tempos e espaços do brincar no contexto da educação...

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ PRÓ REITORIA DE PESQUISA E PÓS GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO Tempos e espaços do brincar no contexto da Educação Infantil: a voz das crianças Belém Pa 2015

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ PRÓ – REITORIA DE PESQUISA E PÓS – GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO

Tempos e espaços do brincar no contexto da Educação

Infantil: a voz das crianças

Belém – Pa 2015

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Débora Silva do Nascimento

Tempos e espaços do brincar no contexto da Educação Infantil: a voz das crianças

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado da Universidade do Estado do Pará como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Área de Concentração: Educação. Linha de pesquisa: Formação de Professores. Orientadora: Profª. Dr. Tânia Regina Lobato dos Santos.

Belém – Pa 2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação da UEPA

Nascimento, Débora Silva do

Tempos e espaços do brincar no contexto da educação infantil / Débora Silva do

Nascimento; orientação de Tânia Regina Lobato do Santos, 2016.

Dissertação (mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, 2015.

1.Educação de crianças 2. Brincadeiras. Tempo e espaço (Educação infantil) I. Santos,

Tânia Regina Lobato do. II.Título

CDD: 21 ed. 372.21

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Débora Silva do Nascimento

Tempos e espaços do brincar no contexto da Educação Infantil: a voz das crianças

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado da Universidade do Estado do Pará como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Área de Concentração: Educação. Linha de pesquisa: Formação de Professores. Orientadora: Profª. Dr. Tânia Regina Lobato dos Santos.

Data da defesa: 20/10/2015 Banca Examinadora: ___________________________________ Prof.ª Dr. Tânia Regina Lobato dos Santos – Orientadora Dr. em Educação e Currículo (PUC/SP) ___________________________________ Prof.ª Dr. Nazaré Cristina Carvalho – Membro Interno - UEPA Dr. em Educação Física e Cultura (UGF/RJ) ___________________________________ Prof.ª Dr. Laura Maria Silva Araújo Alves – Membro Externo – UFPA Dr. em Psicologia da Educação (PUC/SP)

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Dedico este trabalho a minha família por todo apoio e confiança depositados em mim, e a todas as meninas e meninos, que diante do momento histórico que vivemos, marcado pela exploração infantil, pela miséria e pelo descaso público, tem sua infância ameaçada, mas que ainda assim, transgridem o que a vida lhes impõe, por vezes inconscientemente, e vivenciam suas infâncias dentro e fora das instituições educacionais.

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AGRADECIMENTOS

É tão bonito quando a gente entende,

que a gente é tanta gente aonde quer que a gente vá.

E é tão bonito quando a gente sente,

que nunca está sozinho por mais que pense estar.

Gonzaguinha

À Deus em quem deposito minha fé particular, o qual me outorgou sabedoria,

proteção e forças para superar diversos obstáculos e chegar até aqui.

Agradeço imensamente a meus pais, Roosevelt Gomes e Maria da Glória

pelas palavras de encorajamento e confiança frente as inseguranças e ansiedades

que teimavam surgir em meus caminhos. Aos manos Glauber, Roosevelt Júnior,

Joel, Marquinho, Lico e as manas Dedê e Dandan por cada conversa, cada ligação e

pela compreensão e apoio quando, em virtude dos estudos e pesquisa, não podia

me unir a eles em alguma reunião social. Vocês compõem o melhor círculo familiar

que eu poderia pertencer.

Ao meu esposo, Wandeílson Cunha, pela compreensão e estímulo diante dos

momentos em que eu mais precisava neste meu caminhar acadêmico. Por cada

noite em claro me fazendo companhia, me abraçando quando desabava em

lágrimas, me divertindo chamando meu notbook de Ricardão, enfim. Você é incrível

meu bem. Obrigada por sua cumplicidade e companheirismo.

À minha orientadora, Prof.ª Tânia Regina Lobato dos Santos, pela dedicação,

confiança, atenção constante sempre que expunha algo a ela, pela paciência

quando eu estava completamente insegura. Muito obrigada por me ouvir e me

compreender. Para mim, suas orientações ultrapassaram os aspectos científicos e

alcançaram minha vida particular.

As professoras Nazaré Cristina e Laura Alves pela sensibilidade que tiveram

ao fazer as contribuições na Banca de Qualificação, e por terem aceitado continuar

como examinadoras desta pesquisa na Banca de Defesa.

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A Coordenação, na pessoa da Prof. Ivanilde Apoluceno de Oliveira e

funcionários da Secretaria e Biblioteca Setorial do PPGED em Educação/UEPA,

sempre muito atenciosos e dispostos em auxiliar no que fosse necessário, em

especial o Jorginho e o Antônio.

Aos professores e professoras que ‘emprestaram’ um pouco do seu vasto

saber e contribuíram, e muito, em meu crescimento intelectual.

Aos amigos da 9ª turma do mestrado, em especial a Gicele, a Fernanda, a

Silvia Sabrina (8ª turma). Juntas compartilhamos experiências e auxiliávamos umas

as outras sempre que surgia uma nova etapa a ser cumprida, tanto durante as

disciplinas como no processo de pesquisa da dissertação.

Ao CNPq, pelo relevante recurso financeiro, indispensável para o

desenvolvimento desta pesquisa.

À Ivanete, ao Ney, a Márcia, Prof.ª Creusa, e todos da Coordenação do Curso

de Pedagogia que me apoiaram durante o tempo em que trabalhei com eles, e que,

ainda torcem por mim assim como eu torço por todos eles.

A Secretaria Municipal de Educação pela autorização para realizar esta

pesquisa em uma das Unidades de Educação Infantil que compõem a rede de

instituições que atendem as crianças da Cidade de Belém.

A Coordenação da Unidade de Educação Infantil onde a pesquisa foi

realizada, bem como aos pais e responsáveis que acreditaram que a fala das

crianças precisa ser ouvida e respeitada.

E por último, e não menos importante, as crianças, sujeitos desta pesquisa.

Obrigada por terem me permitido ouvi-las, por compartilharem comigo suas

concepções sobre o tempo e o espaço do brincar.

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Dizem que não posso mais, mas quero brincar o tempo todo até cansar.

A mola debaixo dos pés impulsiona o brincar até depois de adulto ficar.

Num espaço de um quadrado, dentro ou fora, há uma criança por dentro que por

fora um dia foi.

Elias Nascimento

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RESUMO

NASCIMENTO, Débora Silva do. Tempos e espaços do brincar no contexto da Educação Infantil: a voz das crianças. 2015. 143 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade do Estado do Pará, Belém –Pará, 2015. A presente dissertação apresenta como objeto de estudo o tempo e o espaço do brincar em uma Unidade de Educação Infantil do Município de Belém-Pa a partir das crianças. A brincadeira é tão importante para a criança que ela (re)configura espaços e (re)inventa tempos ‘onde não tem’ para vivenciar o brincar. Diante deste cenário, esta pesquisa possui como problemática de investigação: Como o tempo e os espaços do brincar se constituem no contexto da Educação Infantil a partir da fala das crianças de uma Unidade de Educação Infantil do Município de Belém-Pa? Para tanto, o enfoque Sócio-histórico, a Sociologia da Infância e os pressupostos da pesquisa qualitativa embasaram o referencial teórico-metodológico deste trabalho, bem como o diálogo com autores como pesquisam e escrevem sobre a tempo e espaço, infância e sobre o brincar, tais como Viñao Frago (1998), Kohan (2004), Sarmento; Gouvea (2008), Corsaro (1997), Kramer (1999; 2009), Huizinga (2012), Brougère (1998), Vigotski (2009), Wajskop (2012) entre outros. Esta investigação compreende uma pesquisa de campo, em que os sujeitos foram 23 crianças com idade entre 4 e 5 anos que freqüentavam o Jardim I em uma Unidade de Educação Infantil do Município de Belém-Pa. A geração de dados se deu por meio da observação e anotações no diário de campo, além de entrevistas lúdicas e registros fotográficos. Para análise dos dados, utilizou-se a Categorização, uma das etapas da Análise de Conteúdo. Os resultados apontaram que os tempos e espaços para o brincar se constituem de duas formas: tempos e espaços impostos e opostos. Revelaram ainda que a organização dos espaços e tempos favorecem às vivências do brincar. Assim, é fundamental que espaços e, principalmente, o tempo, seja pensado e ampliado para que o brincar aconteça de maneira mais favorável, atendendo as necessidades e ansiedades das crianças que freqüentam as instituições de Educação Infantil PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil. Criança. Brincar. Tempo. Espaço.

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ABSTRACT NASCIMENTO, Débora Silva do. Times and spaces of play in the context of early childhood education : the voice of children. 2015. 143 f. Dissertation ( Master of Education ) , Pará State University , Belém - Pará, 2015. The current dissertation presents as study object the time and the space of the play in a Childhood Education Unit in Belém –PA by kids. Play is so important to the child she (re ) sets spaces and ( re) invents times ' which does not have experience the play. Against this background , this research has as a research problem : As time and spaces of play are constituted in the context of early childhood education from the speech of children of a Child Education Unit of the Municipality of Belém – Pa ? Thus, the socio- historical approach , the sociology of childhood and assumptions of qualitative research grounded the theoretical framework of this work , as well as dialogue with authors such as research and write about time and space, childhood and on the play, such as Viñao Frago (1998 ) , Kohan (2004 ) , Sarmento ; Gouvea (2008 ) , Corsaro (1997 ) , Kramer (1999 ; 2009) , Huizinga (2012 ) , Brougère (1998 ) , Vigotski (2009 ) , Wajskop (2012 ) among others. This investigation comprises a field survey , in which the subjects were 23 children aged 4 and 5 years who attended the Garden I in a Child Education Unit of the Municipality of Bethlehem , Pa . The data generation was through observation and notes in field diary , and entertaining interviews and photographic records . For data analysis , we used the categorization , one of the stages of content analysis . The results showed that the time and space to play are constituted in two ways: times and spaces taxes and opposites.It also reveals that the organization of space and time favoring the experiences of play . It is therefore crucial that spaces and, above all , time , thought and be extended to the play happen more favorably , meeting the needs and anxieties of children who attend early childhood education institutions KEYWORDS: Childhood Education. Child. Play. Time. Space.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNE Conselho Nacional de Educação

DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

PPGED Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado

SEMEC Secretaria Municipal de Educação de Belém

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UEI Unidade de Educação Infantil

UEPA Universidade do Estado do Pará

UFPA Universidade Federal do Pará

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LISTA DE FOTOGRAFIAS E IMAGENS

Foto 1: Fachada da UEI 35

Foto 2: Corredor de entrada e acesso a UEI e pátio 35

Foto 3: Brinquedoteca 36

Foto 4: Refeitório 36

Foto 5: Sala de aula 37

Foto 6: Parte da área externa da UEI 38

Foto 7: Chuveródromo 38

Foto 8: Escovódromo 39

Foto 9: Espaço para breves reuniões e depósito de materiais e móveis 39

Foto 10: Contação de história com fantoche 42

Foto 11: Manuseio de fantoche pelas crianças 43

Foto 12: Entrevista utilizando fotografias 48

Foto 13: Entrevista coletiva em roda 48

Foto 14: Criança fazendo de sandálias instrumento de seu brincar 60

Foto 15: Utilidades diversas para o objeto 62

Foto 16: Brinquedos da área externa 63

Foto 17: Crianças brincando na área externa 63

Foto 18: Criança reinventando utilidades para o objeto 66

Foto 19: Crianças brincando em sala de aula 69

Foto 20: Crianças brincando de casinha 70

Foto 21: Criança brincando de ser moto-táxi 73

Foto 22: Criança brincando de trem 74

Foto 23: ‘Casa da bruxa’ 76

Foto 24: Crianças brincando na área externa 77

Foto 25: Área externa 82

Foto 26: Crianças aproveitando elementos da natureza 83

Foto 27: Brinquedoteca 86

Foto 28: Apresentação cultural: dança 88

Foto 29: Sala de aula 92

Foto 30: O brincar em tempos impostos na sala de aula 93

Foto 31: Criança conversando em frente o espelho 94

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Foto 32: Refeitório 98

Foto 33: Crianças brincando no refeitório e na brinquedoteca 99

Foto 34: Pátio 100

Foto 35: Escovódromo 103

Foto 36: Crianças durante escovação 104

Foto 37: Espaço oposto e criança brincando 105

Foto 38: Chuveródromo e calçada lateral 107

Foto 39: Mãos molhadas “carimbadas” na parede 109

Foto 40: O brincar em tempos impostos na sala de aula 110

Foto 41: O brincar em tempos opostos na sala de aula 111

Foto 42: Crianças reconfigurando espaços e tempos 112

Foto 43: Crianças brincando momentos antes do repouso 115

Imagem 1: Busca avançada por palavras-chave 19

Imagem 2: Estrutura física da UEI 37

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Resultado da combinação das Palavras-chave: Criança(s);

Espaço(s)

20

Quadro 2: Resultado da combinação das Palavras-chave: Brincar; Espaço(s) 20

Quadro 3: Resultado da combinação das Palavras-chave: Brincar; Criança(s) 21

Quadro 4: Resultado da combinação das Palavras-chave: Educação Infantil;

Brincar; Espaço(s); Tempo(s)

23

Quadro 5 – Nomes Fictícios 44

Quadro 6: Rotina da UEI 58

Quadro 7: O que mais gostam de brincar 68

Quadro 8: Brinquedos e brincadeiras ausentes no contexto da UEI 117

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 15

2. A INFÂNCIA [e a criança] NO DECORRER DOS TEMPOS 27

3. “PODE SER ASSIM, MAS PODE SER ASSIM TAMBÉM! ”: trajetória

teórico- metodológica

32

3.1. Os percursos éticos 33 3.2. Caracterização do locus da pesquisa 34 3.3. Os sujeitos da pesquisa 40 3.4. Os procedimentos para geração dos dados 45 3.5. O processo de análise 49

4. “EU...? EU GOSTO DE BRINCAR DE TUDO”: por tempos de

descobertas e espaços de possibilidades na Educação Infantil

52

4.1. Tempo e espaço: breves definições 53 4.2. Como se dá a rotina das crianças? 57 4.3. Quais são seus brinquedos? 60 4.4. E as suas brincadeiras? 64

5. “NÃO É HORA DE BRINCAR AQUI”: o imposto e o oposto na

organização e vivência do brincar em tempos e espaços

79

5.1. Tempos e espaços impostos para brincar 80 5.1.1. A área externa 82 5.1.2. A brinquedoteca 86 5.1.3. A sala de aula 89

5.2. Tempos e espaços opostos para brincar 94 5.2.1. O refeitório 96 5.2.2. O pátio 100 5.2.3. O Escovódromo 102 5.2.4. O chuveródromo e calçada lateral 106 5.2.5. Sala de aula 109

6. “EU QUERIA QUE...”: as perspectivas infantis sobre o brincar 114

6.1 Por mais tempo para brincar 114 6.2 Por mais brinquedos e brincadeiras 117 PARA NÃO CONCLUIR, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 120 REFERÊNCIAS 125 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO APÊNDICE B – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA ANEXO 1 – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP ANEXO 2 – DECLARAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DA SEMEC

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1. INTRODUÇÃO

Ao observarmos um grupo de crianças brincando, é quase impossível não

ficar fascinado com a capacidade imaginativa e criativa que elas possuem para

(re)configurar espaços de acordo com as suas necessidades e (re)inventar tempos

‘onde não tem’ para vivenciarem o brincar.

Se por um lado os adultos se encantam com as brincadeiras das crianças, por

outro, conforme Borba (2009), se espantam quando as crianças viram o mundo de

ponta cabeça, transgredindo regras e normas que são impostas a elas, desafiando o

mundo real e instituindo novas lógicas.

De fato, não há como não se surpreender diante da imprevisibilidade, saberes

próprios, artimanhas e representações que as crianças fazem enquanto brincam.

Quando observamos, por exemplo, crianças se apropriando com facilidade de

equipamentos tecnológicos melhor que um adulto, ou de como re-estruturam seus

brincares por conta dos espaços que foram modificados atendendo a crescente

urbanização, começamos a dialogar conosco ou com outros, sobre questões

pertinentes a infância do ontem, a de hoje e a de amanhã.

Ao volver minha memória à infância1, relembro do sítio em que morei em meio

a galos, galinhas, cachorros, um papagaio tagarela e pássaros que ‘beliscavam’

nossos mamãos e bananas. Nesse tempo, as brincadeiras aconteciam sem tanto

uso de brinquedos industrializados, e onde a natureza era o melhor parque de

diversões que até então eu já havia frequentado. Nesse tempo, a imaginação dava

as ordens. A fumaça que a minha mãe fazia enquanto queimava as folhas secas

varridas do terreiro, era uma grande ‘nuvem’ que eu passava para chegar ao ‘céu’.

Era ‘transformar’ o chamado ‘bocó da folha do açaizeiro em um imenso barco que

vagava pelo quintal em dias de chuva. Era brincar de peteca2 com os caroços secos

da pupunha. Era fazer a partir dos retalhos que sobravam das costuras de minha

mãe, roupas justíssimas para uma imitação de Barbie que eu ganhei. Era escalar os

jambeiros, mangueiras e cajueiros e no fim pegar a medalha: jambos, mangas e

cajus. Era revirar o guarda-roupa da minha irmã e me vestir como ela. Certamente a

1 Atividade realizada durante a Disciplina Perspectiva Sócio-Histórica e Cultural na Educação Infantil do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará, ministrada pela Prof.ª Dr. Tânia Regina Lobato dos Santos. 2 Também conhecidas como bolas de gude.

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minha infância, e a de muitos adultos que puderam vivenciá-la, foi de descobertas,

aventuras, criatividade, fantasia e outros tantos bons sentimentos.

Compreendo que muitas coisas concernentes à infância, certamente

mudaram nos últimos 20 (vinte), 30 (trinta), 50 (cinquenta) anos, inclusive os modos

de brincar, mas acredito em algo que não mudou: o desejo da criança pelo brincar.

De acordo com Borba (2007), a experiência do brincar cruza diferentes

tempos e lugares, passados, presentes e futuros, sendo marcada ao mesmo tempo

pela continuidade e pela mudança. Isto significa que a experiência do brincar não é

somente reproduzida de uma geração para a outra, e sim recriada a partir do que a

criança traz de novo, com seu poder de imaginar, criar, reinventar e produzir cultura.

A criança e suas especificidades sociais, culturais, educacionais são questões

que fazem parte dos caminhos que eu venho percorrendo acadêmico e

profissionalmente. No decorrer dos anos da graduação em Pedagogia na

Universidade do Estado do Pará – UEPA, a cada semestre finalizado, eu confirmava

minha escolha dentre os campos de atuação do pedagogo: a docência.

Dentre as experiências significativas vivenciadas na graduação, pontuo minha

participação como monitora da disciplina Educação Infantil no Contexto Brasileiro,

período em que abordagens teóricas e legislações referentes à Educação Infantil

foram aprofundadas e discutidas com outros acadêmicos. Ressalto também, a

importância dos estágios obrigatórios e remunerados que fiz, nos quais pude

perceber o quanto a teoria necessita da prática.

Neste sentido, em 2010, defendi o Trabalho de Conclusão de Curso que se

intitulava: Políticas públicas e a qualidade da Educação Infantil: o que dizem os

documentos oficiais? O qual visava analisar o que os documentos oficiais

apresentavam em relação à qualidade da Educação Infantil tendo como pressuposto

a formação de professores, e como o Ministério da Educação – MEC vinha

construindo em bases legais a formação de professores que trabalham neste nível

de educação.

E apresentei como resultados desta pesquisa, que há diversas metas, artigos

e diretrizes voltadas à formação de professores da Educação Infantil. No entanto,

muitos direitos instituídos nos dispositivos legais não são cumpridos e assegurados

de maneira efetiva nas instituições de Educação Infantil. Ao final da pesquisa,

propus que os professores e professoras recebessem formações continuadas no

próprio ambiente de trabalho, com temáticas sugeridas por eles, e que a cada

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semestre fosse assegurada uma ajuda de custo aos professores participantes de

eventos externos.

Depois de formada, em agosto de 2011, ingressei no quadro docente da

Secretaria Municipal de Educação de Belém - SEMEC trabalhando com 25 crianças

de 04 (quatro) e 05 (cinco) anos de idade, matriculados em uma turma de Jardim – I

de uma Unidade de Educação Infantil – UEI.

As crianças permaneciam na creche em período integral, tendo uma

professora no turno da manhã e outra no turno da tarde, sendo este meu horário de

trabalho. Vale ressaltar, que não tínhamos professora auxiliar.

Enquanto exercia minhas funções, pautadas no cuidar e educar, muitas

incertezas pairavam sobre meu fazer docente, principalmente com aspectos

relacionados ao brincar. E diante da inexperiência profissional, havia

questionamentos pessoais que eu não sabia responder, tais como: Como trabalhar

com crianças tão pequenas? Porque só querem brincar onde não pode? Em que

ocasião intervir enquanto estiverem brincando? Porque gritam tanto durante suas

brincadeiras? Às vezes elas querem brincar de um jeito perigoso e podem se

machucar, o que faço? E ainda: Quanto tempo elas tem que ficar brincando?

Na realidade, como evidencia Borba (2009), a “brincadeira como inversão da

ordem” revela a criança como um outro incapturável, “ameaçador de nossas

verdades, como alguém que inquieta a segurança de nossos saberes e questiona o

poder de nossas práticas.” (BORBA, 2009, p. 98)

Posteriormente, após 01 (um) ano e meio de trabalho, solicitei minha saída da

UEI para dedicar-me ao processo seletivo do Mestrado da UEPA. Em 2013, ao

ingressar no Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGED/UEPA, na Linha

Formação de Professores, pude ampliar meu arcabouço teórico, a partir da leitura de

diversos autores discutidos nas disciplinas obrigatórias e eletivas.

A disciplina eletiva Perspectiva Sócio-Histórica e Cultural na Educação Infantil

foi a divisora de águas para compreensão de criança e infância. Durante os estudos

e leituras de autores que pesquisam e escrevem sobre a infância e sobre o brincar,

tais como Sarmento (2009), Corsaro (2011), Kramer (1999; 2009), Kuhlmann Júnior

(2004) Brougère (1998), Bakhtin (2003), Wajskop (2012), Vygotsky (2009) entre

outros autores, fortaleceram a escolha, fazendo-me refletir sobre minhas ações no

período em que trabalhei como professora de crianças.

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Também pude compreender quão pouco exerci o diálogo com elas. Quem

sabe, muitas dúvidas que eu tinha poderiam ter sido esclarecidas caso eu

recorresse aos próprios sujeitos desse processo durante o planejamento das ações

pedagógicas.

As autoras Jobim e Souza; Castro (2008) explicam que ao invés de

adotarmos uma postura de valorizar o conhecimento do adulto como

necessariamente superior ao da criança, é fundamental reconhecermos também, as

crianças como portadoras de culturas e saberes, uma vez que adultos e crianças

apresentam possibilidades distintas de compreensão das experiências que

compartilham, as quais precisam ser valorizadas e analisadas.

As experiências acadêmicas e profissionais, além das breves reflexões

mencionadas, foram aspectos decisivos que me impulsionaram a pesquisar com

crianças e não as crianças. Assim, senti-me desafiada a realizar esta pesquisa e

contribuir com outras pesquisas que entendem a criança como protagonista, bem

como fortalecer as discussões sobre o tempo e o espaço do brincar no contexto da

Educação Infantil.

No processo de delimitação desta pesquisa, foi necessário realizar

levantamento de dados com o intuito de mapear de forma limitada, as produções

que apresentavam interface com o objeto de estudo em questão.

As pesquisas foram realizadas tendo como fontes: o Banco de Teses e

Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(CAPES), considerando o período de 2011 e 2012 3 e os Programas de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Estadual do Pará (UEPA) e da

Universidade do Estado do Pará (UFPA), considerando o período de 2007 a 20134.

Na pesquisa realizada no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, utilizei

a opção de busca avançada realizando combinações entre as palavras-chave:

espaço(s), tempo(s), brincar, Educação Infantil e criança(s), conforme exemplificado

na imagem 1:

3 A delimitação deste período se justifica pelo fato da Plataforma está em atualização, estando disponíveis somente as produções datadas nos anos supracitados. 4 A delimitação do período se deu considerando que as produções no PPGED/UEPA datam a partir de 2007 e o período final, 2013, tendo em vista o ano de ingresso e aprovação desta pesquisa.

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Imagem 1: Busca avançada por palavras-chave

Fonte: Elaboração pessoal a partir de print screen5.

Os resultados obtidos na pesquisa foram organizados em forma de quadros,

nas quais estão descritas as palavras-chave combinadas, o título, autor, ano e área

de conhecimento. Algumas combinações apresentaram resultado significativo e não

serão apresentadas em forma de quadro, pois o mesmo ficaria muito extenso. A

cada resultado de combinação, será feita uma breve análise das produções

encontradas.

A busca para relacionar as palavras – chave tempo(s) e espaço(s), trouxe

como resultado 38 (trinta e oito) produções, o que demonstra a abrangência das

categorias tempo(s) e espaço(s), as quais são estudadas e discutidas em várias

áreas de conhecimento: Educação (6), Educação Física (1), Artes (7), Letras (5),

Física (3), Geografia (4), Antropologia (2), Estatística (2), Direito (1), Filosofia (1),

Geociências (1), Literatura Brasileira (1), Microbiologia (1), Música (1), Sociais e

Humanidades (1) e Teatro (1).

No entanto, dos 38 (trinta e oito) trabalhos, apenas 07 (sete) abordam o

tempo e o espaço no contexto educativo. Estes, versam sobre educação e escolas

de tempo integral, o tempo e o espaço no âmbito do currículo e das políticas. O

trabalho que se aproxima da discussão que proponho, é o trabalho intitulado:

Brincadeiras, espaços e tempos: as infâncias nas vozes das crianças defendido por

Coelho (2012), porém os sujeitos de sua pesquisa foram crianças da 4ª série (5º

ano).

Em relação à combinação das palavras-chave criança(s) e espaço(s), a

pesquisa apontou (2) dois trabalhos na área da Educação, de acordo com o próximo

quadro: 5 O Print screen é uma tecla comum nos teclados de computador. No Windows, quando a tecla é pressionada, captura em forma de imagem tudo o que está presente na tela e copia para a Área de Transferência.

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Quadro 1: Resultado da combinação das Palavras-chave: Criança(s);

Espaço(s)

Palavras-chave: Criança(s); Espaço(s) nº Título Autor(a) Ano Área de conhecimento 1 CRIANÇAS, INFÂNCIAS E ESPAÇOS:

CONHECENDO SUAS CULTURAS E SUAS GEOGRAFIAS

ROCHA, LUCIENE

KARINE DA SILVA

2011 EDUCAÇÃO

2 POR UMA INFÂNCIA GENEREFICADA: ESPAÇOS

SIGNIFICATIVOS DO CONTEXTO ESCOLAR

SANDRA COPPINI ROSA

2012 EDUCAÇÃO

Fonte: Elaboração pessoal a partir do Banco de Teses e Dissertações da CAPES.

O primeiro trabalho buscou compreender como crianças pequenas, na faixa

etária de 01 a 05 anos, de duas instituições para a infância, vivem suas

espacialidades em seus cotidianos. E a segunda pesquisa teve como foco central

estudar os modos como as crianças significam os espaços escolares a partir das

diferenças de gênero.

Assim, percebemos uma ênfase maior concernente ao modo como as

crianças lidam com os espaços que convivem, demonstrando a necessidade de

pesquisar também, como as crianças lidam com o tempo nas instituições educativas.

Quanto à busca com base na combinação das palavras-chave brincar e

espaço(s), 02 (dois) trabalhos foram encontrados conforme quadro abaixo:

Quadro 2: Resultado da combinação das Palavras-chave: Brincar; Espaço(s)

Palavras-chave: Brincar; Espaço(s) nº Título Autor(a) Ano Área de conhecimento 1

A CRIAÇÃO E O ESPAÇO DO BRINCAR EM ARTETERAPIA

ROGERIA RODRIGUES FIGUEIREDO

2011 PSICOLOGIA

2 O ESPAÇO DO BRINCAR EM UMA ESCOLA MUNICIPAL

INAJA ZAEM DA SILVA

2011 EDUCAÇÃO

Fonte: Elaboração pessoal a partir do Banco de Teses e Dissertações da CAPES.

Dos trabalhos encontrados, apenas o segundo estabelece aproximações com

a presente pesquisa, uma vez que a autora objetivou analisar a apropriação dos

espaços de uma escola pelas crianças para suas brincadeiras, porém, distancia-se

já que o contexto é uma escola que atende os primeiros ciclos do Ensino

Fundamental.

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Prosseguindo o processo de busca a partir da combinação dupla de palavras-

chave, o resultado para brincar e criança(s) foi bem significativo. No total, 12 (doze)

trabalhos foram encontrados:

Quadro 3: Resultado da combinação das Palavras-chave: Brincar; Criança(s)

Palavras-chave: Brincar; Criança(s) nº Título Autor(a) Ano Área de conhecimento 1

AS CRIANÇAS E O BRINCAR EM SUAS PRÁTICAS SOCIAIS: O

AGLOMERADO DA SERRA/BH COMO CONTEXTO DE APRENDIZAGEM

LEONARDO TOLEDO SILVA

2012 SOCIAIS E HUMANIDADES

2

UMA EDUCAÇÃO INFANTIL CENTRADA NO BRINCAR: A EXPERIÊNCIA DA TE-ARTE

ROZANA MACHADO

BANDEIRA DE MELO

2011 EDUCAÇÃO

3 FORT-DA: A ESCUTA DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO

INFANTIL NA CONSTITUIÇÃO DA CRIANÇA-SUJEITO

DANIELA CHAVES RADEL BITTENCOURT

2011 EDUCAÇÃO

4 BRINCADEIRAS E RELAÇÕES INTERCULTURAIS NA ESCOLA

INDÍGENA: UM ESTUDO DE CASO NA ETNIA SATERÉ-MAWÉ

JOAO LUIZ DA COSTA BARROS

2012 EDUCAÇÃO

5 TEMPOS E ESPAÇOS DE BRINCAR NO ENSINO FUNDAMENTAL. O QUE DIZEM AS CRIANÇAS DO PRIMEIRO

E SEGUNDO ANO

JAIRO GEBIEN 2011 EDUCAÇÃO

6 UM OLHAR SOBRE O EDUCADOR DA INFÂNCIA: O ESPAÇO DO

BRINCAR CORPORAL NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

DAIANA CAMARGO

2011 EDUCAÇÃO

7 A GÊNESE DA NOÇÃO DE TERRITÓRIO NA ONTOGÊNESE

HUMANA: OLHARES LOCALIZADOS A PARTIR DA CRECHE UFF

DANIELA HELENA VIEIRA

DE LIMA MADANELO

2012 EDUCAÇÃO

8 A CRIANÇA ADOECIDA E O SABER: CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE.

AMANDA GONCALVES DA

SILVA MELO

2012 PSICOLOGIA

9 O BRINCAR LIVRE DE CRIANÇAS NA BRINQUEDOTECA: ANÁLISE DA

FREQUÊNCIA DE AÇÕES MOTORAS, TIPOS DE BRINQUEDOS,

BRINCADEIRAS E INTERAÇÕES SOCIAIS

DEISE DE OLIVEIRA REZENDE

2012 EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE

10 CRIANÇAS, O QUE ELAS QUEREM E PRECISAM DO MUNDO, DO ADULTO

E DELAS MESMAS?

ANDRIZE RAMIRES COSTA

2011 EDUCAÇÃO FÍSICA

11 CRESCENDO NO MSTB: O BRINCAR DA CRIANÇA DO MOVIMENTO DOS SEM TETO NAS OCUPAÇÕES DA

CIDADE DE SALVADOR

ADRIANA LIMA BALAGUER

2012 PSICOLOGIA

12 O BRINCAR, O CONHECER E O APRENDER DE CRIANÇAS COM

IMPLANTE COCLEAR

ARACE MARIA MAGENTA

MAGALHAES

2012 PSICOLOGIA ESCOLAR E DO

DESENVOLVIMENTO HUMANO

Fonte: Elaboração pessoal a partir do Banco de Teses e Dissertações da CAPES.

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Os trabalhos encontrados e mencionados no quadro acima evidenciam o

quanto o brincar está vinculado à criança e seus contextos territoriais, educacionais,

sociais, culturais e étnicos.

Dentre os trabalhos pesquisados, a dissertação intitulada: Crianças, o que

elas querem e precisam do mundo, do adulto e delas mesmas? Destacou-se dentre

as outras pesquisas, pois objetivou apresentar uma reflexão diferenciada sobre o ser

criança, seus desejos e suas necessidades, investigando o que elas realmente

querem e precisam para seu desenvolvimento humano.

As produções encontradas a partir da associação das palavras-chave:

Educação Infantil e criança foram ainda mais significativas. No total, foram 22

(vinte e dois) trabalhos, vinculados às áreas de conhecimento: Educação (18),

Educação - Psicologia da Educação (1) Processos de Desenvolvimento Humano e

Saúde (1), Psicologia (1) e Serviço Social (1).

De acordo com os resultados, as produções desvelam os avanços e desafios

frente à criança que está inserida na Educação Infantil, seja em creches ou pré-

escolas. Algumas pesquisas como as defendidas por Siller (2011), Cortes (2011) e

Pamphylio (2010), começam a valorizar as concepções e saberes das próprias

crianças sobre o cotidiano e a realidade que pertencem, como das crianças

migrantes, crianças surdas, crianças ribeirinhas, respectivamente. Ouvir as crianças

é uma necessidade urgente, pois

investigar os sentidos e significados que as crianças atribuem a diversos fenômenos da sua vivência cotidiana na contemporaneidade – família, convivência com os seus pares, escola, trabalho, lazer, violência física, sexual e/ou psicológica – é uma tentativa de romper com a concepção dominante, que vê a criança como o infant, ou seja, “aquele que não tem fala”, para colocá-la no lugar de protagonista, em defesa de seu status de sujeito de direitos. (SOUSA, 2008, p. 175)

Tal perspectiva demonstra que os objetivos propostos nesta dissertação estão

em conformidade com as recentes tendências, no que se refere à pesquisa

científica, em que as crianças são concebidas como sujeitos autênticos e capazes.

O último quadro apresenta a combinação entre as palavras-chave: Educação

Infantil e brincar; Educação Infantil e espaço(s); e Educação Infantil e tempo(s).

Vale ressaltar, que foram feitas 03 (três) buscas na ordem já mencionada, e

somente depois foram unificadas em um só quadro para melhor visualização desta

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combinação que acredito ser uma das mais relevantes, uma vez que aglutina quase

todas as categorias base desta dissertação.

Quadro 4 : Resultado da combinação das Palavras-chave: Educação Infantil;

Brincar; Espaço(s); Tempo(s)

Palavras-chave: Educação Infantil; Brincar; Espaço(s); Tempo(s) nº Título Autor(a) Ano Área de conhecimento 1

PROCESSO DE APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL UMA INTERAÇÃO ENTRE ESPAÇO

FORMAL E NÃO FORMAL

LEILA NOGUEIRA TEIXEIRA

2011 ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

2

O ESPAÇO E O TEMPO DA INFÂNCIA NO PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO

INFANTIL PARA OS ANOS INICIAIS

RUHENA KELBER ABRAO

FERREIRA

2011 EDUCAÇÃO FÍSICA

3 ESPAÇOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO CAMPO NA LENTE

DAS CRIANÇAS

MARIA APARECIDA

D’AVILA CASSIMIRO

2012 EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE

4 O LUGAR DO ESPAÇO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

SANDRA CRISTINA DE CARVALHO

MOTTA

2012 EDUCAÇÃO

5

AS CONCEPÇÕES SOBRE O BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS: MÚLTIPLOS OLHARES

SILVIA DE MOURA

PECANHA

2011 EDUCAÇÃO

6

O BRINCAR E A CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA NA

EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE PENSAM AS CRIANÇAS E SUAS

PROFESSORAS

CONCEICAO APARECIDA

OLIVEIRA LOPES

2012 EDUCAÇÃO

7

A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE

TEMPO INTEGRAL: CAVANDO OS ACHADOUROS DA INFÂNCIA

JULIANA BEATRIZ

MACHADO RODRIGUES

2012 EDUCAÇÃO

Fonte: Elaboração pessoal a partir do Banco de Teses e Dissertações da CAPES.

Conforme o quadro 04 (quatro), foram encontrados 07 (sete) trabalhos

relacionados a Educação, Educação e Contemporaneidade, Educação Física e

Ensino de Ciências e Matemática.

A partir da leitura do resumo dos 07 (sete) trabalhos, percebe-se,

principalmente, a presença das categorias espaço e Educação Infantil, mas que não

se relacionam com tempo e/ou brincar, porém, estabelecem relação com esta

pesquisa.

Sendo assim, destaco o trabalho de Cassimiro (2012), que buscou construir

um processo de interlocução com crianças do campo de uma escola de Educação

Infantil sobre os espaços físicos que compõem o ambiente escolar que elas

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freqüentavam. E Teixeira (2011), Peçanha (2011), Lopes (2012) também buscaram

ouvir as crianças enquanto sujeitos dos processos e contextos que pertencem.

Referente a pesquisa realizada no site dos Programas de Pós-Graduação em

Educação da UEPA 6 e da UFPA 7 , no período de 2007 a 2013, utilizei como

delimitador da pesquisa o seguinte aspecto: os trabalhos que investigassem a

temática Educação Infantil e brincar e, concomitantemente, privilegiassem as

crianças como os informantes da pesquisa.

Quanto aos trabalhos encontrados no PPGED/UFPA, a pesquisa evidenciou

que não há dissertações ou teses que contemplassem o aspecto delimitador que foi

utilizado. Alguns trabalhos defendidos na UFPA chegam a apresentar as crianças

como locutoras e sujeitos da pesquisa, como é o caso de Moraes (2010) que

investigou a infância pelo olhar das crianças do MST e a pesquisa de Souza (2009)

que ouviu crianças sobre o tempo e o espaço do recreio. No entanto, as

pesquisadoras não tiveram a pretensão de discutir as falas infantis associadas à

Educação Infantil e ao brincar.

No que diz respeito aos achados da pesquisa no banco de dados do

PPGED/UEPA, os trabalhos que mais se aproximaram do aspecto delimitador que

utilizei foram o de Pamphylio (2010) que buscou ouvir crianças da Amazônia

Amapaense sobre infância e escola e o de Gouvêa (2011) que pesquisou sobre

conformismo e resistência nas vivências das brincadeiras infantis. Entretanto,

semelhante às pesquisas da UFPA, as categorias Educação Infantil e brincar não

foram consideradas.

Estes resultados contribuem com a concepção de que vivemos numa

sociedade marcadamente adultocêntrica, inclusive no campo científico, construída e

pensada por e para os adultos. Assim,

trazer a criança ao palco do diálogo e buscar estabelecer com ela uma parceria, implica, de antemão, transgredir com o estabelecido e buscar meios de minimizar – já que é ingênuo achar que conseguimos suplantar – as relações desiguais de poder adulto-criança. (LEITE, 2008, p. 122)

Logo, ouvir sobre o que as crianças falam acerca do tempo e do espaço de

brincar na Educação Infantil se configura como uma pesquisa que tem muito a

contribuir no debate sobre questões fundamentais a infância, pois

6 Site acessado: http://paginas.uepa.br/mestradoeducacao/ 7 Site acessado: http://www.ppged.belemvirtual.com.br/pagina.php?cat=145

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o que as crianças falam pode subsidiar ações a seu favor e contribuir para mudanças que as beneficiem, porque o seu ponto de vista traz elementos que fortalecem pessoas e entidades preocupadas com os interesses das crianças e que desenvolvem ações para construir melhores condições para que a criança viva a sua infância. (CRUZ, 2008, p. 14)

Desse modo, esta pesquisa apresenta relevância acadêmico-científica, pois

vai trazer a tona o que as crianças dizem a respeito do tempo e do espaço do

brincar na Educação Infantil, e dessa forma ampliar o índice de produções na Pós-

Graduação na Região Norte sobre o brincar e a Educação Infantil tendo as crianças

como sujeitos informantes do processo educacional que estão inseridas.

Assim, a presente pesquisa visa responder a seguinte problemática: Como o

tempo e os espaços do brincar se constituem no contexto da Educação Infantil a

partir da fala das crianças de uma Unidade de Educação Infantil do Município de

Belém-Pa?

A partir desta questão geradora, desdobram-se outros questionamentos: De

que forma as crianças experienciam o brincar no tempo e nos espaços da UEI?

Como a organização do tempo e do espaço favorece ou não o brincar na pré-

escola? Que perspectivas (anseios) as crianças evidenciam acerca do tempo e do

espaço do brincar na pré-escola?

Tendo em vista responder a tais questionamentos, o objetivo geral desta

pesquisa é: Analisar os tempos e espaços do brincar no contexto da Educação

Infantil a partir das crianças de uma Unidade de Educação Infantil do Município de

Belém-Pa. E os objetivos específicos são: Descrever como as crianças experienciam

o brincar em tempos e espaços da UEI; Investigar se a organização do tempo e do

espaço favorece ou não o brincar na pré-escola; Analisar as perspectivas (anseios)

evidenciadas pelas crianças acerca do tempo e do espaço do brincar na pré-escola.

Considerando os objetivos propostos, esta dissertação está estruturada em

seis seções. A primeira, ora apresentada, exponho, de maneira sucinta, as primeiras

aproximações teóricas acerca do que será abordado ao longo desta dissertação. A

segunda seção consiste em apresentar brevemente os estudos e concepções de

infância e criança no decorrer dos tempos até a atualidade; na terceira seção,

exponho a trajetória teórico-metodológica da pesquisa; na quarta inicio as análises

subsidiadas por contribuições teóricas a respeito da rotina da UEI, os brinquedos e

as brincadeiras experienciadas pelas crianças; na quinta proponho reflexões acerca

da organização dos tempos e espaços do brincar, e como as crianças se

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conformavam ao imposto ou transgrediam se opondo ao instituído pela ordem

adulta; na sexta seção, destaco as perspectivas (anseios) relatadas pelas crianças

acerca do tempo e dos espaços do brincar na UEI. Por fim, anuncio algumas

considerações relacionadas às questões abordadas ao longo deste estudo.

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2. A INFÂNCIA [e a criança] NO DECORRER DOS TEMPOS

Compreender como a infância foi sendo reconhecida ao longo da história é

conhecimento básico para quem busca conceber a criança como sujeito histórico,

“agentes sociais, ativos e criativos, que produzem suas próprias e exclusivas

culturas infantis, enquanto, simultaneamente, contribuem para a produção das

sociedades adultas.” (CORSARO, 2011, p. 15)

O campo voltado ao estudo sobre a infância vem se ampliando entre

pesquisadores nas últimas décadas. Culturas infantis, cultura de pares, sujeito de

direitos, ator social, todas essas palavras, de acordo com Nascimento (2011), foram

pouco a pouco incorporadas a relatos de pesquisas, textos e discursos de

pesquisadores. Segundo Kramer (2009), essa mobilização se refere tanto aos

fundamentos teóricos e às concepções de infância, quanto às políticas sociais, às

propostas pedagógicas e às práticas.

Para Kramer (1999), a noção de infância, tal como é hoje, é um conceito

relativamente novo. A autora aponta que podemos localizar no século XVIII o início

da ideia de infância como uma idade profundamente singular a ser respeitada em

suas diferenças. Afirma, portanto, que a noção de infância e sua conceituação não

são um fato natural que sempre existiu; são na verdade, para a autora, “produto de

evolução da história das sociedades, e o olhar sobre a criança e sua valorização na

sociedade não ocorreram sempre da mesma maneira, mas, sim, de acordo com a

organização de cada sociedade e as estruturas econômicas e sociais em vigor”

(KRAMER, 1999, p. 24)

A criança sempre existiu, mas constata-se que o sentimento de infância8 era

ausente até o século XVI, surgindo a partir dos séculos XVII e XVIII, como identifica

Ariès (1981) em suas pesquisas. De acordo com Stearns (2006), o historiador

francês Philippe Ariès, ancorado em evidências, sustentou que os europeus

tradicionais não tinham uma noção clara sobre infância, e dessa maneira, não a

consideravam como um estágio separado da vida, marginalizando as crianças da

atividade familiar.

8 Philippe Ariès, historiador francês, utiliza o termo sentimento de infância para referir-se à postura adotada para com as crianças, entendendo-as como sujeitos diferentes dos adultos. Essa postura desenvolveu-se, inicialmente, com relação às crianças das classes mais elevadas (século XVI) e, posteriormente, estendeu-se às parcelas mais pobres da população.

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Segundo Ariès (1981), a infância foi uma invenção da modernidade. O autor

registra o sentimento de infância como uma consciência da existência da criança

decorrente de um processo histórico, e não uma herança tradicional. De acordo

com Ariès (1981), os fatores que contribuíram para o processo de formação do

sentimento de infância foram diversos. Dentre eles, podemos destacar o processo

de escolarização como principal objetivo, separando as crianças do ambiente a que

eram submetidas no convívio com os adultos. Outro fator refere-se, a fabricação de

brinquedos específicos para as crianças e, por fim, o mais importante: o crescimento

do sentimento de família.

No final do século XVII, com a escolarização, a família se organizou em volta

da criança e, então, educação e afeição se tornam essenciais. Com a modernidade,

a família passou a ter uma função moral e espiritual, e passou a responsabilizar a

escola pela função de preparar os filhos para a vida adulta, exercendo sobre a

criança um poder disciplinar. Enfim, a criança passou a ser vista como um ser a ser

educado. (ARIÈS, 1981)

A infância se tornou mais fundamental, com o crescente reconhecimento das necessidades especiais de alimentação e orientação; aumentou o foco na escolaridade; taxas de natalidade começaram a cair a fim de permitir mais atenção individual às crianças; e uma distinção formal maior entre infância e seus vários estágios e a idade adulta marcou também essa transformação. (STEARNS, 2006, p. 74)

Para Ariès (1981), o século XVIII trouxe uma infância moderna com liberdade,

autonomia e independência; já no século XIX, as crianças eram tratadas como

adultos em miniatura; e, no século XX, com a influência de psicólogos e de

educadores, elas passam a ser vistas como seres de direitos e em fase de

desenvolvimento.

De fato, a partir do século XX, o crescimento em diversas áreas do

conhecimento que estudam a infância e seu escopo tem contribuído para a reflexão

e problematização das concepções de infância. De acordo com Borba (2009), na

década de noventa, emergiu o campo da sociologia da infância, “que vem buscando

resgatar a infância das perspectivas que a compreendem como um ser inacabado,

período maturacional do desenvolvimento humano independente das condições

históricas e sociais.” (BORBA, 2009, p. 102)

No entanto, Kuhlmann Jr (2004) se contrapõe a pesquisa de Ariès, pois

acredita que

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o sentimento de infância não seria inexistente em tempos antigos ou na Idade Média, como estudos posteriores mostraram. E acrescenta que os historiadores Pierre Riché e Daniele Alexandre-Bidon ‘arrolaram os mais variados testemunhos da existência de um sentimento da especificidade da infância da época’ (KUHLMANN JR, 2001, p. 22).

Em consonância com a contraposição de Kuhlmann Jr, Heywood (2004),

também critica Ariès quando diz que a infância era desconhecida na Idade Média.

Para o autor inglês, em sua abordagem centrada mais no aspecto temático do que

cronológico, a infância só pode ser compreendida como uma construção social,

estando condicionados a questões culturais, filosóficas, econômicas e por muitas

vezes religiosas.

Nesse sentido, a pesquisa histórica narrada por Ariès é vista como a dos

vencedores, dos meninos ricos, imbuída de conceitos generalizantes, uma vez que

Ariès optou por uma pesquisa na categoria das obras de arte, sua seleção tem

prioridade na função estética. (SARMENTO, 2007; KUHLMANN JR, 2001).

[…] é criticado frequentemente o facto de Ariès teorizar sobre toda a categoria social infância, tendo utilizado registros documentais provenientes do clero e da nobreza, havendo, por consequência, uma ausência de referência às crianças das classes populares (SARMENTO, 2007, p. 27)

Certamente as teses de Ariès (1981), foram desbravadoras, entretanto, na

atualidade, são interessantes encontrar mais observações de pesquisadores que

revelam quadros interpretativos de concepções de infância.

Em pesquisas posteriores concernente ao estudo da infância, as

contribuições foram sendo relativamente significativas. Em 1987, o sociólogo

dinamarquês Jens Qvortrup iniciou uma pesquisa em 16 países9 do hemisfério norte

e estabeleceu um novo paradigma para o estudo da infância, reconhecendo-a como

um grupo social. Segundo Qvortrup (1991), conceber a infância como construção

social ou categoria estrutural promove a ideia de que ela “é uma estrutura

permanente em qualquer sociedade, mesmo que seus participantes sejam

regularmente repostos.” (QVORTRUP, 1991, p. 12 apud NASCIMENTO, 2011, p. 39)

9 Canadá, Tchecoslováquia, Dinamarca, Inglaterra e País de Gales, Finlândia, Alemanha, Grécia, Irlanda, Israel, Itália, Noruega, Escócia, Suécia, Suíça, Estados Unidos e Iugoslávia (NASCIMENTO, 2011, P.38)

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Neste sentido, as definições de infância foram alterando-se de acordo com os

estudos e pesquisas. Para Sarmento (2005),

a infância é independente das crianças; elas são os atores sociais concretos que em cada momento integram a categoria geracional; ora, por efeito da variação etária desses atores, a “geração”, está continuamente a ser “preenchida” e “esvaziada” dos seus elementos constitutivos concretos. (SARMENTO, 2005, p.4)

Uma década depois, em 1997, William Corsaro ratifica a tese de infância

como categoria estrutural desenvolvida por Qvortrup. Para Corsaro (2011), as

crianças, assim como os adultos, são participantes ativos na construção social da

infância, “um período socialmente construído em que as crianças vivem suas vidas,

uma forma estrutural.” Para o autor,

Quando nos referimos à infância como uma forma estrutural queremos dizer que é uma categoria ou uma parte da sociedade, como classes sociais e grupos de idade. Nesse sentido, as crianças são membros ou operadores de suas infâncias. Para as próprias crianças, a infância é um período temporário. Por outro lado, para a sociedade, a infância é uma forma estrutural permanente ou categoria que nunca desaparece, embora seus membros mudem continuamente e sua natureza e concepção variem historicamente. É um pouco difícil reconhecer a infância como uma forma estrutural porque tendemos a pensar nela exclusivamente como um período em que as crianças são preparadas para o ingresso na sociedade. Mas as crianças já são uma parte da sociedade desde o seu nascimento, assim como a infância é parte integrante da sociedade. (CORSARO, 2011, p. 15 e 16)

Nesse sentido, conceber a infância para além de uma concepção vinculada a

aspectos unicamente ligados à faixa etária10, à cronologia, a uma etapa psicológica

ou, ainda, a um tempo linear, é entendê-la como “categoria social do tipo geracional,

socialmente construída.” (SARMENTO, 2009, p. 22)

Mesmo com os avanços relacionados às concepções de infância,

principalmente a partir da sociologia da infância, ainda existe uma tendência à visão

de uma imagem universal, que naturaliza a infância e enxerga as crianças como as

que não sabem, não entendem. Em nossas falas e comportamentos, consideramo-

las incapazes de “compreender as complexas questões humanas.” Assim, julgamos

que, por exemplo, uma criança não é capaz de “assumir compromissos e

10 Segundo Kuhlmann Junior (1998, p. 16), nos dicionários da língua portuguesa, a infância é considerada como período de crescimento no ser humano e vai até a puberdade. Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13/07/90), criança é a pessoa até os 12 anos. Etimologicamente, infância, originária do latim, significa a incapacidade de falar, e essa incapacidade era atribuída ao período que se chama primeira infância, e às vezes era vista como se estendendo até os 7 anos, que representariam a passagem para a idade da razão.

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combinados. Que não pode, “por incapacidade fundante, engajar-se em discussões

abstratas e complexas.” (COLINVAUX, 2009, p. 47)

No entanto, Sarmento (2004) apresenta a concepção que acredito e defendo

nesta dissertação. Reconhece as crianças como atores sociais, com capacidade de

produção simbólica e constituição de suas representações e crenças. Deste modo,

chama a atenção para as produções culturais das crianças. Afirma que a criança

tem de ser compreendida como ser social, no contexto, nas relações/interações com

os seus pares.

Como sujeitos sociais, elas são “capazes de produzir mudanças nos sistemas

nas quais estão inseridas, ou seja, as forças políticas, sociais e econômicas

influenciam suas vidas ao mesmo tempo em que as crianças influenciam o cenário

social, político e cultural” (NASCIMENTO, 2011, p. 41)

Assim, a criança, que se torna sujeito de um processo, passa a ter e a fazer

história, mesmo concebida e tratada diferentemente pela sociedade e em distintos

momentos e lugares da história humana,

[...], portanto, a concepção de criança e infância na qual acreditamos é a de que ela é um ser histórico, social e político, que encontra nos outros, parâmetros e informações que lhe permitem formular, questionar, construir e reconstruir espaços que a cercam. Apostamos numa concepção que não se fixa num único modelo, que está aberta à diversidade e à multiplicidade que são próprias do ser humano (KRAMER, 1999, p. 277).

Assim, a infância e as crianças precisam ser “encaradas na sua alteridade e

pelo valor que tem em si mesmas, pelo que as constitui no tempo presente, pelo que

lhes é específico, e não pelo que se espera ou se projeta para elas.” (BORBA, 2009,

p. 102). Portanto, há um dilema, uma contradição a ser ultrapassada:

de um lado, a criança como um ser pleno, potente, inteiro, cujas vozes e ação, devem, por isso mesmo, ser reconhecidas e respeitadas e, de outro, práticas adultas e institucionais que negam esta mesma completude e capacidade de estar no mundo, (re)afirmando as crianças como sujeitos da falta. (COLINVAUX, 2009, p. 45)

Finalizo esta seção fundamentando-me na concepção de criança capaz, que

tenha voz e vez, onde suas expectativas e necessidades precisam ser consideradas

relevantes, pois segundo Mello (2000), se as concepções que temos são essenciais

na definição do modo que atuamos, parece que temos aí uma forte razão para

refletir sobre como nós educadores percebemos a criança, como entendemos suas

possibilidades e capacidades.

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3. “PODE SER ASSIM, MAS PODE SER ASSIM TAMBÉM!” – trajetória teórico-

metodológica

Cuidado com gente que não tem dúvida. Gente que não tem

dúvida não é capaz de inovar, de reinventar, não é capaz de

fazer de outro modo. Gente que não tem dúvida só é capaz

de repetir.

Mario Sergio Cortella11

Quando me desafiei a realizar pesquisa com crianças, confesso que as

dúvidas sufocavam minhas ‘certezas’. Mas a mesma dúvida que me incomodou em

vários momentos, abriu pequenas trilhas pelas quais fui caminhando.

De acordo com Campos (2008) a participação da criança na pesquisa não é

algo novo. Para a autora, o que talvez possa ser considerada como tendência

recente “seja o debate sobre a condição em que a criança toma parte na

investigação científica.” (CAMPOS, 2008, p. 36).

De fato, este cenário desafia qualquer pesquisador (a), pois ao invés de

“pesquisar a criança, com o intuito de conhecê-la, o objetivo passa a ser pesquisar

com a criança as experiências sociais e culturais que ela compartilha com as outras

pessoas de seu ambiente, colocando-a como parceira do adulto-pesquisador, na

busca de permanente e mais profunda compreensão da experiência humana.”

(JOBIM E SOUZA;CASTRO, 2008, p. 52)

A frase inicial do título dessa seção foi de João. Em um dos momentos de

brincadeira em que utilizam bambolês, perguntei a Joelma como se brincava com

aquilo. E ela demonstrou tentando girá-lo na cintura. No mesmo instante, João

intervém e começa a girar o bambolê no braço e diz: “pode ser assim; mas pode ser

assim também”.

Nesse sentido, foi preciso ressignificar vários aspectos teórico-metodológicos

da pesquisa, uma vez que “as vozes privilegiadas nas investigações científicas ainda

são as dos adultos e não as das crianças.” (KRAMER; SANTOS, 2011, p. 24)

O pesquisador que pretende pesquisar com crianças, precisa

11 Mario Sergio Cortella (1954) é um filósofo, escritor e professor paranaense. É graduado em Filosofia pela Faculdade Nossa Senhora de Medianeira, mestre e doutor em Educação pela PUC-SP. É o criador da série de livros "O que a vida me ensinou". Ex-monge, a espiritualidade está sempre presente em sua obra.

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romper com as amarras que o colocam em três perspectivas possíveis: adultocêntrica, que o impede de perceber a criança como centro do processo de pesquisa e com as memórias e lembranças que o impossibilitam de olhar as crianças no presente; infantocêntrica, que o impede de perceber que as crianças interagem com crianças e adultos; e uniformismo, que o impede de considerar a diversidade dos grupos infantis. (KRAMER; SANTOS, 2011, p. 26)

Desse modo, a vigilância epistemológica e metodológica deve ser constante,

visando ressignificar os papéis sociais que foram sendo ocupados por adultos e

crianças ao longo dos anos no contexto da pesquisa.

3.1 Os percursos éticos Legitimar o saber infantil e trazer a voz da criança para o centro de uma

pesquisa pressupõe, não apenas desafios teórico-metodológicos, mas também

desafios relacionados aos aspectos éticos.

Conforme Campos (2008), antes de iniciar a pesquisa com crianças, é preciso

considerar o consentimento e autorização das instituições envolvidas com o tema da

pesquisa e dos adultos responsáveis para que possíveis dificuldades sejam

identificadas e superadas.

Assim, tendo em vista o cumprimento dos aspectos éticos, submeti o Projeto

de Pesquisa ao Comitê de Ética, cadastrando-o no site da Plataforma Brasil. A

Plataforma encaminhou o Projeto à Fundação Pública Hospital de Clínicas Gaspar

Vianna, localizado na Trav. Alferes Costa, s/n, Bairro da Pedreira em Belém-pa.

Após análise, a FHCGV concedeu parecer favorável à realização da pesquisa, como

consta no ANEXO 1.

Com a aprovação do projeto por parte do Comitê de Ética, encaminhei ofício a

Secretaria Municipal de Educação de Belém - SEMEC, solicitando autorização, a

qual também concedeu parecer favorável, emitindo declaração que posteriormente

foi entregue a Coordenadora da UEI. (ANEXO 2)

Por conseguinte, era o momento de ir a campo e pedir a penúltima

autorização, que era a dos pais e responsáveis. Apresentei-me à Coordenadora da

UEI e dois dias depois foi realizada uma reunião com os pais onde explicitei a

pesquisa e entreguei o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo em vista

a assinatura ou não dos pais e responsáveis. (APÊNDICE A)

Após a reunião, alguns pais e responsáveis me procuraram pra que eu

esclarecesse melhor a pesquisa. Foi gratificante saber que teria o apoio deles,

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mesmo apresentando dúvidas como: Mas professora, será que eles vão conseguir

responder as coisas aí pra senhora? Apesar de não ser tão otimista, naquele

momento respondi afirmativa e convictamente que sim. Era preciso acreditar no

desafio que havia me movido até ali.

Finalmente, o último consentimento era fundamental: o das crianças.

Concernente à pesquisa em que as crianças ocupam relevante papel,

o impasse é: a quem pedir o consentimento para realizar a pesquisa? O dos pais basta? E as crianças não precisam consentir ou exprimir sua recusa a participar das pesquisas? Se buscarmos construir procedimentos de pesquisas que atribuem às crianças a condição de sujeitos sociais, [...] elas não deveriam ser consultadas para a realização das pesquisas? (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010, p. 25)

Compreender que as crianças precisam ser consultadas sobre o desejo de

participar ou não de uma pesquisa, torna o pesquisador comprometido em ouvir e

respeitar as crianças, pois precisará colocar-se no “ponto de vista da criança e ver o

mundo com os olhos das crianças”, no sentido de descentralizar “seu olhar de adulto

para poder entender, pela fala das crianças, os mundos sociais e culturais da

infância,” (SILVA; BARBOSA; KRAMER, 2008, p. 91)

As crianças são muito perceptivas, e desde os primeiros dias em campo,

antes de iniciar as entrevistas lúdicas, já tinham notado minha presença na UEI,

inclusive algumas já haviam trocado palavras comigo. Outras, somente olhares

desconfiados e curiosos.

A professora do turno da manhã pediu que as crianças escutassem a “Tia

Débora”. Na verdade eu não sabia por onde começar, então apresentei-me

novamente, e fiz a tradicional pergunta: Tudo bem com vocês crianças? A resposta

foram gestos com a cabeça e alguns tímidos ‘sim’. Expliquei a elas que eu também

estudava e que estava fazendo um trabalho. E nesse trabalho, continuei, eu gostaria

de ouvir e observar vocês, o que fazem, onde e quando brincam. Vou precisar tirar

algumas fotografias. Pode ser? Uma olhou para a outra e depois pra mim, e alguns

balançaram a cabeça dizendo que sim.

3.2 Caracterização do locus da pesquisa

O lócus desta pesquisa é uma Unidade de Educação Infantil – UEI, vinculada

a Secretaria Municipal de Educação de Belém - SEMEC, situada na Rodovia Arthur

Bernardes, Passagem Jhon Engelhard, nº 262, no Bairro da Pratinha II em Belém –

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PA. A UEI possui 75 (setenta e cinco) crianças matriculadas em turmas de Maternal

II (03 anos) e Jardim I (04 e 05 anos), em atendimento integral, no horário de

7h:30min às 18h:30min. A Foto 01 apresenta a fachada da UEI e a Foto 02 mostra o

corredor de entrada e acesso a UEI e o pátio:

Foto 01: Fachada da UEI

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Foto 02: Corredor de entrada e acesso a UEI e pátio

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

A UEI funciona em um espaço adaptado, uma vez que trata-se de um imóvel

residencial alugado para a Prefeitura de Belém. Em estrutura de alvenaria, possui

um hall de entrada e um pequeno pátio. Adentrando a UEI, há um espaço aberto

utilizado como brinquedoteca e atividades afins. Na extensão deste espaço, funciona

o refeitório. A foto 03 mostra a brinquedoteca e a Foto 04 o espaço onde funciona o

refeitório.

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Foto 03: Brinquedoteca

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Foto 04: Refeitório

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Os espaços que ficam no entorno do refeitório são: 03 (três) salas de aulas, a

sala da coordenação, 01 (um) banheiro, 01 (uma) cozinha, 02 (dois) depósitos,

sendo 01(um) próximo a cozinha, utilizado para armazenamento de alimentos e 01

(um) para armazenamento de materiais de limpeza, 01 (um) banheiro para uso dos

funcionários e 01 (uma) área de serviço. A imagem 02 explicita a descrição da

estrutura física da UEI e a Foto 05 mostra a sala de aula.

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Imagem 02 : Estrutura física da UEI

Fonte: Arquivo elaborado por Débora Nascimento a partir de pesquisa de campo, 2015

Como já mencionado e evidenciado na Imagem 02, a UEI funciona em um

espaço adaptado, que apesar de não ter sido projetado e construído para tal fim,

busca atender às necessidades locais de Educação Infantil do Bairro Pratinha II,

principalmente de crianças carentes.

Foto 05: Sala de aula

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

A Foto 05 apresenta a sala de aula vista de dois ângulos, nota-se que as

mesas e cadeiras estão adequadas ao tamanho das crianças. Trata-se de um

ambiente claro, pois possui uma grande janela e 02 (dois) ventiladores de parede.

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Além dos compartimentos que compõem a estrutura da residência, ilustrados

anteriormente, o imóvel conta com uma área externa bem ampla e arborizada,

conforme Foto 6, na qual são desenvolvidas atividades livres e dirigidas,

programações sócio-culturais e recreativas, entre outras.

Foto 06: Parte da área externa da UEI

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Vale ressaltar que a UEI é privilegiada por ter este espaço onde as crianças

podem brincar ao ar livre, além de respirar ar puro. O imóvel também conta com

caixa d’água e poço do tipo artesiano. A área externa possui ainda 01 (um)

chuveródromo e 01(um) escovódromo, locais em que as crianças tomam banho e

realizam escovação dos dentes, conforme Fotos 07 e 08, respectivamente.

Foto 07: Chuveródromo

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

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Foto 08: Escovódromo

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Na parte dos fundos do imóvel, há um espaço que em anos anteriores

funcionava uma sala de aula, mas em virtude de goteiras e falta de manutenção, a

deterioração tomou conta do local, e atualmente é utilizado para breves reuniões e

depósito de alguns móveis e materiais diversos, ilustrado na Foto 09 a seguir:

Foto 09: Espaço para breves reuniões e depósito de materiais e móveis

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Infelizmente, acredito que trata-se de um descaso e um desperdício de

espaço, visto que mais uma turma poderia funcionar e mais crianças serem

atendidas, já que o Projeto Político Pedagógico da UEI aponta que a demanda é

grande, inclusive há uma lista de espera para novos alunos, caso alguma criança

matriculada desista da vaga.

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3.3 Os sujeitos da pesquisa

Os sujeitos desta pesquisa foram 23 crianças, sendo 10 (dez) meninas e 13

(treze) meninos, regularmente matriculadas no Jardim I na faixa etária de 04 (quatro)

e 05 (cinco) anos. As crianças matriculadas na UEI são oriundas, principalmente, do

Bairro Pratinha II, localizado na periferia da capital paraense. A situação sócio-

econômica das famílias é na maioria mantida pelas mães, e pelo auxílio federal

Bolsa Família.

A escolha por essas crianças justifica-se devido sua permanência por mais

tempo na UEI. Pelo fato de freqüentarem a Educação Infantil desde o ano anterior a

pesquisa, elas têm mais vivência quanto aos tempos e espaços do brincar na

Unidade. Ano após ano se passa e as crianças não são ouvidas a respeito do

contexto educacional que pertencem. Para Campos (2008), a “necessidade de

captar a visão das crianças é urgente, pois é a partir de suas vozes que medidas de

proteção e de atendimento mais prementes serão tomadas pelas equipes de

intervenção externas.” (CAMPOS, 2008, p.37)

Foi surpreendente perceber que desde as minhas primeiras visitas à UEI,

várias delas se mostraram falantes, receptivas, conversando comigo e fazendo-me

algumas perguntas do tipo: Ei tia, como é teu nome? Tu num vai dormir não? Tu

nem veio amanhã né?12

E a partir das minhas respostas e das respostas delas, começávamos um

diálogo de descobertas e com o passar dos dias fomos, naturalmente,

estabelecendo uma relação de afeto e confiança.

Vale ressaltar, que a participação das crianças não foi imposta, já que a

obrigatoriedade por si só, contrariaria a concepção de criança que move os que

pesquisam com crianças, dos que a percebem como “depoente privilegiado” e que é

“capaz, competente, ativa, cidadã de pouca idade.” (LEITE, 2008, p.123).

De acordo com Leite (2008), as relações estabelecidas junto às crianças, são

inevitáveis, não podemos negar que elas dependem de nós, adultos. Mas é possível

estabelecer ações centradas na opção, na vontade delas em querer participar da

pesquisa. A autora acrescenta que

pesquisar crianças sem que elas assim o desejem é manter uma estrutura de poder e distanciamento que não as emancipa do papel de objeto de estudo; que as mantém sob a égide do adulto-que-manda versus a criança-

12 A criança percebeu que eu não tinha comparecido no dia anterior.

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que-obedece. Portanto, centrar-se no querer da criança, por si só, já marca uma mudança nas relações social e culturalmente estabelecidas entre adulto-criança na contemporaneidade. (LEITE, 2008, p.123).

Assim, foi necessário conversar com alguns pais que ainda não haviam

assinado o TCLE, e a criança estava querendo participar da pesquisa. Tendo em

vista resguardar a identidade das crianças, os seus nomes apresentados ao longo

desta dissertação são fictícios.

Para Kramer (2002), as alternativas como usar números ou primeiras letras

do nome para nomear as crianças na pesquisa desconsidera sua identidade e sua

condição de sujeito. Outrossim, “expor seus nomes significa expô-las a qualquer tipo

de risco.” (LEITE, 2008, p. 136). Desse modo, foi oportunizado uma Oficina com

fantoches para que elas escolhessem nomes que elas gostavam ou apelidos para

substituir seus nomes.

Com grupos de no máximo 07 (sete) crianças, saímos da sala de aula e

fomos para a Brinquedoteca. Era o momento de escolherem outros nomes para

designar a si próprias. De acordo com Rocha (2008), é fundamental o “cruzamento

de procedimentos de escuta utilizando diferentes suportes expressivos em

momentos diversos”, pois a partir disso, o(a) pesquisador(a) pode estabelecer um

tipo de “relação que amenize o constrangimento advindo do poder inerente às

relações geracionais e educativas.” (ROCHA, 2008, p. 45)

Ao chegarmos à brinquedoteca a euforia tomou conta delas. Queriam brincar

com vários brinquedos que estavam dispostos nas prateleiras e estantes baixas.

Reuni-as e perguntei se eles gostavam de ouvir histórias, e elas (crianças)

entusiasmadas disseram que sim.

Então, me aproximei do Teatro de fantoches13 e contei-lhes a história da

Girafa Bibi14, conforme ilustrado na Foto 10:

13 Estrutura de Madeira, com abertura central, fechada por uma pequena cortina de tecido. 14 História fictícia criada por mim para poder dialogar com as crianças sobre os nomes fictícios que dariam a si próprios.

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Foto 10: Contação de história com fantoche

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Ao término da contação da história, as crianças escolheram fantoches, dentre

vários que havia dispostos atrás do Teatro de fantoches. Combinamos que cada

uma falaria o que quisesse. Poderiam cantar uma música ou uma história, mas pedi

que dessem um nome para o seu fantoche.

Eu expliquei a elas (as crianças) que no trabalho que eu estava fazendo não

poderia colocar o nome deles de verdade15, assim elas estavam livres para escolher

outros nomes para si.

Confesso que a princípio este momento foi desafiador, isto porque o

“pesquisador, durante o processo de pesquisa, é alguém que está em processo de

aprendizagem, de transformações.” E nesse processo de aprendizagem, não sabia

se conseguiria realizar o que tinha sido planejado. (FREITAS, 2002, p.26 apud

LEITE, 2008, p.134)

Eu acreditava na capacidade das crianças, mas tinha receios se iriam

expressar-se, tanto pelo fato de ser pequenas, quanto pela questão de que muitas

vezes são silenciadas, e, portanto, tivessem ‘medo’ de falar o que realmente

sentiam, o que pensavam. Para Ferreira (2009), o reconhecimento

das diferentes capacidades e competências das crianças e recurso a variadas estratégias de comunicação com elas, facilitadora da expressão dos talentos que possuem, visa fundamentalmente garantir a sua participação mais ativa no processo de pesquisa. (FERREIRA, 2009, p. 150)

15 Utilizei esta expressão com receio que eles não compreendessem o sentido da palavra fictício.

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Assim, mesmo com uma timidez inicial, as crianças quiseram participar do

momento. Todas queriam ir para trás do Teatro de Fantoche. Então expliquei a elas

que cada um teria a sua vez e que daquela forma não conseguiríamos ouvir o que o

colega estava falando. Aos poucos a escuta foi sendo estabelecida. A Foto 11

evidencia o momento em que os fantoches estavam sendo manuseados pelas

crianças.

Foto 11: Manuseio de fantoche pelas crianças

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Embora o faz-de-conta encante a maioria das crianças, alguns tiveram

dificuldades quanto a questão de escolher um nome, e foram auxiliados com

sugestões dadas por mim e pelos colegas.

Sousa (2008) acredita que uma “tentativa de romper com a concepção

dominante, que vê a criança como o infant, ou seja, “aquele que não tem fala”, para

colocá-la no lugar de protagonista, em defesa de seu status de sujeito de direitos”, é

investigar, é escutar os “sentidos e significados que as crianças atribuem a diversos

fenômenos da sua vivência cotidiana na contemporaneidade.” (SOUSA, 2008, p.

175)

Sobre esta questão, Rocha (2008) acrescenta que

em primeiro lugar, faz-se necessário ampliar a abrangência dos termos ouvir ou escutar, para ir um pouco além. A simples busca de uma ampliação do sentido semântico indica que o termo escuta não é apenas uma mera percepção auditiva nem simples recepção da informação – envolve a compreensão da comunicação feita pelo outro. Inclui a recepção e a compreensão, que, principalmente neste caso – o da escuta da criança pelo adulto - sempre passará por uma interpretação. Tal análise da expressão oral do outro/criança orienta-se pelas próprias intenções colocadas nessa relação comunicativa – lembrando que, quando o outro é uma criança, a

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linguagem oral não é central nem única, mas fortemente acompanhada de outras expressões corporais, gestuais e faciais (ROCHA, 2008, p. 44-45)

Assim, após escutá-las, organizei no Quadro 05, os nomes escolhidos por

elas e que serão utilizados no decorrer desta dissertação:

Quadro 5 – Nomes Fictícios

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2015.

Os nomes escolhidos pelas crianças revelam seus gostos, pois a maioria das

crianças escolheu um nome que achava bonito ou que gostaria de ter. Outros

demonstraram sua interação com a mídia (Elza, protagonista do filme Frozen), com

o futebol (Paysandu e Neymar), com a música (cantora Joelma). Apenas 03 (três)

crianças quiseram como seus nomes o personagem do fantoche que escolheram

(flor, tubarão e tucano).

Não basta reconhecermos as crianças como sujeitos. “É preciso que se adote

uma concepção de pesquisa em que elas sejam compreendidas como atores

sociais, protagonistas e repórteres competentes das suas próprias experiências e

entendimentos.” (FERREIRA, 2009, p. 149)

16 Dados obtidos a partir da ficha de cadastro das crianças

Nº Nomes Fictícios das crianças Sexo Data de nascimento16

1. Joelma Feminino 09/02/2011 2. Neymar Masculino 20/05/2010 3. Joana Feminino 03/08/2010 4. Mateus Masculino 22/03/2011 5. Bel Feminino 10/10/2010 6. Caio Masculino 11/02/2011 7. Mariana Feminino 25/06/2010 8. Branca de Neve Feminino 01/07/2010 9. Paty Feminino 12/09/2010 10. Tião Masculino 21/02/2011 11. Bil Masculino 23/03/2011 12. Elza Feminino 08/07/2010 13. Maria Feminino 09/06/2010 14. Paysandu Masculino 27/12/2010 15. João Masculino 28/05/2010 16. Meg Feminino 23/11/2010 17. Kauã Masculino 03/12/2010 18. Pedro Masculino 09/09/2010 19. Tubarão Masculino 24/03/2011 20. Flor Feminino 01/05/2010 21. José Masculino 03/05/2010 22. Kaká Masculino 17/07/2010 23. Tucano Masculino 03/08/2010

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3.4 Os procedimentos para geração dos dados17 A complexidade do papel do pesquisador em estabelecer interações e

relações com crianças, requer dele criatividade em definir e se necessário redefinir

os procedimentos metodológicos. Segundo Sarmento (2004), o poder imaginativo do

pesquisador precisa entrar em ação caso seja necessário adaptar seus instrumentos

e explorar elementos a partir do imprevisível.

Na medida em que os aspectos legais da pesquisa estavam assegurados, os

procedimentos para a geração dos dados realizados foram: o levantamento

bibliográfico referente às categorias abordadas ao longo da pesquisa, foi realizado

antes e no decorrer da escrita deste trabalho, tendo em vista fundamentar

teoricamente os dados apresentados, bem como a observação participante, diário

de campo, entrevistas lúdicas e registros fotográficos.

Nos primeiros dias na UEI, a observação ocupou lugar de destaque. Foi o

momento de conhecer os ambientes, horário de cada atividade, perceber as

interações entre as crianças e com os adultos, suas atitudes, o choro de algumas no

momento de entrada, seus brincares e preferências.

Além disso, ao observar pude ver e ouvir. Ver no sentido de “observar,

construir o olhar, captar e procurar entender, reeducar o olho e a técnica. E ouvir

objetivando “escutar o que foi dito e o não dito, valorizar a narrativa, entender a

história.” Assim, ver e ouvir “são cruciais para que se possa compreender gestos,

discursos e ações.” (SILVA; BARBOSA; KRAMER, 2008, p.86)

É essencial “conhecer as crianças a partir delas mesmas, ou seja, efetuar um

exercício de observação, percepção, penetração, participação e interação no aqui e

agora delas.” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010, p. 13).

As observações foram norteadas por um Roteiro (ANEXO B) que visava

responder aos objetivos da pesquisa, sendo realizadas em todos os espaços e

durante as atividades feitas pelas crianças, tanto na área interna quanto na externa.

A observação participante possibilita que os adultos adentrem ao universo

infantil, ao que as “crianças pensam, fazem, sabem, falam e de como vivem,

esmiuçando suas peculiaridades e as particularidades desse grupo geracional” [...] já

que as crianças estão o tempo todo pedindo e puxando os adultos para suas

17 O termo geração de dados tem base em Graue e Walsh (2003), indicando que os dados não ‘estão por aí’ esperando que algum pesquisador os recolha, os colete, ao contrário, eles provém das relações e interações complexas estabelecidas entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados.

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brincadeiras, interações, relações, produções, experimentos e diálogos.” (MARTINS

FILHO; BARBOSA, 2010, p. 24). O episódio a seguir retrata este aspecto.

Após realizarem a atividade pedagógica, a professora distribui massinha de modelar as crianças. Percebo que elas gostam do que fazem. Interagem umas com as outras, tanto com quem está na mesma mesa, como com os que estão em outra mesa. Levantam-se e conversam sobre o que fazem a partir do uso da massinha como: rosquinhas, cobras, bolinhas, unhas de bruxa, avião. Em um dado momento sou surpreendida por Caio que me pede para fazer um boneco. Deixo a caneta e o caderno de lado e vou até a mesa que está sentado. Tão logo termino, volto às minhas observações e registros. Não demora muito, Caio desfaz o boneco. Fico refletindo, imaginando que ele não tivesse gostado do que fiz. Mas ele me surpreende outra vez, agora não pra pedir minha ajuda, mas para ensinar Mariana a fazer um boneco. Enquanto ele explicava para ela como fazer, me dei conta de que ele tinha observado minhas atitudes e repetia minhas palavras: olha, você faz primeiro uma bolinha pra ser a cabeça dele; depois tu faz um corpo assim; aí tu faz uma cobrinha pra ser o braço; outra cobrinha pra ser o outro braço; aí depois a perna dele e pronto. (Diário de Campo, 16/04/2015)

Logo, compartilho a ideia de que os pesquisadores tornam-se um Outro, que

observa e é também observado.” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010, p. 23). Por

isso, o pesquisador é orientado a “não olhar rapidamente ou pouco” mas construir

compreensões que tornem o “observador tão familiar com o que observa que seja

capaz de se representar o seu jeito de ser como se dele participasse”. (ADES, 2009,

p. 128)

Nesse sentido, as observações desta pesquisa foram realizadas no período

de 06 de abril a 12 de junho de 2015, em período integral nos dias de segunda e

quarta-feira, e nos dias de terça e quinta-feira somente no expediente da manhã por

causa das atividades de pesquisa e acadêmicas realizadas no PPGED.

Sem dúvida, a observação permitiu que eu chegasse mais perto das

perspectivas das crianças, e como ressalta Triviños (1987), pude acompanhar in

loco as suas experiências, e desse modo apreender a visão de mundo dos sujeitos,

isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias

ações.

Dessa forma, a observação estabeleceu entre mim, pesquisadora, e as

crianças pesquisadas, laços que favoreceram as “relações e o desenvolvimento de

uma participação sensível.” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010, p. 23)

Outro procedimento metodológico realizado junto às crianças foram as

entrevistas, que me refiro em alguns momenos como entrevistas lúdicas, visto que a

ludicidade foi um aspecto bem recorrente durante os diálogos, que aconteceram de

diversas formas, em vários espaços da UEI, em pequenos grupos de no máximo 5

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(cinco) crianças, com a turma toda reunida ou em momentos individuais. Realizar

entrevista com as crianças em “diversas modalidades e adaptações” se apresentou

como um “instrumento privilegiado”, visto que possibilitou a “narrativa, a expressão

de idéias, sentimentos, valores” (KARMER; SANTOS, 2011, p. 32)

Confesso que a primeira entrevista não foi animadora para mim. As crianças

dispersaram bastante, os conceitos de tempo e espaço pareciam muito abstratos

para elas. Praticamente não consegui ouvi as respostas que almejava. Sai do

campo pensativa, refletindo o que poderia ser feito para que as vozes das crianças

fossem expressas, e elas me relatassem aspectos relacionados ao tempo e aos

espaços do brincar na UEI.

As entrevistas, no contexto da pesquisa com crianças, precisam ser um

momento de diálogo, escuta e troca. Assim, “buscar formas de ouvir as crianças,

explorando as suas múltiplas linguagens, tem como pressupostos a crença de que

elas têm o que dizer, bem como o desejo de conhecer o ponto de vista delas.”

(CRUZ, 2008, p. 13)

Para Graue e Walsh (2003), realizar entrevistas aos pares ou pequenos

grupos, possibilitam discussões entre as crianças, umas vez que as perguntas feitas

pelo pesquisador podem ser alteradas. Para eles, o uso de adereços ou objetos nas

entrevistas com crianças pequenas são interessantes para que elas cheguem a

construções de seus significados.

Na realidade o meu olhar de pesquisadora precisava ajustar-se, no sentido de

construir uma metodologia que possibilitasse um encontro com o Outro (as

crianças), com a alteridade da infância. (OLIVEIRA, 2008)

Assim, fotografei todos os espaços possíveis da UEI, imprimi em tamanho A4

e levei como suporte para as entrevistas posteriores. Na realidade eu estava em

mais uma tentativa, recorrendo a outra estratégia de comunicação com as crianças,

buscando uma interação mais reveladora, que reconhecesse as diferentes

capacidades e competências delas e que facilitassem a expressão dos talentos que

possuem, visando fundamentalmente garantir a sua participação mais ativa no

processo de pesquisa. (FERREIRA, 2009)

Partindo dessa concepção, precisei buscar alternativas para “criar um espaço

de lazer, de ludicidade, de irreverência, de expressão e, nele e através dele, propor

conversas, provocar situações, instigar questões.” Assim, nas entrevistas

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posteriores, utilizei a ludicidade e objetos concretos como estratégia de

comunicação com as crianças. (LEITE, 2008, p. 131)

A Foto 12, tirada durante uma entrevista feita no pátio da UEI, deflagra que as

fotografias contribuíram para que as crianças identificassem e assim expressassem

os espaço que mais gostavam de brincar, como brincavam em cada espaço e

apontassem onde não podiam brincar, entre outras questões.

Foto 12: Entrevista utilizando fotografias

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Em outro momento de entrevista mais coletivo, fizemos uma roda na sala de

aula mesmo. Ao cantarmos uma música, um brinquedo ia passando de mão em

mão, e quando se dissesse “parou”, a criança que estivesse com o brinquedo falaria

sobre um dos questionamentos apresentados no Roteiro de Entrevista (APÊNDICE

C)

Foto 13: Entrevista coletiva em roda

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

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É muito comum durante uma entrevista “a criança dizer aquilo que identifica

como sendo o que o pesquisador esperaria/desejaria ouvir” [...] “ou, ainda mais

delicado é perceber que as crianças temem dizer certas coisas que podem voltar

contra elas.” (LEITE, 2008, p. 124-125)

Por isso, autores como Graue e Walsh (2003) e Sarmento (2004) destacam

que sejam realizadas entrevistas informais e outras mais formais, aproveitando os

instrumentos construídos no campo de investigação e sugerem perguntas de fácil

entendimentos e não proposicionais, pois muitas vezes as crianças resistem e são

capazes de inventar respostas.

As fotografias foram utilizadas em vários momentos na pesquisa de campo.

Foram utilizadas como suporte em algumas entrevistas, como já mencionado, foram

utilizadas para registrar situações de brincadeira das crianças em vários momentos e

espaços da UEI.

3.5 O processo de análise

A análise de dados qualitativos exige do pesquisador o trabalho com todo

material gerado em todo percurso da pesquisa, “envolvendo os relatos das

observações, as transcrições das entrevistas, os documentos pesquisados, as

leituras bibliográficas realizadas, entre outros.” (OLIVEIRA; MOTA NETO, 2009, p.

163)

Nesta pesquisa, os dados gerados por meio de observações e entrevistas

feitas com crianças de uma UEI sobre o tempo e os espaços do brincar, foram

analisados a partir de algumas etapas da Análise de Conteúdo, como:

Conforme Bardin (2011), a análise de conteúdo é um “conjunto de técnicas de

análise das comunicações”. Para a autora, não se trata de um instrumento, mas de

técnicas que podem ser “reinventadas a cada momento.” (BARDIN, 2011, p. 37)

Assim, a análise de conteúdo compreende processos de análise pautados em

uma concepção de ciência que concebe os sujeitos da pesquisa como componentes

ativos dentro de uma dada realidade ou contexto, os quais estão inseridos. E por

isso, acrescenta Franco (2003), que todas as mensagens expressam

representações sociais na qualidade de elaborações mentais construídas

socialmente, a partir da dinâmica estabelecida entre a atividade psíquica do sujeito e

o objeto do conhecimento.

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Nesta perspectiva, compreendo que mesmo as crianças sendo sujeitos de

pouca experiência, possuem representações sobre determinadas questões,

principalmente aspectos relacionados aos seus cotidianos.

Após as transcrições das entrevistas e a digitação dos registros provenientes

das observações, os dados foram organizados por meio da categorização. “A

maioria dos procedimentos de análise organiza-se em torno de um processo de

categorização” entendido como “uma operação de classificação de elementos

constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento

segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos.” (BARDIN, 2011,

p. 147)

Os autores Bogdan; Biklen (1994), exemplificam este processo de

sistematização dos dados:

Imagine-se num grande ginásio com milhares de brinquedos espalhados pelo chão. Foi incumbido de os arrumar em pilhas de acordo com um esquema que terá de desenvolver. Passeia-se pelo ginásio, olhando para os brinquedos, pegando neles e examinando-os. Há várias maneiras de arrumá-los em montes. Pode organizá-los por tamanhos, cores, país de origem, data de fabricação, fabricante, materiais que são feitos, tipo de brincadeiras que sugerem, grupo etário a que se destinam ou, ainda, pelo fato de representarem seres vivos ou objetos inanimados. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 221)

A categorização é aqui entendida como instrumento que “viabiliza a

organização dos dados, a articulação entre o referencial teórico e a descrição dos

fatos, a interpretação e a descrição do fenômeno estudado e a elaboração de novas

categorias.” (OLIVEIRA; MOTA NETO, 2011, p 165)

Este processo foi construído a partir de categorias analíticas e categorias

temáticas. Categorias analíticas compreendidas como “conceitos retirados do

referencial teórico” e categorias temáticas que “constituem fatores, aspectos,

elementos do fato ou situações em estudo que são classificadas e reunidas em

eixos ou unidades temáticas a partir e com os dados” gerados. Estas podem ser

“organizadas a partir de palavras-chave, de ideias fundantes ou de temas que

aglutinam determinadas informações.” (OLIVEIRA; MOTA NETO, 2011, p. 164 e

165)

Vale ressaltar que a categorização, não finaliza ou esgota o processo de

análise em uma pesquisa. É necessário “que o pesquisador ultrapasse a mera

descrição, buscando estabelecer conexões, relações que possibilitem novas

explicações e interpretações.” (OLIVEIRA; MOTA NETO, 2011, p. 165)

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Desse modo, a proposta de análise desta pesquisa vai além de descrever os

dados da pesquisa de campo e do referencial teórico. Visa desvelar “mensagens

implícitas, dimensões contraditórias e temas sistematicamente ‘silenciados’.”

(LÜDKE; ANDRÉ, 1986, apud OLIVEIRA; MOTA NETO, 2011, p. 165)

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4. “EU...? EU GOSTO DE BRINCAR DE TUDO”: por tempos de descobertas e

espaços de possibilidades na Educação Infantil

A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar

o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê.

Arthur Schopenhauer

Nos dias atuais, o brincar tem se configurado por diversas formas, como em

jogos em que a pessoa “brinca sozinha” ao interagir com recursos tecnológicos, ou

nas brincadeiras tradicionais que tem se perpetuado ao longo dos anos. De qualquer

forma, brincar se apresenta como essencial para adultos e crianças, se bem que

estas são vistas com mais freqüência em situações de brincadeiras.

A compreensão que nós adultos temos sobre o brincar, muitas vezes se

caracteriza de forma diferente da compreensão da criança. Na realidade, o brincar

traz à tona a criança que há dentro de nós, pois no ato de brincar

o ser humano se mostra em sua essência, sem sabê-lo, de forma inconsciente. O brincante troca, socializa, coopera e compete, ganha e perde. Emociona-se, grita, chora, ri, perde a paciência, fica ansioso, aliviado [...] imita, medita, sonha, imagina. Seus desejos e seus medos transformam-se, naquele segundo, em realidade. [...] Erra, acerta. Põe em jogo seu corpo inteiro: suas habilidades motoras e de movimento veem-se desafiadas. (FRIEDMANN, 2005, p.88)

O brincar possibilita que sejamos nós mesmos, nos convida ao lado leve da

vida, momentos sem máscaras ou peso na consciência. Por isso, Joelma ao ser

perguntada sobre o que gostava de brincar, me respondeu espontaneamente:

“Eu...? Eu gosto de brincar de tudo” revelando as expressões que, em alguns casos,

utilizamos: “ Esse menino só quer saber de brincar.” A fala da criança também

aponta que o brincar e o brinquedo são para ela tão necessários quanto o ar ou a

comida. (FERLAND, 2006)

As discussões a serem abordadas nesta seção iniciam com breves definições

das categorias fundantes desta pesquisa que são tempo e espaço, as quais

defenderemos ao longo desta dissertação. Em seguida serão apresentadas análises

da pesquisa provenientes de algumas questões contidas no roteiro de entrevista e

no roteiro de observação realizado junto às crianças, tais como: a rotina da UEI, os

brinquedos, as brincadeiras das crianças, as quais foram subsidiadas por

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contribuições teóricas de autores e autoras como Barbosa (2006), Vigotski (2009),

Kishimoto (1997), Brougère (2008), entre outros.

4.1 Tempo e espaço: breves definições

O tempo O despertador é um objeto abjeto Nele mora o Tempo. O Tempo não pode viver sem nós, para não parar E todas as manhãs nos chama freneticamente como um velho paralítico a tocar a campainha atroz. Nós é que vamos empurrando, dia a dia, sua cadeira de rodas. Nós os seus escravos. Só os poetas os amantes os bêbados podem fugir por instantes ao Velho... Mas que raiva impotente dá no Velho quando encontra crianças a brincar de roda e não há outro jeito senão desviar delas as suas cadeiras de roda! Porque elas, simplesmente, o ignoram... (Mario Quintana, 1995)

Sobre essa abordagem apresentada no poema em que o relógio é concebido

como um instrumento regulador do tempo. Para Elias (1998) e Viñao Frago;

Escolano (2003), o relógio é destacado como um artefato pelo qual os grupos

humanos comunicam o tempo a cada um dos seus membros individuais,

possibilitando regular seus comportamentos. Assim, o relógio “seria um mecanismo

físico, que trabalha sob uma variável que o homem chama inocentemente de tempo,

pois esses instrumentos ocupam um lugar eletivo, dentre os dispositivos destinados

a representar o tempo, mas não são o tempo.” (ELIAS, 1998, p. 15).

Diante desse impasse, surge o questionamento: “então, o que é o tempo? Se

o tempo que marca o relógio não é o mesmo que marca nosso coração e nosso

pensamento? O que é o tempo se o tempo dentro de cada um é diferente do tempo

de fora?” (GUTTMANN, 2004, p. 17-18)

De acordo com Pino (2005), ao utilizar a linguagem, o homem comum parece

“fazer do tempo o depositário de todos os sentimentos que as experiências vividas

despertam nele” em frases tais como:

“Tempos bons aqueles!”, diz, com saudade do que já acabou; “Anos difíceis”, suspira, com um misto de alívio e dor; “O tempo passou tão rápido!”, lamenta, pensando na fugacidade da felicidade; “Tempo perdido!”, sussurra com ar de decepção pelo sonho que não se realizou; “As horas não passam!”, repete, ansioso, à espera do que de ruim ou de bom deverá acontecer; “Não tenho tempo!”, diz, para acalmar sua ansiedade, ou para

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justificar sua omissão. O homem comum sabe que sua existência reside no tempo, mas não é o tempo, pois aquele passa, enquanto este fica. (PINO, 2005, p. 50)

Com as crianças não é diferente. Elas também utilizam o tempo em sua

linguagem em expressões como: “poxa, acabou tão rápido o tempo nesse

brinquedo”; “Meu pai tá demorando muito”; “esse carro corre rápido”. A explicação

para o fato de o tempo permear nossas ideias e vocabulário, justifica-se porque o

“tempo é uma dimensão central da experiência humana, estruturante do seu

pensamento e de sua ação” como um todo. (SIMAN, 2005, p. 110)

Conforme Barbosa (2006), vivemos uma época de uma aceleração constante

do tempo e, muitas vezes, não sabemos o exato sentido desse movimento. É o

“tempo do capital que assume sua prioridade, exercendo sua hegemonia sobre os

distintos tempos, como os da família, das escolas, das crianças, provocando, assim,

conflitos entre estes modos de ver e medir os tempos.” (BARBOSA, 2006, p. 141)

Em vista desse tempo do capital, algumas instituições “tentam aderir a um

novo tipo de marcação do tempo e de inserção do tempo do capital no da vida das

crianças.” Barbosa (2006) exemplifica este aspecto afirmando que

um dos exemplos mais flagrantes na Educação Infantil pode ser visto com a antecipação, com a aceleração que incentiva as crianças pequenas a iniciar com determinadas atividades cada vez mais cedo, antes de e, se possível, cada vez mais rápido, para que adquiram um maior número de habilidades para competir no mercado. As escolas infantis submetem-se cada vez mais a uma agenda de atividades adultas: informática, inglês, judô, balé, horário de matemática, música, português, etc., pautadas pela competição, qualificação para o trabalho, etc. (BARBOSA, 2006, p. 141)

Certamente não é uma tarefa fácil falar sobre o tempo, principalmente quando

queremos pensar nas práticas vividas na educação infantil. As definições são

diversas, e quase sempre apontam para dicotomias: tempo físico e tempo social

(Elias, 1998); tempo pensado e tempo vivido (Jönsson, 2004); tempo da ordem e

tempo do caos (Buss-Simão, 2012); tempo subjetivo e tempo institucional; tempo

qualitativo e tempo quantitativo; entre outros, inclusive tempo imposto e tempo

oposto, categorias construídas a partir das leituras teóricas e dados da pesquisa de

campo as quais utilizo ao longo desta dissertação. No entanto, mesmo que

“culturalmente tenhamos definido diversas maneiras de medi-lo e administrá-lo, cada

um de nós tem uma experiência única com o tempo.” (NASCIMENTO, 2008, p. 3)

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Em Kohan (2004), as perspectivas apresentadas com relação ao tempo me

pareceram bastante apropriadas. O autor apresenta interpretações para os tempos

chrónos, kaiós e aións.

O tempo chrónos constitui a soma entre passado, presente, futuro. Um tempo

que não para; um tempo objetivo que gera limitações; um tempo que permite

planejar; um tempo igual para todos, ou seja, designa a continuidade de um tempo

sucessivo. O tempo kairós é o tempo das oportunidades. Configura-se como os

momentos que emergem, cabendo ao ser humano experienciá-lo, momentos tais

como: comer, dormir, falar, calar, brincar, trabalhar, isto é, há um momento para tudo

na vida. O tempo aión é a duração do tempo da vida humana, é a experiência, diz

respeito à intensidade do tempo da vida. É o tempo da manifestação subjetiva no

tempo chrónos. (KOHAN, 2004).

De acordo com Oliveira (2012), fundamentada em Kohan, a infância não lida

bem com a cronologia. De fato, é preciso que se estabeleça com a infância uma

relação aiónica e que essa “relação com a infância seja menos cronológica,

buscando-se uma relação brincante com o mundo.” (OLIVEIRA, 2012, p. 112)

Especialmente a escola é o reino absoluto de khrónos: horas, dias, períodos, semestres, anos escolares, todo é medido por khrónos. O que resta para aión na escola? Muito pouco, se alguma coisa. As crianças devem fornecer as respostas oportunas (kairós!) e necessárias para uma vida produtiva e eficiente; é preciso aproveitar o tempo, otimizar a informação, tornar as estratégias mais eficientes. Assim, com a sua finalidade pervertida, o sistema contemporâneo destrói a escola que já não pode mais preservar a infância na infância, a lembrança do outro esquecido, do que para o sistema é preciso esquecer, nos que estão mais próximos do nascimento. (KOHAN, 2010, p. 202-203).

Assim, “diante da “ciranda de “trabalhinhos” e joguinhos” que consomem

vorazmente o tempo nas instituições de Educação Infantil,” as crianças precisam

encontrar rotas de fuga tendo em vista o brincar. Concernente a esta dissertação,

os tempos impostos estão relacionados ao tempo chrónos e kairós. Já os tempos

opostos, o tempo próprio da criança quando se apropria do brincar, poderíamos

designá-lo como aión, pois vincula-se a experiência e a intensidade de como se vive

esta. (VASCONCELOS, 2009, p. 90)

De acordo com Barbosa (2006), não somente o tempo, mas o espaço podem

ser compreendidos como fontes de poder social. Para a autora,

nossos modos de pensar e de conceitualizar o mundo estão estruturados no contato ativo com as espacializações e as temporalizações da palavra

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escrita, do estudo e da produção de mapas, dos gráficos, dos diagramas, das fotografias, das imagens em movimento, dos modelos, dos quadros, dos símbolos matemáticos e assim por diante. (BARBOSA, 2006, p. 140)

Durante muito tempo o espaço foi considerado um elemento neutro, qualquer

lugar poderia abrigar as crianças. Entretanto, com os estudos e publicações

recentes não é mais possível desconsiderar tão importante fator. Hoje o espaço

também é considerado como um educador. (VIÑAO FRAGO; ESCOLANO, 2001)

Viñao Frago (1998) também enfatiza que os espaços construídos são lugares

cheios de significado, passíveis de serem rememorados, re-estruturados. Em

concordância com o autor, Forneiro (1998), faz a definição de espaço que

sustentamos nesta pesquisa. O termo espaço refere-se “ao espaço físico, ou seja,

aos locais onde se dão as relações, sendo caracterizados pelos objetos, pelos

materiais que os compõem, enfim, pelo mobiliário.” (FORNEIRO,1998, p. 233)

Assim, o “espaço físico é o lugar do desenvolvimento de múltiplas habilidades

e sensações e, a partir da sua riqueza e diversidade, ele desafia permanentemente

aqueles que o ocupam.” (BARBOSA, 2006, p. 120)

A autora Redin (2007), faz uma definição forte, tende a nos deixar

sobressaltados, mas que acredito ser uma definição muito aproximada da realidade

em contextos de Educação Infantil. Ele diz:

Os espaços físicos, em alguns casos, mais se aproximam de casa de saúde, ou, no outro extremo, de parques temáticos, pequenos estúdios de TV, onde predominam os estrangeirismos caricaturados produzidos pela mídia. Não encontramos as crianças, as suas ideias mirabolantes, as engenhocas que criam, as suas artes e invenções. Não ouvimos as suas vozes cantarolando, rindo, expressando emoções e sentimentos. (REDIN, 2007, p. 92)

Atualmente, a “escolarização com todo seu aparato têm produzido maneiras

de ser criança, aprisionando corpos e seqüestrando mentes.” (REDIN, 2007, p. 90)

Assim, é mais do que urgente proporcionar às crianças, principalmente de

Educação Infantil, “espaços evocativos do brincar que permitam experiências

múltiplas, que estimulem a criatividade, a experimentação, a imaginação,

desenvolvam as distintas linguagens, inteligências múltiplas e possibilitem

interações significativas com outras pessoas.” (CAMPOS, 2010, p. 110)

As questões brevemente apresentadas sobre o tempo e o espaço auxiliarão

na escrita deste texto. Vale ressaltar que ao longo das análises, estes termos e

definições serão aprofundados.

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4.2 Como se dá a rotina das crianças?

Não podemos negar que todos nós, adultos ou crianças, estamos sujeitos a

determinações, normas e padrões que nos são impostos e, que por vezes, tornam-

se rotinas a que nos sujeitamos. Mas também não podemos omitir que, de certa

forma, isto nos aprisiona, sufoca e fere nossa individualidade, bem como as

vontades próprias de cada indivíduo.

Os sistemas de ensino, portanto, não estão isentos desta homogeneidade

que nos cerca. Em um estudo sobre a rotinização da infância, Barbosa (2000),

destaca que as rotinas podem se constituir como um processo de racionalização e

tecnologias utilizadas pelos seres humanos e pelas instituições para organizar e

controlar a vida. Integrando-se ao cotidiano,

a rotina pode tornar-se uma tecnologia de dominação quando não considera o ritmo, a participação, a relação com o mundo, a realização, a fruição, a liberdade, a consciência, a imaginação e as diversas formas de sociabilidade dos sujeitos nela envolvidos. Quando se torna apenas uma sucessão de eventos, de pequenas ações prescritas de maneira precisa, levando as pessoas a agirem e a repetirem gestos e atos em uma sequência de procedimentos que não lhes pertence nem está sob seu domínio, é o vivido sem sentido, pois está cristalizado em absolutos. (BARBOSA, 2000, p. 96)

Assim, dependendo da configuração que a rotina ocupa na instituição, ela é

compreendida como positiva ou negativa. Negativa caso estabeleça regras que

normalizam o dia-a-dia na Educação Infantil, com práticas previamente pensadas e

programadas para ordenar o cotidiano e eliminar possíveis transgressões, o que

acaba por eliminar parte do desejo e da autonomia das crianças. Positiva se for “útil

para orientar a criança e oferecer segurança,” que não seja algo fixo e estável, ao

contrário, seja flexibilizada ao longo do dia, considerando a criança e adequando-se,

“atendendo ao ritmo e às possibilidades e necessidades de cada uma.” (LAURO,

2012, p.191)

Durante o período de observações na UEI, pude perceber a organização da

rotina, tanto por meio da fala das crianças, como pela regularidade das atividades,

conforme descrito no Quadro 06 a seguir.

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Quadro 06: Rotina da UEI

Horário Atividade realizada Espaço

07h30min às 08h Entrada das crianças e troca de roupa Sala de aula

08h às 08h40min Lanche Refeitório

08h40min às 10h Atividade pedagógica Sala de aula

10h às 10h30min Banho Chuveródromo

11h às 11h30min Almoço Refeitório

11h30min às 12h Escovação dos dentes Escovódromo

12h às 14h Repouso Sala de aula

14h às 14h30min Lanche Refeitório

14h30min às 15h30min Atividade pedagógica Sala de aula

15h30min às 16h Banho Chuveródromo

16h às16h30min Troca de roupa Sala de aula

16h45min às 17h10min Jantar Refeitório

17h10min às 17h20min Escovação dos dentes Escovódromo

17h30min Saída das crianças ---------

Fonte: Elaborado por Débora Nascimento a partir de pesquisa de campo, 2015

Vale ressaltar que em determinados dias os horários e/ou atividades eram

ajustadas. Em dias que estava chovendo, por exemplo, as crianças não iam para o

chuveródromo que ficava na área externa para o momento do banho. Neste caso,

era utilizado o banheiro central. Este foi apenas um exemplo, caso se fosse

necessário, principalmente em virtude de condicionantes externos, ou seja, não

partiam de um planejamento ou uma iniciativa de alteração, havia reorganizações na

rotina das crianças.

Observando o cotidiano da UEI, não foi difícil perceber que as crianças tinham

clareza da rotina, é como se já tivesse sido incorporada por elas, devido elas já

saberem a sequência das atividades a serem realizadas no decorrer do dia,

destacado nos episódios abaixo:

São 11h35min quando as crianças são chamadas pela funcionária de apoio para que se dirijam ao refeitório pois o almoço está servido. As porções da alimentação (arroz, feijão e frango desfiado) já estão servidas nos pratos, com a mesma quantidade praticamente. As crianças possuem a capacidade de alimentarem-se sozinhas. Joana resmunga, dizendo que não quer o frango e nem os pedaços de verduras (cebola, tomate, cheiro-verde) que

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encontra na comida. A professora pede que ela coloque no ‘cantinho’ do prato. Ela demora pra começar a comer. Quando as crianças já estavam na sobremesa (abacaxi), Joana era a única que estava nas últimas colheradas do almoço. Joelma se aproxima e diz: Joelma: Ei Joana, acaba logo senão tu num vai escovar o dente. Tu tá demorando muito. (Diário de campo, 13/04/2015) Aproximadamente às 10h15min as crianças voltam para sala de aula pois estavam brincando na área externa. Sem o direcionamento de nenhum adulto, logo que chegam, começam a tirar suas roupas e pegar suas respectivas toalhas. (Diário de campo, 16/04/2015)

Estes episódios revelam que as crianças apreenderam a organização da

rotina que é seguida dia após dia, onde as atividades são muitas vezes mecânicas e

repetitivas, tarefas que são “feitas como que por hábito – uma série de operações

executadas maquinalmente por gestos, ritos, códigos, ritmos, costumes [...]”

(BARBOSA, 2000, p. 96). O que parece é que nas instituições infantis, sejam

creches ou pré-escolas,

há um tempo pré-determinado para “todos”; comer na mesma hora, banhar na mesma hora, dormir na mesma hora, brincar na mesma hora, fazer atividade na mesma hora, ouvir história na mesma hora. Parece ser possível dizer que essa organização, antes de estar centrada nas necessidades das crianças, obedece a uma lógica temporal regida basicamente pela sequenciação hierárquica e burocrática da rotina. O adulto muitas vezes parece preso a essa sequenciação, a qual ele não planejou, mas que tem que assumir como prática [...] sob pena de não conseguir realizar seu trabalho. (BATISTA, 2000, p. 32)

No entanto, as observações desvelaram ainda que não há na rotina um

momento pré-determinado e seguido criteriosamente para o brincar. Não estou

afirmando que as crianças não brincam, mas que não há na rotina o momento do

brincar, como há por exemplo, o momento do banho, o momento do lanche, o

momento do repouso, estabelecidos tão fortemente na rotina que as crianças sabem

o que acontece depois de uma determinada atividade.

Este fato merece relevância porque na rotina, no planejamento da escola,

mesmo que seja curto, há pré-estabelecido o momento do brincar, definido como

recreio. Já no caso da UEI pesquisada, não há recreio. Precisa haver um

planejamento mais efetivo considerando o brincar como essencial à criança. Várias

vezes pude perceber o momento que seria para o brincar sendo suprimido por

outras atividades, mas quase não presenciei ocasiões em que o brincar suprimia

outras atividades.

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Acredito que se a rotina é necessária aos professores(as), para que as

atividades sejam garantidas no cotidiano da instituição, então é fundamental torná-la

um instrumento criativo frente a sequenciação de atividades, inclusive incluindo o

brincar no planejamento das ações, pois a “linearidade que caracteriza a rotina não

se materializa no cotidiano não linear em que a previsibilidade daquela sucumbe ao

imprevisível, ao inesperado, ao inusitado.” (BATISTA, 2001, p. 12)

4.3 Quais são seus brinquedos?

Descrever os brinquedos que as crianças da UEI brincavam gera certo receio

em cometer uma incoerência. Incoerência no sentido de mencionar alguns, os mais

formais, e ocultar outros por não terem características tradicionalmente concebidas

como tal, mas que são suportes primordiais nas brincadeiras infantis. As imagens da

Foto 14 a seguir retratam Kauã fazendo de várias sandálias, um instrumento que

pode ser considerado como um brinquedo mediador de seu imaginário:

Foto 14: Criança fazendo de sandálias instrumento de seu brincar

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Sobre esta questão, Walter Benjamin (2002) esclarece que a criança em seu

anseio em descobrir e conhecer o mundo atua sobre objetos e os libertam de sua

obrigação de ser úteis, pois a criança é aquela que pode coordenar, numa só

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brincadeira, os mais variados materiais, mas também fazer saltar de um simples

pedacinho de madeira, uma pinha ou uma pedrinha, as mais diferentes figuras.

Considerando que na sala de aula o espaço é reduzido, alguns brinquedos

nela contidos eram guardados num grande balde que fica em um banheiro

desativado. A maioria dos brinquedos foi doada e uns já estão velhos e danificados,

como bonecos sem braço ou sem perna, bonecas manchadas. Há brinquedos

plásticos como ‘panelinhas’, ‘peixes’, bastões de boliche, cadeiras, mini-fogões,

gancho de telefone, carrinhos, peças de encaixe, blocos lógicos de madeira e outros

pequenos objetos plásticos. Na prateleira, são guardadas as massinhas de modelar,

muito aceita pelas crianças.

Conforme Kishimoto (1997), o brinquedo propõe um mundo imaginário da

criança, em que esta estabelece uma íntima relação com aquele. Para a autora,

pode-se afirmar que “um dos objetivos do brinquedo é dar à criança um substituto

dos objetos reais para que possa manipulá-los.” (KISHIMOTO, 1997, p. 18)

Para Vigotski (2006), no brinquedo acontecem as maiores aquisições de uma

criança, e são elas que se tornarão, no futuro, seu nível básico de ação real e

moralidade. No brinquedo a criança passa a agir não apenas pela percepção

imediata dos objetos, por exemplo, quando vê uma folha de papel e imediatamente a

rasga ou amassa, ela começa a dirigir suas ações de forma independente daquilo

que ela vê, ela pode ver uma folha de papel e brincar de “aviãozinho”.

[...] No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além do seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que ela é na realidade. (VIGOTSKI, 2006, p.134).

Em algumas ocasiões em que crianças pequenas estão a exercer sua

curiosidade, brincam com alguns objetos ou materiais, que consideramos

inadequados a elas. Tão logo percebemos pronunciamos: “Isto não é brinquedo pra

você ficar brincando!” ou “isso não é brinquedo de criança.” Mas esquecemos o

quanto as crianças são criativas. Reinventam objetos para que eles se tornem o que

elas querem.

Isto também se dá no contexto da Educação Infantil. A criança quer

experimentar todos os usos possíveis que puder, de determinado objeto ou material.

A foto 15 exemplifica mais uma vez as (re)utilizações que as crianças fazem dos

objetos.

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Foto 15 : Utilidades diversas para o objeto

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Nestas três situações registradas, o uso da toalha teve três configurações. No

registro a esquerda, Tucano utiliza sua toalha como usualmente se utiliza, no

momento do banho. Na imagem central, percebemos que as crianças a utilizaram

para servir de cortina ou uma suposta parede da “casinha”. E no terceiro registro, a

toalha passa a ter a utilidade de capa para João.

Em algumas ocasiões o brinquedo é suporte essencial para determinadas

brincadeiras. O brinquedo pode se apresentar como “um objeto que desperta a

curiosidade, exercita a inteligência, permite a invenção e a imaginação e possibilita

que a criança descubra pouco a pouco suas próprias capacidades de apreensão.”

(CAMPAGNE, 1989 APUD REDIN, 2000, p. 65)

É por isso que as crianças “sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos

que se originam da construção, do trabalho no jardim ou em casa, da atividade do

alfaiate ou do marceneiro.” É provável que já tenhamos visto, durante faxinas ou

mudanças, as crianças guardarem objetos supostamente ‘sem valor’, que ‘não

prestam mais’. Isso se dá pela significação atribuída ao objeto, tornando-o singular.

(BENJAMIN, 2002, p.104)

Na UEI pesquisada, os principais brinquedos que as crianças brincavam na

área externa eram: 02 bolas, alguns bambolês e alguns frascos plásticos que foram

reutilizados e alguns brinquedos doados, conforme Fotos 16 e 17:

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Foto 16: Brinquedos da área externa

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Foto 17: Crianças brincando na área externa

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

De acordo com Kishimoto (1997), os brinquedos podem incorporar um

“imaginário preexistente criado pelos desenhos animados, seriados televisivos,

mundo da ficção científica com motores e robôs, mundo encantado dos contos de

fada, estórias de piratas, índios e bandidos.” (KISHIMOTO, 1997, p. 18)

Os brinquedos industrializados e fabricados em série são comuns em nossa

sociedade. Para Munarim e Girardello (2012) “com comerciais sendo veiculados a

todo o momento em canais de televisão, sites e demais espaços explorados pela

publicidade, além da comercialização simultânea em diversos países, os brinquedos

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se situam cada vez mais naquilo que podemos chamar de ‘globalização dos

brinquedos’”. (MUNARIM; GIRARDELLO, 2009, p. 332)

Não é o caso dos brinquedos usados na área externa da UEI. As crianças

também não traziam brinquedos de suas casas e os que utilizavam eram simples,

nada tecnológico ou moderno, como aponta a foto 02. No entanto, ainda assim, as

crianças se encantavam com o que conseguiam construir a partir dos materiais,

criando utilidades para eles, como ‘transformar’ um frasco cortado em uma pá que

servia para cavar o chão e juntar terra para colocá-la em outro recipiente. Se fosse

possível, acredito que passariam um tempo enorme manipulando-os. Concordo com

a declaração de que “a brincadeira está além do brinquedo, modificando, muitas

vezes, seu sentido” e finalidade inicial. (BROUGÈRE, 2008, p. 86).

Outro aspecto evidenciado na fala de várias crianças ao responderem sobre o

que mais gostavam de brincar, entra em cena a televisão e os diversos tipos de

programas e produções que assistiam. Elas disseram assim:

Joelma: Eu gosto de assistir televisão porque é legal, tem desenho lá. Joana: Eu gosto do desenho do Chaves, eu assisti lá na minha casa amanhã. Mariana: Sabe aquele dvd que tem da Xuxa? Eu gosto. Eu já vi um ‘bucado’ de vezes. Mas a minha mãe ainda vai comprar pra mim. Paysandu: Eu gosto de brincar de videogame na casa do meu primo. Tem de boneco que briga, tem de carro. Flor: Eu gosto do desenho da Frozen e desenho da televisão também.

Neste caso, as vozes das crianças revelaram que a televisão se apresentava

como um instrumento importante para elas. É relevante comentar sobre o uso da

televisão em virtude de ser uma atividade muito dirigida às crianças da UEI

pesquisada sempre que tinha um “tempo livre” entre uma atividade e outra.

Para Pereira (2009), a relação da criança com a televisão, propicia um papel

ativo e competente, na qual ela atribui sentidos, a partir dos conteúdos veiculados

por esse meio. E isto foi perceptível notar em vários momentos em que as crianças

interagiam entre si a partir dos personagens e cenas projetadas.

4.4 E as suas brincadeiras?

Considerando as falas das crianças a partir da pergunta: do que você mais

gosta de brincar? Os resultados foram surpreendentes pela quantidade e pela

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diversidade, além de desvelarem brincadeiras vivenciadas na UEI e também fora

dela. O que seria então a brincadeira? A brincadeira é

a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao mergulhar na ação lúdica. É quando a criança começa a alterar o significado dos objetos, dos eventos, a expressar seus sonhos e fantasias e a assumir papéis presentes no contexto social. Pode-se dizer que é o lúdico em ação [...] (KISHIMOTO, 2007, p.21)

Legalmente falando, brincadeiras e interações são os eixos norteadores para

as práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009),

as propostas pedagógicas da Educação Infantil, devem respeitar os seguintes

princípios:

Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades; Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática; Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais.

É evidente que garantir legalmente a ludicidade a crianças de creches e pré-

escolas não torna este processo real, efetivo. Para que o brincar se concretize no

interior das instituições que atendem as crianças, é fundamental uma compreensão

mais aprofundada sobre este assunto, além de ouvir o que a criança tem a falar. A

“necessidade de captar a visão das crianças é urgente, pois é a partir de suas vozes

que medidas de proteção e de atendimento mais prementes serão tomadas pelas

equipes de intervenção externas.” (CAMPOS, 2008, p.37)

Foi nessa perspectiva que esta pesquisa objetivou ouvir as crianças pré-

escolares sobre o brincar e como este se concretiza no tempo e espaços da UEI.

Analisar as brincadeiras das crianças não foi tarefa fácil, pois seus brincares iam

muito além do que elas falavam durante as entrevistas lúdicas. Ao observá-las,

percebi que suas brincadeiras eram diversas, tanto coletivas quanto individuais,

permeadas de significados e saberes próprios.

Esta diversidade se justifica por que “na brincadeira a existência das regras

não limita a ação lúdica, a criança pode modificá-la, ausentar-se quando desejar,

incluir novos membros, modificar as próprias regras, enfim existe maior liberdade de

ação para as crianças.” (ALMEIDA 2005, p. 5)

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Para Brougère (2008), a brincadeira é caracterizada como uma atividade livre,

sem limitações. Segundo ele, se uma criança não é livre para decidir as situações

nas quais a brincadeira se desenvolve, então, não é ela quem brinca. De acordo

com o autor, “a brincadeira aparece como um sistema de sucessão de decisões”

(BROUGÈRE, 2008, p.100),

Conforme Wajskop (2012), a brincadeira é um espaço à margem da vida

cotidiana. É durante as brincadeiras que as coisas transformam-se em outras. “Nela,

os objetos podem apresentar-se com significado diferente daquele que possuem

normalmente.” (BROUGÈRE, 1989, p. 35 apud WAJSKOP, 2012, p.36)

Foto 18: Criança reinventando utilidades para o objeto

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

A Foto 18 e o episódio a seguir apontam para esta estrutura imaginária das

crianças, em que elas atribuem significados a objetos de acordo com os seus

desejos e necessidades.

Observo-o ajoelhado sobre as cadeiras encostadas na parede, apoiado na janela, brincando com um gancho de plástico, semelhante o de alguns telefones fixos. Aproximo-me e pergunto: Pesquisadora: Do que você está brincando Paysandu?

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Paysandu: De barco Pesquisadora: É mesmo? Paysandu: Humrum... Arrasta o ‘barco’ de um lado para outro. Suspeito que ele ‘emprestou’ a janela pra ser seu rio. Eu continuo ali, observando seus gestos, os sons que faz com a boca. Paysandu: Tia, tu sabia que eu já andei de moto? Pesquisadora: (Balanço a cabeça respondendo não) Paysandu: Pois é. Eu já fui. É muito firme tá. Vai assim ó. (Movimenta o gancho com velocidade e pronuncia o ‘barulho’ da moto: brum..bruuuum.) (Diário de campo, 26/05/2015)

De acordo com Benjamin (2002), a criança quer puxar alguma coisa e faz

dele um cavalo, as vezes quer brincar com areia e tornar-se padeiro, quer esconder-

se e torna-se ladrão ou guarda. O autor acrescenta que brincar significa libertar-se

das coisas postas e imaginar, criar um mundo próprio. É poder ver que uma cadeira,

pode servir mais do que sentar-se para assistir a uma aula. É poder colocá-la de

pernas para o ar e fazer dela um castelo.

No sentido de ouvir as brincadeiras que as crianças mais gostavam de

brincar, foram realizadas 5 (cinco) entrevistas lúdicas em espaços diversificados da

UEI, 4 (quatro) com um grupo de 5 (cinco) crianças e 1 (uma) com três.

O quadro 7 revela que as crianças se reportaram tanto a brincadeiras

vivenciadas no contexto da UEI como o futebol, brincadeiras envolvendo o

manuseio de massinha, assistir desenhos na televisão, jogos com peças de encaixe,

bambolê, entre outras, como em outros contextos onde brincam de pula-pula,

escorrega - bunda, piscina de bolinha, bicicleta.

Vale ressaltar que apesar de somente 3 (três) crianças mencionaram brincar

com jogos em celular dentre as brincadeiras que mais gostam, outras durante o

período que estive na UEI comentavam: Tia, a minha mãe também tem um celular

assim que bate foto. (Elza); Tem jogo aí nesse teu celular tia? (João), o que aponta

para o envolvimento e domínio das crianças com a mídia.

As respostas foram organizadas no Quadro 7 a seguir, buscando respeitar a

maneira como cada criança pronunciou o nome das brincadeiras que mais gostavam

de brincar:

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Quadro 07: O que mais gostam de brincar

Criança Brincadeiras

Joelma Casinha, mãe e filha, ver televisão, de correr, brincar de bambolê, de comidinha, escorrega-bunda, balanço, tomar banho

de piscina. Neymar Futebol, corrida, brincar com massinha, andar de bicicleta, Joana De massinha, de casinha, mãe e filha, pula-pula, de comidinha

com areia, de bambolê, de riscar no chão, de ver desenho. Mateus Futebol, correr, bambolê.

Bel De panelinha, pular, casinha, ver tv. Caio Futebol, comidinha com panelinha, brincar de sandália,

bambolê, corrida Mariana Mãe e filha, assistir dvd, de panelinha, tomar banho de chuva.

Branca de Neve

Balanço, pula-pula, tomar banho de piscina, brincar de barbie, com celular.

Paty De boneca, de fazer comidinha, com patati e patatá. Tião Correr, de bola, com boneco, massinha, de carro. Bil De correr, bicicleta, caminhão, bambolê, pipa, bode, com a bola.

Elza Casinha, dançar, fazer comidinha, desenhar, brincar de fazer cobrinha de massinha,

Maria Esconde-esconde, escorrega-bunda, bambolê, de tirar foto, de urso, boneca, de pintar.

Paysandu De carro e moto, futebol, andar de bicicleta, jogo no celular, videogame, massinha, de pintar, ver desenho.

João De bola, com brinquedinhos, massinha. Meg De boneca, piscina de bolinha, pecinhas de montar, bambolê,

fazer comidinha. Kauã De futebol, andar de bike, colar figurinha no álbum, Pedro Me pendurar na arvore, correr no quintal, fazer comida com

areia e mato. Tubarão Futebol, massinha, brinquedinho de montar, carro, corrida.

Flor De mãe e filha, ver desenho, bolinho de areia, correr. José Bola, subir na árvore, bambolê, de pedra, de sandália, no jogo

do celular. Kaká Bola.

Tucano Corrida, futebol, caminhão, brinquedinho de pau de montar.

Fonte: Dados da pesquisa de Campo, 2015

As brincadeiras hoje em dia, conforme Souza e Salgado (2009) estão

conectadas “aos desenhos animados, aos videogames, aos filmes, websites” jogos

eletrônicos, que compõem um sistema de comunicação e informações, pois

compreende-se que “um dos aspectos que se destaca na cultura lúdica

contemporânea é a convergência de mídias.” (SOUZA; SALGADO, 2009, p. 210)

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Quanto ao contato das crianças com desenhos animados, o próximo episódio

deixa claro que as crianças estão conectadas com a mídia, tendo conhecimentos

sobre os personagens e suas principais características:

Enquanto assistem um dvd com episódios do Scooby Doo, as crianças desviam a atenção da televisão e começam a conversar sobre os personagens: Tucano: Eu sou o Scooby. José: Eu sou o Fred então. Paysandu: Ah não, eu que sou o Fred. José: Num é nada. Paysandu: Porque tu num ‘sê’ o Salsicha? José: Porque ele é medroso. (Diário de campo, 02/06/2015)

Nessa perspectiva, compreende-se que as crianças estabelecem desde

pequenas, comunicações e relações que estão entremeadas de significados

provenientes da comunicação social – no caso, as mídias.

As brincadeiras que mais se repetiram na fala das crianças, foram as que elas

realizam com mais frequência no contexto da UEI. A Foto 18 exemplifica as crianças

manuseando massinha e assistindo televisão em sala de aula, brincadeiras

mencionadas por elas e mais constantes na turma.

Foto 19: Crianças brincando em sala de aula

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

As produções audiovisuais que as crianças assistiam eram na maioria a partir

de dvd’s trazidos pela professora ou por alguma criança. Eram filmes como: A era do

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gelo, Scooby Doo, Xuxa só para baixinhos, Frozen, entre outros. As informações

geradas a partir do uso da televisão não podem ser desconsideradas, uma vez que:

As crianças, as mídias das quais elas são assíduas usuárias e as pessoas de sua convivência mais próxima na infância [...] compõem um complexo processo comunicacional e educativo de sentimentos, ideias e atitudes mais emancipatórias ou não sobre a vida contemporânea. [...] A visão de mundo que as crianças adquirem, descobrem, desenvolvem em diversas áreas – dentre elas a de ações lúdicas com brinquedos e brincadeiras – não pode ser considerada como originária exclusivamente [...] dos meios de comunicação dos quais partilham enquanto espectadoras, usuárias e co-participantes de produção. (KISHIMOTO, 1997, p. 160 e 161)

Logo, os pais e professores (as) precisam participar de maneira mais criativa,

intervindo eticamente nas elaborações e desdobramentos que acontecem com as

emoções das crianças, suas ideias e atitudes lúdicas diante dos programas

televisivos, com o intuito de propiciar experiências lúdicas modificadoras, não

violentas, não preconceituosas. (Kishimoto, 1997)

Outra brincadeira que apareceu com certa freqüência na fala das crianças e

que as observações confirmaram, foi a brincadeira denominada faz-de-conta e

definida por algumas crianças como brincar de mãe e filha ou casinha. Tanto

meninas, quanto meninos brincavam desta brincadeira, combinavam entre si os

personagens que cada um seria: pai, mãe, filho, filha, inclusive alguns eram o

cachorro da família. É pertinente destacar que em quase todas as brincadeiras o

‘‘faz-de-conta’’ emergia. Os episódios a seguir revelam este aspecto:

As crianças brincam de massinha e Joelma faz várias ‘cobrinhas’ e em seguida coloca-as uma a uma sobre as unhas da mão. Levanta da sua cadeira e sai anunciando aos colegas: Eu sou uma bruxa...Rárárárá... Joana grita e começa a fugir. A professora ouve o tom de voz alto e eufórico das garotas e pergunta o que está acontecendo hein? Joelma responde: A gente tá brincando. (Diário de campo, 26/05/2015) Todas as crianças estão brincando na sala de aula, existem grupos estabelecidos por elas mesmas. Caio começa a percorrer a sala com a uma caixa vazia (objeto onde as peças do jogo de encaixe são organizadas) na cabeça e anunciando: Olha a tapioca... olha a tapioca... Só dez reais... olha a tapioca..(Diário de campo, 16/04/2015)

De acordo com Kishimoto (1997), “a brincadeira de faz-de-conta, também

conhecida como simbólica, de representação de papéis ou sociodramática, é a que

deixa mais evidente a presença da situação imaginária.” (KISHIMOTO, 1997, p.39).

A Foto 20 evidencia este jogo simbólico, em que as crianças estabelecem

uma ponte entre o real e a fantasia.

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Foto 20: Crianças brincando de casinha

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Para Bomtempo (1997),

quando vemos uma criança brincando de faz-de-conta, sentimo-nos atraídos pelas representações que ela desenvolve. A primeira impressão que nos causa é que as cenas se desenrolam de maneira a não deixar dúvida do significado que os objetos assumem dentro de um contexto. Assim, os papéis são desempenhados com clareza: a menina torna-se mãe, tia, irmã, professora; o menino trona-se o pai, índio, polícia, ladrão sem script e sem diretor. Sentimo-nos como diante de um miniteatro, em que papéis e objetos são improvisados. (BOMTEMPO (1997, p. 57)

Os dois episódios a seguir, estão em concordância com a foto anterior e com

Bomtempo (1997) e Borba (2009), onde afirmam que além dos papéis relacionados

à família, as crianças costumam adotar papéis ficcionais como heróis e papéis

presentes na vida em sociedade como polícia, ladrão, bombeiro, entre outros.

A professora organiza um círculo de cadeiras e as crianças se preparam para tomarem o primeiro banho. Tiram a roupa e a colocam sobre a parte do encosto. Em seguida cada um pega sua toalha (a maioria possui uma toalha das de rosto) e se dirigem ao chuveródromo, que fica na parte externa, juntamente com a professora. No trajeto, alguns meninos prendem a ponta da toalha no pescoço. Pergunto a um deles: O que isso? E João me responde: É uma capa. É a capa do Batman. (Diário de campo, 09/04/2015) Após assistirem episódios do Sítio do Pica-pau Amarelo, as mesas e cadeiras são empilhadas e colocadas no canto da sala de aula. Com o centro livre, a professora dispõe vários brinquedos no chão mesmo. São brinquedos plásticos como panelinhas, peixe, mamadeira, cadeirinha, gancho de um telefone, elefante, bastões de boliche, peças de encaixe, duas barbies, três bonecas, duas com o corpo de tecido e espuma e uma toda de plástico, peças de montar de madeira. As crianças estabelecem seus grupos conforme suas preferências.

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Kauã pega o gancho do telefone, fazendo dela uma arma e começa a atirar. Tucano vê e fala para a professora que diz não querer ninguém brincando de bandido porque é feio. Aborrecido ele resmunga: Kauã: Seu besta, nem era de verdade. Era só pra dizer. Ali próximo em outro canto da sala de aula, Mariana está brincando com uma barbie. Chego perto e pergunto: Pesquisadora: O que você está fazendo? Mariana: Estou dando banho nela. Pesquisadora: E isto? (enquanto ela passa uma pequena peça quadrada de madeira na boneca) Mariana: É ‘sabonete’ e ‘shampoo’ dela. (Já respondendo o que seria minha próxima pergunta com relação a um bastão de boliche que vira sobre a cabeça da boneca) Depois do banho, penteia a barbie com as ‘pernas’ de uma cadeirinha.(Diário de campo, 14/04/2015)

De fato, a brincadeira de faz-de-conta incorpora a expressividade, a

criatividade, sobretudo a imaginação de adultos e, principalmente, das crianças.

Quem nunca se imaginou como um super-herói não é mesmo? Ou foi chamado de

palhaço por fazer alguma peripécia em reuniões de família?

No primeiro episódio, João estava representando um super-herói ao utilizar

sua toalha como a capa. A preferência ou desejo em brincadeiras envolvendo super-

herói pode ser uma fuga das crianças em busca do poder. “Não podemos esquecer

que as crianças têm pouco poder num mundo dominado pelos adultos, e elas têm

consciência disso.” (BOMTEMPO, 1997, p. 66)

Nas duas situações, as crianças se colocam em uma situação ficcional, como

na linguagem de Kauã “só pra dizer”. É um contexto aproximado a realidade, mas

que pode ser ultrapassado, invertido. Para Bomtempo (1997), crianças que vivem

em ambientes perigosos, e convivem direta ou indiretamente com a criminalidade,

reproduzem suas experiências de perigo e medo em suas brincadeiras.

Compreende-se, portanto, que o fato da criança representar um bandido ou

um policial, “não deve ser visto necessariamente como um sinal de violência ou de

comportamentos desviantes”. Muitas vezes ela pode estar simplesmente querendo

“experimentar ser outros, se colocar em outras posições.” (BORBA, 2009, p. 115)

De acordo com a psicologia, a imaginação ou fantasia é uma atividade

criadora do cérebro humano, entendido na sua acepção corrente como o irreal, “o

que não se ajusta a realidade e, portanto, é desprovido de valor prático.” (Vygotsky,

2009, p.11)

Conforme Vygotsky (2009) há quatro formas fundamentais de ligação entre

fantasia e realidade, e compreendê-las nos permite perceber a “imaginação, não

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como um divertimento caprichoso do cérebro, uma coisa como que suspensa no ar,

mas uma função vitalmente necessária.” (Vygotsky, 2009, p.15 e 16)

A primeira forma “consiste no fato de toda elucubração18 se compor sempre

de elementos tomados da realidade e extraídos da experiência anterior do homem”.

Desse modo, “a fantasia constrói sempre com materiais tomados do mundo real.”

(Vygotsky, 2009, p.16 e 17)

De fato, as crianças imaginam-se de diversas formas, assumindo diversos

papéis, trazendo a realidade para suas brincadeiras. Este aspecto se traduz na Foto

21, em que a Caio brinca de ser moto-táxi, atividade muito comum no contexto em

que a UEI está inserida.

Foto 21: Criança brincando de ser moto-táxi

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Em Borba (2006), compreendemos que a imaginação, constitutiva do brincar

e do processo de humanização dos homens, é um importante processo psicológico,

iniciado na infância, que permite aos sujeitos se desprenderem das restrições

impostas pelo contexto imediato e transformá-lo. Combinada com uma ação

performativa construída por gestos, movimentos, vozes, formas de dizer, roupas,

cenários etc., a imaginação estabelece o plano do brincar, do faz de conta, da

criação de uma realidade “fingida”.

18 Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, o termo significa: 1 estudo trabalhoso; 2 meditação, reflexão profunda; especulação.

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A segunda forma de ligação entre fantasia e realidade se efetua “entre

produtos preparados da fantasia e determinados fenômenos complexos da

realidade.” Isto significa que a imaginação não se limita a reproduzir o que foi

assimilado em experiências passadas, “mas cria, a partir delas, novas combinações”

(Vygotsky, 2009, p.19)

Vygotsky (2009) explica essa segunda forma ao afirmar que

a imaginação adquire uma função da máxima importância no comportamento e desenvolvimento humanos, transformando-se em meio de ampliar a experiência do homem que, ao ser capaz de imaginar o que não viu, ao poder conceber baseando-se em relatos e descrições alheias o que não experimentou pessoal e diretamente, não se encontra encerrado no circulo estreito da sua própria experiência, mas pode ultrapassar largamente os seus limites assimilando, com a ajuda da imaginação, experiências históricas ou sociais alheias. (VYGOTSKY, 2009, p. 20)

Se a infância é entendida como um período em que o ser humano está se

constituindo culturalmente, a “brincadeira assume importância fundamental como

forma de participação social e como atividade que possibilita a apropriação, a

ressignificação e a reelaboração da cultura pelas crianças” (BORBA, 2007, p.12).

Foto 22: Crianças brincando de trem

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Durante a brincadeira, me aproximei do grupo e perguntei do que brincavam.

Caio e Kauã responderam que era de trem. José disse ser de ônibus. Diante do

impasse, sai de cena e deixei que apenas brincassem. Eu fiquei curiosa com o fato

deles conhecerem o trem como um meio de transporte, visto que não é comum a

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nós que moramos em Belém. Será que eles já tinham ido à região sul do Estado do

Pará ou ido a outros lugares e tido esta experiência? Depois de alguns instantes,

chamei Caio e Kauã e iniciamos uma conversa:

Pesquisadora: Então, olhem aqui essa foto. Qual era a brincadeira de vocês mesmo? Caio: Há sim, a gente ‘tava’ brincando de trem. Kauã: É, era de trem. Caio: Olha eu aqui, eu sou o motorista. Pesquisadora: E vocês já viram um trem? Kauã: Eu já. Pesquisadora: É mesmo? Kauã: É. Eu vi num filme lá na minha casa. Ele andava muito rápido. Pesquisadora: E já andaram de trem? Caio: Não. Eu já vi num dvd de ‘musiquinhas’ que aparece um trem... bem grande assim oh (caminha alguns passos tentando me explicar a extensão do trem)

Ao colocarem várias cadeiras, uma atrás da outra, representando um trem, a

imaginação emergiu nas brincadeiras das crianças, não a partir de coisas que já

tivessem vivenciado pessoalmente, mas a partir de circunstâncias externas a suas

experiências, como um filme assistido ou relato de alguém.

A terceira forma de ligação entre a função imaginativa e a realidade é a

conjunção emocional. Para Vygotsky (2009), esta forma compreende que a

imaginação, a fantasia exercem a sua influência sobre os sentimentos e também o

contrário, os sentimentos influenciam a imaginação. O autor descreve uma situação

no sentido de esclarecer como se dá esse fenômeno.

Imaginemos um simples caso de ilusão: ao entrar às escuras no seu quarto, a criança imagina que uma pequena peça de roupa ali pendurada é um estranho ou um bandido que entrou às escondidas em sua casa. A imagem do bandido, fruto da fantasia da criança, é irreal, mas o medo que sente, o seu susto, são completamente efetivos e reais para a criança que os experimenta[...] Os sofrimentos e a sorte de personagens imaginários, as suas dores e alegrias emocionam-nos contagiosamente apesar de sabermos bem que não são acontecimentos reais, mas efabulações da fantasia. (VYGOTSKY, 2009, p. 23)

A dimensão que esta forma alcança é muito vasta. Quando vemos obras de

arte ou assistimos uma produção teatral, vários sentimentos são despertados em

nós. Às vezes não dominamos determinado idioma, mas quando escutamos uma

obra musical somos contagiados por sentimentos produzidos por nossa fantasia,

“que voa com plena liberdade e trabalha sem regras de concertação”, propiciando

inúmeras imagens e “despertando estados de espírito” diversos. (VYGOTSKY, 2009,

p. 22)

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A Foto 23 a seguir ilustra um dos espaços dialogados nos primeiros dias

durante as brincadeiras na área externa. Afastei-me um pouco para observar melhor

as crianças. Logo percebi como se fosse um local que pela estrutura poderia ter

servido de canil. Em um dado momento, João chegou perto de mim e me disse: “Ei

tia, sai daí de perto. Aí é a casa da bruxa.”

Vários relatos posteriores e as observações evidenciaram que este espaço é

evitado pelas crianças, elas procuram não brincar próximo deste. A figura da ‘Bruxa’

é fruto da imaginação delas, mas como já mencionado, o medo, o receio de

aproximar-se da ‘tal casa’ é real e as assusta, ao ponto de João ter se preocupado

comigo e pedido que me afastasse do local.

Foto 23: ‘Casa da bruxa’

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

E finalmente a quarta e última forma de relação entre imaginação e realidade

está relacionada à terceira, mas distingue-se dela, pois “a sua essência consiste em

que o edifício erigido pela fantasia pode representar qualquer coisa de

completamente novo, de não existente na experiência humana do homem, e

qualquer coisa que não é também semelhante a nenhum outro objeto real.”

(VYGOTSKY, 2009, p. 24)

É como que se o homem tomasse elementos da realidade, e que no seu

interior, no seu pensamento, sofressem uma reelaboração completa, tonando-se um

novo produto advindo da sua imaginação. Ao materializarem-se, voltam à realidade

trazendo consigo a capacidade de modificá-la. (Vygotsky, 2009)

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Vale ressaltar, que esta forma se dá no campo intelectual, do pensamento,

mas também a partir do fator emocional. São de igual modo necessário ao ato

criador, visto que “o sentimento e o pensamento que movem a imaginação humana.”

(VYGOTSKY, 2009, p. 25)

Esse aspecto criador da imaginação se reflete nos jogos das crianças. No

futebol brincado pelas crianças não havia traves, nem juiz. A diversão era chutar a

bola até onde desse. Mas uma regra deveria ser obedecida por todos: “ninguém

podia pegar a bola com a mão.” Sempre que algum ‘jogador’ cometia este deslize, o

conflito era certo.

Huizinga (2004), fundamenta situações como estas ao definir o jogo da

seguinte maneira:

Uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da ‘vida cotidiana’. (HUIZINGA, 2004, p. 33)

A Foto 24 retrata algumas brincadeiras realizadas na área externa, como

futebol, mencionada repetidas vezes pelos meninos e o uso do bambolê de variadas

formas.

Foto 24: Crianças brincando na área externa

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

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De acordo com Nascimento (2014) os conflitos presentes no brincar podem

interferir no tempo de duração da brincadeira, resultando o fim da vivência ou a aída

de um participante do jogo. “Sendo assim, o tempo da vivência sofre interferências

da dinâmica que o jogo adquire, a partir dos acordos e desentendimentos daqueles

que brincam.” (NASCIMENTO, 2014, p.104)

Que nos convençamos que uma das características da brincadeira é

justamente a improdutividade, como afirma Borba (2009). Assim, que não seja

inquietante para nós adultos olharmos as crianças ultrapassarem normas pelo puro

prazer de brincar.

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5. “NÃO É HORA DE BRINCAR AQUI”: o imposto e o oposto na organização e

vivência de tempos e espaços

Após o almoço, as crianças se dirigem a sala de aula para o repouso. Os

colchonetes já estão dispostos no chão, e a professora pede que elas

deitem-se para dormir um pouco. Kauã fica sentado.

PESQUISADORA: Você não quer dormir?

KAUÃ: (responde não apenas balançando a cabeça)

PESQUISADORA: Mas porque você não quer de dormir?

KAUÃ: Porque sim.

PESQUISADORA: e você queria fazer o que agora?

CAIO: Ele queria ficar acordado com a bruxa brincando.

KAUÃ: Num queria nada.

PESQUISADORA: O que você queria fazer então?

KAUÃ: Brincar de carrinho e brinquedo lá “fola”...

PESQUISADORA: Sozinho?

KAUÃ: A titia ia me ‘repalar’.

PESQUISADORA: Mas ela ia está fazendo os coleguinhas dormirem...e aí?

CAIO: Só quando ela ir que ele vai né?

KAUÃ: Ela num vai...

CAIO: Vai sim, mentiroso.

KAUÃ: Num vai nada. Ela num vai ‘pá’ lá...

CAIO: Mas quando secar ela vai...

KAUÃ: Num vai nada.

CAIO: Vai sim, mentiroso.

KAUÃ: Só quando a gente não obedece ela não leva, quando nós obedece

ela leva.

CAIO: Não, quando seca lá fora é que ela leva.

KAUÃ: Mas já tá seco lá.

CAIO: E porque ela num leva?

NEYMAR: Já tá seco lá ‘infora’...

CAIO: E porque ela num leva pra nós brincar?

KAUÃ: Eu num sei... (Diálogo, 05/05/2015)

Inicio esta seção com este diálogo que tive a princípio com Kauã, e que

posteriormente passou a ser dele com os colegas Caio e Neymar, demonstrando a

insatisfação, urgência e anseio de Kauã pelo brincar, e que pode representar outras

crianças, frente a determinadas situações que são submetidas no contexto da

Educação Infantil. Em suas falas é possível perceber que se remetem a postura da

professora, além de tentar encontrar respostas para o fato de não terem ido ‘brincar

lá fora’.

As categorias imposto e oposto que me refiro no título desta seção, se

referem a forma como os tempos e espaços se concretizavam na UEI pesquisada.

Os tempos e espaços impostos para brincar fazem referência aqueles que, de

maneira específica ou parcial, eram definidos e determinados pelas professoras para

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que acontecessem as brincadeiras das crianças. Caracterizam uma organização

espaço-temporal em que o brincar era permitido, supervisionado e direcionado pelas

professoras e adultos de um modo geral.

Tempos e espaços opostos para brincar dizem respeito as (re)organizações

que as próprias crianças faziam a partir do que estava posto, espaços e tempos

direcionados por elas. Trata-se de seus ajustes infantis, uma maneira de transgredir

as imposições a elas colocadas.

Vale ressaltar que em determinados momentos as crianças agiam em

conformidade e em outros com resistência diante das atividades propostas para elas

em cada espaço e tempo. Reflexões acerca de como as crianças se conformavam

ao imposto ou transgrediam se opondo à organização do tempo e dos espaços para

vivenciarem o brincar é o que proponho a partir de agora.

5.1 Tempos e espaços impostos para brincar

Os processos de educação da pequena infância são perpassados,

historicamente, pela centralidade do tempo e do espaço, que como “instituição

social, torna-se, na sociedade moderna, um instrumento fundamental para promover

a ordem, a regulação, a hierarquia, o controle.” (BUSS-SIMÃO, 2012, p. 262)

Os processos de disciplinamento na Educação Infantil são muito mais

comuns do que se possa imaginar. Quando nos inserimos nessa realidade, nesse

contexto, percebemos o quanto a ordem e o controle são exercidos, visto que “os

indivíduos não fazem qualquer coisa, em qualquer momento, em qualquer lugar. Os

espaços são cuidadosamente delimitados e o tempo é marcado por um cronograma

preciso.” (KOHAN, 2003, p. 79)

Assim, tempos e espaços impostos para o brincar apresentam-se como uma

das formas das professoras tentarem conseguir o ‘controle da turma’. A pesquisa

feita na UEI apontou que o brincar se efetivava com mais freqüência e por um

período mais longo em tempos e espaços impostos para o brincar, ou seja, onde a

permissão e o direcionamento partiam não das crianças, e sim das professoras.

Isto não significa que as crianças não brincavam em outros espaços e

momentos, o que será discutido na próxima subseção, mas ao apontarem

determinados tempos e espaços como “os que podiam brincar”, significa que há uma

ordem pré-estabelecida, já incorporada por elas, pois a própria disposição que há do

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tempo e dos espaços “contém determinações normativas, regras de comportamento

para se desenvolver e que indicam o que se deve e o que não se deve fazer neles,

se há ou não possibilidades de movimento.” (BUSS-SIMÃO, 2012, p. 262)

Nesse sentido, os espaços não são neutros, mas sim carregados de

significados. Buss-Simão (2012), afirma que

o espaço não é apenas uma realidade física em determinadas dimensões, mas ele representa algo, ele afeta e envolve. Afeta por sua presença e aspectos, pelos estados de ânimo que propicia, pela satisfação que produz nas atividades possíveis de ali serem realizadas. O espaço comunica o que é permitido e o que é possível fazer nele [...] o espaço “comporta”, ao mesmo tempo, ser um lugar de emancipação como de regulação; pode ser um espaço de medo e de alegria; um espaço de repetição e de criação. (BUSS-SIMÃO, 2012, p. 261)

Os espaços estão intimamente relacionados ao tempo. Sempre estamos em

algum espaço, em algum lugar, passando nele muito ou pouco tempo. Assim, o

interesse científico pelo espaço e tempo é fundamental para que compreendamos

estes elementos integradores e formadores da vida social, pois

ao ensinar e aprender em lugares e tempos concretos, temos modos diversos de ensinar e aprender. A organização, a disposição, a distribuição e o uso que se faz do espaço e do tempo modelam as atividades, o clima, constituindo parcela da cultura das instituições educativas. (VIÑAO FRAGO, 1998, apud SANTOS, 2003, p. 143)

De acordo com Pino (2005), pensar a realidade do espaço é algo difícil. No

entanto, mais complicado ainda é pensar a realidade do tempo, visto que este é um

conceito mais enigmático que aquele. Mesmo sendo um conceito complexo, a ideia

de tempo “permeia nosso vocabulário, nossas ideias, nosso dia-a-dia.” (FAÚNDEZ-

ABANS, 2005, p. 85)

Assim, na intenção de conhecer os tempos espaços organizados e destinados

especificamente para o brincar, realizei entrevistas em pequenos grupos com as

crianças utilizando diversas fotografias. Perguntei se elas conheciam aqueles

“lugares” ao que responderam definindo os nomes de cada um. Em seguida, fiz pra

elas os seguintes questionamentos: Dessas fotos aqui, eu gostaria que vocês me

mostrassem onde é que vocês podem brincar; Quando é que podem brincar aqui?

As suas respostas e excertos de observações a serem apresentados a seguir

detalham os tempos e espaços impostos para o brincar, que foram a área externa, a

brinquedoteca e a sala de aula.

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5.1.1 A área externa

Foto 25: Área externa

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

A foto 25 que revela a área externa, ou quintal, como mencionado pela

maioria das crianças, foi o espaço mais definido como o “lugar de brincar”. Isto pode

ser justificado pelo fato de quase todos os dias elas irem brincar nesse espaço, pela

manhã e/ou pela tarde. Neste, as crianças passavam a maior parte do tempo

brincando. O brincar era a principal situação vivenciada, e raras vezes iam para lá

por outros motivos.

Trata-se de um espaço privilegiado e rico para as crianças. A sombra é bem

generosa, a areia, as folhas secas e sementes, o mato que cresce as proximidades

do muro, pedrinhas, os galhos secos das árvores que encontravam caídos, até as

flores, não escapavam de tornarem-se materiais de suas brincadeiras. Em um dos

momentos de observação, pude registrar o seguinte diálogo:

Mariana: Ei ‘filha’ eu to precisando fazer a ‘comida’. Meg: Tá bom mãe, vou comprar ali na feira. João: Eu vou buscar água então ali no poço. Mariana: Tá. Enquanto isso, Branca de Neve junta areia em um recipiente de plástico. Meg: Mãe, mãe, cheguei. Tá aqui. Comprei peixe. (folhas secas de jambeiro) Mariana: Num tinha carne? Meg: Não. Mariana: Tá bom então. Branca de neve: Olha o bolo que eu fiz. Vamos cantar parabéns? Joana: Mas é aniversário de quem? Branca de neve: Num sei. João: Pode ser do cachorrinho né. Mariana: Mas cachorro não faz aniversário. Meg e Joana: É. João: Mas pode fazer. (Diário de campo, 22/04/2015)

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Os momentos de brincadeiras das crianças são incríveis. Elas se apropriam

da criatividade e ficam imersas na imaginação de uma maneira tão marcante que a

realidade parece pequena diante da fantasia. O fantástico e o imaginário são

expressos no brincar de cada criança ao falar que vai a feira, quando faz um bolo de

areia, quando diz que vai buscar água no poço, ou ao propor algo incomum como o

aniversário de um cachorro, “mostram uma mistura de realidade e fantasia, em que o

cotidiano toma outra aparência, adquirindo um novo significado” (BOMTEMPO,

1997, p. 69). As imagens da Foto 26 retratam este momento e outros no mesmo

espaço.

Foto 26: Crianças aproveitando elementos da natureza

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Todo este processo vivenciado pelas crianças na área externa desvela que a

experiência espacial é frequentemente uma experiência mediada, visto que “o

contato com artefatos e objetos nela presentes é um contato que permite vivenciar a

filogênese humana, na sua própria ontogênese, não para repeti-la ou recapitulá-la”,

mas possibilitando uma condição de emancipação. (LOPES, 2009, p. 127)

Por isso, na maioria das vezes quanto menos o espaço for elaborado e

pensado segundo a lógica do adulto, mais possibilidades existem para a criança

brincar, reinventar suas brincadeiras, aprender o novo. É preciso, pois, “deixar o

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espaço suficientemente pensado para estimular a curiosidade e a imaginação da

criança, mas incompleto o bastante para que ela se aproprie e transforme esse

espaço através de sua própria ação” (LIMA, 1989, apud BARBOSA, 2007, p. 9).

No entendimento de Barbosa (2007), o qual compartilho, a criança

precisa de espaços em que possa deixar suas marcas, onde possa voltar amanhã e se perceber ali, em algum rabisco, em algum montinho de areia, em algum objeto fora do seu lugar habitual. Espaços que, de alguma forma, possam ser transformados por ela, que possam acolher suas manifestações. (BARBOSA, 2007, p. 8)

No quintal, as crianças brincavam de acordo com as possibilidades materiais

existentes. Correm, gritam, ficam quietas por ‘segundos’ para ‘descansar’, mudam

de brincadeiras, modificam parceiros e parceiras.

Em uma ocasião Caio, Neymar e Joelma caminhavam por uma vala feita de concreto que há no entorno da calçada. Logo que percebeu, a professora pediu que parassem imediatamente, pois algumas crianças ao fazerem aquilo já haviam se machucado. Momentos depois, Maria começa a girar ao redor de um dos esteios colocados próximo da calçada. E fica ali por alguns instantes, até partir para outra brincadeira. (Diário de campo, 29/052015)

O que se percebe é que quando podem, “as crianças determinam quando

começar e quando parar uma brincadeira, ou quando simplesmente interromper para

recomeçar daqui a pouco.” (BARBOSA, 2007)

Mesmo diante de uma aparente liberdade que as crianças usufruem no tempo

passado neste espaço, a imposição e poder da professora não ficam na

invisibilidade. Há o controle quanto aos limites espaciais. Por exemplo, as crianças

não podiam aproximar-se do portão, nem correr ao redor da casa, ficando “longe dos

olhos” adultos, se arrastar ou ficar rolando na areia também não era permitido, entre

outras atitudes. Além disso, a imposição e controle do tempo de brincar eram

freqüentes.

Professora: Bora, bora guardando os brinquedos aqui no balde. Já vamos entrar pra tomar banho. Me deem aqui os bambolês também. José: Ah não tia, só mais um pouquinho. Professora: Só mais cinco minutos hein crianças. Precisamos entrar já. [...] Professora: Agora vamos. Se a gente ficar aqui mais tempo vamos nos atrasar pro almoço. Branca de Neve: Só mais um bolo e pronto. Professora: Não, não. Nem inventa. Já tá na hora. Já estamos até atrasados. Tucano: Tia, o Pedro num quer me dá a bola. Olha lá. Ele foi pra lá correndo. (Diário de campo, 19/05/2015)

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O momento de deixar as brincadeiras no quintal e entrar pra sala de aula e

dar prosseguimento nas outras atividades, não era um momento fácil nem para as

crianças e nem para a professora, porque aquelas sempre queriam ficar mais um

pouco “lá fora” como costumavam dizer. Em alguns casos, a professora se dirigia

com a maioria e aos poucos, os dois ou três que tinham ficado para trás, chegavam

à sala de aula.

As observações revelaram ainda que não há um planejamento sistemático,

programado na rotina, objetivando direcionar as crianças para a área externa. É um

espaço que as crianças falaram e demonstraram por suas atitudes que é importante

para elas. Porém, na maioria das vezes, as crianças iam para este espaço, não

quando manifestam interesse, mas quando tinha um tempo sobrando entre uma

atividade e outra.

Nesse sentido, fica claro que o tempo para o brincar neste espaço era

determinado a partir das atividades subsequentes, prevalecendo, portanto, o tempo

institucional sobre o tempo subjetivo das crianças. Lauro (2012) fundamenta esta

questão dizendo que, em grande medida, “não são as atividades que determinam o

tempo, mas o tempo determina as atividades.” A autora complementa afirmando que

as atividades

possuem o objetivo de apenas manter uma sequência, para garantir a pontualidade dos horários determinados. Isso acaba por gerar uma descontinuidade, uma atividade é sempre interrompida pela próxima, independentemente do interesse ou não da criança. (LAURO, 2012, p.195)

De fato, o interesse das crianças nem sempre era considerado. Visando

cumprir os horários de cada atividade, o tempo institucional se sobrepunha ao tempo

subjetivo, ou seja, as crianças passavam mais ou menos tempo em um determinado

espaço a partir das atividades que as professoras precisavam dar conta. Para

Santos (2003), o tempo institucional é estabelecido e difundido visando uma

uniformidade na instituição escolar e uso de seus espaços.

Assim, entendo que a área externa, mesmo sendo um espaço e tendo tempos

impostos, se constitui um espaço que favorecia o brincar, nem tanto pela sua

estrutura, que poderia ser melhor, mais atrativa, com mais brinquedos, como as falas

das crianças revelará posteriormente, mas por ser um espaço com possibilidades

para que as crianças o explorasse, modificando-o e re-significando sua utilização,

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em que as crianças sentiam-se mais livres, exercendo sua criatividade e fantasia,

percebida raramente em outros espaços.

5.1.2 A brinquedoteca

A brinquedoteca da UEI pesquisada não foi organizada em uma sala

específica. O espaço foi adaptado, e fica entre o pátio e o refeitório. Contém alguns

brinquedos como carrinho, ursos de pelúcia, caminhão, fogão de plástico e outros

que ficam dispostos em prateleiras. Contém um baú que possui livros variados, um

teatro de fantoches, colchonetes, materiais apresentados em amostras culturais que

ficam suspensos, livros e portfólios dispostos em estantes baixas.

Foto 27: Brinquedoteca

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

A brinquedoteca é concebida como um espaço que permite o brincar

livremente, estimulando à manifestação das potencialidades e necessidades lúdicas

das crianças por meio de jogos variados e diversos materiais que permitem a

expressão da criatividade. Cunha (2001) acrescenta que a brinquedoteca é

“responsável por mediar à construção do saber, em situações de prazer, com gosto

de aventura, na busca pelo conhecimento espontâneo e prazeroso”, e ainda,

incentivar sentimentos, conhecimentos e emoções. (CUNHA, 2001, p. 17)

No entanto, contraditoriamente a esta definição, algo me chamou a atenção

durante as observações. Apesar de este espaço ser um lugar bem organizado,

contendo prateleiras baixas, livros, brinquedos a mostra e em bom estado de

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conservação, diferente dos brinquedos utilizados em sala de aula e na área externa,

entre outros materiais, era pouco frequentado pelas crianças a partir do

direcionamento e permissão das professoras, conforme excertos de entrevistas:

Pesquisadora: E aqui? Onde é? (mostrando a foto da brinquedoteca) Caio: É aqui ó, (aponta para a brinquedoteca) Pesquisadora: E dá pra brincar? Pode? Neymar: Só as vezes que pode, as vezes num pode. Pesquisadora: E quando é que vocês brincam aqui? Caio: A gente ouve história. Meg: Pega livro. Maria: A gente também, a gente faz a dança. Neymar: Tá vendo aquele “caminhãozão”. Ele é firme. Mas num pode levar lá pra fora. Pesquisadora: Mas que ‘horas’ é que vocês vem pra cá? Meg: Quando a gente vem com a tia que ela trás nós. (Entrevista em roda de conversa, 19/05/2015) Pesquisadora: Olhem só essa foto. Pode brincar aqui ou não? Mariana: Pode. Tucano: Num pode não. Mariana e Bel: Pode sim. Bel: É. Tu num tá vendo brinquedo ali ó.? Pesquisadora: E quando é que vocês vem brincar aqui? Mariana: Quando a tia manda e vem pra cá com a gente também ela conta historinhas. (Entrevista em roda de conversa, 19/05/2015)

As falas das crianças denotam uma tentativa de submissão delas à figura da

professora. Conforme já mencionado, o espaço da brinquedoteca é, comumente,

pensado e organizado para vivência do brincar. No entanto, o tempo voltado ao

brincar neste espaço, de forma livre ou dirigida, e com a supervisão da professora,

era mínimo.

De acordo com Buss-Simão (2012), “a organização dos tempos e espaços em

instituições de Educação Infantil tem sido considerada fundamental para pensar uma

Pedagogia da Infância, sendo que faz parte da ação pedagógica o pensar, o planejar

e o organizar o espaço. “(BUSS-SIMÃO, 2012, p. 261)

Parece incoerente que um espaço carregado de informações e estímulos não

fosse frequentado de maneira regular. Na realidade, mais uma vez fica evidente que

não havia um tempo pré-estabelecido na rotina ou no planejamento das professoras

o brincar das crianças na brinquedoteca.

Assim, os momentos que as crianças iam para a brinquedoteca com a

permissão das professoras se resumiam a rápidos momentos de leitura e manuseio

de livros, além de ensaios para apresentações culturais que elas realizavam dentro

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e fora da UEI. Na Foto 28 a seguir, o registro de uma participação que as crianças

tiveram na Praça Batista Campos em Belém-PA.

Foto 28: Apresentação cultural: dança

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Os adultos costumam sedimentar as ações. Brincar é brincar. Dançar é

dançar. No entanto, enquanto dançavam em um espaço diferente do convencional

foi comum presenciar crianças apresentando timidez e receio. Já para outras, o

momento era de euforia total. Elas estavam preocupadas em apenas brincar e se

divertir.

De acordo com Kishimoto (2001) ao brincar, a criança pode compartilhar

valores culturais e significações, expressar suas ideias e emoções, aprender a tomar

decisões, cooperar, socializar. Assim, neste mesmo sentido, entende-se que

o brincar gera situações de interação e de construção de conhecimento da realidade, de sociabilidade, de experimentação da relação com o outro, de experimentação da cultura e de exercício da decisão e da interação, permitindo á criança, colocar-se em contato com seus limites e capacidades, bem como, com seus sentimentos, num clima favorável de satisfação pela possibilidade de criação das próprias decisões, ação sobre as situações concretas do cotidiano e realização de seus desejos e escolhas. (JURDI, 2004, p. 28).

Logo, o espaço do brinquedoteca favorecia parcialmente o brincar, visto que

os momentos de vivência do brincar não eram freqüentes, e, muitas vezes, para

brincar com liberdade neste espaço, era preciso a permissão adulta.

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5.1.3 A sala de aula

Quanto à sala de aula, também se configura como um espaço imposto, pois

dentre outras atividades pensadas e planejadas para cada dia, o brincar era

reconhecido e permitido como uma delas pelas professoras. Não houve um dia

sequer, durante as observações, que as crianças não brincassem neste espaço.

Algumas crianças a consideravam “lugar de brincar”, mas também “lugar de

aprender” tendo em vista que a maioria das atividades pedagógicas dirigidas

acontecia em sala de aula. Em um diálogo com José pude perceber isto em sua fala.

São 8:20h e o primeiro lanche é servido: mingau de farinha de arroz. As crianças demonstram independência ao se alimentarem sozinhas sem o auxílio da professora ou de outras pessoas. José é um dos últimos a terminar de tomar seu mingau. Todos já haviam se dirigido à sala de aula. Quando termina vai pra área da brinquedoteca, próximo onde estou sentada registrando minhas observações. Enquanto manuseia uns portfólios dispostos em uma estante baixa, me aproximo e pergunto: Pesquisadora: Você gosta de ler? José: Porque não pode levar livro? Pesquisadora: Você gostaria de levar esse livro pra casa? José: É. Na minha igreja não tem livro. Eu sei fazer isso (indicando uma pintura constante no portfólio). Eu gosto de fazer dever, de brincar de ler. Pesquisadora: E do que mais você gosta de brincar? José: Meu primo brinca de pipa, mas aqui não pode. Eu gosto de brincar de bola lá fora. De repente fecha o portfólio e já saindo José diz: Eu já vou pra minha

escola agora. (Diário de campo, 14/04/2015)

No primeiro momento fiquei confusa com o que tinha ouvido. Mas quando o

percebi dirigindo-se a sala de aula, ficou claro que a sala de aula era identificada por

José como um “lugar de aprender.” No entanto, no momento das entrevistas, ele e a

maioria das crianças também designam a sala de aula como “lugar de brincar”

conforme aponta a seguir a transcrição de uma entrevista.

Pesquisadora: E aqui, pode brincar? (falo mostrando a foto da sala de aula) Bel, Paty, e Bil: Sim. Pode. Tião: Mas a gente faz trabalhinho também. Pesquisadora: E brinca do que aqui? Bil: De ver televisão quando nosso pai ainda não chega. Bel: De massinha e pecinha que a titia dá. Paty: De massinha, de casinha com a boneca. Mas a Joelma só quer pra ela. Bil: Mas num dá pra jogar bola, a tia num deixa. (Entrevista, 07/05/2015)

Esta questão que passa na mente das crianças que ora entendem a sala de

aula como “lugar de aprender”, ora como “lugar de brincar” atinge também as(os)

professoras(es).

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Desde que a Educação Infantil foi reconhecida como a primeira etapa da

Educação Básica, a partir da aprovação da Lei nº 9394/96 – Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, vários debates e polêmicas têm sido gerados em

torno das especificidades educacionais infantis, tais como: articulação entre educar

e cuidar, o atendimento educacional as crianças com necessidades especiais,

questões raciais e de gênero na infância, o brincar, etc.

Este último aspecto, é tema de recorrentes discussões, inclusive desta

pesquisa que objetiva analisar de que forma o tempo e os espaços do brincar se

constituem no contexto da Educação Infantil, tendo as crianças como sujeitos

informantes privilegiados.

Atualmente, estamos diante de uma realidade complexa no que concerne ao

brincar na pré-escola. Algumas pesquisas apontam para um paradoxo, certa

dicotomia quanto ao brincar para as crianças e para os adultos, professores e

professoras. “De um modo geral, os professores de Educação Infantil reconhecem a

importância do brincar”, no entanto, preocupados em

dar serventia ao tempo passado na Educação Infantil e infundir respeitabilidade a esse espaço, tomam tão a sério a associação aprendizagem-brincadeira que acabam por descaracterizar essa última, transformando-a em ensino rígido, em tudo o que acontece, menos o brincar. (FORTUNA, 2012, p. 32)

Moyles (2002) acrescenta que a maioria dos professores considera o brincar

algo valioso e “que ele tem um lugar na sala de aula, mas a maioria também indica

implicitamente, por suas atitudes, que esse lugar não é tão importante, sendo

secundário às atividades que eles dirigem e supervisionam.” (MOYLES, 2002, p.

100)

Este fato se dá por diferentes obstáculos que os professores precisam

enfrentar para o desenvolvimento do brincar em sala de aula, “como a falta de

espaço físico, a carência de recursos, o grande número de alunos, entre outros.”

(HORN; SILVA; POTHIN, 2012, p. 138)

É comum percebermos professoras(es) objetivando resultados a partir do

brincar. Exemplo disso são “os brinquedos pedagógicos e os métodos lúdicos de

ensino e de alfabetização”, que apontam para uma “flagrante supremacia da

dimensão cognitiva em detrimento das dimensões socioafetiva e psicomotora.”

(HORN; SILVA; POTHIN, 2012, p. 90)

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Quando as instituições educacionais invocam o “binômio brincar-

aprendizagem, “privilegia-se o ensino dirigido sobre o brincar, descaracterizando-o

ao sufocá-lo.” Ao fazer da brincadeira ou do jogo um modo de ensinar e aprender

corre-se o risco de “transformá-los em atividades dirigidas, em jogos ou brincadeiras

didatizadas” – deixam de ser jogos e brincadeiras. Isso acontece, porque entre “os

mais valiosos aspectos do jogo e da brincadeira está a sua improdutividade e o seu

caráter autotélico, isto é, seu fim em si mesmo.” Afinal,

o objetivo de jogar e brincar é sobretudo jogar e brincar. Se tirarmos da atividade lúdica a liberdade e a espontaneidade que a mesma possui, acabamos por descaracterizá-la.[...] É perigoso usarmos jogos e brincadeiras apenas como modo, uma maneira de transmissão de conhecimentos, “tornando-os não mais jogos e brincadeiras, mas atividades dirigidas [...]. (VIDAL, 2012, p. 158 e 163)

Em muitos casos, os professores são cobrados, inclusive pela família, em

relação ao desenvolvimento cognitivo, resultando em um prejuízo às crianças, pois

são se leva em consideração o interesse e as necessidades delas, mas o

cumprimento de programas pré-estabelecidos. (HORN; SILVA; POTHIN, 2012)

Ao elaborar seu planejamento, sua proposta de trabalho junto às crianças, o

professor deveria “refletir sobre os objetivos que a definem, a importância atribuída

ao ato de brincar e qual o espaço reservado para esta atividade relevante,” Nesse

sentido, concordo que

privar a criança de viver intensamente em favor de um treinamento mecânico é represar sua energia, é não aproveitar suas capacidades, é podar-lhe a curiosidade, sua abertura para explorar o meio em que vive, é substituir a aprendizagem significativa pelo condicionamento, enfim, impedi-la ser criança enquanto criança. (HORN; SILVA; POTHIN, 2012, p. 144)

Nesse sentido, que não somente as(os) professoras(es), sobretudo as

instituições infantis, compreendam em seus projetos e práticas, as crianças

enquanto sujeitos históricos de direitos. Isto significa que a criança precisa ser

pensada de outro modo, “que não a reduza ao projeto de adultos que um dia será,

mas que leve em conta sua alteridade e a reconheça na sua especificidade, nos

tempos e espaços em que se faz criança e vive sua infância.” (BORBA, 2009, p. 98)

A sala de aula possuía em sua estrutura 07 (seis) mesas quadradas, 26 (vinte

e seis) cadeiras coloridas, dois ventiladores, 01 (um) banheiro, que não está em bom

estado, 01 (um) armário de madeira que serve para guardar mochilas, calçados das

crianças, materiais de higiene pessoal como shampoo, sabonete, creme dental,

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perfume, talcos, e outros. As paredes da sala de aula eram decoradas com flores e

gramas, borboletas, painel de aniversariantes e em alguns momentos cartazes com

as atividades produzidas pelas crianças. Os materiais disponíveis e voltados ao

brincar observados e mencionados pelas crianças foram: massinha de modelar,

bonecas, peças de encaixe, jogos de montar, peças avulsas de jogos. Na realidade

eram poucos os brinquedos em perfeito estado. No entanto, tudo ficava guardado.

Não ficavam em locais de acesso livre às crianças.

Foto 29: Sala de aula

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

A organização ‘padrão’, ou seja, a mais comum, da sala de aula pode ser

observada nas fotos acima. Conforme Fortuna (2012), “a própria arrumação das

salas é um indicador não apenas da possibilidade de exercício da atividade lúdica,

mas da atividade em geral permitida.” (FORTUNA, 2012, p. 38)

Desse modo, a própria estrutura e organização da sala de aula eram um

indicador do brincar. Os tempos impostos para o brincar tendo como arranjo espacial

o apresentado na foto 02, se concretizavam nos momentos de entrada, em

momentos após as atividades pedagógicas e em momentos após o banho.

Pelo fato das cadeiras serem muito próximas umas das outras, não restava

espaço amplo para as crianças movimentarem-se. Neste caso, as brincadeiras se

resumiam ao uso de massinha ou jogos de encaixe, estando cada um na sua

cadeira. Quando a professora colocava as cadeiras empilhadas no corredor ou

encostadas na parede da sala e as mesas em um canto, era como se ela estivesse

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permitindo outras brincadeiras, mas em tempos e com a organização estabelecidos

por ela.

Foto 30: O brincar em tempos impostos na sala de aula

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

No espaço da sala de aula as crianças passavam a maior parte do tempo.

Nela faziam suas “atividades pedagógicas”, brincavam, dormiam, assistiam

desenhos, se arrumavam. Um espaço como este precisa ter uma configuração visual

e espacial que

facilite o desenvolvimento da imaginação. Os móveis como mesas, bancos, cadeiras, etc., devem ser de fácil manipulação para permitir a reorganização constante do local pelas crianças, e a construções de “casinhas”, “cabanas”, “castelos”, etc. É importante, ainda, garantir um canto com espelho, maquiagens, roupas e fantasias para que as crianças possam utilizá-las nos períodos de jogos.” (WAJSKOP, 2012, p.44)

Em um dos cantos da sala tinha uma televisão, um aparelho de dvd, e um

espelho onde as crianças gostavam de se olhar, pentear-se, cantar, dançar e

conversar em frente a ele.

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Foto 31: Criança conversando em frente o espelho

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Assim como na área externa, apesar de ser um espaço mais reduzido, as

crianças brincavam na sala de aula. Oportunizar que o espaço da sala de aula tenha

áreas e cantos temáticos são o que aconselha Horn (2004), pois se trata de uma

alternativa de interação entre as crianças, utilizando diferentes linguagens e

materiais, permitindo-lhes um entendimento de uso coletivo do espaço, onde “ao

mesmo tempo são possíveis escolhas individuais e grupais que certamente

favorecem também a construção de sua autonomia.” (Horn, 2004, p. 104)

Conforme Nascimento (2014) “cada espaço do brincar tem características

próprias, as quais são apropriadas pelas crianças nas vivências das brincadeiras,

seja para delimitar ou ampliar as alternativas lúdicas.” (NASCIMENTO, 2014, p. 114)

Desse modo, uma articulação mais elaborada e planejada entre as atividades

realizadas em sala de aula é necessária para que o brincar aconteça de modo

favorável e mais frequente, atendendo, na medida do possível, as manifestações

lúdicas das crianças.

5.2 Tempos e espaços opostos para brincar

Como já mencionado no início desta seção, tempos e espaços opostos para

brincar dizem respeito as (re)organizações que as próprias crianças faziam a partir

do que estava posto. Eram espaços e tempos direcionados por elas, contendo seus

ajustes infantis, uma maneira de transgredir as imposições a elas colocadas. Em

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alguns casos, o tempo do brincar para crianças “violava” o tempo do brincar para as

professoras. Discursos como: “aqui não”; “agora não, só depois” evidenciava que as

professoras não desejavam que as crianças brincassem em determinados espaços

e tempo, respectivamente. No entanto, várias vezes, em momentos e em espaços

que não era para brincarem, lá estavam as crianças brincando.

De acordo com Buss-Simão (2012), como adultos, professores e professoras,

temos ainda dificuldade em compreender e legitimar as diferentes formas das

crianças viverem e atuarem no mundo em virtude de suas práticas serem marcadas

pela expressão de múltiplas linguagens, de simultaneidade, de imprevisibilidade, e

por isso

são, na maioria das vezes, tratadas como problema, como caos, cabendo a educação a tarefa de modificá-las, dominá-las no sentido do enquadramento social. Nessa perspectiva, o educar tem como objetivo frear a imaginação, a fantasia, controlar o movimento, regular as múltiplas manifestações infantis, uniformizar suas temporalidades, desejos e sonhos. (BUSS-SIMÃO, 2012, p. 273)

Nas instituições de Educação Infantil é possível perceber que os espaços são

pensados e organizados para manter uma “ordem”. São nesse sentido, que se

institui a materialidade de um sistema de valores, “como os de ordem, disciplina e

vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora e toda semiologia que

cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos.” (ESCOLANO,

2003, p. 26)

Buss-Simão (2012) acrescenta que, por meio de uma padronização,

previsibilidade e regularidade que, sedimentadas em rotinas de espaço e tempo,

será mantida a estruturação de um sistema de regras sociais, “o qual pode ser

definido como uma dada ordem social adulta – ordem institucional”. Em

contrapartida, as crianças, a partir do modo como se dá essa organização espaço-

temporal, “criam rotinas de agir, pensar, comportar e se relacionar, entre pares,

dando relevo a uma ordem social emergente entre as crianças.” (BUSS-SIMÃO,

2012, p. 260)

Ao iniciar a análise dos dados desta pesquisa, me deparei com uma realidade

conflituosa. Durante as entrevistas, as crianças conversaram comigo e me deram

suas respostas sobre os espaços que podiam e quando podiam brincar. Como fui

realizando as transcrições ao final de cada dia, ao sair do campo, comecei a ter um

‘panorama’ dos espaços em que podiam e não podiam brincar, bem como sobre o

tempo em que, segundo elas, podiam e não podiam brincar.

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No entanto, ao ler meus relatos de observações, fui percebendo que os

mesmos espaços em que algumas delas tinham dito: “aqui não pode brincar”, era

‘palco’ de várias de suas brincadeiras. Na verdade, as crianças são ensinadas e

disciplinadas e acabam reproduzindo certos discursos dos adultos, que nem sempre

são como elas gostariam que fosse.

As atitudes das crianças não são regulares, assim como a de nós, adultos

também não é. Comemos, conversamos, e por vezes, assistimos televisão, tudo ao

mesmo tempo. E porque teimamos em querer que as ações das crianças sejam

seqüenciáveis, uma coisa de cada vez?

A seguir serão abordados os tempo e espaços opostos para o brincar, ou

seja, como as crianças brincavam sem a permissão e o direcionamento direto da

professora em vários espaços da UEI e o gerenciamento que faziam do tempo em

virtude do brincar. Vale ressaltar mais uma vez, que a fotografia impressa dos

espaços foi ponto de partida para várias entrevistas com as crianças.

5.2.1 O refeitório

PESQUISADORA: Vamos conversar sobre essa foto hoje tá... Vocês sabem

onde é esse lugar aqui oh?

CAIO: Onde a gente come.

NEYMAR: É pra gente comer.

PESQUISADORA: Ah, então é aqui que vocês comem?

KAUÃ E BIL: É.

CAIO: Humrum.

PESQUISADORA: Mas me diz uma coisa, além de comer, eu vi vocês

brincando aqui.

CAIO: Mas num pode não.

KAUÃ E BIL: É, num pode.

NEYMAR: Pode.

PESQUISADORA: Pode ou não pode?

TODOS: Não.

PESQUISADORA: Mas agorinha o Neymar disse que pode.

CAIO: Pode não.

NEYMAR: Pode sim, pode.

PESQUISADORA: Bem Neymar, você acha que pode. Mas pode de que?

CAIO: De carro

NEYMAR: De moto

CAIO: De animais também. De ônibus.

PESQUISADORA: E como é que brinca de moto aqui?

CAIO: Assim olha, senta só num banco (mostra como seria sentando com

as pernas abertas e em uma das extremidades do banco).

PESQUISADORA: Ah, sentando só num banco. Legal. E de animais como

é?

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CAIO: E pode levar alguém se quiser. É que todo mundo fica sentado assim

(sentado no banco com as pernas encolhidas) e quem tiver com o pé aqui

pra baixo o jacaré come.

NEYMAR: E moto de brinquedo também.

KAUÃ: Eu tinha uma moto de brinquedo lá na minha casa, mas a rodinha

caiu. Num presta mais. (Entrevista, 29/052015)

Na entrevista realizada com Neymar, Caio, Arthur e Bil, percebe-se que eles

sabiam que o refeitório tinha a função prioritária, digamos assim, de ser o local em

que as refeições eram servidas: onde a gente come (Caio); é pra gente comer

(Neymar), pelo fato de todos os dias comerem neste local. As crianças até podiam

comer em outro espaço, mas pelo fato de as atividades de uma turma depender do

andamento da outra, o momento da alimentação acontecia regularmente, no mesmo

espaço e no mesmo horário, com poucas alterações deste.

Conforme Barbosa (2006), normalmente, as atividades são demarcadoras das

subdivisões dos tempos institucionais. “São elas que pautam o inicio, meio e fim do

turno de trabalho dos educadores e do tempo de atendimento as crianças”. Para a

autora, em geral, as atividades de uma classe precisam estar sincronizadas com

todas as demais da instituição, pois de sua execução por um grupo depende a

execução por outro. (BARBOSA, 2006, p. 168)

No entanto, além de alimentarem-se, algumas crianças eram vistas brincando

e eu apresentei isto no diálogo em dos grupos. Eles ficaram sobressaltados como se

eu estivesse chamando a atenção deles. Talvez por minha inexperiência tenha

causado tal sensação. Porém, Leite (2008) aponta que é “muito comum [durante

uma entrevista] a criança dizer aquilo que identifica como sendo o que o

pesquisador esperaria/desejaria ouvir, ou, ainda mais delicado é perceber que as

crianças temem dizer certas coisas que podem voltar contra elas.” (LEITE, 2008, p.

124-125)

Entretanto, ao dizer pode sim, pode, Neymar deu o “ponta-pé” inicial para que

os outros não temessem falar. O sentido poder parecia controverso porque não era

permitido que brincassem quando estivessem comendo. Mas ao dizer que podiam,

na verdade ele queria dizer que era possível, que dava sim. Isto porque as crianças

possuem uma imensa capacidade criativa de “conferirem outros usos e arranjos aos

espaços.” (BUSS-SIMÃO, 2012, p. 272)

O refeitório fica na parte central do espaço físico da UEI, possui 04 (quatro)

grandes mesas com bancos únicos em toda extensão da mesa. As turmas do

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maternal eram as primeiras a serem servidas em todas as refeições e o Jardim I,

que compõem as crianças desta pesquisa eram as últimas.

Foto 32: Refeitório

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

As brincadeiras de algumas crianças no refeitório aconteciam frequentemente

no momento da refeição, tendo em vista que nem todas acabavam de comer juntas.

Houve situações, em que as que precisavam de mais tempo do que as outras para

se alimentar, ficavam no refeitório enquanto as demais partiam para a atividade

seguinte.

As que terminavam primeiro ficavam sentadas, brincavam ali mesmo ou

“invadiam” a brinquedoteca. Estes dois últimos grupos eram chamados atenção e

solicitados que voltassem pro refeitório. Assim, a ordem temporal se unia, assim, à

do espaço, “para regular a organização das primeiras aprendizagens.” (VIÑAO

FRAGO; ESCOLANO, 2003, p. 44)

Logo, afirmar que o refeitório é lugar de comer e não de brincar foi uma

aprendizagem que as crianças incorporaram a partir dos ditames das professoras e

adultos que com elas conviviam na UEI. Contudo, essa aprendizagem era subvertida

quando passavam a brincar onde era “proibido”.

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Foto 33: Crianças brincando no refeitório e na brinquedoteca

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Como a foto 33 revela que quase todas as crianças já tinham terminado sua

refeição, a maioria estava no refeitório e algumas numa parte da brinquedoteca.

Estavam ali não por direcionamento da professora, e sim por um tempo que elas

“descobriram” e “aproveitaram” para brincar até serem chamadas atenção.

Para Barbosa (2006), podemos, “ao refletir sobre o espaço e o tempo,

submeter-nos à autoridade e à tradição ou criar espaços particulares para a

resistência e a liberdade diante de um mundo previamente medido e organizado.”

Era exatamente como as crianças procediam. Por vezes submetiam-se ao imposto,

a autoridade adulta. Em outras impunham seus desejos e necessidades resistindo à

ordem estabelecida. Muitas vezes, a “rotina na pré-escola procura fazer com que

crianças diferentes criem hábitos, procedimentos, gostos e desejos iguais.”

(BARBOSA, 2006, p. 140 e 179)

Desse modo, as falas e atitudes das crianças revelam que o refeitório não

precisava ter uma única finalidade. O banco onde sentavam para comer tornava-se

uma “moto” ou o “abrigo” que o “jacaré” não tinha acesso. Enfim, podia ter várias,

inclusive a função de brecha. “Brecha para um tempo de pausa. Para a vivência

amorosa e preguiçosa de prazer de descobri a si e ao mundo.” (VASCONCELOS,

2009, p. 90)

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5.2.2 O pátio

O interesse pela investigação das crianças-infâncias no contexto da

Educação Infantil, segundo o olhar das crianças, tem como ponto de partida a

“busca de um jeito de vê-las, a busca do diálogo com elas sobre questões que

envolvam a sua infância e que possam ampliar a compreensão dos significados que

as crianças atribuem à sua infância em creches e pré-escolas.” (OLIVEIRA, 2008, p.

283)

Assim, buscar ouvir as crianças sobre os tempos e espaços que brincam,

auxiliam nossas reflexões acerca da garantia de um cuidar e educar às crianças, de

forma indissociável e de qualidade, respeitando-as enquanto sujeitos históricos,

conscientes de sua condição. (Oliveira, 2008)

Foto 34: Pátio

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

O pátio, como mostra a foto 34, contém 02 (duas) mesas com 04 (quatro)

cadeiras cada uma, e ficam em lados opostos. Em um dos lados tem um mural que é

preenchido com algumas atividades pedagógicas produzidas pelas crianças de

todas as turmas da UEI, como pinturas, desenhos e colagens. Geralmente, as

últimas crianças a saírem da UEI, ansiosas e angustiadas com a demora de seus

responsáveis, gostavam de ficar neste espaço, até porque dele dava pra

visualizarem a rua.

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Em alguns casos, as professoras não gostavam de deixá-las ali, pois ficavam

fazendo, segundo elas, “danadices”. Em uma das entrevistas sobre o espaço do

pátio, as crianças apresentaram opiniões divergentes.

PESQUISADORA: Vamos ver outra...? essa aqui olha...onde é..?

MATEUS E KAUÃ: Aqui.

PESQUISADORA: Ah, aqui onde nós estamos. E dá pra brincar aqui?

TODOS: Dá.

PESQUISADORA: do que?

MATEUS: Assim oh (sobe na grade)

BRANCA DE NEVE: Mas a tia briga porque pode apertar o dedo.

MATEUS: Mas eu num to abrindo e fechando (referindo-se ao portão). To

só aqui nesse pedaço.

KAUÃ: Assim também. (Faz uma cambalhota)

PESQUISADORA: Ah, fazer cambalhota né...

KAUÃ: Num é cambalhota, é mortal.

PESQUISADORA: Ah é? Então tá bom.

BRANCA DE NEVE: Mas é de ficar sentado. (Entrevista, 2015)

As falas das crianças possuem evidências do que é imposto e do que

opostamente fazem. Para Branca de Neve, o pátio é um espaço para ficar sentado e

sabe que a professora chamaria atenção se os vissem a brincar ali. Já para Mateus,

a grade que cercava o pátio servia de “instrumento” para suas escaladas. Neste

pequeno excerto, é evidente que este espaço não tem um planejamento e um

direcionamento da professora para que o brincar aconteça nele. As brincadeiras que

as crianças mencionaram não partiam da professora, no entanto, isto não era motivo

ou empecilho para que elas não encontrem um “jeitinho” para brincarem. “Quem

mais subverte os usos que se faz dos espaços e dos objetos do que as crianças?”

(BONOMO, 2009, p. 88)

É evidente que uma série de questões podem ser desencadeadas. O grupo

de professoras e professores poderia questionar-se pensando na integridade física

da criança: “Mas como permitir certas atitudes que elas podem se machucar?” “Se

acontecer alguma coisa, eu serei o responsável.” De fato são questões complexas.

Mas se refletirmos ainda mais sobre o brincar das crianças, vamos perceber que

elas agem de determinadas maneiras, com a nossa permissão ou não. Então,

acredito que uma das alternativas é o diálogo.

Quantas vezes falamos e decidimos no lugar das crianças ao invés de escutá-las? Quantas vezes a criança é aquela de quem falamos e não com quem falamos, mesmo quando está ao nosso lado? [...] Nas salas pré-escolares, por exemplo, permitimos que elas levantem para escolher outra atividade quando aquela que propusemos não as interessam? Deixamos as

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portas abertas para que elas possam decidir se querem ficar na sala ou se preferem sair? [...] Ou, ao contrário, acreditamos que é impossível organizarmos uma turma de 20 a 30 crianças nestas bases? (COLINVAUX, 2009, p. 60)

De acordo com Bonomo (2009), ao trabalhar na educação de crianças, somos

obrigados a confrontar-nos com as nossas certezas. Ao demonstrar uma de suas

brincadeiras no pátio, Kauã fez, na minha linguagem, uma cambalhota. Prontamente

fui corrigida por ele. “Não é cambalhota. É mortal”. São nesses momentos que

percebemos nossa incompletude. “Incompletos somos todos, adultos e crianças,

seres que ainda não sabem e não podem muitas coisas, mas que vivem a

complexidade de ser, com formas próprias de compreender o mundo, abertas à

transformação.” (BORBA, 2009, p. 103)

As observações revelaram que os momentos de brincadeiras das crianças no

pátio era principalmente quando estavam aguardando seus responsáveis ao final da

tarde, ressaltando que não era todos os dias, quando não estavam sob a supervisão

das professoras, quando precisavam passar por ele ao se dirigirem a parte externa

da UEI, quando terminavam rápido suas refeições davam rápidas percorridas até o

referido espaço, nem que fosse apenas para olhar algum trabalho que tinha lhes

chamado a atenção no mural.

5.2.3 O Escovódromo

Segundo dicionário Houaiss (2004) da língua portuguesa, escovódromo é a

área de um determinado lugar (escola, hospital, posto de saúde) reservado pra

higiene bucal. A interpretação compartilhada pela maioria das crianças também é

esta. Porém, quem disse que uma coisa não pode ser duas, ou três quem sabe?

Para Lopes (2009), as ações das crianças, seja dentro ou fora do ambiente

educativo, são permeadas de “processos de subversão do espaço, de ir contra o

instituído, o reconhecimento de espaços tidos como proibidos, mas muitas vezes

acessados a partir de seus encontros com seus pares.” (LOPES, 2009, p. 129)

O espaço do escovódromo ficava na parte dos fundos da área externa. A pia

única de inox estava adaptada ao tamanho das crianças. Possui 04 (quatro)

torneiras, próximas uma das outras e um espelho, conforme Foto 35 a seguir.

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Foto 35: Escovódromo

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

As vivências do brincar não se davam especificamente no momento em que

as crianças estavam a escovar os dentes. Iniciava no trajeto. A calçada que

percorriam da sala de aula ou do refeitório até o escovódromo, era uma opção a

mais para elas brincarem. Apesar de serem servidas 04 (quatro) refeições, as

crianças só realizavam higienização dos dentes após o almoço e o jantar, isto é,

quando não estavam “atrasados” para a atividade seguinte que podia ser o repouso

ou o horário da saída.

Sobre essa sucessão de atividades que as crianças são submetidas, Barbosa

(2006), diz que, de fato, nas escolas infantis existe “uma sequência fixa de

atividades que ocorrem no decorrer da jornada.” [...] “As horas de realizar as

atividades são cronometradas, mas, na verdade, não são horas”; algumas vezes são

minutos, que se justificam na rapidez em que acontecem, e em outras chegam a ser

turnos, porque a hora exata da próxima atividade parece que não chega nunca.

(BARBOSA, 2006, 167)

Algo que percebi na rotina das crianças que as crianças iam mais para o

escovódromo com a professora da manhã, ou seja, após o almoço. À tarde, o mais

comum era a escovação acontecer na pia do banheiro central, próximo ao refeitório.

Quando as crianças estavam terminando a professora já estava com as escovas na

mão e chamando-as de 02 (duas) em 02 (duas). Como no turno vespertino elas

faziam a última refeição uniformizadas, a professora tinha receios que compartilhou

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comigo: “Eles se molham muito pra lá, as vezes ligam forte a torneira, querem tá

correndo, aí já viu.”

O momento da escovação dos dentes, propriamente dito, era corrido. Eu não

compreendia e nem compreendo porque tanta urgência. As crianças que gostavam

de ficar ali fazendo várias coisas e demoravam um pouco mais que as outras, eram

apressadas pela professora. As vezes “gastavam” um pouco mais de tempo se

olhando no espelho e vendo a espuma do creme dental que se formava em sua

boca, faziam “caras e bocas”, disputavam qual espuma que cuspiam era levada

mais rápido pela água, e o que mais a imaginação permitisse.

Foto 36: Crianças durante escovação

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

A imaginação infantil é “capaz de transformar, de recriar, de ressignificar a

partir do que há no real”. A cultura e a sociedade dispõem, disponibilizam

conhecimentos que impreterivelmente chegam até a criança, porém o jeito delas de

olhar e ressignificar as informações permite que vão além, que de fato criem.

(COUTINHO, 2002, p.115)

O tempo que as crianças ficavam no escovódromo era em média 12(doze)

minutos. Pela própria estrutura da pia, enquanto 04 (quatro) crianças escovavam os

dentes, o restante ficava aguardando, pois já tinham apreendido o discurso adulto, e

sabiam deste direcionamento, como revela excertos de uma entrevista.

PESQUISADORA: E aqui?

ELZA: É de escovar o dente.

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PESQUISADORA: E o que mais?

BEL: É porque cada um tem a sua escova e a tia vai colocando pasta na

nossa escova.

PESQUISADORA: Hum... muito bem. E quem termina faz o que?

ELZA: Fica lá mesmo.

NEYMAR: Depois é que a gente vem.

PESQUISADORA: E fica lá fazendo o que?

ELZA: Esperando todo mundo terminar. (Entrevista, 2015)

Nesse momento de espera é que algumas crianças também brincavam,

mesmo não sendo permitido pela professora. As crianças que ficavam aguardando

sua vez de ir para a pia, também imaginavam e inventavam “coisas” para não ficar

parados. O tempo era precioso demais para elas o desperdiçarem. Assim,

penduravam-se na grade de proteção ao ar-condicionado da sala próxima ao

escovódromo, giravam ao redor dos esteios, andavam equilibrando-se na sarjeta19

próximo à calçada, davam “vida” a suas escovas. As imagens da Foto 08 revelam o

espaço que as crianças brincavam enquanto aguardavam o momento da escovação

e um dos momentos de “oposição” ao espaço e tempo imposto.

Foto 37: Espaço oposto e criança brincando

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

19 Escoadouro para as águas das chuvas que, nas ruas e praças, beira o meio-fio das calçadas; valeta.

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Para Nascimento (2008), refletir o cotidiano da educação infantil não é uma

tarefa fácil. Muitos desafios se impõem a cada dia de trabalho com as crianças.

Nesse sentido, é fundamental a (re)invenção do cotidiano na escola infantil , sendo

necessário adultos, professoras e professores responsabilizarem-se pelo seu próprio

tempo, e assim

romperem com o tédio da repetição, diminuírem o estresse de fazer tudo igual, criando um tempo diverso e diversificando, um tempo que dê espaço às crianças e aos próprios educadores, dando ouvidos a tudo o que eles tem de inovador, de criativo, permitindo usar o tempo com a clareza possível a respeito dos fatores que nos fazem realizar as coisas de um modo ou de outro. (BARBOSA, 2006, p. 204)

Por isso, enquanto professoras, professores e instituições de Educação

Infantil valorizarem um espaço-tempo único, que não considera o ritmo, as

necessidades e os interesses das crianças, não respeitará a diversidade da infância,

“ela continuará podando, com sua atitude, qualquer, ou melhor, toda possibilidade

de a criança construir suas aprendizagens, construir seu desenvolvimento e sua

forma de ver e viver o mundo.” (LAURO, 2012, p. 196)

As crianças, assim como nós adultos, temem ir de encontro ao instituído, se

opor ao que são sujeitados dia após dia, e em muitos casos, elas são mais

“audaciosas” que nós. Respeitar as alteridades da infância e enxergar a criança

como um sujeito de direitos, acredito ser o ponto de partida para a (des)

homogeneização de espaços e tempos em instituições de Educação Infantil que tão

frequentemente tem suprimido o brincar em virtude de outras tarefas.

5.2.4 O chuveródromo e calçada lateral

O momento do banho e os espaços a ele relacionados foram considerados

opostos porque não eram destinados e permitidos para o brincar, uma vez,

teoricamente segundo a orientação das professoras, era uma atividade que

objetivava o asseio das crianças, as quais, tinham ciência disso.

PESQUISADORA: Agora nós vamos falar sobre essa foto aqui tá bom.?

PEDRO: É onde a gente toma banho né tia?

PESQUISADORA: Isso mesmo.

JOELMA: É pra gente almoçar.

PESQUISADORA: E vocês gostam de tomar banho?

JOELMA E JOÃO: Eu gosto.

FLOR: Eu também.

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PESQUISADORA: Eu também gosto de tomar banho sabia? Eu gosto de

cantar em baixo do chuveiro.

As crianças riem e se entreolham...

PESQUISADORA: Vocês riem é? É verdade. Do que vocês gostam?

JOELMA: Eu gosto de pular. Mas pode cair. Ai vai sair sangue né?

JOÃO: Eu num gosto quando cai shampoo no meu olho, arde que só.

FLOR: Mas os meninos ficam correndo aqui. Mas eu num corro. Num pode

né?

PEDRO: Tem que ficar quieto pra tomar banho. Num pode ficar correndo.

(ENTREVISTA, 2015)

Assim como durante a escovação, no chuveródromo, 04 (quatro) crianças

tomavam banho por vez e as outras aguardavam, e, quase sempre, a questão da

espera gerava brincadeiras. O chuveródromo e o espaço que Flor se refere ao dizer

“mas os meninos ficam correndo aqui. Mas eu num corro. Num pode né?”, estão

evidenciadas na Foto 38:

Foto 38: Chuveródromo e calçada lateral

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Por questões éticas, o brincar das crianças nestes espaços não foram

fotografadas. As observações sinalizaram que, frequentemente, as meninas eram as

primeiras a tomarem banho. Enquanto isso, alguns meninos partiam para a corrida

do chuveródromo ao portão, brincadeira mais recorrente na calçada.

Quando as crianças procediam assim, contra a ordem da professora que era

de que ficassem quietos, próximo ao chuveródromo, eram chamados atenção

constantemente, inclusive sabiam as “possíveis conseqüências” de suas corridas.

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PESQUISADORA: E essa outra foto aqui?

KAUÃ: É de chuveiro.

NEYMAR: Pra ir tomar banho.

PESQUISADORA: Ah, é para tomar banho. E dá pra brincar?

CAIO: Não.

NEYMAR E KAUÃ: Dá...

PESQUISADORA: Dá ou não dá?

CAIO: Não, senão vai cair.

NEYMAR: Dá, dá, dá...

CAIO: Dá nada, senão vai cair nessas “preda”. (aponta pra calçada)

PESQUISADORA: Ah, então quer dizer que dá, mas se correr cai nas

pedras é?

KAUÃ: E vai machucar o pé.

NEYMAR: E vai sair sangue no pé. (ENTREVISTA, 2015)

Por vezes não se criam tempos e espaços “em que as crianças possam

exercer e ensaiar formas próprias de ser e estar no mundo.” São direcionadas a

partir de deveres impositivos. Não são oferecidas a elas situações para que

experimentem “formas e modos de falar, pensar, agir e sentir.” Entretanto, o

movimento exigirá um “exercício diário de acreditar nas crianças, de respeitá-las em

seus desejos e suas propostas.” (COLINVAUX, 2009, p. 61)

Muitos professores e professoras não entendem porque as crianças são

“teimosas”, “não obedecem”. Como acreditar e respeitar seus desejos e propostas

sem ouvi-las? Elaborar estratégias que não atenda suas necessidades infantis pode

se constituir uma perda de tempo. Lauro (2012) orienta que

A única certeza que temos é a de que é de extrema urgência “aprendermos” a trabalhar com as imprevisibilidades, com as situações não planejadas. Fugirmos da rigidez das nossas rotinas, que se mostram “engessadas”. E isso só será possível quando nós, profissionais, descermos do pedestal de adultos detentores do saber e nos agacharmos para tentar alcançar a altura da sabedoria das crianças, apenas ouvindo o que elas têm a dizer. (LAURO, 2012, p. 196)

Outra brincadeira desvelada nas observações e registrada foi vinda das

meninas. Estas, depois de banhadas, enquanto aguardavam os meninos e a

professora para voltarem todos juntos à sala de aula, aproveitavam suas mãos

molhadas e as “carimbavam” na parede as proximidades do chuveródromo. Outras

brincadeiras como correr de um lado para o outro, pular sobre o “rio” (desnível da

calçada na parte central) cheio de bichos, foram outras brincadeiras infantis

percebidas.

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Foto 39: Mãos molhadas “carimbadas” na parede

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

A brincadeira, conforme Brougère (2008) pressupõe uma aprendizagem

social. Para o autor, “a criança não brinca numa ilha deserta. Ela brinca com as

substâncias materiais e imateriais que lhe são propostas, ela brinca com o que tem

na mão e com o que tem na cabeça” (BROUGÈRE, 2008, p.105).

Como as crianças não levavam brinquedos para o chuveródromo, elas

brincavam de acordo com o que era possível, para muitos, ações insignificantes,

desimportantes. Mas quem disse que elas estão preocupadas em produzir? Ou

melhor, as crianças produzem-se sim, mas “na brincadeira entre seus pares, na

relação contemplativa de si e do mundo, na atenção prioritária às desimportâncias,

às coisicas, na preguiça de quem brinca com o tempo – insubmisso.”

(VASCONCELOS, 2009, p. 88)

Desse modo, percebemos que não só as crianças da UEI, mas as crianças de

um modo geral aproveitam pequenos tempos, como alguns minutos de espera, para

brincarem. É como se todo tempo fosse oportuno, e todo espaço possibilitador do

brincar, quer os adultos e professoras e professores, percebam e reconheçam, ou

não.

5.2.5 Sala de aula

A sala de aula, conforme apresentado anteriormente, apesar de configurar-se

como um espaço imposto e com tempos impostos, visto que o brincar era

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reconhecido e permitido pelas professoras, também se caracteriza como espaço e

tempos opostos para o brincar. Isto quer dizer que conquanto a sala de aula fosse

um espaço em que o brincar era permitido, em determinados momentos ele não era,

havendo a organização espaço-temporal a partir das próprias crianças, contrapondo-

se ao estabelecido, ao ordenado.

São 16h13min e as crianças já tomaram banho, vestiram seus uniformes e a professora liga o aparelho de DVD e a televisão para que assistissem um filme infantil, enquanto aguardam a próxima atividade fixa da rotina: o jantar. As 16h28min somente Neymar, José, Maria, Meg e Branca de Neve continuavam assistindo o filme. (Diário de campo, 03/06/2015)

Este episódio evidencia que o tempo das crianças se opôs ao tempo da

professora, pois o planejado era que ficassem assistindo o filme até que chegasse o

horário do jantar. Entretanto, a maioria não ficou sentada até o momento do jantar,

demorando-se apenas 12 (doze) minutos nesta ação que havia sido imposta,

considerada pelas crianças como uma brincadeira. As fotos 40, 41 a seguir são

deflagradoras dessa realidade em que o instituído foi alterado, foi transgredido em

virtude do interesse de algumas crianças por outras brincadeiras.

Foto 40: O brincar em tempos impostos na sala de aula

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

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Foto 41: O brincar em tempos opostos na sala de aula

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

Os ritmos de cada pessoa são diferentes. É difícil que crianças façam a

mesma coisa em um tempo único. Os ritmos biológicos, que, em geral, são

concedidos nas rotinas dos primeiros anos

as crianças dormem quando desejam, comem com os colegas, mas também podem comer fora do horário – são progressivamente abandonadas por outras atitudes: não é hora de ir ao banheiro, não se pode tomar água, não se pode mexer na lancheira antes da hora da merenda, está na hora da sesta e tem que dormir obrigatoriamente.” (BARBOSA, 2006, p. 148)

Assim, desrespeitando as individualidades em favor da ordem na coletividade,

várias atividades são planejadas no sentido de ocupar a criança durante todo o

tempo em que permanecer na instituição. “A criança não precisa pensar ou se

expressar, pois decidimos previamente como organizar seu tempo.” (PICANÇO,

2009, p. 240)

Principalmente nos intervalos entre o término do banho e o almoço; e entre a

escovação dos dentes e o horário de saída, o uso da televisão era recorrente. A

televisão assume um espaço-tempo relevante no cotidiano das crianças: “conta-lhes

histórias, faz apelo à sua fantasia e imaginação, mostra-lhes acontecimentos,

pessoas e lugares a que dificilmente teriam acesso de outro modo, permitindo-lhes

viajar no tempo e no espaço”. (PEREIRA, 2009, p. 222)

Os tempos opostos estão diretamente vinculados ao desejo, a vontade, ao

querer da criança em brincar. Era nesse sentido, considerando a sala de aula, que

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as crianças brincavam definiam o tempo em que queriam permanecer na mesma

brincadeira, o que explica as fotos 40 e 41. Houve momentos em que as crianças

estavam gostando tanto do que estava passando que não queriam jantar, muito

menos que o filme fosse pausado. “Quando as crianças gostam de uma atividade,

dão significado a ela, são capazes de ficar muito tempo envolvidas.” (BARBOSA,

2006, p. 148)

Já em outros momentos, demonstravam seu desinteresse saindo da frente da

televisão e optando por outras brincadeiras. Sendo que esta última situação era

sempre repreendida pela professora: “Se vocês não se sentarem eu vou desligar a

televisão”; “Eu só vou colocar o filme quando todo mundo tiver sentado.” As crianças

obedeciam por breves minutos. Em seguida, já estavam de novo brincando do que

realmente lhes interessava.

Foto 42: Crianças reconfigurando espaços e tempos

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

As atitudes das crianças, demonstradas na Foto 42 expressam claramente o

brincar em tempos opostos. Este registro foi feito próximo ao horário da saída. O

direcionamento da professora era de que ficassem sentados nas cadeiras,

aguardando seus responsáveis que já estariam entrando para buscá-los. Enquanto a

professora precisou se ausentar da sala de aula por uns instantes, as crianças

passaram a arrastar-se pelo “túnel” feito de cadeiras ou engatinhar por cima delas. O

momento do “caos”, defendido por Buss- Simão (2012) foi deflagrado.

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O tempo do “caos” se contrapõe ao tempo da ordem, e naquele, “são as

crianças que têm o papel ativo e central na tomada de decisão, na condução de

suas ações, na organização dos espaços e definição de seus usos.” Ao perceber e

identificar esses “outros usos e outras geografias que as crianças criam nesses

espaços, elas tornam evidente as suas mais diversas capacidades de ação.” (BUSS-

SIMÃO, 2012, p. 268)

Segundo Bonomo (2009), a criança retém tempos diversos, e claramente

consegue reconhecer as multiplicidades com as quais o espaço é construído.

Portanto, que o tempo na Educação Infantil seja um “tempo de infância, pleno de

sentido e desafiador e as relações sejam simultaneamente significativas e

prazerosas, criativas, críticas e inovadoras.” (REDIN, 2000, p. 52)

De acordo com Barbosa (2006), a maneira que “experimentamos o espaço e

o tempo é extremamente importante para a nossa constituição como sujeitos sociais

e para a maneira como nos relacionamos com os demais.” (BARBOSA, 2006, p.

140)

As crianças experimentam fazer várias coisas e em variados tempos e

espaços em virtude de seu encanto com o novo, o diferente, a imprevisibilidade.

Desde que sua integridade física seja assegurada, porque temos tanto receio em

respeitá-las e deixá-las livres para experimentar as mais diversas formas e

manifestações do brincar?

Na seção seguinte serão abordadas as perspectivas apontadas pelas

crianças sobre o brincar na UEI. Compreender suas vozes pode ser o primeiro

passo para a instituição de creches e pré-escolas que atendam, fundamentalmente,

as necessidades infantis.

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6. “EU QUERIA QUE...”: as perspectivas infantis sobre o brincar

Alguns homens veem as coisas como são e dizem: - Por quê?

Eu sonho com as coisas que nunca foram e digo: - Por que não?

Bernard Shaw

As crianças, ao se expressarem, “retratam não apenas o vivido por elas, mas

vivido por outros [como os adultos com quem convivem] e, ainda, seu imaginário

acerca das temáticas propostas.” Porém, escutar a voz das crianças vai além de

buscar, nas suas mais diversas expressões, as explicações – alicerçadas num

sentido único, base da informação monológica. Trata-se de respeitar suas “versões,

olhares, significações diversas.” (LEITE, 2008, p. 129)

Nesta seção apresento as perspectivas (anseios) relatadas pelas crianças

acerca do brincar no contexto educacional, evidenciando questões de ordem

espaço-temporal. No processo de escuta foram mencionados seus desejos e

vontades relacionados ao tempo de brincar, brinquedos e estruturas que gostariam

que houvesse na UEI. Acreditamos ser relevante uma vez que ouvir as crianças e,

se possível, atendê-las, é assegurar à criança “o direito de ser, de pensar, de sentir,

de querer, de viver, de sonhar.” (SANTANA, 2008, p. 383)

6.1 Por mais tempo para brincar

Analisando as falas das crianças e os dados das observações, foi possível

perceber enfaticamente as perspectivas relacionadas ao tempo de brincar. É como

se toda hora fosse hora e todo espaço oportuno para brincar. Os tempos e espaços

opostos evidenciados no capítulo anterior retratam bem este aspecto. Elas

manifestaram em suas expressões, verbais e não verbais, que o tempo destinado ao

brincar precisa ser ampliado, que por vezes não é considerado.

A desconsideração desta multiplicidade no cotidiano escolar tem tido como consequência o estabelecimento de rotinas com sequenciais rígidas, com padrões de produtividade que nem sempre são alcançados por alunos, e por professores, os quais se angustiam diante da conclusão de que não dão conta de acompanhar o ritmo estabelecido por uma sequência de horários, propostas curriculares, calendários escolares, que se faze de forma distante e desconectada das experiências temporais dos mesmos. (MARQUES; MONTEIRO, 2015, p.48)

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As amarras da rotina estão tão presentes e tão fortes que parece ser mais

fácil seguir o instituído do que dialogar sobre como fazer algumas coisas de maneira

diferenciada. O lugar da individualidade que é “sufocado” pela coletividade é sentido

pelas crianças.

Foto 43: Crianças brincando momentos antes do repouso

Fonte: Acervo Fotográfico de Débora Nascimento, 2015

A foto 43 evidencia falas como: eu não gosto de dormir, queria ficar brincando

(Kauã); eu num gosto de ter que dormir muito (Joelma); lá na minha casa eu num

durmo não (João). As crianças entravam na sala de aula para o repouso até no

máximo 12h30min, e não havia uma alternativa às crianças que acordassem antes

das 14h, horário do lanche. Se o momento de descanso é importante para elas,

mantê-las deitadas até que todos acordem, penso ser inconveniente. Será que

reavaliando nossos conceitos sobre como as crianças experienciam o brincar, não

teríamos atitudes diferentes?

Após ensaiarem para uma apresentação de dança que farão fora da UEI, as crianças retornam para sala de aula. Pelo “tempo” do relógio, o momento do banho não ia demorar. Ainda assim, a professora faz vários círculos no chão utilizando giz, formando um círculo maior. Cada um tem o seu hein – disse a professora. As crianças foram posicionando-se nos círculos e depois começaram a brincar de roda pulando de circulo em circulo. Não demorou muito elas já não mais pulavam, passaram a correr pelos círculos. A professora presencia a “desordem” e pede pra todos sentarem. Eu fiz os círculos pra vocês brincarem, mas vocês tão aí bagunçando – exclama a professora dando um fim na brincadeira. (Diário de campo, 19/05/2015)

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Nesta situação, o tempo do brincar foi reduzido em virtude do comportamento

das crianças. Mas não foi uma desistência proposital com iniciativa das crianças, e

sim porque na visão da professora, a brincadeira delas estava uma bagunça. Em

outros casos presenciados, as meninas eram as primeiras a irem para a área

externa, pois os meninos não estavam comportados e não tinham terminado a

atividade pedagógica proposta: pintura, desenho, colagem, ou uma outra situação

de aprendizagem.

Esta atitude é frequente em muitos adultos que “sentem-se ameaçados pela

aleatoriedade, indeterminação, pelo caráter ritual e simbólico da brincadeira.” Porém,

o jogo também “os fascina, o que, talvez, explique sua atitude de contemplação

paralisante.” (FORTUNA, 2012, p. 26)

Se por um lado, o tempo do brincar era reduzido por conta do comportamento

das crianças, por outro, a sequenciação das atividades colaborava para que o tempo

do brincar fosse contado, regulado, e frequentemente o menor frente às outras

tarefas. No entanto,

seria fundamental que professores e escolas de Educação Infantil resistissem a qualquer pressão, como listagem de conteúdos a serem vencidos, ênfase em trabalhos que contemplem quase que exclusivamente o aspecto cognitivo, a cobrança dos pais quanto à quantidade de produção escrita, entre outras, transformando as escolas num espaço de maior criatividade, liberdade e ludicidade, no qual a criança pudesse desenvolver sua autonomia, tornando-se agente de seu próprio caminhar, construtora de si mesma durante o brincar. (HORN; SILVA; POTHIN, 2012, p. 143)

Nesse sentido, é necessário interrogar-se sobre como as crianças vivenciam

e como gostariam de vivenciar estes aspectos dinâmicos do tempo no contexto

educativo. Contrapor-se a “mesmice” que nos aprisiona dia após dia e iniciar

pequenas mudanças poderiam se constituir alternativas para proporcionar mais

tempo para que as crianças brinquem.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24).

Talvez o maior desafio dessas atitudes seja enfrentar o medo de ouvir as

crianças, pois para isso precisaremos abrir mão de nossos saberes para ouvirmos

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os seus. No entanto, na mesma medida que o novo é desafiador, ele é

compensador. Para quem trabalha na educação de crianças, assim como eu, não há

algo tão compensador do que vê-las imersas em um mundo de possibilidades que o

brincar proporciona.

6.2 Por mais brinquedos e brincadeiras

As entrevistas e os registros feitos durante as observações trouxeram a tona

o anseio das crianças por outras possibilidades para brincar. Ao escutá-las

individualmente, neste questionamento: do que você gosta de brincar mais que não

tem aqui na creche20? Elas recorreram a sua memória para lembrar, e mencionaram

algumas brincadeiras e brinquedos.

Vale ressaltar que durante as falas, as crianças mencionaram brinquedos e

brincadeiras existentes dentro e fora da UEI, sendo que nem todas quiseram

expressar-se, o que foi respeitado. Nesse sentindo, visando revelar o que foi dito

nas entrevistas, apresento um quadro demonstrativo referente às perspectivas das

crianças somente sobre brinquedos e brincadeiras ausentes do contexto da UEI.

Quadro 8: Brinquedos e brincadeiras ausentes no contexto da UEI

Criança Brinquedos e Brincadeiras

Joelma “De patins, mas só minha prima que tem.” Neymar “De bicicleta, de pipa e de moto” Joana “Daquele negócio assim de subir lá da praça do Marex,

escorrega-bunda também.” Caio “De pipa, rabiola com meu primo.”

Mariana “De tomar banho de chuva.” Branca de

Neve “De balanço, pula-pula, de joguinho do celular da mamãe.”

Tião “De polícia e ladrão, de revólver” Elza “De pular corda, de queimada, de balanço, pula-pula,

Maria “De boneca que fala, de balanço” Paysandu “De pira se esconde.”

João “De pula-pula, aqueles carrinho que roda no parque, de jogar no celular, com máscara e relógio do Ben 10”

Meg “De piscina. Tinha piscina ontem aqui, mas agora não tem mais.” Kauã “Daquelas moto que é igual de verdade, de arma, de caminhão” Pedro “De pula-pula, de escorrega-bunda, de patati.”

Fonte: Dados da pesquisa de Campo, 2015

20 Ressalto que nos diálogos empreguei a palavra “creche” por ser um conceito conhecido e usado habitualmente pelas crianças.

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A fala das crianças desvela que elas experienciam formas diferentes entre a

maneira de brincar na UEI e em outros espaços como praças e parques, no contexto

familiar, da rua. Essas falas traduzem ainda, entre outras questões, que “os

personagens da mídia fazem parte da vida das crianças, sugerindo com seus

objetos e roteiros o sentido da brincadeira.” (MUNARIM; GIRARDELLO, 2012, p.337)

Durante as observações, não percebi alguns brinquedos como arma e

revólver, mencionados por Tião e Kauã. Embora não houvessem estes brinquedos,

quando as crianças usavam outros objetos que representá-lo, eram chamados

atenção pelas professoras ou por algumas crianças. Mas a criança poderia estar

representando tanto o “bandido” como o “policial”. E então, permitir ou não?

Conforme Picanço (2009), às vezes o professor se sente assustado diante de

dúvidas impactantes, tanto, “que até se aliena ao desejo do outro se permitindo,

assim, exercer uma prática sem reflexão, reproduzida.” (PICANÇO, 2009, p. 239)

De acordo com Borba (2009), as crianças assumem diversos papéis em suas

brincadeiras, retratando situações familiares, profissionais, mas não significa que

deva ser vista como aprendizagem para a vida adulta e para o trabalho. Assim, o fato de a criança representar, por exemplo, um ladrão empunhando armas nas brincadeiras de polícia e ladrão não deve ser visto necessariamente como sinal de violência ou de comportamentos desviantes. (BORBA, 2009, p. 115)

Assim, acredito que uma alternativa para o impasse mencionado acima seria

o diálogo com a criança. Compreendo que o diálogo é um processo que precisaria

ser vivenciado, principalmente na Educação Infantil, em que nessa interação

dialógica, o olhar de cada um sobre si mesmo e sobre os outros fosse ampliado.

Para Freire (1986) o diálogo corresponde ao “encontro dos homens,

mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação

eu- tu.” Logo,

esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue. (FREIRE, 1986, p. 93)

Além disso, outros brinquedos e brincadeiras ditos pelas crianças são viáveis

e possíveis de serem inseridos no brincar da UEI, tais como: piscina, aquelas

plásticas mesmo, uma vez que o local é apenas alugado, sem dispor de permissão

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para alterações físicas; balanços e gangorras também poderiam ser instalados na

área externa, alguns brinquedos que as crianças possuem em seus lares que

quisessem levar para a UEI em um dia combinado com a turma se constitui outra

possibilidade. Enfim, as possibilidades existem, mas é preciso propor alterações. É

fundamentalmente se dispor a ousar.

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PARA NÃO CONCLUIR, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

As contribuições teóricas apontadas ao longo desta dissertação, longe de

serem definitivas, se apresentam como um convite a reflexão e debate sobre como o

tempo e os espaços do brincar tem se constituído no contexto da Educação Infantil,

especificamente a criança da pré-escola. Para tanto, utilizei em minhas teorizações,

autores que pudessem subsidiar os dados “gerados” na pesquisa de campo junto a

crianças com faixa etária de quatro e cinco anos, que revelaram, de maneira verbal

e não verbal, suas submissões e oposições à organização espaço-temporal

estabelecidas na UEI que freqüentavam.

Os pressupostos teóricos apontaram que a infância é um campo de estudos

emergente, o qual a Sociologia da Infância tem se debruçado. A concepção

complexa defendida nesta dissertação é a que compreende a infância como

categoria social do tipo geracional, ou seja, está além uma concepção vinculada a

aspectos unicamente ligados à faixa etária, à cronologia, a uma etapa psicológica

ou, ainda, a um tempo linear.

Do mesmo modo, a criança e suas especificidades sociais, culturais,

educacionais são questões que tem alcançado reconhecimento nas diversas áreas

do conhecimento, principalmente, nos últimos vinte anos. Assim, acredito que seja

um processo que demanda, dentre outras questões, uma participação mais efetiva

das crianças nas pesquisas científicas.

Na construção e produção do conhecimento, muitas vezes somos

surpreendidos com o fato de que aquilo que pensávamos ser o melhor caminho, em

termos metodológicos, para alcançarmos determinados objetivos, as vezes precisa

ser repensado, reelaborado. Mas isto só será possível se estivermos disponíveis ao

“espanto”, como disse Freire: “o espanto não é o medo, nem é coisa de ignorante. O

espanto revela a busca do saber.”

Pesquisar com as crianças da UEI foi, sem dúvida, um processo constante de

“espanto”. Com certeza, muitas atitudes e procedimentos me fizeram refletir o

quanto precisamos ouvir mais as crianças. Compreendê-las como sujeitos capazes

de expressar o que pensam sobre questões que lhes dizem respeito. Em vários

diálogos, principalmente quando conversávamos sobre suas atitudes de “oposição”

ao instituído, percebi suas hesitações e medos em “falar”. Quem sabe esses receios

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infantis são em virtude de oportunizarmos pouco estes momentos de escuta do

outro, seu parecer, suas vontades, suas expectativas.

Os resultados apontaram que o brincar era a atividade mais importante para a

criança, colocando em pauta o fazer da professora, que ao valorizar e priorizar as

demais atividades, suprimindo assim o brincar, não considerava-o tão relevante e

importante quanto às crianças.

Tal situação era em decorrência, principalmente, da rotina que as crianças e

professoras submetiam-se na UEI, e que influenciava diretamente no tempo

destinado ao brincar das crianças, bem como aos espaços freqüentados por elas

para que brincassem. Vale ressaltar que as crianças tinham clareza da

sequenciação de atividades a serem realizadas diariamente, inclusive suas ações

orientavam-se, “automaticamente”, a partir deste conhecimento

A rotina, como mencionado no texto, tem sua parcela de contribuição para

orientação das atividades que precisam ser feitas diariamente, ainda mais se

tratando de atendimento em tempo integral. No entanto, não é interessante concebê-

la como “regra”, a qual não podemos modificá-la, pois corremos o risco de ficarmos

aprisionados, sufocados e engessados em nossas práticas rotineiras, repetitivas.

Analisando a rotina das crianças na UEI, foi possível perceber que, a maioria

das atividades tinha um tempo pré-estabelecido e um espaço definido para que

acontecessem. Por exemplo, o momento do banho acontecia no chuveródromo

momentos antes do almoço, servido no refeitório. E isso, dia após dia. No entanto, o

brincar não tinha, ao menos um tempo, horário definido previamente, para que o

brincar acontecesse. Assim, as crianças brincavam quando dava tempo entre uma

atividade e outra.

Esta questão é preocupante a meu ver, pois revela que o brincar não tem

ocupado um lugar significativo na Educação Infantil. não estou a defender que

houvesse um tempo único estabelecido, como o horário do recreio nas escolas, mas

levantar reflexões no sentido de que o brincar não pode acontecer quando “sobrar

tempo”. É preciso garantir efetivamente que o brincar e as interações sejam um dos

eixos norteadores na educação da criança pré-escolar.

Nesse sentido, além de um tempo mais amplo, é interessante dispor de

brinquedos e materiais diversos para que as crianças o tenham como suporte de

suas brincadeiras. Os brinquedos utilizados pelas crianças da UEI pesquisada iam

além dos disponibilizados como massinha de modelar, jogos de encaixe, blocos

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lógicos, bonecas, bolas, bambolês e outros objetos plásticos, reciclados e que não

estavam em perfeito estado. Elas utilizavam sua imaginação e criatividade e

brincavam com outros objetos e materiais, reinventado-os e dando-lhes a utilidade

que desejavam.

Ao se reportarem as brincadeiras que mais gostavam, as crianças da UEI

fizeram menção as que realizavam com freqüência, como as brincadeiras de faz-de-

conta, manusear massinha, correr, pular, fazer comidinha, enfim. No entanto as

observações deflagraram outras brincadeiras, que não as consideramos

brincadeiras, mas que surgiram em suas falas como pintar e assistir televisão. Eu

fiquei a me questionar: porque como uma das coisas que mais gostavam de brincar,

as crianças falaram pintar? Mas pintar não seria uma atividade pedagógica, situação

de aprendizagem, etc?

São nestes momentos de escuta que realmente descobrimos o que é

considerado brincar para a criança. O pintar carrega um pouco dessa característica

do brincar: o prazer, tendo em vista as possibilidades de criação, de inovação, de

poder brincar com as cores, de direcionar aquela ação. Isto é, quando o pintar tem

esse viés.

Assim, só descobriremos o que é uma brincadeira ou um brinquedo quando

estivermos interessados em ouvir e escutar, olhar e enxergar a criança, pois a todo

momento ela pode nos surpreender, uma vez que as elas possuem um desejo, uma

urgência constante para o brincar. É como se elas quisessem brincar o tempo todo,

como costumamos dizer ou ouvir: “égua do menino, só quer tá brincando.”

Uma vez que o tempo da criança não consegue manter a linearidade do

tempo que nós, adultos, tentamos seguir, a pesquisa desvelou que o tempo e os

espaços do brincar no contexto da Educação Infantil se constituem de duas formas:

em tempos e espaços impostos e opostos, visto que em suas falas, as crianças

falavam: aqui pode, aqui não pode, sendo que mesmo nos espaços em que diziam

não pode, as crianças brincavam.

Os tempos e espaços impostos para o brincar, foram considerados aqueles

que, de maneira específica ou parcial, eram determinados pelas professoras para as

brincadeiras das crianças. Caracterizam uma organização espaço-temporal em que

o brincar era permitido, supervisionado e direcionado pelas professoras e adultos de

um modo geral.

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Nesta configuração, perpassa processos de disciplinamento como: “aqui não

pode brincar”; “agora não, só mais tarde.” A homogeneidade que por vezes impera,

desconsiderando a individualidade de cada criança, se estende ao brincar, ou seja,

todos tem que brincar no mesmo horário e no mesmo lugar.

Quanto aos tempos e espaços opostos para o brincar dizem respeito as

(re)organizações que as próprias crianças faziam a partir do que estava posto,

espaços e tempos direcionados por elas. Trata-se de seus ajustes infantis, uma

maneira de se opor, de contrariar o instituído.

Em tempos e espaços onde menos as professoras esperavam, as crianças

elaboravam formas e estratégias para brincar. As vezes, em um momento de

espera, encontravam maneiras de “não perder tempo”, ainda que fosse correndo de

uma extremidade a outra ou “carimbando” suas mãos molhadas na parede.

Diante do exposto até aqui, percebe-se que em tempos e espaços impostos

ou opostos o brincar acontecia. A diferença está em como as crianças vivenciavam

cada um deles. Nos tempos e espaços impostos, ou seja, tinham permissão para

isso, elas brincavam sem o medo de estarem fazendo algo errado, uma vez que a

professora não chamaria a atenção delas. Brincar em tempos e espaços opostos, ou

seja, sem o consentimento adulto, era visto como uma transgressão, uma

desobediência.

Reitero mais uma reflexão que precisamos fazer. Se as crianças estão

brincando em tempos e espaços opostos, não instituídos ou direcionados, pode

significar que elas estejam querendo mais tempo para brincar na pré-escola, e que a

regularidade e padronização tão comuns não combinam com a imprevisibilidade,

heterogeneidade e simultaneidade delas.

Durante as análises desta pesquisa, percebi que a organização do tempo

favorece bem mais a vivência do brincar do que a organização do espaço, pois

mesmo em espaços onde não havia uma organização de materiais e objetos que

favorecessem o brincar, as crianças tinham suas estratégias para fazer daquele

espaço um lugar possível para brincar. Com relação ao tempo, este era delimitador

relevante para que o brincar acontecesse ou não, tendo em vista que se as crianças

“não podiam mais brincar”, era por que tinham outras atividades. Assim, é preciso

pensar como o tempo das brincadeiras poderia ser ampliado, de maneira que

favorecesse o brincar.

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As falas e atitudes das crianças referente as suas perspectivas (anseios) em

relação ao brincar na UEI, ressaltam suas insatisfações em diversas ordens. Elas só

querem vivenciar o brincar. As professoras e professores que assim como eu já

tiveram experiências na educação de crianças pré-escolares, talvez tenham

enfrentado dilemas e conflitos reflexivos ao observar algumas brincadeiras das

crianças no contexto escolar. E em muitos casos, as dúvidas ficaram apenas em

nossos pensamentos. Por vezes, nós, os adultos agimos de maneira arbitrária:

“podem para com essa brincadeira agora”, mas eu me pergunto, será esta a melhor,

a mais coerente postura?

As vezes parece ilógico que um adulto aprenda com os saberes de uma

criança. Mas é tão lógico quanto possível, pois elas tem potencial para isso. Esta

pesquisa me oportunizou bem mais que ouvir e saber como as crianças

compreendem os tempos e espaços para brincar. Ensinou-me que o brincar é

essencial na vida delas e disto não podemos privá-las, qualquer que seja o motivo.

Para quem trabalha na educação de crianças, assim como eu, não há algo tão

compensador do que vê-las imersas em um mundo de possibilidades que o brincar

propicia.

A criança não é ontem e nem amanhã. Ela é hoje. Espero que este trabalho

venha contribuir com instituições, professores e professoras de educação infantil, no

sentido de provocá-los a repensar suas posturas, bem como refletirem como os

tempos e espaços destinados ao brincar tem sido experienciados e pensados pelas

crianças. Não é uma postura fácil em virtude do conteudismo que tem chegado até

as crianças pequenas, mas com ousadia e muita vontade, assim como elas que,

quando querem, vão lá e conseguem, possamos ir de encontro ao imposto, sairmos

do “automático”, experienciarmos fazer diferente, contribuindo, assim, para uma

Educação Infantil voltada a atender as reais necessidades da criança.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO (TCLE)

Título da Pesquisa: Tempos e espaços do brincar no contexto da Educação Infantil: a voz das crianças Eu, Débora Silva do Nascimento, regularmente matriculada no Programa de Pós-

Graduação em Educação – Mestrado, do Centro de Ciências Sociais e Educação

(CCSE), da Universidade do Estado do Pará (UEPA), solicito formalmente sua

autorização para que seu filho participe desta pesquisa sob a orientação da Prof.º

Drª Tânia Regina Lobato dos Santos.

A pesquisa objetiva analisar o tempo e o espaço do brincar no contexto da

Educação Infantil a partir da fala das crianças de uma Unidade de Educação Infantil

pública do Município de Belém. Para tal utilizarei a observação e elaboração de

desenhos pelas crianças, alem de dinâmicas de roda de conversa onde a criança explica

seu desenho. Informo que para registrar as falas das crianças,utilizarei um gravador, bem

como será elaborado um diário de campo, no qual registrarei a observação da turma Jardim

I. Após esta etapa os dados serão sistematizados e analisados. Asseguro que a

identificação de seu filho será resguardada, pois utilizarei um nome fictício para designá-los.

A participação de seu filho poderá ser interrompida a qualquer momento com

a garantia de devolução de seus depoimentos, desenhos e etc. Somando-se a isso,

esclareço que participar desta pesquisa não implica em nenhum tipo de benefício

direto, tais como compensações pessoais ou financeiras. A finalidade desta

pesquisa é ampliar os conhecimentos voltados à pesquisa com crianças e fortalecer

o entendimento de que as crianças são sujeito de direitos, e que precisam ter suas

necessidades reconhecidas nas políticas públicas de Educação Infantil.

Os riscos relacionados com da participação da criança é de que tenham suas

identidades reconhecidas. No entanto este risco será evitado uma vez que

utilizaremos outros nomes para representá-las. Os riscos para o pesquisador está

relacionado a possibilidade de não atingir os objetivos do trabalho.Os riscos para

comunidade científica está relacionado com coleta de dados pelo pesquisador que

poderá repercutir na comunidade cientifica caso os dados estejam equivocados o

que pode contribuir na análise errônea de outros pesquisadores.Esse risco será

minimizado pela aplicação cuidadosa dos instrumentos de pesquisa, coleta de dados

e análise minuciosa dos dados coletados.

Os benefícios para o pesquisador e a comunidade científica são os de ter

possibilidade de olhar ampliar os conhecimentos voltados à pesquisa com crianças;

Os benefícios relacionados com a participação dos sujeitos são de conhecer melhor

as opiniões das crianças sobre a o tempo e o espaço do brincar na creche e

fortalecer o entendimento de que as crianças são sujeito de direitos, e que precisam

ter suas necessidades reconhecidas nas políticas públicas de Educação Infantil.

Após o termino da pesquisa as falas e desenhos serão guardados e utilizados

somente para fins acadêmicos. A duração da pesquisa na creche que seu filho

estuda será de abril a maio de 2015

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Você receberá cópia deste termo de consentimento no qual constam os

contatos e endereço do pesquisador e do orientador desta pesquisa, além do

endereço do comitê de ética, caso tenha alguma reclamação ou dúvida sobre este

trabalho. Você pode entrar em contato a qualquer momento com o pesquisador para

tirar dúvidas sobre sua pesquisa e até desautorizar o uso de imagem, desenhos e

depoimentos. Caso um dos itens descritos neste termo for descumprido pelo

pesquisador, ou em caso de danos e prejuízos você e a criança serão indenizados

na forma da lei.

____________________________ __________________________ Pesquisadora Orientadora Débora Silva do Nascimento Dr. Tânia Regina Lobato dos Santos E-mail:[email protected] E mail: [email protected] (91) 98193-1357 (91) 99982-9447

Endereço do comitê de ética: Av. João Paulo II nº 817, CEP: 66095-049, Bairro: Marco, Fone: (91) 3226-0796/3226-4753/3226-0436.

Endereço do Mestrado em Educação da UEPA: Centro de Ciências Sociais e Educação – Universidade do Estado do Pará - Travessa Djalma Dutra, s/n – Bairro: telegrafo. CEP:66050-540, Tel. (91) 4009-9552 E-mail: [email protected]

CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO (AUTORIZAÇÃO)

Eu.................................................................................................................., declaro que li as informações acima sobre a pesquisa, que me sinto perfeitamente esclarecido (a) sobre o conteúdo da mesma. Declaro ainda que, por minha livre vontade autorizo meu filho (a) a participar da pesquisa cooperando assim com a construção dos dados para posteriores análises.

Nome da criança:________________________________________________

Belém: ____/____/2015

_____________________________________

Assinatura do responsável da criança participante da Pesquisa

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APÊNDICE B: ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO

Este roteiro de observação constitui-se em instrumento de pesquisa que tem

por objetivo conhecer o tempo e o espaço do brincar no contexto de uma Unidade

de Educação Infantil pública do Município de Belém. As observações favorecerão a

análise dos dados obtidos, bem como esclarecerão ainda mais as falas das crianças

ao observarmos seu cotidiano. O roteiro está dividido em cinco tópicos: descrição da

creche, o tempo do brincar, o espaço do brincar e as perspectivas (anseios) das

crianças acerca do brincar.

1. Descrição da creche

a) A infra-estrutura da creche;

b) A rotina da creche;

c) Fatores intervenientes.

2. O tempo do brincar

a) As crianças brincam de maneira livre;

b) Em que momentos brincam direcionadas pela professora;

c) As possíveis “transgressões” feitas pelas crianças durante as

brincadeiras;

d) As “insatisfações” manifestadas pelas crianças em relação ao tempo

destinado ao brincar.

3. O espaço do brincar

a) Em que espaços elas mais brincam ou preferem brincar;

b) Existem espaços em que elas não podem brincar?

c) Com que brinquedos ou objetos elas brincam?

d) A organização dos espaços é feita de maneira que favoreça o brincar?

4. As perspectivas (anseios) das crianças acerca do brincar

a) O que se escuta das crianças em relação a organização do tempo e

dos espaços na creche;

b) As crianças demonstram estar satisfeitas com os brinquedos da UEI?

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APÊNDICE C: ROTEIRO DE ENTREVISTA

O roteiro da entrevista, a ser realizado, principalmente, em forma de roda

de conversa constitui-se em um instrumento de pesquisa que tem por objetivo

conhecer o tempo e o espaço do brincar no contexto da Educação Infantil a partir da

fala das crianças de uma Unidade de Educação Infantil pública do Município de

Belém.

Para nortear o diálogo com as crianças, utilizarei fotografia dos espaços e

serão feitas as seguintes perguntas:

a) Qual seu nome? Você sabe quantos anos você tem?

b) O que você mais você gosta aqui na creche?

c) Do que você mais gosta de brincar?

d) Neste espaço, você pode brincar?

e) Quando é que pode brincar neste espaço?

f) Quando é que “não pode” brincar neste espaço?

g) Tem alguma coisa que você não gosta de fazer aqui na Unidade?

h) Do que você gosta de brincar mas que não tem aqui na creche?

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ANEXOS

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ANEXO 1 – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

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ANEXO 1 – DECLARAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DA SEMEC