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62 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICO é o dictado «com teu amo não jogues as peras» ou antes «o poder é o poder». Nesse local foi construida em 1731 uma caixa d'aqua, re- servatorio do antigo encanamento da Carioca, o qual passava pelos fundos das casas da hoje rua Evaristo da Veiga. O moderno aqueducto foi obra de Bobadella, em 1750, e passam hoje por cima delle (delle aqueducto) os carros electricos da Ferro Carril Carioca. Mas onde iremos nós parar? Desta maneira iremos até ao Corcovado. Voltemos ainda á Sancta Luzia para dizer alguma cousa sõbre a casinha que se nota juncto á egreja, circulada por um bello jardim, que era a menina dos olhos de um padre ha pouco Iallecido. Nesse predio residia o capellão da Irmandade, e esse sacerdote exerceu, por longos annos, tal mister. Só a morte pou- de arranca-lo ás suas rosas, cravos, amores-perfeitos e violetas. No tempo da revolta nunca arredou pé dallí. Todas as tarde vinha para o por tão gozar da fresca da tarde e admirar o bello panorama da bahia. Tinha uma celebridade: além de passar muito bem de bar- riga, fumava mais de cem cigarros de papel durante o dia! Ea charneca de lua, conhecem? Tal foi o nome dado pelo velho Areias, primitivamente, ao seu estabelecimento de banhos, hoje muito augmentado e frequentado. E viva Sancta Luzia! O resto fica para o anno. 12 de Dezembro de 1896. AS FESTAS DE NATAL Porque queres, meu caro leitor, escreva eu sõbre assumpto tão magistralmente tractado por escritores nossos de primo cettello ? Qual Monte Alverne, te poderia dizer: é tarde; é muito tarde 1 Não seria possivel reproduzir, hoje, alguns dos bellos arti- gos de Mello Moraes sôbre o Natal. os quaes têm e terão sempre o tom de novidade e são como as sempre-vivas? Pedes- -me porém com tão bom modo, que não posso recusar, e como quem conta um conto accrescenta um ponto, traducção fóra da lettra, ahi vai o que eliquid adjiciendi oculi mei oiderunt .

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Page 1: REVISTA DO INSTITUTO HISTORICOreficio.cc/wp-content/uploads/2018/08/vieira_fazenda...ANTlQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 63 Para não amolar deixo-me de estudos antiquados. para

62 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICO

é o dictado «com teu amo não jogues as peras» ou antes «o poderé o poder».

Nesse local foi construida em 1731 uma caixa d'aqua, re-servatorio do antigo encanamento da Carioca, o qual passavapelos fundos das casas da hoje rua Evaristo da Veiga.

O moderno aqueducto foi obra de Bobadella, em 1750, epassam hoje por cima delle (delle aqueducto) os carros electricosda Ferro Carril Carioca.

Mas onde iremos nós parar? Desta maneira iremos atéao Corcovado.

Voltemos ainda á Sancta Luzia para dizer alguma cousasõbre a casinha que se nota juncto á egreja, circulada por umbello jardim, que era a menina dos olhos de um padre ha poucoIallecido. Nesse predio residia o capellão da Irmandade, e essesacerdote exerceu, por longos annos, tal mister. Só a morte pou-de arranca-lo ás suas rosas, cravos, amores-perfeitos e violetas.No tempo da revolta nunca arredou pé dallí. Todas as tardevinha para o por tão gozar da fresca da tarde e admirar o bellopanorama da bahia.

Tinha uma celebridade: além de passar muito bem de bar-riga, fumava mais de cem cigarros de papel durante o dia!

E a charneca de lua, conhecem? Tal foi o nome dado pelovelho Areias, primitivamente, ao seu estabelecimento de banhos,hoje muito augmentado e frequentado.

E viva Sancta Luzia! O resto fica para o anno.

12 de Dezembro de 1896.

AS FESTAS DE NATAL

Porque queres, meu caro leitor, escreva eu sõbre assumpto játão magistralmente tractado por escritores nossos de primo cettello ?Qual Monte Alverne, te poderia dizer: é tarde; é muito tarde 1

Não seria possivel reproduzir, hoje, alguns dos bellos arti-gos de Mello Moraes sôbre o Natal. os quaes têm e terãosempre o tom de novidade e são como as sempre-vivas? Pedes--me porém com tão bom modo, que não posso recusar, e comoquem conta um conto accrescenta um ponto, traducção fóra dalettra, ahi vai o que eliquid adjiciendi oculi mei oiderunt .

Page 2: REVISTA DO INSTITUTO HISTORICOreficio.cc/wp-content/uploads/2018/08/vieira_fazenda...ANTlQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 63 Para não amolar deixo-me de estudos antiquados. para

ANTlQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 63

Para não amolar deixo-me de estudos antiquados. para novelho Portugal ir buscar, pela tradição. a origem destas festaque ainda hoje conservam lá. sobretudo nas aldêas, a feição cha-racteristica. Deixemos. pois. as rabanadas, o bacalháo com ovos,as papas. as castanhas. os jogos de pinhas. os formigos. o vinhoverde. a aqua-pé, a geropiga e o succulento sarrabulho.

Tractemos do que é nosso e figuremos. pela imaginação. oRio de Janeiro de quarenta a cincoenta annos atraz.

Como se sabe. as festas duravam de 24 de Dezembro a 6de Janeiro. e o dia 7 era. como já disse algures. o mais tristeda . nossa vida de meninos. exactamente como vai ser ínsipidopara os actuaes conselheiros municipaes o 7 de Janeiro proximofuturo. graças á não reeleição.

Muitos dias antes do dia de Natal era grande a azafamanesta boa cidade: era o tempo de mandar as festas aos parentese amigos. e delles receber as étrennes, como se diz hoje emlinguagem alambicada.

Viam-se grandes bandejas de doces. carregadas por pretos epretas, cestos de gallinhas. leitões. atroando os ares com seusgrunhidos. perús amarrados com fitas encarnadas ou verdes, com-poteíras de doces cobertas por guardanapos rendados.

Os escravos davam o cavaquinho para ser os portadorede [estas. pois era certa a gorgeta mais ou menos gorda para omata bicho.

Hoje a cousa muda de figura e é mais barata: cifra-se namonomania das folhinhas. dos chromos e dos blocks, que se ven-dem nas lojas de papel. ou nos almanaques de anecdotas, vindos deFrança (os quaes, podem ser encontrados no Fauchon), nos mar-rons glacés. o sonho dos anjinhos de procissão. as nossas antigasemendoes, já não têm cotação na praça.

Eis-nos em plena noite da missa do gallo. Ia uma balburdíapelas casas. havia -uma inferneira pelas cozinhas. onde se prepa-rava a ceia ou consoada para depois da missa e parte do jantardo grande dia.

Excuso-me de contar-vos que quem menos se divertia eramos donos da casa. sempre cuidadosos para que não houvessefaltas. e a gente da cozinha: eis porque nas minhas aspiraçõesde criança desejei ser frade. pedestre, sacristão, pedinte de almas;mas nunca quiz ser cozinheiro.

Que havia porco em casa sabia-o toda a Vizinhança pelos pro-testos da victima prestes a morrer com uma certeira facada: jor-rava o sangue cuidadosamente guardado para diversas petisquei-

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REVISTA DO INSTITUTO HISTORICO

Ias. As gallinhas mostravam-se tristes e abatidas, prevendo oproximo fim, taes quaes candidatos derrotados em eleições.

O perú, ao qual se tinha dado cachaça para tornar a carnemais macia, desconfiado de tanta esmola, preparava-se para osacrifício, e bebe do como estava não devia sentir muito a passa-gem desta para outra vida.

Alli a preta de confiança tractava do peixe, lá os molequesralavam o côcco para o doce, negrinhas areiavam os talheres oupunham palitos no paliteiro. Aqui um preto velho aposentadodepennava as ga11inhas depois de um banho de agua fervendo,e mais além a mulata velha tirava os ossos ás mãos de vaccapara fazer o apetitoso mocotó recheia do com ovos e farinha detrigo (um verdadeiro quitute, desterrado, não sei porque, dos car-dapíos ou menus dos nossos burguezes jantares).

Nessa noite não se pregava olho. Das 10 horas em deante,depois do Aragão, começavam a repicar os sinos das egrejas, demaneira a ensurdecer.

As ruas iam-se pouco a pouco enchendo, e ás portas dostemplos desde as 9 horas já havia devotos para pilhar Ioga r, ba-seados no direito do primi capientis.

Os capadocios afinavam os cavaquinhos e violões. Os gaiatosatravessavam as ruas arremedando o cõcôrocô dos ga11os,. e, dequando em vez, foguetes no ar annunciavam que estava perto ahora solenne.

As egrejas mais concorridas eram S. Francisco de Paula,Miserícordía. S. José, Carmo, a Cathedral, Sancto Antonio, SãoBento e Ajuda, e em tempos anteriores a capella do Menino Deus.em Matacava11os, cuja historia poetica é contada em muitaspaginas pelo Balthazar Lisboa.

A não ser algum rôlo de capoeiras, algumas cabeças que-bradas, algumas navalhadas, o resto corria bem, e acabada a.míssa cada qual se recolhia á casa para comer, descançar e es-perar o dia 25. Muitas vezes havia danças e cantatas, quese prolongavam até de madrugada.

De manhã, abriam-se de par em par as portas dos ora-torios, enriquecidos de obras de primorosa talha, onde se viadeitado entre folhas verdes o menino [esús, cercado de jarras

e Ilôres e a11umiado por velas de cêra postas em castiçaes derata, de vidro ou latão. Tudo isso era para mim de um effeito

rnagico; eu trocaria o pouco que sou para voltar aos meus antigostempos e permanecer embasbacado, por compridas horas, junto aoberço do Menino Deus, sem pensar na peteca, no pião, no jogo

a cabra-cega ou no chicote queimado.

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Era para mim um sacrifício ser chamado para comer me-lancia, não dessas rachitícas, vendidas pelos ilhêos da Penha, masverdadeiras melancias capazes de refrescar um batalhão e que cus-tavam a medica quantia de quinhentos réis! Ao jantar reuniam-seos parentes e adherentes, vinham de fóra e de longe os filhose filhas casadas, todos se junctavam nesse dia solenne, em quese apertavam os doces laços da família, essa cellule da vida social.Compareciam tambem os compadres e comadres, os amigos dopeito e até á mesa dos patrões eram admitidos os caixeiros, queneste dia gosavam das honras de filhos da casa.

Contados! Só saiam tres vezes por anno : no Natal, na Glo-ria e na Paschoa! Eram taes os costumes do tempo, em que ospatrões, para tomar fresco no Passeio ou no largo do Paço,nunca levavam chapéo, para que os caixeiros não soubessem sielles (patrões) estavam perto ou longe!

Bom; tempos em que a jaqueta era de rigor, e a gravatasó usada por quem já tinha alguma cousa de seu. Pouco tra-balhavam nestes dias os barbeiros, não por Iôrça de posturamunicipal, mas por não terem tempo de ir á cara dos freguezes.

Iam tocar nas portas das egrejas em palanques ou coretospreparados.

As bandas militares nunca saiam para esse fim; era contraa disciplina. Quem não conhecia a musica dos barbeiros, aggre-miação digna de um poema, e que desappareceu com o progredirda civilização? Na minha meninice conheci dous typos dessaraça de heróes, deus ultimos Abencerrages que viviam alIi narua do Carmo, pacata e silenciosamente, contando aos posteros assuas brilhaturas não só na Musica, como nas sangrias e applicaçãode sanguesugas.

A proposito; que differença entre os barbeiros antigos e'Os de hoje! Os primeiros tocavam flauta, cavaquinho ou rabeca;os segundos atormentam os ouvidos do proximo falIando na Po-litíca , na guerra de Cuba, na morte de Maceo, na baixa docambio ou recitando pedaços dos Dous Proscriptos ou do PedroCem!

E a visita aos presepes? Os mais afamados eram os doConvento da Ajuda, o da ladeira de Sancto Antonio, tão bemdescríptos ambos no romance de Macedo As Velhas de man-tilha, e o do conego Philippe, na ladeira da Madre de Deus.Este teve a honra de ser visitado pelo rei d. João, o qual, comose sabe, gostava muito de festas de egreja e era inimigo de thea-tros; obrigado a ir a espectaculos, dormia a bom dormir e, de quan-

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do em vez, acordava estremunhado, perguntando aos cortezãos :já se casaram estes bebedos l

Cesse agora o que a antiga Musa canta, que eu vou fallar dopresepe do Barros, alli na rua dos Ciganos, presepe que foi paramim a summa da arte, o meu Eldorado, o cumulo de tudo quantohavia de sublime, perípateuco e esplendoroso.

Fui quasi assignante eHectivo e isso de meia cara, graças :1uma circunstancia que em breve vou salientar.

Imaginae em uma pequena loja de carpinteiro a cidade de Be-lérn, onde nasceu o Christo, transformada em cidade moderna,construida em amphitheatro. com casas de janellas de grades de[erro, com vidraças de cutello, egrejas com torres e sinos, saloiose saloias dansando, gatos, cachorros, coelhos, pescadores. caboclos,jardineiros, toureiros hispanhóes, anjinhos de barriga para baixo,pendurados no tecto recamado de estrellas de papelão dourado.O sol e a lua ao mesmo tempo no horizonte, e no meio do firma-mento uma grande estrella dalva. cujos raios guiavam caravanasde camelos, que faziam parte da comitiva dos tres reis magos,que pareciam vir descendo com ar serio e magestoso de uma mon-tanha collocada no fim do panorama. Tudo isso allumiado porvelas que saiam de castiçaes pregados no meio das ruas, onde exís-tiam Iam peões de gaz só para inglez ver.

Havia tambem no centro um tanque pequeno d'onde jorravaa agua de um repuxo e onde peixinhos vermelhos saracoteavamde um lado para outro.

Via-se em uma lapinha deitado o menino Jesús, tendo pertode si S. José; Nossa Senhora e S. João Baptista, bois, cavallos.porcos, sapinhos e até leões - uma verdadeira arca de Noé. Aspretas lá de casa diziam que aquilo era a cidade do Rio de Janeirono tempo em que Christo andou pelo mundo; aquellas torres.umas eram da Candelaria, esta a de Sancto Ignacio do Castello.e aquella outra a da Penha: a montanha e Çorcooedo, e o lago erao do Passeio Publico! .

E eu acreditava em todas essas patranhas e me considerava.oh sancta simplicites, o ente mais feliz do mundo.

Só mais tarde, quando comecei a estudar a Hístoria Sa-grada, comprehendi ser aquillo tudo um rnixtíforio. um angúde quitandeira, cr.de se mixturava , como nas epopeias, o pro-fano ao sagrado!

Desse presepe posse falIar de cadeira. Tinha o Barrosum offícíal de nome Paulino, da casa de meu padrinho o Commen-dedot . .. que quando morreu me deixou duzentos mil iéis que

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ANTIQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 67me souberam á qaita, pois gastei~os frequentando com assiduidadeo theatro S. Pe.lro e o Alcazar (nas torrinhas já se sabe). Va-mos porém ao caso.

O tal Paulíno, come mais tarde verifiquei, namorava inno-centemente uma mucarna da nossa casa, mulatinha geitosa que eraernpre a primeira a me lembrar as visitas ao presepe do Barros.

Enquanto os dous em doce colloquio conversavam de amores,admirava eu o pandemonio, e ao sair o Paulino satisfeito enchia--me os bolsos de doces e no dia seguinte lá estavamos rente quenem pão quente. Isso durou muito tempo; do Natal foram asrecordações maio queridas e que nunca se apagaram.

E tu Paulíno, si ainda vives, recebe no dia de hoje osmeus votos de sraticlão: si soubesses latim, te repetiria os versosdo poeta - sempf'r lionos nornenque tuum leudesque mane-bunt.

Que importa teres me feito servir de pau de cabelleira?Quanta gente boa tem exercido sem querer esse mister! Odia seguinte do Natal era o dia das indigestões, e os boticariosnão tinham mãos a medir vendendo camomilla, oleo de ricinoe noz vomica.

A meninada Ficava de cama e de dieta um ou dous dias,findos os quaes estava-se prompto para a patuscada. Conti-nuavam as canta tas ou trovadores da rua; mais tarde appareciao bumba meu boi, as dansas dos pastores e entrava-se no AnnoBom e Festa dos Reis.

Dos trovadores desse tempo conheci o Anselmo, que aosom do violão era capaz de cantar um dia inteiro modinhas,todas differentes . São de seu repertório: A saudade roxa, mi-mosa flôr - Qual quebra a vaga do mar - A gentil Carolina -Dizem que vejo e não vejo - Si os meus suspiros pudessem- Mandei um terno suspiro - Os mandamentos da lei do amor,etc ., etc., etc .

Havia um grupo de artistas que eram insignes nas sere-natas desse tempo. Era seu chefe o Goiano. Certa noite parapoderem sair era preciso arranjar quem tocasse o bombo. Poracaso appareceu um estudante de Medicina, hoje medico velho erespeitavel que conhecia soffrivelmente Musica e por isso era mem-bro honorario do tal grupo. Acceitou, com a condição de não en-trar em casa conhecida.

Apezar de nunca se ter visto em taes apuros o nosso futurodoutor ia indo menos mal; percorreu o grupo de foliões váriasruas e elle, meio occulto entre os companheiros, obedecia á batuta

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do mestre; entraram e tocaram em várias casas, sendo muito ap-plaudidos.

Ao subir, porém, o farrancho as escadas de um sobrado,na rua Larga de S. Joaquim, oh horror! estava sentado nosofá da sala, rodeado por muitas moças, um professor da Escholade Medicina!

Tirar a corrêa do pescoço, atirar com o zabumba e fugirpela escada como cão damnado, vendendo azeite ás canadas,foi obra de um minuto. Na rua um policia quiz aqarra-Io. Paralivrar-se embarafustou por uma casa, no fundo da qual, em umquarto, estava uma velha... tomando banho! O infeliz via portoda a parte o bomba transformado em bomba. e uma reprovaçãocerta, si tivesse sido reconhecido.

E tinha razão. Um seu contemporaneo havia sido reprovado,porque tocava rabeca em novenas, para poder estudar; outro, por-que um lente em um theatro o tinha visto vestido de roupa de côr;outro, porque ao avistar o professor não tirou o cigarro da bocca.Cachímbar, como dizia o velho [obím, era o maior de todos os delíc-tos, e quando se queria chamar um moço de máu e de perverso«até dizem que já fuma» era a ultima, era a suprema injuria.

Acabou-se o papel! E eu, como estudante a que em provaescrita cai um ponto dífficíl fiz um grande nariz de cête e nadadisse sõbre a materia l ...

Desta feita levo nota má si não me valer a benevolenciados caros leitores.

Queixem-se do chefe:

24 de Dezembro de 1896.

AS ELEIÇõES MUNICIPAES

Mas que é isso? dirá o leitor. Pois você não está farto deeleições, de ouvir falIar em circulares, em triangulo, em fiscaes,em lei dos turnos, em prctestos e em derrotas, e ainda nos quercacetear quando tudo felizmente está passado?

Pois não havendo folha amanhã, você não poderia dizeralguma cousa sôbrc as bôas saldas e melhores entradas, sôbreo anno bom, sôbre S. Silvestre papa, sôbre o descobrimento doRio de Janeiro ou até mesmo sôbre o imposto do vintem? Ora,tire o cavalIo da chuva, sr. V. F. e vá pregar a outra freguezia!