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Romantismo em Portugal O Romantismo português, como ocorreu nos demais países europeus, esteve associado ao desenvolvimento da imprensa e à afirmação social de um novo público-leitor: o burguês. As produções literárias não seguiam padrões clássicos, de ideologia aristocrática, para o qual não existia processo histórico. Para o novo público, tudo é relativo e está em contínua transformação. Não lhe interessavam padrões clássicos, mas a novidade normalmente veiculada pelos jornais. Os escritores mais ativos do Romantismo em Portugal desenvolveram atividades jornalísticas e contribuíram, uns mais, outros menos, para a afirmação do liberalismo no país. Três escritores se destacaram na implantação desse movimento: Garrett, Herculano e Castilho. Constituem o primeiro momento do Romantismo, com produções ainda ligadas ao neoclassicismo. Garrett foi inicialmente o escritor mais ativo do grupo, inclusive politicamente era o mais radical. Herculano, mais moderado, secundou-o: sua importância vai se fazer sentir gradativamente e marcará os últimos anos de sua vida, quando afirmou-se o movimento realista. Castilho, personalidade contraditória, colocou-se como romântico, embora suas produções mostrem traços neoclássicos. Sua ação vai exercer-se mais no campo pedagógico e jornalístico, do que propriamente no desenvolvimento da arte romântica. Camões (1825), de Almeida Garrett, foi o marco inicial do Romantismo português. O novo gosto literário, entretanto, só veio a solidificar-se com o decorrer da década de 1830. Foi desse período A voz do profeta (1836), de Alexandre Herculano, época em que apareceram as primeiras traduções de Walter Scott. A democratização da arte não ficou restrita à poesia e à prosa de ficção: atingiu também o teatro. Garrett foi designado pelo governo para reformar o teatro português, estimulando o aparecimento do autor nacional. O segundo momento do Romantismo coexistiu com o primeiro e com o terceiro, de transição para o Realismo. Foi uma arte que oscilou entre o medievalismo de um grupo de poetas de Coimbra e o ultra- romantismo desenvolvido também nessa cidade e mais acentuadamente no Porto (décadas de 1840 e 1850). Destacou-se, nessa segunda etapa, a obra de Camilo Castelo Branco, basicamente ultra-romântica, mas que já apresenta observações da realidade de um realista. Sua obra situou-se entre as mais características da literatura portuguesa. A poesia desse período tem valor menor. Apenas para referência histórica, podemos citar o nome de Soares de Passos. Dois escritores da estética romântica das décadas de 1850 a 1860 foram particularmente significativos para marcar o período da monarquia constitucional da Regeneração. Na prosa, Júlio Dinis, escritor fundamental para o registro de traços da consciência coletiva da classe média dessa época; na poesia, João de Deus, com alguns poemas em que já aparecem críticas à venalidade do regime político regenerador. A base social do Romantismo português foi muito fraca; mais fraca ainda a ideológica. Os escritores mais combativos, como Garrett, ainda estão sob influencia do Iluminismo neoclássico. Em razão desses fatos, esses autores apresentam publicações com inovações ainda tímidas, se comparadas com as dos países europeus centrais. O movimento, entretanto, foi bastante importante para a evolução estética da literatura portuguesa. A despeito da incorporação de repertórios de escritores europeus (sobretudo de Chateaubriand, Walter Scott e Victor Hugo), atualizou-se, dentro de um contexto popular e democrático, a tradição literária mais significativa do país. Se as produções não foram tão originais ou contundentes como as da Europa desenvolvida, isso se deveu às associações de um imaginário burguês ainda muito ligado ao campo. Os setores mais atrevidos eram os do comércio. Faltou ao país uma efetiva revolução industrial. . : : . : : . Estudo Dirigido - Romantismo. : : . . : : .

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Romantismo em Portugal

O Romantismo português, como ocorreu nos demais países europeus, esteve associado ao

desenvolvimento da imprensa e à afirmação social de um novo público-leitor: o burguês. As produções

literárias não seguiam padrões clássicos, de ideologia aristocrática, para o qual não existia processo

histórico. Para o novo público, tudo é relativo e está em contínua transformação. Não lhe interessavam

padrões clássicos, mas a novidade normalmente veiculada pelos jornais.

Os escritores mais ativos do Romantismo em Portugal desenvolveram atividades jornalísticas e

contribuíram, uns mais, outros menos, para a afirmação do liberalismo no país. Três escritores se

destacaram na implantação desse movimento: Garrett, Herculano e Castilho. Constituem o primeiro

momento do Romantismo, com produções ainda ligadas ao neoclassicismo.

Garrett foi inicialmente o escritor mais ativo do grupo, inclusive politicamente era o mais radical.

Herculano, mais moderado, secundou-o: sua importância vai se fazer sentir gradativamente e marcará os

últimos anos de sua vida, quando afirmou-se o movimento realista. Castilho, personalidade contraditória,

colocou-se como romântico, embora suas produções mostrem traços neoclássicos. Sua ação vai exercer-se

mais no campo pedagógico e jornalístico, do que propriamente no desenvolvimento da arte romântica.

Camões (1825), de Almeida Garrett, foi o marco inicial do Romantismo português. O novo gosto

literário, entretanto, só veio a solidificar-se com o decorrer da década de 1830. Foi desse período A voz do

profeta (1836), de Alexandre Herculano, época em que apareceram as primeiras traduções de Walter Scott.

A democratização da arte não ficou restrita à poesia e à prosa de ficção: atingiu também o teatro. Garrett

foi designado pelo governo para reformar o teatro português, estimulando o aparecimento do autor nacional.

O segundo momento do Romantismo coexistiu com o primeiro e com o terceiro, de transição para

o Realismo. Foi uma arte que oscilou entre o medievalismo de um grupo de poetas de Coimbra e o ultra-

romantismo desenvolvido também nessa cidade e mais acentuadamente no Porto (décadas de 1840 e 1850).

Destacou-se, nessa segunda etapa, a obra de Camilo Castelo Branco, basicamente ultra-romântica, mas que

já apresenta observações da realidade de um realista. Sua obra situou-se entre as mais características da

literatura portuguesa. A poesia desse período tem valor menor. Apenas para referência histórica, podemos

citar o nome de Soares de Passos.

Dois escritores da estética romântica das décadas de 1850 a 1860 foram particularmente

significativos para marcar o período da monarquia constitucional da Regeneração. Na prosa, Júlio Dinis,

escritor fundamental para o registro de traços da consciência coletiva da classe média dessa época; na

poesia, João de Deus, com alguns poemas em que já aparecem críticas à venalidade do regime político

regenerador.

A base social do Romantismo português foi muito fraca; mais fraca ainda a ideológica. Os escritores

mais combativos, como Garrett, ainda estão sob influencia do Iluminismo neoclássico. Em razão desses

fatos, esses autores apresentam publicações com inovações ainda tímidas, se comparadas com as dos países

europeus centrais.

O movimento, entretanto, foi bastante importante para a evolução estética da literatura portuguesa.

A despeito da incorporação de repertórios de escritores europeus (sobretudo de Chateaubriand, Walter Scott

e Victor Hugo), atualizou-se, dentro de um contexto popular e democrático, a tradição literária mais

significativa do país. Se as produções não foram tão originais ou contundentes como as da Europa

desenvolvida, isso se deveu às associações de um imaginário burguês ainda muito ligado ao campo. Os

setores mais atrevidos eram os do comércio. Faltou ao país uma efetiva revolução industrial.

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A situação de dependência do imperialismo, em especial da Inglaterra, trouxe o atraso econômico e

não tornou possível a constituição de um público leitor mais significativo. Mais de 80% da população

continuava analfabeta e concentrada sobretudo no campo.

Almeida Garrett

É possível estabelecer-se simetrias entre a vida e a obra de Almeida Garrett (João Baptista da Silva

Leitão de Almeida Garrett, 1799-1854): suas produções literárias revelam, na forma e no conteúdo, as

tensões ideológicas em que se debateu. E as contradições de sua personalidade, no que ela possuía de

conservadora e de revolucionária.

Garrett formou-se dentro do Arcadismo, identificando-se com a corrente iluminista de esquerda. Foi

dessa época o poema “O Retrato de Vênus” (1822), que escandalizou setores reacionários ligados à Igreja.

O poeta foi acusado de materialista e de obsceno; julgado, foi absolvido. Pouco antes (1821), fizera

representar a tragédia Catão, com algumas menções ao movimento revolucionário português.

Nessas produções, Garrett afastou-se da educação religiosa que recebera. Estava, então, próxima da

poética defendida pelo neoclássico Filinto Elísio, que morreu exilado em Paris (1819), vítima do

absolutismo monárquico. Essas produções situaram-se, igualmente, como concretização artística dos ideais

liberais e revolucionários que ele havia encontrado participou dos movimentos políticos de seu tempo,

defendendo os princípios da Revolução Liberal (1820).

Garrett considerava o Arcadismo um movimento revolucionário, em oposição ao gongorismo

barroco. Sua inclinação para o Romantismo não foi radical: alinhou-se entre os escritores sociais que

estabeleceram uma linha de continuidade entre os ideais libertários do Iluminismo e do Romantismo. Não

há ruptura acentuada entre suas produções catalogadas dentro do Arcadismo e do Romantismo.

A incorporação da técnica romântica esteve associada à leitura de escritores ingleses dessa tendência

literária, a partir de seu exílio em 1823. A contra-revolução absolutista chefiada por D. Miguel perseguiu

os liberais portugueses e forçou-os ao exílio. Garrett tentou voltar clandestinamente, mas foi deportado em

seguida a sua entrada no país.

Na Inglaterra, Garrett escreveu os poemas longos Camões e D. Branca, publicados em 1825 e 1826,

respectivamente, em Paris. Camões é considerado o primeiro texto do Romantismo português, apesar de

suas formas neoclássicas.

Garrett permaneceu preso aos modelos antigos, atitude própria do neoclassicismo. Ela não se

aventura para a chamada “espontaneidade criativa”, um dos traços básicos da escrita romântica. Há, além

disso, um universalismo épico, que contrasta com o individualismo romântico, como podemos verificar no

desfecho de Camões:

“_ Oh! Consolar-me exclama, e das mãos tremulas

A epístola fatal lhe cai: _ Perdido

É tudo pois! (...) No peito a voz lhe fica;

E do tamanho golpe amortecido

Inclina a frente (...) como se passara,

Fecha languidamente os olhos tristes.

Ansiado o nobre conde se aproxima

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Do leito (...) Ai! Tarde vens, auxilio do homem.

Os olhos turvos para o céu levanta;

E já no arranco extremo: _ Pátria, ao menos

Juntos morremos (...) E expirou côa pátria”

A ação do poema desenvolve-se em torno de um exilado que volta à pátria e vai morrer com ela. Se

aparecem certos ingredientes românticos – como a bondade natural (Rousseau) ou o individualismo

melancólico de Byron – eles são tênues em comparação com o universalismo de suas personagens. No

exemplo, o destino do herói identifica-se com o da pátria. Ele não tem individualidade própria: suas ações

são modeladas pela voz do poeta, faltando-lhe uma dimensão interior e maior individualidade.

Em 1826, Garrett retornou a Portugal para dedicar-se ao jornalismo: engajou-se diretamente na luta

liberal. Perseguido politicamente, foi obrigado a retornar ao antigo exílio, na Inglaterra. Foi dessa época o

inicio dos estudos dos romances populares portugueses, que vem desde a Idade Média. Politicamente,

Garrett procurou aproximar-se dos monarquistas liberais. Em 1831, fundou em Londres o jornal O

Precursor, em que defendia a união dos liberais em torno de D. Pedro IV (D. Pedro I, no Brasil), que havia

abdicado do trono brasileiro.

Garrett participou, logo depois, das expedições militares contra o absolutismo miguelista em

companhia de um jovem amigo, Alexandre Herculano. Iniciou nesta época a escrita do romance histórico

O arco de Santana (publicado, posteriormente, em 1845). Nota-se nesta e em outras produções do escritor

nítida presença de repertórios literários de Walter Scott. Continuou ainda a pesquisar os romances

tradicionais portugueses, para publicar mais tarde o Romanceiro (1851).

Com a vitória liberal, Garrett dedicou-se à diplomacia. Demitido do cargo de cônsul na Bélgica,

voltou a Portugal. Divorciou-se de sua esposa, teve várias paixões amorosas. Tornou-se um dos intelectuais

do regime liberal: em 1836, foi encarregado de fundar e organizar um teatro nacional; em 1837, foi eleito

deputado. No ano seguinte, publicou a primeira peça teatral romântica portuguesa: Um auto de Gil Vicente.

Em 1841, na oposição, escreveu O alfageme de Santarém, publicado no ano seguinte. Com o

aumento das tensões políticas, viu-se ainda obrigado a exilar-se, por pouco tempo, na embaixada do Brasil,

em 1844. No ano anterior iniciara a publicação de uma das principais narrativas do Romantismo português:

Viagens na minha terra, 1846.

A perspectiva seguida por Garrett nas Viagens na Minha terra foi bastante popular. Denunciou a

oligarquia português, ou seja, os barões e os frades.

A obra prima do teatro romântico português foi Frei Luis de Souza, publicada em 1844; em 1845,

escreveu Os exilados, em defesa dos perseguidos políticos portugueses. Iniciou-se, nesta época, seu

relacionamento amoroso com a viscondessa da Luz (Rosa Maria Montúfar Barreiros), que lhe inspirou os

poemas de Folhas Caídas, 1853:

ESTE INFERNO DE AMAR

Este inferno de amar – como eu amo!

Quem mo pôs aqui n’alma, quem foi?

Esta chama que alenta e consome,

Que é a vida – e que, a vida destrói-

Como é que se veio a atear,

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Quando – ai quando se há de apagar?

Eu não sei, não me lembra o passado,

A outra vida que dantes vivi

Era um sonho talvez... – foi um sonho –

Em que paz tão serena a dormi!

Oh! Que doce era aquele sonhar...

Quem me veio, ai de Amim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso

Eu passei... dava o Sol tanta luz!

E os meus olhos, que vagos giravam,

Em seu olhos ardentes os pus.

Que fez ela? Eu que fiz? – não no sei;

Mas nessa hora a viver comecei...

Os poemas, como acontecera nas Viagens na minha terra, foram construídos a partir da observação

e da vivencia da realidade atual. São os mais românticos do poeta e os mais próximos de sua vida afetiva.

Garrett, a essa altura, já estava longe da combatividade política de sua juventude e maturidade. Com

a eclosão do movimento político da Regeneração (1851), ele veio a assumir importantes funções políticas,

adotando posições conciliadoras entre liberais e absolutistas.

Alexandre Herculano

A projeção de Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo, 1810-1877, na história de seu país fez-

se, como em Garrett, simultaneamente como cidadão e como escritor. Foi menos radical, um liberal

moderado, mas bastante coerente em suas posições políticas. Não registrou as oscilações de Garrett, que

veio a comprometer-se com o poder político em várias ocasiões. Ao contrário, sua conduta evoluiu

gradativamente para posições de sentido mais democrático, com preocupações sociais.

As produções de Herculano obedeceram ao principio romântico de busca da realidade ideal para o

país, mediante a reconstituição das formas sociais mais significativas de sua história: nela encontrariam os

modelos a serem desenvolvidos. A esse historicismo, que veio inicialmente das leituras de Chateaubriand

em sua infância, deve ser acrescentado, depois, o romantismo histórico e social de Walter Scott e de Victor

Hugo.

Na ficção histórica, Herculano publicou O bobo (1843), onde aparecia a formação de Portugal, em

meio a uma intriga romântica; Eurico, o presbítero (1844), que registrou a situação histórica sob o domínio

mouro e que colocou criticamente a questão do celibato clerical; O monge de Cister (1841), que marcou o

momento histórico da centralização política monárquica. A documentação, para a reconstituição do

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passado, constituiu valioso material para a sua História de Portugal (1846) e a História da origem e

estabelecimento da Inquisição em Portugal.

Outras produções de Alexandre Herculano são o conto Lendas e narrativas, 1851; a poesia Poesias,

1850; o ensaísmo crítico Opúsculos; a coleção documental Portugaliae Monumenta Histórica, publicação

iniciada por Herculano em 1856 e ainda não completada, etc.

A historiografia de Herculano foi profundamente revolucionária para a época. Colocou-se contra a

intervenção de fatores místicos ou lendários na história de seu país. Valorizou, por outro lado, a intervenção

das classes sociais, comprovando seus pontos de vista por meio de valiosa documentação. Suas

insuficiências estão no excessivo peso que deu aos fatores jurídico-intitucionais.

A objetividade do método histórico de Herculano motivou grandes resistências por parte dos

conservadores. Entre elas está a polêmica em torno da batalha de Ourique, importante para a formação da

nacionalidade. Os tradicionalistas viam na vitória portuguesa uma intervenção divina e exageravam as

forças inimigas. Herculano colocou-a em seu devido lugar, reduzindo-a a um confronto sem nada de

espetacular ou excepcional.

A partir dessa polemica, afirmou-se a face contestatória de Herculano (1850), preocupado agora

com a situação social de seu país e da Europa. Tornou-se cada vez mais um escritor combativo,

apresentando em sua prática confluências com o pensamento político, social e econômico da geração

realista de 1870. Como eles, pretendia uma ampla reforma das instituições e colocava-se contra a crescente

concentração da riqueza em mãos de uma oligarquia associada ao clero. Defendeu ardentemente o

municipalismo, forma administrativa de oposição ao centralismo burocrático imposto pelos grupos sociais

dominantes.

Sua perspectiva é liberal-burguesa, com pontos de contato com o “socialismo utópico” reformista

defendido pela geração realista. Defendia a liberdade de pensamento e reagiu contra a proibição das

Conferências do Cassino (1871). Defendeu ainda o casamento civil, a separação da Igreja dos negócios

civis e a não introdução no país das ordens religiosas.

Alexandre Herculano, embora colocando-se contra o clero reacionário, mostrou-se um cristão. Não

chegou ao anticlericalismo dos realistas portugueses. Encontra-se, em suas narrativas históricas, uma

religiosidade mística; em seus poemas, essa religiosidade alterna-se com certo panfletarismo, de forma

contraditória. Tal contradição é visível nos próprios títulos de suas primeiras coletâneas, A harpa do crente

(1838) e A cruz mutilada (1849), reunidas posteriormente em Poesias (1850).

Castilho

O nome de Antonio Feliciano de Castilho (1800-1870) está associado à introdução do Romantismo

em Portugal e à perda da hegemonia dessa tendência literária pelo Realismo. Castilho, apesar de divulgador

da nova corrente literária, foi um conservador: procurou tornar acadêmico, de acordo com uma forma de

pensamento neoclássico, o que o Romantismo possuía de transformador. Perseguiu-o o ideal de moderação,

com que atenuava a inovação artística dos escritores que gravitavam em torno de sua pessoa.

Castilho, cego aos 6 anos de idade, recebeu formação clássica e clerical, e um senso de disciplina

que não lhe permitiram penetrar naquilo que o Romantismo possuía de revolucionário: a liberdade de

criação. Não percebeu o sentido real da historia e da relatividade das formas artísticas. Foi um intransigente.

E essa intransigência levou-o a criticar os jovens escritores realistas, fazendo eclodir a Questão Coimbrã.

As observações críticas de Castilho apareceram na carta- posfácio ao Poema da mocidade, do futuro

romancista anticlerical Pinheiro Chagas. As respostas a elas e a polemica que geraram marcaram o inicio

da afirmação do Realismo e comprometeram negativamente Castilho com o que havia de conservador, em

termos artísticos no país.

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A obra de Castilho é bastante grande, mas desprovida de maior valor artístico. Serve como

documento para o estudo do gosto literário durante o romantismo português.

Camilo Castelo Branco

As tensões da obra de Camilo Castelo Branco (1825-1890) têm relação estreita com as

circunstancias observadas ou vivenciadas pelo escritor. Sua escrita, entretanto, é contraditória: ao registrar

esse pólo concreto com o idealismo sentimental que motivou a estética romântica.

A técnica de Camilo é folhetinesca e está relacionada com a expansão do jornalismo. As narrativas

eram publicadas em capítulos que precisavam motivar o leitor a adquirir o capítulo seguinte. A escrita

deveria, então, ser bastante simples, para facilitar o entendimento. A trama deveria enredar emocionalmente

esse leitor, jogando com suas expectativas.

Honoré de Balzac e Eugene Sue foram os modelos dessa escrita. É possível inovar, mesmo

atendendo a necessidades comerciais. E ainda aqui é necessário talento para associar a esquemas narrativos,

já vistos e incorporados ao gosto do público-leitor, formas narrativas inovadoras. Foi o que fez Camilo em

seus textos literários mais significativos; em outros, menos elaborados artisticamente, predominam clichês

e expedientes melodramáticos.

No conjunto, sua obra renovou a escrita literária portuguesa. Atualizou, nas condições específicas

do país, técnicas que tinham grande público, conforme ocorria no contexto europeu. Seu trabalho artístico

renovou a linguagem literária, afastando ou procurando afastar o empolamento retórico. Renovou o

vernáculo castiço e comunicou-se com o grande publico, sem deixar de fazer obra de arte.

Camilo escrevia com facilidade, mas faltou-lhe muitas vezes maior contenção artística. Esta ele

adquiriu em parte em suas últimas produções, quando adquiriu o sentido de rigor artístico perseguido pelo

Realismo.

A parte marcante de sua obra foi a novela. Mas também publicou contos, poesia, teatro,

historiografia, historiografia literária, critica literária, memórias e polemica. Sua produção é vastíssima e

esta entre as maiores das literaturas de língua portuguesa.

Podem ser estabelecidas facilmente relações entre o passionalismo das novelas camilianas e a vida

de seu autor, onde se acumulam paixões e desgraças. Órfão aos dez anos, o futuro escritor voltou-se

apaixonadamente para o mundanismo afim do ultra-romantismo. Fazia parte desse comportamento social

procurar não conter o sentimento ou o instinto: acumulou casos amorosos, com mulheres de todas as

condições sociais, após afastar-se da primeira esposa. Com Ana Plácido, estabilizou-se emocionalmente,

mas o casal foi processado por adultério: ela era casada. Absolvidos, casaram-se mais tarde, após o

falecimento do marido.

Essa exacerbação sentimental foi correlata igualmente a uma existência trágica, com contínuos

problemas econômicos. Escrevia sem parar, pela necessidade de sustentar a família. Foi ainda envolvido

pela morte da primeira esposa e da filha que tivera com ela e pelos problemas dos filhos de seu segundo

casamento. Para culminar, os efeitos da sífilis contraída na juventude intensificaram-se na velhice, quando

já estava praticamente cego. Ao verificar que a cegueira não teria cura, suicidou-se.

A produção novelesca de Camilo foi muito irregular: alternam-se narrativas bem construídas com

outras medíocres. Apesar do romanesco e do repetitivo que encontra em boa parte de sua obra, ele possui

um valor de ordem social: a denúncia dos setores oligárquicos. Ele não aceitava os preconceitos da nobreza

fossilizada, os novos ricos (os brasileiros), os burgueses obcecados pelo dinheiro e o clero venal.

O conjunto das novelas camilianas mostra-se em processo de desenvolvimento, apesar de sua

irregularidade e de seus avanços e recuos estéticos. Presa ao gosto popular, ela oscilou do romantismo a

Herculano para as formas realistas de representação, passando pelo ultra-romantismo que permeia, mais ou

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menos, todas as suas produções. Este é o seu traço distintivo: sua força artística está na novela passional,

onde se situam as produções mais típicas desse escritor.

Anátema (1851) foi o ponto de partida para as produções mais elaboradas de Camilo Castelo Branco.

Nessa novela, a primeira publicada em volume, ele caracterizou a personagem protagonista como satânica.

Era um padre. O escritor estava próximo de tópicos narrativos encontráveis em Alexandre Herculano ou

em Victor Hugo (Notre-Dame de Paris). Em Anátema, é de observar uma concentração de recursos

narrativos que irão aparecer, depois, em outras produções do escritor.

Esquematicamente, essas produções podem ser agrupadas de acordo com a ênfase dada em relação

a determinados temas. Entre as narrativas de mistério ou de terror, à maneira de Eugène Sue, destacam-se

Os mistérios de Lisboa (1854) e Livro negro de padre Dinis (1855). Mais numerosas do dramaturgo

Antonio José da Silva; O santo da montanha (1866), com informações históricas do século XVII; e a série

O regicida (1874), A filha do regicida (1875) e A caveira da mártir (1876), ambientada no tempo de D.

João IV em que se faz denuncia do Estado autoritário e da hipocrisia das instituições.

Amor de perdição (1863) é uma novela paradigmática entre as de assunto passional. Outras novelas

importantes dessa linha temática são Carlota Angela (1858), Amor de Salvação (1864), A doida do Candal

(1867) e O retrato de Ricardina (1868). Nessas narrativas, Camilo seguiu o esquema tradicional do

folhetim: o amor se engrandece em face das dificuldades sociais, tornando-se eterno. É tão grandioso que

não pode ficar restrito ao plano terreno. É um amor fatal, que dá origem ao sofrimento amoroso. É um amor

obsessivo: os heróis são incapazes de pensar em outra coisa, inclusive nas causas sociais que motivam o

conflito que vivenciam. Estas são um dado bruto colocado pelo narrador.

As soluções amorosas do idealismo sentimental das narrativas passionais atenuam-se nas novelas

satíricas, em que Camilo faz critica de costumes. Entre elas, destaca-se Coração, cabeça e estomago (1862)

e A queda dum anjo (1866). Essa linha de maior ênfase sociológica vai ter suas melhores realizações

artísticas nas últimas narrativas publicadas pelo escritor, agora sob relativa influencia do Realismo-

Naturalismo: Eusébio Macário (1879), A corja (1880), A brasileira de Prazins (1882).

A intenção de Camilo, em relação a Eusébio Macário e A corja, era parodiar o método realista, mas

na verdade incorporou-o, afastando-se em boa medida do ultra-romantismo. Continuou afeito às peripécias

romanescas, mas utilizou as novas técnicas de descrição do cotidiano, que já experimentara anteriormente

em As novelas do Minho (1875-1877).

Poetas ultra-românticos

O ultra-romantismo português desenvolveu-se em torno da cidade do Porto e de Coimbra.

Conseguiu-se dar origem a um grande prosador como Camilo Castelo Branco, o mesmo não aconteceu na

poesia. O poeta típico desse momento histórico foi Soares de Passos (Antonio Augusto Soares de Passos,

1826-1860), figura bastante caricaturizada pelos escritores realistas.

Consideravam-no um representante do ultra-romantismo piegas. É de sua autoria o poema mais

executado nos saraus literários da época: “Noivado do Sepulcro” (Poesias, 1855), uma balada funérea,

completamente distante da realidade concreta portuguesa. Viam-na como um modismo importado

desprovido de qualquer sentido artístico. Irritavam-se, ao mesmo tempo, por sua popularidade. O poema

foi declamado e cantado durante muitos anos, quase sempre acompanhado ao piano.

Esses saraus faziam parte da faceta lúdica da burguesia portuguesa, que podia assim fazer suas

“extravagâncias”, imitando o mundanismo parisiense que a atraía. Nestes encontros de fruição artística

notabilizou-se a poetisa Maria Browne (Maria da Felicidade do Couto Browne, 1797- 1861), que assinava

seus poemas com os pseudônimos de “Coruja Trovadora” e “Sóror Dolores”. Tornou-se conhecida por seu

envolvimento amoroso com Camilo Castelo Branco.

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Julio Dinis

A obra de Júlio Dinis (pseudônimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, 1839-1871) contribui

para a circulação de hábitos ingleses que influíram na formação da consciência da classe média portuguesa.

Esse conjunto de atitudes, marcante no período liberal, contrapõem-se aos padrões tradicionais,

identificados com uma situação pré-capitalista, dos setores agrários do país.

A produção literária de Júlio Dinis pode ser situada como de transição para o Realismo. Ele se

afastou do passionalismo ultra-romântico, apresentando os conflitos vivenciados por seus personagens de

forma analítica. A solução desses conflitos foi procurada na recorrência a questões de ordem sócio-

econômica. Aparecia em suas produções um ideal de contenção e racionalidade que deveria ser levado para

todos os campos de atividade humana.

O processo de educação do futuro escritor baseou-se nos padrões ingleses (seus avós maternos eram

britânicos), de caráter liberal- burguês. Desenvolveu seu sentido de observação da realidade no curso de

Medicina da cidade do Porto. Concluído, chegou a lecionar nessa escola por curto período. Vítima de

tuberculose, o médico-escritor foi obrigado a se afastar dessas atividades, morrendo logo depois, aos 32

anos de idade.

A obra de Júlio Dinis divide-se entre o romance (As pupilas do senhor reitor, 1867); Uma família

inglesa, 1868; A morgadinha dos canaviais, 1868; Os fidalgos da casa mourisca, 1871), novela (Serões de

província, 1870), poesia (Poesias, 1873), teatro (Um rei popular, 1858; Um segredo de família, 1860) e

Inéditos e esparsos, 1910.

Suas produções correspondem às aspirações das classes médias identificadas com o regime político

da Regeneração. Todas as tensões sociais poderiam ser equacionadas por meio da democracia liberal: o rico

poderia associar-se harmonicamente com o pobre; dependeria apenas de sua aplicação e de seu trabalho.

Todos os conflitos poderiam ser resolvidos à luz da razão, da técnica e da ciência, inclusive os sentimentais.

Não se registra, assim, o passionalismo de Camilo Castelo Branco, que coloca frequentemente

barreiras sociais intransponíveis para seus heróis; estas poderiam agora ser removidas por meio da razão e

do trabalho. Não haveria, além disso, possibilidade de uma solução meramente sentimental: o amor aparece

correlacionado com outras atividades humanas e é indissociável delas.

O idealismo de Júlio Dinis fez com que ele viesse a realidade como que formada de estratos sociais

intercambiáveis. E, através desse idealismo, construiu suas narrativas procurando estabelecer fusão de

classes e faixas sociais através dos amores e do casamento com perspectivas otimistas de futuro, e as

complicações armadas no presente dos acontecimentos deixam no leitor a grata sensação de que todos os

males têm remédio e a ventura é a razão final de tudo.

Consequentemente, os heróis e heroínas são sensíveis, afetivos, diligentes, religiosos, movidos do

respeito por si mesmos e esclarecidos pela razão, e buscas, pelo domínio de si próprios, chegar às formas

de vida exigidas por uma constituição e pelas condições do seu estado social.

Julio Dinis situou-se nos limites da consciência possível da classe média reformista de seu tempo,

que o escritor não ultrapassou.

João de Deus

A poética de João de Deus (João Ramos de Deus, 1830-1896) inseriu-se numa perspectiva popular.

Atualizaram, em uma situação de transição do Romantismo para o Realismo, formas poéticas tradicionais,

que remontam ao cancioneiro medieval. Revigorou, dessa forma, essa tradição lírica, afastando-se ao

mesmo tempo dos clichês literários do ultra-romantismo.

Suas melhores produções evidenciam certo rigor estrutural, a par da singeleza popular, conforme

podemos observar no poema “Alma Perdida” da coletânea Campo de flores:

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DEUS CRIA AS ALMAS AOS PARES

Cada um dos seus olhares

É um casal que voou:

Às vezes cruzam nos ares

Essas pombinhas o vôo...

Mas Deus criou-as aos pares!

Partindo juntas de um ponto

Cuidam também que de pronto

Se tornam a ajuntar;

Mas andam almas sem conto

No mundo à busca de par...

Partindo juntas de um ponto!

MEIA FÁBULA

Disse um tigre mosqueado

A um pobre cordeirinho

_ Tu andas muito arriscado

Por estes vales sozinho.

Queres ser meu aliado?

“Mas dize-me: esse focinho

Parece-me ensangüentado!...”

_ É sangue de um desvairado

Que se julgava adivinho,

Que se julgava inspirado.

“E devoraste-o?... Coitado!”

O pobre do cordeirinho

Foi andando de mansinho,

Foi andando disfarçado

E dizendo, horrorizado:

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“Com semelhante malvado,

Meu pobre velo nevando...

Meu pobre velo de arminho!”

E não quis ser aliado

1. Explique o contexto político e social no qual se desenvolveu o Romantismo em Portugal.

2. Por que podemos afirmar que as origens do Romantismo está associada a uma democratização da cultura?

3. Onde ocorreram as primeiras manifestações literárias do Romantismo?

4. Quais eram as inovações provocadas por estas primeiras manifestações do ponto de vista literário?

5. E quais foram as conseqüências do ponto de vista social?

6. De que forma essas manifestações literárias foram influenciadas pela Revolução Francesa?

7. Quais foram as conseqüências dessa nova forma de ver o mundo?

8. Quais são as duas faces do individualismo e de que forma elas se manifestavam?

9. Por qual motivo poderíamos afirmar que o Romantismo constituiu um modo de produção artística e também

um modo de pensar a vida?

10. E quais foram as novas formas de expressão que surgiram a partir desse novo modo de produção artística

e de pensar a vida?

11. Quais foram os escritores mais ativos do Romantismo em Portugal e que tipo de atividades eles

desenvolveram?

12. A que fase ou momento do Romantismo português esses escritores estavam ligados? E qual era o objetivo

desse momento?

13. Em que data e qual obra iniciou o Romantismo em Portugal?

14. Apesar de considerarmos que as bases sociais e ideológicas do Romantismo português foram muito fracas,

podemos afirmar que o movimento foi bastante importante para a evolução estética da literatura portuguesa.

Por quê?