boletim nº 50 - jan /jun 2013

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GALERIA DOS ANTIGOS E NOVOS ASSOCIADOS

QUE SÃO BEM-VINDOS À VOSSA CASA

Sócio nº 247

Cmdt. José Pedro dos Santos Antunes

Sócio nº 374

Cap. António Jose Baleizão Ferro

Sócio nº 403

Tcor. Antonio Pinto da Silva

Sócia nº 453

Maria Luísa Velho da Costa

Sócio nº 454 E

Eduardo Luis Pedro Gomes

Sócio nº 455 E

Luciano Jaime Barros D`Almeida

Sócio nº 644

Smor. João Pedro Guerra

Sócio nº 670

Ssar. José Delfim Amaral Salbany

Sócio nº 725

Eurico António Pereira da Conceição

Sócioº 801

Tcor. Victor Marques de Sousa

.

Sócio nº 807

Cap. Alípio Augusto Barbosa Miraldo

Sócio nº 887 Rui Monteiro

Saraiva

Sócio nº 896

Eng. Dionísio da Silva Oliveira

Sócio nº 1057 Tcor. António

Parente Morgado

Sócio nº 1172

Ernesto Guerra Martinho

Sócio nº 1306

Maj. Abel Gonçalves

Sócio nº 1346

João José Alves

Sócio nº 1849

Cor. José Guilherme Mansilha

Sócio nº 2156

Cor. José da Luz Sardo Ruano

Sócio nº 2322

Tcor. José Manuel Lucas Pimenta

Socio nº 2333

Maj. Carlos Alberto Rodrigues Dores

Sócio nº 2412

António Henriques Rodrigues Viçoso

Sócio nº 2445

Cor. António Oliveira da Silva

Sócio nº 2457

Tcor. Tito Raposo Escobar de Magalhães

Sócio nº 2499

Álvaro de Oliveira Jorge Machado

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Sócio nº 2500

Cor. Idalécio da Soledade Rodrigues

Sócio nº 2501

Cor. José Luis dos Santos Costa

Sócio nº 2503

Hélder José do Carmo Valente

Sócio nº 2506

Fernando Figueiredo Marques Almeida

Sócio nº 2508

Alírio Gonçalves Catalim

Sócio nº 2509 Álvaro Batista

Neves

Sócio nº 2511

TCor. Luís Manuel Morais Pequeno

Sócio nº 2512

TGen. João Luís de Carvalho Cordeiro

Sócio nº 2513 Joaquim José

Sucena Pereira

Sócioº 2514

TCor. João Carlos Jorge Gonçalves

Sócio nº 2515

TCor. Júlio Fernando Rodrigues Meneses

Sócio nº 2518

TCor. Eugénio Vieira Bolais Mónica

Sócio nº 2521

Smor. Virgílio Morais da Costa

Sócio nº 2522

Gen. Luís Evangelista Esteves

de Araújo

Sócio nº 2523

Maj. João Maria da Costa Gonçalves

Sócio nº 2524

Maj.Rui Trincão Oliveira

Sócio nº 2525

José Manuel de Carvalho Morgado

Sócio nº 2526

José da Conceição Santos

PARA QUE SEJA POSSÍVEL A SUA INCLUSÃO NO PRÓXIMO BOLETIM,

DESDE JÁ AGRADECEMOS AOS PREZADOS ASSOCIADOS EM FALTA,

QUE NOS ENVIEM A SUA FOTOGRAFIA

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EDITORIAL

Caríssimo Associado

Completou-se já um ano sobre a data da tomada de posse da actual Direcção da AFAP, que acontecera a 25JAN2012.

Um ano que decorreu com a implacável celeridade do tempo que, para não nos esquecermos de que ele passou por nós, ou nos deixa mais uma ruga na face e nos embranquece o penteado, ou nos tira mais um cabelo e nos leva um amigo!

Mais não seja por esta constatação, penso ser oportuno evocar aqui a memória de dois amigos e Associados da nossa Associação, que o Criador, neste último ano, chamou a si para cumprirem a terceira condição para se poder ser um “Ser Vivo”; são eles os Senhores Coronéis Velho da Costa e Albano Fernandes. Estarão no gozo da Paz que, como Homens de Bem, souberam cultivar, quando serviam com abnegada dedicação os seus familiares, os seus amigos e os seus camaradas de armas!

Neste primeiro ano de actividade, a Direcção da AFAP conseguiu cumprir a maioria dos objectivos a que se tinha proposto, muito particularmente os que incidiam nos aspectos de decoração e na procura de um ambiente mais requintado, que se entende ser devido ao nosso Associado e a quem serve ou serviu a Causa do Ar.

Todavia, o importante objectivo que visava a reposição dos cerca de quinhentos ex-Associados, que por várias razões deixaram de ser Sócios da AFAP, tem sido muito difícil de alcançar, mostrando ser muito lenta esta recuperação desta “perda agravada”!

As gerações mais jovens que vivem a Causa do Ar, ainda não se aperceberam daquilo que a Associação da Força Aérea Portuguesa lhes pode proporcionar e têm-se mantido distantes deste bom espaço de convívio, de cultura e de histórias de aviadores.

Entretanto, fica aqui o apelo aos Associados da AFAP, para que colaborem com a Direcção da AFAP na cativação de mais um sócio, pois só deste modo poderemos fazer desta Associação um local com a distinção e o requinte que todos nós merecemos.

Para que este Editorial possa ser concluído de forma brilhante, vou aproveitar para fazer uma justa referência à obra desenvolvida, com exemplar profissionalismo, espírito de missão e de boa vontade pelos Senhores Coronel Médico – Dr Cabral Couto e Sargento-Mor Enfermeiro - António Oliveira que, com carinho e desinteressada dedicação, dons que nos dias de hoje já quase fazem parte da história, prestam únicos cuidados de saúde, a quem tem o privilégio de ser sócio da AFAP.

Curiais saudações para os Senhores Associados.

O Presidente da Direcção

José Armando Vizela Cardoso

Ten-General PilAv

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ACTIVIDADES DA AFAP

Neste primeiro semestre a AFAP participou nas seguintes actividades:

Lançamento do Livro dos Governadores de Macau Este acto de lançamento desta obra que compila elementos de elevado valor para a História de Portugal, teve lugar na Casa de Macau no dia 18FEV2013.

Assembleia Geral

Teve lugar no dia 21MAR2013, na sede da AFAP, a Assembleia Geral para apreciação do Relatório do Exercício e Contas da Direcção durante o ano de 2012, bem como do Orçamento de Funcionamento para oano de 2013. Estes documentos que podem ser consultados livremente, na sede da AFAP - (Av António Augusto Aguiar Nº 7 - 3º Dto / Lisboa), foram aprovados por unanimidade.

Secção de Orientação da AFAP

A secção de Orientação da AFAP, no passado dia 23MAR2013, realizou no Campo de Tiro de Alcochete uma interessante jornada de provas de orientação, conseguindo concenta ali a população dos núcleos escolares de Lisboa e Vale do Tejo. Para além dos outros aspectos desportivos, há que salientar o da projecção que estes eventos trazem para a Força Aérea Portugesa e para a AFAP.

Dia do Combatente - 09ABR1918

No passado dia 06ABR2013, teve lugar no Mosteiro da Batalha a comemoração do Combatente, com a singela mas honrosa homenagem ao Soldado Desconhecido. O Presidente da AFAP esteve presente nesta cerimónia.

Obras no Clube AFAP

No passado dia 16ABR2013, foram concluídas as obras de reparação de alguns problemas que, essencialmente, penalizavam a decoração e o requinteque a actual Direcção entende ser devida aos associados da AFAP." Estas obras trouxeram uma maior capacidade ao Clube AFAP, para servir mais setenta associados, numa nova Sala decorada com motivos aeronáuticos. Os problemas de salitre nas paredes, que haviam resultado de inundações e inflitrações de águas, também foram resolvidos com estas obras. A Direcção, graças ao generoso apoio da Força Aérea, de algumas entidades empresariais e de associados, tem feito os possíveis para melhorar as condições de conforto e ambiente do Clube AFAP.

Visita do Gen CEMFA à AFAP:

O Chefe de Estado-Maior da Força Aérea Portuguesa, General Pil Av. José António de Magalhães Araújo Pinheiro deslocou-se no passado dia 06MAI2013 ao Clube da AFAP, na Av.Gago Coutinho 129, em Lisboa, para poder verificar o resultado das obras que foram efectuadas nestas instalações, visando melhorar o ambiente e o requinte que é devido aos nossos associados. O Gen CEMFA, fez-se acompanhar do Comandante Aéreo, do Comandante da Logística, do Comandante de Pessoal da Força Aérea e dos Directores de Finanças, das Infraestruturas, das Comunicações e Informática, e do Serviço de Documentação da Força Aérea. A visita encerrou com um almoço de trabalho onde ainda estiveram à mesa o Gen Aleixo Corbal, Presidente da Assembleia Geral da AFAP, o Ten-Coronel Meireles e o Major Eng. Piçarra."

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XX ENCONTRO NACIONAL DE HOMENAGEM AOS COMBATENTES

10 DE JUNHO DE 2013

A Comissão Executiva para a Homenagem Nacional de Combatentes 2013 promove no próximo dia 10 de Junho, junto ao Monumento aos Combatentes do Ultramar, em Belém, Lisboa, o seu XX Encontro Nacional. As cerimónias que ali terão lugar têm por objectivos comemorar o Dia de Portugal e prestar homenagem a todos aqueles que tombaram em defesa dos valores e da perenidade da Nação Portuguesa.

Por esta razão, ali se reúnem sempre um tão grande número de Portugueses, não só os que foram combatentes no ex-Ultramar e os que mais recentemente serviram em missões de paz no estrangeiro, mas também todos aqueles que, amantes da nossa História e envolvidos na construção de um futuro mais próspero para a sociedade portuguesa, querem ser participantes activos nesta homenagem.

O programa é o seguinte:

10H30 – Missa no Mosteiro dos Jerónimos presidida pelo Senhor Bispo D. Nuno Brás;

11H30 - Concentração para a cerimónia;

12H00 - Abertura pelo Presidente da Comissão, Almirante Melo Gomes;

12H05 - Cerimónia inter-religiosa (católica e muçulmana);

12H10 - Discurso de homenagem aos combatentes pela Sra. Dra. Isabel Jonet;

12H20 - Homenagem aos mortos e deposição de flores;

12H40 - Hino Nacional (salva protocolar por navio da Marinha);

12H45 - Passagem de aeronaves da Força Aérea;

12H50 - Passagem final pelas lápides;

13H10 - Salto de pára-quedistas do Exército;

13H20 - Almoço-convívio.

Serão convidados de honra a Câmara Municipal de Lisboa, todas as Chefias Militares, os militares agraciados com a Ordem Militar da Torre e Espada, o Secretário Executivo da CPLP, o Comando Geral da GNR, a Direcção Nacional da PSP, os Presidentes das Associações de Combatentes e os Adidos Militares ou Culturais junto das embaixadas da CPLP.

Todos os portugueses, nomeadamente os militares, são convidados a participar nesta homenagem aos que deram a vida pela Pátria e, desta maneira, celebrarem o Dia de Portugal.

Comissão Executiva para a Homenagem Nacional aos Combatentes 2013 (CPHM)

Palácio da Independência - Largo de S. Domingos, 11 - 1150-320 Lisboa

Tmóvel: 93.702.66.93 [email protected]

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ASES DA AVIAÇÃO DE COMBATE

Numa tentativa de controlar e contrariar o “flagelo” Fokker (um avião que, como referido no anterior Boletim, já estava equipado com sincronizador de tiro para permitir o tiro axial, através do plano de rotação da hélice) os Aliados tiveram de fazer um rápido desenvolvimento no desenho de aviões, durante o ano de 1916!

Uma vez que não dispunham dum sistema eficaz de sincronização, que permitisse conceber aviões com capacidade para fazer tiro axial através da hélice, os construtores aeronáuticos ingleses apostaram no conceito da aeronave com o motor à retaguarda (“push”/empurre), atrás do”cockpit”, o que lhe proporcionava um campo de visão e de tiro totalmente livre à frente.

Os aviões que resultaram deste conceito e deste esforço de engenharia aeronáutica ( o DH2, o F. E. 8 e o Vickers “Gun Bus”) aguentaram como puderam a “maré” Fokker, até que foram substituídos por biplanos já equipados com metralhadoras dotadas de sincronizador, para tiro axial através do plano de rotação da hélice.

Todavia, até este sistema sincronizador das metralhadoras ser controlado pelos engenheiros aeronáuticos ingleses e franceses, estes tiveram de encontrar outra solução para o tiro axial, montando este tipo de arma, numa base assente na parte de cima (extradorso) da asa superior dos biplanos, o que permitia fazer disparos, sem que as balas passassem pelo plano de rotação da hélice. O avião Newport foi um exemplo, que resultou deste conceito.

O avião Nieuport, de fabrico francês, era um avião pequeno, veloz, concebido para uma missão à época muito comum, Reconhecimento, que, pelo facto de poder fazer tiro axial, porque a sua metralhadora estava montada por cima da sua asa superior, conseguiu igualar (e nalguns casos, ser superior!) a eficácia dos aviões alemães, seus contemporâneos.

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Quando o sistema de sincronizador de tiro “através” do plano de rotação da hélice, desenvolvido pelos Aliados ficou disponível, o Nieuport foi dos primeiros aviões a ser equipado com esta melhoria para o disparo axial da sua metralhadora, mas muitos deles mantiveram esta arma, montada na parte de cima da sua asa superior.

O avião francês de reconhecimento, bimotor, Caudron, tinha também uma metralhadora de tiro axial posicionada à frente do “cockpit” mas, apesar disto, o seu campo de tiro era extremamente limitado, pelo reduzido espaço deixado pelo plano de rotação das duas hélices.

No final de 1916, novos tipos de aviões começaram a aparecer na frente Leste! Num esforço para retirar aos Aliados a vantagem que haviam encontrado nos aviões com o motor montado atrás do “cockpit” e nos aviões de reconhecimento, armados, como o Nieuport e o Morane, os alemães rapidamente desenvolveram um novo tipo de avião, com que começaram a equipar as suas Unidades Aéreas (Grupos e Esquadras de Voo).

Este novo avião alemão, não era apenas uma aeronave de reconhecimento equipada com uma metralhadora; era já um avião com capacidades para o combate aéreo!

Dentro deste novo conceito, pioneiro para se assegurar a superioridade aérea, foram construídos os Halberstad D-II’s e os novos ALBATROS que, rapidamente, trouxeram de novo para os germanos a vantagem aérea, que os Aliados haviam alcançado por um período muito breve.

Enquanto isto, os ingleses desenhavam novos aviões, para tirarem vantagem do seu novo sistema sincronizador, para fazer tiro axial. Como acima referido, além do Nieuport, que era operado por pilotos franceses e ingleses, apareceu o avião Spad, também de fabrico francês.

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A 17 de Setembro de 1916, Oswald Boelke (citado no Boletim da AFAP, anterior) chefiou a primeira grande formação de aviões ALBATROS D-I’s, que atravessou o território Aliado.

Ele estava ansioso por entrar em acção e esta sua formação de D-I’s, depressa se envolveu com oito aviões Aliados, que foram todos abatidos!

Nos 15 dias seguintes, Oswald Boelke abateu 11 aviões Aliados e, com isso, a superioridade dos ALBATROS D-I’s sobre os outros aviões contemporâneos, ficou claramente demonstrada. A maioria dos pilotos de ALBATROS, tornaram-se naturalmente “ASES”!!!

Entre estes estava o recém-chegado, que iria superar todos os outros: - Manfred von Richthofen.

O ALBATROS D-I, foi de modo natural substituído pelos modelos D-II e D-III, e estes, por sua vez, deram lugar aos D-V e D-Va.

Com cada lado do Teatro de Guerra equipado com ágeis máquinas voadoras, a batalha pelo controlo dos céus começou com determinação.

Muitos dos novos pilotos juntaram-se a Roland Garros, a Oswald Boelke e outros “ASES” famosos, para viverem a mais intensa e peculiar fraternidade – a mortal fraternidade dos ASES do Ar!!

TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

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O GRANDE SONHO DO HOMEM - VOAR -

Muitos seres vivos evoluíram de molde a ultrapassar as barreiras do meio ambiente em que se desenvolveram.

Muito embora ainda se especule sobre qual o meio ambiente em que apareceu a vida no nosso planeta, é teoria geralmente aceite que isso se verificou no meio aquático.

Posteriormente, alguns seres vivos aquáticos começaram a evoluir, adaptando-se ao meio ambiente terrestre, dando origem aos seres anfíbios, aos répteis e mais tarde às aves e aos mamíferos.

Houve sempre uma evolução constante no sentido de alargarem os horizontes de molde a satisfazerem as suas necessidades vitais.

No caso específico do homem, para além das necessidades vitais, a dinâmica da evolução teve por "driver" o factor SONHO.

De facto o SONHO movimenta a vida do género humano e desde a antiguidade, o grande sonho do Homem foi a aquisição da capacidade de voar livremente como as aves.

Em todos os registos legados pelas antigas civilizações, aparece o homem dotado de capacidade de voar, desde a lenda do Ícaro, às gravuras registadas na pedra dos monumentos do Antigo Egipto, até às civilizações da Meso- América, nomeadamente os Aztecas, o Incas e os Maias.

Egipto Inca

Uma lenda da antiga Grécia, conta-nos que Ícaro e seu pai Daedalus, com umas asas feitas de penas de aves aglutinadas por cera conseguiram voar e escapar do labirinto de Creta onde estavam presos. Mas Icaro, perdido pela ambição de atingir o sol, devido ao calor, derreteu as asas e despenhou-se dando origem ao relato do "primeiro acidente aéreo".

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Voo de Icaro e de seu pai Daedalus

Os chineses, desde muitos séculos atrás, já construíam os "papagaios", havendo relatos de terem voado neles com a finalidade escapar de prisões e de terem pontos de observação elevados para fins militares (o primeiro relato conhecido foi Yuan Huang ou, filho do imperador Yuan Lang da dinastia Eastern Wei. no ano de 550 DC que escapou deste modo do cimo de uma torre em que estava preso).

Apesar dos conhecimentos empíricos e lendas anteriores, a capacidade de voar livremente como as aves, foi estudada de uma forma metodológica por um grande cientista da idade do renascimento: Leonardo Da Vinci.

Este homem, com uma sede imensurável do Saber, desenvolveu estudos em variados campos que vão desde a escultura e pintura à anatomia humana, da arquitectura à mecânica e à óptica, da concepção de máquinas de guerra à compreensão dos fenómenos do voo.

Nesta área concebeu o princípio do voo do helicóptero, o paraquedas e o avião.

Todos os estudos que desenvolveu, para além de terem por base uma racionalidade e uma profundidade notáveis, foram registados em cadernos, os famosos Códices, que ainda hoje subsistem em várias bibliotecas, nomeadamente no Vaticano, em Espanha e na Inglaterra.

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Leonardo da Vinci nasceu em Abril de 1452, em Vinci na Itália.

Aos 14 anos começou a trabalhar com o artista Verrocchio onde, durante seis anos adquiriu conhecimentos técnicos, incluindo o trabalho em metais, em cabedais, carpintaria, desenho e escultura.

Com a idade de 20 anos foi considerado qualificado como mestre artista e estabeleceu-se com a sua própria oficina.

A sua actividade de pesquisa científica, muitas vezes condicionada pelas crenças e tradições da época, desenvolveu-se nos séculos XV e XVI, tendo terminado com a sua morte em 24 de Junho de 1518.

No que respeita ao grande sonho do voo, Leonardo dedicou-se a uma observação minuciosa do voo das aves e ao estudo do seu comportamento em relação à massa de ar circundante.

Das suas notas, ressaltam as seguintes conclusões, que estão actualmente confirmadas pelos modelos matemáticos da Aerodinâmica:

• O movimento do ar contra uma coisa fixa é tão prodigioso como o movimento de uma coisa móvel contra o ar que não se mexe.

• A força do impulsionador deverá ser sempre proporcional ao peso da coisa a ser movida e à resistência do meio em que o peso se move.

• A asa de uma ave é sempre côncava e prolonga-se do cotovelo ao ombro, sendo o resto convexo. Na parte côncava das asas o ar rodopia e na convexa é pressionado e condensado.

• No caso de uma máquina voadora, o homem que a conduz, deve estar solto da cintura para cima, de modo a balançar-se como se estivesse num barco, para que o seu centro de

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gravidade e o da sua máquina possam contrabalançar-se um ao outro e alternar quando a necessidade assim o exigir.

Com base nos estudos efectuados, desenhou uma máquina voadora, cujos princípios de equilibrio e controlo do voo são os mesmos das actuais asas delta.

Não temos dúvidas de que essa asa tinha todas as condições para voar. Estávamos nos finais do século XV.

Um sonho tornado realidade!!

Uma vez que experimente o voo, você nunca mais caminhará sobre a terra sem olhar para os céus, pois já lá esteve e é para lá que a sua alma deseja voltar

Leonardo Da Vinci

Cor.PilAv (r) J. Ivo da Silva

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O “JURAMENTO DO FALCÃO”

“Há tempos de usar o olhar da Coruja e tempos de voar como O falcão”.

D. João II

Costuma contar-se, em roda de amigos – e se calhar é verdade – que nunca se deve perguntar a um piloto se ele é da “Caça”.

Porque, se for, certamente o dirá; se não for, para quê embaraçá-lo?...

A Aeronáutica Militar, fundada em 1914, forma pilotos de caça há muitos anos. Sem contar com os onze pilotos que foram formados em França e Inglaterra, ainda durante a I Grande Guerra fê-lo, institucionalmente, desde 1919, com a criação do Grupo de Esquadrilhas República, na Amadora.1

Seguiram-se esquadras nas Bases Aéreas de Sintra, Tancos e Ota, onde a “especialização” foi ministrada.

A partir da criação da Força Aérea, em 1952, resultante da junção da Aeronáutica Militar e da Aviação Naval, inaugurou-se a era do jacto, resultante dos benefícios da nossa entrada na OTAN, com a chegada dos primeiros T-33-A e F-84-G.

Mas foi com a inauguração da Base Aérea 5, em Monte Real, em 4 de Outubro de1959, criada especialmente para albergar a nova frota de F-86-F, que se estabeleceu, modernamente, a “escola da caça”, em Portugal.2

Isto porque, o F-86, conhecido na gíria por “sabre”, fora especialmente desenhado para ser um interceptor (embora cumprisse bem missões de ataque ao solo e no mar) e, também, porque se

1 DL nº 5/41, de 15/2; estava equipada co cinco caças Spad 188. A Escola de Aeronáutica Militar tinha, entretanto,

sido formada em Vila Nova da Rainha, em 1916, com a missão de brevetar os futuros pilotos militares.

2 Começaram a chegar em 1958, tendo sido adquiridos um total de 65 aviões.

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veio a criar e estabelecer um “espírito” muito especial, na esquadra 51, também ela criada de raiz para operar este novo (e moderno para a época) sistema de armas.

Foi esta esquadra convenientemente baptizada com o nome de “Falcões”.3

O curso era longo (e dependia ainda da taxa de prontidão dos aviões…), difícil e algo complexo. Mas era feito com alegria e entusiasmo. Durava, em média, um ano e não havia aviões bi- lugares…

Os pilotos que o frequentavam, independentemente do seu posto, eram (e são) apelidados de “abibes”4 e sujeitos a um conjunto de praxes e tradições durante todo o curso. Numa palavra, tinham direito a pouca coisa, para não dizer que não tinham direito a nada…

Levavam, ainda, muitas “bicadas” dos mais antigos, pilotos barbados e hirsutos, que habitavam tão inolvidáveis instalações, rapidamente rebaptizadas em “palácio”. O Palácio dos Falcões!

Palácio, que tem a porta principal encimada pela frase marialva e intimidatória: “Por esta porta passam os falcões mais ferozes do mundo”.

Eu, cá por mim, estou convencido que é verdade…

É claro que as bicadas não resultavam só em “apertos de torque”, mas eram transformadas em escudos (não euros) de modo a que, mais tarde, pudessem financiar algumas folganças gastronómicas devidamente regadas a ….”JP4” (se algum restaurante se atrevesse a abrir as suas portas a tão fogosos pilotaços, é claro).

Como um verdadeiro caçador não pode andar desarmado, parte do pecúlio servia, outrossim, para regenerar o “stock” de foguetes e outros artefactos pirotécnicos, com que se treinava a pontaria em terra, mesmo sem visor de tiro!

Ao aproximar-se o fim do curso, depois de muitas horas a estudar, reflectir e discutir; briefings e debriefings e muito suor derramado a fazer todas as modalidades de acrobacia, tiro (ar/ar e ar/chão), navegação, formação, combate simulado, instrumentos, etc., era preparada a cerimónia final.

Esta cerimónia só se realizaria, porém, se após apertado escrutínio, por parte dos doutos Falcões, os abibes:

- Já dessem indícios que, dos dedinhos flácidos despontavam garras afiadas; das serosidades nasais, se afirmava o bico adunco; já cresciam tectrizes e rectrizes, que sustentavam voltas apertadas com mais de quatro “Gs”; a arcadura do peito já sulcava o ar, aguentando o voo picado e turbulência severa, e os côndilos occipitais já se ajustavam a uma rotação de 360º!

Enfim, o traseiro fofo já começava a ficar calejado pelas asneiras feitas e o piar fininho tinha-se transformado num crocitar audível.

Por outro lado, os avanços na capacidade psico-motora, já permitiam a distinção entre uma formação táctica e uma “abandalhada de marcha”; conseguiam voar dentro de nuvens sem perder o chefe; entrar ao passo distinguindo os alvos dos “chaparros” e fazer tiro ar/ar, sem entrar pela “manga” dentro!

3 E não eram uns falcões quaisquer, eram os “Falcões Peregrinos” – “Falcus Peregrinus Tunst”- o caçador mais

completo e temível, na família daquelas aves rapaces…

4 O nascituro de um casal de falcões.

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Nesta fase da sua maturação e estando já todos fartos de os aturar, preparava-se a tal cerimónia iniciática do tipo “passagem à puberdade” das tribos africanas.

Começa com um jantar (está na cara!) em que, no seu inicio, o “Falcão - Mor”, 5 profere, invariavelmente, a seguinte frase:” Determino e mando publicar que isto hoje vai acabar mal”.

Obedientes e disciplinados, que são, os presentes afadigam-se, então, a dar cumprimento ao determinado.

Entre admoestações, castigos, provas diversas, discursos e malfeitorias várias, a coisa lá vai seguindo o seu curso (escusam de estar à espera que eu conte como é, pois não conto nada).

Aos abibes que passam nas provas (e sobrevivem) é-lhes outorgado o anel, símbolo dos Falcões; o lenço da esquadra e permite-se que escrevam o seu nome na parede do balcão do bar, para o efeito reservado. Presume-se que os leitores compreenderão as razões pelas quais muitas das assinaturas sejam, até hoje, ilegíveis.

Ouvem-se “Kiaks”.6Ao tempo do F-86 ainda se oferecia um emblema, o “mach buster”, prova de que quem o possuía tinha ultrapassado a barreira do som. O Sabre foi o primeiro avião no inventário da FAP a conseguir fazê-lo.

E lá começava uma vida nova para os novos Falcões ainda imberbes e tal notava-se logo: compravam uns óculos da marca “Ray Ban”, meneavam o andar e ficavam mais atrevidos a entrar ao passo nas “falcoas”!

Pois não tinham eles, conseguido entrar para o clube selecto dos “supras sumos da essência do sublime”?7

Nenhuma unidade da Força Aérea entrou em combate aéreo, até hoje. Os únicos pilotos que tiveram essa experiência combateram durante a I Guerra Mundial e na Guerra Civil de Espanha, mas estavam dispersos em esquadrilhas francesas e espanholas.8

Apenas um deles morreu em combate aéreo, nos céus de França, numa luta desigual de um contra cinco. Trata-se do Capitão Óscar Monteiro Torres e, ainda, abateu um avião alemão antes de tombar. Voava um “Spad 65” e pertencia à célebre esquadrilha das ”Cegonhas”.

5 Comandante da Esquadra.

6 Grito dos Falcões.

7 “Clube” que não é “secreto”, nem se dedica a traficar influências, conluir estratégias de poder, proceder ao

escambo das consciências ou combinar negócios, entenda-se.

8 Durante a IGM chegaram a combater nas esquadrilhas francesas 30 pilotos e mecânicos. Onze pilotos e um

mecânico, da Aeronáutica Militar foram autorizados a alistar-se na Aviação dos Nacionalistas (embora outros civis o

tenham feito). Não há notícias de pessoal da aeronáutica que tivesse combatido pelo lado republicano.

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Capitão Óscar Monteiro Torres

Portou-se bem o Monteiro Torres e nós não o devemos desmerecer. É uma referência.

Quando se fala em “Forças Especiais” pensa-se, por norma, em “Comandos”, “Paraquedistas”, “Fuzileiros” e “Rangers”.

Mas um piloto de Caça é ele, também, especial. É um combatente feroz e letal.

Como os Falcões.

O “Caçador” actua só, mas não isoladamente; tem de ter cabeça fria, decisão rápida e nervos de aço. Do alto da vastidão do céu – o seu domínio – ele sente-se como “dono” do mundo e leva consigo apenas o medo, arrumado cuidadosamente numa caixinha, mas sempre pronto a manifestar-se.

Convém, sem embargo, ter a noção de que o piloto de caça é apenas o elo final que cumpre a missão, para a qual é indispensável o concurso de todos os elos que compõem o complexo sistema de Defesa Aérea: o pessoal técnico e operador das estações de radar; as comunicações; o apoio à operação (meteorologia, tráfego aéreo, etc.); a manutenção das aeronaves; o armamento; as infraestruturas aeronáuticas; a organização do Comando e Controle e da tomada de decisão e mil e uma outras minudências.

Ter tudo isto a operar bem não está ao alcance de qualquer Força Aérea. Direi até, que são muito poucas as que o conseguem fazer.

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A FAP, com meios limitados, é certo, está capacitada para cumprir esta missão de um modo militarmente eficaz. Mas as ameaças para que o deixe de conseguir fazer a curto prazo, são muito severas.

Em primeiro lugar por motivos financeiros conhecidos – todo o sistema de Defesa Aéreo, apesar de estar optimizado (aqui só há mesmo “bife do lombo”) é caro e não tolera falhas nos diferentes “elos”.

E voar um F-16 tem outras exigências estranhas ao F-86, que já de si exigia muito treino.

Existem dois patamares a considerar: o número de horas de voo mínimas para a proficiência táctica, e a segurança da operação. O valor da vida de um piloto mantêm-se como sempre, a Segurança da Nação, nem por isso, e o preço das aeronaves subiu em flecha. Até onde é que se quer ir (descer)?

Vender aviões, como se pretende, aparenta ser um erro de visão tremendo.

Vejamos: adquirir e manter um sistema de armas, sobretudo do nível de complexidade e exigência como o F-16, é uma operação muito dispendiosa, difícil e demorada. Depois, para se amortizar o melhor possível, o investimento, deve tentar-se explorar os meios o máximo de tempo possível, com a melhor prontidão.

Ora Portugal não vai ter condições para adquirir aviões idênticos nos próximos 50 anos…

É preferível colocar os aviões que não se quer operar na “naftalina” do que desfazermo-nos deles.

Às FAs portuguesas apenas restam pouquíssimos meios dissuasores credíveis. Os F-16 que restam são parte desses meios. E nunca se sabe o dia de amanhã.

A Aviação de Caça representa o chamado “elemento nobre do Poder Aéreo”, aquele que melhor fundamenta e justifica a independência da Força Aérea como Ramo independente.

E é aquela que garante a vigilância e defesa do espaço aéreo nacional, que é um função vital de Soberania, apesar de a mesma estar, na Europa (e apenas nela) a ser tratada, irresponsavelmente, como coisa menor ou ultrapassada.

São pois as “asas com a cruz de Cristo” quem cumpre essa missão. O símbolo da Cruz de Cristo não está lá por acaso. Meditem nisso.9

9 Felizmente ainda não apareceu nenhum cretino esférico a defender que essa cruz deve ser substituída por outra

coisa qualquer, por poder “ofender os seguidores de uma religião diferente”…

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Por outro lado as duas esquadras existentes perdem, constantemente, pilotos para as companhias civis (e não quer dizer que não haja também problemas noutras especialidades).

É um problema antigo que nunca foi devidamente equacionado.

Saem pelo dinheiro; porque voam pouco; por falta de reconhecimento social; para terem uma vida mais estável, com mais benefícios, menor risco, mais direitos e menos deveres.

E, ainda, por terem desenvolvido, no mais das vezes, uma ideia muito critica (nem sempre bem aferida) da realidade que conhecem da Força Aérea, ao mesmo tempo que têm uma ideia pouco completa da vida de “empregado” (agora chamam “colaborador”) numa empresa civil.

Enfim, saem por mais isto ou aquilo.

O modo como as coisas se passam é mau para todos (menos para a aviação civil), sobretudo para o país no seu todo, por razões que não vou aprofundar.

Depois de saírem, a maioria vai sentir falta da camaradagem e do “convívio” da esquadra – uma realidade que nunca mais vão encontrar – vão deixar de sentir a adrenalina do combate aéreo; de largar armamento; a liberdade da acrobacia; a auto-satisfação do voo meticuloso e preciso da formação; o sereno gozo de trazer o “asa” em formação cerrada, até à doce pista, em mínimos meteorológicos; a diversidade de missões que jamais geram o tédio e o gosto de comandar que é o fulcro e a essência de toda a actividade militar.

Vai restar-lhes o eventual conforto da conta bancária (o que não é despiciendo), e a visita a locais porventura mais agradáveis do que um esburacado teatro de operações, em locais recônditos.

Espera-se que quando, e se, for necessário defender o ninho onde foram criados, estejam de novo em alerta de 15’, para de novo o fazerem.

Os avanços têm sido muitos, mas a organização, a tecnologia, a logística, a táctica, etc., de pouco valem se a base espiritual estiolar e não se mantiver ao nível do resto.

O último Juramento de Falcão – para onde são convidados todas as “aves” ainda vivas, cerca de 250, e a que poucas, infelizmente, respondem à chamada – contou com três derradeiros abibes.10

De facto os cursos estão interrompidos e a renovação parou. Os leitores já, por certo, entenderam porquê.

“Falcões Brancos” check in!

Two!

Three!

Four!

Branco One.

TCorPilAv (r) João J. Brandão Ferreira

(Obviamente, da Caça)

10

Fez o seu juramento um major da USAF (que se portou à altura), mas que não entra nestas contas.

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RECORDANDO Muito embora se tenham distinguido várias personalidades na Aviação Portuguesa, só é conhecida a história daqueles que prestaram serviço antes de 1952, ano em que foi criada a Força Aérea Portuguesa. Desde essa data, a Força Aérea participou na guerra Colonial, e em muitos teatros de operações no Estrangeiro. Neste período de mais de 60 anos, muitos elementos tiveram uma vida muito meritória e de grande realce para a Força Aérea Portuguesa e para Portugal, mas cuja história é praticamente ignorada. Em virtude de estar em fase de projecto a elaboração de um documento com o registo da vida das personalidades mais marcantes para a história da Força Aérea Portuguesa, solicita-se aos estimados consócios a sua colaboração enviando, para a sede da AFAP, apontamentos da sua vivência com personalidades que considerem de realce para a história da Força Aérea. O artigo que se segue é o primeiro de uma série, baseado em depoiamentos dos nossos associados.

MAJOR AMÍLCAR JOSÉ BARBOSA

Oficial com grande prestígio na Força Aérea, teve uma vida curta, em virtude de um acidente ocorrido em serviço, em 6 da Dezembro de 1970, quando voava na carreira de tiro de Alcochete.

É aqui relembrado por dois camaradas que com ele prestaram serviço e conviveram em fases diferentes da sua vida.

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I – O Cadete Amilcar Barbosa O cadete Amílcar José Barbosa chegou à Escola do Exército, na Amadora, em 17 de Outubro de 1957, para a frequência do 1º ano geral. Vinha de Cabo Verde e chegou com um certo atraso, em relação à maioria dos seus futuros camaradas, que já ali estavam desde o dia 8. Mas não foi o último a chegar. Estes atrasos tinham obviamente diferentes justificações. No caso dele terá sido porventura a indisponibilidade de transporte em tempo útil. Nove dias de convivência e de treino militar em conjunto já tinham dado para se começar a esboçar o grupo, com as suas regras próprias nascentes do ambiente cultural que se ia gerando; nesta perspectiva entrou em desvantagem de ambientação. O cadete Barbosa, que conhecia a Metrópole apenas dos livros, eventualmente de um contacto muito superficial, sentiu-se naturalmente estranho e curioso do que o esperava. Contudo, o seu maior choque não foi social, mas sim o da temperatura física. A “Amadora”, naquele descampado de então, era muito fria logo a partir do Outono; não havia aquecimentos e a camarata era aberta, com divisórias à altura da cabeça, e com uma grande porta para o exterior, muitas vezes aberta. O cadete Barbosa enroscou-se como pode, com todos os agasalhos possíveis, para além do cobertor da ordem, e a forma do seu compor-tamento chamou a atenção dos residentes. A partir daí começou a sua adaptação e rapidamente passou a pertencer ao grupo que fazia partidas aos outros, numa praxe civilizada; às vezes era vítima, mas encaixava per-feitamente a contrariedade duma “cama à espanhola”, ou doutras inven-ções do género. No final de cada dia, e até ao toque de silêncio, havia es-pectáculo, “performances” individuais exibicionistas, ou grupos cénicos improvisados, trapalhões, para criar ambiente de grupo. A par dos mais propensos para a animação, existia a grande massa dos não participantes, ou dos mais tímidos – é sempre assim, nestas circunstâncias. O cadete Barbosa sobressaiu logo pela sua elasticidade física, parecia de borracha e fazia toda a espécie de malabarismos, e para além disso exibia os seus dotes em pantomina. Tinha uma especial vocação para a imitação grotesca dos camaradas, professores e instrutores, mas tinha um cuidado especial em não ofender ninguém – quando sentia que o seu “alvo” não estava a gostar da brincadeira, parava de imediato. Esta foi uma das características mais relevantes do seu comportamento, ao longo da sua curta vida profissional: o respeito pelos outros. Fazia muitas perguntas a todos os camaradas, sobre as coisas mais estranhas; queria respostas lógicas sobre questões de comportamento que muitas vezes não se conseguiam explicar por palavras. O cadete Barbosa era muito bom em actividades físicas, no ginásio, ou no campo de obstáculos, na prática desportiva, principalmente o futebol, vindo a fazer parte da equipa da Academia, mas tinha dificuldade nas corridas, especialmente longas – por isso muitas vezes se submetia voluntariamente ao treino, com voltas à parada, pela madrugada, único período disponível, tremendo de frio, para não ter problemas nas provas mensais e nos exercícios diários. Apesar do seu carácter brincalhão, era muito disciplinado, cumpria as regras com um rigor extraordinário. Não tolerava a indisciplina, em todos os aspectos, e parecia um indisciplinado. Punha alcunhas a toda a gente e era inexcedível na imita-ção. Depois de totalmente integrado no grupo militar, procurou uma inte-gração mais ampla, para fora das paredes da Escola. Queria ser oficial e cavalheiro, ter contactos com a sociedade civil. Cultivava essa vocação. Em finais de Dezembro, princípios de Janeiro, vieram as primeiras frequências das teóricas, sendo as mais duras as das Físicas e das Matemáticas – aí surgiu a outra faceta do cadete Barbosa, com as notas sempre no topo da tabela.

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Passou a ser considerado pelos camaradas de uma forma diferente – afinal, aquele ar mal ataviado, com as calças a sair dos polainitos, o bivaque às três pancadas, o cinto fora das presilhas, as macacadas permanen-tes, não tinha correspondência com a capacidade intelectual. A partir daí todos lhe iam perguntar dúvidas, que ele explicava com exemplos normalmente cómicos. Tinha um sentido de humor extremamente apurado, go-zava com tudo, tinha uma pose de riso interior permanente, mas guardava muito respeito a toda a gente. Quase no final do ano lectivo comum veio a escolha pelo curso, o que então se chamava a escolha da arma. O cadete Barbosa não teve quaisquer dúvidas. Queria ir para a Força Aérea. Passou para o primeiro ano do Curso de Aeronáutica, começou a voar uma vez por semana, depois de ter frequentado o estágio em S Jacinto nas férias de Verão. Antes disso tinha tirado o brevet civil, em Tiger Moth, oferta da Força Aérea. Transitou para a Rua Gomes Freire, sede da Academia Militar. Continuou igual a si próprio, com a demonstração das suas habilida-des naturais, o que o levou a ser notado e considerado pelos “senhores alunos” do último ano que assim o pouparam às praxes tradicionais mais duras. Naquela altura, as instalações estavam em obras. Num dos tubos da canalização das águas, espalhados pelo chão dos corredores, o cadete Barbosa ensaiou o toque de recolher, quinze minutos antes da hora regulamentar para o evento; o ensaio foi tão perfeito que uma grande parte dos cadetes se dirigiu ao local da formatura, o oficial de dia se insurgiu com o corneteiro por ter tocado sem sua autorização, enfim, criando-se uma enorme confusão óbvia, para gáudio do seu autor que observava a cena à distância. Depois veio a promoção a oficial, os cursos de pilotagem, os cursos operacionais na aviação de caça, a liderança de esquadrilha, a tomada de posse como comandante de Esquadra, ainda capitão. Quis ser profissional e conseguiu-o plenamente. Dedicou muito de si ao ideal da Força Aérea. Amou a sua Pátria, e foi extraordinariamente generoso. Como militar foi disciplinado, embora por vezes não o parecesse, pela sua forma natural de estar; foi disciplinador sem nunca ter sido ríspido para os seus inferiores, mesmo quando estes cometiam erros, e adoptava sempre uma atitude pedagógica. Desde muito jovem quis constituir família, como se de um desígnio persistente se tratasse. Teve a felicidade de encontrar uma pessoa muito inteligente que o compreendeu plenamente. Era um casal que se completava sem que nenhum deles se anulasse. Tiveram dois filhos, igualmente extraordinários; o pai tinha muito orgulho neles, que no entanto os tratava à sua maneira. Era, de facto, uma família muito feliz. Nas reuniões dos cursos da Academia Militar é uma das pessoas mais lembradas por todos os sobreviventes, ainda que a maioria desses camaradas apenas tenham tido com ele convivido por escassos meses.

TGenPilAv(r) António de Jesus Bispo

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II- O Major Amilcar Barbosa

O Major Amilcar Barbosa como oficial piloto – aviador foi sempre uma pessoa de nobre carácter, com um sentido de lealdade e camaradagem inexcediveis. Inteligente, bondoso, generoso e até um pouco ingenuo. Dedicado ao serviço com devoção, rigoroso no cumprimento dos seus deveres e com grande humanidade.De uma simplicidade natural, nunca se gabava nem demonstrava ambição.

Foi um bom combatente e para o testemunhar reproduz-se parte do louvor, dado na sua 1ª. Comissão na Guiné pelo Comandante Chefe;

“ pelo interesse, dedicação, espiríto de sacrefício e cooperação que sempre demonstrou durante cerca de 1 ano de actividade no Agrupamento Operacional do AB2, quer como piloto executante em aviões de reconhecimento, ligação, transporte e em aviões de combate, quer como Comandante da Esquadrilha e Oficial de Informações. Em todas estas funções se houve sempre de forma altamente honrosa e brilhante prestigiando a sua Unidade e a Força Aérea. Em combate mostrou-se sempre agressivo, corajoso e sereno apesar do perigo constante de reacção inimiga, tudo isto, aliado ao seu porte correcto e disciplinado...”.

Foi condecorado com a Medalha da Cruz de Guerra de 2ª Classe.

Na segunda comissão na Guiné foi igualmente louvado e condecorado com a Medalha de Prata Serviços Distintos com Palma.

Outros louvores e condecorações constam da sua folha de serviço.

Mas o Maj. Amilcar Barbosa distingiu-se dos outros pilotos que como ele serviram a Força Aérea e o País com coragem e dedicação, pelo seu humor.

Não era um humor, de teatro de revista ou de humorista de televisão.

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Era um humor natural,permanente, por vezes acompanhado de mimica. Com uma invulgar capacidade de observação tudo lhe servia para gracejar ou caricaturar. Pessoas, acontecimentos ou até objectos.

Fazia versos e escrevia com imensa graça. Todos os que com ele conviveram recordam cenas hilariantes:

Ficou celebre o discurso, que inavariavelmente lhe era exigido nos jantares de Esquadra em Monte Real, e como ele dizia, servia para baptizados, casamentos e funerais. As palavras eram as mesmas só variava a entoação.

Sendo um homem normalmente sóbrio, nesses jantares bebia o bastante para ficar mais exuberante que o habitual, sem perder a compostura, fazia coisas divertidissimas como tocar o seu violino que só tinha 2 cordas.

Num desses eventos, em que o Cap. Barbosa já tinha ingerido a habitual mistura de sumo de laranja,com vodka, rum ou outras bebidas de teor alcoolíco elevado, quando se ia sentar à mesa o Comandante da Base que o estimava disse-lhe:

- Vai ficar aí sentado na minha frente.

Quando o Cap. Barbosa encheu o copo e se preparava para beber ordena-lhe o Comandante:

-Não bebe mais”.

Sorridente o Cap. Barbosa disse:

-Não bebo mais então levo para casa.

E despejava copos de vinho nos bolsos exteriores e interiores do casaco, perante as gargalhadas dos que assistiam á cena.

Na sua faceta de “homem de borracha” no fim de um voo, após tomar banho nos balneários da Esquadra, vinha de chinelos para a sala de pilotos e cortava as unhas dos dedos dos pés com os dentes para gaudio dos pilotos ali presentes.

Na sua capacidade mimica recorda-se uma cena hilariante em Palma de Maiorca.

Caminhava o Cap. Barbosa com 2 ou 3 companheiros da viagem de navegação pela avenida central de Palma. Um pouco à frente seguia uma senhora com um rechonchudo míudo ao colo, voltado para trás apoiado no ombro da mãe. O Cap. Barbosa começa a fazer umas terrivéis carantonhas. O míudo desata num choro aflitivo. A mãe intrigada pergunta-lhe o que se passa. O míudo apontava para trás onde sorridente, no seu passo elástico seguia o Cap. Barbosa. O míudo sossegava e volta à sua anterior posição. Novas caretas horrorizantes, novo choro, aflição da mãe. Esta cena repetiu-se e os transeuntes que assistiam à cena, paravam a rir, divertidissimos com a cena.

Estar junto do Maj. Amilcar Barbosa, em momentos desocupados, era uma constante boa disposição.

Trágicos acontecimentos tornaram-no num caso único na Força Aérea. O Maj. Barbosa sofreu 4 acidentes o ultimo dos quais fatal.

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.-No primeiro destacamento na Guiné, no regresso de uma missão, encontra o aerodromo sob um tempo tempestuoso e sem visibilidade. Após várias aproximações vê uma porção da pista. Aterra, mas já era o terço final da faixa. Sai da pista, embate em montes de terra enlameada e o avião fica voltado de lado. Quando chegam os socorros, pensando nas piores consequências vêm o avião sem o piloto. Surge então o Alf. Barbosa a caminhar, todo enlameado e ainda de paraquedas às costas. A sua presença de espirito, coragem e agilidade tinham-no salvo.

- Num outro acidente em Monte Real, ao descolar “a asa” de um piloto em adaptação, o nº 1 deixa o avião fugir para a outra faixa e chocam. Sem consequências fisicas para os pilotos. Uma vez mais se evidencia a sua presença de espiríto e agilidade. Salta do seu avião e ainda vai ajudar o outro piloto a sair do cokpit.

-Num 3º acidente, quando chefiava uma formação de 4 aviões que iam ser entregues em Alverca o seu avião incendeia-se. Um dos outros pilotos comunica-lhe que está a sair fumo denso e diz-lhe para se ejectar. Confirma que tem luz de fogo acesa. Ejecta a canopy mas ainda para se certificar inclina-se para a esquerda e pôe um braço de fora. Voa-lhe o capacete e já não consegue meter o braço para dentro. Ejecta-se actuando o sistema com a mão direita. Cai numa vinha, salvo, e acolhido amigavelmente por residentes.

-O 4º acidente ocorreu na carreira de tiro de Alcochete quando fazia experiências de espoletas com bombas reais. No último ensaio, por engano imperdoavél, foi colocada uma espoleta de baixa velocidade. A bomba explodiu de imediato na largada e destruiu o avião. Nesta triste ocorrência o Maj. Barbosa não teve oportunidade de por á prova as suas extraordinárias qualidades fisicas e mentais.

Morreu precocemente um grande homem, militar e aviador que homenageamos e recordamos com admiração.

Cor.PilAv (r) Rui Balacó Moreira

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O CANTINHO DO CARDOSÃO

O PATUSQUINHA

Na primeira metade dos anos sessenta do Século passado eu era sargento e estava colocado na Base Aérea N.º 3, Tancos, onde voava nos carismáticos Junkers Ju-52/3m.

JU-52

Por essa altura, quatro distintos oficiais da BA 3 magicaram construir clandestinamente um barco, utilizando as "facilidades" e as instalações da Base. Tinham em mente um barco a motor capaz de proporcionar convívios gastronómicos no emaranhado de "fiordes" da magnífica albufeira da Barragem do Castelo de Bode que, majestosa, não está muito longe da Base.

Do quarteto apoiante da ideia, o meu Comandante da Esquadra era o que transparecia mais entusiasmo e determinação para levar o projecto para diante. Aparecia na Esquadra munido de revistas «Mecânica Popular» dedicadas à construção de barcos de recreio com algum arcaboiço que poderiam ser construídos por qualquer amador, desde que dotado de muita habilidade para a bricolage de grau de exigência máximo, que dispusesse das ferramentas adequadas, de espaço para o estaleiro, de muita paciência para aguentar as marteladas nos dedos e notável capacidade financeira para adquirir os materiais necessários e contratar dois ou três carpinteiros profissionais. Fazia questão em me mostrar os planos de vários barcos, tecendo considerações sobre as suas especificações técnicas e a harmonia estética do desenho. Quanto entrou na fase da selecção final, limitou as apreciações a um menor número de planos, conjugando pormenores de resistência e navegabilidade com a facilidade de reproduzir os planos à escala 1:1, isto é, no tamanho real. Para mim, a maior parte destas considerações eram chinês.

A condição de "consultor naval" intrigava-me, tanto mais que era, sou e sempre serei um leigo em naves marítimas, quer de superfície, quer submarinas. Como desde menino que suspeito que os navios, grandes ou pequenos, de paz ou de guerra, não dão garantia de não irem ao fundo, o mais longo uso que lhes dei como meio de transporte, resume-se a duas ou três viagens de S. Jacinto à cidade de Aveiro, através dos estreitos braços da famosa e não formosa Ria de Aveiro, para além dos três ou quatro meses que estive a voar os Helldiver da Base Aérea N.º 6, Montijo, em que tive de me sujeitar às tenebrosas viagens diárias de Lisboa à BA 6 e volta, numa coisa de flutuação periclitante que o pessoal baptizou de «O Tamanco», por certo que inspirado na elegância da nave…

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Na verdade, os meus temores náuticos não tinham cobertura lógica, uma vez que atempadamente arrecadei o conhecimento académico de que um senhor cientista chamado Arquimedes garantiu que navios, banhistas gordos, caixotes e outras coisas flutuam à tona da água porque os objectos mergulhados num fluido sofrem um impulso de baixo para cima igual ao

peso do volume do fluido deslocado. Mesmo assim, julgo ser indiscutível que a Física está em permanente alerta vermelho para não perder a oportunidade de mandar banhistas, barcos ou qualquer outra tralha flutuante para as profundezas oceânicas. Veja-se o que aconteceu ao «Titanic»: raspou numa pedrita de gelo e sumiu-se da superfície oceânica!

Um dia, o Comandante da Esquadra disse-me para o acompanhar ao último andar do Edifício do Comando. Lá chegados, entrámos numa grande sala praticamente vazia, sem mais mobília que uma enorme mesa. Sobre o tampo alinhavam-se uns lápis, borrachas, esquadros de desenho e réguas de vários tamanhos. Também um estojo de compasso e um enorme rolo de papel de cenário, cor de café-com-leite, usado nos desenhos técnicos, já meu conhecido do tempo que estudei na Escola Industrial Afonso Domingues. No curso, a cadeira de «Desenho de Máquinas» era ministrada com rigor e muito valorizada.

Olhando à minha volta, não tinha a menor dúvida que estava numa improvisada sala de desenho apetrechada com o material básico essencial, ainda que não soubesse qual seria a sua finalidade, nem o que eu ali estava a fazer. O persistente mistério evaporou-se quando o Comandante de Esquadra me entregou uma revista da «Mecânica Popular» e apontou para um liliputiano plano de fundo em azul sobre o qual se espalhava uma cerrada teia de traços e números a branco e me diz para o reproduzir em tamanho real. Foi por isto que durante mais de um mês, quando não estava a voar, estava na improvisada Sala do Risco da Base de Tancos, numa alusão à honrada Sala do Risco do Arsenal do Alfeite.

Enquanto dia após dia fazia contas e riscos e afiava lápis, não perdi de vista a evolução das tarefas dos "mestres navais". A madeira já tinha chegado vinda do pinhal de um, outro preparou o acesso às máquinas da carpintaria da Base, um outro delirava com a recuperação de um potente motor em muito bom estado sacado de uma velha camioneta que estava na sucata. Nunca percebi se tiraram o motor da camioneta por esta ter ido para a sucata, ou se foi para a sucata por lhe terem tirado o motor. O quarto elemento do grupo mandava palpites e servia de oficial de ligação, isto é, fornecia umas cervejitas aos operários da construção naval

Como tinham congeminado que o naviozinho - com cerca de dez metros de comprimento - havia de ser feito na Base, toda a actividade decorria abafada ao estilo conspirativo da Guerra Fria, muito embora, praticamente, fosse motivo de conversa para toda a gente.

Havia ainda um grave problema técnico por resolver: onde construir o barco sem o expor aos olhares "dos inimigos"? Depois de milimétrica prospecção a todos cantos e recantos da Base,

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depararam, como que por magia, com a Central Buda. Todos que estiveram na BA 3 lembram-se do misterioso edifício baixo, rectangular, plantado ao lado do hangar do lado Oeste, que pouca gente sabia para que servia. Tinha um portão pintado de preto a toda a largura e, lá dentro, estava instalado um enorme gerador de emergência para superar eventuais falhas de energia eléctrica nas áreas operacionais. Segundo julgo, estaria prevista a instalação de um outro gerador, o que nunca se verificou. Assim, o espaço destinado ao segundo gerador da Central Buda seria ocupado clandestinamente e transformado no presépio onde seria parida a novel nave. Era um lugar de luxo, mesmo em frente às oficinas de carpintaria e de pintura.

Conforme eu ia completando os planos redimensionados, os carpinteiros que transformaram os pinheiros em tábuas, copiavam-nos e assim fizeram a quilha, cavernas, alhetas, anteparas e outras coisas que não sei como lhes chamar e que, por sua vez, se transformaram em casco, proa, ré, convés e assim nasceu e cresceu um barco com uns bons dez metros de comprimento.

Nunca o achei bonito, pareceu-me sempre uma tairoca.

Toda a azáfama em volta de uns pinheiros que, embora "civis", se estavam a transformar em barco graças à utilização das máquinas, das ferramentas e de pessoal da Base (os construtores sempre afirmaram que pagavam tudo isto e por certo que pagaram), tornou-se motivo de conversas e discussões que dividiram o pessoal militar, especialmente os oficiais. Havia os que se inflamavam com o atrevimento de fazer um barco nas entranhas da Base às escondidas do Comandante; os que achavam que não havia prejuízo para ninguém porque, além de cobrirem as despesas, utilizavam a capacidade sobrante das máquinas e do pessoal; os que achavam a ideia ousada e divertida e os que não queriam saber do barco para nada. Neste cenário, havia um grupo de oficiais não ligados directamente aos aviões que disputavam com os oficiais pilotos e alguns técnicos, o lugar de conselheiros favoritos do Comandante da Base. Era uma luta surda de que os sargentos se aperceberam e não lhes agradava porque, ainda que não fossem atidos nem achados nessa guerra, havia sempre uma ou outra represália que ricocheteava algures e acertava neles. Como se adivinha, o grupo de oficiais não-técnicos era contra o "estaleiro naval". Passaremos a designá-los por "anti-estaleiro".

Uma vez que, praticamente, todo o pessoal da Base sabia da existência do barco, parece-me plausível que o Comandante também soubesse, ainda que nunca o desse a entender. O grupo "anti-estaleiro" atacou-o persistentemente para o levar a melindrar-se com a afronta e a ordenar o imediato desmantelamento daquela terrível nave aquática, símbolo de autêntica insurreição doméstica. O Comandante, que era um oficial inteligente, arguto e experiente, com preferências, usos e costumes muito peculiares, optou por não torpedear cruelmente a embarcação clandestina, o que poderia dar motivo a que o acusassem de "dar ouvidos" aos sabotadores do navio. Ardilosamente, mandou publicar em Ordem de Serviço que em determinada data procederia à Revista à Unidade, o que queria dizer que na data marcada visitaria todas as instalações e serviços da Base. Deve ter planeado que quando entrasse na Central Buda revelar-se-ia perplexo perante o "estaleiro" e dispararia então a letal sentença que faria com que a embarcação fosse desmantelada, talvez até queimada na parada principal da Base, como as bruxas no tempo da Inquisição.

Todos sabemos que, desde tempos imemoráveis, a informação é um elemento importantíssimo para vencer batalhas. O grupo "pró-naval" (chamemos-lhe assim) utilizou toda a informação que

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obteve com muita destreza e eficácia e, para além de algumas manobras dissuasoras, preparou-se para a grande batalha…naval.

Convém aqui fazer um pequeno desvio ao texto e esclarecer os leitores que, por essa altura, o Coronel Comandante andava justamente embevecido e ultra-babado com a sua netinha ainda bebé. O avô baboso chamava-a de Patusquinha.

Voltemos ao texto.

Quando o Comandante mandou abrir o portão da Central Buda, a expectativa era enorme e os oficiais "anti-estaleiro", uns integrados na comitiva e outros como espevitados mirones a curta distância, esbugalhavam-se de ansiedade. Não foi aberto o grande portão negro, mas sim a pequena porta de entrada individual encaixada no próprio portão. O Comandante entrou e logo encalhou na proa do barco. Tornou-se evidente que nunca tinha imaginado que o falado barquinho tivesse dimensões tão avantajadas.

Eu era um espectador anónimo ao fundo do "estaleiro", esforçando-me por ser mais invisível que o "homem invisível".

O Comandante, refeito da surpresa, quando ia disparar a sentença fatal na direcção dos oficiais responsáveis por aquele enorme objecto que parecia ser um barco, deparou-se com eles formando como que uma parede à sua frente, ombro-com-ombro, o que o fez hesitar. Aproveitando a hesitação, os quatro oficiais desviaram-se para o lado, deixando ver uma pequena mesa coberta por uma toalha de boa qualidade com bonitos bordados, que, como depois averiguei, era uma peça do espólio da Capela da Base. Garrafas de champanhe e as adequadas taças completavam o arranjo. O corado rosto do Comandante denunciava o desfile de surpresas que estava a viver. O oficial "anfitrião" convidou o atónito Comandante a deslocar-se uns passos e olhar para o costado do barco onde uma vistosa placa de dimensões apreciáveis esclarecia que o presente evento era a cerimónia do baptismo do barco, que o padrinho era o Exmo. Senhor Comandante da Base, que o baptizaria, nem mais nem menos, de «Patusquinha»!!! Foi uma tirada demolidora!!!

O Comandante ficou hirto. Era evidente que os seus neurónios estavam ao rubro, cozinhando sentimentos e paixões contraditórias, uns com origem na justiça e na autoridade de Coronel Comandante, outros no coração de avô. Finalmente, decidiu ser o avô! Os olhos alagaram-se com lágrimas e, bastante emocionado, abraçou os oficiais responsáveis pelo projecto do barco. Nesta altura, os do grupo dos "anti-estaleiros" desandaram completamente frustrados com o desfecho da novela trágico-marítima!

A comoção do Comandante contagiou os presentes e foi num ambiente inesperadamente carregado de comoção que o Comandante espatifou a garrafa de champanhe na proa do «Patusquinha». Com esta fabulosa peripécia, é evidente que a construção naval na Central Buda ficou oficializada. Quando o Comandante-Avô-Padrinho foi transferido da Base, o «Patusquinha» ainda não estava acabado. O seu sucessor apoiou, diria mesmo que foi participante do projecto, e o «Patusquinha» não demorou a fazer os testes de navegação nas serenas águas da Barragem do Castelo de Bode.

Como referi no início do texto, não fui contaminado pela gloriosa audácia dos nossos heróicos navegadores de antanho que dobraram o Cabo das Tormentas e endireitaram o Cabo da Boa

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Esperança, nem tão-pouco pelos actuais marinheiros de menor envergadura histórica que se dedicam com frenesim à pesca das bogas e do achigã na Barragem, considerei que a minha tarefa de "desenhador e conselheiro hidráulico" estava terminada e arrumei o assunto.

Soube que o comportamento do «Patusquinha» nunca foi de qualidade. A madeira utilizada não tinha a qualidade nem a textura indicada no projecto original, pelo que passou o resto da existência a acartar com sacos de areia para fazer lastro. Também não foi fácil acertar com o hélice adequado. Muito embora estas e outras contrariedades, sei que proporcionou belas passeatas pelo Zêzere, e, assim, cumpriu a finalidade da sua existência. E justificou os quilómetros de riscos que eu fiz!

Quando passava pelo Castelo de Bode ia vê-lo. Não posso negar que lhe tinha alguma afeição, ainda que continuasse a achar que era parecido com um tamanco holandês. Os seus dez metros de comprimento e o casco bojudo como os sapos atribuíam-lhe alguma imponência no meio das pequenas embarcações de recreio que o rodeavam.

Mais tarde, as limitações físicas provocadas pela idade dos "armadores" condicionaram os trabalhos de conservação e a sua utilização era praticamente nula. Perante isto, o «Patusquinha» foi oferecido ao Clube de Oficiais da Base Aérea N.º 3, que lhe dispensou bons cuidados.

Hoje já não existe nenhum dos atrevidos mentores do projecto, nem tão-pouco o «Patusquinha». Resta a saudade nas memórias de alguns velhotes…como eu!

Maj Pil (r) Adelino Cardoso

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A SENHORA THATCHER E OS MILITARES Nota prévia: Margareth Thatcher escreveu há anos um artigo argumentando a sua discordância sobre a inclusão de mulheres nas áreas operacionais das Forças Armadas. Não é nossa intenção avaliar essa discordância, mas tão só fazer o extracto do que Margareth Thatcher, essa extraordinária senhora que marcou uma época no seu país e influenciou a política internacional, “pensava sobre os militares”.

Este artigo é actual e oportuno numa época em que no Nosso País são constantes as arremetidas dos governantes contra os militares e a instituição militar:

“…. …Mas os militares também são diferentes, porque a vida da caserna é distinta da vida do civil. As virtudes que precisam ser cultivadas por aqueles que são chamados a colocar em risco suas vidas no cumprimento de seu dever simplesmente não são as mesmas exigidas de um homem de negócios, de um funcionário civil ou, sem sombra de dúvida, de um político. É vital, acima de tudo, ter coragem - coragem física.

Os militares precisam desenvolver a camaradagem com seus companheiros em muito maior grau. Devem ser capazes, implicitamente, de confiar uns nos outros. Soldados, marinheiros e aviadores também são indivíduos e basta ler suas biografias para compreender isso. Mas não podem ser individualistas. Para aqueles que vivem em regime disciplinar, são os deveres e não os direitos que balizam suas vidas. Eis por que a vida militar é justamente considerada uma nobre vocação e por que, através dos anos, muitos dos que abandonam a carreira militar para ingressar na vida civil sentem dificuldade para se adaptar.

Como regra, os militares necessitam ser fisicamente fortes. Não é suficiente ser talentoso, embora a habilidade certamente ajude. Nenhuma força combatente pode se permitir abrigar, mesmo em pequena proporção, pessoal que não esteja apto a cumprir missões que lhe possam vir a ser atribuídas.

Assim, sou contra as atuais tentativas de empregar conceitos liberais e institucionais da vida civil em nossas forças armadas. Programas visando introduzir sistemas jurídicos segundo o modelo civil, promover direitos homossexuais são, no mínimo, irrelevantes para as funções que se espera sejam desempenhadas pelos militares. Sob um enfoque pessimista, contudo, ameaçam a capacidade militar de forma realmente perigosa.

Guerra sempre envolverá o emprego de baionetas ou equivalentes. É irrealista pensar que as guerras possam vir a ser travadas sem jamais ocorrer contato físico e confronto direto com o inimigo.

Tendo em mente essas considerações, penso que nossos líderes políticos e militares devem:

• Revelar mais firmeza, resistindo aos lobbies de pressão “politicamente corretos” que contribuem para subverter a ordem e a disciplina em nossas forças armadas.

• Deixar claro que a vida na caserna não pode tomar como modelo os procedimentos, a moldura legal ou as peculiaridades da vida civil.

• Recusar-se a colocar a doutrina liberal adiante da eficácia militar. • Demonstrar um pouco de bom senso”

Cor.PilAv (r) Rui Balacó Moreira

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ZONA DE TRABALHO DE MAFRA Quem fez o curso básico de pilotagem em Sintra decerto se lembrará desta zona de trabalho.

Todavia, esta zona de trabalho não foi exclusivamente marcante para os alunos de pilotagem.

Foi talvez mais importante para a garotada que, durante os anos 50 e 60 vivia nessa então pequena vila que nessa época apenas tinha o convento, uma praça e três ruas principais.

A presença constante dos aviões T-6 Harvard ora fazendo voos de formação, ora fazendo acrobacia, despertava o interesse da garotada, de tal modo que deu origem à opção de muitos deles pela profissão de aviadores, nas várias especialidades da Força Aérea Portuguesa.

Os dois artigos que se seguem foram escritos por pilotos oriundos da miudagem dessa época:

Zona de trabalho de Mafra – efeitos colaterais

Naquele tempo, anos cinquenta, o ronco inconfundível de aviões militares enfeitiçava catraios que, perscrutando os céus, nervosamente gritavam: lá vai ele, fui o primeiro a vê-lo!

Embora a maior parte não ligasse muito aos aviões, dois amigos, por sinal primos irmãos, sentiam um formigueiro na barriga ao ouvir aquele ronco exclusivo dos T-6 da Granja do Marquês, nome por que era conhecida a Base Aérea Nº 1 da Força Aérea Portuguesa, perto de Sintra: eram eles o Mané e o Xico Zé.

Os putos de Mafra tinham o privilégio de brincar nas Tapadas Reais, nos Jardins do Cerco e da Alameda e nos campos agrícolas. O local determinava o personagem: Tarzans, Zorros, Mandrakes, Zés Sopapos, era só escolher. Na Mocidade Portuguesa, entre as diversas opções, escolheram o hipismo e ansiavam pela idade de obter o Brevet de piloto particular de aeroplanos, o conhecido PPA, embora o grande desígnio fosse a pilotagem na Força Aérea Portuguesa. A lendária figura do piloto de Caça luso-britânico Major Alvega alimentava os sonhos dos primos.

À noite, iam à biblioteca municipal, instalada na ala norte do convento. O Xico Zé folheava a Guerra Ilustrada, enquanto o Mané lia o Cavaleiro Andante; no dia seguinte trocavam. Esta publicação descrevia quase todos os tipos de aviões que lutaram na II Guerra Mundial. Cerca das onze horas da noite, terminado o horário de leitura, ouviu-se o som de um T-6, mais suave e mais redondo, talvez por ser noite. Os primos pararam de olhos pregados nas luzes piscantes. O avião rumava à base. Os outros companheiros, quase em tom de gozo, diziam, larguem o avião, vamos

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brincar aos Polícias e Ladrões. Mas os primos seguiram o avião. Subitamente, viram um clarão e comentaram, se calhar explodiu. No dia seguinte, ainda não havia televisão, era notícia dos jornais: Avião da Força Aérea explodiu em voo…(1)

O Jardim do Cerco, com a sua característica Nora, era outro espaço para brincadeiras de crianças. A pesca furtiva nos lagos do jardim, Café dos Pretos, Jogo da Bola, outonais castanhas e avelãs, musgo, azevinho. Repentinamente, o abesourar de um T-6 a fazer acrobacia capturou a atenção dos nossos familiares e amigos. À medida que o avião se encobria nas altas árvores, obrigava o par a recuar incautamente para o manter à vista. Estavam tão atentos ao avião, que não deram pela existência de um pequeno lago, de bordos mais baixos. Subitamente, os calcanhares embateram no bordo do lago, provocando o mergulho dos incautos na água, ficando feitos num pingo! Desataram num choro, pois tiveram de atravessar a vila com os mafrenses rindo da ridícula figura que faziam.

Quando um aluno era “largado”, os instrutores pontapeavam-lhe o traseiro, aplicavam-lhe caldaços e lançavam-no na Ria de Aveiro ou, no caso da BA1, arremessavam-no na vala de irrigação.

Sempre que o Cor. PilAv. Ivo da Silva, Mané, se encontra com o primo Ten. PilAv. Gato, Xico

Zé, recordam este episódio como premonitório da sua ida para a Força Aérea Portuguesa…

Ten. Mil. Pilav (disp.) Francisco José Alves Gato

(1) Avião, pilotado por um Aluno Piloto do Sobral da Abelheira, que se despenhou num voo nocturno , caindo numa pedreira a oeste da Base Aérea Nº 1.

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Esta Vida

Em homenagem aos Pilotos Aviadores de Mafra

Esta vida que de longe se consome

Cheia de esperança, desejos e aspirações

Muitos planos e projectos sem nome

Algumas vitórias e amor nos corações

De início novidade e aprendizagem

Vida protegida e muito condicionada

Em seguida o folguedo e vadiagem

Qual concurso de liderança da criançada.

Os castelos, as guerras à pedrada

Os carros de rolamentos, as corridas…a aventura

A caça aos pardais e às rãs da tapada

Os arranhões, a tintura… o que arde cura !!

Depois a vida em liberdade de decisão

Os acampamentos, os cavalos na Remonta,

Os primeiros passos na aviação

As passagens baixas vezes sem conta

Agora, no topo do voo ogival da vida

Em que o ponto de não retorno está passado

Com a meta mais próximo do que a partida

Cá seguimos o voo planeado

Uns terminaram a sua caminhada

Outros continuam em formação

Ora sonhando com os dias da tapada

Ora lembrando episódios da aviação

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Quem são??

O Zé Gabriel, o Emílio Lourenço, o Rogério Caracol, o Mané , o Xico Zé ou o Caldinhas Lopes?

São todos no poema e o poema em todos!

Cor.PilAv (r) J. Ivo da Silva

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A PONTE AÉREA Estávamos no fim de 1975.

A situação em Angola durante a última fase da transição para a independência, e logo após a mesma (11 de Novembro de 1975) tornou-se insustentável para muitos portugueses, que resolveram regressar a Portugal, terra dos seus antepassados.

Muitos dos colonos que viviam no Norte de Angola passaram a fronteira e refugiaram-se na República Democrática do Congo (antigo Zaire), tendo sido reunidos em Kinshasa sob protecção do Governo por ordem do Presidente Mobutu.

Tornava-se necessário providenciar o seu transporte para Lisboa.

Para essa missão foi decidido enviar um Boeing 707 da Força Aérea Portuguesa, sendo eu nomeado como um dos comandantes nesse voo (nestes voos normalmente iam dois comandantes).

Nas vésperas do voo tinham havido declarações internacionais que não agradaram ao presidente Mobutu, pelo que ele proibiu todos os voos comerciais portugueses no seu território, mantendo todavia como excepção a autorização para o voo da Força Aérea.

Assim, à meia-noite, lá descolamos rumo a sul, contornando como de costume a costa de África em virtude de não termos autorização de sobrevoo de uma grande parte dos países africanos.

Também como era hábito naquela estação do ano, atravessamos o mau tempo característico da Frente Intertropical no golfo da Guiné, e lá prosseguimos com destino a Kinshasa.

A cerca de 120 milhas náuticas (223 Km) do destino, começamos a descer com autorização do controlo, e entramos no território do Congo, em direcção ao Aeroporto de Kinshasa.

Quando contactamos o controle de aproximação, já nas redondezas do Aeroporto e a baixa altitude, tivemos a desagradável surpresa de receber a informação de que nenhum avião português estava autorizado a aterrar em Kinshasa ou a sobrevoar o território do congo. Em seguida perguntaram qual a nossa posição.

Sabendo que eles não tinham radar, informamos que estávamos sobre o mar e, como estávamos com o avião leve, começámos de imediato a subir par 41000 pés, planeando uma alternativa de voo.

Angola já era independente, assim como S. Tomé, pelo que não podiam ser considerados como alternativa de aterragem de um avião militar.

O aeroporto mais viável era o de Windhoeck no Sudoeste Africano (actual Namíbia), para onde estava planeado um voo da Ponte Aérea no dia seguinte.

A 41000 pés o combustível dava para lá chegar, tendo Walvis Bay (também no Sudoeste Africano) como Aeroporto alternante.

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Só que, teríamos que atravessar Angola a "corta mato"!

Dado ser a única hipótese viável, assim foi decidido.

O sobrevoo de Angola foi feito em linha recta, passando quase à vertical de Luanda, sempre com receio de sermos intersectados pelos aviões cubanos baseados no Aeroporto naquela cidade.

Contactamos a frequência da Força Aérea informando a situação, fomos dando a nossa posição aos outros aviões na frequência VHF de 126.9 MHz, (que se usa quando se voa em África e em zonas em que o controlo de Tráfego Aéreo é pouco seguro), mas nunca contactamos os órgãos de controlo de tráfego aéreo de Angola, para evitar problemas.

O primeiro contacto rádio com os órgãos civis de controlo foi feito ao entrar no território do Sudoeste Africano.

Chegamos finalmente a Windhoeck, onde as autoridades Aeroportuárias ficaram muito admiradas pois só nos esperavam no dia seguinte, e não tinham nada preparado para o embarque de refugiados.

Explicada a situação, abastecemos o avião, fizemos o plano de voo e, como a elevada altitude da pista não permitia abastecer combustível suficiente para o voo directo a Lisboa, iniciamos o regresso via Ilha do Sal, com o gosto amargo de falharmos a missão.

Quando passamos junto à costa de Angola, perto de Luanda, ouvimos chamar pelo indicativo do nosso avião.

Era Kinshasa que nos chamava.

Ao responder, fomos informados que estávamos autorizados a sobrevoar o Congo e a aterrar em Kinshasa.

Aí, perguntámos se estávamos mesmo autorizados ou haveria a confusão como a algumas horas atrás, ao que eles confirmaram a autorização.

Decidimos seguir e, após a aterragem, um elemento da Embaixada de Portugal, informou-nos que:

• A autorização estava garantida desde o início. • O controlador da aproximação e de Aeródromo (era o mesmo artista), fez confusão e deu a

informação errada. Quando foi inquirido pela nossa embaixada (o Director do Aeroporto estava ausente, a jogar golfe), respondeu que nenhum avião português o tinha contactado.

• Assim, o nosso avião esteve dado como desaparecido até que a Força Aérea, que seguiu sempre o desenrolar do voo, contactou a Embaixada em Kinshasa a relatar a ocorrência.

• A Embaixada contactou o protocolo do governo Congolês e a situação clarificou-se.

Assim lá embarcámos 189 passageiros que só traziam a roupa que vestiam, pois foram assaltados pela tropa a caminho do Aeroporto, e espoliados de todos os seus bens.

Finalmente, após 26 horas de termos descolado de Lisboa, lá aterramos na Portela com a alegria do dever cumprido.

Descolamos, aterramos, não partimos o avião…. foi um sucesso!!!

Cor.PilAv (r) J. Ivo da Silva

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EM MEMÓRIA COR.PILAV ALBANO CÂNDIDO DE NOGUEIRA FERNANDES No passado mês de Janeiro, a família da Força Aérea Portuguesa, ficou mais pobre. Depois de enfrentar uma prolongada doença, eis que faleceu no dia 09 de Janeiro, o Sr. Coronel Piloto Aviador ALBANO CÂNDIDO DE NOGUEIRA FERNANDES. Falar do Coronel Albano, é sobretudo e principalmente falar de um Grande Amigo. Tendo nascido em Viseu, foi incorporado no curso de Aeronáutica da Academia Militar em 1959. Com uma folha de serviços brilhante, somou mais de 7000 mil horas de voo em vários tipos de aeronaves, tendo cumprido comissões de serviço na Guiné e em Moçambique. Frequentou vários cursos nos EUA e Inglaterra, tendo sido Adido de Defesa junto da Embaixada de Portugal em Londres. Detentor de várias condecorações e louvores, donde se realça a medalha de Prata de Serviços Distintos da Força Aérea. HOMEM simples e generoso, competente, muito educado e zeloso dos seus deveres, com a sua disponibilidade pronta, que só Homens de Coração grande conseguem demonstrar, o Amigo Coronel ALBANO, foi e será sempre um manancial inesgotável de sabedoria, de amizade sincera e um Camarada de todas as horas. Do Sangue Nortenho, que lhe corria nas veias, herdou a bondade, o sentido da justiça e a ternura pelo seu semelhante. Da beleza e vastidão das terras de Viseu, que o viram crescer, retirou a força, a tenacidade e a coragem para lutar por um mundo fraterno. As mentiras, a ingratidão de muitos, deram-lhe a saudável e persistente teimosia, para defender os ideais em que acreditava, que energicamente defendeu, para valorização da Instituição que abraçou e para a qual sempre se disponibilizou, com renovado espírito de missão. Oficial de grande cultura, inteligência ímpar e sensibilidade única, dirigiu com grande mestria e conhecimento o Museu do Ar entre 1996 e 2005, ano em que passou à situação de reforma, tendo desde sempre e durante o seu mandato, implementado um projecto museológico de elevado nível e lançadas as bases do projecto do futuro Museu do Ar, que hoje é uma realidade visível. Foi igualmente membro dos Órgãos Sociais do Grupo de Amigos do Museu do Ar (GAMA), Instituição que sempre acompanhou com elevado empenho e dedicação, tendo privilegiado a angariação de novos membros para o Grupo, visitas de elevado interesse cultural a diferentes Unidades Militares ligadas à história da aviação militar Portuguesa e outras actividades, que muito contribuíram para a divulgação pública das causas do Ar e da promoção do Museu, o reforçar do seu prestígio e influência junto das Comunidades, onde está instalado. Todas as palavras de carinho, de afecto e grande solidariedade que queremos transmitir à Exma. Família do Sr. Coronel Albano Fernandes, nunca serão demais, perante tão grande exemplo de vida e serviço, deste enorme Militar, Homem íntegro, que ao longo da sua vida, sempre honrou, prestigiou e dignificou em todas as situações a farda que envergou e a Instituição que serviu com, zelo, empenho e competência. Honrar o Amigo Albano Fernandes, é sobretudo assegurar a continuação da obra que laboriosamente ajudou a construir e garantir que passe o tempo que passar, o País e a sua Força Aérea, saiba cuidar dos seus vivos e nunca se esquecer dos seus mortos, recordando e perpetuando a sua memória, prestando sempre um justo preito de gratidão a todos aqueles que por “obras valorosas, se vão da lei da morte libertando.” A DIRECÇÃO DO GRUPO DE AMIGOS DO MUSEU DO AR (GAMA)

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COR.PILAV ANTÓNIO DA COSTA FARIA

A comunidade da AFAP, ligada à Causa do Ar, perdeu um ilustre associado. No passado 23 de Abril de 2013, partiu para um voo sem retorno, pelos Céus do Criador, o Senhor CoronelPilAv(R) António da Costa Faria, uma referência pela excelência como Oficial da Força Aérea Portuguesa, onde serviu dezenas de anos, com elevado sentido de dever, exemplar profissionalismo e invulgar sentido de sensatez. O Senhor Coronel PilAv(R) repousa agora no cemitério de Silveiros, em Barcelos. Não disponho de sinos para dobrar, mas dobro-me num natural sinal de respeito e de sentida homenagem ao Senhor Coronel PilAv(R) António da Costa Faria, aquele Homem que tinha o dom de cultivar amizades e a admiração de todos os que tiveram o privilégio de,nesta vida, conviver com ele." TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso

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AQUELES QUE PARTINDO

PERMANECEM NA NOSSA MEMÓRIA

Cap. Arnaldo Maria Simões

1944-11-14 – 2012-08-05

Maria Fernanda

Rato Rosa 1930-07-26- 2012-10-04

Maj. Mário

de Oliveira Martins 1927-11-22 –

2012-12-12

Cor. Albano Cândido Nogueira Fernandes

1940-09-10 – 2013-01-07

Joaquina Hipólito

de Oliveira Pontares 1933-03-29 –

2013-01-27

Cor. António da Costa

Faria 1930-09-08- 2013-04-22

Maj.Gen. Jaime Alberto Gonçalves das Neves

1936-03-24 – 2013-01-27

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