revista vibora edição 2

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bo UMA REVISTA OUE PROCLAMA A INDIVIDUALIDADE (e que odeia os servos e os rebanhos| "odio contra si mesmo, E.M. cloRAN" "Poesia:6 tudo aquilo que fecha as portas para os imbecis, ALDo PELLEGRINI" "o mito L6nin, EMMA GoLDMAN" "pensamentos intimos, cHARLES BAUDELAIRE" "Por uma interpretagdo da cultura, BRUNo Mo LITERNO" "A rosa doente, SERGIO BESSA" "Judeus e Negros: Racismo e colonialismo, RoBERTo GIAMMANCo" "Desfile de mumias, EZlo'FLAVIo BLzzo,, "A caida do homem natural, DENIs DlDERor" "o sr. Trotsky e o massacre de Kronstad, ANTONlo EYZAGUIRRE" "Perseguigdo de deus, LUIzA NoBREGA" "os ciganos ea violGncia esquecida, STEFAN KANFER" "sexo, Erotismo e Repressdo na Classe m6dia, GABRIEL CAREAGA" "Pedrinho (versus) Dom pedro e a neurose adulta, EMlLlo MIRA Y LOPES" "o rinico e sua propriedade, MAX sl RNER" ' . . dadalsmo, filosofia, arte, racismo, psicologia, pirataria, mitos. antropologia, ciganologia, sociologia, niilismo, mis6ria. JUNHO/AGOSTO DE 1981 Ano dedicado i sabedoria dos ciganos

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UMA REVISTA QUE PROCLAMA A INDIVIDUALIDADE(e que odeia os servos e os rebanhos)LITERNO" "A rosa doente, SERGIO BESSA" "Judeus e Negros: Racismo e colonialismo, ROBERTO GIAMMANCO" "Desfile de mumias, EZlO FLAVIO BAZZO,, "A caída do homem natural, DENIS DlDEROR" "o sr. Trotsky e o massacre de Kronstad, ANTONlO EYZAGUIRRE" "Perseguigdo de deus, LUIZA NOBREGA" "os ciganos e a violência esquecida, STEFAN KANFER" "sexo, Erotismo e Repressão na Classe média, GABRIEL CAREAGA" "Pedrinho (versus) Dom

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Page 1: Revista Vibora Edição 2

boUMA REVISTA OUE PROCLAMA A INDIVIDUALIDADE(e que odeia os servos e os rebanhos|

"odio contra si mesmo, E.M. cloRAN" "Poesia:6 tudo aquilo que fecha as portas paraos imbecis, ALDo PELLEGRINI" "o mito L6nin, EMMA GoLDMAN" "pensamentosintimos, cHARLES BAUDELAIRE" "Por uma interpretagdo da cultura, BRUNo MoLITERNO" "A rosa doente, SERGIO BESSA" "Judeus e Negros: Racismo ecolonialismo, RoBERTo GIAMMANCo" "Desfile de mumias, EZlo'FLAVIo BLzzo,,"A caida do homem natural, DENIs DlDERor" "o sr. Trotsky e o massacre deKronstad, ANTONlo EYZAGUIRRE" "Perseguigdo de deus, LUIzA NoBREGA""os ciganos ea violGncia esquecida, STEFAN KANFER" "sexo, Erotismo e Repressdona Classe m6dia, GABRIEL CAREAGA" "Pedrinho (versus) Dom pedro e a neuroseadulta, EMlLlo MIRA Y LOPES" "o rinico e sua propriedade, MAX sl RNER"

' . . dadalsmo, filosofia, arte, racismo, psicologia, pirataria, mitos. antropologia, ciganologia, sociologia, niilismo, mis6ria.

JUNHO/AGOSTO DE 1981Ano dedicado i sabedoria dos ciganos

Page 2: Revista Vibora Edição 2

LITERATU,RALO'JA Oe,-UtvR,osTel.:226-8883

"Por toda parte nos resta. ainda umaalegria. A dor pura entusiasma. Quem sobesobre a pr6pria mis6ria, est6 mais alto. E €magnffico saber que s6 na dor sentimos bem aliberdade da alma."

HUlderlin

Ven6ncio 200O 19 Subsolo *,Loja 55D Brasflia - DF

Page 3: Revista Vibora Edição 2

-l

". . . mi€ntras no triunfe al socialismoen el mundo, todos los oongrressos burgueses porla paz y por la libortad protestar6n en vano.y tdor los Victor Hugo del univErso lospresidir6n en balde; los hombrescontinuarin devorCndose unos aotro3 como las fieras . . . "

Miguel Bakunin9F carta a los burgueses

Page 4: Revista Vibora Edição 2

Esta ievista ser6 editada trimestralmente pelo Centro de Pesquisa

Psico-fitos6ficas (CEPEF), com a ilusfio fundamental de provocar

interesse, curiosidade, medo e paixao pela vida . . . Os adeptos

obsessivos da "liberdade" , da "paz" , da "$ahde" , do "equilibrio" ,

etc., etc. sereo nossos inimigos declarados, uma vez que nos estamos

profundamente al6rn de todas estas idiotices, de todas estas

manifestagdes de covardia e insanidade. Somos muito mais

simpatizantes da morte que da vida, nao acreditamos no delfrio

secular que diz : "Ctterpo sano, Mente sana", pelo contr{rio, estamos

convencidos de que a sa0de f fsica 6 muitas vezes sintoma de

estupidez psfquica . . . Strindberg, Freud, Marx, Artaud, Lenin,

Nietszche, Baudelaire, Max Nordau, Reich, Laferriere, Rimbaudt,

Bakunin, Stirner, Schopenhauer, Beethoven, Epicuro, Chopin e

centenas de outros homens de gdnio, os qu3is determinaram toda

nossa concepgdo da vida e do mundo, eram pr:ofundamente enfermos(' bio,lOgicaniente' fal ando ) e, i nclusive, mu itos morreram

prematuramente. Acreditamos com Cioran, que cada passo que

damos em direq5o ao esp irito, retrocedemos cinco em relag5o'd

matdria, acreditamos gue o engrandecimento do espirito sempre e

sempre acarretar6 desordens no corpo- Odiamos o equilibrio, a

l6gica, a t6, a resignaqSo, e o desejo de curar do qual sofrem nossos

.ont"mpot6neos. Curar de que? Curar con que? Curar a que?

Larvas que predicam por todos os lados - - - A cada nova manha, um

novo Mestre ao qual lambemos "comercialmenE'as botasll!

Esta revista quer apenas assistir a toda esta com6diaDantsaque uma

vez foi Quixotesa. . . apenas seguir os passos destas raposas feridas

que, como no livro dos ciganos, sempre busqarSo o pogo das argilas

"sagradas". Como Artaud escrevia em seu manicomio de Rodez:-YO CAGO SOBRE EL ESP|RlTlJ". -. nossa revista quer cagar

sobre os hip6critas desta sociedade "salvadora".

Estamos prontos para receber artigos, tratados, fantasias, solu96es,

patetismos, crfticas, experiencias c 'm a loucura, com a

medioCridade, e com o incrivel sonho de eternidade. Podem escrever

para Ed. Sagitarius, sala 115, Ouadra 506, Asa Norte, 70.740Brasilia-DF-Brasil.

Editor: Ezio Flavio Bazzb

PS: A revista Vfbora agradece imensamente. de todo o coragao, aos colaboradore:

I N v o L u N T A n I o s e, V o L u N T A n t o s que aqui, nesta 6poca de.,hibernagdo,, total. manifestam seus gritos de alerta para aguilo que um vagabundo

chamava "o banquee dos canibais"l

Page 5: Revista Vibora Edição 2

_:1li

interessantes experic

::Ii"::.'"":H',:::*l::H:"'"ffi ";g;':,;i"ff ,l:ffi

A0S ttlT0rES=

Depois de Vfbora n0mero "UM", Vfbora n0mero ,,DO|S,,

Estamos contentes por ji{ havpr infestado todo o pafs e por haver chegado amentes que simplesmente hibernavam. Muitos nos compraram a revista apenas por"obrigagfro", por "incentivo", ou por incapacidade de dizer "ndo". Tivemos as mais

Rio-Niter6i. canibais invadiram ^t mel/iiillgrandes cidades e agora, gritam

aos quatro ventos que estudam o mEryiElMaterialismo dial6tico, que sdoBudas, que estdo em andlise com [tE-. o Dr. K, que vao fiiiar_se aomovimentohomossexualporque\ffiDaVincierasuspeito,queestudam Lacan num cfrculo *o

=.:tp fechado, que a moda agora 6

"transar" o corpo etc., (que corpo, cambada de-idiotas? Desde quando ,rras aara"i",velhas que vos arrastam dia e noite por esta rotina bestial, desde quando isto pode serchamado de corpo?) Desde quando se pode chegar a compreender a dialdtica em estadode hibernagdo? Budas ou Bu-n-das? Dr. K ou Dr. $? Ser homossexual sem tomarprecaugdes com as hemorr6idas? E Lacan? Lacan 6 l0cido o suficiente para odiar servosdiscfpulos . . . ! Outros passam ,,impecdveis,, pelos corredores daexistEncia e levam um livro de Krisna apertado aos seios e dizem convictamente queforam "iluminados". Vidas in6teis, digo eu! Vidas secas, diria Graciliano Ramos.C6rebros paralizados, genitais atrofiados, seios ao sol e "alma" afogada sob trevas. Abarca vai e vem e neo entendo como ndo afunda com tanta mediocridade a bordo. Aomeu lado um_mendigo dorme, sua respiragdo 6 suave e limpa como a respiragdo de umacrianga . . . (OLHA A REVISTA VIBORAI!!) (OLHA o ANARQUISMdI!!i(OLHA O CARALHO!!!)

Nestes momentos, quando a mis6ria, a estupidez e a covardia s5o os monstrosque nos assombram; quando nosso pafs, nossa Am6rica e nosso mundo se transformamem chagas virulentas; quando os meios de comunicagdo se prostitu iram e apodrecemnas m6os de negociantes "ddbeis mentais"; quando a ci6ncia, a politica, as leis . . . tudojd perdeu o valor e a validade; quando este planeta se transforma rapidamente em umimenso manicomio onde pequenos e ef6meros loucos sustentam a "t6rga" , a "razdo"e a "l6gica"; quando a juventude ji5 est6 velha e esclerosada; quando as grandes massasbuscam miseravelmente outros deuses, outras religides e rastejam outra vez sob a farsade novos "iluminados"; quando as palavras e os discursos, a poesia iii ndo podemacrescentar nada ds palavras in0teis de ontem; quando os negros, os ciganos, osindfgenas e outros grupos considerados "sub-seres" submergem sob.o v6mito"cultural" da opressdo; quando nossos filhos devem ser entregues a dom6sticas

3

Page 6: Revista Vibora Edição 2

,,bdrbaras", a escolas-prises ou a creches deprimentes; quando a sobrevivdncia exige

um esforgo de escravo; quando apenas umas poucas fam ilias podem comer, dormir,

dmar e vagabundear; quando tudo 6 est0pido demais para ser vivido, V ibora levanta os

bragos em diregflo is estrelas e vomita seu asco contra tudo isso. Proclama a oposigdo

i todas as irracionalidades desta blenorragia c6smica, desta tragddia est6ica e brutal,

deste pensamento podre, saido das entranhas do capitalismo, do idealismo, do

comunismo, do pacifismo utilitarista e de toda esta cloaca gangrenada qire 6 a nossa

sociedade, deste antro de responsdveis paran6icos, polfticos masturbadores e

ambidestros, putos l6gicos, canalhas e vermes produtivosl Vibora nega a familia, o

matrimOnio e.a posigdo falsa e enferma da mulher obieto, da mulher vagina, da

mulher reprodutora, da mulher esposa. Nega toda hierarquia, todo poder, toda

autoridade e todo o direito de uns baforarem na cara dos outrosl Aboligdo imediata

da massa inqualificdvel dos parasitas priblicos, destes senhores que sugam o sangue de

outros milhares de pobres, miser6veis, carentes, vencidos e desgraqados . . . Vfbora

odeia o trabalho, esta lepra desnecessiiria e cotidiana que destr6i o corpo e a alma de

todos os homens. Vfbora proclama com Arag6o: * Ndo mais pintores, n5o mais

escritores, n5o mais escultores, n5o mais mfsicos, ndo mais republicanos, ndo mais

mondrquicos, n6o mais imperialistas, ndo mais socialistas, ndo mais bolcheviques, ndo

mais politicos, nflo mais proletdrios. ndo mais democratas, ndo mais na96es, ndo mais

nenhuma destas idiotices, ndo mais nada, nada, nada !!! Vibora lanqa seu veneno para

al6m das veias desta sociedade hip6crita e autodestrutiva! Escurece o sol que acelerarii

a grangrena social deste momento de febre, de fome, de car€ncia e de falsa exist6ncia.

Porcos chouvinistas aplaudem por todos os lados; bandeiras tremulam em cada

esquadra abatida; defuntos recebem homenagens p6stumas; homens e mulheres se

assassinam como se o sangue dos amantes devesse purificar esta asquerosa rotina, este

est6pido cotidiano, esta vida que s6 ndo aniq0ila iqueles que, por mil e uma razdes, i6

se tornaram imunes ao virus e ao cansago de todos os dias. Vibora faz renascer o

niilismo nos coragdes . . . porque crer em algo 6 estar doente, rfgido, delirante! Todos

os senhores que abrigam "convicgde5" em vossos cora96es, n|o sflo mais que

marionetes da natureza ca6tica e do universo promfscuo! A hist6ria deveria reduzir'se

exclusivamente a uma hist6ria de fracassos - esta 6 a 0nica hist6ria que ndo foiinterrompida. No entanto, o homem, este verme adulador, nao quer despertar e

submete-se ao engano eternamente . . . curai-vos de vossas nostalgias e de vossa

obsessgo pueril pelo comego e pelo final dos tempos. Com a eternidade (duragdo

morta) somente se preocupam os d6beis . . .

Ah, tudo aquilo que outrora nos parecia o caminho, a luz, o ponto mais

elevado, agora se nos apresenta como uma'farsa, como uma pobre e velha m6scara de

rituais satdnicos. O destino n6o 6 mais que uma m6scara e s6 n5o 6 uma m6scara aquiloque se chama "morte".

Neste filtimo momento, Vfbora langa aos verdugos o seu mais venenoso grito

le protesto. Oue nossos leitores o ouqam at6 o aniqtiilamento!

EDITOR

"Gin&tica? A onica necess6ria ao homem 6 a gin&ticalivrr dor movimentos do amor. Todas as outras, das

mair ofisticadas is mais mediocres, s6o necesCiiasapenas para os eremitas ou para aqueles que cr0omquoo toxo conduzirl o homem ao purgat6rio . . . "

Vlbora

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Page 7: Revista Vibora Edição 2

odiocontraslmesmo

CIORAN, E.M.

". . . Clue tolice vosras idtli* de umafelicidade futura. Curai-vos de vossas

nostalgias, da obsess8o pueril pelo co'mego s o fim dos temPos. Com a

Eternidade, duragSo morta, s6 os d6'beis se Preocupam. Deixai fazer ao

' instante, deixaio rgabsorver vossossonhos,"

O amor pr6prio 6 coisa fCcil: como brota

do instinto de conservagdo, lnclusive os animais

o conheceriam se estivessem um pouquinho per'

vertidos. O que 6 diffcil, muito mais dificil, e

no que s6 sobressai o homem, 6 odiar'se a si

mesmos. Depois de haver causado *ta expulsdo

do parafso, laz o que pode para aumentar a se'

paragto que o distancia do mundo, para man-

ter-se desperto entre os instantes, no vazio que

se intercala entre eles. A consciGncia emerge de-

le e nele deve-se buscar o ponto de partida dofenOmeno humano. Odeio-me: sou um homem;

odeio-me absolutamente: sou absolutamente

homem. Ser consciente 6 estar dividido e odiar'se. Este 6dio sapa.nossas rafzes, ao mesmo tem'po que proporciona seiva i Arvore de Ci6ncia.

Aqui temos o homem fora do mundo e

afasado de si mesmo. Nto poderfamos clas'

sificrt-lo entre os viventes sem abuso, t6o su'

perficial d seu contacto com a vida; seu contac'

to com a morte n5o o 6 menos. Ndo havendo

podido enGontrar seu lugr exato entre uma e

outra, viveu de artimanhas desde seus primei'

ros passos: um intruso, um falso vivo, um falsovivo, um falso mortal, um impostor. A cons-

ci6ncia, esta.forma de ndo participagSo naqui-

lo que se 6, esta faculdade de nto coincidir com

nada, ndo estava prevista na economia da cria-

95o. Sabe-o, mas n6o tem nem a coragem de

assumi-la at6 o limite e de perecer por ela, nem

de repudid-la para salvar-se. Estranho d sua

natureza, so, no meio de si mesmo, desligado

deste mundo e do outro, n5o abraga comple-tamente nenhuma realidade: como poderia

faz€-lo, uma vez que apenas em parte 6 real?

Um ser sem exist6ncia.

Cada passo que d6 em diregf,o ao espi'rito equivale a uma falta contra a vida. As-

sombra que ndo ponha fim d algazarra da

consciGncia para tentar readquirir seu paren-

tesco com as coisas! Mas do estado de irrefle-x6o (no qual cessaria seu sentimento de culpa)estd separado por este 6dio de si mesmo do qual

ndo quer nem pode livrar-se. Apartando-se da

linha dos seres, dos caminhos trilhados da sal-

vag6o, inova sem descanso para poder manter

sua reputaQto de animal "interessante".

A consciEncia, fendmeno provisional (ca-

so existam) 6 empurrada por ele at6 seu ponto

de estalido e cai em pedagos com ela. Ao des-

truir-se, se erguerd at6 sua ess€ncia e cumpri-16 sua miss6o: converter-se em seu pr6prio ini-migo. Se a vida traicionou a mat6ria, ele trai-cionou a vida. Voltar6, sua experi€ncia, a re-petir-se? Ndo parece implicar uma posteridade:

tudo deixa pressagiar que 6 a 0ltima fantasiaque a natureza se permite.

<<condgio da trdgddia>>

Ndo 6 piedade, 6 inveja o que nos inspirao her6i trdgico, sortudo, cujos sofrimentos de-voramos como se fossem nossos de direito e ele

no-los houvesse roubado. Por que n6o tentarvoltar a agarr6-los? De qualquer forma estavam

destinados a n6s . . . Para assegurarmo-nos me.lhor, os declaramos nossos, os engrandecemos elhes damos dimens6es desmedidas; ele, por mui-to que gema ou que se agite ante n6s, nao con-seguiril comover-nos, pois nllo somos seus espec-

tadores, sendo seus competidores, seus rivais nopCtio das arquibancadas, capazes de suportar

suas infelicidades melhor que ele: tomando-as

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Page 8: Revista Vibora Edição 2

por nossa conta, as exageramos al6m de suaspossibilidades de cenCrio. Providos de sua sortee correndo at6 a derrota mais rapidamente queele, lhe dedicamos.um sorriso superior, enquan-to que reservamos somente para n6s os m6ritosda falta ou do assassinato, do remordimento ouda expia96o. Oue pouca coisa 6 a nosso lado eque vulgar nos parece sua agonia! Por acaso n6oestamos carregados com todas suas dores, neorepresentamos a vftima que ele queria encarnarsem consegui-lo?Mas, oh, ironiat . . . Finalmen-te 6 ele quem morr-el

<<a outra cara do iardim>>

Quando o problema da felicidade suplan'

ta o do conhecimento, a filosofia abandona seu

dominio pr6prio para entregar'se a uma ativida'

de suspeitosa: se interessa pelo homem. . . Per-

guntas que intes n6o havia'se dignado a abordar

lhe interessa agora, e tenta responde'las com o

ar mais s6rio do mundo. "Como ndo sofrer?",6uma das que s5o solicitadas mais freq0entemen-

te. Havendo entrado em uma fase de oansago,

mais e mais estranha a inquietude impessoal, a

avidez de conhecer e, ds verdades que desorien'

tam, opde as que consolam.

Era este tipo de verdades as gue esperava

de Epicuro, uma Grecia escalavrada e submeti'

da, que esperava ansiosamente uma f6rmula de

repouso e um rem6dio contra a ansiedade. Epi-

curo foi para sua 6poca o que o psicoanalista 6

para a nossa: por acaso n6o denunciava ele tam'

Hm, d sua maneira, "o malestar da cultura"?(Em todas as 6pocas confusas e refinadas, um

Freud tenta esclarecer as almas). Mais que com

S6crates, 6 com Epicuro com quem a filosofiadeslizou at6 a terapeutica. Curar, e sobretudo,

curar-se, tal era sua ambig6o: ainda querendo

liberar os homens do medo da morte e dos

deuses, ele mesmo experimentava a ambos. Aataraxia da qual se vangloriava ndo constitufa

sua experiEncia ordindria: sua "sensibilidade"era not6ria. Ouanto ao seu desprezo pela ci'6ri-

cia, desprezo que depois se lhe criticou, sabe'

mos que freqiientemente 6 pr6prio de "amores

frustados". Este te6rico da felicidade era um

doente: vomitava, segundo se diz, duas yezes

ao dia. Em meio de que mis6rias devia deba-

ter-se para haver odiado tanto as 'iturbag6es

da alma"! A pouca serenidade que logrou ad-

6

quirir a reservava, sem d0vidas, para seus dis'

cipulos; agradescidos e ingGnuos, estes _lhecriaram uma reputagdo de sabedoria. Comonossas ilusdes sfro muito mais d6beis que as

de seus @ntempor6neos, vislumbramos- sem

esforgos a outra cara de *u Jardim.

<<a busca de um n6o-homem>>

Por covardia, substitufmos a sensagf,o

de "nosso nada" pela sensagSo do "nada".Porque o "nada" geral consegue apenas in-guietar-nos: vemos nele freqtientemente uma

promessa, uma aus6ncia fragmentSria, um be'

co sem safda que se abre.

Durante muito tempo estive obstinado

em encontrar algu6m que soubesse tudo de si

mesmo e sobre os outros,.um dbio-dem6nio,divinamente clarividente. Cada vez que pensa'

va hav€-lo enoontrado, tinha, depois de um

exame, que mudar de opinido: o novo eleito

tinha ainda alguma mancha, algum ponto ne-

gro, nfo sei que tngulo de inconsci€ncia ou de '

debilidade que o rebaixava ao nfvel dos huma'

nos. Percebia nele marcas de deseio ou de es'

peranga, ou algum resfduo de tristeza. Seu

cinismo era manifestadamente incompleto.

Oue decepgdo! E prosseguia sempre minhabusca, e sempre meus idolos do momento pe-

crrvam em algum aspectoi o homem estava pre'

sente neles, oculto, maquiado ou disfargado.

Acabei por compreender o despotismo da es-

p6cie, e por ndo sonhar mais que oom um"ndo-homem", @m um monstro que estivesse

totalmente convencido de seu "nada". Era uma

loucura conceb6-lo: n6o podia existir, id que alucidez absoluta 6 incompativel csrn q realidade

dos 6rgdos.

Page 9: Revista Vibora Edição 2

ST IIAMA

T000

AOUETTO OUE BIERRA

I.A PUTRIA

A tOslMEtBltEs

PELLEGRINI, AIdO

A poesia tem uma porta hermeticamentefechada para os imbecis, aberta de par em parpara os inocentes. Ndo 6 uma porta fechadacom chave, mas sua estrutura 6 tal que, pormais esforgos que fagam os imbecis, ndo po-dem ab,ri-la, enquanto abre-se por si s6 na pre-senga dos inocentes. Ndo existe nada mais opos-to I imbecilidade que a inoc6ncia. A caracterfs-

tica do imbecil 6 sua aspiragSo sistemdtica a

uma certa ordem de poder. O inocente, pelo

contrdrio, nega-se a exercer o poder porque ospossui todos.

Por isso, 6 o povo quem possui em poten-

cial a suprema aptiddo po6tica: a inocGncia. E 6o povo quem sente a coergdo do poder comouma dor. O inocente, (conscientemente ou n5o)

se move num mundo de valores onde o amor

estii em primeiro plano. O imbecil se move em

um mundo no qual o 0nico valor est6 determi-nado pelo exercfcio do Poder.

Os imbecis buscam o poder em qualquerforma de autoridade: o dinheiro, em primeirolugar, e toda a.estrutura do Estado, desde oPoder dos governantes at6 o microsc6pico, cor-rosivo e sinistro poder dos burocratasr Desde opoder da lgreja at6 o poder do jornalismo, . . .

desde o poder dos banqueiros ate o poder que

fabrica as leis. Toda a soma destespoderesestdorganizada contra a poesia.

Como a poesia significa Liberdade, signi-

fica afirmagdo do homem aut6ntico, do homemque luta para realizar-se, indubitavelmente pos-

sui certo prestigio perante os imbecis. Neste

mundo falsificado e artificial que os "pode-rosos" constroem, os imbeciq necessitam artigos

7

Page 10: Revista Vibora Edição 2

de luxo: cortinados, bibelots, i6ias, e algo assim

como a poesia. Nesta poesia que eles usam, as

imagens e as palavras se convertem em elemen'

tos decorativos, e deste modo 6 destrufdo o po-

der de transcendOncia que a poesia possui. As'

sim se cria a poesia chamada "poesia oficial" *,

poesia de lantejoulas, poesias que acabaram

6cas e vazias.

Os imbecis vivem num mundo artificiale falso. Apoiados no poder que podem exercer

sobre os outfos, negam a evidente realidade doser humano, a qual substituem por esquemas

irracionais. O mundo do poder 6 um mundo va-

zio, sem sentido, fora da realidade. A poesia 6

uma mistica da realidade. O poeta busca na pa'

lavra n5o um modo de expressar-se, sen6o um

* . . . t6o comum no Brasil. onde dois ou tr6s escrito-res profissionais passam o tempo inventando contospodticos que seo elogiados depois por jornais comer'ciais e est0pidos, para em seguida serern devorados pe-

las massas servis de pequenos leitores obsessivos. N5o.ndo 6 necessdrio citar nomes. pcris todos vocds pos'suem bibliotecas infestadas desta "poesia oficial", des'

modo de participar da pr6pr,ra reattdade. Recor-re d palavra, mas busca nela seu valor original,a magia do momento da criagdo do Verbo, mo-mento em que ndo era um simbolo, sendo parteda realidade mesma. O poeta mediante o Verbon6o expressa a realidade, participa dela.

A porta da poesia n5o tem chave nem fe-chadura: defende-se por sua qualidade de in-candesc6ncia. 56 os inocentes, que possuem oMbito do fogo purificador, que possuem dedosardentes, podem abrir essa porta e penetrarempor ela at6 a realidade.

A poesia pretende cumprir a tarefa deque este mundo ndo seja habit5vel apenas para

os imbecis!

tes autores que s6o insuportdveis para aqueles indivf-duos que possuem uma inteligdncia razo6vel. Se foramtraduzidas em cinco, dez ou duzentas linguas, que im-port6ncia tem, uma vez que sabemos, hd muito, que omundo estd cheio de otdrios que parasitam ou que hi-bernam? Comecem hoje mesmo a analisar vossos ,,fdo-los". vossos "artistas", vossos ,,poetas'., e vossas bi-bliotecas tereo mais espago no futuro. {nota da revista}

ENF|M, O HOMEM NAO E INTEIRAMENTE CULPADO, POIS NAO COMEQOUA HISTORIA; NEM INTEIRAMENTE INOCENTE, POIS A CONTINUA.

Camus

Page 11: Revista Vibora Edição 2

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Page 12: Revista Vibora Edição 2

MI

'[EN N"

GOLDMAN, Emma

Ouando leio os versos de elogios f0nebres

com os quais se dirigiram ao morto lLeninl alguns de seus mais irritados inimigos, surgem em

minha mem6ria as palavras molestadoras que

empregou Ang6lica Balabanova frente a Clara

Sheridan, a dama que esculpiu bustos de Leinin,

de Trotsky e de outros chefes do bolchevismo:

"Terias esculpido a Lenin tr6s anos atrds - lhe

perguntou Balabanova - quando o governo in-

gl6s o acusava de espiSo alemSo? Lenin ndo fez

a revolugdo. Ouem a fez foi o povo russo. Por

que ndo esculpes as mulheres e os homens dopovo trabalhador russo, os verdadeiros her6is

da revolugSo? Por: que este repentino interesse

por Lenin?""

Com Balabanova, Pergunto eu aos que

agora cobrem de elogios a Lenin, entre os quais,

inclusive, se encontram alguns menchevistas e

social-revoluciondrios: Por que esta repentina

simpatia? Por que este absurdo estalido de ho-

menagens ao homem que ontem mesmo era co-

berto de agress6es? Acontece isso em base Sque'

la mdxima que afirma que s6 se deve falar bem

dos mortos? Ou acontece porque hoje 6 um si'

nal de valor ndo ir contra a corrente do "cultoaos her6is"? Ou, em resumo, ndo 6 mais que

uma onda de ordindria hipocricia? Esses escri-

tores sabern tdo bem como sabia Balabanovaque Lenin ndo fez a rcvolugdo. Mas ainda, que

foi ele guem p6s fim d revolugfio. Passo a pas-

so, desde o hist6rico "respiro" - desde a paz

de Brest-Litovsk - at6 margo de 1 921, quando

imp6s a seus rebanhos sua nova polftica eco-

n6mica, perseguiu Lenin a tarefa que se havia

proposto, tentou levar a revolugSo com calma,

castrii-la, desnaturalizar seus fins, privS-la de

seu conte0do, de modo que dela ndo sobrou

mais que a vestimenta exterior, que devia ser-

vir como ornamento nas revistas de gala da

Terce i ra I n tern ac i ona I .

10

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I

0 0

Essa tarefa n5o era fricil- O povo russo

que se arrojou com toda alma na revdlugSo, ti-nha.'ardente f6 em suas forgas, em suas possibi-

lidades, em sua persistGncia. Lenin era dema-

siado perspicaz para opor-se a este entusiasmo

geral, a esta f6 profunda. Ao contrdrio, mar-

chou com o povo e se pronunciou a favor das

medidas mais extremas. Por6m, o obietivo que

buscava era outro e se diferenciava essencial'

mente dos obietivos que o povo sonhava- Era

o Estado Marxista - como ele o comprendia -uma m6quina que involucrava tudo em si, que

absorvid tudo, que tudo destrufa, e cuia palan-

ca tinham Lenin e seu partido nas m6os. Essa

divindade foi bendita por Lenin toda a vida.

Ouando a onda revolucionCria levou

Lenin ao poder, viu chegada sua hora, a hora

em que devia transformar seu sonho em'reali-

dade. Oue lhe importava que a revolu9eo ter'minasse pela metade? Oue signif icava o fato da

Rusia cobrir-se de escombros e de rufnas? Do

sangue e das esperangas de um grande futurosurgiu o Estado Marxista. A gl6ria da obtengfo

deste artiffcio corresponde exclusivamente a

Lenin. Ningu6m trabalhou mais habilmente

nem @ln tao absoluta abnegagao para este

objetivo que ele. O futuro, entretanto, ndo

deixard de julgar iustamente o car6ter duvidoso

desta gl6ria que incumbe ao chefe morto do

bolchevismo, ao leninismo, como chama hoje,

com orgulho, o rebanho fanStico de seus adep-

tos, d formagSo polftica autocrdtica que pesa

gravemente sobre as costas da Russia escravi'

zada.

Os "incensadores" de Lenin o chamamgrande. Por6m ele ndo possufa seguramente a

grandeza do espfrito e do coragSo que consti-

tuem as condig6es pr6vias essenciais de todagrandeza verdadeira e geral. Lenin mesmo ha-

veria ironizado e gozado aos que lhe atribuem

hoje tais qualidades "burguesas". Grandeza de

espfrito, magnanimidade de coragdo, compre'

ensSo e simpatia para com um adversSrio eram

rasgos que n5o existiam nesse homem, que sem

d0vida. foi t5o extraordinarialnente humano

em seus defeitos e criminosos em seus erros.

Mais de uma vez se ofereceu a Lenin a ocasiSo

de revelar a verdadeira grandeza, mas que for'magSo espiritual inteira nSo lhe permitiu per-

ceber a ocasiSo magnffica e nem sequer com'preender sua import5ncia. Destg ponto de vis'

ta, Lenin foi sempre fiel a si mesmo. "Der Tag"

Page 13: Revista Vibora Edição 2

do dia 27 de janeiro relata uma interessantehist6ria: Foi em 1890 R0ssia estava submergidaem uma terrfvel mis6ria. Toda a inteligdncia rus-

sa, sem diferengas de opini6es, se associou para

encontrar meios e vias que pudessem aliviar a

situagdo de um povo tdo faminto. Le6n Tolstoimesmo escreveu um caloroso chamado de so-

corro. :Em Samara, o centro do distrito da fo-me, se reuniu um grupo de intelectuais para

dicidir sobre seu trabalho em favor dos famin-tos. Nessa reuniSo levantou-se um jovem e assim

expressou-se: "A fome revoluciona as /nassas efacilita a luta contn a autocracia russp,. Por esanz6o considero um crime o projeto de socorro.Naturalmente nilo tenho nenhuma inclinagdo aparticipar deste crime". Esse jovem era Vladi-mir llyitsch Ulianof Lenin.

Lenin demonstrou essa mesma e fria in-

flexibilidade em outra ocasido, frente a Dora

Kaplan, que jd estava presa hd vdrios anos; ndo

tendo sido conduzida d tal nem por motivospessoais nem por motivos contra-revolucional-

rios. Sabia tamb6m que sua morte, assim comosua exist€ncia, ndo podiam contribuir para a

prosperidade da Russia. Com um grande gesto

havia podido atrair at6 sua pessoa, por parte dopartido a que Dora Kaplan pertencia, uma con-

sideragSo humana. Podia salvar a vida desta mu-

lher. Este houvera sido um sinal de grandeza

que haveria marcado sob as circunst6ncias um

elemento novo, vital, ao curso inteiro da revo-

lug6o. Por6m ningu6m pode dar o que ndo pos-

sui. Lenin, a quem toda verdadeira grandeza lhe

era estranha, entregou Dora Kaplan a seus ver'

dugos, a tcheka.

Lenin possufa uma grandeza, uma grande-

za que ningu6m pode roubar'lhe: possufa a

grandeza do "jesuitismo", a vontade de seguir

seu caminho com ast0cia e despreocupagSo com

os meios. Neste sentido, osTorouemadasde to-dos os tempos sempre foram grandes. Sabe-se

que alguns deles deixavam escapar solugos ao

mandar suas vftimas para a c6mara de torturaou a morte. Talvez Lenin tamhr6m tenha soluga-

do diante do tributo que devia pagar por suas

tentagoes. Felizmente tais ldgrimas eram o fatorparalizador do espfrito da humanidade e des-

trufdor de todo intento de uma nova forma de

vida. Os Torquemadas foram sempre as forgas

mais reacionSrias e contra-revoluciondrias da

hist6ria humana. E Lenin era um reaciondrio.

Todos seus atos polfticos desde 19'l 7 s5o uma

demonstragdo viva de suas aspirag6es contra-revoluciondrias. Contra-revoluciondrias no sen-

tido de que contribuiram por todos os meiospara o fracasso da revolug5o.

A paz de Brest-Litovsk foi para a revolu-g5o uma ferida mortal.

O estabelecimento de "tcheka" transfor-mou a Russia em um matadouro humano. A ar-

recadagSo violenta de impostos e as expedigdespunitivas associadas d ela aniqtiilaram milharesde vidas e destrufram aldeias inteiras. Kronstadt6 o tributo de sangue que foram obrigados a sa-

tisfazer seus melhores filhos a divindade de

Lenin. O decreto que sancionou a guerra at6 oextremo contra a oposigdo operdria e os anar-quistas sindicalistas (essa ordem secreta nascida

no X Congresso do Partido Comunista Pan-Rus-

so, aparece agora a luz do dia; foi utilizada co-

mo um apoio pelos leninistas nas 0ltimas discus-

s6es com a oposigSo); e finalmente o restabele-

cimento do capitalismo pelo NEP {nova polfticaecon6mica); tudo isso e mais surgiu do c6rebrodo homem que foi canonizado como um santopela lgreia comunista. E todas essas medidascontribufram para sufocar a revolugdo e para

destruir as esperangas do povo russo. Mas ndo

s6 na Russia, todo o mundo experimentou o"jesuitismo" de Lenin, que levou a todas as par-

tes o germe da decomposigSo, principalmentepara as filas dos oprimidos.

Lenin acreditava absolutamente na neces-

sidade de tais m6todos, na neeessidade'de se-

mear o desequilfbrio, a abominagdo e a decom-posigdo..Considerava tudo isso como uma parteessencial de sua doutrina. Podemos citar suas

pr6prias palavras a respeito: "Krasnaia Loto-pies" n9 7, cont6m um discurso de Lenin noV Congresso da Social Democracia Russa (par-

tido operdrio), que expressava sua defesa dian-te de um tribunal do partido. Era acusado dehaver difamado e caluniado a trinta e um men-chevistas, que haviam abandonado o partido e

formado um bloco com os cadetes. O chefe des--te grupo era F. Dan. Lenih formulou sua opi-niSo entdo, com as seguintes palavras: "Ouandose ataca opositores politicos, 6 a forma e n5o oconte0do o que importa. Em realidade, a formarepresenta o tom que dirige toda a m0sica. Aforma deve ser, pois, tal que provoque no ou-vinte ou no leitor 6dio, desprezo, horror contraos atacados. A missdo da forma n5o 6 convencer

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seneo dispersar as filas dos adversdrios, ndo me-lhorar seus defeitos sendo aniqiiilar sua organi-zagSo e sua atividade, extirpd-las da terra. A for-ma do ataque deve ser tal que provoque os pio-res pensamentos e leve o caos e a desorganiza-g5o is filas dos operarios". Ouando algu6m lheperguntou se tais m6todos ndo eram desprezf-veis, respondeu Lenin: "Certamente quando seaplicam ao pr6prio partido e contra os pr6prioscamaradas. Por6m na luta contra todos os ad-versdrios polfticoq ndo s6 ndo 6 desprezivel essem6todo, sen5o gue 6 digno de recomendagfio enecessdrio. Repito, em meu ataque contra osgrupos saldos dos menchevistas escolhi inten-cional e conseientemente essa forma, que 6apropriada para dividir as filas do operariado eprovocar 6dio, desconfianga e horror contranossos inimigos pol iticos."

Kaplan, Fanny Baron, Le6n Tchorny e mui-tos outros necessitaram morrer mais de umamorte cruel antes que a Eheka de Lenin oscolocasse de costas contra os muros. Seus cor-pos mortos nflo foram expostos i vista. Ne-nhuma homenagem se lhes ofereceu. Nenhumcanto f0nebre foi cantado e os sinos das qua-renta igrejas de Moscou nfo lhes renderam ne-nhum triste acompanhamento. Morreram deuma morte honrosa, pois haviarn permane-cido fi6is d revolugdo, ainda que ndo houves-sem tido 6xito. Ndo foi assim com Lenin. Esteteve 6xito. Conseguiu p6r em p6 sua m6guina.Despertou outra vez todos os males que a re-volugdo queria extirpar: o capitalismo, a ex-ploragao e tudo o que deta se cteriva. N6o foium milagre o fato de Lenin haver sido enter-rado corn todas as pompas de um potentado

VOCE NUNCA PODERA VER ESTA ESTRELA COMO EU A VEJO. VOCE NAOGoMPREENDE: E COMO O CORA9AO DE UMA FLOR SEM CORA9AO.

Andr6 Breton

Ningu6m pode acusar a Lenin de haveralguma vez utilizado sutilezas. Mas isso ndo po-de encobrir o fato de que em toda sua vida in-troduziu um perigoso veneno nas filas dos ope-rdrios ou dos trabalhadores. As filas do seu pe-queno partido foram infestadas pouco a pouco.Enquanto Lenin estava com as r6deas do bol-chevismo nas mdos, nada disso podia vir i su-perffcie. Por6m agora, que a morte mesma dis-solveu o fdrreo punho, explode o veneno con-tido e ameaga devorar o.edif fcio inteiro queconstruiu tdo "diligentemente" o grande je-sufta de nosso tempo.

A morte 6 a grande niveladora de todaa vida.

Chegou a Lenin como havia chegado so-bre os mont6es de vftimas do leninismo, soque ati ele foi com mais consideragfo. Dora

e seu reino seia reconhecido hoie por todas as

pot6ncias europ€ias. E por que ndo? A revolu-gf;o esd morta. Longa vida ao leninismo!

O vaticano, Musolini, o patriarca Tikon,os reacionirios, os aventureiros do mundo pa-

gam agora seu trihrto ao homem que haveriammatado sete anos atrds se este houvesse caidoem suas m6os. Mentirosos e hip6critas todos!A expressdo deste respeito e desta simpatia 6

s6 uma mdscara atrds da qual ocultam a ale-gria de ver que o leninismo lhes proporcionoua chave das riquezas da Russia, que agora estdo

dispostos a extrair at6 o fundo. Mas a 0ltimapalavra sobre a Russia ndo foi dita ainda. Opovo, t5o grande em sua c6lera dos dias de ou-tubro, se levantard de novo e testemunhard que

o triunfo do leninismo e seu chefe morto foiao mesmo tempo sua trdgica derrota.*

* Traduzido do livro de Emma Goldman ,'La hipocre-sfa del Puritanismo" Textos Anarquistas - EdicionesAntorcha - Mdxico DF - Mdxico

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POESIA E PSICOLOGIA

Ndo invada o segredo alheio:6 grosseiro e de mau tom / para

viver nesse mundo louco e feio, a norma suprema 6 ser bom /Psicologia 6 invasdo de domicilio, poesia 6 respeito aoinfinito / Ndo pedirei as inteng6es do seu poema, me basta eleser bonito / Ndo pergunte se eu tenho segredos escondidosnas linhas do meu desenho / NAo fuce o desenho i procurados medos voc6 nunca saberd de onde venho / N6o meinteressa o nome do seu sentimento nem quero saber qual 6sua meta / O negro 6 apenas o negro e uma rett 6 apenasuma reta / Guidado para ndo ferir o mist6rio / Olhe o que eumostro, nf,o mais / Acredite, isto 6 s6rio ame a Arte / pronto

/ Basta / E preciso mais? / Nflo escavacarei nas atmas alheiascomo um cdo, pois nflo enterrei nada nelas.

Luiza N6brega.

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BAIJDELAIRE

pensamentosintimos

BAUDELAIRE, Char.les

'Subsistiria algudm sobre a terra se cadahomem houvesse confessado a outro to-dos os seus pensamentos?"

c. B.

Quando um homem vai para a cama, qua-

se todos os seus amigos sentem um desejo dev€-lo morrer: uns, para comprovar que ele tinhauma.sa0de inferior d deles; outros, com a espe-

ranga de estudar uma agonia.

Em um espetdculo, em um baile, cada umgoza dos demais.

Oue 6 a arte? ProstituigSo.

Os povos adoram a autoridade.

Seja sempre poeta, inclusive em prosa.

O amor se parece muito a uma tortura oua uma cirurgia. Ainda que ambos os amantes es-

tivessem muito enamorados e cheios de desejosrecfprocos, um dos dois estaria sempre maistranqtiilo ou menos possufdo que o outro.Aquele ou aquela 6 o operador ou o verdugo; ooutro 6 o suieito, a vftima.

Pordm eu digo: a voluptuosidade 0nica e

suprema do amor estriba na certeza de fazer omal. O homem e a mulher sabem, desde que

nascem, que no mal se encontra toda a volup-tuosidade.

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Amamos as mulheres quanto mais estra-nhas nos s6o. Amar as mulheres inteligentes 6

um prazer de pederastas. Por6m a bestialidaderepudia a pederastia.

A vida s6 tem um encanto verdadeiro: oencanto do jogo. Mas, e se nos 6 indiferente ga-

nhar ou perder?

A prop6sito do sonho, aventura sinistrade todas as noites, pode-se dizer que os homensdormem diariamente com uma auddcia que pa-

receria incompreensfvel se ndo soub6ssemos que

6 o resultado da ignordncia do perigo.

Em politica, o verdadeiramente santo 6

aquele que provoca e mata o povo para o bem

do povo.

A inspiragdo vem sempre que o horhemquer, mas ndo se vai quando ele o deseja.

Quando conseguir inspirar o asco e ohorror universal, haverei conquistado d solid6o.Este livro ndo foi feito para minhas mulheres,minhas filhas e irmds quase ndo tenho nenhu-ma.

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Por que os democratas ndo gostam de gg-

tos, 6 f6cil de adivinhar. O gato 6 lindo: revela

id6ias de luxo, de limpeza, de voluptuosidade,etc.

Oue sdo os perigos do bosque e do cam.po comparados aos choques e conflitos diSriosda civilizagdo!

Diz-se que tenho trinta anos, mas se vivitr€s minutos em um . . . ndo tenho por acaso

noventa?

O estoicismo, religiSo que nf,o possui

mais gue um mandamento: o suicfdio!

Cagar 6 uma oragfo, segundo dizem os

democratas quando cagam.

Mas a ruina ou o progresso universal ndose manifestardo por meio das instituigdes poli-ticas, senSo pelo'envi lecimento dos coragOes.

EntEo, o filho fugird da famflia, ndo aos

dezoito anos, mas sim aos doze, emancipadopor sua precocidade ambiciosa; fugirS n5o para

ir ao encontro de aventuras her6icas, nfro para

libertar uma beldade prisioneira em uma torre,nem para imortalizar com seus pensamentos su-

blimes uma pobre "buhardilla", sendo para

montar um com6rcio, para enriquecer-se e fazercompetencia ao seu infame pai, fundador e

acionista de um didrio que derramard as luzes,fazendo que se considere ao S6culo desta 6pocacomo um suporte da srpertigSo .

Porque no homem existe coisas que se

fortificam e prosperam enquanto outras se debi-litam e se tornam pequenas; e, gragas ao pro-gresso destes tempos futuros, ndo sobrarSo detuas entranhas mais que as visceras. Esses tem-pos podem estar pr6ximos; quem sabe se in-clusive jd tenham chegado e se o sossego de nos-sa natureza ndo 6 o rinico obstdculo que nos im-pede de apreciar o meio em que respiramos.

Perdido neste mundo mesquinho, acoto-velando-me com a multidSo, sou como um ho-mem abrumado, cujos olhos n5o v6em, olhandopara tr5s, aos anos profundos, mais que cansago

e amargura, e ante si mais que uma tempestadesem nada novo, sem dor nem ensinamentos.

Ser um homem 0til, me pareceu sempre

algo horroroso.

N5o pode haver progresso (verdadeiro,

isto 6, moral) mais que no indiv(duo e pelo

indivfduo mesmo. Mas o mundo estd feito degentes que so podem pensar em comum, em

bandos. Tamb6m existe gentes que pdo podem

divertir-se a neo ser em rebanhos. O verdadeiroher6i se diverte sozinho.

Vejam a George Sand. E sobretudo, e

mais que nada, uma grande idiota; mas estd

possufda. O que diz da poesia, seu amor pelos

operdrios . . . o fato de alguns homens haverempodido enamorar-se de semelhante letrina, 6

uma prova palpdvel de baixeza dos homens des-te s6culo.

Ndo podendo suprimir o amor, a lgrejaprocurou, ao menos, desinfetS-lo, criando omatrimOnio.

O que o amor tem de chato 6 ser um cri-me, para o qual se necessita um c6mplice.

Oue 6 o amor?

A necessidade de sair de si mesmo.

O homem 6 um animal adorador.

Adorar 6 sacrif icar-se e prostituir-se.

Todo amor 6 tamb6m prostituigeo.

Sempre me assombrou o fato de que as

mulheres possam entrar nas igrejas, Oue conver-sagSo podem ter com deus? A v6nus eterna (ca-

pricho, histeria, fantasia) 6 uma das formas se-

dutoras do diabo.

O dia em que o iovem escritor corrige suaprimeira prova, se sente orgulhoso como o estu-dante que acaba de constatar sua primeira sifi-lis.

No amor, como em quase todos os assun-

tos humanos, o comportamento cordial 6 o re-sultado de um equfvoco. Este equfvoco 6 o pra-zer. O homem grita: Oh, anjo meu! A mulherarrulha: mamde! mamde! E este par de imbecisestdo persuadidos de que pensam da mesma for-ma. O abismo intransponivel que os incomunicacontinua intransponfvel.

Saint-Marc Girardin disse uma frase queficard : Sejamos mediocresl

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Povos n6mades, pastores, cagadores, agrf-colas e inclusive antrop6fagos, podem ser todossuperiores a nossas ragas do Ocidente, pela ener-gia e pela dignidade pessoal.

O homem de g6nio guer ser 0nico por-tanto, solitdrio. A gl6ria 6 seguir sendo Onicoe prostituir-se de uma maneira original.

Glorificar a vagabundagem 6 aquilo quepoderfamos chamar de boemianismo.

Ouanto r"i, o homem cultiva as artes,

menos fode.

Entre o esp,if ilo e a besta se produz umdiv6rcio cada vez mais sensivel. 56 a besta fodebem e a fornicag5o 6 o lirismo do povo.

Foder 6 aspirar a entrar em outro, e o ar-

tista jamais sai de si mesmo.

Para o comerciante, a pr6pria honestidade6 uma especulagdo de lucro.

Um funcion6rio qualquer, um ministro,

um diretor de teatro ou de um jornal podem

ser, ds vezes, seres de estima; mas jamais serSo

divinos. S5o pessoas sem personalidade, seres

sem originalidade, nascidos para a fungSo, isto

6, para a domesticagSo p0blica.Todo jornal, da primeira d fltima linha,

n5o 6 mais que uma trama de horrores. Guer'

ras, crimes, torturas, crimes de prfncipes, cri-

mes de naq6es, crimes de particulares, um por-

re de atrocidades universais. E 6 deste aperiti-

vo repugnante que o homem civilizado acom'panha sua comida de cada manh5. Tudo neste

mundo, sua a crime: o di5rio, os muros e o ros-

to do homem. Ndo compreendo como uma mdopura pode tocar um jornal sem sentir uma con-

vulsSo de asco.

Todos os imbecis da burguesia que pro-

nunciam sem cessar as palavras: imoral, imora-

lidade, moralidade na arte e outras idiotices do

mesmo estilo. me fazem pensar em Luisa Ville-

dieu, puta que cobrava cinco francos, quem

acompanhando-me uma vez ao Louvre, aonde

nunca havia ido, cheia de vergonha me pergun-

tava, diante das est6tuas e dos quadros imor'tais, como era possfvel gue estivessem expostas

ao p0blico semelhantes indec6ncias.

Depois de uma orgia, sempre nos senti-

mos mais s6s, mais abandonados

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A cada mlnuto nos esmagam a id6ia e asensaqdo do tempo. E ndo existe mais que doismeios para escapar deste pesadelo, para esquec6-lo: o prazer e o trabalho. O prazer nos gasta.

O trabalho nos fortalece. Ouanto mais nos ser-

vimos de um destes meios, mais repugn6ncianos inspirard o outro.

A desgraga constante produz na alma omesmo efeito que a velhice no corpo: i5 n5o po-

demos mover-nos mais, nos deitamos. . . *

Sfntese e tradugdo do livro: "Gharles Baudelaiie-di6rios fntimos" - Publicado por La nave de los lo-cos, Premid Editora S.A. - Mdxico 1979.

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QUEM, APESAR DAS PRETENSOES DESTA SOCIEDADE, PODE DORMIR EMPAZSABENDO OUE OBTEM SUES PRAZERES MEDIOCRES DO TRABALHODE MILHOES DE ALMAS MORTAS?

Karl Marx

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POR

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INTERPRTTATf,O

um efeito est6tico e/ou sin6rgico resultante dainteragdo dos vocdbulos. E isto 6 o que importarealmente. O poeta 6 um tecel6o de sfmbolosnuma estamparia c6smica; ndo deve ser acusa&de herm6tico ou obscuro, porque estd em buscado inefdvel.

As dicotomias polftico-ideol6gicas acen-tuaram-se e estamos esquecendo o sentido pro-fundo da Arte e da Vida, que deveria ser preser-

vado, por assim dizer, secretamente no coraqiiode cada homem.

Na nossa primeira juventude chegamos a

desejar e esperamos que cada homem se torneem artista. Mais tarde um pouco, com algumafrustragdo, constatamos que ndo 6 bem assim.lnfelizmente existe uma amarga e sombria orga-nizag5o por detrds da aparGncia de realidade das

coisas e o que mais entristece qualquer pessoa

sensfvel nos dias de hoje, 6 o sentimento derebanho que temos d nossa volta. Macacos diri-gindo macacos!

O espontanefsmo como manifestagdo ar-tfstica, que existe aqui no planalto central, po-de ser bem intencionado, mas 6 pueril e passa-

dista. As coisas ndo se misturam assim com tan-ta facilidade. quando se trata de atingir objetivos

- e antes de tudo a verdadeira arte neo conheceum fim pr6-estabelecido - existem determina-

DA

CIITTlIR A

MOLITERNO, Bruno

Parte dos artistas contempordneos temseu passado remoto junto aos antigos guerreirosque conquistaram povos. Guerreiros e artistaspossuem o sentido da coragem e da beleza co-mo uma heranga aristocr6tica que hoje em diadesapareceu quase completamente.

A arte e o sentimento do Belo s5o realida-des muito mais sutis do que a maioria pensa oupercebe. No caso da poesia, por exemplo, muitoembora o verbo po6tico venha perdendo seu va-lor como entidade porta-voz da Beleza, o que se

busca sempre em qualquer imagem do poema 6

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DE l,A ^?ossfA?

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A FENOiIENOLOGIA E, EM UM DE SEUS ASPECTOSuturA MEDrregAo soBRE A DESESPERA9AO E A MORTE.

Hegel

das projeqdes que atingem apenas um p0blicodelimitado. Por outro lado hd realmente as ma.nifestag6es genufnas da cultura popular numcircrrito fechado de repercus5o, assim comoexistem os "boldinismos"* de toda espdcie pa.

ra os setores em ascensto s6cioccon6mica. Mas

a arte que permaneoe e flui das camadas maisapuradas da cultura, s6 sa preocupa com a li-berdade individual de cada homem, a-partirda experi€ncia do autor.

O que asistimos hoje como "cavalo debatalha" dos jovens brasileiros 6 a negag6o, re-press5o e confusfo de sentimentos atCvicos que

lhes sdo conhecidos apenas parcialmente; senti-mentos estes que est6o presentes em nosso in-consciehte por s6culos de cultura jesuftica. Aatitude conseq0ente e realmente libertdria se-

ria, antes de tudo, a verdadeira compreens6o ea sublimagfo desses problemas para a superagfode obsdculos e para que finalmente algumaF€nix alge v6o destas cinzas.

O anarquismo ndo 6 o sempiterno cios.

Podemos estar sendo confundidos com a

n6va onda de conservadorismos que parece es-

tar se formando nos horizontes do mundo oci-dental, mas o que queremos 6 ir mais longe e

mais fundo. Desejamos abrir espagos para

eventos cu ltura is tnrdade i n mente i m porta ntes.

Como exemplo, seria de enorme valia para a

cultura, se os pobres os miserdveis e desfavore-cidos marcassem datas para o pranto coletivci;e seria,de enorme valia tamb6m, se as pessoas

que possuem real capacidade artfstica procuras-

sem um eco profundo na elaboragdo de seus

temas e materiais.

Transcender as arengas entre o poder e osque dele se nutrem ou a ele s5o subordinados!

Transcender os azedumes correntes e vi-ver de dentro para fora!

Abaixo os falsos artistas!

Estes nfo s5o maus porque enganam os

outros, mas sim porgue enganam a si mesmos.

' BOLD|NI., pintor italiano, tendencioso, que pintavapara uma burguesia hiP6crita.

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( RACISMO E COLON IALISMO)

GIAMMANGO. Roberto

"Oue o mundo saiba que de suas mdos,das mSos desta sociedade, est6 correndosangue . Oue o mundo saiba como dgrande sua hipocricia! Como d possfvelque vocds. os negros, possam expressaragradecimento dqueles que lhes ddo oque jd vos pertence? Aqueles que lhesdao apenas uma mfnima parte do que,por direito, j5 lhes pertence?,"

x., 1964

Para compreender o significado e a din6-

mica do racismo 6 necess5rio abandonar a l6gica

do Sujeito-Obieto, do Eu-Ndo-Eu; dito em ou-

tras palavras, negar os aspectos humanos. Ndo 6

justo afirmar que as categorias adotadas pelo

homem ocidentat esteiam impregnadas de racis'

mo quando s5o o produto mais apreciado e refi-nado das relag6es de engano e de atropelo, da

preponder6ncia da esfera de tr6nsito e da unila-teralidade social.

Todo razoamento sobre os excluidos do

mundo inteiro, os oprimidos, humilhados nos

mais variados graus e com os m6todos mais dis-

22

tintos, enterrados vivos ou privados do direitode ser homens, deve ser, antes de tud6, um razoamento sobre aqueles que estdo abaixo, sobre

a perspectiva da exclusSo, deve procurar ver as

coisas sob a luz do que a civilizaqdf,chssificasem hesitar como inferior, anormal e patol6gi'co,

Em seu mundo de sombras, de c6digossem significado, nunca houve lugar para o re-

conhecimento do Outro. Ouantas vezes depoisde mil e mil proclamag6es, a "cultura" dicidiue admitiu que o negativo havia sido difinitiva-mente absorvido! O Outro erc, conforme o mo-

mento, o inimigo, o desprezivel, o criminoso, olouco. o judeu, mas invariavelmente, antes de

todos, o negro, o homem de c6r.

O Racismo sob todas as suas formas ex-plicitas e muito mais ainda implicitas, 6 o 0lti-mo reduto da "cultura", o que sobrou depoisque caducaram todas as mediag6es, as destrezas e as frivolidades do trato social. Unicamerrte se a dominag5o 6 capaz de submeter o Ou-

tro, de estabelecer sem equfvocos qual h5 de

ser o lugar do Negro, de fixar o destino de erfermo mental e de classificar a identidade secial de suas vitimas, entdo, inclusive a pr6pria"cultura" deve tirar a mSscara e revelar suas

origens.

Ouando se colocou o mundo frente ds

cifras de produgdo das fSbricas de morteNazis, a margem da "cultura" ocidental ainda

era bastante ampla, muito mais ampla do que

poderia s6-lo em 1967 diante das f5ceis faga-

nhas, ao racismo talm0dico e a demagogia

esquerdista de lsrael. Ent5o, p6de atribuir-sea um so povo a responsabilidade do genoci-

dio, enquanto a outro povo se atribufa exclu-sivamente o papel de vitima.

A "cultura" h6 de explicar tudo, ou bem

com a loucura de um homem ou bem com ahipnose das massas, com o culto do "sangue e

da honra", com o nacionalismo exagerado e omilitarismo da tradigdo prussiana, com o coftflito entre os interesses econ6micos regionais.Os olhos do mundo se fixaram sobretudo nas

aberrag6es, no extravio de um povo que deu

tantos artistas, tantos fil6sofos, tantos cidadSos

honestos. Em Nuremberg se montou um processo internacional para castigar aos criminososNazis imediatamente depois da explosSo at&mica em Hiroshima e em Nagasaki, enquanto

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se desenvolviam com €xito as matanqas de Ma-

dagascar, do Congo, Filipinas, Borneu e os ci-

dadSos norte-americanos de origem iaponesa

saiam dos campos de concentragdo da costa oci-

dental dos EE.UU., onde haviam permanecido

durante todo periodo da guerra.

O anti-semitismo foi analisado com as

mais refinadas categorias s6cio-psicol69icas,

sempre dentro da l6gica ocidental. Falou-se de

"Rotina sacrificadora mim6tica" (Horkheimer

y Adorno), de emporcamento e agressividade

compensat6ria (Nathan W. Achermann e Marie

Jahoda), de pseudo identidade em relagdo com

o comportamento em situag6es extremas (Bru-

no Bettelheim), de sindrome autorit5ria de re-

gressSo (os autores de "personalidade autorit6'ria"), de mortificagSo narcisista, de mobiliza-g5o da fusSo instintiva oposta, de todos os me-

canismos de defesa e todas as formas possiveis

de racionalizagdo. Tanto na forma como o anti-

semitismo tem sido analisado e explicado, co'

mo na aparigdo de forgas que tendiam d sua des-

truigdo, se pode per,ceber claramente a .iniciati-va e a contribuigSo dos pr6prios perseguidos,

isto 6, dos pr6prios hebreus, e isto durante s6-

culos.

Os judeus eram acusados de ser a encarna-

95o da "Erwerbsprinzip": 6nsia de riqueza; e de

haver desprezado e contaminado o cristianismo.Assim, enquanto na Pol6nia e na Ucr6nia os

judeus eram destrufdos sistematicamente pela

alianga dos grandes latifundi5rios com os cam-

poneses e so conseguiram sobreviver gragas aos

interesses do Governo Central que necessitava

de arte$os, os comerciantes e agiotas, na Ale-

manha, onde eram uns burguesbs que competiam com outros burgueses, foram aniqiiiladospela alianga entre os grandes capitalistas, que

exigiam o controle de todos os mecanismos de

financiamento, e os artesSos e camponeses que

viam no hebreu o explorador direto. A difini-

95o do hebreu atravds de sua religido, e por

conseguinte atrav6s de sua maior ou menor par-

ticipacio na ess6ncia da civilizagSo ocidental,

transfere toda a questSo a um fato cultural, que

serve de crit6rio explicativo, enquanto que o

primeiro 6 o que propriamente caberia aclarar'

"Buscamos o egredo do hebreu n6o na

religito, ainda guando buscamos o *gredo da

rctigido no hebreu verdadeiro . . . Oual 6 o fun'damento univerl do hebreu? O neg6cio . . .

Aual 6 su deus univercal? O dinheiro. Uma or'

Alexandre moreu, Alexandrc foi sopultado, Aexandre

se fez p6; o g6 6 terta; e da terra se faz barro' e

por que "o- "*

barro em qu€ sg oonwrt€u nio se poderia

tapar um barril de cerveia?(Hamlet, a. V, cena llSchakgpoaro.

A presenga do judeu na cultura ocidentalsempre esteve organicamente estruturada e, na-

quilo que lhe diz respeito, o mecanismo racista

da exclusdo se nranifestou sempre com umas ca'

racterfsticas bem diversas no que diz respeito ao

que se aplicou, em prejuizo dos povos de cor.

A comunidade hebraica - escreveu Sartre

- ndo 6 nacional nem intemacional, nem reli-giosa, nem Ctnica, nem politica: 6 uma comuni-dade quae hist6rica. O que faz o hebreu 6 sua

situagdo concrcta, e a identidade de tal situag1oo une aos demais hebreus. Este corpo guae his-

t6rico ndo pode considerar-se como um elemen-to estranho d sociedade, sendo que, pelo contr6-rio, Ihe 6 necesdrio.

ganizqflo da sociedade que eliminase as hip6-

tesis do confrcio e portanto a posibilidade de

negociar, faria imposivel a vida pan o iudan.Sua con*i€ncia religion c dissolveria como

um vapor incon*iente na vital atmosfen da

s(Eiedade .. N6s rcconhecemos, pois, nojudaismo, um atual e univercal elemento "anti-social". O espirin prCtico do iudan s conver'

teu no eqlrito pnitico dos povos czbtSos Os

judeus e emanciparam na medida qn que os

cristios se tomanm iudeus"t .

O anti-semitismo ndo 6 uma aberragSo se

ndo a manifestagSo excitada de um conflito que

a sociedade burguesa ocidental leva necessaria'

mente consigo. O fato de que haia sido subli-

23

Page 26: Revista Vibora Edição 2

mado, ou semi-reduzido, ao nivel religioso, se

explica com a disparidade do desenvolvimento

entre a integragdo econ6mica e stra envolturapsicoideol6gica. E apenas um aparente para-

doxo a afirmagSo de que, na Alemanha os ju-

deus foram exterminados precisamente quando

haviam deixado de ser judeus. A forma de ex-ploragSo que se lhes atribufa durante s6culos,

a usura que tanto a lgreja como o Estado prati-cavam a nivel institucional e condenavam a ni-vel privado, as t6cnicas comerciais nas quais

foram mestres durante muito tempo, eram des-

de agora um jogo de criangas diante da planifi-cagSo global da ind0str.ia e da criagSo de umimenso mecanismo econ6mico-militar. E verda-de que os judeus mais ricos e cultos se adapta'vam plenamente d nova sociedade monopolistae praticavam em todas oportunidades a inj0riasocial em prejuizo dos iudeus mais pobres.

N5o deixa de ser diferente a posigSo donegro na sociedade e tamb6m diferente a ima-gem que a "cultura" cria do homem de cor. Co-

mo tem sido possivel v6{o com mais freqlidn-cia, o aoti-semitismo 6 uma postura de 6dio nogue diz respeito aos hebreus como tais, comoh6spedes ingratos, parentes degenerados, s6cios

de neg6cios zuios, fi6is a uma religido considerada arrogante e unilateral.

Em vez disso, o negro 6 para o homemocidental um amigo inferior, um bom animal

dom6stico que, se permanecesse em seu posto,

teria direito de ser protegido, sob o paterna-lismo de quem est6 seguro de sua superioridadegragas ao mecanismo da dominagdo.

A relagdo 6 qualitativamente diferente: o

judeu 6 um protagonista inimigo enquanto que

o negro 6 um objeto. O 6dio para com o primei-ro 6 total e requer constantes argumentos intelectuais, sendo como 6, filho de uma sindromecompetitiva, enquanto que o 6dio para com onegro nasce do terror daquilo que com ele po-

deria acontecer. Se como Malcolm X, se trans-formasse um house nigger lum negro de curral)em um field nigger (um negro de campo), umTio Tomas em um revolucion5rio, onde iriamparar as c6modas e tranqiiilizadores respostas da

"cultura"?

O judeu id n5o pode mudar mais, trans-

formar-se. Assume seu papel especffico no 6m-

bito da ordem e sua chamada unidade se con'

verteu, igual a todas as demais dimens6es psico-

24

ideol69icas, em totalmente intercambi6veis.

"Um impulso tdo poderoso ndo s6 prtduz o sonho criador, sendo que da vis6o parc-

sitdria que os judeus criam da dominagio domundo, dimana uma fdrga enorme. DuranEaproximadamente t& milfinios os iudeus t6m

sido os magos da polftica e da economia. Fi'zeram inscidvel sua ede de ouro. Sempre gue

s abre uma ferida no corpo de uma nagdo, ojudeu se precipita sobre ela, e como bom pa-

nsia, s aproueita dos momentos de debili-dade dos grandes deste mundo. Ndo quer a-sgurar-# a dominagdo mundial como her6i*n6o que o que leva adiante a poderon vi€odo parasita 6 o transformar o mundo inteiroem tributdrio sr;u.'a

Oual 6, por outro lado, a imagem que a

"cultura" cria do negro? O mecanismo oficialque, como dizia Frantz Fanon, "ndo acaba nun-

ca de falar do homem, ainda que seia pisandoo

onde o encontra, em todos os pontos do seu

pr6prio caminho e em todas as partes do mun-

do", sancionou, faz muito tempo, o veredictoem relagSo ao negro. A inferioridade biol6gicadescoberta no s6culo XlX, 6 muito pouca coisa

diante da incapacidade de participar nas categorias de jufzo gue a "cultura", desde Arist6telesat6 hoje, considerou sempre como as 0nicasportadoras da verdade.

Talvez possamos encontrar o mais interes-sante documento sobre o afastamento l6gico epsicol6gico do negro, a mais direta e coerentemeditagSo no que se refere d relagdo da pot6rr'

cia colonialista do Espfrito com seu vassalo, a

soberba, em uma pilgina de Friedrich Hegel, o0ltimo fil6sofo do ocidente, uma vez que, de.pois dele, a 0nica filosofia possivel 6 a antifilo-sofia. Trata-se de uma ligSo sobre a filosofia da

hist6ria ditada aos estudantes da Universidadede Berlim em 1831. Nela se encontram todos os

ingredientes do colonialismo l6gico que a "cuFtura", em uma sucessSo de formas aparentFmente teo diversas, acaba sempre por identificarpontualmente com a civilizagdo.

"Ndo deixa de ser carrcErfstico para (B

negros que sua conscidncia ndo esteja vinculadacom a consideraqdo de qualquer difinigdo obj*tiva, como por exemplo, Deus, a Lei, 6 gudposse aderir a vontade do homem e na qual 6passlvel alcangar a intuigdo de sua pr6pria *

Page 27: Revista Vibora Edição 2

#ncia . . . O negro repr&nh o homem natunlem sra plena barbdrie e soltun: para compneen-.dt-lo temos que rcnunciar a todas nosss intui-gdes europdias. Ndo devemos Wnsr nem emum Deus espiritual nem em uma lei moral: te-mos que abstrairmo-nos de gualguer eqfrito dereverdrrcia e de moralidade, de tudo o que sechama &ntimento, g quenemos aaptar exata-mente sua natuneza. De fato, tudo isr;o Frtencediretamente ao homem:'bm gu carater ndo 6posfvel encontrar nada que bnha uma carrc-Erfstica humana". Portanto, , nfio podemosidentificarmo-nos, realmente, com o sntimen-

to, com sua nafireza,- da mana manein gue

ndo podemos identificarmo-nos oom a de umcachorro ou com a de um grcgo que e ajoelhadiante da imqem de Zeus .'. . No daprezo dosnegros pelo homem, o caracterlstico ndo 6 tan-to o desprezo da morE como a falta de rcspeitopara com a vida. Quanto menos valor En, umhomem para si m6mo, tanto menos wlor tem

a vida: de fato, a vida # Em um valor enquantoque no homem existe algo superiormente vdli-

do. O desprezo do negro pela vida nda 6 causa-

do pelo aborrecimento de vitnr, ndo 6 o frutode uma sociedade acidenhl: 6 que, genuina-

mente, a vida carece de valor pan ele. O negro

.-rr:-r-fl

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rE-- --

Page 28: Revista Vibora Edição 2

s suicida freqiientemente ao sentir-s ferido emia dignidade ou quando i castigado pelo rei.* ndo se suicidase seria considerado cotnrde.O negro ndo pensa na conservqdo da vida, nemtampouco na morte. A este desprczo para coma vida, cabe agregar a grande valentia, ilstena-da pela imensa forga ffsica dos negros, os quais

s deixam matar aos milhares quando guerreiam

contra os europeus. De fato, a vida s6 tem valoronde tem como finalidade a sua dignidade.'a

"Privado de objetividade, o negro-6 natu-reza, um esada anterior ao da consciancia, ofundamento instintivo e portanto, o beb6 gue

ndo crescerd por carecer de existAncia hist6rica.O negro 6 tudo o que a sociedade branca decideque hd de ser: a providfincia o presenteou em

cust6dia. Em 1838 John C. Calhoun (o grande

apologista da escraviddo humanitiiria) dizia: Amisteriosa vontade da Providdncia reuniu duas

rcgas procedentes de distintas regides do globo,

e as fez situar-s, em ntmero quase igual, aquino Sul da unido. Se uniram de uma maneira

insepardvel, tornando imposfvel a iddia de uma

cparagdo. A experiAncia tem demonstrado que

66,ta rebgeo aportou as duas ragas d paz e dprosperidade; ambas melhoraram e, em resumi-

das contas, muito mais ainda a raga inferior, atdo extremo de que alcangou um nfvel de civili-zagdo jamais conhecido pela raga negra em ne-

nhum outro pals nem em nenhuma 6poca . . .6impossivel que em nosso pals s desncadeie oconflin enffe o capital e o tnbalho, uma vez

que 6 6o dif icil criar e pre&nnr as instituigdeslivres em todas as nagdes ricas e civilizadas onde

ndo existe, como em noso pafs, a escraviddo".a

A estes componenres fundarnentais, a

teoria da "civilizagSo" agregou outras menos

sublimadas por6m igualmente eficazes. Uma de-

las tem sido iempre, (por exemplol a piedosa

convic9so de que, como fez constar em 1882

G. F. Holmes, ao resenhar "A Cabana do Pai

Thomas", de Beecher Stowe: "Toda as ngasacostumam-* da mesma manein ds condigdesque lhe s6o deparadas pelas circunstfincias. Os

pr6prios parias podem sr'ntir.sc felizes, pois oque 6 insuportdwl para uma rdga, ou pan umaclaw, ndo o 6 de fato para outra. As alegrias e

as angtlstias do wravo estfu em harmoniacom sua posiOdo e diferem.toalmente do que

poderta fazer a felicidade ou a dagrqa de ou-

tn claw".

26

A cnorme litlratura inspirada nestes prirrcfpios j6 ndo tem realmente um valor em si

mesma; pordm sempre terd como fundamento a

imagem que a "cultura" tem do negro.

Ndo ter origem, nem idioma, nem hist&ria, esta 6 a imagem de si mesmo que a Ordem

imp6s ao negro desde o mesmfssimo momentoem que os primeiros e miseros escravos pisaram

as costas americanas. S5o as formas psicol6gicacom as que se hd racionalizado esta falta de

poder e esta sujeig5o absoluta.

Por6m, a "cultura" acode imediatamenbpara reparar. Pois a ela s6 lhe interessa a irn+gem do negro que, na atualidade, no estado da

revolta, pode servir para sepultar o passado e irtegrar com meios mais adiantados as massas doa

"guetos" da Am6rica. Por isso mesmo continuarepetindo para si mesma que a imagem pertenoe

ao passado e que, na realidade, s6 6 comparti-lhada por uns grupos reduzidos, "ideol6gica.mente atrasados".

Se a andlise critica quer captar a din6micado problema, jd ndo pode esbutar aquelas vozes,

i6 ndo h6 mais tempo. S5o os ecos consumadose esgotados de um narcisismge de uma vilaniat5o bem estruturados que podem at6 passar por

um pensamento original e de amor ao homem.

O 0nico que interessa 6 compreender como as

vftimas v6em a pr6pria realidade, o que 6 que

para elas representam as l6gicas universalizag6es

do terror, dos tabus, a "obietividade hegeliana",as retic€ncias dos historiadores, a cumplicidadedos cientistas, a unido dos moralistas, o insfpidopaternalismo dos n5o violentos, a mentira iurf-dica, as manhas da pedagogia, em uma palavra,

a "civilizagdo branca",' este mecanismo oficialque administra, no cdu, na terra e no reino doespirito, os interesses do poder colonial. *

(11 Karl Marx. "Sobre a questSo judia"

l2l Alfred Rossmberg: Der Mythus des XX Jahr-hunderts

F. Hegel. "Lgzione sulla filosofia della storia"

John C. Calhoun: discurso de 19 da janeiro dc1888

Sintese do livro: Black Poranr, de Roberto Gi+mmanco. Especificamente o capftulo intitulado: Racismo e Colonialismo. Ediciones Penfn-sula - Barcelona.

(31

(4)

(*)

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[l"tfilede

ltlrmias

BAZZ:O, Ezio Fl:ivio

Enquanto espero, escrevo. Escrevo com

eltas mesmas maos incansdveis de abrir e de fe-

char portas e de apertar outras mdos pelos cor'

redores suios da com6dia humana - - . e tudo se

repete . . . se repete . . . se repete. E realmente

dif fcil sustentar qualquer tipo de ilusdo depois

dos trinta anos. (Mas, e os velhos, as velhas que

conhego, como fazem?) "Estes velhos corcun-

das, vestidos com farrapos, mancos, paraliticos,

cobertos por sujos casacos pretos, mulheres ve-

lhas e disformes com desesperados rostos de

epil6pticas e hist6ricas, megeras com a cabelei-

ra desgrenhada e o olhar feroz, an6es disformes

fazendo contorgdes de palhagos, velhos cegos

que levantavam aos c6us suas pupilas mortas. *

Ouem sdo estes velhos - me pergunto - que,

conio espectros assustam as criangas no Par'que? Como se suportam vivos nesta condigdo

de vermes? Oue ilus6es sustentam estes sonem'

bulos corpos que i5 pereceram? Realmente neo

tenho nenhuma ilusSo. JC nllo tenho nenhuma

ilusfo com os homens nem com a vida. Minhas

energias mais vitais, eu as fabrico diretamente

no meu coragfo ou mesmo do coragdo das coi'

sas e, o mais interessante, sempre sob o rel6gio

da sorte, ainda sabendo que, freqiientemente

estas coisas me obnigam a baixar a cara para

iunto do asfalto, e respirar a pedra transmuta'

da . . . cara sangrando contra uma calgada ' ' 'um poema 6pico mal cantado diante da peque'

na estdtua de V€nusl

Jd n6o posso ver na poesia nem no sonho

fantasma da literatura, uma raz6o de ser' Socie-

dade de falsos! Servidores p0blicos das letras"'

an6nimos que imprimem, besteiras em pedras'

As letras nunca deixaram de ser gritos estdreis

para os quais nunca houve ouvido algum que

estivesse atento . . . S5o como os gritos de um

desgragado no deserto, implorando dgua por mi-

seric6rdia. Seu destino 6 morrer com o ventre

levantado em diregSo ao sadismo de um sol in-

ruport6vel. Sim, as letras sto elocubragdes in-

fecundas como as ervas assexuadas que cresce'

16o aos p6s dos patfbulos' Realmente assim s6o

as letras. Duas ou cem horas sobre uma mesa,

composigdo, correg6o, dicionSrios, bibliotecas,

fotolitos, vaidade, alegria precoce, grdficas, edi-

toras, vaidade cr6nica, e por fim, nossa porcaria

sintetizada e vendida em todas as livrarias pf bli'

cas. Ningu6m conhece um livro por dentro, por

mais "l6gico", "inteligente" e "real" que pare-

9a. 56 o autor e as palavras publicadas s5o c0m'

plices e o objetivo bdsico 6 fazer de quem escre-

veu um homem ou uma mulher respeit6veis. O

€xito 6 seguro, principalmente quando a popu'

lagSo 6 composta por medfocres, retardados, in-

cultos, ignorantes, etc. N5o, n5o podemos se-

guir assirn, nos fazendo de idiotas, jd 6 tempo

de declarar que somos todos surdos para os gri-

tos que €o provenientes de outro lugar que ndo

seia do nosso pr6prio corag6o. De nada servem os

gritos de um Garcia Lorca (por exemplo).

Ouem 6 Garcia Lorca? Um poeta espanhol? Um

apologista dos negros Nova lorquinos? Dos ciga-

nos de Sevilha? Dejoelhos um poeta escreve ou

um fil6sofo medita e de uma posigdo parecida

os seres excretam a Onica fungdo real do suces'

so! Do desejo de sucesso! Sim, 6 o grito de Gar-'cia Lorca que irrompe no sil€ncio desta noite,

mas sempre e sempre ser6 o grito de Garcia Lor'

ca e eu estou interessado em meu grito. O que

vem de fora n6'o 6 mais que uma pequena e ef6-

mera ader6ncia d nossa pele e logo, logo desa'

27

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lI

pareice, errapora como o 6tert A loucura, s6 a

conseguimos atrav6s das coisas que nos chegam

de dentro (pensar que tudo o que estd dentro

id esteve fora 6 ser vftima de uma l6gica oastra-

dora e imbecil), e 6 necessdrio penetrar profun-

damente na loucura para chegar a transcender a

insurportCvel rotina do cotidiano. Pensemos

bem: que rlos importa o grito ou as letras de um

senhor coino Garcia Lorca? Por mais hicidos etalentosos que seiamos, jamais poderemos en-

tender, compreender e muito menos sentir uma

s6 expressdo deste homem. Diante da palavra

ou da frase: "Oh, terra de meus segredos!" quepoderemos entender, sentir ou inventar que ndo

seja fundamentado nas experi6ncias de nosso

pr6prio coragdo? {para n5o dizer espfrito}. Na-

da podemos fazer que n5o seja projetar em ou-

tras palavras, em outras poesias, em outros mo-

mentos as nossas palavras, as nossas poesias e

os nossos momentos!!! Todos os gritos nascidos

em outras fontes so nos podem chegar comorufdos ou quando muito, como ecos de nossospr6prios gritos, que, por serem ecos, de nada

nos podem valer.

Ndo, nfo podemos seguir nos fazendo de

tontos, aproveitando-nos das letras, da m6sica

e da pintura para mascarar nossa verdadeira

condigdo, para tentar valer mais que a insignifi-cSncia que valemos. Como dizia o astr6nomo,depois de sua desilusflo: /igual que os demais

homens, me contentarei com a condigdo de umpobre inseto faminto que se move entre as fo-lhas de erva dos prados terrestres./

Acreditar na multidfo, no isolamento de

um comportamento ou nas vozes cansadas e in-vejosas do exterior 6 estar com a traqu6ia po-

dre, 6 estar quase dando adeus d vida, 6 estarpior que urh verme . . . Sim, jd 6 tempo de acre-

ditar ou mesmo de redescobrir gue s6 o "indi-viduo" existe. 56 o "individuo" com seu mun-do profundamente, privado, mundo feito e des-

feito em l6grimas, infort0nios e paixdes insatis-feitas . ,. . e que portanto, ndo pode ser divididonem participado a ningu6m. Sim, estamos sos.

Ningudm quer dar ouvidos a esta verdade, mas

todos seguem deprimidos e metidos, contra odesejo, em uma sociedade coletiva e parasitdria.

Recito Lorca - em sentido experimen-tal - neste apartamento alugado e o que ougo

de Lorca 6 s6mente o que sempre e sempre

ougo de mim mesmo, sou surdo para todas as

coisas que ainda ndo existem em mim, e este

existir em mim n5o oco-rre atrav6s de lutas do

intelectq, mas sim, de-viv6ncias que eu, s6men'

te eu posso e devo sentir. Ndo sdo de Lorca as

paiavras que ougo . . . s6o minhas, tdo minhas

como de nenhum outro homem e 6 por isso que

ndo existe crime mais est0pido que o de reser-

var direitos. S5o palavras que minha mente va-

gabunda cria ou transmuta de um mundo fan-

tasioso, de uma prisSo onde dormem condena'

das, todas as combinagdes possfveis de pala'

vras, de gestos, de gritos. Sou um falcdo que

habita o quarto andar alugado e de onde posso

ouvir tamb6m as vozes e os gritos dos b6bados

que cantam sob o clardo da lua. Hoie 6 sexta'

feira, e as sexta s5o dias fatais para os indivf-duos que foram fragmentados por uma mde

imbecil ou ainda por uma sociedade desquar-

tizada . . . Sexta 6 o dia em que a cachaga en'loquece 'falsamente" a estas mentes suicidas,

a esta multiddo fracassada, desesperada e que

morre iunto is paredes cardomidas pela urinae pelo sol das tardes . . . morre tristemente sem

nenhuma tentativa de escape, exatamente ali,sobre a calgada solitdria, onde cresce an6nima

e dissidente uma delicada flor amarela.

Ah, que prazer se pode sentir olhando as

estrelas pela janela de um apartamento alugado

e ver sobre nossas cabegas um Caos enloquecidode Astros!

Oue sensagao luxuriante neste vento no-

turno . . . e a escuriddo desafia osseresfazendoda percepg5o visual um aparelho completamen-

te infitil. E o Caoslll E o Caosll! Mas s6 no caos

se conservard a vida . . . o Cosrnos voltard a se

perder na pr6pria e neur6ticalordem. O Cosmos

6 a obsess5o que n5o abandona a debilidade ter-restre e todos temem o Caos. . . Mas6 no CaosI

I"A iniuitig. regp o univerco. Tudo o que se constr6i, tudo o qu.l vai, leva a marcr de uma fragilidade imunda, Gomo 30 a metrlrirfocr o fruto de um esc6ndalo no seio do nada.

Cioran

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F

pois de umas "quesadillas", v5o copular

'lr

que nasce a paixSo e a vida sem paixSo 6 negra

e dramdtica . . . O Drama nasceu exatamente no

momento em que surgiu a necessidade de extin-guir o Caos . . . A pr6pria G6nesispodefortifi-car minha fantasia!

A menina que estava em seu quarto fe-

chou as cortinas de seu corpo, - perdSo - de

seu quarto, porque pensa que eu prefiro baixar

meu olhar do Caos enloquecido de estrelas para

ela. Ou talvez, porque quer chorar solitdria

diante de seu espelho. Um dia algu6m escreverd

um tratado sobre a reliQ5o dos seres com o es-

pelho (penso que a vida dos individuos dependepura e simplesmente desta experi6ncia didria).

A moga fechou as cortinas de sua janela, agora

jii ndo pode levantar seus dois olhos coloridospara a infinidade de luzes que estSo "estSticas"

no espago. A moga tem raz6o, pois janelas aber-

tas foram a causa de grandes problemas. Ela

quer tirar a roupa, deitar-se no tapete vermelho

de seu quarto, abrir dicididamente as pernas e

brincar, brincar muito, muito tempo com sua

vagina molhada e ,negada . . . Mover-se de pra-

zer, fechar fortemente os olhos, morder os pr6-

prios lSbios e fantasiar, fantasiar o deus da ferti-lidade que a penetra devagar e pecaminosamen-

te. Ah, depois que descobrf que todas as mulhe-

res fazem isso, penso que fui enloquecendo pro-

gressivamente. Ouem pode imaginar um corpo

enlouquecido de mulher em um tapete verme-

lho, que reclama e pede aos deuses um Phalo de

asno, duro e vertendo s6men, sem enloquecer?

Claro que o motivo dela ter fechado as cortinas

de seu quarto pode ser outro, simplesmente pa'

ra chorar - por exemplo -, chorar sua solidSo

ou ainda a soliddo do mundo. Mas mesmo as-

sim, fechar as cortinas 6 uma tolice, pois pensa-

rd ela que eu ndo a conhego pelada? Pensa que

ainda 6 possivel esconder-se neste mundinho

de velhos e de velhas fofoqueirap? Ou acreditard

que suas entrdnhas s5o diferentes das entranhas

daquela puta que foi encontrada ontem sob as

rodas do metr6? As mulheres, e principalmente

as "mulherzinhas" sempre levam a ilusdo de gue

6 possfvel esconder-se por detrSs de uma corti-na . . . ainda depois de muitos jd terem adquiri-

do a vital consciGncia de que s6culos ap6s s6cu-

los estivemos com os olhos fechados em um

mar de putaria abjeta, n5o 6 verdade? Oue ton-

ta! Por6m este 6 um tipo de tolice que merece

de qualquer um a mdxima compreensdo; pois,

' afinal, quem de n6s ainda n5o sentiu o deseio

de ocultar-se por detr6s de uma cortina? Ouem

30

de n6s ainda nao teve necessidade de esconder-

se neste mundo de cachorros, de canibais e de

"voyeristas" im potentes, de pol fticos h ist6ricos,

de psicoanalistas euriucos e de marxistas fan6-

ticos? Ouem neste mundo ainda ndo teve dese'jo de matar um por um os caminhantes da rua?

Professores, mendigos, polfcias, comerciantes,judeus, negros, italianos, polfticos, religiosos,

etc . . . Ouem de n6s ainda ndo matou algudm,,

pelo menos em pensamentos? Em fantasias? E

por falar em fantasias, que s5o as fantasias

sendo a resposta de todos os atos bdsicos e vi-

tais que foram negados? Oue somos n6s, ba-

char6is da podriddo humana, sendo a somat6-

ria dos temores, das oragdes e das esperan9as

mais doentias? Ah, 6 necessdrio abrir as com-

portas do Dique que somos e permitir que as

dguas estancadas escapem e nos levem com elas

selva adentro . . . mesmo que nos abandone de-

pois enforcados nas drvores da margem. Sem

dividas muitos de n6s terd muito mais valor

enforcado que caminhando. Algum de voc6s

j6 se imaginou enforcado em uma 6rvore soli-

tdria na beira de um rio? Os corvos famintospasseando por entre as nuvens baiias? Ndo,

ndo acredito que algum de voc€s tenha o valor

e a honra suficiente para tanto, para imaginar

os corvos famintos repartindo vossos corpos

burgueses e doentes. Ndo, voc€s n5o possuem a

liberdade necess5ria para isso. Vossa enfermF

dade 6 estar tio metidos com a vida a pontojd ndo poder pensar na morte. /Os mortos

vivos, tal foi o grande descobrimento dos

tivos. Os vivos estSo mortos, tal foi o descob,ri-

mento da moderna filosofia existencialista./

Regresso para a janela e grito para o

enlouquecido de estrelas: como os seres se

dem por nada! Passos sobem e descem pela

cada deste edif icio alugado, pode-se ouvir curn-

primentos falsos e automdticos, cheiro de talcopara velhas, conversag6es sobre um filme deste

senhor Bergman que todos consideram um

mem de g6nio. Todos os charlatdes deste s6culo

decadente serSo considerados genialidades pela

massa cega da civilizagSo. Eu sempre os ougo

comentar nas portas dos cines: Oue filmefundo! Oue relagdo incestuosa, s6 a

profunda pode explicar!!! O miar de meu gato

me lembra que amanhf terei que comprar-

cinco pescogos na feira livre e que neste memento, os restaurantes estdo cheios de

res e de senhoras da alta classe mexicana.

i:

::l

:

Page 33: Revista Vibora Edição 2

le hotel que estd pr6ximo ao monumento daRevolugSo. Os espanh6is que chegaram no M6-xico, depois do esposo de Malinche, se dedica-ram unicamente a construir bord6is - perddo -hot6is. Estes hot6is com garagem, onde os llus-tres Don Juans da classe mon6gama do mundovdo passar uns momentos, os quais sdo cobradoscom a menor lealdade possfvel. Dizia que os res-taurantes de luxo est6o a esta hora, (11,43 danoite) lotados de senhores e de senhoras respei-t6veis e que os gargons est5o sempre com aquelesorriso aberto at6 a traqu6ia. Estes escravos quereceberam o nome de "gargons", sorriem pordois motivos bdsicos: (a) porque assim reza ocontrato que assinaram com.seus amos "devemsempre estar alegres";.(b) porque ndo esquecemque ld pelas quatro da tarde foram encontradosviirios ratos dentro da panela gue continha as

misteriosas "quesadillas". Ouesadillas de losmilagros! - dizia-me um louco no Jardim deS5o Jacinto.

De um momento para outro escrever-medd asco!

Jd ndo quero mais escrever.

Vou pela 0ltima vez d janela deste aparta-mento alugado e o Caos ainda 6 o Caos. Limpeia garganta cuidadosamente, olhei para a cortinafechada do quarto debaixo, cerrei os punhos egritei com ironia: Ay'iva a putaria desta sexta deprimavera!/ . . . depois de alguns segundos, paraminha surpressa, uma voz respeit5vel saindo domeio da noite me respondeu: /Amanh6'as m0-mias de Guanajuato desfilardo peladas pelasruas Madero e Juarezll Vocds estSo com m6do,n5o 6 verdade?

OBRIGAR A SOI.IOAO A OUEM ACABA DE DESCOBRIR OUE NAO ESTASO, NAO E UM CRIME DEFINITIVO CONTRA O HOMEM?

Camus

31

Page 34: Revista Vibora Edição 2

A (caid?r

DO

ilOMEM

NATUR f, t

DIDEROT, Denis

Era o par oe uma familia numerosa.

Ao chegar os europeus, olhou'os com des'

dem, sem dar mostras de assombro, de temor

nem de curiosidade. Ouando o abordaram, deu'

lhes as costas e retirou'se para sua cabana. O

sil€ncio e a ansiedade de que dava mostras reve-

lavam muito bem seus pensamentos: lamentava-

se dos dias gloriosos, agora eclipsados, de seu

pafs. Ao partir Bougainville, enquanto os habi-

tantes corriam em multid6es para a'praia, agar-

ravam-no pela roupa, abragavam a seus com'panheiros e choravam, aproximou'se o anciSo

e, com ar severo, disse:

32

- Clrora pobre povo do lahrti, chora!Mas que seja pela chegada, e n5o pela safda des.

tes homens ambiciosos e perversos. Um dia oe

conhecereis melhor. Um dia voltarSo, trazendonas mdos o pedago de madeira que podem verpendurado na cintura deste e empunhando na

outra a folha de ago que poddm ver pendurada

no cinturdo daquele. E com estas armas os es-

cravizardo, os assassinardo e os submeterdo aseus vicios e caprichos. Chegar6 um dia em que

estareis todos a servigo deles, tdo corrompidos,t5o vis, tdo desgragados como eles. Mas eu me

consolo: estou chegando ao final de minha via-gem e n6o verei a calamidade que vos anuncio.Povo do Tahitr'! Amigos meus! Possufs os meiosde escapar deste trdgico futuro; mas prefiromorrer antes cle aconselhar-vos. Deixai-os partir,deixai-os viver.

Depois, dirigindo-se a Bougainville, pros-

seguiu:

- E tu, chefe destes bandidos que te obe-decem, leva-te logo teu navio de nossas costas.

Somos inocentes, somos felizes; e tu n6o far6soutra coisa sen6o destruir nossa felicidade. Se-iguimos o simples instinto da natureza, e tu tra-]tastes de apagar de nossas almas sua marca.lAqui tudo 6 de todos; e tu nos predicastes eujn6o sei que disting6es entre "o meu" e "o teu".lNossas filhas e nossas mulheres nos s5o comurs j

a todos. Tu compartilhastes este privilegio el

despertastes nelas paix6es at6 agora desconhecidas. Enlouqueceram em teus bragos, e tu teltornastes feroz nos delas. Comegaram a odiar-seumas ds outras; por elas vos haveis matado entrev6s, e voltaram para n6s manchadas pelo vosso

sangue.

Somos um povo livre, tu viestes implantarem nosso pafs os tftulos nos quais se apoiardnossa futura escravidSo. N5o 6s nem um Deusnem um Dem6nio. Ouem 6s ent6o, para fazerescravos? Oru! Tu que entende a lfngua destr*homens, diga a todos o que dissestes a mim, oque escreveram nesta l6mina de metal:'IESTEPAIS E NOSSO". Vosso este pafs? E por que?

Por que pusestes vossos p6s nele? Se um tahFtiano desembarcasse um dia em vossas costas,e escrevesse em uma rocha, ou sobre a casca deuma 6rvore: "Este pais pertence ao povo deTahit(", que pensarias tu? Es o mais forte! E deque serve isso? Ouando te roubaram uma das,

miser6veis bagatelas das quais estd cheio teul

Page 35: Revista Vibora Edição 2

barco, protestastes e exigistes viganga; e ao

mesmo tempo proietavas em teu fntimo oroubo de todo um pafs! Tu ndo 6s um escra-

vo; preferirias a morte d escraviddo, e entre-tanto, queres subjugar-nos. Cr6s entdo, que

o Tahitiano ndo sabe defender sua liberdadeat6 d morte? O tahitiano, do qual tu queres

so arranc6-lo sem aiuda. Eu trabalho a terra,

escalo as montanhas, atravesso o bosque, per-

corro uma l6gua da planicie em menos de uma

hora. Teus jovens acompanhantes t6m dificul-dade para seguir-me; e isso que eu tenho mais

de noventa anos. Pobre desta ilha! Pobre dos

tahitianos presentes, e de todos os tahitianos

Esta ilha incompar6vel na qual todas as coisasdesaparecam e todo apsigo cessa, a chamo niilismo,destruigSo da velhice e da morte.

Suttanipata, V, 11.

tornar-te dono como se ele fosse um selva-

gem, 6 teu irm6o. Os dois sdo filhos da natu'

reza; que direito tens sobre ele que ndo tenha

tamb6m ele sobre ti? Ouando chegastes, lan-

gamo-nos sobre ti? Saquemos teu barco?

Apoderamo-nos de ti e te expusemos a nos-

sas flexas? Associamos-te, em nossos campos,

ao trabalho dos animais? Respeitamos nossa

imagem representada por ti. Deixa nossos

costumes; sao mais sensatos e honestos que

os teus; ndo queremos mudar o que tu consi-

deras nossa ignordncia, por tuas in0teis luzes.

Possufmos tudo o que nos parece necessdrio

e bom. Acaso somos dignos de desprezo por

n5o havermos sabido criar necessidades sup6r-

fluas? Ouando sentimos fome, temos comida;quando sentimos frio, temos com que vestir'nos. Entrastes em nossas cabanas, acreditasque nos falta alguma coisa? Podes perseguir, at6

onde queirds, o que tu chamas as comodidades

da vida; mas deixes que os seres sensatos fi-quem onde esteo, em lugar de continuar seus

penosos esforgos que so lhes proporcionariam

bens imagindrios. se tu nos convences a supe-

rar o estreito limite de nossas necessidades,

quando poderemos deixar de trabalhar? Oue

tempo teremos para desfrutar? Temos redu-

zido o conjunto de nossos trabalhos di6rios eanuais ao nfvel mais baixo possfvel, porque

nada 6 para n6s melhor que o repouso. Vd a

teu par's a agitar-te e atormentar-te como quei-

ras; mas a n6s, deixai-nos descansar. N5o'nostonteie com tuas necessidades artificiais nem

com tuas virtudes quimdricas. Olha para estes

homens; contempla sua postura, sa0de e forga.

Olha para estas mulheres: observa como s5o

sauddveis, frescas, esbeltas e lindas. Pega este

arco, 6 meu; pega ajuda a um, dois ou quatro

de teus homens, e trata de arranc5-lo. Eu pos-

futuros, a partir do dia em que tu nos visitas-

tes! N5o conheciamos mais que uma enfermi-

dade, aquela d que estSo condenados o homem,

o animal e a planta: a velhice. Tu trouxestes

outra: infestastes nosso sangue com a sffilis.

Talves tenhamos que exterminar com nossas

mdos a nossas pr6prias filhas, a nossas mulhe-

res e a nossos beb6s, a todos os que se aproxi'

maram de tuas mulheres, e as gue se aproxima-

ram de teus homens. Nossos campos ficaram

manchados com o sangue impuro, que passou

de tuas veias is nossas, ou nossos filhos conde-

nados a perpetuar o mal que tu transmitistes a

seus pais e a suas mdes, e que eles transmitirSopara sempre a seus descendentes. lnfelizes!

Serds culpado dos estragos derivados das carf-

cias de teus homens ou dos assassinatos que co-

meteremos para deter o veneno' E falas de cri'mes! Conheces algum crime maior que o teu?

Oual 6 em teu pafs a pena para quem mata a

seu vizinho? A morte pela espada! Oual 6 em

teu pafs, o castigo para o covarde que te enve-

nena? A morte pelo fogo! Compare teu crime

com este 0ltimo e diga'nos, envenenador de

naq6es, que suplfcio mereces? Faz pouco tem-

po, a jovem tahitiana abandonava-se com Oxtase

nos bragos dos iovens tahitianos; esperava com

impacidncia que sua mde levantasse seu v6u e

deixasse seus seios desnudos, ao chegar a idade.

Sentia-se orgulhosa de excitar os deseios e de

atrair os olhares amorosos de um desconheci'

do, de seus pais, de seu irmSo; aceitava sem me'

do e sem vergonha, em nossa presenqa, no meio

de um grupo de inocentes tahitianos, entre as

dangas e o som das flautas, as carfcias daquele

que lhe tocava o coragdo jovem e a secreta voz

dos seus sentidos. A id6ia do crime e o perigo

da enfermidade se introduziram em nossa ter-

ra, gragas a ti. Nossos prazeres, antes tdo doces,

33

Page 36: Revista Vibora Edição 2

riil

esteo agora acompanhados pelos remordimen-

tos e o espanto. Este homem de negro, que est6

junto a ti, que nos escuta, falou a nossos rapa-

zes, e ndo sei o que disse ds nossas jovens. Po-

r6m, nossos rapazes duvidam, e nossas mo9as

ruborizam-se. Penetra, se queres, na escuridSo

do bosque, com a perversa companhia dos teusprazeres; mas permita que os tahitianos bons e

simples se reproduzam sem vergonha, em pleno

dia e i luz do sol. Oue sentimento mais grande

e honesto poderias situar em lugar deste que

lhes inspiramos? Pensam que chegou o mo-

mento de enriquecer a nagSo e i sua familiacom um novo cidadSo, e se sentem orqulhosos.

Comem para viver e crescem, crescem para mul-tiplicar-se, e heo encontram nisso nenhum vfcionem motivo de vergonha. Escuta a continuagao

de tuas feitorias. Desde o dia em que apareces-

tes entre eles, se converteram em ladr6es. Ape-

nas chegastes a nossa terra, e a mesma se co-

briu de sangue. Mataste ao tahitiano que correu

a teu encontro, que te recebeu e abragou gritan-

do; Taiol Amigo, amigo. Por que o matastes. 56por que foi seduzido pelo esplendor de teus pe-

quenos ovos de serpente. Deu-te seus frutos,ofereceu-te a mulher e a filha, cedeu-te a caba-

na; e o matastes po um punhado de contas de

colar, que pegou sem pedir. (E que aconteceu

com este povo?) Com o rufdo de tuas armas

mortais, foi apoderado pelo terror e fugiu para

a montanha. Mas podes estar seguro que nao ha-

veriam tardado em baixar. Se n5o fosse por

mim, todos voc6s haveriam perecido. Ah!, porque os apaziguei? Por que os contive? Por que

os contenho ainda neste momento? Nao sei, j5

que tu ndo mereces nenhum sentimento de pei-

dade. Passeastes com os teus por esta ilha; sem-

pre te respeitamos; desfrutastes de tudo; ndo

encontrastes nenhuma barreira nem negativas

em teu caminho: eras convidado, tomastes as-

sento e estendemos perante ti todos os bens

deste pais. Desejavas o contacto com as jo-vens? Com excessSo daquelas que ainda ndo ha-

viam alcangado a idade de mostrar seu rosto e

seus peitos, todas as outras te foram oferecidas

desnudas por suas pr6prias m5es. Jd possuis a

terna vftima do dever hospitaleiro; cobriu-se a

terra para ambos, com folhas e flores; os mtisi-cos afinaram seus instrumentos; nada turbou a

dogura, nem limitou a liberdade de tuas cari-cias e as suas. Cantou-se o hino, o hino que

induz a que te comportes como um homem, e

que induz nossa menina a ser uma mulher com-placente e voluptuosa. Dangamos ao redor de

vosso leito; e depois de sair dos bragos desta

u

mulher, depois de haver desfrutado sobre sarseios a mais doce embriagu6s matastes airmdo, a seu.amigo, inclusive a seu pai. Fizee-

tes ainda coisas piores. Olha para este lado;contempla este recinto crivado de flexas; carmas que s6 haviam ameagado a nossos inF

migos, se voltam agora contra nossos pr6priofilhos. Olha as infelizes companheiras de vos-

sos prazeres, contempla sua tristeza; observa a

dor de seus pais e a desesperagSo de suas mdes:

neste recinto estSo condenadas a desaparecer,por nossas mSos ou como conseqtidncia da en-

fermidade que tu lhes transmitistes. Afasta-te

daqui, a ndo ser que teus cru6is olhos se ale-

grem com o espetdculo da morte. Afasta-te;afasta-te, e oxal5 os mares culpados por haver-

te protegido em tua viagem consigam redimir

seu delito e vingar-nos, tragando-te antes de tua

volta! E v6s, tahitianos, volati todos para vos-

sas cabanas; e que estes estrangeiros indignos

n6'o ougam, ao partir, mais que o ruido das

ondas e n5o vejam mais que a espuma cujofuror inunda a deserta margem.

Apenas acabou de falar e a multidSoformada pelos indigenas desapareceu. Umgrande sil6ncio caiu sobre toda a ilha, e s6 se

ouviu o barulho agudo do vento e o rufdo surdoda dgua em toda a longitude da costa. Poder-se-

ia dizer que o ar e o mar, sensiveis d voz do an-

ci5o, dispuriham-se a obedecer-lhe.

{-) De Supplement an Voyage de Bougainville(Denis Diderot!

:=:::

\_\\r\-ll-

Page 37: Revista Vibora Edição 2

OUEM MATA OU TORTURA NAO CONHECE MAIS OUE UMA SOMBRA DESUA VITORIA: NAO PODE SENT!R-SE INOCENTE. PORTANTO, TEM OUECRIAR A CULPABILIDADE NA VITIMA, PARA OUE EM UM MUNDO SEMDIREQAO A CULPABILIDADE GERAL NAO LIGITIME MAIS OUE OEXERCtCto DA FoRgA E NAO CONSAGRE SENAO O EX|TO.

Camus

i

i

I

l,i)

35

Page 38: Revista Vibora Edição 2

E

III

Itt

0

mente ao mesmo proceclimento: de um la€lo'

n6s, os "bons" e "virtuosos" revoluciondrios,

os fidelfssimos praticantes das teorias executa-

das por Marx e Lenin; e do outro, claro, os

malvados estalinistas que deformaram o sentido

aut6ntico do marxismo.

E jii que mencionamos a Stalin, digamos

de passagem que os troyskystas o condenam

por seus crimes e distorg6es dos fatos hist6ri'

cos; mas se estas acusag6es s5o feitas contra a

pessoa de Trotsky, entdo armam um escdndalo

e afirmam categoricamente que se trata unica'

mente de cal0nias, cal0nias que procuram des-

prestigiar o aut6ntico marxismo (que i6 sabe-

mos quem o possui; eles, claro!)

Estes pretextos nos fazem trazer i colo'gdo o movimento de insurreigSo que teve lugar

em Kronstad.

Como a hist6ria 6 sempre o que o Poder

;onta de si mesmo, damos passo d fCbula:

Kronstad era uma guarnigSo, uma fortaleza,

uma cidade-porto constru ida laz dois s6culos I

e meio na Russia; encontrava-se na ilha dcr

Kotlin, a quil6metros de Petrogrado. Era a de-1

fesa, pelo Biiltico, de Petrogrado. Ordinariaimente, o Golfo da Finl6ndia encontrava'scl

congelado nos meses que vdo de novembro al

abril e servia de ponte entre Kronstad e Petrogrado. Em 1921 Kronstad ocupava a quarE

parte da ilha de Kotlin; por aquele tempo a po'

pulagSo estava composta pela tripulagSo da freta do Bdltico, os soldados da guarnigdo, os oper6rios, mulheres e criangas' . .

Antes de 1921, Kronstad manifestou-se

vdrias vezes oontra o despotismo: em '1905'

em 1906, em 1915 e em 1917, contra o tzariemo; e em 1917 contra o governo de KerensklAssim, Le6n Trotsky pode exclamar algunrvezr "os marinheiros de Kronstad s5o o orgulho

e a gl6ria da revolugdo russa". Em fevereiro d:1921 os oper5rios de Petrogrado protestaran

contra as medidas adotadas pelo governo bolchevique com relagSo ao controle da repatigfrde alimentos e da militarizagSo do trabalho. Goperdrios declararam-se em greve: muitos dela

foram presos pela policia secreta do goverrn

(Gheka), e est6o os que prosseguiram a lutldifundiram manifestos onde pediam: liberdadpara todos os socialistas e oper5rios sem partidque se encontrayam encarcerados, fim ao con

ffistcnt DE

NONSTAD]

EYZAGUIRRE, Antonio

A Claudia. (despucs de esto, me amar6s?)

Faz apenas alguns meses, trotskystas e

marxistas que se autoproclamam "revolucion6-rios" e "crfticos", celebraram na cidade do M6-

xico o centenSrio do nascimento de Le6n Tro-tsky; evocaram profusamente as virtudes e os

sacrificios do mestre, e mesmo sua dura lutacontra os "perversos estalinistas", colmando de

elogios sua pessoa de uma maneira tal que me

fazem recordar o livro de Tomds Carlyle intitu-lado "Os her6is" (autor que, sem d0vida 6 des-

prezado por alguns marxistas que o acusam de

"pensador pequeno burgu€s", porque chegou a

pensar que a hist6ria era feita pelos her6is).Al6m disso, os trotskystas apelam freqiiente-

36

-e{

v,-

Page 39: Revista Vibora Edição 2

trole de alimentos, eleig6es livres dos comites

das fdbricas, sindicatos e soviets. Os operdrios

de Petrogrado seriam mais tarde reprimidos pela

forga do Ex6rcito Vermelho e da Cheka.

Entretanto em Kronstad, os marinheiros,

inquietos pelas noticias chegadas de Petrogrado,

decidem enviar uma comissdo para informar-se

da situ.aqSo em que se encontravam os oper6rios

de Petrogrado. Ouando a comissdo regressa, os

marinheiros se inteiram de que existe em Petro-

grado uma polfcla repressiva por parte do go-

verno e contra os operSrios.

No dia 28 de fevereiro os marinheiros de

Kronstad se solidarizam com o movimento de

protesto dos operdrios de Petrogrado, e o pri-

meiro dia de margo do mesmo ano, em um

motim, se re0nem quinze mil marinheiros na

praga principal e pedem ao governo o fim da

polftica repressiva e a criagSo de "soviets"livres, juntamente com as demandas apresen-

tadas pelos trabalhadores de Petrogrado.

Em um comunicado fechado no dia dois

de margo, Lenin e Trotsky declaram: "Os ma-

rinheiros de Kronstad sdo o instrumento dos

antigos generais tzaristas quem, de acordo com

os traidores socialistas revolucioniirios, monta-

ram uma conspiragSo contra-revoluciondria,contra a rep0blica Proletiiria".

Por estes dias estala a rebelido em Krons-

tad, e organiza-se o ComitC Revolucion6rio de

Kronstad, que proclama o comego da Terceira

RevolugSo, declarando ao mesmo tempo o se-

guinte: "CidadSos, a partir de agora, Kronstad

passa por um periodo de intensa luta pela liber-

dade; espera-se a qualquer momento uma ofen-

siva do governo bolchevique, que procurard

apoderar-se de Kronstad e escravizar-nos outra

vez". (lzvestia).

Em Moscou, entretanto, a campanha con-

tra Kronstad comega a adqurir seus perfis de-

finitivos. Nesta cidade se difunde pelo rddio - e

pelos meios oficiais - que: "6 evidente que o

motim de Kronstad foi preparado em Paris e

organizado pelo Servigo Secreto Franc6s. . ."

No dia 4 de margo as autoridades bol-

cheviques de Petrogrado, para intimidar aos ma-

rinheiros, tomam como ref6ns a algumas famf-lias dos marinheiros de Kronstad residentes em

Petrogrado. Por sua parte, o Comit6 Revolucio'

niirio de Kronstad exige que as familias dos ma-

rinheiros, operdrios e soldados detidos como

ref6ns seiam postos em liberdade em um prazo

de 24 horas, e declaram que os comunistas go-

zam de plena liberdade em Kronstad e que suas

famflias est5o fora de perigo, mostrando que

(diante deste tipo de ato) "n5o queremos der'

ramamento de sangue nem um s6 Gomunista

foi fuziliado por n6s". E decidem ent5o enviar

duas delegagdes a Petrogrado para tentar deba'

ter com o governo; os quais foram detidos por

ordens de Zinoviev e fuzilados imediatamente

pela Cheka. Neste mesmo momento, o governo

comega a organizar seu ataque contra Kronstad,

e, em Petrogrado, entretanto, mant6m-se o mes-

mo estado de guerra, adotado desde o princf-

pio.

Assim'pois, Trotsky sobe a Petrogrado na

noite de 4 de margo; no dia seguinte publica um

"ultimatum" a Kronstad, onde diz: "o governo

dos oper6rios e camponeses ordena'que Krons'

tad e os "buques rebeldes" se rendam de ime-

diato as autoridades da rep0blica sovi6tica; or-

deno que deponham as armas todos os que le-

vantaram o punho contra a p6tria socialista;

quem se opuser ser6 desarmado e entregado ds

autoridades. Tambdm estou dando ordens de

destruir o movimento, e que os rebeldes seiam

eliminados pela forga das armas. Os amotinados

contra-revoluciondrios terSo plena responsabili-

dade pelos danos que venha a sofrer a popula-

95o civil; esta 6 a 0ltima advertdraia".

Trotsky termina de organizar seus planos

para a repress5o, e elege a Tuiachevsky como

comandante-chefe do ataque a Kronstad. Este,

curiosamente, havia sido oficial do Tzar; e, sem

d0vidas, um entre tantos argumentos maneiados

contra os marinheiros - e isto pode-se advertir

desde nossa primeira citagSo - era precisamen-

te que estavam dirigidos por ex-oficiais do Czar.

O ataque a Kronstad comegou na tarde de

sete de marqo. Os marinheiros resistiram feroz'

mente e uns dias depois, quando estava pr6xi-

mo o final, responderam com o documento que

segue: 'fEscuta Trotsky: N6s que fazemos parte

da Terceira Revolugdo defendemos o poder dos

soviets contra a violGncia dos comissSrios. Lenin

disse: 'O comunismo 6 o poder dos soviets mais

a eletrificagdo', mas o povo est6 persuadido de

que o comunismo do tipo bolchevique 6 a dita'

37

Page 40: Revista Vibora Edição 2

. dura dos comissdrios mais os pelotdes de fuzi'

i tamento". Depois de vdrios dias de resist6ncia

I aproxima-se - como sempre - o fim. Segundo

havia declarado desde o plincfpio, o governo

recusa toda tentativa reconciliadora. No dia 27

de margo, as forgas do Ex6rcito Vermelho en'

tram em Kronstad, massacrando a populagdo,

enquanto que a Cheka encarreg?'se de limpar

a cidade rebelde, perseguindo''e fuzilando em

massa aos rebeldes que sobravam; calcula'se que

,, foram mais de 10 mil mortos. Um dia depois a

fdbula chega, como todas, ao seu final: No dia

18 de margo o governo bolchevique - e os que

massacraram Kronstad - celebraram o cinqlien'

tendrio da Comuna de Paris, acusando a Thiers

e a Gallifet de haver assassinado aos comunis'

us de 1871.

Con freqiidncia um aparelho do governo

- seja revoluciondrio ou ndo - toma medidas

desta natureza e cataloga aos rebeldes de

"controrevoluciondrios". Mas os marinheiros

de Kronstad o eram? Oue 6 que nos diz Tro-

tsky? Ele diz: "Estou dando ordens de destruir

o amotinamento; os rebeldes serdo eliminados

pela forga das armas, os amotinados contra're-

voluciondrios . (etc)", 6 evidente, pois, que

para Dom Le6n, o eram. Este recursos de Tro-

tsky, etiquetando a revolta como oontra'revo-

luciondria, 6 um hiibito peculiar das acusag6es

marxistas contra seus adversdrios. A este re'

curso apelaram o pr6prio Trotsky e Lenin con'

tra os anarquistas, assim como contra os popu'

listas, igualmente Stalin a utilizou contra os

38

Trotskistas; mas antes, inclusive Marx, a havh

uiilizado contra Bakunin na Primeira lnternacional.

O movimento de Kronstad foi espontC'

neo, m0ltiplo, sem guardas brancos, nam oom

apoio do Exterior, nem organizado /grapal aos

deu&s, por anarquistas especializadch isto foireconhecido, ainda depois da cal0nia, pelo pr6-

prio Lenin quando afirmava que: "En Kronstad

niio querem nada com n6s nem com osguardas

brancos."

Muito recentemente um historiador, tro-tskista e franc6s, Pierre Broue, em sua obra "OPartido Bolchevique", reconhece que os mari-

nheiros ndo eram contra-revolucionCrids, apesade que iustifica a repressto, argumentando qtphavendo um cerco capitalista ao redor do gover-

no bolchevique, tais forgas poderiam atrair aoc

marinheiros e jogS-los contra o governo bolchevique (da mesma maneira que o "Cavalo de

Troya"f.

"No h6rizonte aparece para os boldtev'rques o Terror Branco e o inimigo pode apraveitar o descontentamento popular; em consFqt6ncia o governo toma a decisdo de cprtar

?f(-\€r

-- r-l.r

mo sauddvel". lsto ndo nos lembra o argumento

Page 41: Revista Vibora Edição 2

que o montanhCs oo Kremlin (Stalin, claro!)proferiu contra a oposigdo trotskista?

Se os marinheiros nfo eram contra-revo-luciondrios ent6o por que n5o se tentou discu-tir.com eles? E se, como disse Broue, "o prop6-sito do governo foi sempre negociar" por quenegociaram com sangue, assassinando as duasdelegag6es enviadas desde Kronstad?

A tese de Broue me faz lembrar do queargumentava em uma conferEncia sobre Santia-go Carrillo: criticava uma tese deste: AndreuNin (lider do POUM, partido operdrio de uniSomarxista), uma das v(timas do stalinismo du-rante a guerra civil espanhola, ndo era um es-pi5o contra revoluciondrio, mas participou dogolpe anarquista de maio contra a repriblica; 6uma desgraga, mas tinha que morrer por isso,,.

Este argumento, para Broue, 6 um argu-mento tfpico do Stalinismo. Agora vamos exa-minar os de Broue: Os marinheiros de Kronstadndo eram contra-revoluciondrios, mas se rebela-ram contra a Santa Autoridade Bolchevique;entdo o que aconteceu com Kronstad foi umadesgraga, mas tinham que morrer por isso. Ndo6 este um argumento muito parecido aO usadopor Carrillo? Como diria R. Vaneig-en:O leninis-mo e o troiskismo sdo a revotugdo explicada atiros aos marinheiros de Kronsbd.

Antonio Eyzaguirrepara a revista Caos

"Ouando todos os c6lculos complicados sejain ruconhecidoc comofalsos, quando os pr6prios fil6sofos ili nto tonham mais ndaque dizer-nge, 6 natural voltar-so ao ialrar dos p{ssdror, oupara o distante oontra-p$o dos ritros".

M. Yourcenar

39

Page 42: Revista Vibora Edição 2

r.,ti:: ]:il

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P tnsEEutr[or! E u Ir

NOBREGA, Luiza

Deus esperneava @mo um rato. N6s o

agarramos pelos pds e o sacudimos. Ele caiu ao

chSo numa pancada forte e esquisita que nos as'

sustou um pouco. Voavam pedagos de pele e de

barba, n6s tfnhamos a impressdo de estar sacu-

dindo um tapete. Penso que nenhum de n6s ti-nha naquele instante nogSo do que estava fa-

zendo, mas uma coisa era certa: havfamos agar-

rado o bicho. Depois de uma perseguigSo vio-

lenta e perigosa, era ele, enfim, que'estava em

nossas mdos. Um colossal Moby Dick. A situa-

gdo como estava, ndo era possfvel sabermos oque famos fazer cqm a coisa. Jii era muito ter-

mos conseguido agarrS-la.

Ld pelo final da tarde conseguimos aquie-

tar a fera. Arrastamos o animal para a praia.

Apesar de que jd estivesse escurecendo, eu pude

notar que Deus era gordo e que estava bastante

estragado. Era imenso, media quarenta passa-

das, e estava vivo. Chamamos nossas mulheres

para ver. N5o podiam acreditar que aquele fos-

se mesmo Deus.

40

DE

- O Criador do Universo?

- Sim - responderam alguns de n6s, a

quem o esforgo e o perigo haviam emprestado

uma express6o s6ria e cansada.

- N5o - revidaram elas.

Depois fomos jantar em nossas choup+

nas e em seguida dormir. Eu n5o tinha sono e

fui dar uma volta pela praia. Uma sensagdo de

estranheza me foi comunicada pela visdo do

c6u. Estava diferente. Senti-me um pouc€

tranho, talvez triste. Continuei a caminhada

volvido por um novo espago. Ao longe, na

escura, avistei o imenso cgrpo branco e

esquisito que ele estivesse ali, naquele esta&,porque eu sabia, tinha certeza, que era de

Deus. Ndo se movia mais. Estava morto.

lsto se passou no m6s de margo do ano

1989 em Jazir, uma p€quena praia da costa oci

dental onde haviamos acampado provisor

mente. Participamos do epis6dio eu e mais

camaradas, e eu estava com a idade de trintatr6s anos. O fato ficou conhecido como "A Vganga de Cristo", 6 estou informado de

fnarcou o infcio de uma nova era.

Page 43: Revista Vibora Edição 2

Ial

eaII IOTTNEI

tesquecid

os ciganos

KANFER, Stefan

"Para tiLa historia prepara una tumba de ver-g0enza

judeu; mas existiram outros grandes e macabros

"Holocaustos" que tamb6m merecem as liigri-

mas dos que cr6em que com elas se possa es-

quecer a fera que habita nestes "cidadSos" res-

peit6veis. Houve o "Holocausto" dos negros,

o "Holocausto" dos argelinos, o "Holocausto"dos Vietnamitas, o "Holocausto" dos lncas,.o"Holocausto" dos Aztecas e Maias e por fim,o "Holocausto" dos ciganos. Jd que nossa cul'pa deve ser expiada em l6grimas. que nossas

liigrimas sejam divididas a todas as vftimas dos

m0ltiplos holocaustos. /Sil€ncio, ciganos. Dei'xai que durmam sob as flores. Parem, ciganos.

Oxald todos os mrssos filhos tenham sua for'w.l

As criangas ciganas estavam em pele eoso. A pele grosa roQava sobre os os$os einfeccionava rapidamente. As criangas doentestomavam a dgua da- nia de lavar, uma vez quendo havia outra. As vezes os cobertores dascriangas (nos macabros barracdes) eram lavadose usados ainda molhados.

L. Adelsberger, Aurchwitz(Berlin: Letner,l953)

zElu.o

oz

:oolr

Un lugar sin nombre enterrado bajo ci-zafias Y PiedraDonde los chacales rastreros vendr5n a

aullarExcitados por una antigua hermandadcon aquellos huesos"

Os que perdem uma guerra sdo sempre os

que morrem, os que ficam feridos, mutilados,

torturados. . . em uma palavra: "os vencidos".

As grandes massas choram ou choraram

apenas pelo grande e macabro "Holocausto"

As crianps dos cigsms sfrian de"noma" . . ., o que me lembrava a lepra . . .;ffus pequenos corpinhos se consumiam, com fe-ridas tdo grandes nas faces que se podia ver atra-v6s delas, numa putrefagdo lenta de um corpovivo.

Rudolf Hos, comandante em Auschwtiz(Sruttgan: Deustche Verlag. 1958)

Os ciganos prisioneiros freqtientementeestavam reduzidos a esqueletos. Entrei na co-zinha e comprovei que a comida n6o continhaas 1.680 calorias regulamentadas. Escrevi umrclat1rio imdiatamente, mas Hartienstein (co-

41

Page 44: Revista Vibora Edição 2

mandante de Birkenau) dise: "Oh, depois aetudo ndo sdo mais que ciganosl".

Dr. Franz Berhnardt Lucas em:Der Au*hwitz Prozess

Atd altas horas da noile ouvia seus gritose sabia que resistiam. Os ciganos choraram todaa noite . . , Vendiam caras suas vidas.

DiamanskiProcesso de Auschwia

Mais tarde, Boger e outros recorrcram os

barragdes e arrastaram para fora as criangas ci'ganas que al * haviam escondido. As criangasloram levadas a Boger, que as agarrava pelospds e as amassava contra a parede . . . Vi comosucedia isto cinco, ser's ou scte vezes.

B. Naumann, Auschwitz(London: Pall Mall Pres, 1966)

Ouvlamos gritos como "criminoso assas'

sino". lsso durou vdrias horas. Logo depois umoficiat das SS gue eu ndo conhecia entrou e meditou uma carta. O contehdo era: "Tratamentoespecial levado a cabo". Arrancou a carta da

mdquina e a raqou em pedagos. Pela manhd, idndo havia cigano algum no aampo. Ao raiar odia vi as vasilhas esparramadas e as roupas des-

trogadas.- E. Heimler, The Night of the Mist

( London : BodleY Head, 1 959)

lnclusive os prisioneiros mais endureci'dos comoveramse profundamenle quando, nooutono de 1944,.os SS se/ecrbnanam e agrupa'ram aos meninos ciganos. As criangas solugan-do, gritando, tentando deesperadamente che-qar atC seus pais ou protetores entre os prisio'neiros, foram rodeados por uma muralha de ca'rabinas, metralhados e apartados para sr envia-dos ds cfimaras de gds de Aushwiz.

Eugen Kogon,Teoria e prdtica do inferno

O cigano foi fechado em uma caixa gran-

de com vigas de ferro na porta, Dentro, o pri-sioneiro s6 podia ficar de ioelhos. Koch, o co-mandante do campo, ordenou gue se cravassepregos atravCs da madeira, de forma que a cadamovimento do prisioneiro, os mesmos se cra'vassem em seu corpo. *m comida nem 6gua,passou dois dias e tr€s noites nesta posigdo.Pela manhd do terceiro dia, quando id haviaenlouguecido, lhe deram uma iniegSo de ve'neno.

Os judeus iam Pan a morte com todacompostura, com os Ns firmes, enquanto que

os ciganos choravam, gritavam e g moviamconstantemente, inclusive quando id esbvam nolugar onde iam ser fuzilados. Alguns sltavamna fossa antes dos disparos e fingiam esfr,r mor'tos.

lnformagdo de um oficialNArcmberg

Foi formada uma banda musical no cam'po. A maioria dos mrtsicos eram ciganos. Enassustador ver e ouvir aos ciganos tocar suas

marchas ao mesmo tempo que prisioneiros can'lgldos levavam srlus camaradas mortos ou mori'bundos ao campo; ou escutar sua mhsica acom-panhando as chicoladas gue se davam nos pri'sioneiros. TambAm "lembro'me de uma noitede fim do ano . . . De repente, o som de um vio'lino cigano deslizou para fora de um dos bar-ragdes mais afastados ccrmo se estivese ch*gando de tempos e de climas mais felizes, ne'todias da esbpe hhngara, melodias de Viena eBudapest, cangdes de casa.

E. Kogon

Deparamo'nos com algo terrfvel. Mon-tdes de corpos gm enterrar e um fedor insupor'dvel. Ouando vi aos ciganos sobrcvivenEs, comcriangas pequenas entrc eles, estremeci. Depoisfui atd os fornos cremathrios e encontrei emuma das padiolas de ago o corpo meio abrasadode uma menina e, em um minuto terrfvel,compreendi o que s havia Pasado ali.

um soldado bri6nico

Deve-se levar em conta que os ciganosndo haviam sido pervguidos pelos nazis porquestdes raciais, mas sim por causa de um his-brial asocial e criminoso.

Circular. Ministdrio do lnterior delAlurttember, maio de 1950

Em agosto sobravam uns 4.000 ciganos,

os quais deveriam ser enviados as cfimaras &gds. Atd aquele momento ndo tinham iddia doque os espenva. Comeganm a suspeitar pelaprimeira vez do que I ia passar com eles quan'do foram atnngando de banagdo em barragfuatd o cremathrio. Ndo era fdcil levd-los. Schwar-Ehuber me dissr- que era mais dificil gue qual'quer destruigdo anterior de iudeus em mass€,

e era particularmente duro pra ele porque co'nhecia quase a cada um deles individualmenle.Por natutreza, eram tdo ingAnuos como crian'

ib... Fas.Rudolf Hbs

" . . . n5o t€mos comunicagdo com o sar porque toda a

naturoza humana so encontra sompro entrco nascimsnto € a morte I nlo toma de si mais que

uma apar6ncia obscura.g sombria, uma incerta e d6bilopini6o".

Montaigne

42

Page 45: Revista Vibora Edição 2

SEII O

EROTISMO E

RuprEssfio

NA CLASSE MEDIA

CAREAGA, Gabriel

". , . querem as mulheres para um ato rdpido' No fun'do, os machos sdo onanistas. Se pudessem tazer oamor em si mesmos, o fariam. A mulher d uma coisa,

um estorvo necess6rio . . . Me d6o noio. O machismo 6

um homossexualismo disfargado. O deseio secneto de

cada bigoddo preto destes sdo as X saladas com 'coldcleam' . . ."

Carlos Fuentesem Cambio de Piel.

A moral e o comportamento sexual e er6-

tico sdo uma das express6es mais complicadas e

dif fceis de explicar dentro da classe m6dia, por'que esta jamais se interroga e reflexiona sobre o

tipo de relag6es que leva, e qual € a origem de

seu somportamento repressivo neur6tico, ou de

suas fantasias obsessivas sobe (como) conquis-tar a uma mulher. De tal forma, que suas id6iassobre o erotismo ou o sexo sempre se ocultame se deformam. Seu estilo de relag5o se conveFte em uma esp6cie de "donjuanismo", de "amar'

e deixar as mulheres". Sentem-se sofisticados e

triunfantes porque aparentemente conquistammuitas mulheres, por6m em realidade s5o inca-pazes de seduzir a algu6m. Em todo caso 6 o atosexual persistente, mas sem sentido e sem o en-

contro com Eros. E a fantasia e o sonho impos-

sivel das mulheres perfeitas, das fGmeas plenas

ao estilo dos an0ncios da PlayBoy. E a atitudede "voyeurista" que se conforma com ob'servar

e jamais participar. A classe m6dia desde os

tempos coloniais, tem uma s6rie de id6ias total-mente erradas sobre o sexo e o erotismo, comoresultado dos #culos de imposicSo da religifocat6lica* que deu uma visfo de mundo puri-

tana, maniquefsta e, sobretudo, com culpa. Ain-da dentro da classe m6dia urbanizada, aparece

como um inconsciente coletiVo todo este tipode preconceitos e de culpa em seu comporta-mento er6tico. Para melhor dizer: o exerciciomec6nico do sexo, porque na tradigdo da cul'tura repressiva da classe m6dia, a liberdade e oerotismo ndo existem. S6 existe pornggrafia e

hipocrisia. Por isso, antes de @ntinuar, te-mos

que nos perguntar: que 6 o erotismo? O erotis-

mo, segundo G. Bataille 6 a provagSo da vida

at6 a morte. O erotismo seria um encontro no

mais profundo do ser. Ou, como o expressou

tamb6m H. Marcuse: o erotismo 6 um triunfosobre a morte. E uma forma de encontrar ocorpo para convert€-lo em um instrumento de

prazer e de plenitude. E a expressio da afirma-g5o, da dial6tica, da aspiragto amorosa, da cres-

cente receptividade da sensualidade. Por isso:

"Toda realizagSo er6tica tem como meta alcan-gar o ser no mais intimo, ali onde o coragdofalha. O passo do estado normal ao do desejo

er6tico pressup6e uma dissolugdo relativa doser constitufdo na ordem descontfnua, e otermo dissolugSo responde i expressdo fami-liar de vida dissoluta, tdo unida d atividadeer6tica. No movimento de dissolugS'o dos seres

ao participante masculino tem-se designado, emprincfpio, um papel ativo, enquanto que o pa-

pel feminino 6 passivo. E 6 essencialmente este

iltimo - o passivo feminino - o que se dissol-ve enquanto que ser constitufdo. Por outro la-

do, a dissolugdo da parte passiva, n5o tem para

o participante masculino outro sentido que ndo

seja o de preparar uma fusdo na qual os sdres se

45

Page 46: Revista Vibora Edição 2

mesclem e possam conseguir ent5o, o mesmoponto de dissolugSo. Assim pois, toda a exis-t6ncia da cena er6tica, tem como princfpio a

deetruigSo da estrutura do ser fechado, gue 6 oestado normal dos participantes" I lsto 6, oerotismo sempre trds consigo a perturbagdo, a

agitagdo, a estranheza, o assombro de encon-trar-se com:o corpo. Uma forma de ser pleno eautdntico. Uma expressdo l0dica, vital e produ-tiva. E por isso que nas sociedades se pretende

suprimir ao Eros, porque isto implica numa so-

ciedade livre. Pelo contrdrio, fomentam a por-nografia, que 6 s6 uma visdo exterior, superfi-cial e in6cua do corpo. Como exemplos podem

ser citadas as revistas Playboy e Cosmopolitan;Cavaleiro e Ele, os filmes pornogriificos da rua42 de Nova lorque ou do Cine Prado da Av.Ju6rez, que sdo esta forma puritana e total-mente covdrde de encontrar-se com o corpo. E.

uma sexualidade de plSstico. Ndo 6 casual que

o diretor da Playboy tenha se divorciado e vivaquase em forma mondstica, rodeado de apare-lhos mecdnicos e que tentb: somente relag6es

objetais e se alimente de Pepsi Cola, porque na

realidade a toler6ncia repressiva frente i sexua-lidade, frente d pornografia, 6 uma forma de

negar o homem e a mulher. Pelo contririo, oerotismo prop6e realmente o que 6 o homem e

o que nos faz diferentes dos animais atrav6s de

um conhecimento real do corpo. "Na consci€n-cia do homem o erotismo exp6e o ser. A sexua-lidade animal introduz por si mesma um dese-

quilibrio que, por sua vez, ameaga a vida; mas

o animal ignora isso, uma vez que nada nele oleva a interrogar-se. Seja como for, se o erotis-mo 6 a atividade sexual do homem, o 6 na me-dida em que esta difere da dos animais. A ativi-dade sexual do homem ndo 6 sempre, necessa-

riamente, er6tica; so o serd quando ndo seja

rudimentar ou quando ndo seja simplesmenteanimal" 2.

O sexo como expressSo unicamente ani-mal e ndo er6tica, aparece sobretudo com otriunfo do cristianismo e da religido cat6lica noocidente, guercomega a negar ao homem e a re-primi-lo a partir do rep0dio do corpo em nomeda religiSo. Assim, o erotismo comega a confi-gurar uma atitude que quebra com o religioso e

com o ritual de todas as religi6es. Dai qqe sepode dizer que o er6tico transgride as proibi-g6es.

Mas tambdm uma forma que imp6e a

religido 6 o resultado da aparigSo da violEncia

46

moral e sexual. Trata-se da concepgdo de rela-g6es amorosas como um fato que causa vergenha, como uma expressdo de medo e tamb€m

como uma necessidade de exercer o sexual, em

um jogo alternativo onde se peca e se arreperde; onde triunfa moment6neamente o Eros eem seguida aparece 'mais ferozmente a culpa.

E o jogo que permite ao Eros transgredir de

vez em quando as regras. Ent6o, dentro desta

situagdo de moral repressiva, o prazer se torna

mais intenso, porque o erotismo 6 o resultado

de romper e violar as proibig6es. Assim mes-

mo se comega a viver o erotismo atrav6s de

uma culpa, de uma ang[stia cres]cente. "Nahist6ria da humanidade, a proibigdo nunca

aparece sem a revelagdo do prazer, nem ja'

mais o prazer sem o sentimento do proibiti'vo. Na base disto, encontra-se um movimentonatural e, na inf6ncia, o movimento natural 6

o 0nico que existe. Nesta 6poca que nunca re-

cordamos, o prazer ndo se dd humanamen-

te" 3.

Aqui aparece uma curiosa forma de vi-

ver o Eros, quando estd determinado pela re'

ligiSo, jri que serd o resultado da expressdo do

mal e do impuro. O Eros serd uma forma de

transgredir o proibido em termos de degrada-

g5o ou como resultado da promiscuidade. Se-

ria o caso da prostituta ou dos homens que ex-

ploram homossexuais. Pelo contrdrio, o erotis-

mo pleno e o triunfo do corpo, seria derrotar as

instituig6es repressivas, a famflia em termos de

possessao, a moral em termos de hipocrisia e,

sobretudo, a religido em termos de medo e d0-

vida, culpa e pecado.

Porque a classe m6dia vive no meio de

horrores enormes, no meio de mitos que a

ldade M6dia inventou como o amor que se ins-

titucionaliza como forma de perpetuar a esp6cie

e como uma redugSo do sentimento, atrav6s

desta instituigSo agressivissima na qual se con-verteu a m6scara do "matrim6nio feiiz": "Omito, no sentido estrito do termo, se consti-tuiu no s6culo Xll, em um periodo em que aalta classe social realizava um grande esforgopara p6r em ordem a sociedade e a moral.Tratava-se de conter precisamente os impulsos

de Eros, do instinto destrutor: pois a religiSo,ao atac6-lo o aumentava. As cr6nicas, os ser-

m6es e as sdtiras deste s6culo, nos revelam que

se conheceu uma primeira "crise do matrim&nio". Esta exigia uma viva reagdo. O 6xito dopoema de TristSo e lsolda consistiu pois, em

rli

Page 47: Revista Vibora Edição 2

ordenar a paaxeo em umquadroondesepudesse expressar em satisfa$es simb6licas. Por isso

esse mito continua sendo igualrnente perigoso

para a vida da sociedade. O mito de Tristflo e

lsolda id n6o 6 apenas a lenda nem o poema,

sendo um fen6meno que estes ilustram e cuia

influ6ncia ndo deixou de estender-se at6 nos-

sos dias. Paixdo da noite escura, dinamismo ex'

citado pelo espfrito, possibil idade pr6-formada

para a procura de uma concepgSo que a exalte,

encanto, terror ou ideal: tal 6 o mito que nos

atormenta. O fato de que tenha perdido sua

forma primitiva 6 exatamente o que o torna

mais perigoso. Os mitos decaidos se fazem

venenosos como as verdadeiras mortes de que

fala Nietzschea.

Viver o amor, o erotismo nestes termos'

6 afirmar na realidade o anti-amor, a fatalidade,

o sofrimento. Para este tipo de pensamento, o

amor 6 uma predestinagSo, quase uma possessSo

do destino sobre o homem. N5o existe a pessoa

livre e responsSvel que possa encontrar o amor,

sendo que este chega como um destino inexorS-

vel. Portanto, dentro da classe m6dia, o amor 6

uma invengSo para justificar sua "cursilheria",seu sentimentalismo, sua manipulag5o e agres'

sdo diante das mulheres e frente aos homens

que utilizam esta invengdo para agredir'se uma

e outra vez, para iustif icar'se uma e outra vez,

porque ningu6m merece seu amor. "O amor ver-

dadeiro nunca chegar6", um amor impossfvel

sempre implica uma forma de negar o sompro-

misso. Na sociedade repressiva da classe m6dia,

o amor e o Eros se transformam em t6cnica se-

xual, expressada nos manuais para conseguir o

orgasmo feliz. Hoje, nas grandes livrarias se

encontram sempre livros de grande venda como:

O ABC do amor, e A Resposta Sexual Humana'

"\-+-/

Ali se encontram as tecnicas sexuais que servempara esquecer a falta de reconhecimento do cor-po. O erotismo, dentro desta classe m6dia, se

conveneu quase em uma mdquina ffsica e cal-

culadora para buscar, no melhor tempo possf-

vel, encontros sexuais. De tal forma que o indi-vfduo aparece como um homem livre e sofisti-

47

Page 48: Revista Vibora Edição 2

cado, mas que na realidade estd revelando uma

falsa liberdade e um falso compromisso' Aqui

aparece a personalidade esquiz6ide nas pessoas

inteligentes, que possuem 6xito no seu trabalho,que sdo eficientes mas que s5o incapaz de ter

uma relagdo er6tica aut€ntica, ocasionando uma

personalidade vazia, dividida e fragmentada.

As relag6es sexuais da classe m6dia se tor'nam chatas, triviais e profundamente neur6ti'

cas: "Os paradoxos contemporaneos do sexo e

do amor possuem uma coisa em comum, a sa-

ber, a trivializagdo do sexo e do amor, aneste-

siando a sensagdo oom o fim de desempenhar'

se melhor, empregando o sexo como uma fer-

ramenta para provar uma faganha e uma identi-

dade. Usando a sensualidade para ocultar a sen-

sibilidade, temos castrado o sexo deixando'o

insipido e vazio' A trivializageo do sexo foi

ajudada e induzida por nossa comunicagSo de

massas. Porque o ntmero enorme de livros so-

bre o sexo e o amor que inundam o mercado,

possuem uma coisa em comum: simplificam

exageradamente o amor e o sexo, tratando o

t6pico como uma combinaqdo de aprender a

jogar t6nis e de comprar um seguro de vida'

Neste processo roubamos do sexo seu poder,

esquivando o Eros e terminando por desuma-

nizar a ambos.

Tem'se permitido avan9ar ao sexo mas

ndo ao Eros, usando o sexo precisamente para

evitar o compromisso criador de ansiedade que

implica Eros. Nas discuss6es aparentemente es'

clarecedoras sobre o sexo, particularmente

aquelas sobre a liberdade da censura, sustenta-se

freqiientemente que tudo o que nossa sociedade

necessita 6 uma total liberdade para expressar o

Eros. Mas o que aparece sob a superffcie de nos'

sa sociedade, como se descobre ndo s6 nos pa'

cientes de terapia, sendo tamb6m em nossa lite-

ratura e teatro, e ainda na natureza de nossa in'

vestigagdo cientffica, 6 iustamente o contrSrio'

Estamos fugindo do Eros e utilizamos o sexo

como vefculo Para a fuga.

O sexo 6 a droga mais pr6xima para apa'

gar nosso conhecimento dos aspectos criadores

de ansiedade de Eros. Para levar a cabo isto, ti-

vemos que definir o sexo cada vez mals estrei-

tamente: quanto mais nos tornamos preocupa-

dos com sexo, mais rfgida e encolhida se dd a

experiGncia humanb a qual se retere- Voltemo'

nos para a snscdo do exo. a fim de evitar a

48

paixfto do Eros.'6

O amor e o erotismo sfro uma forma de

transformar, de relacionar'se? moldear o murr.

do. Pelo contrCrio' as relag6es da classe m6dia

s5o uma forma de odiar, de agredir, de auto-

iustificar-se, em uma comddia de eterna simu-

lagdo sobre os sentimentos e sobre a relagdo

com a mulher e corn o homem.

(.) Este tipo de comportamento repressivo e pu-rF

i*o ti pode ver nos folhetos cat6licos de Pe'

dro Semeador. Por exemplo, o quo diz sobre

a lux0ria: "a luxtria 6 o vfcio'que lwa aos prazeres da impureza, que estSo proibidos pdlo

69 e 99 mandamentos .' . A Lux0ria 6 um

apego desordenado aos prazeres da carne e a

tudo aquilo que com eles se relaciona' Do mes-

mo modo que deus quis que o homem encon-

trasse um prazer sensfvel ao alimentar-se, que o

ajudasse a consenar a vida,.quis 1"1?1TI:-porcionar um prazor especial nos atos por melo

dos quais se propaga a esp6cie humana,'que alu-

dard i sua conservag6o.Este prazer estd, pois, permitido is pessoasca'

oJ.t, "orn

a condigEo de que facam uso dele

para o nobre fim da transmissEo da vida' para o

que foi institufdo o matrim6nio, por6m fora de-

le e o que se chama luxtria"'

(1) Bataille, Georges, El erotismo, Editorial Mateu'

EsPafia, 1971 P9.23-24.

(5) Rollo May, El amor y la voluntd. Edi

Emec6, Buenos Aires, 1971, PP' 57-58'

i,, It'lJI

l2l Op. cit., P.37-38'

{3) ldem, P. 137.

(4) De Rougemont, Denis, El amor y Occidente'pp.22-23.

i

I

Do livro de Gabriel Careaga. Mitos y Fan

de la Clase media en M6xico. Cuadernos

Joaquin Mortiz, M6xico, 1980.

Se minha alma pudesse tomar p6 eu neo me

experimentaria mas sim, me reeolwria. Por6m ela

esta sompno em aprcndizagem e em plova.Montaignc

iIiI$

i:,till,'il

.

l]

,1i.Lill

rll

liijl\ii

Page 49: Revista Vibora Edição 2

PEDrlll Ho

/versus/

Doill

PEDro

LOPES, Emilio Mira y

O que ouvia dizer Pedrinho quando tinha umano e meio:

"Ndo subas af. N5o toques nisso. Ndo po-nha isso na boca. Tudo isso 6 ruim e ndo devesfaz6-lo, sendo te faremos pam-pam".

Aos 3 anos:"Se continuas tocando-te, isso caird e ndo

poder6s mais fazer pipi e morrerds. Se voltas a

tocar-te neste lugar o homem do saco vai televar".

Aos4 anx:"Deves levantar-te jd. Deves lavar-te bem.

Deves secar-te aqui. Deves deixar a sacola ld.

Ndo deves p6r os cotovelos sobre a mesa. Ndodeves ser mau porque papai te castigard. Ndo

deves sujar-te. Ndo deves pintar ali. Deves virem seguida, se nilo vens vais ficar sem sobre-mesa".

Aos 6 anos:

"Deves obedecer a teu professor. Cuidadopara que ndo te castiguem na escola, pois teuav6zinho sofreria muito. Faga teus deveres decolegio. As criangas ndo devem dizer mentiras...ser preguigosos . . . gritar diante dos maiores . . .fazer perguntas aos desconhecidos. . . O dem6-nio esta sempre vigiando para levar ao infernoas criangas que n5o obedecem aos seus pais".

Aos 7 anos:"Deves confessar-te e arrepender-te de to-

das tuas m6s agdes. Se fizeres uma confissd'o fal-sa, cairds em pecado mortal e ir6s ao inferno.Lembra-te que Deus sabe tudo o que ocultas detua familia e de teus professores. A ele ndo sepode enganar. Deves cumprir todos os seus

mandamentos".

Aos I anos:

"N6o deves fazer perguntas inconvenien-tes. N5o deves discutir as ordens que te sdo da-das. Ficar6s sem recreio. Ficar6s sem jantar. Teroubarei a bola. N5o deves jogar com os garotosdaquela casa. N5o deves deixar que o teu irmdo-zinho tire melhores notas que tu, no col6gio.Deves envergonhar-te por haver tirado nota in-ferior aos garotos X".

Aos lO anos:"Se segues t6o desobediente vais acabar

matando a tua mde de desgosto. Teu pai vai le-var-te para um internato ou para um reformat6-rio. Jd 6s um homenzinho e ndo deves deixarque teus companheiros gozem de ti. Deves sercarinhoso com os pequenos. Deves proteger a

49

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t,

- Deitaroi voc6 num caixto - disse Daus -e assim confirmarul meu supremo poder.

- E eu em Fsposta - d3sse o homem -criarei uma coisa que voc€ nunca possa entender.

De: "a Morte e a Arte"L. N6brega

teus irmaos menores. Deves ter paciencia com

os d6beis . . . e com os velhos. .' e com os ton-

tos . . . e oom os superiores",

Aos 12 anos:"Que porcaria estivestes fazendo? Ndo sa-

bes que isto 6 um grande pecado? Oue podes fi'car retardado? Oue podes ficar muito doente?

Es muito jovem para querer saber tanto quanto

os maiores. Agora j6 ndo 6s crianga e tens "res'ponsabilidades". Deves cumprir com o teu de'

vertt.

Aos l5anos:"Jovem, voc€ acaba de adquirir novos de'

veres. Deves observar a disciplina e o regulamen'

to do estabelecimento, procurar esforqar'se o

mdximo no seu trabalho, n6o somente para re'

tribuir as noites mal dormidas de tua familia,mas tambdm para fazer'te um aluno digno, um

cidaddo honrado, um homem de proveito, que

seja capaz de sacrificar-se pela pdtria".

Aos 25 anos:

"Acabas de contrair novos compromissos

e deveres oom o matrim6nio. De hoie em dian-

te, dever6s cuidar e zelar pela felicidade de tua

esposa e de teus futuros filhos, cumprindo maisprofundamente, se for possfvel, com suas obri-gagdes profissionais, sociais, morais e religio'sas, pois jd 6s um homem, com plena responsa'

bilidade de seus atos".

Ouando Pedrinho iC 6 Dom Pedro, em gualquer

momento de sua Aduhez, segue ouvindo:

"Precisas cumprir com os amigos: tens de-

veres de amizade. Lembra'te de pagar os impos'

tos; tens deveres para com o Estado. Ndo deixes

de ir i missa e contribuir com os fundos da obra

pia: tens deveres para com o Senhor. Ndo pro-

cures divers6es nem chegues tarde em casa; tent

deveres para com tua mulher. N5o fiques na ca'

ma nem ponhas os p6s sobre as cadeiras; n6o de'

ves dar maus exernplos a teus filhos; ndo esque'

gas que tens deveres para com eles. Deves assis'

tir i cerim6nia de manhd: tens deveres profis'

sionais. N5o deixes de contribuir na coleta p0'

blica tens deveres para oom teus concidaddos..."

Oue nai dizer, ent5o, o ilustre senhor Dom Pe'

dro, guardo - Galeca, cabelos branos e dis'p6trti@ - reina seus emPregados, descerden-

te e demais vassalos ao redor da celebragflo das

bodas de prata ou de qualquer outro metal?

"Oueridos familiares, dependentes e ami'

gos: sentindo jd o peso dos anos, que me incli'nam at6 a terra que receberd meus despoios, sin'

to a imensa felicidade de poder dizer que quan'

do este instante chegar, ndo deverei nada a nin'gu6m. . ."

Nota: Assim 6: 6 necess5rio morrer para livrar-se doDever, porque inclusive agonizando nos dizemque temos o dever de lutar para conservar a vi-da.

Parte do XVll capftulo do livro de E. Mira yLopez: "Los cuatro gigantes del alma" Ed. ElAteneo, Buenos Aires.

(*l

.lt,iL

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ffim$tirn?nGOZAR DE LA VIDA ES

DEVORARTA Y DESTRUIRLA

Mis relaciones con el mundo, qonsisten en meiantes, indican que los que las hacenlo que_yo gozo de 6l y lo empleo para mi estin todavia busc6ndose, buicando su ver-goce. Rdlationes equivale a g_oce del mundo, dadero sentido, el sentido que su vida debe,y_ 9so entra en mi goce de Mi. tener para ser verdadera. "'1Lo que soy noEstamos en el recodo de una.6poca. El mun- es m6i que un poco de sonibra y de espu-do no ha pensado.hasJg el presente T6s ma; lo qde ser6,'ser6 mi verdader6 yo!" per.que.en conquistar-la vida, su 0nico cuifa; seguir dse yo, prepararlo, realizarlo, tal esdo ha sido vivir. Ya tienda toda actividad .--hacia tas cosas de aqui abajo o hacia el mZi l:..?:::d1l:rea de los mortales; ellos no

ail6, hacia ta vida temporat o hacia ta et# l?:tT _t::-^qut ^?:.t"..t"^t^1t^it1tj^no vrven

n.,'yi J aipireli-"dan cotidiano" ("dai- ma1 9ye para morir, y para encontrar la

nos nuestro 'pan cotidiano"), o al "pin sa. verclaclera vtda'grado" ("el verdadero pan del cielo", "elpan de Dios que ha bajado del cielo y queda la vida al mundo", 1'el pan de vida", SanJuan, Vl, 32, 33, 48), ya se preocupe unode la "querida vida" o de "la vida eterna",el fin de todo esfuerzo, el objeto de todasolicitud no cambia: es uno, como en otrocaso,' lo que se busca es siempre la vida.;Atestiguan las tendencias modernas otrocuidado? Se quiere que las necesidades dela vida no sean ya un tormento para nadie,y- se enseila, por otra parte, que el hombredgbe ocuparse en este mundo y vivir suyida real, sin vano cuidado del mbs all6.Tomemos la cuesti6n bajo otro punto devista: aqu6l cuyo 0nico cuidado es vivir, nopuede pensar en gozar de la viCa. En tantoque su vida estd todavia en cuesti6n, entanto qUe todavia puede tener que temblarpor ella, no puede consagrar todas sus fuer-zas a servirse de la vida, es decir, a gozarde ello. ;Pero c6mo gozar de ella? Us6n-dola,como se quema la vela que se emplea. Usauno de la vida y de si mismo, consumi6n-dola y consumi6ndose. Gozar de la vida esdcvorarla y destruirla.Pues bien, ;qu€ hacemos? Buscamos el go.

rce de la vida. ;Y qu6 hacia el mundo reli.gioso? Buscaba la vida. ";En qu6 consistela verdadera vida, la vida bienavenlurada,etc.? ;C6mo llegas a ella? ;Que debe hacerel hombre, y qu6 debe ser para ser un ver.dadero viviente? ;Qu6 deberes le imponeesta vocaci6n?". Estas preguntas y otras se-

56lo cuando estoy seguro de mi y cuandono me investigo ya, soy verdaderamente mipropiedad. Entonces me poseo y por eso meempleo y gozo de mi. Pero en tanto quecreo, por el contrario, tener que descubrirtodavia mi verdadero yo, en tanto que pien-so deber hacer de modo que el que vive enmi no sea Yo, sino el cristiano o cualquierotro yo espiritual, es decir, cualquier fan.tasma tal como el Hombre, la esencia delHombre, etcdtera, me est6 para siempreprohibido gozar de mi.Hay un abismo entre estas dos concepcio-nes: seg0n la antigua, yo soy mi fin; seg0nla nueva, yo soy mi punto de partida; seg0nla una, yo me busco; seg0n la otra, me po-seo y hago de mi lo que haria de cualquierotra de mis propiedades, gozo de mi seg0nmi agrado. No tiemblo ya por mi vida, la"prodigo".La cuesti6n, en adelante, no es ya saberc6mo conquistar la vida, sino c6mo gastarlay gozar de ella; no se trata ya de hacer flo-recer en mi el verdadero yo, sino de hacermi vendimia y consumir mi vida.iQi.r6 es el ldeal, sino el yo siempre busca-do y nunca alcanzado? lOs busc_ais? ;Pueses que no os poseeis todavia! ;Os pregun-tais lo-que debeis ser? 1No lo sois, pues!Vuestra vida no es mds que una larga y apa-sionada espera: durante siglos se ha suspi-rado por el porvenir y vivido de esperanza.

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Es cosa muy distinta vivir de'goce. en emplearla a su gusto: ella tiene su em-

iir- rOf" t'"qrettot itamaOoi piadosos a pleo, su objeto, y no se puede desYiarla de

iri"nut se dirigen mis. palabras? De ningrin 6l'i,oao; se aplicln a ioO,is aquellos que fer- En suma, se tiene una vocaEi6n, un deber;

i;;;;ffi "-ti"Ep"i" qrJ u"lU" y aun a'sus tiene uno, con su vida,.-que .reai.izar' que

;i;;; uiuiOor"s. Para ellos tambi6n un do- gump.lir algo; ese "algo", mirando al cual

;;;;;t*;;;l'rii oiis oe trabajo, y los la vida no es m6s-que un medio v un insiliii.;";;;iJ'uioiron seguidos del'eniuefro trumento, tiene_m6.s importancia gue ella y

;;' ;;-;;;ao mtioi Je"rna dicha, univer- no se la debe. Se tiene un dio.s.que, reclama

iJf, O"-un fOeaf, en'rna palabra. lPero los victimas vivientes. Los sacrificios humanos

fil6sofos, al *"no.,-'J"6"n direis, estar no han perdido, a la larga, m6s q.u.e sys fo1'

;;;;-rG a-ios d"uotbsr-aEfrosl iHan.pensa- mas bdibaras, no han desaparecido; a cada

do jam6s en otra "oiu-qr"

en eiideal'y han instante, criminales son ofrecidos en holo-

t"niJo n"n.a'la mira en otra cosa que en causto 313 Jusficia,.y nosotros,."pobres pe'

el vo absoluto? por todas partes espera, as- cadores", nos inmolamos nosotros mismos

ii#IJ"'JJ'i,t-ri i.-J.i- piit"J. t.i"nri q,uime- en el altar de la "esencia humana", del

ras, largas "rp"r"nr-ua-y "iaa

maS. ;HaceO- "Hombre", de la "Humanidad", de los idO'

me el favor de ttamli '" ;; rom"niicisror los o de los dioses, cualquiera que sea el

Furu t.irnlur de la aspiraci6n a la vida el nombre que se les d6'

;;;; J;l;;ioi oeUe vencerta bajo su doble Teniendo un acreedor al que debemos nues'

lorma: aplastar, tanto ia angustii espiritual tra.vida, no tenemos ning6n derecho a gas'

como la'temporal, y exterminar a la.v.ez la tarla para nosotros'

sed del ideal y el hambre del pan cotrcllano'

F] 1T^t]::".1'^t-:t:: tti,"u'f

"in"i,l"'t;",1,?l: Las lendencias conservadoras .del cristia'ia, ho puede gozar de ella, y el .que la bus' Las lenoenclas corrservduurd> -uer

ca no la tiene,'y turnpo.o 'puedd goru, Je nismo no perrniten al cristianismo pensar en

ella: los dos son p;b;;- pLio ;iU"lenauen' 1" rnuerte de otro modo que con la insisten'

turados los pobres! cia de arrancarla su aguiion y de sobrevi'virse perfectamente' El cristiano consiente

ros hambrientos de verdadera vida no ti"' :ho.T,t%X"J:'J";t:fr3"?;'"T"1?t"ri$;nen ya ningrin poder sobre su vida presentg' ]-iuirrero!- contar con que se indemni'que deUen consagrar a la conquista de-la ,"ii-." eicielo y coger6 gruesos intereses-Jerdadera vida y lacrificar al cumplimiento --'-de esia tarea,y de este deber. ua servidfl. No le es permitido matarse; solo puede con-bre de la existencia terrestre, toda ent'.- servarse v trabaiar en "prepararse su pues-subordinada a la existencia celeste qu9._9:-,il";;;;'rai-iriO.;;. ia' perpetuidad, elperan, es evidente en los espiritus religio' ::rri,Iiio ;#; i; riuerte;, he'ahi lo que'sos que descuentan una vida futura V no tomi i o..nor ,;la ,iltiml enemiga que se-ven en la vida de aqui abafo .m5s que un iZ""""ii[i "i-f"

r*"rt""(t), "Jelucristo hasimple tr5nsito; pero seria falso creer.

"_n qir.bir;irOo-"i-poOer de la'muerte y ha sa-menos renuncia en aquellos gue. en aparien' diJ" i t"i con bl Evangelio, la vida y la in.cia se han libertado m6s de los doem!1. ioirptintriorot'-(2j.--"ilncorruptibilidad",lComprended, pues, que 'la "vida verdad"' liirUiid;ai-ra" tiene un sentido mucho m6s extenso El h;;t;e moral quiere el Bien, lo Justo,que vuestra "vida celestial!" zY para llegar

"t..,-rl ,i" de los'medios que conducen a

inmediatamente a la concepci6n liberal de "r"'tin v conducen a 6l realmente, esos me-

la vida, la "v.ida verdadera", no es humana OioS no'ron por eso los suyos, sino que sony "verdaderamente humana"? lHay que to los;del Bien. de lo Justo, etc. Esos mediosmarse tanto trabajo para conseguir esa vida nurica son inmorales, porque el objeto a quehumana, o el primero que llega la vive des' oenniten alcanzar es bueno: el fin justi{icade el momento en que comienza a respirar? ios,medios; esta m6xima pasa por iesuitica,;Es ella para cada uno el presente, lo que aunque sea estrictamente "moral". El hom-tiene y lo que es en la actualidad, o d6be bre hroral es el servidor de un fin o de unatender a ello como a una vida futura que no idea. 6l se hace el instrumento del Bien co'poseer6 sino despu6s de haberse "lavado de mo el hombre piadoso tiene a gloria ser ella mancha del egoismo?" Por tal cuenta, la obrero, el instrumento de Dios.vida no es mds que la conquista de la vida,no se vive m6s que para hacer vivir en si lqs mandarnientos de la Moral ordenan co-la esencia del Hombre y por el amor de esit 6s bueno aguardar la hora de la muerte;esencia. No tiene uno su vida m6s que para darse a si mismo la muerte es inmoral ycrear una "verdadera vida" purificada de malo: el suicidio no tiene ning0n perd6n quetodo egoismo. Y de ahi por qu6 uno vacila aguardar ante el tribunal de la moralidad.

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Page 54: Revista Vibora Edição 2

cidio, no es menos verdadero si se apela a La idea que tenemos de ese ser determina

la humanidad, puesto que uno debe iguai- lo que le es conforme' Pero esa idea' ;de

mente su vida al Hombre, a la humanidat, cu6irtas .maneras se ha concebido?; y ese

al g$nero humano. ,SOio i" cuando no td Ser, lbaio-cu6ntas formas se le ha repre'

reconozco obligaci6n para con nadie, cranl ieniaioi Et- mahometarlo cree que el Ser

do la conservaci6n de mi vicia es .tuiio l'pie*o exige de 6l und cosa' y el cristiano

mio. ,,iUn salto desde lor alto de ese pu"ni! ;rJ" qr; i"cia.a otra rnuy distinta; 1qu6 di'

me hace libre!". rs ru' or(v ue eJe l'serrrv

ierJntb aspecto.debe la -vida

presentarles!

Debemos el Ser, cualquiera que sea, que te- Pero todoi est6n al menos un6nimes en

nemos oue hacer vivir en nosotros, no s6lo creer que.corresponde al Ser Supremo diri'

;i';';il;-"i'rt-"i0. oe que somos deposi' gir su vida'

tarios, sino, aparte de eso, no emplear esa

vida a nuestro gusto, regularla por 6l V "lit No me detendr6 m6s tiempo en los devotos

fbrmarla a 61. Todo en -emplear esa-uiOI'l q'", {i"n"n en-P-tot un guia y en su Palabra

nuestro gusto, regularla por el y confonrlrl J1 litg-cgig.uctor; no los he citado m6s que

la a 61. Todo en mi, pensar, sentir, qu"i!t, para .memoria; pertenecen a una fauna ex'

todos mis actos,'todos rnis esfuerzor ro"id iinguioa y su-inhovilidad es la de las petri'

6r 'Ti":'lrux;ii",'".iliJ'nl3tl":'iJ:i"'Ti'.,?13inliii no puede' ya dispensarse de sonro'.ui ,n poci sus patiaas meiillas con el co'lorete liberal. Los liberales no honran en

TAREA DEL ARTE ES ACTUALMENTE INTRO' 'Oi* t su guia ni suspenden..su vida del hilo

DUCIR CAOS EN EL ORDEN. ionOuctor-Oe la Paiabra divina; se guian

ioi ei-Homoie, y no es a.una.vida "divina"'

T. W. Adorno iino a una vida "humana" a lo que asplran'

I'IAX ST I liiiliR

(Fragmento de "EL UNICO Y SUPROPIEDAD")

(f) f.a a los Gorintios, XV, 26.(2) 2.a Timoteo, I, 10.

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