revirei nº2 - jan./jun. 2015
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ENTREVISTA Uma deliciosa conversa com Patrcia Corsino sobre as linguagens na
Educao Infantil.
VENDO E REVENDO Dois textos que nos fazem pensar sobre as linguagens na infncia,
muito alm da alfabetizao...
SABERES DO COTIDIANO
O relato de uma turma de 4 e 5 anos que descobriu seu entorno e muito
mais.
virei o baLivros de ontem,
livros de hoje, livros de sempre!
ReVirEIREVISTA VIRTUAL DE EDUCAO INFANTIL
No 2 - JAN/JUN - 2015
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RevirEI
EXPEDIENTECoordenao: Catarina Moro
Edio: Ana Jlia Rodrigues
Diagramao: Ana Jlia
Rodrigues e Marina Feldman
Colaboradores: Franciele
Ferreira Frana, Ettiene B. L.
Barbosa, Gioconda Gigghi.
Reviso: Marina Feldman
NEPIE - Ncleo de Pesquisas e
Estudos em Educao Infantil
Setor de Educao - UFPR
UFPR - Universidade Federal do
Paran
Revista Virtual de Educao Infantil
Dicas para sua leitura: use o modo de tela cheia e aproveite para clicar nos links.
Dvidas? Pedidos? Sugestes? Crticas?
Entre em contato conosco pelo e-mail [email protected]
A criana feita de cem.
A criana tem cem mos, cem
pensamentos, cem modos de pensar, de jogar e de falar. Cem, sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos
para descobrir. Cem mundos para inventar.
Cem mundos para sonhar. A criana tem cem linguagens (e depois, cem,
cem, cem), mas roubaram-lhe noventa
e nove. A escola e a cultura separam-lhe a cabea do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mos, de fazer sem a cabea, de escutar e de no falar, de compreender sem alegrias, de amar e maravilhar-se s na Pscoa e
no Natal. Dizem-lhe: de descobrir o mundo
que j existe e de cem, roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a
cincia e a imaginao, o cu e a terra,
a razo e o sonho, so coisas que no esto juntas. Dizem-lhe: que as cem no existem. A criana diz: ao contrrio, as cem existem. Loris
Malaguzzi
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1Na RevirEI 1 discutimos temas implicados com a Arte. A Luciana Ostetto, como entrevistada, tratou da arte na relao com a formao de professores. Na
Vendo&Revendo, tivemos dois pontos de vista sobre o trabalho com a arte e o desenho; agradecemos s professoras Mrcia e Andreia e s crianas do CMEI Liberdade
pela cesso dos desenhos que do vida aos textos. Em Saberes do Cotidiano acompanhamos o relato de Las sobre o trabalho a partir de Gaud. Compartilhamos o livro A Grande
Roda de Histrias, de Nlio Spra e Milton Karam, por intermdio da resenha. Na
seo Virei o Ba, encontramos brinquedos do passado. Em O que diz a lei? Dani discute a Lei 12.796/2013 que modifica a LDB. Na seo Virando o Mundo, buscamos
uma experincia italiana que amplia o olhar sobre o uso do banheiro pelas crianas.
A Fique de olho buscou provocar cada leitor a sair em busca de mais, ir alm, revirar.
Agora, na RevirEI 2, tambm h um tema central: a linguagem nas tessituras entre oralidade, leitura e escrita. Entrevistamos Patrcia Corsino, que fala sobre a
descoberta das linguagens e a construo de mundos pelas crianas pequenas. A seo
Vendo&Revendo traz a compreenso de que o trabalho com a linguagem escrita no deve se interpor integralidade das crianas e suas outras muitas linguagens. Em Saberes do Cotidiano acompanhamos um projeto de cincias com crianas de 5 anos de um CMEI. A Fique por Dentro nos convida a adentrar no universo da poesia com o livro Poesia
para Crianas: conceitos, tendncias e prticas, de Leo Cunha. A Virei o Ba traz um anncio de tempos atrs que j aludia ao livro como um bom presente para todas
as idades. Na O que diz a lei?, abordamos a polmica data corte para ingresso das crianas no Ensino Fundamental. Em Virando o Mundo, vemos uma rica experincia
de Portugal que envolveu crianas e adultos em muitas brincadeiras e aprendizados.
Na Fique de olho, continuamos querendo atiar voc leitor ao infinito. Temos tambm
uma nova seo: O que dizem as Politicas?, apresentando o PNBE 2014 para a Educao Infantil. Alm da ldica palavrao de Leminski na contra-capa.
O desafio de manter a RevirEI se revitaliza a cada produo nossa e a cada obstculo
novo. Meu agradecimento a todas (somos nesse momento um coletivo feminino)
que continuam sentindo-se desafiadas e compartilham dessa concretizao. E viva o
nmero 2 da RevirEI!!
Editorial
CATARINA MORO
Dvidas? Pedidos? Sugestes? Crticas?
Entre em contato conosco pelo e-mail [email protected]
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2A Marina Feldman se formou em Jornalismo mas a vida levou ela
para a Educao. Foi professora de crianas pequenas e hoje em dia
faz mestrado em Poltcas Educacionais na UFPR. Ela diagrama e revisa a
RevirEI, junto com a Ana Jlia, e faz as nossas Entrevistas.
A Jordana Stella Botelho irremediavelmente apaixonada pela Educao,
por isso formou-se pedagoga e mestra nesta rea pela UFPR. Por muitos anos
foi professora da Educao Bsica e, mais recentemente, do Ensino Superior.
Atualmente trabalha como coordenadora pedaggica em uma escola da rede
privada.
Nossos ColaboradoresA Catarina Moro formada em Psicologia, mas interessada mesmo
pela Educao Infantil, as crianas e os adultos que a constituem. Hoje
professora da UFPR e pesquisadora do NEPIE, quando criana, era moleca e
adorava pular de lugares altos. Foi quem teve a ideia de criar a RevirEI e hoje ela coordena a equipe, traduz a seo Virando o Mundo e nessa edio
escreveu nosso O que diz a lei? e O que dizem as Politicas?.
A Ana Jlia Lucht Rodrigues est se formando este ano em Pedagogia
na UFPR e pesquisa, na sua iniciao cientfica, a Histria da Infncia.
Desde que entrou no curso se encantou com a Infncia e Educao
Infantil e se juntou ao NEPIE. Ela a editora da RevirEI, e diagrama e revisa a revista junto com a Marina.
A Adriane Knoblauch foi alfabetizadora e atualmente professora
do curso de Pedagogia da UFPR. Passou a infncia lendo gibis e hoje
passa os dias estudando as relaes que envolvem a formao docente
e prticas pedaggicas, processo que se intensificou no seu mestrado,
doutorado e ps-doutorado.
Nessa Edio
Elas duas constribuiram para o nosso Vendo e Revendo desta edio.
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3A Etienne Barbosa especialista em Histria da Educao, com formao em
Pedagogia. doutoranda da UFPR, com experincia na rea de Educao Infantil.
Ela escreve a nossa seo Virei o Ba e sempre traz memrias fresquinhas pra dividir com a gente...
A Gioconda Ghiggi especialista em Docncia na Educao
Infantil (UFPR) e Cincias Pedaggicas (Roma3). mestranda
em Educao na UFPR e pedagoga na Prefeitura de Curitiba.
ela que nos conta dos novos livros, CDs e filmes na seo Fique de OlhO.
Nossos Colaboradores
A Franciele F. Frana, sempre ansiosa por saber sempre mais, numa mistura de
sonhos e propsitos, depois de formada em Pedagogia e com o ttulo de Mestra em
Educao pela UFPR, achou que ainda no bastava: atualmente doutoranda em
educao pela mesma universidade. Por aqui, ela passa seu tempo a mergulhar em
livros e nos contar tudinho, na seo fique por dentro .
A Mrcia Cristina Ribeiro Osinski pedagoga, ps-graduada em educao
inclusiva e professora de Rede Pblica Infantil de Curitiba.Ela trabalhou com
uma turma de pr no CMEI Liberdade e nos contou uma de suas expericias
na seo Saberes do Cotidiano.
O Andr Neves ilustrador e escreve lindas histrias para crianas,
alm de confabular imagens no seu blog. Se diz desinventor de realidade
e seus desenhos dialogam bastante com a nossa proposta. A RevirEI f
dele e, para nossa alegria, ele autorizou que usssemos suas ilustraes
nessa edio. A da capa vocs j viram e vo reconhecer outras ao longo
da edio, junto ao nome do livro de onde saram.
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4CAPA E SUMRIO: ILUSTRAO DE ANDR NEVES, DO LIVRO OREJAS DE MARIPOSA, DE LUISA AGUILAR, EDITORA KALANDRAKA
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514 VENDO & REVENDO: Dois textos sobre o lugar da linguagem na educao infantil.
22 ENTREVISTA: Patricia Corsino discute o processo de descoberta da linguagem.
30SABERES DO COTIDIANO:
A natureza como fonte de aprendizado em um projeto com crianas de 4 anos.
36 O QUE DIZ A LEI? A falsa polmica sobre a data corte de entrada no ensino fundamental.
40
7 FIQUE DE OLHO: Notcias da UFPR e indicaes culturais para enriquecer a sua prtica.
42 VIREI O BA: A relao entre livros e crianas no final do sculo XIX.
FIQUE POR DENTRO: Resenha da obra Poesia para crianas:
conceitos, tendncias e prticas.
10VIRANDO O MUNDO: Cozinha de lama - um projeto de Portugal que envolve crianas, professores e famlias.
CAPA E SUMRIO: ILUSTRAO DE ANDR NEVES, DO LIVRO OREJAS DE MARIPOSA, DE LUISA AGUILAR, EDITORA KALANDRAKA
38 O QUE DIZEM AS POLTICAS? A Poltica em Ao com o PNBE.
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6Fi
qu
e d
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lhO
... ...nos livros(para ler com os pequenos)
CADA UM COM SEU JEITO, CADA JEITO DE UM!
Lucimar Rosa DiasO livro de Lucimar Dias conta a histria de
Luanda e sua famlia. Diferentes modos de
ser em uma histria que mostra o respeito pelas diferenas presentes nas nossas famlias e nos diversos grupos sociais em que vivemos. Ilustraes: Sandra Beatriz
Lavandeira. Editora Alvorada
...nas canesZOR
Zeca BaleiroO maranhense Zeca Baleiro lanou o seu primeiro
trabalho para os pequenos: Zor Volumes 1 e 2. O primeiro volume [Bichos esquisitos] j est
disponvel: so 28 canes com temas relacionados com o universo animal. Conta com a participao
de Tom Z, Fernanda Abreu e outros artistas.
http://www.zoro.art.br
SIRICUTICOSiricutico
Com um encarte com belas ilustraes do artista curitibano
Andr Ducci, o quarteto curitibano Siricutico apresenta
o CD que leva o nome do grupo.
So 10 msicas divertidas que
encantam pequenos e grandes.
As msicas esto disponveis para download!
http://www.siricutico.art.br
ERA UMA VEZ UM GIGANTETiquequ
Angelo Mundy, Diana Tatit, Bel Tatit e Wem formam o
Tiquequ. O grupo trabalha com canes e espetculos
para crianas e lanou recentemente seu segundo CD, Era uma vez um gigante, com 12 canes.
https://www.facebook.com/tiquequeoficial
http://www.tiqueque.com
(para subsidiar a prtica docente)A CINCIA NA EDUCAO PR-ESCOLAR
Maria Lcia Santos; Maria Filomena Gaspar; Sofia Saraiva Santos
O livro tematiza o conhecimento cientfico
e busca saber se as turmas de pr-escola so amigas das cincias. Foi patrocinado e publicado
pela Fundao Francisco Manuel dos Santos e traz vrios relatos de boas prticas - entre os quais
Observatrio de caracis, Viagem ao mundo da
luz, Porque que aqui no cai neve?
Fundao Francisco Manuel dos Santos
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7ZORZeca Baleiro
O maranhense Zeca Baleiro lanou o seu primeiro
trabalho para os pequenos: Zor Volumes 1 e 2. O primeiro volume [Bichos esquisitos] j est
disponvel: so 28 canes com temas relacionados com o universo animal. Conta com a participao
de Tom Z, Fernanda Abreu e outros artistas.
http://www.zoro.art.br
ERA UMA VEZ UM GIGANTETiquequ
Angelo Mundy, Diana Tatit, Bel Tatit e Wem formam o
Tiquequ. O grupo trabalha com canes e espetculos
para crianas e lanou recentemente seu segundo CD, Era uma vez um gigante, com 12 canes.
https://www.facebook.com/tiquequeoficial
http://www.tiqueque.com
...nos filmesO MENINO E O MUNDO
Com uma interessante mistura de tcnicas, como o uso de giz de cera e colagens, o cineasta Al Abreu emociona com a animao O menino e o Mundo. A
histria de um menino que parte em busca do pai e descobre um mundo cheio de seres fantsticos.
Animao, Brasil, 2014
http://omeninoeomundo.blogspot.com.br
TARJA BRANCA - A REVOLUO QUE FALTAVAO documentrio dirigido por Cacau Rhoden
traz reflexes de adultos de diferentes origens e
profisses sobre suas infncias e suas brincadeiras,
alm de questionamentos sobre o lugar do brincar
na vida das crianas e adultos nos dias de hoje.
Documentrio, Brasil, 2014
http://mff.com.br/filmes/tarja-branca/
GIOCONDA GHIGGI
(para subsidiar a prtica docente)A CINCIA NA EDUCAO PR-ESCOLAR
Maria Lcia Santos; Maria Filomena Gaspar; Sofia Saraiva Santos
O livro tematiza o conhecimento cientfico
e busca saber se as turmas de pr-escola so amigas das cincias. Foi patrocinado e publicado
pela Fundao Francisco Manuel dos Santos e traz vrios relatos de boas prticas - entre os quais
Observatrio de caracis, Viagem ao mundo da
luz, Porque que aqui no cai neve?
Fundao Francisco Manuel dos Santos
Acesse na
ntegra!
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8CASSIANA MAGALHES
LYDIO ROBERTO
A experincia me permitiu uma aproximao com professores da Educao Infantil, momentos permeados por histrias e aprendizagens, rico em reflexes tericas e prticas acerca do trabalho pedaggico com as crianas pequenas. Pensar nas diferentes infncias nas diversas realidades, permitiu afirmar o compromisso na promoo do desenvolvimento humano, partindo de um trabalho intencional, possibilitando o encontro da criana com a cultura e a ampliao de repertrio do prprio professor. Durante os encontros pudemos nos afetar com a arte nas suas diferentes linguagens e refletir sobre as possibilidades de afetarmos tambm as crianas.
Participar como docente do Curso reafirmou a necessidade de democratizar o conhecimento e as vivncias artsticas junto as professoras de Educao Infantil como condio bsica para os profissionais que atuam com crianas. Os encontros com as diferentes realidades educacionais p r o p o r c i o n a r a m significativos momentos de trocas de experincias e aprendizagem. Fazer, pensar e sentir msica no universo da infncia junto as professoras da Educao Infantil, sem dvida, foi um privilgio, pois como msico e professor pude testemunhar as alegrias e o poder transformador da msica na vida das pessoas.
Fiq
ue
de
Olh
O... ...no que acontece
NOTCIAS DO NEPIE/UFPR
DEPOIMENTO DOS DOCENTES DO CURSO
Educao Infantil, Infncias e Arte
ENCERRAMENTO DO CURSO: Educao Infantil, Infncias e Arte
Dia 07 de maro de 2015 realizou-se no Setor de Educao da UFPR, o
Seminrio de Finalizao do Curso de Extenso Educao Infantil, Infncias
e Arte, das turmas de 2013 e 2014. No evento ocorreram trs oficinas
de 8 horas: O lugar da TV na Educao Infantil - experimentaes e
possibilidades de interveno pedaggica, com Iracema Munarim e Juliane
Odinino; Meu corpo, meu mundo jogos expressivos e dramticos para
refletir sobre novas possibilidades de relacionamento e de narrativas a
partir do corpo, com Luiz Fernando; e Tapete encantado o universo
mgico e misterioso da arte de contar de histrias, com Rosy Greca.
-
9O curso foi uma experincia mpar e significativa para todos. No mdulo de artes visuais as reflexes propiciadas fomentaram mudanas na prxis educacional da arte na escola. O perceber, o vivenciar, o construir, suscitados pelo universo cultural e artstico, proporcionoram a construo de conhecimentos, ampliando o repertrio das professoras, no fazer e no fruir produes artsticas. O desenvolvimento do processo criativo evidenciou que o impulso criador no se limita a reproduzir, mas combina, reelabora, cria com os elementos. Surgem rearranjos imbudos de expressividade, imaginao e fantasia. Assim, proporcionamos ressignificaes dos contedos realidade da educao infantil, almejando uma educao mais sensvel e humana.
LANAMENTO DO LIVRO: Instrumentos e Indicadores para avaliar
a creche: um percurso de anlise da qualidade - Laura Cipollone (Org.)
Foi lanado pela Editoria UFPR um novo ttulo, trazido ao Brasil pelo Ncleo de
Estudos e Pesquisas em Infncia e Educao Infantil. O livro adentra a trajetria de
anlise da qualidade da oferta educativa em creches de uma das regies centrais da
Itlia, a mbria, entre os anos de 1992 e 1996. Tal investigao e acompanhamento
constituram-se em um processo formativo, empreendido a partir da demanda dos
municpios da regio e sendo abraado por pesquisadores e professores da Universit
Degli Studi di Pavia, assim como pelos gestores ligados oferta dos servios de creche.
Distintamente, tematiza os espaos e as prticas educativas cotidianas com e para
bebs e crianas pequenas, at os 3 anos. Com isso, preenche uma lacuna na
publicao acerca da avaliao da qualidade em instituies de educao
infantil, pois o debate acerca da qualidade das creches no tem estado
presente nesse veculo de publicao.
Mais detalhes no site da Editora UFPR
DEPOIMENTO DOS DOCENTES DO CURSO
Educao Infantil, Infncias e Arte
ANDRA BERTOLETTI
-
10
Se, por um lado, a sociedade
e o estado esto cada vez
mais sensveis infncia e ao
desenvolvimento global das
crianas, por outro lado, as crianas
tm cada vez menos oportunidades
de explorar o desconhecido, de
se sujar, de se maravilhar com a
natureza, de viver aventuras em que a
personagem principal so elas prprias...
Isto , tm cada vez menos possibilidades de
ser criana. O conjunto de experincias que
realizamos envolveu muitas consideraes
por parte da equipe educativa sobre os
espaos exteriores e suas potencialidades,
os benefcios do brincar livre no exterior, o
papel do educador nestes contextos, bem
como uma reflexo sobre os desafios que a
podem surgir.
C o m e a m o s
perguntando s crianas: Como gostariam
que fosse a cozinha de lama? O que gostariam
de ter na cozinha de lama? Gostaria que
fosse suja; Queria que fosse limpa; Que fosse
grande, tivesse bancada para trabalhar; Que
ela fosse pequenina, do nosso tamanho.
Que tivesse: gua para lavar copos, uma
varinha mgica para cozinhar; Ingredientes
para pr no bolo; Utenslios de cozinha e
forminhas; Uma tenda para tapar o sol,
vira
ndo
o m
undo
Uma cozinha suja, muito suja...A cozinha de lama desperta nas crianas a curiosidade de saber
Esse texto foi originalmente publicado na revista portuguesa Cadernos de Educao de Infncia
(CEI) n 103/2014, escrito por Diana Pinto, educadora da Casa da Criana Maria Granado, sob o
ttulo Gosto de brincar na cozinha de lama porque descapotvel. Aqui compartilhamos o relato
em verso condensada e com uma organizao prpria das fotografias. Nele a autora socializa
e discute a proposio da cozinha de lama, no apenas como espao, mas como atitude, fruto
de uma reflexo sobre um conjunto de experincias riqussimas vividas no espao externo de
uma instituio de educao de infncia por adultos e crianas. Nossos agradecimentos a Maria
Lcia Santos, presidente da Associao de Profissionais de Educao de Infncia de Portugal,
e editora responsvel pelos CEI, que possibilitou nossa publicao.
Reviso: Catarina Moro
-
11para fazer sombra; Um fogo para pr as
comidas.
Em conjunto, organizamos as ideias de
acordo com a nossa capacidade para
as concretizar; fizemos algumas
pesquisas e a seguir desenhamos a
planta da nossa cozinha de lama. Para nos
ajudar contamos com o apoio dos pais.
Primeiro foi necessrio contar tudo a eles,
envolv-los neste processo de transformao
e instalao de equipamentos no espao
exterior. Isso estreitou laos e quebrou
barreiras, poucas foram as famlias que no
se renderam cozinha de lama e s suas
potencialidades quando a construram,
quando reviveram a sua infncia e quando
imaginaram a expresso de satisfao e
felicidade dos filhos a brincar neste espao.
Rapidamente, os adultos perceberam que
promover o brincar livre nestes contextos
seria uma tarefa complexa e desafiadora. No
s por questes de segurana e superviso,
mas essencialmente pela manuteno do
espao e das diferentes necessidades ldicas
de cada criana. Por isso foi necessrio criar,
em conjunto, algumas regras de utilizao.
Sabamos de antemo que a atitude dos
adultos poderia limitar a ao e curiosidade
das crianas que, num misto de euforia e
felicidade, no paravam de fazer perguntas
para as quais nem ns tnhamos resposta:
Posso ir buscar terra na horta? Posso brincar
-
12vi
rand
o o
mun
do
com pedras? Posso brincar com gua? Posso
fazer lama? Na verdade, at elas pareciam
confusas com a oportunidade de se sujarem
e de brincarem com lama. Depois de muitas
pesquisas e documentao que esclarecesse
todas as nossas dvidas e receios decidimos
- numa harmonia entre a liberdade, proteo
e intencionalidade educativa - arriscar outra
atitude. Estando mais confiantes no caminho
a seguir, deixamos de ter receio em deix-
los ir sozinhos horta buscar terra e gua;
em deix-los brincar com paus e pedras;
brincar com gua e lama sem restries... O
resultado desta mudana de atitude foi um
grupo envolvido, feliz, curioso, investigador
e em harmonia. Curiosamente, todo este
contexto fez diminuir claramente os conflitos
entre todos.
Tendo j encontrado o nosso caminho
e estando seguras dele, foi fcil antecipar
algumas questes que poderiam ser
levantadas pelos pais e dar-lhes resposta de
forma convicta e segura. A melhor forma de
os conquistar foi, sem dvida, implic-los
na construo do espao, mas decidimos ir
mais longe e convidar as famlias para uma
festa na cozinha de lama. Estava na hora dos
pais sentirem e verem com os seus prprios
olhos as suas potencialidades. Preparamos
bolos com lama, flores, paus, pedras...
Fizemos sucos com gua e ervas aromticas,
-
13
apanhamos flores para decorar a mesa!
Rapidamente, os receios com as questes de
sade e higiene, com a roupa suja e molhada
e com os perigos se dissiparam e todos -
crianas, educadores e pais - queremos
mais: mais ao, mais possibilidades, mais
momentos em que o bem-estar, a natureza e
a aprendizagem andem de mos dadas.
O papel do adulto, alm de introduzir
estes elementos e aceitar os que as crianas
trazem, o de observar cada
criana, ajudar a dar significado
s suas experincias, conversar
com ela, interagir, complexificar o brincar
e promover a consolidao e aquisio de
inmeros aprendizados. Pela variedade de
estmulos, oportunidades e imprevisibilidade,
na cozinha de lama nunca se ouve eu no
consigo, eu no sei ou muito difcil.
-
14V
END
O &
RE
END
O
VENDO
LINGUAGEM ORAL E ESCRITA NA EDUCAO INFANTIL
Jordana Stella Botelho
Vendo e Revendo:linguagens
A construo da linguagem oral e
escrita pela criana, como sabemos,
fundamental para sua formao
humana, como sujeito e como cidad
capaz de participar das prticas sociais
do seu meio.
Sua aprendizagem acontece
articulada a um contexto cultural e
passa pelos sentidos que os primeiros
adultos do seu convvio vo dando sua
fala. Amplia-se a partir do contato com seus
pares e com outros adultos constituindo-
se, substancialmente, por meio da
interao social: falar para comunicar
desejos, necessidades, pensamentos,
intenes, dvidas, queixas, ideias... A
fala nasce atrelada inteiramente a uma
funo de comunicao s para mais tarde
chegar a uma linguagem interior, mais
ligada ao pensamento, na perspectiva de
Vygotsky*.
Do mesmo modo como ocorre na
construo da fala, o aprender a escrever
no poderia ser diferente. O processo
de aprendizagem da escrita tambm
deveria nascer atrelado a uma funo
social; deveria acontecer de modo que a
criana percebesse para que esta serve,
seus usos sociais, e sentisse necessidade
de utiliz-la para comunicar-se, para
expressar-se, destarte, apreendendo-a de
modo articulado sua funo social e no
fragmentada, centrada em letras e slabas
que no comunicam ideias, intenes,
sentidos.
Mas, por incrvel que parea, no contexto
da Educao Infantil em geral, ainda falta
tempo (ser isso mesmo?) para que um
trabalho significativo de linguagem oral e
escrita acontea ante tantas preocupaes
e ocupaes que crianas to pequenas j
precisam dar conta. No que elas no
deem conta, pelo contrrio, elas do;
mas o que se perde no caminho frente
a prticas excessivamente preocupadas
em se alfabetizar precocemente, como
se estas fossem garantia de um maior
sucesso escolar posterior?
Perdem-se muitas possibilidades de
vivenciar na Educao Infantil prticas
fundamentais para o desenvolvimento
oral, cognitivo, afetivo das crianas
As fotos que ilustram essa seo so da turma de Maternal III do CMEI Vila Real. Foram cedidas pela professora Renata Corra de Azevedo.
-
15
REVENDO
pequenas, vivncias que, muito
provavelmente, no sero retomadas
depois. Consequentemente, quando
chegam ao Ensino Fundamental etapa
que tem o compromisso oficial da
alfabetizao, muitas vezes elas tm pouco
repertrio oral, de histrias, de percepes
a respeito do mundo ao seu redor.
Brincaram pouco na etapa em que mais
necessitavam do faz de conta, do jogo, da
brincadeira. Desenharam muito pouco e,
portanto, no aprenderam que podemos
representar nossas ideias e comunic-
las por essa forma de linguagem escrita:
o desenho (lembremos que Vygotsky
concebia o desenho como precursor da
escrita!). Exploraram pouco a linguagem
oral e a escrita de um modo mais ldico,
com regras mais negociveis, mais
exploratrias, alimentando a imaginao,
a fantasia. Deixaram de mergulhar fundo
nos repertrios literrios, conhecendo
diversos personagens e seus dramas,
lugares e enredos que teriam lhes
oferecido um arcabouo valioso para suas
aprendizagens e vivncias no Infantil, no
Fundamental, no Mdio...
Educao Infantil que se sabe de fato - no
que concerne linguagem oral e escrita -
coloca no corao de suas prticas a leitura
e contao de histrias, pela professora e
pelas prprias crianas (evidentemente de
acordo com cada faixa etria), propostas
que possibilitam s crianas relatarem
situaes do seu dia a dia, propostas
que envolvem a criao coletiva de
histrias, que possibilitam usar a escrita
coletivamente e individualmente (da
forma como a criana conseguir registrar)
para comunicar ideias, para informar,
pedir, avisar, contar,
argumentar... E cada uma
dessas prticas permeada
por muita conversa, tempo
para comparar ideias,
refletir, elaborar hipteses,
espao para o e se...
Tambm as cantigas,
parlendas, quadrinhas,
trava-lnguas, lengalengas,
adivinhas deveriam ser
convidadas a ocupar Momento de Leitura na turma do Maternal III
-
16
VENDOdiariamente lugar de destaque no
trabalho das escolas que atendem a
etapa da Educao Infantil. Todo esse
material rico da cultura popular brasileira,
produzido e reinventado por crianas
e adultos de muitos tempos e lugares
constitui mais que um repertrio que
merece ser compartilhado por diferentes
geraes, um campo frtil de exploraes
lingusticas pelas crianas. Isso porque
possibilita brincar com as palavras, com
seu ritmo, sua pronncia, sua repetio;
travar a lngua em um fonema, brincar
com sons que se parecem, que so
muito diferentes, com as brincadeiras
de palavras que comeam com a mesma
letra at o final (Pedro Pinto pintor pinta
a porta pobre pintor...). E por que no
registrar coletivamente essas brincadeiras
(a professora como escriba) para, quem
sabe, sugeri-las em uma carta aos colegas
da outra turma?
Memorizar quadrinhas populares
ou pequenos poemas para apresentar
aos colegas uma proposta muito
interessante para o desenvolvimento da
linguagem oral, uma vez que o desafio da
memorizao e do se expor para algum
ouvir desenvolve e exercita habilidades
de quem fala e de quem ouve. Porque
desenvolver linguagem oral tambm est
ligado a desenvolver a escuta, lembremos!
a turma produzindo um grfico das suas parlendas favoritas V
END
O &
RE
END
O
-
17
REVENDO
Ouvir uma histria at o final, manter o fio
de uma conversao, prestar ateno no
que a professora ou o colega disseram para
poder interagir fazem parte do trabalho de
linguagem oral no Infantil. Nesse sentido,
as conhecidas rodas de conversas podem
oportunizar momentos de fala e escuta
significativos para crianas ampliando em
muito as habilidades de relatar situaes
e narrar histrias.
Entretanto, a pesquisa de Viviane Alessi
sobre as rodas de conversa demonstrou
que muitas vezes a conduo das rodas
pelas professoras regida ora mais pela
lgica do monlogo, ora pela prtica
tradicional de pergunta-resposta, esta
por vezes com um propsito de ajustar,
corrigir a fala da criana. Alm disso, a
pesquisadora relata:
O que se observa nessas situaes
uma restrio temtico-informativa que
empobrece o dilogo, que se preocupa muito
mais com o tema, a informao veiculada
e o controle das crianas, do que com as
ideias de seus participantes. O professor
esquece-se de que o conhecimento
construdo e no transmitido! (ALESSI,
2014, p. 183)**.
No basta garantir, portanto, a roda de
conversa na rotina se esta no ir em nada
contribuir para um dilogo verdadeiro
entre crianas-adultos, crianas-crianas;
h que se valorizar o repertrio infantil,
que no menor que o do adulto, mas
diferente deste, uma vez que a criana
processa e produz cultura tambm.
Tomara que em 2015 possamos encher
nossas salas de Educao Infantil de mais
ouvidos e olhos de professoras/es e mais
vozes de crianas, para que haja mais
dilogo verdadeiro; que as explicaes
dos professores no preencham todo
o enunciado escolar***. Que haja
espao de sobra para a literatura, para o
fantstico, para a experimentao, para o
movimento, para a brincano. E que,
principalmente, possamos dar menos
conta e nos dar mais conta do que
essencial em nossas escolhas pedaggicas
dirias.
*VYGOTSKY, L. S. A formao social da
mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.
*VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem.
Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.
**ALESSI, Viviane Maria. Rodas de conversa:
uma anlise das vozes infantis na perspectiva
do crculo de Bakhtin. Curitiba: Editora UFPR,
2014.
***PIVOVAR, Altair. O parlamento das
gralhas. Curitiba: Educar em Revista, 2002.
-
18V
END
O &
RE
END
O
VENDO
H muitas dvidas sobre o papel que a linguagem escrita deve ocupar no interior
das instituies de Educao Infantil.
para alfabetizar? Posso mostrar as
letras? At onde posso ir? So dvidas
que circulam com frequncia entre
professores e educadores preocupados
com uma educao de qualidade para
as crianas pequenas.
Um primeiro ponto para dar incio
a essa discusso a definio da
finalidade da Educao Infantil. J h
algum tempo, temos claro que a Educao
Infantil um direito das crianas pequenas,
que precisam ser atendidas a partir de
suas peculiaridades e com vistas ao seu
desenvolvimento integral, considerando
seus aspectos fsico, afetivo, intelectual,
social e lingustico. Portanto, um espao
em que cuidado e educao devem estar
articulados, no qual ocorra a ampliao
de saberes das crianas por meio de
diferentes interaes e brincadeiras.
Nessa perspectiva, a criana vista
como cidad de direitos e produtora de
cultura. E, assim, a Educao Infantil no
pode significar uma escolarizao precoce
ou um mero treinamento para o Ensino
Fundamental.
Considerando que a criana deve
ser atendida em sua integralidade,
entende-se que o trabalho pedaggico
deve ser intencional e planejado, de
forma a integrar as diversas linguagens.
Pois, a criana tem cem linguagens *
como Loris Malaguzzi j nos ensinou.
Assim, diferentes linguagens e formas de
expresso (plsticas, musical, cientfica,
corporal, verbal etc), devem ser previstas
e integradas de forma significativa para
a criana. Brincar com gua, correr na
grama, observar plantas, cuidar do outro,
experenciar diferentes texturas, subir
e descer, rolar no cho, se alimentar,
descansar, ouvir histrias, cantar,
imaginar, conversar, conhecer ritmos,
resolver conflitos, fazer de conta, cuidar
de si, brincar...
Desta forma, a escrita pode ser
trabalhada de forma articulada s demais
atividades do cotidiano da Educao
Infantil, tendo em vista que vivemos em
um ambiente letrado e que as crianas
tm curiosidade sobre a escrita. No
entanto, tais atividades no devem
ser mecnicas e sem sentido para as
crianas, pois se assim o forem, estaro
na contramo do que foi afirmado at
Vendo e Revendo:LINGUAGENSa Escrita na Educao InfantilAdriane Knoblauch
-
19
REVENDOaqui. Assim, atividades baseadas somente na decodificao do escrito, como,
traado de letras, reconhecimento de
sons, cpias de slabas, palavras ou frases
descontextualizadas no encontram
espao em um trabalho que respeite as
peculiaridades das crianas pequenas.
preciso compreender que leitura,
escrita e oralidade esto interligados.
Assim, o trabalho com a linguagem escrita
pode ocorrer at mesmo na ausncia
do papel e do lpis. Quando as crianas
recontam uma histria da literatura
infantil conhecida por elas, por exemplo,
acionam uma srie de conhecimentos
que possuem relaes com o universo da
escrita: o papel do narrador, sequncia
lgica dos fatos a serem narrados, mudana
de entonao da voz em determinados
momentos, argumentao etc. O mesmo
ocorre em situaes em que a criana
conta uma situao vivenciada ou opina
sobre um acontecimento ocorrido no
cotidiano. Esses conhecimentos so muito
mais importantes para a compreenso da
cultura escrita do que a simples recitao
do alfabeto.
Assim, defende-se que na Educao
Infantil ler com os ouvidos e escrever
com a boca mais importante do que ler com os olhos e escrever com as
prprias mos**. Ou seja, atividades em
que a professora, de forma intencional
e planejada, l para as crianas textos
diversos em diferentes suportes e escreve
o que as crianas sugerem, trazem
as crianas usando imagens para representar quantidades em uma receita que fizeram
-
20V
END
O &
RE
END
O
VENDO
informaes valiosas sobre a linguagem
escrita e colocam as crianas em contato
com uma escrita com maior significado
para elas. Assim, integrada s outras
linguagens, a escrita passa a ser vivenciada
pelas crianas de forma mais intensa, ou
seja, elas passam a ter contato com a
cultura escrita em seu cotidiano de forma
a participar ativamente desse processo.
Elas vivenciam situaes de letramento.
Essas indicaes so feitas tendo
como base a ideia de que toda linguagem
supe interao. Escrevemos para algum
ler e ouvimos ou lemos o que algum
escreveu. E nesse processo de trocas e
interaes, nos constitumos em funo
do outro e compreendemos o universo da
escrita. Dessa maneira, no h escrita sem
inteno nem leitura sem interpretao.
Com isso, o conceito de letramento
nos ajuda a perceber
que o importante
para a cidadania
a compreenso e
incorporao dessas
prticas no cotidiano
e que, para que isso
ocorra, temos que
ir alm do simples
exerccio repetitivo e
mecnico. Sendo assim,
esse processo todo inicia-se antes do
ingresso a uma instituio formal de
educao e se estende para alm da sua
concluso.
Mas, o que possvel fazer ento?
Uma primeira possibilidade
inserir as crianas no mundo da escrita.
Para que elas pensem sobre a escrita,
precisam vivenci-la no seu dia-a-dia.
Assim, elas precisam ter contato com
diferentes materiais escritos. Para tanto,
no basta ter as paredes da sala cobertas
de cartazes com escritas sem significado
para elas. Mas, ao contrrio, elas
precisam compreender que o que est
escrito na sala tem alguma funo para
a turma. Assim, listas de livros j lidos,
listas de livros que sero lidos, registro
de uma observao feita no ptio, rotina
do dia, regras de um jogo ou brincadeira,
jogo de percuso com os nomes das crianas
-
21
REVENDOregistros de descobertas feitas, escrita de
uma receita realizada, lista com os nomes
dos colegas da turma, registros de bilhetes
so algumas das possibilidades para isso.
O contato com a literatura infantil
tambm pode ser dirio e ocorrer em
diferentes momentos. Ora com a professora
lendo a histria, ora com as crianas
manuseando os livros, criando suas
histrias e fazendo tentativas de leitura.
Todo esse trabalho possibilita que a criana
comece a pensar sobre a escrita e sobre
sua forma de organizao e sistematizao.
E ainda que no haja um mtodo ou uma
receita pronta para ser posta em prtica por
todos os professores, h alguns princpios
que podem ser orientadores:
- ter a interao e a brincadeira como eixos articuladores do projeto pedaggico;
- considerar a escrita como uma das linguagens a serem trabalhadas, sem centraliz-la no processo;
- considerar a criana como centro do processo, sem desconsiderar o papel intencional do professor;
- criar situaes em que a criana precisa se expressar oralmente, com diferentes funes: lembrar de algo, se posicionar, defender um ponto de vista etc.- deixar que a criana pense sobre a escrita, elabore hipteses sobre ela e confronte
suas hipteses com a escrita convencional;
para isso, ela precisa ter acesso a diferentes materiais e ter autonomia para consult-los.- a escrita apresentada s crianas no deve ser uma escrita descontextualizada, ou com funo de apenas ensinar a ler e a escrever, mas deve ser uma escrita com funo real, ou seja, usada efetivamente
no dia-a-dia das crianas na instituio.
A escrita precisa ter significado para as
crianas. Assim, fundamental compreender
como ocorre o processo de aquisio da
escrita pela criana para que possamos
nos libertar de receitas prontas e construir
nossa prpria forma de trabalho em funo
do grupo de crianas que temos.
*Loris Malaguzzi italiano e um dos
responsveis pela proposta de Educao
Infantil da Regio da Reggio Emilia, considerada
referncia na rea. Na abertura da revista voc
encontra um trecho de sua famosa poesia.
**A referncia do texto Letramento e
Alfabetizao: implicaes para a educao
infantil, de Luiz Percival Leme Britto. Encontra-
se no livro intitulado O mundo da escrita no
universo da pequena infncia, organizado por
Ana Lucia G. de Faria e Suely Amaral de Mello.
-
22ENT
REVIST
APatrcia Corsino: As crianas,
criando mundos e descobrindo as linguagens
texto: marina feldman ilustraes: andr neves
Quando falamos em linguagem na
educao infantil, de que estamos
falando?
A concepo de linguagem que a
gente assume determinante das aes
que estabelecemos com o outro. Eu tenho
feito a opo por uma viso a partir da
filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin
e nesse sentido a linguagem aquilo que
me constitui na relao com o outro. O
outro me altera e eu vou me constituindo
enquanto sujeito na medida em que eu
me relaciono. Isso inclui a parte verbal,
gestual, a entonao. Eu falo de alguma
coisa para algum, em determinado
contexto, com determinada finalidade e
isso varia entre um grupo social e outro...
Nessa perspectiva, o outro sempre
diferente de mim e estamos sempre
exercitando nosso discurso para chegar
at ele.
Outro referencial terico que nos ajuda
a entender a linguagem o Vigotski. Dele
tomamos a ideia de mediao simblica,
em que o mundo me dado a conhecer
pela palavra do outro. A mediao se d
atravs da linguagem. Esses significados
que so dados pelo outro na relao com a
criana - a me ou a professora que convive
com o beb - que vai fazendo suas leituras
daquilo que ele est sentindo: o choro, o
Patricia Corsino veio do Rio de Janeiro, onde professora da UFRJ,
para nos falar sobre linguagem. Mas a que nos referimos quando
pensamos em linguagem? Ou melhor, em linguagens? A Patricia, em
uma longa conversa, nos lembrou que a escrita pode at estar no
fim do caminho, mas essa estrada muito mais interessante do que
o ponto de chegada. Um caminho cheio de brincadeiras, histrias,
imaginao e olhar para o outro.
-
23riso, o balbucio. Damos significado a isso
e aquele outro criana vai respondendo
de alguma forma, em um processo de
interlocuo.
A gente tem que entender, ento, que
linguagem esse elemento constituinte.
A criana vai se constituindo e entende
o mundo a partir da palavra deste outro.
Ento vai se criando esse sentido, que
individual, mas que est localizado no
tempo e no espao, constitudo no coletivo.
Que no algo ainda intelectualizado,
mas que aos poucos vai ganhando uma
interiorizao e se transformando em
pensamento.
Demos uma volta, mas o que eu queria
dizer que, quando a gente fala de
linguagem na Educao Infantil, a gente
t falando de um processo de interao
da criana com o adulto e tambm
com as outras crianas. um processo
de interlocuo. A criana vai aos poucos
sendo apresentada ao mundo, s coisas, aos
conceitos por via dessas interaes. A criana
vai entendendo o mundo atravs de uma
linguagem que no s verbal, mas tambm
gestual, imagtica. Uma linguagem que se
manifesta de diversas formas. E a criana vai
interpretar tudo isso junto, por exemplo
a imagem de um gato, a palavra gato e o
bicho gato. Ento, importante que ela
tambm v ampliando esses repertrios
para que possa fazer essas inter-relaes.
Tanto como algum que l e interpreta
tudo isso, como algum que produz, que
d respostas. Essa tem sido uma questo
central na Educao Infantil: qual o
espao de escuta desse professor que lida
com crianas?
Pensando nessa interlocuo entre a
criana e o adulto, quais as formas centrais
da criana pensar e se comunicar?
As formas so muitas, tanto para
adultos quanto para as crianas. Mas
a criana tem especialmente prxima
a linguagem corporal e o gesto j mais
elaborado atravs do desenho. Esse
desenho que inicialmente um gesto que
vai se fixando: a criana no desenha um
objeto, ela desenha seu movimento. A
criana vai simbolizando o mundo ao seu
redor e fixando naquele papel.
Alm disso, a ao da criana
acompanhada da fabulao, dessa fala
que segue a ao. Que uma forma
dessa linguagem ir se interiorizando,
se transformando em pensamento.
A criana brinca confabulando e vai
assumindo papis, nesse jogo da
brincadeira espontnea. Na sua relao
com o mundo, com as coisas, vai
transformando os objetos em outras
ilustrao: mel na boca, livro de andr neves, editora cortez
-
24ENT
REVIST
Acoisas. A entra outro espao essencial:
a brincadeira. A brincadeira no
exatamente uma linguagem, mas um
espao de elaborao, de organizao do
pensamento, que tem uma relao com
a linguagem: ela compreende muitas
linguagens!
Depois temos que pensar na leitura
de imagens e pensar no que a criana
pode produzir. Podemos incorporar cada
vez mais linguagens diferentes, como a
fotografia, j que hoje as crianas tm
domnio dessa forma de registro.
E, sem dvida, a msica e a dana. A
gente v que na Educao Infantil tem
muita msica, mas s vezes s como
reguladora das aes, ou sempre num
nico ritmo, quando a gente poderia estar
ampliando esse repertrio... que quando
a gente fala da linguagem na Educao
infantil, estamos colocando em questo
tambm a arte.
E a fundamental falar em literatura,
poesia. A criana vai vendo algo que no
to bvio, outra forma de dar sentido. Que
eu posso mudar a palavra de lugar e mudar o
significado. A literatura vai trazer a lngua no
seu lado artstico. importante a gente ler
bons livros, boas histrias, bons poemas...
E pensando nesse uso da msica...
Muitas vezes tambm olhamos as
histrias de um modo um pouco utilitrio.
Se usa a msica para regular a rotina
e a histria para ensinar algo. Sendo
linguagens artsticas, elas deveriam sair
do campo da utilidade para se tornarem
algo mais ldico?
Quando eu trabalho um poema as
palavras so palavras que remetem a
alguma outra coisa, como naquele poema
do Manuel Bandeira caf com po, caf
lino
, livr
o de an
dr ne
ves, ed
itora c
allis
-
25com po. A gente no est falando de caf
com po, estamos falando do barulho, do
som, do movimento do peito junto com
as palavras. Perceber isto interessante,
porque algo que no est posto.
E esse uso utilitrio da literatura, para
ensinar alguma coisa, para trabalhar
um assunto, um uso muito elementar,
empobrecido. preciso ir alm do que
est posto, para aquelas coisas que no
esto escritas, que esto nas entrelinhas.
E as coisas que no esto ali
diretamente so muito mais complexas: a
compreenso de uma metfora, entender
o sentido figurado de uma situao. no
jogo da linguagem com a imagem que
vamos poder discutir e fazer pensar.
Mas o que a escola tem feito buscar
vocabulrio, sequncia... E no essa parte
da arte, daquilo que no est escrito,
da atrao por outros textos, de fazer
pensar em outras coisas, de relacionar
com outras histrias ou com o vivido. E
esse pensamento fundamental para
entender o prprio mundo em que
voc vive e a prpria arte da palavra.
Ento se a minha arte tem uma funo
utilitarista, para alfabetizao, um projeto
ou uma temtica, o trabalho fica muito
simplificado.
Alm disso, esta potncia das crianas de
criar algo novo tambm fica simplificada.
A criana no tem um pensamento linear
igual ao do adulto. Mas no por isso que
voc pode dizer que ela no entendeu
a histria. E quantas vezes a gente no
deixa de interagir com essa criana para
entender melhor o que ela est pensando?
O que tambm vemos uma tentativa
de no entrar em um assunto muito
complexo, de poupar as crianas de
algumas sensaes. Como se a criana
no pudesse lidar com a complexidade
ou com sentimentos mais confusos...
A literatura tambm traz essa questo:
ela tem uma funo prazerosa, mas ela
tambm pode te incomodar ou fazer
voc lidar com um medo. Essa parte no
to ldica, mais densa, trata destas
questes humanas... Mas atravs do
tratamento artstico muitos temas podem
ser abordados. um mundo paradoxal em
que queremos poupar as crianas, mas ao
mesmo tempo a vida no as poupa dessas
experincias. Elas vivenciam situaes,
participam delas.
E a a gente volta l naquele primeiro
tema: quem essa criana? Tem tantas
coisas que ela pode estar vivendo e por
isso preciso mais escuta. Minha relao
est permeada pela minha concepo
de criana. Ento, se eu acho que ela
-
26s tem que aprender, que eu tenho
todas as respostas e que quem sabe
sou eu, se estabelece um lugar pouco
produtivo na relao. Porque voc est
desconsiderando o outro.
Mas quando h a escuta do outro, voc se
coloca diante do imprevisvel, de algo que
no est no script, que no est previsto.
E voc tem que lidar com o imprevisvel,
que te desloca desse lugar de quem sabe,
de quem tem as regras da situao.
preciso mobilizar o professor para ocupar
outro lugar: eu sou tambm aquele
que no sabe.
H alguns rituais na escola que
so muito pouco democrticos e
muitas perguntas so totalmente
retricas, no entramos em relao
com a resposta das crianas. o bate
bola da relao, no s falar: ah,
legal. O professor tem que devolver
a pergunta, ajudar nesse processo de
fala. Isso fundamental para que ela v
entendendo e v aprendendo a se fazer
entender.
A oralidade muito importante, inclusive
para a linguagem escrita. A gente precisa
entender aquele contexto e de alguma
maneira falar dele, do que aconteceu, do
que imaginou... Porque a escola no pode
ser tambm um lugar de falar s daquilo
que existe e do que aconteceu de fato,
mas tambm aquilo que a gente imagina
e cria.
Todas essas narrativas fazem parte do
processo da linguagem na escola. A gente
conta histrias verdadeiras, histrias que
a gente inventou, histrias que so lidas,
histrias tradicionais, contemporneas.
A gente tambm pode criar histrias
com as crianas... Isto vai tecendo esse
coletivo. Tem a ver com linguagem e com
as histrias do grupo. Algo que vai criando
e construindo uma memria...
Ento, como que no necessariamente
lendo e escrevendo as crianas podem
estar de fato aprendendo a ler e a escrever
e se apropriando da linguagem escrita?
um conceito muito amplo. Bartolomeu
Campos Queiroz fala que ns estamos
fadados a ler. A leitura aquilo que faz
parte da vida desde que voc um beb.
Leitura como esse lugar desde onde voc
interpreta o mundo. Ento a leitura
fundamental para que a gente possa se
entender dentro do mundo. Antes da
leitura do texto escrito a criana precisa
entender as diferentes linguagens sociais,
que eu escrevo e falo de formas diferentes
para atingir objetivos diferentes.
Essa uma questo importante da gente
entender: a criana precisa entender
ENTREV
ISTA
-
27o mundo como lugar da cultura
escrita. Ns estamos imersos nesta
cultura. Algumas crianas vm
de um contexto em que tem uma
relao com a cultura letrada de uma
forma mais intensa - situaes em
que a escrita faz sentido - e outras
no. No homogneo, embora
todos estejam num mundo em que
a escrita central.
A cultura de base do universo letrado
e isso no s o texto escrito, mas
palavras que se misturam com imagens e
com diferentes gneros. A criana precisa
muito conhecer as funes e a escola se
organizar para que a escrita tenha a sua
funo comunicativa.
Ento, muito mais a nfase na
comunicao do que na leitura, do que
na tcnica?
Exatamente. a compreenso de que
existem muitas formas de organizar essa
palavra escrita e de que dependendo
de para quem este texto se dirige ou do
objetivo, eu vou redigir de uma ou outra
forma. diferente escrever um bilhete
para a minha me ou uma carta para o
prefeito reivindicando alguma coisa. As
crianas s vo ver esse tipo de diferena
se elas tiverem convvio com esses
gneros.
Ento esse tem sido o grande desafio:
como ampliar a imerso das crianas na
cultura escrita?
Esses dias a gente esteve com uma
criana, filha de uma amiga, e ela no
queria jantar. Os pais insistem e ela pega
um papelzinho, faz uns rabiscos e coloca
na porta da geladeira. Est escrito:
no quero jantar. Ela apelou para a
escrita, entendeu que a escrita tem
um determinado poder. Olha que coisa
interessante o que essa criana fez: ela
escreveu sem nenhuma letra.
interessante porque s vezes a gente
est to preocupado com a relao letra-
som que esse universo de compreenso,
complexo e diversificado, no muito
trabalhado. Porque a gente est muito
mais preocupado com a apropriao do
sistema de escrita do que propriamente
em compreender essa complexidade
que a linguagem, a comunicao, esse
discurso que produzido em diferentes
carto
de na
tal, ed
ies s
m
-
28esferas de circulao.
Agora, claro que ao participar de vrias
situaes em que a escrita faa sentido,
situaes interessantes e significativas
para aquele grupo, a criana vai querer se
apropriar disso. Porque quando a criana
comea a descobrir a funo, vai ter um
momento em que ela vai querer pegar o
livro. Toda criana que ouve uma histria
que acha interessante, quer pegar o livro
e recompor a histria por ela mesma.
Ela vai inventando e reinventando pela
memria. Ela acha esse lugar do leitor:
eu posso inventar uma histria, ler do
meu jeito. A curiosidade infantil vai se
fazendo: como que eu escrevo? E essas
bolinhas? E as pontuaes?
Na sua experincia de visitar as
instituies, o que gostaria de ver mais
vezes?
Eu gostaria de ver as histrias muito
presentes nas salas, nas turmas, com
todo o seu potencial ldico, criativo e
expressivo. Nesse espao que as histrias
abrem para voc considerar o outro, para
voc imaginar. Esse mundo imaginrio
fundamental, a imaginao nos constitui.
fundamental tanto pra arte quanto
para a cincia: eu preciso ser uma
pessoa que imagine para poder criar. O
ser humano no s observador, ele
criador de algo que no est aqui. Por
isso to importante o estmulo criativo, a
leitura podendo mobilizar coisas, mobilizar
o imaginrio, produzir outras formas de
expresso.
Mas muitas vezes quando se conta
uma histria, se brinca pouco e se
pergunta pouco. Se socializa pouco
aquilo que se percebeu. Em geral ficamos
naquelas perguntas mais simples: Vocs
gostaram?. Se gostaram, a gente v nos
olhos brilhando, na ateno das crianas.
Mas o que aquilo que a gente mobilizou
na criana? Tentando entender isso a
gente pode envolver as outras formas de
linguagem: verbal, dramtica, corporal...
E alm das histrias, os poemas. Essa
parte mais relacionada arte, a esttica
da lngua. Que permite outra possibilidade
de ver e pensar o dizer.
Todos os textos so importantes.
Mas na Educao Infantil a literatura
deveria ser fundamental porque alm
de ser conhecimento de mundo, ela nos
humaniza.
Alguma palavra final?
Eu acredito que a gente tem pensado
muito a Educao Infantil a partir do
Ensino Fundamental. A gente pensa na
ENTREV
ISTA
-
29escrita, na alfabetizao, e pergunta: o
que temos que fazer para chegar at l?
E a gente tem que pensar ao contrrio:
como que a gente vai formando esse
processo de construo da linguagem at
chegar a entender o cdigo da escrita?
O movimento deveria ser outro... Um
movimento da criana para a escrita. Esse
homem que constri a linguagem passa
por um processo que vai do gestual at
chegar nessa forma mais elaborada, que
permite uma forma de pensamento mais
complexa, a organizao e a fixao do
pensamento.
Quando a gente inverter essa lgica,
talvez a gente consiga entender melhor
o olhar especfico da educao infantil.
Entender que esse menino que est
sendo instigado a fazer vrias leituras a
leitura do gesto, das imagens vai estar
nesse processo de construo. esse o
movimento: entender o percurso, que
no linear e que no sempre igual,
mas construdo por cada criana.
PATRICIA CORSINO professora adjunta
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora e coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFRJ,
e coordenadora do Grupo de Pesquisa
Infncia, Linguagem e Escola.
Artigos da Autora Disponveis Online
Pensando a Infncia e o Direito de Brincar
Linguagem ne Educao Infantil:
As brincadeiras com as palavras e
as palavras como brincadeira
O livro e o corpo: gestos e movimentos
de leitura na escola e na biblioteca
alguns livros publicados(clique neles)
FOTO: CRISTINA DAVID
-
30
A ideia para este projeto surgiu a
partir da observao da necessidade
de conversar com as crianas sobre os
impactos causados no meio ambiente
por conta do desmatamento
exacerbado. Para promover isso
planejei atividades que fossem
encaminhadas com muito dilogo,
partindo do conhecimento prvio das
crianas para posteriormente avanar
com a descoberta de novos contedos.
Contedos que visassem conscientizao
e conhecimento sobre o tema.
No comeo do trabalho, os objetivos
planejados foram os de vivenciar e
valorizar atitudes de organizao e
preservao de espaos coletivos,
refletir sobre os efeitos da ao do
homem como agente transformador da
paisagem, compreender a importncia
do meio ambiente e desenvolver
hbitos de preservao. No decorrer das
atividades, as crianas avanaram para
alm destes objetivos pela riqueza dos
dilogos e na observao do ambiente.
O projeto foi organizado em trs etapas.
A primeira foi uma roda de conversa,
a segunda uma explorao do CMEI e
a terceira a produo de maquetes e a
socializao com as outras crianas da
instituio. Iniciamos a primeira etapa
com uma roda de conversa tendo como
recurso imagens de matas: intactas,
sendo queimadas, sendo desmatas
e posteriormente a esses processos.
As crianas encontraram somente
Projeto O homem e a natureza: meio ambiente, interao e linguagens
SABER
ES DO
COTIDIA
NO
Em um trabalho rico que envolveu muito dilogo, explorao do ambiente
e desenho, a professora Marcia Cristina do Centro Municipal de Educao
Infantil Liberdade refletiu sobre o desmatamento com um grupo de crianas
de 4 a 5 anos de idade. O processo comeou com uma roda de conversas e
a visualizao de muitas imagens para depois continuar com a explorao do
jardim da instituio, a construo de maquetes e, por fim, a socializao com
as outras crianas do CMEI. Uma experincia que atravs da relao com as
crianas pode mobilizar conhecimentos das cincias, o desenho e a oralidade.
-
31uma causa para isto: precisamos de
madeira para construir casas e mveis.
Para ampliar o repertrio delas,
apresentei tambm outros motivos:
desocupar rea para loteamentos,
pastos e o plantio de alimentos.
Ao final desta roda de conversa, as
crianas viram imagens projetadas de
peixes mortos em rios secos, plantaes
secas, gados mortos ao cho, enchentes e
alagamentos. Estas imagens favoreceram
a compreenso das consequncias
geradas pela ausncia das rvores
no meio ambiente e, a partir delas,
discutimos os porqus destas prticas e
suas consequncias negativas. Segundo
as crianas, quando h desmatamento,
os animais vo para outras florestas mais
prximas ou invadem o meio urbano.
Na segunda etapa, fomos para a rea
externa do CMEI para observar as rvores
do ptio e o entorno da instituio. A
observao foi de muitas descobertas:
perceberam a diversidade das rvores;
os diferentes tamanhos; a textura das
folhas; que umas produzem apenas
folhas, outras produzem folhas e flores e
outras folhas, flores e frutos; que as razes
so como os galhos escondidos dentro da
terra. Perceberam que o vento balana
as folhas, e que se no houver vento
as folhas ficam paradas. Relembraram
episdios demonstrados na TV, de
grandes vendavais que foram capazes
de derrubar rvores de grande porte.
Perceberam que as rvores derrubam
suas folhas uma vez ao ano e que os
galhos ficam pelados. Relembraram que
quando voltamos de frias no ms de julho,
o ptio do CMEI estava todo coberto com
folhas secas, o que tinha favorecido uma
deliciosa brincadeira de chuva de folhas.
Ao chegar parte final encontramos
duas rvores cortadas e queramos
saber por que aquelas rvores estavam
assim. Para isso, solicitamos a presena
da diretora. Ela esclareceu que elas
foram podadas aps um ataque de
um bicho predador e para no perd-
las foi necessrio podar. Chegamos
concluso que h diferena entre cortar
e podar. Constatamos que o tronco das
rvores estava cheio de brotos e que eles
virariam novos galhos cheios de folhas.
Como a localizao do CMEI permite que
se aviste do alto a uma longa distncia, ao
olhar para fora do CMEI, elas puderam
enxergar longe e chegaram concluso
que as casas na sua maioria possuam
rvores. Perceberam que alm das rvores
proverem sombra, frutos e purificarem o
ar, tambm tornam a cidade mais bonita.
Tambm envolvemos as famlias das
crianas nesta parte do projeto: fizemos
-
32
um questionrio com os pais, para que
eles pudessem comentar sobre o jardim
de suas casas e dar sugestes para
ampliar o nmero de rvores no bairro.
Conforme a observao ia sendo
realizada, contavam-se as rvores. Ao
final, constataram que o CMEI possui
23 rvores. Dentre elas, duas so
amoreiras. E, concluindo esta etapa,
se deliciaram com as amoras doces e
fresquinhas. Nesse momento surgiram
vrios comentrios conclusivos,
perceptveis e sensveis, comentrios
oriundos dos sentidos e da percepo.
Na terceira etapa do
projeto pensamos em
construir vrias
maquetes que
representassem
uma floresta
intacta com seus
animais, uma floresta
derrubada e outra
queimada. Como as
maquetes ficaram muito
ricas, tivemos em conjunto
a ideia de compartilhar os
novos conhecimentos com as
crianas de 3 a 4 anos. Foram
elaborados convites e entregues a
elas para a exposio das maquetes.
Vrias crianas se voluntariaram para
fazer uma explicao para que os menores
pudessem saber mais sobre o tema.
A experincia foi um sucesso: as crianas
explicaram com propriedade o sofrimento
dos animais durante o incndio, como
muitas rvores so derrubadas com os
ninhos dos passarinhos. E que a falta
destas rvores causa desequilbrio no
clima, provocando estiagem e matando
os peixes e plantas, gerando alagamentos
e atingindo negativamente a vida das
pessoas. Explicaram tambm os motivos
pelos quais as pessoas desmatam.
Ao final de todo o processo, percebi que
a relao da criana com a natureza ajudou
a desenvolver o senso crtico, estimulou
atitudes de questionamento, capacidade
de conscincia e percepo de leitura da
paisagem. Elas ficaram sensibilizadas com
o tema, alm de formularem uma opinio
respaldada com o conhecimento do qual
se apropriaram. Durante as descobertas,
as crianas ficaram perplexas com as
atitudes que homem capaz de praticar
com natureza e o meio ambiente. O
resultado foi muito mais que promissor,
foi muito alm das expectativas!
PROFESSORA MARCIA CRISTINA
RIBEIRO OSINSKI
CMEI Liberdade
-
33
Construindo, planejando e papeando...
Para fazer som
bra preciso
muitas
folhas bem juntinh
as (GIANCARLO)
As amoras rosas so azedas e as pretas so melhores porqu so bem docinhas Ser que podemos dizer que as rosas ainda no maduraram Gustavo? (Professora Marcia) , elas ainda no maduraram. (Gustavo)
Conversas e imagens das crianas ao longo da explorao do espao
externo.
-
34SABER
ES DO
COTIDIA
NO As amoras rosas so azedas(FERNANDO)
-
35
As razes so
parecidas
com o
polvo... (OTAVIO
)
Professora, voc percebeu que as folhas caem das rvores bem na poca em que a gente no precisa delas, que o inverno? No inverno a gente no precisa de sombra, e sim de sol para esquentar o frio. J no vero est bem calor, a sim precisamos de muita sombra para brincar no parque e nos proteger do sol quente, que faz bastante calor. (HALLANA)
porque tem que esperar elas ficarem pretas para comer. S que para elas ficarem pretas tem que vir o sol. O sol quente, esquenta elas, e elas ficam maduras.
(GIANCARLO)
-
36O
qu
e di
z a
lei?
INGRESSO NO ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS
Nova deciso sobre a data corte Falsa polmicaCatarina Moro
O Superior Tribunal de Justia Federal
(STJ) um dos rgos mximos do Poder
Judicirio do pas, tem como misso zelar
pela uniformidade de interpretaes da
legislao federal brasileira. Chamado de
Tribunal da Cidadania responsvel
por julgar em ltima instncia todas
as matrias infraconstitucionais. Em
16/12/2014, o STJ julgou improcedente
o pedido do Ministrio Pblico Federal
(N 1.412.704 - PE (2013/0352957-0)),
sobre o direito de matrcula de crianas
que no tenham completado 6 anos
at 31 de maro do ano em curso no 1
ano do Ensino Fundamental. A deciso
do STJ simples e clara. E reafirma
as resolues do Conselho Nacional
de Educao/Cmara da Educao
Bsica (CNE/CEB) n 01, de 14/01/2010 e
n 06, de 20/10/2010 que determinaram
a data de corte em 31/03.
O relator Ministro Srgio Kukina - cita
os artigos 29 e 32 da LBD (lei n. 9394/96),
no qual l-se: O ensino fundamental
obrigatrio, com durao de 9 (nove)
anos, gratuito na escola pblica, iniciando-
se aos 6 (seis) anos de idade... e enfatiza
que as resolues seguem o disposto na
Lei sem cometer nenhuma ilegalidade,
abuso ou ilegitimidade. Deste modo,
bvio que se o Ensino Fundamental
inicia-se aos 6 anos, o aluno precisa
LDB 9394/96:
Art. 29. A educao infantil, primeira
etapa da educao bsica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral
da criana de at cinco anos, em seus
aspectos fsico, psicolgico, intelectual
e social, complementando a ao da
famlia e da comunidade.
FOTO: JIM PENNUCCI - WIKIMEDIA COMMONS
-
37ter esta idade ao comear o ano letivo,
sendo necessrio definir uma data corte
prxima desse ingresso das crianas.
O ministro reconhece que trata-se de
uma arbitrariedade, entretanto, reitera
que qualquer outra data de corte que
estabelecesse, anterior ou posterior
atual, geraria descontentamento de uma
parcela de interessados.
A deciso do STJ enfatiza que cabe ao
executivo, autoridade pblica da educao,
fixar ou suprimir requisitos para o ingresso
das crianas no Ensino Fundamental. No
cabendo ao Judicirio estabelecer tais
definies. Com base no fundamento
dessa deciso, qualquer outra resoluo
que no esteja em conformidade com as
resolues do CNE, pode (deve) ter sua
validade contestada, por contrariar tanto
a LDB como as resolues nacionais.
Com isso, liminares e leis estaduais que
indicam ou estabelecem o ingresso no 1
ano, mesmo a criana completando 6 anos
aps 31 de maro, tornam-se passveis
de contestao judicial. A contestao
pode ser proposta por pessoa fsica ou
pessoa jurdica no melhor entendimento
das questes pedaggicas implicadas na
experincia educativa das crianas nos
anos iniciais do Ensino Fundamental.
Nos municpios, importante que a
Procuradoria ou o representante jurdico
do executivo municipal fique atento para
sua necessria ao a favor do que sempre
esteve proposto na poltica pblica para
reestruturao do Ensino Fundamental:
a ampliao do tempo de escolaridade e
no a simples antecipao do ingresso das
crianas.
Resoluo n06 de 20
de outubro de 2010:
Art. 3 Para o ingresso no primeiro ano
do Ensino Fundamental, a criana dever
ter idade de 6 (seis) anos completos at
o dia 31 de maro do ano em que ocorrer
a matrcula.
Art. 4 As crianas que completarem 6
(seis) anos de idade aps a data definida
no artigo 3 devero ser matriculadas
na Pr-Escola.
FOTO: JIM PENNUCCI - WIKIMEDIA COMMONS
-
38
POLTICA PBLICA
EM AO
PNBE 2014 Educao Infantil
Catarina Moro
A Educao Infantil comeou a
ser contemplada pelo Programa
Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)
em 2008. O objetivo do Ministrio da
Educao (MEC) com esse Programa
o de proporcionar s crianas e jovens
matriculados nas redes pblicas o
acesso a bens culturais que circulam
socialmente, contribuindo para o
desenvolvimento de seu potencial
leitor e propiciando uma maior e melhor
insero de crianas e jovens na cultura
letrada.
Ao longo dos anos, o MEC vem
produzindo materiais voltados para
os acervos do PNBE. Para a Educao
Infantil publicou o Catlogo Literatura
na Infncia: imagens e palavras
(PNBE 2008), alm
da Revista Leituras, o
kit Por uma Poltica
de Formao de
Leitores, o v o l u m e
2 0 da Coleo Explorando o Ensino
Literatura Infantil e outros materiais.
Em 2014, o Ministrio encaminhou
s bibliotecas das instituies/escolas que
oferecem Educao Infantil o PNBE na
escola: Literatura fora da Caixa - Educao
Infantil, publicao que acompanha os
acervos de livros de Literatura Infantil
encaminhados s instituies para o
uso coletivo de crianas e professores.
Para a Educao Infantil foram formados
4 acervos distintos: 2 acervos para creche
e 2 para a pr-escola, com 25 livros cada.
No final do documento consta a relao
de todas as obras selecionadas, dos
O q
ue d
izem
as
Pol
tica
s?
-
39
diferentes acervos, para que os professores
conheam a totalidade dos ttulos
selecionados.
Cada acervo composto por livros que
permitem a leitura compartilhada entre
professores e crianas e tambm a leitura
autnoma por parte de crianas. Alm
disso, o MEC ampliou a distribuio para a
Educao Infantil, encaminhando os acervos
no apenas s instituies ou s suas
bibliotecas, mas, tambm, para salas nas
quais se d o trabalho com crianas de 0 a
3 anos (creche) e de 4 e 5 anos (pr-escola).
Segundo o MEC, este documento deve
contribuir de modo efetivo com a circulao
e leitura das obras que compem os acervos
do PNBE 2014 e com a formao leitora de
crianas e professores. Pois sabido que
somente o acesso aos livros no garante sua
apropriao, sendo essencial a mediao do
professor para aproximar o leitor do livro.
Nesse sentido, o trabalho do professor
transpe os limites do texto escrito e
promove o resgate e a ampliao das
experincias de vida das crianas e dele
prprio.
ILUSTRAO: AMOSTRA LE IMMAGINI DELLA FANTASIA 30 DA CASA DELLA
FANTASIA - ANDR NEVES
-
40
Poesia para crianas: conceitos, tendncias e
prticas
Quer descobrir um mundo fascinante
de letrinhas que cantam, de palavras que
se enroscam e de frases que flutuam?
Venha sem medo, sem receio, abra bem
os olhos, aguce bem os ouvidos, respire
bem fundo e deixe-se mergulhar... Te
convido a se deixar levar por alguns
versos soltos ou pelas mtricas de
algumas rimas. Adentre, vamos l, ao
mundo da prosa em verso, da msica
em poema, da poesia em teoria...
Isso mesmo, da poesia em
teoria! Ou da teoria em poesia...
Ao ler os seis textos que compem
o livro organizado por Leo Cunha fica
um tanto difcil dizer onde termina a
discusso sobre a concepo desse
gnero literrio e onde comeam
os trechos de tantos poemas de
tantos poetas que circulam por a.
Voltado especialmente para o
professor de crianas do ensino
fundamental, mas extensivo tambm
para aqueles da educao infantil (e
para qualquer leitor interessado), o livro
tem por tema o mundo da poesia, ou
melhor, o mundo da poesia infantil. Como
traz-la para
a sala de aula,
como inseri-la
no mundo das
crianas de forma
leve, mas com
intencionalidade.
Parece um
pouco difcil
c o m e a n d o
assim, mas
s uma primeira impresso. preciso
conhecer, compreender e praticar, e esta
a proposta dos autores em cada texto.
De linguagem acessvel, os textos se
apresentam independentes entre si, mas
formam uma composio interessante
e instigante e levam o professor a
questionar, rever, aprimorar e (re)inventar
sua prtica em sala no que se refere
ao uso da literatura com as crianas.
RESENHA DO LIVRO
Organizado por Leo Cunha
FI
QU
E P
OR
DE
NT
RO
a poesia um bichinho quase impossvel de ser apanhado, que faz cocegas em nossa cabea e ao mesmo tempo em nosso corao
SYLVIA ORTHOF
-
41Pode ser visto como um manual, uma
vez que os autores dialogam com o leitor
de forma didtica, numa explicitao de
conceitos, e apresentam propostas de
atividades que o professor pode levar
para suas crianas e usufruir junto a
elas da magia da poesia. Ainda ajuda a
pensar em como constituir um acervo
de literatura infantil, seja no espao
da sala, na biblioteca da escola e/ou
na instituio de educao infantil.
Pode ser
tambm um
livro terico, j
que, mesclando
textos de poetas
e poetisas com
citaes de
e s p e c i a l i s t a s ,
discute de forma
aprofundada e
f u n d a m e nta d a
conceitos e concepes relacionadas
poesia, literatura, literatura infantil
e criana. Versa sobre a relevncia
de se estudar o tema, de como
e porque conhecer, entender e
mergulhar nesse universo literrio.
E melhor ainda, um livro de poesia!
Porque no se passa mais de uma
pgina sem que voc encontre um
trecho, um verso solto ou estrofes
inteiras de poemas de tantos autores
conhecidos e desconhecidos que esto
por a, prontos para serem lidos e relidos.
Depois de ler o livro todo, muitas
podem ser as respostas para a pergunta
o que poesia?. A minha escolhida
a de Angela Leite de Souza, que a partir
do poema de Sylvia Orthof, escreve
que a poesia um bichinho quase impossvel de ser apanhado, que faz
cocegas em nossa cabea e ao mesmo
tempo em nosso corao (p.19).
Venha escolher a sua, quem sabe voc
no se encanta e se surpreende com a
ideia de que a poesia na verdade um
cubo mgico...
FRANCIELE F. FRANA
a poesia um bichinho quase impossvel de ser apanhado, que faz cocegas em nossa cabea e ao mesmo tempo em nosso corao
SYLVIA ORTHOF
-
42
Como propaganda de uma
livraria, o anncio ao lado,
de 1953, tinha a inteno de
demonstrar que o livro era um
timo presente, tanto para
adultos quanto para crianas.
Independente da inteno
mercadolgica, tal recorte de
jornal permite-nos rememorar
a nossa relao com o livro. O
que lamos quando criana ou o que liam
para a gente? De que ttulos lembramos?
Talvez voc tenha se demorado a recordar
pelo menos um livro ou autor que marcou
sua infncia, bem como a forma que
a histria chegou at voc, seja pelas
mos ou vozes de um pai, uma av,
etc. Mas, o interessante que, salvo
raras excees, todos ns travamos
uma relao com a leitura em algum
momento de nossa infncia.
Revirando o ba dos jornais
paranaenses j amarelados pelo
tempo, podemos perceber algumas
iniciativas de bibliotecas cujos livros
se voltavam para a criana, como a da
Biblioteca Divertinstrue, organizada pelo
autor Alvarus de Oliveira e que lanava
quatro obras: Horas de Conversa, de
Joo Guimares; Bicharadas, de Lenidas
Bastos; e Eu vou contar uma Histria e
Pequena Histria de uma Grande Vida,
de Alvarus de Oliveira (PARAN-NORTE,
27/01/1949, p.01). O prprio nome da
biblioteca era uma combinao do que
seria o papel de tal espao: divertir e
instruir.
A instruo por meio da leitura esteve
presente desde a organizao do ensino
no Brasil. Quando a revista curitibana
A Escola descreveu seu contedo
VIREI O BAmemrias da educao infantil
Divertir e Instruir: a leitura ontem e hoje
VIR
EI O
BA
Propaganda da Livraria do Povo, em Curitiba
Jornal Paran Esportivo, 19/12/1953, p.04
-
43para os leitores, alm dos assuntos
pedaggicos, estava a literatura infantil,
compreendendo contos infantis e seleo
de poesias, dilogos, monlogos, aplogos
e pequenas comdias, tudo adequado
ao esprito infantil
(...) (A ESCOLA,
junho, 1921, p.01).
Uma preocupao
de apresentar um
contedo prprio para
o universo da criana.
Se perguntssemos
aos nossos avs,
revirssemos as
cartas e bibliotecas de
famlia, provavelmente
encontraramos ttulos
dos chamados livros
de leitura, muito
utilizados no sculo XIX,
como: a Gramtica do
Coruja (1835), de Antonio lvaro Pereira
Coruja e o Livro de Leitura de Ablio (1850),
de Ablio Csar Borges. Juntamente com
adaptaes de obras estrangeiras e de
jornais que se voltavam para o pblico
infanto juvenil, como: as tradues de
Jlio Verne, de Alexandre Dumas e dos
irmos Grimm. A chegada da famlia real
no Brasil, bem como a implantao da
Imprensa Rgia (1808), contribuiu para a
publicao e circulao de livros voltados
para o pblico infantil, tais como: Viagens
de Gulliver (1888), Robinson Cruso (1885,
As Aventuras do Baro de Munchhausen
(1848), entre outros. claro que nem
todas as crianas
tinham acesso a esse
universo literrio,
contudo, ele existia.
O interessante
pensarmos em
como estamos
contribuindo para
que nossas crianas
d e s e n v o l v a m
prticas de leitura,
tendo em mente,
tal como escreveu
Sonia Kramer
(2014:09) , que
toda a discusso de
literatura, infncia,
escola, creche, espaos sociais, implica
em uma conscincia de que a experincia
de ser criana vai sendo tecida a partir
das histrias ela contadas e por ela
inventadas.
E voc, j leu algumas das obras aqui
citadas? Que tal fazer a leitura para as
suas crianas hoje? Convite lanado...
ETIENNE BARBOSA
Capa do Livro de Leitura de
Ablio Csar Borges de 1850.
-
A LUA NO CINEMA
A lua foi ao cinemaPassava um filme engraadoA histria de uma estrelaQue no tinha namorado.
No tinha porque era apenasUma estrela bem pequenaDessas que quando se apagamNingum vai dizer que pena.
Era uma estrela sozinhaNingum olhava pra elaE toda luz que ela tinhaCabia numa janela.
A lua ficou to tristeCom aquela histria de amorQue at hoje a lua insisteAmanhea por favor.
PAULO LEMINSKI
Vi(r)agens e Vir-Aes Poticas