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Historicamente, a mais recuada manifestação, ocor rida durante a fase do Brasil-Colônia, em favor de nossa autono- mia polfticr3, foi a chamada Revolta de que eclodiu em 1 1684, motivada sobretudo, pela exploracão tributária, imposta la Metrõpole. Manoel Beckman (1630-1685) era portugues, radica- do no Maranhão, sendo escolhido para liderar a Revolta, contra a atuação dos jesuítas e do governo local, que acabou sendo depos- to. A Revolta, porém, fracassou, sendo Beckmen condenado à forca em Portugal; esse lfder revolucionário, considerado o pioneiro 1 de nossa independência, não tinha, entretanto, um programa defi- nido de governo, nem de regime polftico, isto monãrquico ou 1 republicano. Enquanto os ideais republicanos se propagaram pe- la AmP.rica Espanhola, desde principias do Século XIX, em feitos/ gloriosos, na epopêia em que se destacaram Simôn Bolivar e Jose/ de San verificou-se no Brasil um movimento local: a RevQ lucão Pernambucana (1817), em que se distinguiu a figura de José Inácio Ribeiro de Abreu Lima, conhecido como Padre Roma; apõs a vitória do movimento sedicios8 no Recife, ele recebeu a missão I de sublevar as provfnclas de Alagoas e da Bahia. Todavia, depois de cumprir parte de sua missão, foi preso ao desembarcar em Sal- vador, tendo sido logo em seguida sumariamente fuzilado no Campo da Pólvora, por determinação do conde dos Arcos. Alguns dos participantes desse movimento heróico/ se reorganizaram depois, constituindo a chamada Confederação do Equador, que se alastrou pelas provincias vizinhas de Pernambuco 0

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Historicamente, a mais recuada manifestação, ocor

rida durante a fase do Brasil-Colônia, em favor de nossa autono­

mia polfticr3, foi a chamada Revolta de Beckman~ que eclodiu em 1

1684, motivada sobretudo, pela exploracão tributária, imposta p~

la Metrõpole.

Manoel Beckman (1630-1685) era portugues, radica­

do no Maranhão, sendo escolhido para liderar a Revolta, contra a

atuação dos jesuítas e do governo local, que acabou sendo depos­

to. A Revolta, porém, fracassou, sendo Beckmen condenado à forca

em Portugal; esse lfder revolucionário, considerado o pioneiro 1

de nossa independência, não tinha, entretanto, um programa defi­

nido de governo, nem de regime polftico, isto ~~ monãrquico ou 1

republicano.

Enquanto os ideais republicanos se propagaram pe­

la AmP.rica Espanhola, desde principias do Século XIX, em feitos/

gloriosos, na epopêia em que se destacaram Simôn Bolivar e Jose/

de San Martin~ verificou-se no Brasil um movimento local: a RevQ

lucão Pernambucana (1817), em que se distinguiu a figura de José

Inácio Ribeiro de Abreu Lima, conhecido como Padre Roma; apõs a

vitória do movimento sedicios8 no Recife, ele recebeu a missão I

de sublevar as provfnclas de Alagoas e da Bahia. Todavia, depois

de cumprir parte de sua missão, foi preso ao desembarcar em Sal­

vador, tendo sido logo em seguida sumariamente fuzilado no Campo

da Pólvora, por determinação do conde dos Arcos.

Alguns dos participantes desse movimento heróico/

se reorganizaram depois, constituindo a chamada Confederação do

Equador, que se alastrou pelas provincias vizinhas de Pernambuco 0

que rompe ram com o gove rno central, sendo afinal esm~gada a revol ­

ta,· com o fuzi lamen to de vãrios de seus lide res, dentre os quais o

ca rmelita frei Caneca. Em 1826, finalmente, os pernambucanos ace i­

t aram a autori dade impe rial, fazendo-se representar no Parlamento.

A propósito, me rece destaque o fnto de Jose/

Inãci o de Abreu Lima, filho do lendário Padre Roma, ter participa­

do da Revolução Pernambucana (1 817) , passando em seguida a comba­

t er sob as ordens de Bolivar, nas guerras de li bertação, que, este

desencadeou, tendo inclusive cogitado a possibi lidade de luta e 11

dest ituição da Casa de Bragança, que então dominava o Brasil.

Ma is tarde , retornando ao Brasil, JosP. Inà­

ci o tomou P8 rte ati va na vida pol í t ica naci onal , entre 1832 e 1844.

Era li vre-pensador, republicano e defendi a ideais socialistas.

Em 1848 ec lodi u nova sedição em Pernambuco,/

a chamada Revolução Praieira, logo em seguida debelada.

No Rio Grande do Sul , ocorreu tamb~m um movi

menta au t onom ista, em 1835, chefi ado por Bent o Gonçalves ·da Silva,

visando à consti tu ição da Repúbl ica de Pi rat ini ou Farroupilha sob

o reg ime fede rali st a, unindo as provincias que aderissem ao movi -

menta. Durante a guerra que se travou, os revol tosos chegaram a o­

cupar, efemerament e, pa rte da ProvÍQcia de Santa Cata rina (Lajes);

em Aleg rete (cidade riog randense), instalou-se a Assembleia Consti

tuinte, em 1842. Fi nalmente, em 1845, os rebe ldes fo ram submeti

dos, conqui stando o di rPi to de indicar o presidente da Provfncia ,

com a ap rovação do governo imperial.

Na Bahia, em 1837, eclodiu a Sabinada, movi -

menta sed icioso republicAno e federalista, Afinam debel ado . Naque-

la oportunidade, Teixeira de Freitas foi nomeado juiz, pelos revol

tosos, o que valeu contra aquele um processo criminal, do qual se

livrou, sendo absolv ido da imputacão que lhe fora feita, como par- ~

ticipante da revolta <SILVIO MEIRA, TeixPira de Freitas - o Juris-

consulto do Impé r io).

Afora esses episódios, manteve-se o ca­

rater unitário do Império, em bases conservadoras, e certo , com 11

marchas e contramarchas legislativas , ora com tendênc ias liberali­

zantes, ora reacionar ias, como no caso da Lei nQ 16, de 12.08.1834

- o chamado Ato Ad icional - que in troduziu inovac6es orogressis -

tas na Consti tuic§o de 1824, de mn lde a conc ilia r as fo rcas polftl

cas, segu indo-se, po rém, um retrocesso, com o advento da Lei nQ ..

105, de 12.05.1840, §guisa d~ intero retac§o da Reforma Constitu­

cional, ocor r ida com o ci t ado Ato Adiciona l .

Contudo, o ideal · r8publicano mantinha-­

se latente, acalentado por muitos. Teõfoli Otnnf. por exempln. que

part icipou do movimento insurrecional do Se rro (Mi nas Gerais). cul

minando com a abdicac§o de D. Pedro I (07.04.1831). consoirou para

a i~plantac~o da R8oGblica. mas compreendendo a imp rat icabilidadel

dela. naquele momento. devotou-se à causa de sua preoaracão: nao 1

inves de oregar o seu advento. mostrou ao oovo as suas virtudesn

por meio. sobr~tudo. do exemplo oessoal. iniciat ivas. probidade no

exe rcício das v~rias func6es pGblicas que exerceu. Um anos apõs a

sua morte (1869) surqe o Manifesto Reouhlicano de 03.12.1870. sttb~

crito oela Juventude que ele tinha inspirado <Paulo Pinheiro Cha -

gas. Te6foli Otoni. Ministro do Povo. os. 17 e seqs,) .

A PROCLAMACÃO DA REPOBLICA E A CARTA DE 1891. =============================================

No dia fatal para a ~anarqu i a - 15 de I

Novembro de 1889 -, no Quartel General do Exérc ito. o Visr.onde dr. Ou ro Preto. presidente dn Conselhn de Ministros . teve ri~nrta de I

aue o Marer.hal Dendorn da Fon~era . saindo rlP sua residP.nria. at tlal

PritanetJ Milita r. iunto ao Camoo de Sant'Ann. no Rio de Janeiro. I

diri qi a-se ao refe ridn RtJartrl GRneral. instantes 8D~s. era oroclô

mada a Rr.o~bl i ca. Ainda no dia lS de nnvembro. foi baixado oel0 o~

verno Provisõrio. chefiado cor n~odoro. o Decr~to nQ 01. ~~tab~l~

rPndo como forma dP QOVPrno a RPo~blira FPdPr~tiva; as Provlnci -

as. rRunidas oRlo laca da FRdRrac~o. passavam a constituir os Es­

tados Unidos do Brasil.

A partida da familia rRal. oara Rxllio na

Europa. foi narrada de maneira sRntimRntal. Rm oãqinas candRntRs

da lavra de Raul Pompeia. SucP.deram-sR os instrumRntos lPqais I

dP. dRf Rsa do novo rP.q imP. submPtPndo-sP a .J ust i c a Mil i ta r R às I

oRnas dP.sta. os nue atP.ntassem. r.om oalavras. Rsr.ritos P. atos 11

contra a nova ordP.m (Fvaristo dP. MoraP.s. Da Monarauia à RPoubli­

ra. os. lll e seqs. . e 179 a l q7) .

Em 03 dP. de?embro de l88q, o Governo Pro­

visaria nomeou uma r.omissão oara Plaborar o ProiP.to de (onstitui

c~o. r.omiss~o essa comoosta do conselheiro .Joanuim Saldanha Mar!

nho CoresidP.ntP.). AmPrir.o RrasiliP.nsP dP. Melo Cvice-oresidente).

Franr.isr.o Ranqel Pastana. Antonio l_ui7 dos Santos WPrnP.r.k e Jose

Antonio Pedreira de Maqalhães (astro.

Foram elaborados trP.s ProiPtos dP. (onsti­

tuicão. rRunidos afinal num sà. entrequp ao qovPrno Rm 30 de 111 -maio dP. 1890. auP. o confiou a Ruv Barbosa. r.om a tarPfa dR revR-

lo. Ruv. como se sabe. tinha uma formacão intPlRr.tual mais inqlR

sa R americana do nue francesa. oor isso "não era oositivista //

nem af ranr.essado. mas constituc ional ista e ameri can izado". Dal a

influência enorme do Direito amRrir.ano· (escr ito e não -escrito} I

sobre a Constituicão brasileira de 24 de Fevereiro de 1891. de I

aue Ruv foi cerebro mais ootente (Afonso Arinos de Melo Franco .

ob. cit .. p, 61). -Nos EUA. oorem. Pxistiam outras condicões

sociais. histàricas. ooliticas. econômiras R iurldicas. aue ser­

viam de suoorte oara a ordem constitucional ali viqente. ordP.m I

essa aue se baseava sobretudo nas tradicões e no resoeito nacional

oela Consti tuicão <como obra dos Pais da Pàtria). no orestlaio do

Conqresso e no ooder oolltico da Corte Suorema. tudo isso como re­

sultante do lonao orocesso de Plaboracão constituciona l estaduni -

dense. oreced{do .de vàrios encontros de representantes das diver­

sas colônias. ainda na fase de oreoaracão da GuPrra de TndeoendPn­

cia (William Soence Robertson. "Indeoend~ncia e Oroani?acão ronst!

tucional dos Estados Unidos (1763-1789". in Histõria das Am~ricas.

vol. 8. os. 3 e seos.}.

Por ocasião das arti cu lacões oara a eleicão do

oresidente e vice-presidente da Reoublica , para o primeiro perlodo

presidencial, houve uma tendência de ~e eleqer Prudente de Moraes,

mas acabou por prevalecer a ameaca velada de aue as Forcas Armadas

emoossariam. "oor bem ou por mal", o generalissimo Deodoro da Fon-, . ,,

seca, cabendo a vice-pres idênci a ao marechal Flori ano Peixoto, o I

aue se concret izou, pela forma de eleicão ind ireta. prevista no ar

tQ lQ das Disposições Trans itàrias da Consti tui ção de 24.02.1891 :<

Emmanuel Sod re. Lauro Sodre na Hi stària da Republica, os . 52 e 53).

Durante a elaboração do Proieto de Const itui -

cão, escreveu Ruv Barbosa . "A dissolução do Congresso qerminava no

esoirito do Marechal Deodoro como tentacão maligna, desde oue se I

tratou de orqani zar o reoimen". E de fato, loqo aoõs a promulgação

da Const ituição Federa l de 24.02.1891. Deodoro fez oublicar o De­

ereto nQ 641, de 03.11.1891. dissolvendo arbitrariamente o Conqre~

so Nacional. convocando a Nacão para escolher novos representantes

e determinando aue se procedesse à revisão daauela Carta Polltica,

tudo isso em frontal violacão dG texto constitucional viqente. aue

não atribulra tais poderes ao oresidente da Reoublica. tratando-se

oortanto. de um qoloe de Estado.

Mas a reacão veio loqo de diversos setores da

soc:iPdadP. alP.m danuPla oriunda dos orõorios parlamenta res:· a Ma­

rinha. sob o comando do almirantP [ustÕdio dP MPlo. ~Prlafou-sP I

rPvoltada e Deodoro renunciou. oara não desencadear a ouP rra ci -

vil . AssumP Pntão o vic:e-orPsidentP. marechal Floriano Vieira Pei

xoto (2~.11.18911. as func~Ps dP orPsidPnte da RPo0blira. dPtP rm!

nando a reabertura do [onoresso Nacional.

A oosse de Floriano dPsoPrtou looo forte o­

oosicão. considerando-se aouela um contra-ooloe . sob vàrios arou­

mPntos. dPntre os auais o fato de nue era de riqor se proceder à

eleicão de um novo orPsidentP.. oela c:irrunstância dP ainda falta­

rem mais de dois anos do oPrlodo danuPle ouP renunriàra. em fare

do disoosto no arto 42 da Carta Polltica dP 1891. AIP.m disso. ve­

rifir.aram-sP numProsas deoosicões de oovernadores. nue se haviam­

mostrado solidàrios com o oo-loe de Estado. desfec:hado oelo mare

c:hal Deodoro <ob. cit .. os. 5? a hll.

AtÀ então. observa Oswaldo Triqueiro. os bª

r.hareis da RPoublira ainda não haviam inventado a fioura do inter

ventor federal e a doutrina rom nuP burlariam a autonomia estadu­

al. o oue exolica a desenvoltura c:om oue o ooverno Floriano aoiu.

mandando deoor sumariamPntP qs odvernadores de Fstado (en_tão int!

tulados oresidPntes). substituindo-os oor outros aoentes de sua I

conf i anca. Assim, na Pa ral b~ do 1

NO rt.e. o o r PXPmo I o. a Junta ou e I

sur.edeu ao oovernador Venâncio Neiva. determinou. oelo DPc:rPto no

O?. dP 13.01.1892 e DPlo dP nQ 15. de '14.02.1892. a destruicão de

toda a construcão constitucional do Estado. der.larando sPm PfPito

a Constituicão de 05.08.1891: disso~vendo o [onorPsso Leoislativo

e convocando eleicões oara uma nova Assembleia Constituinte.

A sequnda AssPmblP.ia [onstituinte do Estado

instalou-s~ a 01.07.1892 e. em trinta dias. aorovou a nova [onst!

tuicão. oromuloada a 30 daouele mês. texto esse oue reoeu a Parai

ba do NortP onr trinta P oito anos. dando-lhe oroani7acão politi­

ca semelhante à anterior. nada lhP altPrando nos fundamPntos ou I

na estrutura do regime, salvo um ou outro asoecto <A Paraiba na I

PrimPira Reoublica. o. 18).

De resto. o marechal Floriano Peixoto oerma­

neceu com a funcão dP orPsidPntP. atP 15.11.1894. auando tomou 11

posse o novo ores i dente da Repub 1 i c a·, P rudentP JosP de Mo r a i s Bar

ros. a cuia posse não compareceu Fl6riano.

No Brasil. observa Afonso Arinos. "a Const i ­

tulcao. talve7 oPlo seu artificialismo. foi. desd~ o .inicio. con-~ . i

testada e violada. O Conqressd raramente exibiu indeoend~ncia an-.' ~ ...

te o Executivo. do aual f_oL as mais das vezes, comparsa passivo.

Quanto ao Suoremo Tribunal/ se, teve ele iuizes aue bem comoreend~

ram as suas funções. nunca exerc~u o oao~l eminent~ nue desemoe -

nha nos Estados Unidos" <ob. cit .. ps, 61 e 62).

Invocando o testemunho de Ruv, acerca do pa­

pel do Suoremo Tribunal no Brasil~ João Manoabei ra assim se mani-. ..

fes ta, de maneira contundente: "O Õrgão aue a Constituição criara

para seu guarda supremo. e destinado a conter, ao mesmo tempo, os

excessos do Conoresso e as viol~ncias do Governo. a deixava desam i

oarada nos :dias de risco ou de terror. auando exatamente. mais ne . :~ '·· -

' .. cessitada es-.;ava ela da i,ealdade, da fidelidade e da coragem dos/

' .

seus defensores < ... >. Fo1 esse o Õrgã~ aue, pela ~aioria dos///

seus membros, mais falhou à Republica, e em todos os momentos de

sua angustia, de 92 ate 37 < .. . >. O Supremo TRibunal Federal, erigido como su­

premo interorete da Constituicão e seu ouardá.supremo contra as I

tempestades do arbitrio. recuava~ nos dias t~moestuosos. de sua I

sagrada missão" <Ruv- o Estadista da Republica, os. 69 a 71>.

J~ em 1892, Gaspar Silveira Martins levanta a questão da revisão da Constituição de 24 de Fevereiro de 1891,

para que se consagrasse o regime ·parlamentar. Em 1896, J. F. As­sis Brasil propugnava pela revisão constitucional, propondo a 11

instituição de um presidencialismo parlamentarizado, com o compª recimento dos ministros ao Congresso e o ministeri o como Õrgão I

coletivo, bem assim o voto secreto, o voto feminino e a represeo tação proporcional.

Por sua vez, Ruy Barbosa, em sua Plataforma

de 1910, propos, dentre outras medidas reformistas, a definição/ dos principias constitucionais que os Estados-membros devem res­peitar, a regulamentação do estado de sitio e diversos aspectos/

orçament~rios . Em 192~, o presidente Artur Bernardes, em mensa -

gem ao Congresso, encareceu a necessidade de ser reformada a 111

Constituição, reforma essa oco rrida em 1926, de que pouco valeu/

para efeito de aprimoramento do regime CPaulino Jaques, ob. cit. ps. 57 e segs,). Pelo seu conteudo, "essas reformas não mais sa­tisfaziam, sendo imposslvel deter o colapso das instituições po­

llticas da Primeira RepÚblica". Para Afonso Arinos, Ruy foi um grande cons­

titucionalista, que "construiu um verdadeiro monumento à questão

dos direitos humanos< ... >. Mas, notocante aos direitos sociais/ do homem, Ruy Barbosa conservou-se em surpreendente inatualida -

de. Nos seus v~rios coment~rios ~Constituição< ... ) v~mo-lo bª sear-se nas doutrinas de Adam Smith e de outros representantes I

do mais ortodoxo liberalismo econômico, e sua considerações so -

bre o trabalho sõ visam a defender o conceito de liberdade, isto e, de aus~ncia de regulamentação pelo Estado" (ob. cit,, p. 36) .

Efetivamente, Ruy não chegou a aderir ao 11

pensamento socialista, mas não deixou de vislumbrar a necessida-

de de reformas constitucionais, inspiradas no "sopro de socializª cão que agita o mundo". conforme o texto de sua autoria, jà cita­

do. Na verdade, quando esse "sopro de socialização" começou a cor rer o mundo, Ruy jà se encontrava no ocaso da vida, epllogo duma/ longa e combativa existência, que se estendeu de 05.11.1843 a 01.

03.1923. O "sopro" a que Ruy se referia correspondia

ao movimento socialista mundial, sobretudo os acontecimentos ocor ridos na Europa, que culminaram com a Revolução Socialista de /// 1917, na Russia, e o advento da Constituição de Weimar, de 1919 , marcando esta um pacto entre a burguesia e o proletariado alemães como vimos anteriormente.

A essa altura, a chamada "questão social" -as reivindicações operàrias, de natureza econômico-social - era I

considerada e tratada. oficialmente, na Republica Velha, como "cª so de pollcia". expressando com esse entendimento todo o conservª dorismo e prepotência das concepções das classes economicamente I

fortes e politicamente dominantes em nosso Pals, representativas/ sobretudo da aristocracia cafeeira.

Nesse contexto, em meio à violenta repres-­são polotico-operària, sucederam-se os movimentos contestatàrios/ e insurrecionais, envolvendo civis e militares. o mais expressivo desses movimentos foi a celebre Coluna .Prestes, ou Coluna Invic­ta, uma das manifestações do chamado tenentismo, que promoveu di ­versos levantes militares abortivos, a partir de 1922.

Ideologicamente, o tenenti smo consistiu num movimento tipico da classe media: partia-se da suposição de que ao substituir os homens no poder a situação estaria satisfatoriamente resolvida. pois, entendia-se que a corrupção era o vlcio fundamen-

tal do regime republicano, em si mesmo considerado bom. Dal, o te­nentismo afigurou-se aos olhos da nação como um movimento de herois 4

do povo. Em 1924. o General Isidoro Dias Lopes e outros partem de são Paulo, sobem o Rio Paranà e na Foz do Iguaçu fazem junção com Luiz Carlos Prestes e seus companheiros que compunham a Coluna do Sul, a qual se formara apÕs o levante do Batalhão Ferrovi~rio de Santo Ângelo <RS>.

Seguindo para Alegrete (RS) a Coluna Prestes percorreu mais de 33.000 quilometros, em dois anos e três meses ,

semeando a revolução, despertando o sertão e alertando as cidades por onde passava, abrangendo os Estados do Paran~. São Paulo, Mi­

nas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paralba, Cearà,/

Maranhão, Goiàs e Mato Grosso. Prestes transformara-se em mito: I

jà e o Cavaleiro da Esperança, como ficou mundialmente conhecido.

Jorge Amado escreveria: nEstrela para o po­vo, para os tiranos I.ugubre cometan.

No Cearà, a Coluna enfrentou os cangaceiros que afinaltambem lutavam, embora sem criterio e sem ideologia, 11

contra as injustiças do sertão, lideradas por Lampião, prat icando saques e assassinatos, tendo inclusive recebido armamento para // combater a Coluna, enquanto se divulgava pela imprensa governista que esses saques e atrocidades eram praticados pelos legionàrios/

da Coluna.

Uma das mais fascinantes proezas da Coluna/ consistiu na famosa manobra denominada .Laco H~ngaro, da qual fo­ram palco as margens do Rio são Francisco, em Minas Gerais, em 11

que a Coluna volta, quase sobre os prÕprios passos, para o Norte,

ludibriando as forças legalistas. Exausta, a Coluna termina por I

se internar na Bollvia, em 1926, com seus homens famintos, maltrg pilhas, as armas descalibradas, sem dinheiro, mas invictos e aray tos do inconformismo <Helio Silva, 1926: A Grande Marcha).

Todavia, não bastam o inconformismo e a

revolta; para a ocorrência das mudanças sõcio-econômicas profun -das, e indispensàvel um substancioso programa ideolÕgico, pois,///

sem teoria revolucionària não hà movimento revolucionàrio <Lênin>. Cumpre lembrar que a Grande Marcha da China, li­

derada por Mao Tse-Tung, em 1934, foi precedida da Coluna Prestes/ no Brasil, constituindo, ambos esses acontecimentos, pontos marcao tes da evolução polltica dos respectivos palses, como ressaltamos/ noutro trabalho <Curso de Direito Internacional Publico, ps, 298 e segs, ),

Prepotência e autoritarismo pollticos, fraude~ leitora!, inautenticidade representativa dos Õrgãos legislativos,/

brutal exploração econômica sobre as classes assalariadas e impla­càvel repressão penal exercida sobre os pobres, eis as principais

características da Primeira Republica, que, ao desmoronar-se, em 1

1930, passou a chamar-se Republica Velha. A propÕsito, nada e mais expressivo do que o tl

tulo do livro de Virgllio Donnici, sobre a mentalidade altamente I

repressiva existente no Brasil, desde que aqui chegaram os conqu i ~

tadores europeus: A Criminalidade no Brasil <Meio Milênio de Re -pressão>. E cita o referido autor as palavras de Edgar Carone. no que tange às caracterlsticas dessa repressão. durante a Primeira I

Republica: "as greves se fazem sempre pelas mesmas reivindicações" ou seja, salàrios melhores. jornada de trabalho, etc. usando·a 111

classe dominante de todos os recursos para abafar os movimentos o­peràrios, com uma repressão policial que resultava em mortes, fe -chamentos de sindicatos, prisão e deportação de lideres e uma le -gislação cada vez mais ferrenha" (Ob. cit,, p, 43),

No terceiro anos do governo Washington Luiz Pe­reira de Souza <1926-1930) repercutiu no Brasil a crise financeira

norte-americana - o crack de 1929, que provocou uma crise geral do a

sistema capitalista, com uma colossal onda de desemprego e super­

produção, ocorrida nos palses sob esse sistema. Os nossos esto -

ques de caf~ alcançaram nlveis nunca vistos, recusando-se o gover

no a atender auxilias financeiros pretendidos pela lavoura cafeel ra. Seguiu-se, durante a Primeira Republica, o costume de o presi dente escolher o seu sucessor; parece, no entanto, que Wash ington

Luiz hesitou em escolher o seu, acabando por impor-se o nome Ju -lio Prestes, o que provocou ressentimentos no candidato do Estado de Minas Gerais, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, o que levou I

este a aproximar-se do candidato do Rio Grande do Sul, Getulio 11

Vargas.

No fim do ano de 1929, sucedem-se vàrios I

conflitos pollticos, inclusive assassinatos de pollticos, em ple­

na Assemblkia Legislativa. Finda a campanha eleitoral, as elei -ções de lQ de março de 1930 processa ram-se regularmente, na sua a

parência formal, resultando na esperada vitoria das forças majori tàrias governamentais. Houve uma forte tendência para serem reco­nhecidos por todos, os resultados eleitorais, preparando-se o 111

Pais para o processo normal de sua vida pol.ltica, na convivência/ harmônica entre governo e oposição.

Mas, tal não aconteceu; ao iniciar-se em I

maio, com a instalação do Congresso, o reconhecimento dos resultª dos eleitorais, pelos deputados e senadores, a maioria não reve -lou propositos de pacificação. Antes, pelo contràrio, foi negado/

reconhec imento por toda a bancada paraibana e a grande parte da I

bancada mineira. Com isso, animaram-se os exaltados e voltou o am biente a eletrizar-se. Entrementes, o assassln io do governador da

Paralba, João Pessoa, ainda que por motivos não ligados ã pollti­ca federal, deflagrou o incêndio insurrecional. Pouco antes, um I

movimento mi litar na Argentina termi nou der rubando o gove rno da -

quele pals, fato esse que repercutiu consideravelmente no Brasil.

Em sintese, formou-se um clima insurrecional no Brasil, galvanizª do pela Aliança Liberal, coligação polltica essa que congregava I

as oligarquias dos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e I

Paralba, contando ainda com o apoio de vàrios lideres, remanesceo tes do tenetismo, à exceção de Luiz Carlos Prestes, jà então de -

claradamente incorporado na luta pelo socialismo internacional. o Partido Comunista Brasileiro denunciou ,

de imediato, o carater burguês da Aliança Liberal, tendo o lider/

comunista Astrojildo Pereira sustentado o seguinte, acerca do ch~ fe aliancista Antonio Carlos Ribeiro de Andrade: "A famosa pala -vra de ordem, lançada pelo sr. Antonio Carlos nos prlmÕrdios do I

movimento - "façamos a revolucão antes que o povo a faca" - sign! ficava, na realidade, o seguinte: "façamos a contra-revolução an­tes que as massam façam a revolução". E foi efetivamente o que se fez: contra revolução preventiva, golpe reacionàrio contra as ma~ sas operàrias e camponesas, terror fascista contra o proletariado

revolucionàrio e sua vanguarda comunista". E concluía: "O outu brismo brasileiro vem a ser, para as massas operàrias e camponesas

uma imitacãozinha camuflada do fascismo italiano" CObras, I, URSS, Itàlia, Brasil, ps. 129 a 131).

Tambem nao escapou ao llder Astrojildo Pe­reira a apreciação do aspecto polltico-econõmico, de indole impe -

rialista, que servia de pano de fundo para a Aliança Liberal, ou I

seja, esse movimento significou e expressou os rumos da transição/

entre a hegemonia britânica, ate então dominante entre nos, e a tQ mada de posição do imperialismo norte-americano, em nossos desti -nos, dal em diante Cob. cit., p, 138).

Em 03 de outubro de 1930 estourou o movimeo to insurrecional, polltico-militar, tipicamente latino-americano , c

conhecido como Revolucão de 1930~ envolvendo simultaneamente os·

três Estados-membros, que haviam integrado a chamada Aliança L! beral, que apoiara a chapa composta por Getulio Vargas e João I

Pessoa, para a presidência e vice-presidência da Republica, //

respectivamente. Partindo do Rio Grande do Sul, as tropas do

Exercito, as da Policia e batalhões improvisados, todos sob o I

comando do tenente-coronel GÕis Monteiro, atingem o limite do I

Paranà com São Paulo, enquanto as tropas mineiras dominavam os raros focos fieis ao governo, fazendo ainda ameaças aos gover -nos do Estado do Rio de Janeiro e Esplrito Santo.

Na capital da Republica, Rio de Janeiro, I

os generais Tasso Fragoso, Mena Barreto e o almirante Isalas de

Noronha constituíram-se em uma Junta Pacificadora e intimaram o Presidente da Republica, Washington Luiz a deixar o poder, con­dição essa a que ele sõ acedeu apÕs longos entendimentos e med!

ante a interferência do Cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, Se

bastião Leme. Em seguida, a Junta Pacificadora entrou em

negociações com o comando revoltoso, chefiado por Getulio var­gas, o qual assumiu então o governo da Republica. Assim findou/ a Primeira Republica no Brasil, isto e, com a eclosão da impro­

priamente chamada Revolução de 1930. Como vimos noutra parte deste trabalho, o

termo revolução, sob o ângulo da Ciência Polltica, exprime um

movimento polltico-econômico-militar, de grande envergadura, cu jo principal aspecto se traduz na substituição das classes eco­nomicamente fortes e politicamente dominantes, que detêm o po­

der do Estado, por outras classes sociais e forças pollticas. Assim, por exemplo, a Revolução Francesa I

(1789) marcou a derrocada da nobreza, do clero e dos resquícios

do feudalismo, ensejando a ascensão polltica de uma nova classe ou seja, a burguesia, acontecimento esse que teve repercussão I

internacional, especialmente na Europa. Da mesma forma, a Revolução Socialista, li

quidando com os resqulcios do tzarismo e da burguesia, ensejou/ a vitoria do movimento socialista, na antiga Russia, em 1917.

Ora, os acontecimentos ocorridos no Era -sil, em 1930, sob a Õtica do rigor cientifico, não configuraram uma revolução, e sim um golpe polltico-militar, de lndole bur­guesa, afinado com os interesses imperialistas, em face da con­juntura capitalista internacional, marcada pela Queda da Bolsa­

<crack> ~ em 1929.