sérgio mallandro

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75, POR BRUNO MATEUS E SABRINA ABREU FOTOS CARLOS HAUCK Ainda criança, antes de ser expulso de quatro colégios, ele era bom em redação — “ganhava todos os concursos”. Uma vez, escreveu sobre um menino que queria trabalhar na TV, teve a oportunidade de ir ao programa do Chacrinha, se destacou e ficou famoso. O texto se mostrou profético, “só que, em vez de com o Chacrinha, a chance veio com Silvio Santos”, conta Sérgio Mallandro, lembrando a participação, no início dos anos 1980, no programa Cidade contra cidade, quando sua espontaneida- de rendeu o convite para estrear na TV. No ano seguinte, isso aconteceu de novo: Antônio Calmon, diretor de Menino do Rio (1982), o convidou para participar da produção, porque era o amigo extrovertido de André di Biase, ator principal do longa. “Sempre disseram que eu deveria trabalhar na televisão”, diz. O primeiro a despertar a vontade de Sérgio, aos 16 anos, foi outro ícone do meio: Chico Anysio. Eles se conheceram porque o rapaz trabalhava no local onde seria gravado um comercial com o personagem Coalhada — o jogador de futebol estrábico. Quando viu o adolescente se movimentar no estúdio, o humo- rista consagrado não teve dúvidas e fez um teste com ele em frente às câmeras. “Disse que eu era comunicativo, um talento, tinha jeito para a coisa. Acabei participando do comercial.” Na década de 1990, num reencontro entre os dois, Sergi- nho foi convidado a participar da Escolinha do Professor Rai- mundo. Mas não interpretando um personagem. “O conselho do Chico foi: seja você mesmo, não mude, que vai dar certo. As pessoas gostam de você.” Vinte anos depois, o conselho continua sendo levado a sério. Serginho afirma que é sempre o mesmo, diante das câmeras ou longe delas. Serve para papéis no cinema, como o Bob de Lua de cristal, para sua participação em realities, como A fazenda, para o dia a dia com a família que acaba de passar para a frente das câmeras, com o reality Vida de Mallandro, do Multishow. Na conversa depois de apresentar seu stand-up em BH, ele emenda as respostas com falas do texto apresentado horas antes. Solta um monte de ié-ié, salcifufu, glu-glu e ráaa, inter- calados entre as frases e, muitas vezes, seguidos do tão carac- terístico abre e fecha das mãos, à altura do rosto. Confunde os entrevistados. Quem estaria à nossa frente: Sérgio Mallandro ou Sérgio Cavalcanti? A resposta tem tom de piada: “Não sei quem é o Cavalcanti, me esqueço dele. Se me chamam por esse nome no hospital, por exemplo, nem atendo”, garante, en- quanto os entrevistadores continuam na dúvida. BRUNO: VOCÊ AGORA ENCHE TEATROS COM SEUS SHOWS, RECEBE HOMENAGEM DE UNIVERSITÁRIOS. DE PERSONAGEM TRASH VOCÊ SE TRANSFORMOU EM ÍCONE CULT? FIZ MUITA FESTA trash em São Paulo, parti- cipei de várias festas anos 1980, tenho uma banda, a Salcifufu, que canta músicas dos anos 1980, com fantasias de Sidney Magal, Gretchen. Cantamos ao vivo músicas da Blitz, RPM, Mamonas, é uma banda bem legal. E eu já vinha fazendo shows para os universitários, sou patrono de várias faculdades, sou patro- no aqui na UFMG. SABRINA: VOCÊ SE LEMBRA DE QUANDO COMEÇARAM ESSES CONVITES? A PRIMEIRA VEZ que me toquei disso foi no Largo São Francisco [faculdade de direito da USP]. Fui convidado para fazer uma palestra há uns cinco anos. Falei para o cara que me chamou: “Marca lá no dia 20”. Chegava no dia 15, eu falava: “Não vai dar para ir, brother”. Eu estava meio grilado, pedia para marcar dia 30, chegava dia 25 eu falava que não ia dar, até que o cara falou: “Tá grilado com o que? Os caras só querem te ver, eles gostam de você”. No dia que eu fui, a sorte é que eu tinha uma câmera dentro do carro: os caras vieram me pegar dentro do carro: “Hey, hey, hey, o Mallandro é nosso rei”. Eu tenho essa filma- gem, entrando no Largo São Francisco lotado, aquela homenagem toda. Fiquei emociona- do, os moleques cantando minhas músicas. Depois de 10 dias, pedi para o produtor ir lá saber o que eles tinham achado da minha ida. Pô, todo mundo falando: “Sérgio Mallandro é nosso ícone, é nosso mestre”. Fiquei muito emocionado, não sabia que eu representava tudo isso para esses universitários. Dali em diante, fui chamado para fazer show na [Fa- culdade] Casper Líbero, fizeram uma puta de uma homenagem para mim. Depois fui para várias faculdades no Brasil todo, fazendo shows para universitários. CRIADOR DA PORTA DOS DESESPERADOS, REI DO IÉ-IÉ E DO GLU-GLU, SERGINHO VOLTA À TV COM UM REALITY NO MULTISHOW. E GARANTE QUE NUNCA SAI DO PERSONAGEM — OU NUNCA É O PERSONAGEM — SÓ HUMORISTA O TEMPO TODO 74 , PERFIL MALANDRO É MALANDRO

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Revista Ragga - abril 2012

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Page 1: Sérgio Mallandro

75,74,

POR Bruno Mateus E saBrIna aBreu FOTOS CarLos HauCK

Ainda criança, antes de ser expulso de quatro colégios, ele era bom em redação — “ganhava todos os concursos”. Uma vez, escreveu sobre um menino que queria trabalhar na TV, teve a oportunidade de ir ao programa do Chacrinha, se destacou e ficou famoso. O texto se mostrou profético, “só que, em vez de com o Chacrinha, a chance veio com Silvio Santos”, conta Sérgio Mallandro, lembrando a participação, no início dos anos 1980, no programa Cidade contra cidade, quando sua espontaneida-de rendeu o convite para estrear na TV. No ano seguinte, isso aconteceu de novo: Antônio Calmon, diretor de Menino do Rio (1982), o convidou para participar da produção, porque era o amigo extrovertido de André di Biase, ator principal do longa.

“Sempre disseram que eu deveria trabalhar na televisão”, diz. O primeiro a despertar a vontade de Sérgio, aos 16 anos, foi outro ícone do meio: Chico Anysio. Eles se conheceram porque o rapaz trabalhava no local onde seria gravado um comercial com o personagem Coalhada — o jogador de futebol estrábico. Quando viu o adolescente se movimentar no estúdio, o humo-rista consagrado não teve dúvidas e fez um teste com ele em frente às câmeras. “Disse que eu era comunicativo, um talento, tinha jeito para a coisa. Acabei participando do comercial.”

Na década de 1990, num reencontro entre os dois, Sergi-nho foi convidado a participar da Escolinha do Professor Rai-mundo. Mas não interpretando um personagem. “O conselho do Chico foi: seja você mesmo, não mude, que vai dar certo. As pessoas gostam de você.”

Vinte anos depois, o conselho continua sendo levado a sério. Serginho afirma que é sempre o mesmo, diante das câmeras ou longe delas. Serve para papéis no cinema, como o Bob de Lua de cristal, para sua participação em realities, como A fazenda, para o dia a dia com a família — que acaba de passar para a frente das câmeras, com o reality Vida de Mallandro, do Multishow.

Na conversa depois de apresentar seu stand-up em BH, ele emenda as respostas com falas do texto apresentado horas antes. Solta um monte de ié-ié, salcifufu, glu-glu e ráaa, inter-calados entre as frases e, muitas vezes, seguidos do tão carac-terístico abre e fecha das mãos, à altura do rosto. Confunde os entrevistados. Quem estaria à nossa frente: Sérgio Mallandro ou Sérgio Cavalcanti? A resposta tem tom de piada: “Não sei quem é o Cavalcanti, me esqueço dele. Se me chamam por esse nome no hospital, por exemplo, nem atendo”, garante, en-quanto os entrevistadores continuam na dúvida.

BRUNO: VOCÊ AGORA ENCHE TEATROS COM SEUS SHOWS, RECEBE HOMENAGEM DE UNIVERSITÁRIOS. DE PERSONAGEM TRASH VOCÊ SE TRANSFORMOU EM ÍCONE CULT?FIZ MUITA FESTA trash em São Paulo, parti-cipei de várias festas anos 1980, tenho uma banda, a Salcifufu, que canta músicas dos anos 1980, com fantasias de Sidney Magal, Gretchen. Cantamos ao vivo músicas da Blitz, RPM, Mamonas, é uma banda bem legal. E eu já vinha fazendo shows para os universitários, sou patrono de várias faculdades, sou patro-no aqui na UFMG.

SABRINA: VOCÊ SE LEMBRA DE QUANDO COMEÇARAM ESSES CONVITES?A PRIMEIRA VEZ que me toquei disso foi no Largo São Francisco [faculdade de direito da USP]. Fui convidado para fazer uma palestra há uns cinco anos. Falei para o cara que me chamou: “Marca lá no dia 20”. Chegava no dia 15, eu falava: “Não vai dar para ir, brother”. Eu estava meio grilado, pedia para marcar dia 30, chegava dia 25 eu falava que não ia dar, até que o cara falou: “Tá grilado com o que? Os caras só querem te ver, eles gostam de você”. No dia que eu fui, a sorte é que eu tinha uma câmera dentro do carro: os caras vieram me pegar dentro do carro: “Hey, hey, hey, o Mallandro é nosso rei”. Eu tenho essa filma-gem, entrando no Largo São Francisco lotado, aquela homenagem toda. Fiquei emociona-do, os moleques cantando minhas músicas. Depois de 10 dias, pedi para o produtor ir lá saber o que eles tinham achado da minha ida. Pô, todo mundo falando: “Sérgio Mallandro é nosso ícone, é nosso mestre”. Fiquei muito emocionado, não sabia que eu representava tudo isso para esses universitários. Dali em diante, fui chamado para fazer show na [Fa-culdade] Casper Líbero, fizeram uma puta de uma homenagem para mim. Depois fui para várias faculdades no Brasil todo, fazendo shows para universitários.

CRIADOR DA PORTA DOS DESESPERADOS, REI DO IÉ-IÉ E DO GLU-GLU, SERGINHO VOLTA À TV COM UM REALITY NO MULTISHOW. E GARANTE QUE NUNCA SAI DO PERSONAGEM — OU NUNCA É O PERSONAGEM — SÓ HUMORISTA O TEMPO TODO

74,

PerFIL

MALANDRO ÉMALANDRO

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S: E VOCÊ é PAQUERADOR MESMO? QUANDO ESTOU COM UMA gATA, vivo intensamente com ela. Outro dia na Fernanda Lima [no programa Amor & Sexo, da Rede Globo], ela perguntou quem se dava melhor com a mu-lherada: o humorista ou o poeta. Falei que o humorista pega muito mais mulher, ele faz rir para depois fazer chorar [risos].

S: E TEM QUE SER FIEL?FIEL ATé A PágINA CINCO. O coração tem que ser fiel, quando você ama você é fiel. Todas as vezes que amei eu fui fiel. Quan-do só gostava, realmente às vezes acontecem coisas que você não é responsável por você mesmo.

B: Seu pai faleceu de infarto, Seu irmão [cláudio magarra] também. Você Se cuida? SIM. NãO BEBO — bebo quatro cervejas e fico bêbado, mas você não me vê bebendo em churrasco, praia. Nunca fumei, nunca usei droga, e as pessoas não acreditam, acham que sou louco: “Pô, Sérgio Mallandro deve cheirar isso, usar aquilo”. Sempre tive receio de ficar fora de mim. Não tenho nada contra ninguém, se usa ou não. O cara pode usar o que quiser e ser generoso, maneiro, íntegro. Agora o cara ali não usa nada e é um puta de um zé mane, não ajuda ninguém, fala mal de todo mundo. A grande malandragem da vida é saber seu limite. Perdi muitos amigos para as drogas, falo para os meus filhos: “Vocês

têm que saber o que é certo e o que é errado”. Meu filho de 26 anos é igual a mim, não usa nada, não fuma nada, não bebe.

S: VOCÊ SE ORGULHA DISSO?CLARO. O que acontece é o seguinte: a pre-ocupação hoje em dia para quem usa droga é se ele tem o limite. Se não tem, você vai acabar vendo seu filho numa clínica.

S: VOCÊ TEM ALGUM VÍCIO?QUANDO ESTOU ME RELACIONANDO, faço muito ié-ié, e às vezes mudo de ié-ié para glu-glu. Tenho alguns vícios relacionados ao sexo que não posso falar na revista.

S: VOCÊ SE ARREPENDE DE ALGUMA pedaginha? a do rafael, ex-polegar, por exemplo. [rafael ilha haVia recém-Saído de UMA CLÍNICA DE REABILITAÇãO. NO QUADRO DO PRO-GRAMA, UM ATOR OFERECIA AÇúCAR para ele fingindo Ser cocaína.]NãO, NãO ME ARREPENDO DE NADA. Todas elas deram muita alegria para quem fez, para

S: E VOCÊ TEM ESSE TINO COMERCIAL?SOU ARTISTA , mas, por exemplo, quando olho para alguma coisa, penso: “Se eu apostar nisso vai dar certo”. Tenho meu escritório, o pessoal que cuida das minhas coisas. Sou um cara muito avoado, minha parada é ser artista. Tudo o que fiz na minha área deu certo. Fiz 12 filmes e todos foram ótimos, recorde de bilheteria, fiz o Menino do Rio, Garota dourada. No Menino do Rio, eu nem era artista, eu era amigo do André di Biase. O diretor me viu e falou: “Esse cara aí é muito falante, serve para trabalhar no filme”.

B: SEMPRE TEVE CARISMA, Né?é, SEMPRE gOSTEI DE FALAR MUITO. Por exemplo, o que faço aqui no palco, que vocês viram, eu fazia na praia, brother, fazia na minha casa. Quando tem churrasco na minha casa, é proi-bido ter música, gosto de conversar com as pessoas. Eu falo: “Meu irmão, conta aquela história de quando a gente penetrou naquele clube lá, lembra?”. Sempre fiz isso — o que faço no teatro, eu fazia na praia. Começava a contar o bagulho, de re-pente tinham dois, 10, 20... Era um show-praia. Hoje, no teatro, conto a história da minha vida, claro que, às vezes, colo um molhinho aqui, outro ali, e conto exatamente a minha história.

S: VOCÊ VAI VOLTAR PARA O CINEMA?DEVO FAZER UM FILME com o André Morais e o Lúcio Mauro Filho, Dois malandros em Las Vegas. O André é um grande di-retor, fez o Ópera do Mallandro, com todo mundo me homena-geando. Até achei que fosse engano quando ele ligou dizendo: “Quero fazer um filme sobre suas obras”. Obras na casa de Búzios? Estou mesmo fazendo uma sauna e um banheiro lá. “Não, suas obras, Bilu Teteia, Glu-glu, Porta dos desesperados. E tem mais: o elenco do filme é Lázaro Ramos, Thaís Araújo, Lúcio Mauro Filho, Ângelo Paes Leme”. Aí, quando ele falou que o Caetano Veloso cantaria a música, falei: “Hora de des-ligar”. Foi um sucesso, ganhou prêmios e [o diretor] me con-vidou para filmar ese longa no fim do ano, o Dois Malandros em Las Vegas.

B: Seu pai [edgard] faleceu quando Você tinha 11 anoS. Sua mãe [leila] Se caSou trêS anoS depoiS com o general [caio marcoS oVale de LEMOS, VETERANO DE GUERRA, CAPITãO DA FORÇA expedicionária braSileira], Você foi expulSo de QUATRO COLéGIOS. COMO FOI ISSO?FUI ExPULSO A PRIMEIRA VEZ NO PRIMáRIO, bicho. Eu era um garoto muito levado, interrompia as aulas. O professor falava: “Agora vamos chegar à Bahia”. Aí eu [imita voz de criança]: “Ah, chegou na Bahia? Não tem aí uma cocadinha, um pé de moleque?”. Para fora da sala! Mas eu não era o levado ruim, o cara que explodia bomba no banheiro, que sacaneava, que dava porrada nos moleques. Não era nada disso, era o cara que fazia graça, tudo tinha uma gracinha, uma frase final. Gostava de coisa engraçada, batia o sino antes — pegava uma linha de nylon e, lá da árvore, batia o sino e todo o colégio saía para o recreio. Ao mesmo tempo, tinha amigo meu que explodia bomba no banheiro, eu falava: “Tô fora dessa aí, bi-

cho”. Jogar ovo no garoto mais fraco? Também tô fora. Vamos roubar sorvete da padaria? Aí tudo bem. Vamos roubar bala do baleiro? Aí não, o baleiro está trabalhando.

B: COMO COMEÇOU O PROjETO DO REALITy SHOW?FOI O SEgUINTE: fui fazer uma participação no Prêmio Mul-tishow [premiação musical do canal, em 2011] com a Porta dos Desesperados e fui convidado pelos diretores para fazer um reality. Eu estava em casa um dia, com o Pedro Peixoto, que é um dos diretores do programa, bolando um projeto para apre-sentar para a televisão. Minha casa é muito grande, moro com minha ex-mulher, a Mary Mallandro, e meu filho, Sérgio Tadeu. Eu morava em São Paulo e, quando fui fazer a temporada no Rio, era para ficar dois meses, mas o sucesso foi tão grande que fiquei dois anos e meio. Comecei a ficar mais no Rio, me entusiasmei, comecei a reformar a casa. Fui ficando, falei com a Mary: “Pode ficar todo mundo aqui, vamos morar todo mundo junto”, a Mary é como se fosse minha irmã. Pô, então mora ex--mulher, meu filho, tenho minhas namoradas, entra e sai, uma confusão, meu filho agora só quer ficar com as mulheres, não namora. é engraçado, são tribos diferentes, e ao mesmo tempo estou fazendo obra, tem seis operários lá em casa, quatro ou cinco empregados. Um dia eu estava com uma gata lá em casa e a Mary fez um comentário esquisito, coisa de ex-mulher: “Se a mulher é magra, é magra demais; se é gostosa, tem cara de puta”. Bota defeito em tudo. Virei para o Pedro e falei “Pô, a gen-te batendo a cabeça para fazer um programa, se você tivesse uma câmera aqui, tu filmava isso aqui e já era o programa”. Ele estava pensando exatamente isso.

S: VOCÊ TOPOU DE PRIMEIRA?ADORO TELEVISãO, minha vida já é um reality show. Quando saio na rua, já estou sendo monitorado, filmado. Se você sair comigo na rua, vai ver: é só isso. Tive um furúnculo, fui ao [hospital] Barra d’Or morrendo de dor. Entrei, e o estaciona-mento estava lotado. Falei: “Irmãozinho, tô com um furúnculo aqui, onde tem vaga?”. “Você é o ié-ié, né? Ié-ié!”. Perguntei onde tinha vaga, ele disse: “Ali à direita”. Cheguei e não tinha, pô. “Pegadinha, é só do outro lado!” [risos]. Levo numa boa, acho que isso é uma homenagem.

B: ATé POUCO TEMPO, VOCÊ NãO GOSTAVA DE DIzER SUA IDADE. POR QUÊ?NãO SEI MAIS A MINHA IDADE. Tem momentos que tenho 18 anos. Se vou jogar talento numa gata, tenho 32. Quando é uma gata mais séria, tenho 50, um cara mais vivido. O artista não tem idade, já não sei mais quantos anos eu tenho. Vou falando a idade conforme a situação que estou vivendo.

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seu lixo, sem sujar o vizinho, essa é a malandragem da vida. A malandragem é ter fé.

B: VOCÊ FALOU EM ESSÊNCIA, O QUE MUDA DO SéRGIO CAVALCANTI PARA O SéRGIO MALLANDRO?MUDA PORQUE, quando chega um oficial de justiça e pergunta: “Aqui mora Sérgio Cavalcanti?”, digo: “Não sei”. Outro dia fiquei parado numa consulta médica, achando que estavam demo-rando para me chamar, mas alguém estava falando “Sérgio Cavalcanti, Sérgio Cavalcanti”. Me esqueço desse nome. Sou pai de três filhos e lido com eles como se fosse Sérgio Mallan-dro. Minha filha morre de vergonha, porque é só glu-glu, ié-ié, ela fica louca. Ela é toda patricinha, educada, estudiosa, mora em Londres. O outro [Edgard, que também mora em Londres] fica orgulhoso, tira onda. O de 26 anos [Sérgio Tadeu] me aju-da nos meus negócios, vende meus shows, também é ator e publicitário. Sou Sérgio Cavalcanti quando tenho que chamar a atenção deles, mas, mesmo assim, nunca perco meu humor. Dou pouca bronca para eles, mas dou muito exemplo. Minha filha perguntou se deveria voltar para o namorado. Falei: “Fi-

lha, você pulou numa piscina e no meio dela quase se afogou — que foi o fim do namoro, quando ela sofreu muito —, para chegar até a outra borda, você veio de cachorrinho e se afogando. Agora que, finalmente, chegou do outro lado e saiu da piscina, você me pergun-ta se deve pular lá no começo de novo? Agora, você pode ir para a praia, para uma lagoa, para qualquer lugar”. E ela: “Não estou enten-dendo nada, nem sei nadar direito” [risos].

B: VOCÊ VIVEU OS ANOS 1980, QUANDO SE COMEÇOU A FALAR EM AIDS E ALGUNS CASOS COMEÇARAM A APARECER NA IMPRENSA. VOCÊ PERDEU AMIGOS PARA A DOENÇA?PERDI. Atores, cabeleireiros, figurinistas, can-tores, professores de jiu-jtsu. Era um pânico total, ninguém sabia o que era. Todo mundo se relacionava sem camisinha, de repente

quem viu. Acho que tudo tem sua hora, tudo faz parte do seu momento. Naquele momen-to foi ótimo, em outro já não seria. Tem umas pegadinhas que hoje já não daria para fazer. A gente fazia umas pegadinhas na época —todas as televisões faziam — com arma, com tiro, e hoje não dá mais para fazer.

B: VOCÊ ACHA QUE TEM LIMITE PARA FAzER HUMOR OU VALE TUDO? TEVE A POLÊMICA COM O RAFINHA BASTOS.O HUMOR NãO DEVE TER CENSURA, mas cada humorista tem que ter bom senso, saber até onde ir. Se vejo na minha plateia uma pes-soa que é portadora de deficiência, não posso chegar e fazer uma brincadeira com isso. Ele ou a mãe dele podem ficar tristes. Tenho filho e, se ele tivesse um problema e alguém fizes-se uma piada, iria doer no meu coração.

S: quando decidiu fazer Stand-up, CHEGOU A ASSISTIR ALGUNS PARA APREENDER A TéCNICA?UMA AMIGA MINHA morava em Los Angeles e me ligou: “Serginho, você precisa fazer stand--up comedy, aqui em LA é um sucesso”. Isso foi há uns quatro anos. Entendi “estandarte”, nem sabia o que era. Depois, outra amiga me chamou para assistir uma apresentação de stand-up num bar, em São Paulo. Fomos em Moema, e os moleques viram que eu es-tava lá, me chamaram para subir ao palco. Peguei o microfone, comecei a contar umas histórias minhas, minhas com a xuxa, todo mundo rindo, o cara perguntou se eu poderia ir na outra quinta. Aceitei. Cada um fazia 15 minutos. Meus 15 viraram 30, ninguém me deixava sair do palco. Comecei a ir a outros, do Bruno Mota, Maurício Meireles, Fábio Ra-bin. Começaram a me chamar para fazer: eu, Luís França, Marcelo Adnet, Dani Calabresa. Comecei a sentir a parada do palco, gostava da pegada. Comecei a fazer uns corporativos e a temporada no Teatro dos Grandes Atores — entrei em janeiro de 2010 e saí em março de 2012, fiquei mais de dois anos no Rio. Saí do teatro para ir para A fazenda, deixei o tea-tro abarrotado.

B: EM 2008, VOCÊ SE CANDIDATOU A VEREADOR EM SãO PAULO. QUAL ERA O SEU OBjETIVO NA POLÍTICA?TENHO UMA CRECHE, em Guarulhos, que se chama Santo Expedito, e ela atende 80 crian-

ças. Me falaram: “Se você for vereador, pode ter umas 10 creches”. Então, tentei ser.

S: VOCÊ TENTARIA OUTRA VEz?NãO, FOI UMA ExPERIêNCIA úNICA, para nun-ca mais tentar. Primeiro me falaram que eu apareceria na TV para divulgar minha can-didatura — isso é uma coisa muito cara e eu não gastaria com isso. Então, se as pes-soas soubessem que eu era candidato e eu tivesse uma chance, como político, de fazer as creches, como uma recompensa pelo ca-rinho que as crianças me deram, eu acharia legal. Tenho minha creche e sou orgulhoso dela, ela está lá, acho maior barato, mante-nho há mais de 15 anos, eu e Marilu, uma mulher com mais de 100 filhos — ela pega as crianças na rua. Na verdade, ninguém sa-bia que eu era candidato, eu andava na rua e continuava tudo igual, o pessoal tirando foto, brincando, fazendo ié-ié. Eu falava: “Vai votar em mim?”, e o pessoal nem sabia, nem sei como tive quase 23 mil votos. Depois da eleição, muita gente me ligou falando: “Meu irmão, se eu soubesse, teria votado em você”. Mas, bicho, não tinha como mostrar. Graças a Deus, não entrei. Depois, estudando mais a fundo, acho que seria muito difícil fazer o que eu queria fazer. E acho que contribuo muito mais como artista. Mas essas experiências são boas para aprender. Político é político, médico é médico e artista é artista. Não pode fugir da sua essência, sou artista, tenho que fazer o melhor no palco. O Chico xavier me falou isso em Uberaba: “Sua missão é fazer as pessoas ficarem alegres”.

S: VOCÊ é RELIGIOSO?COMECEI MINHA VIDA SENDO CATóLICO. Meu filho se chama Sérgio Tadeu por causa de São Judas Tadeu, sempre tive muita fé, fui muito à igreja de São Judas. Depois que conheci o Chico Xavier, passei a acreditar também no kardecismo. E minha vida, eu acho, é Jesus. Minha religião é a seguinte: se fizer o bem, vem o bem. Você tem que limpar a frente da sua casa sem jogar a sujeira em frente à casa dos outros, porque depois acaba voltando para sua casa. Tem que saber onde descartar

A mAlAndrAgem é ter fé

QUAndO eStOU me relACIOnAndO, fAçO mUItO Ié-Ié, e àS vezeS

mUdO de Ié-Ié pArA glU-glU. tenhO AlgUnS

víCIOS relACIOnAdOS AO SexO QUe nãO pOSSO

fAlAr nA revIStA

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aparece a tal da AIDS, nunca mais transei sem camisinha. O primeiro que morreu foi Lauro Corona, era meu amigo.

S: CHOQUE PARA TODO MUNDO, PORQUE ELE ERA UM GALã DA GLOBO.CHOQUE, ELE ERA LINDO. E, coitadinho, ficou com vergonha de falar, não se manifestou igual o Cazuza. Foi um dos primeiros a morrer e era meu amigo: eu, ele, a glorinha Pires. De-pois veio o esclarecimento, você pode abraçar e dar carinho para alguém que é soropositi-vo. Desde então, me previno: pode ser quem for, pode ter cara de anjo, eu uso [camisinha] mesmo. E é aquela GG [risos], porque a outra me aperta. Ié-ié.

S: O QUE VOCÊ GOSTA DE OUVIR?DECLARAçõES DE AMOR, uma mulher che-gando ao meu ouvindo e dizendo: “Vamos agora? Custa R$ 30”.

B: MAIS BARATO DO QUE SEU SHOW.OUTRO DIA o cara falou pra mim que agora resolveu pegar menina só de 20. Vinte reais.

B: MúSICA, O QUE VOCÊ OUVE? ELVIS PRESLEy, adoro as músicas românticas dele. Escuto U2, O Rappa, se eu estiver numa festa e rolar sertanejo, tudo bem. Danço con-forme a música. Amo Roberto Carlos. gosto de Rolling Stones, gosto de tudo, depende do momento que eu estiver vivendo.

S: ALéM DO REALITy E DOS SHOWS PELO BRASIL, O QUE VEM AGORA? AgORA ESTOU LANçANDO A MúSICA O beijo do macaco, fiz em parceria com meu amigo Marcos Simpson.

B: QUEM é LENNON E MCCARTNEy!ROBERTO e Erasmo.

S: MICHAEL SULIVAN E PAULO MASSADA. B: MALLANDRO E SIMPSON.

S: QUAL FOI O PROCESSO DE COMPOSIÇãO?FOI DEPOIS QUE PARTICIPEI DO AMOR & sExO, a pedido de muitas que já ganharam o beijo do Macaco. Agora, gravei no estúdio. Beijo do macaco é melhor que cafuné. Fiz em home-nagem à Fernandinha Paes Leme, em quem dei um beijo lá no Amor & sexo, ela está me ligando todos os dias, até a cobrar. Também dei na Mulher Melancia, na Rafinha, secretária do Gugu. Para quem dou esse beijo o povo enlouquece, você quer também?

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DEPOIS DE ESGOTAR A TEMPORADA DE DOIS FINS DE SEMANA EM BH, COM DIREITO A DUAS SESSÕES EXTRAS, EM MARÇO, SÉRGIO MALLANDRO VOLTA À CIDADE EM MAIO. DE 11 A 13 E DE 18 A 20 (SEXTA, SÁBADO E DOMINGO) NOTEATRO DOM SILVÉRIO (AV. NOSSA SENHORA DO CARMO, 230 - SÃO PEDRO)INFORMAÇÕES: (31) 8430 7488

Em 1982, ano em que Vem fazer Glu-glu vendeu um milhão de cópias. Em cartaz com Xuxa (1990) e Faustão (1991). Tempos de reality show: com Britto Jr., de A Fazenda, e ao lado da ex-mulher e do filho caçula, em Vida de Mallandro