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Quinta edição da Semana Revista, produzida pela organização da 11ª Semana do Jornalismo, em 2012. Coordenação Editorial: Gabriele Duarte e Helena Sturmer - Coordenação Gráfica: Jennifer Hartmann

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carta ao leitorNão foi fácil. Chegar a este resultado que você tem em mãos exigiu pouco tempo, muita colaboração e relativa paciência. Mas trabalho em equipe é assim; com a ajuda de tantas pessoas, acreditamos que o conteúdo vai agradar a todos. E essa diversidade se reflete por todas as páginas da Semana Revista, onde você encontra matérias referentes aos temas que serão abordados por nossos convidados durante a 11ª Semana do Jornalismo UFSC. Se você quiser entender melhor a história da Semana, temos um perfil dela nas páginas 40 e 41. Em época de eleições, apresentamos uma matéria sobre como políticos devem usar as redes sociais. A

Copa do Mundo de 2014 ganha destaque num infográfico com dados sobre gastos de infraestrutura e planejamento. Outro evento muito comentado foi o Occupy, que aparece perfilado e analisado nas páginas da revista. E como não podemos falar de jornalismo sem falar de tecnologia, ela está presente em uma matéria que aborda o seu uso atrelado à rotina de um repórter. Com ajuda de colaboradores, a revista foi feita por alunos especialmente para você, leitor. Então esperamos que você aproveite as páginas a seguir e se prepare para a 11ª Semana do Jornalismo UFSC!

expediente

ReportagemBruno VolpatoCaio Spechoto Camila HammesDiego CardosoGabriele DuarteGiovanni BeloGuilherme LongoHelena StürmerJanine SilvaJennifer HartmannJoão Paulo FernandesJoana ZanottoJosé Antônio HüntemannLaís SouzaLucas InácioLucas PasqualMarcone TavellaMariana Della JustinaMariana Pitassi Matheus Pismel Pâmela CarbonariRafael CanobaRafaela BlacuttRafaella Coury

Sâmia FiatesColaboração Jorge IjuimNúcleo de JornalismoEsportivo UFSCRogério Christofoletti

Edição Gabriele DuarteHelena StürmerLucas PasqualMariana Della JustinaRafael CanobaRafaella CouryVictor Hugo Bittencourt

Diagramação Gabriel CoelhoJennifer HartmannLaís Souza Rafaella Coury

Revisão Gabriele DuarteHelena Stürmer

Jennifer HartmannLaís Souza

Arte William FloresMarcel YuriMuriel MachadoLucas AnghinoniAllan SborzLucas PasqualRafael Canoba

CapaJosé Antônio Hüntemann

Coordenação EditorialGabriele Duarte Helena Stürmer

Coordenação gráficaJennifer Hartmann

Tiragem 1000 exemplares

Setembro de 2012

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Sumario

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29

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Proteste Aqui: a cobertura de conflitos e movimentos sociais

Produção independente e democrática

Marketing para o futuro digital Entre tapas e beijos

A busca por informações na Copa

Tecnologia além da informática

Um Marcelo no meio do caminho

O jornalismo que denuncia e pune Cultura também se faz na internet

Rio +2o versus Código Florestal Descaso à ceu aberto

Juízes no bando dos deuses

Ocuppy aqui, ali e acolá Onde fica a consciência no Jornalismo?

Pedro, cadê meu viral?

A Copa de 2014 no sul do Brasil

Sobre tecnologia, ser nerd não basta

Da vida, o que ficam são as histórias

Opinião no Jornal é histórica

Sou candidato, como devo tuitar?

O que você não vai ler sobre a Copa

O novo oeste de software e sementes

Com tablets, o jornalismo acontece na rua

O bóson de Higgs para jornalistas

Pauta 2.0: marketing digital no jornalismo

Copa 2014: cobrindo o outro lado do esporte

Jornalismo tecnológico: Inovações e cobertura mais ampla em pauta

Reportagem de um personagem só: a produção de perfis jornalísticos

Palestras

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O começo-meio-fim de cada indivíduo Retratos

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Semana Revista 5

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9h - 12h: Minicursos 15h: Webconferência 17h30: Mesa de discussão Proteste Aqui: a cobertura jornalística de conflitos e movimentos sociais20 h: Palestra de abertura

9h - 12h: Minicursos 15h: Exibição de documentários17h30: Mesa de discussão Pauta 2.0: marketing digital no jornalismo20 h: Palestra com Felipe Patury

Local: Auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) UFSC

17 a 21 de setembro de 2012

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Semana Revista6

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9h - 12h: Minicursos 15h: Webconferência17h30: Mesa de discussão Jornalismo tecnológico: Inovações e cobertura mais ampla em pauta20 h: Palestra com Frederico Vasconcelos

9h - 12h: Minicursos 15h: Exibição de documentários17h30: Mesa de discussão Copa 2014: cobrindo o outro lado do esporte20 h: Debate sobre Jornalismo Cultural

9h - 12h: Minicursos 15h: Webconferência17h30: Mesa de discussão Reportagem de um personagem só: a produção de perfis jornalísticos20 h: Palestra de encerramento

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Proteste Aqui

Cerca de 900 ocupações pipocaram pelo mundo em outubro do ano passado, a partir da hashtag #WorldRevolution. O ano de 2011 ficou mar-cado por pessoas tomando as ruas e reconquistando o espaço público. Seja na Primavera Árabe, nos movimentos Occupy, ou em marchas das vadias e da maconha, uma consciência de solidariedade mútua guiou as mais diversas causas pelo mundo. Movimentos sociais como esses, a desocupação do pinheirinho e a entrada de tropas de choque na USP serão o tema da mesa que vai ser discutido por:

Leonardo Sakamoto, coordenador-geral da ONG Repórter Brasil;Mauro Wedekin, repórter da TV Record;Bruno Torturra, editor da revista Trip.

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Semana Revista8semana revista

Os ANOS em

Rafaella Coury

1989Protesto na Praça da Paz Celestial - China: Marchas pacíficas estu-dantis, que foram fortemente repre-endidas pelo Partido Comunista, matando e ferindo mais de 12 mil pessoas.

2000Segunda Intifada - Palestina: Movi-mento da população civil da Palestina contra a presença de israelenses nos territórios ocupados e pertencentes à Autoridade Palestina. A primeira foi em 1987.

CONFLITOS

Produção independente e democráticaONG’s jornalísticas aproximam informação do interesse público

ão tratar jornalismo como mercadoria, visar o interesse público e denunciar vio-lações aos direitos humanos: é a isso que

se destinam as agências de jornalismo indepen-dente. Essas organizações são alternativas aos tradicionais canais de informação e abordam temas menosprezados ou tratados superficial-mente pelos mesmos. Representam a democra-tização da informação ao tirá-la do controle de determinados grupos e ao dar voz a quem geral-mente não tem a oportunidade de ser ouvido.

Isso não significa que o que é produzido na mídia convencional seja de má qualidade ou deva ser descartado. Daniel Santini, editor da Repórter Brasil, agência independente criada em 2001, acredita que é necessário separar o joio do trigo e que há muitos profissionais bons atuando em veículos tradicionais e bons traba-lhos sendo realizados. Nas agências indepen-dentes, a diferença é que não há uma constante busca pela audiência e pelo lucro - o objetivo é criar uma discussão baseada em dados e não apenas no apelo emocional.

Nesse aspecto, a internet amplia as dimensões do debate e possibilita um retorno mais direto do público. As agências independentes utilizam a web para divulgar seu material, e contribuem para discussão ao gerar todas as publicações em creative commons.

Santini afirma que a decisão de liberar o conteúdo da Repórter Brasil foi tomada pela equipe a partir do desejo de que as denúncias feitas atinjam o maior número de pessoas possível. “A tentativa que a gente faz de dar voz para as pessoas deve ser estimulada, ela deve ser disseminada. Não faz sentido, nesse caso, tratar informação como mercadoria.”

Jornalismo independente custa caro e o fato de as agências não estarem ligadas a nenhum grupo comunicacional e de não cobrarem pelo que produzem faz com que elas busquem ou-tras formas de se manter financeiramente. Essas organizações contam com o apoio do público, que encontra no site as indicações para realizar doações. Na Repórter Brasil, é tomado o cui-dado de não se aceitar dinheiro de empresas ou grupos que estejam envolvidos nas inves-tigações, ou que assumam posturas opostas à da agência para garantir a independência do conteúdo.

A defesa pelos direitos humanosAs dificuldades enfrentadas não são empe-

cilhos para se produzir um bom material. A Re-pórter Brasil atua na área de direitos humanos e ambientais. Uma das matérias de maior desta-que foi publicada em agosto de 2011 e expôs a utilização de mão de obra escrava na confecção

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Semana Revista 9semana revista

2004Revolta da Catraca - Brasil: Contra o aumento da tarifa do ônibus em Flo-rianópolis, violentamente reepreen-dida em 2005, culminando com um princípio de incêndio na Câmara dos Vereadores.

2006Guerra do Líbano: Importante epi-sódio do conflito árabe-israelense, que ocorreu no norte de Israel e no sul do Líbano, durou 34 dias e resultou na morte de quase 1500 pessoas.

2003Guerra do Gás - Bolívia: O presiden-te Gonzalo Lozada permitiu que os EUA e o México explorassem o gás boliviano, revoltando a população que, em sua maioria, ainda usava fogão a lenha.

das roupas da grife Zara. Os repórteres, que acompanharam os agentes públicos na fisca-lização de oficinas subcontratadas da marca, encontraram trabalhadores (alguns menores de 16 anos) submetidos a altas cargas horárias, condições de trabalho degradantes e até mes-mo impedidos de sair de casa sem o consenti-mento do dono da oficina.

Sobre a postura da agência diante desses casos, Santini diz que, no Brasil, as pautas sobre direitos humanos são quase inesgotáveis e que a equipe é parcial ao tratar dessas questões: “A gente é contra a violação dos direitos humanos e essa é base de qualquer sociedade democrá-tica, de qualquer sociedade baseada em valores humanistas”. Além das reportagens, a ONG também realiza pesquisas como o mapeamento de cadeias produtivas que ferem direitos sociais, trabalhistas e ambientais e tem até mesmo um programa educacional: o “Escravo, nem pen-sar!” que, por meio da conscientização tenta prevenir o surgimento de mais casos como o da Zara.

Denúncias como essas são acompanhadas do descontentamento dos envolvidos. É nor-mal o recebimento de ameaças – diretas ou não – de donos de indústrias, fazendeiros, ad-vogados, políticos e tentativas de inibir judicial-mente a produção jornalística. “Já teve contra a Repórter Brasil discursos no Senado, na Câma-ra dos deputados. Já teve pressão por parte de políticos que tem os negócios afetados. [...] A gente recebe pressão por vários lados, de várias maneiras”, declara Santini.

Fundada pelo jornalista André Fernandes, a Agência de Notícia das Favelas (www.anf.org.br) é a primeira organização do mundo destinada a esse público e divulga reportagens com o objeti-vo de defender os direitos básicos da cidadania e integralizar as comunidades carentes de toda a América Latina. Seu trabalho não se restringe apenas ao jornalismo. A ONG promove o REP – Ritmo e Poesia, festival que divulga a arte de quem vive no morro do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. O evento acontece a cada 15 dias, sempre em uma quinta-feira.Já a Agência Pública de Jornalismo Investiga-tivo (www.apublica.org) foi criada em 2011 pelas jornalistas Marina Amaral e Natalia Viana. Defendendo o direito à informação e a promoção dos direitos humanos, sua área de atuação é bastante ampla: desde um especial sobre o massacre dos guerrilheiros do Araguaia até reportagens sobre a venda de créditos de car-bono na Amazônia. Um dos trabalhos de maior expressão da Pública é a série WikiLeaks que divulga os documentos diplomáticos - obtidos e publicados pelo site suíço em 2010 - referentes ao Brasil. Há também a Copa Pública, conjunto de matérias sobre a Copa em 2014.

Do senado às favelas

Janine Silva

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Semana Revista10semana revista

Protestos na eleição presidencial - Irã: Devido a uma alegação de fraude, ocorreram vários protestos contra o resultado da eleição - os mais inten-sos desde a Revolução Iraniana de 1979.

2010Primavera Árabe - Oriente Médio e norte da África: Morte de jovem que ateia fogo ao próprio corpo gera pro-testos que leva o presidente tunisiano a renunciar e formenta série de revoltas contra o autoritarismo.

2008Independência do Kosovo: Tornou--se independente da Sérvia. Foi re-conhecido por alguns países, mas não pela Rússia, Espanha e a própria Sérvia, que se virou contra os países que reconheceram.

2009

Onde fica a consciência no jornalismoEm casos polêmicos, nem sempre se publica o que o repórter acredita

dealismo e parcialidade ajudam a consolidar uma imagem equivocada do jornalismo. Embora ele seja uma atividade de massa,

altamente exposta e cada vez mais presente na vida social, nem sempre se sabe como ele funciona, o que chega a ser uma contradição. Como são cercadas por veículos de informação, as pessoas acham que estão íntimas do jornalismo e se acomodam com os conceitos que dele têm. Por conveniência e letargia, jornalistas e veículos também não se mobilizam muito para desmanchar mitos insustentáveis como os da objetividade, imparcialidade e verdade única. Este círculo vicioso mantém visões românticas e glamourosas da profissão.

Como isso interfere na vida do cidadão comum, que não frequenta uma redação nem se preocupa com os valores-notícia?

Essa visão idílica distorce também os julgamentos sobre os produtos e serviços jornalísticos, fazendo com que as pessoas passem a julgar as coberturas de uma forma que não tem correspondência com o cotidiano das ruas. Trocando em miúdos: as pessoas vêem o noticiário e se escandalizam com o enfoque das reportagens,

julgando que alguém ali está querendo enganá-las. Claro que isso pode acontecer, mas nem sempre é manipulação descarada, distorção deliberada ou um grande plano conspiratório. Pode haver uma série de razões que expliquem a diferença entre a expectativa do público e a narrativa apresentada. Este descolamento entre o desejo da audiência e o produto jornalístico causa frustração num primeiro momento, depois indignação e uma quase incontornável repulsa na sequência.

Em coberturas de casos polêmicos, a zona de tensão se amplia porque tendências ideológicas afloram com mais força e os limites editoriais também se impõem mais. Veja-se o Caso Pinheirinho. Em janeiro deste ano, a Polícia Militar de São Paulo expulsou com violência 1,6 mil famílias de moradores da comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos. Os soldados cumpriam uma decisão judicial de reintegração de posse do terreno, que pertencia à massa falida do grupo Selecta, do investidor Naji Nahas. A área contava com 1,3 milhão de metros quadrados, e o litígio opunha a ordem da justiça e milhares de favelados que ocuparam um terreno de um especulador que devia milhões de reais em impostos à prefeitura. Como a maior parte dos veículos de comunicação

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Semana Revista 11semana revista

Guerra Civil - Líbia: Resposta vio-lenta de Muammar al-Gaddafi a pro-testos contra seu governo causa uma guerra civil, que dura oito meses, até o Conse-lho Nacional de Transição conquistar a capital.

Occupy: movimento de protesto con-tra a desigualdade econômica e social. Começou em Nova York e espalhou--se pelo mundo. É revolucionário pois luta por uma democracia não contro-lada pelo dinheiro.

2011Renúncia de Hosni Mubarak - Egito: Presidente renuncia cargo após protestos com mais de 1 milhão de pessoas descontentes com o desemprego, a pobreza e a corrupção.

2011 2011

Rogério Christofoletti é jornalista e professor do curso de Jornalismo da UFSC

cobriu o assunto? Basicamente apoiada na legitimidade da ação policial em “desocupar” a área, sem questionar se a ordem era justa ou razoável, ao determinar desalojar milhares de pessoas para pagar dívidas tributárias.

O cidadão comum pode se queixar do tratamento dado ao caso pela mídia, enxergando ali a preferência de um lado em detrimento de outro, e – pior! – questionando a ética dos repórteres. Isso é legítimo? Sim, se o cidadão esperar que o relato jornalístico reflita o que o repórter sente e acredita. Mas nem sempre é assim.

O jornalismo é uma atividade complexa e coletiva. O resultado final, aquele que chega ao público, é produto de diversas etapas de apuração, checagem, recorte, seleção, adequação de formato, tradução de linguagem, embalagem e difusão. Claro que isso envolve mais gente, e que a visão do repórter pode se perder no meio de tudo, seja porque não é a que melhor retrata o fato, ou porque se corrompe ao longo do processo. As omissões no Caso Pinheirinho – sobre os abusos de poder da Polícia Militar e as violações de direitos humanos na ação -, a prevalência de um ângulo e a escolha da ênfase em algum aspecto podem sim contrariar preceitos da ética jornalística, expressa em códigos escritos ou em regras tácitas da categoria. O repórter “se vendeu” à visão do veículo que trabalha e por isso fez um “mau serviço”? Pode ser, mas é difícil afirmar com segurança. Sabe por quê? Porque existem mais fatores que ajudam a determinar a situação.

Nem sempre é o proprietário do meio de

comunicação quem determina o viés da matéria. Muitas vezes, são os chefetes de plantão que atuam em nome de um jornalismo que insiste em conservar as coisas como elas estão. Eles fazem o serviço sujo, antecipando-se à sanha de um superior que supostamente gostaria de controlar todas as peças no tabuleiro. Em outras ocasiões, há o despreparo de quem sai às ruas para a cobertura, tanto técnico quanto cultural e cognitivo. Isso mesmo! Há repórteres que não se mostram capazes de “ler” uma cena, de compreender uma disputa, de perceber absurdos nas circunstâncias. Existem ainda os episódios em que tanto se mexe na matéria que ela se deforma, distanciando-se muito do seu sentido original. Note-se quantos fatores podem definir o resultado final de uma pauta!

Nem sempre é a consciência do repórter que determina e conduz a narrativa da reportagem. Valores-notícia, critérios editoriais do veículo, escolhas momentâneas de editores e decisores, consensos de redação também estão em campo. Afinal, onde fica a consciência no jornalismo? Fica em muitos lugares, mas precisa se orientar por um horizonte único: o interesse e a necessidade do público. Sem essa referência, qualquer bússola se desorienta.

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Semana Revista12semana revista

Invasão da Reitoria da USP - Brasil: Ocupação feita por estudantes des-contentes com o autoritarismo do reitor João Grandino Rodas e com a ampliação da atuação da Polícia Mili-tar no campus.

Corrida do ouro - Brasil: Garim-peiros que foram expulsos da terra indígena Yanomami em 2009, retor-naram ao local devido à valorização do preço dos minérios, invadindo território indígena.

2011Los Indignados - Espanha: Protestos pacíficos, organizados pelos cidadãos nas redes sociais, reinvindicando uma mudança na política e na sociedade, por não se sentirem beneficiados por seus representantes.

20112011

Occupy aqui, ali e acoláDespolitização e falta de estratégia limitam eficácia do movimento

rganização horizontal, sem líderes eleitos nem outorgados. Rostos no-vos apresentando uma multiplicida-

de de reivindicações. Uma juventude destituída de perspectivas que, atingida pela crise econô-mica, deu os primeiros passos na tentativa de mudar os destinos. O Occupy Wall Street, que completa um ano em setembro de 2012, é o retrato de uma sociedade fraturada que parece entrar em colapso e, ao mesmo tempo, vem se tornando o retrato de uma geração.

Sem estratégia definida, e vagamente ins-pirados na Primavera Árabe, os acampados na Wall Street gritavam palavras de ordem como “Get money out of politics!” (“Separe dinheiro e política”). Reclamavam que as corporações estão comprando o governo, ditando leis e confiscando diretos individuais. Reconquista-vam o espaço público na tentativa de mudar o “sistema”.

A brasileira Vanessa Zettler esteve acam-pada em Nova York. Ela se envolveu no mo-vimento desde o começo e viveu de perto os momentos de tensão em praça pública. Para ela, o Occupy é um grito de indignação, como contou à revista Istoé Independente. “A ocupa-ção é uma formação orgânica que evolui através do tempo. Ela é a resposta para um mundo que parece estagnado, onde não vai ser apenas uma

passeata que vai promover a mudança que que-remos.”

O editor da revista Trip Bruno Torturra também conviveu com os acampados no cen-tro financeiro dos EUA e testemunhou o novo tipo de protesto. Segundo ele, ao se espalhar pelo mundo, o movimento pode indicar o sur-gimento de uma nova forma de democracia e de consciência global. “Não era uma mera manifestação, mas uma megaconferência de incontáveis protestos localizados, centenas de causas e tipos humanos. Poucas coisas eram capazes de unir as milhares de vozes em um só coro”, arremata.

Cresce e enfraqueceDas praças ocupadas por acampamentos às

marchas de protesto nas avenidas das principais metrópoles emergiu uma solidariedade mútua, que resultou em todo tipo de material sobre o movimento, amplamente compartilhado nas redes sociais. Foi o sábado, 15 de outubro de 2011, dia em que mais de 900 ocupações pi-pocaram pelo continentes, guiadas pela hashtag #WorldRevolution. Essa manifestação global si-multânea definiu para sempre o ano de 2011: a indignação pública, orgânica e difusa, que busca nas ruas descobrir sua verdadeira face. E que, ao longo dos meses, tenta enxergar um

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Semana Revista 13semana revista

2011Marchas da Maconha/Vadias: Mani-festações pacíficas que aconteceram no mundo todo para defender a lega-lização da cannabis e protestar contra a culpa feminina nos casos de agres-são sexual.

2011Guerra do Líbano: Importante epi-sódio do conflito árabe-israelense, que ocorreu no norte de Israel e no sul do Líbano, durou 34 dias e resultou na morte de quase 1500 pessoas.

2012Desocupação do Pinheirinho - Bra-sil: A ocupação irregular da Comu-nidade do Pinheirinho tinha mais de 6 mil moradores quando o go-verno pede reintegração do terreno causando conflitos.

denominador comum no descontentamento geral.

Descontentamento, esse, que no Brasil ain-da não se fez presente com a mesma magnitude. Porém teve o diferencial de mobilizar diversas camadas sociais, alvos de uma sistemática re-pressão policial, desde as marchas da maconha em São Paulo e da entrada das tropas de cho-que na USP, até a expulsão dos moradores do Pinheirinho e os projetos higienistas nas capi-tais do país.

No entanto a crítica recorrente da falta de uma articulação representativa, das ideias con-fusas e ingênuas é comum entre especialistas. Slavoj Zizek, filósofo e teórico crítico esloveno, alerta, em ensaio na obra Occupy - movimentos de protesto que tomaram as ruas, para o peri-go de os manifestantes apaixonarem-se por si mesmos. “Quando a ocupação em Wall Street ecoou em São Francisco, um rapaz dirigiu-se à multidão com um convite para participar do ato como se fosse um acontecimento hippie dos anos 60: ‘Estão nos perguntando qual é o nosso programa. Não temos. Estamos aqui para curtir o momento’.” Para ele, os manifestantes devem saber o que querem e, principalmente, pensar em alternativas. “Que organização social pode substituir o capitalismo atual? De que tipo de novos líderes precisamos? E de que orgãos?”, provoca.

O antropólogo Harrysson Luiz da Silva reconhece a importância social desses movi-mentos. Contudo ele alerta que a maioria dos Ocupe não passam de demonstração do des-contentamento. “A questão mais séria de tudo

isso é a ausência de discussão e funda-mentação que sus-tentem esses movi-mentos”, defende.

Para a ativista brasileira Vanessa Zetler, a essência di-fusa do movimento não é um problema. “O mais interessan-te das ocupações é que elas não têm demandas específi-cas. Antes de mais nada, queremos es-tabelecer um diálogo e, por meio dele, chegar a novos lugares, quem sabe até a novas deman-das. Temos primeiro de rever nossos conceitos, nosso vocabulário e nossas relações de poder”.

Ao fim da ocupação, no ano passado, deser-ta e cercada por grades removíveis, a praça de Nova York era meticulosamente esfregada em cada centímetro quadrado por uma equipe de limpeza, que agia como se quisesse desinfetá--la dos micróbios da revolução. Nem precisava chegar a tanto. Que descansem os donos de Wall Street e tantos outros. O espetáculo do ani-versário de um ano mostra que a despolitização e falta de objetividade diminuem os efeitos de-sejados dos movimentos Occupy. Apesar disso, a emergência de um protesto internacional sem um programa coerente pode ser um acidente - e revela uma crise sem soluções tão óbvias.

Gabriele Duarte

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Semana Revista14

Pauta 2.0

As oportunidades que surgem com a expansão da internet muitas vezes não são tratadas dentro dos cursos de comunicação. Uma dessas é o marke-ting, que tem se tornado um mercado de trabalho com diversas oportu-nidades para os recém-formados. A mesa pretende discutir o marketing e suas conexões com o jornalismo. A importância do conhecimento das mídias digitais para o assessor de imprensa e relações públicas. Estraté-gias de comunicação, exemplos de gestão de crise, e a divulgação de uma empresa, instituição pública ou privada nas mídias sociais e tradicionais, como televisão, rádio e jornal. Os especialistas da área irão levantar atitu-des e conhecimentos do jornalista que pretende atuar neste mercado, além de mostrar casos recentes de estratégias e planejamentos de sucesso para divulgação na mídia.

Dirceu Vieira, Gerente de Comunicação e Marketing da Folha de S. PauloMariana Moreira, Consultora de Comunicação e Marketing DigitalRachel Sardinha, Sócia da Em Voga Comunicação

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Semana Revista 15

Uma xícara de humor, duas colheres de sopa de non-sense, 250 gramas de bizarrice. Todo mundo diz que não há

uma receita para fazer sucesso na internet. Mas segundo uma pesquisa do site YouPix, existe, sim, uma combinação certa para quem quer criar o próprio viral. Foram 166 vídeos brasileiros analisados em 2010. E os resultados apontam um perfil do viral perfeito.

Os protagonistas geralmente são homens, adultos e feios. As cenas cotidianas com pessoas comuns são as preferidas do público. Além disso, características como vergonha, burrice e humor aparecem em quase todos os vídeos analisados. Para ser viral, o seu vídeo precisa se espalhar espontaneamente entre o maior número de pessoas possível.

O tempero especial para a receita dar certo é a sorte. Que o diga Rafael Ziggy, criador do movimento “Foo Fighters 50 pila”. Para quem nunca ouviu falar, Ziggy criou um evento no Facebook no ano passado para arrecadar R$ 50 por pessoa e com o dinheiro trazer a banda ao Brasil. “A banda não vinha para o país há mais de 10 anos e a quantidade de pessoas que gostam de Foo Fighters no Brasil é enorme”, diz. Embalado na onda do crowdfunding (arrecadação colaborativa de fundos para

realizar uma iniciativa), Ziggy soltou em uma conversa com amigos em tom de brincadeira: “Vamos fazer uma vaquinha megalomaníaca, juntar 50 pila de cada pessoa e trazer nós mesmos os caras”.

Ziggy é publicitário e trabalha como estrategista digital. Para ele, “viral é só o efeito de uma determinada ação, é difícil criar ou prever”. Mas existem campanhas que tendem ao sucesso. Um exemplo é o clipe com os palhaços Atchim e Espirro cantando rap. O comercial, de uma marca de remédios para gripe, circulou exclusivamente na internet e

teve sete milhões de acessos. O publicitário acredita que o sucesso se deve “ao poder da nostalgia aliado à brincadeira levada a sério”.

O professor de marketing digital José Telmo garante que “viralizar é um prêmio para as marcas que conseguem tal feito”. Ele diz que se

aproveitar de virais pré existentes pode ser uma sacada inteligente. “A Luiza no Canadá surgiu de um comercial, viralizou, virou meme e chegou até a figurar como jogo virtual de uma escola de idiomas.” Mas Telmo alerta que o humor deve ser trabalhado com cautela, para não ridicularizar a marca.

É, pode ser que não seja assim tão simples fazer o próprio viral. Mas não custa tentar: com todos os ingredientes em mãos, misture tudo e leve ao forno. Ou melhor, ao Youtube.

Pedro, cadê meu viral?Usando humor e criatividade, qualquer pessoa pode fazer sucesso na web

Sâmia Fiates

Luca

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Em ano eleitoral, nada mais justo do que se discutir marketing político. Nesse meio, a comunicação pode ser

a morte ou a salvação: em doses adequadas, é medicamento; em doses elevadas, veneno fatal. Portanto, é preciso saber o momento certo e falar com moderação. Marketing político é o conjunto de recursos utilizados na busca de ganhos para candidatos e eleitores. Esses ganhos são trocas entre ambos os lados. No sentido candidatos-eleitores seriam as promessas, e no sentido

oposto, os votos.Para que seja atingido o objetivo do

marketing político, o candidato precisa planejar uma estratégia de campanha, além de sua postura diante de problemas, propagandas e discursos. Durante todo o processo, o político deve tomar posições a fim de reforçar suas palavras e convicções para que ocorra maior adesão dos eleitores. Para isso, o método de comunicação do candidato deve ser administrado pela sua assessoria.

Contudo, com o surgimento da campanha eleitoral online, a mídia eletrônica passou a ser considerada um “segundo Deus” por sua onipresença e poder

de influência sobre as pessoas. Uma pesquisa divulgada pela empresa Burson-Marsteller em março de 2012 revelou quais são os perfis do Twitter mais influentes na política do Brasil. O ranking faz parte do estudo “Influenciadores do G20” e tem como destaque o jornalista Ricardo Noblat. A presidente Dilma Rousseff ocupa a segunda colocação, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin vem em seguida e José Serra está em quarto lugar. No Brasil, somente cinco dos dez primeiros colocados são políticos. Na outra metade, estão os formadores de opinião.

Como ainda existem aqueles que não se convenceram da importância

Sou candidato, como devo tuítar?Redes sociais têm o poder de salvar ou enterrar campanhas eleitorais

Depois que o perfil oficial da presidente deixou de ser atualizado, surge o satírico Dilma Bolada

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Semana Revista 17

A presidente Dilma Rousseff não fica para trás nessa história. Em abril de 2010, ainda pré-candidata às eleições presidenciais daquele ano, fez sua estreia no Twitter (@dilmabr). Menos de 24 horas após a criação, já contava com mais de dez mil seguidores. “Começo hoje minha aventura no twitter. Quero aprender com vocês”, escreveu em sua primeira mensagem. Dilma explicou que o conteúdo postado também seria abastecido por outras pessoas. “Não vou ficar fingindo que passarei muito tempo na web. Alguns amigos vão me ajudar”. Mas na verdade Dilma nunca postou uma frase em que ela mesma tivesse digitado. Era o comitê de campanha o responsável pelas atualizações. Mas o perfil oficial da presidente do Brasil não é atualizado há mais de um ano. O twitter de Dilma, que foi utilizado com freqüência durante a campanha eleitoral, teve seu último post em dezembro de 2010, quando a presidente afirmou que conversaria mais em 2011. Segundo a assessoria do Planalto, a equipe de comunicação do governo tentou convencer Dilma Rousseff a utilizar as redes sociais, mas a presidente nunca gostou da ideia. E teve gente que se aproveitou disso. “Dilma Bolada” (@diImabr, com “i” maiúsculo no lugar do “L”) é o perfil fake da presidente. Hoje, ele possui mais de 50 mil seguidores e não trata sobre política. O criador da conta é o estudante de administração Jeferson Monteiro, 22 anos, e com sua criatividade alimenta o microblog com humor na voz da presidente. Um dos post de Jeferson, digo, de Dilma Bolada, dizia “quem me acha a brasileira mais linda do Twitter dá RT [retweet]!”. O twitter é tão bem-feito que no início de 2012 foi premiado pelo Shorty Awards, uma espécie de Oscar do Twitter, como o melhor twitter fake do mundo. Ficou bolada, hein, Dilma.

Política em 140 caracteresdas redes sociais nas eleições, os números expressam a sua influência. Durante os 90 dias de estudo, os dez perfis mais influentes receberam mais de 51 mil retweets e quase 322 mil novos seguidores. Aqueles que são resistentes à adesão às redes sociais para explorar melhor sua campanha política estão perdendo eleitores, pois praticamente todo o público-alvo está conectado na web.

Um olhar sociológico Em entrevista ao site UOL, o

sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIbr), fez uma análise sobre as redes sociais em campanhas políticas. Para ele, a internet tende a ser fulminante na vida de um candidato, porque notícias e denúncias podem tomar proporções muito maiores com a repercussão na web. Segundo o filósofo, a maioria dos políticos prefere utilizar perfis virtuais apenas para distribuir material de campanha, apesar de alguns já olharem para os comentários na internet com um elemento para definir estratégias de marketing. “Um candidato não pode falar ‘Twitter não me atinge’, porque afeta a imagem dos políticos, sim. Ataques podem acontecer, vão acontecer, e os candidatos devem estudar melhor como responder”.

Marketing político inclui planejamento de campanha, postura diante de problemas, propagandas e discursos

Rafaela Blacutt

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Entre tapas e beijosJornalistas e assessores são rivais, mas dependem um do outro

assliebe é o tipo de palavra que dificulta o trabalho de tradutores da língua alemã. Sem tradução

equivalente em outro idioma, o substantivo poderia ser explicado em português como “relação íntima de amor e ódio”. Seria, talvez, a descrição perfeita para designar o tipo de relacionamento travado entre jornalistas e assessores de imprensa. Estes profissionais, que compartilham as cadeiras dos cursos de comunicação durante a formação, chegam ao mercado de trabalho tendo que optar por um dos dois lados do “ritual midiático”: a poderosa imprensa, filtradora de informação e com influência fulcral sobre a opinião pública, ou a coordenação da exposição de instituições e pessoas públicas, interessados e dependentes da construção de sua imagem. A formação semelhante não garante, porém, a perfeita simbiose no fluxo das informações entre os colegas comunicadores. Seu cotidiano de trabalho alimenta, ao mesmo tempo que uma dependência mútua, uma evidente rivalidade ideológica.

O crescente desenvolvimento dos núcleos de comunicação institucional dentro das empresas e o trabalho das agências de comunicação têm se tornado tão massivo que hoje não é possível pensar o jornalismo sem a ajuda destes profissionais. Alessandra Ogeda, editora de economia do Diário Catarinense, afirma que a dependência das assessorias é um dilema. “Grande parte do jornalismo é abastecido por assessorias de imprensa. A nossa filosofia é nos tornar cada vez menos dependentes destas informações oficiais, que geralmente são tendenciosas”,

argumenta. Entretanto, independente do perfil das empresas jornalísticas, o convívio constante com o assédio dos assessores é inevitável. Alessandra recebe diariamente pelo menos 200 e-mails, a maioria vindos dos colegas assessores. Destes, cerca de 80 não servirão para o jornal.

Para Sabrina D’Aquino, jornalista do Grupo RBS há 10 anos, o que mais perturba o trabalho nas redações não é o excesso e a utilidade duvidosa dos releases, mas o chamado follow. No jargão jornalístico, follow é a prática de telefonar ao jornalista após o envio de e-mail com o pretexto de confirmar o seu recebimento. A intenção, claro, é defender a pauta. “Nas editorias que trabalham mais com assessoria, o telefone não para de tocar. Isso desconcentra e perturba o trabalho nas redações”, diz. Sabrina trabalhou dois anos numa agência de comunicação antes de migrar para a redação - o inverso do caminho tradicional dos jornalistas, que levam consigo para as assessorias um círculo de relacionamentos. “Mesmo na época como assessora, eu evitava telefonar sem necessidade. Não é preciso ter experiência nas duas áreas para ter consciência disso. Vai do bom senso.”.

A editora Alessandra Ogeda salienta que quando a pauta é realmente boa, dispensa qualquer contato telefônico: “Apenas no lead e na linha de apoio já fica claro se a pauta nos interessa. Não adianta desperdiçar 20 minutos repetindo as informações”. É unânime entre os comunicadores, porém, que essa intransigência é consequência da incompreensão dos contratantes dos serviços de assessoria, que muitas vezes

H

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João Paulo Fernandes

pressionam seus assessores a “fecharem o cerco” contra os repórteres - um problema que pode ser atenuado com apoio de profissionais de media training.

A ansiedade e a pressão dos patrões, junto à impaciência dos jornalistas, colocam os assessores numa encruzilhada. A assessora de imprensa da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN), Suzete Antunes, ironiza, dizendo que tem dois patrões: a empresa e a mídia. “Enquanto o primeiro muitas vezes menospreza a importância da imprensa, o outro desacredita das intenções da empresa, achando que ela está sempre tentando vender o seu peixe.” De acordo com Suzete, no cargo há 20 anos, outro problema é a falta de disposição dos jornalistas em se aprofundar na apuração. “Muitos pedem somente uma declaração. Não querem entender o problema e os processos.” Numa empresa de serviços essenciais, que requer um contato rotineiro com a imprensa, as agruras da relação ficam ainda mais evidentes. “É comum jornalistas ligarem às 17h30 solicitando uma resposta da

empresa e pedindo pressa. Muitos deles não entendem que uma empresa pública não funciona como uma redação”, lamenta.

O assessor especial da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Jorge Duarte, diz que, com o amadurecimento do campo de relações públicas, a tendência é não só que o profissional entre direto no setor de comunicação das empresas, sem passar pelas redações, como acumule mais funções além do contato com a imprensa. “Hoje é muito mais fácil para as empresas falarem com o consumidor através da internet. Os profissionais de comunicação estão envolvidos com processos ligados ao marketing. A imprensa está deixando se der protagonista.” Sobre o que chama de “ tensão” entre jornalistas e assessores, Duarte contemporiza: “Isso é natural, bem-vindo e facilmente explicável. Afinal, os dois profissionas muitas vezes têm interesses contrários. Essa tensão fortalece a democracia”.

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“Ações de comunicação que as empresas podem se utilizar por meio da Internet e da telefonia

celular e outros meios digitais para divulgar e comercializar seus produtos, conquistar novos clientes e melhorar a sua rede de relacionamentos.” É o que diz o primeiro site que aparece na pesquisa do Google pela palavra-chave Marketing Digital - a Wikipédia. Ficar no topo em sites de busca é a ação de marketing que dá mais resultado, segundo a pesquisa Marketing Visão 360º, realizada pela TNS Ressearch International, a maior empresa de pesquisa de mercado customizada do mundo. O nome da estratégia é Search Engine Marketing (SEM).

Para aparecer na primeira página do Google, a empresa pode comprar um espaço através de links patrocinados ou trabalhar com a otimização do site para que o próprio buscador o selecione naturalmente. Evitar links quebrados, aumentar a quantidade de conteúdo relevante do site e até reduzir o tamanho do título das postagens são técnicas que facilitam a seleção.

As redes sociais aparecem em segundo lugar na análise de ações mais utlizadas. O consultor e professor de marketing digital Nino Carvalho acredita que ser sociável é a melhor forma de promover e levantar uma marca. Para ele, o importante nas redes sociais é ser transparente, participar das discussões e agregar valor ao público. Nino caracteriza o papel dos assessores de imprensa na era digital como “RP 2.0”.

“As empresas querem a assessoria também para poder falar com o público digital - a imprensa inclui outros influenciadores e disseminadores da informação, como blogueiros, tuiteiros e profissionais de sites.”

As mídias também se destacam como o meio de maior periodicidade na internet - segundo a pesquisa, 55% das ações interativas, aparecem nas redes sociais mais de uma vez por semana. Bruno de Souza, autor do blog Marketing Digital 2.0, recomenda planejar uma produção de conteúdos que explore as ferramentas das redes - como fotos e aplicativos. Bruno ainda destaca o seu potencial de retorno,

o feedback. “A resposta é rápida. Se gostou, o usuário fala, se não ele fala também, diferente de um comercial de TV, que não dá para opinar.” O blogueiro completa que “idade, classe

social e gênero já não são pontos principais para classificar as pessoas. A palavra-chave para estudar como cada um consome os produtos da era digital é comportamento”.

Mas a aposta da Marketing Visão 360º para o futuro é o mobile marketing. Atualmente, a indústria é a que cresce mais rápido no mundo. No final de 2010, a previsão era de acesso a redes sociais através de dispositivos móveis, aplicativos e publicidade nos games para celular. Agora, quase 2 bilhões de pessoas não vivem sem smartphones. E com elas, carregam o nome de várias marcas através dos compartilhamentos em redes sociais.

Marketing para o futuro digitalCom olhos na inovação, empresas buscam resultados a longo prazo

Estratégias devem focar na interação das redes sociais

Sâmia Fiates

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copa 2014

A escolha do Brasil como a sede da Copa de 2014 fez com que a cobertura da mídia extrapolasse o campo de jogo. Jornalistas, organizações independentes e pesquisadores vêm investigando os investimentos e os impactos resultantes da organização de um dos maiores eventos do mundo. Essa perspectiva pode ter criado um novo paradigma para o jornalismo esportivo brasileiro, aumentando o viés de investigação e interagindo com outras editorias. Para levantar esta e outras questões, a mesa de discussão sobre a Copa conta com a participação de convidados que trabalham na área do jornalismo esportivo, econômico e investigativo. Os gastos, a infraestrutura e o impacto social são alguns tópicos que serão abordados pelo público e pelos jornalistas.

Lúcio de Castro, repórter da ESPN Brasil Dimmi Amora, repórter da Folha de S. Paulo

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Em outubro de 2007 o presidente da FIFA, Joseph Blatter, anunciou o Brasil como sede da Copa do Mundo

de 2014, em uma cerimônia que apenas formalizou a situação, já que o país foi candidato único naquela eleição. A chegada da Copa era bem vista pela grande maioria da imprensa e da sociedade brasileira, pois daria ao país a oportunidade de crescer e fazer grandes investimentos em infraestrutura, especialmente nas 12 cidades sede, indefinidas até então. As esperanças de desenvolvimento eram grandes e aumentaram quando, dois anos após o anúncio de Blatter, o Comitê Olímpico Internacional (COI) escolheu o Rio de Janeiro para sediar os Jogos de 2016. Organizando os dois principais e v e n t o s esportivos do planeta em um período de dois anos e tendo uma boa oportunidade de crescimento em pouco tempo, uma palavra ganhou destaque no vocabulário dos brasileiros: legado.

Esta palavra-chave já apareceu em julho de 2007, quando recebemos os Jogos Panamericanos no Rio de Janeiro, tidos pelo Comitê Olímpico Brasileiro como um “estágio” para que a cidade possa receber uma Olimpíada. Entre as instalações erguidas para o Pan está o Velódromo do Rio de Janeiro, que teve sua demolição denunciada em julho deste ano, a fim de ceder lugar a um novo, desta vez dentro das exigências do COI. O atual não atende a essas exigências

porque no planejamento original dos Jogos a arena do ciclismo seria apenas temporária. Quando os organizadores decidiram investir R$ 14 milhões em uma pista permanente, já não havia tempo de construí-la nos padrões olímpicos.

No Manual do Jornalismo Esportivo de Heródoto Barbeiro e Patrícia Rangel há a seguinte passagem: “jornalismo é jornalismo, seja ele esportivo, político, econômico, social.” Os autores estabelecem um ideal de repórter esportivo, que não se limita a cobrir jogos, mas busca informações e as divulga de acordo com o interesse público e as regras da ética. O jornalista idealizado no Manual

teria, antes da i n a u g u r a ç ã o do Velódromo, percebido que a organização do Pan, na melhor das hipóteses, não sabia o que estava

fazendo. O caso, porém, passou praticamente batido entre os profissionais da área, dando razão a Andrew Jennings, jornalista inglês autor do livro Jogo Sujo, no qual relata a corrupção na FIFA e critica a preparação destes profissionais. Segundo ele, repórteres de esporte são ótimos em descrever lances, mas preferem esperar press releases a apurar por conta própria.

Jennings tem razão. A preparação dos jornalistas esportivos é falha desde sua formação nas universidades e segue ruim pelas redações, onde as editorias de esporte são tratadas como áreas peculiares, contrariando o “jornalismo é jornalismo”

A busca por informações na CopaEvento deve trazer abordagens próximas do interesse público

O repórter esportivo ideal busca informações e as divulga de acordo com o interesse público.

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de Barbeiro e Rangel. O esporte, de fato, está ligado ao entretenimento. Falta, porém, a consciência de que envolve também questões de saúde pública, integração e inclusão social, que ganha ainda mais importância durante os preparativos de dois megaeventos, pois o jornalismo esportivo passa a ser relacionado, entre outros assuntos, a obras de infraestrutura e gasto de dinheiro público.

A preparação não é das melhores, mas mesmo assim o cenário vem mudando aos poucos. Estimulados por jornalistas de outras áreas, como a repórter Daniela Pinheiro, da revista piauí, que, em julho de 2011, publicou o repercutido perfil de Ricardo Teixeira, ou como Andrew Jennings, tradicionais veículos de comunicação (como Folha, Estadão e Record) e outros não tão tradicionais assim (ESPN, IG e Lance) tomaram uma linha mais crítica, abordando pautas mais profundas que resultados de jogos e o dia a dia dos clubes. Quase que diariamente são publicadas reportagens sobre atrasos em obras tanto de estádios quanto de infraestrutura urbana. O público tem demonstrado interesse nesses temas e as editorias estão se abrindo para isso.

Na entrevista a Daniela Pinheiro, o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, usou o termo “traço” para definir o alcance dos veículos críticos a ele, dizendo, inclusive, que os ignorava. “Só vou ficar preocupado quando sair no Jornal Nacional”. Nove meses depois da reportagem, o principal telejornal do país noticiava a saída de Teixeira da entidade. Com 23 anos de CBF e pilhas de denúncias de corrupção, o cartola abandonou a presidência da Confederação alegando problemas de saúde.

As denúncias contra o ex-presidente da CBF tornaram-se cada vez mais frequentes após o anúncio de 2007. Lentamente,

i m p o r t a n t e s veículos da imprensa se tornaram mais críticos aos desmandos no futebol brasileiro e, especialmente, na organização da Copa do Mundo. Conforme 2016 se aproxima, os Jogos Olímpicos também começam a virar pauta. As várias matérias apontando falhas de organização são um indício de que o jornalismo esportivo no Brasil está evoluindo e aos poucos toma consciência de que o esporte é socialmente importante, não apenas como entretenimento. E esse é o legado dos grandes eventos para o jornalismo esportivo: a aproximação com as outras áreas e abrindo espaço para abordar assuntos de interesse público.

Núcleo de Jornalismo Esportivo da UFSC

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Nenhuma das duas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 localizadas no sul do Brasil receberá jogos da Copa das

Confederações em 2013. O torneio disputado entre os campeões continentais - somados à seleção do país sede e à atual campeã mundial - não passarão pelos estádios Beira-Rio, em Porto Alegre, ou pela Arena da Baixada, em Curitiba, por atrasos na reforma dos estádios.

Até maio de 2012, no último relatório do governo federal, apenas 20% da obra havia sido executado na arena gaúcha e 11% na paranaense.

A Arena da Baixada, pertencente ao clube Atlético-PR, não investiu os 25% do valor total das obras, pagas pelo governo municipal e estadual e pela iniciativa privada, condição para a liberação do auxílio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por sua vez, as obras do estádio Beira-Rio ficaram paradas entre junho de 2011 e março de 2012 por desacordo entre o Internacional e a construtora Andrade Gutierres.

Em pesquisa realizada pelo Datafolha em 2010, 57% dos entrevistados mostraram-se contra o uso do dinheiro de impostos para construir ou reformar estádios. Juntas, as arenas do sul custarão R$ 358 milhões aos cofres públicos. Diferente de cidades como Manaus, Cuiabá e Brasília, as duas capitais do sul têm times com grande número de torcedores, o que mostra potencial para não se tornarem elefantes brancos. Mas os investimentos estatais ainda podem acabar servindo à iniciativa privada, como aconteceu com a Arena Olímpica do Rio de Janeiro. Construída para os Jogos Pan-Americanos de 2007, a instalação é controlada hoje pelo banco HSBC. Existem ainda outros R$ 925 milhões a serem gastos em aeroportos, mobilidade urbana e investimentos dos governos estaduais e municipais na infraestrutura das cidades que têm impacto diretamente nas necessidades da população. Parte destas obras também está atrasada.

A Copa de 2014 no sul do Brasil Curitiba e Porto Alegre não vão sediar Copa das Confederações

ESTÁDIOSBeira-Rio

Arena da Baixada

Clube: Atlético ParanaenseJogos: 4 par tidasCapacidade: 41.262 lugaresExecução: 11%Investimento público: 137 milhões

Clube: Spor t Clube InternacionalJogos: 5 par tidasCapacidade: 52.000 lugaresExecução: 20%Investimento público: 235 milhões

Fonte: Portal da Copa / Julho 2012

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Na sabatina realizada em Genebra em maio a Organização das Nações Unidas (ONU) repreendeu o Brasil recomendando que a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016, não gerem despejos forçados. De acordo com o Dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”, produzido pela

Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa, para usar os terrenos nas obras dos dois megaeventos, entre 150 e 170 mil pessoas serão desalojadas. O governo não emitiu dados oficiais.

Segundo o mesmo dossiê, 4 mil famílias em Porto Alegre e 2 mil em Curitiba serão obrigadas a sair de suas residências para dar lugar às obras da Copa do Mundo. Embora

Guias turísticos

Agências de turismo

Transpor tadoras turísticas

Curitiba

POPULAÇÃO1,7 MILHÕES DE PESSOAS

PÚBLICO ESTIMADO508 MIL PESSOAS

Por toAlegre

POPULAÇÃO1,4 MILHÕES DE PESSOAS

PÚBLICO ESTIMADO542 MIL PESSOAS

293

246

224

433

246

354

358

16.061

362

14.496

Hoteis

35.689 31.885Vagas

Quartos

Hoteis

Vagas

Quartos

O perfil turístico existente em Curitiba beneficia a cidade-sede com estrutura mais apropriada para receber turistas durante os jogos. Porém, ambas as cidades são polos de turismo executivo, o que diminui o número necessário de novos empreendimentos para atender todo o público

MERCADO DE TURISMO

Fonte: IBGE, CADASTUR, Fundação Getúlio Vargas e Ministério do Turismo.

E pro turista, tudo? Tudo! Pro morador...

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Semana Revista26

essa movimentação já fosse prevista, poucos dos projetos de realojamento dessas famílias foram colocados em prática ou nunca foram divulgados, de acordo com o relatório do Observatório das Metrópoles. Em São José dos Pinhais, na região metropolitana da capital paranaense, a associação dos moradores da Vila Quissinana, bairro que será atingido pela construção da terceira pista do Aeroporto Afonso Pena, fizeram um abaixo-assinado contra as obras. O projeto ignora os impactos nas estruturas das moradias e o alto nível de ruídos gerados aos habitantes da região. Além disso, a Vila Quissinana terá vias de ligação com bairros próximos e ao centro da cidade fechadas pelas novas construções, gerando o isolamento da área.

Para construção da nova pista do aero-porto Salgado Filho, em Porto Alegre, os moradores da Vila Dique foram transferidos para um loteamento no bairro Bernardino da Silveira, que deveria estar concluído em 2010. O bairro, porém, ainda conta com pro-blemas graves de saneamento e apenas 440 famílias foram transferidas. Quem ainda per-manece tem condições precárias de coleta de lixo e energia elétrica, minimizadas após o início dos realojamentos.

A localização privilegiada da Vila Torres - comunidade de baixa renda, hoje legaliza-da pela COHAB - fez com que a Prefeitura Municipal firmasse parceria com a empresa de tintas Coral para revitalizar o bairro. A comunidade fica no caminho do aeroporto, por onde os mais de 500 mil turistas devem passar durante a Copa do Mundo, em dire-ção ao centro de Curitiba. Há previsão de pintura de fachadas, reforço de estrutura e construção de muros, entre outros serviços. Tudo isso, porém, apenas na parte externa das residências do bairro. Ou seja, aquela que os turistas irão enxergar.

Porto Alegre

Curitiba

OBRAS DE TRANSPORTE

AEROPORTO

RODOVIÁRIA

MOBILIDADE

579,2 MILHÕES0,8% das obras

concluídas

Não háobras

previstas

259,3 MILHÕESNão há

medição do andamento

AEROPORTO

RODOVIÁRIA

MOBILIDADE

160,3 MILHÕESObra não

iniciada

48,9 MILHÕESObra não

iniciada

248,7 MILHÕESNão há

medição do andamento

Fonte: Portal da Copa / Julho 2012

Rafael Canoba

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Semana Revista

“Tive que vender minha mansão no Guarujá”, lamentou o maltrapilho presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marín. Sua fala comprova o estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas, em julho, sobre o rendimento das pessoas envolvidas diretamente com a organização da Copa de 2014 no Brasil. De acordo com o levantamento, dirigentes, políticos, juízes e dependentes tiveram as riquezas reduzidas em 90%, em média, nos últimos quatro anos. Os dados também apontam que a perda foi proporcional ao envolvimento com

a organização do evento.“Tem um cigarro?”, pediu o diretor de seleções

da CBF, Andrés Sanchez, enquanto distribuía credenciais aos operários que construíram o estádio da abertura da Copa, o Itaqueirão. “O Marco Polo Del Nero não veio, porque teve que levar o filho mais novo no Posto de Saúde. Parece que é disenteria”, revelou o ex-presidente do Corinthians.

Veja no site Vítimas da Copa uma galeria de fotos com a situação de penúria de Ricardo Teixeira, Ronaldo, Bebeto, Aldo Rebelo e Tiago Leifert.

Empobrecidos

Prejuízos de luxoFaltam mansão, cigarro e plano de saúde a organizadores da Copa

Os europeus vindos da Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal e Itália agora têm opção de alojamento. Passada a Copa do Mundo 2014, conquistada pela surpreendente Jamaica, pelo menos quatro estádios serão destinados a abrigar os “novos imigrantes” que chegam no Brasil em busca de empregos e melhores condições de vida.

A Arena da Amazônia, em Manaus, pode comportar até 44 mil gringos, já que os 310 que completam a capacidade máxima serão utilizadas para o Campeonato Amazonense de 2015. Em Cuiabá, a Arena Pantanal poderá receber 43.600 imigrantes sentados. A vantagem de lá é que, como não há futebol praticado no estado, o campo será transformado em um grande parque ecológico, com jacarés, piranhas e araras. O governo do estado não se responsabiliza por qualquer incidente envolvendo imigrantes e animais do

parque pantaneiro.Estas são algumas das opções de moradia,

que inclui ainda a Arena Pernambuco, o Mané Garrincha, em Brasília, e a Arena das Dunas, no Rio Grande do Norte, que ainda não está pronto para este fim e carece de mais investimentos públicos.

Estádios-abrigos

Minha arena, minha vidaArquibancadas brasileiras abrigam refugiados do êxodo financeiro europeu

Andrade Gutierrez - empreitera da Copa - abriga você no Brasil

Yann

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Principais responsáveis por garantir a realização da Copa do Mundo no Brasil, construtoras e empreiteiras conquistaram de vez seus lugares no coração do brasileiro. Em pesquisa divulgada pelo site Encomende sua PesquisAqui, ambos segmentos empataram em primeiro lugar na classificação das empresas de maior credibilidade no mercado brasileiro.

“Acho natural: quando há pouca expectativa

em relação a um fato, a chance de uma surpresa positiva é grande. Havia um preconceito durante os fechamentos de contratos para execução das obras da Copa”, analisou Rodolfo Rosa, síndico do edifício onde moro. “O resultado está aí para todo mundo ver: gastos abaixo do estimado, moderníssimas construções e o real legado, deixado graças ao empenho destes segmentos”, completa.

A votação foi feita exclusivamente pelo Google +.

Construtoras

Pilares da conf iança nacionalNo fim das contas, empreiteiras da Copa erguem mais que estádios

“Oi, meu nome é Ronaldo de Assis Moreira. Estou há um ano, sete meses e doze dias sem beber.” A brincadeira de um Ronaldinho Gaúcho em forma fez a Arena do Grêmio vir abaixo em um coro eufórico. Com o sorriso característico, a camisa tricolor e o número dez nas costas, o jogador abriu a cerimônia prévia do seu último jogo pelo time gaúcho antes da Copa do Mundo 2014.

“Espero brilhar com a camisa amarela aqui, na minha casa, em breve”, evocou, emocionado, em um palco ao lado do campo.

Depois de passagens por Flamengo e Atlético-MG, time vice-campeão em 2012 – ano do tri do Grêmio de Celso Roth – quis o destino que o jogador três vezes melhor do mundo fizesse as pazes com o presidente Paulo Odone e retornasse ao time do coração.

Apresentado sem alvoroço e com a desconfiança da torcida, o “Érredez” provou em pouco tempo que voltaria a ser, enfim, aquele atleta fantástico da metade da década passada. A média de três gols por jogo no Gaúchão e o bom desempenho na Libertadores fizeram com que o técnico da

Seleção Brasileira, Luiz Felipe Scolari, convocasse Ronaldinho para a Copa das Confederações. Resultado: campeão invicto, com direito a show da estrela e líder do grupo, de onde não sairia mais.

“Largar a bebida foi um grande passo na minha carreira, mas o principal mesmo foi parar de pegar mulheres nada a ver”, diria O Cara, durante a comemoração do terceiro título da Libertadores da história do Grêmio.

Pois um ano, sete meses e doze dias depois e Ronaldinho deu um até logo a sua torcida para liderar a mais importante instituição nacional em busca do maior título de sua história. Diante de um Flamengo acuado, o Grêmio venceu por dois gols, com um do Erredez e outro de Jonas, com assistência do craque.

O delírio do torcedor tricolor foi do apito final à saída emocionada do jogador da nova Arena do Grêmio, estádio que vai sediar a Copa em Porto Alegre no lugar do rival. “Anotem o que eu digo. O Ronaldo sai desta Arena hoje para fazer história”, encerrou a festa o diretor de futebol do Grêmio, Roberto de Assis Moreira, o Assis.

R10

Hoje estou curadoRonaldinho retoma o bom futebol e mostra que tem a última lenha a queimar

Semana Revista

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O jornalismo especializado em tecnologia tem ganhado importância à medida que inovações na área de telefonia, computação e demais dispositivos têm interferido no dia-a-dia das pessoas e, inclusive, na forma como elas se comportam em sociedade. Seja na área de comunicação, transporte, saúde, segurança, trabalho ou entreteni-mento, o assunto tem despertado o interesse e a curiosidade de parte da população, o que exigiu do jornalismo uma cobertura mais ampla e que informasse tanto os leigos quanto os mais entendidos, os entu-siastas. Para explicar essa evolução e a forma como os portais tratam o conteúdo, convidamos:

Pedro Burgos, jornalista do site GizModo;Renato Cruz, repórter do Caderno Link do Estadão.

JORNALISMO TECNOLoGICO´

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Semana Revista30

Para tentar colocar em prática uma ideia que não avançava no Rio Grande do Sul, o engenheiro Anderson Sanick

decidiu, em 2005, mudar-se para Chapecó e transformar o projeto de um contador de grãos em um produto. Com seu irmão Fabiano, administrador por formação, criou uma marca com o nome da família que, oito anos depois, vende o equipamento para multinacionais do agronegócio em vários estados brasileiros. O negócio dos irmãos e de outras empresas do município e da região compõem um polo econômico catarinense que cresce no interior do estado e busca oportunidades pelo mundo inteiro.

Na região, 42 empresas especializadas em tecnologia da informação (TI) estão associadas ao Deatec, o polo tecnológico do oeste. Em 2011, este tipo de organização empregou mais de 300 profissionais em Chapecó. No negócio dos Sanick, além dos dois sócios, trabalham seis pessoas nas áreas mecânica e de tecnologia, o suficiente para produzir o ASC - nome comercial

do contador de grãos - e outros produtos eletrônicos. Os irmãos comemoram o crescimento da empresa: no ano passado, o faturamento cresceu 49% em relação a 2010.“O chapecoense aposta muito no potencial do oeste”, diz Fabiano S. Padilha.

A opção pelo agronegócio como público-alvo, tal qual os irmãos Sanick fizeram, também foi feita por alguns empresários da região, já que a base econômica do oeste catarinense está na produção rural. Porém, esta não é a única aposta dos empreendedores em TI de Chapecó. Outros produtos, como softwares de gestão e soluções para indústria metal-mecânica, também são produzidos por lá. Apesar da influência local, as vendas desses produtos não ficam apenas na região, já que, com feiras de negócios recorrentes e um aeroporto no município, é fácil conhecer e atender clientes de diferentes estados e até em outros países. “As condições são atrativas para que o negócio possa abranger outros espaços e que não fique restrito ao regional”, explica o especialista em inovação e professor da Unochapecó, Claudio Jacoski.

As oportunidades que o setor de TI pode trazer para Chapecó chamaram a atenção do governo do estado e de entidades empresariais. Eles oferecem cursos gratuitos para formação de profissionais e mantém um projeto de um parque tecnológico para organizações locais e multinacionais que queiram instalar-se por lá. Tudo para alavancar negócios como o de Fabiano S. Padilha, que busca novas possibilidades para a Sanick crescer no oeste catarinense: “agora, nosso próximo passo é pensar na exportação, de forma bem modesta e simples, para atender outros mercados.”

O oeste de softwares e sementesEm Chapecó, empresas de tecnologia renovam os produtos e a economia locais

Diego Cardoso

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Saiba tudo sobre o novo Galaxy S II.” “Testamos o novo iBooks 2.” “Vale a pena comprar o novo iPad?” Essas são

algumas manchetes que dominaram, por muito tempo, as editorias de tecnologia. Atualmente, o cenário mudou, o mercado tecnológico cresceu e o interesse por esse tipo de jornalismo, que pode ser chamado também de jornalismo de informática, aumentou. Para entender melhor esse novo estilo, o papel dos jornalistas nele e as tendências do ramo, entrevistamos Tiago Dória, jornalista, pesquisador de mídia e pós-graduando em Gestão Estratégica de Tecnologia da Informação, que desde 2003 mantém um site sobre tecnologia e mídia.

Semana Revista: Na sua opinião o jornalismo de tecnologia se enquadra na categoria científico? Por quê?Sim. O conceito acadêmico de jornalismo científico abrange a área de tecnologia. Uma é a versão prática do outro. O que existe de equivocado hoje em dia é o costume de chamar de jornalismo de tecnologia algo que é muito mais um “jornalismo de informática”, restrito à abordagem de assuntos sobre computadores. Tecnologia é um conceito muito mais amplo - vai desde um iPhone até o garfo e faca que utilizamos para comer todos os dias.

S.R.: A revista INFO passou por uma reformulação recentemente, tentando se transformar em uma revista com menos testes. Qual você acredita ser a tendência nesse ramo do jornalismo?Com o surgimento e ascensão dos blogs

e fóruns de tecnologia, muitas revistas tradicionais na área passaram por uma reformulação. A maioria deixou os testes de produtos de lado para investir na parte de reportagens mais analíticas. Uma tendência bem visível nesse ramo é falar de tecnologia como se estivesse cobrindo a área de cultura ou de esportes. E as reportagens serem menos sisudas, com uma linguagem menos técnica. Por muitos anos, a área recebia uma cobertura que lembrava a da editoria de carros. Falava-se de tecnologia como se estivesse falando de automóveis, com

publicações repletas de testes de produtos e outras questões técnicas. Enfim, hoje existe uma forte tendência de ver tecnologia não somente como produtos (gadgets), mas também como cultura, pessoas e negócios.

S.R.: O espaço para testes de produtos é grande na área, até que ponto você acha isso válido, e quando isso se transforma em mera propaganda?Acho válido, mas acredito que, para o leitor, esse espaço para testes de produtos terá cada vez menos importância. Por um motivo simples - hoje, a opinião dos contatos nas

Quando voce vai comprar um produto tecnológico, a opinião nas redes sociais é muito mais relevante do que a das revistas de tecnologia

Tecnologia além da informáticaPara Dória, quem cobre essa área deve entender o amplo conceito

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plataformas de redes sociais é muito mais decisivo na hora de comprar um produto. Atualmente, quando você vai comprar um produto tecnológico, a opinião nas redes sociais é muito mais relevante do que a opinião desta ou daquela revista de tecnologia. O iPad, por exemplo, quando saiu, foi muito criticado por colunistas da revista Wired. Hoje o tablet é um sucesso.

S.R.: Os jornalistas que trabalham nessa área, a seu ver, têm uma especialização adequada?Não. O ideal é ter uma formação ou experiência na área de tecnologia. Uma coisa é você aprender “tecnologia” arvorando-se em jornalismo, “que cobre a área há não sei quantos anos”. Outra é conhecer “tecnologia” estudando-a de forma estruturada, acadêmica, e trabalhando na área. Há coisas que você somente vai entender e apreender ao estudar de forma estruturada as tecnologias e seus processos. Recomendo a todos que querem trabalhar com jornalismo de tecnologia a buscar uma formação na área.

S.R.: Qual o motivo da mudança e ascensão do jornalismo de tecnologia no Brasil, na sua opinião?Faz parte do processo de simplificação das

tecnologias. Cada vez mais, a comunicação pessoal e a produção simbólica são mediadas pelas redes de computadores e as tecnologias voltadas para os usuários finais. É natural que exista um interesse maior das pessoas em saber como funcionam essas tecnologias, como elas podem nos afetar, quais são as tendências e novidades, quem está por trás delas. Hoje se o Google fica fora do ar por muito tempo chama mais atenção do que a Bolsa de Valores cair de forma acentuada.

S.R.: O Brasil tem diversos polos tecnológicos que pouco saem em matérias de tecnologia. A que você credita isso ? Não há pautas interessantes em polos como Campinas e Porto Alegre?Há diversas pautas interessantes no Brasil. Acredito que a escassez de matérias em editoriais de tecnologia acontece por dois motivos. Um é histórico. O Brasil nunca foi um país produtor de tecnologia. Por esse motivo, o jornalismo brasileiro de tecnologia sempre foi acostumado a olhar para as empresas e os polos tecnológicos lá de fora, pois eram lá que as coisas aconteciam. O Brasil sempre consumiu muita tecnologia, mas sempre produziu pouca. Outro motivo é a falta de profissionalização das empresas brasileiras de tecnologias. Por diversos anos, muitas dessas empresas sequer tinham assessoria de imprensa, o acesso a executivos e a informações sobre produtos era muito difícil. É lógico que esse cenário vem mudando nos últimos anos. Mas, se fôssemos resumir a questão, essa falta de matérias sobre o Brasil em editorias de tecnologia é, na realidade, reflexo histórico de um país que nunca investiu de forma contínua e maciça em tecnologia. Muitas vezes, o modo de fazer jornalismo num determinado setor é reflexo de algo muito maior.

Jennifer Hartmann

Dória: Jornalismo de tecnologia não se restringe apenas à informática

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onforme as tecnologias evoluem e se tornam cada vez mais importantes para empresas, governo e população,

a busca por informações sobre o tema também cresce, o que demanda uma cobertura especializada. A internet, inovação tecnológica popularizada na década de 90, é responsável pela veiculação dos principais conteúdos referentes a computadores, tablets, smartphones e outros.

Ao analisar os principais portais de tecnologia do país, a jornalista Risa Stoider constatou que “a maior tendência das notícias do ramo divide-se entre abordar o desenvolvimento e lançamento de novos produtos no Brasil e no mundo, e os aspectos financeiros e empresariais por trás dessas novidades, com ampla cobertura das disputas no mercado, da rivalidade entre empresas e, principalmente, dos seus lucros ou prejuízos, investimentos e aquisições.”

A tendência, no entanto, é criticada pelo jornalista Diego Kerber, do site de tecnologia Adrenaline. Para ele, essa forma de produção de conteúdo atinge apenas o público entusiasta e não a grande parte menos entendida no assunto, que quer saber o que as tecnologias podem oferecer para viverem melhor. O

problema, de acordo com o jornalista, é que a maioria do conteúdo é produzido por quem entende bem do assunto, os nerds. São poucos os que conseguem ser didáticos e atingir todos os interessados.

Mas é preciso ser nerd para escrever sobre tecnologia? Para o editor do canal Tec do site do jornal Folha de S. Paulo, Leonardo Cruz, ser nerd não basta. Ele acredita que, para escrever sem equívocos, é fundamental ter uma base boa de cultura e acompanhar o noticiário. “Não adianta ser ´supernerd´ se você não consegue dimensionar a importância que os

fatos da área de tecnologia têm”, afirma.

Em relação às pautas abordadas, Cruz explica que

elas surgem da apuração dos repórteres, das notícias de

agências internacionais e de informações publicadas em sites

estrangeiros especializados em tecnologia.

Sendo a internet o principal veículo, os canais do segmento

não apostam só no texto para falar do assunto. Felipe Vinha,

colaborador do site TechTudo, afirma que a migração

do texto para outras mídias foi uma das mudanças mais significativas nos últimos anos.

Uma prática comum nos sites do ramo é a análise de produtos. A redação testa suas funcionalidades e emite uma opinião sobre o acessório ou eletrônico, o que pode, inclusive, influenciar na compra.

Para tecnologia, ser nerd não basta

Busca por informações sobre o assunto pede cobertura mais ampla e maior conhecimento

José Antônio Hüntemann

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uando questionados sobre a importância da tecnologia dentro das redações, muitos profissionais

de comunicação dizem que um jornalista não existe sem smartphone, laptop e gravadores digitais. A agilidade na hora de transmitir a informação hoje é maior, impondo ao repórter um deadline menor, muitas vezes alterado durante o dia. O editor-chefe do jornal O Globo Ascanio Seleme explica que isso acontece porque até a notícia mudou de velocidade.

Para dar conta do novo ritmo de produção, as redações estão incorporando os novos dispositivos quase junto a seus lançamentos. N’O Globo, todos os editores e muitos repórteres já têm iPads, por exemplo. Já no Extra Online, do Rio de Janeiro, toda a equipe recebeu notebooks, smartphones e conexão 3G para uma operação descentralizada. Lá, os repórteres raramente voltam à redação, pois têm disponíveis todos os recursos necessários para executar suas atividades. Essa é a característica principal que define o “jornalismo móvel” (MoJo), que desde 2007 vem se consolidando em diversos grupos de comunicação do país e é uma grande tendência.

De acordo com o pesquisador do Centro Internacional de Estudos

e Pesquisa em C i b e r c u l t u r a

Fernando Firmino, foi a partir do surgimento da internet 3G que as empresas passaram a ter repórteres fora da redação. Ao mesmo tempo que a mobilidade oferece custos reduzidos, ela pode ser o primeiro passo para uma “apuração na rua” mais efetiva, dando maior agilidade ao profissional para produzir textos fidedignos. Com tablets, o computador de mesa pode ser substituído e fixado apenas para o trabalho “pesado”. “O iPad hoje compara-se ao celular na década de 90. No começo, poucos tinham. Hoje é indispensável para todo jornalista”, diz o editor-chefe d’O Globo.

Além dos prazos encurtados, a adesão aos dispositivos móveis também inclui à nova rotina a exigência da “multitarefa profissional”, que agrupa em uma só pessoa a capacidade de capturar imagens e vídeos, redigir textos e editar todo o material longe da redação. Para Lucas Longo, essa mudança é uma desvantagem, pois aumenta a possibilidade de trabalho sobrecarregado, já que não existe mais a desculpa de não estar no escritório. Mas para Firmino, dependendo do modelo adotado, poderá surtir uma reforma na hierarquização tradicional das redações, tornando o trabalho mais flexível por conta da mobilidade tecnológica, o que elimina

algumas atividades do jornalismo e adiciona novas.

Diante do atual contexto de convergência e multiplataformas, o pesquisador aponta outras questões importantes nessa relação: “o fundamental não é a tecnologia em si, mas o que se faz com ela nas

estratégias de produção jornalística”.

Com tablet, repórter produz na ruaDinamismo e mobilidade das tecnologias tiram jornalistas da redação

Helena Stürmer

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reportagem de um personagem

Um perfil precisa ser muito bem recortado para relatar a pessoa pautada. Sendo classificável como investigativo, esse tipo de jornalis-mo exige que o repórter aprofunde-se na história que será contada, extraia as informações essenciais e consiga enxergar quais são de fato relevantes e quais são detalhes que não passam de exercício de linguagem. Essa mesa discutirá de que forma o jornalista deve pautar suas entrevistas e pesquisas e qual a melhor forma de construir sua narrativa para transformar indivíduo em personagem.

Dorrit Harazim, fundadora e editora da revista PiauíAdriana Negreiros, repórter das revistas Playboy e CláudiaSérgio Vilas-Boas, Jornalista, escritor e professor de pós-graduação em Narrativas do Real

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Começo-meio-f im de cada um Com uma boa narrativa, um perfil transforma pessoas em personagens

Em jornalismo, perfil significa enfoque na pessoa – seja uma celebridade, seja um tipo popular, mas sempre o

focalizado é o protagonista de uma história: sua própria vida. Esta afirmação de Sodré e Ferrari talvez seja uma boa síntese do que conhecemos por perfil. Sua inspiração na literatura tornou-se tradição no país desde a imprensa engajada do século XIX. Na luta pela abolição da escravatura ou pela implantação da república, a descrição do perfil de personagens de embates foi um recurso de usual que ajudou a sedimentar esta forma de narrar na imprensa brasileira. João do Rio e Joel Silveira reforçaram essa tradição. Nos tempos recentes, Ricardo Kotscho, Eliane Brum, João Moreira Salles e Dorrit Harazim são algumas boas referências.

Além de Sodré e Ferrari, outros autores consagrados como Sérgio Vilas Boas definiram e classificaram esta forma de narrar. Diferente da biografia, um gênero genuinamente literário, o perfil focaliza apenas alguns momentos da vida da pessoa – celebridade ou um tipo popular. O focalizado é protagonista da história – sua própria vida. Por isso, é um recurso rico para as matérias chamadas humanas. Assim, podemos admitir alguns tipos de perfil:

Personagem indivíduo – Retrato mais psicológico que referencial. Interesse recai sobre a atitude do entrevistado diante da vida, comportamento, peculiaridades, modo de atuação.

Personagem tipo – Caso de celebridades que se inscrevem em categorias: esportistas, cantores, milionários, princesas... Enfatiza aquilo que lhes deu fama: habilidade, talento, dinheiro, beleza... algum atributo típico de suas classes ou profissões.

Personagem caricatura – São pessoas estranhas, grotescas, de atitudes mirabolantes, com acentuada tendência para a exibição, que podem gerar um perfil tipo caricatura.

Miniperfil – Eventualmente inserido numa reportagem. Destaque é dado aos fatos, à ação, e os personagens são secundários. O relato de um fato é interrompido para dar um enfoque rápido sobre personagens, sob a forma de narrativa ou curta entrevista.

Multiperfil – Há pessoas tão significativas que merecem uma cobertura maior que a do perfil. Ex: quando Carlos Drummond fez 80 anos ou quando Jonh Lennon foi assassinado, quase todos os jornais organizaram cadernos especiais exclusivos sobre eles.

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Mais importante que tais classificações é verificar que o perfil é uma narrativa... e pode ser uma boa narrativa. Se o seu objetivo é focalizar um personagem, este está inserido num contexto, num momento histórico; expressa significância, um movimento e/ou fenômeno social. Portanto, construir um perfil é contar uma história, é construir uma narrativa. Que narrativa?

Narrativa para Jonatan Culler é uma história com começo, meio e fim, que deve causar prazer ou satisfação pela transformação do personagem destacado, ou seja, que constitua uma mensagem. Se causa prazer e traz uma mensagem, também deve gerar mudanças em quem ouve, lê a história. Walter Benjamin acrescenta que uma narrativa, além de informação, evidencia a experiência do personagem – esta emerge com mais força que as próprias informações dadas. Para o alemão, este personagem invoca o espírito do “justo” e, por isso, a boa narrativa incorpora um fundo moral que orienta ou provoque o interlocutor.

Nessa linha de raciocínio, destaco a fundamental importância de recorrer ao caráter subjetivo do repórter. Ora, se focamos protagonistas não nos relacionamos

com objetos, mas com pessoas – que têm pensamentos, impressões, opiniões, experiências... VIDA! Se tratamos de vidas, não relatamos apenas fatos, mas fenômenos sociais compostos por informação e impressões – portanto subjetividades.

Joel Silveira é uma excelente referência nessa conjugação do objetivo e do subjetivo na construção de perfis. Ele mostrou a personalidade de Graciliano Ramos como numa pintura impressionista de seu entrevistado; como retratou movimentos sociais e políticos ao traçar o perfil de João Goulart. Ou detalhou peculiaridades de um movimento histórico como a reportagens de um grupo de cangaceiros numa penitenciária baiana.

Em trabalhos recentes, o caso France-nildo, na piauí, foi uma narrativa exemplar em que João Moreira Salles colaborou para resgatar a dignidade do “caseiro de Palocci” acusado de lavagem de dinheiro. Um perfil? Sim, mas uma reportagem muito bem apu-rada e estrutura de forma que o protagonista teve voz e pode esclarecer a injustiça a que foi submetido. Os pensamentos, os sen-timentos, as experiências de Francenildo dialogaram com as impressões, as opiniões de Sales. Daí uma reportagem de perfil que constituiu uma narrativa, com começo, meio e fim, que trouxe mais que informações as experiências, mensagens, transformação – o espírito do justo que causou provocações em quem leu esta boa história.

Jorge Kanehide Ijuim - Jornalista, professor do Departamento de Jornalismo da

Universidade Federal de Santa Catarina

Fazer um perfil é construir uma narrativa que cause prazer ou satisfação pela transformação

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Retratos

Esse é o retrato de ninguém. O homem é um morador de rua, e a partir de agora você sabe que ele existe. Mais ou menos com esse objetivo – vê-los – Lee Jeffries começou a fotografar essas pessoas. Seu trabalho explodiu internet afora e ao mesmo tempo abriu os olhos e mentes de muitas pessoas. O rosto deste homem não é um retrato seu, embora íntimo como poucos; é o retrato da situação que vive ele e tantos outros. A cada foto, Jeffries devolve a dignidade destes homens, “na esperança de que as pessoas percebam que eles são justamente como eu e você”, explica em entrevista à Time.

A chamada Primavera Árabe representa a insatisfação de um povo frente ditaduras desgastadas e falsas democracias. Mas o povo, onipresente, não tem rosto nem representante. O retrato de uma mãe com seu filho ferido nos braços talvez seja, então, o retrato dessa gente. Já se descobriu quem são os mártires ao lado, onde estão e o que fazem, mas isso não interessa realmente. Essa fotografia é um retrato do que aconteceu (e acontece) em países como Tunísia, Egito, Líbia, Síria e Iêmen. De autoria do espanhol Samuel Aranda, não à toa venceu o World Press Photo 2011.

O retrato fotográfico tem a intenção de identificar, definir uma característica ou toda uma pessoa em apenas uma imagem. Mais: o retrato não precisa identificar alguém, muito embora haja alguém no retrato de algo. Escolhi quatro. O retrato de um lugar, de uma situação, de um fato e, para não fugir demais, de alguém. Cada qual, cada quem, cada onde e o quê, definidos no infinito de significados que guarda uma imagem.

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No início da década de 80, Bruce Davidson documentou o metrô de Nova York, percorrendo suas distintas linhas, procurando por cenas, pessoas e coisas que mostrassem a realidade deste mundo subterrâneo. A foto ao lado abarca quase tudo. O clima de insegurança ganha força pelas pi-chações indecifráveis e pela figura de dois valentões, paradoxais seguranças improvisados (e necessários). Os dois são membros dos Guardian Angels, organização civil para proteger a população e manter a segurança em locais públicos. O retrato do metrô de Nova York poderia ser essa fotografia: um vagão vermelho-frio protegido por seguranças voluntários mais mal-encarados que os próprios criminosos.

À primeira vista o retrato é do casal. À segunda vista, diria que é de John. Annie Leibovitz, tirou essa foto sem grandes aparatos. Queria os dois nus, mas Yoko se recusou a tirar as calças e decidiu-se que apenas John ficaria pelado. Um retrato perfeito sacado do improviso. A ligação forte demais entre os dois suposta-mente terminou com os Beatles, e Lennon exala toda sua admiração e necessidade por sua mulher através de cada gesto. Agarrado a ela, nu, beijando-a, envolvendo seu rosto com os braços e de olhos fechados. Para os dois, profundo amor, para a imprensa especializada em fofoca, obsessão e dependência. Essa é uma das últimas fotos do artista antes de morrer, talvez seu retrato definitivo, felizmente carregado de múltiplos significados e interpretações.

Giovanni Bello

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Marcelo é um nome carregado de po-der cármico. Ao menos para a orga-nização da Semana do Jornalismo

da Universidade Federal de Santa Catarina. Em mais de uma década, não houve nome que marcasse o evento com força maior.

Era sábado, 19 de setembro de 2009, quando o escritor, jornalista e Marcelo, o Rubens Paiva, telefonou para uma das orga-nizadoras da 8ª Semana do Jornalismo para cancelar sua participação no evento. Ele seria o convidado da palestra de abertura, a ser realizada dali a dois dias. “Como assim, você não vem?”, exasperou-se Cecília Cus-sioli, responsável pelo contato com Rubens Paiva. “Vai atrapalhar muito, né?”, disse um sensibilizado Marcelo, ciente que estava es-tragando meses de preparação e divulgação pesada.

Na correria, a (enlouquecida) equipe or-ganizadora conse-guiu outro nome forte para substi-tuí-lo - o também

escritor e cro-nista João Paulo Cuenca. Não

bastasse a necessidade de explicar para um público frustrado a troca de última hora, Cecília embolou-se, preparada para con-versar com o Rubens Paiva, e apresentou o “cronista e escritor Marcelo Cuenca”.

Na 6ª Semana, em 2007, outro perren-gue com um Marcelo. A organização conse-guiu veicular chamadas do evento durante a programação da RBS. Produzido o vídeo, enviaram para os convidados, mostrando que a Semana estava sendo divulgada para todo o estado. Tudo corria bem até que um convidado, então jornalista da Folha de S. Paulo, responde, elogiando o vídeo, mas informando que a foto que acompanha seu nome não é dele. Procuraram a imagem online e descobriram que, na foto, posava o músico da banda O Rappa e - surpresa - Marcelo, o Yuka.

A força do nome foi positiva no contato com outro Marcelo, o Tas. Convidado para encerrar a sétima edição, em 2008, Tas ficou chocado ao descobrir que o evento é total-mente organizado por estudantes. “Como vocês conseguem?” Nem a organizadora da época, Juliana Sakae, soube responder.

É a força cósmica do Marcelo. Deve ser feng shui. Mas a alcunha não é suficiente para ofuscar a maior semana acadêmica de jornalismo do país. Todo ano, são dezenas de profissionais reunidos em Florianópolis para debater os rumos do jornalismo com as pessoas mais interessadas no assunto: fu-turos jornalistas, estudantes de graduação.

Desde que surgiu, em 2000, a Semana do Jornalismo é concebida e executada por estudantes. Na primeira edição, o sucesso das mesas de discussão e palestras surpre-endeu a organização e motivou a realização

Um Marcelo no meio do caminho

Em onze anos, não houve nome mais marcante na Semana do Jornalismo

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Um Marcelo no meio do caminhodo evento no ano seguinte.

Plano que não se concretizou, devido à greve de professores de universidades fede-rais em 2001. A 2ª Semana só foi organizada em 2002. A quarta edição, em 2004, inovou ao trasmitir as palestras e mesas de discus-são pela internet, ação que é mantida até hoje.

Outra greve causou o adiamento da 5ª Semana, realizada apenas em 2006. E vol-tou com força total, com um episódio que até hoje é lembrado por quem acompanhou o evento. Não, desta vez nenhum Marcelo estava envolvido.

Em 2 de agosto de 2006, Juca Kfouri subiu ao palco do Auditório do Centro de Comunicação e Expressão da UFSC e fa-lou por algumas horas com os presentes. Momentos depois, era a vez da palestra do também jornalista Renan Antunes. A sur-presa foi geral quando Antunes caminhou até o palco com um pano de chão amarrado à cabeça, apenas com buracos revelando os olhos, dizendo que se sentia envergonhado por estar num auditório que aplaudiu Juca Kfouri. O pano permaneceu na cabeça do jornalista durante toda a palestra. Certa-mente algum Marcelo dava risadinhas es-condido na plateia.

TIC TAC TIC TACTalvez o maior poder sobre a Semana do

Jornalismo - mais do que o Marcelo-power - seja a pressa. Um grupo de estudantes se reúne no começo do ano letivo, em março, e começa os preparativos para a Semana da-quele ano. Desde 2008, o evento acontece em setembro. Nesse grupo estão alunos de diferentes fases da graduação - toda ajuda é bem-vinda.

Durante as reuniões semanais, todos dão sugestões de possíveis convidados. A condição: ter experiências interessantes

que possa c o m p a r t i -lhar com os estudantes. Em maio, a equipe começa os contatos com os jornalistas. Entre junho e agosto, to-dos os convidados precisam ser con-firmados e perfila-dos; as passagens devem ser compradas e os hotéis, reservados; as mesas de discussão são nomeadas e recebem ementas; a identi-dade visual é finalizada, juntamente com a parte gráfica - banners, folders, panfletos, cartazes, camisetas; o site e os perfis da Se-mana no twitter e no facebook são atualiza-dos; e releases do evento chegam à impren-sa catarinense.

Somado a tudo isso, a equipe produz, desde 2008, esta Semana Revista, com tex-tos que servem como introdução aos temas que serão discutidos durante a Semana. Em um mês, geralmente durante as férias, é preciso apurar, escrever, editar, diagramar, revisar, fotografar e ilustrar as 64 páginas da publicação.

A Semana é pensada do jeito que os estudantes querem; depois, a equipe que corra atrás do dinheiro necessário para bancar todos os gastos. E a Semana é cara - em 2011, a décima edição movimentou R$ 8,5 mil. Como bem lembra um dos organizadores da 9ª Semana, Diego Cardoso, esse “não é um evento amador, não é um evento de moleques”. Não há Marcelo que atrapalhe os planos.

Lucas Pasqual

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Da vida, o que f icam são históriasPessoas comuns têm suas trajetórias contadas no obituário do jornal

Virei obituarista e logo despertei a curiosidade de amigos e familiares.

Tem quem pergunte até quan-do escreverei sobre os mortos e outros que vibram, lembran-do escritores famosos que co-meçaram da mesma forma que eu.

E vêm as perguntas: como se escreve um obituário? Como é o contato com a famí-lia em luto? Dou uma pausa, abro o sorriso e explico com paciência: da mesma forma que converso com pessoas que perderam alguém, escolho as melhores palavras para transmitir o que elas têm a dizer.

A cada dia de trabalho são novos per-sonagens reais que preciso conhecer. Na rotina entra o contato com assinantes do jornal, funerárias, centrais de óbito e o olho vivo para as mortes locais, nacionais e inter-nacionais. Em cada ligação, é preciso genti-leza e atenção aos pequenos detalhes.

Ricardo Stefanelli, diretor de redação dos jornais catarinenses da RBS, sente por não ter sido obituarista, mas já escreveu uma centena deles e destaca três aspectos relevantes: obituário é história de vida, é exercício de texto e estreita laços com o leitor.

As histórias de vida são o melhor do jor-nalismo. É aí que o repórter e o seu texto se revelam. Mostra como ele enxerga as situa-ções, a maneira de retratá-las e a relevância que dá a aquilo que é aparentemente co-mum. Não é tarefa simples, pois, no obitu-ário, ainda existe o agravante de entrevistar

pessoas fragilizadas.A alguns repórteres cabe a ta-

refa de entrevistar personalidades ainda vivas para material no futu-ro. Isso é o que fazia Alden Whit-man, o Sr. Má Notícia, imortaliza-do em perfil escrito por Gay Talese no livro Fama e Anonimato.

Mas um obituário não é maca-bro. No jornalismo, em quais mo-mento temos oportunidade de fa-lar sobre alguém já morto que não

em notícias de doença, crime ou acidente? E poder contar das vivências, escolhas e conquistas com simplicidade? Conhecer histórias de amor, de superação, de dedica-ção à família e ainda ser recompensado com agradecimentos?

Mais do que aos que partiram, a home-nagem é para os que ficaram. A função de quem escreve é tornar o texto simpático à familiares, amigos e, claro, aos leitores. O jornal deve aproximar-se do seu público, criar o sentimento de pertencimento.

O leitor quer saber dos famosos, que lhe despertam curiosidade imediata. Mas tam-bém quer ler sobre o vizinho, ou a figura ir-reverente que sempre via ao visitar a praça da cidade. Pessoas comuns que nem conhe-ceu, mas que gostaria de ter conhecido. O que fica sobre eles, esses ilustres anônimos, é aquele texto que pretende traduzir um pouco do que foram de forma sucinta.

Mostrar aos outros que o fim é parte da vida não é trabalho menos importante. Ali-ás, corremos nossos olhos nos melhores livros querendo saber como eles vão terminar.

Mariana Della Justina

O primeiro passo é apresentar o personagem. A idade deve aparecer ainda nas primeiras linhas, pois o leitor quer saber logo quantos anos tinha a pessoa. Busque sempre os aspectos mais inter-essantes. Ele tinha apelido? Um hobbie? Um ideal? Lembre-se sempre de que, além de homenagem, você tem um público cativo a agradar. Um obituário não precisa ser grande, ele tem de ser conciso e trazer informações. Esqueça dos elogios melosos e repetitivos, sub-stitua por características que faça quem lê tirar as suas próprias conclusões. Por fi m, datas são importantes, mas não é preciso fazer um registro cronológico.

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Andre trigueiro

“O jornalismo ambiental preconiza um olhar ecológico, inter--relacional, que remete a uma abordagem sistêmica dos assuntos do cotidiano. Invariavelmente desagrada interesses políticos e econômi-cos contrários à sustentabilidade”. É esse o olhar que preza o trabalho do jornalista André Trigueiro. É editor-chefe do programa semanal “Cidades e Soluções”, exibido na Globo News. Também é comenta-rista da Rádio CBN desde 2003, onde apresenta o quadro “Mundo Sustentável”. Em abril de 2012, aceitou o convite para retornar a Rede Globo (onde foi repórter entre 1993 e 1996) para ser o primeiro colunista de sustentabilidade do Jornal da Globo, onde apresenta o quadro “Sustentável”, e realizar reportagens para o Jornal Nacional. Desde maio deste ano é colunista do blog Mundo Sustentável do G1. Trigueiro é o nosso convidado para a palestra de abertura e vai falar sobre sua carreira e perspectivas para o jornalismo ambiental.

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Enquanto a Europa procura meios para sair de uma crise econômica que culmina com o endividamento da

Grécia, Itália, Espanha, Portugal e Irlanda, representantes dos 193 Estados-membros da ONU e integrantes de setores da sociedade civil se reúnem na tentativa de conciliar desenvolvimento e ecologia. O Brasil sediou essas discussões na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, em junho. Em paralelo, o país também foi palco de embates entre governo, ruralistas e ambientalistas pela conclusão do texto final do Novo Código Florestal, que rege os rumos da legislação em Áreas de Preservação Permanente (APP) e reserva legal.

O Rio de Janeiro abriu no dia 13 de junho a Rio+20, com o objetivo de fazer um balanço geral do progresso na execução das diretrizes traçadas, há 20 anos, por um desenvolvimento sustentável durante a Eco-92, também realizada na cidade. O fórum foi dividido em três momentos. No primeiro, o Comitê Preparatório, integrado por técnicos de todos os países, elaborou o documento que seria depois examinado pelos presidentes e primeiros-ministros. O segundo, formado por 18 mesas de discussões, deu espaço aos membros de organizações não governamentais e universidades. E o último reuniu as autoridades para debater os documentos elaborados durante a

Conferência, que acabaram por aceitar o texto já finalizado e denominado de O Futuro Que Queremos.

O documento demonstra falta de comprometimento financeiro e de medidas urgentes. Por isso, a Cúpula dos Povos, encontro entre a sociedade civil realizado simultaneamente ao evento principal, afirmou, em sua declaração final, que as instituições financeiras e a maioria dos governos demonstraram irresponsabilidade com o futuro da humanidade. E acrescentaram que “em contraste a isso, a vitalidade e a força das mobilizações e dos debates fortaleceram a convicção de que só o povo organizado e

mobilizado pode libertar o mundo do controle das corporações. As críticas são relativas à economia verde que continua a manter a sociedade sustentada pelo pilar do consumo.

Thaianna Cardoso, estudante de engenharia ambiental da UFSC foi uma das integrantes

do Comitê Facilitador da Sociedade Civil Catarinense para a Rio+20. Ela dormiu em um dos dois campings destinados aos jovens, na Cúpula dos Povos, com mais 2.300 pessoas. Apesar da pressão imposta à sociedade para não apresentar o documento ao grupo principal da Rio-centro, com interferência da polícia durante passeata pacífica, Thaianna ponderou:

– O encontro valeu a pena por ter proporcionado a troca de experiências

Busca pela sustentabilidade tropeça em algumas falhas da lei

Mais de duas mil pessoas acamparam na Rio+20

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Rio+20 versus Código Florestal

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Semana Revista 45

Joana Zanotto

com gente de todos os lugares, que puderam expor suas necessidades. Isso certamente terá um reflexo, e os resultados serão discutidos em Santa Catarina. Sabemos que as mudanças emergem da sociedade.

Integrantes da Campanha Veta Dilma, promovida por ecologistas e respaldada por documento contendo dois milhões de assinaturas recolhidas pela internet, também participaram do evento. O grupo foi motivado após a aprovação, no Congresso, do novo Código Florestal, que regulamenta a exploração de terras e delimita áreas de vegetação nativa e de produção rural. O texto é visto como um retrocesso pelos ambientalistas, por afrouxar a legislação e priorizar os interesses de ruralistas. Já o relator, Paulo Piau (PMDB-MG), defende que as críticas são geradas por desinformação e afirmou em declarações que “a proposta não incentiva desmatamento ou permite anistia, mas apenas consolida a produção em áreas de preservação, o que, historicamente, já vinha ocorrendo nas últimas décadas”.

No mesmo dia em que a presidente promulgou o projeto de lei da Câmara, também editou a Medida Provisória 571/12, que tenta suprir os vetos e endurecer o código. Para analisar a MP, que desta vez tem como relator o senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB/SC), foi criada uma Comissão Mista. A votação vem sendo adiada por falta de consenso no relatório já aprovado pela comissão, que possui questões polêmicas, como uma emenda que elimina a exigência

de áreas de proteção nas margens de rios intermitentes, aqueles com interrupção do fluxo de água durante épocas do ano.

A emenda não agradou o governo e nem a bancada do PV, liderada pelo deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente Sarney Filho (PV/MA), que apoiou a campanha Veta Dilma. Para ele, o novo código “ampliou em muito a insegurança jurídica que reina no país em relação às normas de proteção da vegetação nativa na propriedade”. Quando questionado sobre os rumos da medida ele, que é o atual presidente da Comissão do Meio Ambiente da Câmara dos Deputados e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, ressalta:

– Contamos muito com a pressão da sociedade. O maior objetivo da MP foi corrigir o que foi aprovado pelo Congresso Nacional, mas o relatório apresentado, que já foi aprovado na comissão mista, teve como único mérito manter algo que fazia parte do texto original: o reconhecimento das florestas e demais formas de vegetação nativa como bens de interesse comum. As demais inovações apresentadas em nada beneficiam o meio ambiente.

Cúpula dos Povos afirmou em declaração que governos são irresponsáveis com o futuro da humanidade

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Descaso à ceu aberto Só 9% das cidades do país se comprometeram com a política do lixo

Em 2011, o Brasil aprovou após duas décadas de discussões a Política Na-cional de Resíduos Sólidos (PNRS),

que procura organizar a forma como o país trata o lixo, incentivando a reciclagem e a sustentabilidade. Com a sanção da lei, foi elaborado o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, cujo texto passou por um processo de consulta pública. São três os principais objetivos:

- fechamento de lixões até 2014: Quase 40% dos resíduos de todo o país são descartados de forma inadequada - em lixões à céu aberto. No lugar deles devem ser criados aterros controlados ou aterros sanitários. Os aterros têm preparo no solo para evitar a contaminação de lençol freáti-co, captam o chorume que resulta da degra-dação do lixo e contam com a queima do metano para gerar energia;

- só rejeitos poderão ser encaminha-dos aos aterros sanitários: Os rejeitos compõem parte de 10% do lixo que não permite reciclagem. A maioria é orgânica, que em compostagens pode ser reaprovei-tada e transformada em adubo, e reciclável, que deve ser devidamente separada para a coleta seletiva;

- elaboração de planos de resíduos só-lidos nos municípios: os planos serão ela-borados para ajudar munícipes a descartar

de forma correta o lixo.

Primeiros encaminhamentos Em cumprimento à lei 12.305/2010,

apenas 8,8% das cidades enviaram seus Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos. O governo federal entendeu que o prazo de dois anos dado para elaborar o documento foi suficiente, e cortou o re-passe de recursos federais para as áreas de saneamento e limpeza urbana nas cidades faltantes. Até 2 de agosto, apenas as prefei-turas de 488 cidades, de um total de 5.561, conseguiram cumprir um dos primeiros encaminhamentos da PNRS. Com o envio e aprovação, o repasse de recursos federais é reestabelecido, e a cidade começa a traba-lhar, com o apoio do governo, para que as metas sejam alcançadas até 2014.

Florianópolis, assim como 91,2% dos municípios brasileiros, não enviou as pro-postas. Em 27 de julho foi lançado um edital de tomada de preços no site da pre-feitura para contratação de uma empresa consultoria, para elaborar o “Plano Munici-pal de Gestão Integrada de Resíduos Sóli-dos Urbanos de Florianópolis”. A partir daí, o prazo para conclusão do plano é de um ano. O assessor técnico da presidência da Comcap, Wilson Cancian Lopes, garantiu que Florianópolis não vai deixar de receber as verbas do governo para implantação da PNRS. “Nós só não iremos receber o pri-meiro repasse do orçamento, assim como outras cidades, porque isso depende das prioridades de cada gestão”, declara.

Gabriele Duarte

Brasil tem até 2014 para substituir lixões por aterros

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Felipe Patury

No jornalismo diário é imprescindível a tentativa de imparcialidade. A opinião do jornalista não deve ser perceptível, de modo que o texto tenha vida própria e seja balanceado, não favorecendo nenhum dos envolvidos. Quem tem a oportunidade de manifestar sua opinião nas páginas do jornal é o colunista. Figura clássica nos meios de comunicação, o colunista possui um leitorado fiel, que acompanha o profissional e participa com sugestão de pautas, reclamações, críticas e feeedback ao que é publicado. Alem disso, a credibilidade do jornalista é responsável, muitas vezes, por elevar a credibilidade do próprio veiculo em que seus textos são publicados.Felipe Patury publica com Leonel Rocha e Igor Paulin notícias inéditas e relevantes de política, economia, negócios e entretenimento na Revista Época

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Semana Revista48

O bóson de Higgs para jornalistasComo as publicações tratam o mesmo assunto de maneira diferente

Uma das vacas sagradas do jornalismo tem um nome pomposo: “linha editorial”. Porém, tal qual a maioria das vacas sagra-

das, ela não é um negócio muito real – que me desculpem os hinduístas. Em tempos de redes sociais e de Fla-Flu entre governistas e oposi-cionistas, a coisa fica ainda mais exacerbada. “Tal revista é antipetista”, “Fulano não gosta do Lula”, “Beltrano do blog ganha mesada da Dilma” e “Sicrano é boca alugada do governo” são algumas das frases mais leves ditas desde as eleições de 2010, quando os questionamen-tos em relação a linhas editoriais cresceram.

Se você não tem ideia do que estou falando, alegre-se: você não é tuiteiro, assessor de polí-tico ou, pior dos cenários, jornalista. Como tudo que envolve a prática diária do jornalis-mo, as únicas pessoas que se importam com linhas editorias são aquelas cujos rendimentos mensais dependem do que sai nas manchetes. Boa parte deste contingente é composto por puxa-sacos de políticos e, em menor escala, repórteres, já que para os últimos os gastos no bar para a manutenção do alcoolismo tenham mais peso no saldo bancário ao fim do mês.

Não vamos falar de política, porém. Se é possível tipificar a linha editorial de algumas das publicações brasileiras sem tocar em as-

sunto tão desagradável, fá-lo-emos. Há um fa-moso texto – que você certamente já recebeu via e-mail e, portanto, deve ter sido escrito por Caio Fernando Abreu – que tenta fazer isso através da fábula da Chapeuzinho Vermelho. É criativo, mas esbarra no que falei anterior-mente: é feito por jornalistas e para jornalistas, portanto nenhuma pessoa normal deve se in-teressar.

Vamos tentar, então, com a descoberta do bóson de Higgs, que agitou o mundo em julho e que, a essa altura do campeonato, já foi total-mente esquecida – um legítimo evento histó-rico, portanto. “Ah, mas eu li em um monte de jornais e vi o William Bonner falar sobre isso”, exalta-se um leitor deste texto que provavel-mente só existe na cabeça do missivista. Sim, imaginário amigo, é verdade, mas você não entendeu do que trata, não é mesmo? Eu, por exemplo, boiei.

Que tal, por exemplo, uma capa da revista Caras em que Adriane Galisteu, em Punta del Este, reclama do desgaste de sua relação com o bóson de Higgs. “Quero dar um tempo, mas ele não quer me largar”, diria a platinada apre-sentadora, sempre em letras maiúsculas, na manchete da publicação. Nas páginas internas, a moça apareceria de biquíni, comendo frutas,

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Bruno Volpato

relaxando e em outras diversas poses, sempre acompanhada da partícula de Deus.

A Folha de S. Paulo poderia contribuir com um infográfico: “Saiba onde encontrar o bóson de Higgs dentro desta edição”. Se você estivesse lendo online, um pequeno texto ex-citaria a sua curiosidade para, no final, con-vidá-lo a pagar uma pequena taxa para saber todos os locais onde encontrar a tal coisinha. Na capa da edição impressa, uma foto com chamada para uma matéria da Ilustrada so-bre uma peça com atores nus, com a legenda “O bóson de Higgs em peça com atores nus”.

Na Carta Capital, o editor Mino Carta es-creveria um editorial enorme e saudosista so-bre a luta do bóson contra a ditadura militar no Brasil. “Ele esteve presente em momen-tos crucias da história do país”, diria o velho jornalista. Na capa, a revista nos lembraria de que a partícula só deu as caras depois de dez anos de governo Lula, num pequeno ato falho que o leitor médio da publicação nem mesmo perceberia.

Por outro lado, a Veja só publicaria algu-ma coisa caso tivesse recebido algum dossiê pelo correio na semana anterior. Em caso positivo, o bóson de Higgs seria acusado de ter estado com José Dirceu em seu quarto num hotel de Brasília. Em caso negativo, uma matéria especulando os efeitos benéficos de uma dieta baseada na partícula estaria na pauta, com uma mulher gostosa com roupa de ginástica na capa. Suando, claro.

O jornal Zero Hora traria estampado na capa: “O bóson de Higgs está no Rio Grande do Sul”. O Diário Catarinense também. Nos portais, o Terra colocaria em destaque um slideshow com homens de sunga e mulheres seminuas, com o título: “Veja algumas cele-bridades que já foram flagradas com o bóson de Higgs”. Já o R7 mostraria os melhores mo-mentos da partícula subatômica na Fazenda, além de lembrar-nos, constantemente, que a Record tem os direitos exclusivos de trans-missão da participação do bóson nas Olim-píadas de Londres.

Atitudes simpáticas assim destes meios de comunicação facilitariam em muito a nossa compreensão dos fatos. A linha editorial deveria estar a serviço justamente disto: promover um maior entendimento do nosso mundo, a partir da informação e da interpretação dela. Por mais que os exaltadinhos fiquem de mimimi, não tem nada de mais em uma publicação ter uma linha editorial: não existe jornalismo totalmente imparcial ou isento.

Quem manda, no fim das contas, é sem-pre o leitor. Se ele achar que uma publicação não presta, deixa de ler, pura e simplesmen-te. Tem sido assim desde sempre na história desse país, ele pode fechar o jornal, a revista e, hoje em dia, o site. O leitor tem o poder, além do bóson de Higgs.

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Semana Revista50

Opinião no Jornal é históricaDesde século XVII, colunistas exercem influência nos leitores

Os colunistas muitas vezes são co-nhecidos como “a cara” do jornal. De acordo com uma pesquisa fei-ta pelo Washington Post em 1995, as colunas eram campeãs de leitu-ra e credibilidade na maioria das publicações norte-americanas. Tendência que dura até hoje - vide pesquisa mais recente, rea-lizada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) em 2008, que ainda aponta os colunistas como referência para os leitores.

Credibilidade

O texto opinativo foi introduzido nos jornais durante o século XVII na Inglaterra, para disseminar os ideais burgueses.

Burguesia

A coluna em seu formato atual ganhou maior notoriedade nos Estados Unidos, com as gossip columns, ou colunas sociais, no século XX. Os colunistas relatavam com sarcasmo os acontecimentos da alta sociedade americana.

High society 

Um novo tipoA década de 60 trouxe a decadência ao formato “coluna”, pois passou a retratar a vida das cele-bridades, com informa-ções de nenhuma rele-vância social, política ou econômica. O marco desse novo formato foi a Page Six, do The New York Post, criado em 1976 por James Brady.Até hoje, a coluna, que recentemente ganhou uma revista própria, é uma das mais impor-tantes nos Estados Uni-dos.

O colunismo social sur-giu por aqui na década de 50, adaptado do formato norte-americano, mas mais leves e sutis nas críticas políticas. Ibrahim Sued, da coluna “Em Sociedade” do jornal O Globo, é conside-rado o maior nome brasi-leiro do gênero.

E no Brasil...

Também eram importantes formadores de opinião. Com pequenas notas nos jornais, alguns chegaram a derrubar políticos e fechar fábricas, além de contribuir com a dissemi-nação de ideologias. Foi o caso do macarthismo, na década de 50, onde o senador Joseph McCarthy liderou uma caça aos comunistas.

Influência

Leveza“Acho que as colunas ga-nharam mais força porque a internet é uma baita con-fusão. As pessoas precisam de alguém que organize a bagunça para que possa haver um debate menos dispersivo.” (Clóvis Ros-si, colunista da Folha de S. Paulo).

Web

Guilherme Longo

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FREDERICO VASCONCELOS

Em tempos de julgamento do Mensalão, o jornalismo investigativo volta-se ainda mais para o submundo da politicagem brasileira. Nesse cenário, a tênue relação entre jornalistas e fontes pode resultar em novos escândalos, como o envolvimento da revista Veja com o bicheiro Cachoeira. Para debater assuntos como cobertura jornalística, política nacional, gastos públicos, entre outros, a Semana traz o repórter especial da Folha de S. Paulo, considerado um dos maiores jornalistas investigativos do país, Frederico Vasconcelos.

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Semana Revista52

Em novembro de 2008, o juiz da 6ª Vara Criminal Federal, Fausto De Sanctis - responsável pela acusação

do banqueiro Daniel Dantas por crimes financeiros e corrupção -, causou polêmica ao citar um autoritário filósofo político alemão, considerado o “jurista do nazismo”. Segundo editorial publicado pelo jornal O Estado de São Paulo no dia 12 de novembro, durante uma palestra o juiz havia dito que “a Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil”. A afirmação foi duramente criticada pela imprensa nacional e por juízes e promotores. Uma semana depois, a juíza de direito Kenarik Boujikian Felippe publicou na Folha de São Paulo um artigo que respondia

à reflexão “absolutamente distorcida da democracia e do verdadeiro papel do juiz” feita por De Santis. No texto, a co-fundadora do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia ainda lembrou que quando começou a atuar na magistratura, em janeiro de 1989, um magistrado não aceitava bem a idéia da participação de mulheres no Judiciário, disse que “não concebia mulher judicando porque, afinal, Deus era homem e, assim, os juízes só poderiam ser do sexo masculino.”

Esse tipo de pensamento ainda é muito comum no Poder Judiciário, e é até motivo de piadas. “Então você nunca ouviu falar em advogados que se acham deuses e que juízes têm sempre certeza?”, brinca a estudante

Juízes no banco dos deusesNo interior, magistrados são mitificados e cometem abusos de poder

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Semana Revista 53

de direito Francine Nazário ao se referir à sua futura profissão. Ela trabalha como técnica judiciária na comarca de Camboriú, em Santa Catarina, e percebe que muitos juízes são realmente idolatrados, e que esse poder concedido a eles torna-se motivo para abusos de autoridade. Ela lembra um caso emblemático que aconteceu recentemente no Fórum de Camboriú: “um dos juízes costumava mandar guinchar qualquer carro que parasse em alguma vaga privativa do estacionamento aqui do Fórum, mesmo isso não sendo responsabilidade dele. Um dia uma funcionária pública contratada estacionou a sua van em uma dessas vagas, e se recusou a tirar quando ele foi abordá-la. Os dois discutiram, e no dia seguinte, ela estava na rua. Foi demitida por discutir com o juiz.”

O “endeusamento” de juízes, promotores e advogados é ainda mais comum em cidades do interior. A funcionária do Tribunal de Justiça da Capital, Sibelly Favero, trabalha há 16 anos no judiciário e começou sua carreira como assessora de um juiz na comarca de vara única da cidade de Ponte Serrada, na região de Chapecó, oeste de Santa Catarina. Ela lembra que não só o juiz, mas também promotores e delegados de polícia eram vistos como pessoas míticas, consideradas as mais importantes da cidade. Havia um respeito muito grande pelos trabalhadores do Judiciário, e as pessoas mais humildes tinham até vergonha de ir ao Fórum. “Uma vez, deu pra ver que um senhor era bem do interior e havia vestido seu melhor traje para falar com o juiz: a roupa toda justinha, engomada... o blazer antigo apertado com as calças curtas. Ele chegou à porta do Fórum,

e começou a tirar os sapatos. Eu fui até lá e expliquei que não precisava tirar, que ele podia ficar à vontade. Então, todo sem jeito ele me disse que os sapatos estavam sujos de barro, e que ele não queria sujar o chão. Só entrou depois de ter batido todo o barro do calçado na entrada”.

Para Sibelly, a maior vantagem de trabalhar em comarcas menores é a humanização do trabalho. Como a população atendida é bem menor, é possível manter contato maior com as pessoas, interagir mais com a comunidade, o que é difícil fazer em comarcas grandes, como a da capital, onde os processos chegam a ser superiores a três mil por vara. “Quando

chegava algum juiz novo, em pouco mais de seis meses as pessoas já começavam a chamá-lo pelo nome na rua, e ele também, conhecia de

perto a história de cada um dos moradores, o que facilitava muito o trabalho. Procurávamos sempre lembrar que atrás daqueles papéis existiam pessoas”. Ela também percebe que nas cidades maiores, as pessoas não mantêm o mesmo respeito que no interior, e acredita que o “endeusamento” está perdendo força.

Apesar de lamentar casos como os citados no início dessa matéria, Sibelly afirma que em todos esses anos que trabalhou como assessora nunca conviveu com juízes que tentassem se aproveitar do poder atribuído a eles. Mesmo no interior, onde é comum a influência das famílias dos donos de terra, ela nunca presenciou nenhum caso de magistrado influenciado por ofertas de dinheiro ou vantagens.

Em 1989, um magistrado não concebia mulher judicando porque, afinal, Deus era homem e, assim, os juízes só poderiam ser do sexo masculino

Camila Hammes

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Semana Revista54

A instituição psquiátrica Casa de Saúde Aragão Villar, de Juiz de Fora, teve seu fechamento

anunciado para agosto deste ano, por meio de portaria, pelo Ministério da Saúde. A unidade, que possui 146 leitos, ficou abaixo da média mínima em duas verificações do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (Pnash). Será a terceira instituição a fechar nos últimos oito anos por falhas no atendimento em Juiz de Fora. Consequência do trabalho de jornalismo investigativo de Daniela Arbex, repórter do Tribuna de Minas.

Em 2004, o jornal recebeu uma denúncia anônima de que pessoas morriam nos hospícios da cidade e, portanto, decidiram investigar por meio de trabalho de campo por que isso vinha acontecendo. “Ficamos de campana em um hospital que já sabíamos ser comprometido na qualidade”, conta Daniela. “Ficamos lá por uma semana e flagramos diversas situações impressionantes de maus tratos.” Mas apenas as fotos não eram o suficiente para sustentar a matéria. Daniela também descobriu que o dinheiro de leitos desativados nos hospitais foram aplicados em outras áreas não relacionadas à saúde. O correto seria que o dinheiro fosse reinvestido no

próprio setor com o objetivo de criar uma rede inter-hospitalar para atender a comunidade. A partir dessa informação, a repórter foi buscar na ouvidoria de saúde se havia alguma queixa de pacientes. Eram centenas de reclamações, muitas sobre a falta de medicamentos psquiátricos nas farmácias dos hospitais. Uma apuração que demorou três meses e, como consequência, gerou uma revisão completa do setor e no fechamento de duas intituições: o Hospital São Marcos e da Clínica Pinho Mazini.

Daniela sempre ouviu que para fazer a diferença com jornalismo era preciso mudar-se para os grandes centros, onde os jornais possuem mais força para aguentar processos e recursos para proteger seus jornalistas. Ainda assim, ela apostou no Tribuna de Minas, com uma tiragem de 15 mil exemplares. As dificuldades de trabalhar em um grupo

pequeno ajudaram a refinar suas técnicas de investigação. Como a redação pode fechar suas portas por conta de um processo, nada que não esteja muito fundamentado é publicado. Em 17 anos de carreira, a jornalista coleciona 17 premiações nacionais e internacionais e nenhum processo.

Em 2004, o jornal mineiro fez uma

O jornalismo que denuncia e pune

Grupos de comunicação conseguem resultados com séries especiais

“Eu sou uma pessoa indignada. Não adianta só falar, tem que transformar essa indignação em ação.”

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Semana Revista 55

matéria contra a Concer - concessionária responsável pelo trecho Juiz de Fora e Rio de Janeiro da BR-040 -, uma companhia que movimenta milhões de reais todos os dias. Através de um especial, o Tribuna conseguiu provar que a Concer acumulou 115 milhões atráves do aumento na planilha de pedágio por três anos, usando obras nunca executadas como justificativa para os novos preços. “Foi uma série de reportagens imensa, na qual a gente não podia errar” diz Daniela. Na matéria da Concer, os repórteres trabalharam junto a engenheiros e deputados para levantar mais de três mil documentos comprovando as irregularidades, entre elas a de que todas as multas por infrações contratuais aplicadas a Concer haviam desaparecido do Ministério do Transporte e dos arquivos da companhia. O resultado foi a duplicação completa do trecho.

“É muito gratificante para o repórter”, afirma Daniela ao falar de suas matérias que resultaram em mudanças consistentes na cidade. A repórter brinca que o jornalismo investigativo escolheu ela. “Na própria faculdade eu fazia matérias com esse viés. Matéria de denúncias, muito comprometidas com as questões sociais. Isso é um perfil meu. Eu sou uma pessoa indignada. Não adianta só falar, tem que transformar essa indignação em ação. A maneira como eu encontrei isso foi o jornalismo.” A forma como Daniela fala de Jornalismo investigativo se encaixa na definição que o autor e doutor em Linguística Nilson Lage dá a esse estilo. Uma reportagem extrema, em que o profissional dedica tempo e esforço no levantamento de um tema pelo qual é apaixonado. Um

jornalismo que evidencia as misérias presentes ou passadas de um corpo social, esforçando-se para contar os fatos como eles são, foram ou deveriam ter sido.

O jornalismo investigativo no Brasil, segundo Percival de Souza, a partir dos anos 70, passou a ser caracterizado como reportagem especial, já que sua apuração foge da correria de pautas diárias. Algumas matérias podem levar anos para serem escritas. Como é muito despendioso para a redação contar com um repórter a menos, esse tipo de trabalho tem mais espaço em documentários e livros-reportagens. Num contraponto a essa separação no meio jornalístico, vale citar Gabriel Garcia Marquez “a investigação não é uma especialidade do ofício, mas todo jornalismo tem que ser investigativo por definição...”.

Laís Souza

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Arbex: 17 premiações em 17 anos de carreira no Tribuna de Minas

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DEBATE CULTURAL

Viagens, música, literatura e arte. Para escrever sobre cultura, nada mais justo do que uma editoria específica destinada a cobrir as diversas notícias e eventos que acontecem em torno desses assuntos, já que são muitos. Pode acabar sendo prazeroso, sim, entrevistar ídolos, artistas preferidos e visitar lugares exóticos pelo mundo todo. Há, porém, o outro lado da moeda. Os desafios em inovar nas pautas recorrentes, a necessidade de estar sempre se deslocando, além da concorrência muito frequente com pessoas que não são jornalistas - maior ainda nessa área - são algumas das dificuldades encontradas pelo jornalismo cultural. No debate sobre o assunto, questões como o modo atual de se cobrir cultura no país, a relevância do jornalismo cultural e de que forma ele pode se diferenciar na grande e alternativa mídia serão levantadas pelo público e pelos convidados.

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Semana Revista 57

Em meados de setembro de 1960, no auge da Bossa Nova e do Tropicalismo, nascia o Caderno B, o encarte de

cultura do Jornal do Brasil. Com o slogan de “Cultura escrita com B”, ficou conhecido pelo público como uma antena de cultura e comportamento da época. Desde 2010 não se pode mais folhear as páginas do velho Caderno B, apenas clicá-las. Mas não foi apenas isso que a Internet modificou no jornalismo cultural.

Ao longo dos 20 anos de Internet no país, a cultura passou a ser pauta de incontáveis endereços eletrônicos, e para acompanhar essa mudança, o modo de produzir, consumir e informar sobre o tema foi transformado. “A internet é o ponto de democratização da cultura. O grande barato é que você não precisa estar em um grande jornal pra soltar isso no mundo” afirma Sérgio Maggio, subeditor de cultura do Correio Brasiliense.

É notável que o jornalismo cultural impresso não vive seu ápice. A tiragem da revista Cult é de 36 mil exemplares e das 47 revistas em circulação da Editora Abril, a Bravo! está na lanterna, com 35 mil. Mesmo assim, a crítica tradicional não perdeu seu espaço, como ressalta o crítico de cultura da revista Época, Luis Antônio Giron. “Apesar de na Internet todos poderem ser críticos, a crítica tradicional tem autoridade e ganhou um incremento, uma explosão

com os blogs, o twitter. Vejo um grande potencial, mas ela ainda é um cânone e uma maneira de ter critérios para julgar”.

PanfletagemMuito se acusa o jornalismo cultural de

ser banal, ter pautas mal apuradas ou de se restringir à panfletagem de produtos criados pelo show business, ainda mais em tempos em que os botões “curtir”, “compartilhar”, “tweet” e “retweet” economizam caracteres. Os próprios jornalistas reconhecem. “O jornalismo cultural virou uma vítima consentida da publicidade. Hoje ele tem um papel muito mais de divulgação que de reflexão”, como aponta o jornalista do portal Conexão Vivo, Israel do Vale.

Para suprir a demanda imediatista do mercado e/ou dos leitores, a velocidade da era digital pode até ter pasteurizado as redações e dado origem a milhares de sites superficiais, mesmo assim, endereços de qualidades se destacam, como o “Nota de Rodapé”. O blog cultural, que tem uma média de 15 mil acessos mensais, possui 15 colunistas fixos, dentre eles Fernando

Evangelista e Tomás Chiaverini. A jornalista da SeCult da

UFSC, Raquel Wandelli, ensina: “Jornalismo cultural não é apenas falar sobre cultura. É

escrever de forma artística, ter zelo com o texto para seduzir o leitor do início ao fim”.

Cultura também se faz na internetSites, blogs e redes sociais sustentam o jornalismo cultural

Pâmela Carbonari

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Em 2012 foi composta uma comis-são estadual para sistematizar o plano de cultura para Santa Catari-

na. É a primeira vez na história do esta-do em que se pensam projetos culturais a longo prazo. O planejamento parte das diretrizes estabelecidas no Plano Nacio-nal de Cultura (PNC), que devem ser adequadas às realidades de cada região.

A presidente do Conselho Estadual de Cultura (CEC), Mary Elizabeth Be-nedet, aponta dificuldades em entender o material do governo federal. “A dife-rença entre a teoria e a prática, as especi-ficidades do estado e a compatibilidade com o plano nacional entravam o tema.”

A Universidade Federal de Santa Ca-tarina (UFSC) desenvolveu um projeto de apoio à elaboração dos planos estadu-ais. A professora do curso de Adminis-tração Eloise Dallagnelo é a esponsável pelo plano de capacitação das comissões dos 18 estados que aderiram ao PNC. Ela salienta a necessidade de diálogo em todo o processo, mesmo que seja difícil. “Se houver sensibilização, divulgação e mobilização vai dar certo, porque as pes-soas querem ser ouvidas”.

Uma das principais instruções deter-minadas no PNC é justamente a ampla participação da sociedade civil. Apesar da presidente do conselho reconhecer o diálogo como ponto fundamental no desenvolvimento do projeto, a conver-sa entre governo e sociedade civil não acontece. Para Fifo Lima, jornalista e membro do CEC, o planejamento vem

sendo elaborado a portas fechadas. “O correto seria que já no começo deste ano o governo tivesse produzido um grande debate com os produtores culturais e com a população de maneira geral.”

A gerente de políticas de cultura da Secretaria de Estado de Turismo, Es-porte e Cultura (SOL) e membro da comissão de desenvolvimento do plano, Suzana Bianchini, reconhece que o pro-cesso está atrasado devido à mudança de secretário, com a substituição de Cesar Souza Júnior por José Natal. Outra di-ficuldade tem sido organizar o material apurado nas reuniões regionais em um único texto.

Até o final do ano o plano deve ser apresentado ao governo federal. A presi-dente do CEC acha que não será possível. “Precisaremos pedir mais tempo para fa-zer bem feito.” A professora Dellagnelo assegura que o prazo é suficiente. “Não estamos cogitando que algum estado não consiga”.

Há dois anos o governo não lança editais para a área cultural. “O de cinema existe há dez anos, mas não foi realiza-do em quatro edições. O Prêmio Cruz e Sousa, de literatura, e o Salão Victor Meirelles, de artes visuais, não são lança-dos desde 2008 e 2009, respectivamente. O Cocali, que prevê a compra de obras de autores catarinenses para bibliotecas, também não é cumprido”, aponta Fifo Lima.

Além desses programas, o Edital Eli-sabete Anderle, o maior do estado, com

Por mais cultura em Santa CatarinaElaboração do Plano Nacional objetiva participação da sociedade

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Semana Revista 59

verba de R$ 10 milhões para ser distri-buída em projetos artísticos, também foi cancelado. O presidente da FCC, Joceli Souza, culpa os relatores do decreto, que teriam insistido em “questões equivo-cadas”. Por isso, não teria havido tempo para a publicação no ano passado e, neste ano eleitoral, não seria permitida a exe-cução de um edital não realizado no ano anterior. Souza sugere que alguns rela-tores causaram confusão por motivações políticas.

Ocupa CICA transparência na execução dos edi-

tais foi uma das reivindicações de repre-sentantes da classe artística catarinense durante ocupação realizada em abril des-te ano no Centro Integrado de Cultura (CIC) de Florianópolis. A intenção dos manifestantes era chamar atenção para o descaso do governo e exigir mudanças no setor. Durante seis dias aconteceram

intervenções culturais para exigir a cria-ção de uma secretaria específica, além de uma participação da sociedade civil na elaboração do plano estadual de cultura. As reivindicações foram apresentadas em uma carta encaminhada ao poder pú-blico e assinada por 130 entidades artís-ticas do estado.

Apesar de a ala de cinema e o Museu de Artes de Santa Catarina (MASC) te-rem voltado a funcionar, o CIC foi es-colhido por ser considerado um símbo-lo do descaso. A principal atividade do espaço tem sido o trabalho de orgãos do governo estadual. Lá, funcionam a Se-cretaria de Estado de Turismo, Esporte e Cultura (SOL), a Fundação Catarinense de Cultura(FCC) e o Conselho Estadual de Cultura (CEC).

Enquanto Plano não é refeito, manifestações chamam atenção para descaso no setor e reinvidicam transparência nos editais

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Mariana Pitasse

Matheus Lobo Pismel

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Vem ter uma

boa noite com a gente...

21/09

Celula Showcase

+ Dj Andreguetti

+ Dj’s Oompa Loompas

+ Bandas

+ Cachacinha do meu escritorio

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