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SERVIÇO SOCIAL, PROCESSO DE TRABALHO E ESPAÇOS SÓCIO OCUPACIONAIS
Isabela Sarmet de Azevedo1 Jonis Manhães Sales Felippe2
Resumo O presente artigo apresenta uma revisão de literatura sobre os conceitos de Serviço Social, processo de trabalho, espaços sócio ocupacionais do Serviço Social, buscando apreender o debate das diversas concepções e áreas de estudo. Embora esses conceitos estejam interligados, é preciso assimilar as similitudes e diferenças a partir de determinações históricas, sociais e culturais, no contexto da reconfiguração das políticas sociais no Brasil. O recurso metodológico será estudo exploratório de caráter bibliográfico para captura de elementos de caráter nacional e regional.
Palavras-chave: Processo de trabalho; espaços sócio ocupacionais; Serviço Social
Abstract This article presents a literature review on the concepts of Social services, work process, occupational Social service partner spaces, seeking to seize the debate of the different concepts and areas of study. Although these concepts are interlinked, it is necessary to assimilate the similarities and differences from historical, social and cultural determinations, in the context of reconfiguration of social policies in Brazil. The methodological feature will be exploratory study of bibliographical nature to capture elements of national and regional character.
Keywords: work process; occupational associate spaces; Social Service.
1 Assistente Social, Advogada, Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/ SP), Professora associada do Departamento de Serviço Social de Campos, Instituto de
Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense
(UFF). E-mail: [email protected] 2 Assistente Social do Instituto Federal Fluminense, Doutorando pela Universidade Estadual
do Norte Fluminense, Mestre pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
E-mail: [email protected]
I. INTRODUÇÃO
Este estudo é parte da pesquisa, financiada pela FAPERJ, sobre “Mercado de
trabalho e espaços sócio ocupacionais do Serviço Social nas regiões norte e noroeste
fluminense”. Esse é o título do projeto integrado da pesquisa realizada pelos Grupos de
Pesquisa GATAS (Grupo de Assessoria ao Trabalho do Assistente Social, GEPPRU (Grupo
de Estudos e Pesquisas sobre Práticas Sociais, Rurais e Urbanas) e GRIPES (Grupo
Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde) do Departamento de Serviço
Social de Campos dos Goytacazes da Universidade Federal Fluminense, que visa analisar
municípios de pequeno e médio porte das regiões norte e noroeste fluminense, afetados por
uma variedade de demandas e pela precariedade de recursos para respondê-las, num
contexto regressivo e negador de humanização e lutas coletivas.
A ênfase é dada para os aportes teóricos críticos inspirados em Karl Marx, que
põem em destaque os significados das categorias constitutivas do objeto de estudo. Nesse
sentido, consideramos fundamental aprofundar o debate sobre conceitos que se fazem
presentes no Serviço Social, sobretudo processo de trabalho, mercado de trabalho e espaço
sócio ocupacional, pois nomeiam um lugar, uma ação, uma matéria própria do Serviço
Social.
Esse estudo se justifica pela necessidade de avançar na investigação sobre as
implicações da inserção do assistente social na divisão sócio técnica do trabalho,
contribuindo para a produção teórica, no que tange ao Serviço Social.
II. PROCESSO DE TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL: POLÊMICAS E DILEMAS
A categoria processo de trabalho foi difundida no interior do Serviço Social,
sendo adotada como fundamento das Diretrizes Curriculares da ABEPSS na década de
1990. Desde então, vários intelectuais vem descrevendo a atividade profissional a partir dos
elementos básicos formulados por Marx. No entanto, não tem havido consenso no que
tange a essas reflexões, especialmente a partir dos anos 2000, com as reflexões de Lessa
(2007). Nesse sentido, o presente artigo trata de um debate crítico, que traz novos
elementos para análise.
Em 1982, Iamamoto escreveu, junto com Raul de Carvalho, Relações Sociais e
Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação teórico-metodológica, onde o Serviço
Social foi reconhecido como trabalho, especialização do trabalho coletivo. Para tanto, eles
fundamentaram suas argumentações nos textos de Karl Marx, situando o Serviço Social no
interior das relações sociais capitalistas.
Partindo do conceito de produção social, que é um conjunto de relações entre
pessoas em determinadas condições históricas (IAMAMOTO, CARVALHO, 2009, p.30), os
autores analisam que o capitalismo deve ser visto como uma determinada forma de relação
entre os homens para produzir e reproduzir as suas condições materiais e espirituais de vida
(ideias, representações e valores). Esse modo de produção social e histórico, cujo objetivo é
a troca e a construção de valores, tem por base uma organização do trabalho diferenciada e
novas especializações que atendam às demandas que surgem com a sua instauração e
consolidação.
Assim sendo, Iamamoto e Carvalho (2009) retomam a forma como o trabalho é
organizado no interior do modo de produção capitalista, em conformidade com o percurso
expositivo de Marx (2013), partindo do elemento mais básico encontrado no capitalismo – a
mercadoria – até chegar à totalidade da vida social, analisando os fundamentos da
exploração e da desigualdade e os mecanismos ideológicos que garantem a permanência e
a legitimação dessa estrutura social.
Nessa análise, o Serviço Social é visto como um tipo de trabalho especializado,
que surge para atender às demandas que derivadas do antagonismo entre as classes
sociais (capitalistas e trabalhadores). Sua intervenção compõe “uma gama de atividades,
que, não sendo diretamente produtivas, são indispensáveis ou facilitadoras do movimento
do capital” (IAMAMOTO, CARVALHO, 2009, p.86). Dando ênfase ao processo de
institucionalização dessa profissão, vinculado ao crescimento do Estado, das instituições
prestadoras de serviços sociais e das políticas de racionalização e vigilância dos
empregados nas empresas, os autores destacam as determinações objetivas que conferem
materialidade ao Serviço Social, em especial com o assalariamento do assistente social.
O Serviço Social é visto como um trabalho dentro da dinâmica capitalista e o
assistente social como trabalhador, predominantemente improdutivo, pois sua força de
trabalho não gera novos produtos e novos valores (Idem). Por meio da prestação de
serviços e benefícios, ou seja, da distribuição de parte dos valores produzidos pelos próprios
trabalhadores e apropriados pela empresa ou pelo Estado e da realização de atividades
educativas e de controle, o Serviço Social contribui para o aumento da produtividade da
força de trabalho e para a amenização de situações que possam comprometer a
manutenção das relações de exploração. Aí estaria o valor de uso das ações
desempenhadas pelos assistentes sociais.
Ocorre que, Marx (2013), ao definir valores de uso, decompõe os elementos que
participam da sua produção, onde o trabalho é um processo, definido como atividade
teleológica, adequada a um fim, por meio da qual o homem transforma a natureza de uma
forma útil a sua vida; havendo um objeto de trabalho, que é a matéria sobre a qual incide a
atividade e os meios ou instrumentos de trabalho, que são os elementos que se colocam
entre o homem e o objeto de trabalho.
Com base nessas definições, Iamamoto (2004 e 2010) desenvolveu suas
argumentações, defendendo a profissão como trabalho e definindo elementos constitutivos
do processo de trabalho do assistente social (meios e objetos, conforme a tipologia
marxiana), mas, em alguns trechos, ela afirma que o Serviço Social é uma prática inserida
em processos de trabalho (Idem, 2010, p. 19; 2012, p.429), o que torna ambígua sua
análise.
O objeto de trabalho ou a matéria prima do Serviço Social seria a questão social,
compreendida como o conjunto das expressões das desigualdades sociais na sociedade
capitalista madura, onde a produção social é coletiva, o trabalho é amplamente social e a
apropriação dos frutos é monopolizada por uma parte a sociedade (Idem, 2010, p. 27). Já os
meios de trabalho são definidos por Iamamoto (2010, p. 63) como “o conjunto de
conhecimentos e habilidades adquiridos pelo assistente social ao longo do processo
formativo”. Segundo a autora, ele é parte dos meios de trabalho, visto que o Serviço Social
não detém todos os recursos necessários para a realização de suas tarefas. Parcela
importante dos recursos técnicos, financeiros e humanos é administrada pelas instituições
empregadoras, o que afeta diretamente na realização das atividades profissionais, se
considerarmos a condição de assalariado do assistente social, organizando o processo de
trabalho do qual o assistente social é parte. Nesse sentido, a autonomia do profissional é
relativa.
O produto do trabalho do assistente social seria entendido como as qualidades
derivadas do caráter concreto do trabalho do assistente social e os resultados “não
materiais” da sua prática, ou seja, as contribuições que ele dá para o processo de
acumulação de capital, ao participar da reprodução da força de trabalho e das relações
sociais em geral. O produto do trabalho do assistente social, desfrutado como serviço3,
esgotando-se em si mesmo, ao difundir efeitos políticos e ideológicos na vida cotidiana dos
trabalhadores, interfere diretamente nos resultados da produção.
"Serviço”, para Costa (2010), é uma palavra relacionada a atividades que são
usufruídas na relação direta entre o trabalhador e o consumidor, sendo a expressão do valor
de uso de um trabalho particular, desfrutado em si mesmo e não no corpo de um objeto
3 Para aprofundar as discussões sobre serviços, considerando a gama diversificada de atividades que são incluídas nessa denominação, ver Mandel (1985), Braverman (1987) e Mota (1998).
material. Seguindo essa linha, Braverman (1987, p. 303-304) afirma que a produção e o
consumo de um serviço são fenômenos simultâneos e os resultados do trabalho neste setor
(...) não servem para constituir um objeto vendável que encerre seus efeitos úteis como parte de sua existência na forma de mercadoria. Ao invés, os próprios efeitos do trabalho transformam-se em mercadoria. Quando o trabalhador não oferece esse trabalho diretamente ao usuário de seus efeitos, mas, ao invés, vende-o ao capitalista, que o revende no mercado de bens, temos então o modo de produção capitalista no setor de serviços.
Com base no estudo desenvolvido pelo próprio Marx (2013), veremos que ele,
ao tratar do processo de trabalho em geral, aborda o trabalho enquanto gerador de produtos
concretos, de valores de uso materiais, a partir da modificação da natureza.
O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos simples e abstratos, é uma atividade regida com o fim de criar valores de uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais. Não foi, por isso, necessário tratar do trabalhador em sua relação com os outros trabalhadores. Bastaram o homem e seu trabalho, de um lado; a natureza e seus elementos materiais, do outro. (MARX, 2013, p. 218).
Marx discute o trabalho como uma categoria comum a todas as formações
sociais, atividade intrínseca e necessária à sobrevivência humana e não como uma
atividade específica do capitalismo. Nesse sentido, transportar a estrutura categorial de
Marx para compreender um tipo de atividade, que como Iamamoto (2004, 2010, 2012)
analisa, surge no capitalismo, é majoritariamente improdutiva, atua na esfera da reprodução
social e tem como produtos “coisas” não corporificadas (Idem, 2010, p.68) é uma análise
arriscada.
Para Granemann (1999), as esferas da produção e da reprodução social não
são idênticas, sendo a primeira relacionada à construção de mercadorias e a segunda
destinada à reposição da força de trabalho, à sociabilidade, à construção e manutenção de
ideologias e valores. As atividades de reprodução não transformam objetos materiais, não
se relacionam à natureza e não geram produtos (MARX, 2013, p.214): “o produto é um valor
de uso, um material da natureza adaptado às necessidades humanas através da mudança
de forma. O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou”.
O objeto é um bem de origem material e natural a ser modificado pela ação do
homem, de modo teleológico. Assim sendo, como poderia a questão social ser considerada
objeto do Serviço Social, se é um fenômeno social e não palpável? Que alteração sofre a
questão social pela ação do assistente social? Qual é o novo produto gerado pela
transformação do objeto? São questões de difícil solução, se compreendermos que a
estrutura conceitual, criada por Marx (2013), não se destina a reprodução social.
A questão social, definida por Netto (2007), como um objeto sincrético,
multifacetado, polimórfico e que envolve todos os aspectos da vida societária, traz mais
dificuldades para a resolução dessas questões. Faleiros (1997, p.37), por exemplo, em
importante reflexão, chega a problematizar o fato de se tomar a questão social como objeto
do Serviço Social. Para ele, as contradições do processo de acumulação capitalista não
poderiam ser tomadas como objeto particular de uma profissão, visto que seriam relações
impossíveis de serem tratadas profissionalmente. Igualmente, ele afirma, que é preciso
qualificar as manifestações dessas contradições como objeto profissional, para não colocar
em pauta toda a heterogeneidade de situações que caracteriza o Serviço Social.
Outros autores também discutiram a relação entre o Serviço Social e a categoria
processo de trabalho. Granemann (1999) e Cardoso et. al. (1997) retomam as análises
feitas por Iamamoto e Carvalho (2009) e Iamamoto (2004, 2010): o trabalho com base na
relação com a natureza; os elementos do processo de trabalho, segundo Karl Marx; as
particularidades do capitalismo; o caráter assalariado das funções do assistente social; as
diferenças entre trabalho produtivo e improdutivo, podendo as ações profissionais serem
enquadradas de um modo ou de outro, a depender do espaço sócio ocupacional ser no
setor público ou privado; a participação do Serviço Social na esfera da reprodução social; e
a atividade do assistente social como geradora de um produto.
Outros autores trazem novos elementos para análise, como Granemann (1999)
que, diferentemente de Iamamoto, considera que não há matéria nem instrumento de
trabalho do Serviço Social, pois essa profissão possui diversos processos de trabalho. Para
ela, dependendo das funções desempenhadas, a matéria (questão social, política social,
etc.) e os instrumentos se alteram. Já Cardoso et. al (1997) repete os argumentos de
Iamamoto, afirmando, de forma incisiva, que há um processo de trabalho do Serviço Social.
Barbosa, Cardoso e Almeida (1998) compreendem ser possível tomar a
atividade do assistente social como processo de trabalho, mas não partem da tipificação
articulada à modificação da natureza, mas do trabalho compreendido como processo social,
que visa atender as necessidades de reprodução humana. (Idem, p.111). Ao invés de
identificarem o objeto e os meios de trabalho do assistente social, os autores analisam o
processo de produção da mais-valia e as implicações para o Serviço Social. Os destaques
da análise foram para a desqualificação, a fragmentação, a separação entre a gerência e a
execução e a sujeição da atividade profissional aos critérios de rentabilidade e eficácia.
Para dar conta da problemática, os autores propõem “alargar o conceito de
processo de trabalho, abarcando outros elementos que cumprem uma função de mediação
em sua configuração” (Idem p. 117). São elencadas as dimensões institucional, de gestão e
simbólica como determinações presentes nas funções laborativas. Os mandatos legal e
científico, conquistados pelo Serviço Social, são destacados também, que é uma profissão
liberal, com autonomia técnica na execução de suas ações. Isso supõe a necessidade de se
discutir os serviços e a especialização da profissão, a partir de aportes teóricos diferentes do
de Marx (2013) na discussão sobre processos de trabalho.
Os limites das produções de Barbosa, Cardoso e Almeida (1998), Granemann
(1999), Cardoso et. al. (1997) e Almeida (1996) ficam evidenciados quando se afirma que o
trabalho do assistente social gera um produto. Conforme foi abordado, os resultados do
Serviço Social geram efeitos políticos e sociais e não produtos, já que não se opera pela
atividade teleológica do assistente social a transformação em objetos concretos (naturais
e/ou matérias-primas), de acordo com as análises feitas por Marx (2013).
Nesse sentido, Lessa (2007) traz uma análise diferente da de Iamamoto (2010),
indagando sobre a necessidade de se refletir sobre o Serviço Social como trabalho, como
requisito para enfrentar os novos desafios da reestruturação produtiva. Para este autor, a
estrutura categorial utilizada por Iamamoto (2010) é ambígua e contraditória. Ao contrário
dela, Lessa (2007) não identifica o Serviço Social nem como processo de trabalho, nem
como trabalho.
Para Lessa (2007), Iamamoto comete vários equívocos, tratando indistintamente
os objetos materiais e a objetividade das relações sociais (o natural e o social), situando a
questão social como matéria-prima da profissão. Para o autor, não há um produto do
Serviço Social, uma vez que tratando-se de um serviço, a atividade gerada pelo assistente
social não se descola dele, mas esgota-se em si mesma. Ele também questiona a noção de
que o assistente social é parte de um “trabalhador coletivo”, que, segundo Marx, seria o
segmento dos assalariados que exercem a função social de intercâmbio com a natureza, o
que não se aplica a este profissional (Idem, p.100).
Lessa (2007) ainda critica Iamamoto (2010), por não distinguir as formas
produtivas e improdutivas de trabalho, afirmando que a grande limitação da autora é não
considerar as atividades vinculadas ao setor de serviços como trabalho, detendo-se a
pensá-lo apenas como intermediador entre o homem e a natureza. Como Barbosa, Cardoso,
Almeida (1998), ele cita passagens das produções marxianas para exemplificar atividades
laborativas que não realizam mudanças em objetos materiais nem participam de processos
de trabalho nos moldes descritos por Marx (2013), mas que são trabalho podendo produzir
valor.
A seguir, abordaremos o mercado de trabalho e o espaço sócio ocupacional do
assistente social, que vem sendo destaque entre as produções mais recentes na área.
III- MERCADO DE TRABALHO E ESPAÇO SÓCIO OCUPACIONAL DO ASSISTENTE
SOCIAL
Para Guerra (2016), o conceito de mercado de trabalho não é privativo de
nenhuma área do saber, mas aparece a partir da divisão do trabalho na sociedade, onde
são estabelecidas relações sociais de troca entre os homens e as instituições no âmbito da
produção. Tem-se, nessa instância, as relações de compra e venda da força de trabalho,
permeadas pelas relações contratuais de empregabilidade, pelas condições de
assalariamento, pelo processo de oferta e procura de vagas disponíveis para serem
ocupadas pelos trabalhadores.
Na análise econômica marxista, a organização do mercado de trabalho é
desigual, tendo a contradição capital/ trabalho como base e as negociações de preços e
salários são feitas pelas organizações. A tecnologia, por sua vez, altera o processo de
trabalho e a estrutura do mercado de trabalho.
Há trabalhadores intelectuais assalariados que são funcionais à reprodução do
capital, porque controlam outros trabalhadores. Com o aprofundamento da divisão do
trabalho no capitalismo, houve um crescimento da contratação desses trabalhadores. Aqui
entra o assistente social, enquanto trabalhador assalariado, que está inserido nas
instituições prestadoras de serviços sociais, mediante vínculo com as políticas sociais,
atuando com atividades que incidem na regulação das relações sociais e que não estão
vinculadas à produção material (TRINDADE, 2001).
Para Netto (2007), não é o profissional de Serviço Social que designa seus
próprios espaços sócio ocupacionais, mas sua contratação resulta de requisições das
relações sociais que se processam nas instituições. “Não é o Serviço Social que se constitui
para criar um dado espaço, um lugar na rede sócio ocupacional, mas é a existência deste
espaço que leva à constituição profissional” (NETTO, 2007, p. 73). O Serviço Social emerge
no mercado de trabalho e não é este que se estrutura para o assistente social, por meio das
transformações que ocorrem no interior do marco de sua prática. Assim sendo, o assistente
social, vendedor de sua força de trabalho, tende a sofrer as consequências dessa inserção
no mercado de trabalho.
Para Yazbek (2001), é preciso reforçar a identidade profissional, avançando na
legitimação da profissão na sociedade e ampliando os espaços sócio ocupacionais.
Na esfera sócio ocupacional, a Constituição Cidadã de 1988, ao estabelecer o direito às políticas sociais, em especial à seguridade social, muito contribuiu para a expansão do mercado de trabalho dos assistentes sociais em função do incremento a diversos segmentos da população. O espaço ocupacional ampliou-se também com atividades voltadas para implantação, orientação e representação em Conselhos de Políticas Sociais e de Direitos, organização e mobilização popular, elaboração de planos de
assistência social, acompanhamento e avaliação de programas e projetos, ampliação e interiorização dos cursos de Serviço Social; além de assessoria e consultoria e requisições no campo da pesquisa (DELGADO, 2013, p. 139).
Para esta autora, houve um aumento de demandas e profissionais de Serviço
Social, ampliando desse modo o mercado de trabalho deste profissional. Ao mesmo tempo,
houve perda e precarização dos postos de trabalho.
Enquanto profissão inserida na divisão sócio técnica do trabalho, o Serviço
Social sofre os impactos das atuais exigências postas pelo processo de reestruturação do
mundo do trabalho, tais como a desregulamentação dos direitos, a flexibilização dos
contratos e a precarização das condições e relações de trabalho. O que chama atenção é o
crescimento do mercado de trabalho para assistentes sociais num contexto de precarização
do trabalho e de retração do Estado na implementação de políticas sociais públicas.
Nesse sentido, surgem novas tendências para o mercado de trabalho dos
assistentes sociais: a forma de ingresso pode se dar por seleção pública, convite, indicação,
com instabilidade no emprego e relações individualizadas e pessoais de apadrinhamento
político, diferente do vínculo estatutário, que consagra direitos para o servidor público.
A jornada de trabalho de 30 horas, que foi uma importante conquista da Lei
12.317/10 – para a redução da sobrecarga de trabalho e para colocar limites à exploração
do capital – possibilitou que muitos profissionais acumulassem vínculos, talvez por
necessidade de sobrevivência. No entanto, a segmentação do mercado de trabalho cria
obstáculos para reduzir a capacidade de resistência do profissional à lógica do mercado. A
inserção em políticas sociais distintas, a instabilidade no emprego, a excessiva carga
horária, associada à sobrecarga do trabalho exercido pela mulher na sociedade vão
minando a capacidade de questionar as demandas institucionais e potencializar as
contradições do capital.
O acúmulo de vínculos de trabalho configura a atuação profissional em dois ou
mais espaços sócio ocupacionais, com funções que podem estar relacionadas ao Serviço
Social ou não. Isso, por sua vez, tensiona as relações de trabalho e compromete a
qualidade das atividades desenvolvidas pelo profissional, especialmente quando elas são
desenvolvidas em diferentes áreas e políticas sociais.
Na última década do século XX, a política governamental brasileira tende a “criar
mecanismos facilitadores da transformação dos serviços públicos de caráter social em
formas rentáveis para o capital” (CARDOSO, 2016, p.383). Em face da adesão ao projeto
neoliberal por parte de diferentes governos, há uma progressiva redução da ação estatal
com as políticas públicas. A concepção de que o Estado não deve ser agente de proteção
social está por trás dessa perspectiva neoliberal de redução da ações estatais, que transfere
parcela significativa de participação no processo de provisão social para a sociedade
(família, comunidade, associações voluntárias e iniciativa privada).
O novo perfil do mercado de trabalho profissional deve ser apreendido, considerando-se, por um lado, perspectivas de redução das demandas postas à profissão, no âmbito do setor público, em virtude das reformas do Estado parametradas pela política de desregulamentaão do mercado e de corte dos gastos públicos destinados à reprodução da força de trabalho; e, por outro, a expansão das ofertas no setor privado (seja no âmbito empresarial, seja no âmbito da sociedade civil sem fins lucrativos). (Idem)
Assim sendo, no Brasil, as requisições do trabalho profissional nas esferas
estatal e privada, a partir da década de 1990, devem ser pensadas a partir do cenário das
transformações tecnológicas e incorporação de novos padrões de produção e organização
do trabalho nos países periféricos, que significam um recrudescimento das relações de
exploração e alienação da força de trabalho e o adensamento do processo de exclusão
social.
No âmbito empresarial, as requisições estão manifestam-se em alterações
nas formas de inserção profissional, seja nas atividades de gerenciamento nas áreas de
benefício e assistência social, seja na incorporação de novas atribuições relativas à
organização do trabalho e à administração financeira, que acabam vinculando ainda mais o
Serviço Social à lógica que sustenta o processo produtivo e as condições de reprodução
social. A principal consequência desse processo vem a ser a perda de referências
classistas, visto que essas requisições nos espaços da produção trazem como
consequência a ampliação de funções que o assistente social historicamente desempenhou
nesse campo: funções de controle e disciplinamento do operário.
Diante das mudanças operadas no mundo do trabalho, os assistentes sociais
têm se deparado com os efeitos da terceirização e quarteirização dos serviços, precarização
das formas de contratação, exercício profissional por projeto ou atividade, desestabilização,
perda de direitos e vínculos, desvalorização, cooptação à política partidária, ausência de
perspectiva de progressão e ascensão na carreira, falta de estímulo à qualificação
profissional, o que agrava a alienação no trabalho; intensa jornada de trabalho, com metas
inalcançáveis, polivalência, rotatividade, cobranças de resultados imediatos, insegurança,
precarização da saúde, exposição maior a riscos, entre outros.
As mudanças qualitativas nesta profissão não são isoladas do contexto histórico,
vinculando-se organicamente com o movimento concreto da realidade a que pertencem,
seja na manutenção ou na contramão da ordem vigente.
IV- CONCLUSÃO
Como podemos analisar, há posições bem contrastantes sobre a relação do
Serviço Social com a categoria marxiana processo de trabalho. Há também um
distanciamento das abordagens apresentadas e o cotidiano concreto dos assistentes
sociais. Em nenhuma das produções analisadas, foi possível discutir o trabalho profissional
na realidade das tarefas, das atribuições profissionais e dos instrumentais que envolvem a
intervenção do Serviço Social.
Há um esforço mais teórico, no sentido de investigar o significado e as funções
históricas do Serviço Social no interior a relação entre as classes do que com relação a
forma e os caminhos da prática profissional (trabalho, práxis, prática, atividade).
Compreender a precarização do trabalho e das políticas sociais exige um olhar
direcionado à crise do capital como condição para a elevação das taxas de lucro, para a
redução dos direitos e a reformulação dos contratos de trabalho, cujas expressões são a
flexibilização das condições e relações de trabalho e dos direitos trabalhistas.
As metamorfoses societárias, que inflexionam o mercado de trabalho, vem
determinando o processo de precarização do trabalho, expresso pelas condições e relações
trabalhistas, que consubstanciam alterações nos direitos trabalhistas, na proteção social,
nos salários, na vida dos trabalhadores e na atuação profissional.
O reordenamento do Estado vem impactando no arcabouço jurídico-legal que
orienta o ingresso e as relações contratuais no mercado de trabalho, com ênfase na
flexibilidade do trabalho através de vínculos precários.
Com as tendências de alteração do perfil do mercado de trabalho que estão em
curso, a atuação do assistente social assume uma nova configuração, seja pelas
requisições formuladas pelo movimento do capital em crise, seja pelo processo de
reorganização política das classes subalternas diante da precarização do trabalho e da
fragmentação da força de trabalho.
Portanto, o desafio atual é apreender a relação que existe entre o Serviço Social
e o direcionamento assumido pela política social, visto que as repercussões do processo de
desmonte das políticas sociais rebatem sobre a atuação profissional neste campo.
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