº. 24/2013 2 Doutor em Serviço Social (PUC-SP, Universidade Católica de Lisboa); professor adjunto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) / Graduação em Gestão Pública e Mestrado em Gestão de Políticas Públicas e Segurança Social; coordenador da pesquisa Avaliação do processo de implementação dos Centros-dia de Referência para a Pessoa com Deficiência e suas Famílias, no âmbito do Plano Viver Sem Limite, na Região Nordeste. 3 Doutora em Políticas Públicas (Universidade de Veneza), professora adjunta da Universidade Federal da Bahia (UFBA), vice-coordenadora do referido projeto de pesquisa,. 4 Doutora em Serviço Social (PUC-SP), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), bolsista CNPq DTI-B pelo referido projeto de pesquisa. 5 Doutora em Sociologia (PUC-SP), professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pesquisadora voluntária do referido projeto de pesquisa. 6 Gestora pública pela UFRB, pós-graduanda em Gestão Municipal (Unilab), bolsista CNPQ - DTI-C pelo referido projeto de pesquisa

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Serviços socioassistenciais de cuidados para pessoas com deficiência e suas famílias

implementados em parceria Estado-Sociedade Civil: casos de inovação social na definição

de problemas públicos? 1

Edgilson Tavares de Araújo2– [email protected]

Rosana de Freitas Boullosa3– [email protected]

Alice Dianezi Gambardella4– [email protected]

Maria Amélia Jundurian Corá5– mel_cora@hotmail

Iasminni de Souza e Souza6– [email protected]

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar comparativamente dois casos de implementação indireta

de equipamentos do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), os Centros-dia de Referência

para Pessoas com Deficiência e suas Famílias, em duas capitais localizados na Região Nordeste

do Brasil, com foco em como vem se dando as relações entre os órgãos gestores municipais da

Assistência Social e organizações da sociedade civil, apontando possíveis inovações sociais

que tenham sido produzidos, especialmente na definição de problemas públicos, bem como

seus desafios. Foram realizadas visitas in loco aos equipamentos, com a realização de

observação simples, entrevistas semiestruturadas com gestores municipais da Assistência

Social e gestores do Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS), e

grupos focais com as equipes técnicas e cuidadores. A análise é feita com base na teoria da

instrumentalização de políticas públicas (LASCOUMES, LE GALÈS, 2012) e nos conceitos de

problemas públicos e inovação social. São observados os discursos explícito e implícitos dentro

de quatro dimensões avaliativas: político-institucional, cognitiva, técnico-operacional e gestão.

Vários desafios são apontados neste processo, dado o elevado grau de inovação exigido pelo

serviço, desde a própria definição do problema público que procura abordar: a falta de cuidados

à pessoa com deficiência e o alto grau de oneração do cuidador familiar. Isso tem mobilizado

as organizações privadas executoras do serviço a compreender algumas gramáticas, o processo

de institucionalização e como usar os recursos de modo a compreender o problema público e a

alternativa de solução, o modo que foi definido e explicado e como tem sido vivenciado nos

processos de implementação dos Centros-dia.

RESUMEN

1 Este trabalho tem o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) por meio do Edital CNPq nº.

24/2013 2 Doutor em Serviço Social (PUC-SP, Universidade Católica de Lisboa); professor adjunto da Universidade

Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) / Graduação em Gestão Pública e Mestrado em Gestão de Políticas

Públicas e Segurança Social; coordenador da pesquisa “Avaliação do processo de implementação dos Centros-dia

de Referência para a Pessoa com Deficiência e suas Famílias, no âmbito do Plano Viver Sem Limite, na Região

Nordeste”. 3 Doutora em Políticas Públicas (Universidade de Veneza), professora adjunta da Universidade Federal da Bahia

(UFBA), vice-coordenadora do referido projeto de pesquisa,. 4 Doutora em Serviço Social (PUC-SP), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), bolsista CNPq

– DTI-B pelo referido projeto de pesquisa. 5 Doutora em Sociologia (PUC-SP), professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),

pesquisadora voluntária do referido projeto de pesquisa. 6 Gestora pública pela UFRB, pós-graduanda em Gestão Municipal (Unilab), bolsista CNPQ - DTI-C pelo referido

projeto de pesquisa

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Este trabajo tiene como objetivo la comparación de dos casos de implementación indirecta de

dos servicios públicos del Sistema Único de Assistência Social (SUAS), os Centros de Día de

Referencia para Personas con Discapacidad y sus Familias en dos capitales brasileñas ubicadas

en el nordeste de Brasil, centrándose en cómo viene se dando de las relaciones entre los órganos

de gobierno municipales y las organizaciones de la sociedad civil y las posibles innovaciones

sociales que se han producido, especialmente en la definición de problemas publicos, así como

sus retos. Se realizó visitas in situ a los equipos, con la realización de la observación simples,

entrevistas semi-estructuradas con los gestores municipales de asistencia social y gestores de

los Centros de Referencia Especializada em Assistência Social (CREAS), e grupos focales con

los equipos técnicos y cuidadores. La análisis se realiza basada en la teoría de la instrumentación

de las políticas públicas (LASCOUMES, LE GALÈS, 2012) y en los conceptos de problemas

públicos y innovación social. Son observadas el discurso explícito e implícito dentro de cuatro

dimensiones de evaluación: política-institucional, cognitivo, técnico-operativa y de gestión.

Varios retos se señalan en este proceso, dado el alto grado de innovación requerida por el

servicio, desde la definición misma del problema público que busca abordar: la falta de atención

a la persona con discapacidad y el alto grado de carga de los cuidadores. Esto ha movilizado a

las organizaciones privadas que ejecuta el servicio de entender algunas gramáticas, el proceso

de institucionalización y como utilizar los recursos con el fin de entender el problema público

y la alternativa solución, la forma en que se definió y explicó y como se ha experimentado en

los procesos implementación de Centros-dia.

ABSTRACT

This paper aims at comparing two cases of indirect implementation of the equipments in the

Sistema Único de Assistência Social, the Day Centers of Reference for People with Disabilities

and their Families in two capital in Brazil's Northeast region, focusing on how it is giving the

relationship between the municipal governing bodies of Social Assistance and civil society,

pointing out possible social innovations that have been produced, and its challenges. Site visits

were carried out in respect of fittings with the realization of simple observation, semi-structured

interviews with municipal managers and managers of Social Assistance Specialized Reference

Center for Social Assistance (CREAS), and focus groups with the technical staff and caregivers.

The analysis is based on the theory of public policy instrumentation (LASCOUMES, LE

GALÈS, 2012) and the concepts of social innovation and public problems. They observed the

explicit and implicit discourse within four dimensions of evaluation:, cognitive, technical-

operational and institutional policy and management Several challenges are pointed out in this

process, given the high degree of innovation required by the service, from the very definition

of public problem it seeks to address: lack of care to the person with disabilities and the high

burden of family caregivers. This has mobilized private organizations running the service to

understand some grammars, the institutionalization process and how to use resources in order

to understand the public issue and the workaround, the way it was defined and explained and

as experienced in Day Center implementation process.

1. Introdução: o que pesquisamos e como pesquisamos?

A oferta pública da proteção social para as pessoas com deficiência, segmento que representa

45,6 milhões de pessoas (23,9% da população nacional) (IBGE, 2010) foi colocado na agenda

governamental brasileira recentemente. A ausência de serviços de convivência e cuidados para

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as pessoas com deficiência e suas famílias passaram a ser assumidos como problema público a

partir de 2009, recebendo uma resposta institucional do Governo Federal, no formato de um

instrumento de política pública, em 2012, denominando o Centro-dia de Referência para

Pessoas com Deficiência e suas Famílias. Tal resposta está situada no processo de

institucionalização e ampliação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e do Plano

Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - PLANO VIVER SEM LIMITE (BRASIL,

2011), que ressalta compromisso do Brasil com as prerrogativas da Convenção Internacional

sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), da ONU.

Alternativas de respostas a problemas públicos são construções sociais resultantes dos próprios

processos de definição de problemas públicos (GUSFIELD, 1981; BOULLOSA, 2013). A

medida que problemas vão sendo definidos, que suas diferentes facetas e variações explicativas

vão conquistando ou perdendo público, alternativas para solucioná-las também vão sendo

organizadas, ao ponto tal em que a relação entre problema e solução passa a ser de

codeterminação e não mais de codependência funcional da segunda em relação ao primeiro.

Com isto, quando problemas ingressam em agendas de governo eles já estão profundamente

relacionados com alternativas de solução (KINGDON, 1984). Ambos, portanto, possuem um

potencial de inovação que pode, porém, ser melhor traduzido quando analisado pelo prisma da

alternativa de solução, pois esta contém uma compreensão implícita de como um fato social foi

realmente problematizado. Consegue-se fazer isto com razoável independência da explicação

mais institucional do que é o problema e de como ele se decompõe. Do ponto de vista teórico,

tal independência é um dos principais pilares da abordagem da instrumentalização das políticas

públicas, desenvolvidas pelos franceses, Lascoumes e Le Galés (2007, 2012). Estes autores

modelizam instrumentos de políticas públicas a partir de duas variáveis: discurso explícito e

discurso implícito. Enquanto que o primeiro consistiria na explicação oficial dos propósitos e

verdades do instrumentos; o segundo seria extraído dos valores, propósitos e verdades contidos

nas práticas do instrumento. Em outros termos, verificam a interdependência entre o que se diz

que se faz e, o que se faz de fato, mas, assumindo a natureza coletiva do sujeito de governo.

A perspectiva destes autores pode introduzir novas bases para discussão sobre o conceito de

inovação social, que vem se popularizando rapidamente entre as esferas da academia e da

prática profissional, já começando a alcançar um certo status de polissemia que pode vir a

limitar precocemente a sua própria expansão. De modo geral, inovação social refere-se sempre

à novas estratégias, conceitos e ideias (produtos, serviços e modelos). Para Hubert (2010), a

inovação social pode ser problematizada em sua capacidade de atender às necessidades sociais

que a política tradicional parece cada vez mais incapaz de enfrentar, pela qualidade do

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empoderamento que consegue provocar em grupos e indivíduos, bem como pela vontade de

mudar as relações sociais desequilibradamente estabelecidas. Por isso, frequentemente

a inovação social é apresentada como recurso que capaz de aumentar a qualidade dos serviços

sociais e da sua relação custo-eficácia, referindo-se sempre à novas estratégias, conceitos e

ideias implementados em processos de cogestão.

1.1. O que pesquisamos?

Este paper investiga e discute alguns dos principais achados de dois casos que compõem a

pesquisa “Avaliação do processo de implementação dos Centros-dia de Referência para a

Pessoa com Deficiência e suas Famílias”, financiada pelo edital MCTI-CNPq/MDS-SAGI Nº

24/2013 – DESENVOLVIMENTO SOCIAL. O objetivo do estudo foi o de mapear e

categorizar os principais dilemas e desafios (institucionais, políticos, técnicos, cognitivos e de

gestão) para a efetiva implementação e funcionamento dos Centros-dia.

O Centro-dia é um “equipamento social do SUAS que presta atividades de convivência,

fortalecimento de vínculos e cuidados pessoais às pessoas com deficiência em situação de

dependência e suas famílias” (BRASIL, MDS, 2012). Busca ofertar serviço de Proteção Social

à pessoa com deficiência em situação de dependência e à sua família, por meio da escuta,

informação, acolhida, orientação e oferta de cuidados cotidianos, além de apoiar suas famílias

no exercício da função protetiva, fortalecendo as redes comunitárias. São serviços diurnos para

até 30 usuários por turno, dentro de uma programação diária específica para atender as

demandas de cada usuário/família. Busca-se, assim, desenvolver a convivência, fortalecer

vínculos familiares e sociais, aprimorar cuidados pessoais em jovens e adultos (entre 18 e 59

anos) com qualquer tipo de deficiência (auditiva, visual, intelectual, física e múltipla), com grau

elevado de dependência, mas com algum nível de autonomia que possa propiciar melhor

participação em serviços coletivos e atenções individualizadas por parte de cuidadores

(ARAÚJO et all, 2014; ARAÚJO, CRUZ, 2013; ARAÚJO, 2013).

O governo brasileiro trabalhou com a meta de implementar de 27 equipamentos, um por Estado,

descrita no Plano Viver Sem Limite. Aplicou mecanismos de cofinanciamento (fundo-a-fundo)

pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais, sendo repassado pelo Ministério do

Desenvolvimento Social (MDS) para os municípios selecionados e que pactuaram a execução

dos servoços, o valor mensal de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) por mês por Centro-dia,

somando pelo menos 50% deste valor cofinanciado (R$20.000.00 – vinte mil reais) pelos

Governos Estaduais. Os Governos Municipais entram com pelo menos mais R$10.000,00 (dez

mil reais), totalizando R$70.000,00 (setenta mil reais) por mês para despesas de custeio,

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devendo o município arcas as despesas de capital(ARAÚJO, CRUZ, 2013; ARAÚJO, 2013)

Todavia, apesar da existência dos recursos financeiros e de orientações técnicas para

implementar o serviço, de agosto de 2012 até o final de 2013, apenas 11 serviços tinham sido

inaugurados, sendo 5 na região Nordeste e destes, 2 executados em parceria com organizações

da sociedade civil (ARAÚJO et all., 2014). Em 2015, foram abertos mais dois equipamentos,

sendo mais um no Nordeste. A forma de prestação do serviço por operação indireta recai

fortemente sobre dois aspectos caros ao estudos de instrumentalização de políticas públicas,

quais sejam, os elementos de direção, coerção, visibilidade e automaticidade que o instrumento

requereu na situação conjuntural do advento da sua implementação.

Os casos analisados neste paper são de equipamentos que foram implementados em duas

capitais do Nordeste do Brasil que optaram pela implementação indireta do serviço, por meio

da contratação/parceria com organização privada, da sociedade civil, para execução.

Atualmente no Brasil há uma forte presença de organizações da sociedade civil que assumirem

a realização de interesses públicos, realizando atividades de caráter púbico e, assim, acabam

por assumir um tipo de gestão pública, porém não estatal (PEREIRA, 2014).

Os achados nas análises destes casos nos permitiram construir uma nova pergunta específica de

pesquisa: em que medida podemos discutir o “instrumento de políticas públicas Centro-Dia”

como uma inovação social, reforçando, portanto, o seu caráter de equipamento público

coletivamente gerido, mas, ao mesmo tempo, observando-o no contexto de um fluxo de

políticas públicas?

Diante desta nova pergunta, propõem-se, neste artigo, analisar comparativamente os dois casos

de execução indireta dos Centros-dia, com foco em como as relações entre os órgãos de gestão

municipal e organizações da sociedade civil, e as possíveis inovações sociais que tenham sido

produzidos, principalmente quando a definição de problemas públicos.

1.2 Como pesquisamos?

A partir de um arcabouço teórico para o estudo das políticas públicas que assume a

independência entre discursos implícitos e explícitos, buscamos identificar como o problema e

soluções foram definidos e como vem sendo praticados (vividos). A figura 1, demonstra esta

lógica de análise associada as quatro dimensões avaliativas previamente apresentadas e

adaptadas do projeto de pesquisa inicial:

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Figura 1 – Modelo análitico para avaliação da inovação social na implementação dos Centros-dia de

Referência para Pessoas com Deficiência e suas Famílias, a partir das dimensões avaliativas

Fonte: elaboração própria

As dimensões apresentadas são definidas da seguinte forma:

• Político-institucional - aspectos referentes aos relacionamentos políticos e

institucionais (inclusive burocráticos e legais) existentes nos processos de pactuação e

cofinanciamento.

• Cognitiva – como vem ocorrendo a apreensão das novas gramáticas e concepções

conceituais trazidas na proposta do Centro-dia e como se reflete nos processos de

formação e aprendizagem das equipes gestoras e executoras do serviço.

• Técnico-operacional – formas de operacionalização técnica da oferta dos serviços /

inovação.

• Gestão – instrumentos de gestão / qualidade da oferta dos serviços / modelos gerenciais

(ARAÚJO, 2013).

Segundo o modelo avaliativo desenvolvido são três dimensões que podem indicar prováveis

incoerências entre os níveis do discurso explícito e implícito de um instrumento de políticas

públicas: “gramática”, “institucionalização” e “recursos”. Em gramática estão os conjuntos de

definições, de práticas, de rotinas que são, quase sempre primeiramente, descritas e,

posteriormente, vividas, experenciadas. Por institucionalização, compreende-se todos so

esforços descritivos e depois experenciados de definição e encaixe de uma nova

institucionalidade em um contexto precedente de outras institucionalidades. Por fim, recursos

compreende toda sorte de recursos cognitivos, pessoais, organizacionais, tecnológicos,

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temporais, financeiros e econômicos que esperam ser ativados (discurso explícito) e os que,

posteriormente, são efetivamente ativados (discurso explícito).

Para compreender melhor os desafios do processo de implementação, esta pesquisa buscou

apoio teórico na instrumentalização de políticas públicas (LASCOUMES, LE GALÈS, 2012),

na sociologia dos problemas públicos e nas concepções sobre inovação social.

Foram realizadas visitas aos equipamentos em novembro de 2014, com a realização de

observação simples e entrevistas semiestruturadas com atores relevantes para a implementação

da política e do equipamento, sendo eles: gestores municipais da Assistência Social e/ou

técnicos-gestores dos órgãos gestores responsáveis diretamente pela implementação do Centro-

dia, coordenadores do Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS),

coordenadores dos Centros-dia. Além das entrevistas foram realizados grupos focais com as

equipes técnicas e cuidadores. Tudo foi gravado, transcrito na íntegra e passaram por análise

de conteúdo.

Na apresentação das análises são omitidos os nomes das capitais nordestinas (sendo

identificadas como Capital A e Capital B) e dos profissionais, no sentido de tornar o mais

fidedigno possível os resultados e preservando a identidade dos sujeitos da pesquisa, conforme

compromisso firmado no Termo de Consentimento Livre e Informado.

Cabe destacar que, embora as estratégicas para execução das políticas se apoiem em

instrumentos próprios e deliberadamente construídos, neste trabalho busca-se analisar as

características conjunturais e demais elementos que consubstanciam a implementação do

instrumento Centro-dia do ponto de vista da organicidade política, em detrimento das análises

de avaliação dos resultados de efetividade que o instrumento alcança. Ambas as análises são

caras e complementares, porém, neste optou-se em produzir uma análise mais dirigida aos

elementos micro políticos da fase de design e estratégias lançadas para sua implementação. Esta

opção metodológica está atrelada ao fato de que o ineditismo do instrumento e sua recente

implementação ainda oferecem poucos insumos para viabilizar uma análise avaliativa de

monitoramento ou de resultados.

Além desta apresentação, este paper apresenta um breve referencial teórico sobre

instrumentalização de políticas públicas, problemas públicos e inovação social; alguns dos

principais achados da pesquisa; e, por fim, as considerações finais.

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2. O Centro-dia como instrumento da política pública de Assistência Social: quais

inovações sociais na definição de problemas públicos?

Políticas públicas (policy) não é sinônimo de instrumentos de políticas públicas (policy

instruments), ainda que exista entre eles uma forte relação de metonímia, e, portanto, o Centro-

dia enquanto equipamento/serviço do SUAS, não é uma política pública, mas, sim, um

instrumento de políticas públicas (BOULLOSA, 2013). Esta diferença é fundamental na análise

que será apresentada neste paper. Do ponto de vista metodológico, assumimos que o Centro-

Dia se constitui em um instrumento de políticas públicas e, como tal, um “dispositivo

simultaneamente técnico e social que organiza as relações sociais específicas entre o poder

público e seus destinatários em função de representações e de significações de que ele é

portador” (LASCOUMES, LE GALÈS, 2004 apud LASCOUMES, LE GALÈS, 2012, p. 200).

Ou seja, desenvolve ações consecutivas da adoção de métodos elegíveis, com técnicas e micro

dispositivos próprios na prestação de um serviço com públicos definidos (ibid).

A instrumentalização de políticas públicas refere-se, portanto,

ao conjunto de problemas apresentados pela escolha e o uso de instrumentos (técnicas, formas

de operar, dispositivos) que permitem materializar e operacionalizar a ação governamental.

Trata-se de compreender, não apenas as razões que levam a escolher um instrumento em

detrimento de outro, mas também verificar os efeitos produzidos por essas escolhas

(LASCOUMES, LÉ GALÈS, 2004 apud LE GALES, 2012, p. 200).

A Política de Assistência Social e sua materialização com o macro-instrumento SUAS,

enquanto ação pública, compreendendo um conjunto de ações coletivas e multiatoriais para a

criação de determinada ordem social e política, direção da sociedade e regulação de suas

tensões, integração de diferentes grupos sociais e resolução de conflitos em torno de problemas

de pública relevância. Assume-se a política pública como forma da ação pública, num sentido

mais ampliado de compreensão da policy, numa perspectiva pluricêntrica, considerando a

grande diversidade de atores e formas de mobilização, sendo preciso dar mais atenção a

dimensão política do processo. Ou seja, a ação pública enquanto articulação entre regulação

social e política (LASCOUMES, LE GALÉS, 2012). Tem-se, assim, no SUAS um complexo

policy design que combina distintos instrumentos e instituições para o enfrentamento de

problemas públicos, categorizados no âmbito da política como riscos e vulnerabilidades

pessoais e sociais (ARAÚJO et all, 2014).

Os estudos sobre como se definem os problemas públicas e como estes entram na agenda

governamental vem sendo desenvolvidos por muitos autores, inclusive estadunidenses como

Roger Cobbe e Charles Elder, que afirmavam há trinta anos, que estes problemas resultam de

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conflitos entre grupos sobre questões formais ou substantivas relativas a distribuição de

recursos. Pressupõe-se que os promotores de um problema em potencial até então não tenham

recebido a atenção pública ou governamental e querem se fazer conhecer por outros segmentos

da sociedade. Porém, esta perspectiva não consegue responder a uma série de questões atuais,

já que pressupõe o Estado independente, separado da sociedade e não considera que existem

iniciativas públicas externas ao Estado. Por outro lado, prevalece uma cultura que são os

agentes estatais que iniciam uma política pública, definindo o problema que entra na agenda e

dão apoios sociais para que as ações se materializem (LORENC VALCARCE, 2005).

Cabe salientar que muitos problemas públicos não nascem públicos, nem nascem como

problemas; eles se transformam em problemas e passam a ter estatuto público na medida em

que uma dada sociedade começa a desnaturalizar os efeitos diretos e indiretos de qualquer fato

social (DEWEY, 1923 apud BOULLOSA, 2013). Ao adquirir o estatuto público, acontece de

pertencer a um grupo privilegiado de problemas capazes de guiar as ações do governo, para

estruturar os discursos, orientar a escolha e interesses dos atores, manter arenas mais ou menos

preservada e estabelecer-se como repositório dos esforços de diferentes naturezas.

A definição do problema público, concepção conceitual e de gestão do instrumento Centro-dia

foi feita pela Governo Federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate

à Fome (MDS), com apoio de experts no tema da pessoa com deficiência, seguindo as

prerrogativas do instrumento legal Tipificação Nacional de Serviço Socioassistenciais, no qual

está previsto desde 2009, o Serviço de Proteção Social Especial de Média Complexidade para

Pessoas com Deficiência e suas Famílias, ofertados em Centro-dia ou unidades referenciadas.

Criou-se, assim, uma modelização do problema público a ser enfrentado. Neste caso, focado

nas relações de dependência de cuidados de terceiros enquanto fator agravante de riscos e

vulnerabilidades sociais para a pessoa com deficiência jovem e adulta. Trata-se, portanto, de

uma visão particular do problema que pode ser posteriormente questionada por

posicionamentos conflitantes (LORENC VALCARCE, 2005). Deste modo, a partir da “janela

de oportunidades” criada pelo Plano Viver Sem Limites, define-se e seleciona-se um problema,

cria-se uma agenda e uma alternativa de solução em política pública com a criação e

implementação de um equipamento público para prestar serviços socioassistenciais para

pessoas com deficiência, tendo execução direta ou indireta, financiado prioritariamente pelo

Governo Federal e executado de modo incremental pelos municípios, dada o caráter inovador

do serviço.

Boullosa (2013) aponta que a inovação do serviço se daria por dois diferentes e complementares

caminhos: de um lado, pela problematização que propõe, compreendo pessoas com deficiência

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de acordo com a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência – CDPD, como aqueles

“que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais em

interação com diversas barreiras, obstruem sua participação social” (BRASIL, 2012); e, de

outro, pela desenho que propõe, que cria um equipamento novo para o conjunto de

equipamentos do SUAS. Neste sentido, a qualidade de inovação atribuída ao Centro-dia faz

jus a tradição brasileira de valorizar o novo, a descoberta, em detrimento do velho ou do usado,

mesmo quando este ainda apresentada possibilidade de uso e de correções. De fato, um olhar,

mesmo que panorâmico, pode perceber como tal qualidade está presente na grande maioria dos

instrumentos de políticas públicas lançados no Brasil, independente de sua escala de

complexidade. Entender a inovação, portanto,

parece se prestar, mais do que responder a uma importante lacuna de pesquisa, a contribuir com um

necessário processo de auto-reflexão dos demandantes e desenhadores de instrumentos de políticas

públicas. Por outro lado, também um olhar panorâmico sobre os instrumentos inovadores, revela a grande

presença de correções de rumos que estes mesmo instrumentos sofrem em seus primeiros meses de

implementação, levando-os muitas vezes a sacrificar justamente aquilo que mais justificava à atribuição

de valor de inovação (BOULLOSA, 2013, p. 3).

Além destas duas características, podemos citar outros fatores que corroboram para a

necessidade de inovação na execução dos serviços socioassistenciais ofertados no Centro-dia e

que impactam inclusive no seu processo de planejamento e efetiva implementação nos

municípios:

a) definição do problema público da dependência de cuidado de terceiros e falta de cuidados

como sendo fator agravante de riscos e vulnerabilidade pessoais e sociais para as pessoas com

deficiência;

b) priorização do atendimento estatal para o público de jovens e adultos com qualquer tipo de

deficiência, anteriormente com a responsabilidade precípua da família e da sociedade civil

antecedendo a ação do Estado, com atendimentos pontuais por tipo de deficiência;

c) atender todos os tipos de deficiência, inclusive pessoas com maior nível de comprometimento

gerado também pelo processo de extrema dependência, no mesmo equipamento físico que deve

ser acessível em todas as dimensões;

d) criação de serviços socioassistenciais que sejam tipicamente desta natureza, uma vez que

historicamente a sociedade civil tem ofertado para pessoas com deficiência mix de serviços de

educação, saúde, cultura, trabalho e assistência social;

e) necessidade do trabalho interdisciplinar para a prestação de serviços socioassistencias com

o objetivo de prestar cuidados, fortalecimento de vínculos familiares e comunitários;

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f) criação e formação cuidadores na área de Assistência Social, já que esta função no Brasil tem

sido desenvolvida na área de saúde, quando existe;

g) desenho de estratégias de atuação que sejam voltadas para o desenvolvimento da autonomia

das pessoas com deficiência, articuladas com o trabalho social com famílias;

h) necessidade de existência de parceria técnica e financeira dos três entes federados para a

execução do serviço;

i) referenciamento do Centro-dia a um CREAS, independente se ocorrer a execução direta ou

indireta, de modo a garantir o caráter público e universal do serviço.

Dada a grande exigência de inovações, foi sendo criado um descompasso entre o planejamento

no nível federal, com o planejamento e implementação no nível local, gerando inclusive atrasos

significativos para a inauguração e funcionamento dos serviços. Isso se dá inclusive pela falta

da clara compreensão nos municípios do problema público a ser enfrentado pelo serviço. As

motivações que geraram a adesão ao serviço nos diferentes municípos, não necessariamente

são pela compreensão clara do problema no nível local, mas também por questões político-

partidárias e pela atração pelo financiamento como possibilidade de ingresso de novos recursos

para a implementação da política.

Percebe-se, assim, que a trajetória da construção do problema público foi ordenando o horizonte

de engajamentos, preocupações, sensibilizações e mobilizações locais, gerando as montagens

institucionais, jurídicas e políticas para implementar as soluções definidas para o enfrentamento

do problema. Nos casos em questão, mais do que os governos municipais serem “coagidos” por

possíveis estruturas de oportunidades políticas, a lógica do público vem redefinido e

estimulando horizontes possíveis gerando novas “arenas públicas” (CEFAÏ, 2009). Neste

sentido, “a questão é menos a do ‘público e seus problemas’ que do ‘problema e de seus

públicos’” (p. 16).

3. As inovações e desafios para a implementação do Centro-dia em duas capitais do

Nordeste

Nesta parte do texto traremos alguns dos principais resultados encontrados nas entrevistas e

grupos focais realizadas em ambos nos municípios analisados, que foram gravadas, transcritas

na íntegra e analisadas. A análise é apresentada a partir das quatro dimensões de avaliação

previamente estabelecidas: político-institucional, cognitiva, técnico-operacional, gestão.

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3.1 Dimensão político-operacional

Esta dimensão busca analisar a qualidade e sustentabilidade da pactuação realizada entre os

entes federados. Pode-se perceber que as prefeituras das cidades A e B, lidam com instrumentos

de políticas públicas tanto por prestação direta, quando realizados diretamente pelo órgão

público, quanto por execução indireta, como é o caso do Centro-dia. A pactuação para a

implementação do serviço na Capital A foi realizada em novembro/2012 e inaugurado dezesseis

meses após, em 18 de março de 2014. Na capital B, foi pactuado em março/2013 e inaugurado

em 09 de março de 2014, sendo 12 meses entre planejamento e implementação. Em ambos os

casos, as metas de abertura do serviço, quando comparados a outros cofinanciados, foram

atingidas.

A opção pela estratégia de implementação do instrumento esteve mais vinculada a uma “janela

de oportunidades” do que sobre novas “gramáticas” e “design” do instrumento tido como

solução ao problema público.

A Gestora da AS da Capital A destaca alguns aspectos com relação as estratégias de chamada

pública dos órgãos federais para pactuação dos municípios para implementação dos

instrumentos da política pública de Assistência Social:

“Aí do município se não aderir. E aí ao mesmo tempo o município [pode] aderir

irresponsavelmente! Irresponsavelmente! Porque hoje o gestor ele está com a corda no

pescoço. [...] Eu vivo respondendo o Ministério Público aqui. Eu já não vou mais pra

audiência, mas não é porque eu não queira, é porque são tantas dentro do mês, que eu

digo: eu não vou! Vamos reunir aqui e vamos ver o que pode fazer. Eu brinco muito

que cada vez que eu vou, eu sou presa (risos) A Promotora vira pra mim e diz: ‘Ah!

Pois se você não fizer, você e o prefeito que vão ser presos’. Eu viro pra ela e digo: ‘eu

sinto muito, a senhora faz o seu papel e eu faço o meu’. [...] o engraçado é que o

Ministério [Público] reconhece e ele faz assim [...] Por exemplo, o atraso desses pisos

[de repasse financeiro]... A gente está com piso que não recebe desde agosto, pergunte

se o serviço parou? Não parou! [...] E aí no último encontro que houve em Fortaleza,

a gente foi colocar e aí disseram [o MDS]: ‘é, mas é isso mesmo, o Tesouro Nacional

ele está com problema para repassar o recurso’. Sim!?! Mas, quem é que vai levar esse

discurso bonitinho lá para o município, para passar para população? (Gestora da AS

da Capital A)

Pela significativa fala percebe-se que mesmo havendo regularidade nos repasses do Centro-dia

por parte do MDS, existem discrepâncias aos entendimentos conceituais e legais com as

práticas reais nos municípios. A adesão a muitos serviços é feita, portanto, não pelo

reconhecimento estratégico do enfrentamento do problema público. Mas, por necessidades de

financiamento e mesmo pressões externas e processos de judicialização. Importante destacar

que a mesma gestora, afirma o compromisso com a pactuação firmada anteriormente ao seu

mandato buscando zelar pelos acordos anteriores, mas também por entender que o município

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possui uma “grande dívida” com a população de pessoas com deficiência, o que de certa forma

a aproxima da compreensão da problema público.

Os repasses de recursos por parte do MDS não atrasaram, porém, no caso da Capital B, não

houve os repasses pactuados por parte do Governo do Estado:

“Foi assinado à proposta, a adesão... Mas, o que eles justificam[Governo do Estado], é que

isso foi feito, mas que não tinha sido visualizado em termos de orçamento... [...] realmente não

existia orçamento, não existiam as situações jurídicas para poder garantir esse

cofinanciamento que é o repasse fundo a fundo, fundo estadual [para o] fundo municipal (...).

Mas, até o momento, quem tá custeando tudo é o município! Óbvio com o repasse de

implantação do recurso federal e que nós já recebemos a primeira parcela de custeio [pelo]

governo federal” (Gestora da AS da Capital B).

Por outro lado, a gestora do Centro-dia A destaca a importância do cofinanciamento e do

procedimento do MDS quanto ao cofinanciamento e pactuação entre os entes federados: “(...)

a princípio está em ordem, não está tão atrasado, mas não foi tão dificultoso não, na verdade

já tinham pactuado e como era um serviço, isso a gente coloca que facilita como uma

obrigatoriedade. Não foi uma escolha do Estado em cofinanciar, ele tinha obrigação em

cofinanciar”

As falas demonstram que a mesma regra do Governo Federal pode ser efetividade em um dado

contexto político e em outro não, considerando a autonomia constitucional dos Estados e

Municípios. Além disso, dado o caráter inovador do serviço e o processo top-down como

ocorreu, não tem sido suficiente apenas o apoio financeiro, sendo necessário também o apoio

técnico inclusive do órgão definidor do problema público e da alternativa encontrada, o MDS.

Reclama-se da ausência de melhor apoio técnico na implementação do serviço: “Acabou que

nós não tivemos uma equipe do MDS acompanhando todo o processo. O serviço é muito novo

[e] só tivemos uma oficina de alinhamento e a partir dela os instrumentais” (Gestora do

Centro-dia A)

A definição da estratégia de gestão compartilhada e execução indireta em ambos os casos

tiveram como pano de fundo a análise conjuntural da disposição de recursos no determinado

momento da sua implementação, bem como as diretrizes do MDS, considerando alguns dos

elementos inovadores listados anteriormente. Conforme salienta a Gestora da Assistência

Social da Capital A: “....a gente tem uma maior facilidade com essas entidades, apesar dessas

observações...” (Entrevista). No caso da Capital B, ainda é afirmado que houve uma busca

direta a entidade que prestaria o serviço: ““(...)Que bom que já era uma entidade que tem uma

experiência muito grande e aí eu fui bater as portas da (entidade X)... Foi uma busca direta!

[...] a gente foi buscar diretamente, apesar de que a orientação do Prefeito, é que a partir de

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2015 a gente comece esse trabalho, para em 2016, fazer uma chamada pública” (Entrevista)”.

Com relação a não realização de chamada pública, deve-se observar que nas orientações

técnicas do MDS é recomendado que no caso de execução indireta seja realizado este

procedimento.

Na capital A, a gestora ainda argumenta que tem bastante clareza sobre o fundamento do serviço

que é de caráter público, que se estabelece em parceria com a iniciativa privada, somente na

sua prestação, mas arregimentando elementos para não deixar dúvida que é um serviço público

de fato, garantindo a sua universalidade.

Outro fator destacado na dimensão político-institucional é com relação a articulação territorial

com a rede socioassistencial, uma vez que optou-se pela execução do serviço por entidades

privadas. No grupo focal realizado no Centro-dia A, ficam evidentes os esforços que estão

ocorrendo. Apesar de se declarar, principalmente pelas gestoras municipais de Assistência

Social e dos CREAS os grandes esforços e avanços nesta articulação da rede, existem algumas

críticas a respeito: “Na verdade a gente percebe muita desarticulação... Eles se fecham!

(Assistente Social - Grupo focal Centro-dia B). Outra profissional também salientam que “Ao

invés do CREAS [ ] chamar a gente para reunião e discutir... Não! Era a gente que chamava

todo mundo aqui. Nós fizemos várias reuniões no início, com o CREAS, com o pessoal da saúde

de matriciamento e até com o CRAS. [...] Mas, não funcionou!”(Psicológa – Grupo Focal

Centro-dia B)

Mesmo com estes esforços, percebe-se ainda que não há muita clareza quanto aos processos de

referenciamento e contra-referenciamento ao Centro-dia. Isso fica evidenciado inclusive na

fala das gestoras, seja pelo descontentamento com o número atual de usuários que frenquentam

o serviço, seja pela própria noção de obrigatoriedade de fluxo de ingresso, já que este pode ser

feito por demanda espontânea, busca ativa ou encaminhamentos:

“É... Não tem uma demanda?!? Então, é preciso ter uma nova explicação, saber um pouco

como é que realmente isso [ ] como eu falei [estamos] no exercício, aprendendo... [Temos que]

pelo menos alguma marca e dizer: o serviço e o funcionamento dele se dá desta forma...”

(Gestora da AS – Capital A)

“A gente está avançando numa forma de repaginar, repassando casos de fato referência e

contra referência. Por enquanto nosso contato tem sido em reuniões de gerência, em repasse

de casos do CREAS para o Centro-dia e a contra-referência do Centro-dia [para o CREAS].

Mas, hoje a gente tem um número bem pequeno de pessoas do CREAS Norte e de

encaminhamentos pelo CREAS, por conta de a demanda não ser a recebida pelo Centro-dia”.

(Gestora do CREAS – Capital B).

.

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3.2 Dimensão cognitiva

Com relação como vem ocorrendo a apreensão das novas gramáticas e concepções conceituais,

implicando na aprendizagem e formação da equipe percebe-se que gradativamente os

municípios vem conseguindo melhor definir o foco de atendimento do serviço socioassistencial,

diferenciando de outros:

“(...) Isso não é unidade hospitalar, fomos discutindo como a gente queria [...]

Inicialmente, o Centro-Dia estava recebendo as pessoas que eram atendidas pelo antigo

programa de habilitação e reabilitação [...] então começamos uma discussão muito

grande do fluxo, de receber os encaminhamentos do CREAS (Gestora da AS Capital A)

“(...) nós passamos um bom tempo, e ainda tem, mas já melhorou bastante, [em que] as

pessoas chegavam muito aqui [no Centro-dia] atrás de serviços de reabilitação clínica.

A maior demanda era essa” (Cuidadora – Grupo Focal Capital A)

Estas questões implicam ainda em usos equivocados de algumas palavras e compreensões não

muito alinhadas com a política e com a definição do problema a ser enfrentado. Por exemplo,

isso ocorre com relação a definição do público usuário que prevalece de pessoas com

deficiência intelectual, mas que ainda há dúvidas nas equipes se casos de pessoas com

deficiências associadas a transtornos mentais são público ou não para o serviço.

Apesar de se perceber a disposição da equipe para novas aprendizagens, muito ainda há de se

investir em termos de formação e capacitação, inclusive para buscar nivelar as próprias

compreensões sobre quais os perfis de público a serem atendidos no serviço, como deve ser a

atuação multidisciplinar da equipe técnica e qual o perfil dos cuidadores.

Nesta dimensão ainda é ressaltada em várias falas, duas das maiores vantagens para a parceria

Estado/sociedade civil na execução do Centro-dia: o possível know-how das entidades

executoras e a maior facilidade e autonomia para contratar e gerir a equipe. Uma gestora afirma:

“Um elemento que eu acho muito interessante é a flexibilidade para a contratação de

profissionais. Você pode dar uma credibilidade para o celetista, ele está protegido porque

consegue ter um salário organizado” (Gestora da AS Capital B)

Nos dois serviços analisados foram declaradas que são realizadas reuniões semanais das

equipes para avaliar casos de atendimento, bem como para averiguar dificuldades e orientar os

cuidadores. Cabe ressaltar que o profissional cuidador na área da Assistência Social é uma

figura nova e que não existe ainda formação/capacitação específica para estes. Os Centros-dia

têm ofertado o que podem neste sentido, mas o processo de aprendizagem sobre cuidados para

a pessoa com deficiência tem se dado pela prática, no cotidiano. Como expressa uma das

participantes do grupo focal no Centro-dia B: “A cada dia que passa a gente vai encontrando

uma novidade, uma problemática, que é preciso ser resolvida e requer tempo, requer diálogo,

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requer toda a equipe e aí meche com o psicológico, com o financeiro, com toda uma estrutura...

“ (Assistente Social – Grupo Focal – Centro-dia B)

Mesmo sem atingir as metas de atendimento de 30 usuários por turno, os entrevistados declaram

ter equipes com número de cuidadores a mais do que o recomendado. No caso do Centro-dia

A são 15, e no Centro-dia B, 12 cuidadores.

Com relação aos atendimentos prestados, percebe-se que a falta de clareza quanto ao que

diferencia o modus operandi de um serviço socioassistencial de outros, faz com ainda exista

um baixo nível de inovação nos atendimentos cotidianos, sendo resumidos a atividades

tradicionais que englobam alimentação, oficinas, descanso, higienização bucal etc. Também

são feitas algumas atividades externas pontuais tais como passeios para a praia. Justifica-se

isso pelas dificuldades com a logística de transporte, que será abordada a seguir, no

detalhamento sobre a próxima dimensão.

3.2 Dimensão técnico-operacional

Como já visto na dimensão cognitiva, muito ainda há de ser feito com relação a compreensão

sobre a qualidade e efetividade do serviço. Apesar de nos dois casos analisados as organizações

executoras terem know how na prestação de serviços de educação e saúde para pessoas com

deficiência, percebe-se certa “automaticidade” inerente à urgente implementação deste

instrumento inédito, complexo e com características específica. Deste modo, os equipamentos

foram abertos cumprindo com a meta, porém, não ainda não atingem metas básicas, por

exemplo, com relação ao número de usuários atendidos que ainda é muito baixo, em ambos os

casos, se considerado os tamanhos das equipes, os recursos investidos e as infraestruturas

existentes. Há claramente um dilema entre a capacidade instalada versus o número de

atendimentos, embora se saiba que existe demanda reprimida em ambos os municípios.

Conforme alerta a Gestora da Assistência Social do Município B: “A meta de atendimento não

chegou aquela de trinta por turno. Então a gente tem gente trabalha com uma meta pequena,

e estamos, inclusive, verificando isso, não é? Tem gente de mais, para demanda de menos”

(Entrevista).

Em novembro/2014 quando foram realizadas as entrevistas, foi declarado no Centro-dia A que

se estava atendendo efetivamente o total de 28 usuários em turnos alternados; e o Centro-dia B,

25 (vinte e cinco) usuários. Em ambos a equipe mínima estava completa e com número a mais

de cuidadores. A exceção foi para profissional de Terapia Ocupacional que não havia sido

contratado no Centro-dia A.

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Outro elemento importante diz respeito ao fator acessibilidade física do equipamento. A

entidade executora do Centro-dia A construiu unidade própria para o serviço, sendo plenamente

acessíveis para atender a pessoas com qualquer tipo de deficiência. Isso se deu inclusive,

implicitamente, como certa contrapartida da entidade na parceria com o Município. No Centro-

dia B, o espaço foi alugado com muitas dificuldades, sendo feitas algumas adaptações

necessárias. Porém, é importante ressaltar que apesar da existência da acessibilidade física nos

equipamentos em si, ressaltasse que se tratam de cidades com pouca acessibilidade inclusive,

das próprias ruas (vias públicas) e dos transportes públicos, o que tem dificultado os

encaminhamentos e atendimentos. “[…] Se você não tem acessibilidade, não vai para lugar

nenhum. Você não vai estudar, ter atendimentos e não vai nem procurar para onde…”

(Entrevista Gestoda do Creas da Capital B). Esta questão resvala em outro importante fator

que é a questão da disponibilidade de transporte adaptado para conduzir os usuários das

residências aos equipamentos. No caso do Centro-dia A, alguns usuários residem no próprio

território, facilitando o deslocamento, sendo ofertado transporte não adaptado apenas para

usuários que residem mais distante. No caso do Centro-dia B, os usuários utilizam sistema de

transporte ofertado pela Prefeitura, todavia, não há regularidade nesta oferta, dificultando

alguns atendimentos. Em ambos os casos, aumentando a demanda de usuários, principalmente

que residam em bairros mais longes, este é um dos fatores críticos, já que apesar de existirem

recursos de custeio para contratar serviços de transporte adaptado, não há ofertas destes nos

munícipios. Por outro lado, não há disponibilidade e previsão de recursos de capital para

adquirir veículos.

Um fator positivo encontrado em ambos os serviços analisados é a utilização integral ou

adaptação dos instrumentais de trabalho propostos inicialmente pelo MDS. Ressalta-se que, no

caso dos Planos Individuais de Atendimento (PIA) há uma tendência a utilizar o que já é padrão

nos demais serviços sociassistenciais municipais, sendo feitas pequenas adptações.

Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, são relatadas muitas situações sobre aquisições

dos usuários, principalmente, evoluções com relação a interação social e aprimoramento das

formas de comunicação, inclusive no caso de pessoas com dificuldades de linguagem. Isso tem

melhorado o grau de autonomia dos usuários.

Não fica evidente em nenhum dos casos a devida importância que deve ser dada ao trabalho

social com famílias. Aponta-se, contudo, que os serviços, na medida do possível, oferecem

melhor qualidade de vida para os cuidadores familiares e/ou que estejam em atenção direta com

o usuário. Fica patente no relato dos técnicos o alcance das atividades no que diz respeito a

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propiciar “tempo livre” para os cuidadores, o que significa proporcional melhoria da relação

usuário-cuidador e, portanto, amplificação da qualidade do cuidado no domicílio.

3.3 Dimensão gestão

Os estilos de gestão em ambos os serviços são diferenciados, mas ressalta-se o caráter

empreendedor das gestoras da Assistência Social nas capitais, já que se conseguiu abrir os

equipamentos mesmo diante as várias dificuldades existentes. Mesmo havendo transição nas

prefeituras no ano de 2013, ambas honraram com os pactos feitos com relação ao serviço,

porém, com algumas adaptações inclusive orçamentárias. A gestora do Centro-dia A, por

exemplo, ressalta que com a mudança da gestão

“(...) tudo o que foi feito do ano anterior com a antiga gestão a gente teve que refazer

nessa gestão porque o orçamento a gente queria (...)foi a partir daí que tivemos reunião

com a secretaria e depois uma nova articulação com o Estado (...)não foi uma cautela

qualquer. A nova gestão passou a ter o conhecimento do trabalho e do que já tinha sido

feito.” (Gestora do Centro-dia A)

Ressalta-se que o estilo de gestão e de tomada de decisão das gestoras dos Centros-dia também

tem sido muito positivo em ambos os serviços.

Mesmo diante das boas condições de acessibilidade e infraestrutura básica de ambos os Centro-

dia, há grande preocupação dos gestores da Assistência Social quanto a vulnerabilidade da

gestão pública neste sentido, já que não se dispõe de prédios próprios, ficando à mercê de

aluguéis de imóveis que possam atender às exigências do preconizado em normas técnicas para

execução dos serviços ou, ainda mais, financiando reformas em prédios não-próprios, mesmo

nos casos de contratação de entidades privadas.

A articulação territorial com equipamentos públicos e outras organizações privadas mais tem

sido uma preocupação operacional dos executores dos serviços que necessariamente estratégica

dos gestores municipais da Assistência Social. Neste sentido, a rede de serviços

socioassistenciais proposta pelo SUAS ainda é bastante fragilizada. Em ambos os casos

estudados, quando inquiridos sobre articulação da rede, sumariamente circunscreveram sua

atuação em relação à rede pública de Assistência Social (CRAS e CREAS) e Saúde, ressaltando

as diversos desafios para tal. Isto pode ser um indicativo forte de ausência de demais serviços

para pessoa com deficiência ofertados inclusive pela rede privada.

A gestão do serviço ainda não assume uma integralidade quanto as atividades administrativas-

financeiras com as técnicas. Nos dois Centros-dia os processos burocráticos administrativos são

executados por equipes próprias destinadas a estes tipos de atividades nas entidades privadas

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parceiras. Existem processos institucionalizados de prestação de contas e envio de relatórios

técnicos semestrais, como condicionantes a liberação de novas parcelas de financiamento dos

serviços. Mas, mesmo assim, o nível de burocratização dos processos de gestão de modo mais

compartilhado por toda a equipe, assim como em outros serviços socioassistencias, ainda é

muito baixo.

Os recursos financeiros parecem ser usados integralmente, mas não há uma clareza sobre o

custo-benefício e maior detalhamento dos custos operacionais por parte das gestoras municipais

e das gestoras dos Centros-dia.

4. Considerações Finais

Seguindo o modelo avaliativo proposto atentou-se para a “gramática” utilizada, o processo de

“institucionalização” e os “recursos” para implementação dos Centros-dia, dentro da lógica das

quatro dimensõe de análise propostas: político-institucional, cognitiva, técnico-operacional e

gestão.

Os resultados discutidos na parte precendente parecem indicar os esforços de aproximação dos

contéudos da gramática implícita em relação àquela explítica, uma vez que na prática as

organizações privadas executoras dos Centros-dia analisados têm se dedicado a busca do real

entendimento do problema público e têm buscado aperfeiçoamento dos serviços

socioassistenciais prestados.

No que se refere à gramática técnica e novos conceitos usados nos serviços, percebe-se ainda

pouca clareza nas relações da oferta destes por entidades privadas, mesmo este tendo um caráter

público, havendo inclusive algumas dúvidas e dilemas quanto a ideia de referenciamento dos

serviços ao equipamento público CREAS, no sentido de garantir a universalização desta oferta.

Tal concepção não se trata apenas de um procedimento burocrático, mas de uma lógica de

atuação territorial melhor estruturada. No âmbito SUAS o Centro-dia demanda ainda uma

mudança de fluxos e de processos para integrar este novo equipamento à rede como um todo e,

em específico, a comunicação do Centro-dia com os demais serviços da rede socioassistencial.

Como conclusão mais geral é possível afirmar que a construção do Centro-dia aponta resultados

que sugerem processos de institucionalização precoce (BOULLOSA, 2013), uma interpretação

que explicaria certo grau de dificuldade da implementação de alternativas de solução para um

problema pouco amadurecido, particularmente que envolvem soluções de intergoverno,

compartilhamento de recursos e criação de novos valores nos serviços sociais prestados.

Do ponto de vista dos órgãos gestores da Assistência Social nos municípios, as parcerias com

a sociedade civil demonstram-se essenciais. Ao que parece, sem a execução pelas entidades, os

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dois casos analisados, apontam que não teria sido possível a implementação, seja pela falta de

know how na área da pessoa com deficiência, seja pela inexistência de espaço físico acessível,

ausência de pessoal qualificado etc.

Em relação as eventuais diferenças entre os recursos que foram planejados para serem ativados

e os que puderam ser efetivamente ativados, observa-se que um dos principais problemas diz

respeito ao discurso explícito da pactuação intergovernamental e a realidade destas,

principalmente, quanto ao cofinanciamento pelos Governos Estaduais e os apoios técnicos

necessários.

Um olhar panorâmico sobre os Centros-dia analisados, enquanto instrumentos de políticas

públicas inovadores, revela a grande presença de correções de rumos que estes sofrem em seus

primeiros meses de implementação. Alguns exemplos do que foi apontado como “dificuldade”

nesta fase de implementação do serviço, como a oferta de transporte adaptado, na verdade

indica um cenário de futuro com atribuições ainda maiores na abrangência do serviço.

De modo geral, pode-se afirmar que alguns desafios, dado o grau de complexidade, obscurecem

algumas composições nas dimensões avaliadas, conforme demonstrado na figura 2:

Figura 2 - Desafios que obscurecem as demais composições das dimensoes avaliativas do Centro-dia

Fonte: elaboração própria

A discussão sobre instrumento de políticas públicas Centro-Dia enquanto uma inovação social,

deve ser feita observando o seu caráter de equipamento público que é cogerenciado e

coproduzido, devendo-se observar os diferentes contextos de fluxo de políticas públicas em que

vem sendo implementados.

A “complexidade da ação conjunta” (PRESSMAN, WILDAVISKY, 1984 apud O’TOOLER

JR, 2012), se demonstra nos casos, requerendo acordos coletivos e diminuindo em alguns

aspectos a chance para certas ações. Parece que ocorrem os chamados “efeitos de arraste”

(bandwagon effects) já que o acordo sobre o entendimento básico inicial no processo da

implementação tem aumentado as chances de mais acordos futuros. Isso faz com que as partes

elaborem “pacotes de acordos”, melhorando as chances de sucesso, possibilitando permutas e

fundindo decisões em um conjunto mais abrangente de negociações, reduzindo-se obstáculos

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separados (O’TOOLE JR, 2012). Surgem, assim, possibilidades de novas relações que se fazem

pela soma do público estatal com o não-estatal.

Por fim, pode-se dizer que resultados desta análise apontam tais desafios na implementação do

Centro-dia que envolvem diálogos e soluções intergovernamentais e intersetoriais,

compartilhamento de recursos e criação de novos valores nos serviços públicos prestados por

organizações privadas. A inovação na definição de problemas públicos, portanto, parece se

prestar, mais do que responder a uma importante lacuna quanto a compreensão de fatos sociais,

a contribuir com um necessário processo de auto-reflexão dos demandantes e desenhadores do

instrumento de políticas públicas no nível do Governo Federal e dos implementadores – nestes

casos, Governos Municipais e entidades privadas – no nível local.

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