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SAÚDE EMOCIONAL E VIDA CRISTÃ

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SAÚDE EMOCIONALE VIDA CRISTÃ

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ESLY REGINA CARVALHO

SAÚDE EMOCIONALE VIDA CRISTÃ

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2002

Publicado com autorização e com todos os direitos reservadosEDITORA ULTIMATO LTDA.

Caixa Postal 4336570-000 Viçosa - MG

Telefone: (31) 3891-3149 - Fax: (31) 3891-1557E-mail: [email protected]

Carvalho, Esly Regina, 1955-

Saúde emocional e vida cristã / Esly Regina Carvalho —Viçosa : Ultimato, 2002

104p.

ISBN 85-86539-49-X

1. Vida cristã - aspectos psicológicos. 2. Saúde mental -aspectos psicológicos. 3. Saúde mental - aspectos religiosos.I. Título.

CDD. 19.ed. 248.4CDD. 20.ed. 248.4

Ficha catalográfica preparada pela Seção de Catalogaçãoe Classificação da Biblioteca Central da UFV

C331s2002

Copyright © 2002 by Esly Regina Carvalho

Projeto Gráfico:Editora Ultimato

1ª Edição:Julho de 2002

Preparação:Neuza Rosa Serafim

Daniele Gomes

Revisão:Délnia M. C. Bastos

Capa:Sonia Couto

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O sol da justiça se levantarátrazendo cura em suas asas

Malaquias 4.2, NVI

“”

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Sumário

Introdução: Sem sanidade, não há santidade 11

1. O processo de cura 15

2. Você quer ser curado? 37

3. Saúde emocional e a sabedoria popular 49

4. Saúde sexual 61

5. Restauração sexual 75

6. Depressão e saúde 89

Apêndices1. Modelo de direitos do cliente 952. Mais informações sobre EMDR 99

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Agradecimentos

Agradeço a todas as pessoas — que se manterãoanônimas por questões confidenciais — que tanto meensinaram. O que sou capaz de compartilhar devo aoque tenho aprendido com essas pessoas, que confiaramem mim para abrir seu coração e sua vida, para quepudéssemos caminhar juntas na peregrinação da saúde.

Um agradecimento e reconhecimento muito especialao Espírito Santo de Deus, que nos dirige em toda averdade. Sou profundamente agradecida a Deus porter-me chamado e me dado o ministério dereconciliação e cura (Isaías 61).

A Ele toda a glória!

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Introduçãosem sanidade, não há santidade

UMA DAS COISAS QUE O SENHOR ME TEM FALADOnos últimos tempos é que sem saúde emocional nãoexiste santidade. Deus está buscando uma igreja santa. Eledeseja uma noiva limpa, pura, sem ruga nem mancha. Masquando olhamos ao nosso redor vemos muitas coisas emnossas igrejas que desagradam a Deus.

Nossos bancos estão cheios de pessoas que sofrem. Mui-tas o fazem em silêncio porque têm medo de falar de suasferidas e ser rejeitadas. Outras pensam que serão acusadasde “pecado oculto” se explicarem as dificuldades por quepassam. Outras receberam a instrução de orar mais, lermais a Bíblia e confiar mais em Deus, e, como o seu pro-blema não foi resolvido, pensam que assim é a vida docristão: ele tem de “carregar a sua cruz”. Algumas queremser santas “à força”, impondo uma santidade exterior, o

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que gera o mal do legalismo. Outras pensam que a santidadenão é tão importante, que Deus as entende, sabe que sãopecadoras e perdoa-lhes tudo; assim se desculpam pelosseus pecados. Nenhum desses extremos é recomendável.

Uma das principais razões pelas quais as pessoas nãolevam uma vida mais santa é porque não receberam curaemocional para as feridas do seu coração. Parece que aigreja aceita a saúde espiritual — a salvação pela graça denosso Senhor Jesus Cristo; também aceita a saúde física —por meio do médico ou pela cura divina; mas pouco seouve falar da saúde da alma, do coração — a saúde emoci-onal no contexto da santidade.

A falta de saúde do coração é um dos maiores obstácu-los para o crescimento espiritual e a santidade do cristão.Quando Paulo disse que o que queria fazer não fazia e oque não queria fazer acabava fazendo, fez uma descriçãoperfeita do que vejo todos os dias em meu consultório.

Informação não é suficiente. Se fosse, os sermões já te-riam curado todo o nosso povo, porque excelentes infor-mações são compartilhadas em muitas pregações. Mas ainformação intelectual muda muito pouco a conduta. Nãotoca a parte do nosso cérebro responsável pela mudançade comportamento. E pouco toca nosso coração. Por issosabemos de excelentes pregações e também de cristãos quecontinuam lutando com seus problemas emocionais.

Por essa razão, este livro não contém apenas infor-mações. No final de cada capítulo, o leitor encontraráexercícios que poderão ajudá-lo no processo de curaemocional. Apenas ler o exercício não será suficiente. Masse você reservar um tempo para praticá-lo é provável quesignificativas mudanças ocorram no que diz respeito àsua saúde emocional. Se fizer o exercício em pequenosgrupos, melhor ainda. Tiago 5.16 nos diz que devemosconfessar nossos pecados uns aos outros e orar uns pelos

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outros para sermos curados. Essa é uma das receitas maispreciosas que temos para a saúde do coração.

Não acredito que seja por acaso que a única diferençaentre as palavras sanidade e santidade seja a letra “t”, querepresenta a cruz do Messias. Em última análise, é o amorque cura; o amor de Deus derramado em nossos coraçõese o amor do nosso próximo. Por essa razão a igreja é umlugar tão especial e precioso: é nela que o amor de Deuspode ser mediado por nossos irmãos e irmãs. A igreja tema função de ser uma comunidade terapêutica, uma comu-nidade curadora. Deus nos chama para isso. Quanto maissaúde emocional pudermos oferecer e ministrar, mais san-tidade veremos como resultado. Uma pessoa que tem umaferida no seu coração não é capaz de ser santa nessa áreade sua vida. A dor da ferida a impede. Mas, se ajudarmos acurar essa ferida, derramando o amor de Deus nesse lugar,por meio da nossa aceitação incondicional, pouco a pou-co veremos essa pessoa se tornar cada vez mais santa, maisparecida com Jesus. Se pudermos ajudar na cura de umnúmero ainda maior, teremos uma igreja cada vez maispróxima à maturidade do Senhor Jesus. Essa é nossa meta:a santidade da igreja.

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Capítulo 1

O PROCESSO DE CURA:UM MODELO TEÓRICO-PRÁTICO

PARA PODERMOS ENTENDER COMO OBTER CURA,temos primeiro de entender como ela acontece. Por essarazão apresentamos um modelo simples que pode nosservir para muitas das dificuldades que enfrentamos. Averdade é que necessitamos de cura porque somos peca-dores, vivemos num mundo arruinado pelo pecado e con-vivemos com pessoas também afetadas pelo pecado. Roger,meu amigo, comenta que todos fazemos parte do clubede pecadores anônimos e passamos a vida em recupera-ção do pecado. A conseqüência disso é que muitas pesso-as afetam nossas vidas mais por condutas pecaminosas doque por condutas de amor e cura — talvez porque elastambém tenham sido tratadas mais com pecado doque com santidade.

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Não é sem razão que a Bíblia nos diz que Deus visita ospecados dos pais nos filhos até à terceira e quarta gerações(Nm 14.18). Alguém que trabalha com aconselhamentologo descobre que as pessoas repetem o modelo de famí-lia no qual foram criadas. Se tiveram modelos bons e sau-dáveis, é isso o que aprenderão. Se foram criadas em umafamília em que os padrões resultaram de pecado, entãoisso é o que absorverão: alcoolismo, violência, promiscui-dade, infidelidade, adultério, ira, ansiedade, medo, depres-são, legalismo, e por aí vai. Todos repetimos o que apren-demos por atos e palavras (especialmente pelos exemplos).

A boa notícia é que podemos romper com esses pa-drões. Não somos obrigados a viver e repetir fatalmente oque aprendemos. Mas, para isso, temos de investir vonta-de e esforço. Só pensar que não vamos repetir modelosnão evita a repetição, já que a nossa conduta é muito maisque o fruto dos nossos pensamentos. Temos de buscar acura para poder alcançá-la.

Podemos dizer que todo processo de cura passa portrês etapas:

DIAGNÓSTICO — identificar o problema

TERAPIA — reparar os vínculos e curar lembranças

APRENDIZADO — aprender e ensaiar novas condutas

Analisaremos cada uma dessas etapas.

1. Diagnóstico

O diagnóstico é a parte do tratamento na qual tenta-mos identificar o problema. É o que o médico faz quandolevamos a ele um filho doente. Ele faz uma porção deperguntas: quando começou, quais são os sintomas,como se manifestam etc. Nós também necessitamos de

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um “diagnóstico”; não precisa ter nome complicado, comoaqueles que os médicos usam, mas deve explicar o queestá se passando conosco. Os psicólogos também usamnomes apropriados para descrever enfermidades e dificul-dades emocionais e mentais, que podem ser muito úteispara explicar, entender e curar as dificuldades das pessoas.Porém, quando trabalhamos em aconselhamento, o quebuscamos é um diagnóstico que nos ajude a entender qualé o problema.

Um aspecto importante do diagnóstico é reconhecer aexistência de um problema. Muitas vezes as pessoas nãorecebem a ajuda de que necessitam simplesmente porquenão estão dispostas a admitir que têm um problema. Issose deve a várias razões: não querem se apresentar como“fracas”; ou não querem enfrentar as conseqüências doque significaria reconhecer que um problema existe; oupreferem fazer de conta de que não existe nada, para quenão tenham de aprender novas condutas ou mudar seuestilo de vida. Além disso, muitos têm o que chamamosde “ambição secundária” — o que poderíamos chamar de“benefícios da enfermidade” — e, por isso, não se dispõema deixar seu estilo de vida atual. Não obtêm cura, mas ob-têm outras coisas com a enfermidade: atenção, quem cui-de deles, outra pessoa que decida por eles etc. Mais adian-te, veremos com mais detalhes as desculpas que as pessoastêm para não se tratar.

Além do diagnóstico geral que identifica o problema(ansiedade, depressão, perdas, brigas, por exemplo), pre-cisamos saber qual a área da vida da pessoa que foi afeta-da por suas feridas emocionais.

Existem várias:

Relações familiares: pai, mãe, irmãos, irmãs,outros familiares

 

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Experiências na escola ou no trabalho, comprofessores e colegasPerdas significativas: morte, mudançasimportantes (de lugar e de pessoas, e ainda asmudanças positivas)Eventos traumáticos (abuso sexual, estupro etc.)

Finalmente, é importante começar a desenvolver umplano de trabalho do início do tratamento à cura. Nemsempre sabemos tudo o que teremos de fazer, mas pode-mos começar a identificar quais serão as tarefas emocio-nais necessárias para a recuperação da pessoa, tais como:cura para as perdas, tratamento do evento traumático,reconciliação e perdão nas relações etc.

2. Terapia

Como saramos? Isso depende da dificuldade ou do pro-blema, mas existem vários princípios que se aplicam à mai-oria das situações.

Identificar as áreas que necessitam de cura. Comodisse anteriormente, o primeiro passo é identificar as áre-as que necessitam de cura. É nisso que outra pessoa pode-rá nos ajudar bastante, seja um conselheiro cristão, umpsicólogo, um pastor ou outro líder da igreja com prepa-ro especial na questão da cura. Às vezes é difícil reconhe-cer nossas próprias dificuldades; compartilhar com outrapessoa pode nos ajudar a encontrar e identificar o nossoproblema. O outro pode ser um “espelho” que Deus usapara nos mostrar onde estamos feridos ou quais os pa-drões de conduta que devemos mudar. “Leais são as feri-das feitas pelo que ama”, nos diz Provérbios 27.6. E quan-do um amigo nos ama de verdade, suas palavras semprenos farão bem, ainda que sejam dolorosas.

  

 

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Atenção: isso não é uma licença para que uma pessoafira a outra de propósito. “Feridas leais” são palavras queverdadeiramente são ditas em amor, com muito tato,pensando no que é melhor para a outra pessoa. É grandea tentação de esconder-se atrás do “eu disse para o seubem”. Mas o amor sempre cura. O amor “não maltrata”(1 Co 13.5, NVI). Somente o amor cura. Se as palavrasnão forem ditas no verdadeiro amor do Senhor causarãomais danos e não trarão cura. É melhor calar-se.

Definir as tarefas emocionais. Uma vez identificada aárea do problema, devemos identificar qual é a tarefa emo-cional indicada na recuperação. Uma tarefa emocional é,em termos simples, aquele processo que temos de seguirpara nos recuperarmos. Por exemplo, quando alguém per-de uma pessoa querida e não consegue seguir adiante (con-tinua triste e muito deprimido anos depois da morte da-quela pessoa), dizemos que o diagnóstico do seu proble-ma é uma dor mal resolvida e a tarefa emocional é ajudá-la a elaborar sua dor de uma forma eficaz e bem resolvida:vivenciá-la e deixá-la no passado, resgatando o que haviade bom na relação compartilhada. Outro exemplo é quan-do existe uma relação quebrada entre duas pessoas, ouquando há profundo ressentimento; neste caso, dizemosque a tarefa emocional é chegar ao ponto de perdoar, li-berando a amargura.

Sarar as relações partidas. O ser humano é relacional.O evangelho é relacional. Jesus nos disse que o primeirogrande mandamento é amar a Deus acima de todas as coi-sas. E o segundo é parecido com ele: “Amarás o teu próxi-mo como a ti mesmo” (Lc 10.27). Deus está empenhadoem que tenhamos relações com Ele, com os demais e comnós mesmos — relações saudáveis e curativas. Portanto,curar nossas relações é fundamental.

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J. L. Moreno, o fundador do psicodrama, dizia que“o homem sem vínculos não existe” (Bustos, 1979). Eleargumentava que, se o ser humano adoece nas relações,ele precisa sarar nas relações. Assim, Moreno defendia apsicoterapia de grupo e a sua eficácia. Ele entendia muitobem que as pessoas necessitavam de relações curadas paraser pessoas curadas. Para ele, o grupo poderia servir comoa “família substituta” e curar muitos dos relacionamentosfamiliares que haviam causado dano nas pessoas que oprocuravam.

Paulo nos fala da importância dos relacionamentosquando diz que “as más companhias estragam os bonscostumes” (1 Co 15.33, NTLH). A Bíblia reconhece a im-portância dos relacionamentos e a importância de desen-volver relacionamentos sãos, porque as más relações cor-rompem nossa capacidade de nos relacionarmos com osdemais de forma funcional e curativa.

Esse fato é ainda mais verdadeiro para a igreja. De fato,o corpo de Cristo deveria ter essa função curativa. Se te-mos relacionamentos que nos causam dano, oxalá pudés-semos encontrar na igreja esse grupo de pessoas que nosamasse incondicionalmente até à cura. Quando existemrixas e hostilidade dentro da igreja, perdemos comple-tamente a função curativa que Deus intencionou quetivéssemos. O inimigo canta vitória por conseguir que ospróprios cristãos saquem as armas uns contra os ou-tros. Estes começam a ferir-se com palavras afiadas comofacas, ações reprováveis, falta de amor. Sem sanidade, nãohá santidade.

Mas, como sarar os relacionamentos danificados? Siga-mos alguns passos:

a) É preciso identificar quais relações temos de consertar.Muitos cristãos tendem a esconder seus ressentimentos

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atrás da “fachada do perdão”: “Ah, já perdoei fulana como perdão de Cristo”. Mas o fruto da relação não é provei-toso. Quando conseguimos perdoar alguém, existe umalimpeza de coração que somente o Espírito Santo produz;e a conseqüência é uma relação saudável — de fato e nãode palavra. Para sermos curados, temos de admitir a enor-midade da nossa depravação. Somos pecadores e as coisasque desejamos para algumas pessoas quando ficamos comraiva ou quando nos ferem é algo vergonhoso. Mas nãoexiste nada escondido para o Senhor (Salmo 139). Ele sabeo que realmente passa no nosso ser e nas profundezas dosnossos sentimentos.

Portanto, é melhor admitir o que realmente somos, oque realmente sentimos, e confessar a nossa incapacidadede mudarmos sem a ajuda dele.

b) O segundo passo é descarregar o veneno emocional.Muitas pessoas pensam que, como cristãos, não devem sen-tir tal e tal coisa. Assim, simplesmente negam a existênciadesses sentimentos ou fazem de conta que eles não exis-tem. Ao admitir que sentimos determinadas coisas, pode-mos fazer a confissão desses sentimentos, e não apenasisso; podemos também fazer o desabafo emocional quefinalmente poderá nos limpar. Existem muitas maneirasde fazermos esse desabafo; o importante é fazê-lo. Quan-do guardamos os sentimentos em nosso ser, eles vão “in-flamando” pouco a pouco e criando uma “infecção emo-cional”. Ao final, eles se transformam em veneno emocio-nal. Todos já ouvimos alguma pessoa que fala da outracom “veneno emocional”. É impossível não reconhecê-lo.Trata-se de uma forma de falar que envenena tudo o quese diz da outra pessoa.

Apenas falar para desabafar não é suficiente. Existempessoas que fazem a mesma queixa de outra pessoa durante

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anos e isso não resolve a questão. Elas não querem curara ferida; querem apenas falar mal do outro. Para sarar énecessário desabafar pela última vez de uma forma quenão cause dano aos demais, mas que cure a si próprio.

Todavia, desabafar os sentimentos não significa quevamos até a pessoa com quem não nos damos bem e lhefalemos tudo o que temos vontade, simplesmente paradesabafar. Deus não quer que nos libertemos de nossoveneno à custa dos sentimentos dos demais. Muitas vezesperdemos a razão, pelo modo como falamos as coisas, epodemos cair em pecado ao tentar consertar.

Existem formas saudáveis de fazer o desabafo. Pode-seescrever uma carta para a pessoa, mas sem jamais mandá-la. Eu encorajo meus pacientes a fazerem isso. Esse proce-dimento lhes dá a liberdade de dizer tudo o que está emseu coração (e sua língua), sem censura, permitindo-lhesdescarregar o veneno. Animo a que, depois de escreverema carta, orem, entreguem a Deus tudo o que está ali e quei-mem a carta como oferenda a Deus, como símbolo de quejá não querem que essas coisas estejam entre eles e a outrapessoa. Em geral, depois de fazê-lo, eles tendem a iniciaro processo de perdão e esquecimento.

Para algumas pessoas é difícil escrever. Recomendo,então, que vão a um parque vazio e falem com uma dasárvores, deixando que o vento leve as palavras e o desaba-fo. Ou que falem com uma cadeira vazia no seu quarto,fazendo de conta que a pessoa está ali. O desabafo nãoé para a outra pessoa. É para nós mesmos. Não faz malque o outro não escute. O necessário é que seja dito;nada mais.

Talvez depois do desabafo surja a oportunidade ou anecessidade de falar com a outra pessoa. Em geral, já sepode fazê-lo sem o rancor de antes, possibilitando umaconversa que edifique o relacionamento e não o destrua.

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Não é garantido, porque a conversa também depende daoutra pessoa. Mas se não vamos “armados” com nossaamargura, o diálogo provavelmente será melhor.

c) Perdoar a pessoa que causou o dano é o terceiro passo.Significa perdoar pelo que ela fez e pelo que não fez. Àsvezes temos raiva do que as pessoas não fizeram (para nosdefender, por exemplo). Queríamos mais atenção denosso pai ou mãe, que tivesse nos acompanhado mais, oudemonstrado seu amor de formas mais compreensíveis, eisso não ocorreu. Existem pessoas que se ressentem do quenão lhes foi dado. Devemos levar isso em conta quandofalamos de relacionamentos quebrados.

É muito comum que os cristãos digam: “Você precisaperdoar, irmã” — mas o perdão nem sempre é fácil. É umadecisão e, por outro lado, um processo. Haverá um mo-mento em que seremos capazes de dizer: “Já não queromais carregar esse peso de ressentimento. Quero perdoá-lo e o faço nesta hora.” Alguns pensam que, por não senti-rem o perdão, nada aconteceu. Mas Deus honra nossasdecisões. Se o pensamento ou a imagem de quem perdoa-mos volta à nossa mente, digamos que já está perdoado.Pouco a pouco, o perdão criará raízes em nosso coração ese tornará cada vez mais presente. É uma decisão e umprocesso.

O perdão não é barato. Custou ao Senhor a vida de seuúnico filho, Jesus.

Eu tenho uma única filha. Quando nasceu, não imagi-nava que seria a minha única filha, mas é assim. Imagi-nem que o pastor da minha igreja venha me visitar umdia e diga: “Esly, acabo de vir da prisão. Lá existe um ban-dido, mas bem bandido mesmo, bem mau. O juiz me dis-se que, se eu conseguir uma pessoa para ocupar o lugardesse bandido na prisão, ele o soltará. Então vim aqui pedir

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que você entregue sua única filha para ocupar o lugardesse bandido.” O que acham que eu diria? “Está louco?!Não dou a vida da minha filha por nada! Seria capaz dedar a minha vida por ela, mas a dela? De jeito nenhum.”Ainda bem que Deus não age como eu! Porque Ele, sim,deu a vida de seu único Filho por nós, enquanto aindaéramos “bandidos” (Rm 5.8). Jesus tomou o nosso lugarna “prisão do inferno”, que todos merecemos, paraque pudéssemos sair livres da eterna condenação dopecado.

Não devemos lidar com o perdão superficialmente. Eleé livre e gratuito para os que aceitam o sacrifício de Jesus,mas custou ao Senhor a vida de seu único Filho. O perdãoé gratuito, sim, mas não é barato. Temos de chegar aomomento em que decidiremos de que maneira queremoscontinuar vinculados às outras pessoas: será pelo rancorou pelo perdão? Carregar rancor ou amargura no cora-ção pesa muito, enquanto o perdão é leve. Às vezes aoutra pessoa nem sequer se dá conta de que estamoscom raiva dela e nós vivemos uma vida “pesada”, nosremoendo de ressentimento.

Perdoar não significa fazer de conta que não aconteceunada. Algo aconteceu, pelo menos do meu ponto de vis-ta. Perdão significa que eu decido viver longe do rancor.Decido viver vinculado à pessoa com quem tenho proble-mas pelo perdão, e não pela amargura. Vou tratá-la comoJesus me trata quando me perdoa. Acredito que nada nosajuda mais a perdoar os outros do que pensar no tantoque Jesus nos perdoou. Faça uma lista de seus pecados epeça perdão a Deus. Depois, faça outra lista, contendo ospecados da pessoa com a qual você tem problemas. Vejao tanto que Jesus perdoou você e perdoou o outro. OSenhor nos disse que nos julgará com a mesma medidacom que julgamos os demais (Mt 7.2). Eu, pessoalmente,

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estou muito ciente do tanto que necessito da misericórdiade Deus na minha vida. Se Deus me tratasse segundo asua justiça, e não segundo a sua misericórdia, eu estarialiteralmente frita.

Perdão também não significa que eu tenho de transfor-mar a pessoa perdoada no meu melhor amigo para provaro perdão. Às vezes, ao perdoar uma pessoa, resgatamos erecuperamos a relação danificada, o que é a solução ideal.Mas existem situações em que não se deve voltar a aproxi-mar-se da pessoa perdoada, como, por exemplo, alguémque cometeu abuso sexual. Não existe nenhuma garantiade que, ao perdoar essa pessoa, ela não voltará a causar-nos dano, especialmente nessas situações. É prudentemanter distância. Outras vezes, a pessoa morreu e não hácomo se aproximar para a reconciliação. Também animomeus pacientes que escrevam cartas às pessoas faleci-das. Antes de tudo, perdoar o outro libera eu mesmo, oque é o exercício mais importante.

Além disso, é preciso pensar nas pessoas a quem devopedir perdão. É fácil pensar no que os outros me fizeram,mas o dano que eu fiz a outras pessoas também me preju-dica e impede minha saúde-santidade. Preciso pedir aoEspírito Santo que sonde o meu coração e veja se existealgum caminho que não agrada ao Senhor (Sl 139.23, 24).Deus tende a ser cruciantemente específico quando lhepedimos que nos ajude a confessar nossos pecados. ParaEle, não importam as generalidades; Ele vai direto ao as-sunto, à situação e ao pecado. Se Deus lhe mostra queuma relação não está bem por causa do seu pecado, váconsertar a relação. Você não terá paz no seu coração atéfazê-lo. Deus não gosta de habitar em casas “sujas”, e é aconfissão que nos limpa. Se a outra pessoa não o perdoa,passa a ser problema dela. Mas um pedido sincero deperdão tende a ser bem recebido.

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A Bíblia ensina que, se nos humilharmos, o Senhor nosexaltará em seu devido tempo (1 Pe 5.6). Pedir perdão éum excelente exercício de humilhação. Não o façamos fal-samente. Existem pessoas que querem pedir perdão, semrealmente pedir perdão. Fazem o exercício, dizem as pala-vras, mas a atitude ou o tom de voz não denota humilda-de. Querem colher os benefícios do perdão sem real-mente passarem pela humilhação. Isso não funciona.Quando pedimos perdão, colocamos o orgulho no bolso(de onde nunca deveria ter saído), reconhecemos quefizemos algo pelo que estamos arrependidos e pedimosperdão sem nos justificarmos. Assim haverá muito maisêxito na reconciliação.

d) O quarto passo para sarar as relações partidas ésoltar o passado. Olhar atrás para as nossas feridas é de sumaimportância. Como disse antes, devemos identificá-las parapoder curá-las. Mas, depois de as feridas estaremidentificadas, curadas, perdoadas e tudo o mais que foinecessário para limpar a infecção emocional, temos desoltar o passado e olhar para a frente. Jesus nos lembra amulher de Ló (Lc 17.32). Chega um momento na vida emque devemos deixar de olhar para trás e olhar aquilo queDeus tem preparado para nós e para o resto da nossa vida.Não devemos deixar de olhar o passado prematuramente.Devemos estar com o passado limpo, até que possamossoltá-lo e vislumbrar o futuro que nos espera.

Sarar as perdas importantes. Poderíamos escrever todoum livro sobre perdas, lutos e recuperação emocional, emuitos o fizeram (Brenson, 1985). Nem todas as pessoasentendem qual é o processo normal da dor e recuperaçãoquando se perde alguém ou algo significativo. Por issovamos compartilhar aqui alguns desses aspectos.

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a) Em primeiro lugar, é importante admitir que perdemose a enormidade daquilo que se perdeu. Existem igrejas quedizem que devemos nos regozijar com a morte de um serquerido, mas o apóstolo Paulo apenas nos diz que nãodevemos nos entristecer como aqueles que não têm espe-rança (1 Ts 4.13). Jesus mesmo chorou com a morte deLázaro (Jo 11.35). É certo que temos o consolo de que quemmorre no Senhor está com Ele e voltaremos a vê-lo, masesse momento que vivemos aqui na terra é de perda e luto.

b) O segundo passo é chorar a morte de alguém ou aperda de algum relacionamento importante. Isso é normal,natural e necessário. Temos de admitir tudo o que perde-mos e chorar essa perda. Há muitos pacientes cujo “remé-dio” é chorar. Digo-lhes que a sua tarefa de casa é choraraté esgotar o pranto. Não importa que leve semanas oumeses. Devemos chorar a ausência até que não doa maiscomo antes. Tentar “ser forte” e não chorar, não demons-trar sua “debilidade” é o pior que se pode fazer. Medicar ador — a não ser nos poucos casos em que haja risco devida — também não é saudável, porque retarda o iníciodo processo de luto. Impede que as pessoas sintam esofram sua perda.

Deus nos projetou de tal forma que precisamos fazer oluto pelas nossas perdas, isto é, sofrer, sentir as perdas.Talvez seja a maneira que Ele tem de nos deixar insatisfei-tos com esse mundo tão imperfeito. Deus nos prometeuque um dia viveremos em um lugar onde não existirá maischoro e que Ele enxugará todas as nossas lágrimas (Ap21.4). Mas, nessa vida, sentir a perda, chorá-la, sofrê-la é aúnica forma que temos de nos recuperar. Eu me perguntoquantos séculos se passaram até que Adão e Eva termina-ram de chorar a perda do Éden. Não sei, mas estou certade que o fizeram, porque este é o mecanismo que Deus

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colocou nos nossos corações para que possamos nosrecuperar emocionalmente nessas situações.

c) O terceiro passo é dar tempo ao tempo. Existempessoas que têm pressa de se curar, mas existem coisas quenão podemos apressar. A recuperação é uma delas. Geral-mente leva tempo.

Lembro-me de uma viúva que veio me ver quatro me-ses depois que seu esposo morreu, depois de 45 anos decasamento. “Meus filhos dizem que já é hora de seguiradiante, mas, minha cara, só agora é que descobri que meuesposo não vai voltar. Até agora era como se estivesse deviagem, como costumava fazer. Mas, de uns dias para cá,sei que ele não regressará mais, e a enormidade de sua au-sência é terrível. Só tenho vontade de chorar. Por outro lado,meus filhos não querem me ver chorando; dizem que étempo de deixar tudo isso para trás e seguir a vida. Porém,não posso.”

Aquela senhora tinha razão e expliquei-lhe que deveriafalar com seus filhos sobre o processo de recuperação emo-cional; que levaria muito tempo para terminar de fazer oluto pelo marido querido de tantos anos e que seus filhosdeveriam deixar que ela o fizesse tranqüilamente. Às ve-zes, as pessoas ao nosso redor não querem nos ver sofrer epor isso nos dizem que nos apressemos. Outras vezes, vera outra pessoa sofrer a perda do seu esposo, por exemplo,as faz entrar em contato com o sofrimento da perda deseu pai — e elas resistem a fazer o seu próprio luto.

d) O quarto passo é saber que um dia o luto termina.Talvez sejam três passos para frente e um para trás, maschega o dia em que ele termina. Pode-se falar da pessoaou de situações sem chorar, relembrando coisas boas, sema dor aguda da perda. Quando vivi um divórcio, levouum ano e meio até que o mundo voltasse a recuperar suas

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cores (veja esta história em Quando o vínculo se rompe,Editora Ultimato).

Uma vez perguntaram a um pastor por que Deus fezcom que o povo de Israel andasse pelo deserto durante 40anos. Ele respondeu: “Porque 39 anos não foram sufici-entes para cumprir o propósito de Deus.” Dê tempo aotempo que um dia isso termina. O luto é a única dificul-dade que o tempo, sim, ajuda a resolver. Nas demais feri-das do coração — as que ainda têm o espinho — é precisotirar o espinho. Eles não saem por si.

Curar os eventos traumáticos. Muitas pessoas sofremeventos traumáticos, que podem ser de vários tipos: aci-dente de carro, estupro, violência em casa, testemunho demortes violentas em guerras ou desastres naturais, e mui-tas outras situações. As pessoas são diferentes e vivem es-ses eventos também de formas diferentes. Existem pessoasque conseguem superar bem algumas situações, o que, paraoutras, é impossível.

Deus estabeeceu em nosso cérebro um mecanismo quenos ajuda a processar e arquivar essas experiências trau-máticas. Mas, para algumas pessoas, ou em algumas situa-ções, o evento é tão difícil que o mecanismo fica inter-rompido. Elas vivem com pesadelos ou com pensamen-tos insistentes sobre o trauma. E acabam por somatizar:dores de cabeça, dores no corpo, enfermidades que de-sencadeiam doenças emocionais, mudanças de compor-tamento a partir do dia do evento, e assim por diante.

Quando vemos situações assim, dizemos que essaspessoas podem estar sofrendo de estresse pós-traumático,ainda que o evento tenha ocorrido há muitos anos. Elasnão conseguem falar do ocorrido sem chorar ou seguemvivendo com uma depressão ou ansiedade que parece nãoter cura. Muitas vezes são casos que devem ser encami-nhados a especialistas.

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Em 1988, a Dra. Francine Shapiro desenvolveu umanova técnica para cura das lembranças traumáticas cha-mada EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing,Dessensibilização e Reprocessamento por MovimentosOculares) que permite à pessoa traumatizada trabalharjunto com seu cérebro para processar neurológica e fisio-logicamente a lembrança e suas conseqüências. Os resul-tados têm sido bastante positivos e rápidos, e já existemmuitos profissionais habilitados1 a ministrar esse tipo detratamento na América Latina. (Veja mais informações noapêndice 2, página 97.) O correto é que, para este tipode problema, às vezes é necessária uma intervenção pro-fissional, o que não deve nos causar medo. Devemos bus-car um profissional cujo trabalho tenha uma reputaçãoirrepreensível e, de preferência, que seja cristão ou simpa-tizante com o evangelho. Mas Deus usa também profissi-onais não cristãos, quando entregamos aos seus cuidadoso desenvolvimento do nosso processo.

Além desses, existem pessoas habilitadas em determi-nadas formas de cura interior, cura emocional pela ora-ção, ou com dom de discernimento, que podem ajudarou pedir ajuda do Senhor para a cura do coração. Devemser pessoas de bom testemunho e constantes nessa área,cujos frutos falem por si.

Convalescer. A recuperação leva tempo. Quando que-bramos uma perna, passamos dias ou meses com o gessoaté que o osso quebrado se cole. Quanto mais tempo pre-cisamos quando machucamos o coração! Se tirarmos ogesso prematuramente, a perna nunca ficará boa, ou, pior,o osso se colará de forma distorcida e não poderemos vol-tar a usar a perna apropriadamente. Não devemos ter pres-sa. Permitamos que o coração também tenha seu tempopara sarar.

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Quando eu era jovem, minha mãe adoeceu gravemente.Passou muitos meses na cama, por orientação médica. Noinício, tínhamos de alimentá-la, porque não conseguianem levantar os talheres. Pouco a pouco, começou a sairda cama por pouco tempo. Às vezes eu chegava, ela haviapassado dez minutos na sala, e pedia que a ajudássemos avoltar para a cama. Com o passar dos dias, pôde passarmais tempo fora da cama.

Um dia, quando cheguei do colégio, ela estava bordan-do! Mamãe havia aprendido a bordar de forma fantásticaquando criança, e decidiu passar o resto do tempo de suaconvalescença bordando. A cada dia, passava mais tempocom os fios e pontos. Fez lindos quadros que até hoje es-tão pregados na parede. Tenho um deles na minha casa.

Assim faz o Senhor: transforma nossas graves enfer-midades em lindos quadros bordados. Apenas devemoslhe dar (e nos dar) o tempo da convalescença. De nos-sos sofrimentos, Ele faz belas coisas. Transforma nossas cin-zas em obras de arte.

3. Aprendizado

A terceira etapa da cura emocional relaciona-se com oaprendizado. Como disse uma das minhas alunas deaconselhamento cristão, o processo de aprendizagem tema ver com “imitar as coisas boas”. Ela está certa. Todosaprendemos condutas necessárias para sobreviver. Algu-mas serviram de “estratégias de sobrevivência” em famíli-as fortemente disfuncionais. Talvez tenham sido condu-tas que nos ajudaram por algum tempo, mas que agoraestão nos prejudicando e necessitamos mudá-las. Ou nosdamos conta de que a forma que aprendemos na nossafamília não está dando os resultados desejados e é tempode mudar. Ou fomos curados de nossas feridas no coração

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e agora estamos livres para aprender novas condutas. Ocerto é que temos controle sobre nossas ações e condutase podemos escolher aprender (ou não) novas formas derelacionamento que estejam mais de acordo com a Pala-vra de Deus.

É importante saber que nunca é tarde para aprender.Não existe ninguém tão maduro que não possa aprendera melhorar sua forma de viver. Além do mais, temos aces-so ao poder do Espírito Santo, que nos permite desenvol-ver uma atitude que agrade mais ao Senhor. Também de-vemos estar cientes de que “antes tarde do que nunca”.Para muitos filhos, as mudanças de seus pais mesmo navida madura serviram como elemento de cura e reconcili-ação. Não se esconda atrás das desculpas para continuarna mesma.

É verdade que aprender novas atitudes assusta. Meucolega Joe Dallas disse que “nunca se deve subestimar opoder da forma conhecida de viver”. A forma conhecidade viver pode não trazer os resultados que eu quero paraminha vida; mas é conhecida. Romper hábitos de todauma vida nem sempre é fácil, mas é muito necessário paraa sanidade e a santidade. Ninguém nasce sabendo. Todosaprendemos a viver: alguns em famílias mais funcionais,outros em famílias menos funcionais; não importa. O certoé que chega um momento na vida em que temos de apren-der novas maneiras de nos relacionar com os demais, en-frentar os problemas e viver melhor. Para tanto, temos deaprender a responder de outras formas. Às vezes, é assus-tador. Sinta o susto e faça. Ainda que cometa erros ao ten-tar, continue, siga em frente. Com o tempo e a prática, anova conduta se tornará cada vez mais fácil. Quem não searrisca nunca alcança a meta de uma vida melhor.

Finalmente, se você tem dificuldade em aprender novascondutas, pense na possibilidade de participar de grupos

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de apoio ou de terapia. Nos meus grupos de psicodrama,temos a oportunidade de ensaiar novas condutas. Lem-bro-me de um garoto que estava deixando a vida homos-sexual. Chegou ao grupo numa noite e disse que queriaconvidar uma garota para ir ao cinema, mas, como nuncao tinha feito, não sabia por onde começar. Então, esco-lheu uma das moças do grupo para representar a garotaque queria convidar e ensaiou diversas maneiras de fazero convite até que ambos ficassem satisfeitos. Ele teve aoportunidade de aprender uma nova conduta em um lu-gar protegido, com o apoio dos demais.

Não permita que o medo o impeça de viver uma vidamais santa e agradável a Deus. Sinta o medo, mas, ao mes-mo tempo, empenhe-se em aprender novas condutas. Ain-da que, para as pessoas ao seu redor, essa atitude mais san-ta pareça diferente, não se importe. Siga em frente porquea colheita será magnífica!

Passos para a cura

No próximo capítulo falaremos de alguns dos obstácu-los para a cura, isto é, desculpas que as pessoas têm paranão buscar a cura. Mas agora, com base no que já disse-mos, vejamos os passos necessários para que haja curaemocional.

a) Admita que você foi ferido e que há uma ferida no seucoração. Essa é a parte do diagnóstico de que falamos. Senão admitimos que temos um problema, uma ferida nocoração, de nada adianta. Não teremos uma meta pela qualtrabalhar.

b) Identifique a ferida. Veja qual foi o problema que dei-xou a ferida no seu coração. Dê-lhe um nome, se quiser.

c) Peça a Deus que faça tudo o que for necessário para efetu-ar a cura. Não faça essa oração superficialmente. Deus está

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comprometido com a nossa sanidade e a nossa santidade.Se pedirmos, Ele nos dará as experiências e as pessoas ne-cessárias para que a cura se efetue em nossa vida. Talveznão venham como imaginamos, mas virão.

d) Compartilhe sobre sua ferida com outra pessoa de absolu-ta confiança. Os Alcoólicos Anônimos entenderam muitobem a importância de envolver outro ser humano no pro-cesso de recuperação. Às vezes é necessário ter uma “teste-munha” que acompanhe a nossa recuperação. Saber queoutra pessoa pode me ouvir e ainda me aceitar tem gran-de efeito curador.

Várias pessoas me têm dito: “Quero resolver isso so-mente entre eu e Deus. Não quero compartilhar com nin-guém.” Tenho minhas dúvidas da possibilidade de que serecuperem, pois Deus nos criou com necessidade dos de-mais. Ainda que Deus seja poderoso para nos curar estan-do sozinhos, Ele costuma usar nossos relacionamentospara fazê-lo. Peça a Deus que mande uma pessoa digna desua confiança para você compartilhar.

e) Perdoe os envolvidos. Acredito que falamos bastantesobre esse tema nas páginas anteriores. Perdoar é essen-cial para curar os relacionamentos. De tempo em tempo,revise a sua vida e veja se existe alguém que você nãotenha perdoado.

f) Dê-se tempo para convalescer. Convalescer leva tempo.Não há como apressar o processo. Existem feridas que so-mente o tempo pode curar. Tenha paciência consigo mes-mo e permita que Deus faça algo lindo do seu sofrimento.

g) Decida aprender uma nova forma de se relacionar com opassado, com o presente e com o futuro. Isso faz parte do pro-cesso de aprendizagem. Solte o passado. Abrace o presen-te. Não tenha medo de aprender e exercitar novas formas

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de responder a pessoas e situações. Não se assuste se tudonão sair bem na primeira vez. Continue tentando até queseja cômodo fazê-lo.

h) Gaste tempo com Deus. Por muitos anos, em meu con-sultório, tenho acompanhado pessoas que realmente gas-tam tempo com Deus. É interessante observar que elas têmoutro ritmo de recuperação. É como se tivessem um co-terapeuta fora da terapia. De fato, há o Senhor. É notável adiferença entre cristãos com uma verdadeira vidadevocional e aqueles que não praticam um tempo diárioa sós com Deus. Por outro lado, quase não vejo diferençaentre cristãos sem o exercício diário da oração e os nãocristãos, quanto ao seu processo de recuperação. O pro-cesso acontece apenas no plano humano. Mas, quandohá oração séria, que diferença! A oração os “amarra” aopoder do Espírito Santo, poderoso para fazer as mudan-ças tão necessárias.

Por todas essas razões, quero animar você a buscar acura para a sua vida. E que isso resulte numa maior santi-dade na igreja.

Exercícios decrescimento integral

1. Avalie suas relações com as pessoas. Escreva cartasque não serão mandadas àqueles a quem tem algo adizer, perdoar, pedir perdão etc. Uma vez terminadacada carta, queime-a como oferenda agradável a Deuse como sinal de que está perdoando essa pessoa.