revista eletrônica de educação 2011 jan/jun
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REVISTA ELETRÔNICA DE EDUCAÇÃO Ano IV - nº 08 - Janeiro a Junho de 2011
ISSN 1981-9161
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Editorial da Revista de Educação – UniFil Número 08
É com satisfação que trazemos a público o número 08 da Revista Eletrônica de Educação da UniFil. Esta edição abrange temas variados. Os artigos abordam assuntos como: pedagogia hospitalar em Londrina - Pr.; a importância do ensino da arte para a formação humana; uma análise sobre o documento da UNESCO “Os serviços para a criança de zero a seis anos no Brasil”; o papel desempenhado pelo ensino de Sociologia para a formação de novos agentes sociais e políticos; as mudanças dos significados atribuídos à infância no Brasil; e uma análise sobre os conteúdos relacionados ao ciclo e fixação biológica do nitrogênio presentes nos livros didáticos utilizados no ensino médio. Este número é o resultado de pesquisas e reflexões realizadas por docentes, pesquisadores e pós-graduandos da área de Educação e de áreas afins, de diversas instituições de ensino superior do Estado do Paraná.
Desejamos uma boa leitura e aguardamos sua colaboração para as próximas edições.
Prof. Marcelo Caetano de Cernev Rosa Editor da Revista Eletrônica de Educação da UniFil
R349
Revista Eletrônica de Educação, v.1, n.1, ago.;dez. 2007.– Londrina: UniFil, 2007. Semestral Revista da UniFil – Centro Universitário Filadélfia. ISSN 1981-9161 1. Educação superior – Periódicos. I. UniFil – Centro Universitário Filadélfia
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Resultados e Discussão - apresentação dos resultados de maneira clara e concisa, seguidos de interpretação dos resultados e da análise de suas implicações e limitações.
Nos casos de Revisão Bibliográfica, Análises Críticas, Atualizações e Resenhas, recomenda-se que os autores observem às tradicionais etapas:
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Fica cedido os direitos autorais quando do envio do artigo para publicação.
Sumário
• PEDAGOGIA HOSPITALAR EM LONDRINA (Hospital Pedagogy in Londrina) Miriam Maria Bernardi Miguel
• ESTÉTICA MARXISTA: a humanização por meio da arte (Marxist Aesthetics: Humaniation By Means of Art) Maria José Máximo; Neide de Almeida Lança Galvão Fávaro
• ESTUDO E DIAGNÓSTICO DA UNESCO: serviços e atendimento para criança de 0 a 6 anos no BRASIL (Study and Diagnosis of UNESCO: Services and Attention For Early Childhood from 0 to 6 Years Old in Brazil) Suzana Pinguello Morgado; Ângela Mara de Barros Lara
• O ENSINO DE SOCIOLOGIA A SERVIÇO DA FORMAÇÃO DOS AGENTES SOCIAIS E POLÍTICOS (The Teaching of Sociology in the Training of Social and political Agents) Luana da Silva Garcia
• EVOLUÇÃO DA INFÂNCIA NO BRASIL: do anonimato ao consumismo (Evolution of Childhood in Brazil: From Anonymity to Consumerism) Michelle Torres Lage; Marco André Cernev Rosa
• ANÁLISE DE CONTEÚDOS RELACIONADOS AO CICLO E FIXAÇÃO BIOLÓGICA DO NITROGÊNIO EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO (Análysis of Related Content to the Cycle and Biological Nitrogen Fixation in Science Textbooks of High Scholl) Higo Forlan Amaral; Poliana Thaíssa Soares
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BERNARDI MIGUEL, Miriam Maria
PEDAGOGIA HOSPITALAR EM LONDRINA
Miriam Maria Bernardi Miguel1
RESUMO: Esse artigo tem como objetivo apresentar os resultados da pesquisa realizada sobre Pedagogia Hospitalar em Londrina, que trata de uma modalidade do campo da pedagogia e estuda uma das diferentes possibilidades de educação em ambientes não formais. A prática pedagógica desenvolvida no hospital deve valorizar o escolar doente, inspirando-lhe segurança, afastando o medo e a tristeza, ocupando-lhe o tempo com atividades prazerosas contribuindo com a sua recuperação, quando por motivo de saúde a criança ou adolescente estiver hospitalizado e consequentemente ausente da sala de aula. O atendimento no contexto hospitalar é direito constitucional garantido, obedecendo ao princípio do direito à educação para todos. A pesquisa foi realizada em cinco hospitais, de médio e grande porte, da cidade de Londrina, onde se encontra a maior demanda de atendimentos hospitalares, e desvela como efetivamente se encontra estruturado o atendimento ao menor escolar hospitalizado nessa cidade. Foram entrevistadas as assistentes sociais destes hospitais e a coordenadora de Educação Especial do Núcleo de Ensino da Cidade de Londrina. Foi realizada uma entrevista semi estruturada, cujas informações foram registradas em diário de campo, posteriormente analisadas e apresentadas de forma descritiva. O estudo mostrou que dos cinco hospitais pesquisados somente um apresenta o atendimento pedagógico, que aponta para uma realidade de descaso com o escolar hospitalizado, sendo que o número de atendimentos feitos unicamente por um hospital não abarca nem ao menos parte considerável dessa população.
Palavras-chave: Direito a Educação, Pedagogia Hospitalar, Atendimento Pedagógico Hospitalar.
HOSPITAL PEDAGOGY IN LONDRINA
ABSTRACT: This article has the objective to present the results of the research about Hospital Pedagogy in Londrina, which is a modality in the field of pedagogy and studies one of the different possibilities of education in non formal environment. The pedagogical practice developed in the hospital must valorize the sick student, inspiring security, putting away the fear and the sadness, taking up the time with pleasant activities which contributes to the recovery, when the child or adolescent is hospitalized and absent from school for medical reasons. The pedagogical service in the hospital complex is a guaranteed constitutional right, according to the principle of education for all. The research was conducted in five hospitals, median and large sizes, in the city of Londrina, where there is the greater demand for hospital treatment, and reveals how the educational services for sick and hospitalized children are structured in this city. The social assistants of these hospitals and the coordinator of Special Education of the
1 Pedagoga, Mestre em Educação pela UEM, Docente da Pós-Graduação do Centro Universitário Filadélfia - UniFil e Coordenadora do Núcleo de Apoio Pedagógico da UniFil.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
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teaching core of Londrina were interviewed. It was performed a semi-structured interview, and the information was registered in a field diary, and afterwards it was analyzed and presented descriptively. The study revealed that from the five hospitals surveyed only one presents the pedagogical service, pointing to a reality of neglects with the hospitalized student, because the number of children served by only one hospital covers not even a considerable part of this population.
Keywords: Right to Education, Hospital Pedagogy, Pedagogical Service in Hospitals.
1. INTRODUÇÃO
Pedagogia deriva do nome dado aos escravos “paidagōgós” na antiguidade
grega, eram quem conduziam as crianças dos nobres até as escolas, os quais
posteriormente passaram a ministrar aulas, portanto pedagogia relaciona-se com a
condução ao saber, ao conhecimento. Pedagogia Hospitalar é uma das especificidades
da pedagogia na contemporaneidade, que visa atender o Direito Constitucional de
Educação, quando a criança por motivo de saúde estiver hospitalizada e
consequentemente ausente da sala de aula.
(...) a pedagogia é uma reflexão teórica a partir e sobre as práticas educativas, ela investiga os objetivos sociopolíticos e os meios organizativos e metodológicos de viabilizar os processos formativos em contextos socioculturais específicos. Todo educador sabe, hoje, que as práticas educativas ocorrem em muitos lugares, em muitas instâncias formais, não-formais e informais (...) (PIMENTA, 2002, p.29).
O objeto de estudo da pedagogia é a educação enquanto prática social, a
educação é o processo por que passa o Ser para tornar-se humano, é a condição para a
humanização. Em cada época da humanidade surgem necessidades distintas que
impulsionam as transformações sociais.
A pedagogia enquanto ciência que estuda a educação historicamente situada
percebe as modificações sociais e propõe novos caminhos para as práticas educativas
condizentes com os anseios da sociedade. O objeto deste estudo “A Pedagogia
Hospitalar” situa-se entre as diferentes práticas educativas, requisitadas pelas novas
necessidades sociais.
A contemporaneidade apresenta significativas mudanças em todos os âmbitos
sociais, e mais especificamente na área da saúde. Historicamente vem-se percebendo
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que a visão essencialmente biológica, restringe a visão de outros aportes que compõem
a totalidade do processo saúde doença
Os atendimentos hospitalares nos moldes tradicionais contribuíram para formar
uma cultura sobre sua realidade impessoal e fria. Vislumbrar outros rumos é de extrema
urgência.
2. A ESPECIFICIDADE DA PEDAGOGIA HOSPITALAR
As novas necessidades impõem mudanças nos hospitais e impulsionam novas
práticas. Surge a pedagogia hospitalar visando atender o direito legítimo a educação da
criança hospitalizada e propondo novas práticas pedagógicas. Importa considerar que
são direitos garantidos constitucionalmente às crianças, os direitos à saúde e à
educação.
(...) Inovar, abrir novos caminhos nunca foi tarefa das mais fáceis. A grande dificuldade daquele que ousa buscar o novo não está nos percalços do devir, mas no forte enraizamento das resistências do vigente que, de repente, vê seus valores se esvaecerem diante de outros mais abrangentes (...) (MATOS, 2006, p. 23)
A proposta de novas práticas pedagógicas hospitalares deve transpor as
barreiras do cotidiano escolar e buscar o encontro de novos modelos específicos ao
ambiente hospitalar, projetos criativos, competentes, adaptados às condições impostas
pela doença.
A hospitalização da criança a obriga a faltar à escola, às vezes por longo período,
repercutindo negativamente não só no seu processo de ensino aprendizagem, mas
também no seu desenvolvimento social. O fato de estar privada do convívio com os
familiares, os amigos, estar fraca, com dores, pode agravar o quadro da doença.
A prática pedagógica desenvolvida no hospital valoriza o escolar doente,
inspirando-lhe segurança, afasta o medo e a tristeza, ocupa-lhe o tempo com atividades
prazerosas, contribuindo para com a sua recuperação.
Há que se considerar as diferenças entre as noções de espaços e tempos de
aprendizagem para educandos hospitalizados, pois são diferentes da escola comum e
atendem em primeira instância as condições impostas pela busca da saúde. A criança
doente quando busca atendimento hospitalar, vem envolta em várias situações que
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podem agravar sua doença, é necessário que se atente para suas características
biopsicossociais.
A relevância do trabalho pedagógico realizado no ambiente hospitalar deriva
essencialmente da ligação que faz entre a criança e o mundo exterior, ao qual a criança
está impossibilitada de frequentar, tornando-se fonte de estímulo e alegria, contribuindo
com a cura. A possibilidade de dar continuidade aos estudos contribui muito para o
alívio do estresse e possíveis irritabilidades.
(...) Com a internação a criança passa de um momento para o outro a viver em um ambiente desconhecido, ameaçador, com sons e odores estranhos, com pessoas que passam apressadamente, em atitudes demasiadamente impessoais, gerando insegurança. Há o medo da perda do contato carinhoso, afetivo, com as pessoas a quem ela tem e de quem recebe amor (...) (MATOS, 2009, p.120).
É relevante desmistificar que a escola é o único ambiente de aprendizado. O
hospital também pode ser, bem como de importância da ludicidade devido ao fato de
que o lúdico proporciona os sentimentos de liberdade e felicidade tão necessários nesse
momento.
(...) A atividade lúdica é decisiva no desenvolvimento da criança porque a liberta de situações difíceis. No brincar, as coisas e as ações não são o que aparentam ser; e, em situações imaginárias, a criança começa a agir independentemente do que ela vê e a ser orientada pelo significado da situação (...) (FRIEDMAN, 2006, p.33).
A possibilidade do atendimento pedagógico hospitalar visa à conservação das
aprendizagens escolares e à reintegração do educando na sua escola. Ao Pedagogo
Hospitalar cabe perceber o potencial de cada educando oculto atrás do desânimo pela
fragilidade que se encontra, devido às limitações que a doença acarreta e o
distanciamento dos seus familiares.
(...) O evento hospitalização traz consigo a percepção da fragilidade, o desconforto da dor e a insegurança da possível finitude. É um processo de desestruturação do ser humano que se vê em estado de permanente ameaça (...) (ORTIZ; FREITAS 2005, p.27)
A internação hospitalar desenvolve sentimentos conturbados na criança, o
ambiente hospitalar leva a lembranças anteriores vividas por si mesmo ou por outros
membros de sua família que já estiveram hospitalizados, na sua grande maioria
experiências desagradáveis.
(...) a atmosfera hospitalar aprisiona o seu físico e sua mente, não permitindo o seu livre movimento e seu ingresso escolar, sufoca-o no ócio, cria laços de
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dependência, invade sua privacidade e perde o direito decisório de pertencimento de seu corpo e suas vontades (...) (ORTIZ; FREITAS, 2005, p.33)
O educando interno, diante dessa situação precisa sentir-se seguro. É
imprescindível que se esclareça a ele, quais serão os procedimentos adotados, para
assim evitar sofrimentos antecipados desnecessários. No entanto deve se procurar
evitar que a criança visualize diretamente procedimentos como curativo ou injeção.
No hospital um recurso que deve ser utilizado é a Brinquedoteca que tem a
função de proporcionar a experiência lúdica diminuindo a angústia, auxiliando na
recuperação da autoestima e consequentemente da saúde.
(...) Através dos brinquedos, dos jogos e atividades lúdicas os participantes da brinquedoteca, vivenciam a internação e se permitem experimentar novas situações, buscando assim mecanismos para enfrentar os seus medos e angústias. Na brinquedoteca, as crianças têm a referência do seu espaço para a recreação, lazer e o lúdico. É o lugar onde a diferença não faz diferença. São idades, histórias de vida, educação, formação familiar e personalidades diferentes, mas todos se entendem, pois o objetivo é comum – transformar pequenas intervenções em momentos de magia sedativa, esquecendo por instantes as restrições e limitações ao redor e vivendo o seu faz de conta através de jogos, leituras, colagens, montagens, ouvir o contador de histórias e outros (...) (MATOS, 2009, p.142).
Em 21 de Março de 2005, foi sancionada a Lei nº 11.104, tornando obrigatório
uma Brinquedoteca no contexto hospitalar, visando contribuir para abrandar a angústia
de um tratamento hospitalar. Porém muitos hospitais ainda não cumprem essa lei.
Contudo, mesmo garantido legalmente, o contexto hospitalar apresenta-se resistente às
adaptações que se fazem necessárias para que seja reconhecido e conquistado o
direito dos educandos hospitalizados.
Desenvolver estratégias para a superação das dificuldades será uma das tarefas
do Pedagogo Hospitalar, uma aproximação maior com o educando e também com seus
familiares poderá abrandar o sentimento de medo, angústia, sensações de abandono,
tristeza, agressividade, agitação, o silêncio, o desânimo. A individualidade de cada
criança deve ser levada em conta.
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3. LEGISLAÇÃO
A garantia da universalização da educação carrega em seu bojo o atendimento
educacional hospitalar aos educandos internos.
As legislações vigentes legitimam o direito à educação a todos os brasileiros; são
elas:
• Constituição da República Federativa do Brasil, 1988;
• Decreto Lei n.1044/69;
• Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
• Resolução n. 41/95 (Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizado);
• Lei n. 9.394/96 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional);
• Resolução n.02/01 – CNE/CEB (Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica);
• Documento intitulado Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar:
estratégias e orientações, MEC/SEESP, 2002;
• Deliberação n.02/03 CEE/SEE Normas para Educação Especial, Educação
Básica para alunos com necessidades especiais: Estado do Paraná;
• Lei nº 11.104/05 Dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas
nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de
internação.
Destaca-se a Resolução nº 41 de 1995 do Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e dos Adolescentes, que trata dos Direitos da Criança e do Adolescente
Hospitalizados.
3.1. Resolução nº 41 de 1995
Na íntegra o texto oriundo da Sociedade Brasileira de Pediatria, relativo aos
Direitos da Criança e do Adolescente hospitalizados:.
1. Direito à proteção à vida e à saúde, com absoluta prioridade e sem qualquer forma de discriminação.
2. Direito a ser hospitalizado quando for necessário ao seu tratamento, sem distinção de classe social, condição econômica, raça ou crença religiosa.
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3. Direito a não ser ou permanecer hospitalizado desnecessariamente por qualquer razão alheia ao melhor tratamento de sua enfermidade.
4. Direito a ser acompanhado por sua mãe, pai ou responsável, durante todo o período de sua hospitalização, bem como receber visitas.
5. Direito a não ser separado de sua mãe ao nascer.
6. Direito a receber aleitamento materno sem restrições.
7. Direito a não sentir dor, quando existam meios para evitá-la.
8. Direito a ter conhecimento adequado de sua enfermidade, dos cuidados terapêuticos e diagnósticos a serem utilizados, do prognóstico, respeitando sua fase cognitiva, além de receber amparo psicológico, quando se fizer necessário.
9. Direito a desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do curriculum escolar, durante sua permanência hospitalar.
10. Direito a que seus pais ou responsáveis participem ativamente do seu diagnóstico, tratamento e prognóstico, recebendo informações sobre os procedimentos a que será submetido.
11. Direito a receber apoio espiritual e religioso conforme prática de sua família.
12. Direito a não ser objeto de ensaio clínico, provas diagnósticas e terapêuticas, sem o consentimento informado de seus pais ou responsáveis e o seu próprio, quando tiver discernimento para tal.
13. Direito a receber todos os recursos terapêuticos disponíveis para a sua cura, reabilitação e ou prevenção secundária e terciária.
14. Direito à proteção contra qualquer forma de discriminação, negligência ou maus tratos.
15. Direito ao respeito à sua integridade física, psíquica e moral.
16. Direito à preservação de sua imagem, identidade, autonomia de valores, dos espaços e objetos pessoais.
17. Direito a não ser utilizado pelos meios de comunicação, sem a expressa vontade de seus pais ou responsáveis, ou a sua própria vontade, resguardando-se a ética.
18. Direito a confidência dos seus dados clínicos, bem como direito a tomar conhecimento dos mesmos, arquivados na Instituição, pelo prazo estipulado em lei.
19. Direito a ter seus direitos constitucionais e os contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, respeitados pelos hospitais integralmente.
20. Direito a ter uma morte digna, junto com seus familiares, quando esgotados todos os recursos terapêuticos disponíveis. (BRASIL, 1995, grifo da autora)
4. METODOLOGIA
Este estudo se caracteriza como uma pesquisa transversal, que segundo
Rouquayrol e Almeida Filho (2003) é aquele que produz um instantâneo da situação de
um grupo ou comunidade com base na avaliação local, produzindo indicadores globais
para o grupo investigado.
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Foram pesquisados cinco hospitais (A, B, C, D, E ), sendo 3 hospitais terciários,
(A, B, C) de grande porte e 2 hospitais especializados, (D, E) de médio porte, todos na
cidade de Londrina, PR.
Foram realizadas, pela própria pesquisadora, entrevistas com as assistentes
sociais de cada hospital e também com a coordenadora de Educação Especial do
Núcleo de Educação de Londrina, por meio de visita pré-agendada.
As entrevistas foram semi estruturadas e as informações obtidas foram
registradas em um diário de campo, analisadas e apresentadas de forma descritiva.
5. RELATOS DOS DADOS COLETADOS NAS VISITAS AOS HOSPITAIS
A escolha dos hospitais de Londrina, A, B, C, D. e E aconteceu devido ao fato de
serem hospitais de grande e médio porte e atenderem crianças advindas de convênios
com o SUS, e particulares de Londrina e região.
A Assistente Social do hospital A relatou que em 2006 a instituição abriu um
edital para inscrição de professores da rede pública do Paraná interessados nesse
trabalho, tendo sido selecionada ela passou a frequentar cursos de capacitação em
Curitiba e está exercendo a função desde junho de 2007.
Ela informou que o atendimento às crianças é feito a partir da sua primeira visita
ao leito, assim que recebe a lista dos internados e busca saber se irão permanecer um
tempo considerável no hospital. Então, faz contato com a escola e a família pedindo que
encaminhem os conteúdos programados e distribui aos professores que atendem às
crianças.
Vale observar que não é a pedagoga quem ministra as aulas e sim professores
da rede pública de ensino que são deslocados de suas escolas de origem para os
atendimentos no hospital. No momento da entrevista o hospital contava com três
professores atendendo todos os conteúdos escolares.
Ela informou também que a brinquedoteca do hospital conta com outra
profissional para sua organização e utilização.
A Assistente Social do hospital B relatou não haver atendimento pedagógico às
crianças hospitalizadas, apesar de ser um hospital terciário. Ela conhece o trabalho da
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pedagogia hospitalar, pois na sua formação estagiou em um hospital, onde havia esse
atendimento.
A Assistente Social se mostrou interessada com o trabalho e preocupada com a
não oferta, ainda mais agravada pelo fato de ter nas dependências do hospital um
adolescente internado há quatro meses sem nenhum tipo de acompanhamento
pedagógico.
A Assistente Social do hospital C relatou não haver atendimento pedagógico às
crianças ali hospitalizadas; ressaltou o fato de nunca ter sido procurada pelas famílias
dos enfermos, o que demonstra o desconhecimento da sociedade para com os seus
direitos. Entretanto se mostrou interessada em conhecer a legislação que garante esse
direito às crianças hospitalizadas.
A Assistente Social do hospital D relatou ter havido pouquíssimos casos de
atendimento pedagógico nesse hospital - por volta de quatro atendimentos - que só
aconteceram devido ao fato das famílias terem buscado esse atendimento junto ao
Núcleo Regional de Ensino de Londrina, que passou a enviar professores para
acompanhamento pedagógico. Todavia o trabalho não foi acompanhado pelo setor de
serviço social.
Com relação às ações empreendidas pelo próprio hospital, não existe até a
presente data, um projeto para estruturar esse atendimento, também não há
disponibilidade de estrutura física. Esta ausência não seria obstáculo haja visto que se
houvesse interesse os atendimentos poderiam ser desenvolvidos no próprio leito ou em
pequenos espaços, até mesmo em corredores.
A Assistente Social se mostrou interessada em conhecer a legislação que
garante esse direito às crianças hospitalizadas.
A Assistente Social do hospital E relatou não haver atendimento pedagógico às
crianças hospitalizadas. Importa observar que existe um lugar fora do prédio que contém
alguns brinquedos em condições precárias. A Assistente social também se mostrou
interessada em conhecer a legislação.
Como relatado, dos cinco hospitais, apenas um oferece atendimento pedagógico
hospitalar.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O atendimento pedagógico hospitalar é um direito constitucional de todos os
escolares que, devido às suas condições especiais de saúde, estejam hospitalizados,
impedidos de participação na escola, embora se saiba que na prática, nem todos têm
este direito respeitado, uma vez que ainda há um número muito pequeno de hospitais
com esse atendimento.
É necessário considerar, o importante papel do pedagogo hospitalar na
aprendizagem e no processo de recuperação da saúde do educando hospitalizado.
Frente à relevância do trabalho do Pedagogo nos hospitais é que se intentou fazer essa
pesquisa, para que se descortine a realidade vivida pelas crianças hospitalizadas na
cidade de Londrina, com vistas a instigar essa oferta, que em muito contribuiria para
uma condição mais digna de vida, além de contribuir para a construção e
conscientização do espaço profissional do pedagogo.
É relevante ressaltar que, cabe aos hospitais ceder o espaço para a instalação
das atividades desenvolvidas pela pedagogia hospitalar. Sua quase inexistência
demonstra não haver, por parte dos hospitais, interesse em sua oferta; por isso há que
considerar a necessidade de esclarecer aos hospitais a sua importância.
Mesmo garantido legalmente, o contexto hospitalar apresenta-se resistente às
adaptações que se fazem necessárias para que seja reconhecido e conquistado o
direito dos educandos hospitalizados.
Desta forma, importa destacar que a realidade da pedagogia hospitalar em
Londrina ainda é incipiente, não está disponível, na maioria dos hospitais pesquisados,
embora se saiba de todos os benefícios que carrega em si, muitíssimo trabalho há que
ser feito para implantar efetivamente os aportes da pedagogia hospitalar no contexto
hospitalar e conscientizar a comunidade do seu direito.
Faz-se necessário que os Direitos da Criança e Adolescente Hospitalizados,
sejam de conhecimento de toda a sociedade, dada a sua importância e necessidade,
para que gerenciados pela sociedade, os órgãos governamentais responsáveis pela
oferta pública e vistoria da oferta particular cumpram seu papel.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
BERNARDI MIGUEL, Miriam Maria
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Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
BERNARDI MIGUEL, Miriam Maria
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Recebido em: Setembro/2011.
Aprovado em: Novembro/2011.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
MÁXIMO, Maria José; FÁVARO, Neide de Almeida Lança Galvão
ESTÉTICA MARXISTA: A HUMANIZAÇÃO POR MEIO DA ARTE1
Maria José Maximo2
Neide de Almeida Lança Galvão Fávaro3
RESUMO: Esta pesquisa tem como objeto de estudo o ensino da arte e sua importância para a formação humana. Quanto aos dispositivos teóricos deste trabalho recorremos a uma visão marxista. Assim, busca-se refletir as funções humanizadoras da arte identificando seu potencial emancipador. Para tanto, por meio de uma revisão bibliográfica dos textos de estetas marxistas, conceitua-se a arte enquanto uma das formas de expressão de conhecimentos históricos e socialmente acumulados. Nessa perspectiva, o estudo ressalta que a arte a ser tomada como objeto de conhecimento é identificada como realista, caracterizada como criação humana e resultado de um processo dialético. É nesse processo que o sujeito transforma o objeto e imprime forma à matéria que resulta em um novo objeto, o estético, no qual se objetiva e explicita a riqueza humana do sujeito. A obra de arte é assim um rico caminho para o homem reconquistar sua verdadeira essência que vem sendo ameaçada pela lógica do capital.
Palavras-chave: Arte; Trabalho e Educação; Marxismo.
MARXIST AESTHETICS: HUMANIATION BY MEANS OF ART
ABSTRACT: This research has as study object the art teaching and its importance for the human training permeated by a Marxist view. Thus, it searches to reflect the function of human training of art identifying its potential emancipator. With regard to theoretical aspects, the work consists of a bibliography study of issues of Marxist aesthetics. It searches to appraise the Art while one of forms of expression of historical knowledge and socially accumulated. In this perspective, the research shows Art when it’s taken by knowledge object is identified as realistic, characterized as creation human and a result of a dialectic process. It’s in this process the character transforms the object, printing forms to the substance and resulting in a new object, in this case, the aesthetic that objective explicit the wealth human of character. The work of art is a rich way for the man reconquers his true essence that has been threatened for the logic capital.
Keywords: Art; Work and Education; Marxism.
1 Versão revisada da comunicação apresentada no V EBEM – Encontro Brasileiro de Educação e Marxismo, em Florianópolis, sob o título “Arte e formação humana: contribuições do marxismo”.
2 Graduanda em Pedagogia pela UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná – Campus de Paranavaí/FAFIPA. Bolsista PIBIC pela Fundação Araucária. E-mail: [email protected].
3 Docente da UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná – Campus de Paranavaí/FAFIPA, doutoranda em educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/CNPQ). E-mail: [email protected].
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
MÁXIMO, Maria José; FÁVARO, Neide de Almeida Lança Galvão
Introdução
Desde o início da história da humanidade a arte se constituiu como uma das
formas de manifestação cultural, o que demonstra a sua relevância na formação
humana. Durante este percurso a arte tem cumprindo diversas funções: ideológica,
educativa, decorativa, expressiva, cognoscitiva etc. No contexto atual a sua produção e
sua introdução nos currículos escolares acabam por atrelar-se muitas vezes a fins
utilitaristas que tanto servem ao comércio quanto contribuem na manutenção do estado
de coisificação que o ser humano se encontra.
Quanto ao ensino da arte, as políticas públicas asseguram uma prática
pedagógica que favorece uma visão alienante, tanto no acesso às obras do patrimônio
histórico cultural, quanto nas atividades propostas no contexto escolar. O que predomina
é uma prática subjetivista e superficial que em nome do respeito às diferentes
manifestações artísticas perde grande parte de sua riqueza para a formação.
Diante deste contexto questiona-se: Como a arte pode contribuir no
desenvolvimento humano? Qual a arte que serve para este fim? Como reconhecê-la?
Identificá-la, juntamente com seu potencial emancipador é o que se pretende aqui, para
que esta seja utilizada como instrumento de um ensino de qualidade e para a
construção de alternativas que auxiliem na emancipação.
A fim de atender a esse propósito – refletir sobre o ensino da arte e sua
contribuição na formação humana – num primeiro momento busca-se conceituar a
produção artística, oriunda do trabalho superior, ou seja, a verdadeira arte, bem como
seus condicionantes sociopolíticos, a partir da perspectiva marxista. A seguir é
destacado o caráter cognoscitivo da arte e a sua contribuição na formação humana,
sendo que para isso foram utilizados estudos de estetas marxistas que buscaram nas
ideias de Marx uma análise crítica e aprofundada dessa forma de objetivação humana.
1 A arte, o trabalho e a estética marxista
O dispositivo teórico que sustenta este estudo é de que a arte é uma objetivação
humana oriunda do trabalho. Faz-se necessário, contudo, exemplificar o conceito de
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trabalho que dá origem à arte, pois na dinâmica da sociedade capitalista o trabalho tanto
pode resultar na criação artística conceituada de “verdadeira arte”, como pode se
submeter à lógica do capital, transformando-a em uma arte aqui denominada de
“pseudoarte”.
O verdadeiro trabalho artístico não se restringe a uma simples criação de objetos
úteis, mas ao ato de objetivação e plasmação de finalidades, ideias ou sentimentos
humanos num objeto material, concreto-sensível. Portanto, é na capacidade que o
homem tem de materializar suas forças essenciais, de produzir objetos materiais que
expressam sua essência, que reside a possibilidade de criar objetos, como as obras de
arte, que elevem a um grau superior a sua capacidade de expressão e autoafirmação.
A criação artística se caracteriza por ser um produto social, ou seja, ela não se
concretiza à margem das relações sociais. Vázquez (1978) assinala que apesar das
diferenças fundamentais entre arte e trabalho, eles se assemelham, pois têm em comum
a ligação com a essência humana, isto é, ambas são atividades criadoras mediante as
quais o homem produz objetos que falam dele e por ele. Segundo este autor, não existe
oposição natural entre arte e trabalho, pois enquanto o trabalho se encontra sujeito à
mais rigorosa necessidade vital, a arte é a expressão das forças livres e criadoras do
homem. “Marx assinalou que esta oposição é válida quando o trabalho adota a forma do
trabalho alienado” (VÁZQUEZ, 1978, p. 70).
Há diferenças mesmo quando são produções livres da alienação. Segundo as
asserções do autor supra citado, a semelhança entre a arte e o trabalho não deve
conduzir à supressão da linha divisória que os separa. Os produtos do trabalho
satisfazem determinadas necessidades humanas e valem por sua capacidade de
satisfazê-las. Entretanto, há entre as duas, certas tensões ou conflito que não chega a
anular uma em favor da outra, mas no trabalho ocorre um predomínio da função prático-
utilitária sobre a função espiritual, que revela a relação do objeto com a essência
humana.
A arte, como o trabalho, é criação de uma realidade na qual se plasmam finalidades humanas, mas nesta nova realidade domina sobretudo sua utilidade espiritual, isto é, sua capacidade de expressar o ser humano em toda sua plenitude, sem limitações do produto do trabalho. A utilidade da obra artística depende de sua capacidade de satisfazer não uma necessidade material determinada, mas a necessidade geral que o homem sente de humanizar tudo quanto toca, de afirmar sua essência e de se reconhecer no mundo objetivo criado por ele (VÁZQUEZ, 1978, p. 71).
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Desse modo, fica perceptível que a arte é uma criação humana, oriunda do
trabalho livre, mas que por suas peculiaridades se diferencia do trabalho em si. O
trabalho e a arte enquanto produtos de objetivações livres, ao mesmo tempo em que se
assemelham se distanciam. Eles têm em comum a objetivação humana, mas a arte se
diferencia do trabalho primário por ser oriunda de um trabalho superior, que traz consigo
além da forma a essência humana. Segundo Vázquez (1978), nos manuscritos de 1844,
Marx já sublinhava que a arte não era uma atividade humana acidental, mas um
trabalho superior no qual o homem explicita suas forças essenciais como ser humano e
as objetiva ou materializa num objeto-sensível. “O homem é homem na medida em que
cria um mundo humano, e a arte aparece como uma das mais elevadas expressões
deste processo de humanização” (VÁZQUEZ, 1978, p. 110-111). A arte, como trabalho
superior, eleva a capacidade de expressão, de objetivação, que já ocorre no trabalho
primário. O trabalho artístico é um trabalho concreto que possui um caráter específico
próprio, que obedece às peculiaridades da necessidade humana, do conteúdo e da
forma. A obra de arte se caracteriza também por sua singularidade.
É preciso, no entanto, compreender essa relação na sociedade atual. Duarte
(2009) define a “sociabilidade fetichista da sociedade contemporânea” que é marcada
pelo “caráter fundamentalmente social de todo ser humano”. As principais relações,
todavia, são as formadas entre as duas classes sociais fundamentais, ou seja, de um
lado a classe que detém a propriedade dos meios de produção e do outro, a classe que
tem que vender sua força de trabalho para viver.
Decorrente a isso, Duarte (2009) mostra que o dinheiro na sociedade capitalista é
o representante universal da riqueza material e não material e, por esta razão, é a
mediação universal entre os indivíduos. Ele ressalta que “qualquer abordagem sobre a
sociabilidade contemporânea que ignore ou secundarize esse fato está condenada a
permanecer na superfície, nas aparências e nas contingências” (DUARTE, 2009, p.
463).
Na sociedade atual, portanto, o trabalho está subordinado ao sistema de
produção regido pelo capital, e, neste o homem não é livre, consequentemente, seu
trabalho também não. O artista pode então ser levado pelos ditames do sistema
capitalista, ou seja, a criação artística pode se alienar e se tornar uma pseudoarte.
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MÁXIMO, Maria José; FÁVARO, Neide de Almeida Lança Galvão
Para realizar a análise proposta é imprescindível, portanto, conceituar a arte
enquanto uma expressão do conhecimento socialmente acumulado. Faz-se necessário
buscar um estrato mais profundo e originário da arte, e para isso é preciso entender a
dinâmica da sua produção, os seus condicionantes histórico-sociais característicos da
sociedade capitalista.
Nessa perspectiva foi adotado como base teórica o legado de autores
consagrados no campo marxista, cujos estudos nos remetem à dialética materialista. As
concepções teóricas constituídas a partir das ideias estéticas de Marx têm como ponto
referencial a totalidade concreta. A criação humana se dá a partir do homem social, ou
seja, não acontece à margem dos condicionantes materiais e ideológicos presentes no
contexto social. A arte se caracteriza por ser um produto singular, porém oriundo da
generalidade.
É preciso ressaltar que Marx não escreveu um tratado estético, mas em suas
obras filosóficas ou econômicas encontram-se ideias que possuem uma relação direta
com os problemas estéticos e artísticos fundamentais. Este estudo constatou a
existência de vários pesquisadores que investigam as ideias estéticas de Marx
buscando definir os verdadeiros pilares da estética marxista. No entanto, Vázquez
(1978) atesta que estes não são unânimes em suas interpretações, pois dentro do
próprio campo marxista há profundas diferenças que variam de acordo com o aspecto
ou função da criação artística sobre o qual se coloca o acento principal.
Vázquez (1978) nos apresenta a existência de três concepções estéticas
predominantes: a primeira é a “estética idealista”, na qual a objetivação não corresponde
à essência humana, e sim, para uma autoconsciência em que o objeto artístico é
definido como uma atividade espiritual. A segunda é a estética “materialista pré-
marxista” que acentua o papel do objeto. Nesta o sujeito é um mero recriador de uma
beleza já dada na realidade, independente do homem e da sociedade. Ignora assim a
atividade criadora e prática do homem. A terceira concepção de estética é a
“materialista-dialética” que se depreende das ideias estéticas de Marx. Esta, ao contrário
das demais, funda seu acento principal na “prática” como fundamento da relação
estética em geral e da criação artística. Segundo esta concepção, a arte como trabalho
superior é uma manifestação da atividade prática do homem, graças a qual este se
expressa e se afirma no mundo objetivo como ser social.
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O autor se apoiou no legado de Marx e a partir das ideias estéticas fundamentais
dos Manuscritos Econômico-Filósoficos, explicou a arte, suas características gerais e
sua condição na especificidade do modo de produção capitalista. Embora extensa,
julga-se adequada a reprodução de suas conclusões. A saber:
a) Existe uma relação peculiar entre o sujeito e o objeto (criação “segundo as leis da beleza” ou “assimilação artística da realidade”), na qual o sujeito transforma o objeto, imprimindo determinada forma a uma matéria dada. O resultado é um novo objeto ─ o objeto estético, no qual se objetiva ou explicita a riqueza humana do sujeito.b) Esta relação entre sujeito e objeto ─ relação estética ─ tem um caráter social; desenvolve-se sobre uma base histórico-social no processo de humanização da natureza, mediante o trabalho, e de objetivação do ser humano.c) A assimilação estética de realidade alcança sua plenitude na arte como trabalho do artista de objetivar-se, de expressar-se, de explicitar suas forças essenciais num objeto concreto sensível. Ao libertar-se da utilidade material, estreita, dos produtos do trabalho, a arte eleva a um nível superior a objetivação e afirmação do ser humano que, no marco da utilidade material, se dá em forma limitada em tais produtos.d) A relação estética do homem com a realidade, enquanto relação social, não cria apenas o objeto, mas também o sujeito. O objeto estético só existe em sua essência humana, estética, para o homem social.e) A arte se aliena quando cai sob a lei geral da produção mercantil capitalista, isto é, quando a obra de arte se transforma em mercadoria (VÁZQUEZ, 1978, p. 95-96).
Suas análises apontam numa direção radicalmente distinta das concepções
estéticas idealistas e materialistas pré-marxistas, nas quais a essência do estético é
vista no mundo ideal, no sujeito ou nos objetos em si. Aprofundar a discussão dos
limites destas não é o intuito deste estudo, mas essa diferenciação é necessária para
apontar os limites das mesmas em relação à concepção que é aqui adotada. Ressalta-
se que esta apresenta os fundamentos teóricos que permitem a reflexão a partir da
totalidade.
Segundo a concepção “estética materialista dialética” que se baseia nos
postulados acima citados, o “objeto estético” é resultado da criação artística, ou seja, da
assimilação artística da realidade. A “relação estética” acontece entre o sujeito e o
objeto e se desenvolve sobre uma base histórico-social que tem como resultado o
processo de humanização da natureza. A “assimilação estética” da realidade alcança
sua plenitude por meio da arte. A relação estética, além de criar o objeto, cria o homem,
pois o objeto estético só existe em sua essência humana para o homem social. O limite
para o desenvolvimento humano ocorre quando a arte se aliena, quando se submete à
lei geral da produção mercantil, ou seja, quando se torna mercadoria.
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MÁXIMO, Maria José; FÁVARO, Neide de Almeida Lança Galvão
Uma das temáticas abordadas no prólogo da estética de Lukács se refere à teoria
do reflexo, definida como uma teoria ontológica da tensão dialética entre a realidade
objetiva e a subjetiva, apresentadas por meios de reflexos que se desenvolvem na
realidade material. Segundo Ribeiro e Silva (2009), nessa concepção, a ciência e a arte
são exemplos desses reflexos sendo ambos produtos sociais, se originando das
necessidades humanas. A arte era compreendida por Lukács por sua singularidade e
totalidade, sendo que esta, ao revelar a presença da “consciência de si” do gênero
humano, se caracteriza como um verdadeiro produto artístico.
Conforme Frederico (2000), a estética lukacsiana toma como ponto inicial o
cotidiano, ou seja, a arte é uma atividade humana que parte da vida cotidiana para em
seguida ao cotidiano retornar, sendo que no meio deste movimento dialético ocorre uma
elevação na consciência dos homens.
Ele distingue, entretanto, a arte da ciência. A ciência procura captar e reproduzir
conceitualmente o “em si” da realidade objetiva, o que caracteriza sua essência é a
descoberta de leis gerais que reduzem os fenômenos à sua essência que existe
independente da consciência humana. Sua marca é a postura universalizante. Ela
procura abarcar a “totalidade exclusiva”, como forma de superar a forma imediata da
realidade (FREDERICO, 1997).
No geral, a concepção estética lukacsiana bem como a concepção estética
materialista dialética de Vázquez funda-se nos mesmos princípios, segundos os quais a
criação artística se objetiva a partir do social e a ele retorna superando a realidade
objetiva num processo dialético. Para ambos a criação artística contribui para a
formação humana, pois abarca a totalidade social e a apresenta para o homem por meio
de um objeto concreto sensível. Já as outras concepções estéticas citadas, por não
considerarem a totalidade que envolve a criação artística, contribuem para sustentar as
práticas subjetivas e utilitaristas que predominam na atualidade, tanto no fazer artístico
quanto na apreciação do artístico.
Acredita-se que a estética marxista permite apreender a dinâmica da produção
artística, tanto no que tange à sua produção como também à sua fruição, ressaltando
assim, a sua importância social. Ela não possui, como se constatou, um caráter neutro,
por isso é fundamental o entendimento das relações entre arte e ideologia.
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2 Arte, fenômeno ideológico e alienação
A sociabilidade humana é hoje marcada por relações de produção capitalistas,
pautadas no antagonismo de classes, que exige um arcabouço ideológico e político-
jurídico para se sustentar. Diante disso, não há como negar a influência dos fenômenos
ideológicos no dia-a-dia, ou seja, na produção humana material e não material.
Desde suas origens o marxismo insistiu na natureza ideológica da criação
artística. Segundo suas teses essenciais sobre as relações entre a base econômica e a
superestrutura, a arte faz parte da superestrutura, achando-se vinculada aos interesses
de classes sociais. A partir dos estudos realizados sobre as obras de Marx, Vásquez
ampliou esse entendimento, preconizando que a natureza ideológica não deixou de
existir, porém, sua expressão pode ganhar relativa autonomia:
[...] as ideias políticas, morais ou religiosas do artista devem se integrar numa totalidade ou estrutura artística que possui sua legalidade própria. Como resultado deste processo de integração ou formação, a obra artística revela-se dotada de certa coerência interna e autonomia relativa, que impedem sua redução a um mero fenômeno ideológico (VÁZQUEZ, 1978, p. 26).
Nessa perspectiva, a estética marxista caracteriza a arte como forma peculiar do
trabalho criador, não excluindo o seu reconhecimento como forma ideológica, nem
ignorando a função cognoscitiva que pode cumprir, porém, não a reduz ao seu conteúdo
ideológico nem ao valor cognoscitivo. Reduzir o artístico ao ideológico é perder de vista
a dimensão essencial que é criadora para o autor, pois “os que veem na obra do artista
apenas uma forma de reflexo da realidade esquecem o fundamental, isto é, esquecem
que o produto artístico é uma nova realidade que testemunha, antes de tudo, a presença
do homem como criador” (VÁSQUEZ, 1978, p. 26). Em suas próprias palavras:
[...] a arte tem um conteúdo ideológico, mas só tem na medida em que a ideologia perde sua substantividade para integrar-se nesta nova realidade que é a obra de arte. Isto significa que os problemas ideológicos que o artista se coloca têm que ser resolvidos artisticamente (VÁZQUEZ, 1978, p. 45).
Frederico (2000) não declara claramente a interferência ideológica na criação do
artista, porém, quando se refere ao cotidiano heterogêneo perturbador, subtende as
interferências presentes no cotidiano social, ou seja, os condicionantes ideológicos.
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Segundo ele, a arte figura a realidade que se apresenta sob forma caótica na vida
cotidiana. Há uma figuração sensível da realidade através da criação de um meio
homogêneo próprio da atividade artística. “A criação desse meio homogêneo, na arte,
significa uma ruptura com a vida cotidiana, marcada pela heterogeneidade, na qual o
homem só participa da superfície dos fenômenos” (FREDERICO, 2000, p. 306). Pela
arte o homem expressa sua apreensão do real.
Com essa re-apresentação estruturada surge como uma segunda imediaticidade. O caráter fragmentado e caótico da realidade reaparece transfigurado como uma nova imediaticidade, uma unidade sensível de essência e aparência, conformando o "mundo próprio" da arte, um mundo que deixou de ser um indiferente em-si para tornar-se um para-nós: um mundo feito em conformidade com o homem (FREDERICO, 2000, p. 306).
Vázquez (1978) coloca que é comum a superestimação do fator ideológico e a
consequente minimização da forma, da coerência interna e da qualidade específica da
obra de arte, entre os estetas marxistas, e principalmente entre os críticos literários e
artísticos, quando estão diante de fenômenos artísticos concretos. Isso subentende que
a concepção adotada por estes não está baseada nos princípios da concepção estética
“materialista dialética”, pois a ênfase no fator ideológico de uma obra artística não
permite a fruição da totalidade que foi objetivada na criação artística, esta se restringe à
aparência, ou seja, à superfície. E mais, conforme Vázquez ressalta, a caracterização
da arte por meio de seu peso ideológico esquece que as ideologias de classe vêm e
vão, ao passo que a verdadeira arte permanece. Se a natureza específica da arte
consiste em transcender, mediante sua perdurabilidade, os limites ideológicos que lhe
deram origem, a sua redução à ideologia atenta contra a própria essência da arte. Não
se pode esquecer, todavia, que a obra artística é um produto do homem, historicamente
condicionado, e que o universal humano que ela realiza é o universal humano que surge
no e pelo particular.
De um ponto de vista verdadeiramente estético, a obra de arte não vive da ideologia que a inspira nem de sua condição de reflexo da realidade. Vive por si mesma, com uma realidade própria, na qual se integra o que expressa ou reflete. Uma obra de arte é, antes de mais nada, uma criação do homem, e vive graças à sua potência criadora que encarna. Este ponto de vista permite ver o desenvolvimento histórico da arte como um processo infinito que não se deixa encerrar nos limites de uma corrente (VÁZQUEZ, 1978, p.45-46).
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As relações entre arte e ideologia são bastante complexas e contraditórias, ao
abordá-las deve-se cuidar com seus dois extremos, tanto com sua identificação quanto
com sua oposição radical. Um é característico de uma posição ideologizante, subjetiva
ou sociologista vulgar; o outro se encontra naqueles que levam sua oposição entre arte
e ideologia ao ponto de negar o caráter ideológico da arte, colocando-se assim fora do
marxismo.
A partir dessas análises elucida-se que a ideologia de classe faz parte da criação
artística, porém não se restringe a ela e muito menos a ignora. O artista, por meio do
seu trabalho pode transcender os condicionantes expostos na realidade concreta.
Porém, no contexto social capitalista, nem sempre o homem consegue produzir obras
de arte capazes de exercer esse papel desejado. Infelizmente os que não conseguem
são infinitamente mais numerosos, reduzindo o número das verdadeiras obras de arte.
As realizações pseudoestéticas fixam o indivíduo em sua imediatez cotidiana.
Elas apenas cumprem a função de entretenimento, dirigindo-se à esfera privada dos
indivíduos. Diferentemente das realizações verdadeiramente artísticas, elas não
generalizam, não colocam o indivíduo em contato com o gênero. Essa permanência na
mera singularidade impede a "elevação", o contato enriquecedor com o gênero e, por
isso, o caráter social da personalidade humana não se desenvolve.
Enquanto produz obras de arte destinadas ao mercado que as absorvem, o artista não pode deixar de atender as exigências deste, as quais afetam, em determinadas ocasiões, tanto o conteúdo como a forma da obra, com que se autolimita e, com frequência, nega suas possibilidades criadoras, sua individualidade. Produz-se assim, uma espécie de alienação, já que se desnatura a essência do trabalho artístico (VÁZQUEZ, 1978, p. 93).
Na sociedade capitalista, portanto, a obra de arte pode descer à categoria de
mercadoria. “Todavia, mesmo sob o capitalismo, o artista busca escapar à alienação,
porque uma arte alienada é a própria negação da arte” (VÁZQUEZ, 1978, p. 94). Entre
as diversas manifestações existentes, uma das que se pode caracterizar como arte
verdadeira é a arte denominada de “realista”. Esta representa um objeto do
conhecimento historicamente produzido, sendo assim indicativa de um trabalho
pedagógico que contribua para a emancipação.
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3 Arte realista, educação e suas potencialidades para a emancipação humana
De acordo com Frederico (2000), Lukács defendia o realismo como critério para o
crítico julgar a obra de arte e também como caminho para o artista revelar a verdade em
sua criação. De acordo com essa perspectiva, a arte afirma-se em sua irredutível
especificidade, como uma intensificação do drama humano que na vida cotidiana se
apresenta de forma descontínua. Essa defesa do método realista pressupõe uma função
por ele assinalada quanto à atividade artística. Na visão ontológica lukacsiana a arte é
uma atividade que parte da vida cotidiana para a ela retornar, produzindo nesse
movimento uma elevação na consciência sensível dos homens. Também para Vázquez
(1978), a arte realista é a mais adequada para entender a verdade que abarca a vida do
homem concreto, por isso ela exige a superação da mera imitação do real.
A arte não vê as relações humanas em sua mera generalidade, mas em suas manifestações individuais. Apresenta homens concretos, vivos, na unidade e riqueza de suas determinações, nos quais se fundem de um modo peculiar o geral e o singular. Mas o conhecimento que a arte pode nos dar acerca do homem, este conhecimento só pode se atingido por um caminho específico que não é, de modo algum, a imitação ou reprodução do concreto real, a arte vai do concreto real ao concreto artístico, chamemo-lo assim. O artista tem diante de si o imediato, o dado, o concreto real, mas não pode permanecer neste plano, limitando-se a reproduzi-lo. A sociedade humana só lhe revela seus segredos na medida em que, partindo do imediato, do individual, eleva-se ao universal para depois voltar novamente ao concreto. Mas este novo individual, ou concreto artístico, é precisamente o fruto de um processo de criação, não de imitação (VÁZQUEZ, 1978, p. 35-36).
Também a partir de estudos das obras lukacsianas, Duarte (2009) chama a
atenção para que não se confunda o realismo com o naturalismo, “o qual não consegue
trabalhar artisticamente com a dialética entre a essência e a aparência e acaba se
tornando prisioneiro do fetichismo das formas alienadas que assume a vida cotidiana na
sociedade produtora de mercadorias” (DUARTE, 2009, p. 471). A arte que é cópia não
se caracteriza como verdadeira arte, pois o princípio básico da arte verdadeira é ser
uma criação, portanto, a arte que se restringe a essa função é caracterizada como uma
“pseudoarte”, ou seja, uma imitação que não contribui em nada com a formação
humana, ao contrário, acarreta a manutenção da alienação.
O contexto atual, caracterizado por relações que primam pelo apego à aparência
fenomênica, faz com que o homem, no cotidiano, se relacione com um mundo
heterogêneo e descontínuo. Todas as atenções são mobilizadas nesse relacionamento,
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mas a fragmentação impede o homem de relacionar os fenômenos entre si. Lukács
designa o homem imerso na cotidianidade de o “homem inteiro”, para contrapô-lo ao
“homem inteiramente”, aquele concentrado na arte e na ciência (FREDERICO, 2000). A
arte que não ultrapassa o fenômeno em vez de humanizar se desumaniza. Na medida
em que se valoriza o mundo das coisas, desvaloriza-se o mundo dos homens, tornando
estranho o mundo que ele próprio criou com seu trabalho; quanto mais poderoso fica o
mundo exterior, mais impotente e pobre se torna o mundo interior.
Mediante o que expomos até aqui, elucida-se que a arte, enquanto criação
humana é condicionada sim, porém, também pode vir a ser autônoma diante de seu
condicionamento ideológico. Quando atinge esse patamar criativo e autônomo, pode
contribuir para a formação humana e servir como base para um trabalho educativo
coerente e crítico, que auxilie na emancipação humana.
Defende-se aqui, então, a utilização da verdadeira criação artística nos trabalhos
educativos, pois ela pode contribuir no processo humanizador. De acordo com a análise
lukacsiana, a arte possibilita a catarse, ou seja, ela “possui uma função social de
produzir a desfetichização da realidade social e de fazer o receptor da obra artística
deparar-se com o questionamento acerca do próprio núcleo humano de sua
individualidade” (DUARTE, 2009, p. 471).
A catarse opera uma mudança na consciência do indivíduo, de modo que exerce
um efeito formativo sobre ele, porém, tais repercussões não ocorrem de maneira direta
e imediata, havendo entre elas e a catarse estética uma complexa trama de mediações.
Por isso é impossível definir a priori as consequências da arte para a vida do indivíduo.
“A compreensão do caráter formativo da obra requer, segundo a concepção lukacsiana,
superação de duas concepções equivocadas: a do caráter absolutamente
desinteressado da vivência artística e a do utilitarismo desta vivência” (DUARTE, 2009,
p. 473).
E mais, analisar a arte enquanto recurso educativo aponta para a necessidade de
abarcar o contexto em que este se desenvolve, ou seja, além do conteúdo em si, os
elementos que envolvem o processo de transmissão e apropriação do conhecimento
historicamente acumulado. É preciso considerar os interesses dos grupos envolvidos,
destacando-se a influência dos interesses da classe dominante. Neste sentido se move
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a atenção para a estrutura social, para o modo de produção da vida como elemento
fundamental a ser considerado nas análises críticas a serem realizadas.
As categorias da produção e reprodução da vida – esfera econômica – desenvolvem a função de motor central desta dinâmica, todavia só pode desenvolver sob forma de um momento ontologicamente primário de uma interação entre os complexos que vêm a existir na dialética objetiva entre acaso e necessidade (VAISMAN, 2009, p. 449).
Conforme Duarte (2009) aponta, a subjetividade dos indivíduos se constitui por
meio da apropriação das forças sociais existentes, inclusive dos conflitos existentes
entre as forças, pois estas impulsionam os conflitos vivenciados subjetivamente pelo
indivíduo. Existe nas forças sociais objetivas o conflito entre a tendência à restrição da
realidade às singularidades, como também ao sentido do universal do gênero humano.
As situações singulares das quais o indivíduo faz parte contêm as contradições objetivas
e subjetivas, estas tanto podem conduzi-lo à autoconsciência do gênero humano quanto
à absorção da consciência pela superficialidade fetichista da realidade imediata, ou seja,
as forças sociais tanto podem contribuir como prejudicar o indivíduo.
Pode-se relacionar o que foi exposto com a educação escolar. O trabalho
educativo realiza uma mediação entre a vivência cotidiana do aluno ao gênero humano
e a elevação da vida individual a uma relação consciente com o processo histórico de
objetivação do gênero humano. Para que este aconteça, o trabalho educativo deve ter
por objetivo fundamental o desenvolvimento do indivíduo no sentido da sociabilidade
“para si”, em que os valores adotados apontem as contradições da realidade social e
assim contribuam para a superação do fetichismo. “Se a arte propiciar aos indivíduos
uma vivência subjetiva intensificada de conflitos que impulsionem autoconsciência a
níveis cada vez mais elevados, ela desempenhará uma função formadora, isto é,
educativa” (DUARTE, 2009, p. 470).
Segundo estudos realizados pelo autor, o trabalho educativo com a arte, ou
qualquer que seja o conteúdo, deve ter a mesma meta, pois se entendemos a educação
como um processo pelo qual os seres humanos formam conscientemente outros seres
humanos, esse processo só pode se realizar em sua plenitude se lutar contra o
fetichismo, pois o fetichismo é a própria negação do ser humano como criador de sua
realidade e de si mesmo. Se a arte tem uma missão desfetichizadora, o mesmo deve
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acontecer com a educação, ambas devem combater o fetichismo generalizado na
sociedade contemporânea.
[...] a crítica ao fetichismo pode ter um papel importante no processo de transformação da sociedade à medida que produza nos indivíduos a consciência da necessidade de transformação das condições sociais objetivas que produzem o fenômeno do fetichismo (DUARTE, 2009, p. 465).
É aqui que se concentra o maior desafio, pois as políticas educacionais que
regem o processo educacional da sociedade contemporânea, determinadas pelos
interesses de expansão do capital, rumam num sentido oposto. Com base em estudo
recente (MÁXIMO; FÁVARO, 2010), constatou-se que elas foram elaboradas para
atender às demandas do mercado de trabalho, consequentemente, as práticas
educativas contribuem para uma formação acrítica e mantenedora do estado de
fetichização que se encontra o ser humano.
Nesse sentido ressalta-se o poder formativo da arte e da educação. Segundo
Duarte (2009) existem aspectos nos quais a vivência estética se assemelha à atividade
educativa, por exemplo, o fato de que nenhuma delas transforma diretamente a
sociedade, nem mesmo a vida do indivíduo. Porém, ambas podem exercer uma
influência decisiva, seja na transformação da sociedade, seja na vida do indivíduo.
A arte por si só não pode humanizar a vida; porém quando se tem a necessidade de humanizar a própria vida e dos demais também em outros níveis – o nível político, moral etc.- a arte proporciona um parâmetro e cumpre a função de apoio sentimental e intelectual para operar a transformação (HELLER apud DUARTE, 2009, p. 475).
Incluir nos currículos escolares um trabalho educativo com a verdadeira arte é
fundamental para possibilitar uma formação humana plena e emancipadora, já que a
mesma permite aos indivíduos se confrontarem com seu cotidiano alienado num plano
superior, fornecendo elementos para repensar as relações sociais para além das
relações pautadas pelos ditames do capital.
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Considerações finais
No estudo realizado analisou-se a arte produzida e consumida no contexto
capitalista, com o objetivo de compreender suas características, influências e
possibilidades educativas diante de relações sociais que convergem para a alienação.
Verificou-se o inquestionável valor da verdadeira arte no processo de humanização,
bem como a presença da pseudoarte que conduz ao caminho inverso. A força que
impulsiona a dinâmica da sociedade capitalista sobrevive da exploração do trabalho
humano. A criação artística, quando atrelada às necessidades de sobrevivência ou à
fetichização da própria humanidade torna-se mercadoria e se torna um produto
alienado, perdendo assim seu valor emancipador e se caracterizando como pseudoarte,
contribuindo para manter a alienação.
Em contrapartida, temos a verdadeira arte, produto do trabalho livre, que mostra
uma totalidade homogênea, produto da relação entre o objetivo e o subjetivo, criação
esta que supera o imediatismo e o pragmatismo da vida cotidiana. Esta é que deve ser
tomada como objeto do conhecimento nas práticas educacionais, pois por meio da
vivência estética é possível apresentar outra perspectiva de vida para os indivíduos,
emancipada das tramas do capitalismo. É preciso ter consciência das amarras da
ideologia dominante sim, porém, é necessário não perder de vista as possibilidades de
mudança, e isso pode ser trabalhado na prática educacional, desde que esta esteja
comprometida com uma formação emancipadora e desfetichizadora.
Referências
DUARTE, N. Arte e educação contra o fetichismo generalizado na sociabilidade contemporânea. Perspectiva, Florianópolis, v. 27, jul./dez. 2009, p. 461-479.
FREDERICO, C. Cotidiano e arte e Lukács. Estudos Avançados, v. 40, n. 14, 2000, p. 299-308.
_____. Lukács: um clássico do século XX. São Paulo: Moderna, 1997.
MÁXIMO, M. J.; FÁVARO, N. A. L. G. Políticas públicas, trabalho e o ensino da arte no Brasil. In: SEMINÁRIO DO TRABALHO, 8, 2010, Marília, Anais... Marília, 2010.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
MÁXIMO, Maria José; FÁVARO, Neide de Almeida Lança Galvão
RIBEIRO, L. T. F.; SILVA, M. F. A. Prólogo da estética de Lukács: um esboço para apresentação. Revista eletrônica arma da crítica, n. 01 , 2009, p. 172-175. Disponível em: <http://www.armadacritica.ufc.br/phocadownload/marcusluis.pdf >. Acesso em: 22 jan. 2011.
VAISMAN, E. Marx e Lukács e o problema da individualidade: algumas aproximações. Perspectiva, Florianópolis, v. 27, 2009, p. 441-459.
VÁZQUEZ, A. S. As ideias estéticas de Marx. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. (Pensamento Crítico, v. 19).
Recebido em: Setembro/2011.
Aprovado em: Novembro/2011.
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GARCIA, Luana
O ENSINO DE SOCIOLOGIA A SERVIÇO DA FORMAÇÃO DOS AGENTES SOCIAIS
E POLÍTICOS
Luana da Silva Garcia1
RESUMO: Faz parte da preocupação desse artigo compreender qual o papel da educação, e em especial, da Sociologia, na construção de novos agentes sociais e políticos. A problemática dessa discussão está amparada na seguinte questão: quais são os momentos da trajetória escolar nos quais os alunos se deparam com questões políticas? Pretende-se, neste espaço, desvendar se existem caminhos específicos, ou matérias específicas incumbidas de estimular esse debate, bem como, mapear as prováveis pontes construídas entre a academia, nesse caso a Universidade Estadual de Londrina (UEL), e as escolas da região. O artigo contará primeiramente com uma análise histórica da educação no Brasil, em seguida com uma análise documental, fruto de uma pesquisa realizada no interior do projeto de extensão intitulado: Semanas de Sociologia nas Escolas da Rede Pública.
Palavras-chave: Ensino de Sociologia, Participação Política e Agentes Sociais.
THE TEACHING OF SOCIOLOGY IN THE TRAINING OF SOCIAL AND POLITICAL
AGENTS
ABSTRACT: The concern of this article is to understand which the role of education, and in this case of Sociology in the construction of new social and political agents. Current investigation concentrates on knowledge that would answer the following initial question: Which are the moments of school trajectory in which the students come across with political issues? It is intended in this article to unmask if there’re specific ways or specific characteristics to stimulate this debate, as well as, to map the probable constructed bridges between the academy, in this case the State University of Londrina (SUL) and the schools of the region. The article will count on a historical analysis of the education in Brazil at first, after that with a documentary analysis, resulted of a research carried through in the interior of the extra-mural project whose title is Weeks of Sociology in Public Schools in Londrina city, Brazil.
Keywords: Sociology Teaching, Participation, Social and Political Agents.
1 Graduada em Ciências Sociais e aluna do Mestrado em Ciências Sociais – Universidade Estadual de Londrina. E-mail: [email protected].
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GARCIA, Luana
INTRODUÇÃO
O interesse desse artigo é compreender porque alguns debates são
historicamente desestimulados, como é o caso da política e, em especial, da política
brasileira. A discussão levantada quanto à necessidade de emergir nas escolas eventos,
atividades e momentos que introduzam as questões de cunho político e social são
atuais e emergenciais, uma vez que essas discussões deveriam pautar as metas
educacionais e conferir às instituições escolares a tarefa de construir e povoar o espaço
público2, reforçando os ideais democráticos.
Essa possibilidade das instituições escolares servirem de palco para os assuntos
políticos, e serem elas capazes de estimular e fazer florescer o interesse dos alunos
nessas questões, não são propostas novas e infundadas. Pelo contrário, são medidas
que por muito tempo balizaram uma parte expressiva dos intelectuais preocupados com
a educação de qualidade, e que viam, neste processo, a possibilidade de emergir
transformações capazes de impulsionar a mudança social.
É inegável que a educação funciona como uma poderosa arma capaz de
alavancar ou travar os movimentos reivindicativos, pois ela pode estar a serviço da
mudança social, instruindo e capacitando seus alunos para comparecer criticamente nos
debates públicos, ou pode reproduzir uma lógica coercitiva e conservadora da ordem
vigente. É na intenção de combater esta última situação, inaceitável e incompreensível,
que algumas disciplinas agem, buscando estabelecer um verdadeiro diálogo com os
problemas e as soluções possíveis para uma sociedade mais justa.
A Sociologia se insere nesse contexto, como disciplina capaz de suscitar o
debate sobre justiça social, desigualdades sociais e políticas, e diversas multiplicidades
que emanam da vida em sociedade. A Sociologia no ensino médio é um instrumento
valioso para problematizar as questões que foram subtraídas das grades escolares,
2 Existem muitos projetos incumbidos de discutir e propor medidas para povoar o Espaço Público pela via escolar, o projeto “Escola de Cidadania” que teve início em 2001 na região da Zona da Mata Mineira – Mina Gerais, está entre estes, pois, segundo seus colaboradores: “O projeto Escola de Cidadania está estruturado a partir de 3 níveis de concepções. O primeiro, educação para a democracia - orientado por um programa pedagógico que qualifica o cidadão para participar dos espaços públicos da vida política; o segundo, participação ativa do cidadão - voltado para a organização comunitária, incentivando e expandido as associações comunitárias, os conselhos de direitos, os grêmios estudantis, associações culturais, entre outras e consolidação dos espaços legítimos de atuação das pessoas e de suas entidades representativas; o terceiro, fortalecimento e ampliação do espaço público do Poder Legislativo, onde se criam e se efetivam as condições de participação e controle social da gestão pública”.
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GARCIA, Luana
contribuindo na retirada dos alunos da condição de espectadores para a condição de
agentes atuantes e transformadores da realidade social.
A Sociologia, bem como outras matérias que dialogam com as questões sociais,
não são os únicos instrumentos que auxiliam na bagagem crítica dos alunos. Existem
uma série de projetos, semanas comemorativas etc. que colaboram na problematização
e na disseminação de várias temáticas. O projeto de extensão realizado na
Universidade Estadual de Londrina, Semanas de Sociologia3 nas escolas da rede
pública, constitui uma boa fonte capaz de estimular o debate e a participação dos alunos
nas diversas questões sociais, uma vez que, procura levar às escolas uma série de
produções atuais pensadas e realizadas com o intuito de levantar questões e despertar
o interesse nas mais variadas discussões.
Esse artigo contará, primeiramente, com as análises da educação a serviço da
democracia em Sérgio Buarque de Holanda. Depois, uma análise apreendida nas
experiências das observações/intervenções, no colégio Aloísio Aragão, e, por fim, com
uma exposição dos resultados obtidos com as palestras, em diversas escolas, em
contribuição ao projeto Semanas4. Tendo como eixo estruturante a problemática da
educação e da Sociologia na construção de novos agentes sociais e políticos, a todo
momento a questão recorrente será: são, esses alunos, desinteressados pelas questões
políticas, ou foram eles historicamente desestimulados a adentrar neste debate?
A PROBLEMÁTICA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO COMO MUDANÇA SOCIAL
É possível introduzir esse artigo relembrando a alusão que faz Sérgio Buarque de
Holanda à metáfora sobre um diálogo entre Antígona e Creonte, destacando que o
conflito entre os personagens gregos de Sófocles demonstrava que a principal tentativa
era a de elevar a vontade geral sobre a vontade particular, em que os cidadãos teriam
vozes capazes de mudanças e meios para desarticular as estruturas sociais que pouco
os beneficiava.
3 O projeto Semanas de Sociologia nas Escolas da Rede Pública teve início em Janeiro de 2009, e tem como um de seus objetivos possibilitar aos alunos do ensino médio das escolas públicas estaduais, do Núcleo Regional de Ensino de Londrina - Pr., momentos diferenciados de discussão de temas pesquisados pela sociologia.4 Semanas é como se referem ao projeto Semanas de Sociologia nas Escolas da Rede Pública citado acima.
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Relembrar tais personagens de Sófocles, em Raízes do Brasil, parece propício
para analisarmos nossa realidade. Em grande medida, o que muito nos falta é a
construção desse coletivo, ou seja, precisaríamos antes nos livrarmos de nossos males,
herdados historicamente, para construir um ideal de coletividade e só depois de
efetuada essa construção da “vontade geral”, poderíamos utilizá-la (a maioria da
população) com o intuito de participar, das manobras políticas com peso decisivo.
Um traço marcante para analisar as dificuldades encontradas na formação da
democracia no Brasil ou, em outras palavras, a dificuldade do engajamento da
sociedade civil nos assuntos políticos, seria mapear como era vista a educação, em que
bases ela se erguia e a serviço de quem se encontrava.
No primeiro momento, Holanda destaca que a educação, analisada nos métodos
antigos, tinha como princípio fundamental a obediência inquestionável às opiniões e às
hierarquias e que seria necessário mudar significadamente esse quadro. Só diante de
jovens5 que tivessem a liberdade de discordar e questionar, seria possível edificar uma
consciência maior do seu papel na sociedade. Assim aconteceria sua formação gradual
em direção à desobediência dentro dos impulsos contestatórios da ordem estabelecida,
e os jovens evoluiriam para o cidadão propenso a pensar e articular as mudanças
sociais.
A educação ergueu-se, no Brasil, sobre uma base familiar e, por interesse dela,
reproduzia seus ideais conservadores. Devido à tradição patriarcalista, fundamentava-se
na opressão dos indivíduos. Raramente, a educação era sinônimo de liberdade. Esta só
acontecia quando, após livrar-se dos laços caseiros, os indivíduos conseguiam se livrar
também das repressões das faculdades e dos centros de ensino, comportando-se quase
que autônomos diante das instituições. Outra alternativa seria estudar longe da família
em outro país.
Esses traços prejudiciais da dominação dos estudantes pelo caráter
patrimonialista, primeiro enquanto crianças, depois como adultos, que alastravam suas
raízes até a educação, foram denominados por Holanda como o “personalismo social”,
5 Conforme Helena Wendel Abramo: “A noção geral e usual do termo juventude refere-se a uma faixa de idade, um período da vida, em que se completa o desenvolvimento físico do indivíduo e uma série de mutações psicológicas e sociais ocorre, quando este abandona a infância para processar a sua entrada no mundo adulto. No entanto, a noção de juventude é socialmente variável. A definição do tempo de duração, dos conteúdos e significados sociais desses processos modificam-se de sociedade para sociedade e, na mesma sociedade, ao longo do tempo e através das suas divisões internas. Além disso, é somente em algumas formações sociais que a juventude se configura como um período destacado, ou seja, aparece como uma categoria com visibilidade social”. (1994, p. 1)
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expressão que representa toda uma estrutura criada para forçar e conduzir as ações
dos jovens a se sociabilizarem de acordo com os padrões previamente estabelecidos.
Nem sempre, é certo, as nossas experiências bastavam para apagar neles o vinco doméstico, a mentalidade criada de um meio patriarcal, tão oposto às exigências de uma sociedade de homens livres e de inclinações cada vez mais igualitária. Por isso mesmo Joaquim Nabuco pôde dizer que, 'em nossa política e em nossa sociedade [...], são os órfãos, os abandonados que vencem a luta, sobem e governam'. (HOLANDA, 2006: 158).
Estamos diante de um quadro extremamente relevante para iniciar um debate
sobre a impossibilidade de gerar, em solo brasileiro, indivíduos capazes de se lançarem
criticamente às questões políticas. Esse é um dos pontos deste trabalho, perceber,
diante das análises do livro Raízes do Brasil, quais foram os impedimentos, pequenos
traços camuflados pela história, que ainda hoje barram a participação e o interesse pela
política do país.
A Educação, depois das complexas etapas pelas quais passaram a família,
adquiriu forma e caráter de problema social. A resolução dos problemas ligados à
sociedade como um todo, saúde, habitação, alimentação e educação, ficaram a cargo
das políticas públicas, ou seja, do Estado. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), em seus artigos que apresentam as políticas e os
planejamentos da educação nacional, especificamente no Art. 2º está citado que:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (LDB. Lei 9394/96)
A educação, como foi citado acima, não está apenas nas mãos da família. A
família não é mais a única responsável pelo processo de socialização do indivíduo, bem
como, a formação desse para exercer sua cidadania, não é apenas obrigação dos pais.
O Estado, previsto por lei, agora é responsável, juntamente com a família, pela
educação dos indivíduos e suas qualificações.
Como já foi citado, a família representou papel fundamental quanto aos
empecilhos para se obter um sistema verdadeiramente democrático, em decorrência
disso as instituições de ensino também deram prosseguimento às condutas opressoras,
dominadoras e inflexíveis impostas aos indivíduos. Esta discussão dá margem para
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pensarmos que essas instituições eram formadoras de indivíduos regrados e obedientes
a toda e qualquer ordem. Indivíduos que foram forçados, mediante os castigos
psicológicos familiares e os castigos corporais6 das escolas, a seguirem as
determinações impostas pela ordem estabelecida. (HOLANDA, 2006).
Porém, as consequências desses procedimentos serviram para formar, em
grande escala, figurantes mudos que, por muito tempo e até hoje, se calam diante das
situações em que suas vozes seriam necessárias para reivindicar melhorias para a
sociedade como um todo. Não esquecendo a conjuntura em análise, Holanda estava
discutindo as ações sofridas por uma parcela da população brasileira, que contava com
o aparato, prejudicial “muitas vezes”, para a formação do ideal de coletividade, mas que
possuíam amparo familiar e acesso às escolas.
Esses são os indivíduos que foram chamados de figurantes mudos,
caracterizados por serem subservientes às regras, devido às suas determinações
históricas. O que não devemos esquecer, mediante essa discussão, é que uma parcela
considerável da sociedade brasileira, até hoje, é analfabeta e muitos não tiveram
contato com as instituições de ensino. É certo que esse número diminuiu
gradativamente com o passar dos anos, mas não podemos desconsiderar que, se existe
um mal sobre os indivíduos que frequentavam as instituições escolares (contaminadas
por ideais repressores), existem ainda outros males piores, decorrentes do desequilíbrio
social, como a alta taxa de analfabetos privados do acesso à educação básica no Brasil.
(HOLANDA, 2006).
A alfabetização, sem acompanhamento de outros elementos da educação crítica
que a escola não passa/passou à sociedade, seria um instrumento que poderia se valer
tanto de benefícios para a possível mudança na estrutura social, quando para o
aniquilamento desses ideais. A escola, para Holanda, era uma via de mão dupla,
portanto, seria inconcebível, para ele, acreditar nesses modelos “progressistas” que
pautavam seus discursos apenas em uma necessidade de mudança, como se isso
bastasse e suprimisse todas as lacunas deixadas em nossos habitus pelos nossos
colonizadores.
6 Eram muitas as práticas traumatizantes realizadas na tentativa de atingir a autoridade máxima e a disciplina nas instituições escolares. Algumas delas podem ser citadas: a palmatória, o castigo em cima de grãos de milho, o chapéu com orelhas de burro, dentre outros instrumentos que atacavam ora o psicológico das crianças, ora acarretavam violência física. Constituíam meios altamente repressivos de conter os impulsos e minar, ainda nas primeiras fases, qualquer iniciativa contrária às normas.
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O que realmente se queria não era a seleção dos políticos, por meio de uma aristocratização do eleitorado, mas o corolário forçoso dessa exigência: a eliminação como força decisória daquelas “massas inconscientes” de que falou em aparte na Câmara o Deputado Moreira de Barros. Em outras palavras, aspirava-se ao Governo7 de muitos por muito poucos, que é, em suma, a definição exata da palavra “oligarquia”. Os “muitos” não teriam o que fazer na sociedade política perfeita ou ficariam reduzidos a um fator letárgico. (HOLANDA, 2008, p. 266)
A citação de História da civilização brasileira, bem como a preocupação de
Holanda com os procedimentos que barravam a população de participar da vida política,
denunciava o que o autor chamou de “elitização da política”. Porém, o que estava posto,
frente a séculos de dominação política de uma camada dirigente, era se, nesse período,
seria democrático excluir “as massas inconscientes” (analfabetos), sendo que estes
representavam 80% da população do país. (HOLANDA, 2008: 260) A dificuldade dos
alunos/jovens se tornarem agentes sociais pode ter raízes nessas sucessivas
autoridades arbitrárias. A dominação pela família e pelo Estado descaracteriza o papel
central da educação. A educação deveria preparar esses jovens para se inserirem na
sociedade de maneira participativa, como questionadores, e não como amedrontados
pela ordem imposta.
Os ambientes repressivos, tais como a escola e a família patriarcal, foram
elucidados por Holanda para conduzir a discussão sobre as dificuldades que vieram a
encontrar os indivíduos que, formados pelas estruturas tradicionais, chegavam a ocupar
os cargos públicos com marcas e posturas altamente individuais. Essa era uma
consequência da falta de engajamento que se encontravam os dirigentes públicos que,
por não terem cultivado em nenhuma etapa do seu desenvolvimento a ideia de
coletividade social, conduziram suas ações sem distinguir o público do privado.
Portanto, para o autor, o que era necessário ser amplamente estudado e
questionado, eram os constantes obstáculos colocados à mudança social e política, que
se consolidavam na tentativa de emperrar o que o autor chamava de “forças de
renovação” da sociedade brasileira. Para isto, se fazia necessário o entendimento da
7 Sérgio Buarque de Holanda se refere, nessa citação, à lei Saraiva de 1881, que foi uma das reformas eleitorais do país. Tal lei carregou o nome de José Antônio Saraiva, ministro do Império, responsável por iniciar a reforma eleitoral. A Lei Saraiva ficou conhecida por instituir eleições diretas para todos os cargos do Estado: senadores, deputados, vereadores e juízes de paz. Sendo que, o maior marco, ficou a cargo da proibição dos analfabetos em votar, assim, o número de eleitores anteriores à Lei indicavam 12% da população como votantes (1.114.066), em 1874, e após a Lei, decreto nº3.029, esse número se reduziu para 1,5% da população (145.296). “Desaparecia, tanto quanto possível, a violência aberta, mas a fraude persistia sem corretivos, e mais pujante do que em outras eras”. (HOLANDA, 2008, p. 261)
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GARCIA, Luana
formação da educação brasileira, do patronato brasileiro, dos grandes ciclos
econômicos, do clientelismo político, que Holanda dizia desembocar no amplo processo
de “elitização da participação política”.
SOCIOLOGIA: UMA MATÉRIA EM BUSCA DA DIFICULTOSA MUDANÇA8
Após essa introdução sobre as dificuldades que enfrenta a educação no Brasil,
no que se refere à mudança social, e nos projetos que buscam inverter esse quadro,
podemos pensar nas propostas da Sociologia e, em especial, nos escritos de Florestan
Fernandes9. No capítulo intitulado “O Ensino da Sociologia na Escola Secundária
Brasileira” em seu livro A Sociologia no Brasil, o autor destaca que:
O ensino da sociologia no curso secundário representa a forma mais construtiva de divulgação dos conhecimentos sociológicos e um meio ideal, por excelência, para atingir as funções que a ciência precisa desempenhar na educação dos jovens na vida moderna. (FERNANDES, 1980, p. 105)
Mediante essa passagem podemos introduzir o debate acerca do papel da
sociologia e das diversas formas que essa pode ser trabalhada no ensino médio, a fim
de estimular o pensamento crítico e dar subsídios aos alunos para adentrar nas
discussões políticas. Em primeiro momento é necessário discutir como se trabalha com
a sociologia brasileira e o pensamento brasileiro nas escolas, pois, muitas vezes, a
matéria pode se tornar desinteressante ao remeter os alunos sempre a espaços e
tempos sociais distintos da sua vivência.
Partir da vivência cotidiana dos alunos, e dos assuntos pertinentes a eles, pode
ser um dos fatores capazes de trazê-los para próximo das discussões sociológicas. A
maioria dos livros didáticos10 de sociologia que estão em circulação hoje, nas escolas da
8 Para explorar o debate da mudança social e das muitas teorias sociológicas que compõem essa discussão ver: SZTOMPKA, Piotr. A Sociologia da Mudança Social. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira: 1998.9 FERNANDES, Florestan. A Sociologia no Brasil. Petrópolis, Vozes: 1980.10 O livro que serviu de base para essa discussão foi: COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo, Moderna: 1997.
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rede pública, introduz essa ciência pelos clássicos Franceses11, Alemães12 e Ingleses13,
movimento completamente necessário, mas, que ao mesmo tempo, faz com que os
alunos não consigam visualizar a proximidade das questões discutidas por esses
pensadores com as pertinentes ao Brasil.
O necessário nesse momento introdutório da ciência é, mesmo ao abordar
autores estrangeiros, que se façam pontes constantes com as singularidades brasileiras.
Essa foi a proposta das intervenções realizadas no Colégio Aloísio Aragão. procurando
contextualizar o surgimento da ciência da sociedade em Comte, Spencer e Durkheim,
mas, a todo tempo, relembrar o quadro histórico brasileiro e como o pensamento desses
autores tiveram influência sobre nós, no modo de lidar com as questões sociais e
políticas.
No caso do Colégio Aloísio Aragão, para que os alunos debatessem no fim de
uma unidade alguns assuntos políticos referentes às circunstâncias brasileiras, foi
trabalhado os primeiros autores que se aventuraram em terreno sociológico no Brasil.
Foi necessário contextualizar as correntes teóricas que tiveram maior repercussão nos
pensadores brasileiros, e assim, dar margem às dinâmicas desenvolvidas sobre o
positivismo e o evolucionismo, ressaltando que essas deram abertura para o contexto
do surgimento da sociologia em nosso país.
Somente após a abordagem do processo histórico e do panorama da sociologia
no contexto internacional é que se tornou possível discutir a sociologia brasileira, suas
principais fases, seus principais autores, as obras que marcaram décadas e os temas
que até hoje despertam interesse nos pesquisadores sociais. Dividiu-se a Sociologia no
Brasil tendo por base a década de 30, contextualizando os autores anteriores a 1930,
marcados por assumir um caráter mais literário nas abordagens da sociedade, e os
posteriores a 30, marcados pelo maior rigor da pesquisa científica.
Alguns dos autores anteriores a 1930: Sylvio Romero (1851-1914), Manoel
Bomfim (1868-1932) e Euclides da Cunha (1866-1909); os autores da década de 30,
caracterizados por dar início às pesquisas de campo com maiores instrumentais teóricos
próprios das Ciências Sociais: Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Caio Prado
11 Os principais autores Franceses desse período introdutório das ciências sociais foram: Auguste Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917) 12 Entre os Alemães se destacam: Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920).13 E ainda nessa primeira fase o Inglês Herbert Spencer (1820-1903).
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Junior (1907-1990) e Raymundo Faoro (1925-2003) e finalmente os posteriores a 1930
Florestan Fernandes (1920-1995) e Celso Furtado (1920-2004), dentre outros.
Após abordar esses autores e suas principais contribuições teóricas a
participação dos alunos, no que se refere a questionamentos e contribuições com
exemplos de suas próprias experiências, passou a ser constante, demonstrando que,
uma vez inseridos nas discussões e munidos dos acontecimentos históricos que
embasaram as teorias, fugiam da afirmação de que eram desinteressados dos assuntos
políticos e dos assuntos que permeiam a sociedade.
Para relembrar a problemática desse artigo a educação brasileira, e a Sociologia,
deveriam entrar nesse processo dando base para que os alunos estivessem em contato,
já no inicio da atividade escolar formal, com o pensamento político e social. A falta de
“lapidação” desses jovens e a péssima condição de instrução fazem com que o polimento
político dos alunos se prejudique e por consequência, que a evolução do processo
político sofra sérias rupturas, em resposta à falta de jeito com que esses alunos lançam-
se à política.
Esse quadro de desestímulo aos assuntos políticos provocado pelas instituições
escolares acarreta um processo de desinteresse dos alunos pela política e pelo
processo eleitoral, gerando assim, uma participação sem peso social relevante e
sujeitos à margem do processo político. O processo de construção social fica
sedimentado, e os alunos/jovens, desorientados, não conseguem compreender o papel
que representam na sociedade quando estes saem das escolas e são incluídos tidos
como “cidadãos14”. Mesmo sem o contato com questões políticas ex-alunos e futuros
“cidadãos” devem exercer seu papel e eleger seus representantes, nessa situação os
mesmos se veem pressionados por um processo político no qual não possuem
condições reais de participação.
Desta maneira o processo educacional, a educação brasileira, contribuem para o
surgimento de indivíduos apolíticos e desacreditados frente à participação política e
funcionam como uma verdadeira barreira para as mudanças sociais.
14 O termo cidadania é empregado neste artigo para conferir não apenas direitos civis e direitos políticos aos indivíduos, mas também direitos sociais. Como afirma José Murilo de Carvalho: “Pensava-se que o fato de termos reconquistado o direito de eleger nossos prefeitos, governadores e presidente da República seria garantia de liberdade, de participação, de segurança, de desenvolvimento, de emprego, de justiça social. De liberdade, ele foi. A manifestação do pensamento é livre, a ação política e sindical é livre. De participação também. O direito do voto nunca foi tão difundido. Mas as coisas não caminharam tão bem em outras áreas. (2004, p. 7)
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Seria como se a própria formação dos cidadãos renegassem o âmbito político, na
medida em que sua formação estivesse voltada exclusivamente para a
“profissionalização” e o pensamento social submetido ao técnico. Somente depois
desses processos de formação é que a questão política surgiria, ainda de maneira
precária e sem muito engajamento.
Esses alunos passam a entender ‘erroneamente’ que a política se faz em
momentos específicos, ou seja, somente nas eleições, sendo a política para eles um
movimento desconexo, no qual sua participação apenas em uma fase (fase eleitoral),
não mudará muito o cenário político-social.
Para os alunos é colocada na sua formação, desde o princípio, a necessidade de
se capacitarem para adentrar em um mercado competitivo. Desta maneira a escola
legitima essa ordem formando e apostilando os indivíduos. A possibilidade desses
indivíduos, de ao menos, ter contato com as questões políticas fica em segundo plano, à
mercê de um professor ou de um pai atento. Em síntese este processo infeliz faz com
que a política passe a ser descaracterizada e vista como aptidão, o que prejudica o
verdadeiro jogo democrático e os interesses gerais dos alunos, futuros cidadãos, frente
ao Estado.
A educação é peça fundamental no processo de aprendizagem política e a
Sociologia possui todos os meios para balizar essas discussões com excelência. Assim,
ao pensar na mudança social e política da sociedade brasileira, nos desafios que ainda
temos frente aos velhos vícios que não conseguimos conter, na articulação dos lideres
políticos em tentar desarticular a participação popular, na desigualdade social e na
necessidade de instruir, cada vez mais, os indivíduos a ponto de torná-los capazes de
balizar as ações dos dirigentes políticos, aparecem sempre o ensino, o conhecimento e
a escola como meios legítimos para mudar este cenário.
UNIVERSIDADE E ESCOLAS: UMA VIA DE MÃO-DUPLA
A partir deste momento serão discutidos a prática sociológica e os projetos que
existem para torná-la possível. Inicialmente podemos pensar nas questões que foram
levantadas por Florestan Fernandes, já em 1980:
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
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Quando as sugestões práticas: 1) Quais são as funções que o ensino da sociologia pode preencher na formação da personalidade e que razões de ordem geral aconselham a inclusão da matéria no currículo do ensino de grau médio? 2) A que concepção devia subordinar-se o ensino da sociologia nos diversos graus de ensino, inclusive no secundário? A definição clara da concepção apresenta a maior importância teórica e prática, pois dela depende a relação a ser estabelecida entre meios e fins na educação. [...] 4) Quais são as funções que o ensino da sociologia está em condições de preencher atualmente na escola secundária brasileira e, em particular, em que sentido poderá contribuir para alterar o sistema educacional brasileiro, de modo a fazer com que a educação se torne um “instrumento consciente de progresso social” nos diferentes meios sociais em que se integra no Brasil?
Quanto a estas problemáticas, ou como preferiu Fernandes, estas questões que
objetivavam reunir especialistas na busca de soluções, está subentendido que o ensino
de sociologia possui funções sociais, só deveríamos nos atentar para quais seriam
essas funções e em quais condições elas atuariam. É a partir dessa concepção de
“função social” que muitos projetos se sustentam, o projeto Semanas de Sociologia nas
Escolas da Rede Pública pode ser tido como exemplo.
A intenção do projeto “Semanas”, da Universidade Estadual de Londrina, é tecer
uma ponte entre a universidade e a escola, contando com o auxilio de graduandos de
licenciatura, em especial os de Ciências Sociais. Como este é um projeto de extensão,
suas práticas abrangem uma parcela significativa das escolas, localizadas no Núcleo
Regional (NRE) de Londrina, em formato de semanas temáticas.Tendo como eixo
questões pertinentes à sociologia são organizados eventos com palestras, oficinas,
teatro etc. que auxiliam nos trabalhos dos professores envolvidos.
Outro elemento muito importante a ser trabalhado, fruto das atividades realizadas
pelo projeto “Semanas”, é a troca de experiências entre os palestrantes e os alunos do
ensino médio, oportunidade (muitas vezes) única de alguns graduandos discutirem seus
temas de pesquisa, na medida em que, nas experiências obtidas nos estágios de
observação/intervenção os graduandos devem seguir os temas pré-definidos pelos
colégios. São estes momentos diferenciados capazes de aproximar, ainda mais, as
questões sociológicas dos alunos, servindo de complemento ao trabalho do professor.
Até o término deste artigo, no relatório oficial do projeto “Semanas”, estava
estimado que cerca de 2 mil pessoas, por ano, entraram em contato com as semanas
temáticas de Sociologia. Em alguns colégios o evento já se tornou uma tradição e foi,
inclusive, incorporado no calendário escolar. Constatou-se que em colégios onde o
projeto Semanas teve mais atuações o nível de participação e colaboração dos alunos
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
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era maior, uma vez que estes estiveram mais em contato com as questões pertinentes à
sociologia.
Para a discussão da sociologia enquanto mudança social e da contribuição desta
na formação de novos agentes sociais e políticos, o debate acerca dos projetos de
extensão que estimulam discussões voltadas à formação de uma mentalidade coletiva,
que favoreça e capacite as reflexões, é extremamente pertinente. Uma vez atuando nos
colégios, as atividades que esses projetos cumprem, muitas vezes reflexivas e
dinâmicas (contando com a participação do aluno) faz com que o mesmo saia do
anonimato e interaja nas oficinas/palestras.
No caso do Colégio Maria do Rosário Castaldi (CEEP), onde a Semana de
Sociologia e Humanidades já está na sua 4ª realização, podemos notar os avanços
obtidos pelos alunos em uma noção processual. Esse foi um dos cenários possíveis
para a discussão da temática “política” com os alunos do ensino médio, e os relatórios
colhidos apresentaram uma mudança gradual do pensamento entre a primeira semana
e a última semana do colégio. Outras escolas também fazem parte desse contexto,
como o Nilo Peçanha, onde já houve (9) semanas temáticas, Vicente Rijo (1), Francisco
Villanueva de Rolândia (3), Olavo Bilac de Ibiporã (4), Marcelino Champagnat (2), Olavo
Bilac de Cambé (1), dentre outros.
CONCLUSÃO
No interior do projeto Semanas foi possível fazer uma abordagem histórica e
destacar, na política brasileira e nas instituições escolares, suas mais importantes
etapas. Só assim é possível, juntamente com os alunos, pensarmos o período que
estamos vivendo e o processo que a escola está evidenciando, para buscar nesses
indivíduos, que compõem a escola hoje, suas opiniões frente à política e frente a essas
instituições que frequentam diariamente. As oficinas ficam sempre a cargo de possibilitar
essas interações, pois, o movimento contrário, de pensar a política e a escola sem ouvir
os cidadãos/alunos que a constroem, parece retirar dos agentes mais significativos suas
possibilidades de refletirem e se inteirarem do próprio momento em que estão inseridos.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
GARCIA, Luana
Tanto os questionários, quanto a participação dos alunos em sala, demonstrou que os
assuntos referentes às questões políticas não são renegados e rechaçados como dizem
as lideranças políticas, muito menos que existe um desinteresse nato a respeito destas
discussões. O que os alunos demonstravam era um despreparo imenso, fruto de um
esquecimento “nada casual” das ementas e programações escolares. Esta falta histórica
de estímulo às discussões políticas não descartava o interesse que estes alunos
possuíam em conhecer mais do quadro político brasileiro.
A desarticulação escolar com o processo de transformação desse aluno/cidadão
contribui para a fraqueza dos ideais democráticos, por isto, existe a necessidade de
expor e contextualizar as transformações que passaram a política brasileira e as
instituições escolares, para que os alunos compreendam a política e a escola hoje, seus
avanços e recuos, suas necessidades e desafios. Dar respaldo para que os alunos
compreendam a sociedade em que estão inseridos, os momentos marcantes da nossa
história e as lutas sociais e políticas é uma obrigação da escola e uma meta dos
projetos comprometidos com a mudança social.
O esforço desse artigo foi desmistificar a ideia de que os alunos são
desinteressados pelos assuntos políticos no Brasil. A problemática levantada foi a de
que esse desinteresse faz parte de um desestímulo histórico e proposital, ocasionado
por parte de uma elite dirigente do país15, em detrimento da formação de pessoas mais
conscientes e capazes de adentrar, com peso, nas discussões políticas. Só assim a
escola poderia ressurgir como meio de assegurar os primórdios da mudança social,
funcionando como um verdadeiro espaço público capaz de levantar e sustentar as
verdadeiras transformações.
REFERÊNCIAS
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AZEVEDO, F., A cultura brasileira. Brasília: UNB, 1998.
_____. Sociologia educacional. São Paulo: Melhoramentos, 1957.
15 Para ampliar essa discussão ver: FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. São Paulo: Globo, 2006.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
GARCIA, Luana
BRASIL, LDB. Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 20 nov. 2010.
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ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
SZTOMPKA, Piotr. A Sociologia da mudança social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
Recebido em: Outubro/2011.
Aprovado em: Novembro/2011.
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LAGE, Michelle Torres; ROSA, Marco André Cernev
EVOLUÇÃO DA INFÂNCIA NO BRASIL: DO ANONIMATO AO CONSUMISMO
Michelle Torres Lage1
Marco André Cernev Rosa2
RESUMO: O conceito de infância pode parecer algo simples. Porém quando se realiza
uma investigação sobre o desenvolvimento deste conceito, percebe-se sua historicidade
e complexidade. Este artigo analisa o papel social da infância no Brasil. Ele tem como
ponto de partida o conceito de infância próprio ao Brasil colonial e estabelece um
paralelo em relação à contemporaneidade. A análise demonstra como o conceito de
infância sofreu modificações a partir de condicionantes sociais, políticos e econômicos,
até o ponto em que a infância passou a ser entendida pela sociedade a partir do seu
potencial de consumo direto e indireto, inclusive através da influência que as crianças
podem exercer no consumo de seus pais, devido ao seu potencial de “incômodo”.
Palavras- chave: Infância, mudança, economia, consumismo.
EVOLUTION OF CHILDHOOD IN BRAZIL: FROM ANONYMITY TO CONSUMERISM
ABSTRACT: The concept of Infancy can seem something simple. However, when an
inquiry into development of this concept is done, its historicity and complexity are
realized. This article analyzes the social development of infancy in Brazil. It has as
starting point the concept of infancy to colonial Brazil and establishes a parallel in
relation to Contemporary World. The analysis shows how the concept of infancy suffered
some modifications from social, politicians and economic aspects, until the infancy to be
understood by the society, from its direct and indirect consumption potential and also by
1 Graduanda em Pedagogia pela UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná – Campus de Paranavaí/FAFIPA. Bolsista PIBIC pela Fundação Araucária. E-mail: [email protected].
2 Docente da UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná – Campus de Paranavaí/FAFIPA. E-mail: [email protected].
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LAGE, Michelle Torres; ROSA, Marco André Cernev
the influence that the children can exert in the consumption of their parents, due to his
potential of “bother”.
KeyWords: Infancy, change, economic, consumption.
INTRODUÇÃO
Crianças nunca faltaram no Brasil. Quando as embarcações portuguesas
atracaram em solo brasileiro juntaram-se as crianças portuguesas com as índias, já
existentes no país, logo em seguida vieram as crianças africanas, trazidas para o Brasil
com seus pais escravos e tempos depois os filhos de escravos com portugueses
nasceriam em solo brasileiro. (ABREU, 2008).
A vida dessas crianças não era nada fácil, pois, em geral, o que os portugueses
visavam era apenas explorar a sua força de trabalho, sendo tratadas como adultos em
miniatura.
Analisar a história da criança brasileira é dar de cara com um passado que se intui, mas que se prefere ignorar, cheio de anônimas tragédias que atravessaram a vida de milhares de meninos e meninas. O abandono de bebês, a venda de crianças escravas que eram separadas de seus pais, a vida em instituições que no melhor dos casos significavam mera sobrevivência, as violências cotidianas que não excluem os abusos sexuais, as doenças, queimaduras e fraturas que sofriam no trabalho escravo (PRIORE, 1991, p.3)
Após longo período de maus tratos, miséria, abandono, a infância em 1927
passou a receber amparo legal, com o código de menores, elaborado para retirar as
crianças abandonadas das ruas, que aumentava alarmantemente cada vez mais, e da
criminalidade em que se envolviam para sobreviver.
Com o golpe militar de 1964 a infância abandonada passou a ser analisada como
fator para o subdesenvolvimento. O governo deste período tinha a intenção de tornar o
país uma das potências mundiais, para isso criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do
Menor (FUNABEM). Porém não estavam tão preocupados com o real bem-estar desses
menores e sim em conter esses jovens que colocavam em risco a segurança e o
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
LAGE, Michelle Torres; ROSA, Marco André Cernev
desenvolvimento do país. Talvez haja uma modificação nesta motivação, a partir da
criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quando foram elaboradas leis
sobre seus deveres e principalmente direitos, seu cumprimento é cobrado ética e
moralmente da sociedade.
Utilizamos a expressão talvez, pois esta elaboração ainda está ligada a uma
pressão internacional em que o legislador brasileiro procura se aproximar de orientações
que o permitam corresponder a orientações internacionais. Inclusive uma das críticas a
esta legislação específica o ECA, é justamente a questão cultural e o contexto em que
estas orientações foram criadas, e a maneira como podem se distanciar do contexto
brasileiro. Reforçando uma crítica frequente de que no Brasil as legislações são criadas
com o sentido de levar a um comportamento, enquanto em outros países, a criação de
legislações específicas ocorre no sentido de regulamentar algo que já faz parte da
realidade e do comportamento da população. O mesmo pode ser observado quanto a
questão da legislação que trata da inclusão social.
Porém ainda vemos muitas ações da sociedade que ferem os direitos das
crianças (ou o que deveria ser garantido na forma de um direito, mesmo que hoje ainda
não seja entendido desta forma – principalmente por já estar regulamentado em outros
países). Um exemplo é a mídia que está sendo usada pelos empresários, com a
intenção (premeditada) de acumular capital, para manipular as crianças, visto que elas
passam boa parte do seu dia em frente de uma TV. Assim o hábito consumista é
praticamente imposto sobre elas. “Se a criança pela lei é considerada incapaz, como
podemos permitir uma mensagem publicitária voltada a ela? Ainda mais uma peça
publicitária que seja persuasiva” (RENNER, 2008).
A “infância” no Brasil
A história da infância no Brasil não se inicia em 1500 com seu descobrimento
pelos portugueses, tão pouco por volta de 1530 quando se deu seu povoamento, essa
história se inicia com o recrutamento de crianças que adentravam nas embarcações
portuguesas rumo à terra de Santa Cruz. Recrutamento que era incentivado pela coroa
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
LAGE, Michelle Torres; ROSA, Marco André Cernev
portuguesa, já que havia uma grande desvalorização da vida infantil. Estas não eram
vistas como crianças e sim como animais, que deveriam usar sua mão de obra
enquanto suas vidas durassem. Segundo Ramos (2011, s/p.) “A expectativa de vida das
crianças portuguesas, entre os séculos XIV e XVIII rondava os ‘quatorze anos’,
enquanto ‘cerca da metade dos nascidos vivos morria antes de completar sete anos’.
O recrutamento destas crianças para as embarcações de acordo com Ramos
(2011) se dava de três maneiras, a primeira era o rapto de crianças judias, que
acontecia com o objetivo de conseguir a força de trabalho para as embarcações e
também de controlar o crescimento da população judaica em Portugal. A segunda
maneira consistia no alistamento de filhos de famílias miseráveis , que era feito pelos
próprios pais, com o objetivo de terem uma pessoa a menos para sustentar. A terceira e
última era o recrutamento dos órfãos desabrigados. “Neste meio selecionavam-se
meninos entre nove e dezesseis anos e não raras vezes com menor idade para servir
como grumetes nas embarcações lusitanas”. (RAMOS, 2011)
Em alto mar,
[...] apesar de os grumetes não passarem muito, de adolescentes, realizavam a bordo todas as tarefas que normalmente seriam desempenhadas por um homem. Recebiam de soldo, contudo, menos da metade do que um marujo, pertencendo à posição mais baixa dentro da hierarquia da marinha portuguesa. Sofriam ainda, inúmeros ‘maus tratos’, e apesar de pelas regras da Coroa portuguesa estarem subordinados ao chamado guardião (cargo imediatamente abaixo do contramestre, ocupado em geral por um ex-marinheiro), tinham de prestar contas aos marinheiros e até mesmo aos pagens – outro tipo de função exercida por crianças, que costumavam explorar seus pares mais pobres, a fim de aliviar sua própria carga de trabalho. (RAMOS, 2007, p.23 apud LEITE, 2011 p. 3).
Segundo variadas referências sobre a época, para sobreviver a todos esses
meses de navegação os grumetes precisavam viver suas vidas como adultos,
enfrentando a fome, pois nas embarcações pouco lhes sobrava além de biscoitos
bolorentos, águas podres e fétidas, baratas e ratos que encontravam nos navios. Eles
enfrentavam “os trabalhos mais pesados e arriscados a bordo, bem como explorados
por seus pares embarcados na qualidade de marujos, sofrendo frequentemente abusos
sexuais, maus tratos e humilhações.” (RAMOS, 2011,s/p.). Uma tradição que se
perpetuaria em terra e mesmo na marinha de guerra brasileira quando por ocasião da
independência do Brasil. Essa condição foi denunciada por João Cândido.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
LAGE, Michelle Torres; ROSA, Marco André Cernev
Quando as embarcações portuguesas atracaram em solo brasileiro, os
portugueses ficaram surpresos com aquela população selvagem que encontraram.
Houve um choque entre as culturas europeia (na figura do português) e a dos
indígenas (que não tinham a sua cultura respeitada como tal) e a questão do
atendimento à infância constitui um dos pontos de grande diferença entre estas culturas.
Saviani (2008) baseado nos estudos de Fernandes (1989) completa que o processo de formação social das gerações indígenas acontecia em grupos separados por idades e sexo. Até a idade de oito anos havia total dependência materna, passando de tal idade os meninos recebiam arcos e flechas para brincar informalmente com seus pares. Já as meninas continuavam com as mães habilitando-se na arte de fiar algodão e amassar o barro. (LEITE 2011 p. 6)
Podemos perceber que a educação indígena se dava de uma maneira natural,
espontânea, com os pequenos seguindo os passos de seus pais para aprender as
necessidades do grupo, pois faziam parte dele e assim eram consideradas e
valorizadas.
Já na cultura europeia o conceito de infância e o cuidado com ela ainda estavam
em construção, considerando novamente a questão das viagens em alto mar e
principalmente como afirma Maison-Laffitte:
[…] essa sociedade via mal a criança, e pior ainda o adolescente. A duração da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote do homem ainda não conseguiam abastar-se; a criança então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus trabalhos e jogos. [...] A transmissão dos valores e dos conhecimentos, e de modo mais geral, a socialização da criança, não eram portanto nem asseguradas nem controladas pela família. A criança se afastava logo de seus pais, e pode-se dizer que durante séculos a educação foi garantida pela aprendizagem, graças à convivência da criança ou do jovem com os adultos. A criança aprendia as coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-las. A passagem da criança pela família e pela sociedade era muito breve e muito insignificante para que tivessem tempo ou razão de forçar a memória e tocar a sensibilidade. [...] Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois uma outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato. (MAISON-LAFFITTE 1981, p.10 apud ARIÈS, 1981.)
Ou seja, aquele povo que era denominado pelos portugueses como “selvagem”
socializava seus filhos na cultura de uma maneira natural, já os portugueses não
enxergavam que as crianças precisavam ter um tratamento diferenciado, especial, pois
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
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o processo do reconhecimento da infância na sociedade deles ainda estava em
construção. Esta diferença entre as culturas, o modo de vida e a maneira de reconhecer
a infância entre estes povos era evidente.
Logo depois da chegada dos portugueses, a vida indígena sofreu uma forte
mudança, por volta de 1532 quando iniciou a colonização do Brasil, a mão de obra
utilizada era a indígena, as crianças não eram poupadas. Abreu (2008) ressalta que mal
completavam seis anos e já acompanhavam seus pais nas lavouras. Em 1549 iniciou-se
a a educação das crianças indígenas, com a chegada dos jesuítas. Sua missão era
voltada para “a colonização, a educação e a catequese” (SAVIANI, 2008, p. 26 apud
LEITE, 2011, p. 9).
A educação ofertada tinha um
compromisso essencial do jesuíta com a Igreja, na defesa e propagação da fé, criara desde a sua chegada, aqui como por toda parte, essa situação, clara e definida, em que a sua espantosa atividade missionária, política e educadora, se apresentava subordinada inteiramente às exigências ecumênicas da Igreja e aos supremos interesses da religião. (AZEVEDO, 1971 p. 510 apud LEITE, 2011 p. 9)
Percebemos assim que a intenção inicial dos jesuítas era propagar a fé católica
entre os indígenas, começando com “os meninos índios e, por meio deles, agir sobre
seus pais, em especial os caciques, convertendo toda tribo para a fé católica” (SAVIANI,
2008 p. 43 apud LEITE, 2011, p. 10).
No entanto a intenção inicial de educar e converter o gentil à fé católica sofreu
modificações quando os Ordenamentos de Estatutos foram substituídos pelo ratio
studiorum a partir do qual o papel da educação ofertada pelos jesuítas passou a
interferir em questões políticas.
O objetivo deste artigo não é discutir a educação voltada para a infância desta
época, porém, os dados encontrados mostram como a educação indígena (da
sociedade indígena) era rica em valores morais, e como esta não foi respeitada pelos
portugueses e jesuítas como tal. Desta maneira, justifica-se a importância de destacar
estes fatos. As famílias que habitavam as terras brasileiras não constituíam uma
preocupação para Portugal, que inspirando-se no modelo da Inglaterra, passava a se
beneficiar dos lucros da colônia brasileira. Assim como a reforma política, a reforma
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educacional no Brasil passava também a visar o lucro para os portugueses. O ministro
Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal) com o intuito de levar a
educação a comando do estado, expulsou os jesuítas da colônia e criou as aulas régias
(SECO; AMARAL, 2005)
A organicidade da educação jesuítica foi consagrada quando Pombal os expulsou levando o ensino brasileiro ao caos, através de suas famosas ‘aulas régias’, a despeito da existência de escolas fundadas por outras ordens religiosas, como os Beneditinos, os franciscanos e os Carmelitas”. (NISKIER, 2001, p. 34 apud SECO; AMARAL, 2005)
Com o desenvolvimento da colonização houve uma desvalorização da educação
indígena, e também da sua mão de obra, logo substituída pela força de trabalho negra.
De acordo com Souto (1967) no período de 1550 começaram a chegar os primeiros
navios negreiros ao Brasil, com o intuito de substituir a mão de obra indígena. Nos
séculos de escravidão, o interesse maior era pelos homens, por suportarem mais o
trabalho pesado. Porém, em quantidades menores, vinham mulheres, crianças e idosos,
que também eram explorados de maneira cruel. Sendo a mão de obra masculina mais
valorizada pelos compradores, estes quando iam arrematar seus escravos não
pensavam em suas mulheres e filhos, ocorrendo a separação de muitas das famílias
que aqui adentravam, “quem comprava os escravos desconsiderava os laços familiares
existentes entre os negros africanos e, se assim desejassem, separavam as crianças
dos seus pais, mulheres dos seus maridos, enfim, rompiam de vez os vínculos
familiares.” (GÓES; FLORENTINO, 2000, p. 180 apud LIMA, 2011).
Se para um adulto manter-se vivo nesta época era uma tarefa difícil, imagine
para uma criança, que além de todo o sofrimento e dificuldade que enfrentava, muitas
vezes se via separada de sua família, e rejeitada pelos compradores de escravos por
acreditarem que estas não dariam o lucro esperado. Assim percebemos que
A mortalidade infantil era muito alta, dessa forma, a criança que conseguisse completar um ano de vida já era considerada vitoriosa. Dentre as principais doenças que afligiam as crianças nesse período podemos destacar: mal dos sete dias, tinha, sarna, impingem, sarampo e lombrigas (PRIORE, 2000, p. 91 apud MOTTA, 2009, p.3).
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O interesse dos senhores, pela gravidez de suas escravas era pequeno, pois
estas dariam muitos gastos, e o lucro que ele teria com ela diminuiria por algum tempo.
O sustento, a moradia, a alimentação e a vestimenta de seus filhos quem proveria seria
o senhor, com a taxa de mortalidade sendo tão alta, este investimento de cuidar da
gravidez da escrava não era considerado tão rentável, já que poucas crianças
chegariam à sua plenitude aptas para o trabalho.
Mary Del Priore no artigo O cotidiano da criança livre no Brasil entre a Colônia e o Império divide a infância em 3 fases, cujas características variavam de acordo com a condição social e jurídica dos pais. A primeira fase iniciava-se no nascimento e terminava aos 3 ou 4 anos de idade, período que marcava o fim da amamentação. Entre os 5 e 7 anos as crianças entravam na segunda fase, quando passavam a acompanhar os pais na lide. A terceira fase iniciava na transição dos 7 para os 8 anos até aos 14 anos, etapa de aprendizado para os infantes, como a prática de pequenos trabalhos, ofícios ou estudo das letras nas escolas régias. (MOTTA, 2009),
Priore salienta que próximo aos 5 anos de idade as crianças, tanto as do senhor
quanto as dos escravos não tinha uma diferenciação tão evidente e costumavam até
brincarem juntas. Porém, após esta idade cada uma seguia um caminho diferenciado. O
filho do senhor era iniciado no estudos das letras, enquanto o filho dos cativos seguiam
seus pais na lida, para que com o convívio diário já aprendessem a ser escravos.
Diferente do inicio da escravidão, em 1850 quando, por pressão da Inglaterra, o
tráfico negreiro foi extinto (ainda que progressivamente), passou-se a dar mais valor aos
filhos dos cativos, pois seriam estes que dariam continuidade à escravidão, já que esta
prática estava sendo extinta e os senhores encontravam dificuldades para comprar
homens fortes para a lida. Assim “Antonil aconselhava que os proprietários tratassem
bem seus escravos para que eles ficassem felizes e assim reproduzissem servos e
servas.”(ANTONIL, 1982, p. 164 apud MOTT 1989, p. 92-93). Este discurso passou a
ser utilizado após muitas negras terem iniciado a prática do infanticídio, provocando o
aborto de seus filhos e em outras vezes abandonando os mesmos, nas ruas, deixando-
os à sua própria sorte, para que estes não viessem a ser cativos e sofrerem como suas
mães e seus antepassados sofreram por tantos séculos.
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Mott, citando Castro Alves expõe uma emocionante poesia, chamada Mater
Dolorosa, incluída no seu livro “Os escravos”, onde se refere ao aborto das escravas,
como um ato de amor.
Meu filho, dorme, dorme o sono eterno No berço esplêndido que se chama - o céu
Pede às estrelas um olhar materno, Um seio quente como o seio meu.
Ai! borboleta na gentil crisálida, Asas de ouro vais além abrir
Ai! rosa branca no matiz tão pálida Longe, tão longe vai além florir.
(...)Não me maldigas...Num amor sem termo
Bebi a força de matar-te...a mim ... Viva eu cativa a soluçar num ermo...
Filho, se livre... sou feliz assim...(...)
Perdão meu filho...se matar-te é crime... Deus me perdoa... me perdoa já.
A fera enchente quebraria o vime... Valem-te os anjos e te cuidem lá.
(…)(ALVES, Castro, 1976, p. 53, apud MOTT, 1989, 93).
Quando as mães cativas abandonavam seus filhos na área rural, muitas famílias,
geralmente pobres, encontravam as crianças e as recolhiam da rua, adotando-as como
filhos de criação, pois precisavam de sua mão de obra para a lida, já que não poderiam
comprar um escravo e dependiam da força de trabalho familiar para sobreviver. Desta
forma este abandono era controlado e disfarçado.
Já na área urbana a rejeição e abandono desses recém nascidos em ruas,
lixeiras e terrenos baldios, se dava por muitas dessas gestações não acontecerem
dentro de um casamento. Esta se tornava uma maneira das mulheres se resguardarem,
já que o comportamento moral feminino era julgado pela sociedade constantemente,
“quando uma mulher branca e solteira ficava grávida, tanto ela quanto o filho podiam ser
mortos pelos pais ou irmãos. Nessas circunstâncias, a gravidez e o parto clandestinos,
seguidos do abandono da criança, era uma alternativa à dura condenação da moral
patriarcal” (VENÂNCIO, 1997, p.199 apud TORRES, 2006, p. 106).
O mundo colonial conviveu com o índice de 30% a 60% de bastardia entre os livres e de 50% a 100% entre os escravos. [...] Na capital baiana os acervos do século XIX indicam que de cada três mães brancas uma tinha tido filho fora das fronteiras do casamento. (VENÂNCIO, 2006 p. 199)
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Diferente da área rural, nos centros urbanos não havia famílias em número
suficiente para adotar os enjeitados que eram abandonados nas ruas e para os maiores
o emprego era escasso, provocando assim um grande desequilíbrio nas cidades,
gerando um problema para as políticas públicas. Não havendo o interesse por parte das
famílias em adotar estas crianças, ocorreu a instalação da Roda dos Expostos que
consistia
em um cilindro de madeira que girava sobre um eixo vertical e era encaixada numa grossa parede [...] instalada para receber as crianças enjeitadas, a roda foi colocada no muro de trás da instituição, pois era preciso garantir ao depositante a descrição, assegurando-lhe o anonimato, guardar o segredo de sua identidade. (NASCIMENTO, 2008, p. 100)
A roda dos expostos “procurava evitar os crimes morais. A instituição protegia as
brancas solteiras dos escândalos, ao mesmo tempo que oferecia alternativa ao cruel
infanticídio.” (VENÂNCIO, 2006, p. 198)
Se inicialmente a roda dos expostos tinha a intenção de proteger as crianças
abandonadas, e manter a honra das famílias, já que o adultério e filhos fora do
casamento eram frequentes, por fim não foi assim que aconteceu, pois a quantidade de
expostos crescia cada vez mais, boa parte destes eram brancos, sofriam o abandono,
pois eram considerados “filhos do pecado”, eram a prova da imoralidade de sua mãe
que para não manchar a sua honra abandonava-os. Crescia também a quantidade de
negros abandonados pelas suas mães escravas, para não serem escravos como elas, e
de filhos de famílias pobres que não teriam condições financeiras de criar essas
crianças.
Já nos hospitais, igrejas, conventos onde ficavam os expostos o índice de
mortalidade infantil era absurdo, segundo os médicos da época o grande culpado por
estas mortes, além das inúmeras doenças que as crianças adquiriam, eram as mães de
leite ou de criação, que não cuidavam destas crianças com amor e carinho que
mereciam. Geralmente estavam com pouca paciência, muitas vezes chegando a colocar
aguardente no leite para a criança parar de chorar e dormir rapidamente e por longo
período. Percebemos que “a roda terminou possibilitando a homens e mulheres um
apoio seguro às suas transgressões sexuais, bem como se tornou um foco autóctone de
mortalidade infantil.” (NASCIMENTO, 2008, p. 25).
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Muitas dessas crianças abandonadas saiam da casa do recolhimento e iam
morar na rua, outras apenas perambulavam pelas ruas. Por motivos de pobreza extrema
elas passaram a cometer pequenos furtos para garantir a sua sobrevivência,
ocasionando um grande aumento na criminalidade, observando isto a preocupação com
o sujeito infantil passava a se instituir como um problema econômico e político.
Do ponto de vista dos juristas, tornou-se premente uma nova atitude por parte da sociedade e do Estado brasileiro com relação à criança abandonada. Duas preocupações básicas e interligadas nortearam, a partir de então, seus debates em torno desse problema. A primeira dizia respeito à busca de soluções que garantissem assistência às crianças e aos adolescentes privados de amparo moral e material na sociedade. A outra preocupação, possivelmente a preponderante, referia-se aos níveis crescentes de criminalidade infantil e juvenil, que colocavam em risco a manutenção da ordem e a “boa saúde” da sociedade. (FRONTANA, 1999, p. 50)
Segundo estes juristas as crianças abandonadas significavam uma ameaça para
a sociedade que estava se modernizando, pois elas passavam grande parte, se não
todo o seu dia, na rua, ficando livre para fazer o que bem entendessem e em contato
com outras pessoas de maus costumes que lhes serviriam de exemplo. Pensando em
acabar com essa marginalidade e delinquência precoce foi elaborado o Código de
Menores de 1927, “sob a categoria 'menor' incluíam-se todas as crianças e
adolescentes material ou moralmente abandonados. [...]” (FRONTANA, 1999, p. 53).
O código de menores estabeleceu que jovens que não trabalhassem ou
estudassem provavelmente entrariam na criminalidade. Se um jovem abandonado fosse
encontrado na rua seria encaminhado para instituições disciplinares, de acordo com
Frontana “às instituições disciplinares caberia a formação de crianças e adolescentes
economicamente produtivos, moralizados e politicamente submissos.” (FRONTANA
1999 p. 53). Se esta política tinha a intenção real de ajudar o “menor” não foi isto que
aconteceu, pois as instituições disciplinares eram vistas como verdadeiras escolas do
crime.
A questão do menor só passou a ser verdadeiramente dimensionada como um
problema social de âmbito nacional após o golpe militar de 1964. O desenvolvimento do
Brasil, como descrito por Frontana “sempre foi uma preocupação urgente, sem
segurança não há possibilidade de acontecer o desenvolvimento em um país, porém só
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a partir de 1964 que a pobreza e miséria passaram a ser entendidas como fatores do
subdesenvolvimento.” (FRONTANA, 1999, p. 82)
Em um discurso o marechal Castello Branco deixa claro suas intenções:
Desenvolvimento e segurança [...] são ligados por uma relação de mutua causalidade. De um lado, a verdadeira segurança pressupõe um processo de desenvolvimento, quer econômico, quer social. Econômico porque o poder militar está também essencialmente condicionado à base industrial e tecnológica do país. Social porque mesmo um desenvolvimento econômico satisfatório se acompanhado de excessiva concentração de renda e crescente desnível social, gera tensões e lutas, que impedem a boa prática das instituições e acabam comprometendo o próprio desenvolvimento econômico e a segurança do regime. De outro lado, o desenvolvimento econômico e social pressupõe um mínimo de segurança e estabilidade das instituições. E não só das instituições políticas, que condicionam o nível e a eficiência dos investimentos do estado, mas também das instituições econômicas e jurídicas que, garantindo a estabilidade dos contratos e o direito da propriedade, condicionam, de seu lado, o nível e a eficácia dos investimentos privados.(O Estado de São Paulo, 14 de março de 1967 apud FRONTANA 1999 p. 82)
Este discurso deixa evidente a ideologia do governo militar, e a intenção de
transformar o Brasil em uma economia capitalista e que fosse uma potência mundial.
Com essa nova política de desenvolvimento e segurança a “questão do menor” passou
a ter um novo enfoque, que foi de acordo com o regime autoritário vigente.
Em dezembro de 1964 foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
(FUNABEM) com os objetivos de reprimir, corrigir e integrar os supostos menores
desviantes, pois estes significavam riscos para a ordem pública e eram estas situações
de risco que se queria combater.
Na visão de Frontana (1999) além de o estado ter interesse na “questão do
menor” para manter a ordem e a segurança no país, para que este se desenvolvesse,
também utilizava da política do “menor” como propaganda do regime.
Esse tipo de propaganda longe de ser uma manifestação isolada, fazia parte de uma ampla estratégia de comunicação do regime militar - destinada a garantir sua manutenção no poder -, que buscava, entre seus objetivos, o reconhecimento da opinião pública quanto à eficiência da ação do Estado na área social. (FRONTANA, 1999, p.91)
Percebemos que as políticas para a infância deste período eram voltadas para
conter esses jovens e não para protegê-los, sempre visando o desenvolvimento
econômico e a acumulação do capital.
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Enquanto no Brasil predomina a política voltada para a contenção do jovem e não
para a sua proteção, em outros países do mundo a consciência da particularidade
infantil começa a ser notada, um exemplo disto é a declaração sobre os direitos das
crianças, de 1924 enunciada em Genebra.
Quando...
Em 1989 a Organização das Nações Unidas aprovou uma Convenção sobre os Direitos das Crianças. Este documento estabeleceu um novo paradigma de proteção à infância e à adolescência, determinando que todas as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos titulares da chamada proteção integral. Este documento foi ratificado pelo Brasil em 1990 [...] (INSTITUTO ALANA, 2011).
No Brasil uma nova atitude diante da infância e adolescência foi tomada apenas
em 13 de julho de 1990 com a criação da lei n° 8.069, denominada Estatuto da Criança
e do Adolescente. Com esta lei iniciou-se uma real ruptura com o método excludente
antes aplicado à infância. “O Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) trouxe, com
sua concepção, uma nova forma de tratar as políticas direcionadas à infância e à
adolescência no Brasil.” (ARNS, 2010, p.3. in: BRASIL, 2010). Um exemplo é o
conteúdo da seção “Das Disposições Preliminares”, que aborda a garantia dos direitos
das crianças e dos adolescentes e não apenas os deveres, como ocorria antes:
Art. 3° A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4° é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2010, p. 7).
A criança passa agora, no texto e na intenção da lei, a ser realmente inserida na
sociedade (diferente da ação anterior de tirar do convívio), vista como individuo de
deveres e principalmente de direitos, a infância passa a ter outro olhar e outro
tratamento.
Diferente do passado, quando a infância não era reconhecida como tal, e o papel
desta na sociedade era semelhante ou igual a nada, nos dias atuais a infância e o
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
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cuidado com ela é supervalorizado, ética e moralmente. Porém, os pais não têm o
mesmo tempo disponível para seus filhos como no passado, quando apenas o pai
trabalhava para sustentar a família e a mãe ficava em casa para cuidar e educar seus
filhos.
Desta maneira notamos que
[...]a crescente fragilização dos laços conjugais, a explosão urbana com todos os problemas decorrentes de viver em grandes cidades, a globalização cultural, a crise do ensino face aos avanços cibernéticos, tudo isso tem modificado, de forma radical, as relações entre pais e filhos, entre crianças e adultos.(PRIORE, 2010).
Hoje há pais extremamente ocupados, que para sanar a sua culpa por não terem
tempo para os seus filhos estão substituindo a educação por bens materiais. Há também
uma economia voltada para o consumo, que percebeu a importância e a influência que a
criança exerce sobre o capital, tanto pelo aumento do comércio e da indústria de
produtos infantis, quanto por notar que “as crianças brasileiras influenciam 80% das
decisões de compra de uma família, seja de carros, roupas, alimentos,
eletrodomésticos.” (TNS/InterScience, out. 2003, apud INSTITUTO ALANA, 2011).
Ninguém nasce consumista, o ato de consumir é orientado por um valor
(ideologia burguesa) que o capitalismo implanta nas pessoas. Depois de concluir que a
criança influência diretamente os gastos de sua família, houve um incremento de
propagandas televisivas voltadas para este público.
A publicidade na TV é a principal ferramenta do mercado para a persuasão do público infantil, que cada vez mais cedo é chamado a participar do universo adulto quando é diretamente exposto às complexidades das relações de consumo sem que esteja efetivamente pronto para isso. (INSTITUTO ALANA, 2011)
A criança ainda não difere o certo do errado, o racional do emotivo. Quando vê
uma propaganda, que para divulgar o produto, envolve grupos de crianças felizes, se
maquiando, consumindo, etc. elas entendem que só com aqueles produtos poderão
fazer parte desta sociedade. Então, se antes o atrativo na criança era ela ser ágil, correr
rápido, pular corda muito bem, hoje passa a ser ela possuir a sandália da moda, o
celular com a tecnologia mais avançada, as roupas da ultima tendência. Desta forma, a
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maior parte dos desejos das crianças não vão ser desejos delas e sim desejos que
foram implantados nelas pelo capitalismo, pois “bastam apenas 30 segundos para uma
marca influenciar uma criança” (Associação Dietética Norte Americana, Borzekiwiski
Robison apud RENNER, 2008)
Notamos que:
Nada, no meio publicitário, é deliberado sem um estudo detalhado. Em 2006, os investimentos publicitários destinados à categoria de produtos infantis foram de R$ 209.700.000,00 (IBOPE Monitor, 2005x2006, categorias infantis). No entanto, a publicidade não se dirige às crianças apenas para vender produtos infantis. Elas são assediadas pelo mercado como eficientes promotoras de vendas de produtos direcionados também aos adultos. Em março de 2007, o IBOPE Mídia divulgou os dados de investimento publicitário no Brasil. Segundo o levantamento, esse mercado movimentou cerca de R$ 39 bilhões em 2006. A televisão permanece a principal mídia utilizada pela publicidade. (Instituto Alana)
De acordo com o documentário: “Criança a alma do negócio” (2008), a mídia se
tornou o principal fator que contribui para a formação da nossa personalidade, não é
mais a família, os amigos, a escola, e nem a igreja, e “a criança brasileira é a que mais
assiste TV no mundo, em média 4 horas, 51 minutos e 19 segundos (IBGE apud
RENNER, 2008).
O apelo ao consumo da televisão está fazendo com que as nossas crianças
levem vidas de adultos, e tenham a sexualidade mais aguçada, porém continuam
imaturos por muito mais tempo.
As propagandas, principalmente de cervejas, apresentam mulheres muito bonitas, com roupas provocantes que mostram muitas partes do seu corpo e sempre estão servindo os homens, assim as meninas crescem com o ideal que ela tem que ser sensual e servir o homem, conquistá-lo. Já os meninos crescem com a ideia de que ele tem que ser seduzido pela mulher.(RENNER, 2008)
Cada vez mais cedo as meninas buscam roupas que valorizem o seu corpo,
pensam em ter um namorado, “o número de jovens que têm a primeira relação sexual
aos 15 anos aumentou de 11% para 32%. (O GLOBO, apud RENNER, 2008)
A mídia afeta também os hábitos alimentares das crianças, “80% da publicidade
de alimentos dirigidas às crianças são de alimentos: calóricos, com alto teor de açúcar,
gordura e pobre em nutrientes” (ANVISA 2006 apud RENNER, 2008)”, não vemos mais
crianças envolvidas com hortas, comendo verduras, legumes, frutas, bebendo sucos
naturais. A maior parte desses alimentos saudáveis foram substituídos por refrigerantes,
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
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salgadinhos industrializados, bolachas, frituras, gerando, assim um aumento na
obesidade infantil.
Em outros países este assunto já tem amparo legal. Na Suécia é proibida a
publicidade na TV dirigida à crianças menores de 12 anos antes das 21 horas. Na
Inglaterra é proibida a publicidade de alimentos com alto teor de gordura, açúcar e sal
dentro e durante a programação da TV. Na Bélgica é proibida a publicidade para
crianças nas regiões flamencas. Nos Estados Unidos há um limite de 10 minutos e 30
segundos de publicidade por hora nos finais de semana e um limite de 12 minutos por
hora nos dias de semana. Na Alemanha os programas infantis não podem ser
interrompidos por publicidade. Na Dinamarca é proibida qualquer publicidade durante os
programas infantis, e ainda, 5 minutos antes e depois destes programas. (RENNER,
2008)
No Brasil, como de costume, este assunto de proteção à infância continua
atrasado, sem um amparo legal para este problema. Existem projetos de leis, que
demoram anos para serem aprovados como é o caso dos projetos: Projeto de Lei n.
4935/2009 que proíbe a venda casada de brinquedos associados à aquisição de
alimentos e bebidas; Projeto de lei do Senado n. 150/2009 sobre publicidade de
alimentos às crianças; Projeto de Lei n. 4315/2008 que propõe o aumento da pena
prevista para publicidade abusiva ou enganosa direcionada às crianças; Projeto de Lei
n. 4815/2009 que propõe a proibição da comercialização de lanches acompanhados de
brinquedos; o projeto de Lei n. 1600/03 que propõe um Código de Ética para a
programação televisiva.
Torna-se evidente como este meio de comunicação influencia a vida das crianças
e como se faz necessário leis para ampará-las, pois observamos que ao mesmo tempo
em que a infância está sendo encurtada a longevidade humana aumenta, isto pode
trazer muito prejuízo para o nosso futuro, assim estamos produzindo crianças, jovens e
adultos menos reflexivos que se envolvem no consumismo desenfreado, sem ter
consciência do mal que este ato traz para si mesmo, para o próximo e para o meio
ambiente.
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CONCLUSÃO
Os dados apresentados sobre a evolução da infância no Brasil permitem
perceber como a infância é um processo histórico que vem carregado das ideologias e
intenções de quem está no poder.
A infância brasileira passou por muitas mudanças, antes a criança vivia no
anonimato e com poucas regalias, agora existem várias leis e projetos de leis que visam
ampará-la. Mesmo assim, ainda vemos muitas dessas leis sendo descumpridas e os
projetos de leis se arrastarem por anos antes de serem aprovados.
O modelo econômico da nossa sociedade visando o lucro e a acumulação do
capital, descobriu que o papel da criança dentro das famílias modificou-se e agora elas
opinam, dão palpites, mandam e muitas vezes até manipulam seus familiares para
conseguirem o que querem. Conscientes disto empresários utilizam a mídia para
interagir com as crianças, e através das propagandas na TV implantam nelas o desejo
pelo consumo.
Deixar o capitalismo, os empresários e a mídia manipularem a nossa infância é o
mesmo que virar as costas para o nosso futuro. Estamos formando uma geração inculta,
que recebe informações prontas da mídia e acredita que aquelas informações e desejos
vêm dela mesma e que sua satisfação vai trazer a felicidade. As nossas crianças devem
brincar, aproveitar a sua infância e se desenvolver de uma maneira saudável. Não
devemos aceitar a manipulação das crianças para fim algum. Muito menos para servir à
busca do lucro (por parte dos empresários), já que a TV influência nos gostos e modos
das crianças, tornando-as assim promotoras de vendas de produtos dentro de suas
próprias casas.
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Recebido em: Novembro/2011.
Aprovado em: Dezembro/2011.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
ANÁLISE DE CONTEÚDOS RELACIONADOS AO CICLO E FIXAÇÃO BIOLÓGICA DO NITROGÊNIO EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO1
Higo Forlan Amaral2
Poliana Thaíssa Soares3
RESUMO: Os livros didáticos (LD) são instrumentos importantes para orientar os professores no desenvolvimento educacional de jovens, principalmente por constituírem o meio de informação básica. O objetivo deste trabalho foi analisar LDs quanto à abordagem de conceitos relacionados ao Ciclo de Nitrogênio (CN) e Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN). Pesquisaram-se os LD de Biologia do Ensino Médio (EM) das escolas públicas do município de Londrina, Paraná. Foram definidos os seguintes critérios: (i) abrangência e (ii) coerência em relação à CN e FBN; (iii) presença e/ou ausência de esquemas, figuras, diagramas; (iv) textos de apoio; e (v) exercícios propostos. Constataram-se diferenças na abordagem do CN nos LD entre as escolas estaduais no município de Londrina. Apenas o LD-2 foi considerado em nível “satisfatório” com alta de abrangência e coerência na abordagem do CN e FBN, e complementos em relação aos temas, como figuras e diagramas; assim como, textos de apoio e exercícios. Este LD possivelmente se enquadra na abrangência necessária de ensino-aprendizado dos alunos neste nível escolar. Os LD-1 e LD-3 foram de nível não satisfatório quanto à significância em relação aos temas: CN e FBN foram abordados de forma incipiente. Dessa maneira, podem limitar o ensino pela parte dos professores, e consequentemente, o aprendizado dos alunos deste nível escolar. As abordagens realizadas detectaram ausência de instrumentos e ferramentas para motivar professores para uma abordagem mais participativa e significativa da temática pedagógico-ambiental em sua transversalidade.
Palavras-chave: análise qualitativa, biologia, desenvolvimento educacional, ensino público, materiais didáticos;
ANALYSIS OF RELATED CONTENT TO THE CYCLE AND BIOLOGICAL NITROGEN FIXATION IN SCIENCE TEXTBOOKS OF HIGH SCHOOL
ABSTRACT: The textbook is an important tool to guide teachers learning currents content and in the educational development, mainly because it is the basic means of information. The objective this study was to analyze the textbook on the approach of concepts related to CN and BNF, and their levels of coverage and logic, as well as, examining the items to text support as diagrams, pictures and exercises proposed for complete the knowledge to students. The textbooks analyzed were select by main Londrina (PR) high public schools, the methodological approach to analysis was defined
1 Parte do Trabalho de Conclusão de Curso Licenciatura em Ciências Biológicas do Centro Universitário Filadélfia – UniFil, Av. Juscelino Kubitschek, 1626 - Cx Postal 196. CEP: 86.020-000, Londrina, PR.
2 Professor Doutor do Departamento de Agronomia da UniFil. E-mail: [email protected]
3 Bióloga, formada pelo Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas – UniFil.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
by following criteria: (i and ii) the level of coverage and logic in relation to NC and BNF, (iii) presence or absence of diagrams and figures (iv) supporting texts, and (v) exercises proposed. Complementary analysis was curriculum guidelines of the Paraná State. It observed differences in the approach levels of textbooks related of NC and BNF, just one textbook (number 2) was considered high coverage and logic level its complements as pictures, diagrams and exercises were considered appropriated to teaching and learning of students of high school level. Others textbooks were analyzed as low coverage and logic level. These materials explored superficially the themes, thus, limit the teaching by the teachers, and secondly, the learning of students of this school level. According this analysis approaches and curriculum guidelines of the State of Paraná it observed low require of instruments and tools to motivate teachers to a more participatory approach and significant pedological and environmental themes in their interaction.
Key words: biology, educational development, public education, qualitative analysis,
textbooks.
1 INTRODUÇÃO
A Educação Ambiental (EA) fundamenta-se atualmente pela preocupação global
com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável (DS) da agricultura. A demanda
para produção de alimentos é crescente ao redor do planeta e acarreta busca, muitas
vezes de forma errônea, por aumento de áreas produtivas e utilização de fertilizantes e
defensivos agrícolas, produzidos a partir de fontes não renováveis, que são
potencialmente poluidores para os solos e fontes de água potável (MARTINS, et al.,
2003). A EA formal nas escolas de ensino fundamental e médio deveria abranger a
formação consciente de jovens cidadãos e futuros profissionais das áreas biológicas e
agrárias, para aumento quantitativo e qualitativo da produção de alimentos com
adequada conservação das diferentes fontes de recursos naturais. Através da educação
básica sustentar-se-ia a formação social consciente com a necessidade de
desenvolvimento do país, de forma atenta e atuante na proteção dos recursos naturais
(MARTINS, et al., 2003).
No desenvolvimento da EA um novo tema surge no ensino das Ciências do Solo
explorando os temas que relacionam e envolvem direta ou indiretamente a EA,
convergindo com a necessidade de reflexão do indivíduo ético-social ciente da
importância do desenvolvimento sustentável agrário e ambiental. O ensino de diferentes
temas nas Ciências do Solo possibilita a intervenção individual e coletiva, para a solução
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
de problemáticas já existentes e a prevenção de novas situações pertinentes aos temas
da EA e do desenvolvimento sustentável (MUGGLER, TEIXEIRA, 2002).
O objetivo deste trabalho foi analisar criteriosamente conteúdos relacionados ao
Ciclo e à Fixação Biológica do Nitrogênio em livro didáticos do ensino médio.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
Como abordagem metodológica pesquisou-se os livros de Biologia do Ensino
Médio utilizados pelos professores das principais escolas públicas do município de
Londrina do estado do Paraná (Tabela 1) (PARANÁ; 2009).
2.1 Caracterização de escolas municipais e escolha dos livros didáticos
As escolas foram definidas de acordo com o número de alunos regularmente
matriculados, sendo definidas as cinco escolas municipais com maior número de alunos
compreendendo um total de 6336 alunos regularmente matriculados no ano de 2009
(Tabela 1). Devido à relevância e abrangência, levantaram-se os livros didáticos (LD)
utilizados nestas escolas, sendo encontrados três LD utilizados como descrito na Tabela 1.
Tabela 1 - Escolas públicas do município de Londrina do Estado do Paraná, número total de alunos do ensino médio, localização e livros adotados para a disciplina biologia de 2009.
ESCOLANÚMERO TOTAL DE ALUNOS
ENDEREÇO/ TELEFONELIVRO
Autores/ Título/ Editora/ Ano/ Número de páginas
1) Colégio Estadual Vicente Rijo.
1612
Avenida Juscelino Kubitschek n°2372, Centro.
Fone: (43) 3323 7630
José Mariano Amabis e Gilberto Rodrigues Martho. Biologia Vol. 3. Editora Moderna, 2004, 438p.
2) Colégio Estadual Albino Feijó Sanches.
997Rua Jacarezinho n° 80, Parque das Indústrias.
Fone: (43) 3341 2917
Sônia Lopes e Sergio Rosso.
Biologia Vol. Único. Editora Saraiva, 2005, 608p.
3) Colégio Estadual Marcelino Champagnat.
1445Rua São Salvado n° 998, Centro.
Fone: (43) 33239332
José Mariano Amabis e Gilberto Rodrigues Martho. Biologia. Vol. 3. Editora Moderna, 2004, 438p.
4) Instituto de Educação Estadual de Londrina (IEEL).
1112Rua Brasil n° 1047, Centro.
Fone: (43) 3324 3057
Sônia Lopes e Sergio Rosso.
Biologia Vol. Único. Editora Saraiva, 2005, 608p.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
5) Colégio Estadual Olympia Morais Tormenta.
1170Rua Rudolf Keilhold n° 173, Conjunto João Paz.
Fone: (43) 3329 2744.
César da Silva Junior e Sezar Sasson. Biologia Vol. 3. Editora Saraiva, 2005.
Fonte: Portal Educacional do Estado do Paraná (2009).
2.2 Critérios para avaliação dos livros didáticos
Para realizar as análises dos livros didáticos (LD), foram definidos os seguintes
critérios: (i) abrangência do assunto: baixa, média ou alta, sendo relevante se o autor
descreveu sobre a importância do N2 na atmosfera. A relevância da Fixação Biológica do
N2 (FBN) e se utiliza esquemas e figuras para ilustrar e ajudar o entendimento do
assunto; (ii) coerência do assunto: fraca, regular ou boa, analisaram-se terminologias,
nomes científicos, conceitos e atualizações em relação ao assunto, se o autor utilizou
tais termos cientificamente ou não, se citou exemplos da atualidade, se foi coerente na
utilização dos termos ao longo do texto. As principais terminologias, nomes científicos e
conceitos a serem abordados quanto ao CN de FBN foram baseados nas referências
atuais e maior abrangência no assunto (MOREIRA E SIQUEIRA, 2006; HUNGRIA et al,
1994; 2007; SOUZA et al., 2008); Esquemas, figuras e/ou diagramas (iii): presença ou
ausência, a existência de possíveis erros e quanto à clareza dos esquemas, figuras e/ou
diagramas. Utilização de textos de apoio (iv): quanto à abrangência do texto e sua
adequação em relação ao assunto e a abordagem utilizada nos temas secundários e
atualidades em relação ao Ciclo do N2 e FBN. Atividades propostas (v): se o autor
sugere atividades ou exercícios para reforçar o aprendizado e se estão coerentes aos
níveis dos conteúdos apresentados nos textos.
Segundo a secretaria da Educação do Estado do Paraná (2009), sugerem-se por
diretrizes curriculares (com força de leis) quanto ao ensino de Biologia para as escolas
públicas do Estado. Ressalta-se que é do saber especializado e acumulado pela ciência
e educação que devem ser extraídos os conceitos e os princípios a serem lecionados
aos alunos, dessa forma, ressaltam-se:
[...] No currículo vinculado ao academicismo/cientificismo, os saberes a serem socializados nas diferentes disciplinas escolares são oriundos das ciências que os referenciam. A disciplina escolar, assim, é vista como decorrente da ciência e da aplicabilidade do método científico como método de ensino. Esse tipo de currículo pressupõe que o 'processo de ensino deve transmitir aos alunos a lógica do conhecimento de referência.' (PARANÁ; 2008).
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
Portanto, analisaram-se os conteúdos referentes ao CN e FBN contidos nestes
livros de ensino médio das principais escolas públicas de Londrina (PR) segundo as
Diretrizes Curriculares para o Estado. Importante ressaltar que tais abordagens não
interferem na legitimidade dos autores, apenas busca verificar o nível de exploração e
adequação quanto ao CN e FBN no nível escolar pretendido.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todos os livros didáticos (LD) analisados trazem abordagens descrevendo as
etapas do ciclo do nitrogênio (CN) no contexto de ciclos biogeoquímicos. O tema da
fixação biológica do N2 (FBN) não é apresentado de forma precisa como sendo a
principal via de disponibilização de nitrogênio atmosférico (N2) para as plantas cultivadas
e preservação de recursos naturais. Tal abordagem para a educação ambiental (EA)
pode dificultar o entendimento da aplicabilidade a respeito do CN e FBN. A FBN é
importante para a EA e o DS no país devido à conscientização de jovens cidadãos e
futuros profissionais nas áreas de Biológicas e Agrárias, que interagirão com o meio
ambiente e precisam entender os possíveis impactos causados por fertilizantes
químicos.
O livro didático 1 (LD-1) está dividido em 41 capítulos. Quanto aos temas
analisados apresentou-se abrangência baixa, pois apenas cita superficialmente como o
CN se dispõe na atmosfera, assim como a FBN sem explicar suas principais etapas.
Tabela - 2 Abrangência, coerência e esquemas, figuras e/diagramas em livros didáticos de Ensino Médio referentes à disciplina de biologia das principais escolas públicas do município de Londrina, Estado do Paraná no ano 2009.
LIVRO DIDÁTICO (LD)Critério de avaliação
(i) Abrangência (ii) Coerência
LD-1. Sônia Lopes e Sergio Rosso. Biologia Vol. Único. Editora Saraiva, 2005, 608p.
Baixo Fraco
LD-2. José Mariano Amabis e Gilberto Rodrigues Martho. Biologia. Vol. 3. Editora Moderna, 2004, 438p.
Alto Bom
LD-3. César da Silva Junior e Sezar Sasson. Biologia Vol. 3. Editora Saraiva, 2005.
Médio Fraco
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
Este material (LD-1) apresentou coerência fraca quanto às terminologias e nomes
científicos (Tabela 2). As terminologias e nomes científicos adequados aos temas
deveriam, desde a formação básica até a superior, estar adequados aos padrões
correntes, e não serem substituídos pelo uso de sinônimos que algumas vezes podem
levar a entendimentos errôneos dos temas propostos. Um exemplo foi observado no LD-
1 no qual foram encontrados termos como os seguintes: “[...] O aproveitamento do
nitrogênio pela generalidade dos seres vivos depende de sua fixação, que pode ser feita
por radiação ou por biofixação, sendo este último processo o mais importante”
(LOPES, ROSSO; 2005, p. 549, grifos nossos).
Neste trecho utilizaram-se dois termos, “radiação” e “biofixação”, que não são
consistentes e condizentes com os normalmente encontrados, assim como, a falta de
explicação dos termos utilizados. “Radiação” refere-se a quaisquer processos físicos de
emissão e propagação de energia, seja por intermédio de fenômenos ondulatórios ou
por intermédio de partículas dotadas de energia cinética (AURÉLIO, 2010). E também
energia que se propaga de um ponto a outro no espaço ou num meio material. Não
expressando de forma clara ao aluno, se “radiação” se refere às descargas elétricas por
relâmpagos. Desta forma, poderia referenciar tal processo como, “descargas elétricas de
raios” ou “relâmpagos”, que disponibilizam o N2 atmosférico para os seres vivos
(MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).
Tabela 3 - Textos de apoio e atividades complementares em livros didáticos de Ensino Médio referentes à disciplina de biologia das principais escolas públicas do município de Londrina, Estado do Paraná no ano 2009.
LIVRO DIDÁTICO (LD)Critério de avaliação
(iv) Textos de apoio ou complementar
LD-1. Sônia Lopes e Sergio Rosso. Biologia Vol. Único. Editora Saraiva, 2005, 608p.
Presente com alta relevância, porém não faz referência ao longo do texto.
LD-2. José Mariano Amabis e Gilberto Rodrigues Martho. Biologia. Vol. 3. Editora Moderna, 2004, 438p.
Presente com referência ao longo do texto.
LD-3. César da Silva Junior e Sezar Sasson. Biologia Vol. 3. Editora Saraiva, 2005.
Presente com referência ao longo do texto.
O termo “biofixação” é um termo erroneamente utilizado para denominar o
processo de FBN, mediado por microrganismos, o termo amplamente utilizado é Fixação
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
Biológica de Nitrogênio ou pela sigla FBN. O tema em torno da FBN é ilustrado por
fotografia de uma raiz de uma leguminosa com nódulos.
“Bacteriorrizas” foi outro termo utilizado que pode dificultar o entendimento do
processo da FBN, e consequentemente, para a EA. Este termo pode confundir com
outros microrganismos conhecidos como micorrizas (ou fungos micorrízicos) que
também são benéficos às plantas, porém são fungos e não formam nódulos nas raízes
das plantas. Os autores utilizaram um prefixo que remete a bactérias e o sufixo rriza do
grego rhiza ou rhizo para referirem-se à raiz, a ideia da palavra seria correta, porém não
foi um termo usualmente empregado (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).
Importantes referências da área no Brasil (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006;
HUNGRIA, 1994, 2007) utilizam termos como: leguminosas com nódulos de Rhizobium
sp (termo científico) ou Rizóbio como termo popular. Também utilizam “Relâmpagos” ou
“descargas elétricas” para a fixação do nitrogênio via fenômenos atmosféricos; FBN ao
invés de biofixação, bactérias simbiontes (ou microssimbiontes) ou bactérias
diazotróficas simbiontes para referir-se às bactérias formadoras de nódulos nas raízes
de plantas leguminosas.
O diagrama apresentado no LD-1 foi pouco explorado, sem referência ao longo
do texto, da mesma forma dos critérios anteriores (Tabela 3). No texto de apoio do LD-1
observaram-se assuntos sobre adubação verde e adubação química de relevância para
os temas CN e FBN (Tabela 3). Esses temas contemplam a transversalidade que os
textos de apoio objetivam (PARANÁ, 2009) que se relaciona a outro assunto relevante
ao principal – a eutroficação4 (ou eutrofização) de rios e lagos, abordando a perda de N2
via fertilizantes químicos, ou seja, ao desenvolvimento sustentável da agricultura e a
poluição dos recursos hídricos potáveis.
O LD-1 sugeriu atividades para complementar o aprendizado no formato de
questões de múltipla escolha e discursivas, selecionados de principais Instituições de
Ensino Superior e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a partir de suas provas
para ingresso no curso superior (ou provas de vestibulares). Porém, não propõe
qualquer atividade prática (Tabela 3). O LD-1 contemplou exercícios adequados para a
4 Eutroficação: Aumento excessivo de nutrientes na água, especialmente fosfato e nitrato, o que provoca crescimento exagerado de certos organismos, cianobactérias e algas e geram efeitos secundários daninhos sobre outros. A decomposição microbiana das algas mortas causa esgotamento do oxigênio dissolvido na água e asfixia dos peixes. A eutroficação pode ser natural ou provocada por efluentes urbanos, industriais ou agrícolas.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
realidade dos alunos que visam ingressar no ensino superior. Contudo, observou-se
pouca quantidade em relação aos temas abordados e ao final de cada texto não são
apresentadas questões sobre o tema, para os alunos discutirem.
Importante na EA é relacionar diversos conhecimentos específicos entre si com
outras áreas de conhecimento. É necessário, portanto, desenvolver e fomentar a
sensibilização das pessoas, individual e coletivamente, em relação ao solo, no âmbito de
uma concepção que considere o princípio da sustentabilidade, na qual valores e atitudes
de desvalorização do solo possam ser revistos e (re)construídos: a promoção de uma
espécie de “consciência pedológica” (MUGGLER et al., 2006).
[...] Espera-se que os conteúdos sejam abordados de forma integrada, com ênfase nos aspectos essenciais do objeto de estudo da disciplina, relacionados a conceitos oriundos das diversas ciências e de referência da Biologia. Tais relações deverão ser desenvolvidas ao longo do ensino médio, num aprofundamento conceitual e reflexivo, com vistas a dotar o aluno das significações dos conteúdos em sua formação neste nível de ensino (PARANÁ, 2009).
Entende-se que os conteúdos pedagógicos para biologia deveriam abordar a
biodiversidade como um sistema complexo entre a carga genética, os processos
evolutivos, as relações ecológicas e o meio ambiente. Abordando de forma consciente a
evolução do homem aliado à utilização racional dos recursos naturais.
[...] A ciência e a tecnologia são conhecimentos produzidos pelos seres humanos e interferem no contexto de vida da humanidade, razão pela qual todo cidadão tem o direito de receber esclarecimentos sobre como as novas tecnologias vão afetar a sua vida (PARANÁ, 2009).
O LD-2 está estruturado em 18 capítulos subdivididos em três partes: Genética,
Evolução Biológica e Ecologia. Seu nível de abrangência enquadrou-se como alto,
detalhando conteúdos do CN nos ciclos biogeoquímicos, e posteriormente, a FBN. Entre
os materiais analisados o LD-2 apresentou maior clareza, linguagem acessível e a
utilização de termos científicos atuais. Assim, demonstrou, além de abrangência, alto
nível de coerência (Tabela 2). O LD-2 corrobora com as definições atuais e utilizadas
para o CN separado da FBN (TORTURA, et al., 2006; RAVEN et al., 2007; EVERT;
EICHHORN, 2007; MOREIRA; SIQUEIRA, 2006; HUNGRIA, et al., 2007) esta
abordagem pode auxiliar no entendimento destes conteúdos e na diferenciação correta
do CN e da FBN.
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
O CN deveria abordar de forma completa, desde os processos naturais de
entrada do N2 na rede trófica até os processos de retorno, via decomposição da matéria
orgânica, e a perda de N2 por lixiviação. No que diz respeito ao ciclo biogeoquímico do
N2 as transformações no solo são relevantes para o seu entendimento e abordagem
adequada.
[...] A proposição dos conteúdos estruturantes na disciplina de Biologia sugere, inicialmente, a possibilidade de selecionar conteúdos específicos que farão parte da proposta curricular da escola. Outra possibilidade, igualmente importante, é relacionar os diversos conhecimentos específicos entre si e com outras áreas de conhecimento, propiciando reflexão constante sobre as mudanças conceituais em decorrência de questões emergentes (PARANÁ, 2008).
Já a FBN é uma das quatro formas de entrada de N2 atmosférico na rede trófica,
realizada por um grupo específico de bactérias – as diazotróficas (HUNGRIA, 1994,
2007). Mesmo apresentando alta abrangência e coerência o LD-2 incorreu na utilização
de termos dúbios, como: “[...] As bactérias estimulam a multiplicação das células
infectadas, o que leva a formação de tumores, denominados nódulos.” (AMABIS;
MARTHO, 2004, p. 308, grifo nosso).
O termo tumor5, por definição está correto, pois é relativo ao aumento do volume
de tecido, porém refere-se a um termo patológico que remete algum tipo de doença ou
prejuízo à planta, incoerente com a relação simbiôntico-mutualística entre bactérias
diazotróficas e plantas leguminosas. Bactérias simbiônticas fixadoras de N2,
popularmente, denominadas de rizóbios, dependem de uma íntima relação com os
hospedeiros e levam à formação de estruturas radiculares, denominados nódulos
beneficiando as duas partes desta relação harmônica interespecífica (SCHULTZE;
KONDOROSI, 1998).
Observou-se a presença de figuras e diagramas no LD-2, tanto em formato de
fotografias como em desenhos esquemáticos (Tabela 2). O diagrama apresentado
explora de forma completa o CN em relação à FBN e os processos ocorrentes no solo.
Ao longo do texto estes itens foram referenciados, o que permitiu melhor fundamentação
dos conteúdos propostos, sendo oportuno ao aluno visualizá-los juntamente com seus
conceitos. Porém, não abordou outras formas de entrada de N2 via matéria orgânica,
relâmpagos ou fertilizantes químicos.
5 Tumor: Substantivo masculino. 1. Patologia. Qualquer aumento de volume desenvolvido em qualquer parte do corpo.
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
“Adubação verde” e “bactérias simbióticas fixadoras de nitrogênio” foram
utilizados como temas auxiliares em “texto de apoio” ou complementar no LD-2 (Tabela
3). Tais temas transversais ao CN e FBN foram coerentes em virtude da atualização e
do adequado nível científico deste material didático, pois descreveram as relações
mutualísticas entre a bactéria e a planta, e também, abordaram o complexo enzimático,
conhecido como nitrogenase responsável pela FBN.
[...] A produção de alimentos para suprir a crescente população humana mundial requer novos suprimentos de fertilizantes, nos quais o nitrogênio é um elemento-chave. É mais econômico e mais saudável, em termos ecológicos, aumentar a produção de nitrogênio assimilável por meio de sistemas biológicos, como o do Rhizobium sp. e das plantas leguminosas, do que produzir fertilizantes nitrogenados por meio de processos químicos caros. (AMABIS; MARTHO, 2004, p. 315).
Ao longo do texto, detectou-se a correta utilização do termo mutualismo6 e a
explicação sobre genes ligados à FBN, entre os quais, os denominados como
“complexos nod e fix”, que controlam a formação dos nódulos e a fixação de nitrogênio,
respectivamente, pelas bactérias do gênero Rhizobium sp. (MOREIRA; SIQUEIRA,
2006; HUNGRIA, 2007).
De maneira geral, os exercícios propostos pelo LD-2 conseguiram abordar os
conteúdos trabalhados nos textos, e também observou-se a orientação de planos de
estudo para os alunos. O LD-2 contém outros instrumentos para a avaliação da
aprendizagem, como: guia de estudo, questões para pensar e discutir, biologia no
vestibular e atualizações de testes para o ingresso em Instituições de Ensino Superior e
ENEM. A formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos
básicos, a preparação científica e a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias
relativas às áreas de atuação (PARANÁ, 2009).
Encontrou-se no LD-3 três partes: Genética, Evolução e Ecologia. Nesta última
parte, no capítulo 18, a unidade 3, aborda o tema: Energia e Matéria nos Ecossistemas,
na qual estão inseridos os temas CN e FBN. O nível de abrangência foi classificado
como médio, pois descreve sucintamente sobre a importância do N2 na atmosfera e FBN
no texto principal e este tema deveria estar presente também na introdução do texto,
6 Mutualismo: Substantivo masculino. 1. Ecologia. Tipo de associação entre organismos de espécies diferentes, no qual há benefícios para ambas partes de tal associação.
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
para enfatizar a relevância do assunto aos alunos (Tabela 2). O LD-3 adotou um
esquema simplificado para descrever e ilustrar o CN e a FBN, portanto, foi caracterizado
como fraco na coerência (Tabela 2). Tais constatações comprometeram o nível de
abrangência e coerência, relacionados anteriormente, decorrente do descuido em
explorar melhor outros esquemas, figuras e terminologias científicas no texto principal,
que complementariam o aprendizado do aluno e possibilitariam melhor desenvolvimento
do conteúdo por parte do professor. Este tipo de abordagem dificulta o entendimento e o
ensino, principalmente quanto ao despertar de curiosidade ao desenvolver da aula.
Quanto aos textos de apoio e/ou complementares o LD-3 caracterizou-se como
nível médio porque eles não foram referidos ao longo do texto principal, o que auxiliaria
na visualização, mesmo que esquemática, dos componentes e processos descritos
(Tabela 3). Constatou-se no LD-3 relevante número de exercícios para fixação do
conteúdo de acordo com o nível dos textos, em seção a parte, intitulada “Interpretando a
leitura”. Observaram-se questões e atividades para os alunos em: “questões e propostas
para discussão” extraídas de questões de Instituições de Ensino Superior. Neste ponto
este material apresentou problemas quanto à coerência e nível das questões, pois
aprofunda o grau de exigência de resolução o que não é condizente com a
superficialidade do texto principal. É necessário que esses itens (questões) sejam
considerados com seriedade nos LDs, pois podem aumentar a eficiência do livro para o
papel que lhe tem sido próprio. Além da utilização pelo professor, deve-se
prioritariamente pensar no aluno, pois ao usar os LDs é necessário que possam
consultá-los sem problemas (MEGID NETO; FRACALANZA, 2003; FERREIRA;
SELLES, 2006; CAMPOS; LIMA, 2008).
Ressaltam-se a interdependência dos conteúdos e o fato que considera os
esforços empreendidos para ampliar os modelos teóricos interpretativos de fatos e
fenômenos naturais estudados pela Biologia. Tal concepção pedagógica e metodológica
permitiu que um mesmo conteúdo específico seja estudado em cada um dos conteúdos
estruturantes, considerando-se a abordagem histórica que determinou a constituição
daquele conteúdo estruturante e o seu propósito (MEGID NETO; FRACALANZA, 2003;
FERREIRA; SELLES, 2006; PARANÁ, 2009, MUGGLER et al., 2006). Nesta
abordagem, se o desenvolvimento destes conteúdos se der de forma integrada, na
medida em que se discute um determinado conteúdo relacionado, como nos casos
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
relacionados ao CN e à FBN, requerer-se-iam conhecimentos relacionados aos
conteúdos estruturantes, ou básicos de Ecologia e Ciclos Biogeoquímicos para
compreender determinados fenômenos relacionados aos temas secundários ou
estruturantes.
Fundamentando-se nos princípios teóricos expostos anteriormente, propõe-se
que o currículo da Educação Básica ofereça ao estudante a formação necessária para o
enfrentamento social com vistas à transformação da realidade social, econômica e
política da atualidade (MEGID NETO; FRACALANZA, 2003; FERREIRA; SELLES,
2006). O conhecimento científico pode aplicar-se aos ensinamentos básicos dos alunos,
vinculando os saberes necessários para explicar eventos ocorridos na natureza por meio
de leis, princípios, teorias, buscando confiabilidade científica, assim, corroborando com a
Educação Ambiental, considerada como essencial e complementar à educação formal
nas escolas públicas.
CONCLUSÕES
Todos os livros analisados abordam o Ciclo do Nitrogênio e sua Fixação Biológica
de forma direta. Contudo, na maioria dos Livros didáticos não há clareza dos conceitos
relacionados, assim como o nível de abrangência que por ser superficial, na maioria dos
casos, compromete a coerência dos temas. Os Livros didáticos de forma geral condizem
com as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná para o ensino de biologia. No
entanto, especificamente em relação às atualizações dos temas e coerência dos
assuntos transversais relacionados à Educação Ambiental e ao Desenvolvimento
Sustentável existe carência de informação, abrangência e coerência.
Os textos de apoio foram coerentes em relação ao Ciclo do Nitrogênio e Fixação
Biológica do N2, porém, os autores discordam em relação aos possíveis temas
transversais que poderiam explorar a Educação Ambiental e o Ensino de Ciência de
Solos. Os Livros didáticos apresentam figuras, esquemas e diagramas complementares
aos textos, mas em sua maioria estes elementos, que poderiam complementar, ou dar
suporte aos textos, não são explorados de forma adequada. Assim como ocorre com os
exercícios que contemplam de forma básica a fundamentação dos conteúdos
AMARAL, Higo Forlan; SOARES, Poliana Thaíssa.
estudados, porém, necessitam de melhor exploração, tendo em vista a preparação dos
alunos para ingresso em cursos de nível superior.
REFERÊNCIAS
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Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
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Recebido em: Setembro/2011.
Aprovado em: Dezembro/2011.
MORGADO, Suzana Pinguello; LARA, Ângela Mara de Barros
ESTUDO E DIAGNÓSTICO DA UNESCO: SERVIÇOS E ATENDIMENTO PARA CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS NO BRASIL
Prof.ª Ms. Suzana Pinguello Morgado1
Prof.ª. Drª. Ângela Mara de Barros Lara2
RESUMO: Esta pesquisa tem por objetivo analisar o documento Os serviços para a criança de zero a seis anos no Brasil: algumas considerações sobre o atendimento em creches e pré-escolas e sobre a articulação de políticas – um estudo desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A intenção de análise deste se solidifica ao tentar compreender o que significa para a UNESCO o serviço e o atendimento prestado às crianças brasileiras. Neste sentido, foi desenvolvida a contextualização dos serviços à educação infantil, no que compete ao seu histórico no país. A compreensão da UNESCO enquanto organização multilateral foi considerada em suas ações específicas no Brasil: os programas e os trabalhos desenvolvidos com o apoio do Ministério da Educação (MEC). As políticas neoliberais têm influenciado as ações das organizações multilaterais, e nesta perspectiva foi possível compreender e analisar as intencionalidades da UNESCO no documento estudado. As considerações acerca das intencionalidades desta organização constituem uma análise específica sem o intento de generalizar as conclusões obtidas. Percebeu-se que suas propostas para a educação têm influência do ideário neoliberal defendido pelas agências multilaterais de financiamento. Os mesmos podem ser observados ainda nos documentos que o Brasil considera como norteadores para as políticas econômicas – como o Consenso de Washington – e os educacionais – como a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. No que diz respeito especificamente à proposta de serviço e atendimento para a educação infantil, a influência do ideário neoliberal também se faz presente à medida que os consideram como cuidado à primeira infância e não como prática educativa.
Palavras-chave: América Latina; Brasil; Unesco; Serviços e atendimento; Crianças de 0
a 6 anos.
1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Mestre em Educação (UEM), Professora Colaboradora da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Estado, Políticas Educacionais e Infância (GEPPEIN). E-mail: [email protected] Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) (1986), Mestrado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (1992) e Doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000). Atualmente é Professora Associada da Universidade Estadual de Maringá. Pertence ao Programa de Pós-Graduação em Educação: mestrado e doutorado. E-mail: [email protected].
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
MORGADO, Suzana Pinguello; LARA, Ângela Mara de Barros
STUDY AND DIAGNOSIS OF UNESCO: SERVICES AND ATTENTION FOR EARLY CHILDHOOD FROM 0 TO 6 YEARS OLD IN BRAZIL
Abstract: This research has as object to analyze the document Services for early childhood zero to six years in Brazil: some considerations on the attention in daycare centers and preschools and the policy mix - a study conducted by the United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). The intention of this analysis solidifies when try to understand what it means to UNESCO the service and attention provided to early childhood in Brazil. In this sense, we developed the context of early childhood education services in racing history in your country. Understanding the UNESCO as a multilateral organization was considered in its specific actions in Brazil: the programs and projects developed with the support of the Ministry of Education and Culture (MEC). Neoliberal policies have influenced the actions of multilateral organizations, and from this perspective it was possible to understand and analyze the intentions of the UNESCO studied document. The considerations about the intentions of this organization were developed from a specific analysis without the intent to generalize the findings. It was noted in conclusion that his proposals for education is the influence of neoliberal ideas advocated by the multilateral lending agencies. This ones can be observed even in the documents that Brazil considered as guidelines for economic policies - such as the Washington Consensus - and educational - as the World Declaration on Education for All. This document complied by the World Bank as a principle to be pursued by the countries requesting funding. Even if what is proposed as a service and support for early childhood education are observable from the point of view consider that the early childhood attention and not as educational practice.
Keywords: Latin America; Brazil; Unesco; Services and Attention; Children 0 to 6 years old.
Introdução
Ao se estudar as políticas para a educação infantil no Brasil é necessário ter
como perspectiva o histórico percorrido pela educação bem como suas estruturas de
políticas de atendimento. Consequentemente devem ser observadas as implicações que
a economia do país exercem sobre as políticas e como isso afeta o fazer pedagógico.
Nesta perspectiva este trabalho procura compreender como se destinam não somente
os programas para a educação infantil do Brasil, mas ainda os serviços e cuidados para
a infância. A análise se remete à Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO), –, em virtude de ser a principal norteadora dos
consensos das políticas para a educação. Seu enfoque está centrado mais
especificamente no documento “Os serviços para a criança de zero a seis anos no
Brasil: algumas considerações sobre o atendimento em creches e pré-escolas e sobre a
articulação de políticas” elaborado após a Ação no Marco de Dacar .
Revista Eletrônica de Educação. Ano IV. No. 08, jan./jul. 2011.
MORGADO, Suzana Pinguello; LARA, Ângela Mara de Barros
As considerações acerca das intencionalidades da UNESCO são desenvolvidas
como uma análise específica sem o intento de generalizar as conclusões obtidas.
Todavia, observando como eixo norteador do pensamento envolvido no processo de
consolidação das políticas o ideário neoliberal. Dessa maneira se faz necessário a
compreensão da organização social brasileira e o desenvolvimento do neoliberalismo
como política de encaminhamento das negociações econômicas. Para assim se
compreender como este movimento e os documentos desenvolvidos pela UNESCO têm
norteado as ações das políticas educacionais no Brasil.
O contexto social brasileiro e a política neoliberal
Como exposto por Romanelli (2001), nas décadas de 1960/1970, os principais
acordos firmados para a educação brasileira eram constituídos entre o governo
brasileiro e a Agência Internacional de desenvolvimento (AID), por intermédio dos
programas MEC-USAID. Atualmente, no que diz respeito a esses programas se observa
a presença da UNESCO como promovedora, copatrocinadora, pesquisadora e
mantenedora destas atividades. Deste modo justifica-se a necessidade de se considerar
analisar a influência, tanto dos documentos que originaram os programas destinados à
primeira infância, como destes programas, no que tange à sua aplicação no país.
Não obstante ao conhecer seus princípios e fundamentos se verifica que os
mesmos não se encontram desvinculados de um pensamento que envolva aspectos
econômicos no norteamento das suas ações. Desta forma propõe-se analisar não
somente o que é a UNESCO em si, mas ainda, o que pretende ao propor “serviços” e
“atendimento” à primeira infância tendo – como dito anteriormente – como eixo
norteador de tais programas, o pensamento neoliberal.
No início da década de 1970, com os petrodólares – conforme Soares (1998) –
aumentou a possibilidade de existência dos bancos particulares. Estes acabaram, pelas
facilidades de empréstimo, financiando os países em desenvolvimento, superando os
empréstimos do Banco Mundial e das demais organizações multilaterais. No entanto,
nesse período:
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Pela primeira vez na história, todas as formas de capital atingiram uma escala global no seu processo de circulação, o que causou uma deterioração do controle dos Estados nacionais e instituições multilaterais sobre variáveis econômicas importantes, como os fluxos de capitais financeiros e produtivos e sobre o próprio mercado (SOARES, 1998, p. 20).
Houve profundas reestruturações de produção e tecnologia o que permitiu um
avanço no processo de globalização e consequentemente o “abandono” das políticas
keynesianas para a regulamentação do mercado e da economia, para se adotar o modo
de organização de políticas neoliberais. E conforme ainda Soares (1998, p. 20), o
neoliberalismo se solidificou nas décadas posteriores como condutor das “políticas
globais” se tornando assim, “[...] alicerce ideológico que vem fundamentando a atuação
do Banco Mundial e do FMI desde então.”
Desta maneira, ao se considerar a política neoliberal como norteadora das
propostas desenvolvidas tanto pelo Banco Mundial quanto pelo FMI, se considera
também que as propostas de ações e ajustes estruturais se aliem aos mesmos
propósitos. Consequentemente, as ações das agências multilaterais – e principalmente
no que diz respeito a financiamento – terão em suas ações os princípios neoliberais.
Para se compreender, tanto o surgimento do pensamento keynesiano, quanto o
surgimento do pensamento neoliberal, ademais, considera-se como o exposto por
Moraes (2001), segundo o qual, este último surgiu a partir do liberalismo clássico e por
intermédio da obra “Caminho da servidão” publicado em 1944 por Friedrich von Hayek.
Esta política tem como principais ações a manutenção de um Estado mínimo, a
privatização das empresas estatais, a redução drástica da ação do Estado sobre o
mercado, dentre outras. A política keynesiana, por sua vez, surgira a partir da obra
“Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, de John Maynard Keynes em 1936, a
partir da crise que o mundo enfrentava desde o início da década de 1920 e
principalmente no ano de 1929. Segundo o keynesianismo:
O Estado deveria manejar grandezas macroeconômicas sobre as quais era possível acumular conhecimento e controle prático. O poder público, desse modo, regularia as oscilações de emprego e investimento, moderando as crises econômicas e sociais (MORAES, 2001, p. 30).
Com o intuito de combater as práticas da política keynesiana o neoliberalismo, a
partir da década de 1970 iniciou um processo de solidificação nas relações entre os
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países e principalmente entre aqueles que envolvessem capitais. Assim ocorreu a
passagem da organização keynesiana para a neoliberal tendo seus interesses
defendidos pelas organizações multilaterais, essas mesmas que financiam programas
de ajustes estruturais dos empréstimos aos países em desenvolvimento.
Acerca dos ajustes, Toussaint (2002) esclarece que, os mesmos ajustes fazem
parte do pacote assinado pelos países em desenvolvimento e ao se solicitar os
empréstimos os países acordam uma série de medidas que devem ser seguidas com o
fim de “otimizar” o financiamento.
Dentre as ações do ajuste estrutural estão: liberalização do comércio; redução
das barreiras tarifárias; privatização tanto dos bancos quanto das empresas públicas;
reforma tributária; mínimo intervenção do Estado em relação ao mercado de trabalho;
minimização da ação dos sindicatos; sistema previdenciário privado, dentre outras.
Tais medidas, continua Toussaint (2002), chegam mesmo a atingir a área
educacional com os programas desenvolvidos com o aval da UNESCO. É nesse ponto
que se observa a importância de se discutir o que representam tais programas
vislumbrando suas destinações e a qual público se destinam. Para tal cabe-nos
observar como se encontra organizada a educação infantil no Brasil.
A infância brasileira e as organizações multilaterais
A história da educação infantil no Brasil é recente, tem grande expressividade a
partir das últimas décadas do século XIX. O atendimento às crianças era dividido em
creches para as crianças da primeira infância – de 0 aos 2 anos – e em asilos da
segunda infância – para crianças dos 3 aos 6 anos – conforme Kuhlmann Jr (2000). Os
primeiros asilos de infância, surgidos na França, passaram a ser denominados por
escolas maternais e, concomitante a este período, surgiram os jardins de infância, do
alemão Friedrich Froebel. O que caracteriza esse primeiro momento é que a
preocupação não se encontrava em educar ou se consolidar um pensamento que
enfatizasse a importância da educação na primeira infância, o que havia era a
necessidade de cuidar, primeiramente das crianças que eram abandonadas e, em
segundo plano, a de atender as famílias mais pobres. Nestas, pais e mães, precisavam
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trabalhar para sobreviver, assim não tendo onde deixar as crianças, acabou ocorrendo
uma vulgarização das instituições de primeira infância para este fim.
Segundo Kuhlmann Jr (2000) a primeira preocupação que foi atendida pela
educação infantil foi o cuidado à saúde da criança – se verifica isto ao perceber que
desde o início do século XX até meados de 1961, com a reformulação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a educação infantil (creches, jardins de
infância e pré-escolas) estava vinculada à saúde e à assistência social. Em 1920, ao se
falar de educação da primeira infância se consideravam as noções que eram difundidas
no período como a puericultura e a eugenia. Estes eram portanto, os eixos norteadores
da educação infantil no país.
Até mesmo as instituições criadas, durante o período, para a assistência da
primeira infância condiziam com a proposta de trabalho, como por exemplo a Inspetoria
de Higiene Infantil criada em 1923. A partir do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova,
na década de 1930, a educação infantil adquiriu alguns elementos que passaram a
possibilitar o pensamento de um fazer pedagógico. No entanto, como dito anteriormente
foi a partir da LDB de 1961 que se tornou possível o início da integração da educação
infantil no sistema de educação.
Com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a educação
infantil passou a integrar o sistema de ensino, o que proporcionou o crescimento das
instituições de educação infantil1. As mesmas instituições somente tiveram respaldo
definitivo com a homologação da LDB de 1996 que permitiu a definitiva integração da
educação infantil ao Ministério da Educação e do Desporto (MEC), desvinculando-a da
área de assistência social.
Após a promulgação da Constituição de 1988, não somente a educação infantil,
mas também a infância brasileira conquistou vários avanços. Tem-se publicado
atualmente diversos documentos que asseguram a existência de condições de direitos e
de deveres para com a infância, como políticas para a educação infantil, inclusive de
1Faz-se importante verificar que mesmo com a LDB de 1961 e a de 1971, a situação em que se encontrava e os avanços da educação infantil ainda eram pequenos. As práticas para se tentar aprimorar esta educação se expressavam na tentativa de fazer com que as indústrias mantivessem tais instituições devido à ineficiência do sistema nacional para manter e gerir as escolas. Tanto em Kuhlmann Jr (2000) quanto em Romanelli (2001), se verifica que desde aquela época os financiamentos para suprir essa educação eram necessários. Romanelli apresenta que a maioria dos programas eram firmados em parceria com a USAID e complementarmente, Kuhlmann observa a atuação de diversas instituições, como o UNICEF, por exemplo, como financiador de programas para a educação infantil.
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educação para todos, planos de educação e até mesmo um estatuto para crianças e
adolescentes.
No entanto, para compreendê-los não basta considerá-los como fins em si
mesmo ou ainda, considerá-los apenas nas ações a que se destinam. Cabe observar
como os acontecimentos em âmbito mundial passaram a interferir na sua consolidação.
Dessa forma verifica-se que apesar de não apresentar relação direta, as interferências
das agências multilaterais constituem um “pano de fundo” na consolidação de
documentos e de políticas para a educação brasileira.
No que tange a tais organizações – estas provindas do pós-guerra, a partir do
acordo de Bretton Woods, constando em suas atas de constituição sempre a ação na
busca da primazia da paz – verifica-se que utilizam do argumento de auxiliarem no
desenvolvimento dos países periféricos para lhes servirem como financiadoras.
Acerca de tais financiamentos se encontram ainda não apenas o auxílio
financeiro, mas também o auxílio documental – caso este verificado ao observar as
publicações do início da década de 1990. Neste período foram publicadas –
internacionalmente – a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das
Necessidades Básicas de Aprendizagem e ainda o Plano de Ação para Satisfazer as
Necessidades Básicas de Aprendizagem, a partir da Conferência sobre Educação para
Todos em Jomtien na Tailândia, enquanto – nacionalmente – se verificava a publicação
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e posteriormente – como previsto pela
Declaração – o Plano Nacional de Educação para Todos.
Ao consultar a Declaração, Brasil (1991) – esta que norteia diversos documentos
brasileiros – se observa o intento de expandir os cuidados com as crianças e atividades
que promovam o desenvolvimento destas. Com essas perspectivas, foram
desenvolvidos, a maioria dos documentos no país, tendo no geral a intenção de cuidar e
atender as crianças mais vulneráveis permitindo uma equidade maior. Tanto nos
documentos quanto nos programas2 desenvolvidos no Brasil para o atendimento da
primeira infância é possível verificar tal discurso.
2 Ao se referir aos programas fazem-se considerações a todos os programas sociais tanto mantidos pelo Ministério da Educação e do Desporto, quanto pelo Ministério do Desenvolvimento Social e pelo Ministério da Saúde. Destacam-se os programas que mais são conhecidos e que auxiliam a subsistência da família tais como o Bolsa Família – que incluem os programas Bolsa Alimentação, Bolsa Escola, Auxílio-Gás e Cartão Alimentação – o programa Sistema único de Assistência Social (SUAS), o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o programa Brasil Sorridente dentre outros. Esses programas de assistência às famílias concomitante a uma política de educação que permita uma educação a todos vêm sendo defendidos desde o início dos acordos entre o MEC e a UNESCO, no início da década de 1990.
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Os serviços e atendimento: estudo de políticas para a educação infantil
O documento “Os serviços para a criança de zero a seis anos no Brasil: algumas
considerações sobre o atendimento em creches e pré-escolas e sobre a articulação de
políticas” que será objeto de análise a partir deste momento é proveniente do Marco de
Ação em Dacar bem como da Semana de Educação para Todos em 2002. O Marco de
ação em Dacar se consolidou como complemento de trabalho da Conferência sobre
Educação para Todos que ocorreu na década anterior.
Este documento tem no início uma ênfase por parte da UNESCO sobre a
necessidade de conhecer a realidade brasileira por outros países – portanto o
documento se encontra tanto em português quanto em inglês. O documento apresenta a
educação infantil como incluída nos projetos de educação para todos – que teve suas
primícias na Declaração sobre Educação para Todos e reafirmada com o Marco de
Ação em Dacar. A educação infantil é, portanto, considerada de fundamental
importância para o desenvolvimento do indivíduo, sendo incluída como compromisso de
equidade e sempre destacando maior importância ao cuidado com a primeira infância.
O documento faz referências aos programas que atendem as necessidades das
crianças, aborda o total de atendimentos, os recursos destinados os tipos de benefício
etc. Dentre os programas referidos constam-se o Bolsa Alimentação, a Merenda
Escolar, o Apoio à Pessoa Portadora de Deficiência. Além desses dados encontramos
índices de matrícula e atendimento da educação infantil, no qual consta que o Censo
Escolar de 2001 detectou 62,4% das matrículas em creches e 74,6% em pré-escolas da
rede pública de ensino. No entanto esse número – como sempre no decorrer da história
da educação no Brasil – não é exato, pois há uma diferença entre o Censo realizado
pelo MEC e aquele realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
A explicação se dá ao se considerar que mesmo fazendo parte do sistema nacional de
educação, algumas instituições de educação infantil não o fazem.
O documento informa que conforme o Censo Demográfico de 2000, as crianças
de 0 a 6 anos correspondia a 13,6% da população brasileira e que 42% destas se
encontravam em famílias com renda mensal inferior a meio salário mínimo. Nessa
perspectiva, o documento – UNESCO (2004) – considera que quanto mais vulnerável a
família mais dificuldade de acesso à educação, e para tal haveria a necessidade de
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desenvolver programas que possibilitassem o acesso e a permanência dessas crianças
nas instituições de educação infantil.
Ele salienta como avanços a constituição do Referencial Curricular Nacional para
a Educação Infantil e o deixar a cargo do Estado apenas a função de legislador das
diretrizes educacionais, concedendo a cada município a função de regulamentação de
seu próprio sistema de ensino. Consideram ainda que:
A crescente organização e funcionamento de Conselhos Municipais de Educação e as decorrentes regulamentações específicas para a educação infantil podem ser um bom indicativo da integração de educação infantil aos sistemas de ensino. Por outro lado, apontam consensos sobre a qualidade e sobre o processo de definição da qualidade entendido como descentralizado, participativo e democrático. (UNESCO, 2004, p. 25).
O referido processo de qualidade deve existir no momento em que se assegura
às crianças uma educação por parte das instituições, dessa forma os Conselhos
Municipais se constituiriam como fiscalizadores desta qualidade do ensino. No entanto,
há ainda outros problemas como as instituições que não integram o sistema educacional
de ensino e dessa forma não seriam possíveis a fiscalização e a formação dos
professores deste nível de educação. Visto que estes, na maioria das vezes, trabalham
sem a devida qualificação, a solução para este impasse apresentado pelo documento se
solidifica na possibilidade da existência da formação em serviço. Assim, ao passo que
se atende à educação infantil o atendente faz cursos de formação e aperfeiçoamento.
Concomitante a essa realidade o documento apresenta ainda referências sobre o
financiamento, mostra que ao verificar o que é financiado na educação se percebe como
os avanços não foram significativos, afinal os parcos recursos destinados à merenda
escolar – R$0,06 por aluno/dia para as pré-escolas e cerca de R$0,13 por aluno/dia
para o ensino público – não são destinados às creches, por exemplo.
É importante frisar que os recursos aplicados pelo setor da educação são ligados
aos recursos municipais e o dinheiro proveniente da União para esse nível de ensino é
concedido – ainda – pelo setor de assistência social, por volta de R$8,51 para o
atendimento parcial e R$17,02 para o atendimento em tempo integral a cada criança
atendida. Isto representa, embora já assegurado pela legislação, a ligação da educação
infantil ao setor de assistência social como no início do século XX.
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MORGADO, Suzana Pinguello; LARA, Ângela Mara de Barros
As semelhanças entre a situação educacional nos dois momentos históricos não
se limitam ao que fora exposto até o momento. Como apresentado pelo documento, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil consideram que para a
existência de uma instituição de educação infantil é necessário que se contemplem os
aspectos de: ser vinculado ao sistema de ensino; ter uma proposta pedagógica; ser, os
profissionais atuantes, formados; ter condições físicas e recursos materiais para o
atendimento.
Para complementar a discussão o documento se utiliza de uma pesquisa
realizada por Conselhos Municipais em 20 capitais brasileiras, através da qual foi
observado que a educação infantil nesses municípios correspondia às exigências do
documento. No entanto, isto não significa que nos demais municípios todas as
instituições que atendem à primeira infância estejam em conformidade com as diretrizes.
A mudança dos ministérios é definida ainda como um outro ponto desfavorável
para as políticas educacionais. Pois, na mudança de um governo para o outro – o que
ocorreu entre os anos de 2002 e 2003 – as políticas assumidas na gestão anterior
deixam de ser desenvolvidas para se desenvolverem outras. Foi o que ocorreu com o
Comitê da Primeira Infância criado em 2000 e desligado com a mudança do governo em
2003. Esse problema segundo o documento impede que haja interação entre os
ministérios e os programas, o que dificulta o atendimento às crianças mais vulneráveis.
À guisa de conclusão
Ao se observar como eixo norteador das políticas para a educação infantil, as
propostas neoliberais, deve-se considerar que, as mesmas políticas, fazem parte do
ajuste estrutural pelo qual os países que requerem financiamento devem assumir.
Nessa perspectiva, quando o documento trata tanto da minimização do Estado, como
apenas legislador das diretrizes educacionais – deixando a cargo de cada município as
responsabilidades de constituir e de fiscalizar a educação infantil – quanto a de propor a
formação do professor em serviço, observa-se a vertente neoliberal embasando tais
propostas.
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Portanto, constata-se que tanto a Declaração sobre “educação para todos”,
redigida no início da década de 1990, como os demais documentos desenvolvidos foram
consolidados conforme os preceitos defendidos pelo Banco Mundial e pelo FMI.
Nessa mesma lógica de ajuste estrutural integrante das organizações
multilaterais provenientes do acordo de Bretton Woods, a UNESCO, desenvolve suas
ações, programas e políticas, de maneira que sejam atreladas aos seus preceitos, as
políticas a serem aplicadas nos países em desenvolvimento. Da mesma forma que as
políticas se distinguem de uma realidade – em desenvolvimento – para outra –
desenvolvida – as noções de serviços, atendimento, cuidado e educação são
observadas de maneiras distintas.
A começar pelo termo “atendimento”, percebe-se que no decorrer do texto ele
está ligado à prestação de serviços. Primeiro, o documento mostra dados do número de
atendimentos. Em suma, relata a quantidade de crianças que têm acesso à educação
infantil. Em seguida faz considerações acerca da fiscalização dessa educação, de
maneira que possa permitir condições – qualidade – de estudo, e ainda, de maneira que
todas as crianças sejam atendidas. Nessa perspectiva atendimento corresponde ao
“serviço” prestado a certo número de crianças.
Ao se considerar atendimento, o serviço prestado a todas as crianças deve-se
observar que o referido ‘todos’ se aplica às crianças mais vulneráveis. Tal constatação
pode ser verificada por intermédio dos demais documentos das organizações
multilaterais, como por exemplo, a Declaração mundial sobre educação para todos.
Já se concebe então que o atendimento se refere ao serviço e que se destina aos
mais vulneráveis. Embora o documento trate da educação da primeira infância não
significa que se destine – de fato – à educação das crianças. Pois os programas nos
quais o documento se embasam para fazer análise de atendimento dizem respeito
apenas àqueles de assistência às necessidades básicas de sobrevivência –
necessidades estas defendidas desde a declaração em 1990 – como alimentação
higiene pessoal e saúde, por exemplo. Eles dizem respeito a um cuidado com a primeira
infância, o que não se difere muito do que ocorria no início da educação infantil.
Assim, conclui-se que serviços e atendimento se designam como ações – que
podem ou não se constituir em educação – destinados ao atendimento de todas as
crianças – no caso, a todas as crianças vulneráveis. Dessa maneira se considera de
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maneira distinta, tanto cuidado quanto educação, afinal o próprio documento em suas
finalizações permite tal distinção. E considera que dever-se-ia investir mais para que as
crianças pudessem ter acesso aos serviços de modo que os mesmo serviços fossem
capaz de atender – os cuidados – a todos.
Referências
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ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: 1930-1973. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2001, 267p.
SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mundial: Políticas e reformas. In: TOMMASI, Lívia de; WARDE, Mirian Jorge; HADDAD, Sérgio (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998, p. 15-40.
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UNESCO. Os serviços para a criança de zero a seis anos no Brasil: algumas considerações sobre o atendimento em creches e pré-escolas e sobre a articulação de políticas. Brasília: UNESCO-Brasil, 2004, 44p.
WERTHEIN, Jorge. Crenças e esperanças: avanços e desafios da UNESCO no Brasil. Brasília: UNESCO-Brasil, 2003, 376p.
Recebido em: Junho/2011.
Aprovado em: Outubro/2011.
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