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Extensão Rural inicia transição agroecológica.

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Page 1: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável01_
Page 2: Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável01_

3Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

Ao longo das últimas duas décadas, vemcrescendo na sociedade em geral e nos meioscientíficos e políticos em particular uma agu-da preocupação com os rumos do desenvol-vimento , ganhando força a noção de desen-volvimento sustentável.

A mudança de rumo propugnada por seto-res, decorre da descoberta de que os modelose estratégias de desenvolvimento até agorarecomendados e adotados foram incapazes deresolver graves problemas da humanidade,como a miséria e a fome, ao passo que gera-ram outros, não menos preocupantes, comoa degradação ambiental e o aumento acen-tuado das externalidades negativasincontroláveis e socioambientalmente inde-sejáveis.

É neste contexto que nasce a revista Agro-ecologia e Desenvolvimento Rural Susten-tável . Não se trata de mais uma revista, masde um periódico que pretende preencher umalacuna importante no universo da comuni-cação e da circulação de conhecimentos so-bre o tema geral da sustentabilidade.

Neste sentido, esta Revista é lançada comomais uma das iniciativas que vêm sendoadotadas pela Extensão Rural do Rio Grandedo Sul como contribuição para a divulgação,debate e construção de conhecimentos quenos levem em direção a estilos de desenvolvi-mento rural e agriculturas sustentáveis.

Desejamos que possa vir a ser um veículoútil para todos aqueles que estão empenhados

“Ella está siempre en el horizonte. Me acerco dos pasos, ella se aleja

dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos mas allá.

Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. ¿ Para quê sirve la

utopia? Para eso sirve: para caminar.”

(Eduar(Eduar(Eduar(Eduar(Eduardo Galeano, “Las palabras andantes”do Galeano, “Las palabras andantes”do Galeano, “Las palabras andantes”do Galeano, “Las palabras andantes”do Galeano, “Las palabras andantes”)

na difícil e desafiante tarefa de pensar e prati-car alternativas de desenvolvimento compatí-veis com a nossa realidade e que tenham pre-sentes a necessidade de estabelecer-se padrõeséticos e de solidariedade entre as gerações pre-sentes e destas com as gerações futuras.

Ao longo da caminhada que se inicia e fielà missão que orienta a Extensão Rural do RioGrande do Sul, a nossa Revista abrirá espa-ços para enfocar aspectos teóricos e práticosdo Desenvolvimento Rural Sustentável, daAgricultura Sustentável, da Agroecologia, daAgricultura Familiar, da Extensão Rural e dasrelações sociais presentes nos processos dedesenvolvimento rural. Nestes amplos cam-pos de conhecimento serão acolhidos relatosde experiências práticas e a abordagem teó-rica sobre desenvolvimento endógeno, desen-volvimento local, reforma agrária, agricultu-ra/pecuária de base ecológica, proteção et-noecológica, conhecimento local, meio ambi-ente, ecologia, economia ecológica e ecologiapolítica, comunicação rural, organização so-cial, metodologias participativas, redesenhode agroecossistemas sustentáveis, tecnologiae sociedade, indicadores de sustentabilida-de, biodiversidade, balanços energéticosagropecuários, impactos ambientais e outrostemas correlatos.

Esperamos que a Revista seja, realmente,de utilidade para todos e desejamos que nosescrevam enviando sugestões e textos parapublicação.

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4Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é umapublicação da Associação Riograndense de Empreendimentos deAssistência Técnica e Extensão Rural - Emater/RS.Os artigos publicados nesta revista são de inteira responsabilidadedos seus autores.

Coordenação Geral : Diretoria Técnica da EMATER/RS

Conselho Editorial :Alberto Bracagioli, Ângela Felippi, AriHenrique Uriartt, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Eros MarionMussoi, Fábio José Esswein, Francisco Roberto Caporal, GervásioPaulus, Jaime Miguel Weber, João Carlos Canuto, João CarlosCosta Gomes, José Mário Guedes, Jorge Luiz Aristimunha, JorgeLuiz Vivan, José Antônio Costabeber, Leonardo Melgarejo,Lino DeDavid, Luiz Antônio Rocha Barcellos, Nilton Pinho de Bem, Renatodos Santos Iuva, Rogério de Oliveira Antunes, Soel Antonio Claro

Editor Responsável: Jorn. Ângela Felippi – RP. 7272Editoração de Texto: Mariléa Fabião BorralhoProjeto Gráfico e Ilustração: Sérgio BatsowDiagramação: Nina de Oliveira

Revisão: Deise MietlickiFotografia: Kátia Farina Marcon, Rogério da S. Fernandes

Periodicidade: TrimestralTiragem: 2.000 exemplaresImpressão : PallottiDistribuição: Biblioteca da EMATER/RS

EMATER/RSRua Botafogo, 1051Bairro Menino Deus90150-053 – Porto Alegre – RSTelefone: (051) 233-3144Fax: (051) 233-9598Endereço virtual da revistahttp://www.emater.tche.br/docs/agroeco/index.htm

CartasOs interessados podem enviar cartas para Bibliotecária Mariléa FabiãoBorralho, Emater/RS, Rua Botafogo, 1051, 2º andar, Bairro MeninoDeus, CEP 90.150-053, Porto A legre/RS ou paraagroeco@emater .tche.br.

Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.| Porto Alegre| v.1| n.1| p.1-70| jan./mar.2000

RRRRReportagemExtensão Rural inicia transição agroecológica 5

RRRRRelato de experiênciaA experiência cubana de transição agroecológicaGervásio Paulus 11

AAAAArtigoAgroecologia e desenvolvimento rural sustentávelFrancisco R oberto Caporal eJosé Antônio Costabeber 16

AAAAAlternativa tecnológicaRoçadeira de campo com tração animal 38

AAAAArtigoProdução familiar, pós modernidade e capitalismoAlberto da Silva Jone e Matheus Bressan 39

AAAAArtigoAmbiente e desenvolvimento de áreas rurais marginai sArtur Fernando A. C. Cristóvão 46

EEEEEconotas 57

DDDDDica agroecológica 59

AAAAArtigoEcofeminismoEmma Siliprandi 61

RRRRResenha 72

NNNNNormas editoriais 74

SUMÁRIORevista da Emater/RS

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5Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

“No ano de 1999, a extensão rural iniciouum processo de recuperação e valorização daprofissão de agricultor”. A afirmação é do pre-sidente da Emater/RS, Lino De David, ao ava-liar as ações da empresa na atual gestão. Paraele, o agricultor tem sido marginalizado e es-quecido nas últimas décadas em função deuma concepção de desenvolvimento para aqual o que importa é o mercado. As ações daextensão rural, desde o ano passado, foram

Extensão Rural inicia transição agroecológica

voltadas para a construção de um novo mode-lo de desenvolvimento, que prevê o resgateda dignidade da profissão de agricultor e daatividade agropecuária no Rio Grande do Sul,além da inclusão de uma parcela desses agri-cultores que estavam sendo excluídos do pro-cesso produtivo.

A mudança da matriz técnico-produtiva daagricultura gaúcha, saindo do padrão estabe-lecido pela da revolução verde para a busca

As políticas do governo do Estado para o setor agropecuário partem da concep-ção de desenvolvimento baseada na sustentabilidade. Nesse contexto, desde 1999,a Emater/RS, como empresa responsável pelo serviço oficial de extensão rural,assumiu a estratégia de priorizar a agricultura familiar, mais descapitalizada,trabalhar pela produção de alimentos limpos e por um modelo tecnológico que

agrida menos o meio ambiente. E para isso, busca utilizar metodologias partici-pativas, que permitam aos agricultores participação efetiva nas decisões do

processo de desenvolvimento.

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6Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

Ao final do primeiro ano de implementa-ção da proposta de produção baseada na Agro-ecologia, as secretarias estaduais da Agricul-tura e Abastecimento e de Coordenação e Pla-nejamento, através da Emater/RS e do Pró-Guaíba, respectivamente, promoveram o I Se-

Sociedade civil e governo discutem Agroecologiaminário Estadual de Agroecologia. O eventoaconteceu de 14 a 16 de dezembro de 1999,em Porto Alegre. O seminário tinha como ob-jetivo levar à sociedade, em especial aos agri-cultores, o debate a respeito da produção, co-mercialização e consumo da produção ecoló-

de um desenvolvimento rural sustentável, éjustificada por De David como forma de rever-ter a degradação ambiental, melhorar a qua-lidade dos alimentos e diminuir a dependên-cia dos agricultores dos insumos químicosindustriais.

Os passos dados pela extensão rural rumoao novo modelo de desenvolvimento incluírammodificações internas. A Emater/RS redefiniumissão, objetivos, estratégias de ação, visão evalores, através de discussões dentro do pro-cesso denominado Estratégia Empresarial, queencerrou no início de 2000. Paralelamente aisso, iniciou a capacitação do quadro funcio-nal. Até o final deste ano, todos os extensio-nistas da empresa irão passar pelo Programade Formação Técnico-Social. O Programa in-clui o curso de Desenvolvimento Rural e Pla-nejamento Municipal, seminários, encontrose distribuição de material, além do curso deespecialização via Internet: Agricultura Fa-miliar e Desenvolvimento Rural, em convê-nio com a Universidade Federal Rural do Riode Janeiro (UFRRJ), do qual participam 43 ex-tensionistas. O curso é desenvolvido por mé-todos de educação a distância, com duraçãode um ano, e deverá ser ampliado, nos anosseguintes, para mais técnicos da empresa.Outras frentes de trabalho intensificadas fo-ram a assistência aos assentamentos de re-forma agrária e às comunidades indígenas.Estão sendo assistidos 80 assentamentos e23 comunidades indígenas.

No campo, a nova orientação da extensãorural começa a ser sentida. É o chamado perí-

odo de transição, que corresponde à passa-gem do modelo produtivista convencional paraestilos de produção mais evoluídos sob o pon-to de vista da conservação e manejo dos re-cursos naturais. Na avaliação do diretor téc-nico da Emater/RS, Francisco Caporal, hou-ve uma evolução positiva no desenvolvimentoda Agroecologia no Rio Grande do Sul. “Nóstivemos a implantação e o desenvolvimento detrabalhos em 90 municípios do Estado, comexperiências em andamento”, explica. Há maisde 30 feiras de produtos ecológicos no interi-or do Estado.

As políticas públicas do governo estadualestão sendo direcionadas para a produçãoagroecológica. Foi incluída uma linha de fi-nanciamento para projetos agroecológicos noPrograma para o Desenvolvimento Racional,Recuperação e Gerenciamento Ambiental daRegião Hidrográfica do Guaíba (Pró-Guaíba) eno RS Rural, antigo Pró-Rural 2000, e foi lan-çado o programa Manejo Ecológico do Solo.Deverá ser lançado, em breve, o Programa Pro-dução, Agroindustrialização e Comercializa-ção de Produtos Ecológicos. Os programas con-tam com crédito e assistência técnica na ela-boração e acompanhamento dos projetos.

O tema Agroecologia ficou colocado em po-sição de destaque nas assembléias do Orça-mento Participativo, dentro da prioridade nú-mero um que foi a agricultura. Na região deSanta Maria, por exemplo, Agroecologia é asegunda prioridade dentro da agricultura, vin-do após o crédito rural.

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7Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

acesso à alimentação saudável.Se vi l la Guzmán

“Os agricultores sabiam lera natureza. Hoje resumem suaatividade em aplicação de paco-tes tecnológicos”. A afirmação édo professor Eduardo SevillaGuzmán, diretor do Instituto deSociologia y Estudios Campesi-nos e professor da Universida-de de Córdoba, Espanha, queparticipou do seminário. Ele,que é doutor em Sociologia Ru-ral, lembrou que a agricultura

ecológica não se presta aos interesses dasmultinacionais do ramo agrícola, pois “aplicamodelos locais e não pode ser estandartizada.Ela é uma forma de encarar a crise social eecológica e restaurar o curso alterado da co-evolução social e ecológica”.

Para Guzmán, os países pobres levam umacerta vantagem em relação aos países ricosdo hemisfério norte: “para aqueles que nãose entregaram totalmente ao modelo agroquí-mico, é mais fácil acertar o caminho”. Ele res-salta que, enquanto no norte há uma grandesistematização do conhecimento, ao sul ain-da encontramos o conhecimento indígena ea sabedoria camponesa, que são transmiti-dos de geração a geração.

“A agricultura que se pratica usualmente,recorrendo a insumos químicos, não é maisbarata porque não contabiliza em seus cus-tos as perdas sociais e ambientais, prossegueGuzmán, e a adoção de métodos agroquími-cos implica no estabelecimento de vínculos co-merciais e ideológicos. No momento em queos povos do Sul optam pelo manejo ecológico,passam a encontrar uma maneira de evitar aexploração social e do meio ambiente, basea-da no conhecimento acumulado pelos povos”.

Expe ri ê nci as d o RSA comprovação de que a Agroecologia é viá-

gica, principalmente em rela-ção aos problemas socioambi-entais existentes na região hi-drográfica do Rio Guaíba. Oevento reuniu aproximadamen-te 650 participantes, que co-nheceram as experiências naárea em andamento na Améri-ca Latina, no Brasil e no RioGrande do Sul.

Como palestrantes, participa-ram os pesquisadores EduardoSevilla Guzmán, da Universida-de de Córdoba, Espanha; MarioAhumada Arenas, coordenador do Movimentode Agricultura Ecológica Latino -Americana(MAELA), do Chile; Carlos Chiarulli, do Insti-tuto de Cultura Popular (Incupo), da Argenti-na; Nasser Youssef Nasr, do projeto Hortão SãoJosé, do Espírito Santo, além de uma série deoutros técnicos e representantes de entidadescom experiência nesta área. Foram enfocadasa teoria e a prática da Agroecologia, a preser-vação ambiental, as tecnologias de base ecoló-gica e a comercialização e o consumo de pro-dutos ecológicos.

Go ve rno p re para p ro gramaO governo do Estado vai massificar a Agro-

ecologia no Rio Grande do Sul, disse o gover-nador Olívio Dutra, durante a abertura do se-minário. “A Agroecologia, na visão do nossogoverno, é fundamental para o desenvolvimen-to de uma agricultura sustentável. Queremosaumentar a produção e a renda no campo,abrindo este mercado promissor para os ali-mentos sem agrotóxicos. O desafio do próxi-mo século é produzir mais, preservando a vidae a natureza”, falou Dutra.

Segundo o Secretário da Agricultura, JoséHermeto Hoffmann, a massificação da Agroe-cologia otem por objetivo que todos os consu-midores tenham acesso aos alimentos lim-pos, evitando que apenas uma elite tenha

Ed u ard o S ev illa G u zm án

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8Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

vel e está crescendo no Rio Grande do Sul foi

trazida ao seminário pelas organizações go-

vernamentais, não-governamentais e coope-

rativas, através de relatos de algumas das prin-

cipais experiências de produção de alimentos

limpos existentes no Estado. Representantes

do Centro Ecológico de Ipê, da Cooperativa de

Citricultores do Vale do Caí (Ecocitrus), do Cen-

tro de Tecnologias Alternativas e Populares

(Cetap), da Emater/RS, da prefeitura de Porto

Alegre, da Fundação Gaia, do Centro de Apoio

ao Pequeno Agricultor (CAPA) e da Cooperativa

Central dos Assentados do RS (Coceargs) apre-

sentaram sua trajetória e os resultados obti-

dos na produção Agroecológica.

“Nossa atuação tem sido uma tentativa de

resposta aos problemas causados pelo mode-

lo de agricultura industrial”, disse Laércio

Meireles, do Centro Ecológico. O centro exis-

te desde 1985, criado a partir da mobilização

da sociedade na busca de alternativas ao mo-

delo de agricultura convencional. Hoje, são

produzidos cerca de 40 produtos ecológicos

diferentes, comercializados principalmente em

feiras, no Rio Grande do Sul e em outros es-

tados. O Centro Ecológico esti-

mula também a agroindustria-

lização caseira de alimentos e o

resgate da biodiversidade, atra-

vés do resgate de sementes de

feijão, milho e hortaliças que

estavam sendo perdidas.

Já o Cetap, localizado na Fa-

zenda Annoni, tem sua trajetó-

ria ligada aos movimentos soci-

ais e populares. Foi criado em

1996 com objetivos semelhantes

aos do Centro Ecológico. Ao longo

desses anos, buscou construir alternativas

mais apropriadas para a necessidade dos agri-

cultores, tentando garantir sua máxima inde-

pendência dos pacotes tecnológicos e da aqui-

sição de insumos da indústria. O manejo eco-

lógico do solo foi uma das principais alternati-

vas.

A Fundação Gaia, que existe desde 1987,

está se retirando do assessoramento direto aos

agricultores devido ao fim de um projeto com

o Partido Verde da Alemanha, que destinava

recursos à ONG. A estratégia de formação de

lideranças que a Fundação apresentou no se-

minário é uma forma manter o trabalho de

produção agroecológica junto aos 160 agricul-

tores familiares, indígenas e assentados liga-

dos à fundação. A entidade atua em educação

ambiental, biodiversidade e agricultura

regenerativa.

O CAPA surgiu para buscar alternativas

para a monocultura da soja na região de San-

ta Cruz do Sul e hoje beneficia três mil famíli-

as com suas ações, especialmente na área de

organização rural. Luiz Rogério Boemeker,

agrônomo do Centro, explicou que existe mer-

cado para os produtos ecológicos, mas o de-

safio é a organização dos agricultores para a

busca desses mercados, além da conversão

total dos agricultores para a Agroecologia, es-

pecialmente na região de produ-

ção de fumo.

Já a experiência da extensão

rural oficial em Agroecologia foi

relatada pelo diretor técnico da

Emater/RS, Francisco Caporal.

Ele fez um histórico da atuação da

Emater/RS e lembrou que, embo-

ra a empresa tivesse suas ações

baseadas num enfoque tecnológi-

co, voltado para a agricultura con-

vencional, vinha estimulando jun-

to aos agricultores algumas prá-

ticas ligadas à Agroecologia, inclusive com

experiências significativas, que estão sen-

do intensificadas como a nova orientação da

Emater/RS.

M ar io A h u m ad a A ren as

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9Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

M ae l aA Agroecologia pode ser a resposta aos pro-

blemas econômicos, sociais e ambientais cau-

sados pela agricultura convencional. A afirma-

ção foi feita no Seminário Estadual sobre Agro-

ecologia pelo coordenador geral do Movimen-to de Agricultura Ecológica Latino-Americana

(Maela), Mario Ahumada Arenas.

O Maela reúne ONGs, universidades e as-

sociações de agricultores em toda a América

Latina desde 1989. O movimento surgiu para

buscar soluções aos problemas causados pelarevolução verde e tem três linhas de atuação:

o estímulo à organização dos agricultores, a ca-

pacitação de técnicos e agricultores e a difu-

são da Agroecologia. Arenas disse que a produ-

ção de alimentos limpos tem potencial de cres-

cimento – uma vez que os consumidores que-rem esses produtos -, mas tem entraves ex-

ternos, como a pressão das multinacionais

pela venda dos produtos agroquímicos. Na Amé-

rica Latina, ao mesmo tempo que a produção

de alimentos ecológicos cresce, mantêm-sepráticas de degradação ambiental, como as

queimadas, o uso de agrotóxicos, inclusive os

proibidos em

países do Pri-

meiro Mundo,

e o desmata-mento.

Q uali d ad eO agrôno-

mo Sebastião

Pinheiro, daUniversidade

Federal do Rio

Grande do

Sul, palestrou

no evento sobre o valor ambiental dos alimen-

tos agroecológicos, abordando a questão pelaqualidade dos alimentos. Pinheiro afirmou que

qualidade é um conceito que acompanha o ní-

vel de cidadania da população, e que, no pro-

cesso de globalização, os governos estão dei-

xando de regular sobre as normas de qualida-

de dos alimentos, deixando que o mercado,

que o complexo agroindustrial e financeiro

faça isso. Um exemplo é a questão dos trans-gênicos, que estão sendo liberados em vários

países por pressão do mercado.

O agrônomo criticou também a ação das

empresas públicas de pesquisa e universida-

des, que estão atreladas a esses grupos. Dis-

se que com os transgênicos, parte da popula-ção que pode pagar irá consumir alimentos

limpos, sem agrotóxicos e adubos químicos, e

outra parte,

que não pode,

irá consumir

os produtosconvencio-

nais e trans-

gênicos, de

qualidade in-

ferior.

Co mb at eà f o me“A horta

ecológica é

um projeto de baixo custo que utiliza água,terra, adubo orgânico e solidariedade para

combater a fome”, afirmou o agrônomo e de-

putado estadual do Espírito Santo, Nasser

Youssef Nasr, em palestra no seminário. Nasr

fez um relato da experiência do Hortão São

José, em Cachoeiro do Itapemirim, no sul doEspírito Santo.

A experiência de Cachoeiro do Itapemirim

foi iniciada em 1983, tornando-se referencial

no mundo inteiro devido à alta geração de tec-

nologia e produtividade, aliada ao respeito ao

meio ambiente e ao resgate do plantio con-

sorciado. A experiência foi levada para outros

estados devido à possibilidade de adaptar o

Seb as t ião P in h eiro �

N as s er Y o u s s ef N as r

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10Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

* A reportagem foi produzida pelos jornalistas ÂngelaFelippi, Roberto Villar, Guta Teixeira, José Otávio

Ferlauto e Patrícia Gondin.

modelo à realidade de cada região e para oscentros urbanos. O projeto, chamado Hortão

das Crianças, produz alimentos para escolas

e creches da vizinhança. “Todos os municí-pios brasileiros possuem estrutura para im-

plantar uma horta ecológica, pois a nossa re-

alidade climática permite repetir a experiên-

cia em qualquer lugar”, explicou Nasr.

“São os pequenos projetos com sucesso que

vão resolver os grandes problemas do nossopaís”, afirmou Padre Sérgio Mariano, um dos

representantes do Hortão São José, durante

sua participação na palestra. O Hortão São

José ocupa 72 hectares de terras da Igreja e

produz alimentos para distribuição entre se-

minários, asilos e população carente.

Transgê ni co sA população da Argentina desconhece os

riscos dos transgênicos porque estas informa-ções não são divulgadas no país que mais estáplantando sementes geneticamente modifica-das na América Latina. O alerta é do agrôno-mo Carlos Chiarulli, da cidade argentina deReconquista, responsável por projetosagroflorestais que valorizam a cultura indíge-na da Região do Chaco.

“Somente agora estão se iniciando cam-panhas de esclarecimento, principalmentedos políticos, sobre as conseqüências danosasque as lavouras transgênicas trazem à biodi-versidade”, ressaltou Chiarulli durante deba-te que ocorreu no seminário.

Cart a A gro e co ló gi caOs agricultores e técnicos do RS que partici-

param do seminário defenderam a adoção dos

princípios da Agroecologia nos programas de de-

senvolvimento rural sustentável do Rio Gran-

de do Sul. A posição foi apresentada à socieda-

de na Carta Agroecológica, produzida no final

do evento, contendo várias recomendações.

Entre os pedidos dos participantes, estão

que as instituições de ensino incluam nos cur-

rículos a Agroecologia como campo de estu-

dos, e as entidades de pesquisa agropecuária

e financiadoras estabeleçam e apóiem linhas

de pesquisa voltadas para a produção agroe-

cológica. Também defende políticas públicas

por parte do governo estadual de estímulo a

produção, agroindustrialização e comerciali-

zação de produtos agroecológicos, com linhas

de crédito especiais, e um maior intercâmbio

com organizações não-governamentais e com

agricultores e movimentos sociais nesse pro-

cesso. Além dessas, orienta o Pró-Guaíba para

a ampliação da ação agroecológica para todas

as microbacias existentes na região hidrográ-

fica do Rio Guaíba.Os participantes defenderam, também, que

as entidades de assistência técnica e exten-são rural orientem suas ações pela participa-ção democrática do público assistido. Quantoao consumidor, foi pedida maior orientaçãodesse segmento na exigência de alimentosecológicos. A Carta Agroecológica pede que go-vernos estadual e municipais adquiram, pre-ferencialmente, produtos ecológicos paraatender o consumo alimentar em creches,escolas, hospitais, asilos e presídios.

Também no final do seminário, foi aprova-da moção de apoio à proposta do governo doEstado de tornar o RS uma zona livre de pro-dutos transgênicos e as medidas do governopara este fim. A moção se baseia no agrava-mento da dependência dos agricultores às em-presas transnacionais, nas evidências cien-tíficas recentes a respeito dos riscos ambien-tais e à saúde humana, na ameaça à segu-rança alimentar e na crescente pressão dosconsumidores por produtos limpos e livres detransgênicos.AAAAA

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11Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

A eA eA eA eA experiênciaxperiênciaxperiênciaxperiênciaxperiênciacubana decubana decubana decubana decubana detransiçãotransiçãotransiçãotransiçãotransiçãona agricultura na agricultura na agricultura na agricultura na agricultura 11111

P au lu s , G erv ás io *

Resumo : Apesar de sua opção socialista, omodelo tecnológico na agricultura adotado porCuba até 1990 era essencialmente dependen-te de insumos externos, revelando-se ambi-entalmente insustentável. Os sintomas da cri-se decorrentes da agricultura convencionaltornaram-se mais evidentes com o desmoro-namento dos regimes do Leste Europeu. Dis-cute-se neste texto a experiência cubana detransição “em marcha forçada” do modelo deagricultura convencional, para uma agricul-tura mais saudável, voltada para o auto-abas-tecimento e menos dependente de insumosexternos, enfatizando os aspectos que favore-ceram esta transição naquele país. Por fim, ecom base nas alternativas encontradas peloscubanos para enfrentar a crise, infere-se al-gumas questões, a partir da experiência ana-lisada, para pensar a transição da agricultu-ra convencional para estilos alternativos, debase ecológica.

Palavras-chave : Transição; Agriculturasustentável em Cuba; Reconversão; Desenvol-vimento tecnológico na agricultura .

1 A o pção t e cno ló gi ca naagri cult ura e m Cub a

Até o início da década de 1990, a economiacubana era fortemente dependente do comér-

cio com os países do bloco socialista, especi-almente a União Soviética, sobretudo de pe-tróleo, fertilizantes e agrotóxicos. Com o fimdo modelo soviético, Cuba viu-se quase com-pletamente isolada do resto da economia mun-dial, mergulhada bruscamente em uma reali-dade extremamente adversa, colocando emxeque seu modelo de desenvolvimento1 . Paraentender esse modelo, é importante, em pri-meiro lugar ter presente as particularidadesdo caso cubano. Dois fatores externoscondicionaram a definição do modelo de de-senvolvimento da ilha, com seus desdobra-mentos para a agricultura. Por um lado, o em-bargo econômico imposto pelos Estados Uni-dos, forçando os cubanos a limitar suas rela-ções comerciais com os países aliados do Les-te Europeu (a lei Burton-Helms, que decreta oboicote norte-americano à ilha, proíbe qual-quer empresa que tenha negócios com os EUA,de qualquer parte do mundo, de manter rela-ções comerciais com Cuba. Isso inclui desdepetróleo até remédios e outros artigos bási-cos, como pasta de dentes e papel). Por outro,a inserção de Cuba no bloco dos países socia-*Eng.Agr. MSc. Extensionista Rural da EMATER/RS

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12Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

listas colocou o país em uma relação comer-cial francamente favorável, reservando-lhe opapel, no contexto de uma divisão internacio-nal do trabalho, de exportador de produtosagrícolas e importador de insumos. Esta últi-ma condição, aliada a uma efetiva determina-ção oficial de promover uma política de eqüi-dade econômica e social e uma relativa au-sência de corrupção na administração estatal(Rosset, 1997a), permitiu a Cuba atingir umacondição privilegiada em relação aos demaispaíses da América Latina, em termos de índi-ces de qualidade de vida2 . Entretanto, comoassinala o mesmo autor, com o colapso do blo-co socialista, esta forma de agricultura base-ada em extensas monoculturas mostrou-se oponto mais frágil da revolução cubana.

2 A Cri se na agr i cult ura cub anaA agricultura foi um dos setores mais pe-

nalizados com o fim da ajuda externa (vendade açúcar a preços acima da média interna-cional e aquisição de insumos a preço subsi-diado). Os dados estatísticos disponíveis de-monstram claramente essa dependência. Até1989, 48% dos fertilizantes e 82% dos agrotó-xicos (inseticidas, fungicidas e herbicidas)usados em Cuba eram importados. Se consi-derarmos o fato de que 52% dos fertilizantesfabricados em Cuba dependiam da importa-ção de matéria-prima, o coeficiente de impor-tação total para os fertilizantes neste país che-ga a 94%. No caso específico dos herbicidas ede insumos para alimentação animal, as im-

portações representavam 98% e 97%, respec-tivamente (Rosset, 1997a).

Tamanho foi o impacto no período que seseguiu à queda do bloco socialista, que talveza palavra ruptura, neste caso, seja mais ade-quada do que transição . Os dados da tabelaabaixo mostram a enorme dependência cuba-na das importações de insumos para a agri-cultura. Pelas razões conjunturais que desen-cadearam a crise na economia cubana, pode-se afirmar seguramente que a mudança de pa-drão na sua agricultura deveu-se muito maisà falta de opção (de continuar produzindo nomodelo convencional) do que a uma opção de-liberada de promover uma nova forma de agri-cultura, o que levou o país a implantar uma“reconversão em marcha forçada”. Em mui-tos casos, isso significou tomar o caminho in-verso da modernização, ou seja, literalmente“apear do trator e montar no cavalo”. Quaissão as lições que os cubanos tiraram desseprocesso? O que pode ser aprendido para oBrasil em geral e para o Rio Grande do Sul emparticular? Como Cuba conseguiu ou estáconseguindo superar esse impasse?

É preciso considerar que as estratégias dereconversão do padrão de produção contaramcom um aliado importante (poder-se-ia mes-mo dizer decisivo, dada a necessidade de mu-dar drasticamente o modelo produtivo em umcurtíssimo período de tempo): o grande poten-cial de recursos humanos qualificados, sobre-tudo na pesquisa (evidentemente, isso exigiu- e ainda está exigindo - um esforço muito

Tabela: Comparação das importações de alguns produtos selecionados (Cuba, 1989 e 1992)

InsumoInsumoInsumoInsumoInsumo Importação em 1989Importação em 1989Importação em 1989Importação em 1989Importação em 1989 Importação em 1992Importação em 1992Importação em 1992Importação em 1992Importação em 1992 VVVVVariação em porcentagemariação em porcentagemariação em porcentagemariação em porcentagemariação em porcentagemPetróleo 13 milhões t 6,1 milhões t -53 %Fertilizantes 1,3 milhões t 300 mil t -77 %Pesticidas US$ 80 milhões < US$ 30 mi -62,5 %Alimentos - - -p/ animais 1,6 milhões t 475 mil t -70 %Leite em pó 36 mil t 36 mil t 0%

Fonte: ROSSET & BENJAMIN, 1995.

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13Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

grande da maioria desses recursos humanospara a reorientação das linhas de pesquisa,adequadas às novas exigências. Para eviden-ciar isto, basta mencionar que Cuba possui amelhor relação entre número de pesquisado-res e população da América Latina. A implan-tação ou reativação de pequenas indústrias,espalhadas pelo interior da ilha, para a fabri-cação de insumos a partir dos conhecimentose das matérias-primas disponíveis localmen-te, está permitindo a retomada dos índices deprodutividade anteriores à crise de 1989-90.Esses insumos incluem a reprodução massalde agentes para controle biológico e bactériasfixadoras de nitrogênio, a produção em gran-de escala de adubos orgânicos e a produçãoartesanal de biopesticidas (Rosset, 1997b).Entre as técnicas de controle biológico está areprodução e aplicação de agentes biológicosem Centros de Reprodução de Entomófagos eEntomopatógenos (CREs) e a instalação de trêsfábricas de biopesticidas - uma das quais jáestá em funcionamento - que fornecem pro-dutos biológicos para a proteção de plantas.

Uma outra alternativa encontrada foi a“ruralização do espaço urbano”, no sentido deaproveitar os espaços não-construídos de Ha-vana e outras cidades para a produção dehortigranjeiros, em hortas chamadas organo-pônicos1 . Nas palavras do chefe de um dosprincipais organopônicos em Cuba, “até a cri-se de 1990, Havana era um dragão de bocaaberta que engolia alimentos vindos de todosos lados”. Atualmente, a quase totalidade dehortigranjeiros consumidos na capital cuba-na é produzida na cidade ou nas imediações.Conforme Fernando Funes, presidente da As-sociação Cubana de Agricultura Orgânica, sóem Havana existem hoje mais de 200 organo-pônicos.

Um outro aspecto importante é a reorienta-ção da escala de produção, com o desmembra-mento da macroempresa estatal de grandeescala em cooperativas administradas por seuscoletivos de trabalhadores, denominadas Uni-

dades Básicas de Produção Coletiva (UBPC).Além disso, citamos a criação de um MercadoAgropecuário para venda, a preços livres, doexcedente produzido, contratado ou não.

No documento final do Congresso Meio Am-biente e Desenvolvimento - Consulta Nacio-nal Rio+5, realizado em Cuba no ano de 1997,a Comissão de Agricultura Sustentável daque-le país citou os avanços obtidos neste campodesde a realização da Conferência Internacio-nal Rio-92, bem como as dificuldades e limi-tações. Entre os primeiros estão o controlebiológico e o desmembramento das grandescooperativas estatais em unidades menores.Entre as dificuldades e limitações, foram men-cionados:

a necessidade de ampliação de áreas sobmanejo integrado de pragas, em cultivos quetêm este sistema;

que os policultivos ainda são insuficientes; que a extensão rural de sanidade vegetal

ainda é insuficiente; que é necessário um trabalho maior de ado-

ção do Código Internacional de Conduta comos Praguicidas;

que é preciso realizar estudos de impactoambiental das novas mudanças no desenvol-vimento agropecuário;

a necessidade do contínuo aperfeiçoamen-to dos mecanismos do Mercado Agropecuá-rio, mas que cumpra eficientemente seus ob-jetivos;

que a existência de critérios em níveis dis-tintos da prática de uma agricultura susten-tável é só a conseqüência do período especiale poderá desaparecer quando as limitaçõesatuais forem superadas e se retorne ao usoem altos níveis de fertilizantes químicos,praguicidas, mecanização etc.

Por fim, a comissão recomenda que “é in-

“Até a crise de 1990, Havana era um

dragão de boca

aberta que engolia alimentos vindos

de todos os lados”

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14Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

dispensável existir uma Estratégia Nacionalsobre Agricultura Sustentável, na qual se es-tabeleçam os delineamentos básicos paracompatibilizar as grandes produções do paíscom os diferentes métodos de produção, in-cluída a agricultura orgânica, estabelecendoum adequado balanço” (Taller “Medio Ambi-ente y Desarrollo”, Cuba, 1997).

3 A p re nd e nd o co m a t ransi ção naagr i cul t ura cub ana

Ainda que a experiência cubana seja, pordiversas razões, singular, podem-se inferir al-gumas lições que ajudam a promover açõesestratégicas em direção a estilos de agricultu-ra alternativos. Reconhece-se hoje, por exem-plo, que a agricultura em regime de explora-ção familiar em Cuba, mesmo tendo ocupadouma área muito inferior em relação às empre-sas coletivas estatais ou cooperativas, foi aprincipal responsável pela preservação da bi-odiversidade, assim como de práticas alter-nativas de produção que estão sendo resgata-das atualmente. Também a formação de umgrande número de pesquisadores, especialis-tas nas mais diversas áreas, favoreceu o de-senvolvimento rápido de alternativas aosinsumos químicos convencionais. Deve-se res-saltar, contudo, que grande parte das alter-nativas que estão sendo postas em prática emCuba está mais voltada, de maneira geral, àproposta de substituição de insumos do que à

perspectiva de desenvolver sistemas de pro-dução que considerem a complexidade eespecificidade dos agroecossistemas locais,como reconhece o relatório da Comissão deAgricultura Sustentável.

O uso parcimonioso dos recursos energéti-cos, sobretudo de fontes não-renováveis deenergia (a partir de 1990), talvez seja uma pe-quena amostra do cenário que pode vir a segeneralizar com a aproximação do esgotamen-to de recursos finitos (como são as reservas depetróleo), e nos convida a refletir sobre a ne-cessidade de reverter a perspectiva consumis-ta que predomina em nosso estilo de vida. Alémdisso, o fato de Cuba ter mergulhado numacrise econômica com limitações de toda ordem(eufemisticamente chamado de “período espe-cial”) faz com que a sua principal riqueza, osrecursos humanos, volte-se com determina-ção ainda maior para a busca de alternativas.Por fim, e desde o ponto de vista das relaçõespolíticas internacionais, a resistência de Cubaem render graças ao “deus mercado” incomo-da profundamente ao maior império econômi-co do mundo. É que -suprema humilhação!- amaior potência econômica e militar do plane-ta neste fim de milênio não consegue imporsuas leis a um país que é uma ilha, com umterritório um pouco maior que o estado do RioGrande do Sul e uma população de apenascerca de 11 milhões de habitantes, que se si-tua a apenas 150 km de Miami... AAAAA

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15Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

1 Este texto foi elaborado a partir de uma visitaque fez o autor a Cuba, no mês de abril de 1999.

2 Eng. Agr., MSc., Extensionista Rural daEMATER/RS. Rua Botafogo, n° 1051. Bairro MeninoDeus. CEP 90150-053 – Porto Alegre (RS). [email protected]

3 Convém lembrar que o padrão tecnológicodesenvolvido nos países do “bloco socialista” emessência não difere daquele adotado nos paísescapitalistas ocidentais, isto é, foi baseado em umaconcepção de desenvolvimento máximo das forçasprodutivas, sem questionar a natureza das tecnologiasgeradas e a finitude dos recursos naturais. Por estarbaseado na oferta e na produção de massa de bensde consumo, o padrão produtivo implantado pelosentão regimes políticos nos países consideradossocialistas do Leste Europeu seguiu claramente omodelo fordista, inclusive na agricultura.

No t as

44444 Re f e r ê nc i a s b i b l i o g r á f i c a s Re f e r ê nc i a s b i b l i o g r á f i c a s Re f e r ê nc i a s b i b l i o g r á f i c a s Re f e r ê nc i a s b i b l i o g r á f i c a s Re f e r ê nc i a s b i b l i o g r á f i c a s

ROSSET, P. M. Alternative agriculture and crisis in Cuba.IEEE TIEEE TIEEE TIEEE TIEEE Technology and Society Magazineechnology and Society Magazineechnology and Society Magazineechnology and Society Magazineechnology and Society Magazine, v.16,p.19-25, 1997.

ROSSET, P. M. Cuba: Cuba: Cuba: Cuba: Cuba: ethics, biological control and crisis.Agriculture and Human Values in Press. Netherlands:Kluwer Academic Publishers, 1997.12 p.

ROSSET, P. M.; BENJAMIN, M. A revolução está fi- A revolução está fi- A revolução está fi- A revolução está fi- A revolução está fi-cando verde: cando verde: cando verde: cando verde: cando verde: experimentos cubanos em agricul-tura orgânica. Ijuí: Unijuí/ AS-PTA, 1995. 110 p.

TALLER MEDIO AMBIENTE Y DESARROLLO. Cuba,

1997. 56 p.

4Antes do fim do bloco socialista, Cuba estavaem primeiro lugar entre os países da América Latinaem termos de disponibilidade de médicos, controleda mortalidade infantil, habitação e educação se-cundária. Ocupava ainda o 11º lugar no mundona avaliação do Índice de Qualidade Física de Vidado Development Council, que considera indicado-res como controle da mortalidade infantil, taxa dealfabetização e expectativa de vida. A posição dosEstados Unidos na classificação deste Índice era de15º lugar (ROSSET & BENJAMIN, 1995).

5 São assim denominados porque vários delesestavam projetados, antes da crise econômica, paraa produção através do método de hidroponia, a umcusto de instalação e produção bem mais alto (emalguns deles, todos os canteiros foram feitos de ci-mento amianto, elevados a 0,5 m do solo). Com acrise, a partir de 1990, as instalações foram usadasapenas para produção orgânica.

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16Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

A r t i go

Resumo: O artigo pretende ser um esforço de síntese e sistematização de elementosteóricos e conceituais que estão dando suporte para o que denominamos de uma Exten-são Rural Agroecológica. Nele se busca resgatar um amplo debate teórico sobre susten-tabilidade e sobre estratégias de intervenção capazes de contribuir para a construção de

estilos de desenvolvimento rural ede agriculturas sustentáveis, des-tacando o papel diferenciado queprecisa ter a extensão rural comoinstrumento deste processo deconstrução. Assim mesmo, referen-ciamos, como base empírica, o quevem sendo estabelecido, desde oinício de 1999, na Extensão Ruraldo Rio Grande do Sul. Se concluique um novo estilo de desenvolvi-mento rural, determinado pelo im-perativo sócioambiental, exige uma

Agroecologia eDesenvolvimentoRural Sustentável:perspectivas para umaNova Extensão Rural*

C ap o ra l, Fran c is c o Ro b er t o * *C o s t ab eb er , J o s é A n t ô n io * * *

“Entramos numa época de ilimitação e é nisso que temos o desejo de infinito (...). Asociedade capitalista é uma sociedade que caminha para o abismo, sob todos os pontos devista, por não saber se autolimitar. E uma sociedade realmente livre, uma sociedadeautônoma, deve saber se autolimitar, saber que há coisas que não se pode fazer, que nãose deve nem tentar fazer, ou que não se deve desejar. Vivemos neste planeta que estamosdestruindo (...). Tantas maravilhas em vias de extinção. Penso que deveríamos ser osjardineiros deste planeta. Teríamos que cultivá-lo. Cultivá-lo como ele é e pelo que é(...). A tarefa é enorme (...). Só que isto está muito longe não só do atual sistema quanto daimaginação dominante. O imaginário de nossa época é o da expansão ilimitada (...). Issoé que é preciso destruir. É nesse imaginário que o sistema se apoia”

(Castoriadis, 1999).

* *Os autores deste texto foram bolsistas do CNPq (Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico), durante a realização do “Programade Doctorado en Agroecología, Campesinado e Historia” – Instituto deSociología y Estudios Campesinos, Universidad de Córdoba, Espanha, concluí-do em 1998.

** **Eng. Agr., MSc., Dr., Extensionista rural e Diretor Técnico da EMATER/RS-ASCAR. Rua Botafogo, n° 1051. Bairro Menino Deus. CEP 90.150-053 – Porto Alegre (RS). E-mail [email protected]

*** ***Eng. Agr., MSc., Dr., Extensionista Rural e Assessor Especial daEMATER/RS-ASCAR. Rua Botafogo, n° 1051. bairro Menino Deus. CEP90.150-053 – Porto Alegre (RS). E-mail [email protected]

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17Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

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práxis social diferenciada por parte dos agen-tes envolvidos e, portanto, uma Nova Exten-são Rural, praticada com base em um “novoprofissionalismo”. Ademais, esse processo demudança constitui-se em um novo desafio paraas instituições de ensino e de pesquisa.

Palavras-chave: Agroecologia, Desenvolvi-mento Rural Sustentável, Extensão Rural.

1 Int ro d uçãoEm 1994, quando publicamos o texto

intitulado Por uma nova extensão rural: fugin-do da obsolescência (Caporal e Costa Beber,1994), dizíamos: “não podemos nos deixar le-var pelo imobilismo conservador que continuaaprisionando as organizações públicas de ex-tensão rural”. Ao mesmo tempo, propugnáva-mos por uma mudança drástica no papel daextensão rural pública, para que esta pudes-se, de fato, dar conta dos novos desafios socio-ambientais impostos pela sociedade.

Não era sem sentido, portanto, o alerta for-mulado naquela época, quando sugeríamos,também, que “os ensinamentos da Agroecolo-gia (...) poderão se tornar necessidadesinadiáveis”, com vistas a promover a recupe-ração e a conservação dos recursos naturaisno âmbito das unidades familiares de produ-ção. Igualmente, alertávamos para a necessi-dade imediata de um enfoque extensionistaorientado a resolver a problemática socioam-biental decorrente da aplicação do modelo con-vencional de desenvolvimento, em geral, e domodelo químico-mecânico naagricultura, em particular.

Felizmente, ainda que passa-dos cinco anos, vemos agora seconcretizando um conjunto demudanças no extensionismo ru-ral do estado do Rio Grande doSul, que pode vir a tornar-se umnovo paradigma ou uma nova re-ferência para a prática da Exten-são Rural no Brasil.

Com efeito, o presente artigo

procura discorrer sobre algumas das basesteóricas que estão dando suporte para a cons-trução de uma nova Extensão Rural1 - aquidefinida como Extensão Rural Agroecológica - ,que constitui-se num esforço de intervençãoplanejada para o estabelecimento de estraté-gias de desenvolvimento rural sustentável, comênfase na participação popular, na agricultu-ra familiar e nos princípios da Agroecologiacomo orientação para a promoção de estilosde agricultura socioambiental e economica-mente sustentáveis. Na realidade, se trata deum enfoque de intervenção rural oposto aodifusionismo reducionista homogeneizadorque, desde meados do século XX, auxiliou aimplantação do modelo de agricultura de tipoRevolução Verde.

Neste contexto, o artigo inicia abordandoalguns temas-chaves da sustentabilidade,onde se destacam duas correntes principaise antagônicas: a ecotecnocrática e a ecossoci-al. Isso ajuda à compreensão de que o concei-to de desenvolvimento sustentável apresentauma grande ambigüidade e que, portanto,para ser operacional, precisa ser relacionadonão apenas com a sustentabilidade econômi-ca, mas também, e principalmente, com a sus-tentabilidade socioambiental e cultural de so-ciedades concretas, permitindo assim a bus-ca e a construção social de contextos de sus-tentabilidade crescente no curto, médio e lon-go prazos, cabendo à Extensão Rural um im-portante papel neste processo.

Na seqüência, se defende aadoção da Agroecologia comoparadigma diretivo para pro-mover o manejo adequado dosrecursos naturais e para redu-zir os impactos sociais, econô-micos e ambientais negativos,causados pela mal denomina-da agricultura moderna. Apósuma rápida abordagem do con-ceito de Agroecologia e sua gê-nese no pensamento social al-

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18Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

ternativo, são mencionadas asbases ou premissas epistemo-lógicas que apóiam e dão sus-tentação a este novo campo deconhecimentos. Se faz referên-cia ainda ao processo de ecolo-gização, que representa preci-samente a essência da transi-ção que a agricultura estaria ex-perimentando a partir deste fi-nal de século.Como entende-mos, a ecologização provavel-mente não será um processo unilinear, po-dendo seguir distintas vias, alinhadas ou coma corrente ecotecnocrática (intensificação ver-de), ou com a corrente ecossocial (transiçãoagroecológica), o que implica também a neces-sidade de a Extensão Rural pública fazer asua opção, definindo qual caminho trilhará.

A opção da Extensão Rural do Rio Grandedo Sul foi bastante clara, no sentido de apoiaro processo de transição agroecológica, por en-tender que a agricultura é um processo deconstrução social e que, portanto, são as fa-mílias rurais que devem assumir o papel desujeitos ativos nos processos de desenvolvi-mento socioeconômico e cultural de suas co-munidades. Por esta razão, o artigo tambémexpõe - em caráter informativo - a nova mis-são, os objetivos e as estratégias de ação queatualmente estão orientando todos os esfor-ços da Extensão Rural gaúcha. A ênfase colo-cada na agricultura familiar (público exclusi-vo), na Agroecologia (base científica) e nosmétodos educativos e participativos (metodo-logia de intervenção democrática) vem demons-trando a sua firme disposição de encarar osdesafios da sustentabilidade como o núcleofundamental de sua mais nobre missão.

Como último ponto, o artigo traz algumasreflexões a respeito dos grandes desafios queenfrenta a nova extensão rural que está sen-do desenhada no Rio Grande do Sul. O seusucesso dependerá do que estamos denomi-nando de um “novo profissionalismo”, capaz

de ver a agricultura e os agri-cultores de modo distinto doque até agora conseguiu ver. Énecessário entender a agricul-tura em sua complexidade, quevai mais além de aspectos me-ramente econômicos para in-cluir dimensões socioambien-tais e culturais importantes,sem as quais dificilmente sepoderá almejar, de fato, a cons-trução do desenvolvimento ru-

ral sustentável em seu sentido mais amplo.Assim, o difusionismo tecnicista precisa sersuperado em favor da Extensão Rural Agroe-cológica, conceito orientador da nova práticaextensionista que apresentamos no final dopresente artigo.

2 A sust e nt ab i l i d ad e co moe x igê ncia para a co nst rução d eno vas vi as d e d e se nvo lvime nt oO desenvolvimento, em sua formulação

mais ampla, significaria a realização de po-tencialidades socioculturais e econômicas deuma sociedade em perfeita sintonia com o seuentorno ambiental. Sua conceituação pionei-ra provavelmente se deva a Caspar FriedrichWolff, quando, ainda no século XVIII, se refe-ria ao desenvolvimento embrionário como ocrescimento alométrico (variação das relaçõesentre as partes) em direção à forma apropria-da do ser (Sevilla Guzmán et al., 1999).

No entanto, a partir da construção do pen-samento liberal, a aplicação do conceito dedesenvolvimento passou a conotar uma idéiade crescimento econômico, adotando comoparâmetro definidor do desenvolvimento ospadrões de vida e de consumo alcançados pe-las nações ocidentais industrializadas. O con-ceito de desenvolvimento passaria a signifi-car, portanto, a corrida de sociedades distin-tas e heterogêneas em direção a um modelode organização social e econômica considera-do “desenvolvido”, ou seja, “passar de uma

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19Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

condição indigna”, chamada subdesenvolvimen-to, para um modelo de sociedade ocidental,capitalista e industrializada, mediante estra-tégias geradoras de crescimento econômico(Esteva, 1996).

A partir da década de 1970, os resultadosda aplicação das estratégias convencionais dedesenvolvimento já começavam a se mostrarinsuficientes para dar conta das crescentescondições de desigualdade e de exclusão soci-al. Apesar do crescimento do PIB, as análisesdestes resultados passavam a indicar que taisestratégias estavam ocasionando graves da-nos ao meio ambiente. Os efeitos contaminan-tes dos agrotóxicos, dos resíduos, do lixo e dascontaminações gasosas, assim como váriosoutros problemas derivados do estilo de vidapróprio das sociedades altamente industriali-zadas, por exemplo, fariam nascer a consci-ência sobre a incapacidade de controlar-se asexternalidades2 inerentes ao modelo hegemô-nico e, portanto, se impunha a necessidadede “outro desenvolvimento”.

Neste contexto, surgem novas orientaçõesteóricas que, partindo dos impactos negati-vos causados pelo modelo de desenvolvimen-to convencional até então adotado, propõem ouso de conceitos mais abrangentes, tais comoo “desenvolvimento com eqüidade” e o “eco-desenvolvimento”3 . Isto é, dada a comprova-ção de que os modelos centrados no imperati-vo do crescimento econômico não alcançaramos objetivos pretendidos, o que seria posteri-ormente declarado como algo impossível4 ,nascem as correntes ou enfoques da susten-tabilidade como uma resposta aos resultadosdestrutivos dos modelos de desenvolvimentoe das tecnologias implementados depois daSegunda Gerra Mundial.

2 .1 Pr i nci pai s e nf o q ue s d asust e nt ab i l i d ad e

Se crescimento econômico havia sido a pa-lavra mágica das quatro primeiras décadas dodesenvolvimentismo, contemporaneamente o

discurso sobre o desenvolvimento incorporou,definitivamente, a problemática socioambien-tal. Disso decorre que a busca de respostas àproblematização da relação entre natureza esociedade passasse a ser articulada medianteo que Escobar (1995) chama de “diálogo dediscursos” entre três correntes de pensamen-to: a liberal, a culturalista e a ecossocialista.

Apesar da complexidade de cada um des-tes discursos ambientalistas, utilizamos nes-te texto uma classificação mais simplificada,reunindo os discursos culturalista e ecosso-cialista - por seus pontos de convergência -numa só perspectiva, que aqui chamamos decorrente ecossocial. Assim mesmo, o discursoliberal, por sua estreita vinculação com atecnocracia mundial, denominamos aqui cor-rente ecotecnocrática.

Entendemos que é de suma importânciaadotar a classificação e diferenciação dos dis-cursos sobre sustentabilidade, na medida emque o uso do conceito de desenvolvimentosustentável tem permitido toda a sorte deocultações de natureza ideológica, que leva auma profunda confusão, já que esconde asdiscrepâncias de fundo existentes entre asdiferentes escolas de pensamento sobre sus-tentabilidade (Caporal, 1998)5 .

a) Co rre nt e e co t e cno crát i caConstruída nos marcos da Teoria do Equi-

líbrio, a corrente ecotecnocrática “nasce docoração da modernidade ocidental” (Escobar,1995), e sua versão mais conhecida é aqueladifundida pelo Relatório Brundtland6 . Partin-do da necessidade de um crescimento econô-mico continuado - ainda que aceitando os li-mites impostos pela Natureza - , tenta, porum lado, resolver a equação entre crescimen-to, sociedade e meio ambiente mediante a ado-

A r t i goEstratégias convencionais de

desenvolvimento já começavam a se

mostrar insuficientes para dar conta das

crescentes condições de desigualdade e

de exclusão social

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20Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

ção de um otimismo tecnológico e de artifíci-os econômicos. Por outro lado, esta perspecti-va tenta solucionar a problemática socioam-biental e os limites ao crescimento, median-te mecanismos de mercado, como podem sero estabelecimento de preços a produtos e ser-viços da natureza, a cobrança de taxas ou im-postos pela deterioração ambiental ou o arti-fício de internalização das externalidades7 .

No que se refere à agricultura, esta orien-tação teórica se torna operativa através daidéia da “intensificação verde”, ou seja, pres-supõe que é possível seguir o mesmo padrãotecnológico dominante, incorporando umanova geração de tecnologias, teoricamentemenos danosas ao meio ambiente. Entretan-to, sua estratégia está alicerçada no aprofun-damento permanente da intensificação tecno-lógica em áreas de “alto potencial produtivo”,através do “uso abundante de insumos indus-triais”, conformando assim o que vem sendochamado de Revolução Verde Verde ou Revo-lução Duplamente Verde. Por outro lado,desconsidera os já amplamente conhecidosefeitos sociais, econômicos e ambientais per-versos da modernização tecnológica do campo,especialmente no contexto dos ditos países sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Esta hipótese tecnicista, calcada no otimis-mo tecnológico, segue sendo excludente sob oponto de vista socioambiental e não enfrentaquestões-chaves da sustentabilidade, na me-dida em que nela não há espaço para pensar-

se a preservação dabiodiversidade e nemmesmo para respeitara diversidade cultu-ral. Deste modo, aRevolução Verde Ver-de seguiria sendo umesforço de homoge-neização do padrãoagrícola dominante,adaptado aos agricul-tores que podem ado-

tar as novas tecnologias, sem haver a preo-cupação com as externalidades negativascomprovadamente inerentes a tal modelo, ouaté mesmo tentando estabelecer preços e ta-xas fictícias a modo de internalizar os custosdestas externalidades mediante formulaçõeseconométricas.

b ) Co rre nt e e co sso cialQuase ao mesmo tempo em que se confor-

mava o discurso ecotecnocrático do desenvol-vimento sustentável, nasceriam também cor-rentes de pensamento ditas “alternativas”, cujodiscurso - que mais nos interessa neste mo-mento - agrupamos sob a denominação deecossocial. Provavelmente, uma das primeirasabordagens contemporâneas nesta perspecti-va, como novo enfoque para analisar a proble-mática do desenvolvimento, tenha nascido ain-da na década de setenta, a partir do surgimentodo conceito de ecodesenvolvimento8 .

A noção de ecodesenvolvimento sustenta aidéia da necessidade de um novo critério deracionalidade que fosse amparado por duasdimensões de solidariedade: a solidariedadediacrônica, com respeito às gerações futuras,mas sem esquecer a solidariedade sincrônica,que deve ser estabelecida entre as geraçõespresentes. Além disso, supõe o pluralismo tec-nológico, calcado na importância da utiliza-ção das tecnologias tradicionais e modernasde forma adequada, respeitando as condiçõesdo ecossistema local e, ao mesmo tempo, es-tando de acordo com as necessidades e deci-sões conscientes dos atores envolvidos nosprocessos de desenvolvimento. Se adverte, des-de então, que o mercado é imperfeito e inca-paz de resolver todos os problemas - especial-mente os socioambientais -, podendo, inclu-sive, gerar um “mau desenvolvimento” (Sachs,1986).

O enfoque defendido por Sachs e seus se-guidores, de certa maneira, parece estar in-fluenciado pelas “correntes humanistas”, namedida em que se admite a possibilidade de

A r t i go

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21Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

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que os homens manifestem “comportamen-tos altruístas”, indo contra a idéia do indiví-duo econômico racional, da economianeoclássica. Contudo, o ecodesenvolvimentonão descarta a necessidade de planejamentopara o desenvolvimento nem a influência dosgovernos e suas políticas, particularmentequando se trata de enfrentar as imperfeiçõesdo mercado capitalista. Mesmo assim, está emdesacordo com a noção de globalização defen-dida pelo liberalismo econômico ecológico(Sachs, 1981; Sachs, 1986).

Na seqüência da formulação teórica anta-gônica à perspectiva liberal, encontramos osenfoques culturalista e ecossocialista. O dis-curso articulado sob o enfoque culturalista seopõe à corrente liberal, defendendo uma posi-ção contrária ao desenvolvimento e criticandoa cultura ocidental, a ciência e a tecnologiamoderna, consideradas como as principaiscausadoras da atual crise9 . Os culturalistasenfatizam “a cultura como instância funda-mental de nossa relação com a natureza”, di-rigindo suas críticas aos que tentam subordi-nar a natureza mediante o que vem sendochamado de esverdeamento10 da economia. Nodiscurso culturalista está bem presente a idéiada natureza como um ente autônomo, fontede vida não somente material mas tambémespiritual, existindo, portanto, uma continui-dade indivisível entre os mundos humano, ma-terial e espiritual (Escobar, 1995).

De modo semelhante, a elaboração teóricados ecossocialistas também parte da crítica àcorrente liberal, destacando-se, porém, peloseu interesse e centralidade na Economia Po-lítica. Temas como a teorização da naturezado capital em sua “fase ecológica” e a críticaao mercado - por sua incapacidade de respon-der tanto aos desafios da pobreza como aosdesafios ambientais -, fazem parte do marcoteórico dos ecossocialistas, que também su-gerem estratégias alternativas não apenas noque se refere à organização do trabalho comotambém às formas de produção e comerciali-

zação. Além disso, defendem um desenvolvi-mento que respeite os distintos modos de vidae as diferentes culturas e que favoreça a pre-servação da biodiversidade. Em síntese, pro-põem uma mudança no sistema e nas orien-tações econômicas dominantes, em favor denovas estratégias que, baseadas na descen-tralização dos processos produtivos, sejamcompatíveis com as condições ecológicas ecapazes de incorporar as identidades étnicase seus respectivos valores culturais.

Continuando a acumulação teórica da cor-rente ecossocial, encontramos contribuiçõesvindas da “teoria marxista ecológica”, que ten-ta explicar, a partir de uma nova visão demundo, uma nova perspectiva de transição aosocialismo, determinada pela dupla contradi-

ção do capitalismo. Destacamos, neste senti-do, as contribuições de O’Connor, que, anali-sando as contradições do capitalismo sob aperspectiva do “neomarxismo ecológico”, afir-ma que a continuidade da acumulação capita-lista só é possível mediante a continuidade daexploração e da contaminação da natureza.Assim, pois, já não se trataria simplesmentede um problema de reprodução das condiçõesde produção, senão que estaríamos frente àameaça de viabilidade do ambiente social enatural como meio de vida (O’Connor, 1990)11 .

A modo de síntese, podemos dizer que,embora seus seguidores não formem um gru-

Um desenvolvimento querespeite os distintos modos de

vida e as diferentes culturas e quefavoreça a preservação da

biodiversidade

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22Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

po homogêneo, a corrente ecossocial se ca-racteriza por suas reivindicações de mudan-ças estruturais profundas na sociedade e deum novo pacto de solidariedade, permitindo aconstrução de um novo projeto histórico e abusca de novos rumos nas estratégias de de-senvolvimento.

2 .2 No çõ e s so b red e se nvo lv i me nt o sust e nt áve lO que mais encontramos na literatura con-

temporânea sobre sustentabilidade é, por umlado, o esforço de muitos autores em estabe-lecer um conceito de desenvolvimento susten-tável e, por outro lado, o trabalho de outrostantos mostrando as insuficiências dos con-ceitos existentes. Com isso, nãopretendemos negar o avanço doconhecimento científico naconstrução de um novo para-digma ou na tentativa de esta-belecer um conceito consensu-al de desenvolvimento susten-tável, pelo menos entre aque-les que aderem a tal paradig-ma. O que queremos dizer é quenão podemos ficar imobilizadospor esta falta de consenso, atéporque este pressuposto da ci-ência convencional - de que para agir no sen-tido da sustentabilidade é necessário um con-ceito claro e operacionalizável - tem seucontraponto na história de determinados gru-pos sociais que alcançaram importantes con-textos de sustentabilidade, ainda que desco-nhecendo a lógica formal ocidental do signifi-cado de um conceito.

Sendo assim, e no marco das aproxima-ções necessárias para o estabelecimento daExtensão Rural Agroecológica defendida nes-te texto, optamos por fugir da armadilhaconceitual do desenvolvimento sustentável epartir de elementos orientadores que impulsi-onem estratégias de ação dirigidas à constru-

ção de contextos de sustentabilidade compa-tíveis com a noção de “desenvolvimento localagroecológico” (Sevilla Guzmán, 1999). Sobesta perspectiva, iniciamos por negar os con-ceitos ecotecnocráticos, uma vez que, ademaisde serem extremamente vagos, tentam desviaro foco da atenção sobre o desenvolvimento esuas dimensões sociopolíticas, éticas, cultu-rais e ambientais para dimensões mais estri-tamente técnico-econômicas, obviando os com-promissos ideológicos e minimizando as con-tradições internas das estratégias propostas.

Esta negação vem acompanhada da com-preensão de inevitáveis relações entre o de-senvolvimento sustentável da corrente ecotec-

nocrática (liberal) e a globaliza-ção neoliberal baseada no mer-cado, assim como na evidenterelação centro-periferia, que“determina o estabelecimentode pautas de desigualdade soci-al e de distribuição do poder, dapropriedade, da riqueza, dostatus e dos privilégios, tantoem nível internacional como nointerior de uma sociedade es-pecífica” (Sevilla Guzmán eAlonso Mielgo, 1994).

Portanto, o marco teóricopara uma Nova Extensão Rural deverá orien-tar-se pela busca contínua de estratégias queimpulsionem padrões socioculturalmente de-sejáveis e que estejam apoiados na evoluçãohistórica dos grupos sociais em sua co-evolu-ção com o ecossistema em que estão inseri-dos. Isto implica a necessidade de construir“contextos de sustentabilidade” e de resistên-cia etnoecológica compatíveis com a realidadedo público beneficiário da extensão rural. Tam-bém exige compreender, desde o início, que aagricultura familiar12 é, ao mesmo tempo,unidade de produção, de consumo e de repro-dução e que, portanto, funciona mediante umalógica de produção combinada de valores de uso

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e de mercadorias, objetivando sua reprodução.Obviamente, se trata de uma lógica diferentedaquela que impulsiona a agricultura capita-lista.

Por tudo isto, o trabalho com a agriculturafamiliar - sob a ótica da construção de con-textos de sustentabilidade - exige de parte dos“agentes de desenvolvimento” (OGs ou ONGs)a compreensão de que os agricultores tradici-onais (ou camponeses, se se prefere), no pro-cesso de inserção em sua matriz social, estãosubmetidos a um contexto ecológico específi-co e sua socialização ocorre mediante um pro-cesso de aprendizagem, experimentação eerro, mediado pelo conhecimento de proces-sos biológicos e sociais já presentes no seuentorno sociocultural.

Desta forma, como ensina Iturra (1993), osaber dos camponeses se desenvolve na suaheterogênea ligação ao grupo doméstico e aogrupo de trabalho e, portanto, a “condutareprodutiva rural” é o resultado de uma acu-mulação de conhecimentos - uma epistemo-logia - sobre o sistema de trabalho que nãovem de livros e textos, mas sim da relação entreas pessoas, seu ambiente e as interações re-sultantes desta relações. Nesta perspectiva, abusca de sustentabilidade na agricultura e nodesenvolvimento rural implica reconhecer aexistência deste saber - construído medianteuma lógica indutiva - que vai sendo estabele-cido na história dos grupos sociais na medidaem que se vê fazer, se escuta para poder di-zer, explicar e devolver este conhecimento.Sendo, pois, a agricultura uma atividade hu-mana, ela é uma construção social que, alémde ser ambientalmente determinada, está su-bordinada a determinados condicionantessocioculturais, entre os quais se destaca oconhecimento ou o saber local.

Deste modo, a ação extensionista orienta-da ao desenvolvimento sustentável deverá serdesviada de sua histórica concepção difusio-nista (baseada no “ensino”) para dar lugar a

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uma prática social baseada na “aprendiza-gem”, isto é, na construção de saberes ade-quados para impulsionar estilos de agricultu-ra e de manejo dos recursos naturais capazesde estabelecer patamares crescentes de sus-tentabilidade.

Com isso queremos dizer que, mais do quedispor de um preciso conceito de desenvolvi-mento sustentável, necessitamos trabalhar naidentificação e construção de saberes ecológi-cos, agronômicos, econômicos e sociais quenos permitam, de forma participativa, desen-volver processos toleráveis de exploração danatureza e compatíveis com as exigências dereprodução social da agricultura familiar emseus diferentes extratos ou segmentos. Sen-do assim, deveremos estar sempre atentospara as noções de sustentabilidade, produtivi-dade, estabilidade, eqüidade e qualidade devida, tal como estão enunciadas nos objetivosda Extensão Rural do Rio Grande do Sul. Elaspoderão nos ajudar na construção de contex-tos de sustentabilidade, a exemplo do que seindica a seguir.

2 .3 Co nt e x t o s d esust e nt ab i l i d ad e

A sustentabilidade não é algo estático oufechado em si mesmo, mas faz parte de umprocesso de busca permanente de estratégiasde desenvolvimento que qualifiquem a ação ea interação humana nos ecossistemas. Esteprocesso deve estar orientado por certas con-dições que, no seu conjunto, permitam a cons-trução e a conformação de um contexto desustentabilidade crescente no curto, médio elongo prazos. Como exemplo, citamos as se-guintes condições:

a) Ruptura das formas de dependência que

Sendo, pois, a agricultura uma

atividade humana, ela é uma

construção social que, além de ser

ambientalmente determinada, está

subordinada a determinados

condicionantes socioculturais

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põem em perigo os mecanismos de reprodu-ção, sejam estas de natureza ecológica,socioeconômica e/ou política.

b) Utilização daqueles recursos que permi-tam que os ciclos de materiais e energias exis-tentes no agroecossistema13 sejam o maisparcimoniosos possível.

c) Utilização dos impactos benéficos quese derivam dos ambientes ecológico, econô-mico, social e político existentes nos distintosníveis (desde a propriedade rural até a ‘’socie-dade maior’’).

d) Não-alteração substantiva do meio am-biente quando tais mudanças, através da tra-ma da vida, podem provocar transformaçõessignificativas nos fluxos de materiais e ener-gia que permitem o funcionamento do ecos-sistema, o que significa a tolerância ou acei-tação de condições biofísicas em muitos ca-sos adversas.

e) Estabelecimento dos mecanismosbióticos de regeneração dos materiais deteri-orados, para permitir a manutenção a longoprazo das capacidades produtivas dos agroe-cossistemas.

f) Valorização, regeneração e/ou criaçãode conhecimentos locais, para sua utilizaçãocomo elementos de criatividade que melho-rem a qualidade de vida da população, defini-da desde sua própria identidade local.

g) Estabelecimento de circuitos curtos parao consumo de mercadorias que permitamuma melhoria da qualidade de vida da popu-lação local e uma progressiva expansão espa-cial, segundo os acordos participativos alcan-çados por sua forma de ação social coletiva.

h) Potencialização da biodiversidade, tan-to biológica como sociocultural (SevillaGuzmán, 1999).

Como se pode apreciar, a construção de con-textos de sustentabilidade poderá servir de guiapara que as ações da extensão rural se distan-ciem gradualmente do caminho perverso re-presentado pela intensificação tecnológica quedesconsidera as agressões ao meio ambiente-

e suas conse-qüências demédio e longoprazos - , a ex-clusão socialde importan-tes segmentosda sociedade ea perda de au-tonomia daspopu laçõesrurais em re-lação aos seus anseios e projetos de desenvol-vimento. Além disso, ajudaria recuperar for-mas de organização social e de conhecimentoe saber local, que se contraponham ao modelode desenvolvimento hegemônico, tratando depotencializar a máxima ecológica que propõeagir localmente e pensar globalmente. Em pou-cas palavras, meio ambiente e sociedade cons-tituem os dois pilares básicos de toda e qual-quer proposta de extensão rural dirigida à pro-moção da qualidade de vida, à inclusão sociale ao resgate da cidadania no campo, e isto im-plica a busca permanente de contextos de sus-tentabilidade crescente.

3 A A gro e co lo gia co moparad igma d i re t i vo para a ação

e x t e nsi o ni st aO paradigma agroecológico, como um

enfoque de intervenção inovador e multidis-ciplinar, vem sendo construído a partir de umaclara e cientificamente comprovada crise noatual modelo tecnológico e de organização daprodução dominante na agricultura14 . Estacrise se manifesta sob múltiplas dimensõesda atividade humana e, portanto, sua supe-ração depende da produção de novos conheci-mentos e do progresso científico e tecnológi-co adaptado às circunstâncias sócioeconômi-cas e culturais das populações rurais. Nessecontexto, a Agroecologia - entendida comocampo de conhecimento e de investigação -oferece ferramentas importantes para subsi-

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diar a intervenção da Nova Extensão Rural emsuas estratégias de promoção do desenvolvi-mento rural sustentável.

3 .1 Co nce i t o d e A gro e co lo gi aVem dos estudos camponeses e da recupe-

ração do “populismo agrário russo” a corren-te mais atual e alternativa ao pensamentoecotecnocrático da sustentabilidade. Nestesentido, a partir dos anos oitenta, começariaa se conformar a Agroecologia como perspec-tiva teórica alternativa. Sustentados no “neo-narodnismo ecológico” ou “neopopulismo eco-lógico”, seus autores recuperam, a partir deuma análise científica, a necessidade de con-servação da biodiversidade ecológica e cultu-ral, assim como o enfoque sistêmico para aabordagem dos aspectos relativos ao fluxo deenergia e de materiais nos sistemas econômi-cos. Assim, o neopopulismo ecológico, aindaque faça uma crítica radical à ciência e àstecnologias modernas, não nega a ciência,mas propugna por uma “modernidade alter-nativa”, afastando-se da idéia de progresso aqualquer custo e do entusiasmo cego com res-peito às tecnologias ditas modernas.

No processo de conformação deste novoparadigma, encontramos ainda categoriaschaves para a construção de um modelo al-ternativo de desenvolvimento rural, buscadasem Chayanov15 , tais como a importância dadaà especificidade cultural, a noção de econo-mia moral camponesa e a idéia de desenvolvi-mento desde baixo, assim como o reconheci-mento de um certo “potencial anticapitalis-ta” determinado pela particular racionalidadeeconômica dos camponeses.

Igualmente, dando suporte teórico à pers-pectiva ecossocial, encontra-se o chamado“enfoque termodinâmico da economia” (Gar-rido, 1995), cuja noção de sustentabilidade sevincula à necessidade de considerar o balan-ço energético dos sistemas produtivos. Estesestudos têm contribuído para a conformaçãoda chamada Economia Ecológica, uma corren-

te alternativa à economia convencional que,como assinala um de seus teóricos mais pro-eminentes, “não se trata de um ramo do troncocomum da Teoria Econômica habitual, senãode uma revisão a fundo, talvez um ataquedestrutivo, contra a ciência econômica”(Martínez Alier, 1994), ao recuperar a noçãode oikonomia como um processo destinado “aoaprovisionamento material e energético dascomunidades humanas” (Bermejo, 1994),aproximando, desta forma, a Ecologia e a Eco-nomia16 .

De maneira similar, a partir dos estudosagronômicos encontramos as contribuiçõesdas correntes alternativas ao modelo herdadoda Revolução Verde, as quais propõem umnovo padrão de desenvolvimento agrícola me-diante o manejo ecologicamente adequado dosrecursos naturais e da correta seleção de tec-nologias, de maneira a alcançar-se sustenta-bilidade, estabilidade, produtividade e eqüi-dade nos processos produtivos. A Agroecolo-gia, como síntese e aplicação do pensamentoalternativo, vem recolhendo as contribuiçõesdestas diferentes fontes teóricas e transfor-mando-se num novo paradigma científico,capaz de dar as respostas para as novas edecisivas perguntas que haverão de ser for-muladas a partir deste final de século.

Assim, conceituar a Agroecologia pressu-põe, inicialmente, vincular seus interesses esuas pretensões no campo da agricultura eda sociedade. Num trabalho que já completa10 anos, Hecht (1989) mostra que, por umlado, e sob uma perspectiva mais superficial,a Agroecologia geralmente incorpora idéiasambientais e de sentimento social a respeitoda agricultura. Isso constitui sua caracterís-tica normativa ou prescritiva, uma vez queinclui determinados aspectos da sociedade e

Conceituar a Agroecologia pressupõe,

inicialmente, vincular

seus interesses

e suas pretensões no campo da

agricultura e da sociedade

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da produção que ultrapassam os limites daagricultura propriamente dita17 . Por outrolado, e sob um ponto de vista mais restrito, aAgroecologia se refere ao estudo de fenôme-nos puramente ecológicos que ocorrem noâmbito dos cultivos (relação predador/presa,competição cultivos/ervas invasoras, entre ou-tros), o que traduz o enorme potencial de apli-cação deste campo de conhecimentos pararesolver questões tecnológicas na agricultu-ra, favorecendo assim o desenho e a gestão deagroecossistemas sustentáveis18 .

Tendo-se como referência as contribuiçõesde importantes pesquisadores, podemos defi-nir a Agroecologia como a ciência ou disciplinacientífica que apresenta uma série de princípi-os, conceitos e metodologias para estudar, ana-lisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossiste-mas, com o propósito de permitir a implanta-ção e o desenvolvimento de estilos de agricul-tura com maiores níveis de sustentabilidadeno curto, médio e longo prazos (Altieri, 1995b).

Assim entendida, a Agroecologia proporci-ona as bases científicas para apoiar o proces-so de transição a estilos de Agricultura Sus-tentável19 nas suas diversas manifestações e/ou denominações: Ecológica, Orgânica,Biodinâmica, Agroecológica, Regenerativa,Baixos Insumos Externos, Biológica, entreoutras. Sob esta ótica, não podemos confundira Agroecologia -enquanto disciplina científicaou ciência- com uma prática ou tecnologia agrí-cola, um sistema de produção ou um estilo deagricultura (Altieri, 1995a).

Também podemos dizer quea Agroecologia se aproxima aoestudo da agricultura numaperspectiva ecológica, emborasua estrutura teórica não se li-mite a abordar os aspectos me-ramente ecológicos ou agronô-micos da produção, uma vez quesua preocupação fundamentalestá orientada a compreenderos processos produtivos de uma

maneira mais ampla. Isto é, encara os agroe-cossistemas como unidade fundamental de es-tudo, em que os ciclos minerais, as transforma-ções energéticas, os processos biológicos e asrelações socioeconômicas são investigadas e ana-lisadas em seu conjunto. Dito de outro modo, apesquisa agroecológica preocupa-se não coma maximização da produção de uma atividadeem particular, mas sim com a otimização doagroecossistema como um todo, o que impli-ca uma maior ênfase no conhecimento, naanálise e na interpretação das complexasinterações existentes entre as pessoas, oscultivos, os solos e os animais (Altieri, 1989;Altieri, 1995b).

Uma definição mais ampla é proporciona-da por Sevilla Guzmán e González de Molina(1996), para quem a Agroecologia correspondea um campo de estudos que pretende o ma-nejo ecológico dos recursos naturais, para -através de uma ação social coletiva de caráterparticipativo, de um enfoque holístico e de umaestratégia sistêmica - reconduzir o curso al-terado da co-evolução social e ecológica, me-diante um controle das forças produtivas queestanque seletivamente as formas degradan-tes e espoliadoras da natureza e da socieda-de. Em tal estratégia, dizem os autores, temum papel central a dimensão local como por-tadora de um potencial endógeno que, pormeio da articulação do saber local com o co-nhecimento científico, permita a implementa-ção de sistemas de agricultura alternativa

potencializadores da biodiver-sidade ecológica e da diversi-dade sociocultural.

3 .2 Pr i ncíp i o s o ub ase s

e p i st e mo ló g i cas d aA gro e co lo g i a

Norgaard, estudioso da agri-cultura numa perspectivaholística e sistêmica, nos ofe-rece importantes ensinamen-

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27Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

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tos sobre o que ele considera as bases episte-mológicas da Agroecologia. Na realidade, es-tas bases epistemológicas são os princípios ouas premissas que orientam, no todo ou emparte, a ação dos profissionais que abraçam aAgroecologia como campo do conhecimentoem seu sentido mais amplo. No seu conjunto,elas mostram que, historicamente, a evolu-ção da cultura humana pode ser explicada comreferência ao meio ambiente, ao mesmo tem-po em que a evolução do meio ambiente podeser explicada com referência à cultura hu-mana. Ou seja:

a) Os sistemas biológicos e sociais têm po-tencial agrícola; b) este potencial foi captadopelos agricultores tradicionais através de umprocesso de tentativa, erro, aprendizado sele-tivo e cultural; c) os sistemas sociais e bioló-gicos co-evoluíram de tal maneira que a sus-tentação de cada um depende estruturalmen-te do outro; d) a natureza do potencial dossistemas social e biológico pode ser melhorcompreendida dado o nosso presente estadodo conhecimento formal, social e biológico,estudando-se como as culturas tradicionaiscaptaram este potencial; e) o conhecimentoformal, social e biológico, o conhecimento ob-tido do estudo dos sistemas agrários conven-cionais, o conhecimento de alguns insumosdesenvolvidos pelas ciências agrárias conven-cionais e a experiência com instituições e tec-nologias agrícolas ocidentais podem se unirpara melhorar tanto os agroecossistemas tra-dicionais quanto os modernos; f) o desenvol-vimento agrícola, através da Agroecologia,manterá mais opções culturais e biológicaspara o futuro e produzirá menor deterioraçãocultural, biológica e ambiental do que osenfoques das ciências convencionais por sisós (Norgaard, 1989).

Sob esta perspectiva, é oportuno destacarque, atualmente, um importante segmento dapesquisa e da experimentação em Agroecolo-gia ainda se concentra em temas do campoagronômico, ou seja, se apresenta bastante

vinculado aos aspectos tecnológicos da produ-ção agropecuária. No entanto, como já foi ditoantes, a conformação de estilos alternativosde agricultura que incorporem práticas, mé-todos e técnicas mais sensíveis ambiental-mente requer, obrigatoriamente, um repen-sar de todo o modelo tecnológico dominante,uma vez que é preciso pesquisar, identificare difundir métodos, técnicas e procedimen-tos que sejam poupadores de recursos natu-rais não-renováveis que causem menor de-gradação e contaminação do meio ambien-te e que tenham maior sensibilidade socialem relação às possibilidades de incorporaçãodas populações rurais nos processos de desen-volvimento. Nessa ótica, e isto provavelmenteconstitua a principal virtude da Agroecologia -enquanto campo de estudos de carátermultidisciplinar - , suas pretensões e contribui-ções vão muito além dos aspectos meramentetecnológicos ou agronômicos da produção, incor-porando dimensões mais abrangentes e comple-xas que incluem tanto variáveis econômicas, so-ciais e ambientais, como variáveis culturais, po-líticas e éticas da produção agrícola. Estas sãocondições importantes quando se têm em contaas possibilidades de transição da agriculturaconvencional para estilos de produção com baseecológica e, portanto, com maiores graus de sus-tentabilidade no médio e longo prazos.

3 .3 A t ransi ção agro e co ló gi ca noco nt e x t o d a sust e nt ab i l i d ad eEm sua acepção semântica, o termo tran-

sição pode designar simplesmente a ‘‘ação ouo efeito de passar de um modo de ser ou deestar a outro distinto’’, ou a ‘‘passagem de umestado a outro’’. Sob esta ótica, a transiçãopode se referir tanto a fenômenos naturais(câmbios climáticos, por exemplo) como a fe-

a evolução da cultura humana pode

ser explicada com referência ao meio

ambiente, ao mesmo tempo

em que a evolução do meio

ambiente pode ser explicada com

referência à cultura humana

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28Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

nômenos sociais

(processos de

mudança social,

por exemplo). É

importante ter

clareza de queestes fenôme-

nos não são

es tá ticos ,

mas, ao con-

trário, sem-

pre incluem a idéia deprocesso ou dimensão dinâmica e, por

conseguinte, a variável tempo ou dimensão

temporal (Costabeber, 1998).

Para falarmos sobre a transição agroecoló-

gica, é necessário mencionar inicialmente o

que alguns autores consideram como a pri-meira transição da agricultura neste século

XX. Essa primeira transição foi representada

especialmente pela passagem da chamada

agricultura tradicional para a agricultura ba-

seada em insumos industriais, mais conhe-cida como agricultura moderna ou convenci-

onal, o que significou a crescente dependên-

cia da agricultura em relação à industria, bem

como a relativa homogeneização das agricul-

turas mundiais e fortes agressões ao meio

ambiente. Na verdade, esse processo de mu-dança foi relativamente longo, tendo iniciado

ainda no final do século passado, a partir dos

avanços da mecânica e dos descobrimentos

da química agrícola e também da genética ve-

getal. De qualquer modo, o principal fenôme-

no que marca esta transição ficou conhecidoem todo o mundo como Revolução Verde, que

teve seus principais efeitos a partir dos anos

1950.

Vários autores sugerem que, a partir des-

te final de século, a agricultura mundial es-

taria começando a experimentar um novo pro-cesso de transição, cuja essência seria o pro-

cesso de ecologização ou ambientalização

(greening process). Este processo de ecologiza-

ção ou ambientalização corresponderia à ex-

tensão ou à introdução de valores ambientais

não apenas nas práticas agrícolas, mas tam-

bém na opinião pública e nas agendas políti-

cas, constituindo assim uma forçasocioecológica combinada, a partir da qual as

considerações de caráter socioambiental e

biofísico assumem um papel ativo da deter-

minação das tecnologias agrícolas (Buttel,

1993; Buttel, 1994). Podemos entender isso

melhor dizendo que a ecologização é marcadapor uma maior integração entre a Agronomia

e a Ecologia, dois campos de estudo até agora

pouco explorados em suas

complementaridades para gerar experiênci-

as e conhecimentos relevantes e para tornar

mais eficiente a intervenção humana comfins agrícolas nos agroecossistemas. No en-

tanto, a ecologização da agricultura não ne-

cessariamente seguirá um processo unilinear

- a exemplo do que se propugnava com a difu-

são dos pacotes tecnológicos da RevoluçãoVerde em várias partes do mundo - , podendo

seguir distintas vias, alinhadas ou com a cor-

rente ecotecnocrática, ou com a corrente ecos-

social.

Essas distintas vias da transição que - em

maior ou menor grau - incorporam certos ele-mentos da ecologização, podem ser imagina-

das ao longo de um continuum. Mais perto de

um dos pólos deste continuum estariam situa-

das as formas de intensificação verde que, se

bem com algum grau e certo tipo de “ecologi-

zação” de seus processos produtivos, continu-ariam muito próximas ao padrão tecnológico

dominante. Nesse caso, o atual modelo con-

vencional de produção agrícola estaria se

adaptando à incorporação de uma nova gera-

ção tecnológica da Revolução Verde (ou, como

preferem alguns, uma Revolução Duplamen-te Verde), aproveitando inclusive os avanços

mais recentes da Biotecnologia e da Engenha-

ria Genética (o uso de sementes transgênicas

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e o plantio direto convencional com herbicidas,por exemplo). Em síntese, a via representadapela intensificação verde prioriza a utilizaçãode insumos externos e de origem industrial,embora admita sua integração equilibradacom insumos localmente disponíveis. O pro-cesso de ecologização seguiria uma lógica queobedece essencialmente aos estímulos demercado (a Natureza como subsistema da Eco-nomia).

Nas proximidades do pólo oposto docontinuum se situariam aquelas formas deagricultura ditas alternativas, que, sob osensinamentos da Agroecologia, estariam bus-cando uma maior aproximação e integraçãoentre os conhecimentos agronômicos, ecoló-gicos, sociais e de outras disciplinas correla-cionadas, com o objetivo de gerar umas basescientíficas e tecnológicas mais afastadas da-quelas que até agora têm apoiado o modeloagroquímico convencional. Suas caracterís-ticas principais seriam: estratégias de pro-dução agrária baseadas em conceitos ecoló-gicos; conhecimento científico integrado aoconhecimento local como forma de gerar umnovo e mais qualificado conhecimento; parti-cipação ativa da população rural na determi-nação das formas de manejo dos agroecossis-temas; maior valorização da biodiversidade eda diversidade cultural. A meta seria, funda-mentalmente, alcançar sistemas de produçãoeconomicamente viáveis, ecologicamenteequilibrados, socialmente justos e cultural-mente aceitáveis. Em suma, a ecologizaçãonão seria essencialmente orientada ao mer-cado, mas incorporaria valores ambientais euma nova ética de relação do homem com aNatureza (a Economia como subsistema da Na-tureza) 20 .

Feitas estas considerações, e dito de umamaneira bastante simplificada, podemos de-finir a transição - caracterizada pelo proces-so de ecologização - como a passagem domodelo produtivista convencional ou de for-

mas de agricultura tradicional para estilos deprodução mais complexos sob o ponto de vistada conservação e manejo dos recursos natu-rais, o que contempla tanto a via da intensifi-cação verde quanto a via da transição combase na Agroecologia. Não obstante, agregan-do mais complexidade ao conceito, podemosentender a transição - neste caso, agroecológi-ca - como o ”processo social orientado à obten-ção de índices mais equilibrados de sustentabi-lidade, estabilidade, produtividade, eqüidade equalidade de vida na atividade agrária”, a úni-ca via capaz de atender requisitos de nature-za econômica e socioambiental, entre outros.

Nesse contexto, e pensando nas bases teó-ricas para a Nova Extensão Rural, a transiçãoagroecológica se refere a um processo gradu-al de mudança, através do tempo, nas formasde manejo dos agroecossistemas, tendo-se comometa a passagem de um modelo agroquímicode produção (que pode ser mais ou menos in-tensivo no uso de inputs industriais) paraoutro modelo ou estilos de agricultura que in-corporem princípios, métodos e tecnologiascom base ecológica.

Essa idéia de base ecológica se refere a umprocesso de evolução contínua, multilinear ecrescente no tempo, porém sem ter um mo-mento final determinado. Porém, por se tratarde um processo social, isto é, por depender daintervenção e da interação humana, a transi-ção agroecológica implica não somente a bus-ca de uma maior racionalização econômico-produtiva com base nas especificidadesbiofísicas de cada agroecossistema, mas tam-bém uma mudança nas atitudes e valores dosatores sociais em relação ao manejo e con-servação dos recursos naturais. Por incluir con-siderações de natureza diversa (econômica,

A ecologização não seria

essencialmente orientada ao

mercado, mas incorporaria valores

ambientais e uma nova ética de relação

do homem com a natureza

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30Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

social, cultural, política, ambiental, ética, en-

tre outras), o processo de transição agroecológi-

ca não dispensa o progresso técnico e o avanço

do conhecimento científico (Costabeber, 1998).

4 O co mpro misso so ci al d a No vaEx t e nsão Rural ant e o s d e saf i o s e

as pe rspe ct i vas d od e se nvo lv i me nt o rural

sust e nt áve lA crise socioambiental com que nos defron-

tamos neste final de século colocou em xe-que as bases teóricas e metodológicas que sus-tentaram o estabelecimento do atual modelode crescimento econômico e sua reiteradainobservância dos limites impostos pela Na-tureza. Entre nós, as irracionalidades do mo-delo hegemônico - que alguns teimam em con-fundir com desenvolvimento - se expressamem forma de miséria, fome, desemprego e ou-tros mecanismos de exclusão social.

Diante da complexidade e gravidade do mo-mento atual, somos levados à perplexidade echamados pelos setores hegemônicos a conti-nuar o processo de “reprodução ampliada” domesmo modelo que, rebatizado com o nome de“Revolução Verde Verde” e aplicado medianteestratégias de Intensificação Verde, continuasendo o catecismo dominante nos centros depoder econômico.

Neste exato momento, entretanto, o exem-plo que aqui tomamos, da Extensão Rural pú-blica do Rio Grande do Sul - demonstrando suacapacidade e sua visão de futu-ro - mostra que, para ser novo,ele busca desatar-se das amar-ras do neoliberalismo e suas cor-rentes ecotecnocráticas e em-preende uma desafiadora jorna-da, propondo-se a realizar umanova missão, assim como novosobjetivos e novas estratégias,todos subordinados aos ideais dasustentabilidade ambiental e daeqüidade social.

A missão de qualquer estilo de ExtensãoRural que se pretenda novo está destinada anos ajudar no direcionamento de ações e ati-vidades que promovam novos estilos de desen-volvimento e de agricultura que respeitemnão só as condições especificas de cada agro-ecossistema, mas também a preservação dabiodiversidade e da diversidade cultural21 .Tendo como base um manejo ecologicamen-te prudente e adequado dos recursos naturais- sustentado na participação ativa dos atoressociais envolvidos -, as ações extensionistasdeverão permitir, entre outras coisas, a pro-dução de alimentos limpos para atender asnecessidades da população urbana e rural.

O ideal de sustentabilidade - apoiado nosprincípios da Agroecologia -, que conforma onúcleo da nova extensão rural gaúcha, exigeque passemos a entender a agricultura comoum processo de construção social e não sim-plesmente como a aplicação de algumas pou-cas tecnologias industriais geradoras de de-pendência. Isso, sem dúvidas, determina umacerta insegurança para todos quantos fomosformados e treinados para atuar comodifusores de tecnologias e a partir de uma vi-são parcializada da realidade e do processoprodutivo agrícola.

Os desafios de uma Nova Extensão Ruralestão consubstanciados na nova missão, nosobjetivos e nas estratégias de ação desenha-dos coletivamente, como orientadores esinalizadores da extensão rural do Rio Grande

do Sul, como podemos ver a se-guir.

4 .1 M i ssãoinst i t uci o nal d a

EM ATER/ RS-A SCA RPromover a construção do

desenvolvimento rural susten-tável, com base nos princípiosda Agroecologia, através deações de assistência técnica eextensão rural e mediante pro-

A r t i go

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31Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

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cessos educativos e participativos, objetivandoo fortalecimento da agricultura familiar esuas organizações, de modo a incentivar o ple-no exercício da cidadania e a melhoria da qua-lidade de vida.

4 .2 . O b je t i vo s e st rat é gi co s d aEM ATER/ RS-A SCA R

A missão da extensão rural está orientadapor cinco objetivos principais que, no seu con-junto, expressam o compromisso social de tra-balhar para a obtenção de níveis mais equili-brados de sustentabilidade, estabilidade, produ-tividade, eqüidade e qualidade de vida. Ou seja:

a) Sustentabilidade: buscar um crescenteapoio à conservação, à manutenção e ao ma-nejo de agroecossistemas sustentáveis, demodo que, apesar das restrições ecológicas edas pressões socioeconômicas, possam seralcançados e mantidos níveis adequados deprodução agrícola.

b) Estabilidade: atuar de forma conjuntacom os agricultores familiares e suas organi-zações, com o objetivo de integrar os recursosdisponíveis localmente e outros que estejamao alcance dos mesmos, com vistas a alcan-çar uma estabilidade na produção que sejacompatível com as condições ambientais, eco-nômicas e socioculturais predominantes.

c) Produtividade: apoiar os agricultoresfamiliares na seleção de tecnologias de pro-dução capazes de reduzir riscos e otimizar ouso de recursos internos, de modo a alcan-çar, na totalidade dos sistemas agrícolas, ní-veis de produtividade compatíveis com a pre-servação do equilíbrio ecológico.

d) Eqüidade: contribuir para a consolida-ção de estratégias associativas que fortaleçamos laços de solidariedade e que propiciem ajusta distribuição do produto gerado nos agro-ecossistemas, de modo que atenda requisitosde segurança alimentar e de geração de ren-da para todas as famílias envolvidas.

e) Qualidade de vida: agir interativamentenas áreas econômica, sociocultural e ambi-

ental, de forma a maximizar o emprego e ge-rar renda desconcentradamente, promoven-do a defesa da biodiversidade e da diversidadecultural, o incremento da oferta de produtos“limpos”, a soberania alimentar e a qualida-de de vida da população.

4 .3 Est rat é gi as d e ação d aEM ATER/ RS-A SCA R

a) Privilegiar o uso de metodologias parti-cipativas que permitam aos agricultores esuas famílias transformarem-se em sujeitosdo seu processo de desenvolvimento, valori-zando os distintos saberes e o intercâmbio deexperiências que permitam a ampliação dacidadania e da inclusão social.

b) Incorporar uma compreensão holísticae sistêmica dos processos socioeconômicoscondicionados pelo ambiente, em substitui-ção à visão compartimentada.

c) Estimular e apoiar formas de diagnósti-co e planejamento capazes de gerar e solidifi-car uma dinâmica de participação ativa nosníveis local, regional e estadual.

d) Apoiar a consolidação de uma rede deparcerias, envolvendo organizações públicas eprivadas comprometidas com a agricultura fa-miliar, dinamizando a construção de propos-tas orientadas ao desenvolvimento sustentá-vel.

e) Estimular e apoiar as formas associati-vas de reflexão e ação, respeitando-se as ques-tões de gênero, as particularidades locais eregionais, assim como a história, a dinâmicade evolução e as aspirações de cada gruposocial envolvido.

f) Tomar o agroecossistema como unida-de básica de análise, planejamento e avalia-ção dos sistemas de produção agrícola.

g) Apoiar a implementação da reforma

maximizar o emprego e gerar renda

desconcentradamente, promovendo a

defesa da biodiversidade e da

diversidade cultural

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agrária como um instrumento concreto dedesenvolvimento rural sustentável.

5 Co nsid e raçõ e s f i nai sVale lembrar que, na velha lógica cartesia-

na, o bom profissional da extensão rural eraaquele capaz de acumular mais conhecimen-tos sobre umas poucas especialidades ou téc-nicas e que estivesse apto a desenvolver ashabilidades necessárias para transferir conhe-cimentos aos agricultores, atuando de modo afazê-los adotar aquelas orientações tidas comosuperiores, por sua natureza e validação “ci-entífica”. Neste contexto, o conhecimento dosagricultores era tido como algo obsoleto e elesmesmos eram vistos como atrasados e respon-sáveis pelo atraso da sociedade. Em geral, eramsimplesmente rotulados em categorias de“adotadores” de inovações22 .

A busca do desenvolvimento e da agricul-tura sustentável, a que nos referimos antes,exige de todos nós uma nova postura e umnovo tipo de atuação que estamos definindocomo um “novo profissionalismo”23 . O novoprofissional da Extensão Rural, mais do queum simples difusor de pacotes tecnológicosintensivos em capital, deve estar preparadopara compreender que os agroecossistemas ousistemas agrícolas co-evoluem com os siste-mas sociais e biológicos. Isto é, esta co-evolu-ção está acompanhada pela evolução dos ho-mens e mulheres que praticam a agricultura,os quais, ao longo de sua história e medianteprocessos de tentativa e erro, adaptaram-se eadaptaram as condições mais adequadas paraproduzir nos seus diferentes ambientes soci-ais e biofísicos.

Portanto, épreciso reco-nhecer que en-tre os agriculto-res e suas famí-lias existe umsaber, um con-junto de conhe-

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cimentos que, embora não sendo de naturezacientífica, é tão importante quanto os nossossaberes. Disso resulta que nossa ação - aomesmo tempo em que deve ser respeitosa paracom os saberes dos demais - deve ser capazde contribuir para a integração destes dife-rentes saberes, buscando a construção socialde conhecimentos adequados para o desen-volvimento dos potenciais agrícolas de cadaagroecossistema e dos potenciais de desen-volvimento sustentável presentes em cadacomunidade.

Nesta perspectiva, a participação popularemerge como um direito e passa a exigir umanova prática extensionista, uma verdadeirapráxis social, que só é possível quando adota-mos uma postura democrática e quando rea-lizamos nossa tarefa com base em metodolo-gias e princípios pedagógicos libertadores.Para tanto, necessitamos conformar um novoperfil de extensionistas: por um lado, estamosdesafiados a compreender a agricultura a par-tir dos princípios básicos da Agronomia e daNatureza e, de outro lado, devemos nos capa-citar para atuar potencializando os recursose conhecimentos locais.

O enfoque a ser adotado pela Nova Exten-são Rural também exigirá dos extensionistasa capacidade de compreender os aspectos re-lacionados à vida dos indivíduos e suas rela-ções sociais, assim como os aspectos da his-tória dos diferentes atores individuais e cole-tivos com os quais atuamos. Somente assimpoderemos nos aproximar das verdadeirasnecessidades, valores e aspirações que ori-entam sua busca permanente por melhores

condições devida e bem-estarsocial. Comoapoiá- los naconstrução dodesenvolvimen-to rural susten-tável sem co-nhecer as ne-

É preciso reconhecer que entre os

agricultores e suas famílias existe um saber,

um conjunto de conhecimentos que, embora

não sendo de natureza científica,

é tão importante quanto os nossos saberes

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33Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

cessidades, os valores e as motivações quesustentam e dão sentido às suas decisões?

Mesmo sem esgotar um tema tão comple-xo, somos levados a reconhecer que, hoje, ex-tensionistas e pesquisadores têm a felicida-de de vivenciar os desafios de novos tempos eque, portanto, não devemos nos intimidarfrente às incertezas e às inseguranças pró-prias dos grandes desafios. Ao contrário, de-vemos usar nossa capacidade, nossa energia,nossa criatividade e nossa inspiração para es-timular o diálogo construtivo e a participaçãode todos os atores sociais com os quais nosrelacionamos. Sem dúvida, isto nos ajudarána construção de uma nova extensão rural.

Nesse contexto, e diante do imperativo só-cioambiental, defendemos a prática de umaNova Extensão Rural e propomos o conceitode Extensão Rural Agroecológica como orien-tação principal para a execução de nossasações em prol do desenvolvimento rural sus-tentável. Esta Extensão Rural Agroecológicapode ser definida como o “processo de inter-venção de caráter educativo e transformador,baseado em metodologias de investigação-açãoparticipante que permitam o desenvolvimentode uma prática social mediante a qual os sujei-tos do processo buscam a construção e siste-matização de conhecimentos que os leve aincidir conscientemente sobre a realidade”. Elatem o objetivo de alcançar um modelo de de-senvolvimento socialmente eqüitativo e am-

bientalmente sustentável, adotando os prin-cípios teóricos da Agroecologia como critériopara o desenvolvimento e seleção das solu-ções mais adequadas e compatíveis com ascondições específicas de cada agroecossistemae do sistema cultural das pessoas envolvidasno seu manejo (Caporal, 1998).

A construção dessa Nova Extensão Ruraliniciou a tomar forma a partir do momentoem que começaram a ser incorporados aosdebates os novos anseios da sociedade rural eurbana, com relação a um novo projeto dedesenvolvimento, e na medida em que forambuscadas orientações teóricas baseadas emum paradigma alternativo ao convencional.

O avanço deste processo de construçãoexige a continuidade da interação da Exten-são Rural com a sociedade civil organizada.No entanto, parece claro que a consolidaçãodo processo de mudança em curso exigirá ain-da o comprometimento e a responsabilizaçãodas instituições de ensino e pesquisa, pois,como todos nós sabemos, a transição do mo-delo agroquímico para estilos de agriculturade base ecológica requer um urgente progres-so tecnológico e um significativo avanço doconhecimento científico. Igualmente, se faznecessária a formação de profissionais quali-ficados para atuarem em projetos de desen-volvimento rural que contemplem o interesselocal e comunitário, orientados pelo imperati-vo sócioambiental.

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1 Estamos nos referindo à EMATER/RS-ASCAR(Associação Riograndense de Empreendimentosde Assistência Técnica e Extensão Rural), entida-de que conta com Escritórios de extensão ruralem 477 municípios do estado do Rio Grande doSul e que congrega uma força de trabalho de2.124 servidores, entre técnicos e administrativos.

2 Externalidade é um conceito utilizado naeconomia para caracterizar os custos e/ou bene-fícios (presentes ou futuros) que são externos aomercado. ‘’Em sentido amplo, define todos osefeitos da atividade econômica que são externosao mercado (...). Em um sentido mais restringidoe habitual, define os efeitos ambientais daatividade econômica, entendendo-se que podemhaver externalidades positivas e negativas’ ’(Bermejo, 1994).

3 Ver, por exemplo, Sachs (1986).4 Tal como ficaria demonstrado em 1972 por

Meadows et al. (1978) e por trabalhossubseqüentes, como o Informe Global 2000, pu-blicado em 1980, onde se confirma a tese doslimites e se assegura que o estilo de vida dos paísesdesenvolvidos não poderia ser estendido a todosos países do mundo, por que isto suporia umagrave ameaça à vida sobre a terra (Barney, 1982).

5 De maneira similar, Sevilla Guzmán (1997)identifica duas correntes: a) aquela formada pelosseguidores do pensamento científicoconvencional (perspectiva do equilíbrio) e b)aquela identificada com o pensamentoalternativo (perspectiva do conflito).

6 Este relatório, divulgado a partir de 1987,ficou popularizado como Nosso futuro comum(CMMAD, 1992).

7 Tais mecanismos, adotados tanto pela eco-nomia do meio ambiente como pela economiados recursos naturais, têm sua origem na vertenteda economia neoclássica e não passam de umatentativa de “esverdeamento” da economia con-vencional.

8 “O ecodesenvolvimento é um estilo de de-senvolvimento que em cada ecorregião insiste nassoluções específicas de seus problemas particu-

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lares, levando em conta os dados ecológicos damesma forma que os culturais; as necessidadesimediatas como também as de longo prazo (...)sem negar a importância dos intercâmbios ...”(Sachs, 1986).

9 Para informações mais detalhadas sobreeste tema, ver Sachs (1996).

10 Ver Delèage (1992) e O’Connor (1994),por exemplo.

11 Reforçando esta análise, os autores do“Manifesto Ecossocialista” (Antunes et al., 1993)asseguram que “nenhuma contradição leva emsi mesma a solução para superar de maneiraglobal o atual sistema. Nenhuma contradição éabsoluta. A novidade de nossa época consisteem que afloram ao mesmo tempo a maioria dascontradições”, o que permite crer que podemcrescer diferentes formas de intervenção dedistintos atores sociais, determinandotransformações multidimensionais em direção auma sociedade mais justa e respeitosa ao meioambiente.

12 São três as características essenciais quedefinem a agricultura familiar brasileira: a) agestão da unidade produtiva e os investimentosnela realizados são executados por indivíduosque mantêm entre si laços de parentesco ou dematrimônio; b) a maior parte do trabalho éigualmente proporcionado pelos membros dafamília; e c) a propriedade dos meios deprodução (embora nem sempre a terra) pertenceà família, e é em seu interior que se efetua suatransmissão em caso de falecimento ouaposentadoria dos responsáveis pela unidadeprodutiva (FAO / INCRA, 1996). Apesar daexistência destas características comuns, nãopodemos perder de vista a enormeheterogeneidade existente no seio da agriculturafamiliar brasileira. Conforme sugere o Ministérioda Agricultura e Abastecimento (MAA, 1996),esta se divide em três grandes categorias,segundo o seu estágio de desenvolvimentotecnológico e perfil socioeconômico: a) Agricultu-ra familiar consolidada, constituída por estabele-

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cimentos familiares integrados ao mercado e comacesso a inovações tecnológicas e a políticaspúblicas. A maioria funciona em padrões empre-sariais, alguns chegando até mesmo a integrar ochamado agribusiness; b) Agricultura familiar emtransição, constituída por estabelecimentos que têmacesso apenas parcial aos circuitos da inovaçãotecnológica e de mercado, sem acesso à maioriadas políticas e programas governamentais; em-bora não estejam consolidadas como empresas,possuem amplo potencial para a sua viabilizaçãoeconômica; e c) Agricultura familiar periférica,constituída por estabelecimentos rurais geralmenteinadequados em termos de infra-estrutura e cujaintegração produtiva à economia nacional de-pende de fortes e bem-estruturados programasde reforma agrária, crédito, pesquisa, assistênciatécnica e extensão rural, agroindustrialização,comercialização, entre outros.

13 O agroecossistema corresponde a “umsistema ecológico e socioeconômico que com-preende plantas e/ou animais domesticados e aspessoas que nele vivem, com o propósito de pro-dução de alimentos, fibras ou outros produtosagrícolas” (Conway, 1997).

14 Embora não sendo o principal propósito

deste texto examinar os impactos - positivos ounegativos - causados pelo modelo da RevoluçãoVerde, cremos que é necessário reproduzir a críti-ca ecológica tão bem sintetizada por MartínezAlier, um dos mestres da economia ecológica. Dizeste autor: “Hoje nos damos conta dos efeitosambientais da agricultura moderna (contamina-ção dos alimentos, da água, destruição ou aban-dono dos recursos genéticos, uso de energiasesgotáveis dos combustíveis fósseis). Estes efeitosnão são medidos pelo mercado, e por isso oseconomistas lhes dão o nome de externalidades,ou seja, efeitos externos ao mercado. Então, de-vemos duvidar de que a agricultura moderna sejarealmente mais produtiva, pois os aumentos con-sideráveis de produtividade (por hectare ou ain-

da mais por hora de trabalho) se medem dimi-nuindo o valor dos insumos do valor da produ-ção e dividindo o resultado pela quantidade doinsumo cuja produtividade medimos. Assim, aprodutividade da agricultura moderna é por hec-tare e, ainda mais, por hora de trabalho, maiorque a da agricultura tradicional, porém, claro está,os valores da produção e dos insumos estão malmedidos por não incluir as externalidades e pornão contar a destruição das próprias condiçõesda produção agrária. Esta é, em resumo, a críti-ca ecológica” (Martínez Alier, 1994).

15 Ver, por exemplo, Chayanov (1974);Shanin (1988); Sevilla Guzmán (1990); Sánchezde Puerta (1994); Sánchez de Puerta y SevillaGuzmán (1987).

16 Sobre este tema, ver também Martínez Alier(1995) e Martínez Alier y Schlüpmann (1992).

17 Conforme Hecht, o uso contemporâneodo termo Agroecologia data dos anos setenta.Suas raízes estão nas ciências agrícolas, no movi-mento ambiental, na ecologia, nas análises deagroecossistemas indígenas e em estudos de de-senvolvimento rural (Hecht, 1989).

18 Para que um agroecossistema caminhe emdireção à sustentabilidade, é preciso perseguir sis-tematicamente as seguintes metas: a) uma maiscompleta incorporação de processos naturais,como são a reciclagem de nutrientes, a fixação donitrogênio atmosférico e as relações predador-pre-sa nos processos de produção agrária; b) umaredução no uso de inputs externos e não-renováveiscom maior potencial de dano ao meio ambientee à saúde dos agricultores e consumidores, assimcomo um uso mais objetivo dos demais inputs nosentido de minimizar os custos variáveis de produ-ção; c) um acesso mais eqüitativo aos recursos pro-dutivos e oportunidades, e a evolução em direçãoa formas socialmente mais justas de agricultura; d)um uso mais produtivo do potencial biológico dasespécies animal e vegetal; e) um uso mais produ-tivo das práticas e conhecimentos

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A roçadeira de tração animal foi desenvolvida a partirde uma roçadeira criada pela EMATER e apresentada aoNEMA (Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas) do Cen-tro de Ciências Rurais da Universidade Federal de SantaMaria. A mesma foi aperfeiçoada de forma a ter propulsãomotora, mas continuando a ser tracionada por animais.

Re co me nd açõ e s d e usoA roçadeira pode ser usada para:

- Roçadas em campo nativo;-Manejo de plantas protetoras e melhoradoras do solo;- Facilitar o manejo de plantas cultivadas;- Uso entre linhas na limpeza de pomares e refloresta-mentos.

Assim, a utilização da máquina permite o melhoramen-to do campo nativo, facilita o plantio direto na pequenapropriedade e ainda ajuda a evitar queimadas.

Entre as vantagens do invento destacam-se o baixocusto (é construída apartir de material desucata reciclado), a fa-cilidade de manejo e apossibilidade de usar omesmo motor que éusado na propriedadepara outras atividades(como por exemplo dokit forrageiro).

Acionamento das lâminas deAcionamento das lâminas deAcionamento das lâminas deAcionamento das lâminas deAcionamento das lâminas decortecortecortecortecorte: por meio de um motor Dieselde 4 tempos, com potência de 4,5cv a 3600 rpm. A potência é trans-ferida até as lâminas por meio desistema com caixa de transmissão de90%, por correia trapezoidal.

Sistema de embreagemSistema de embreagemSistema de embreagemSistema de embreagemSistema de embreagem: Sis-tema dotado de alavanca acessívelao operador desde o banco que in-terrompe o acionamento das lâmi-nas de corte, durante o transporte eas manobras.

Comando de rotaçãoComando de rotaçãoComando de rotaçãoComando de rotaçãoComando de rotação: sistemade controle da aceleração com dis-positivo de bloqueio, acessível des-de o posto do operador.

Largura de cor teLargura de cor teLargura de cor teLargura de cor teLargura de cor te: reguláveldesde 80cm até 100 cm.

Sistema de transporteSistema de transporteSistema de transporteSistema de transporteSistema de transporte: rodastraseiras automotivas, providas decubos de rolamento, com pneus5.60-15. Roda guia dianteira, compneu 3.25-80. Tração por cambãode madeira, atuante na roda guia,com 2,5 m de comprimento, com dis-positivo de articulação e bloqueiopara estacionamento.

RRRRRegulagem da altura de coregulagem da altura de coregulagem da altura de coregulagem da altura de coregulagem da altura de cor-----tetetetete: de 5cm até 40 cm.

PPPPPosto do operadorosto do operadorosto do operadorosto do operadorosto do operador: assento embanco estofado, sem oscilação ver-tical, com apoio para os pés e pro-teção do sistema de acionamento.

Consumo de combustí-Consumo de combustí-Consumo de combustí-Consumo de combustí-Consumo de combustí-velvelvelvelvel: aproximadamente 0,5 a1,0 l/ h, dependendo da velo-cidade e do tipo de material aser cortado.

Força de traçãoForça de traçãoForça de traçãoForça de traçãoForça de tração: desde30 kgf em solo firme e 50 kgfem solo com pastagens.

Caract e rí st i cas d aro çad e i ra d e

t ração animal:

Roçadeira decampo com

tração animal

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Produção familiar, pós-modernidade e capitalismopós-modernidade e capitalismopós-modernidade e capitalismopós-modernidade e capitalismopós-modernidade e capitalismoPossibilidades da agricultura independente

J o n es , A lb er t o d a S ilv a*B res s an , M at h eu s * *

Resumo: Neste trabalho são formuladosalguns raciocínios objetivando a construção ea sustentação de uma hipótese acerca da vi-abilidade - nas condições de produção atuais- da agricultura familiar e independente,como formas de superação da agricultura tra-dicional no âmbito da economia capitalista.O texto visa à definição de rumos de estudo,pesquisa e debates que possam contribuir parao aprofundamento das proposições suscitadas.A proposta parteda hipótese, teórica e objeti-va, de que a agricultura fundada na utiliza-ção de mão-de-obra familiar reúne, generica-mente, as condições materiais necessárias aoseu amplo e pleno desenvolvimento no mun-

do contemporâneo; que, dadas as possibilida-des científicas, técnicas e organizacionaisexistentes, há efetivamente, a possibilidade,também, na produção agropecuária, do pro-cesso de produção imediata ser plenamenterealizado pela família produtora, sem impli-car, necessariamente, ao contrário, perdas deprodutividade ou eficiência. Não se trata dese fazer uma defesa ou uma crítica românti-cas da pequena produção ou da produçãocamponesa. Mas, igualmente, não se trata defazer a apologia acrítica das possibilidades deuma agricultura familiar capitalista. Em suma,o texto procura formular algumas hipótesesacerca da possibilidade, no mundo atual, depermanência e desenvolvimento da produçãofamiliar ou grupal independente; sustentan-do essa possibilidade no desenvolvimento ci-entífico, técnico e organizacional, cujo bara-teamento e vulgarização tornaram possível arealização de quantidades crescentes de tra-balho, por grupos cada vez menores de traba-

*Prof. Doutor do Departamentode Economia Rural da UFV.

*Eng. Agrônomo, Mestre em Sociologia,da EMBRAPA/Gado Leiteiro.

[email protected]

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lhadores. Essa é a base objetiva da hipótesedesenvolvida neste trabalho.

Palavras-Chave : Produção independente,Agricultura sustentada, Cooperação, Moder-nização, Progresso científico e técnico.

1 Int ro d ução e p ro b le maNeste trabalho são formulados alguns ra-

ciocínios teóricos objetivando a construção ea sustentação de uma hipótese da viabilida-de, nas condições de produção atuais, da agri-cultura familiar e independente, como formasde superação da agricultura tradicional noâmbito da economia capitalista.

Essa problemá-tica voltou à ordemdo dia no meio aca-dêmico e em esferaspúblicas de decisãopolítica, por causada constatação deque nos países ca-pitalistas avança-dos a agriculturafamiliar tem apre-sentado um dina-mismo que contra-

diz as antigas hipóteses liberais e marxistasque, com base em argumentos e referenciaisteóricos diferentes, afirmavam o seu desapa-recimento.

Os liberais, sustentando sua hipótese nainviabilidade econômica da produção familiarou tradicional, por suposto, de pequena esca-la, portanto incapaz de gerar os excedenteseconômicos exigidos pela economia de mer-cado. Os marxistas, através da formulação dahipótese da superação (no sentido de ultra-passagem) da agricultura familiar tradicional,ou da pequena produção camponesa, por umaagricultura avançada, familiar ou independen-te, distinta das formas antigas, superadas pelodesenvolvimento das forças produtivas soci-ais. É neste sentido que formulamos nossa hi-

pótese neste trabalho. Uma crítica dessas duasvertentes teóricas encontra-se em Abramovay(1992) .

Neste sentido específico, este trabalho é umensaio elaborado com o propósito de formularraciocínios iniciais que possam auxiliar nadefinição de rumos de estudos e pesquisas.Visa a suscitar debates que possam contri-buir para o aprofundamento de posições e ru-mos teóricos.

2 Exclud ê ncia e co o pe raçãop ro d ut i va i nd e pe nd e nt e

Nas condições de produção e reproduçãoeconômico-social disponíveis no mundo atu-al, os níveis de desenvolvimento do progressocientífico e tecnológico e as possibilidades desua incorporação aos processos de produçãoimediata, acabaram por recolocar, em novopatamar, o debate acerca das possibilidadesde novas formas de organização da produçãono âmbito das economias de mercado.

Nesse novo contexto, as possibilidades dedesenvolvimento de uma agricultura eficien-te, sustentada em mão-de-obra familiar ou deprodutores imediatos independentes, apre-sentam-se como alternativas importantes eviáveis. A questão é saber-se de que agricul-tura se trata.

Nos primórdios da revolução industrial eno primeiro século de sua consolidação e dis-seminação pelo mundo, as transformaçõesprovocadas pelas novas formas de produçãopareceram implicar, necessariamente, a exclu-são da pequena produção ou, melhor ainda,da manutenção eficiente de processos produ-tivos em empresas domésticas (em particular,as de feição familiar). Na verdade, no entanto,essa era apenas uma característica, se consi-derarmos a totalidade da reprodução social,dos primeiros momentos de gênese, arranca-da e consolidação do capitalismo.

Por outro lado, a eliminação crescente depostos de trabalho, a “criação de uma popula-ção supérflua, desnecessária”, no âmbito daprodução industrial ou capitalista de larga

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escala - especialmente, a manifestação des-se fenômeno na agricultura - mostraram-secaracterísticas permanentes da lógica da acu-mulação fundada na expropriação de exceden-tes criados por trabalhadores assalariados, nodecorrer do processo produtivo. A realidadedos processos de produção no mundo contem-porâneo mostrou que esta característica nãoé extensiva, por si mesma, a outras formas deprodução, especialmente as que se fundamen-tam na cooperação familiar ou grupal inde-pendentes, entendidas estas como distintasda produção fundada na exploração do traba-lho assalariado.

Apesar disso, aquela característica geral daarrancada industrial capitalista, que implica-va, efetivamente, a necessidade de padrõeselevados de produtividade do trabalho e deprodução de mais-valia, gerando excludência,deram ensejo à formulação de teorias queabsolutizavam essa variável, sem levar na de-vida consideração o fato de que o aumento daprodutividade do trabalho, propiciado pelaincorporação do progresso técnico e pela pro-dução capitalista, significava, também, o de-senvolvimento das condições de sua supera-ção: a estruturação das condições para osurgimento de novas formas de cooperaçãoprodutiva, fundadas, igualmente, na possibi-lidade, aberta pelo progresso técnico e pelasnovas relações de produção social, de poucostrabalhadores passarem a dispor de condiçõesefetivas para realizarem quantidades crescen-tes de trabalho; quantidades estas que, an-tes, apenas poderiam ser desenvolvidas pormuitos produtores imediatos, quer fosse namanufatura quer fosse na agricultura.

Esse fato significava, também, a aberturade possibilidades para novas formas dereestruturação produtiva. Não com o ressur-gimento das antigas empresas familiares oudas corporações tradicionais, ultrapassadas,mas para constituição e construção de formasavançadas, pós-modernas, de cooperação eempreendimentos (familiares, grupais, coope-rativos etc) fundadas na incorporação do pro-

gresso técnico e organizacional. Ou seja, for-mas alternativas, pós-modernas, de coopera-ção para a produção e reprodução totais, quetêm sido denominadas na literatura atual desustentabilidade ou agricultura sustentada.

Empreendimentos, portanto, passíveis deserem implementados por poucos trabalhado-res e suportados na incorporação das novascondições materiais e sociais de produção,trabalho e realização, abertas pelas possibili-dades criadas pela revolução científica, téc-nica e gerencial que, inclusive, facilitou autilização dessas alternativas, ao baratear ospreços da tecnologia, na medida em que re-duziu os seus custos de produção. Esta últi-ma tendência foi, em certo sentido, subesti-mada, quando não desprezada, pelos defenso-res da tendência geral (e abstrata) daexcludência.

Trata-se, em poucas palavras, das condiçõesengendradas, por um lado, pela disponibilida-de de novos equipamentos, produtos e proces-sos e, por outro, pelas possibilidades defracionamento dos processos produtivos, nãoapenas vertical, mas, sobretudo, horizontal-mente. Esses fenômenos estão, hoje, ampla-mente demonstrados pela ampliação do que setem convencionado chamar de terceirização eglobalização: divisão social do trabalho produ-tivo e integração econômica dos mercados

Essas novas possibilidades revolucionarama produção industrial e, de modo maisabrangente, o próprio processo de reprodu-ção da economia de mercado, colocando no-vas e inadiáveis exigências ao processo de re-produção social. A chamada acumulação fle-xível, Harvey (1993), é, neste contexto, umamanifestação objetiva desse verdadeiro pro-cesso de superação das antigas formas de re-produção industrial, de tipo fordista, que, até

O aumento da produtividade dotrabalho, propiciado pela

incorporação do progresso técnico epela produção capitalista,

significava, também, odesenvolvimento das condições de

sua superação

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recentemente, sustenta-ram o processo e a ideolo-gia do desenvolvimento docapitalismo, em sua ver-são liberal ou moderna.

É neste sentido quepodemos, com certa pro-priedade, falar de de-senvolvimento pós-mo-derno: um desenvolvi-mento fundado, não na

dimensão física ou espacial dasempresas ou de suas linhas de montagem ouquantidades produzidas, em si mesmas, masna agilidade destas em ajustarem-se às novasdemandas de flexibilidade e níveis de eficiên-cia econômica. Essa condição pós moderna,para utilizar essa expressão de Harvey (1993),coloca-se, atualmente, para o próprio estadoe todas as empresas ou iniciativas, sejamelas capitalistas, patronais, familiares ou co-operativas.

Essa nova realidade do processo de acu-mulação capitalista e da reprodução econô-mico-social está subjacente aos novos proces-sos de produção que, numa espiral crescente,exigem (e possibilitam) a terceirização de par-celas cada vez mais amplas (ou especializadas)dos processos produtivos ou de realização,como únicas alternativas à maximização da“nova” racionalidade empresarial e, conse-qüentemente, de obtenção de lucros ou gan-hos de produtividade. Nesse último caso, si-tuamos, por hipótese, o caso da agriculturafamiliar e independente nos dias atuais.

A verdade é que esse processo não se limi-ta ao âmbito restrito do controle das iniciati-vas privadas de caráter patronal, ou seja, es-pecificamente capitalistas. É uma possibilida-de aberta à comunidade de produtores emgeral, que, portanto, poderá, em determina-das condições, ser vantajosa, em especial paraa iniciativa e empreendimentos familiares oumesmo de pequenas sociedades ou associa-ções de produtores rurais independentes.

É neste contexto que a proposta aqui for-

mulada é posta: como alternativa para umanova estratégia de desenvolvimento rural parao Brasil, na qual a produção familiar ou grupalindependente, no sentido aqui indicado, as-sumem um caráter prioritário e relevante, tam-bém, para o desenvolvimento econômico na-cional.

3 Esb o ço d e uma p ro po st a d avi ab i l i d ad e d a agr i cult uraf ami l i ar e i nd e pe nd e nt e

Esta proposta parte da convicção, teórica eobjetiva, de que a agricultura fundada na uti-lização de mão-de-obra familiar reúne, gene-ricamente, as condições materiais necessári-as ao seu amplo e pleno desenvolvimento nascondições de reprodução do mundo contem-porâneo. Ou seja, dadas as possibilidades ci-entíficas, técnicas e organizacionais existen-tes no mundo atual, há, efetivamente, a pos-sibilidade, também na produção agropecuá-ria, do processo de produção imediata ser ple-namente realizado pela família produtora,sem implicar perdas de produtividade ou efi-ciência.

Esta é a condição objetiva da hipótese for-mulada neste trabalho. Quer dizer, dadas aspossibilidades (econômicas e sociais) de in-corporação de tecnologias e de outros recur-sos, especialmente os gerenciais, ao proces-so de produção imediata e da sua integraçãoao mercado por diversos canais independen-tes de comercialização, tornou-se amplamentepossível, nas condições de produção do mun-do contemporâneo, inclusive do Brasil, a con-dução, com sucesso, de empreendimentos fa-miliares ou grupais independentes na agro-pecuária.

Desta forma, não se trata, hoje, de fazer-sea defesa ou a crítica românticas da pequenaprodução ou da produção camponesa. Mas,igualmente, não se trata de fazer a apologiaacrítica das possibilidades de uma agricultu-ra familiar capitalista.

A possibilidade de reprodução da agricul-tura fundada no trabalho imediato da família

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- que administra e executa a produção agrí-cola - não significa que esta realize lucro (nosentido de apropriação de excedentes não-pagos, produzidos por trabalhadores assala-riados). Até porque, neste caso, não há, pordefinição, trabalho assalariado. O que nãoquer dizer que o produtor familiar não possaapropriar-se do produto do seu trabalho e, até,de parte do excedente produzido, quando suamagnitude ultrapassar os seus custos de re-produção (doméstica e econômica, e reposi-ção das condições de produção), possibilitan-do sua realização no mercado.

Essa possibilidade é dada, por um lado, pelasua condição básica de produtor independen-te, isto é, que detém as condições e os meiosde produção imediatos: a força de trabalho, apropriedade da terra e dos instrumentos detrabalho. Mas isso não exclui a possibilidade,igualmente objetiva, do produtor familiar nãoconseguir realizar, na totalidade, o valor porele despendido e mobilizado no processo deprodução imediata: a) sua subsistência (oureprodução da sua força de trabalho), que cor-responderia, teoricamente, à remuneração (sa-lários) dos trabalhadores assalariados em ge-ral; b) a renda da sua terra, ou fundiária, queequivaleria ao arrendamento, no caso dele nãopossuir terra própria ou de receber aluguel searrendasse a sua terra a terceiros; e, final-mente, c) o lucro, isto é, a realização do exce-dente sobre os salários, subtraindo-se a ren-da da terra.

Esse processo de realização dos valores pro-duzidos, no mercado, acha-se subordinado àconcorrência capitalista e, ipso facto, pode fu-gir - e geralmente foge - ao controle imediatodos produtoresrurais, sejameles capitalis-tas, familiaresou grupais in-dependentes.

Mas issonão quer dizerque eles não

possam realizar o excedente sobre o seu con-sumo familiar e produtivo, ou seja, consegui-rem uma remuneração adequada pelo seu tra-balho e reposição dos seus meios de produ-ção, além de algum percentual do seu produ-to excedente. É na ampliação dessa possibili-dade que reside a construção das condiçõesde desenvolvimento da agricultura familiar e/ou independente. Identificar as formas e osmeios para assegurar essas condições de pro-dução, no âmbito do agribusiness brasileiro, éo objetivo geral que deve ser perseguido porqualquer projeto ou programa de desenvolvi-mento sustentado.

Entretanto, essa possibilidade, que corres-ponderia ao enriquecimento desses produtoresindependentes, ou à sua capitalização - no casode pretenderem e/ou poderem reinvestir essevalor excedente no próprio ou em outro negócio- não depende da sua mera condição de produ-tor familiar e independente, mas das condiçõesdo mercado, ou seja, das possibilidades de con-seguirem baixar seus custos de produção e,assim, poderem colocar seus produtos exceden-tes de forma competitiva no mercado. Caso con-trário, esse produto ou, pelo menos, boa partedele terá o seu valor dissipado.

Esse fenômeno não depende, apenas, dademanda por produtos agrícolas. Decorre muitomais da concorrência, o que implica a necessi-dade de redução dos preços de produção, am-pliação de escala e qualidade dos produtos eprocessos na agricultura familiar. A consecu-ção dessas condições implica uma verdadeirarevolução na produção familiar - sua transfor-mação endógena em agricultura de alta pro-dutividade -, o que supõe a montagem de toda

uma estratégiade planejamentoe de políticas pú-blicas de apoio àsua implementa-ção. Algumas di-retrizes nessesentido foram ar-roladas no Relató-

Uma remuneração adequada pelo seu

trabalho e reposição dos seus meios de

produção, além de algum percentual do

seu produto excedente

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rio FAO/INCRA (1994).Essas são variáveis restri-

tivas quanto à realização doexcedente da produção fami-liar ou independente. Estãosituadas no nível das possibi-lidades práticas de apropria-ção do excedente, que nestasformas de produção, apenasimpropriamente, podemos de-nominar de lucro. Isso podeimpedir que o produtor famili-ar (e independente) se aproprie plenamentedo produto do seu trabalho e equivale, portan-to, a um confisco em “favor da sociedade” -mas, na verdade, em favor de mediadores doprocesso de reprodução social, em especial,fornecedores de insumos, produtos e empre-sas de armazenamento, beneficiamento e co-mercialização dos produtos agropecuários, etc.São, portanto, valores que são apropriados poroutros atores na cadeia produtiva ou alimen-tar, embora possam vir a “beneficiar” igual-mente (melhor seria dizer, relativamente), osconsumidores pela expansão da oferta de pro-dutos agrícolas.

Entretanto não afetam, imediatamente,nem irremediavelmente, as possibilidades dareprodução familiar, ou seja, as condições desobrevivência e, até, de desenvolvimento dospadrões de conforto das famílias de produto-res rurais. Essas limitações ocorrem, inclu-sive, apesar da possibilidade dos produtoresfamiliares poderem disponibilizar a sua pro-dução para o mercado e, assim, contribuírempara o desenvolvimento econômico e de suaspróprias condições de existência.

Isso pode, efetivamente, permitir amelhoria da qualidade de vida de parcelas re-levantes de produtores familiares e indepen-dentes, o que significa conseguirem uma re-muneração melhor pela sua força de trabalhoe ampliação da “renda familiar”. Não, neces-sariamente, do lucro. As possibilidades deampliação desse valor em níveis de podertransformar agricultores familiares em capi-

talistas, isto é, que mobilizem,de forma permanente e dura-doura, força de trabalho assa-lariado e recursos suficientespara permitir a consecução delucros não dependem, nem in-trínsecamente, nem necessa-riamente, do fato da produçãoser familiar ou não, mas dasua capacidade de incorpora-ção de ganhos tecnológicos e deprodutividade, o que a coloca

no patamar da concorrência capitalista. Ouseja, cuja exigência de volumes crescentesde capitais, geralmente, transcende a possi-bilidade de geração e, sobretudo, de apropria-ção de excedentes da produção familiar ougrupal independente.

Isso significa que a realização do exceden-te agrícola da produção familiar assume, naprática, o caráter de uma espécie particularde lucro de alienação - portanto, mercantil - e,por isso, pode ser reduzido e, até, anulado pelaconcorrência de produtos mais baratos. Poressa razão, muitas vezes, os produtores fami-liares conseguem melhorar seus padrões deconforto (consumo) mas, dificilmente, conse-guem transitar para padrões de produção queos equiparem ou, menos ainda, que os trans-formem em capitalistas.

Entretanto, isso não impede a sua transi-ção para o que se tem denominado, ainda queinadequadamente, de agricultura patronal,FAO/INCRA (1994), fato que, aliás, não a tornalivre dessas restrições de realização. Estasdependem das condições específicas das pos-sibilidades de manutenção de taxas de lucro,no investimento agrícola, compatíveis com astaxas médias de outros ramos da economia.

Aliás, em nossa hipótese, aqui reside a ra-zão fundamental desse ramo da atividade eco-nômica, no capitalismo, não se configuraratrativo ao grande capital, fato que explica asua disponibilidade para a exploração pelopequeno capital e pela produção familiar ouindependente.AAAAA

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RESUMO: O discurso político actual, emmatéria de desenvolvimento das áreas ru-rais marginais, tem elevado as actividadeseconómicas ligadas ao ambiente e ao tu-rismo à qualidade de receita. Tal retóricaestá directamente ligada às novas visõessobre a diversificação da economia rural ea valorização do chamado potencialendógeno. No presente artigo analisa-se, deforma crítica, tal discurso, nomeadamentea partir de alguns casos. Destaca-se, porexemplo, a tendência para a elitização doturismo em espaço rural, a sua frequentefalta de complementaridade com as activi-dades agrícolas, o fraco enraizamento locale os escassos impactes. Referem-se, ain-da, outros obstáculos à concretização deiniciativas de valorização do ambiente e derevitalização dos espaços rurais no contex-to português, nomeadamente o fortedeclínio populacional, a cultura dominan-te de desordenamento do território e os es-tilos de intervenção ainda prevalecentes.

PALAVRAS-CHAVE: DesenvolvimentoRural Sustentável, Turismo Rural, Econo-mia Agrícola, Portugal.

Pe rspe ct i vas rad i o sas para asáre as rurai s marginai s?

“Vai longe o tempo em que as preocupa-ções ambientais podiam ser consideradasapenas como um entusiasmo marginal eem que a preocupação com a ecologia, apropósito das regiões desfavorecidas, erafrequentemente interpretada como um des-conhecimento das respectivas necessida-des económicas. Pelo contrário, a protecçãodo ambiente vem-se afirmando, cada vezmais, como um objectivo essencial, nãoapenas do ponto de vista do direito à quali-dade de vida mas também para a presse-cução do desenvolvimento económico amédio prazo, representando ainda, nas re-giões desfavorecidas, uma vantagem parao respectivo futuro”. Assim escreveu a Co-missária Europeia do Desenvolvimento Re-gional, Monika Wulf-Mathies, numa publi-cação intitulada “Ambiente e Regiões: ParaUm Desenvolvimento Sustentável” (CE,1995).

Nesta publicação, baseada no primadodo “desenvolvimento duradouro e respei-

Ambiente edesenvolvimento deáreas rurais marginais

O caminho tortuoso parauma relaçãopotencialmente frutuosa1

C ris t ó v ão , A r t u r Fern an d o A . C . *

*Engenheiro Agrónomo, Professor Catedrático deExtensão Educativa e Desenvolvimento Rural da Universi-

dade de Trás-os-Montes e Alto [email protected]

Obs: português de Portugal

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tador do ambiente”, analisam-se a relaçõesentre o ambiente e os diferentes sectoreseconómicos (indústria, energia, transpor-tes, agricultura, turismo, etc.) e traçam-selinhas de rumo quanto ao desenvolvimen-to regional nos países da União. Abundan-tes referências dirigem-se à defesa de prá-ticas agrícolas valorizadoras do ambiente,do turismo sustentável (rural, verde, alter-nativo), da conservação dos recursos na-turais (Parques Naturais, Rede NATURA2000), e de projectos inovadores de desen-volvimento local, tais como os realizadosno âmbito da iniciativa LEADER da UniãoEuropeia. Nele se sublinha também que aszonas rurais frágeis “confrontadas com di-ficuldades específicas possuem, no entan-to, também vantagens: produtos agrícolase artesanais de qualidade, profissões rela-cionadas com o ambiente, turismo verdeou acolhimento de actividades industriais‘ecófilas’ “.

Este é o discurso actualmente dominan-te, que se propaga de Bruxelas aos gabine-tes da administração local. Num estudo re-cente sobre o desenvolvimento de novas ac-tividades no espaço rural transmontano, emque foram inquiridos 36 actores institucio-nais da região (autarquias, associações dedesenvolvimento, centros de emprego, as-sociações empresariais, regiões de turismo,parques, etc.), foi notório um amplo consen-so quanto ao valor do ambiente e dos de-mais patrimónios regionais e relativamenteà necessidade de dar prioridade à promo-ção de diferentes formas de actividade tu-rística, centradas nas áreas protegidas, napaisagem duriense, nas florestas, nas aldei-as, nos monumentos históricos e arqueoló-gicos, no artesanato, tradições, produtosagroalimentares locais, gastronomia e even-tos culturais (Vilas Boas, 1999, pp. 45-53).

O turismo surge quase sempre, em todoeste discurso, como o elemento charneira.Ribeiro e Marques (1999) referem a este pro-pósito que “o turismo tem sido gradualmen-

te convertido, pela maioria dos políticos,técnicos e académicos, como a mais eficaz,logo a ‘receita’ prioritária, para inverter astendências negativas que as áreas ruraismenos favorecidas têm registrado” e falamaté da ocorrência de uma espécie de “cano-nização” desta actividade.

De uma forma geral, esta retórica encon-tra-se em relação directa com as novas vi-sões sobre a diversificação da economiarural e a valorização dos recursos endóge-nos, associadas à ideia de que o espaçorural é bem mais do que um simples forne-cedor de alimentos. É, no fundo, um espa-ço multifuncional, que, a par das suas ac-tividades agrárias tradicionais (agricultu-ra, pecuária e silvicultura), pode tambémdesempenhar funções ambientais e terri-toriais (Ribeiro, 1999, p. 23)3 . Na verdade,é reconhecido que o mundo rural tem hojeum valor simbólico para os urbanos. Numartigo recente, Viard (1997, pp. 16-17), dizmesmo que o espaço rural tem hoje umanova legitimidade, identitária, e não a legi-timidade alimentar do passado. Esta novalegitimidade é fundada na percepção docampo (sobretudo para os urbanos) comosímbolo de liberdade, paisagem, beleza esaúde. Figueiredo (1999, p. 263) sublinhatambém que “… os urbanos têm desenvol-vido uma crescente procura de bens mate-riais e ambientais, à qual, aparentemente,somente o meio rural (particularmente osmeios que os modelos de desenvolvimentodominante das últimas décadas deixaramà margem) é capaz de dar resposta”. Assimse explica, por exemplo, a crescente aflu-ência de público aos parques naturais e ou-tras áreas protegidas, o enorme sucesso dasfeiras de salsicharia tradicional realizadasem Montalegre ou Vinhais, que atraem pe-

Um espaço multifuncional, que, a

par das suas actividades agrárias

tradicionais (agricultura,

pecuária e silvicultura), pode

também desempenhar funções

ambientais e territoriais

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quenas multidões, e a apropri-ação pelas grandes e médiassuperfícies comerciais do con-ceito de feira de produtos “lo-cais”, “tradicionais” ou de“qualidade” (queijos, enchi-dos, vinhos etc).

Não temos dúvidas de quetais visões e representaçõessobre o ambiente e o espaçorural se podem traduzir naabertura de novas janelas deobservação dos recursos dos campos, quepoderão levar à identificação de potenciali-dades e oportunidades e à concretização deideias e projectos de desenvolvimento. Naverdade, quando hoje falamos de tais re-cursos assumimos uma base bem amplade possibilidades e “imaginamos um am-plo espectro de elementos, que inclui anti-gos, actuais e novos produtos agrícolas eagro-industriais (alimentares e não alimen-tares), paisagem, fauna e flora, rios e albu-feiras, montanhas e vales, caça e pesca,rochas e minerais, águas minero-medici-nais, património arqueológico e histórico,arquitectura popular, tradições, artesana-to, gastronomia, linhas férreas antigas, so-lares e casas rurais, miradouros, parquese reservas naturais, feiras, festas e romari-as, teatro, música e poesia popular” (Cris-tóvão, 1998). Por outro lado, as mesmasvisões e representações levam-nos tambéma colocar múltiplas interrogações, nomea-damente sobre a “colagem” do discurso àsrealidades sócio-económicas e institucio-nais das ditas regiões rurais marginais. Nofundo, até que ponto é frutuosa a relaçãoambiente e desenvolvimento rural? Porquê?Em que circunstâncias?

Caso s co ncre t o s i lust rammúlt i p las d i f i culd ad e s

A análise de alguns casos poderá ajudara responder a estas questões e conduzir aoutras, que alimentem a reflexão e permi-

tam a definição de projectosnuma base mais realista. Se-leccionámos cinco situações,que aqui expomos brevemen-te:

Procura social de servi-ços ambientais da floresta.Este caso é apresentado porNormandin (1998), a partir deum estudo da região de Lor-raine, em França. Em traçosgerais, verifica-se a existência

de uma preocupação crescente com a pre-servação do ambiente por parte dos cida-dãos e a floresta é reconhecida como espa-ço que presta serviços ambientais múlti-plos, fundamentalmente ecológicos e sócio-culturais. A procura social da floresta, sen-do os 840.000 ha da região em causa visi-tados anualmente por 90 milhões de pes-soas, associada à visão de que esta consti-tui um espaço natural que deve ser preser-vado em boas condições para as geraçõesfuturas, implica novas práticas e formas deconservar as suas características ecológi-cas, sobretudo no sentido de um uso múl-tiplo e mais ecológico. Contudo, o mesmoestudo revela que a disposição dos visitan-tes para contribuírem financeiramente paraa melhoria dos serviços ecológicos presta-dos pela floresta, apesar de ser partilhadapor grande percentagem de inquiridos(58%), não é economicamente significati-va, em particular se comparada com os re-sultados económicos da sua exploraçãoprodutiva. Ou seja, há disposição para pa-gar, mas pouco. Os mais voluntariosos sãoos jovens, os diplomados do ensino superi-or, os urbanos e os indivíduos com altosrendimentos. As formas de pagamento pre-feridas são os impostos sobre as activida-des poluentes ou sobre os produtos emmadeira, nunca o pagamento de uma “por-tagem” para acesso e fruição.

Turismo verde no Sudoeste de França.Balabanian (1999) estudou as potenciali-

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dades de um turismo integrado nos espa-ços e nas sociedades rurais, que designapor verde, a partir do caso do Sudoeste deFrança e procurando saber se tal turismocorresponde a um desafio ou a uma uto-pia. A conclusão é que, para as regiões ru-rais frágeis, o turismo verde ou rural é umautopia: não está em expansão nem consti-tuí um fenómeno de massas, sendo os des-tinos ligados ao mar, à alta montanha e aoestrangeiro bastante mais dinâmicos; de-senvolve-se mais na periferia das grandescidades, nos campos próximos do litoral enas zonas circundantes da alta montanha;o número de unidades de algumas modali-dades de alojamento tende a estagnar (casodas “gites”), dado que não são rentáveis; onicho económico é estreito e a frequênciade 28% das unidades de alojamento e delocais de visita (parques, castelos, museus,etc.) tende a diminuir ou estagnar; é caropara todos (os contribuintes, os investido-res e os clientes); a concorrência é cada vezmaior, sobretudo no estrangeiro e tendotambém em conta a emergência de novosdestinos exóticos, ficando as áreas ruraisfrágeis praticamente excluídas do merca-do; os empresários não ambicionam viverda actividade; pode, quanto muito, limitarou atrasar o êxodo rural; só espaços muitoprivilegiados poderão ambicionar a que talturismo gere processos de desenvolvimen-to.

Turismo rural no Sul de Portugal. Joa-quim (1999) defende tese semelhante à an-terior. Começa por salientar que o chama-do Turismo em Espaço Rural (TER) está,desde as suas origens, em França, ligadoao ambiente, sendo os seus objectivos, noquadro legisla-tivo português:estimular a re-cuperação dop a tr imón iohistórico-cul-tural em parti-

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cular e do património rural em geral; asso-ciar a qualidade da oferta turística em alo-jamento às tradições de hospedagem ru-ral; e aumentar em particular o rendimen-to dos agricultores e a qualidade de vidadas populações em geral. Contudo, de acor-do com esta autora, o “perfil do TER emPortugal está claramente distanciado dosobjectivos que presidiram à sua implemen-tação”, tal como demonstrado pelos resul-tados de estudos centrados no sul do país:“a recuperação e conservação do patrimó-nio pessoal e familiar representa a motiva-ção claramente dominante …; apenas 20%dos promotores se dedicam em exclusivi-dade ao TER; 77% dos promotores são qua-dros médios e superiores; sobre os contri-butos do TER para a região, os promotoresdestacam a ‘valorização da zona’; dos equi-pamentos necessários ao desenvolvimentoturístico, os promotores destacam camposde ténis, campos de golfe, caça turística,animação exterior e divulgação do potenci-al histórico e do artesanato”. A autora con-cluí dizendo que o TER “é uma actividadealtamente ‘elitizada’, caracterizada pelaquase total ausência de complementarida-de com a agricultura e pouco enraizada lo-calmente”.

Turismo rural no Douro e na Peneda-Gerês. As conclusões de Ribeiro e Marques(1999), a propósito do Vale do Douro e doParque Nacional da Peneda-Gerês, são se-melhantes às de Joaquim anteriormente re-feridas. Estes autores destacam que são fra-cas as ligações da maioria dos promotoresTER com as actividades agrícolas e, fre-quentemente, com as próprias comunida-des rurais locais. Por outro lado, a contri-

buição real doTER para a cri-ação de empre-go é questioná-vel, sendo cria-dos em média 2postos de tra-

Pode, quanto muito, limitar ou atrasar o

êxodo rural; só espaços muito privilegiados

poderão ambicionar a que tal turismo gere

processos de desenvolvimento

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balho, um deles membro dafamília (em geral a mulher) eo outro um trabalhador pago.Este trabalho é pouco ounada profissionalizado e osalário é baixo. Em termoseconómicos, por último, oimpacte do turismo rural éapresentado como modesto,sendo o nível médio das des-pesas locais dos turistas re-lativamente baixo. Em refe-rência a outras modalidades de turismo noDouro, como os cruzeiros, destaca-se queestes tendem a ser vendidos em “pacote”,em Lisboa, no Porto, em Londres ou outroslocais exteriores à região e ao país, gastan-do os turistas pouco ou nenhum dinheirofora do barco. Segundo os autores citados,trata-se, sobretudo, da incapacidade e fal-ta de habilidade da própria região para in-duzir os turistas a realizarem despesas,uma vez que o seu poder de compra é ge-ralmente elevado. Ainda relativamente aoDouro, num debate recente (CCMT, 1999),para além de se ter perspectivado positiva-mente a evolução de um turismo de quali-dade e baixa intensidade, destacou-se a exis-tência de numerosos problemas, entre osquais a falta de profissionais devidamentepreparados, a falta de estruturas e iniciati-vas de animação, a má coordenação entreos agentes da cadeia turística (Regiões deTurismo, unidades TER, hotéis, estruturasde animação, instituições culturais, restau-ração, transportadores), a falta de organiza-ção da oferta (sobretudo a partir da região)e o défice de envolvimento (ou alheamento)das autarquias4 .

- Um Parque Natural numa zona de mon-tanha. O Parque Natural do Montezinho(PNM) é considerado um exemplo de suces-so no quadro das áreas protegidas portu-guesas. Figueiredo (1999) analisa-o, a par-tir de inquéritos junto dos habitantes, visi-tantes e entidades políticas e de desenvol-

vimento local. De acordo como seu estudo, “passados 20anos de criação o PNM pareceter sido incapaz de desempe-nhar o seu papel de renova-ção da economia local e de fi-xação das populações locais”,contudo, foram “alcançados osseus objectivos de preservaçãodo ambiente natural e de pro-moção do repouso e do recreioao ar livre”, sobretudo em be-

nefício dos “consumidores exteriores”. Sa-lienta também esta autora que os visi-tantes têm perfil radicalmente diferente dosmoradores, nomeadamente em termos deidade, grau de instrução, profissão, rendi-mento mensal ou inclinação política, acon-tecendo também que têm representaçõesdiferentes sobre o ambiente e visões dis-tintas quanto às regras e as normas em vi-gor no Parque, por exemplo em matéria deconstrução de edifícios ou vias de comuni-cação, ou derrube de árvores. Assim, diz aautora, começam a desenhar-se “dois am-bientes rurais - o que é espaço de recreio elazer e aquele que é espaço de vida. En-quanto que, no primeiro caso, as regras ouas normas são consideradas fundamentais,no segundo caso elas são essencialmenteencaradas como constrangimentos às acti-vidades quotidianas e, mesmo, ao desen-volvimento da área”. Outras diferenças devisão foram identificadas, nomeadamentequanto aos aspectos considerados suscep-tíveis de degradar o ambiente. Em conclu-são, a autora defende que o desenvolvimen-to rural de áreas marginais como o PNMnão pode basear-se apenas na preservaçãodo ambiente, uma vez que tal não assegu-rará uma base suficiente para manter a po-pulação, em termos produtivos, económicose de qualidade de vida. Contudo, o ambi-ente poderá ser factor de atracção de di-versas actividades e peça de uma estraté-gia de desenvolvimento rural, mas não a

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única estratégia.No seu conjunto, estes casos ilustram

algumas das dificuldades, não todas, emque frequentemente esbarra o discurso hojecomum e generalizado sobre o ambiente eo desenvolvimento do espaço rural, o quefaz com que o caminho da diversificaçãoda economia rural e da valorização dos re-cursos endógenos seja frequentemente tor-tuoso e os seus efeitos frequentemente abai-xo das expectativas. Em síntese, quais sãoalgumas dessas dificuldades?

O desajustamento entre o valor atri-buído pelos visitantes aos serviços a pres-tar pela natureza e os espaços rurais e adisponibilidade para os remunerar devida-mente, a par da dificuldade em calcular ovalor justo de tal remuneração;

A estreiteza de alguns nichos de mer-cado para actividades que articulam o am-biente e o desenvolvimento rural, nomea-damente o chamado turismo verde ou emespaço rural, assim como a crescente con-corrência (dentro de uma dada região, nopaís e entre países);

A elitização do turismo em espaço ru-ral, a sua frequente falta de complementa-ridade com as actividades agrícolas em ge-ral, o fraco enraizamento local e os escas-sos impactes, em termos de resultadoseconómicos e de criação de emprego;

A dificuldade em fixar regional e/oulocalmente os benefícios provenientes de al-gumas actividades turísticas relacionadascom o ambiente e o espaço rural (cruzei-ros no rio Douro, visitas às amendoeirasem flor, etc.) e em alargar a sua partilha,numa lógica de equidade;

A má coordenação entre os múltiplosagentes da cadeia turística (unidades de tu-rismo em espaço rural, hotéis, restauran-tes, estruturas de animação, regiões de tu-rismo, transportadores, instituições cultu-rais, etc.), com efeitos na fixação de turis-tas e atracção de gastos;

As diferentes representações que resi-

dentes, visitantes e agentes políticos e dedesenvolvimento têm em matéria de ambi-ente, paisagem, desenvolvimento agrário econdições de vida quotidiana nos espaçosrurais, que constituem fonte de conflituali-dade permanente, muitas vezes deficiente-mente equacionada e resolvida.

Mas outras dificuldades existem, cujosimpactes potenciais nas estratégias de va-lorização do ambiente e dos espaços ruraissão potencialmente elevados. Sublinhamostrês: o forte declínio populacional que afectaas áreas rurais marginais; a cultura domi-nante de desordenamento do território edegradação ambiental; e a limitada capaci-dade institucional e os estilos de interven-ção ainda prevalecentes. Também em al-gumas destas matérias é flagrante o cho-que entre a retórica e a prática de muitosagentes responsáveis.

O d e spo vo ame nt o é i nimigo d avalo r i zação d o pat r imó nio 55555

O declínio populacional que tem carac-terizado as áreas rurais do interior de Por-tugal é, por diversas razões, um forte ini-migo da valorizações dos recursos naturais,pois atinge todas as dimensões da vida deum território (social, económica, política,cultural e ambiental). No fundo, como su-blinhou R. Magalhães, “espaço abandona-do é espaço que empobrece” (CCMT, 1998).

Menos gente, nomeadamente nas aldei-as e nos campos, tem implicado, como re-fere Ribeiro (1999, p. 21), “ uma extensadesarticulação dos modos de vida local, comprojecção directa e mais visível nas activi-dades agrárias”. Significa, por exemplo,menor intensidade de uso de recursos, porexemplo das florestas e das matas, o queimplica outros padrões de crescimento da

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A dificuldade ou impossibilidade da

transferência intergeracional de

saberes populares, muitas vezes

instrumentais para a valorização dos

recursos locais, naturais e outros

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flora, no limite desordenados, colocandoem risco equilíbrios há muito construídose mantidos. A ruptura de tais equilíbrios éfactor de acidentes, como, por exemplo, osfrequentes e temidos fogos estivais. Tam-bém algumas áreas de agricultura, nome-adamente de ceralicultura, tendem a serabandonadas, em especial as consideradasmenos produtivas ou marginais, dando lu-

gar a incultos, com impli-cações para a vida de es-pécies animais. Outrasvezes, são substituídaspor plantações flores-tais, frequentemente deespécies de crescimen-to rápido, menos exi-gentes em mão-de-obra mas com impac-tes ambientais dis-cutíveis.Menos gente signifi-

ca, cada vez mais, dado a idade avan-çada dos que ficam e a juventude dos quesaem, a dificuldade ou impossibilidade datransferência intergeracional de saberespopulares, muitas vezes instrumentais paraa valorização dos recursos locais, naturaise outros. São os saberes sobre as culturas,os animais e os sistemas agrícolas e flo-restais, sobre a fauna e a flora bravias, so-bre os rios, os solos, o fabrico de queijos,enchidos e artesanato, sobre as riquezas eas agruras do quotidiano agrícola e rural.

Ao nível mais global, começa a ser preo-cupante, sobretudo nas zonas mais perifé-ricas, a falta de capacidade empreendedo-ra e de tomadores de iniciativa, decorrenteda rarefacção demográfica e da desvitali-zação do tecido social e da economia, as-sim como é notória a dificuldade em arti-cular projectos e empresas, dando corpo aestratégias integradas de valorização de di-versos recursos, por exemplo, paisagem,produtos agrícolas locais, artesanato e tu-rismo (Cristóvão, 1998).

A cult ura d o minant e ge rad e so rd e name nt o d o

t e rr i t ó rio e d e grad ação amb ie nt alOutros perigos e obstáculos ensombram

as estratégias de valorização do potencialendógeno do Douro, em todas as suas ver-tentes. Ao nível do ambiente e paisagem,com reflexos em diferentes tipos de turis-mo, é ainda notória a “falta de cultura deordenamento do território e de protecçãodo património”, que se traduz na: “ocupa-ção indiscriminada do solo, provocandodisfunções no uso e aptidão; adulteraçãodos valores da paisagem, em termos visu-ais; intensificação dos usos urbano-indus-triais desordenados; e poluição” (CCRN,1998:101).

Quem percorre o vale do rio Douro, con-siderado uma das “jóias da coroa” do turis-mo regional, encontra múltiplos vestígiosdaquilo a que podemos, talvez, chamar umacultura de desordenamento do território edegradação ambiental: falta de tratamentode efluentes; lixeiras a céu aberto; deterio-ração rápida de muito património históri-co-cultural, nomeadamente zonas históri-cas, igrejas, casas senhoriais, pelourinhos,fontes, cruzeiros, alminhas, etc.; núcleosurbanos descaracterizados pela construçãodesordenada e desregulada; edifícios agrí-colas dispersos, como novos armazéns eadegas, que agridem a paisagem pela cor emateriais usados; destruição de muros desuporte e de construções antigas bem inte-gradas no ambiente.

Numa escala diferente, podem tambémquestionar-se as grandes obras de gestãodos recursos hídricos da Bacia do Douro.A este propósito, Cortes (CCMT, 1999) apon-ta vários aspectos críticos: (1) o desapare-cimento da maior parte das espécies au-tóctones e o aparecimento de espécies exó-ticas, em consequência da construção dasbarragens6 ; (2) o impacte ambiental nega-tivo resultante da construção de mini-hídricas em pequenos cursos de água, al-

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gumas localizadas em zonas protegidas; (3)o decréscimo da qualidade da água do Dou-ro e seus afluentes; (4) a falta de uma ges-tão conjunta da bacia por parte de Portu-gal e Espanha.

É claro que a responsabilidade por tan-tos e tão diversos atentados à paisagem éde muitos agentes, do Estado ao mais altonível, ao cidadão das vilas e aldeias, pas-sando por técnicos, professores e autarcas,sendo necessário actuar, urgentemente, nosentido de uma mudança de valores e daconstrução de novas atitudes e comporta-mentos. Caso contrário, a maior ou menorprazo, estaremos perante um paradoxo: oassassinato da “galinha dos ovos de ouro”,ou seja, a delapidação irreversível de todoum património que nos foi legado pelasgerações anteriores.

A valo r i zação d o pat r imó nioe x i ge uma vi são glo b al e

i nt e rve nçõ e s d e t i po no voEm geral, as intervenções no desenvolvi-

mento rural realizam-se na ausência de umavisão global e integrada das actividades erecursos, sem que haja, no fundo, uma es-tratégia de desenvolvimento. Pelo contrário,parecem dominar as visões parcelares esectoriais, bem como as acções isoladas,descoordenadas, pouco profissionais e comescassa participação dos cidadãos.

A valorização dos recursos dos espaçosrurais, na sua totalidade, exige uma visãoglobal, sistémica e integrada de cada terri-tório. A agricultura não pode ser pensadaisoladamente, o mesmo acontecendo comas intervenções nas outras vertentes dosector agrário ou nos recursos hídricos; apreservação e valorização do patrimóniohistórico-cultural, bem como as interven-ções urbanísticas, não podem ignorar aagricultura, que constitui ainda a matrizda identidade da região, nem o patrimónioagroecológico em geral; sendo o espaço ru-ral sobretudo gente, há que reflectir os be-

nefícios sócio-económicos derivados decada iniciativa e as condições para a suadistribuição com equidade.

Esta perspectiva, a par da existência deuma pluralidade de intervenientes no de-senvolvimento e de situações de conflitua-lidade latente, decorrente da diversidade devisões e interesses, apela a um novo tipode intervenção, que classificamos comocentrada nos actores e promotora da “ener-gia social” da comunidade (Amalric, 1998,citado por Amalric, 1999: 6) definida poroposição a uma intervenção normal, auto-ritária ou “de cima para baixo”, comcarácter tecnicista, reducionista, elitista edisciplinar. Assim, em cada sector, em cadaparcela do território, há que agir a partirde uma visão global, tendo em conta oenvolvimento activo de diferentes actoressociais e com base num novo profissiona-lismo, assente em princípios e orientaçõescomo as seguintes (Amalric, 1999; Cristó-vão, 1997; Pimbert e Pretty, 1995):

entendimento de que os principais pro-tagonistas dos processos de desenvolvimen-to são os cidadãos e as suas organizações,numa óptica de exercício activo da cidada-nia;

definição das prioridades de acção atra-vés de processos participados de diagnós-tico e decisão, envolvendo técnicos, políti-cos e cidadãos;

acção inter ou multidisciplinar, a par-tir de grupos e equipas que atravessem asfronteiras das instituições, para potenciaras lógicas sistémicas e integradas;

atitude ou postura “facilitadora” ou “deanimação” por parte dos técnicos e políti-cos, que privilegie o diálogo, a negociação ea mediação, criando confiança entre par-ceiros e clima para a acção sinérgica;

A r t i go

Sendo o espaço rural sobretudo

gente, há que reflectir os benefícios

sócio-económicos derivados de cada

iniciativa e as condições para a sua

distribuição com equidade

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valorização do trabalho em rede e/ouparceria, criando plataformas de partilha deinformação, debate, negociação, decisão,pressão e acção, envolvendo os diferentesintervenientes, valorizando as suas capa-cidades para criarem e transformarem sa-beres e produzirem inovação;

valorização dos saberes locais e dos sis-temas de tecnologia tradicionais e reconhe-cimento das potencialidades decorrentes dasua integração com os saberes técnico-cien-tíficos;

reconhecimento da diversidade sócio-económica e compreensão das estratégias,necessidades, interesses e recursos de di-ferentes grupos; e

distribuição com equidade dos benefí-cios do desenvolvimento, numa óptica deinclusão social.

Este novo profissionalismo começa a servisível, nomeadamente na acção de algu-mas associações de desenvolvimento local.É fundamental, contudo, que se espalhe,substituindo as formas de agir rígidas e bu-rocráticas que continuam a pontuar a acçãode técnicos e políticos, na generalidade dosserviços e instituições ligados ao desenvol-vimento. O caminho para uma intervençãoglobal, sistémica e integrada exige, por ou-tro lado, caminhar no sentido da definiçãode novos mecanismos de financiamento dodesenvolvimento, às escalas regional e lo-cal, nomeadamente através de Planos Ter-ritoriais, que integrem todos os fundossectoriais (Animar, 1999; Melo, 1997, p. 2).

Pe rspe ct i vas rad i o sas para asare as rurai s marginai s?

Partimos de uma breve análise do dis-curso hoje dominante sobre as alternati-vas para o desenvolvimento das áreas ru-rais marginais. Reconhecendo a multifun-cionalidade dos espaços rurais, tal discur-so tem elevado o ambiente e, muito em es-pecial, o turismo verde, rural ou alternati-

vo, à condição de “receita milagrosa” paraa crise do rural. Ribeiro e Marques (1999)falam mesmo de “canonização” desta acti-vidade. Ao mesmo tempo, é evidente umpercurso de desvalorização das actividadesagrárias em geral e da agricultura em par-ticular.

Sendo inegável que a diversificação daeconomia rural se impõe, como condiçãopara um novo equilíbrio e revitalização dopróprio espaço rural e como factor de de-senvolvimento da sociedade como um todo,é também incontestável que o discurso ten-de a ser mais optimista do que realista, sen-do múltiplos os obstáculos à concretizaçãode iniciativas. Por outro lado, como disse-mos atrás, em muitos aspectos é flagrante ochoque entre a retórica e a prática de mui-tos agentes responsáveis. Relembramos,apenas, a contradição entre o discurso devalorização social da natureza e as práticas,ou ausência de práticas, que conduzem aodesordenamento do território, rural ou ur-bano, e à criação de focos de degradação epoluição ambiental.

Em suma, as perspectivas para as áreasrurais marginais, ou frágeis, alvo de pro-cessos prolongados de marginalização, nãosão tão radiosas como se tende, de formaligeira e superficial, a defender. É possívelconstruir, contudo, caminhos para umarelação frutuosa entre ambiente e desen-volvimento rural, principalmente se hou-ver capacidade institucional local, capaci-dade de negociação com o exterior, e se seempreenderem processos de desenvolvi-mento que renovem as agriculturas e mo-bilizem a energia social dos actores e dascomunidades, baseados numa visão globaldo território e num novo profissionalismotécnico. Tal implica, necessariamente, umaperspectiva crítica quanto ao quadro de glo-balização em que nos inserimos e uma ex-ploração activa das margens de manobraexistentes em cada momento.

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55Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

A r t i go

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56Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

1 Texto das comunicação apresentadano 1º Encontro Galiza-Portugal de EstudosRurais, realizado nos dias 12 e 13 de No-vembro de 1999 na Escola Superior Agráriade Bragança, Portugal.

2 Engenheiro Agrónomo, Professor Cate-drático de Extensão Educativa e Desenvolvi-mento Rural da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Departamento de Eco-nomia e Sociologia, Av. Almeida Lucena,5000 Vila Real, Portugal, [email protected]

3 Este art igo de Manuela Ribei ro,intitulado, “Agricultura e Ambiente em Re-giões Desfavorecidas: Expressão de Subdesen-volvimento, Recursos para o Desenvolvimen-to” , inclui uma análise pormenorizada sobrea problemática da crise das áreas rurais mar-ginais e sobre as alternativas propostas nosdias de hoje para o seu desenvolvimento, quepassam largamente pela revalorização socialdo seu meio ambiente.

4 Referiu Rodrigo Beires (SPIDOURO)neste mesmo debate, realizado em Maio de1999, que estão em curso, em Trás-os-Mon-tes e no Douro, investimentos turísticos naordem dos 22 milhões de contos, dos quais14 milhões são privados. O presidente daRegião de Turismo do Douro Sul informouque, naquela área, existiam 67 unidades deTER com projecto aprovado e 97 em inten-ção, o que significa um forte crescimento da-quele tipo de alojamento. Dados publicadospelo Governo Civil de Vila Real indicam que,no período entre 1996 e 1999, foram con-cedidos cerca de 3 milhões de contos em in-

centivos a fundo perdido para iniciativas li-gadas ao turismo, entre os quais se encon-tram a instalação de 56 casas TER (GovernoCivil de Vila Real, 1999). No documento dediagnóstico prospectivo e orientação estra-tégica para Trás-os-Montes e Alto Douro,preparado pela Comissão de Coordenaçãoda Região Norte (CCRN) e Associação de Mu-nicípios de Trás-os-Montes e Alto Douro(AMTMAD), no quadro do Plano Nacional deDesenvolvimento Económico e Social (2000-2006), propõe-se um montante total de in-vestimento público no turismo de cerca de32,5 milhões de contos, a grande maioriado qual a cargo da administração central.Aquele montante corresponde a pouco me-nos de 10% do investimento total e duas ve-zes e meia o proposto para a dinamizaçãode outras actividades económicas.

5 As partes 3, 4 e 5 do texto foram adap-

tadas da comunicação “Valorização dos Re-

cursos Naturais: Discursos, Obstáculos e Con-

dições (Reflexão Inspirada pelo Vale do Dou-

ro)” , apresentada ao Seminário sobre “Estra-

tégias de Valorização de uma Paisagem Cul-

tural: O Vale do Douro”, promovido pela Fun-

dação Rei Afonso Henriques e realizado em

Zamora, Espanha, nos dias 14 e 15 de outu-

bro de 1999.

6 De salientar o desaparecimento do

sável e da lampreia das águas do Douro,

espécies que outrora alimentavam uma im-

portante actividade pesqueira, profissional e

desportiva.

No t as

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PPPPPesticidas matam e envenenamesticidas matam e envenenamesticidas matam e envenenamesticidas matam e envenenamesticidas matam e envenenamRecente informe da Organização Internacio-

nal do Trabalho revela que, segundo dadoscoletados pela Organização Mundial de Saúde,40.000 agricultores morrem a cada ano e de 3,5milhões a 5 milhões são envenenados ao aplica-rem inseticidas nas lavouras.

Restaurante da MonsantoRestaurante da MonsantoRestaurante da MonsantoRestaurante da MonsantoRestaurante da MonsantoPreocupados com a possibilidade de estarem

comendo alimentos modificados geneticamente,os funcionários da Monsanto, do Reino Unido,pediram e foram atendidos: a empresa que ser-ve as refeições no restaurante da empresa reti-rou do cardápio todos os transgênicos.

Área menor com milho transgênico nosÁrea menor com milho transgênico nosÁrea menor com milho transgênico nosÁrea menor com milho transgênico nosÁrea menor com milho transgênico nosEUEUEUEUEUAAAAA

Neste ano, os produtores americanos reduzi-rão de 20% a 25% a área plantada com milhotransgênico.

Desde 1999, os clientes americanos da Ásia,Índia, Europa, Brasil e México recusam-se a com-prar transgênicos. A Associação dos ProdutoresAmericanos de Milho (Apam) acredita que a opo-sição a estes produtos continue aumentando, tan-to dentro quanto fora dos EUA.

Alimentos sem transgênicosAlimentos sem transgênicosAlimentos sem transgênicosAlimentos sem transgênicosAlimentos sem transgênicosOs produtores de alimentos europeus, japo-

neses e mesmo norte-americanos começaram aeliminar ingredientes de soja e milho modifica-dos geneticamente de seus produtos devido apreocupações dos consumidores.

Uma recente pesquisa da Nikkei com os 323maiores produtores japoneses de alimentos mos-trou que 66% das companhias planejam mudarpara ingredientes não-transgênicos. O maiormoinho japonês anunciou que substituirá todosos derivados de soja e milho por alternativos fei-tos de outros grãos. E nos EUA os dois maioresfabricantes de comida para bebês, a Gerber e aHeinz, anunciaram que estão eliminando os trans-gênicos de seus produtos.

Banco alemão e cervejarias japonesas reBanco alemão e cervejarias japonesas reBanco alemão e cervejarias japonesas reBanco alemão e cervejarias japonesas reBanco alemão e cervejarias japonesas re-----jei tam transgênicosjeitam transgênicosjeitam transgênicosjeitam transgênicosjeitam transgênicos

O Deutsche Bank sugeriu a seus clientes quevendam as ações de empresas de biotecnologia.Já a Kirin Brewery e a Sapporo Breweries - duascervejarias japonesas- anunciaram que só utili-zarão milho convencional como ingrediente desuas cervejas.

Campanha mundial para promoção dosCampanha mundial para promoção dosCampanha mundial para promoção dosCampanha mundial para promoção dosCampanha mundial para promoção dostransgênicostransgênicostransgênicostransgênicostransgênicos

As companhias Novartis, DuPont e outras uni-ram-se para promover mundialmente os trans-gênicos. A campanha será desenvolvida via sites,anúncios em revistas e financiamentos de pes-quisas.

Certificação ambiental atrai turistasCertificação ambiental atrai turistasCertificação ambiental atrai turistasCertificação ambiental atrai turistasCertificação ambiental atrai turistasEspecialistas garantem que o selo verde é um

diferencial que poderá colocar o Brasil entre osdestinos preferidos de turistas estrangeiros. Paraisso, seria necessário mudar a gestão dos esta-belecimentos turísticos no país.

A Globe 21, única a conferir certificado parao setor, identifica as empresas aéreas, agênciase hotéis que demonstram respeitar o meio ambi-ente e usar os recursos de forma sustentável.

Preservação urgente de 25 áreas no pla-Preservação urgente de 25 áreas no pla-Preservação urgente de 25 áreas no pla-Preservação urgente de 25 áreas no pla-Preservação urgente de 25 áreas no pla-netanetanetanetaneta

A entidade Conservation International publi-cou livro ̈ Hotspots de Biodiversidade” onde iden-tifica 25 áreas prioritárias para conservação noplaneta. A Mata Atlântica e o cerrado são as duasáreas brasileiras a figurar na lista, pela riquezade sua biodiversidade e pela ameaça de destrui-ção. Os 25 locais selecionados representam 1,4%da superfície do planeta, mas abrigam 60% dasespécies conhecidas de plantas e animais.

Produtos orgânicos giram US$ 9 bilhões aoProdutos orgânicos giram US$ 9 bilhões aoProdutos orgânicos giram US$ 9 bilhões aoProdutos orgânicos giram US$ 9 bilhões aoProdutos orgânicos giram US$ 9 bilhões aoanoanoanoanoano

Esta é o volume de negócios realizados entreos mercados japonês, europeu e americano no

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ano passado. No mercado brasileiro o consumode produtos orgânicos vem crescendo a taxas de10% a 15% ao ano. Para o agricultor tambémsignifica uma oportunidade de receber até 40%a mais pelo preço de seus produtos.

Ceará exporta café ecológico para a Sué-Ceará exporta café ecológico para a Sué-Ceará exporta café ecológico para a Sué-Ceará exporta café ecológico para a Sué-Ceará exporta café ecológico para a Sué-ciaciaciaciacia

Um grupo de 120 pequenos agricultores doMaciço do Baturité, no Ceará, exportará 30 to-neladas de café ecológico para a Suécia nesteano. O produto custa 50% a mais do que o caféconvencional. Neste plantio, o ambiente é pre-servado, pois o café é plantado em meio à MataAtlântica, barrando o processo de desertificação.

Q uase a metade do planeta é afetadaQ uase a metade do planeta é afetadaQ uase a metade do planeta é afetadaQ uase a metade do planeta é afetadaQ uase a metade do planeta é afetadapela deserti ficaçãopela deserti ficaçãopela deserti ficaçãopela deserti ficaçãopela deserti ficação

A Unesco editou cinco estudos diferentes so-bre degradação do solo, comprovando que a áreaafetada no planeta é cinco vezes o tamanho daEuropa - mais de 51 milhões de quilômetros qua-drados. Este é o somatório das áreas de deser-tos, regiões semi-áridas, áridas e subúmidas.

Cientistas assustados com aumento na ca-Cientistas assustados com aumento na ca-Cientistas assustados com aumento na ca-Cientistas assustados com aumento na ca-Cientistas assustados com aumento na ca-mada de ozônio no Árticomada de ozônio no Árticomada de ozônio no Árticomada de ozônio no Árticomada de ozônio no Ártico

Com auxílio de satélites, balões e instrumen-tos sofisticados, um grupo internacional de cien-tistas estará avaliando a expansão do buraco nacamada de ozônio no Ártico. Se for comprovadoeste avanço, os possíveis danos causados por eleserão muito maiores que os do Pólo Sul, pois hápopulação vivendo no Pólo Norte.

Suécia está desativando suas usinas nu-Suécia está desativando suas usinas nu-Suécia está desativando suas usinas nu-Suécia está desativando suas usinas nu-Suécia está desativando suas usinas nu-clearesclearesclearesclearescleares

A Suécia começou a aplicar sua política, firma-da em 1980, de abandonar a energia nuclear,que representa metade de sua energia elétrica,desativando um dos seus doze reatores nucleares.

Efeito estufa provoca catástrofesEfeito estufa provoca catástrofesEfeito estufa provoca catástrofesEfeito estufa provoca catástrofesEfeito estufa provoca catástrofesCientistas e pesquisadores ligados ao meio

ambiente alertam que a chuva intensa que atin-giu a Venezuela, causando milhares de mortos edesabrigados é apenas reflexo do efeito estufa.Este mesmo efeito provocou o ciclone que arra-sou a Índia e o furacão Mitch, que matou cercade 10 mil na América Central.

O que é a Agenda 21O que é a Agenda 21O que é a Agenda 21O que é a Agenda 21O que é a Agenda 21A Agenda 21, documento mais importante

assinado na Eco-92, no Rio de Janeiro, orientagovernos e sociedades em busca do desenvolvi-mento sustentável para o século 21. Foi assinadopor 179 chefes de Estado e propõe ações concre-tas para o crescimento da economia. Estados emunicípios devem constituir seus fóruns paraformatar sua agenda 21 local.

Compensação pelo uso do recurso gené-Compensação pelo uso do recurso gené-Compensação pelo uso do recurso gené-Compensação pelo uso do recurso gené-Compensação pelo uso do recurso gené-ticoticoticoticotico

Segundo o l ivro ” The commercial use ofbiodiversity” , sete das 25 drogas mais vendidasno mundo vêm de produtos naturais, totalizandopara as proprietárias das marcas US$ 11,5 bi-lhões. Poucos países - como a Austrália, Peru,México, Colômbia e Venezuela - criaram regrasque garantem compensação pelo uso dos recur-sos genéticos. Brasil, Índia, Indonésia, África doSul e outros estudam se inserem normas.

Denúncia de biocolonialismoDenúncia de biocolonialismoDenúncia de biocolonialismoDenúncia de biocolonialismoDenúncia de biocolonialismoOs países que abrigam em seu solo boa parte

do material genético do mundo (nações de ricabiodiversidade) estão afirmando que os recursosforam usados até agora por multinacionais semcompensação financeira. Estes países começarama restringir a liberdade de cientistas que reco-lhem amostras genéticas por causa da explora-ção dos extratos, sem remessa de uma parcelade lucro para seus governos e comunidades. É ocaso do Laboratório Abbot (EUA), que está crian-do um anestésico com base na resina de um sapodo Equador. Os índios usam a resina para enve-nenar suas flechas, mas não receberão nada peladescoberta.

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59Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

Embora existam maisde 400 espécies de for-migas, a maior parte de-las inofensivas para ospropósitos humanos deagr icu l tura, as formigascortadeiras (especialmente assaúvas, geograficamente limi-tadas à América do Sul) po-dem causar prejuízos em po-mares, hortas e lavouras. A seguir apresentamos algumas medidasalternativas que podem ser usadas para o seu controle.

a)a)a)a)a) Barreiras físicas - para proteger apenas mudas ou árvoresindividuais, o simples uso de cones invertidos de lata ou plástico,ou ainda lã de ovelha amarrada no caule da planta impedem aação das formigas.

b)b)b)b)b) Plantas repelentes ou tóxicas - hortelã, batata-doce, salsa,cenoura, mamona funcionam como repelentes ou intoxicantes.

c)c)c)c)c) Preservação e/ ou criação de inimigos naturais das formigas,como galinhas comuns ou de angola, pássaros, tatus, tamanduás,os quais podem controlar até 90% das revoadas.

Co nt ro le d as co lô ni as :::::Para adotar medidas de controle eficazes, é importante lembrar

que as formigas cortadeiras não se alimentam diretamente dasfolhas cortadas, e sim da massa de fungos que cresce sobre asfolhas armazenadas no ninho. Alguns métodos de controle das co-lônias que podem ser usados:

Métodos físicosMétodos físicosMétodos físicosMétodos físicosMétodos físicos:::::São ações diretas sobre o formigueiro, como: uso de água quente: para formigueiros pequenos e próximo

de casa; inundação: para formigueiros maiores, quando houver condi-

Co nt ro le A lt e rnat i vo d e Fo rmigas Co rt ad e i ras

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60Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

ções de desviar a águade um canal ou acessocom uso de mangueira;

Fumaça de escapa-mento: dirigir o escapa-mento de motores para aentrada (olheiro) do formi-gueiro, tapando as saídas defumaça, provocando a asfixiadas formigas, pela ação dogás carbônico.

Métodos biológicosMétodos biológicosMétodos biológicosMétodos biológicosMétodos biológicos:::::Aplicação de calda microbiológica: Usar 2 a 4 laranjas ou limões mofados, moídos. Deixar fermentar 4-5 dias em água, com um pouco de me-

lado ou açúcar. Diluir a 10 % em água e aplicar em todos os olheiros; Depois de uma semana, repetir a aplicação.

Observação: As laranjas ou limões mofados possuem os fun-gos Penicilium digitatum e Penicilium italicum, que causam omofo verde e azul respectivamente, os quais destróem o fungocriado pelas formigas para se alimentar.

Cult i vo d e p lant as at rat i vas t ó x i cas:Neste caso o gergelim é a melhor opção, pois suas folhas

contêm uma substância chamada sesamina, que é fungicida.Geralmente as formigas só carregam folhas inofensivas ao for-migueiro, mas o gergelim é uma exceção, pois é uma das folhaspreferidas pelas saúvas, mas mata o fungo que serviria de ali-mento à rainha e às larvas. A sesamina está sendo inclusiveestudada por pesquisadores, para identificar seu princípio ativo.

Para maiores informações, pode-se consultar a apostila For-migas cortadeiras: noções sobre o controle sem veneno (Brasília,1994), ou o livro Alternativas Ecológicas para a Prevenção e Con-trole de Pragas e Doenças (BURG, I.C. & MAYER, P.H., 1999).

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Resumo: O artigo apresenta os fundamen-tos mais importantes do ecofeminismo, esco-la de pensamento que tem orientado organi-zações ecologistas e feministas de vários paí-ses desde a década de 70, buscando entenderas contribuições e os limites que esta aborda-gem traz para a prática social no Brasil, emparticular para os movimentos que tentamarticular as lutas das mulheres com as lutasambientais. Analisa as principais autoras des-se movimento, e apresenta dados sobre o tra-balho de algumas organizações que se inspi-ram nos seus princípios. Por fim, propõe re-flexões sobre as formas de incorporar as pro-

postas e os anseios das mulheres rurais nasdiscussões sobre o desenvolvimento susten-tável e assim contribuir para o progressivo for-talecimento da posição das mulheres no con-junto da sociedade.

Palavras-chave: Ecologia, Meio Ambiente,Mulher Rural, Desenvolvimento Rural Susten-tável, Gênero

1 Int ro d uçãoO ecofeminismo pode ser definido como

uma escola de pensamento que tem orientadomovimentos ambientalistas e feministas, des-de a década de 1970, em várias partes do mun-do, procurando fazer uma interconexão entrea dominação da Natureza e a dominação dasmulheres. Hoje em dia, como definido por umade suas representantes2, pode ser considera-do mais como uma corrente que trabalha commulheres dentro do movimento ambientalista,do que propriamente parte do movimento fe-minista, que, como veremos mais adiante, nãocompartilha totalmente de suas teses sobre aNatureza enquanto “princípio feminino”.

Ecofeminismo: contribuições e limites paraa abordagem de políticas ambientais

S ilip ran d i, Em m a *

*Engenheira Agrônoma (UFRGS), Especialista emEconomia Agroalimentar (CeFAS, Itália) e em Formula-ção e Análise de Políticas Públicas (Unicamp), Mestre

em Sociologia Rural (UFPb). Assessora da Coordenado-ria Técnica da Secretaria de Agricultura e Abastecimento

do Estado do Rio Grande do Sul. E-mail:[email protected].

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apenas reivindicações isoladas.Entre as organizações que sepropõem a fazer esta articula-ção, destacam-se algumas quetêm no ecofeminismo as prin-cipais referências teóricas parao seu trabalho prático.

O auge da visibilidade sociale política dessas posições se deuno início da década de 90, coma realização da Conferência Meio

Ambiente e Direitos Humanos no Rio de Ja-neiro - a Eco-92 (Castro & Abramovay, 1997),em que organizações como a REDEH (Rede deDefesa da Espécie Humana) e RME (Rede Mu-lher de Educação) fizeram parte da coordena-ção do Planeta Fêmea, no Fórum Global. De-fendendo “um olhar feminino sobre o mundo”,faziam críticas ao estilo predatório de consu-mo vindo do Norte, que agravava a pobreza doSul, ressaltavam a importância das ações lo-cais para recuperação do ambiente, a relaçãoentre saúde e ambiente e a problemática dasmulheres, que alijadas dessas grandes discus-sões, sofriam as conseqüências desses proces-sos. Desde então, pode-se dizer que suas pro-posições vêm influenciando parte do movimen-to social, de mulheres e de agricultores.

Que contribuições essa corrente de pensa-mento pode nos trazer, seja pela visão teóricaque lhe dá suporte, seja pela prática das suasintegrantes, para pensarmos propostas demudanças nas relações de gênero que este-jam articuladas com a passagem para umoutro paradigma produtivo, mais sustentável,mais equilibrado? Elas nos dão pistas de açõesque sejam capazes de, ao mesmo tempo, in-cluir as mulheres rurais nas decisões impor-tantes da sociedade e da família, assim comofazer avançar a luta ambiental?

Este artigo procura trazer uma contribui-ção para esta reflexão. Serão apresentadas al-gumas idéias que estão na origem do pensa-mento ecofeminista, e uma breve descrição daatuação das duas organizações citadas acima,

No Brasil ainda são poucasas organizações ou movimentossociais que se preocupam emfazer essa relação, seja na teo-ria, seja na prática. Entre aque-les e aquelas que desenvolvemtrabalhos na área da preserva-ção ambiental e da Agroecolo-gia, é bastante comum verifi-carmos um enfoque mais “pro-dutivo” ou voltado para “a natu-reza” do que focado nas questões sociais – queincluiriam uma preocupação com o papel es-pecífico que as pessoas, e em especial as mu-lheres, desempenham nos sistemas produti-vos em questão e com a sua situação de su-balternidade no meio rural. Assuntos como adivisão de tarefas que ocorre entre os mem-bros das famílias rurais e os valores associa-dos a cada uma dessas tarefas, a rígida hie-rarquia patriarcal, as formas de divisão dosbens por herança, por exemplo, que afetamdiferentemente homens e mulheres, jovense idosos, dificilmente são tratados como pro-blemas. Não é raro encontrarmos situaçõesem que deliberadamente se jogam estasquestões para o campo da “ética cultural”,como se, em nome de um suposto respeito aoshábitos e culturas locais, não fosse lícito to-car em questões que dizem respeito às for-mas de organização social, e em particular, àfamília. Essas posições, no entanto, sãodesmentidas pela própria prática, já que qual-quer processo de mudança social provoca, deuma forma ou de outra, mudanças nos papéisde gênero (não existe essa suposta “neutrali-dade”).

Os movimentos feministas e de mulheres,por outro lado, também têm tido dificuldadesem articular essas questões, de forma a apre-sentar, nos fóruns e instâncias onde se deba-tem propostas mais globais de desenvolvimen-to, plataformas de ação e posições que refli-tam uma perspectiva feminina de progresso ede desenvolvimento para a humanidade, e não

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ponto de vista de gênero ou ambientais. A pró-pria forma de pesquisar a história tem segui-do esses princípios, e portanto não tem evi-denciado como se deu a exclusão das mulhe-res do mundo do conhecimento “científico” ecomo a sua visão de mundo (de integração coma Natureza) foi sendo subjugada pela idéia dedominação.

O pensamento ecofeminista apareceu pelaprimeira vez enquanto tal a partir dos movi-mentos feministas da década de 1970 (a cha-mada “segunda onda” do feminismo), a estaaltura já influenciados pelos movimentos paci-fistas, antimilitaristas e antinucleares queeclodiram em toda a Europa e Estados Unidosnos anos 60 e que deram origem aos movimen-tos ambientalistas como os conhecemos hoje.Em comum com esses movimentos, BarbaraHolland-Cunz identifica que a “utopia ecofe-minista primitiva” apresentava:

ideais de descentralização, não-hierarqui-zação, democracia direta;

apoio a uma economia de subsistênciarural como modelo de desenvolvimento;

insistência na busca de tecnologias “su-aves”, não-agressivas ao meio ambiente;

superação da dominação patriarcal nasrelações entre os gêneros.

Por outro lado, esses movimentos tambémquestionavam o dualismo entre cidade e cam-po, entre trabalho intelectual e manual, entreo público e o privado, assim como entre osespaços ditos “produtivos” e aqueles “repro-dutivos”. Faziam parte dessas primeiras uto-pias também a idéia de que muitas vezes ariqueza material estava acompanhada de “mi-séria moral e emocional” e resgatavam-se ex-

periências devida simples, emque a pobrezanão era identifi-cada com misé-ria ou privação.

Nesse senti-do, havia na ori-

assim como de uma articulação internacional,a WEDO (Women’s Environment and Develop-ment Organization), que serve de referência avários movimentos no Brasil. Por fim, são apre-sentadas as críticas e questionamentos queessa abordagem tem recebido, assim como ascontribuições que, na opinião da autora, omovimento têm feito às lutas feministas e am-bientais. O intuito é de fazer um convite a to-dos e todas que compartilham estas preocupa-ções, para construírem esse debate.

2 Pr i ncíp i o s Ge rai sd o Eco f e mini smo

De uma forma bastante simplificada, po-deríamos identificar os princípios do pensa-mento ecofeminista nas seguintes questões:

do ponto de vista econômico, existe umaconvergência entre a forma como o pensamen-to ocidental hegemônico vê as mulheres e aNatureza, ou seja, a dominação das mulhe-res e a exploração da Natureza são dois ladosda mesma moeda da utilização de “recursosnaturais” sem custos, a serviço da acumula-ção de capital;

para o ecofeminismo, o pensamento oci-dental identifica, do ponto de vista político, amulher com a Natureza e o homem com a cul-tura, sendo a cultura (no pensamento ociden-tal) superior à Natureza; a cultura é uma for-ma de “dominar” a Natureza; daí decorre a vi-são (do ecofeminismo) de que as mulheres te-riam especial interesse em acabar com a do-minação da Natureza, porque a sociedade semexploração da Natureza seria uma condiçãopara a libertação da mulher.

As políticas científicas e tecnológicas quetêm orientado odesenvolvimen-to econômicomoderno sãopolíticas que re-forçam essa vi-são, não sendo“neutras” do

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A sociedade sem exploração da

Natureza seria uma condição para a

libertação da mulher

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cebe, a principal dirige-se à idéia de que estaidentificação viria do fato das mulheresencarnarem um chamado “princípio feminino”,cuja origem está nas tradições hindus trazidasà tona em 1988, com a publicação do livro“Staying alive: women, ecology and survival”,de Vandana Shiva (Shiva, 1991). O “princípiofeminino” seria uma forma “essencialista” dever essas relações, já que traz uma visão de“essência humana imutável e irredutível”(Garcia, 1992:164), associada às mulheres, queas coloca fora de qualquer relação econômica,política ou social, construída historicamente.

É preciso lembrar que dentro do que se cha-ma ecofeminismo existem muitas correntes,que vão desde aquelas com tradição mais anar-quista (“radicais”), socialistas, até aquelas maisliberais, as que privilegiam as ações institucio-nais, no parlamento etc. Há também verten-tes espiritualistas e mesmo esotéricas, que en-tendem como necessário resgatar as práticas“mágicas” de conhecimento da realidade queas mulheres exerciam desde a antigüidade,como formas de reconstruir uma identidade fe-minina que foi perdida ao longo do tempo.

3 Vand ana Shi va: um o lharf e mi ni st a, e co ló g i coe t e rce i ro -mund i st a

Avançando um pouco além das discussõesideológicas, Vandana Shiva4 fez uma análise,em 1988, de como a violência contra as mu-lheres e a Natureza, na Índia e também emoutros países do terceiro Mundo, tinha origemem bases materiais. Ela relaciona as formasde dominação sobre os povos desses países,através das quais se orientavam os progra-mas de “desenvolvimento”, com a destruiçãoda Natureza, cuja conseqüência principal foi(e é) a destruição das condições para a pró-pria sobrevivência das mulheres (pelaextinção das fontes de alimentação, água, dabiodiversidade etc).

Para a autora, a origem desses problemasestá no paradigma desenvolvimentista que

gem desses movimen-tos elementos co-muns entre uma“utopia feminista” euma “sociedadeecológica”, assimcomo entre essesmovimentos e os“ecologistas so-cialistas”. Dife-rentes pontos

de vista teóricos, as-sim como práticas de organiza-

ção e ação política fizeram com que essaidentidade não fosse permanente.

Do ponto de vista do movimento feminista,a cisão se verificou quando da comemoraçãodo Ano Internacional da Mulher (1975), inau-guração da Década da Mulher instituída pelaONU, quando ocorreu pela primeira vez o de-bate público entre o que se chamaria de mo-vimento “igualitarista” e o “feminismo da dife-rença” (corrente dentro da qual se insere o eco-feminismo).

A tradição igualitarista (em que pese suasenormes diferenças internas) reivindicava “auniversalidade da dignidade humana contra asdesigualdades de poder estruturadas ao redordas diferenças sexuais” (Sorj, 1992:144) e lu-tava pela expansão dos direitos civis, a entra-da das mulheres no mundo público e a suaautonomia do ponto de vista econômico, soci-al, político etc.

Os movimentos identificados com “a dife-rença” criticam essa visão, considerando queo mundo público, tal como está, reflete umavisão masculina de ser, e que as mulheres (de-positárias de um outro modo de ser, outrosvalores, outra cultura, decorrentes da mater-nidade e da sua condição de reprodutoras davida) teriam outras contribuições a dar parauma nova forma de estruturação da socieda-de que incorporasse a riqueza do universo fe-minino, ao invés de desvalorizá-lo3 .

Entre as muitas críticas que essa visão re-

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ou princípio feminino, seria a fonte de toda acriação na Natureza, animada ou inanima-da. Este princípio ou força criativa estaria pre-sente em toda a diversidade da vida, e se ca-racterizaria pela criatividade, atividade, pro-dutividade; pela conexão entre todos os seres(inclusive os humanos); e pela continuidadeentre a vida humana e a vida natural. A rup-tura dessa visão, ou a subjugação do princípiofeminino, é que estaria então na origem dosdesequilíbrios ecológicos existentes, assimcomo na dominação das mulheres e dos po-vos do Terceiro Mundo.

Somente a recuperação do princípio femini-no poderia reverter esse quadro de violência edominação:

“A recuperação do princípio feminino se ba-seia na amplitude. Consiste em recuperar naNatureza, a mulher, o homem e as formas criati-vas de ser e perceber. No que se refere à Natu-reza, supõe vê-la como um organismo vivo. Comrelação à mulher, supõe considerá-la produtivae ativa. E no que diz respeito ao homem, a recu-peração do princípio feminino implica situar denovo a ação e a atividade em função de criarsociedades que promovam a vida e não a redu-zam ou a ameacem.” (Shiva, 1991: 77).

É inegável que a visão de Vandana Shiva éuma visão feminista, pois enfoca a necessida-de de um movimento ativo por parte das mu-lheres para serem ouvidas, para participaremdas instâncias de decisão com o intuito decontraporem-se a essa visão de desenvolvi-mento, considerada predatória, violenta, não-sustentável e fonte de opressão sobre as pró-prias mulheres. Do ponto de vista ecológico,traz uma visão de defesa da biodiversidade ede questionamento do paradigma “produtivis-ta” do desenvolvimento. Suas posições trazemtambém uma forte vertente “terceiro-mundis-

orienta essas ações, que vê o meio ambientecomo um “recurso” separado e à disposiçãoda humanidade, algo “inerte, passivo, unifor-me, separável, fragmentado, e inferior, a serexplorado” (Shiva, 1991: 65). Esta forma depensar foi, paralelamente, responsável pelaexclusão das mulheres do seu papel protago-nista na agricultura, já que ela deixou de servista como agricultora, silvicultora, adminis-tradora de recursos hídricos etc. Seu conhe-cimento, que era ecológico, plural, foi sendoinferiorizado e perdido.

Segundo ela, o trabalho das mulheres erabaseado na estabilidade e sustentabilidade, nadiversidade, na descentralização, no trato deplantas que não tinham retorno comercialimediato, e buscava o sustento de todos (a ali-mentação, em particular), sem que houvessenecessidade de excedentes (vistos em algumasdessas culturas como um “roubo” à natureza,uma vez que eram recursos que não necessi-tavam ser usados). A contraposição é o mode-lo da privatização dos lucros e da exploraçãoambiental, cujo principal símbolo é a mono-cultura. Com a quebra das relações tradicio-nais, as mulheres perderam o acesso à terrapara as culturas alimentares, perderam aces-so aos bosques, à água, e passaram a ter me-nos renda, emprego, e menos acesso ao poder.

A monocultura é vista como símbolo des-sas mudanças, porque além de expulsar asformas de cultivo tradicionais (baseadas nadiversidade e complementariedade), com asconseqüências ecológicas que isso traz (ero-são, fragilidade dos ecossistemas, poluição daágua e do solo, dependência de insumos ex-ternos etc), é sobretudo uma forma de pen-sar, na qual a intervenção do homem sobre aNatureza, visando ao lucro, é o princípioorientador.

A cosmologia hindu, que vê o mundo comosendo produzido e renovado pelo jogo dialéticode criação e destruição, coesão e desintegra-ção, e tensão entre opostos, é chamada a ex-plicar os desequilíbrios existentes. Prakriti ,

A cosmologia hindu, que vê o mundo

como sendo produzido e renovado pelo

jogo dialético de criação e

destruição, coesão e desintegração, e

tensão entre opostos, é chamada a expli-

car os desequilíbrios existentes

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ção por Bella Abzug(ex-deputada ame-ricana, advogadamilitante dos mo-vimentos civis,falecida em 1998)e traz no seu con-selho de direção,entre outras, aprópria Vanda-na Shiva. A vi-

ce-presidente daWEDO é u-ma brasileira, Thaís Corral,

também membro da REDEH. Em 1991, a WEDOrealizou um congresso internacional de mulhe-res em Miami, com cerca de 1500 participan-tes de 83 países, com o tema “Mulheres por umplaneta saudável”.

A WEDO define como seus objetivos “trans-formar o planeta em um lugar saudável e pací-fico, com justiça social, política, econômica eambiental para todos, através do empowerment6

das mulheres em toda a sua diversidade, e pelasua participação eqüitativa com os homens emtodos os espaços de decisão, desde a base atéas arenas internacionais” (http://www.wedo.org, 24/11/1998). As principais for-mas de ação definidas pela WEDO como redesão o monitoramento dos resultados das Con-ferências Internacionais da ONU7 , assim comodas ações da Organização Mundial do Comér-cio (OMC) e do Banco Mundial (Bird).

A avaliação que a WEDO faz dos problemasambientais atuais (degradação da terra, ari-dez, salinização erosão, etc; desmatamento,principalmente das florestas tropicais; mudan-ças de clima, destruição da camada de ozônio,aquecimento do planeta decorrente das emis-sões de CO

2 etc) identifica nos padrões de con-

sumo dos países do Norte a origem dessesdesequilíbrios. As mulheres são vistas, ao mes-mo tempo, como alimentadoras desse modelode consumo (no Norte) e maiores prejudicadaspor ele (no Sul). Do ponto de vista dos consu-midores, é feita uma conexão bastante forte

ta”, à medida que questionam as relaçõesentre os países que dominam a ciência con-temporânea e aqueles que sofrem mais deperto as suas conseqüências.

No entanto, embora ela descreva e anali-se concretamente como essa mudança de pa-radigma se deu em diversas situações con-cretas no Terceiro Mundo, e suas conseqü-ências sobre as condições de vida das mulhe-res, as explicações que ela apresenta do pon-to de vista teórico sobre o porquê da separa-ção entre homens, mulheres e natureza, ocor-rida no pensamento contemporâneo, colocam-na claramente no campo do essencialismo. Umoutro problema que a sua visão apresenta, eque será retomado no ponto 5 deste texto, é ofato de que as relações tradicionais às quaisela se refere não eram isentas de opressão ediscriminação entre os sexos.

4 A s age nd as e co f e mini st asi nt e rnaci o nai s e naci o nal

Para entender melhor o desdobramentodessas posições, vou citar exemplos de pro-gramas que vêm sendo desenvolvidos por or-ganizações que compartilham princípios doecofeminismo (embora, às vezes, não se defi-nam como tal). Em nível internacional, voutomar a organização não-governamentalWomen’s Environment and DevelopmentOrganization (WEDO), e no Brasil, a Rede deDefesa da Espécie Humana (REDEH) e RedeMulher de Educação (RME). Existem aindaoutras organizações que também mantêm tra-balhos vinculando às questões de gênero commeio ambiente, mas dado o objetivo específi-co deste artigo, não serão abordadas aqui5 .

A WEDO é uma rede internacional formadapor ativistas e lideranças de vários países, so-bretudo do Terceiro Mundo, para fazer pressãosobre órgãos internacionais e monitorar a exe-cução de políticas que promovam o melhoramen-to da situação das mulheres nos programas dedesenvolvimento. Foi criada em 1990, com sedeem Nova Iorque, presidida desde a sua funda-

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institucionalizadas perspectivas de gênero nasações desses organismos e assegurar umapresença maior de mulheres nas suas instân-cias de direção. No caso do Banco Mundial,também são reivindicados mais recursos paraprogramas de saúde, educação, projetos deagricultura sustentável, acesso à propriedadeda terra, emprego e financiamentos voltadosespecificamente para as mulheres.

Em linhas gerais, em termos de análise daproblemática ambiental e da necessidade dasmulheres mobilizarem-se e procurarem in-fluenciar nos organismos de decisão sobre aspolíticas públicas, pode-se dizer que as orga-nizações brasileiras REDEH e RME situam-seno mesmo campo que a WEDO. Nos seus pro-gramas de trabalho específicos, no entanto,as ênfases são um pouco diferentes.

No caso da REDEH, uma ONG criada em1987, com sede no Rio de Janeiro, os eixos de

trabalho foram população e ambiente, comforte ênfase na discussão dos mecanismos decontrole da reprodução humana, contra a in-gerência dos organismos internacionais sobreas políticas de população. Suas ações concre-tas após a Rio-92 foram no sentido de traba-lhar com instâncias locais de discussão, comoos Conselhos Municipais da Condição Femi-nina, onde eram prestadas assessorias paraprocurar formas de colocar em prática a Agen-da 21. No caso dos municípios, buscou-se de-

entre saúde, alimentação e meio ambiente.As propostas passam por trabalhos com os

consumidores visando a uma readequação doconsumo, estímulo a experiências que bus-quem aproximar os consumidores dos produ-tores, assim como maior descentralização eregionalização da produção. Do ponto de vis-ta do maior acesso das mulheres ao poder, aWEDO levanta a problemática da rígida divi-são sexual do trabalho nas sociedades ociden-tais como um dos fatores que impedem a par-ticipação das mulheres nos espaços públicosde decisão.

Quando da Cúpula Mundial da Alimenta-ção, em Roma (1996), a WEDO participou deum manifesto8 em que colocava suas posiçõessobre a problemática da segurança alimen-tar. Nesse manifesto, era criticada a falta decoerência da FAO9, que nas propostas paraacabar com a fome, aceitava as diretivas daOMC (liberalização do comércio internacional,manipulação genética de alimentos etc) comopossíveis soluções. Para a WEDO, a seguran-ça alimentar deve estar acima dos objetivosdo comércio internacional. Como a produçãoe a comercialização dos alimentos está cadavez mais nas mãos das grandes multinacio-nais, caso se coloque em prática as propostasapresentadas no Plano de Ação da FAO, “asmultinacionais serão capazes de controlar aalimentação mundial globalmente, determi-nar os preços, gerar escassez artificial e uti-lizar a alimentação como arma” (RME, 1997:5).Isto significaria a marginalização ainda mai-or das mulheres dos países do Terceiro Mun-do, que têm sido expulsas do campo. A mani-pulação genética dos alimentos, por outro lado,seria mais uma ameaça ao direito de umaalimentação saudável, problema que a FAOnão estaria enfrentando.

Enquanto ações visando ao empowermentdas mulheres, suas propostas se dirigem tam-bém à OMC e ao Banco Mundial. A rede man-tém dois programas permanentes de traba-lho10 cujas metas são lutar para que sejam

“ . . . as multinacionais serão capazes

de controlar a alimentação mundial

globalmente, determinar os preços,

gerar escassez artificial e utilizar a

alimentação como arma”

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das Conferências Internacionais e, no caso domeio ambiente, a Agenda 21 das mulheres.

Como exemplos concretos de trabalhos so-bre os quais têm influência, são citadas aslutas das quebradeiras de coco babaçu nonorte do país, as experiências de introduçãode multimisturas como complementação ali-mentar na merenda escolar de vários municí-pios, projetos de plantas medicinais levadosadiante por grupos de mulheres e trabalhosde reciclagem de lixo em parcerias com pre-feituras. A RME participa de vários fórunsnacionais e internacionais em defesa da se-gurança alimentar, da reforma agrária, peladefesa da Biodiversidade e outras lutas rela-cionadas com a questão agrária e ambiental.

5 Balanço d as co nt r i b ui çõ e sO ecofeminismo, como uma corrente de

pensamento que procura incorporar a visãodas mulheres às discussões acerca da proble-mática ambiental, pode trazer a este campovárias contribuições inovadoras, à medida quechama a atenção para aspectos que não cos-tumam ser considerados nas políticas de de-senvolvimento, tais como as implicações quedeterminadas atividades econômicas têm so-bre as condições de vida e trabalho das mu-lheres, assim como sobre outros segmentosda população (populações tradicionais, indíge-nas etc). Ao dar importância para o que nãoera “economicamente relevante”, tais comoa cultura local, a qualidade de vida, os valo-res das populações-alvo dessas políticas (quepassam despercebidos nas estatísticas ofici-ais), ajuda a questionar visões de desenvolvi-mento baseadas unicamente em critérios comorenda, produção, produtividade.

A crítica que desenvolve com relação aosmodelos de desenvolvimento e às relações in-ternacionais, sobre as causas estruturais dapobreza e da destruição ambiental, o colocamao lado dos movimentos sociais que hoje con-testam a “ordem mundial” e a atuação de ins-tituições multilaterais tais como o Banco Mun-

senvolver ações liga-das ao saneamentobásico, coleta delixo e educaçãoambiental que po-deriam ser im-pulsionadas pe-las mulheres.

A discussãosobre saúde edireitos repro-

dutivos teve como li-nha a pressão sobre os governos

pela implantação do PAISM (Programa deAtendimento Integral à Saúde da Mulher). AREDEH mantém também trabalhos de capaci-tação para grupos de mulheres (sobre conhe-cimento do corpo, saúde, direitos reprodutivos,sexuais, esterilização, aborto) e realiza progra-mas de rádio (Natureza Mulher, na Rádio Na-cional da Amazônia, entre outros) que abor-dam a condição feminina e a interação entremeio ambiente, trabalho e a saúde das mulhe-res.

A Rede Mulher de Educação (RME) foi fun-dada em 1983, tem sede em São Paulo e seusistema de trabalho é de associação com gru-pos de mulheres que têm atuação local, emvários pontos do país, que se tornam “pontosfocais” da rede. Sua atuação dirige-se princi-palmente para mulheres pobres, trabalhado-ras rurais e movimentos populares, com osquais desenvolve atividades de capacitação,assessoria, pesquisa e comunicação (produ-ção de materiais como cartilhas, vídeos etc).

Seus temas de trabalho quanto à proble-mática agrícola/rural têm sido: impacto dosagrotóxicos sobre o ambiente e sobre a saúdedas mulheres; educação ambiental; produçãoalternativa de alimentos; formação de lideran-ças; geração de renda para mulheres. Comoorientação mais geral, suas integrantes defen-dem a necessidade dos grupos de mulheresinfluenciarem as políticas, buscar parceriaspara poder implementar as Plataformas de Ação

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dial, a OMC e o FMI. Ao mesmo tempo, procu-ra dar uma ênfase ao caráter local das suasações, na realização de experiências alterna-tivas de recuperação ambiental, de seguran-ça alimentar etc. Nesse sentido, comungacom a lógica de vários movimentos sociais quese propõem hoje a “pensar globalmente e agirlocalmente”.

Do ponto de vista do ideário feminista, pode-se afirmar que o ecofeminismo se inscreve comoum movimento de luta pela eqüidade de gêne-ros na sociedade, identificando a necessidadede estímulo à participação das mulheres nasmais diversas as esferas de decisão.

O que parece ser mais problemático – maisdo que a forma como esses movimentos atu-am – é a visão que orienta essa ação, baseadana idéia de que as mulheres seriam depositá-rias de um “princípio feminino” dado por suacondição de mães, que as identificaria com aNatureza, com a fertilidade, com a criação, eportanto, teriam um lugar privilegiado na lutaecológica.

Autoras como Bila Sorj (1992), Sandra MaraGarcia (1992) e outras, já criticaram essa vi-são, tanto do ponto de vista das relações en-tre natureza e cultura, quanto do ponto de vistado essencialismo implícito a essas visões, e decomo isso significa uma visão a-histórica.

Para Bila Sorj, a principal debilidade dessaargumentação está no reforço que faz às ca-racterísticas que foram construídas históri-camente e socialmente como sendo mais ade-quadas ao papel social das mulheres(afetividade, docilidade etc), cujas conseqüên-cias principais foram a dominação e a opres-são no espaço público e privado, a segregaçãoao espaço doméstico etc.

Garcia critica em especial os trabalhos deVandana Shiva por terem uma visão unifor-me das mulheres do Terceiro Mundo (sem dis-tinção de raça, classe, etnia etc), assim como,ao localizarem a imposição de um modelo dedesenvolvimento colonialista sobre esses pa-íses como fonte das violências ambientais e

de gênero, ignoram que esse processo se deusobre bases preexistentes de desigualdadessociais e econômicas, inclusive de gênero.

Para esta autora, “o debate ecofeministaenfatiza o efeito das construções ideológicas nasrelações de gênero e nas formas de ação em re-lação ao meio ambiente. No entanto, precisamosir mais adiante e examinar criticamente as ba-ses materiais que são subjacentes a estas cons-truções, ou seja, analisar o trabalho que a mu-lher e o homem produzem, a divisão sexual dapropriedade e do poder e a realidade materialdas mulheres das diferentes classes, raças ecastas (no caso da Índia), pressupondo que es-sas diferentes inserções sociais devem afetarde forma diferenciada a vida dessas mulheres,possibilitando diversas respostas à degradaçãodo meio ambiente” Garcia, (1992: 165).

Pensando no Brasil de hoje e na tentativados movimentos populares (em especial nocampo) de buscar outros modelos de desen-volvimento, Maria Emília Pacheco (1997) apre-senta uma outra visão sobre as relações degênero e meio ambiente. Para esta autora, autilização do conceito de sistema de produçãopoderia ajudar a dar uma maior visibilidadepara o trabalho das mulheres na agriculturae na conservação ambiental. Partindo do tra-balho que hoje é feito pelas mulheres, dandoimportância para o que hoje é desprezado, sepoderia trazer as mulheres para as lutas soci-ais/ambientais, incorporando as suas preo-cupações e os seus conhecimentos nas pro-postas de mudanças. Porém, fica ainda a ques-tão: esta valorização seria suficiente para pro-vocar uma mudança mais profunda na divi-são sexual do trabalho e na hierarquizaçãoentre os gêneros existente no campo?

Maria Emília defende o resgate do que noNorte do país é chamado de “quintais” – aquela

Poderia-se trazer as mulheres para as

lutas sociais/ambientais, incorporando as

suas preocupações e os seus

conhecimentos nas propostas

de mudanças

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área em torno da casa onde são criados os ani-mais domésticos, é feita uma pequena horta,um pomar, e são realizadas as tarefas de agro-industrialização caseira. São hoje espaço porexcelência da atuação das mulheres. Servemcomo área de produção de uso múltiplo, espaçode complementação de renda e enriquecimen-to da dieta alimentar, e campo de aclimataçãoe experimentação de espécies. Segundo ela, oapoio a estas atividades poderia ser combina-do com as culturas comerciais, em uma pro-posta de agricultura sustentável, tendo comoprincípio a agroecologia. Esta proposta teria acaracterística de evidenciar o valor do traba-lho das mulheres na agricultura familiar hoje,e sua situação dentro da família, em um pers-pectiva de resgate da biodiversidade e de for-mas alternativas de produção.

Talvez como um exercício de inclusão, sejainteressante pensarmos em como incorporarestas questões aos nossos diagnósticos e pla-nos de desenvolvimento comunitários ou mu-nicipais, começando por incorporar as própri-as mulheres nos processos de discussão emque esses diagnósticos e planos são elabora-dos. Se elas não estão presentes ou não semostram interessadas, poderíamos nos per-guntar as razões dessas ausências.

Em artigo anterior, (Siliprandi, 1999), co-mento sobre esses problemas e proponho for-mas de contorná-los: realizar atividades comas mulheres que permitam que elas se vejamefetivamente como trabalhadoras (e não como“ajudantes” dos maridos); promover a sua ca-

CASTRO, Mary G. & ABRAMOVAY, Miriam. Gê-Gê-Gê-Gê-Gê-nero e meio ambientenero e meio ambientenero e meio ambientenero e meio ambientenero e meio ambiente. . . . . São Paulo-Brasília:Cortez-Unesco-Unicef, 1997.

GARCIA, Sandra M. Desfazendo os vínculos na-turais entre gênero e meio ambiente. Estu-Estu-Estu-Estu-Estu-dos Feministasdos Feministasdos Feministasdos Feministasdos Feministas, Rio de Janeiro, v.0, p.163-167, 1992.

KULETZ, Valerie. Entrevista a Barbara Holland-Cunz. Ecología PEcología PEcología PEcología PEcología Políticaolíticaolíticaolíticaolítica, Madrid-Barcelona,

5 Re f e rê nci as Bib l i o gráf i cas

n. 4, p.9-20, set. 1992.MIES, Maria. Os modelos de consumo do Nor-

te – causa da destruição ambiental e da po-breza do Sul. Cadernos da Rede de Defe-Cadernos da Rede de Defe-Cadernos da Rede de Defe-Cadernos da Rede de Defe-Cadernos da Rede de Defe-sa da Espécie Humana (REDEHsa da Espécie Humana (REDEHsa da Espécie Humana (REDEHsa da Espécie Humana (REDEHsa da Espécie Humana (REDEH))))), Salvador,v.1, especial, p.35-44, 1991. (ConferênciaMulher, Procriação e Meio Ambiente – Con-tribuições das participantes)

PACHECO, Maria Emília L. Sistemas de produção:

pacitação em temas que vão além daquelesconsiderados “tipicamente femininos”, quealarguem os seus conhecimentos sobre a co-munidade e a sociedade em que estãoinseridas; introduzir, nos processos de capaci-tação e organização de agricultores(as), a dis-cussão sobre as desigualdades de gênero, parapoder avançar na reflexão sobre formas desuperá-las; criar condições especiais (de ho-rário, local, pauta, transporte, creche etc) paraque as mulheres efetivamente possam parti-cipar das atividades coletivas (cursos, reuni-ões, viagens de intercâmbio), em que os te-mas da agricultura e desenvolvimento são dis-cutidos.

Não é por terem nascido mulheres, no sen-

tido essencialista do termo, que elas têm a con-

tribuir na discussão de propostas. É porque se

tornaram mulheres - e estão inseridas social-

mente em atividades específicas, porque têm

pontos de vista históricamente e socialmente

construídos, que podem oferecer visões sobre

o desenvolvimento social que o pensamento e

a prática masculinas não são capazes de abar-

car. É preciso que se assuma que a invisibili-

dade do trabalho das mulheres na agricultura

é um dos entraves para que as propostas alter-

nativas de desenvolvimento sejam efetiva-

mente coerentes, amplas e eqüitativas. A par-

tir da incorporação dessas questões, com cer-

teza, irão aparecendo novos desafios, e progres-

sivamente se avançará no sentido de um ver-

dadeiro empowerment das mulheres rurais.

A r t i go

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71Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n1, jan./mar.2000

5 Re f e rê nci as Bib l i o gráf i cas

uma perspectiva de gênero. PropostaPropostaPropostaPropostaProposta, Rio deJaneiro, v.25, n. 71, p.30-38, dez./ fev. 1997.

REDE MULHER DE EDUCAÇÃO (RME). Alimentan-do a vida. Cunhary InformaCunhary InformaCunhary InformaCunhary InformaCunhary Informa, São Paulo, v.5, n.

25, p.5-8, set./ out. 1997.SHIVA, Vandana. Abrazar la vidaAbrazar la vidaAbrazar la vidaAbrazar la vidaAbrazar la vida::::: mujer, ecología

y supervivencia (trad. Ana E. Guyer e BeatrizSosa Martinez). Montevideo: Instituto del TercerMundo, 1991

SHIVA, Vandana. Monocultivos y biotecnologíaMonocultivos y biotecnologíaMonocultivos y biotecnologíaMonocultivos y biotecnologíaMonocultivos y biotecnología(amenazas a la biodiversidad y la(amenazas a la biodiversidad y la(amenazas a la biodiversidad y la(amenazas a la biodiversidad y la(amenazas a la biodiversidad y lasupervivencia del planeta)supervivencia del planeta)supervivencia del planeta)supervivencia del planeta)supervivencia del planeta) (trad. Ana E.Guyer). Montevideo: Instituto del Tercer Mun-do, 1993.

SILIPRANDI, Emma. Para pensar políticas de for-mação para mulheres rurais. In: BRACAGIOLI

NETO, A. (org.) Sustentabilidade e Cidada-Sustentabilidade e Cidada-Sustentabilidade e Cidada-Sustentabilidade e Cidada-Sustentabilidade e Cidada-nianianianiania: : : : : o papel da extensão rural. Porto Alegre:EMATER/ RS, 1999. p.175-187 (Série Programade Formação Técnico-social da EMATER/ RS).

SORJ, Bila. O feminino como metáfora da natu-reza. . . . . Estudos FeministasEstudos FeministasEstudos FeministasEstudos FeministasEstudos Feministas, Rio de Janeiro, v.0,p.143-150, 1992.

WOMEN’S ENVIRONMENT AND DEVELOPMENTORGANIZATION (WEDO). New world foodpolicies could displace rural women farmers.News and ViewsNews and ViewsNews and ViewsNews and ViewsNews and Views, New Y, New Y, New Y, New Y, New York, vork, vork, vork, vork, v.9, n.9, n.9, n.9, n.9, n..... 3/ 4, p. 3/ 4, p. 3/ 4, p. 3/ 4, p. 3/ 4, p.6, nov6, nov6, nov6, nov6, nov./ dez. 1996../ dez. 1996../ dez. 1996../ dez. 1996../ dez. 1996.

WOMEN’S ENVIRONMENT AND DEVELOPMENTORGANIZATION (WEDO). About WEDO...Disponivel na Internet: http:/ / www.wedo.org,24/ 11/ 98.

No t as2 Barbara Holland-Cunz, professora da Univer-

sidade de Frankfurt, em entrevista a KULETZ (1992).3 Várias autoras publicaram livros e artigos sobre

estas questões neste período, tais como, Françoised’Eaubonne (França, 1974), Sherry Ortner (EstadosUnidos, 1974), Gabriele Kuby (Alemanha, 1975),Susan Griffin e Mary Daly (Estados Unidos, 1978).Posteriormente, outras como Carolyne Merchant (Es-tados Unidos), Maria Mies (Alemanha) também re-tomaram o tema da identificação da mulher com aNatureza devido à sua condição de reprodutora davida, dentro do ideário do “ feminismo da diferen-ça”.

4 Doutora em Física e Filosofia, é diretora daFundação Dehra Dun de Pesquisa sobre Políticasde Ciências, Tecnologia e Recursos Naturais na Ín-dia, e membro da Rede Terceiro Mundo (Third WorldNetwork).

5 Ver a respeito Castro & Abramovay (1997).6 Embora este termo pudesse ser traduzido por

“ fortalecimento”, é mais comum aparecer na formade “empoderamento” das mulheres; como ações quevisam dar às mulheres mais poder de decisão, maisacesso às instâncias reais de poder na sociedade.

7 A WEDO realizou acompanhamento de todas

essas conferências: Meio Ambiente (Rio de Janeiro,1992), Direitos Humanos (Viena, 1993), População(Cairo, 1994), Pobreza e Desenvolvimento Social(Copenhague, 1995), , Mulheres (Pequim, 1995),Assentamentos Humanos (Istambul, 1996) e Ali-mentação (Roma, 1996).

8 O chamado Apelo de Leipzig foi redigido eapresentado por Vandana Shiva e Maria Mies noDia Mundial das Mulheres sobre a Alimentação. Otexto completo pode ser obtido no site da WEDO.Há uma tradução resumida no Boletim Cunhary no25 (RME, 1997).

9 A FAO é a Organização das Nações Unidaspara Agricultura e Alimentação, responsável pelarealização da Cúpula.

10 Os Programas são: Women Take on WorldTrade Organization e Women’s Eyes on the WorldBank. O primeiro poderia ser traduzido como “mu-lheres tomam conta da OMC”; quanto ao segun-do, existe uma articulação no Brasil formada porrepresentantes de ONGs e movimentos sociais quetêm assumido o nome de “Mulheres de Olho noBanco Mundial” . Essa articulação, embora com pro-pósitos semelhantes, não é uma representação di-reta do programa mantido pela WEDO.

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Atuar para pro-mover um desen-volvimento mais

sustentável tem sido um de-safio assumido por um número crescentede instituições, no Brasil e no mundo. Mui-tas concordam sobre a necessidade de in-corporar a participação da população lo-cal como questão absolutamente central desua atuação, inclusive como meio de supe-rar os problemas criados pelos enfoquesmuito “dirigistas” que dominaram este pa-norama durante anos.

Ciente desta problemática, a AS-PTA teminvestido muitos esforços no sentido de con-ceber e divulgar instrumentos metodológi-cos que possam reforçar e dar um sentidoreal e concreto à participação cidadã nasdiversas iniciativas quanto ao desenvolvi-mento sustentável.

Este livro inclui a perspectiva do monito-ramento participativo de mudanças “espon-tâneas” do meio ambiente propriamentedito e também trata do enfoque centradono moni toramento das mudançasacontecidas no contexto da ação para apromoção de um desenvolvimento mais sus-tentável. Em todos os casos ele dá desta-que para os mecanismos que podem serimplementados para estimular e facilitar aparticipação da população envolvida. Dis-cute os problemas e os dilemas que têmaparecido para aqueles que estão pratican-do este tipo de monitoramento.

ABBOT, J.; GUIJT, I.Novas visões so-Novas visões so-Novas visões so-Novas visões so-Novas visões so-bre mudança am-bre mudança am-bre mudança am-bre mudança am-bre mudança am-biental:biental:biental:biental:biental: abordagensparticipativasdemonito-ramento.RiodeJanei-ro: AS-PTA, 1999.96p.

FUNDACION 1o.DEMAIO. Departamento Confederal deMedio Ambiente deCC.O O. Argu-Argu-Argu-Argu-Argu-mentos recombi-mentos recombi-mentos recombi-mentos recombi-mentos recombi-nantes:nantes:nantes:nantes:nantes: sobre cul-tivos y alimentost r a n sg én i co s.Madrid: CC.OO,1999. 158p.

Los organismos transgénicos ya estánpasando de los laboratorios a nuestros cam-pos, industrias y cocinas; pero no se ha reali-zado previamente una adecuada evaluación delos riesgos sanitarios, ambientales y sociales.Por eso, en todo el mundo, una multitud deorganizaciones agrarias, de consumidores, eco-logistas, vecinales y sindicales demanda des-de hace años una política de mayor prudenciaen la liberación de organismos transgénicos almedio ambiente y en la comercialización de susproductos.

El debate social sobre todo ello no ha hechomás que empezar. Las implicaciones éticas,ecológicas, económicas y sociales soninmensas. Por primera vez en la historia de lahumanidad, científicos y tecnólogos tienen lacapacidad técnica para “redisenãr la vida” me-diante intervenciones deliberadas; pero es muyprobable que las consecuencias negativas amedio y largo plazo sean más importantes quelos beneficios esperables a corto plazo. Ése esel terreno donde se juega ahora nuestraresponsabi l idad, tanto individual comocolectiva. Los Argumentos recombinantes queaquí presentamos —prologado por AndrésMoya—querrían servir para aclarar conceptos,contextualizar problemas, ubicar debates y ani-mar a pensar con la propia cabeza.

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PRIMAVESI, Ana. Manejo ecológico Manejo ecológico Manejo ecológico Manejo ecológico Manejo ecológico de pastagens de pastagens de pastagens de pastagens de pastagens: em regiões tropicais e subtropicais. 2.ed. São Paulo: Nobel, 1994.

Este livro trata doconjunto solo, vegeta-ção e gado, tendo emvista conservar ou re-cuperar o equilíbrio do

ecossistema de uma região. Analisa as condi-ções pastoris do semi-árido nordestino, Cerra-do, Amazônia, Sudeste e Sul, estudando as defi-ciências minerais dos solos, adubação, pastagensnativas e plantadas, ensilagem, fenação, pestese pragas etc, e os diversos métodos de manejode pastagens. Constituindo uma importante con-tribuição ao pecuarista e ao técnico em pasta-gens, este livro fornece a base para uma pecuá-ria mais econômica, sadia e lucrativa.

MARZALL, Kátia. Indicadores de sustentabili-Indicadores de sustentabili-Indicadores de sustentabili-Indicadores de sustentabili-Indicadores de sustentabili-dade para agroecossistemasdade para agroecossistemasdade para agroecossistemasdade para agroecossistemasdade para agroecossistemas. Porto Alegre,1999. 212p. (Dissertação de Mestrado emFitotécnica) Faculdade de Agronomia, Pro-grama de Pós-Graduação em Fitotécnica,UFRGS, Porto Alegre, 1999.

Nesta dissertação a autora diz que “o conceitode sustentabilidade, ainda que não consensualquanto ao seu exato significado, surge como umnovo entendimento balizador do desenvolvimen-to e, para nortear os rumos deste, são necessáriosindicadores que permitam caracterizar, avaliar eacompanhar um dado sistema”. Conclui que odesenvolvimento de indicadores de sustentabilida-de ainda está em seu início e que se deve determi-nar quais os aspectos são efetivamente relevan-tes para a avaliação e monitoramento da susten-tabilidade. Apresenta as iniciativas internacionaispara definir indicadores, bem como as iniciativasfeitas no Brasil.

MARTINEZ ALIER, J. De laDe laDe laDe laDe laeconomia ecologica aleconomia ecologica aleconomia ecologica aleconomia ecologica aleconomia ecologica alecologismo popularecologismo popularecologismo popularecologismo popularecologismo popular.Barcelona: Icaria, 1992.362p.

El nacimiento del eco-logismo ha sido amenudo interpretadocomo una consecuen-cia de la prosperidad enlos países r icos, como unfenómeno social “postmaterialista”. Parece comosi los pobres fueran demasiado pobres como parapreocuparse del ambiente. Sin embargo, este librosostiene la tesis de un ecologismo de los pobres,fácil de descubrie en los recientes movimientosde la India, de Brasil, de México, pero tambíenidentificable en la historia europea y de otros con-tinentes.

Este l ibro aponta además una cr i t icademoledora contra la economía ambientalneoclásica. Por ejemplo ?cómo conservar labiodiversidad? ?Estableciendo títulos jurídicospara comerciar en un nuevo mercado de recur-sos energéticos? Este libro explica como losmovimientos ecologistas a menudo surgen comoconsecuencia de “externalidades” que los mer-cados no saben valorar, y otras veces surgen endefesa del acceso comunitario a los recursos yservicios de la naturaleza, armenazados por laexpansión del mercado . Este libro contieneasimismo una aportación original al urbanismoecológico (con especial referencia a Barcelona), yuna introducción a la nueva historia ecológica (conespecial referencia a los Andes). Se trata puesde un libro de actualidad para la politica ecolo-gista, y al mismo tiempo, de permanente valorpara economistas, poli tólogos, sociólogos,agrónomos, historiadores, urbanistas y ecólogosconscientes de su necesidad de ponerse al dia encuestiones de ecologia social y politica y de eco-nomia ecológica.

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1. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável éuma publicação da EMATER/RS, destinada à divulgaçãode trabalhos de agricultores, extensionistas, professores,pesquisadores e outros profissionais dedicados aos temascentrais de interesse da Revista.

2. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável éum periódico de publicação trimestral que tem comopúblico referencial todas aquelas pessoas que estãoempenhadas na construção da Agricultura e doDesenvolvimento Rural Sustentáveis.

3. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentávelpublica artigos científicos, resultados de pesquisa, estudosde caso, resenhas de teses e livros, assim como experiênciase relatos de trabalhos orientados pelos princípios daAgroecologia. Além disso, aceita artigos com enfoquesteóricos e/ou práticos nos campos do DesenvolvimentoRural Sustentável e da Agricultura Sustentável, estaentendida como toda a forma ou estilo de agricultura debase ecológica, independentemente da orientação teóricasobre a qual se assenta. Como não poderia deixar de ser,a Revista dedica especial interesse à Agricultura Familiar,que constitui o público exclusivo da Extensão Rural gaúcha.Neste sentido, são aceitos para publicação artigos e textosque tratem teoricamente este tema e/ou abordemestratégias e práticas que promovam o fortalecimento daAgricultura Familiar.

4. Os artigos e textos devem ser enviados em papel e emdisquete à Biblioteca da EMATER/RS (A/C MariléaFabião Borralho, Rua Botafogo, 1051 – Bairro MeninoDeus – CEP 90150-053 – Porto Alegre – RS) ou porcorreio eletrônico (para [email protected]) até oúltimo dia dos meses de março, junho, setembro e dezembrode cada ano. Ademais, devem ser acompanhados de cartaautorizando sua publicação na Revista Agroecologia eDesenvolvimento Rural Sustentável, devendo constar oendereço completo do autor.

5. Serão aceitos para publicação textos escritos em Portuguêsou Espanhol, assim como tradução de textos para estesidiomas. Salienta-se que, no caso das traduções, deve sermencionado de forma explícita, em pé de página, “Traduçãoautorizada e revisada pelo autor” ou “Tradução autorizadae não revisada pelo autor”, conforme for o caso.

6. Terão prioridade na ordem de publicação os textosinéditos, ainda não publicados, assim como aqueles que

estejam centrados em temas da atualidade econtemporâneos ao debate e ao “estado da arte” docampo de estudo a que se refere. Assim mesmo, terãoprioridade os textos encomendados pela Revista.

7. Serão enviados 5 (cinco) exemplares do número da Revistapara todos os autores que tiverem seus artigos ou textospublicados. Em qualquer caso, os textos não aceitos parapublicação não serão devolvidos aos seus autores.

8. As contribuições devem ter no máximo 10 (dez) laudas(usando editor de textos Word) em formato A-4, devendoser utilizada letra Times New Roman, tamanho 12 e espaço1,5 entre linhas (dois espaços entre parágrafos). Poderãoser utilizadas notas de pé de página ou notas ao final,devidamente numeradas, devendo ser escritas em letra TimesNew Roman, tamanho 10 e espaço simples. Quando foro caso, fotos, mapas, gráficos e figuras devem ser enviados,obrigatoriamente, em formato digital e preparados emsoftwares compatíveis com a plataforma windows, depreferência em formato JPG ou GIF.

9. Os artigos devem seguir as normas da ABNT (NBR6022). Recomenda-se que sejam inseridas no corpo dotexto todas as citações bibliográficas, destacando, entreparênteses, o sobrenome do autor, ano de publicação e,se for o caso, o número da página citada ou letrasminúsculas quando houver mais de uma citação do mesmoautor e ano. Exemplos: Como já mencionou Silva (1999,p.42); como já mencionou Souza (1999 a,b); ou, nofinal da citação, usando (Silva, 1999, p.42).

10. As referências bibliográficas devem ser reunidas no fimdo texto, na Bibliografia, seguindo as normas da ABNT(NBR 6023).

11. Sobre a estrutura dos artigos técnico-científicos:a) Título do artigo: em negrito e centradob) Nome(s) do(s) autor(es): iniciando pelo(s)

sobrenome(s), acompanhado(s) de nota de rodapéonde conste: profissão, titulação, atividadeprofissional, local de trabalho, endereço e E-mail.

c) Resumo: no máximo em 10 linhas.d) Corpo do trabalho: deve contemplar, no mínimo,

4 (quatro) tópicos, a saber: introdução,desenvolvimento, conclusões e bibliografia. Poderãoainda constar listas de quadros, tabelas e figuras,relação de abreviaturas e outros itens julgadosimportantes para o melhor entendimento do texto.

NNNNNORMAS PARA PPPPPUBLICAÇÃO