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SERVIÇO SOCIAL, PROCESSO DE TRABALHO E ESPAÇOS SÓCIO OCUPACIONAIS Isabela Sarmet de Azevedo 1 Jonis Manhães Sales Felippe 2 Resumo O presente artigo apresenta uma revisão de literatura sobre os conceitos de Serviço Social, processo de trabalho, espaços sócio ocupacionais do Serviço Social, buscando apreender o debate das diversas concepções e áreas de estudo. Embora esses conceitos estejam interligados, é preciso assimilar as similitudes e diferenças a partir de determinações históricas, sociais e culturais, no contexto da reconfiguração das políticas sociais no Brasil. O recurso metodológico será estudo exploratório de caráter bibliográfico para captura de elementos de caráter nacional e regional. Palavras-chave: Processo de trabalho; espaços sócio ocupacionais; Serviço Social Abstract This article presents a literature review on the concepts of Social services, work process, occupational Social service partner spaces, seeking to seize the debate of the different concepts and areas of study. Although these concepts are interlinked, it is necessary to assimilate the similarities and differences from historical, social and cultural determinations, in the context of reconfiguration of social policies in Brazil. The methodological feature will be exploratory study of bibliographical nature to capture elements of national and regional character. Keywords: work process; occupational associate spaces; Social Service. 1 Assistente Social, Advogada, Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/ SP), Professora associada do Departamento de Serviço Social de Campos, Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected] 2 Assistente Social do Instituto Federal Fluminense, Doutorando pela Universidade Estadual do Norte Fluminense, Mestre pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

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SERVIÇO SOCIAL, PROCESSO DE TRABALHO E ESPAÇOS SÓCIO OCUPACIONAIS

Isabela Sarmet de Azevedo1 Jonis Manhães Sales Felippe2

Resumo O presente artigo apresenta uma revisão de literatura sobre os conceitos de Serviço Social, processo de trabalho, espaços sócio ocupacionais do Serviço Social, buscando apreender o debate das diversas concepções e áreas de estudo. Embora esses conceitos estejam interligados, é preciso assimilar as similitudes e diferenças a partir de determinações históricas, sociais e culturais, no contexto da reconfiguração das políticas sociais no Brasil. O recurso metodológico será estudo exploratório de caráter bibliográfico para captura de elementos de caráter nacional e regional.

Palavras-chave: Processo de trabalho; espaços sócio ocupacionais; Serviço Social

Abstract This article presents a literature review on the concepts of Social services, work process, occupational Social service partner spaces, seeking to seize the debate of the different concepts and areas of study. Although these concepts are interlinked, it is necessary to assimilate the similarities and differences from historical, social and cultural determinations, in the context of reconfiguration of social policies in Brazil. The methodological feature will be exploratory study of bibliographical nature to capture elements of national and regional character.

Keywords: work process; occupational associate spaces; Social Service.

1 Assistente Social, Advogada, Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC/ SP), Professora associada do Departamento de Serviço Social de Campos, Instituto de

Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense

(UFF). E-mail: [email protected] 2 Assistente Social do Instituto Federal Fluminense, Doutorando pela Universidade Estadual

do Norte Fluminense, Mestre pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

E-mail: [email protected]

I. INTRODUÇÃO

Este estudo é parte da pesquisa, financiada pela FAPERJ, sobre “Mercado de

trabalho e espaços sócio ocupacionais do Serviço Social nas regiões norte e noroeste

fluminense”. Esse é o título do projeto integrado da pesquisa realizada pelos Grupos de

Pesquisa GATAS (Grupo de Assessoria ao Trabalho do Assistente Social, GEPPRU (Grupo

de Estudos e Pesquisas sobre Práticas Sociais, Rurais e Urbanas) e GRIPES (Grupo

Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa em Cotidiano e Saúde) do Departamento de Serviço

Social de Campos dos Goytacazes da Universidade Federal Fluminense, que visa analisar

municípios de pequeno e médio porte das regiões norte e noroeste fluminense, afetados por

uma variedade de demandas e pela precariedade de recursos para respondê-las, num

contexto regressivo e negador de humanização e lutas coletivas.

A ênfase é dada para os aportes teóricos críticos inspirados em Karl Marx, que

põem em destaque os significados das categorias constitutivas do objeto de estudo. Nesse

sentido, consideramos fundamental aprofundar o debate sobre conceitos que se fazem

presentes no Serviço Social, sobretudo processo de trabalho, mercado de trabalho e espaço

sócio ocupacional, pois nomeiam um lugar, uma ação, uma matéria própria do Serviço

Social.

Esse estudo se justifica pela necessidade de avançar na investigação sobre as

implicações da inserção do assistente social na divisão sócio técnica do trabalho,

contribuindo para a produção teórica, no que tange ao Serviço Social.

II. PROCESSO DE TRABALHO E SERVIÇO SOCIAL: POLÊMICAS E DILEMAS

A categoria processo de trabalho foi difundida no interior do Serviço Social,

sendo adotada como fundamento das Diretrizes Curriculares da ABEPSS na década de

1990. Desde então, vários intelectuais vem descrevendo a atividade profissional a partir dos

elementos básicos formulados por Marx. No entanto, não tem havido consenso no que

tange a essas reflexões, especialmente a partir dos anos 2000, com as reflexões de Lessa

(2007). Nesse sentido, o presente artigo trata de um debate crítico, que traz novos

elementos para análise.

Em 1982, Iamamoto escreveu, junto com Raul de Carvalho, Relações Sociais e

Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação teórico-metodológica, onde o Serviço

Social foi reconhecido como trabalho, especialização do trabalho coletivo. Para tanto, eles

fundamentaram suas argumentações nos textos de Karl Marx, situando o Serviço Social no

interior das relações sociais capitalistas.

Partindo do conceito de produção social, que é um conjunto de relações entre

pessoas em determinadas condições históricas (IAMAMOTO, CARVALHO, 2009, p.30), os

autores analisam que o capitalismo deve ser visto como uma determinada forma de relação

entre os homens para produzir e reproduzir as suas condições materiais e espirituais de vida

(ideias, representações e valores). Esse modo de produção social e histórico, cujo objetivo é

a troca e a construção de valores, tem por base uma organização do trabalho diferenciada e

novas especializações que atendam às demandas que surgem com a sua instauração e

consolidação.

Assim sendo, Iamamoto e Carvalho (2009) retomam a forma como o trabalho é

organizado no interior do modo de produção capitalista, em conformidade com o percurso

expositivo de Marx (2013), partindo do elemento mais básico encontrado no capitalismo – a

mercadoria – até chegar à totalidade da vida social, analisando os fundamentos da

exploração e da desigualdade e os mecanismos ideológicos que garantem a permanência e

a legitimação dessa estrutura social.

Nessa análise, o Serviço Social é visto como um tipo de trabalho especializado,

que surge para atender às demandas que derivadas do antagonismo entre as classes

sociais (capitalistas e trabalhadores). Sua intervenção compõe “uma gama de atividades,

que, não sendo diretamente produtivas, são indispensáveis ou facilitadoras do movimento

do capital” (IAMAMOTO, CARVALHO, 2009, p.86). Dando ênfase ao processo de

institucionalização dessa profissão, vinculado ao crescimento do Estado, das instituições

prestadoras de serviços sociais e das políticas de racionalização e vigilância dos

empregados nas empresas, os autores destacam as determinações objetivas que conferem

materialidade ao Serviço Social, em especial com o assalariamento do assistente social.

O Serviço Social é visto como um trabalho dentro da dinâmica capitalista e o

assistente social como trabalhador, predominantemente improdutivo, pois sua força de

trabalho não gera novos produtos e novos valores (Idem). Por meio da prestação de

serviços e benefícios, ou seja, da distribuição de parte dos valores produzidos pelos próprios

trabalhadores e apropriados pela empresa ou pelo Estado e da realização de atividades

educativas e de controle, o Serviço Social contribui para o aumento da produtividade da

força de trabalho e para a amenização de situações que possam comprometer a

manutenção das relações de exploração. Aí estaria o valor de uso das ações

desempenhadas pelos assistentes sociais.

Ocorre que, Marx (2013), ao definir valores de uso, decompõe os elementos que

participam da sua produção, onde o trabalho é um processo, definido como atividade

teleológica, adequada a um fim, por meio da qual o homem transforma a natureza de uma

forma útil a sua vida; havendo um objeto de trabalho, que é a matéria sobre a qual incide a

atividade e os meios ou instrumentos de trabalho, que são os elementos que se colocam

entre o homem e o objeto de trabalho.

Com base nessas definições, Iamamoto (2004 e 2010) desenvolveu suas

argumentações, defendendo a profissão como trabalho e definindo elementos constitutivos

do processo de trabalho do assistente social (meios e objetos, conforme a tipologia

marxiana), mas, em alguns trechos, ela afirma que o Serviço Social é uma prática inserida

em processos de trabalho (Idem, 2010, p. 19; 2012, p.429), o que torna ambígua sua

análise.

O objeto de trabalho ou a matéria prima do Serviço Social seria a questão social,

compreendida como o conjunto das expressões das desigualdades sociais na sociedade

capitalista madura, onde a produção social é coletiva, o trabalho é amplamente social e a

apropriação dos frutos é monopolizada por uma parte a sociedade (Idem, 2010, p. 27). Já os

meios de trabalho são definidos por Iamamoto (2010, p. 63) como “o conjunto de

conhecimentos e habilidades adquiridos pelo assistente social ao longo do processo

formativo”. Segundo a autora, ele é parte dos meios de trabalho, visto que o Serviço Social

não detém todos os recursos necessários para a realização de suas tarefas. Parcela

importante dos recursos técnicos, financeiros e humanos é administrada pelas instituições

empregadoras, o que afeta diretamente na realização das atividades profissionais, se

considerarmos a condição de assalariado do assistente social, organizando o processo de

trabalho do qual o assistente social é parte. Nesse sentido, a autonomia do profissional é

relativa.

O produto do trabalho do assistente social seria entendido como as qualidades

derivadas do caráter concreto do trabalho do assistente social e os resultados “não

materiais” da sua prática, ou seja, as contribuições que ele dá para o processo de

acumulação de capital, ao participar da reprodução da força de trabalho e das relações

sociais em geral. O produto do trabalho do assistente social, desfrutado como serviço3,

esgotando-se em si mesmo, ao difundir efeitos políticos e ideológicos na vida cotidiana dos

trabalhadores, interfere diretamente nos resultados da produção.

"Serviço”, para Costa (2010), é uma palavra relacionada a atividades que são

usufruídas na relação direta entre o trabalhador e o consumidor, sendo a expressão do valor

de uso de um trabalho particular, desfrutado em si mesmo e não no corpo de um objeto

3 Para aprofundar as discussões sobre serviços, considerando a gama diversificada de atividades que são incluídas nessa denominação, ver Mandel (1985), Braverman (1987) e Mota (1998).

material. Seguindo essa linha, Braverman (1987, p. 303-304) afirma que a produção e o

consumo de um serviço são fenômenos simultâneos e os resultados do trabalho neste setor

(...) não servem para constituir um objeto vendável que encerre seus efeitos úteis como parte de sua existência na forma de mercadoria. Ao invés, os próprios efeitos do trabalho transformam-se em mercadoria. Quando o trabalhador não oferece esse trabalho diretamente ao usuário de seus efeitos, mas, ao invés, vende-o ao capitalista, que o revende no mercado de bens, temos então o modo de produção capitalista no setor de serviços.

Com base no estudo desenvolvido pelo próprio Marx (2013), veremos que ele,

ao tratar do processo de trabalho em geral, aborda o trabalho enquanto gerador de produtos

concretos, de valores de uso materiais, a partir da modificação da natureza.

O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos simples e abstratos, é uma atividade regida com o fim de criar valores de uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais. Não foi, por isso, necessário tratar do trabalhador em sua relação com os outros trabalhadores. Bastaram o homem e seu trabalho, de um lado; a natureza e seus elementos materiais, do outro. (MARX, 2013, p. 218).

Marx discute o trabalho como uma categoria comum a todas as formações

sociais, atividade intrínseca e necessária à sobrevivência humana e não como uma

atividade específica do capitalismo. Nesse sentido, transportar a estrutura categorial de

Marx para compreender um tipo de atividade, que como Iamamoto (2004, 2010, 2012)

analisa, surge no capitalismo, é majoritariamente improdutiva, atua na esfera da reprodução

social e tem como produtos “coisas” não corporificadas (Idem, 2010, p.68) é uma análise

arriscada.

Para Granemann (1999), as esferas da produção e da reprodução social não

são idênticas, sendo a primeira relacionada à construção de mercadorias e a segunda

destinada à reposição da força de trabalho, à sociabilidade, à construção e manutenção de

ideologias e valores. As atividades de reprodução não transformam objetos materiais, não

se relacionam à natureza e não geram produtos (MARX, 2013, p.214): “o produto é um valor

de uso, um material da natureza adaptado às necessidades humanas através da mudança

de forma. O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou”.

O objeto é um bem de origem material e natural a ser modificado pela ação do

homem, de modo teleológico. Assim sendo, como poderia a questão social ser considerada

objeto do Serviço Social, se é um fenômeno social e não palpável? Que alteração sofre a

questão social pela ação do assistente social? Qual é o novo produto gerado pela

transformação do objeto? São questões de difícil solução, se compreendermos que a

estrutura conceitual, criada por Marx (2013), não se destina a reprodução social.

A questão social, definida por Netto (2007), como um objeto sincrético,

multifacetado, polimórfico e que envolve todos os aspectos da vida societária, traz mais

dificuldades para a resolução dessas questões. Faleiros (1997, p.37), por exemplo, em

importante reflexão, chega a problematizar o fato de se tomar a questão social como objeto

do Serviço Social. Para ele, as contradições do processo de acumulação capitalista não

poderiam ser tomadas como objeto particular de uma profissão, visto que seriam relações

impossíveis de serem tratadas profissionalmente. Igualmente, ele afirma, que é preciso

qualificar as manifestações dessas contradições como objeto profissional, para não colocar

em pauta toda a heterogeneidade de situações que caracteriza o Serviço Social.

Outros autores também discutiram a relação entre o Serviço Social e a categoria

processo de trabalho. Granemann (1999) e Cardoso et. al. (1997) retomam as análises

feitas por Iamamoto e Carvalho (2009) e Iamamoto (2004, 2010): o trabalho com base na

relação com a natureza; os elementos do processo de trabalho, segundo Karl Marx; as

particularidades do capitalismo; o caráter assalariado das funções do assistente social; as

diferenças entre trabalho produtivo e improdutivo, podendo as ações profissionais serem

enquadradas de um modo ou de outro, a depender do espaço sócio ocupacional ser no

setor público ou privado; a participação do Serviço Social na esfera da reprodução social; e

a atividade do assistente social como geradora de um produto.

Outros autores trazem novos elementos para análise, como Granemann (1999)

que, diferentemente de Iamamoto, considera que não há matéria nem instrumento de

trabalho do Serviço Social, pois essa profissão possui diversos processos de trabalho. Para

ela, dependendo das funções desempenhadas, a matéria (questão social, política social,

etc.) e os instrumentos se alteram. Já Cardoso et. al (1997) repete os argumentos de

Iamamoto, afirmando, de forma incisiva, que há um processo de trabalho do Serviço Social.

Barbosa, Cardoso e Almeida (1998) compreendem ser possível tomar a

atividade do assistente social como processo de trabalho, mas não partem da tipificação

articulada à modificação da natureza, mas do trabalho compreendido como processo social,

que visa atender as necessidades de reprodução humana. (Idem, p.111). Ao invés de

identificarem o objeto e os meios de trabalho do assistente social, os autores analisam o

processo de produção da mais-valia e as implicações para o Serviço Social. Os destaques

da análise foram para a desqualificação, a fragmentação, a separação entre a gerência e a

execução e a sujeição da atividade profissional aos critérios de rentabilidade e eficácia.

Para dar conta da problemática, os autores propõem “alargar o conceito de

processo de trabalho, abarcando outros elementos que cumprem uma função de mediação

em sua configuração” (Idem p. 117). São elencadas as dimensões institucional, de gestão e

simbólica como determinações presentes nas funções laborativas. Os mandatos legal e

científico, conquistados pelo Serviço Social, são destacados também, que é uma profissão

liberal, com autonomia técnica na execução de suas ações. Isso supõe a necessidade de se

discutir os serviços e a especialização da profissão, a partir de aportes teóricos diferentes do

de Marx (2013) na discussão sobre processos de trabalho.

Os limites das produções de Barbosa, Cardoso e Almeida (1998), Granemann

(1999), Cardoso et. al. (1997) e Almeida (1996) ficam evidenciados quando se afirma que o

trabalho do assistente social gera um produto. Conforme foi abordado, os resultados do

Serviço Social geram efeitos políticos e sociais e não produtos, já que não se opera pela

atividade teleológica do assistente social a transformação em objetos concretos (naturais

e/ou matérias-primas), de acordo com as análises feitas por Marx (2013).

Nesse sentido, Lessa (2007) traz uma análise diferente da de Iamamoto (2010),

indagando sobre a necessidade de se refletir sobre o Serviço Social como trabalho, como

requisito para enfrentar os novos desafios da reestruturação produtiva. Para este autor, a

estrutura categorial utilizada por Iamamoto (2010) é ambígua e contraditória. Ao contrário

dela, Lessa (2007) não identifica o Serviço Social nem como processo de trabalho, nem

como trabalho.

Para Lessa (2007), Iamamoto comete vários equívocos, tratando indistintamente

os objetos materiais e a objetividade das relações sociais (o natural e o social), situando a

questão social como matéria-prima da profissão. Para o autor, não há um produto do

Serviço Social, uma vez que tratando-se de um serviço, a atividade gerada pelo assistente

social não se descola dele, mas esgota-se em si mesma. Ele também questiona a noção de

que o assistente social é parte de um “trabalhador coletivo”, que, segundo Marx, seria o

segmento dos assalariados que exercem a função social de intercâmbio com a natureza, o

que não se aplica a este profissional (Idem, p.100).

Lessa (2007) ainda critica Iamamoto (2010), por não distinguir as formas

produtivas e improdutivas de trabalho, afirmando que a grande limitação da autora é não

considerar as atividades vinculadas ao setor de serviços como trabalho, detendo-se a

pensá-lo apenas como intermediador entre o homem e a natureza. Como Barbosa, Cardoso,

Almeida (1998), ele cita passagens das produções marxianas para exemplificar atividades

laborativas que não realizam mudanças em objetos materiais nem participam de processos

de trabalho nos moldes descritos por Marx (2013), mas que são trabalho podendo produzir

valor.

A seguir, abordaremos o mercado de trabalho e o espaço sócio ocupacional do

assistente social, que vem sendo destaque entre as produções mais recentes na área.

III- MERCADO DE TRABALHO E ESPAÇO SÓCIO OCUPACIONAL DO ASSISTENTE

SOCIAL

Para Guerra (2016), o conceito de mercado de trabalho não é privativo de

nenhuma área do saber, mas aparece a partir da divisão do trabalho na sociedade, onde

são estabelecidas relações sociais de troca entre os homens e as instituições no âmbito da

produção. Tem-se, nessa instância, as relações de compra e venda da força de trabalho,

permeadas pelas relações contratuais de empregabilidade, pelas condições de

assalariamento, pelo processo de oferta e procura de vagas disponíveis para serem

ocupadas pelos trabalhadores.

Na análise econômica marxista, a organização do mercado de trabalho é

desigual, tendo a contradição capital/ trabalho como base e as negociações de preços e

salários são feitas pelas organizações. A tecnologia, por sua vez, altera o processo de

trabalho e a estrutura do mercado de trabalho.

Há trabalhadores intelectuais assalariados que são funcionais à reprodução do

capital, porque controlam outros trabalhadores. Com o aprofundamento da divisão do

trabalho no capitalismo, houve um crescimento da contratação desses trabalhadores. Aqui

entra o assistente social, enquanto trabalhador assalariado, que está inserido nas

instituições prestadoras de serviços sociais, mediante vínculo com as políticas sociais,

atuando com atividades que incidem na regulação das relações sociais e que não estão

vinculadas à produção material (TRINDADE, 2001).

Para Netto (2007), não é o profissional de Serviço Social que designa seus

próprios espaços sócio ocupacionais, mas sua contratação resulta de requisições das

relações sociais que se processam nas instituições. “Não é o Serviço Social que se constitui

para criar um dado espaço, um lugar na rede sócio ocupacional, mas é a existência deste

espaço que leva à constituição profissional” (NETTO, 2007, p. 73). O Serviço Social emerge

no mercado de trabalho e não é este que se estrutura para o assistente social, por meio das

transformações que ocorrem no interior do marco de sua prática. Assim sendo, o assistente

social, vendedor de sua força de trabalho, tende a sofrer as consequências dessa inserção

no mercado de trabalho.

Para Yazbek (2001), é preciso reforçar a identidade profissional, avançando na

legitimação da profissão na sociedade e ampliando os espaços sócio ocupacionais.

Na esfera sócio ocupacional, a Constituição Cidadã de 1988, ao estabelecer o direito às políticas sociais, em especial à seguridade social, muito contribuiu para a expansão do mercado de trabalho dos assistentes sociais em função do incremento a diversos segmentos da população. O espaço ocupacional ampliou-se também com atividades voltadas para implantação, orientação e representação em Conselhos de Políticas Sociais e de Direitos, organização e mobilização popular, elaboração de planos de

assistência social, acompanhamento e avaliação de programas e projetos, ampliação e interiorização dos cursos de Serviço Social; além de assessoria e consultoria e requisições no campo da pesquisa (DELGADO, 2013, p. 139).

Para esta autora, houve um aumento de demandas e profissionais de Serviço

Social, ampliando desse modo o mercado de trabalho deste profissional. Ao mesmo tempo,

houve perda e precarização dos postos de trabalho.

Enquanto profissão inserida na divisão sócio técnica do trabalho, o Serviço

Social sofre os impactos das atuais exigências postas pelo processo de reestruturação do

mundo do trabalho, tais como a desregulamentação dos direitos, a flexibilização dos

contratos e a precarização das condições e relações de trabalho. O que chama atenção é o

crescimento do mercado de trabalho para assistentes sociais num contexto de precarização

do trabalho e de retração do Estado na implementação de políticas sociais públicas.

Nesse sentido, surgem novas tendências para o mercado de trabalho dos

assistentes sociais: a forma de ingresso pode se dar por seleção pública, convite, indicação,

com instabilidade no emprego e relações individualizadas e pessoais de apadrinhamento

político, diferente do vínculo estatutário, que consagra direitos para o servidor público.

A jornada de trabalho de 30 horas, que foi uma importante conquista da Lei

12.317/10 – para a redução da sobrecarga de trabalho e para colocar limites à exploração

do capital – possibilitou que muitos profissionais acumulassem vínculos, talvez por

necessidade de sobrevivência. No entanto, a segmentação do mercado de trabalho cria

obstáculos para reduzir a capacidade de resistência do profissional à lógica do mercado. A

inserção em políticas sociais distintas, a instabilidade no emprego, a excessiva carga

horária, associada à sobrecarga do trabalho exercido pela mulher na sociedade vão

minando a capacidade de questionar as demandas institucionais e potencializar as

contradições do capital.

O acúmulo de vínculos de trabalho configura a atuação profissional em dois ou

mais espaços sócio ocupacionais, com funções que podem estar relacionadas ao Serviço

Social ou não. Isso, por sua vez, tensiona as relações de trabalho e compromete a

qualidade das atividades desenvolvidas pelo profissional, especialmente quando elas são

desenvolvidas em diferentes áreas e políticas sociais.

Na última década do século XX, a política governamental brasileira tende a “criar

mecanismos facilitadores da transformação dos serviços públicos de caráter social em

formas rentáveis para o capital” (CARDOSO, 2016, p.383). Em face da adesão ao projeto

neoliberal por parte de diferentes governos, há uma progressiva redução da ação estatal

com as políticas públicas. A concepção de que o Estado não deve ser agente de proteção

social está por trás dessa perspectiva neoliberal de redução da ações estatais, que transfere

parcela significativa de participação no processo de provisão social para a sociedade

(família, comunidade, associações voluntárias e iniciativa privada).

O novo perfil do mercado de trabalho profissional deve ser apreendido, considerando-se, por um lado, perspectivas de redução das demandas postas à profissão, no âmbito do setor público, em virtude das reformas do Estado parametradas pela política de desregulamentaão do mercado e de corte dos gastos públicos destinados à reprodução da força de trabalho; e, por outro, a expansão das ofertas no setor privado (seja no âmbito empresarial, seja no âmbito da sociedade civil sem fins lucrativos). (Idem)

Assim sendo, no Brasil, as requisições do trabalho profissional nas esferas

estatal e privada, a partir da década de 1990, devem ser pensadas a partir do cenário das

transformações tecnológicas e incorporação de novos padrões de produção e organização

do trabalho nos países periféricos, que significam um recrudescimento das relações de

exploração e alienação da força de trabalho e o adensamento do processo de exclusão

social.

No âmbito empresarial, as requisições estão manifestam-se em alterações

nas formas de inserção profissional, seja nas atividades de gerenciamento nas áreas de

benefício e assistência social, seja na incorporação de novas atribuições relativas à

organização do trabalho e à administração financeira, que acabam vinculando ainda mais o

Serviço Social à lógica que sustenta o processo produtivo e as condições de reprodução

social. A principal consequência desse processo vem a ser a perda de referências

classistas, visto que essas requisições nos espaços da produção trazem como

consequência a ampliação de funções que o assistente social historicamente desempenhou

nesse campo: funções de controle e disciplinamento do operário.

Diante das mudanças operadas no mundo do trabalho, os assistentes sociais

têm se deparado com os efeitos da terceirização e quarteirização dos serviços, precarização

das formas de contratação, exercício profissional por projeto ou atividade, desestabilização,

perda de direitos e vínculos, desvalorização, cooptação à política partidária, ausência de

perspectiva de progressão e ascensão na carreira, falta de estímulo à qualificação

profissional, o que agrava a alienação no trabalho; intensa jornada de trabalho, com metas

inalcançáveis, polivalência, rotatividade, cobranças de resultados imediatos, insegurança,

precarização da saúde, exposição maior a riscos, entre outros.

As mudanças qualitativas nesta profissão não são isoladas do contexto histórico,

vinculando-se organicamente com o movimento concreto da realidade a que pertencem,

seja na manutenção ou na contramão da ordem vigente.

IV- CONCLUSÃO

Como podemos analisar, há posições bem contrastantes sobre a relação do

Serviço Social com a categoria marxiana processo de trabalho. Há também um

distanciamento das abordagens apresentadas e o cotidiano concreto dos assistentes

sociais. Em nenhuma das produções analisadas, foi possível discutir o trabalho profissional

na realidade das tarefas, das atribuições profissionais e dos instrumentais que envolvem a

intervenção do Serviço Social.

Há um esforço mais teórico, no sentido de investigar o significado e as funções

históricas do Serviço Social no interior a relação entre as classes do que com relação a

forma e os caminhos da prática profissional (trabalho, práxis, prática, atividade).

Compreender a precarização do trabalho e das políticas sociais exige um olhar

direcionado à crise do capital como condição para a elevação das taxas de lucro, para a

redução dos direitos e a reformulação dos contratos de trabalho, cujas expressões são a

flexibilização das condições e relações de trabalho e dos direitos trabalhistas.

As metamorfoses societárias, que inflexionam o mercado de trabalho, vem

determinando o processo de precarização do trabalho, expresso pelas condições e relações

trabalhistas, que consubstanciam alterações nos direitos trabalhistas, na proteção social,

nos salários, na vida dos trabalhadores e na atuação profissional.

O reordenamento do Estado vem impactando no arcabouço jurídico-legal que

orienta o ingresso e as relações contratuais no mercado de trabalho, com ênfase na

flexibilidade do trabalho através de vínculos precários.

Com as tendências de alteração do perfil do mercado de trabalho que estão em

curso, a atuação do assistente social assume uma nova configuração, seja pelas

requisições formuladas pelo movimento do capital em crise, seja pelo processo de

reorganização política das classes subalternas diante da precarização do trabalho e da

fragmentação da força de trabalho.

Portanto, o desafio atual é apreender a relação que existe entre o Serviço Social

e o direcionamento assumido pela política social, visto que as repercussões do processo de

desmonte das políticas sociais rebatem sobre a atuação profissional neste campo.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, N. L. Considerações iniciais para o exame do processo de trabalho do Serviço Social. Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 52, p. 24-47, 1996.

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