revista rural

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18 RURAL julho/2010 A Produção consciente Uma fazenda de café no norte do Paraná mostra que é possível produzir sem destruir o meio ambiente. Entre os ingredientes desta receita, está alinhar a produção com padrões em sustentabilidade socioambiental. Com destaque, a propriedade virou modelo de produção e chamou a atenção para a região. Texto: Fátima Costa Fotos: Luis Costa/La Imagem e Divulgação té pouco tempo atrás, o que parecia improvável se tornou não apenas possível como já faz parte da rea- lidade de um grupo ainda restrito de fazendas no País. Estamos falando da produção agrícola que leve em conta padrões de excelência em sustentabilidade socioambiental. E essas propriedades não investiram em práticas mais respon- sáveis por modismo, causas sociais ou verdes. A opção foi re- sultado de que a própria sobrevivência do negócio estaria em risco pelo esgotamento dos recursos naturais e pelos novos desafios criados pela dinâmica do mercado, que tornaram temas como desmatamento e queimadas argumentos podero- sos no impedimento de entrada de produtos brasileiros, lá fora. Mas, a melhor forma de se proteger contra acusa- ções indevidas e abrir novas possibilidades de negócios foi optar por adoções práticas agrícolas responsáveis e sustentáveis. E foi o que fez, pelo menos, o médico e empreendedor Paulo César Saldanha Rodrigues, que avistou os benefícios deste sistema na lavoura de café. No ano de 2004, ele adquiriu a Fazenda Califórnia, localizada no município de Jacarezinho, distante a 380 quilômetros da capital paranaense. Lá, já existia uma cultura de café que começou desde 1903, mas nada se aproxima com a imensidão dos cafezais de hoje. Atualmente, são 220 hectares. Nesse ano, a produção média deverá atingir mil sacas e a intenção é de se aproximar de 12 mil sacas, nos próximos anos. Com o intuito de promover um melhor escalonamento da colheita e pós-colheita e assim otimizar a qualidade dos cafés produzidos, optou-se pelas variedades de Coffea arábica, tais com o Mundo Novo: 388/17 e 376/4; Catuaí Amarelo: IAC 62 e IAC 86 e Obatã. Com a adoção de um sistema empresarial de produção na lavoura, a propriedade alcançou o maior nível de ODEMIR CAPELLO, CONSULTOR DO SEBRAE/PR: “O PROCESSO DE CERTIFICAÇÃO DE PROPRIEDADES DE CAFÉ, FAZ PARTE DA ESTRATÉGIA DO PROJETO PARA MELHORAR O PREÇO DO PRODUTO NO MERCADO INTERNO E EXTERNO”.

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Edição 149/2010 da Revista Rural destaca a cerificação UTZ da Fazenda Califórnia, em Jacarezinho, PR

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18 RURAL julho/2010

A

Produção

conscienteUma fazenda de café no norte do Paraná mostra que é possívelproduzir sem destruir o meio ambiente. Entre os ingredientes destareceita, está alinhar a produção com padrões em sustentabilidadesocioambiental. Com destaque, a propriedade virou modelo deprodução e chamou a atenção para a região.

Texto: Fátima Costa Fotos: Luis Costa/La Imagem e Divulgação

té pouco tempo atrás, o que parecia improvável setornou não apenas possível como já faz parte da rea-lidade de um grupo ainda restrito de fazendas no País.Estamos falando da produção agrícola que leve em conta

padrões de excelência em sustentabilidade socioambiental.E essas propriedades não investiram em práticas mais respon-sáveis por modismo, causas sociais ou verdes. A opção foi re-sultado de que a própria sobrevivência do negócio estaria emrisco pelo esgotamento dos recursos naturais e pelos novosdesafios criados pela dinâmica do mercado, que tornaramtemas como desmatamento e queimadas argumentos podero-sos no impedimento de entrada de produtos brasileiros, lá

fora. Mas, a melhor forma de se proteger contra acusa-ções indevidas e abrir novas possibilidades de negóciosfoi optar por adoções práticas agrícolas responsáveise sustentáveis. E foi o que fez, pelo menos, o médicoe empreendedor Paulo César Saldanha Rodrigues, queavistou os benefícios deste sistema na lavoura de café. No ano de 2004, ele adquiriu a Fazenda Califórnia,localizada no município de Jacarezinho, distante a380 quilômetros da capital paranaense. Lá, já existiauma cultura de café que começou desde 1903, masnada se aproxima com a imensidão dos cafezais dehoje. Atualmente, são 220 hectares. Nesse ano, aprodução média deverá atingir mil sacas e a intençãoé de se aproximar de 12 mil sacas, nos próximos anos.Com o intuito de promover um melhor escalonamentoda colheita e pós-colheita e assim otimizar a qualidadedos cafés produzidos, optou-se pelas variedades deCoffea arábica, tais com o Mundo Novo: 388/17 e376/4; Catuaí Amarelo: IAC 62 e IAC 86 e Obatã.Com a adoção de um sistema empresarial de produçãona lavoura, a propriedade alcançou o maior nível de

ODEMIR CAPELLO,CONSULTOR DO

SEBRAE/PR: “O PROCESSODE CERTIFICAÇÃO DE

PROPRIEDADES DE CAFÉ,FAZ PARTE DA ESTRATÉGIA

DO PROJETO PARAMELHORAR O PREÇO DOPRODUTO NO MERCADO

INTERNO E EXTERNO”.

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sustentabilidade na produção de café cere-ja descascado. A implantação e conduçãode todas as lavouras seguem a critériosrígidos de boas práticas agrícolas, desde aescolha das sementes, a produção das mu-das, o preparo de solo, a implantação dacultura, passando pelo manejo de plantasdaninhas, o manejo nutricional da cultura,o manejo de pragas e doenças até o treina-mento dos funcionários em todos os proce-dimentos e processos. Isso tudo sob umplano socioambiental de melhoria contínuada qualidade de vida no trabalho dos fun-cionários e da redução dos impactos am-bientas gerados pela atividade. Desde a aquisição, a propriedade passoupor reformas em todos os talhões de plan-tio, renovação no processo de produção,

processamento, colheita, secagem e arma-zenagem. Infelizmente, o médico não podever o trabalho concluído e a imensidadede café no quintal da sua propriedade, maso sonho se tornou realidade por meio dasmãos do sobrinho Luiz Roberto SaldanhaRodrigues. “Nessas áreas os frutos já estãosendo colhidos agora”, diz Luiz Roberto.“Entretanto, para adoção desse sistema epor nunca termos tido trabalhado com caféanteriormente, visitamos propriedadesagrícolas modelos em seus segmentos demercado, assim como participando de umasérie de eventos técnicos de cafeiculturapelo País todo. Trouxemos o que havia demelhor conforme as características danossa região”, frisa. E esse foi o ingrediente principal de um

Em junho de 2007, a Fazenda Califórnia foi auditadae, com isso, tornou-se a primeira propriedade areceber a certificação UTZ no Estado do Paraná.

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Projeto deCafés Especiais

do Paraná Desde janeiro de 2006, existe o Projetode Café Especiais do Paraná que temcomo objetivo produzir e comercializarcafés especiais para o mercado interno eexterno, tendo como público alvo produ-tores de cafés especiais da região. Atual-mente, a área de atuação abrange 45 mu-nicípios tendo aproximadamente 7.500produtores no território. Segundo o gestor do Sebrae, a regiãoapesar de pequena, produz 50% dos cafésdo Paraná, em alguns municípios desteterritório é considerado o setor que maisemprega e o que apresentar o maior per-centual do PIB. O projeto trabalha em vá-rias frentes as mais importantes são: co-mercialização, inovação tecnológica, cer-tificações, associativismo, capacitação,consultorias e caracterização da bebida

e central de negócios. O projetoconta com vários parceiros queinvestem recurso como: Fede-ração da Agricultura do Esta-do do Paraná, Instituto Agro-nômico do Paraná, Banco do

Brasil, Sindicatos ru-rais, entre outras

entidades.

sistema de gestão moderno ali-cerçado em conhecimento e tec-nologia para a melhor utilizaçãodos fatores de produção capital,terra e trabalho. “Sempre incluídonessa equação, o compromissoprimordial com o ser hu-mano, fator dinâmico e es-sencial no processo pro-dutivo. Apostamos naqualidade de vidae de trabalho dosfuncionários. Es-se é o ponto fun-damental para aconquista de ex-celência de pro-dução”. Esses fatores ajudaram a pro-priedade a setornar conheci-

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da, mercado afora. Aplicado essas práticas na produção em poucotempo, o retorno estava garantido. Em junho de 2007, a Califórniafoi auditada e tornou-se a primeira propriedade certificada UTZ,no Estado do Paraná. O sistema de rastreabilidade da UTZ Certi-fied assegura práticas de cultivo responsáveis do ponto de vistasocial e ambiental, em áreas como a higiene, a boa gestão do soloe o uso de pesticidas e fertilizantes nas culturas de café, cacau ena produção de chocolate. Além disso, a certificação trata damanutenção de registros, da segurança do trabalhador e acertostrabalhistas, assim como o acesso à educação e aos serviços desaúde. No Brasil, 140 propriedades estão certificadas UTZ. A cadanegociação, o comprador paga um prêmio ao produtor pelo cafécertificado. “E o mais importante é que uma fazenda, apósimplementar a certificação, começa a obter redução de custos ao

longo dos anos, devido ao usodas boas práticas agrícolas, porexemplo, o manejo integrado depragas, onde são monitoradas eauditadas anualmente, e comisso obtendo o melhoramentocontínuo e o alavancamento daprodução”, explica o engenheiroagrônomo Eduardo Sampaio erepresentante da UTZ no Brasil.

Sistema agronômico

Entretanto, o proprietáriomenciona que é preciso destacarque o sistema implantado nafazenda não é orgânico e simagronômico. Há no mercadouma produção orgânica queacaba distorcendo quanto àquestão de sustentabilidade.“Nós fazemos os três alicerces de

EM TODOS OSPROCESSOS DA

FAZENDA, DESDEA PRODUÇÃO

DAS MUDAS (1),PASSANDO PELA

COLETA SELETIVA (2)E TAMBÉM PELO

PROCESSAMENTODAS CEREJAS

DESCASCADAS (3), APREOCUPAÇÃO COM

A PRESERVAÇÃODAS RESERVAS

AMBIENTAIS (4) DAPROPRIEDADE ESTÁSEMPRE PRESENTE.

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produção: o econômico, o social e am-biental. O nosso código de boa utilizaçãode produtos, com o manejo de pragas edoenças, é utilizado respeitando o meioambiente. Nada mais é do que adoção deum sistema boas práticas agronômicas”,enfatiza Luiz Roberto. A partir deste sistema, eles tambémconquistaram prêmios como o de Quali-dade 2009 e de Sustentabilidade 2009,promovendo um sistema de boas práticasagrícolas (aplicação da ciência agronômicaem seu mais alto grau de conhecimento)aliado à promoção da conservação am-biental e do incremento da Qualidade deVida no Trabalho. Neste ano, a fazendarecebeu o Prêmio Destaque de Susten-tabilidade do Café do Paraná. O título con-templou a propriedade que mais se des-tacou na prática da sustentabilidadeambiental, social e econômica. Concor-reram à premiação todas as propriedadesparticipantes da etapa estadual do Con-curso Café Qualidade Paraná 2009, pro-movido pelo Instituto Paranaense deAssistência Técnica e Extensão Rural(Emater). Para o consultor do Serviço Brasileirode Apoio às Micro e Pequenas Empresas(Sebrae/PR), em Jacarezinho, OdemirCapello e gestor do Programa Cafés

Especiais do Norte do Paraná, o processode certificação de propriedades de café, fazparte da estratégia do projeto para melho-rar o preço do produto no mercado internoe externo. “Essa proprie-dade está num está-gio mais avançado,não só de infraestru-tura, mas também deprofissionalismo de

Aposta na qualidade de vida e condições detrabalho dos funcionários. Esse é o ponto fundamental

para a conquista de excelência de produção.W

ilson

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ideogra

fic

LUIS SALDANHA:“DESDE A AQUISIÇÃO, APROPRIEDADE PASSOUPOR REFORMAS EMTODOS OSTALHÕES DEPLANTIO”.

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seu proprietário. Provavel-mente, isto fará com que ou-tras sigam o caminho, ou seja,será usada como exemplo”,pontua Capello. “Os benefíciosdiretos teríamos aqueles rela-cionados à agregação de valorem função do maior valor rece-bido pelo produtocom consequenteaumento da ren-tabilidade da ati-vidade em si, e aoacesso a merca-dos com aumentoda vantagem com-petitiva em rela-ção aos produ-tores convencio-nais de café. Essediferencial para oano de 2010 temvariado de R$5,00 a R$ 10,00por saca de cafébeneficiado”, jus-tifica o proprietá-rio. Ele ainda com-pleta que enquan-to consumo de ca-fé tradicional cres-ce a taxas entre1% e 2% ao ano, omercado de cafésespeciais dentreos quais os sus-tentáveis crescema taxas de doisdígitos ficando en-tre 12% e 15%,aproximadamente.“Isso ainda é pou-co porque a base absoluta épequena, mas mostra a forçadesse mercado. Na verdade étudo uma questão de educa-ção do consumidor, e por es-tarmos na era da informaçãoacho um caminho praticamen-te sem volta, cada vez aexigência por qualidadeaumenta”.

O café diferente Para o gestor do Sebrae/PR, Odemir Capello, apremiação recebida pela Fazenda Califórnia mostraa importância de se investir na elevação da qualidadedos cafés produzidos na região do norte pioneiro.“Graças ao comprometimento e à mudança depostura dos cafeicultores, hoje o café produzido naregião está se tornando referência nacional einternacional. A melhoria da comercialização doproduto exige mudanças dentro e fora da porteira.Investimentos em qualidade, inovação, certificaçãoda produção, gestão profissional das propriedades,associativismo e infraestrutura são estratégias queauxiliam nesse processo”, analisa. “Ser diferente nãoé inventar e sim aproveitar o que existe aqui comrelação aos fatores climáticos, como chuva,temperatura média, entre outros fatores. Estamoscriando uma nova forma de agregar valor ao nossoproduto”, diz. De acordo com o proprietário da FazendaCalifórnia, o norte do Paraná é uma região abençoada,possui solos férteis e planos, chuva em abundânciae um clima favorável ao amadurecimento do café.“Está aí a receita perfeita para produção de cafés dequalidade. Estudos recentes do Instituto Agronômicodo Paraná (Iapar) demonstram que o equilíbrio deatributos é uma característica marcante dos cafésespeciais da Região, ou seja, um balanço perfeitoentre corpo, doçura, acidez e sabor residual, comnotas marcantes de aroma e sabor de chocolate,

caramelo e floral”, esclarece Luiz Saldanha.