revista de história n. 171 - usp - virtuosas e perigosas

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461 rev. hist. (São Paulo), n. 171, p. 461-468, jul.-dez., 2014 http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2014.89022 MORIN, TANIA MACHADO. VIRTUOSAS E PERIGOSAS: AS MULHERES NA REVOLUÇÃO FRANCESA. SÃO PAULO: ALAMEDA, 2013, 370 P. Laurent Azevedo Marques de Saes* Universidade de São Paulo O esforço de renovação das formas de pensar e fazer a história social passa necessariamente pela abordagem de novos objetos, assim como pela recuperação de níveis de observação tradicionalmente esquecidos ou ocul- tados em narrativas mais clássicas. A necessidade de “reintroduzir” na His- tória determinados sujeitos levou, no campo específico dos estudos sobre a Revolução Francesa, historiadores a se debruçarem sobre a atuação, durante * Doutor em História pelo Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. E-mails: [email protected]; [email protected].

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Tania Machado Morin. As Mulheres na Revolução Francesa.

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    Laurent Azevedo Marques de SaesResenha

    rev. hist. (So Paulo), n. 171, p. 461-468, jul.-dez., 2014http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2014.89022

    MORIN, TANIA MACHADO. VIRTUOSAS E PERIGOSAS: AS MULHERES NA REVOLUO FRANCESA. SO PAULO: ALAMEDA, 2013, 370 P.

    Laurent Azevedo Marques de Saes*Universidade de So Paulo

    O esforo de renovao das formas de pensar e fazer a histria social passa necessariamente pela abordagem de novos objetos, assim como pela recuperao de nveis de observao tradicionalmente esquecidos ou ocul-tados em narrativas mais clssicas. A necessidade de reintroduzir na His-tria determinados sujeitos levou, no campo especfico dos estudos sobre a Revoluo Francesa, historiadores a se debruarem sobre a atuao, durante

    * Doutor em Histria pelo Programa de Ps-Graduao em Histria Social do Departamento de Histria da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas.

    E-mails: [email protected]; [email protected].

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    o perodo, de grupos antes negligenciados pela literatura, caso dos negros livres e escravos e das mulheres.

    A Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789 estabeleceu o princpio segundo o qual os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. Mas a histria do liberalismo rica em exemplos da capacidade de regimes polticos de criar dualismos, distines e excluses que contra-riam o universalismo de seus princpios fundadores. As contradies decor-rentes desse fenmeno permitem refletir sobre a natureza e os limites de um determinado processo de transformao.

    Aps um mestrado dedicado ao tema,1 Tania Machado Morin reuniu, em seu primeiro livro, Virtuosas e perigosas: as mulheres na Revoluo Francesa, suas concluses a respeito do lugar ocupado pela mulher no processo revolucio-nrio francs do final do sculo XVIII. Com isso, oferece nova contribuio para a reflexo sobre o difcil processo histrico de emancipao da mulher: trata-se de problema de longa durao, sem dvida, mas que encontra, nos grandes momentos de ruptura, a ocasio de revelar-se de maneira mais ntida. Sujeitas s mesmas leis penais que os homens, as mulheres tiveram os seus direitos polticos continuamente recusados, e isso mesmo durante o curto perodo em que a Revoluo suprimiu a distino entre cidados ativos e passivos. O alegado universalismo do processo revolucionrio en-contrava o seu primeiro limite no estatuto jurdico das milhes de mulheres que habitavam o pas e que, apesar de tudo, fizeram-se atrizes ativas dos eventos que marcaram o perodo.

    Morin prope-se, assim, a retraar os esforos de parte de mulheres da poca em alcanar protagonismo num momento de abertura do processo histrico. A autora opta, portanto, por evitar o discurso de fechamento, que tende a limitar o quadro de anlise s medidas de represso da militncia feminina, e se desvia da linha interpretativa consagrada por Joan Landes (autora de importante obra sobre o tema, Women and the public sphere in the age of the French Revolution, 1988), que caracterizou o regime instaurado como um regime contra as mulheres, discurso que tende a desqualificar a Revoluo como um todo. Morin prioriza, ao contrrio, um discurso de abertura (p. 29), em que a anlise das polticas governamentais contrabalanada por uma viso from below, voltada para atividades das mulheres revolucionrias. A historiadora se situa, dessa forma, preferencialmente no campo dos es-

    1 A sua dissertao, intitulada Prticas e representaes das mulheres na Revoluo Francesa, foi defendida em 2009, na Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo.

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    tudos desenvolvidos por Lynn Hunt e Dominique Godineau, afastando-se de um discurso de vitimizao para resgatar a agncia desempenhada pe-las mulheres da poca. Em vez de limitar-se a uma denncia das medidas repressivas, Morin encara essas mesmas medidas como evidncias da im-portncia da militncia feminina, concluindo que (...) as mulheres no fo-ram apenas vtimas indefesas da misoginia da Revoluo, mas protagonistas conscientes de seu papel poltico (p. 331).

    Ao mesmo tempo, a problemtica do status jurdico da mulher na Re-voluo no pode ser contornada. Se a legislao revolucionria promoveu avanos em matria de direitos civis e direito de famlia (em especial, o direito ao divrcio, importante reivindicao feminina), as mulheres con-tinuaram desprovidas do direito de votar e de serem eleitas e estavam, em princpio, excludas da vida poltica. A autora busca explicaes nas cir-cunstncias revolucionrias que, por vezes, estimularam alianas entre o governo e as militantes, para depois determinar o seu rompimento , assim como em tradies culturais, que atribuam ao sexo feminino caractersticas naturais incompatveis com o exerccio da cidadania plena (fraqueza, sen-sibilidade, malcia...). Por outro lado, as mulheres eram chamadas de cidads e seu comportamento apontava para uma cidadania de fato que no deixava de alimentar a controvrsia sobre os seus direitos polticos.

    Morin optou por restringir geograficamente o seu estudo capital fran-cesa, palco das principais manifestaes femininas do perodo revolucion-rio. Cronologicamente, a sua investigao se inscreve no perodo entre 1789, marco inicial da Revoluo, mas tambm ano do primeiro grande ato de militncia organizada das mulheres revolucionrias a Marcha para Versa-lhes , e 1795, ano da derrota do movimento popular urbano, no seio do qual as mulheres encontraram um maior protagonismo. Tal recorte j assinala a (feliz) escolha de enfatizar a ao das mulheres que integraram o movimento popular parisiense.

    Na primeira parte da obra, dedicada ao estudo das prticas que marca-ram a trajetria das mulheres sob a Revoluo, a autora busca, verdade, dar conta da multiplicidade das formas assumidas por esse ativismo durante o perodo. De mulheres influentes, como mme de Stel e mme Roland, a feministas avant-la-lettre, como Olympe de Gouges (autora da famosa Decla-rao dos Direitos da Mulher e da Cidad, de 1791), a holandesa Etta-Palm dAel-ders e a controversa Throigne de Mricourt, as mulheres provenientes da aristocracia e da burguesia no foram negligenciadas. Mas Morin opta por focalizar as mulheres das classes populares e, para fins didticos, constri

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    a sua anlise em torno da sua reunio em trs grandes conjuntos: as mes republicanas, as mulheres-soldados e as militantes polticas.

    No projeto revolucionrio de regenerao moral da sociedade, a levian-dade, a dissimulao, a futilidade, traos tradicionalmente associados, inclu-sive no discurso de filsofos como Rousseau, ao sexo feminino, eram pro-fundamente condenados como marcas de uma sociedade aristocrtica a ser destruda. As mulheres manifestavam, na sua maioria, uma vontade de rom-per com esses esteretipos, muitos deles associados aristocracia e sua maior representante, Maria Antonieta, a prostituta austraca. Ao mesmo tempo, esse discurso alimentava a reao contra a participao poltica da mulher e a favor de sua reduo ao papel de me republicana. A esta cabia criar e educar os filhos como verdadeiros revolucionrios e soldados da Repblica. Naque-le contexto, a maternidade aparecia como uma forma de expresso do pa-triotismo. Como bem nota Morin, essa exaltao do papel materno e dos atos a ele vinculados (como a amamentao), fazendo deles assuntos de interesse nacional, denotava uma profunda confuso das esferas pblica e privada.

    Muitas mulheres, entretanto, no se restringiram ao papel de mes cvi-cas que lhes era imposto. E so justamente essas mulheres que saram de seu sexo que interessam particularmente a Morin. H, por exemplo, o caso das mulheres-soldados, que se alistavam individualmente no exrcito, muitas vezes disfaradas, para defender a ptria em perigo ou acompanhar maridos, amantes e irmos enviados para o front. Um decreto de 30 de abril de 1793 procurou exclu-las, mas, na prtica, nunca foi cumprido e algumas mulheres chegaram a receber gratificaes e penses do governo. Para a autora, essas mulheres podiam ser aceitas por expressarem, na tica de oficiais e lderes polticos, um ideal de virtude: elevavam-se acima de seu sexo, verdade, mas para auxiliar os homens em seu dever patritico. Destacavam-se das mulheres consideradas imorais que queriam participar efetivamente da vida poltica.

    Mais complexo, justamente, era o caso das mulheres que procuraram intervir na poltica interna do pas. Desde o incio da Revoluo, a presena feminina foi notvel nas grandes mobilizaes populares. Morin evidencia a existncia de um modelo de complementaridade dos sexos em jornadas de revolta popular, tais como a tomada da Bastilha, as invases do palcio das Tulherias e as jornadas de germinal e prairial do ano III. A obra dedica um espao privilegiado Marcha para Versalhes, de 5 de outubro de 1789, em que milhares de mulheres se dirigiram ao palcio real para pedir ao rei que acabasse com a falta de po. Retornaram vitoriosas, escoltando o monarca at a capital. O evento aparece como o marco inicial de uma participao poltica de massa por parte das mulheres. A historiadora toma o cuidado

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    de lembrar que tais manifestaes femininas se inscreviam numa tradio de participao de mulheres em protestos populares (em particular, motins motivados pela fome). Mas, para a autora, essas manifestaes adquiriam, no contexto da Revoluo, o sentido de atos de cidadania e apresentavam-se como a expresso de uma concepo de soberania popular, enquanto exer-ccio de democracia direta (p. 92).

    A participao poltica das mulheres no se limitou sua presena em jornadas populares. Morin aborda o desenvolvimento de uma militncia organizada no seio do movimento popular parisiense. Merece particular destaque o papel primordial desempenhado pelas mulheres sans-culottes na taxao forada dos alimentos, isto , a fixao de seus preos a um valor justo. Nesse quadro, um clube popular feminino foi organizado: a Socieda-de das Cidads Republicanas Revolucionrias, que a historiadora apresenta como o pice da influncia poltica das mulheres das classes populares. A militncia da sociedade, evidenciada na sua oposio aos girondinos, na sua presso pela instalao de tribunais revolucionrios, pelo aumento das foras armadas, pela distribuio de terras aos soldados e pela instituio de um imposto sobre a riqueza, apontava para um programa poltico radical integrado ao da sans-culotterie e prximo dos ideais dos chamados enraivecidos. Morin sustenta, entretanto, o carter autnomo do combate das republicanas que no integravam, alis, a estrutura oficial do movimento revolucionrio.

    A participao poltica de mulheres nas jornadas populares, na taxao de preos de alimentos e suas diferentes intervenes no espao pblico desencadearam violentos ataques moralidade das militantes, muitas vezes apresentadas como joguetes nas mos de conspiradores contrarrevolucion-rios. Essa ofensiva contra a militncia feminina levou abolio das socie-dades de mulheres (e, em particular, da Sociedade das Cidads Republicanas Revolucionrias) e a restries que praticamente tiraram das mulheres qual-quer possibilidade de participao poltica. Morin sustenta a tese de que o alvo dessas medidas era a mulher politizada como um todo. Ao mesmo tempo, a autora entende que essas medidas no se voltavam simplesmente contra as mulheres, mas contra as mulheres enquanto parte do movimento popular.

    Se a primeira parte da obra consagrada s prticas, a segunda dedicada s representaes da mulher sob a Revoluo. No campo das representaes, Morin restringe a sua anlise iconografia, fazendo, particularmente, um timo uso das colees conservadas no museu Carnavalet, em Paris. O livro inclui um amplo caderno de imagens, em boa definio, com os devidos co-mentrios da autora para cada uma delas. A partir da ideia de que uma ima-gem pode expressar ideias e valores destinados ao convencimento de um

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    determinado pblico, a autora se vale da relao dialtica entre as prticas descritas no primeiro segmento da obra e as representaes analisadas em seguida para evidenciar o processo de construo de um imaginrio social, por meio de signos e smbolos. da submisso da arte a uma misso poltica e moral (p. 31), isto , a difuso dos ideais revolucionrios referentes ao pa-pel de cada sexo na sociedade, que Morin trata. Ao mesmo tempo, a sua an-lise ilustra a ambiguidade que cercava, sob a Revoluo, a figura da mulher.

    Morin analisa, essencialmente, trs tipos de representao. Em primeiro lugar, encontramos as alegorias revolucionrias, que se inscreviam numa tradio iconogrfica de usar personagens femininas para representar figuras abstratas. Ao mesmo tempo, a autora sustenta que essas imagens eram con-cebidas como modelos de comportamento para as mulheres da poca. Assim, imagens como as da Natureza que amamenta crianas de etnias diferentes, da me Ptria que ensina a uma criana os preceitos da nao, da Liberdade que protege a inocncia e coroa a virtude ou da Frana republicana que ama-menta os seus filhos representariam o ideal burgus da esposa e me auste-ra, elevada e silenciosa. Tais representaes contribuam para a construo do ideal da me cvica, mas, ao mesmo tempo, davam mulher um protago-nismo que conflitava com o papel circunscrito a que se queria submet-la.

    No campo oposto ao das alegorias oficiais, encontramos as caricaturas contrarrevolucionrias, que tendiam a representar as mulheres como figuras monstruosas (muitas vezes, sob a forma de medusas) ou obscenas. Esse esforo de demonizao e vulgarizao da mulher tinha por escopo atrelar a imoralidade da Revoluo interferncia da mulher em espaos ou funes a ela vedados.

    Por fim, Morin aborda a representao feminina em imagens descri-tivas, que registravam acontecimentos da Revoluo, ao mesmo tempo em que construam, por meio dos cdigos empregados, a memria desses fatos. Algumas imagens so crticas interveno feminina, ressaltando a inverso dos papis e a usurpao da fora viril. Certas cenas retratam o descontrole emocional de mulheres no exerccio de funes essencialmente masculinas. Tais representaes contriburam, por exemplo, para criar ou reforar o mito da tricoteuse (tricoteira) sanguinria,2 esteretipo imortalizado pelas persona-gens de madame Defarge e da Vingana em Um conto de duas cidades (A tale of

    2 As ditas tricoteiras eram mulheres que tricotavam ou costuravam nas tribunas das socie-dades jacobinas e da Comuna de Paris, enquanto acompanhavam a deliberao de assuntos revolucionrios. Construiu-se o mito das tricoteiras como bebedoras de sangue ou frias da guilhotina, que assistiam impassveis s execues em praa pblica.

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    two cities, 1859), de Charles Dickens. Morin atribui, entretanto, um espao privi-legiado s aquarelas de Lesueur,3 que registravam fatos da Revoluo e cenas familiares, muitas vezes de forma idealizada ou suavizada. Nessa coleo, en-contramos a representao das mulheres numa luz favorvel, associando-as a valores de maternidade, coragem, sacrifcio pessoal, patriotismo e filantropia.

    Esse conjunto de imagens revela uma pluralidade de olhares, por vezes favorveis, embora majoritariamente crticos, sobre a participao feminina na vida poltica revolucionria. Um exame da autoria das representaes te-ria permitido situar melhor os pontos de vistas nelas expressados, mas mui-tas das imagens foram publicadas anonimamente, o que dificulta o trabalho de identificao. A anlise de Morin permite, de qualquer forma, ilustrar as ambiguidades inerentes ao problema da mulher na Revoluo, definido pela contradio entre, de um lado, uma poltica governamental de excluso e, de outro, o exerccio de uma cidadania de fato por parte de mulheres militan-tes. Embora a Revoluo e Bonaparte, depois dela, no tenham reconhecido a sua cidadania plena, essas mulheres, conclui a autora, deixaram um legado e um exemplo de luta inegveis.

    Com uma escrita agradvel e com o cuidado de sempre situar os eventos abordados no seu devido contexto, a historiadora apresenta uma obra rica e relevante para o estudioso da Revoluo e, ao mesmo tempo, acessvel ao lei-tor casual. Dada a complexidade do tema, alguns pontos ainda suscitam in-terrogaes. A grande dificuldade encontrada por estudiosos de movimentos sociais evidenciar a existncia de verdadeiras unidades na sua base. Morin aponta a presena, por trs do termo mulheres, de uma pluralidade de grupos, com interesses, objetivos e estratgias diferentes. E a autora pouco fala das mulheres dos campos franceses ou da contrarrevoluo, o que sugere que a diversidade era ainda maior. As diferentes vertentes do movimento revo-lucionrio se reproduziam no seio da populao feminina e mesmo entre as militantes, que no constituam, como diz Morin, um grupo monoltico. A autora acredita, entretanto, que, em alguns momentos, elas agiram como mulheres (p. 97-98) e, nesse sentido, teriam sido reprimidas como tal.

    3 As aquarelas em questo so provavelmente da autoria de Jean-Baptiste Lesueur e encon-tram-se conservadas, talvez de forma fragmentada, no museu Carnavalet, em Paris. Sobre o tema, cf. CARBONNIRES, Philippe de. Les gouaches rvolutionnaires de Lesueur au muse Carnavalet. Annales historiques de la Rvolution franaise. Paris: Armand Colin, 343, jan.-mar. de 2006. Disponvel em: http://ahrf.revues.org/9882. Acesso em: 31 de ago. de 2014.

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    A questo merece reflexo. Em primeiro lugar, porque, segundo a pr-pria autora, no havia, na Sociedade das Republicanas Revolucionrias, uma agenda propriamente feminista, isto , voltada para a redefinio do es-tatuto da mulher. Em segundo lugar, porque a trama dos eventos narrados por Morin indica que a militncia feminina foi tolerada quando serviu aos propsitos das lideranas revolucionrias e foi, consequentemente, contida quando se tornou inconveniente. A prpria autora afirma que as ativistas foram reprimidas dentro de um contexto autoritrio de refreamento das classes populares, no apenas por serem mulheres, mas por integrarem o movimento popular que ameaava a estabilidade do poder (p. 340). As mi-litantes eram da sans-culotterie, cuja influncia ameaava o projeto poltico da burguesia francesa. O que, portanto, foi mais determinante: a condio fe-minina ou o elemento poltico implicado na sua militncia? Questo difcil, que um estudo mais aprofundado do carter de classe da militncia femi-nina, da sua represso e mesmo das suas representaes ajudaria a elucidar.

    Dito isso, a obra de Tania Machado Morin nos oferece um estudo abran-gente e sofisticado sobre o tema, aliando, de forma harmnica, investigao histrica e interpretao da linguagem artstica, e contribuindo para a refle-xo crucial sobre a mulher enquanto agente da histria. Que esse estudo seja publicado em nosso pas, ainda carente em publicaes sobre a Revoluo, mais um motivo de satisfao.

    Recebido em: 01/09/2014 Aprovado em: 21/10/2014.