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Romantismo em Portugal
O Romantismo português, como ocorreu nos demais países europeus, esteve associado ao
desenvolvimento da imprensa e à afirmação social de um novo público-leitor: o burguês. As produções
literárias não seguiam padrões clássicos, de ideologia aristocrática, para o qual não existia processo
histórico. Para o novo público, tudo é relativo e está em contínua transformação. Não lhe interessavam
padrões clássicos, mas a novidade normalmente veiculada pelos jornais.
Os escritores mais ativos do Romantismo em Portugal desenvolveram atividades jornalísticas e
contribuíram, uns mais, outros menos, para a afirmação do liberalismo no país. Três escritores se
destacaram na implantação desse movimento: Garrett, Herculano e Castilho. Constituem o primeiro
momento do Romantismo, com produções ainda ligadas ao neoclassicismo.
Garrett foi inicialmente o escritor mais ativo do grupo, inclusive politicamente era o mais radical.
Herculano, mais moderado, secundou-o: sua importância vai se fazer sentir gradativamente e marcará os
últimos anos de sua vida, quando afirmou-se o movimento realista. Castilho, personalidade contraditória,
colocou-se como romântico, embora suas produções mostrem traços neoclássicos. Sua ação vai exercer-se
mais no campo pedagógico e jornalístico, do que propriamente no desenvolvimento da arte romântica.
Camões (1825), de Almeida Garrett, foi o marco inicial do Romantismo português. O novo gosto
literário, entretanto, só veio a solidificar-se com o decorrer da década de 1830. Foi desse período A voz do
profeta (1836), de Alexandre Herculano, época em que apareceram as primeiras traduções de Walter Scott.
A democratização da arte não ficou restrita à poesia e à prosa de ficção: atingiu também o teatro. Garrett
foi designado pelo governo para reformar o teatro português, estimulando o aparecimento do autor nacional.
O segundo momento do Romantismo coexistiu com o primeiro e com o terceiro, de transição para
o Realismo. Foi uma arte que oscilou entre o medievalismo de um grupo de poetas de Coimbra e o ultra-
romantismo desenvolvido também nessa cidade e mais acentuadamente no Porto (décadas de 1840 e 1850).
Destacou-se, nessa segunda etapa, a obra de Camilo Castelo Branco, basicamente ultra-romântica, mas que
já apresenta observações da realidade de um realista. Sua obra situou-se entre as mais características da
literatura portuguesa. A poesia desse período tem valor menor. Apenas para referência histórica, podemos
citar o nome de Soares de Passos.
Dois escritores da estética romântica das décadas de 1850 a 1860 foram particularmente
significativos para marcar o período da monarquia constitucional da Regeneração. Na prosa, Júlio Dinis,
escritor fundamental para o registro de traços da consciência coletiva da classe média dessa época; na
poesia, João de Deus, com alguns poemas em que já aparecem críticas à venalidade do regime político
regenerador.
A base social do Romantismo português foi muito fraca; mais fraca ainda a ideológica. Os escritores
mais combativos, como Garrett, ainda estão sob influencia do Iluminismo neoclássico. Em razão desses
fatos, esses autores apresentam publicações com inovações ainda tímidas, se comparadas com as dos países
europeus centrais.
O movimento, entretanto, foi bastante importante para a evolução estética da literatura portuguesa.
A despeito da incorporação de repertórios de escritores europeus (sobretudo de Chateaubriand, Walter Scott
e Victor Hugo), atualizou-se, dentro de um contexto popular e democrático, a tradição literária mais
significativa do país. Se as produções não foram tão originais ou contundentes como as da Europa
desenvolvida, isso se deveu às associações de um imaginário burguês ainda muito ligado ao campo. Os
setores mais atrevidos eram os do comércio. Faltou ao país uma efetiva revolução industrial.
. : : . : : . Estudo Dirigido - Romantismo. : : . . : : .
A situação de dependência do imperialismo, em especial da Inglaterra, trouxe o atraso econômico e
não tornou possível a constituição de um público leitor mais significativo. Mais de 80% da população
continuava analfabeta e concentrada sobretudo no campo.
Almeida Garrett
É possível estabelecer-se simetrias entre a vida e a obra de Almeida Garrett (João Baptista da Silva
Leitão de Almeida Garrett, 1799-1854): suas produções literárias revelam, na forma e no conteúdo, as
tensões ideológicas em que se debateu. E as contradições de sua personalidade, no que ela possuía de
conservadora e de revolucionária.
Garrett formou-se dentro do Arcadismo, identificando-se com a corrente iluminista de esquerda. Foi
dessa época o poema “O Retrato de Vênus” (1822), que escandalizou setores reacionários ligados à Igreja.
O poeta foi acusado de materialista e de obsceno; julgado, foi absolvido. Pouco antes (1821), fizera
representar a tragédia Catão, com algumas menções ao movimento revolucionário português.
Nessas produções, Garrett afastou-se da educação religiosa que recebera. Estava, então, próxima da
poética defendida pelo neoclássico Filinto Elísio, que morreu exilado em Paris (1819), vítima do
absolutismo monárquico. Essas produções situaram-se, igualmente, como concretização artística dos ideais
liberais e revolucionários que ele havia encontrado participou dos movimentos políticos de seu tempo,
defendendo os princípios da Revolução Liberal (1820).
Garrett considerava o Arcadismo um movimento revolucionário, em oposição ao gongorismo
barroco. Sua inclinação para o Romantismo não foi radical: alinhou-se entre os escritores sociais que
estabeleceram uma linha de continuidade entre os ideais libertários do Iluminismo e do Romantismo. Não
há ruptura acentuada entre suas produções catalogadas dentro do Arcadismo e do Romantismo.
A incorporação da técnica romântica esteve associada à leitura de escritores ingleses dessa tendência
literária, a partir de seu exílio em 1823. A contra-revolução absolutista chefiada por D. Miguel perseguiu
os liberais portugueses e forçou-os ao exílio. Garrett tentou voltar clandestinamente, mas foi deportado em
seguida a sua entrada no país.
Na Inglaterra, Garrett escreveu os poemas longos Camões e D. Branca, publicados em 1825 e 1826,
respectivamente, em Paris. Camões é considerado o primeiro texto do Romantismo português, apesar de
suas formas neoclássicas.
Garrett permaneceu preso aos modelos antigos, atitude própria do neoclassicismo. Ela não se
aventura para a chamada “espontaneidade criativa”, um dos traços básicos da escrita romântica. Há, além
disso, um universalismo épico, que contrasta com o individualismo romântico, como podemos verificar no
desfecho de Camões:
“_ Oh! Consolar-me exclama, e das mãos tremulas
A epístola fatal lhe cai: _ Perdido
É tudo pois! (...) No peito a voz lhe fica;
E do tamanho golpe amortecido
Inclina a frente (...) como se passara,
Fecha languidamente os olhos tristes.
Ansiado o nobre conde se aproxima
Do leito (...) Ai! Tarde vens, auxilio do homem.
Os olhos turvos para o céu levanta;
E já no arranco extremo: _ Pátria, ao menos
Juntos morremos (...) E expirou côa pátria”
A ação do poema desenvolve-se em torno de um exilado que volta à pátria e vai morrer com ela. Se
aparecem certos ingredientes românticos – como a bondade natural (Rousseau) ou o individualismo
melancólico de Byron – eles são tênues em comparação com o universalismo de suas personagens. No
exemplo, o destino do herói identifica-se com o da pátria. Ele não tem individualidade própria: suas ações
são modeladas pela voz do poeta, faltando-lhe uma dimensão interior e maior individualidade.
Em 1826, Garrett retornou a Portugal para dedicar-se ao jornalismo: engajou-se diretamente na luta
liberal. Perseguido politicamente, foi obrigado a retornar ao antigo exílio, na Inglaterra. Foi dessa época o
inicio dos estudos dos romances populares portugueses, que vem desde a Idade Média. Politicamente,
Garrett procurou aproximar-se dos monarquistas liberais. Em 1831, fundou em Londres o jornal O
Precursor, em que defendia a união dos liberais em torno de D. Pedro IV (D. Pedro I, no Brasil), que havia
abdicado do trono brasileiro.
Garrett participou, logo depois, das expedições militares contra o absolutismo miguelista em
companhia de um jovem amigo, Alexandre Herculano. Iniciou nesta época a escrita do romance histórico
O arco de Santana (publicado, posteriormente, em 1845). Nota-se nesta e em outras produções do escritor
nítida presença de repertórios literários de Walter Scott. Continuou ainda a pesquisar os romances
tradicionais portugueses, para publicar mais tarde o Romanceiro (1851).
Com a vitória liberal, Garrett dedicou-se à diplomacia. Demitido do cargo de cônsul na Bélgica,
voltou a Portugal. Divorciou-se de sua esposa, teve várias paixões amorosas. Tornou-se um dos intelectuais
do regime liberal: em 1836, foi encarregado de fundar e organizar um teatro nacional; em 1837, foi eleito
deputado. No ano seguinte, publicou a primeira peça teatral romântica portuguesa: Um auto de Gil Vicente.
Em 1841, na oposição, escreveu O alfageme de Santarém, publicado no ano seguinte. Com o
aumento das tensões políticas, viu-se ainda obrigado a exilar-se, por pouco tempo, na embaixada do Brasil,
em 1844. No ano anterior iniciara a publicação de uma das principais narrativas do Romantismo português:
Viagens na minha terra, 1846.
A perspectiva seguida por Garrett nas Viagens na Minha terra foi bastante popular. Denunciou a
oligarquia português, ou seja, os barões e os frades.
A obra prima do teatro romântico português foi Frei Luis de Souza, publicada em 1844; em 1845,
escreveu Os exilados, em defesa dos perseguidos políticos portugueses. Iniciou-se, nesta época, seu
relacionamento amoroso com a viscondessa da Luz (Rosa Maria Montúfar Barreiros), que lhe inspirou os
poemas de Folhas Caídas, 1853:
ESTE INFERNO DE AMAR
Este inferno de amar – como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma, quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida – e que, a vida destrói-
Como é que se veio a atear,
Quando – ai quando se há de apagar?
Eu não sei, não me lembra o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... – foi um sonho –
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! Que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de Amim! Despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seu olhos ardentes os pus.
Que fez ela? Eu que fiz? – não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...
Os poemas, como acontecera nas Viagens na minha terra, foram construídos a partir da observação
e da vivencia da realidade atual. São os mais românticos do poeta e os mais próximos de sua vida afetiva.
Garrett, a essa altura, já estava longe da combatividade política de sua juventude e maturidade. Com
a eclosão do movimento político da Regeneração (1851), ele veio a assumir importantes funções políticas,
adotando posições conciliadoras entre liberais e absolutistas.
Alexandre Herculano
A projeção de Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo, 1810-1877, na história de seu país fez-
se, como em Garrett, simultaneamente como cidadão e como escritor. Foi menos radical, um liberal
moderado, mas bastante coerente em suas posições políticas. Não registrou as oscilações de Garrett, que
veio a comprometer-se com o poder político em várias ocasiões. Ao contrário, sua conduta evoluiu
gradativamente para posições de sentido mais democrático, com preocupações sociais.
As produções de Herculano obedeceram ao principio romântico de busca da realidade ideal para o
país, mediante a reconstituição das formas sociais mais significativas de sua história: nela encontrariam os
modelos a serem desenvolvidos. A esse historicismo, que veio inicialmente das leituras de Chateaubriand
em sua infância, deve ser acrescentado, depois, o romantismo histórico e social de Walter Scott e de Victor
Hugo.
Na ficção histórica, Herculano publicou O bobo (1843), onde aparecia a formação de Portugal, em
meio a uma intriga romântica; Eurico, o presbítero (1844), que registrou a situação histórica sob o domínio
mouro e que colocou criticamente a questão do celibato clerical; O monge de Cister (1841), que marcou o
momento histórico da centralização política monárquica. A documentação, para a reconstituição do
passado, constituiu valioso material para a sua História de Portugal (1846) e a História da origem e
estabelecimento da Inquisição em Portugal.
Outras produções de Alexandre Herculano são o conto Lendas e narrativas, 1851; a poesia Poesias,
1850; o ensaísmo crítico Opúsculos; a coleção documental Portugaliae Monumenta Histórica, publicação
iniciada por Herculano em 1856 e ainda não completada, etc.
A historiografia de Herculano foi profundamente revolucionária para a época. Colocou-se contra a
intervenção de fatores místicos ou lendários na história de seu país. Valorizou, por outro lado, a intervenção
das classes sociais, comprovando seus pontos de vista por meio de valiosa documentação. Suas
insuficiências estão no excessivo peso que deu aos fatores jurídico-intitucionais.
A objetividade do método histórico de Herculano motivou grandes resistências por parte dos
conservadores. Entre elas está a polêmica em torno da batalha de Ourique, importante para a formação da
nacionalidade. Os tradicionalistas viam na vitória portuguesa uma intervenção divina e exageravam as
forças inimigas. Herculano colocou-a em seu devido lugar, reduzindo-a a um confronto sem nada de
espetacular ou excepcional.
A partir dessa polemica, afirmou-se a face contestatória de Herculano (1850), preocupado agora
com a situação social de seu país e da Europa. Tornou-se cada vez mais um escritor combativo,
apresentando em sua prática confluências com o pensamento político, social e econômico da geração
realista de 1870. Como eles, pretendia uma ampla reforma das instituições e colocava-se contra a crescente
concentração da riqueza em mãos de uma oligarquia associada ao clero. Defendeu ardentemente o
municipalismo, forma administrativa de oposição ao centralismo burocrático imposto pelos grupos sociais
dominantes.
Sua perspectiva é liberal-burguesa, com pontos de contato com o “socialismo utópico” reformista
defendido pela geração realista. Defendia a liberdade de pensamento e reagiu contra a proibição das
Conferências do Cassino (1871). Defendeu ainda o casamento civil, a separação da Igreja dos negócios
civis e a não introdução no país das ordens religiosas.
Alexandre Herculano, embora colocando-se contra o clero reacionário, mostrou-se um cristão. Não
chegou ao anticlericalismo dos realistas portugueses. Encontra-se, em suas narrativas históricas, uma
religiosidade mística; em seus poemas, essa religiosidade alterna-se com certo panfletarismo, de forma
contraditória. Tal contradição é visível nos próprios títulos de suas primeiras coletâneas, A harpa do crente
(1838) e A cruz mutilada (1849), reunidas posteriormente em Poesias (1850).
Castilho
O nome de Antonio Feliciano de Castilho (1800-1870) está associado à introdução do Romantismo
em Portugal e à perda da hegemonia dessa tendência literária pelo Realismo. Castilho, apesar de divulgador
da nova corrente literária, foi um conservador: procurou tornar acadêmico, de acordo com uma forma de
pensamento neoclássico, o que o Romantismo possuía de transformador. Perseguiu-o o ideal de moderação,
com que atenuava a inovação artística dos escritores que gravitavam em torno de sua pessoa.
Castilho, cego aos 6 anos de idade, recebeu formação clássica e clerical, e um senso de disciplina
que não lhe permitiram penetrar naquilo que o Romantismo possuía de revolucionário: a liberdade de
criação. Não percebeu o sentido real da historia e da relatividade das formas artísticas. Foi um intransigente.
E essa intransigência levou-o a criticar os jovens escritores realistas, fazendo eclodir a Questão Coimbrã.
As observações críticas de Castilho apareceram na carta- posfácio ao Poema da mocidade, do futuro
romancista anticlerical Pinheiro Chagas. As respostas a elas e a polemica que geraram marcaram o inicio
da afirmação do Realismo e comprometeram negativamente Castilho com o que havia de conservador, em
termos artísticos no país.
A obra de Castilho é bastante grande, mas desprovida de maior valor artístico. Serve como
documento para o estudo do gosto literário durante o romantismo português.
Camilo Castelo Branco
As tensões da obra de Camilo Castelo Branco (1825-1890) têm relação estreita com as
circunstancias observadas ou vivenciadas pelo escritor. Sua escrita, entretanto, é contraditória: ao registrar
esse pólo concreto com o idealismo sentimental que motivou a estética romântica.
A técnica de Camilo é folhetinesca e está relacionada com a expansão do jornalismo. As narrativas
eram publicadas em capítulos que precisavam motivar o leitor a adquirir o capítulo seguinte. A escrita
deveria, então, ser bastante simples, para facilitar o entendimento. A trama deveria enredar emocionalmente
esse leitor, jogando com suas expectativas.
Honoré de Balzac e Eugene Sue foram os modelos dessa escrita. É possível inovar, mesmo
atendendo a necessidades comerciais. E ainda aqui é necessário talento para associar a esquemas narrativos,
já vistos e incorporados ao gosto do público-leitor, formas narrativas inovadoras. Foi o que fez Camilo em
seus textos literários mais significativos; em outros, menos elaborados artisticamente, predominam clichês
e expedientes melodramáticos.
No conjunto, sua obra renovou a escrita literária portuguesa. Atualizou, nas condições específicas
do país, técnicas que tinham grande público, conforme ocorria no contexto europeu. Seu trabalho artístico
renovou a linguagem literária, afastando ou procurando afastar o empolamento retórico. Renovou o
vernáculo castiço e comunicou-se com o grande publico, sem deixar de fazer obra de arte.
Camilo escrevia com facilidade, mas faltou-lhe muitas vezes maior contenção artística. Esta ele
adquiriu em parte em suas últimas produções, quando adquiriu o sentido de rigor artístico perseguido pelo
Realismo.
A parte marcante de sua obra foi a novela. Mas também publicou contos, poesia, teatro,
historiografia, historiografia literária, critica literária, memórias e polemica. Sua produção é vastíssima e
esta entre as maiores das literaturas de língua portuguesa.
Podem ser estabelecidas facilmente relações entre o passionalismo das novelas camilianas e a vida
de seu autor, onde se acumulam paixões e desgraças. Órfão aos dez anos, o futuro escritor voltou-se
apaixonadamente para o mundanismo afim do ultra-romantismo. Fazia parte desse comportamento social
procurar não conter o sentimento ou o instinto: acumulou casos amorosos, com mulheres de todas as
condições sociais, após afastar-se da primeira esposa. Com Ana Plácido, estabilizou-se emocionalmente,
mas o casal foi processado por adultério: ela era casada. Absolvidos, casaram-se mais tarde, após o
falecimento do marido.
Essa exacerbação sentimental foi correlata igualmente a uma existência trágica, com contínuos
problemas econômicos. Escrevia sem parar, pela necessidade de sustentar a família. Foi ainda envolvido
pela morte da primeira esposa e da filha que tivera com ela e pelos problemas dos filhos de seu segundo
casamento. Para culminar, os efeitos da sífilis contraída na juventude intensificaram-se na velhice, quando
já estava praticamente cego. Ao verificar que a cegueira não teria cura, suicidou-se.
A produção novelesca de Camilo foi muito irregular: alternam-se narrativas bem construídas com
outras medíocres. Apesar do romanesco e do repetitivo que encontra em boa parte de sua obra, ele possui
um valor de ordem social: a denúncia dos setores oligárquicos. Ele não aceitava os preconceitos da nobreza
fossilizada, os novos ricos (os brasileiros), os burgueses obcecados pelo dinheiro e o clero venal.
O conjunto das novelas camilianas mostra-se em processo de desenvolvimento, apesar de sua
irregularidade e de seus avanços e recuos estéticos. Presa ao gosto popular, ela oscilou do romantismo a
Herculano para as formas realistas de representação, passando pelo ultra-romantismo que permeia, mais ou
menos, todas as suas produções. Este é o seu traço distintivo: sua força artística está na novela passional,
onde se situam as produções mais típicas desse escritor.
Anátema (1851) foi o ponto de partida para as produções mais elaboradas de Camilo Castelo Branco.
Nessa novela, a primeira publicada em volume, ele caracterizou a personagem protagonista como satânica.
Era um padre. O escritor estava próximo de tópicos narrativos encontráveis em Alexandre Herculano ou
em Victor Hugo (Notre-Dame de Paris). Em Anátema, é de observar uma concentração de recursos
narrativos que irão aparecer, depois, em outras produções do escritor.
Esquematicamente, essas produções podem ser agrupadas de acordo com a ênfase dada em relação
a determinados temas. Entre as narrativas de mistério ou de terror, à maneira de Eugène Sue, destacam-se
Os mistérios de Lisboa (1854) e Livro negro de padre Dinis (1855). Mais numerosas do dramaturgo
Antonio José da Silva; O santo da montanha (1866), com informações históricas do século XVII; e a série
O regicida (1874), A filha do regicida (1875) e A caveira da mártir (1876), ambientada no tempo de D.
João IV em que se faz denuncia do Estado autoritário e da hipocrisia das instituições.
Amor de perdição (1863) é uma novela paradigmática entre as de assunto passional. Outras novelas
importantes dessa linha temática são Carlota Angela (1858), Amor de Salvação (1864), A doida do Candal
(1867) e O retrato de Ricardina (1868). Nessas narrativas, Camilo seguiu o esquema tradicional do
folhetim: o amor se engrandece em face das dificuldades sociais, tornando-se eterno. É tão grandioso que
não pode ficar restrito ao plano terreno. É um amor fatal, que dá origem ao sofrimento amoroso. É um amor
obsessivo: os heróis são incapazes de pensar em outra coisa, inclusive nas causas sociais que motivam o
conflito que vivenciam. Estas são um dado bruto colocado pelo narrador.
As soluções amorosas do idealismo sentimental das narrativas passionais atenuam-se nas novelas
satíricas, em que Camilo faz critica de costumes. Entre elas, destaca-se Coração, cabeça e estomago (1862)
e A queda dum anjo (1866). Essa linha de maior ênfase sociológica vai ter suas melhores realizações
artísticas nas últimas narrativas publicadas pelo escritor, agora sob relativa influencia do Realismo-
Naturalismo: Eusébio Macário (1879), A corja (1880), A brasileira de Prazins (1882).
A intenção de Camilo, em relação a Eusébio Macário e A corja, era parodiar o método realista, mas
na verdade incorporou-o, afastando-se em boa medida do ultra-romantismo. Continuou afeito às peripécias
romanescas, mas utilizou as novas técnicas de descrição do cotidiano, que já experimentara anteriormente
em As novelas do Minho (1875-1877).
Poetas ultra-românticos
O ultra-romantismo português desenvolveu-se em torno da cidade do Porto e de Coimbra.
Conseguiu-se dar origem a um grande prosador como Camilo Castelo Branco, o mesmo não aconteceu na
poesia. O poeta típico desse momento histórico foi Soares de Passos (Antonio Augusto Soares de Passos,
1826-1860), figura bastante caricaturizada pelos escritores realistas.
Consideravam-no um representante do ultra-romantismo piegas. É de sua autoria o poema mais
executado nos saraus literários da época: “Noivado do Sepulcro” (Poesias, 1855), uma balada funérea,
completamente distante da realidade concreta portuguesa. Viam-na como um modismo importado
desprovido de qualquer sentido artístico. Irritavam-se, ao mesmo tempo, por sua popularidade. O poema
foi declamado e cantado durante muitos anos, quase sempre acompanhado ao piano.
Esses saraus faziam parte da faceta lúdica da burguesia portuguesa, que podia assim fazer suas
“extravagâncias”, imitando o mundanismo parisiense que a atraía. Nestes encontros de fruição artística
notabilizou-se a poetisa Maria Browne (Maria da Felicidade do Couto Browne, 1797- 1861), que assinava
seus poemas com os pseudônimos de “Coruja Trovadora” e “Sóror Dolores”. Tornou-se conhecida por seu
envolvimento amoroso com Camilo Castelo Branco.
Julio Dinis
A obra de Júlio Dinis (pseudônimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, 1839-1871) contribui
para a circulação de hábitos ingleses que influíram na formação da consciência da classe média portuguesa.
Esse conjunto de atitudes, marcante no período liberal, contrapõem-se aos padrões tradicionais,
identificados com uma situação pré-capitalista, dos setores agrários do país.
A produção literária de Júlio Dinis pode ser situada como de transição para o Realismo. Ele se
afastou do passionalismo ultra-romântico, apresentando os conflitos vivenciados por seus personagens de
forma analítica. A solução desses conflitos foi procurada na recorrência a questões de ordem sócio-
econômica. Aparecia em suas produções um ideal de contenção e racionalidade que deveria ser levado para
todos os campos de atividade humana.
O processo de educação do futuro escritor baseou-se nos padrões ingleses (seus avós maternos eram
britânicos), de caráter liberal- burguês. Desenvolveu seu sentido de observação da realidade no curso de
Medicina da cidade do Porto. Concluído, chegou a lecionar nessa escola por curto período. Vítima de
tuberculose, o médico-escritor foi obrigado a se afastar dessas atividades, morrendo logo depois, aos 32
anos de idade.
A obra de Júlio Dinis divide-se entre o romance (As pupilas do senhor reitor, 1867); Uma família
inglesa, 1868; A morgadinha dos canaviais, 1868; Os fidalgos da casa mourisca, 1871), novela (Serões de
província, 1870), poesia (Poesias, 1873), teatro (Um rei popular, 1858; Um segredo de família, 1860) e
Inéditos e esparsos, 1910.
Suas produções correspondem às aspirações das classes médias identificadas com o regime político
da Regeneração. Todas as tensões sociais poderiam ser equacionadas por meio da democracia liberal: o rico
poderia associar-se harmonicamente com o pobre; dependeria apenas de sua aplicação e de seu trabalho.
Todos os conflitos poderiam ser resolvidos à luz da razão, da técnica e da ciência, inclusive os sentimentais.
Não se registra, assim, o passionalismo de Camilo Castelo Branco, que coloca frequentemente
barreiras sociais intransponíveis para seus heróis; estas poderiam agora ser removidas por meio da razão e
do trabalho. Não haveria, além disso, possibilidade de uma solução meramente sentimental: o amor aparece
correlacionado com outras atividades humanas e é indissociável delas.
O idealismo de Júlio Dinis fez com que ele viesse a realidade como que formada de estratos sociais
intercambiáveis. E, através desse idealismo, construiu suas narrativas procurando estabelecer fusão de
classes e faixas sociais através dos amores e do casamento com perspectivas otimistas de futuro, e as
complicações armadas no presente dos acontecimentos deixam no leitor a grata sensação de que todos os
males têm remédio e a ventura é a razão final de tudo.
Consequentemente, os heróis e heroínas são sensíveis, afetivos, diligentes, religiosos, movidos do
respeito por si mesmos e esclarecidos pela razão, e buscas, pelo domínio de si próprios, chegar às formas
de vida exigidas por uma constituição e pelas condições do seu estado social.
Julio Dinis situou-se nos limites da consciência possível da classe média reformista de seu tempo,
que o escritor não ultrapassou.
João de Deus
A poética de João de Deus (João Ramos de Deus, 1830-1896) inseriu-se numa perspectiva popular.
Atualizaram, em uma situação de transição do Romantismo para o Realismo, formas poéticas tradicionais,
que remontam ao cancioneiro medieval. Revigorou, dessa forma, essa tradição lírica, afastando-se ao
mesmo tempo dos clichês literários do ultra-romantismo.
Suas melhores produções evidenciam certo rigor estrutural, a par da singeleza popular, conforme
podemos observar no poema “Alma Perdida” da coletânea Campo de flores:
DEUS CRIA AS ALMAS AOS PARES
Cada um dos seus olhares
É um casal que voou:
Às vezes cruzam nos ares
Essas pombinhas o vôo...
Mas Deus criou-as aos pares!
Partindo juntas de um ponto
Cuidam também que de pronto
Se tornam a ajuntar;
Mas andam almas sem conto
No mundo à busca de par...
Partindo juntas de um ponto!
MEIA FÁBULA
Disse um tigre mosqueado
A um pobre cordeirinho
_ Tu andas muito arriscado
Por estes vales sozinho.
Queres ser meu aliado?
“Mas dize-me: esse focinho
Parece-me ensangüentado!...”
_ É sangue de um desvairado
Que se julgava adivinho,
Que se julgava inspirado.
“E devoraste-o?... Coitado!”
O pobre do cordeirinho
Foi andando de mansinho,
Foi andando disfarçado
E dizendo, horrorizado:
“Com semelhante malvado,
Meu pobre velo nevando...
Meu pobre velo de arminho!”
E não quis ser aliado
1. Explique o contexto político e social no qual se desenvolveu o Romantismo em Portugal.
2. Por que podemos afirmar que as origens do Romantismo está associada a uma democratização da cultura?
3. Onde ocorreram as primeiras manifestações literárias do Romantismo?
4. Quais eram as inovações provocadas por estas primeiras manifestações do ponto de vista literário?
5. E quais foram as conseqüências do ponto de vista social?
6. De que forma essas manifestações literárias foram influenciadas pela Revolução Francesa?
7. Quais foram as conseqüências dessa nova forma de ver o mundo?
8. Quais são as duas faces do individualismo e de que forma elas se manifestavam?
9. Por qual motivo poderíamos afirmar que o Romantismo constituiu um modo de produção artística e também
um modo de pensar a vida?
10. E quais foram as novas formas de expressão que surgiram a partir desse novo modo de produção artística
e de pensar a vida?
11. Quais foram os escritores mais ativos do Romantismo em Portugal e que tipo de atividades eles
desenvolveram?
12. A que fase ou momento do Romantismo português esses escritores estavam ligados? E qual era o objetivo
desse momento?
13. Em que data e qual obra iniciou o Romantismo em Portugal?
14. Apesar de considerarmos que as bases sociais e ideológicas do Romantismo português foram muito fracas,
podemos afirmar que o movimento foi bastante importante para a evolução estética da literatura portuguesa.
Por quê?