revirei nº2 - jan./jun. 2015

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ENTREVISTA Uma deliciosa conversa com Patrícia Corsino sobre as linguagens na Educação Infanl. VENDO E REVENDO Dois textos que nos fazem pensar sobre as linguagens na infância, muito além da alfabezação... SABERES DO COTIDIANO O relato de uma turma de 4 e 5 anos que descobriu seu entorno e muito mais. virei o baú Livros de ontem, livros de hoje, livros de sempre! ReVirEI REVISTA VIRTUAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL N o 2 - JAN/JUN - 2015

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  • ENTREVISTA Uma deliciosa conversa com Patrcia Corsino sobre as linguagens na

    Educao Infantil.

    VENDO E REVENDO Dois textos que nos fazem pensar sobre as linguagens na infncia,

    muito alm da alfabetizao...

    SABERES DO COTIDIANO

    O relato de uma turma de 4 e 5 anos que descobriu seu entorno e muito

    mais.

    virei o baLivros de ontem,

    livros de hoje, livros de sempre!

    ReVirEIREVISTA VIRTUAL DE EDUCAO INFANTIL

    No 2 - JAN/JUN - 2015

  • RevirEI

    EXPEDIENTECoordenao: Catarina Moro

    Edio: Ana Jlia Rodrigues

    Diagramao: Ana Jlia

    Rodrigues e Marina Feldman

    Colaboradores: Franciele

    Ferreira Frana, Ettiene B. L.

    Barbosa, Gioconda Gigghi.

    Reviso: Marina Feldman

    NEPIE - Ncleo de Pesquisas e

    Estudos em Educao Infantil

    Setor de Educao - UFPR

    UFPR - Universidade Federal do

    Paran

    Revista Virtual de Educao Infantil

    Dicas para sua leitura: use o modo de tela cheia e aproveite para clicar nos links.

    Dvidas? Pedidos? Sugestes? Crticas?

    Entre em contato conosco pelo e-mail [email protected]

    A criana feita de cem.

    A criana tem cem mos, cem

    pensamentos, cem modos de pensar, de jogar e de falar. Cem, sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos

    para descobrir. Cem mundos para inventar.

    Cem mundos para sonhar. A criana tem cem linguagens (e depois, cem,

    cem, cem), mas roubaram-lhe noventa

    e nove. A escola e a cultura separam-lhe a cabea do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mos, de fazer sem a cabea, de escutar e de no falar, de compreender sem alegrias, de amar e maravilhar-se s na Pscoa e

    no Natal. Dizem-lhe: de descobrir o mundo

    que j existe e de cem, roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho, a realidade e a fantasia, a

    cincia e a imaginao, o cu e a terra,

    a razo e o sonho, so coisas que no esto juntas. Dizem-lhe: que as cem no existem. A criana diz: ao contrrio, as cem existem. Loris

    Malaguzzi

  • 1Na RevirEI 1 discutimos temas implicados com a Arte. A Luciana Ostetto, como entrevistada, tratou da arte na relao com a formao de professores. Na

    Vendo&Revendo, tivemos dois pontos de vista sobre o trabalho com a arte e o desenho; agradecemos s professoras Mrcia e Andreia e s crianas do CMEI Liberdade

    pela cesso dos desenhos que do vida aos textos. Em Saberes do Cotidiano acompanhamos o relato de Las sobre o trabalho a partir de Gaud. Compartilhamos o livro A Grande

    Roda de Histrias, de Nlio Spra e Milton Karam, por intermdio da resenha. Na

    seo Virei o Ba, encontramos brinquedos do passado. Em O que diz a lei? Dani discute a Lei 12.796/2013 que modifica a LDB. Na seo Virando o Mundo, buscamos

    uma experincia italiana que amplia o olhar sobre o uso do banheiro pelas crianas.

    A Fique de olho buscou provocar cada leitor a sair em busca de mais, ir alm, revirar.

    Agora, na RevirEI 2, tambm h um tema central: a linguagem nas tessituras entre oralidade, leitura e escrita. Entrevistamos Patrcia Corsino, que fala sobre a

    descoberta das linguagens e a construo de mundos pelas crianas pequenas. A seo

    Vendo&Revendo traz a compreenso de que o trabalho com a linguagem escrita no deve se interpor integralidade das crianas e suas outras muitas linguagens. Em Saberes do Cotidiano acompanhamos um projeto de cincias com crianas de 5 anos de um CMEI. A Fique por Dentro nos convida a adentrar no universo da poesia com o livro Poesia

    para Crianas: conceitos, tendncias e prticas, de Leo Cunha. A Virei o Ba traz um anncio de tempos atrs que j aludia ao livro como um bom presente para todas

    as idades. Na O que diz a lei?, abordamos a polmica data corte para ingresso das crianas no Ensino Fundamental. Em Virando o Mundo, vemos uma rica experincia

    de Portugal que envolveu crianas e adultos em muitas brincadeiras e aprendizados.

    Na Fique de olho, continuamos querendo atiar voc leitor ao infinito. Temos tambm

    uma nova seo: O que dizem as Politicas?, apresentando o PNBE 2014 para a Educao Infantil. Alm da ldica palavrao de Leminski na contra-capa.

    O desafio de manter a RevirEI se revitaliza a cada produo nossa e a cada obstculo

    novo. Meu agradecimento a todas (somos nesse momento um coletivo feminino)

    que continuam sentindo-se desafiadas e compartilham dessa concretizao. E viva o

    nmero 2 da RevirEI!!

    Editorial

    CATARINA MORO

    Dvidas? Pedidos? Sugestes? Crticas?

    Entre em contato conosco pelo e-mail [email protected]

  • 2A Marina Feldman se formou em Jornalismo mas a vida levou ela

    para a Educao. Foi professora de crianas pequenas e hoje em dia

    faz mestrado em Poltcas Educacionais na UFPR. Ela diagrama e revisa a

    RevirEI, junto com a Ana Jlia, e faz as nossas Entrevistas.

    A Jordana Stella Botelho irremediavelmente apaixonada pela Educao,

    por isso formou-se pedagoga e mestra nesta rea pela UFPR. Por muitos anos

    foi professora da Educao Bsica e, mais recentemente, do Ensino Superior.

    Atualmente trabalha como coordenadora pedaggica em uma escola da rede

    privada.

    Nossos ColaboradoresA Catarina Moro formada em Psicologia, mas interessada mesmo

    pela Educao Infantil, as crianas e os adultos que a constituem. Hoje

    professora da UFPR e pesquisadora do NEPIE, quando criana, era moleca e

    adorava pular de lugares altos. Foi quem teve a ideia de criar a RevirEI e hoje ela coordena a equipe, traduz a seo Virando o Mundo e nessa edio

    escreveu nosso O que diz a lei? e O que dizem as Politicas?.

    A Ana Jlia Lucht Rodrigues est se formando este ano em Pedagogia

    na UFPR e pesquisa, na sua iniciao cientfica, a Histria da Infncia.

    Desde que entrou no curso se encantou com a Infncia e Educao

    Infantil e se juntou ao NEPIE. Ela a editora da RevirEI, e diagrama e revisa a revista junto com a Marina.

    A Adriane Knoblauch foi alfabetizadora e atualmente professora

    do curso de Pedagogia da UFPR. Passou a infncia lendo gibis e hoje

    passa os dias estudando as relaes que envolvem a formao docente

    e prticas pedaggicas, processo que se intensificou no seu mestrado,

    doutorado e ps-doutorado.

    Nessa Edio

    Elas duas constribuiram para o nosso Vendo e Revendo desta edio.

  • 3A Etienne Barbosa especialista em Histria da Educao, com formao em

    Pedagogia. doutoranda da UFPR, com experincia na rea de Educao Infantil.

    Ela escreve a nossa seo Virei o Ba e sempre traz memrias fresquinhas pra dividir com a gente...

    A Gioconda Ghiggi especialista em Docncia na Educao

    Infantil (UFPR) e Cincias Pedaggicas (Roma3). mestranda

    em Educao na UFPR e pedagoga na Prefeitura de Curitiba.

    ela que nos conta dos novos livros, CDs e filmes na seo Fique de OlhO.

    Nossos Colaboradores

    A Franciele F. Frana, sempre ansiosa por saber sempre mais, numa mistura de

    sonhos e propsitos, depois de formada em Pedagogia e com o ttulo de Mestra em

    Educao pela UFPR, achou que ainda no bastava: atualmente doutoranda em

    educao pela mesma universidade. Por aqui, ela passa seu tempo a mergulhar em

    livros e nos contar tudinho, na seo fique por dentro .

    A Mrcia Cristina Ribeiro Osinski pedagoga, ps-graduada em educao

    inclusiva e professora de Rede Pblica Infantil de Curitiba.Ela trabalhou com

    uma turma de pr no CMEI Liberdade e nos contou uma de suas expericias

    na seo Saberes do Cotidiano.

    O Andr Neves ilustrador e escreve lindas histrias para crianas,

    alm de confabular imagens no seu blog. Se diz desinventor de realidade

    e seus desenhos dialogam bastante com a nossa proposta. A RevirEI f

    dele e, para nossa alegria, ele autorizou que usssemos suas ilustraes

    nessa edio. A da capa vocs j viram e vo reconhecer outras ao longo

    da edio, junto ao nome do livro de onde saram.

  • 4CAPA E SUMRIO: ILUSTRAO DE ANDR NEVES, DO LIVRO OREJAS DE MARIPOSA, DE LUISA AGUILAR, EDITORA KALANDRAKA

  • 514 VENDO & REVENDO: Dois textos sobre o lugar da linguagem na educao infantil.

    22 ENTREVISTA: Patricia Corsino discute o processo de descoberta da linguagem.

    30SABERES DO COTIDIANO:

    A natureza como fonte de aprendizado em um projeto com crianas de 4 anos.

    36 O QUE DIZ A LEI? A falsa polmica sobre a data corte de entrada no ensino fundamental.

    40

    7 FIQUE DE OLHO: Notcias da UFPR e indicaes culturais para enriquecer a sua prtica.

    42 VIREI O BA: A relao entre livros e crianas no final do sculo XIX.

    FIQUE POR DENTRO: Resenha da obra Poesia para crianas:

    conceitos, tendncias e prticas.

    10VIRANDO O MUNDO: Cozinha de lama - um projeto de Portugal que envolve crianas, professores e famlias.

    CAPA E SUMRIO: ILUSTRAO DE ANDR NEVES, DO LIVRO OREJAS DE MARIPOSA, DE LUISA AGUILAR, EDITORA KALANDRAKA

    38 O QUE DIZEM AS POLTICAS? A Poltica em Ao com o PNBE.

  • 6Fi

    qu

    e d

    e O

    lhO

    ... ...nos livros(para ler com os pequenos)

    CADA UM COM SEU JEITO, CADA JEITO DE UM!

    Lucimar Rosa DiasO livro de Lucimar Dias conta a histria de

    Luanda e sua famlia. Diferentes modos de

    ser em uma histria que mostra o respeito pelas diferenas presentes nas nossas famlias e nos diversos grupos sociais em que vivemos. Ilustraes: Sandra Beatriz

    Lavandeira. Editora Alvorada

    ...nas canesZOR

    Zeca BaleiroO maranhense Zeca Baleiro lanou o seu primeiro

    trabalho para os pequenos: Zor Volumes 1 e 2. O primeiro volume [Bichos esquisitos] j est

    disponvel: so 28 canes com temas relacionados com o universo animal. Conta com a participao

    de Tom Z, Fernanda Abreu e outros artistas.

    http://www.zoro.art.br

    SIRICUTICOSiricutico

    Com um encarte com belas ilustraes do artista curitibano

    Andr Ducci, o quarteto curitibano Siricutico apresenta

    o CD que leva o nome do grupo.

    So 10 msicas divertidas que

    encantam pequenos e grandes.

    As msicas esto disponveis para download!

    http://www.siricutico.art.br

    ERA UMA VEZ UM GIGANTETiquequ

    Angelo Mundy, Diana Tatit, Bel Tatit e Wem formam o

    Tiquequ. O grupo trabalha com canes e espetculos

    para crianas e lanou recentemente seu segundo CD, Era uma vez um gigante, com 12 canes.

    https://www.facebook.com/tiquequeoficial

    http://www.tiqueque.com

    (para subsidiar a prtica docente)A CINCIA NA EDUCAO PR-ESCOLAR

    Maria Lcia Santos; Maria Filomena Gaspar; Sofia Saraiva Santos

    O livro tematiza o conhecimento cientfico

    e busca saber se as turmas de pr-escola so amigas das cincias. Foi patrocinado e publicado

    pela Fundao Francisco Manuel dos Santos e traz vrios relatos de boas prticas - entre os quais

    Observatrio de caracis, Viagem ao mundo da

    luz, Porque que aqui no cai neve?

    Fundao Francisco Manuel dos Santos

  • 7ZORZeca Baleiro

    O maranhense Zeca Baleiro lanou o seu primeiro

    trabalho para os pequenos: Zor Volumes 1 e 2. O primeiro volume [Bichos esquisitos] j est

    disponvel: so 28 canes com temas relacionados com o universo animal. Conta com a participao

    de Tom Z, Fernanda Abreu e outros artistas.

    http://www.zoro.art.br

    ERA UMA VEZ UM GIGANTETiquequ

    Angelo Mundy, Diana Tatit, Bel Tatit e Wem formam o

    Tiquequ. O grupo trabalha com canes e espetculos

    para crianas e lanou recentemente seu segundo CD, Era uma vez um gigante, com 12 canes.

    https://www.facebook.com/tiquequeoficial

    http://www.tiqueque.com

    ...nos filmesO MENINO E O MUNDO

    Com uma interessante mistura de tcnicas, como o uso de giz de cera e colagens, o cineasta Al Abreu emociona com a animao O menino e o Mundo. A

    histria de um menino que parte em busca do pai e descobre um mundo cheio de seres fantsticos.

    Animao, Brasil, 2014

    http://omeninoeomundo.blogspot.com.br

    TARJA BRANCA - A REVOLUO QUE FALTAVAO documentrio dirigido por Cacau Rhoden

    traz reflexes de adultos de diferentes origens e

    profisses sobre suas infncias e suas brincadeiras,

    alm de questionamentos sobre o lugar do brincar

    na vida das crianas e adultos nos dias de hoje.

    Documentrio, Brasil, 2014

    http://mff.com.br/filmes/tarja-branca/

    GIOCONDA GHIGGI

    (para subsidiar a prtica docente)A CINCIA NA EDUCAO PR-ESCOLAR

    Maria Lcia Santos; Maria Filomena Gaspar; Sofia Saraiva Santos

    O livro tematiza o conhecimento cientfico

    e busca saber se as turmas de pr-escola so amigas das cincias. Foi patrocinado e publicado

    pela Fundao Francisco Manuel dos Santos e traz vrios relatos de boas prticas - entre os quais

    Observatrio de caracis, Viagem ao mundo da

    luz, Porque que aqui no cai neve?

    Fundao Francisco Manuel dos Santos

    Acesse na

    ntegra!

  • 8CASSIANA MAGALHES

    LYDIO ROBERTO

    A experincia me permitiu uma aproximao com professores da Educao Infantil, momentos permeados por histrias e aprendizagens, rico em reflexes tericas e prticas acerca do trabalho pedaggico com as crianas pequenas. Pensar nas diferentes infncias nas diversas realidades, permitiu afirmar o compromisso na promoo do desenvolvimento humano, partindo de um trabalho intencional, possibilitando o encontro da criana com a cultura e a ampliao de repertrio do prprio professor. Durante os encontros pudemos nos afetar com a arte nas suas diferentes linguagens e refletir sobre as possibilidades de afetarmos tambm as crianas.

    Participar como docente do Curso reafirmou a necessidade de democratizar o conhecimento e as vivncias artsticas junto as professoras de Educao Infantil como condio bsica para os profissionais que atuam com crianas. Os encontros com as diferentes realidades educacionais p r o p o r c i o n a r a m significativos momentos de trocas de experincias e aprendizagem. Fazer, pensar e sentir msica no universo da infncia junto as professoras da Educao Infantil, sem dvida, foi um privilgio, pois como msico e professor pude testemunhar as alegrias e o poder transformador da msica na vida das pessoas.

    Fiq

    ue

    de

    Olh

    O... ...no que acontece

    NOTCIAS DO NEPIE/UFPR

    DEPOIMENTO DOS DOCENTES DO CURSO

    Educao Infantil, Infncias e Arte

    ENCERRAMENTO DO CURSO: Educao Infantil, Infncias e Arte

    Dia 07 de maro de 2015 realizou-se no Setor de Educao da UFPR, o

    Seminrio de Finalizao do Curso de Extenso Educao Infantil, Infncias

    e Arte, das turmas de 2013 e 2014. No evento ocorreram trs oficinas

    de 8 horas: O lugar da TV na Educao Infantil - experimentaes e

    possibilidades de interveno pedaggica, com Iracema Munarim e Juliane

    Odinino; Meu corpo, meu mundo jogos expressivos e dramticos para

    refletir sobre novas possibilidades de relacionamento e de narrativas a

    partir do corpo, com Luiz Fernando; e Tapete encantado o universo

    mgico e misterioso da arte de contar de histrias, com Rosy Greca.

  • 9O curso foi uma experincia mpar e significativa para todos. No mdulo de artes visuais as reflexes propiciadas fomentaram mudanas na prxis educacional da arte na escola. O perceber, o vivenciar, o construir, suscitados pelo universo cultural e artstico, proporcionoram a construo de conhecimentos, ampliando o repertrio das professoras, no fazer e no fruir produes artsticas. O desenvolvimento do processo criativo evidenciou que o impulso criador no se limita a reproduzir, mas combina, reelabora, cria com os elementos. Surgem rearranjos imbudos de expressividade, imaginao e fantasia. Assim, proporcionamos ressignificaes dos contedos realidade da educao infantil, almejando uma educao mais sensvel e humana.

    LANAMENTO DO LIVRO: Instrumentos e Indicadores para avaliar

    a creche: um percurso de anlise da qualidade - Laura Cipollone (Org.)

    Foi lanado pela Editoria UFPR um novo ttulo, trazido ao Brasil pelo Ncleo de

    Estudos e Pesquisas em Infncia e Educao Infantil. O livro adentra a trajetria de

    anlise da qualidade da oferta educativa em creches de uma das regies centrais da

    Itlia, a mbria, entre os anos de 1992 e 1996. Tal investigao e acompanhamento

    constituram-se em um processo formativo, empreendido a partir da demanda dos

    municpios da regio e sendo abraado por pesquisadores e professores da Universit

    Degli Studi di Pavia, assim como pelos gestores ligados oferta dos servios de creche.

    Distintamente, tematiza os espaos e as prticas educativas cotidianas com e para

    bebs e crianas pequenas, at os 3 anos. Com isso, preenche uma lacuna na

    publicao acerca da avaliao da qualidade em instituies de educao

    infantil, pois o debate acerca da qualidade das creches no tem estado

    presente nesse veculo de publicao.

    Mais detalhes no site da Editora UFPR

    DEPOIMENTO DOS DOCENTES DO CURSO

    Educao Infantil, Infncias e Arte

    ANDRA BERTOLETTI

  • 10

    Se, por um lado, a sociedade

    e o estado esto cada vez

    mais sensveis infncia e ao

    desenvolvimento global das

    crianas, por outro lado, as crianas

    tm cada vez menos oportunidades

    de explorar o desconhecido, de

    se sujar, de se maravilhar com a

    natureza, de viver aventuras em que a

    personagem principal so elas prprias...

    Isto , tm cada vez menos possibilidades de

    ser criana. O conjunto de experincias que

    realizamos envolveu muitas consideraes

    por parte da equipe educativa sobre os

    espaos exteriores e suas potencialidades,

    os benefcios do brincar livre no exterior, o

    papel do educador nestes contextos, bem

    como uma reflexo sobre os desafios que a

    podem surgir.

    C o m e a m o s

    perguntando s crianas: Como gostariam

    que fosse a cozinha de lama? O que gostariam

    de ter na cozinha de lama? Gostaria que

    fosse suja; Queria que fosse limpa; Que fosse

    grande, tivesse bancada para trabalhar; Que

    ela fosse pequenina, do nosso tamanho.

    Que tivesse: gua para lavar copos, uma

    varinha mgica para cozinhar; Ingredientes

    para pr no bolo; Utenslios de cozinha e

    forminhas; Uma tenda para tapar o sol,

    vira

    ndo

    o m

    undo

    Uma cozinha suja, muito suja...A cozinha de lama desperta nas crianas a curiosidade de saber

    Esse texto foi originalmente publicado na revista portuguesa Cadernos de Educao de Infncia

    (CEI) n 103/2014, escrito por Diana Pinto, educadora da Casa da Criana Maria Granado, sob o

    ttulo Gosto de brincar na cozinha de lama porque descapotvel. Aqui compartilhamos o relato

    em verso condensada e com uma organizao prpria das fotografias. Nele a autora socializa

    e discute a proposio da cozinha de lama, no apenas como espao, mas como atitude, fruto

    de uma reflexo sobre um conjunto de experincias riqussimas vividas no espao externo de

    uma instituio de educao de infncia por adultos e crianas. Nossos agradecimentos a Maria

    Lcia Santos, presidente da Associao de Profissionais de Educao de Infncia de Portugal,

    e editora responsvel pelos CEI, que possibilitou nossa publicao.

    Reviso: Catarina Moro

  • 11para fazer sombra; Um fogo para pr as

    comidas.

    Em conjunto, organizamos as ideias de

    acordo com a nossa capacidade para

    as concretizar; fizemos algumas

    pesquisas e a seguir desenhamos a

    planta da nossa cozinha de lama. Para nos

    ajudar contamos com o apoio dos pais.

    Primeiro foi necessrio contar tudo a eles,

    envolv-los neste processo de transformao

    e instalao de equipamentos no espao

    exterior. Isso estreitou laos e quebrou

    barreiras, poucas foram as famlias que no

    se renderam cozinha de lama e s suas

    potencialidades quando a construram,

    quando reviveram a sua infncia e quando

    imaginaram a expresso de satisfao e

    felicidade dos filhos a brincar neste espao.

    Rapidamente, os adultos perceberam que

    promover o brincar livre nestes contextos

    seria uma tarefa complexa e desafiadora. No

    s por questes de segurana e superviso,

    mas essencialmente pela manuteno do

    espao e das diferentes necessidades ldicas

    de cada criana. Por isso foi necessrio criar,

    em conjunto, algumas regras de utilizao.

    Sabamos de antemo que a atitude dos

    adultos poderia limitar a ao e curiosidade

    das crianas que, num misto de euforia e

    felicidade, no paravam de fazer perguntas

    para as quais nem ns tnhamos resposta:

    Posso ir buscar terra na horta? Posso brincar

  • 12vi

    rand

    o o

    mun

    do

    com pedras? Posso brincar com gua? Posso

    fazer lama? Na verdade, at elas pareciam

    confusas com a oportunidade de se sujarem

    e de brincarem com lama. Depois de muitas

    pesquisas e documentao que esclarecesse

    todas as nossas dvidas e receios decidimos

    - numa harmonia entre a liberdade, proteo

    e intencionalidade educativa - arriscar outra

    atitude. Estando mais confiantes no caminho

    a seguir, deixamos de ter receio em deix-

    los ir sozinhos horta buscar terra e gua;

    em deix-los brincar com paus e pedras;

    brincar com gua e lama sem restries... O

    resultado desta mudana de atitude foi um

    grupo envolvido, feliz, curioso, investigador

    e em harmonia. Curiosamente, todo este

    contexto fez diminuir claramente os conflitos

    entre todos.

    Tendo j encontrado o nosso caminho

    e estando seguras dele, foi fcil antecipar

    algumas questes que poderiam ser

    levantadas pelos pais e dar-lhes resposta de

    forma convicta e segura. A melhor forma de

    os conquistar foi, sem dvida, implic-los

    na construo do espao, mas decidimos ir

    mais longe e convidar as famlias para uma

    festa na cozinha de lama. Estava na hora dos

    pais sentirem e verem com os seus prprios

    olhos as suas potencialidades. Preparamos

    bolos com lama, flores, paus, pedras...

    Fizemos sucos com gua e ervas aromticas,

  • 13

    apanhamos flores para decorar a mesa!

    Rapidamente, os receios com as questes de

    sade e higiene, com a roupa suja e molhada

    e com os perigos se dissiparam e todos -

    crianas, educadores e pais - queremos

    mais: mais ao, mais possibilidades, mais

    momentos em que o bem-estar, a natureza e

    a aprendizagem andem de mos dadas.

    O papel do adulto, alm de introduzir

    estes elementos e aceitar os que as crianas

    trazem, o de observar cada

    criana, ajudar a dar significado

    s suas experincias, conversar

    com ela, interagir, complexificar o brincar

    e promover a consolidao e aquisio de

    inmeros aprendizados. Pela variedade de

    estmulos, oportunidades e imprevisibilidade,

    na cozinha de lama nunca se ouve eu no

    consigo, eu no sei ou muito difcil.

  • 14V

    END

    O &

    RE

    END

    O

    VENDO

    LINGUAGEM ORAL E ESCRITA NA EDUCAO INFANTIL

    Jordana Stella Botelho

    Vendo e Revendo:linguagens

    A construo da linguagem oral e

    escrita pela criana, como sabemos,

    fundamental para sua formao

    humana, como sujeito e como cidad

    capaz de participar das prticas sociais

    do seu meio.

    Sua aprendizagem acontece

    articulada a um contexto cultural e

    passa pelos sentidos que os primeiros

    adultos do seu convvio vo dando sua

    fala. Amplia-se a partir do contato com seus

    pares e com outros adultos constituindo-

    se, substancialmente, por meio da

    interao social: falar para comunicar

    desejos, necessidades, pensamentos,

    intenes, dvidas, queixas, ideias... A

    fala nasce atrelada inteiramente a uma

    funo de comunicao s para mais tarde

    chegar a uma linguagem interior, mais

    ligada ao pensamento, na perspectiva de

    Vygotsky*.

    Do mesmo modo como ocorre na

    construo da fala, o aprender a escrever

    no poderia ser diferente. O processo

    de aprendizagem da escrita tambm

    deveria nascer atrelado a uma funo

    social; deveria acontecer de modo que a

    criana percebesse para que esta serve,

    seus usos sociais, e sentisse necessidade

    de utiliz-la para comunicar-se, para

    expressar-se, destarte, apreendendo-a de

    modo articulado sua funo social e no

    fragmentada, centrada em letras e slabas

    que no comunicam ideias, intenes,

    sentidos.

    Mas, por incrvel que parea, no contexto

    da Educao Infantil em geral, ainda falta

    tempo (ser isso mesmo?) para que um

    trabalho significativo de linguagem oral e

    escrita acontea ante tantas preocupaes

    e ocupaes que crianas to pequenas j

    precisam dar conta. No que elas no

    deem conta, pelo contrrio, elas do;

    mas o que se perde no caminho frente

    a prticas excessivamente preocupadas

    em se alfabetizar precocemente, como

    se estas fossem garantia de um maior

    sucesso escolar posterior?

    Perdem-se muitas possibilidades de

    vivenciar na Educao Infantil prticas

    fundamentais para o desenvolvimento

    oral, cognitivo, afetivo das crianas

    As fotos que ilustram essa seo so da turma de Maternal III do CMEI Vila Real. Foram cedidas pela professora Renata Corra de Azevedo.

  • 15

    REVENDO

    pequenas, vivncias que, muito

    provavelmente, no sero retomadas

    depois. Consequentemente, quando

    chegam ao Ensino Fundamental etapa

    que tem o compromisso oficial da

    alfabetizao, muitas vezes elas tm pouco

    repertrio oral, de histrias, de percepes

    a respeito do mundo ao seu redor.

    Brincaram pouco na etapa em que mais

    necessitavam do faz de conta, do jogo, da

    brincadeira. Desenharam muito pouco e,

    portanto, no aprenderam que podemos

    representar nossas ideias e comunic-

    las por essa forma de linguagem escrita:

    o desenho (lembremos que Vygotsky

    concebia o desenho como precursor da

    escrita!). Exploraram pouco a linguagem

    oral e a escrita de um modo mais ldico,

    com regras mais negociveis, mais

    exploratrias, alimentando a imaginao,

    a fantasia. Deixaram de mergulhar fundo

    nos repertrios literrios, conhecendo

    diversos personagens e seus dramas,

    lugares e enredos que teriam lhes

    oferecido um arcabouo valioso para suas

    aprendizagens e vivncias no Infantil, no

    Fundamental, no Mdio...

    Educao Infantil que se sabe de fato - no

    que concerne linguagem oral e escrita -

    coloca no corao de suas prticas a leitura

    e contao de histrias, pela professora e

    pelas prprias crianas (evidentemente de

    acordo com cada faixa etria), propostas

    que possibilitam s crianas relatarem

    situaes do seu dia a dia, propostas

    que envolvem a criao coletiva de

    histrias, que possibilitam usar a escrita

    coletivamente e individualmente (da

    forma como a criana conseguir registrar)

    para comunicar ideias, para informar,

    pedir, avisar, contar,

    argumentar... E cada uma

    dessas prticas permeada

    por muita conversa, tempo

    para comparar ideias,

    refletir, elaborar hipteses,

    espao para o e se...

    Tambm as cantigas,

    parlendas, quadrinhas,

    trava-lnguas, lengalengas,

    adivinhas deveriam ser

    convidadas a ocupar Momento de Leitura na turma do Maternal III

  • 16

    VENDOdiariamente lugar de destaque no

    trabalho das escolas que atendem a

    etapa da Educao Infantil. Todo esse

    material rico da cultura popular brasileira,

    produzido e reinventado por crianas

    e adultos de muitos tempos e lugares

    constitui mais que um repertrio que

    merece ser compartilhado por diferentes

    geraes, um campo frtil de exploraes

    lingusticas pelas crianas. Isso porque

    possibilita brincar com as palavras, com

    seu ritmo, sua pronncia, sua repetio;

    travar a lngua em um fonema, brincar

    com sons que se parecem, que so

    muito diferentes, com as brincadeiras

    de palavras que comeam com a mesma

    letra at o final (Pedro Pinto pintor pinta

    a porta pobre pintor...). E por que no

    registrar coletivamente essas brincadeiras

    (a professora como escriba) para, quem

    sabe, sugeri-las em uma carta aos colegas

    da outra turma?

    Memorizar quadrinhas populares

    ou pequenos poemas para apresentar

    aos colegas uma proposta muito

    interessante para o desenvolvimento da

    linguagem oral, uma vez que o desafio da

    memorizao e do se expor para algum

    ouvir desenvolve e exercita habilidades

    de quem fala e de quem ouve. Porque

    desenvolver linguagem oral tambm est

    ligado a desenvolver a escuta, lembremos!

    a turma produzindo um grfico das suas parlendas favoritas V

    END

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  • 17

    REVENDO

    Ouvir uma histria at o final, manter o fio

    de uma conversao, prestar ateno no

    que a professora ou o colega disseram para

    poder interagir fazem parte do trabalho de

    linguagem oral no Infantil. Nesse sentido,

    as conhecidas rodas de conversas podem

    oportunizar momentos de fala e escuta

    significativos para crianas ampliando em

    muito as habilidades de relatar situaes

    e narrar histrias.

    Entretanto, a pesquisa de Viviane Alessi

    sobre as rodas de conversa demonstrou

    que muitas vezes a conduo das rodas

    pelas professoras regida ora mais pela

    lgica do monlogo, ora pela prtica

    tradicional de pergunta-resposta, esta

    por vezes com um propsito de ajustar,

    corrigir a fala da criana. Alm disso, a

    pesquisadora relata:

    O que se observa nessas situaes

    uma restrio temtico-informativa que

    empobrece o dilogo, que se preocupa muito

    mais com o tema, a informao veiculada

    e o controle das crianas, do que com as

    ideias de seus participantes. O professor

    esquece-se de que o conhecimento

    construdo e no transmitido! (ALESSI,

    2014, p. 183)**.

    No basta garantir, portanto, a roda de

    conversa na rotina se esta no ir em nada

    contribuir para um dilogo verdadeiro

    entre crianas-adultos, crianas-crianas;

    h que se valorizar o repertrio infantil,

    que no menor que o do adulto, mas

    diferente deste, uma vez que a criana

    processa e produz cultura tambm.

    Tomara que em 2015 possamos encher

    nossas salas de Educao Infantil de mais

    ouvidos e olhos de professoras/es e mais

    vozes de crianas, para que haja mais

    dilogo verdadeiro; que as explicaes

    dos professores no preencham todo

    o enunciado escolar***. Que haja

    espao de sobra para a literatura, para o

    fantstico, para a experimentao, para o

    movimento, para a brincano. E que,

    principalmente, possamos dar menos

    conta e nos dar mais conta do que

    essencial em nossas escolhas pedaggicas

    dirias.

    *VYGOTSKY, L. S. A formao social da

    mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.

    *VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem.

    Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.

    **ALESSI, Viviane Maria. Rodas de conversa:

    uma anlise das vozes infantis na perspectiva

    do crculo de Bakhtin. Curitiba: Editora UFPR,

    2014.

    ***PIVOVAR, Altair. O parlamento das

    gralhas. Curitiba: Educar em Revista, 2002.

  • 18V

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    O

    VENDO

    H muitas dvidas sobre o papel que a linguagem escrita deve ocupar no interior

    das instituies de Educao Infantil.

    para alfabetizar? Posso mostrar as

    letras? At onde posso ir? So dvidas

    que circulam com frequncia entre

    professores e educadores preocupados

    com uma educao de qualidade para

    as crianas pequenas.

    Um primeiro ponto para dar incio

    a essa discusso a definio da

    finalidade da Educao Infantil. J h

    algum tempo, temos claro que a Educao

    Infantil um direito das crianas pequenas,

    que precisam ser atendidas a partir de

    suas peculiaridades e com vistas ao seu

    desenvolvimento integral, considerando

    seus aspectos fsico, afetivo, intelectual,

    social e lingustico. Portanto, um espao

    em que cuidado e educao devem estar

    articulados, no qual ocorra a ampliao

    de saberes das crianas por meio de

    diferentes interaes e brincadeiras.

    Nessa perspectiva, a criana vista

    como cidad de direitos e produtora de

    cultura. E, assim, a Educao Infantil no

    pode significar uma escolarizao precoce

    ou um mero treinamento para o Ensino

    Fundamental.

    Considerando que a criana deve

    ser atendida em sua integralidade,

    entende-se que o trabalho pedaggico

    deve ser intencional e planejado, de

    forma a integrar as diversas linguagens.

    Pois, a criana tem cem linguagens *

    como Loris Malaguzzi j nos ensinou.

    Assim, diferentes linguagens e formas de

    expresso (plsticas, musical, cientfica,

    corporal, verbal etc), devem ser previstas

    e integradas de forma significativa para

    a criana. Brincar com gua, correr na

    grama, observar plantas, cuidar do outro,

    experenciar diferentes texturas, subir

    e descer, rolar no cho, se alimentar,

    descansar, ouvir histrias, cantar,

    imaginar, conversar, conhecer ritmos,

    resolver conflitos, fazer de conta, cuidar

    de si, brincar...

    Desta forma, a escrita pode ser

    trabalhada de forma articulada s demais

    atividades do cotidiano da Educao

    Infantil, tendo em vista que vivemos em

    um ambiente letrado e que as crianas

    tm curiosidade sobre a escrita. No

    entanto, tais atividades no devem

    ser mecnicas e sem sentido para as

    crianas, pois se assim o forem, estaro

    na contramo do que foi afirmado at

    Vendo e Revendo:LINGUAGENSa Escrita na Educao InfantilAdriane Knoblauch

  • 19

    REVENDOaqui. Assim, atividades baseadas somente na decodificao do escrito, como,

    traado de letras, reconhecimento de

    sons, cpias de slabas, palavras ou frases

    descontextualizadas no encontram

    espao em um trabalho que respeite as

    peculiaridades das crianas pequenas.

    preciso compreender que leitura,

    escrita e oralidade esto interligados.

    Assim, o trabalho com a linguagem escrita

    pode ocorrer at mesmo na ausncia

    do papel e do lpis. Quando as crianas

    recontam uma histria da literatura

    infantil conhecida por elas, por exemplo,

    acionam uma srie de conhecimentos

    que possuem relaes com o universo da

    escrita: o papel do narrador, sequncia

    lgica dos fatos a serem narrados, mudana

    de entonao da voz em determinados

    momentos, argumentao etc. O mesmo

    ocorre em situaes em que a criana

    conta uma situao vivenciada ou opina

    sobre um acontecimento ocorrido no

    cotidiano. Esses conhecimentos so muito

    mais importantes para a compreenso da

    cultura escrita do que a simples recitao

    do alfabeto.

    Assim, defende-se que na Educao

    Infantil ler com os ouvidos e escrever

    com a boca mais importante do que ler com os olhos e escrever com as

    prprias mos**. Ou seja, atividades em

    que a professora, de forma intencional

    e planejada, l para as crianas textos

    diversos em diferentes suportes e escreve

    o que as crianas sugerem, trazem

    as crianas usando imagens para representar quantidades em uma receita que fizeram

  • 20V

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    O

    VENDO

    informaes valiosas sobre a linguagem

    escrita e colocam as crianas em contato

    com uma escrita com maior significado

    para elas. Assim, integrada s outras

    linguagens, a escrita passa a ser vivenciada

    pelas crianas de forma mais intensa, ou

    seja, elas passam a ter contato com a

    cultura escrita em seu cotidiano de forma

    a participar ativamente desse processo.

    Elas vivenciam situaes de letramento.

    Essas indicaes so feitas tendo

    como base a ideia de que toda linguagem

    supe interao. Escrevemos para algum

    ler e ouvimos ou lemos o que algum

    escreveu. E nesse processo de trocas e

    interaes, nos constitumos em funo

    do outro e compreendemos o universo da

    escrita. Dessa maneira, no h escrita sem

    inteno nem leitura sem interpretao.

    Com isso, o conceito de letramento

    nos ajuda a perceber

    que o importante

    para a cidadania

    a compreenso e

    incorporao dessas

    prticas no cotidiano

    e que, para que isso

    ocorra, temos que

    ir alm do simples

    exerccio repetitivo e

    mecnico. Sendo assim,

    esse processo todo inicia-se antes do

    ingresso a uma instituio formal de

    educao e se estende para alm da sua

    concluso.

    Mas, o que possvel fazer ento?

    Uma primeira possibilidade

    inserir as crianas no mundo da escrita.

    Para que elas pensem sobre a escrita,

    precisam vivenci-la no seu dia-a-dia.

    Assim, elas precisam ter contato com

    diferentes materiais escritos. Para tanto,

    no basta ter as paredes da sala cobertas

    de cartazes com escritas sem significado

    para elas. Mas, ao contrrio, elas

    precisam compreender que o que est

    escrito na sala tem alguma funo para

    a turma. Assim, listas de livros j lidos,

    listas de livros que sero lidos, registro

    de uma observao feita no ptio, rotina

    do dia, regras de um jogo ou brincadeira,

    jogo de percuso com os nomes das crianas

  • 21

    REVENDOregistros de descobertas feitas, escrita de

    uma receita realizada, lista com os nomes

    dos colegas da turma, registros de bilhetes

    so algumas das possibilidades para isso.

    O contato com a literatura infantil

    tambm pode ser dirio e ocorrer em

    diferentes momentos. Ora com a professora

    lendo a histria, ora com as crianas

    manuseando os livros, criando suas

    histrias e fazendo tentativas de leitura.

    Todo esse trabalho possibilita que a criana

    comece a pensar sobre a escrita e sobre

    sua forma de organizao e sistematizao.

    E ainda que no haja um mtodo ou uma

    receita pronta para ser posta em prtica por

    todos os professores, h alguns princpios

    que podem ser orientadores:

    - ter a interao e a brincadeira como eixos articuladores do projeto pedaggico;

    - considerar a escrita como uma das linguagens a serem trabalhadas, sem centraliz-la no processo;

    - considerar a criana como centro do processo, sem desconsiderar o papel intencional do professor;

    - criar situaes em que a criana precisa se expressar oralmente, com diferentes funes: lembrar de algo, se posicionar, defender um ponto de vista etc.- deixar que a criana pense sobre a escrita, elabore hipteses sobre ela e confronte

    suas hipteses com a escrita convencional;

    para isso, ela precisa ter acesso a diferentes materiais e ter autonomia para consult-los.- a escrita apresentada s crianas no deve ser uma escrita descontextualizada, ou com funo de apenas ensinar a ler e a escrever, mas deve ser uma escrita com funo real, ou seja, usada efetivamente

    no dia-a-dia das crianas na instituio.

    A escrita precisa ter significado para as

    crianas. Assim, fundamental compreender

    como ocorre o processo de aquisio da

    escrita pela criana para que possamos

    nos libertar de receitas prontas e construir

    nossa prpria forma de trabalho em funo

    do grupo de crianas que temos.

    *Loris Malaguzzi italiano e um dos

    responsveis pela proposta de Educao

    Infantil da Regio da Reggio Emilia, considerada

    referncia na rea. Na abertura da revista voc

    encontra um trecho de sua famosa poesia.

    **A referncia do texto Letramento e

    Alfabetizao: implicaes para a educao

    infantil, de Luiz Percival Leme Britto. Encontra-

    se no livro intitulado O mundo da escrita no

    universo da pequena infncia, organizado por

    Ana Lucia G. de Faria e Suely Amaral de Mello.

  • 22ENT

    REVIST

    APatrcia Corsino: As crianas,

    criando mundos e descobrindo as linguagens

    texto: marina feldman ilustraes: andr neves

    Quando falamos em linguagem na

    educao infantil, de que estamos

    falando?

    A concepo de linguagem que a

    gente assume determinante das aes

    que estabelecemos com o outro. Eu tenho

    feito a opo por uma viso a partir da

    filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin

    e nesse sentido a linguagem aquilo que

    me constitui na relao com o outro. O

    outro me altera e eu vou me constituindo

    enquanto sujeito na medida em que eu

    me relaciono. Isso inclui a parte verbal,

    gestual, a entonao. Eu falo de alguma

    coisa para algum, em determinado

    contexto, com determinada finalidade e

    isso varia entre um grupo social e outro...

    Nessa perspectiva, o outro sempre

    diferente de mim e estamos sempre

    exercitando nosso discurso para chegar

    at ele.

    Outro referencial terico que nos ajuda

    a entender a linguagem o Vigotski. Dele

    tomamos a ideia de mediao simblica,

    em que o mundo me dado a conhecer

    pela palavra do outro. A mediao se d

    atravs da linguagem. Esses significados

    que so dados pelo outro na relao com a

    criana - a me ou a professora que convive

    com o beb - que vai fazendo suas leituras

    daquilo que ele est sentindo: o choro, o

    Patricia Corsino veio do Rio de Janeiro, onde professora da UFRJ,

    para nos falar sobre linguagem. Mas a que nos referimos quando

    pensamos em linguagem? Ou melhor, em linguagens? A Patricia, em

    uma longa conversa, nos lembrou que a escrita pode at estar no

    fim do caminho, mas essa estrada muito mais interessante do que

    o ponto de chegada. Um caminho cheio de brincadeiras, histrias,

    imaginao e olhar para o outro.

  • 23riso, o balbucio. Damos significado a isso

    e aquele outro criana vai respondendo

    de alguma forma, em um processo de

    interlocuo.

    A gente tem que entender, ento, que

    linguagem esse elemento constituinte.

    A criana vai se constituindo e entende

    o mundo a partir da palavra deste outro.

    Ento vai se criando esse sentido, que

    individual, mas que est localizado no

    tempo e no espao, constitudo no coletivo.

    Que no algo ainda intelectualizado,

    mas que aos poucos vai ganhando uma

    interiorizao e se transformando em

    pensamento.

    Demos uma volta, mas o que eu queria

    dizer que, quando a gente fala de

    linguagem na Educao Infantil, a gente

    t falando de um processo de interao

    da criana com o adulto e tambm

    com as outras crianas. um processo

    de interlocuo. A criana vai aos poucos

    sendo apresentada ao mundo, s coisas, aos

    conceitos por via dessas interaes. A criana

    vai entendendo o mundo atravs de uma

    linguagem que no s verbal, mas tambm

    gestual, imagtica. Uma linguagem que se

    manifesta de diversas formas. E a criana vai

    interpretar tudo isso junto, por exemplo

    a imagem de um gato, a palavra gato e o

    bicho gato. Ento, importante que ela

    tambm v ampliando esses repertrios

    para que possa fazer essas inter-relaes.

    Tanto como algum que l e interpreta

    tudo isso, como algum que produz, que

    d respostas. Essa tem sido uma questo

    central na Educao Infantil: qual o

    espao de escuta desse professor que lida

    com crianas?

    Pensando nessa interlocuo entre a

    criana e o adulto, quais as formas centrais

    da criana pensar e se comunicar?

    As formas so muitas, tanto para

    adultos quanto para as crianas. Mas

    a criana tem especialmente prxima

    a linguagem corporal e o gesto j mais

    elaborado atravs do desenho. Esse

    desenho que inicialmente um gesto que

    vai se fixando: a criana no desenha um

    objeto, ela desenha seu movimento. A

    criana vai simbolizando o mundo ao seu

    redor e fixando naquele papel.

    Alm disso, a ao da criana

    acompanhada da fabulao, dessa fala

    que segue a ao. Que uma forma

    dessa linguagem ir se interiorizando,

    se transformando em pensamento.

    A criana brinca confabulando e vai

    assumindo papis, nesse jogo da

    brincadeira espontnea. Na sua relao

    com o mundo, com as coisas, vai

    transformando os objetos em outras

    ilustrao: mel na boca, livro de andr neves, editora cortez

  • 24ENT

    REVIST

    Acoisas. A entra outro espao essencial:

    a brincadeira. A brincadeira no

    exatamente uma linguagem, mas um

    espao de elaborao, de organizao do

    pensamento, que tem uma relao com

    a linguagem: ela compreende muitas

    linguagens!

    Depois temos que pensar na leitura

    de imagens e pensar no que a criana

    pode produzir. Podemos incorporar cada

    vez mais linguagens diferentes, como a

    fotografia, j que hoje as crianas tm

    domnio dessa forma de registro.

    E, sem dvida, a msica e a dana. A

    gente v que na Educao Infantil tem

    muita msica, mas s vezes s como

    reguladora das aes, ou sempre num

    nico ritmo, quando a gente poderia estar

    ampliando esse repertrio... que quando

    a gente fala da linguagem na Educao

    infantil, estamos colocando em questo

    tambm a arte.

    E a fundamental falar em literatura,

    poesia. A criana vai vendo algo que no

    to bvio, outra forma de dar sentido. Que

    eu posso mudar a palavra de lugar e mudar o

    significado. A literatura vai trazer a lngua no

    seu lado artstico. importante a gente ler

    bons livros, boas histrias, bons poemas...

    E pensando nesse uso da msica...

    Muitas vezes tambm olhamos as

    histrias de um modo um pouco utilitrio.

    Se usa a msica para regular a rotina

    e a histria para ensinar algo. Sendo

    linguagens artsticas, elas deveriam sair

    do campo da utilidade para se tornarem

    algo mais ldico?

    Quando eu trabalho um poema as

    palavras so palavras que remetem a

    alguma outra coisa, como naquele poema

    do Manuel Bandeira caf com po, caf

    lino

    , livr

    o de an

    dr ne

    ves, ed

    itora c

    allis

  • 25com po. A gente no est falando de caf

    com po, estamos falando do barulho, do

    som, do movimento do peito junto com

    as palavras. Perceber isto interessante,

    porque algo que no est posto.

    E esse uso utilitrio da literatura, para

    ensinar alguma coisa, para trabalhar

    um assunto, um uso muito elementar,

    empobrecido. preciso ir alm do que

    est posto, para aquelas coisas que no

    esto escritas, que esto nas entrelinhas.

    E as coisas que no esto ali

    diretamente so muito mais complexas: a

    compreenso de uma metfora, entender

    o sentido figurado de uma situao. no

    jogo da linguagem com a imagem que

    vamos poder discutir e fazer pensar.

    Mas o que a escola tem feito buscar

    vocabulrio, sequncia... E no essa parte

    da arte, daquilo que no est escrito,

    da atrao por outros textos, de fazer

    pensar em outras coisas, de relacionar

    com outras histrias ou com o vivido. E

    esse pensamento fundamental para

    entender o prprio mundo em que

    voc vive e a prpria arte da palavra.

    Ento se a minha arte tem uma funo

    utilitarista, para alfabetizao, um projeto

    ou uma temtica, o trabalho fica muito

    simplificado.

    Alm disso, esta potncia das crianas de

    criar algo novo tambm fica simplificada.

    A criana no tem um pensamento linear

    igual ao do adulto. Mas no por isso que

    voc pode dizer que ela no entendeu

    a histria. E quantas vezes a gente no

    deixa de interagir com essa criana para

    entender melhor o que ela est pensando?

    O que tambm vemos uma tentativa

    de no entrar em um assunto muito

    complexo, de poupar as crianas de

    algumas sensaes. Como se a criana

    no pudesse lidar com a complexidade

    ou com sentimentos mais confusos...

    A literatura tambm traz essa questo:

    ela tem uma funo prazerosa, mas ela

    tambm pode te incomodar ou fazer

    voc lidar com um medo. Essa parte no

    to ldica, mais densa, trata destas

    questes humanas... Mas atravs do

    tratamento artstico muitos temas podem

    ser abordados. um mundo paradoxal em

    que queremos poupar as crianas, mas ao

    mesmo tempo a vida no as poupa dessas

    experincias. Elas vivenciam situaes,

    participam delas.

    E a a gente volta l naquele primeiro

    tema: quem essa criana? Tem tantas

    coisas que ela pode estar vivendo e por

    isso preciso mais escuta. Minha relao

    est permeada pela minha concepo

    de criana. Ento, se eu acho que ela

  • 26s tem que aprender, que eu tenho

    todas as respostas e que quem sabe

    sou eu, se estabelece um lugar pouco

    produtivo na relao. Porque voc est

    desconsiderando o outro.

    Mas quando h a escuta do outro, voc se

    coloca diante do imprevisvel, de algo que

    no est no script, que no est previsto.

    E voc tem que lidar com o imprevisvel,

    que te desloca desse lugar de quem sabe,

    de quem tem as regras da situao.

    preciso mobilizar o professor para ocupar

    outro lugar: eu sou tambm aquele

    que no sabe.

    H alguns rituais na escola que

    so muito pouco democrticos e

    muitas perguntas so totalmente

    retricas, no entramos em relao

    com a resposta das crianas. o bate

    bola da relao, no s falar: ah,

    legal. O professor tem que devolver

    a pergunta, ajudar nesse processo de

    fala. Isso fundamental para que ela v

    entendendo e v aprendendo a se fazer

    entender.

    A oralidade muito importante, inclusive

    para a linguagem escrita. A gente precisa

    entender aquele contexto e de alguma

    maneira falar dele, do que aconteceu, do

    que imaginou... Porque a escola no pode

    ser tambm um lugar de falar s daquilo

    que existe e do que aconteceu de fato,

    mas tambm aquilo que a gente imagina

    e cria.

    Todas essas narrativas fazem parte do

    processo da linguagem na escola. A gente

    conta histrias verdadeiras, histrias que

    a gente inventou, histrias que so lidas,

    histrias tradicionais, contemporneas.

    A gente tambm pode criar histrias

    com as crianas... Isto vai tecendo esse

    coletivo. Tem a ver com linguagem e com

    as histrias do grupo. Algo que vai criando

    e construindo uma memria...

    Ento, como que no necessariamente

    lendo e escrevendo as crianas podem

    estar de fato aprendendo a ler e a escrever

    e se apropriando da linguagem escrita?

    um conceito muito amplo. Bartolomeu

    Campos Queiroz fala que ns estamos

    fadados a ler. A leitura aquilo que faz

    parte da vida desde que voc um beb.

    Leitura como esse lugar desde onde voc

    interpreta o mundo. Ento a leitura

    fundamental para que a gente possa se

    entender dentro do mundo. Antes da

    leitura do texto escrito a criana precisa

    entender as diferentes linguagens sociais,

    que eu escrevo e falo de formas diferentes

    para atingir objetivos diferentes.

    Essa uma questo importante da gente

    entender: a criana precisa entender

    ENTREV

    ISTA

  • 27o mundo como lugar da cultura

    escrita. Ns estamos imersos nesta

    cultura. Algumas crianas vm

    de um contexto em que tem uma

    relao com a cultura letrada de uma

    forma mais intensa - situaes em

    que a escrita faz sentido - e outras

    no. No homogneo, embora

    todos estejam num mundo em que

    a escrita central.

    A cultura de base do universo letrado

    e isso no s o texto escrito, mas

    palavras que se misturam com imagens e

    com diferentes gneros. A criana precisa

    muito conhecer as funes e a escola se

    organizar para que a escrita tenha a sua

    funo comunicativa.

    Ento, muito mais a nfase na

    comunicao do que na leitura, do que

    na tcnica?

    Exatamente. a compreenso de que

    existem muitas formas de organizar essa

    palavra escrita e de que dependendo

    de para quem este texto se dirige ou do

    objetivo, eu vou redigir de uma ou outra

    forma. diferente escrever um bilhete

    para a minha me ou uma carta para o

    prefeito reivindicando alguma coisa. As

    crianas s vo ver esse tipo de diferena

    se elas tiverem convvio com esses

    gneros.

    Ento esse tem sido o grande desafio:

    como ampliar a imerso das crianas na

    cultura escrita?

    Esses dias a gente esteve com uma

    criana, filha de uma amiga, e ela no

    queria jantar. Os pais insistem e ela pega

    um papelzinho, faz uns rabiscos e coloca

    na porta da geladeira. Est escrito:

    no quero jantar. Ela apelou para a

    escrita, entendeu que a escrita tem

    um determinado poder. Olha que coisa

    interessante o que essa criana fez: ela

    escreveu sem nenhuma letra.

    interessante porque s vezes a gente

    est to preocupado com a relao letra-

    som que esse universo de compreenso,

    complexo e diversificado, no muito

    trabalhado. Porque a gente est muito

    mais preocupado com a apropriao do

    sistema de escrita do que propriamente

    em compreender essa complexidade

    que a linguagem, a comunicao, esse

    discurso que produzido em diferentes

    carto

    de na

    tal, ed

    ies s

    m

  • 28esferas de circulao.

    Agora, claro que ao participar de vrias

    situaes em que a escrita faa sentido,

    situaes interessantes e significativas

    para aquele grupo, a criana vai querer se

    apropriar disso. Porque quando a criana

    comea a descobrir a funo, vai ter um

    momento em que ela vai querer pegar o

    livro. Toda criana que ouve uma histria

    que acha interessante, quer pegar o livro

    e recompor a histria por ela mesma.

    Ela vai inventando e reinventando pela

    memria. Ela acha esse lugar do leitor:

    eu posso inventar uma histria, ler do

    meu jeito. A curiosidade infantil vai se

    fazendo: como que eu escrevo? E essas

    bolinhas? E as pontuaes?

    Na sua experincia de visitar as

    instituies, o que gostaria de ver mais

    vezes?

    Eu gostaria de ver as histrias muito

    presentes nas salas, nas turmas, com

    todo o seu potencial ldico, criativo e

    expressivo. Nesse espao que as histrias

    abrem para voc considerar o outro, para

    voc imaginar. Esse mundo imaginrio

    fundamental, a imaginao nos constitui.

    fundamental tanto pra arte quanto

    para a cincia: eu preciso ser uma

    pessoa que imagine para poder criar. O

    ser humano no s observador, ele

    criador de algo que no est aqui. Por

    isso to importante o estmulo criativo, a

    leitura podendo mobilizar coisas, mobilizar

    o imaginrio, produzir outras formas de

    expresso.

    Mas muitas vezes quando se conta

    uma histria, se brinca pouco e se

    pergunta pouco. Se socializa pouco

    aquilo que se percebeu. Em geral ficamos

    naquelas perguntas mais simples: Vocs

    gostaram?. Se gostaram, a gente v nos

    olhos brilhando, na ateno das crianas.

    Mas o que aquilo que a gente mobilizou

    na criana? Tentando entender isso a

    gente pode envolver as outras formas de

    linguagem: verbal, dramtica, corporal...

    E alm das histrias, os poemas. Essa

    parte mais relacionada arte, a esttica

    da lngua. Que permite outra possibilidade

    de ver e pensar o dizer.

    Todos os textos so importantes.

    Mas na Educao Infantil a literatura

    deveria ser fundamental porque alm

    de ser conhecimento de mundo, ela nos

    humaniza.

    Alguma palavra final?

    Eu acredito que a gente tem pensado

    muito a Educao Infantil a partir do

    Ensino Fundamental. A gente pensa na

    ENTREV

    ISTA

  • 29escrita, na alfabetizao, e pergunta: o

    que temos que fazer para chegar at l?

    E a gente tem que pensar ao contrrio:

    como que a gente vai formando esse

    processo de construo da linguagem at

    chegar a entender o cdigo da escrita?

    O movimento deveria ser outro... Um

    movimento da criana para a escrita. Esse

    homem que constri a linguagem passa

    por um processo que vai do gestual at

    chegar nessa forma mais elaborada, que

    permite uma forma de pensamento mais

    complexa, a organizao e a fixao do

    pensamento.

    Quando a gente inverter essa lgica,

    talvez a gente consiga entender melhor

    o olhar especfico da educao infantil.

    Entender que esse menino que est

    sendo instigado a fazer vrias leituras a

    leitura do gesto, das imagens vai estar

    nesse processo de construo. esse o

    movimento: entender o percurso, que

    no linear e que no sempre igual,

    mas construdo por cada criana.

    PATRICIA CORSINO professora adjunta

    da Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora e coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFRJ,

    e coordenadora do Grupo de Pesquisa

    Infncia, Linguagem e Escola.

    Artigos da Autora Disponveis Online

    Pensando a Infncia e o Direito de Brincar

    Linguagem ne Educao Infantil:

    As brincadeiras com as palavras e

    as palavras como brincadeira

    O livro e o corpo: gestos e movimentos

    de leitura na escola e na biblioteca

    alguns livros publicados(clique neles)

    FOTO: CRISTINA DAVID

  • 30

    A ideia para este projeto surgiu a

    partir da observao da necessidade

    de conversar com as crianas sobre os

    impactos causados no meio ambiente

    por conta do desmatamento

    exacerbado. Para promover isso

    planejei atividades que fossem

    encaminhadas com muito dilogo,

    partindo do conhecimento prvio das

    crianas para posteriormente avanar

    com a descoberta de novos contedos.

    Contedos que visassem conscientizao

    e conhecimento sobre o tema.

    No comeo do trabalho, os objetivos

    planejados foram os de vivenciar e

    valorizar atitudes de organizao e

    preservao de espaos coletivos,

    refletir sobre os efeitos da ao do

    homem como agente transformador da

    paisagem, compreender a importncia

    do meio ambiente e desenvolver

    hbitos de preservao. No decorrer das

    atividades, as crianas avanaram para

    alm destes objetivos pela riqueza dos

    dilogos e na observao do ambiente.

    O projeto foi organizado em trs etapas.

    A primeira foi uma roda de conversa,

    a segunda uma explorao do CMEI e

    a terceira a produo de maquetes e a

    socializao com as outras crianas da

    instituio. Iniciamos a primeira etapa

    com uma roda de conversa tendo como

    recurso imagens de matas: intactas,

    sendo queimadas, sendo desmatas

    e posteriormente a esses processos.

    As crianas encontraram somente

    Projeto O homem e a natureza: meio ambiente, interao e linguagens

    SABER

    ES DO

    COTIDIA

    NO

    Em um trabalho rico que envolveu muito dilogo, explorao do ambiente

    e desenho, a professora Marcia Cristina do Centro Municipal de Educao

    Infantil Liberdade refletiu sobre o desmatamento com um grupo de crianas

    de 4 a 5 anos de idade. O processo comeou com uma roda de conversas e

    a visualizao de muitas imagens para depois continuar com a explorao do

    jardim da instituio, a construo de maquetes e, por fim, a socializao com

    as outras crianas do CMEI. Uma experincia que atravs da relao com as

    crianas pode mobilizar conhecimentos das cincias, o desenho e a oralidade.

  • 31uma causa para isto: precisamos de

    madeira para construir casas e mveis.

    Para ampliar o repertrio delas,

    apresentei tambm outros motivos:

    desocupar rea para loteamentos,

    pastos e o plantio de alimentos.

    Ao final desta roda de conversa, as

    crianas viram imagens projetadas de

    peixes mortos em rios secos, plantaes

    secas, gados mortos ao cho, enchentes e

    alagamentos. Estas imagens favoreceram

    a compreenso das consequncias

    geradas pela ausncia das rvores

    no meio ambiente e, a partir delas,

    discutimos os porqus destas prticas e

    suas consequncias negativas. Segundo

    as crianas, quando h desmatamento,

    os animais vo para outras florestas mais

    prximas ou invadem o meio urbano.

    Na segunda etapa, fomos para a rea

    externa do CMEI para observar as rvores

    do ptio e o entorno da instituio. A

    observao foi de muitas descobertas:

    perceberam a diversidade das rvores;

    os diferentes tamanhos; a textura das

    folhas; que umas produzem apenas

    folhas, outras produzem folhas e flores e

    outras folhas, flores e frutos; que as razes

    so como os galhos escondidos dentro da

    terra. Perceberam que o vento balana

    as folhas, e que se no houver vento

    as folhas ficam paradas. Relembraram

    episdios demonstrados na TV, de

    grandes vendavais que foram capazes

    de derrubar rvores de grande porte.

    Perceberam que as rvores derrubam

    suas folhas uma vez ao ano e que os

    galhos ficam pelados. Relembraram que

    quando voltamos de frias no ms de julho,

    o ptio do CMEI estava todo coberto com

    folhas secas, o que tinha favorecido uma

    deliciosa brincadeira de chuva de folhas.

    Ao chegar parte final encontramos

    duas rvores cortadas e queramos

    saber por que aquelas rvores estavam

    assim. Para isso, solicitamos a presena

    da diretora. Ela esclareceu que elas

    foram podadas aps um ataque de

    um bicho predador e para no perd-

    las foi necessrio podar. Chegamos

    concluso que h diferena entre cortar

    e podar. Constatamos que o tronco das

    rvores estava cheio de brotos e que eles

    virariam novos galhos cheios de folhas.

    Como a localizao do CMEI permite que

    se aviste do alto a uma longa distncia, ao

    olhar para fora do CMEI, elas puderam

    enxergar longe e chegaram concluso

    que as casas na sua maioria possuam

    rvores. Perceberam que alm das rvores

    proverem sombra, frutos e purificarem o

    ar, tambm tornam a cidade mais bonita.

    Tambm envolvemos as famlias das

    crianas nesta parte do projeto: fizemos

  • 32

    um questionrio com os pais, para que

    eles pudessem comentar sobre o jardim

    de suas casas e dar sugestes para

    ampliar o nmero de rvores no bairro.

    Conforme a observao ia sendo

    realizada, contavam-se as rvores. Ao

    final, constataram que o CMEI possui

    23 rvores. Dentre elas, duas so

    amoreiras. E, concluindo esta etapa,

    se deliciaram com as amoras doces e

    fresquinhas. Nesse momento surgiram

    vrios comentrios conclusivos,

    perceptveis e sensveis, comentrios

    oriundos dos sentidos e da percepo.

    Na terceira etapa do

    projeto pensamos em

    construir vrias

    maquetes que

    representassem

    uma floresta

    intacta com seus

    animais, uma floresta

    derrubada e outra

    queimada. Como as

    maquetes ficaram muito

    ricas, tivemos em conjunto

    a ideia de compartilhar os

    novos conhecimentos com as

    crianas de 3 a 4 anos. Foram

    elaborados convites e entregues a

    elas para a exposio das maquetes.

    Vrias crianas se voluntariaram para

    fazer uma explicao para que os menores

    pudessem saber mais sobre o tema.

    A experincia foi um sucesso: as crianas

    explicaram com propriedade o sofrimento

    dos animais durante o incndio, como

    muitas rvores so derrubadas com os

    ninhos dos passarinhos. E que a falta

    destas rvores causa desequilbrio no

    clima, provocando estiagem e matando

    os peixes e plantas, gerando alagamentos

    e atingindo negativamente a vida das

    pessoas. Explicaram tambm os motivos

    pelos quais as pessoas desmatam.

    Ao final de todo o processo, percebi que

    a relao da criana com a natureza ajudou

    a desenvolver o senso crtico, estimulou

    atitudes de questionamento, capacidade

    de conscincia e percepo de leitura da

    paisagem. Elas ficaram sensibilizadas com

    o tema, alm de formularem uma opinio

    respaldada com o conhecimento do qual

    se apropriaram. Durante as descobertas,

    as crianas ficaram perplexas com as

    atitudes que homem capaz de praticar

    com natureza e o meio ambiente. O

    resultado foi muito mais que promissor,

    foi muito alm das expectativas!

    PROFESSORA MARCIA CRISTINA

    RIBEIRO OSINSKI

    CMEI Liberdade

  • 33

    Construindo, planejando e papeando...

    Para fazer som

    bra preciso

    muitas

    folhas bem juntinh

    as (GIANCARLO)

    As amoras rosas so azedas e as pretas so melhores porqu so bem docinhas Ser que podemos dizer que as rosas ainda no maduraram Gustavo? (Professora Marcia) , elas ainda no maduraram. (Gustavo)

    Conversas e imagens das crianas ao longo da explorao do espao

    externo.

  • 34SABER

    ES DO

    COTIDIA

    NO As amoras rosas so azedas(FERNANDO)

  • 35

    As razes so

    parecidas

    com o

    polvo... (OTAVIO

    )

    Professora, voc percebeu que as folhas caem das rvores bem na poca em que a gente no precisa delas, que o inverno? No inverno a gente no precisa de sombra, e sim de sol para esquentar o frio. J no vero est bem calor, a sim precisamos de muita sombra para brincar no parque e nos proteger do sol quente, que faz bastante calor. (HALLANA)

    porque tem que esperar elas ficarem pretas para comer. S que para elas ficarem pretas tem que vir o sol. O sol quente, esquenta elas, e elas ficam maduras.

    (GIANCARLO)

  • 36O

    qu

    e di

    z a

    lei?

    INGRESSO NO ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS

    Nova deciso sobre a data corte Falsa polmicaCatarina Moro

    O Superior Tribunal de Justia Federal

    (STJ) um dos rgos mximos do Poder

    Judicirio do pas, tem como misso zelar

    pela uniformidade de interpretaes da

    legislao federal brasileira. Chamado de

    Tribunal da Cidadania responsvel

    por julgar em ltima instncia todas

    as matrias infraconstitucionais. Em

    16/12/2014, o STJ julgou improcedente

    o pedido do Ministrio Pblico Federal

    (N 1.412.704 - PE (2013/0352957-0)),

    sobre o direito de matrcula de crianas

    que no tenham completado 6 anos

    at 31 de maro do ano em curso no 1

    ano do Ensino Fundamental. A deciso

    do STJ simples e clara. E reafirma

    as resolues do Conselho Nacional

    de Educao/Cmara da Educao

    Bsica (CNE/CEB) n 01, de 14/01/2010 e

    n 06, de 20/10/2010 que determinaram

    a data de corte em 31/03.

    O relator Ministro Srgio Kukina - cita

    os artigos 29 e 32 da LBD (lei n. 9394/96),

    no qual l-se: O ensino fundamental

    obrigatrio, com durao de 9 (nove)

    anos, gratuito na escola pblica, iniciando-

    se aos 6 (seis) anos de idade... e enfatiza

    que as resolues seguem o disposto na

    Lei sem cometer nenhuma ilegalidade,

    abuso ou ilegitimidade. Deste modo,

    bvio que se o Ensino Fundamental

    inicia-se aos 6 anos, o aluno precisa

    LDB 9394/96:

    Art. 29. A educao infantil, primeira

    etapa da educao bsica, tem como

    finalidade o desenvolvimento integral

    da criana de at cinco anos, em seus

    aspectos fsico, psicolgico, intelectual

    e social, complementando a ao da

    famlia e da comunidade.

    FOTO: JIM PENNUCCI - WIKIMEDIA COMMONS

  • 37ter esta idade ao comear o ano letivo,

    sendo necessrio definir uma data corte

    prxima desse ingresso das crianas.

    O ministro reconhece que trata-se de

    uma arbitrariedade, entretanto, reitera

    que qualquer outra data de corte que

    estabelecesse, anterior ou posterior

    atual, geraria descontentamento de uma

    parcela de interessados.

    A deciso do STJ enfatiza que cabe ao

    executivo, autoridade pblica da educao,

    fixar ou suprimir requisitos para o ingresso

    das crianas no Ensino Fundamental. No

    cabendo ao Judicirio estabelecer tais

    definies. Com base no fundamento

    dessa deciso, qualquer outra resoluo

    que no esteja em conformidade com as

    resolues do CNE, pode (deve) ter sua

    validade contestada, por contrariar tanto

    a LDB como as resolues nacionais.

    Com isso, liminares e leis estaduais que

    indicam ou estabelecem o ingresso no 1

    ano, mesmo a criana completando 6 anos

    aps 31 de maro, tornam-se passveis

    de contestao judicial. A contestao

    pode ser proposta por pessoa fsica ou

    pessoa jurdica no melhor entendimento

    das questes pedaggicas implicadas na

    experincia educativa das crianas nos

    anos iniciais do Ensino Fundamental.

    Nos municpios, importante que a

    Procuradoria ou o representante jurdico

    do executivo municipal fique atento para

    sua necessria ao a favor do que sempre

    esteve proposto na poltica pblica para

    reestruturao do Ensino Fundamental:

    a ampliao do tempo de escolaridade e

    no a simples antecipao do ingresso das

    crianas.

    Resoluo n06 de 20

    de outubro de 2010:

    Art. 3 Para o ingresso no primeiro ano

    do Ensino Fundamental, a criana dever

    ter idade de 6 (seis) anos completos at

    o dia 31 de maro do ano em que ocorrer

    a matrcula.

    Art. 4 As crianas que completarem 6

    (seis) anos de idade aps a data definida

    no artigo 3 devero ser matriculadas

    na Pr-Escola.

    FOTO: JIM PENNUCCI - WIKIMEDIA COMMONS

  • 38

    POLTICA PBLICA

    EM AO

    PNBE 2014 Educao Infantil

    Catarina Moro

    A Educao Infantil comeou a

    ser contemplada pelo Programa

    Nacional Biblioteca da Escola (PNBE)

    em 2008. O objetivo do Ministrio da

    Educao (MEC) com esse Programa

    o de proporcionar s crianas e jovens

    matriculados nas redes pblicas o

    acesso a bens culturais que circulam

    socialmente, contribuindo para o

    desenvolvimento de seu potencial

    leitor e propiciando uma maior e melhor

    insero de crianas e jovens na cultura

    letrada.

    Ao longo dos anos, o MEC vem

    produzindo materiais voltados para

    os acervos do PNBE. Para a Educao

    Infantil publicou o Catlogo Literatura

    na Infncia: imagens e palavras

    (PNBE 2008), alm

    da Revista Leituras, o

    kit Por uma Poltica

    de Formao de

    Leitores, o v o l u m e

    2 0 da Coleo Explorando o Ensino

    Literatura Infantil e outros materiais.

    Em 2014, o Ministrio encaminhou

    s bibliotecas das instituies/escolas que

    oferecem Educao Infantil o PNBE na

    escola: Literatura fora da Caixa - Educao

    Infantil, publicao que acompanha os

    acervos de livros de Literatura Infantil

    encaminhados s instituies para o

    uso coletivo de crianas e professores.

    Para a Educao Infantil foram formados

    4 acervos distintos: 2 acervos para creche

    e 2 para a pr-escola, com 25 livros cada.

    No final do documento consta a relao

    de todas as obras selecionadas, dos

    O q

    ue d

    izem

    as

    Pol

    tica

    s?

  • 39

    diferentes acervos, para que os professores

    conheam a totalidade dos ttulos

    selecionados.

    Cada acervo composto por livros que

    permitem a leitura compartilhada entre

    professores e crianas e tambm a leitura

    autnoma por parte de crianas. Alm

    disso, o MEC ampliou a distribuio para a

    Educao Infantil, encaminhando os acervos

    no apenas s instituies ou s suas

    bibliotecas, mas, tambm, para salas nas

    quais se d o trabalho com crianas de 0 a

    3 anos (creche) e de 4 e 5 anos (pr-escola).

    Segundo o MEC, este documento deve

    contribuir de modo efetivo com a circulao

    e leitura das obras que compem os acervos

    do PNBE 2014 e com a formao leitora de

    crianas e professores. Pois sabido que

    somente o acesso aos livros no garante sua

    apropriao, sendo essencial a mediao do

    professor para aproximar o leitor do livro.

    Nesse sentido, o trabalho do professor

    transpe os limites do texto escrito e

    promove o resgate e a ampliao das

    experincias de vida das crianas e dele

    prprio.

    ILUSTRAO: AMOSTRA LE IMMAGINI DELLA FANTASIA 30 DA CASA DELLA

    FANTASIA - ANDR NEVES

  • 40

    Poesia para crianas: conceitos, tendncias e

    prticas

    Quer descobrir um mundo fascinante

    de letrinhas que cantam, de palavras que

    se enroscam e de frases que flutuam?

    Venha sem medo, sem receio, abra bem

    os olhos, aguce bem os ouvidos, respire

    bem fundo e deixe-se mergulhar... Te

    convido a se deixar levar por alguns

    versos soltos ou pelas mtricas de

    algumas rimas. Adentre, vamos l, ao

    mundo da prosa em verso, da msica

    em poema, da poesia em teoria...

    Isso mesmo, da poesia em

    teoria! Ou da teoria em poesia...

    Ao ler os seis textos que compem

    o livro organizado por Leo Cunha fica

    um tanto difcil dizer onde termina a

    discusso sobre a concepo desse

    gnero literrio e onde comeam

    os trechos de tantos poemas de

    tantos poetas que circulam por a.

    Voltado especialmente para o

    professor de crianas do ensino

    fundamental, mas extensivo tambm

    para aqueles da educao infantil (e

    para qualquer leitor interessado), o livro

    tem por tema o mundo da poesia, ou

    melhor, o mundo da poesia infantil. Como

    traz-la para

    a sala de aula,

    como inseri-la

    no mundo das

    crianas de forma

    leve, mas com

    intencionalidade.

    Parece um

    pouco difcil

    c o m e a n d o

    assim, mas

    s uma primeira impresso. preciso

    conhecer, compreender e praticar, e esta

    a proposta dos autores em cada texto.

    De linguagem acessvel, os textos se

    apresentam independentes entre si, mas

    formam uma composio interessante

    e instigante e levam o professor a

    questionar, rever, aprimorar e (re)inventar

    sua prtica em sala no que se refere

    ao uso da literatura com as crianas.

    RESENHA DO LIVRO

    Organizado por Leo Cunha

    FI

    QU

    E P

    OR

    DE

    NT

    RO

    a poesia um bichinho quase impossvel de ser apanhado, que faz cocegas em nossa cabea e ao mesmo tempo em nosso corao

    SYLVIA ORTHOF

  • 41Pode ser visto como um manual, uma

    vez que os autores dialogam com o leitor

    de forma didtica, numa explicitao de

    conceitos, e apresentam propostas de

    atividades que o professor pode levar

    para suas crianas e usufruir junto a

    elas da magia da poesia. Ainda ajuda a

    pensar em como constituir um acervo

    de literatura infantil, seja no espao

    da sala, na biblioteca da escola e/ou

    na instituio de educao infantil.

    Pode ser

    tambm um

    livro terico, j

    que, mesclando

    textos de poetas

    e poetisas com

    citaes de

    e s p e c i a l i s t a s ,

    discute de forma

    aprofundada e

    f u n d a m e nta d a

    conceitos e concepes relacionadas

    poesia, literatura, literatura infantil

    e criana. Versa sobre a relevncia

    de se estudar o tema, de como

    e porque conhecer, entender e

    mergulhar nesse universo literrio.

    E melhor ainda, um livro de poesia!

    Porque no se passa mais de uma

    pgina sem que voc encontre um

    trecho, um verso solto ou estrofes

    inteiras de poemas de tantos autores

    conhecidos e desconhecidos que esto

    por a, prontos para serem lidos e relidos.

    Depois de ler o livro todo, muitas

    podem ser as respostas para a pergunta

    o que poesia?. A minha escolhida

    a de Angela Leite de Souza, que a partir

    do poema de Sylvia Orthof, escreve

    que a poesia um bichinho quase impossvel de ser apanhado, que faz

    cocegas em nossa cabea e ao mesmo

    tempo em nosso corao (p.19).

    Venha escolher a sua, quem sabe voc

    no se encanta e se surpreende com a

    ideia de que a poesia na verdade um

    cubo mgico...

    FRANCIELE F. FRANA

    a poesia um bichinho quase impossvel de ser apanhado, que faz cocegas em nossa cabea e ao mesmo tempo em nosso corao

    SYLVIA ORTHOF

  • 42

    Como propaganda de uma

    livraria, o anncio ao lado,

    de 1953, tinha a inteno de

    demonstrar que o livro era um

    timo presente, tanto para

    adultos quanto para crianas.

    Independente da inteno

    mercadolgica, tal recorte de

    jornal permite-nos rememorar

    a nossa relao com o livro. O

    que lamos quando criana ou o que liam

    para a gente? De que ttulos lembramos?

    Talvez voc tenha se demorado a recordar

    pelo menos um livro ou autor que marcou

    sua infncia, bem como a forma que

    a histria chegou at voc, seja pelas

    mos ou vozes de um pai, uma av,

    etc. Mas, o interessante que, salvo

    raras excees, todos ns travamos

    uma relao com a leitura em algum

    momento de nossa infncia.

    Revirando o ba dos jornais

    paranaenses j amarelados pelo

    tempo, podemos perceber algumas

    iniciativas de bibliotecas cujos livros

    se voltavam para a criana, como a da

    Biblioteca Divertinstrue, organizada pelo

    autor Alvarus de Oliveira e que lanava

    quatro obras: Horas de Conversa, de

    Joo Guimares; Bicharadas, de Lenidas

    Bastos; e Eu vou contar uma Histria e

    Pequena Histria de uma Grande Vida,

    de Alvarus de Oliveira (PARAN-NORTE,

    27/01/1949, p.01). O prprio nome da

    biblioteca era uma combinao do que

    seria o papel de tal espao: divertir e

    instruir.

    A instruo por meio da leitura esteve

    presente desde a organizao do ensino

    no Brasil. Quando a revista curitibana

    A Escola descreveu seu contedo

    VIREI O BAmemrias da educao infantil

    Divertir e Instruir: a leitura ontem e hoje

    VIR

    EI O

    BA

    Propaganda da Livraria do Povo, em Curitiba

    Jornal Paran Esportivo, 19/12/1953, p.04

  • 43para os leitores, alm dos assuntos

    pedaggicos, estava a literatura infantil,

    compreendendo contos infantis e seleo

    de poesias, dilogos, monlogos, aplogos

    e pequenas comdias, tudo adequado

    ao esprito infantil

    (...) (A ESCOLA,

    junho, 1921, p.01).

    Uma preocupao

    de apresentar um

    contedo prprio para

    o universo da criana.

    Se perguntssemos

    aos nossos avs,

    revirssemos as

    cartas e bibliotecas de

    famlia, provavelmente

    encontraramos ttulos

    dos chamados livros

    de leitura, muito

    utilizados no sculo XIX,

    como: a Gramtica do

    Coruja (1835), de Antonio lvaro Pereira

    Coruja e o Livro de Leitura de Ablio (1850),

    de Ablio Csar Borges. Juntamente com

    adaptaes de obras estrangeiras e de

    jornais que se voltavam para o pblico

    infanto juvenil, como: as tradues de

    Jlio Verne, de Alexandre Dumas e dos

    irmos Grimm. A chegada da famlia real

    no Brasil, bem como a implantao da

    Imprensa Rgia (1808), contribuiu para a

    publicao e circulao de livros voltados

    para o pblico infantil, tais como: Viagens

    de Gulliver (1888), Robinson Cruso (1885,

    As Aventuras do Baro de Munchhausen

    (1848), entre outros. claro que nem

    todas as crianas

    tinham acesso a esse

    universo literrio,

    contudo, ele existia.

    O interessante

    pensarmos em

    como estamos

    contribuindo para

    que nossas crianas

    d e s e n v o l v a m

    prticas de leitura,

    tendo em mente,

    tal como escreveu

    Sonia Kramer

    (2014:09) , que

    toda a discusso de

    literatura, infncia,

    escola, creche, espaos sociais, implica

    em uma conscincia de que a experincia

    de ser criana vai sendo tecida a partir

    das histrias ela contadas e por ela

    inventadas.

    E voc, j leu algumas das obras aqui

    citadas? Que tal fazer a leitura para as

    suas crianas hoje? Convite lanado...

    ETIENNE BARBOSA

    Capa do Livro de Leitura de

    Ablio Csar Borges de 1850.

  • A LUA NO CINEMA

    A lua foi ao cinemaPassava um filme engraadoA histria de uma estrelaQue no tinha namorado.

    No tinha porque era apenasUma estrela bem pequenaDessas que quando se apagamNingum vai dizer que pena.

    Era uma estrela sozinhaNingum olhava pra elaE toda luz que ela tinhaCabia numa janela.

    A lua ficou to tristeCom aquela histria de amorQue at hoje a lua insisteAmanhea por favor.

    PAULO LEMINSKI

    Vi(r)agens e Vir-Aes Poticas