revista conceitos 18

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Revista conceitos 18

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Page 1: Revista conceitos 18
Page 2: Revista conceitos 18

ISSN 1519-7204N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)

106 páginas

João Pessoa - Paraíba - Brasil

Agosto de 2013

Ricardo de Figueiredo Lucena

e Ricardo da Silva Araújo

(Orgs.)

Page 3: Revista conceitos 18

Conceitos / Ricardo de Figueiredo Lucena e Ricardo da Silva Araújo (Orgs.). – Vol. 1, n. 18 (Ago. 2013).- João Pessoa: ADUFPB-Seção Sindical do ANDES-SN, 2013.

Semestral ISSN 1519-7204

1. Ensino superior - periódicos. 2. Política da educação - periódicos. 3. Ensino público - periódicos. I. Lucena, Ricardo de Figueiredo. II. Araújo, Ricardo da Silva. III. ADUFPB.

C744

CDU: 378

A revista Conceitos é uma publicação para divulgação de artigos científicos-pedagógicos,

produzidos por docentes da Universidade Federal da Paraíba e colaboradores, promovida pela ADUFPB -

Seção Sindical do ANDES-SN, com distribuição gratuita e dirigida aos filiados da Entidade.

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba

Page 4: Revista conceitos 18

É UMA PUBLICAÇÃO DA ADUFPB/SSIND. DO ANDES-SN

Centro de Vivência da UFPB - Campus I - Cx. Postal 5001

CEP 58051-970 - João Pessoa/Paraíba - Fones: (83) 3133-4300 / (83) 3216-7388 - Fone/Fax: (83) 3224-8375

Homepage: www.adufpb.org.br - E-mail: [email protected]

João Pessoa - Paraíba - Agosto de 2013 - Edição número 18

APOIO CULTURAL

CREDUNI

Page 5: Revista conceitos 18

CONSELHO EDITORIAL:

Albergio Claudino Diniz Soares (UFPB)

Albino Canelas Rubin (UFBA)

Beatriz Couto (UFMG)

Galdino Toscano de Brito Filho (UFPB)

Ivone Pessoa Nogueira (UFPB)

Ivone Tavares de Lucena (UFPB)

Jaldes Reis de Meneses (UFPB)

Lourdes Maria Bandeira (UnB)

Luiz Pereira de Lima Júnior (UFPB)

Maria Otília Telles Storni (UFPB)

Maria Regina Baracuhy Leite (UFPB)

Mário Toscano (UFPB)

Martin Christorffersen (UFPB)

Mirian Alves da Silva (UFPB)

Vanessa Barros (UFMG)

Virgínia Maria Magliano de Morais

Waldemir Lopes de Andrade (UFPB)

ORGANIZAÇÃO, EDIÇÃO, PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA: Ricardo Araújo (DRT/PB 631)

FOTOS/ILUSTRAÇÕES/GRÁFICOS: Originais fornecidos pelos autores.

FOTOGRAFIA DA CAPA: Bertrand Lira Professor do Departamento de Comunicação em Mídias Digitais da UFPB.

FICHA CATALOGRÁFICA: Edna Maria Lima da Fonseca (Bibliotecária da Biblioteca Central da UFPB). DIVULGAÇÃO E IMPRENSA: ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA ADUFPB (ASCOM/ADUFPB)

Jornalistas responsáveis: Renata Ferreira e Ricardo Araújo.

COLABORAÇÃO E LOGÍSTICA: Célia, Da Guia, José Balbino, Lu, Nana e Valdete.

GESTOR DE CONVÊNIOS - ADUFPB/CREDUNI Marcelo Barbosa

DISTRIBUIÇÃO E CIRCULAÇÃO: Gratuita e dirigida aos filiados do sindicato.

Os textos assinados são de responsabilidade integral do autor e não refl etem, necessariamente, a opinião da revista. É permitida a reprodução total ou parcial de textos, fotos e ilustrações, desde que seja citada a fonte e o autor da obra.

CONTATOS: E-mails: [email protected] (Célia Lopes) [email protected] (Ricardo Araújo)

NÚMEROS ANTERIORES: A ADUFPB disponibiliza no site do sindicato (www.adufpb.org.br), na seção Revistas, todos as edições da Revista Conceitos em formato digital (PDF), que podem ser adquiridas gratuitamente (downloads) para consulta.

FOTO DA CAPA

Autor:

Bertrand Lira

Professor do Departamento de Comunicação

em Mídias Digitais da Universidade Federal

da Paraíba (UFPB).

Page 6: Revista conceitos 18

SumárioRevista Conceitos - Ano 2013, Número 18, Volume 1.

PÁG. 9

APRESENTAÇÃO

PÁG. 10

Qualidade de vida, resiliência, história de trauma, transtorno

do estresse pós-traumático, impulsividade, religiosidade e suas

relações com transtornos mentais em professores universitários:

uma revisão da literatura

Raimunda de Fátima Neves Coêlho

Lucas de Castro Quarantini

Rita de Cássia Lucena

PÁG. 18

Fundamentos da educação e a prática educativa:

uma breve coletânea reflexiva...

Ana Maria Nóbrega

Maria Tereza L. de Oliveira Chaves

PÁG. 25

A relação teórico-prática na formação docente em EJA

Genilson José da Silva

Maria das Graças de Almeida Baptista

PÁG. 34

Considerações sobre o aparecimento do livro

didático da educação de jovens e adultos no Brasil

Erenildo João Carlos

Dafiana do Socorro Soares Vicente

PÁG. 46

O axonômetro no ensino da Axonometria

Marcos A. R. de Barros

PÁG. 56

Qualidade hospitalar: expectativa e percepção dos pacientes

Maria Bernadete de Sousa Costa

Juraci Dias Albuquerque

Pedro Eugenio López Salazar

Jozemar Pereira dos Santos

PÁG.66

O lúdico como atividade do pensar na educação infantil

Tânia Rodrigues Palhano

Iria da Costa Silva

PÁG. 73

O papel da escolarização no processo da cidadania

das pessoas com deficiências da cidade de João Pessoa - Paraíba

Sandra Alves da Silva Santiago

Maria Tereza Lira de Oliveira Chaves

Ana Maria Nóbrega

PÁG. 81

Decodificando as ações corporais na prática docente

Djavan Antério

Pierre Normando Gomes da Silva

PÁG. 89

Falas em preto e branco

José Maria Tavares de Andrade

PÁG. 96

CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA:

A inserção da mulher no mundo do crime

Marlene Helena de Oliveira França

Page 7: Revista conceitos 18

Presidente

JALDES REIS DE MENESES (CCHLA)

Vice-Presidente

ROMILDO RAPOSO FERNANDES (CE)

Secretária Geral

TEREZINHA DINIZ (CE)

Tesoureiro

MARCELO SITCOVSKY SANTOS PEREIRA (CCHLA)

Diretor de Política Educacional e Científica

FERNANDO JOSÉ DE PAULA CUNHA (CCS)

Diretora de Política Social

MARIA DAS GRAÇAS A. TOSCANO (CCS)

Diretor Cultural

CARLOS JOSÉ CARTAXO (CCTA)

Diretor de Divulgação e Comunicação

RICARDO DE FIGUEIREDO LUCENA (CE)

Diretor de Política Sindical

CLODOALDO DA SILVEIRA COSTA (CCM)

Diretora para Assuntos de Aposentadoria

AUTA DE SOUSA COSTA (CE)

Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus de Areia

ABRAÃO RIBEIRO BARBOSA (CCA)

Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus de Areia

PAULO CÉSAR GEGLIO (CCA)

Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus de Bananeiras

MARINO EUGÊNIO DE ALMEIDA NETO (CCHSA)

Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus de Bananeiras

NILVÂNIA DOS SANTOS SILVA (CCHSA)

Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus do Litoral Norte

CRISTIANO BONNEAU (CCAE)

Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus do Litoral Norte

BALTAZAR MACAÍBA DE SOUSA (CCAE)

Suplente da Secretaria

WLADIMIR NUNES PINHEIRO (CCM)

Suplente da Tesouraria

MARIA APARECIDA BEZERRA (CCS)

DIRETORIA EXECUTIVA DA ADUFPB - GESTÃO 2013/2015

Page 8: Revista conceitos 18

Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN 9

Provas da diversa e instiganteprodução docente da UFPB

Este é o número 18 da Revista Conceitos. Forjado no empenho da Diretoria 2011-2013, fica à disposição dos leitores agora, já na nova gestão 2013-2015. Essa é mais uma prova de que a Revista Conceitos vem se firmando cada vez mais como parte de uma política de ação sindical e acadêmica da ADUFPB e sempre buscando qualificar-se enquanto veículo de ideias e debates, fruto da produção intelectual dos nossos professores sindicalizados.

Nossa gestão acredita que uma das formas de enfrentar o processo de pre-carização do trabalho docente nas universidades públicas brasileiras é fazendo ver, à comunidade em geral, a nossa produção acadêmica e a qualidade dos textos aqui veiculados. Uma outra forma, acreditamos, é a UNIDADE no enfrentamen-to da política adversa que vem sendo imposta pelo governo federal, com ações contra a autonomia universitária (vide a lei que cria a EBSERH e o Decreto n. 4330/2013) como também a LUTA com o propósito de mostrarmos, ao governo e a sociedade em geral, que a defesa da universidade pública, gratuita e com qualidade acadêmica foi, é e sempre será a tônica do nosso sindicato. Portanto, UNIDADE e LUTA por uma política de pleno investimento em educação pública.

Neste número, o leitor poderá desfrutar de uma leitura ampla e diversa. E essa diversidade temática é uma de nossas características, que pode ser ates-tada em artigos que tratam, por exemplo, de “O lúdico como atividade do pensar na educação infantil”, da Profa. Dra. Tânia Palhano; também, “Criminalidade e violência: a inserção da mulher no mundo do crime”, da Profa. Dra. Marlene Helena França, e, ainda, “Qualidade hospitalar: expectativa e percepção dos pacientes”, da Profa. Dra. Maria Bernadete Costa e outros. Provas textuais da diversa e instigante produção docente da UFPB.

Ao leitor caberá a decisão de quais e como serão lidos, comentados e, sob o crivo da mais necessária ação acadêmica, criticados os trabalhos aqui apresentados. Pois, estamos certos que a melhor crítica é aquela que contribui para a ampliação e a renovação do conhecimento. Assim, esperamos que todos tenham bons motivos para ler e usufruir do conhecimento que está disponível nas páginas da nossa Revista Conceitos.

Os organizadores.

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Page 9: Revista conceitos 18

Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN10

10Raimunda de Fátima Neves Coêlho*, Lucas de Castro Quarantini** e Rita de Cássia Lucena***

Qualidade de vida, resiliência, história de trauma, transtorno do estresse pós-traumático, impulsividade, religiosidade e suas relações com transtornos mentais em professores universitários: uma revisão da literatura

RESUMO:

No âmbito da profissão docente, o professor universitário enfrenta diferentes adversidades, decorrentes de exigências dessa profissão, como maior carga de traba-lho e produtividade, o que contribui para o aumento de adoecimento dessa categoria. Diante dessa realidade, este artigo pretendeu abordar os estudos relevantes sobre qualidade de vida, resiliência, história de trauma, transtorno do estresse pós-traumático, impulsividade e religiosidade e suas relações com transtornos mentais em professores universitários. As bases de dados pesquisadas foram ScieLo, PubMed,LILACS e Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. As buscas confirmaram poucas pesquisas. Os resultados sugerem estudos sobre características clínico-comportamentais em professores.

Palavras-chave: Características clínico-comportamentais. Professor universitário. Qualidade de vida.

Religiosidade.

ABSTRACT:

Within the teaching profession, the university lecturer faces a variety of chal-lenges, such as a heavy workload and the need for greater productivity, arising from the demands of the profession and leading to increased sickness within this sector. Given this situation, this article intends to address relevant studies regarding quality of life, resilience, history of trauma, post-traumatic stress disorder, impulsivity, religiosity and their relationships with mental disorders in university lecturers. The databases rese-arched were SciELO, PubMed, LILACS and the Data Bank of Theses and Dissertations of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior: CAPES). These searches revealed that few studies have been undertaken and the results suggest the need for future research about lecturers’ clinical and behavioural characteristics.

Key words: Clinical and behavioural characteristics; University lecturers; Quality of life; Religiosity.

(*) Professora Mestre da Unidade Acadêmica de Educação, Centro de Formação de Professores, Universidade Federal de Campina Grande e Doutoranda da Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]. (**) Professor Doutor do Departamento de Neurociências e Saúde Mental. Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia. E- mail: [email protected]. (***) Professora Doutora do Departamento de Neurociências e Saúde Mental. Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]

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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN 11

INTRODUÇÃO

Inicialmente, é necessário, mesmo que de forma breve, tecer considerações sobre a profis-são docente, uma vez que este estudo envolve professores universitários.

A docência é considerada uma profissão tão antiga quanto a Medicina e o Direito.

Durante muito tempo, foi apresentada como uma vocação, um sacerdócio leigo, um apostola-do. No que diz respeito à valorização, do pon-to de vista social, foi considerada, inicialmente, como uma profissão de prestígio, porquanto se voltava mais para preparar uma classe elitista, e seu exercício era determinado pelas qualida-des morais que o professor deveria exibir para aqueles que controlavam seu trabalho. Porém, perde seu valor quando se volta para a classe trabalhadora.

Nas últimas décadas, no contexto de gene-ralização e de massificação da educação, o sin-dicalismo docente e as associações profissionais insistiram para que o ensino fosse reconhecido como um ofício, e os docentes, na qualidade de trabalhadores qualificados, fossem tratados pelo seu empregador nos planos material, social e simbólico. Recentemente, respondendo, de cer-ta forma, ao discurso de formadores de profes-sores pelo mundo, certas políticas educativas nacionais consideram que a profissão docente deve evoluir conforme uma lógica de profissiona-lização, entendida no sentido de a sociedade re-conhecer o status, diante de sua desvalorização historicamente reconhecida até os dias atuais (TARDIF; LESSARD; GAUTHIER, 1998).

A não valorização tem causado apreensão e tem sido alvo de frequentes críticas e mobiliza-ções do movimento docente, face à realidade do Ensino Superior no Brasil, principalmente, sua mercantilização, que transforma a educação de direito do cidadão e dever do Estado em merca-doria. Na prática, tal tendência exige da profis-são docente mais produtividade, maior carga de trabalho e torna precárias as condições de traba-lho e a redução de custos, entre outros.

Nesse processo de desvalorização da ca-tegoria, resultante de mudanças ocorridas na década de 1990, a imposição de metas produ-tivistas e a precarização do trabalho atingiram o meio acadêmico, com a implantação de refor-

mas educacionais e modelos pedagógicos que a profissão docente vem enfrentando ano após ano, dificuldades de diferentes tipos, que contri-buem para que não se reconheça o lugar central que ocupam os professores na sociedade. Assim, compreende-se que, especificamente dessa dé-cada aos dias atuais, o trabalho nas Instituições de Ensino Superior é permeado pela mesma ló-gica da racionalidade que preside a empresa ca-pitalista, como desígnio das políticas neoliberais

(MOURA, 2009). Impõe-se, desse modo, a ideia de eficácia,

de eficiência e de produtividade, sob a influência dessas novas configurações do trabalho docen-te, na sociedade contemporânea da informação e do conhecimento e das tecnologias avançadas que exigem permanente requalificação como condição de trabalho. Nesse contexto, o profes-sor universitário insere-se na lógica da empresa capitalista quantificadora, materializada no pro-dutivismo acadêmico que, de forma exacerbada e premiada, conduz à competitividade entre os pares.

Em face dessa realidade, os professores enfrentam dificuldades psicossociais, quando se confrontam, cotidianamente, com “um senti-mento pessoal de perda de controle, de acele-ração [de suas] vidas, de uma corrida intermi-nável rumo a metas [...]” (CASTELLS, 2003, p. 51), e isso vem contribuindo para o aumento dos índices de adoecimento na categoria. Um recen-te estudo com professores de universidades pri-vadas do Rio Grande do Sul evidencia que, de uma amostra de 1800 docentes, cerca de 50% usavam algum tipo de medicação psicotrópica, em razão do comprometimento da esfera psicoa-fetiva (CAMPOS, 2009).

Diante dessa situação, abordam-se, neste artigo de revisão, o conteúdo, o método e os es-tudos pertinentes a aspectos como: resiliência, qualidade de vida, história de trauma, transtorno do estresse pós-traumático, impulsividade e religiosi-dade, relacionados aos transtornos mentais em professores universitários.

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão sistemática de li-teratura, em cuja busca científica foram utiliza-dos os descritores: qualidade de vida, resiliência,

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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN12

impulsividade, história de trauma, transtorno do estresse pós-traumático, religiosidade e transtor-nos mentais em professores universitários e seus respectivos vocábulos em língua portuguesa e inglesa. As bases de dados pesquisadas foram: Scielo, PubMed, Lilacs e Banco de Teses e Dis-sertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Foram in-cluídos todos os artigos que apresentavam texto completo e algum indicador relacionado a pro-fessores universitários, bem como a cada aspec-to acima descrito, e excluídos artigos em que os professores universitários apresentaram doenças físicas associadas.

RESULTADOS

Encontraram-se 330 artigos; 183 teses/dis-sertações, envolvendo professores e os demais descritores. Foram excluídos 290 artigos, confor-me critério mencionado. Apenas 15 artigos e sete teses/dissertações incluíam, especificamente, professores universitários. Desse número, oito artigos e quatro teses/dissertações abordaram o tema qualidade de vida; cinco artigos e três teses/dissertações enfocaram transtornos men-tais; em relação à religiosidade, só se encontrou um artigo; sobre história de trauma, também um artigo; e para impulsividade, transtorno do estresse pós-traumático e resiliência em profes-sores universitários, não foi encontrado nenhum estudo. Dentre as publicações em periódicos, 12 são estudos nacionais, e três, internacionais.

Metodologicamente, os resultados são apre-sentados sob a forma de eixos temáticos, discor-rendo-se sobre eles, o conteúdo, o método e a inclusão de seus respectivos estudos, segundo os critérios estabelecidos e, principalmente, de acordo com a questão da pesquisa, ou seja, as-pectos como: resiliência, impulsividade, história de trauma, transtorno do estresse pós-traumá-tico, religiosidade e qualidade de vida que po-dem estar relacionados aos transtornos mentais em professores universitários. Para tanto, por meio de um processo sistemático de localização da literatura em questão, procedeu-se à análise das evidências dos estudos científicos, para se ter uma visão geral confiável, a fim de verificar as confluências, as dissonâncias e as possíveis lacunas no conhecimento acumulado, conforme

descrito a seguir. Ao discorrer sobre os transtornos men-

tais, destaca-se a existência de dois sistemas de classificação (DSM-IV e CID-10), que definem e descrevem esse problema específico de forma clara. Porém, considera-se útil clinicamente a abordagem inicial dos quadros mentais através da perspectiva sindrômica (DALGALARRONDO, 2008). Assim, o transtorno, de acordo com a Clas-sificação de Transtornos Mentais e de Compor-tamento da CID-10, é um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecíveis, associados, na maioria dos casos, a sofrimento e a interferência com funções pessoais. Desvio ou conflito social sozinho, sem disfunção pesso-al, não deve ser incluído como transtorno men-tal (WHO, 1993). Para avaliar esses transtornos, a partir de 2001, recomenda-se a aplicação do M.I.N.I. Plus (Mini Internacional Neuropsychiatric Interview). É uma entrevista diagnóstica padroni-zada, breve (15-30 minutos), compatível com os critérios do DSM- IV e da CID- 10, que representa uma alternativa para selecionar pacientes, se-gundo critérios internacionais e epidemiológicos da American Psychiatric Association [APA], 1984, 1987. World Health Organization [WHO] 1992 (AMORIM, 2000).

Na literatura internacional, destacou-se o Estudo da Área de Captação Epidemiológica do Instituto Nacional de Saúde Mental (ECA-MIMH), considerado o primeiro de grandes dimensões, realizado entre 1980 e 1985, em cinco cidades dos Estados Unidos, e que avaliou transtorno mental em cerca de 20 mil pessoas (BLAZER, 2000). Entre 1990 e 1992, realizou-se um se-gundo estudo nos Estados Unidos - a Pesquisa Nacional de Comorbidade (National Comorbidity Survey – NCS), em que cerca de oito mil pesso-as foram investigadas. O estudo mostrou que a maioria dos indivíduos com transtornos mentais (56%) apresentou diagnóstico comórbido (KESS-LER et al., 1994).

No período de 2001 a 2002, outro estudo realizou a replicação da National Comorbidity Sur-vey (NCS – R), que avaliou mais de nove mil indi-víduos, utilizando a CIDI e os critérios diagnós-ticos do DSM-IV. Identificou-se que 26% haviam apresentado algum transtorno mental no último ano, e 46%, ao longo da vida. Dos 26 % com transtornos mentais, no último ano, 60 % rela-

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taram transtornos classificados como graves ou moderados (KESSLER et al.,2005).

Na Europa, um amplo estudo multicêntrico, que envolveu a França, a Alemanha, a Bélgica, a Espanha e os Países Baixos, tratou da preva-lência na vida e, no último ano de transtornos depressivos, ansiosos e relacionados ao álcool, identificou a prevalência de pelo menos um des-ses transtornos, com frequências de 10 %, no ano, e de 25%, ao longo da vida (LÉPINE et. al., 2005). Evidencia-se alta prevalência de transtor-nos mentais na população geral entre 30 e 50% (DALGALARRONDO, op. cit.). No Brasil, um país com estimativa de 10 milhões de portadores de doença mental persistente (TOLMAN, 2009), os índices variam de 13,5 a 35%.

Nos anos de 1990, um importante estudo, realizado em três capitais brasileiras, evidenciou que cerca de 31 a 50% da população brasileira apresenta, durante a vida, pelo menos, um episó-dio de algum transtorno mental (ALMEIDA FILHO et al., 1997). Um segundo estudo investigou índi-ces de transtornos psiquiátricos na comunidade, nos Bairros Jardim América e Vila Madalena, em São Paulo, onde 45,9% da população estudada tinha, no mínimo, um diagnóstico de transtorno mental ao longo da vida, 26,8%, no último ano, e 22,2% no mês anterior à entrevista (ANDRADE et al., 2002).

Outro estudo sobre desordem psiquiátrica realizado em Pelotas, na região sul do país, em uma amostra de 1277 pessoas, encontrou um ín-dice de 26,5% entre as mulheres e 17,9% entre os homens. Esse estudo verificou uma relação inversa entre ganhos, escolaridade e prevalência de transtornos emocionais (LIMA et al., 1999). Os transtornos psíquicos são associados aos fatores estressores ambientais. Um estudo rea-lizado em Hong Kong mostrou que a profissão de ensinar é altamente estressante e que, aproxi-madamente, um terço dos professores pesquisa-dos apresentou sinais de estresse e de burnout (CHAN, 2003). Na Bulgária, um estudo avaliou 69,5% dos professores de uma região desse país e constatou elevada taxa de morbidade devido a distúrbios mentais e a doenças do sistema ner-voso (DIMITROV, 1991).

Professores do Reino Unido e de Hong Kong foram avaliados sobre a relação entre o ambien-te psicossocial do trabalho e sua saúde mental.

Os resultados demonstraram comprometimento excessivo na profissão docente (TANG; LEKA; MA-CLENNAN, 2012). Em Belo Horizonte, um estudo mostrou que os transtornos psíquicos ocupam o primeiro lugar entre os diagnósticos que provo-caram os afastamentos (16%) na rede municipal de ensino (ASSUNÇÃO, 2003).

A frequência de riscos para se desenvolve-rem transtornos mentais, detectados entre os docentes pesquisados em Vitória da Conquista (BA), foi duas vezes maior do que na população geral, sem diferença significativa entre homens e mulheres (DELCOR et al., 2004). Outros estu-dos sobre a saúde dos professores, nos diversos níveis de ensino, realizados na Bahia, também constataram prevalências elevadas de riscos de transtornos mentais em docentes (ARAÚJO et al., 2003; SLIVANY NETO et al., 2000).

Uma pesquisa descritiva da Universidade Federal de Goiás detectou que professores uni-versitários percebem o estresse como um estado do organismo, decorrente do processo de enfren-tamento de situações adversas, com manifes-tações de natureza biopsicossocial (COSTA, et al., 2005). Em Belo Horizonte, realizou-se uma pesquisa sobre prevalência de transtornos men-tais comuns em professores, cujos resultados mostraram que eles foram significativamente as-sociados à experiência com violência e a piores condições ambientais (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2006).

Um estudo realizado pelo Núcleo de Epi-demiologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (Bahia) revelou que os professores universitários apresentavam significativo padrão de desgaste físico e mental (SILVA et al., 2006). Outro estudo na Bahia, em Vitória da Conquista, sobre trabalho e distúrbios psíquicos em profes-sores, revelou que a prevalência de distúrbios psíquicos menores foi de 55,9% entre os 808 professores estudados. Concluiu-se que a saúde mental desses profissionais estava fortemente associada ao conteúdo de seu trabalho (REIS, 2005).

Docentes de Enfermagem de universidades públicas e de uma privada, no município de Alfe-nas (MG), foram avaliados e constatou-se que a maioria apresentou ansiedade mínima, ausência de depressão e autoestima alta. Porém, os per-tencentes à universidade privada apresentaram

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maiores medianas de escores de ansiedade e de depressão e menores medianas de escores de autoestima (TERRA, 2010).

Uma pesquisa realizada na cidade de San-ta Cruz (RN) com professores universitários da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi, Nú-cleo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, revelou que 50% dos entrevistados não apresentaram sintomas clínicos de depressão, 42% tinham sintomas depressivos leves, e 8%, moderados (FREITAS et al., 2011).

Aspectos como resiliência, história de trau-ma, impulsividade, qualidade de vida, religiosi-dade e transtorno do estresse pós-traumático po-dem estar relacionados aos transtornos mentais. Para comprovar essa hipótese, foi necessário es-tudar e conhecer esses fatores.

O construto resiliência refere-se ao conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possi-bilitam o desenvolvimento saudável do indivíduo, ainda que ele esteja vivenciando experiências desfavoráveis. Esse aspecto envolve a interação entre eventos de vida adversos e fatores de pro-teção internos e externos ao indivíduo (RUTTER, 1987). Para avaliar a resiliência, utiliza-se como instrumento a Escala de Resiliência, que objetiva medir os níveis de adaptação psicossocial positi-va em face de eventos adversos (WAGNILD; YOU-NG, 1993). Estudos com esse enfoque com pro-fessores universitários não foram identificados na literatura científica, porém destacou-se uma pesquisa na Austrália sobre resiliência e depres-são, segundo a qual a resistência pessoal é im-portante diante de problemas de saúde mental (DOWRICK, 2008).

O conceito de história de trauma está re-lacionado a eventos graves ou traumáticos du-rante a vida (GREEN, 1996), para cuja avaliação se emprega o questionário de história de trauma (trauma history questionaire -THQ), um questio-nário de autorrelato composto por 24 itens, que compreende a exposição a acontecimentos trau-máticos incluídos no critério A de estresse pós-traumático e de transtorno de estresse agudo do DSM- IV. Aborda uma série de eventos traumáti-cos em três áreas: crime e eventos relacionados (ex.: roubo, assalto); desastre geral e trauma (ex: dano, desastre, morte testemunhada) e experi-ências físicas e sexuais indesejadas (FISZMAN, 2005). Um estudo retrospectivo feito na Escola

de Enfermagem, da Universidade Rush de Chica-go, nos EUA, demonstrou que assaltos represen-taram 2480 dias de trabalho perdidos e que a taxa de ataque de três anos foi de 3,24 por 1000 professores (LEVIN, 2006).

A partir dos anos 1990, a qualidade de vida passou a ser definida de modo mais gené-rico, conforme a Organização Mundial de Saú-de (OMS), como a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores, nos quais ele vive em relação aos seus ob-jetivos, expectativas, padrões e preocupação (WHO-QOL GROUP, 1995). Dentre os diferentes instru-mentos utilizados para se avaliar a qualidade de vida, destaca- se o SF- 36 (Brasil SF- 36) (Medical Outocomes Study 36- Item Short- Form Health Sur-vey), um instrumento genérico dos mais utiliza-dos, em particular, para avaliar a qualidade de vida em saúde. É constituído de oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, esta-do geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Apresenta um escore de 0-100, no qual zero corresponde ao pior estado de saúde, e cem, ao melhor. Trata-se de um instrumento traduzido para diversas lín-guas e validado no Brasil (WARE; SHERBOURNE, 1992, 1994).

Na literatura, foram identificados os seguin-tes estudos sobre qualidade de vida em professo-res universitários: um, em Campo Grande (Mato Grosso do Sul), em que a maioria se encontrava com sua qualidade de vida não prejudicada (SOU-ZA, 2004); outro, realizado em Jequié (Bahia), segundo o qual os professores apresentaram uma boa avaliação do estilo de vida, associada ao sexo feminino e à união civil estável (FERNAN-DEZ, 2009), e, recentemente, um estudo sobre a percepção da qualidade de vida, saúde e fatores de riscos de professores universitários em uma instituição pública do sul do Brasil, cujo resulta-do evidenciou uma boa percepção da qualidade de vida e da saúde entre os docentes, embora os fatores de riscos para a saúde tenham apresenta-do elevada incidência no grupo avaliado (OLIVEI-RA FILHO; NETTO OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2012).

Quanto ao transtorno do estresse pós-trau-mático (TEPT), foi reconhecido na terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtor-nos Mentais da Associação Psiquiátrica America-na (DSM- III) de 1980. Caracteriza-se por uma

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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN 15

reação de medo intenso, impotência ou horror, quando um indivíduo vivencia, testemunha ou se depara com um ou mais eventos que envolvam morte, ferimento grave ou ameaça à integrida-de física própria ou de outros. Para avaliar esse transtorno, aplica-se a Escala Pós-traumatic Stess Disorder Checklist- Cilivian Version (PCL-C), que dimensiona as consequências de diversos tipos de experiências traumáticas (BERGER, 2004).

Estudos anteriores sobre transtorno do es-tresse pós-traumático e qualidade de vida em po-pulações diferentes não específicas, de docentes universitários, evidenciaram associação negativa entre o transtorno do estresse pós-traumático e a qualidade de vida (BOTTINO, 2009; SMITH et al.,2002). Outro estudo indica que o transtorno do estresse pós-traumático atinge 2 a 5% da po-pulação geral, decorrente, na maioria das vezes, da banalização da violência (SILVA, 2011).

Outro aspecto importante deste estudo é a religiosidade, um construto multidimensional que envolve crenças, práticas e uma devoção pessoal. A relação entre religiosidade e saúde mental tem sido uma perene fonte de controvér-sias (ALMEIDA; LOTIFO NETO; KOENIG, 2006). A religiosidade é avaliada em pesquisas por meio da Escala de Religiosidade da Duke (Duke Religion Index – DRI) (STORCH et al., 2004), em que se analisam as relações entre saúde e religiosidade, constituída de cinco itens de autorrelato, objeti-vando avaliar as dimensões de religiosidade que mais se relacionam (Veja se na página 11 isso foi dito de novo.) com desfechos em saúde. Uma pesquisa com professores de uma universidade particular revelou que eles percebem sua saúde geral como nem melhor e nem pior e que existe associação entre religiosidade e as variáveis sexo e prática religiosa e as relativas ao ambiente de trabalho (ROCHA; SARRIERA, 2006).

Finalmente, a impulsividade é a maneira como as pessoas se comportam e pensam em situações distintas, isto é, como agem e pensam (MOELLER et al., 2001). Para avaliá-la, utiliza-se a Escala de Impulsividade (Barratt Impulsive-ness Scale – BIS 11) autoaplicável, composta de 30 itens do tipo Likert, que oferecem um total de escore de impulsividade e três subescores: atenção, falta de planejamento e impulsividade motora (DIEMEN et al., 2009). Estudos sobre im-pulsividade com docentes do ensino superior não

foram localizados na literatura.

CONCLUSÕES

Como essa revisão se restringiu aos profes-sores universitários, observou-se que as buscas identificaram poucos estudos destinados a essa categoria profissional. No tocante à qualidade de vida, os estudos evidenciaram que sua qualidade de vida não se encontrava prejudicada (SOUZA, op. cit.; OLIVEIRA FILHO; NETTO OLIVEIRA; OLI-VEIRA, op. cit.).

Os estudos sobre transtornos mentais reve-laram maior prevalência em professores da área de Ciências Humanas e Sociais (SOUSA, 2013). Outro estudo desenvolvido em uma universidade do Nordeste mostrou que 42% dos professores de saúde apresentavam sintomas depressivos le-ves (FREITAS, op.cit.).

Pesquisas evidenciaram alta prevalência de transtornos mentais na população geral, entre 30 e 50%. No Brasil, um país com estimativa de 10 milhões de portadores de doença mental persistente, os índices variam de 13,5 a 53% (DALGALARRONDO, op. cit.; TOLMAN, op. cit.).

Outros estudos, também no Brasil, concluíram que, em três capitais, 31 a 50% da população têm um diagnóstico de transtorno mental ao longo da vida (ALMEIDA FILHO et al., op. cit.); o maior índice de transtorno mental está entre as mulheres (CHAN, op. cit.); os afastamentos de professores da rede municipal de ensino são de-correntes de transtornos psíquicos (ASSUNÇÃO, op. cit.); estudos com professores, nos diversos níveis de ensino, constataram prevalência eleva-da de transtornos mentais e que a prevalência de transtornos mentais comuns em professores está associada a experiências com violência e piores condições ambientais (ARAÚJO et. al., op. cit.; SLIVANY NETO et al., op. cit.).

Pesquisa revelou que professores univer-sitários apresentavam significativo padrão de desgaste físico e mental (SILVA et al., op. cit.). Quanto ao aspecto história de trauma, consta-tou-se que, nos EUA, os assaltos representaram 2.480 dias de trabalho perdidos e que a taxa de ataque de três anos foi de 3,24 por 1000 profes-sores (WARE; SHERBOURNE, op. cit.). Conclui-se, também, que o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) atinge 2 a 5 % da população

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geral decorrente da violência (SILVA, op. cit.) e que estudos em populações não específicas de professores evidenciaram associação negativa entre transtorno do estresse pós-traumático e qualidade de vida (BOTTINO, op.cit.; SMITH et al., op. cit.).

(Veja se isso já foi dito na página 10.)Pro-fessores de universidade particular percebem sua saúde geral nem melhor, nem pior, associada à prática religiosa (ROCHA; SARRIERA, op. cit.). Estudos sobre impulsividade com professores não foram localizados na literatura.

Estudos sobre resiliência em professores universitários não foram identificados, por se tra-tar de uma nova área de investigação científica no campo da saúde. A literatura relata um estudo longitudinal feito na Austrália, com ênfase na re-lação resiliência e na depressão. Isso denota que a resistência pessoal é importante em problemas de saúde mental (DOWRICK, op. cit.).

Convém registrar que, como os transtornos mentais são considerados um grande problema de saúde pública e existem poucos estudos com professores universitários, é preciso realizar estudos epidemiológicos de população especí-fica. Prioritariamente, que envolvam a profissão docente das universidades públicas, ante a ca-rência de pesquisas sobre transtornos mentais e comportamentais associados a fatores como resiliência, impulsividade, história de trauma, transtorno do estresse pós-traumático, religio-sidade e qualidade de vida dessa profissão, em diferentes áreas do conhecimento, tendo em vista a descrição de características que se re-lacionem com transtornos mentais e aspectos clínico-comportamentais em professores uni-versitários. Essas informações deverão gerar conhecimentos para respaldar programas de prevenção e intervenção destinados a essa cate-goria profissional.

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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN18

18Ana Maria Nóbrega* e Maria Tereza L. de Oliveira Chaves**

Fundamentos da educação e a prática educativa: uma breve coletânea reflexiva...

RESUMO:

O artigo propõe uma reflexão sobre a relação entre os fundamentos da educação e a prática educativa do Ensino. Procura contextualizar as práticas ancoradas nos enfoques sócio-históricos, filosóficos e psicológicos da educa-ção, discorrendo sobre os grandes pensadores da humanidade. Para isso, fo-ram selecionados alguns teóricos que tratam do tema, visando compreender como as influências teóricas atuam nas práticas educativas dos professores da Educação Básica e do Ensino Médio na realidade escolar atual. Quanto à meto-dologia, o artigo baseou-se na revisão literária, que trata da melhoria da prática pedagógica. Sendo que as duas pesquisadoras professoras, são formadoras dos cursos de Licenciaturas e em Pedagogia.

Palavras-chaves: Prática pedagógica. Formação de professores. Ensino Médio e Básico.

ABSTRACT:

The article proposes a reflection between Basic of Education and Educa-tional Teaching Practice, looking contextualize practices anchored by appro-aches socio-historical, philosophical, psychological education, discussing the great humanity philosophers. It has been collected some theorists, and throu-gh these to understand the theoretical influences in the educational practices of teachers of basic education, secondary education in the school today. The article´s methodology looked theoretical foundation, through literature review, improving teaching practice. Being that, the two reserched teachers have ma-jors from Pedagogy and graduation.

Keywords: Teaching practice. Formation of teachers. Highschooland basic education.

(*) Professora Mestra do Departamento de Fundamentos da Educação da UFPB – CE. Campus João Pessoa. E-mail: [email protected]. (**) Professora Mestra do Departamento de Habilitações Pedagógicas da UFPB – CE. Campus João Pessoa. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

À medida que o professor torna seu cotidiano fonte de

investigação, buscando elementos para a sua forma-

ção e a dos alunos [...] possibilita que os futuros pro-

fessores compreendam a complexidade das práticas

institucionais e das ações ai praticadas pelos seus pro-

fissionais como alternativa no preparo para a inserção

profissional (PIMENTA, 2004).

Os Fundamentos da Educação têm uma im-portância singular na prática educativa dos pro-fessores, tanto para o Ensino Básico quanto para o Médio notadamente. Neste artigo, amparados por alguns teóricos da Educação, levantamos al-gumas reflexões que não são automáticas, mas influenciadas pelo imediatismo empírico a que estamos submetidos no cotidiano. Nosso intuito, aqui, é refletir sobre a realidade escolar atual, debatendo sobre tais questões em várias searas, prioritariamente, a seara escolar.

MARCO TEÓRICO

1. Conceituando a Educação e seus fundamentos

Há muitas pesquisas, escritos e discussões sobre a educação. Essa preocupação é pertinen-te, já que a educação é o foco principal do ser humano. Pensar em Educação é ver o ser hu-mano em sua totalidade, em seu corpo, em seu meio, seus gostos, suas preferências e seus pra-zeres, nas relações que vivencia historicamente. Afinal, o homem nasce potencialmente inclinado a aprender, e a Educação é uma resposta desse processo de aprendizagem. Observa-se, desde as antigas civilizações, o esforço de se sobreviver e de consolidar-se culturalmente. Adultos treina-vam jovens em comunidades, no desenvolvimen-to de habilidades e conhecimentos necessários para que pudessem transmiti-los. Sabemos que a evolução da cultura e dos seres humanos de-pende do processo de transmissão de conheci-mentos os quais se restringiam à imitação e à oralidade.

Na visão de Brandão (1982, p. 7-9), “não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino

escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o seu único praticante”. Por essa razão, não pode ser tratada como catego-ria abstrata, desvinculada de uma prática. Para conceituá-la, temos que levar em conta o que ela tem sido historicamente, sem nos deixarmos aprisionar por possíveis vícios ou reducionismos.

Nessa perspectiva, a Educação tem que ser um processo de construção consciente, que cor-responda ao amplo esforço, pessoal e coletivo, de constituir o ser humano em sua plenitude. O grande instrumento de trabalho na escola é o co-nhecimento. A meta última é a humanização, a libertação. Portanto, o conhecimento é um cami-nho, como refere Vasconcelos (2003, p. 38):

A educação escolar é um sistemático e intencional

processo de interação com a realidade, através do

relacionamento humano baseado no trabalho com o

conhecimento e na organização da coletividade, cuja

finalidade é colaborar na formação do educando na

sua totalidade – consciência, caráter, cidadania-, ten-

do como mediação fundamental o conhecimento que a

emancipação humana.

Ressalte-se, porém, que uma sociedade que acolha a todos só será possível em um mundo em que coexistam vários mundos, e a educação se confronta com essa apaixonante tarefa, con-textualizando as relações entre as práticas edu-cativas escolares e a comunidade em que a es-cola está inserida, como mediação no processo político- pedagógico e tendo em vista a melhoria da qualidade do ensino e, consequentemente, a garantia de êxito no processo ensino-aprendiza-gem. O estudo dos fundamentos da educação inclui História, Filosofia, Sociologia, Economia, Psicologia da Educação e outras áreas do saber que fundamentam a essência da educação e o processo educativo através dos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade.

2. Enfoque sócio-histórico

Conhecer a história não é apenas ter acesso às informações sobre o passado, mas usar essas informações para compreender como o presente e o futuro são construídos. Essa é uma das ta-refas básicas do professor, do pesquisador, do educador.

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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN20

Séculos de reflexões sobre o oficio de edu-car dão base à prática de cada professor, de cada educador, em qualquer sala de aula de qualquer escola de um país e do mundo. Portanto, falar em uma perspectiva sociológica, histórica, fi-losófica e psicológica da Educação é discorrer sobre os grandes pensadores da humanidade. A importância desses conhecimentos na formação do educador é indiscutível, uma vez que lhe pos-sibilitam entender o universo dos processos edu-cativos e contribuem para situar a dinâmica da sociedade e as relações de poder que interferem na educação.

A seguir, faremos uma abordagem sobre al-guns teóricos da educação que tratam dos enfo-ques supracitados neste artigo.

2.1 Consciência coletiva e fatos sociais (Émile Durkheim)

Sociólogo francês (1958-1917), Émile Durkheim é considerado o criador da Sociologia. Ele preconizava que, somente através do consen-so dos indivíduos ou da consciência coletiva, é que se chegaria à organização social, opondo-se ao idealismo, que entende a sociedade conforme sua moldagem pelo espírito ou pela consciência humana. Nessa teoria funcionalista (também chamada a concepção durkheimiana), as consci-ências individuais são formadas pela sociedade1. Durkheim ampliou o foco conhecido até então, considerando e estimulando também algo forma-do por um sistema de ideias que exprimem, den-tro das pessoas, a sociedade de que fazem parte (SAVIANI, 2008). Dessa forma, a sociedade seria mais beneficiada pelo processo educativo. Se-gundo o teórico, a educação é uma socialização da jovem geração pela geração adulta, e quanto mais eficiente fosse o processo, melhor seria o desenvolvimento da comunidade em que a esco-la estaria inserida. A principal função do profes-sor era de formar cidadãos capazes de contribuir para a harmonia social.

Para compreender a concepção de Durkheim, recorremos ao conceito de fatos so-ciais que, em sua concepção,

consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir

exteriores aos indivíduos, dotados de um poder de co-

erção em virtude do qual se lhe impõem e, é geral na

extensão de uma sociedade dada, apresentando uma

existência própria, independente das manifestações in-

dividuais que possa ter (DURKHEIM, 1999).

Podemos, todavia, afirmar que nem todo acontecimento humano é fato social, somente aqueles especificamente repassados e assimi-lados coercitivamente, conscientemente ou não, pelos indivíduos: como modos de convívio, ideias e sentimentos tidos como normais e pertencen-tes à ordem natural das coisas. “Os fatos sociais são coisas’’, ou seja, uma realidade objetiva pas-sível de ser observada (DURKHEIM, 1999).

Parafraseando os pensamentos de Durkheim, afirmamos que a ação educativa deveria funcionar de forma normativa. Assim, desde cedo, a criança deve reconhecer a autoridade na fala do professor e, por isso, submeter-se ao seu comando, o que a faz aprender, desde a tenra idade, a se conformar, a ser obediente, dentro de uma visão hierárquica de sociedade. Subjacente a essa ação, está a ideia de colocar as pessoas certas nos lugares certos de que a comunidade ou a sociedade, de modo geral, precisam. Concordamos com Dermeval Sa-viani (2008, p. 23), quando enuncia que “a socie-dade e cada meio social particular determinam o ideal que a educação realiza”.

2.2. Ação social e poder (Max Weber)

Ao contrário do que aconteceu com Durkheim e com Marx, não há uma teoria geral da sociedade nem da Educação no pensamento de Weber. Em sua teoria, o campo de investiga-ção da Sociologia ocorre através do conceito de ação social e do poder, fundamentais à organiza-ção da sociedade humana. Por isso, a orientação de Weber é denominada de compreensiva, por oposição à de Durkheim, chamada de positivista. Sobre isso, o teórico afirma:

Ação social significa uma ação que, quanto ao sentido

visado pelo agente ou os agentes, se refere ao com-

1. A principal função da Educação, até o Século XIX, era de promover o desenvolvimento do indivíduo formado pelos estados mentais de cada pessoa - a chamada individualidade psíquica (DURKHEIM, 1999).

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portamento de outros, orientando-se por este em seu

curso. Só há uma ação social quando ela possui um

significado atribuído pelos indivíduos e orientada pelas

ações alheias. A explicação causal das ações sociais

reclama a compreensão dos seus significados subje-

tivamente atribuídos pelos indivíduos. (MAX WEBER,

1991, p. 3)

Outro conceito trabalhado por Weber é o de poder que, sob seu ponto de vista, não se limita ao sentido político ou econômico, mas perpas-sa todos os níveis da sociedade. Diz, ainda, que o poder é bem onipresente na vida social, e a organização social resulta de sua distribuição desigual. O estudioso levantou estudos sobre ra-cionalização, desencantamento, burocratização do Estado e das empresas, formação dos qua-dros para as burocracias e problematizou sobre os rumos da educação racional e burocratizada das sociedades modernas. Também destacou que a burocratização estava ensejando uma es-cola baseada na Pedagogia do “treinamento”, em oposição à “Pedagogia do cultivo”, centrada no conhecimento clássico em literatura e artes.

Em verdade, as concepções de organização social de Weber e de Durkheim não se repelem, mas se completam, vez que a ação social, quan-do advinda da influência pela conduta do outro, atribuindo-lhe significados, só será manifestada plenamente quando incorporada às maneiras de agir e de pensar dos indivíduos, dotada de um poder de coerção que lhes é imposta. A ação so-cial, então, não exclui a coerção, pelo contrário, os significados da ação atribuídos pelos sujeitos impõem-se a eles, independentemente dos sujei-tos envolvidos na ação social.

2.3. A relação de produção e as classes sociais (Karl Marx)

Pensador alemão (1818-1883), Karl Marx,

foi um cientista social que produziu, no Século XIX, uma teoria que marcaria as ciências sociais: o materialismo histórico. Ele previu que o siste-ma, fruto da sua investigação sobre a mecânica do capitalismo, seria superado pela emancipa-ção do proletariado, dando origem a uma nova sociedade.

A essência do marxismo é a ideia de que tudo se encontra em constante processo de mu-

dança, e a força desse movimento ocorre atra-vés dos conflitos resultantes das contradições existentes em uma mesma realidade social. Esse conflito é a luta de classes e explicar a história da humanidade, o proletariado vende a sua força de trabalho à burguesia - a classe dominante - e recebe apenas parte do valor que produz.

Ao contrário do que pensa Durkheim, a consciência social não explica as relações so-ciais, ela própria é que precisa ser explicada: “não é a consciência dos homens que determi-na a sua existência é, pelo contrário, a sua exis-tência social que determina a sua consciência’’ (VILA NOVA,1995 p.67). Os modos de pensar e de agir em sociedade são um reflexo das rela-ções entre os homens, para conseguir os meios necessários à sobrevivência.

Na visão desse pensador, as relações capi-talistas eram consideradas como um fenômeno histórico, mutável e contraditório, cuja essência traz os impulsos de ruptura, principalmente atra-vés do processo de alienação a que o trabalhador era submetido mediante a divisão do trabalho. Combater a alienação e a desumanização gera-das pelo capitalismo, através da industrializa-ção, seria a função social da Educação. Marx via, na instrução das fábricas criadas pelo capitalis-mo, qualidades a serem aproveitadas, para que se formasse um ensino transformador. A escola deveria lutar contra um ensino baseado na ten-dência tecnicista, um ensino profissionalizante, que levava as escolas industriais a ensinarem o estritamente necessário para tão somente uma função determinada. Para ele, a Educação de-veria ser, ao mesmo tempo, intelectual, física e técnica. Esse seria o objetivo da revolução pre-conizada por Marx, na qual o capitalismo seria superado pela emancipação dos trabalhadores.

2.3.1. Equilíbrio e conflito, duas correntes: Durkheim e Max

Durkheim protagoniza um sistema de ideias, a “corrente do equilíbrio”, baseado na concepção de sociedade como um sistema de relações que tende a manter a ordem estabeleci-da para a sua organização através do CONSEN-SO, enfatizando os fatores da estabilidade e de manutenção da organização social. Tal funcio-namento social só será possível, segundo essa

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teoria, a partir da concepção de homem por ela difundida - a do homem como coisa, como objeto social (VILA NOVA, 1995).

De Marx, originou-se a “corrente do conflito”, que concebe a educação como um sistema em equilíbrio precário, em que a organização social ocorre mediante relações sociais estabelecidas pelo conflito de classes, uma realidade em con-tínua e necessária transformação. Aqui, o funda-mento da sociedade é o conflito, e a visão de ho-mem como sujeito, um ser social historicamente determinado, é uma ideia básica (IBID, 76).

Longe de um purismo na organização so-cial, depreende-se que, na sociedade, consenso e conflito de interesses coexistem, alternam-se e se influenciam mutuamente. Mais adiante, conti-nuaremos falando de outros pensadores e refle-tindo sobre essa mesma problemática.

2.4. O teórico da superestrutura (Antonio Gramsci, 1891-1937)

Filosofo italiano e cofundador do partido co-munista italiano, Gramsci é um expoente do pen-samento de esquerda do Século XX. Mediante a revisão do conceito de Estado em Marx, Gramsci subdividiu-o em duas esferas, a saber: a socie-dade política e a sociedade civil. Na sociedade civil, a dominação se expressa sob a forma de hegemonia, e na sociedade política, sob a for-ma de ditadura. Gramsci foi caracterizado como o teórico da superestrutura, o que lhe permitiu pensar em uma teoria dialética da educação, mesmo sem ser considerado um teórico dessa área. Diferentemente dos teóricos marxistas, de-teve-se notadamente no papel da cultura e dos intelectuais orgânicos de classe nos processos de transformação histórica.

Gramsci acreditava na revolução proletá-ria através da transformação das mentalidades, uma espécie de revolução das ideias, das formas de pensar do indivíduo. Nesse contexto, a fun-ção social dos intelectuais orgânicos de classe da escola é evidente. Foi o teórico que atribuiu à escola e a outras instituições da sociedade civila uma dupla função estratégica, a função dialética de conservar e minar as estruturas capitalistas. Somente nesse esquema de Gramsci é possível conceber uma pedagogia do oprimido e uma educação emancipatória institucionalizada, pois,

para o autor, as instituições estatais não são somente instâncias reprodutoras mecânicas da ideologia do Estado, mas também o início, a pos-sibilidade de transformar e de fazer surgir uma nova mentalidade ligada às classes dominadas, à construção de uma visão de mundo que viabi-lizasse o acesso à condição de cidadão ao indiví-duo pertencente às classes desfavorecidas. Para tanto, defendia Gramsci que, logo nos primeiros anos de vida escolar, deveria haver um currículo que apresentasse noções instrumentais (ler, es-crever, fazer contas, conhecer os conceitos cien-tíficos) e os direitos e deveres do cidadão.

Antonio Gramsci propõe uma escola unitá-ria, que esteja acima das diferenças entre clas-ses, através do trabalho como um princípio edu-cativo e do esforço, para superar o senso comum. Essa visão de educação influenciou e influencia, até hoje, as ciências sociais voltadas para a edu-cação de modo geral. Autores da importância de Apple, Giroux, Saviani, Frigotto, Kuenzer, entre outros, retratam essa afirmação.

2.5. Pedagogia do Oprimido (Paulo Freire) (1921-1997)

Resistir a Paulo Freire seria fazer um dis-curso enfadonho. Ele é considerado o educa-dor brasileiro mais reconhecido no Brasil e no mundo. Segundo sua ideia, o processo de conscientização, que determina a mudança e a transformação social em uma sociedade, ocorre, necessariamente, através da educação para a consciência. A educação, isolada, não pode alavancar a transformação social, embora, sem ela, não possa haver transformação social (FREIRE, 1982).

O fio condutor das obras de Paulo Freire reside nos temas geradores, que levam à cons-cientização e à mudança. Para ele, a consciência crítica da realidade social, cultural e política pos-sibilita a descoberta e a compreensão da própria identidade, da cidadania, do valor dos diferentes saberes, do respeito a si mesmo e do respeito ao saber pessoal, acumulado em uma época em que a educação era entendida como pertencente ao bojo das condições sociais e políticas decorren-tes do nacionalismo e da chamada era desenvol-vimentista brasileira, iniciada pela revolução de 1930 e terminada com o golpe militar de 1964.

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A filosofia freireana, a partir do desenvolvi-mento de um pensamento pedagógico eminen-temente político, originou o “método de alfabe-tização” de adultos, que o tornou o mais célebre educador brasileiro. O principal livro do educa-dor é a Pedagogia do Oprimido, em que se con-ceituam e se explicam os caminhos da sua teo-ria. Freire afirma que vivemos em uma sociedade dividida em classes, onde os privilégios de uns impedem que a maioria usufrua os bens produzi-dos, em especial, a educação. Refere-se, assim, a dois tipos de Pedagogia: a Pedagogia dos Do-minantes, em que a educação existe como prá-tica da dominação, e a Pedagogia do Oprimido, que precisa ser exercitada, para que a educação se torne uma prática da liberdade. Esse tipo de educação Freire qualificou de educação bancá-ria, pois, como o próprio nome diz, o professor deposita conhecimento no aluno, que recebe do-cilmente o saber. Havia, portanto, uma escola alienante e ideologizada.

Assim, poder-se-iam adquirir condições, através da alfabetização, de romper com a cultura do silêncio, transformando a realidade, como su-jeito de sua própria história, pronto a aprender, a transformar e a se transformar. Nas palavras de Freire, “o mundo não é, o mundo está sendo”.

Outros teóricos poderiam ser referidos aqui, porém isso será feito em outra ocasião.

CONCLUSÃO

Diante de todo esse aparato teórico, deixa-mos nossas conclusões propositivas dialogadas desejosas de, em outro momento, mencionar outras teorias e outros conhecimentos. Mas, en-tendemos que é mister destacar a relação entre as práticas desenvolvidas no interior da escola e a percepção do professor sobre o processo en-sino-aprendizagem. A adoção do professor de qualquer viés sobre a relação desenvolvimento e aprendizagem requer, necessariamente, que o professor compreenda e defina o seu papel nesse processo. Dessa forma, os professores e as pes-soas, em geral, podem aderir a essas políticas e a essas diretrizes, resistir a elas ou dialogar com

elas e passar a formular, coletivamente, outras práticas formativas que levem à construção de outro tipo de sujeito a ser educado - o sujeito crítico e construtor da própria história.

Interessante também registrar a importân-cia de os professores e os que fazem a escola terem uma postura equilibrada e não adotarem atitudes sonhadoras, que acha ser possível uma autonomia total das escolas, prescindindo total-mente dos instrumentos normativos e operativos das instâncias superiores.

A escola não está isolada do sistema social, político e cultural em que está inserida. Nesse contexto, os professores podem recriar seu es-paço de trabalho junto com seus pares, em fun-ção da qualidade das aprendizagens dos alunos e de objetivos pessoais, profissionais e coletivos. A educação continuada do educador é aponta-da como condição indispensável à implantação das mudanças em uma escola que se redireciona em busca de saberes e de práticas. Os educa-dores são desafiados a mudar e a inovar, a fim de atender às expectativas da atual sociedade e de adquirir novas técnicas metodológicas capa-zes de transformar o espaço-escola do aprendiz em algo dinâmico, significativo e participativo e aproximar a teoria da prática, com uma postura interdisciplinar, por meio da qual seja possível criar estratégias para viver. No entanto, esse es-paço, esse tempo e este artigo são um instru-mento pedagógico didático para o enfrentamen-to dessa situação. Afinal, acreditamos no poder do conhecimento, da critica, da prática educativa do professor, do educador, na construção de uma escola e de sociedade mais justas e mais com-promissadas com a justiça social cidadã.

Assim, à guisa de uma conclusão, ancoramo-nos também em um imperativo, como fizemos no início deste texto, com Boa Ventura de Souza San-tos, que reverencia Sartre ao afirmar: “Antes de concretizada, uma ideia apresenta uma estranha semelhança com a utopia” (SARTRE apud SAN-TOS, 2006, p.31). É necessário e urgente, portan-to, acreditarmos na possibilidade de o sonho se tornar realidade e, nesse processo, transformar a utopia em uma realização concreta.

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Genilson José da Silva* e Maria das Graças de Almeida Baptista**

A relação teórico-prática na formação docente em EJA

RESUMO:

O presente estudo tem como objetivo compreender a relação teoria e prá-tica na formação docente continuada em Educação de Jovens e Adultos (EJA). A metodologia desenvolve-se numa perspectiva qualitativa, fundada no materia-lismo histórico dialético, porquanto é o caminho epistemológico para se com-preenderem as relações estabelecidas no processo de formação docente e dos conflitos e das contradições da prática educacional. Os resultados apontam que há uma carência histórica, no âmbito da formação de educadores(as) em EJA e no campo da escolaridade dessa população, que atravessa os documentos oficiais e os pensamentos dos teóricos, que esboçaram suas ideias sobre essa temática, focando-as no preparo técnico e pedagógico dos(as) professores(as). Esses aspectos favorecem uma reflexão sobre os saberes que são produzidos na prática educacional, mediante o trabalho humano, e que marcam as condi-ções da unidade entre teoria e prática. O trabalho docente, ao dissociar a teoria da prática, o pensar do fazer, o idealizar do projetar, a ação contemplativa da ação prática e o ato de conhecer do ato de criar, faz o educador sentir-se fora do trabalho e fora de si mesmo no trabalho.

Palavras-chave: Teoria. Prática. EJA. Formação docente continuada.

ABSTRACT:

The present study aims to understand the relationship between theory and practice in teacher education in young and adults education (EJA). The me-thodology is developed in a qualitative perspective founded in historical and dialectic materialism, which is the epistemological path to understanding the

(*) Graduado em Pedagogia pela UFPB – CE. Campus João Pessoa. (**) Professora Doutora do Departamento de Fundamentação da Educação da UFPB – CE. Campus João Pessoa.

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relationships established in the context of teacher training and of the conflicts and contradictions of educational practice. The results show that there is a historical lack in the context of teachers training in EJA, and in the field of education of this population, through official documents and the thoughts of the theorists, which outlined his ideas on this subject, focusing on the technical and pedagogical preparation of the teachers. These aspects lead to a reflection on the knowledge that is produced in educational practice by human work that mark the conditions of unity between theory and practice. The teaching work decoupling theory and practice, thinking and doing, idealize and the design, the contemplative action and practical action, the act of knowing and the act of creating, does the educator feel out of work, and out of each other at work.

Key words: Theory. Practice. EJA. Continuing teacher education.

INTRODUÇÃO

A Educação de Jovens e Adultos (EJA), no Brasil, tornou-se um tema de política educacio-nal, sobretudo a partir dos anos 60, com a pro-posta de alfabetização de adultos do educador Paulo Freire, um dos principais expoentes da educação popular na época, embora tenha ha-vido ações educativas muito tímidas nesse sen-tido, que data das décadas de 30 e 40, com a Constituição Federal de 1934.

Historicamente, essa modalidade de ensino esteve e está cercada por difíceis desafios, como a fragilidade nas políticas públicas, o alto índice de analfabetismo, a evasão escolar, a pobreza, a vulnerabilidade social, os baixos salários, o orça-mento insuficiente e uma grande carência, ainda na formação docente, para os educadores e as educadoras que lecionam nessa modalidade de ensino. No entanto, detemo-nos nas propostas educacionais referendadas nos documentos ofi-ciais para a formação docente e a profissionali-zação dos educadores de adultos que, há muitos anos, transitam na agenda da educação pública como requisito fundamental ao crescimento só-cio-econômico e cultural da sociedade.

Nessa modalidade de ensino, a taxa de eva-são, no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Educação Básica de 2012, corresponde a mais de 42%, na Região Nordeste. Em 2010, a EJA teve, aproximadamente, 1,2 milhões de alunos matriculados no Ensino Fundamental, no 1º se-guimento da EJA, incluindo a educação presen-

cial, a semipresencial e a integrada à educação profissional presencial e semipresencial. Nesse mesmo ano, nessa modalidade de ensino, a Re-gião Nordeste contou com 92.592 professores atuando na educação presencial, 2.191, na semi-presencial, e 1.002, na presencial e semipresen-cial. A Paraíba se coloca nessa estática como um dos estados com a maior taxa de analfabetismo do país, o que corresponde a 21,9% as pessoas com 15 anos ou mais de idade e que serão ma-triculadas na EJA porque se encontram fora da faixa etária regular.

Por conseguinte, a formação do educador para atuar nessa modalidade de ensino é um ca-minho de construção de conhecimentos e apren-dizagens, razão por que entendemos que o papel mais importante do educador, perante a realida-de escolar e a sociedade, em seu contexto polí-tico e cultural, é de colaborar para transformar a sociedade em suas dimensões sócio-políticas, considerando a dimensão econômica. É formar os sujeitos em sua totalidade socioeducativa e apon-tar-lhes as ferramentas que possam ajudá-los a conhecer, a compreender, a alcançar, a considerar, a julgar e a apropriar-se do conhecimento.

Nesse sentido, algumas inquietações nos levam a buscar respostas para as seguintes perguntas: Para o educador de EJA, existe uma formação docente continuada? Como conciliar a formação do educador da EJA com a prática edu-cacional, buscando a compreensão e a dinâmica dessa prática, assim como as experiências teó-rico-práticas? Essas e outras questões nos insti-

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gam a investigar como ocorre a relação entre a teoria e a prática da formação docente continua-da, nos documentos oficiais, em âmbito nacional e municipal.

A necessidade de observar a EJA em outra perspectiva é latente, de forma que contribua para a formação dos indivíduos como seres po-líticos e produtores de cultura, como um ser au-tônomo, capaz de ser, de ler e de dizer o mundo, que tem um saber, que é capaz de conhecer cada vez mais, que é capaz de fazer e de viver junto.

CONCEPÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA

Ressaltamos que a concepção de teoria que se quer expressar neste trabalho é no sentido de unicidade entre teoria e prática, como guia e di-recionamento teórico na efetivação do trabalho e na formação docente continuada, como define Vázquez (1968, p. 202): “a atividade teórica em seu conjunto – ideologia e ciência – considerada também ao longo de seu desenvolvimento histó-rico, só existe por e em relação com a prática, já que nela se encontra seu fundamento, sua finali-dade e seu critério de verdade”.

O autor também nos alerta que a atividade teórica, por si só, não transforma o mundo nem a realidade e permanece apenas como uma ideia que justifica o real, porquanto não se realiza e se objetiva conscientemente na prática:

Ao nosso ver, a atividade teórica não é de per si uma

forma de práxis. Ainda que a ‘prática’ teórica transfor-

me percepções, representações ou conceitos, e crie um

tipo peculiar de produtos que são as hipóteses, teorias,

Leis, etc., em nenhum desses casos se transforma a

realidade (Ibid., p. 202).

Ressaltamos, ainda, que a concepção de prática concebida neste trabalho é a prática como trabalho humano, objetivo, criativo, trans-formador e materializado conscientemente, com a finalidade de transformar o real para satisfazer à necessidade humana. Como destaca Vázquez (1968), “a atividade prática é real, objetiva ou material”, e sua finalidade é a “transformação real, objetiva do mundo natural ou social para satisfazer a determinada necessidade humana”, cujo resultado será “uma nova realidade, que subsiste independentemente do sujeito ou dos

sujeitos concretos que a engendraram com sua atividade subjetiva, mas que, sem dúvida, só existe pelo homem e para o homem, como ser social” (Ibid., p. 194).

A prática é aqui a finalidade que determina a teoria,

e, como toda finalidade, essa prática ou mais exata-

mente, esse projeto ou antecipação ideal da prática, só

será efetiva com o concurso da teoria. A prática, como

objetivo da teoria, exige um correlacionamento cons-

ciente com ela, ou uma consciência da necessidade da

prática que deve ser satisfeita com a ajuda da teoria

(Ibid., p. 233).

A formação do educador concebe-se, segun-do Freire (1997, p. 11), pela “tensão dialética en-tre teoria e prática. É pensar a prática enquanto a melhor maneira de aperfeiçoar a prática. Pen-sar a prática através de que se vai reconhecendo a teoria nela embutida”.

OS DOCUMENTOS OFICIAIS SOBRE A EJA

Nos documentos oficiais, em âmbito na-cional, a EJA é uma política educacional, consi-derada como um direito subjetivo ao indivíduo e obrigação do Estado, sobretudo, posterior à Constituição Federal de 1988, que garante, no Título dos Direitos Individuais e Coletivos, o di-reito à educação a todos os cidadãos brasileiros. O art. 208 dispõe que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 1988).

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 9.394/96, no Título V, art. 37º, a EJA é definida como uma Modalidade da Educação Básica: “a Educação de Jovens e Adul-tos será destinada àqueles que não tiveram aces-so ou continuidade de estudos no Ensino Fun-damental e Médio, na idade própria” (BRASIL, 1996).

No Título III, art. 4º, do direito à educação e do dever de educar, consta que “o dever do Es-tado com a educação escolar pública será efeti-vado mediante a garantia de” “oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do edu-cando” (Inciso VI), e “oferta de educação escolar

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regular para jovens e adultos, com característi-cas e modalidades adequadas às suas necessi-dades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola” (Inciso VII).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o primeiro seguimento da EJA, aprovadas em 2000, por meio do Parecer da Câmara de Edu-cação Básica (CEB) nº 11/2000, do relator Car-los Roberto Jamil Cury, educador e intelectual da educação, deram um grande passo ao considerar a educação como um direito social à cidadania.

Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pú-

blica será efetivado mediante a garantia de: [...] VII.

Oferta de educação escolar regular para jovens e adul-

tos, com características e modalidades adequadas às

suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se

aos que forem trabalhadores as condições de acesso e

permanência na escola (BRASIL, 1996).

O Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020, que tramita no Congresso Nacional, ressalta, na meta número 10, que dis-põe especificamente sobre a EJA, a reserva de 25% das matrículas para a EJA, integrada à edu-cação profissional: “oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio”.

A meta número 15, sobre o processo de formação inicial e continuada de professores e profissionais da educação em geral, dispõe, na submeta 15.10, que é preciso “implementar cur-sos e programas especiais para assegurar for-mação específica em sua área de atuação aos docentes com formação de nível médio na mo-dalidade normal, não-licenciados ou licenciados em área diversa da de atuação docente, em efeti-vo exercício”.

A Proposta Curricular para o primeiro se-guimento da EJA aponta a necessidade de um projeto curricular direcionado a ela, como subsí-dio para a formulação de currículos e planos de ensino aos educadores e aos objetivos do progra-ma. Convém ressaltar que quase todo o público de educandos da EJA compõe-se de adolescen-tes e jovens trabalhadores, com responsabilida-des profissionais e domésticas, que tiveram pas-sagem fracassada pela escola e/ou que foram

excluídos do sistema regular de ensino.

Estão incluídas, nesse contingente, pessoas que domi-

nam tão precariamente a leitura e a escrita que ficam

impedidas de utilizar eficazmente essas habilidades

para continuar aprendendo, para acessar informações

essenciais a uma inserção eficiente e autônoma em

muitas das dimensões que caracterizam as sociedades

contemporâneas. Em países como o Brasil, marcados

por graves desníveis sociais, pela situação de pobreza

de uma grande parcela da população e por uma tradi-

ção política pouco democrática, baixos níveis de esco-

larização estão fortemente associados a outras formas

de exclusão econômica e política (2001, p. 35).

Quanto ao educador de jovens e adultos, ressalta, além das qualidades necessárias, como a solidariedade, a autonomia, a sensibilidade, a responsabilidade, a disposição para encarar os desafios e a confiança na capacidade dos edu-candos de aprender, para ensinar, precisa “bus-car conhecer cada vez melhor os conteúdos a serem ensinados, atualizando-se constantemen-te. Como todo educador, deverá também refletir permanentemente sobre sua prática, buscando os meios de aperfeiçoá-la” (Ibid., p. 46).

Em âmbito municipal, as Diretrizes Curricu-lares de 2012, para o Município de João Pessoa, indicam, em seus objetivos, que a proposta da EJA deve garantir uma prática pedagógica siste-mática, de modo que os estudantes jovens, adul-tos e idosos consigam dominar o saber em pro-cesso permanente de construção e reconstrução do conhecimento integrado à qualificação profis-sional, assim como promover a escolarização e superar o analfabetismo:

Promover a escolarização, promoção e protagonismo

dos jovens, adultos e idosos que não puderam ter aces-

so aos estudos na faixa etária correspondente, bem

como superar os índices de analfabetismo e dos baixos

níveis de escolarização da população com 15 anos de

idade ou mais, dentro da perspectiva de uma política

de inclusão social emancipatória (2012, p. 21).

Define que a Formação Continuada em EJA tem, dentre seus objetivos, “propor novas meto-dologias e colocar os profissionais a par das dis-cussões teóricas atuais, com a intenção de contri-buir para as mudanças que se fazem necessárias

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a melhoria da ação pedagógica” (2012, p. 18).Ao tratar da gestão administrativa e peda-

gógica, defende que será necessário aos docen-tes “participação efetiva na Formação Continu-ada, de acordo com as especialidades de cada segmento”. Por isso, a EJA é um segmento de ta-manha relevância, numa instituição educacional, e, para o crescimento coletivo e sócio-político da comunidade de educandos e da escola de modo abrangente, é necessário, sobretudo, a formação continuada do seu corpo docente, uma vez que são diversas as questões e os desafios da prática educativa.

No tópico que diz respeito às atividades pre-vistas para a formação docente na EJA, constam dois seminários de formação para professores, durante o ano letivo, com caráter orientador e avaliativo (JOÃO PESSOA, 2012, p. 23). Portanto, um programa de formação docente que contem-ple os diversos segmentos da educação, como os(as) educadores(as) dos Ciclos I e II da EJA, exige um diálogo entre teoria e prática, tensão entre experiências e trabalho docente, entre a idealização e a ação e entre o fazer pedagógi-co e o pensar pedagógico, como ressalta Ireland (2000, p. 1), ao tratar da formação de educado-res e alfabetizadores de adultos:

A história da formação de educadores para a educação

de adultos, seja popular ou não popular no Brasil tem

sido marcada, na maioria das experiências de grande

ou pequena escala, pelo improviso. Basta boa vontade,

um mínimo de compromisso político e uma semana de

formação e o educador está preparado para enfrentar o

grande desafio da educação da população adulta.

Compreendemos a formação docente con-tinuada não só como um processo de formação profissional dos(as) professores(as), mas tam-bém como um processo de formação política, científica, didática, pedagógica, teórica e práti-ca, que consiste em descobrir, organizar, funda-mentar, revisar e construir conhecimentos sobre o exercício do seu trabalho, da sociedade e, so-bretudo, da realidade que vivencia cotidianamen-te, como define Freire (1997, p. 74):

A formação permanente das educadoras, que implica

a reflexão crítica sobre a prática, se funda exatamente

nesta dialeticidade entre prática e teoria. Os grupos de

formação, em que essa prática de mergulhar na práti-

ca para, nela, iluminar o que nela se dá e o processo

em que se dá, são, se bem realizados, a melhor manei-

ra de viver a formação permanente.

Assim, a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP), seguindo essas orientações, mantém, por meio da Secretaria de Educação e Cultura (SEDEC), o Programa de Formação Continuada presencial, denominado Formação Continuada dos Trabalhadores em Educação. No link, Programas/Formação Continuada dos Tra-balhadores em Educação, no site da SEDEC João Pessoa, está escrito que essa formação “objeti-va subsidiar os trabalhadores dessa área, para uma melhor sistematização de sua prática, es-pecialmente com relação ao processo de ensino e aprendizagem escolar, centrado em uma pers-pectiva de educação inclusiva”. Há, também, o Projeto Professor Plugado, no site SEDEC João Pessoa, cuja formação continuada ocorre a dis-tância e objetiva “garantir um amplo processo de inclusão digital de todos os educadores da Rede Municipal através da formação de novas tecnolo-gias [...] melhorando suas aulas, participando de formações à distância e atuando nos sistemas de informação da SEDEC”. No entanto, ambos os projetos são voltados para o preparo técnico e pedagógico dos(as) professores(as), (o ensino de conteúdos, metodologias, manuseio dos recur-sos tecnológicos, avaliações de aprendizagem e planejamento) e não sinalizam para o fato de que a reflexão sobre a relação teoria e prática implica não somente para a formação técnica e profissio-nal, mas também para o processo de formação política, como um todo, ou seja, transformação, ascensão e emancipação social.

A FORMAÇÃO CONTINUADA EM EJA

A partir do exposto, conclui-se que os cur-sos de formação continuada carecem de uma reflexão acerca da prática educacional, com o objetivo de transformar a sociedade e a si pró-prio, mediante o trabalho humano, marcar as condições que tornam possível a passagem da teoria para a prática e assegurar a unidade in-dissociável. Por isso, o desafio posto na relação entre teoria e prática, na formação docente con-

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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN30

tinuada em EJA, é problematizar, estimular e pro-vocar os(as) educadores(as) a refletirem sobre uma prática educacional consciente, consideran-do que não há prática sem teoria nem teoria sem prática, pois, como define Freire (1996, p. 38), em sua obra Pedagogia da Autonomia, ensinar exige reflexão crítica sobre a prática.

A prática docente crítica, implicante do pensar certo,

envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer

e o pensar sobre o fazer. [...] é fundamental que, na

prática da formação docente, o aprendiz de educador

assuma que o indispensável pensar certo não é presen-

te dos deuses nem se acha nos guias de professores

que iluminados intelectuais escrevem desde o centro

do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supe-

ra o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio apren-

diz em comunhão com o professor formador.

O Plano Municipal de Educação (PME) de João Pessoa menciona que a educação já não dá mais conta das mudanças e das inovações tecno-lógicas da sociedade moderna e reconhece que, para acompanhar o ritmo acelerado das trans-formações no atual contexto da globalização, a educação precisa atender às demandas quanti-tativas e qualitativas emergentes da sociedade, desprezar o caráter assistencialista das políticas públicas e incorporar as mais variadas concep-ções e práticas educativas para atender às com-plexidades inerentes à EJA. Assim, refere que

o trabalho com esse público, numeroso e heterogêneo,

com interesses e competências adquiridas na prática

social, requer que se diversifiquem os programas e as

formas de atendimento, bem como se fortaleça a auto-

nomia do professor como resgate do seu papel técnico

e profissional (2003, p. 64).

O plano também reconhece que a EJA precisa incorporar, em sua prática pedagógica, o conhecimento construído cotidianamente, den-tro e fora da sala de aula, objetivando a troca de experiências e o diálogo entre os educandos e a comunidade. O currículo deve se pautar na formação ética para a cidadania, na convivência social, na pluralidade cultural, no trabalho, no consumo, na sexualidade e na saúde.

A formação continuada presencial e semi-presencial promovida pela PMJP, por meio da

SEDEC, para os professores da Rede Municipal de Ensino, enfatiza que a formação inicial e con-tinuada do educador deve levar em conta as difi-culdades sentidas pelos educadores em seu dia a dia, a participação e a integração da escola com a comunidade e os aspectos econômicos, cultural, político e social relacionados à prática pedagógica: “é preciso que os educadores se conscientizem do seu compromisso com o de-senvolvimento pessoal e educacional dos alunos, criando situações [...] articuladas aos aspectos éticos do convívio sociocultural” (Ibid., p. 65).

Também admite a importância da formação inicial e de sua continuidade na constituição do educador e na concepção de um novo fazer pe-dagógico, consonante com a realidade e com as dificuldades de seus educandos: “no tocante à formação dos professores, é importante que a mesma ocorra considerando a etapa inicial e con-tinuada, [...] possibilitando-lhes novas formas de conceber o seu fazer pedagógico” (Ibid., p. 65).

Nesse pressuposto, compreendemos que a formação continuada é uma fase fundamen-tal para o crescimento profissional e intelectual dos professores, por isso, essa responsabilidade deve ser assumida tanto pela Secretaria Munici-pal de Educação quanto pelo próprio profissional da educação, a qual é o principal instrumento da docência que garante a superação dos desafios do cotidiano, da prática educacional e a reflexão sobre o seu trabalho.

A formação do educador em EJA tem sido um processo de estudos, pesquisas e inquieta-ções no âmbito educacional, pois o desafio pos-to aos educadores(as), atualmente, exige novas alternativas teórico-metodológicas e didático-pe-dagógicas que prezem pela formação sócio-polí-tica, profissional e pelas mudanças correntes no mundo do trabalho, visto que os alunos da EJA estão vinculados a algum tipo de atividade e bus-cam na escola possibilidades de aprendizagem e capacidades que enriqueçam o conhecimento e aperfeiçoem suas qualificações técnicas e pro-fissionais.

As exigências do mercado, dos meios de produção e dos setores de serviços formais e in-formais, na sociedade, ficam mais complexas a cada dia. Com os avanços tecnológicos, o proces-so de modernização empresarial, as influências da globalização, os saberes e as competências

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dos educadores e das educadoras também de-vem acompanhar essas mudanças sem despre-zar os avanços científicos no âmbito da educação e da formação docente continuada, por isso, o aperfeiçoamento profissional é fundamental ao professor de EJA.

Assim, partimos da reflexão que faz Freire (1997, p. 40), em sua obra, Professora sim, tia não, sobre a ação pedagógica no trabalho do-cente, ao sustentar que a segurança, a firmeza e o domínio da prática educacional prescindem de reflexão teórico-científica, que possibilita ao educador compreender o educando e o contexto sociocultural em que está inserido:

Não posso estar seguro do que faço se não sei como

fundamentar cientificamente a minha ação, se não te-

nho pelo menos algumas ideias em torno do que faço,

de por que faço, para que faço. Se pouco ou nada sei

sobre ou a favor de que e de quem, de contra que e

contra quem faço o que estou fazendo ou farei.

Baptista (2008, p. 211) também aponta que o encontro das dimensões teoria e prática posto em questionamentos instiga a novas pers-pectivas e a novas possibilidades de solucionar os obstáculos provenientes do ambiente de tra-balho, num constante devenir:

Toda educação deve necessariamente implicar a ação

humana consciente e objetivada. Em Gramsci, a edu-

cação deve superar o senso comum e favorecer a cons-

trução de uma concepção crítica do mundo em que o

sujeito se compreenda, além de sujeito ativo (embora

efetivamente já o seja), protagonista da história, mes-

mo que dentro de certos limites.

Na formação continuada do(a) educador(a) em EJA, são imprescindíveis a troca de expe-riências e o diálogo com outros profissionais, como já se faz nos cursos de formação. Porém, carecem de orientações teóricas metodológicas que respondam às necessidades da realidade e apontem caminhos para as mudanças e a trans-formação no contexto histórico social condicio-nado pelos elementos políticos ideológicos que atendem aos interesses da consciência social dominante.

No processo de formação do educador, os docentes têm possibilidades de se apropriar do

conhecimento mediante seu trabalho e a forma-ção continuada, frente às exigências da prática educacional recheada de desafios, como a me-canização da rotina e a fragmentação dos conte-údos didático-pedagógicos aliados às mudanças politicas, sociais, tecnológicas e econômicas. Po-rém, esse processo também faz com que os(as) educadores(as) mergulhem em sua prática inun-dada com respostas espontâneas, equivocadas, distorcidas e desarmadas da curiosidade episte-mológica, como ressalta Freire (1996, p. 38): “o saber que a prática docente espontânea ou qua-se espontânea, ‘desarmada’, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de expe-riência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito”.

A relação entre teoria e prática é um dos grandes desafios não só para a EJA, como tam-bém para os demais cursos de formação de pro-fessores, tanto na fase inicial de sua formação quanto na continuidade. As dimensões teoria e prática estão inter-relacionadas e são imprescin-díveis em todo o processo educacional e profis-sional dos(as) educadores(as).

A formação docente continuada é o mo-mento de sistematizar a atuação prática, refletir sobre ela e planejar a articulação da teoria com os conhecimentos e o contexto social, cultural e econômico. É, também, o ponto de partida para uma leitura crítica da história e das lutas políticas acerca da educação e do processo de formação docente, no Brasil, circunstanciada pelas desigualdades e oportunidades, pelas jor-nadas duplas de trabalho, pelo subemprego, pe-las carências que a EJA sofre nas cidades e no campo e pelos desafios políticos e pedagógicos enfrentados pelos(as) educadores(as) na prática docente.

Freire (1992, p. 168), ao esboçar seu pensa-mento sobre a formação permanente dos educa-dores da EJA, ressalta:

Qualquer tentativa de pôr em prática uma educação

que, primeiro, respeitando a compreensão do mundo

dos educandos os desafie a pensar criticamente; se-

gundo, que não separe o ensino do conteúdo do ensi-

no do pensar certo, exige a formação permanente dos

educadores e das educadoras. Sua formação científica,

mas, sobretudo, exige um empenho sério e coerente no

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sentido da superação das velhas marcas autoritárias,

elitistas, que perduram nas pessoas em que elas ‘habi-

tam’, sempre dispostas a ser reativadas.

A esse respeito, Ireland (2000, p. 2) nos es-clarece que a formação de educadores de adul-tos tem como ponto de partida a experiência e que as demandas do mercado de trabalho, das novas tecnologias e da globalização da economia exigem respostas à altura do campo da educa-ção, sobretudo quando se trata da formação do educador(a) e, mais especificamente, do educa-dor popular: “consideramos a formação como o componente chave que articula e intermedia esta distância dinâmica entre a proposta escrita/ide-alizada e a realidade cotidiana da prática”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação de Jovens e Adultos atende, majoritariamente, a trabalhadores que querem se sentir sujeitos ativos, participativos e que al-mejam, sobretudo, melhores situações de traba-lho, econômicas, culturais e sociais. Pertencem à mesma classe social, porém com baixos salários, e consomem o básico para sobreviver, como edu-cação, saúde, segurança e outros. Contudo, essa modalidade de ensino precisa, urgentemente, de seriedade com seus educandos, compromisso com a educação pública gratuita e acessível a todos e responsabilidade com a política pedagó-gica de formação docente.

Quanto à formação docente continuada em João Pessoa, há uma carência histórica, não só no âmbito da formação de educadores(as) em EJA mas também do nível de escolaridade da po-pulação. Compreende-se, então, que a formação continuada não é só um processo de formação profissional dos(as) professores(as), mas tam-bém de formação política, científica, didática, pedagógica, teórica e prática e, por isso, não

pode focar apenas o preparo técnico e pedagó-gico dos(as) professores(as) (o ensino de con-teúdos, metodologias, manuseio dos recursos tecnológicos, avaliações de aprendizagem e pla-nejamento).

Nessa perspectiva, o desafio é problemati-zar, estimular e provocar o momento de reflexão sobre a prática educacional consciente dos pro-fessores(as), buscando envolvê-los nas lutas po-líticas educacionais e no processo de formação docente circunstanciado pelas desigualdades e oportunidades, pelas jornadas duplas de traba-lho, por suas carências nas cidades e no campo e pelos desafios políticos e pedagógicos enfrenta-dos pelos(as) educadores(as) na prática docente.

A relação teoria e prática tem sido colocada frente ao processo de formação continuada para os(as) educadores(as) da EJA em duas formas: a primazia da dimensão teórica sobre a prática e a prática dissociada da teoria. Entretanto, a reflexão sobre essa relação na formação docen-te, inicial e continuada, deve favorecer o ques-tionamento sobre a validade e o seu significado para os(as) educadores(as), para os sujeitos com quem trabalham e para a comunidade da qual fazem parte.

Assim, considerando a relevância dos sabe-res que são produzidos na prática educacional para a constituição docente e para a finalidade do seu trabalho - a transformação da sociedade mediante o trabalho humano - compreende-se que essa relação só poderá ocorrer, de fato, com a unicidade entre a teoria e a prática.

Por fim, devido aos desafios e aos obstácu-los postos à EJA, sabe-se que não há fórmulas que sejam válidas para todos e em todos os lu-gares, o que se deve é levar o conhecimento à crítica em função da história e do contexto edu-cacional, e para que isso ocorra, a teoria deve ter sentido à luz da prática docente, e a prática docente deve dar sentido à teoria.

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BAPTISTA, M. G. A. Gramsci e Vigotski: da educação ativa à ação crítica. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2012.

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VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1968.

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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN34

34Erenildo João Carlos* e Dafiana do Socorro Soares Vicente**

Considerações sobre o aparecimento do livro didático da educação de jovens e adultos no Brasil

RESUMO:

Assentado em uma ótica analítica e bibliográfica, o presente texto discu-te o aparecimento do livro didático, destinado à educação escolar de jovens, adultos e idosos, no contexto da sociedade brasileira. Para tanto, realiza um movimento de análise que problematiza duas dimensões articuladas da ques-tão: o surgimento do livro como produto da própria invenção da escrita e como um momento de ruptura no processo de produção do livro, provocada, sobretu-do, pela intencionalidade pedagógica exigida pelo espaço social de aprendiza-gem escolar. Finaliza com o entendimento de que a trajetória do livro didático da EJA, no país, resultou do reconhecimento e da garantia da especificidade da EJA: inicialmente, como uma prática educativa específica; posteriormente, como uma modalidade de ensino própria.

Palavras-chave: Escrita. Livro didático. Educação de jovens e adultos.

ABSTRACT:

Framed in a biographical and analytical view, this text discusses the appe-arance of the school textbook intended to youth, adults and elderly people edu-cation in the background of the Brazilian society. Aiming to achieve this goal, it carries out an analysis work that problematizes two articulated dimensions of the issue: on the one hand, the appearance of book as an outcome of the invention of writing itself is highlighted; on the other hand, it emphasizes the appearance of textbook as a breaking point in the process of book manufac-turing, which was caused mainly by the pedagogical intentionality required on the social area of school learning. It terminates with the understanding that the path of EJA textbook in Brazil has resulted from the acknowledgement and assurance of EJA specificity: initially as a specific educational practice, and subsequently as a teaching modality itself.

Keywords: Writing, Textbook, Youth and Adult Education.

(*) Professor Doutor em Educação do Departamento de Fundamentação da Educação da UFPB/CE - Campus João Pessoa. (**) Pedagoga, graduada pelo Curso de Pedagogia Presencial da UFPB/CE - Campus João Pessoa.

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INTRODUÇÃO

Historicamente, a humanidade tem sido marcada por processos de desenvolvimento so-ciocultural. Os seres humanos - racionais e labo-rais - foram produzindo mecanismos de sobre-vivência ao longo de sua t rajetória existencial. Nesse processo, devido à necessidade de regis-trar os acontecimentos, de expressar, de com-partilhar e de comunicar o que viviam, sentiam e pensavam, inventaram a escrita que, ao longo de sua história, passou por várias transformações.

Estudos arqueológicos comprovam que, antes da invenção da escrita, outros artefatos culturais foram inventados. Inicialmente, as pinturas e os desenhos foram alternativas en-contradas pelos primitivos para registrarem os acontecimentos de sua vida, sua cultura, seus modos de produção, suas divindades, enfim, suas ideias sobre a realidade concreta. Esse tipo de escrita, isto é, de registros simbólicos grafa-dos em pedras, foi denominado pelos arqueólo-gos de petróglifos.1

Esses achados apontam que, apesar da ca-rência de instrumentos mais sofisticados e de uma noção mais complexa sobre a realidade, as pinturas rupestres expressavam a cosmovisão que o homem primitivo tinha e transmitia. A pe-dra foi o primeiro meio de expressão permanen-te em suportes.2 Oliveira (1984, p. 17) destaca que foi nesse momento em que se concretizou a possibilidade da “necessidade de se criarem meios permanentes de expressão”, com os quais os seres humanos pudessem não só dizer algo uns para os outros, em situações concretas de existência, mas também deixar seu legado para as gerações futuras. Por sua vez, Martins (1996) defende que o esforço humano de utilizar as mãos, em suas primeiras tentativas de gra-var as paredes da caverna, fazia com que eles exercitassem sua capacidade de abstração e de representação, e não, apenas, sua habilidade de utilizar as mãos.

Graças ao esforço humano para registrar

1. Gravuras rupestres: pinturas e desenhos preservados nas cavernas e as imagens gravadas nas pedras. Oliveira (1984) diz que os petróglifos seriam mensagens propiciatórias dirigidas às forças misteriosas reverenciadas pelo grupo ou uma preleção endereçada às gerações futuras, demonstrando o desejo de materializar o pensamento através de sinais acessíveis à compreensão da coletividade. 2. Instrumento capaz de imobilizar, fixar o pensamento e a linguagem articulada.3. Oliveira (1984, p. 45) destaca que foi na Suméria onde a escrita nasceu, desenvolveu-se e se transformou em admirável instrumento de trabalho.4. Cuneiformes sumérios, depois, mesopotâmios, hieróglifos egípcios, creto-minoicos, hititas, caracteres chineses e ideogramas. É no estágio dos ideogramas em que as representações já não sugerem apenas objetos, mas também ideias abstratas.

os acontecimentos do cotidiano, os petróglifos foram sofrendo modificações. A partir de 5.000 aC., surgiram povoações que encontraram na agricultura o meio de desenvolvimento urbano e agrícola. O povo sumério foi quem investiu nes-se modelo econômico. Além disso, a Suméria foi construída aos redores dos templos sagrados, recebeu as marcas da religiosidade e propiciou o sustento dos cléricos. Essas transformações societárias exigiam os registros da movimenta-ção e do armazenamento dos bens, a definição dos dias de trabalho dos trabalhadores e o regis-tro do rol do rebanho nos templos. Nessa nova realidade cultural, acentou-se o desenvolvimento da escrita.3

Antes da escrita, a imagem foi o símbolo através do qual os seres humanos se comuni-cavam. Essas imagens-símbolos evoluíram e se tornaram diversos sistemas de escrita.4 Poste-riormente, a escrita aproximou-se da linguagem, chegou aos sinais fonéticos, depois passou pelo sistema silábico e, por fim, chegou às escritas consonânticas, que se desenvolveram, inicial-mente, no Oriente Médio, e só chegou ao alfabe-to na Fenícia, desde o Século XVI ou XV aC. Só no Século IX a.C., os gregos adotaram o alfabeto da Fenícia, acrescentando-lhes as vogais e dis-pondo a escrita da esquerda para a direita. Foi a partir desse alfabeto que se originaram o alfabe-to latino e o moderno.

Assim como a palavra, que exigia a fala e a voz como veículo, a escrita também requeria um suporte no qual pudesse operar o registro simbólico daquilo que se pretendia transmitir e comunicar. Nesse processo, a pedra, a argila, a madeira, o metal, o couro e o papel foram os su-portes da escrita, o que denota que sua invenção sempre esteve associada a algum tipo de mate-rial que possibilitasse sua existência. E no seio da articulação entre escrita e suporte, surgiu a ideia de livro. Labarre (1981, p. 07-08) destaca, em sua obra, “A história do livro”, que “[...] o aparecimento do livro está ligado aos suportes da escrita e que o mais antigo livro parece ser

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de pedra, desde as pictografias rupestres até as estelas e as inscrições do antigo Oriente e da An-tiguidade Clássica”. O autor afirma que, apesar de reconhecer que essa técnica de registrar em pedras os acontecimentos das sociedades tem um valor documental, ela não se configurava, ainda, como um livro, e a madeira foi o primeiro suporte dos verdadeiros livros. Além desses ele-mentos, a ideia de livro estaria vinculada a sua edição, ao desejo de difundi-lo e de conservá-lo, diferenciando-o dos documentos de arquivo.

Mesmo com o avanço na confecção e na produção do livro em diversos suportes5 ou for-mas, Escolar (1977, p.09) afirma que “o papi-ro, denominado de volume,6 foi a forma de livro mais usada na Antiguidade Clássica por todos os povos, principalmente entre os gregos e os romanos”, independentemente de outros forma-tos, como as tabuinhas cobertas de cera e o có-digo de pergaminho. Esse tipo de produção, tan-to nos rolos de papiro quanto nas tabuinhas de argila, configurou-se como um tipo de livro por mais de dois mil anos. Os conteúdos veiculados nessas produções eram conjuros, poemas reli-giosos, normas jurídicas, tratados e narrações históricas, atos administrativos e comerciais, ru-dimentares conhecimentos médicos, agrícolas e astronômicos.

No Século III aC., o pergaminho começou a ser usado na confecção dos livros. Era feito com pele curtida de animais. Labarre (1981, p. 10) descreve esse tipo de material como “simultane-amente mais sólido e mais flexível que o papiro e permitia que se raspasse e apagasse”. Todavia, apesar desse avanço, só no Século IV o papiro foi suplantado e deu lugar ao pergaminho.

Para Escolar (1977, p. 13), esse tipo de pro-dução iniciou-se na cidade de Pérgamo, durante o imenso império de Alexandre Magno. Nesse mesmo período, havia a famosa Biblioteca de Alexandria, onde essa produção era depositada, e havia difusão comercial. Seu papel, na trans-missão dos textos, era capital. Labarre (1981, p.10) complementa, afirmando que

Pérgamo foi, sem dúvida, um importante centro de

fabricação desse novo material, que, em latim, chama-

va-se de pergamineum. Utilizavam-se peles de carnei-

ro, bezerro, cabras, bode, até mesmo de jumento ou

antílopes, e submetiam-nas a uma preparação cujas

modalidades pouco variavam até à Idade Média.

Quanto ao papel, foi inventado pelos chine-ses e substituiu o pergaminho, que se tornou o instrumento fundamental do desenvolvimento humano. Apesar de ser descoberto na China, foi conquistado, primeiramente, pelos árabes, que o introduziram no mundo islâmico. Seu acesso à Europa cristã só aconteceu nos últimos anos da Idade Média. A resistência da Europa Cristã por esse novo material era devido a sua fragilidade.

Apesar da fragilidade apontada pelos gre-gos, o papel potencializou a proliferação de tex-tos, o que promoveu o avanço do ensino e da pesquisa e um considerável crescimento no campo da Medicina, da Teologia, da Astrono-mia, da Filosofia, da História, da Geografia e de textos de caráter narrativo e poético. Tam-bém fomentou a secularização da cultura e o desenvolvimento das Universidades na Europa cristã. Essas mudanças aconteceram porque o papel era um material de mais fácil acesso e mais barato que o pergaminho.7 Como destaca Escolar (1977, p.20), a “generalização do papel provocou o incremento do livro, passando a ser copiado agora pelos próprios estudantes univer-sitários ou por profissionais, o que deu lugar a um comércio de livro muito ativo”. O autor enfa-tiza que o comércio de livros se expandiu com a criação da imprensa, no Século XV, na cidade de Mogúncia, graças à iniciativa de Gutemberg, que facilitou a reprodução e a divulgação do livro e o libertou da cópia manuscrita.

No Brasil, o livro começou a ser produzido em 1808, quando D. João VI, fugido da invasão napoleônica, criou a primeira imprensa. Todos os equipamentos foram oriundos de Portugal, da imprensa Régia,8 assim como o núcleo do acervo que, posteriormente, constituiu-se na

5. Argila, usada na Mesopotâmia; os tecidos (principalmente a seda), os ossos, as carapaças e o bronze entre os chineses; em conchas, fragmentos de cerâmica, os óstracas, entre os povos semitas e gregos; folhas de palmeiras, nas índias; além desses, o tijolo, o marfim, a ardósia e metais diversos. (LABARRE, 1981.p, 08) 6.Em seu livro, ‘História do livro em cinco mil palavras’, Escolar (1977) afirma que o volume era uma longa tira enrolável, ou seja, um rolo de lâminas de papiro, presas umas às outras pelos lados, e onde largas colunas, escritas em um único lado, equivaliam às atuais páginas. 7.Mais detalhes sobre o aparecimento do papel, ler: LABARRE, Albert. História do livro. Trad. Maria Armanda Torres e Abreu. São Paulo: Editora Cultrix. INL. 1981, p. 32.8.Razzine (2005, p.100), ao tratar da Imprensa Régia, declara que, posteriormente, ela foi denominada de Imprensa Nacional.

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no que tange às produções de manuais didáti-cos no Brasil, tanto Hallewel (1982, p. 206-211) quanto Lindoso (2004, p.63) estabelecem uma vinculação entre o desenvolvimento editorial no país com o avanço no campo educacional, con-forme mostra este fragmento:

Francisco manteve a linha de trabalho do tio, amplian-

do-a com a inclusão de material didático para a escola

primária e desenvolvendo a parte editorial. Os livros

didáticos proporcionam uma linha de vendas segura

e permanente; dão também ao editor nacional uma

vantagem sobre os competidores estrangeiros, cujos

produtos jamais podem adaptar-se tão bem as condi-

ções e aos currículos locais. Baptiste Garnier já tinha,

por essa razão, começado, a desenvolver a publicação

de livros didáticos, mas Francisco Alves foi o primeiro

editor brasileiro a fazer disso o principal esteio de seu

negócio. (1982, p. 207)

As tendências que marcarão a edição bra-sileira nas décadas seguintes são: a primeira e mais importante é a estreita relação entre o desenvolvimento da indústria editorial e o cres-cimento da rede de escolas e do número de es-tudantes. (2004, p 63-64)

Com a pretensão de esboçar os aspectos re-levantes da trajetória do livro no Brasil, Razzine (2005, p. 100) assinala que, no Século XX, com a expansão da escola pública e os novos modos de ler na escola, foram definidas demandas para a produção de livros didáticos. Esse fenômeno histórico assegurou a presença do livro didático no cotidiano escolar, assim como a exigência de formulação e regulamentação de uma política nacional destinada à sua produção e circulação no país. Segundo Bittencourt (2008, p. 28-29a), a questão do livro didático emergiu, no cenário brasileiro, no final do Século XVIII, para oferecer suporte à formação dos professores e assegu-rar-lhes o domínio de um conteúdo básico a ser transmitido aos alunos. Já no Século XIX, predo-minou como principal instrumento de trabalho dos professores e dos alunos, como depositário dos saberes provenientes das diferentes discipli-nas escolares.

9. Garnier publicou para as escolas livros de gramática, aritmética e geometria, história natural, instrução moral e cívica e dicionários.10. Quanto a esse dado, consulte: HALLEWELL (1982); LINDOSO (2004); RAZZINI (2005); BITTENCOURT (2008).

Biblioteca Nacional. Contudo, segundo Lindoso (2004, p.56), a “impressão de livros só veio a acontecer comercialmente bem mais tarde, e até o final do Século a maior parte dos livros edita-dos no Brasil era feita em Portugal ou em Paris”. Em todo o Império, as Editoras se concentravam no Rio de Janeiro e, com algumas exceções, em São Paulo. Esses fatores eram devidos às pou-cas condições econômicas e tecnológicas para a produção de livros. Tanto o atraso tecnológico da produção de papel, no Brasil, quanto o preço das tarifas alfandegárias desestimulavam a fa-bricação local.

A PRODUÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL E SUA ESPECIFICIDADE

A necessidade do livro didático e de sua va-lorização, nos espaços públicos e privados, ur-banos e rurais de aprendizagem, fez com que ele adquirisse o estatuto pedagógico de componen-te curricular crucial do processo ensino-aprendi-zagem, constituído em uma espécie de bússola orientadora do fazer pedagógico de um número considerável de educadores. Para muitos, a úni-ca fonte do conhecimento sistematizado.

A produção de livros com autores brasilei-ros ocorreu através do francês, Garnier, que se tornou o mais importante editor brasileiro do Século XIX. O tino comercial desse visionário o ajudava na escolha dos autores para a publica-ção de livros em sua editora. José de Alencar e Machado de Assis foram os mais importantes autores que compuseram a sua equipe. Das publicações editadas por Garnier, havia roman-ces, poesias, mas também teve como destaque as edições de livros 9 escolares. Foi o primeiro a investir em livros voltados para a educação. Todavia, foi Francisco Alves o primeiro editor brasileiro a fazer dos livros escolares a base fun-damental do seu negócio, cuja política era de produzi-los com preços baixos. A livraria de Fran-cisco Alves foi fundada em 1854, na cidade do Rio de Janeiro, e se expandiu por São Paulo, em 1894, e Belo Horizonte, em 1910.10 Em relação à nacionalização do livro e seu desenvolvimento,

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Nessa mesma linha de investigação, Frei-tag (1989, p.12) lembra, com propriedade, que “remontam a 1937 as primeiras iniciativas de-senvolvidas pelo Estado Novo para assegurar a divulgação de obras de interesse educacional e cultural, criando o Instituto Nacional do Livro (INL), órgão subordinado ao MEC”, visando dar maior legitimação aos livros didáticos nacionais e, consequentemente, contribuir para o aumen-to de sua produção. Competia, ainda, ao INL ge-renciar todos os trabalhos relacionados ao livro didático, como planejar atividades e estabelecer convênios com órgãos e instituições, a fim de as-segurar sua produção e distribuição. Concordan-do com o entendimento de que esse momento foi um marco na história do livro didático no Bra-sil, assinala Gatti (2005, p.382):

[...] até a década de 1920 os livros destinados ao Bra-

sil eram de origem estrangeira, advindos da Europa

(França e Portugal). Eram editados no exterior o que

consequentemente nem todos os brasileiros tinham

acesso devido ao valor exorbitante, ficando nas mãos

dos filhos da elite.

Ensina-nos, ainda, Freitag (1989, p.12) que, nessa década, o Ministério da Educação instituiu a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), por meio do Decreto-lei nº 1.006/38, de 30/12/1938, produzindo, em seu Art. 2º, § 1º e § 2º, uma compreensão sobre a natureza didático-pedagógica do livro utilizado nos espa-ços escolares, conforme pode ser lido no trecho abaixo:

Art. 2º, § 1º - Compêndios são livros que exponham

total ou parcialmente a matéria das disciplinas cons-

tantes dos programas escolares; § 2º - Livros de leitura

de classe são os livros para leitura dos alunos em aula;

tais livros também são chamados de livros texto, livro-

texto, compêndio escolar, livro escolar, livro de classe,

manual, livro didático.

Além disso, a CNLD instituiu uma composi-ção da organização da comissão, representada por sete membros indicados pela presidência. Vale ressaltar que a função da Comissão era a de examinar e julgar o valor dos livros didáticos. Na verdade, ela exercia muito mais um contro-le político-ideológico do que avaliava o caráter

pedagógico dos livros didáticos. Quanto à fun-ção da Comissão Nacional do Livro Didático, o Decreto-lei 1.006 de 30/12/1938, em seu Art. 10, afirma:

Compete à Comissão Nacional do Livro Didático: a)

examinar os livros didáticos que forem apresentados,

e conferir julgamento favorável ou contrario a autori-

zação de seu uso; b) estimular a produção e orientar

a importação dos livros didáticos; c) indicar os livros

didáticos estrangeiros de notável valor, que mereçam

ser traduzidos e editados pelos poderes públicos, bem

como sugerir-lhes a abertura de concurso para a pro-

dução de determinadas espécies de livros didáticos de

sensível necessidade e ainda não existentes no país;

d) promover, periodicamente, a organização de expo-

sições nacionais dos livros didáticos, cujo uso tenha

sido autorizado na forma dessa lei.

Sobre isso, assinala Freitag (1989, p. 24) que “a criação da Comissão insere-se em um rol de medidas visando à reestruturação e o con-trole ideológico de todo o sistema educacional brasileiro”. Naqueles anos, foram criadas outras medidas que contribuíam para o reforço do apa-rato ideológico da Comissão, como o ensino de moral e cívica, em todos os níveis, a expansão do ensino profissionalizante para a classe operária, entre outras. A autora (1989, p.13) destaca que, no artigo 20 do decreto em questão, dos onze enumerados, somente cinco diziam respeito a questões genuinamente didáticas, os demais se referiam a critérios associados à autorização de sua publicação.

Na década seguinte, com o Decreto-lei nº 8.460, de 26/12/45, o Estado brasileiro não somente ratificou a legislação sobre a produção e a utilização do livro didático, como também realizou um ato administrativo profundamente democrático, ao possibilitar que os professores escolhessem os livros a serem usados em suas escolas, conforme ressalta seu Art. 5º:

[...] Os poderes públicos não poderão determinar a

obrigatoriedade de adoção de um só livro ou de cer-

tos e determinados livros para cada grau ou ramo

de ensino nem estabelecer preferência entre os livros

didáticos de uso autorizado, sendo livre aos professo-

res de ensino primário, secundário, normal e profis-

sional a escolha de livros para uso dos alunos, uma

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vez que constem da relação oficial das obras de uso

autorizado.

Segundo Molina (1988, p.22), esse dispo-sitivo ganhou força a partir de 1985, quando aumentou a possibilidade de que os professo-res seriam realmente os detentores do poder no mercado do livro didático, já que, segundo a autora, o governo, na Nova República, colocou como uma de suas metas educacionais a auto-nomia do educador na escolha dos materiais didáticos que seus alunos da rede pública rece-beriam gratuitamente do Estado.

No país, a consolidação da trajetória espe-cífica do livro didático fez com que, em 1966, o governo militar inserisse, no acordo estabelecido entre o MEC e a USAID (Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional), a criação da Comissão do Livro Técnico e do Livro Didáti-co (COLTED), que passou a substituir a CNLD. Essa nova Comissão tinha a responsabilidade de coordenar as ações referentes à produção, à edi-ção e à universalização/democratização do livro didático, assim como à criação de bibliotecas e à formação de educadores e de instrutores em todo o território nacional. Lindoso (2004, p. 92-93), ao tratar sobre o livro didático no Brasil, diz que “[...] a COLTED produzia cadernos e outros materiais didáticos escolares e estava iniciando um programa de edições de dicionários, atlas e alguns outros títulos com preços altamente sub-sidiários” e que as suas ações “[...] envolviam uma consulta aos professores dos livros dispo-níveis, seguindo de uma seleção por especialis-tas e da aquisição das quantidades definidas de exemplares diretamente das editoras para dis-tribuição nas escolas”. Segundo o autor, “com a implantação do programa, em 1969, foram distribuídos, aproximadamente, seis milhões de exemplares”.

Alinhando-se a esse movimento, a Portaria nº 35, de 11/3/1970, do Ministério da Educa-ção, implementou o sistema de coedição de li-vros com as editoras nacionais, com recursos do Instituto Nacional do Livro (INL) que, em 1971, passou a desenvolver o Programa do Livro Di-dático para o Ensino Fundamental (PLINDEF) e

assumiu as atribuições administrativas e de ge-renciamento dos recursos financeiros, até então sob a responsabilidade da COLTED. A contrapar-tida das Unidades da Federação passou a ser necessária, com o término do convênio entre o MEC e a USAID, e se efetivou com a criação do sistema de contribuição das unidades federadas para o Fundo do Livro Didático. 11

Com o Decreto nº 77.107, de 4/02/1976, o Estado compra grande quantidade de livros para distribuir com parte das escolas e das unidades federadas. Com a extinção do INL, a Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME) torna-se responsável pela execução do programa do livro didático. Os recursos advinham do Fundo Nacio-nal de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e das contrapartidas mínimas estabelecidas para participação das Unidades da Federação. 12

Um fato relevante, no que tange à confi-guração do livro didático, é que sua impressão sofreu várias alterações, inclusive em sua dimen-são didática, que foi se tornando mais rebusca-da e rigorosa pedagogicamente, o que se faz presente até hoje. Essas modificações e adap-tações foram adequando-se não somente ao de-senvolvimento tecnológico, mas também às mu-danças da realidade escolar brasileira, advindas do processo de democratização do ensino, o que permitiu o acesso de outros sujeitos, oriundos das classes populares (da zona urbana ou rural), como jovens, adultos e idosos, no ambiente es-colar, expressando-se, desse modo, na lógica de produção dos livros escolares.

Gatti (2005, p. 383) afirma que, a partir da década de 1970, a elaboração e a atualização dos livros didáticos produzidos no Brasil tiveram um avanço considerável e urgente e passaram a ter propostas didático-pedagógicas diferencia-das, com forte teor cognitivista na configuração das metodologias de ensino. Sofreram um pro-cesso de modernização na estrutura física (for-ma) e mudanças no perfil dos seus autores, que atuavam, exclusivamente, em faculdades e uni-versidades, e passaram também a ter a presen-ça de docentes de escolas destinadas às classes médias e, preferencialmente, com experiência no Magistério. Vale destacar que, somente na

11. Sobre isso, ver: BRASIL, Programas – Livro didático: histórico. <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-historico>.12. Quanto aos aspectos históricos dos programas do livro didático, consultar: <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-historico>.

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década de 1990, os autores não ficaram restri-tos ao papel de escritores, mas também de res-ponsáveis pela divulgação de suas obras.

Em 1983, foi criada a Fundação de Assis-tência ao Estudante (FAE), com a finalidade de examinar os problemas dos livros didáticos, com critérios de avaliação puramente técnicos, porquanto se analisavam a durabilidade, a quali-dade do papel e da encadernação, a quantidade de cores utilizadas, entre outros aspectos. Es-ses critérios partiam dos pressupostos encon-trados na Resolução nº 113, de 31 de março de 1976, em que sete itens foram elencados para a análise das obras didáticas na época, a saber: em primeiro lugar, a forma, incluindo os aspectos editoriais, como título, índice, prefácio, glossário, bibliografia, identificação e o aperfei-çoamento físico, que envolvia impressão, enca-dernação, marginação, ilustração, tipo de papel, espaçamento e linguagem. Em segundo lugar, analisavam-se o conteúdo informativo, a meto-dologia e o planejamento pedagógico.13

A partir de 1997, o Fundo Nacional de De-senvolvimento da Educação (FNDE) se tornou o responsável pela política de execução do PNLD, que foi resultado de um processo de formula-ções e reformulações, propostas por diferentes governos, diferentes políticas e diferentes inte-resses. Tinha como objetivo adquirir e distribuir, gratuitamente, livros didáticos de qualidade das diversas áreas - Alfabetização, Matemática, Lín-gua Portuguesa, Ciências, História, Geografia e Dicionários da Língua Portuguesa para todos os alunos matriculados na rede pública.

Pelo exposto, o livro didático foi, gradativa-mente, sendo erigido pelo Estado brasileiro como um recurso necessário ao processo de transmis-são dos saberes sistematizados, atrelados às economias, às políticas e às concepções especí-ficas. Nesse sentido, Bittencourt (2008, p. 72b) assinala que o livro didático é desenhado a partir de “um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura”, expressão da concepção de mundo hegemônica de determinada época e lugar.

Sobre a dimensão ideológica do livro didá-tico, alguns estudos ganharam visibilidade no âmbito nacional, a partir de 1980, através de Freitag e colaboradores (1993); Nosella (1981),

Bonazzi e Eco (1980) e Molina (1988), que analisaram as ideologias subjacentes nos livros didáticos e concluíram que, nesses materiais, havia valores oriundos das classes dominantes, que se contrapunham à realidade concreta da grande massa da sociedade brasileira - as clas-ses populares. Ademais, além de mediador da proposta curricular oficial e dos aspectos ide-ológicos hegemônicos, o livro didático sempre teve uma dimensão pedagógica, como ressalta Gatti (2005, p.386):

[...] pode-se afirmar que é possível examinar o núcleo

constitutivo de uma disciplina escolar nos livros didá-

ticos que, no caso brasileiro, assumiram um duplo

papel: o de portador dos conteúdos disciplinares e

o de organizadores das aulas. É perceptível o fato de

que nos livros didáticos apresentam-se os conteúdos

disciplinares de formas explicitas. Assim, esses conte-

údos, que constantemente mudam, são sempre uma

seleção daquilo que deve ser trabalhado nas escolas.

Esse caráter seletivo é extremamente importante na

compreensão dos livros didáticos.

Garantido juridicamente, mediante um or-denamento jurídico específico, assumido pelo Estado mediante uma política nacional própria, valorado pedagogicamente no cotidiano escolar, por docentes e discentes, o livro didático acabou por se tornar uma mercadoria, um produto a ser ofertado pelas editoras e a ser comprado pelo Estado, pelas escolas privadas ou por pais de alunos. Antes de chegar às mãos dos professo-res e dos alunos, os materiais didáticos passam por processos de industrialização e comerciali-zação que obedecem à lógica do mercado, dos interesses do Estado e dos segmentos dominan-tes da sociedade.

Com efeito, pensar o livro didático exige considerar suas diferentes fases de elaboração, construção, circulação e consumo. Entretanto, tudo isso só tem sentido por causa de sua fun-ção escolar. Todo investimento é possível devido ao entendimento constituído historicamente e compartilhado socialmente de que o livro didáti-co é um recurso pedagógico relevante para pro-fessores, pais e alunos e indispensável para o es-tudo e o acesso ao conhecimento sistematizado.

13. Esses itens estão elencados no texto de MOLINA, Olga. Quem engana quem? Professor X Livro didático. Papiro. Campinas, SP. 1988, p. 28.

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Certamente, nos últimos anos, o livro didá-tico passou a ser 14 objeto de apreciação e de crítica pedagógica, ao se avaliarem sua quali-dade e correção gráfica, seus efeitos na apren-dizagem do aluno e no ensino do professor; de reflexão estética, ao se discutirem as implica-ções da cultura visual e seus entrelaçamentos na aprendizagem e no ensino do saber escolar; de investigação e de luta ideológica, pelo fato de se analisarem a mensagem de seu conteúdo e a concepção de mundo e de homem que preten-dem instituir e circular na sociedade; de crítica política, por se debaterem a responsabilidade da intervenção do Estado e a participação da sociedade civil organizada em sua elaboração e reprodução; de investimento econômico, ao se ponderar sobre seu caráter mercadológico e as implicações dessa lógica no processo de produ-ção, comercialização e consumo.

O LIVRO DIDÁTICO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Conforme foi exposto, existe uma relação entre escrita e livro. Ora, se essa vinculação pode ser considerada intrínseca ao movimento históri-co de invenção do livro, em geral, e do didático, em particular, em se tratando de Educação de Jo-vens e de adultos, agregam-se as peculiaridades próprias de sua história e a realidade sociocul-tural dos educandos brasileiros. Por essa razão, pode-se dizer que, no Brasil, o aparecimento e a consolidação do livro didático da educação de jo-vens e adultos constituem um capítulo da história geral do livro didático em nosso país.

Pode-se dizer que, no cerne da mobiliza-ção do Estado e da sociedade civil organizada em prol da luta contra o analfabetismo no Bra-sil, o livro não foi o foco principal das preocupa-ções pedagógicas por dois motivos: por conta de as condições precárias dos próprios sujeitos que a EJA sempre atendeu serem oriundas das camadas menos favorecidos e excluídos social-mente e por causa da impossibilidade de um livro contemplar a diversidade cultural e social do povo brasileiro, o que, do ponto de vista po-

lítico-pedagógico, acarretaria profundas difi-culdades na condução do próprio trabalho de aquisição da escrita.

O texto e o material didático adotado, geral-mente fichas ou cartilhas, conferiam mais liber-dade e flexibilidade ao educador em considerar a realidade do educando com quem trabalhasse. Entretanto, gradativamente, por razões pedagó-gicas, culturais, ideológicas, políticas e econô-micas, mencionadas nos tópicos anteriores, a questão do livro didático começou a ser trata-da, na década de 1940, no ínterim das inicia-tivas em prol da erradicação do analfabetismo no país. Exemplos conhecidos da mobilização a que estamos nos referindo são: a regulamen-tação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP), em 1942, durante o Estado Novo; a cria-ção do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), com o surgimento das primeiras obras, especificamente destinadas ao ensino supletivo; a primeira Campanha de Educação de Adultos Analfabetos (CEAA), através da qual tiveram iní-cio reflexões sobre a elaboração de materiais didáticos voltados para adultos e a realização de eventos que oportunizaram diálogos entre os agentes da educação sobre a temática: o 1º Congresso Nacional de Educação de Jovens e Adultos (1947) e o Seminário Interamericano de Educação de Adultos (1949). 15

A primeira Campanha de Educação de Adultos (CEA), em 1947, resultou na atuação do setor público no sistema de produção e elabora-ção de materiais didáticos para essa modalida-de de ensino, tendo em vista o desenvolvimento das habilidades da escrita e das operações de matemática; noções de cidadania, saúde e hi-giene e Geografia e História. Foi nesse cenário que a União promoveu a articulação entre os go-vernos estaduais e municipais e arregimentou o apoio da sociedade civil organizada, que envol-veu diferentes sujeitos na produção de recursos didáticos. A produção de materiais didáticos, durante a Campanha de Educação de Adultos, foi destinada ao setor de Orientação Pedagógi-ca do Serviço de Educação de Adultos (SEA). Segundo Beisiegel (2004, p.100), o SEA foi ins-

14 Sobre esses olhares, consultar GATTI, Décio Jr. In. Entre políticas de Estado e práticas escolares: uma história do livro didático no Brasil. STEPHANOU, Maria; Bastos, Maria Helena Câmara. (Orgs.). Histórias e memórias da Educação no Brasil Vol. III – Século XX. Petrópolis, RJ. Vozes, 2005.15 Sugerimos a leitura de Baisiegel (2008) para aprofundar esse assunto.

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talado como serviço especial do Departamento Nacional de Educação, ainda no ano de 1947, que, nessa ocasião, “... concluía a elaboração de cartilhas e textos de leituras e iniciava sua distri-buição, em larga escala, para todas as unidades do ensino já instaladas”.

Se a Primeira CAE foi um marco histórico no âmbito nacional da educação de jovens e adultos, também se configurou como a primeira iniciativa na elaboração e produção de materiais didáticos em larga escala, visando à distribuição em todo o território nacional. A quantidade de publicações de materiais didáticos distribuídos durante a CEA demonstra a dimensão do impac-to da Campanha na produção didática.

Fávero (1986) e Beisiegel (2004) assinalam que, até o final da década de 1950, os materiais produzidos pelo Serviço de Educação de Adultos (SEA) foram: Ler - Primeiro guia de leitura; Saber – 2o livro de leitura; Caderno de Aritmética; Tirar leite com Ciência, Como guardar ovos; Lindaura vai fazer manteiga, O grão de ouro, Lindaura vai fazer requeijão, Guerra à saúva, Terra cansada, Uma das Melhores Frutas do Mundo; Cartilha de Saúde (Alfabeto da Saúde); Maranduba; Tubercu-lose, malária e Maria Pernilongo. Beisiegel (Idem) assinala que todas essas publicações “desenvol-viam, coerentemente, na prática, a orientação im-primida ao ensino supletivo pela direção central da Campanha de Educação de Adultos” e que o conteúdo das publicações – materiais didáticos básicos para a alfabetização – identificava-se como os do ensino primário infantil.

Na década de 1960,16 novas perspectivas para a Educação Básica e para a Educação de Adultos foram formuladas, no bojo do debate gestado durante o II Congresso de Educação de Adultos, realizado em 1958, e das discussões sobre a elaboração da primeira LDBEN, depois de cuja promulgação foi elaborado o PNE. Du-rante o Governo de Jânio Quadros, emerge, no cenário nacional, o Movimento de Cultura Popu-lar (MEB), num convênio entre a Conferência Na-

cional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Ministé-rio de Educação e Cultura (MEC). Nessa mesma ocasião, foi organizada a Mobilização Nacional contra o Analfabetismo (MNCA), que não chegou a ser implantada; ocorreram o Encontro Nacio-nal de Alfabetização e Cultura Popular (1963) e a criação da Comissão Nacional de Alfabetização, com o Plano Nacional de Alfabetização (1964).

Assinala Baisiegel (2004) que o governo fe-deral foi perdendo, gradativamente, o controle e a liderança no campo da educação de adul-tos. Uma nova liderança emergiu e se fortaleceu, oriunda dos movimentos de cultura e educação popular, com uma proposta17 teórico-metodoló-gica freireana para a alfabetização de adultos, como o Movimento de Cultura Popular de Recife (MCP), a Campanha de pé no chão também se aprende a ler, de Natal, que chegou a produzir um livro de leitura para a alfabetização, o Cen-tro Popular de Cultura da União dos Estudantes (CPC) da UNE, o Movimento de Educação de Base da Igreja Católica (MEB) e a Campanha de Educação Popular da Paraíba.

A partir de Freire, foi introduzida, no campo da educação de adultos, uma série de materiais didáticos que possibilitaram uma maneira dife-rente de se alfabetizar. Moura (2007, p. 24) as-severa que esse “[...] período foi extremamente fértil no campo de produções de livros didáticos destinados à educação popular, à educação de adultos e à Alfabetização, graças à grande efer-vescência no âmbito das instituições públicas e dos Movimentos de Cultura Popular”. Nessa oca-sião, Osmar Fávero foi um dos elaboradores da produção de materiais didáticos para a EJA, uti-lizados no início da década de 60, nas escolas radiofônicas do Movimento de Educação de Base (MEB), patrocinado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), apoiado pelo MEC.

Na ótica de Fávero (1982), o Sistema Rá-dio Educativo Nacional (SIRENA) foi organizado com a presença de diversos profissionais de vá-rias áreas do conhecimento - Educação, Saúde,

16. No início de década de 60, os movimentos de caráter popular que emergiram no cenário nacional eram compostos por intelectuais, políticos e estudantes, oriundos da esquerda marxista, vinculados a grupos liberais ou provenientes de movimentos católicos, que tinham como objetivo promover a participação política das massas e com o processo de tomada de consciência em torno das problemáticas vigentes na sociedade brasileira.17. Segundo Moura (2005), as ideias e as propostas de Freire fazem eco entre todos os que optaram por se dedicar às tarefas de educação e alfabetização das classes populares, na perspectiva da leitura do mundo e da leitura da palavra de forma em que seus sujeitos pudessem intervir conscientemente na estrutura social. Beisiegel (2008), ao fazer referência ao modelo de educação proposto por Paulo Freire, destaca que seria uma educação fundada na prática do diálogo, que estimulasse a participação do adulto analfabeto, visando à resolução de problemas e ao desenvolvimento da capacidade de refletir criticamente sobre esses problemas, formando a consciência crítica e a personalidade democrática, tendo em vista a emancipação dos sujeitos, na perspectiva de torná-los protagonistas de suas histórias.18. A Radiocartilha foi elaborada no final da década de 1950, pelo Sistema Rádio Educativo Nacional (SIRENA), e se estendeu até o início dos anos 60.

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Agronomia e Veterinária. Produziu a Radiocarti-lha,18 utilizada nas escolas radiofônicas, sobre-tudo no sistema mãe de Leopoldina, no âmbito da Campanha Nacional de Erradicação do Anal-fabetismo, e em alguns sistemas radiofônicos do MEB, aproximadamente até o final de 1962.

Moura (Idem) destaca alguns materiais di-dáticos produzidos nesse período, quais sejam: em 1963, foram elaborados o primeiro e o se-gundo volumes dos livros de leitura para adultos: “Saber para viver”; “Viver é lutar”19, “Saber para construir” e a Coleção mutirão,20 produzidos pelo MEB, que objetivavam alfabetizar para formar a consciência crítica dos alunos. Nesse mesmo ano, a Campanha de Educação Popular da Para-íba (CEPLAR) produziu um livro de leitura para recém-alfabetizados, chamado de “Força e traba-lho”, que não chegou a ser impresso. A Campa-nha “De pé no chão também se aprende a ler” elaborou um livro de leitura com esse título.

Além desses, outros materiais didáticos fo-ram produzidos pelo Centro Popular de Cultura (CPC). Porém, grande parte foi destruída por um incêndio criminal da sede na UNE em 1964. Os materiais traziam em seu arcabouço conteúdos vinculados à cultura popular, como música, poe-sia, peças de teatro, filmes e folhetos de cordel, a saber: o cordel Bumba-meu-boi, de Capinam, representado pelo CPC/Bahia; o Livro de leitura para adultos, do CPC/Goiás, e a cartilha Uma família operária, do CPC/Belo Horizonte, além das poesias divulgadas no Violão de rua.

No Brasil, após os anos de ditadura militar, na década de 1990, foi criada a Coleção Viver e aprender,21 direcionada para o primeiro seg-mento do Ensino Fundamental e elaborada pela Ação Educativa, sob a coordenação do MEC, que distribuiu, aproximadamente, seis milhões de livros. Em 2004, foi ampliada, com livros temá-ticos para o segundo segmento do Ensino Fun-damental. Nesse mesmo ano, o Instituto Paulo Freire produziu livros para o primeiro segmento do Ensino Fundamental, destinado ao novo Tele-

curso da Fundação Roberto Marinho.Nessas duas últimas décadas, diversas or-

ganizações e instituições contribuíram para a produção de materiais didáticos para a EJA. A ONG “Serviços de apoio à pesquisa em Educa-ção” produziu os paradidáticos intitulados Aluá (almanaque). Todavia, entre os paradidáticos destinados à EJA, destacaram-se os livros do Projeto Integrar, da Central Única dos Trabalha-dores, e a coleção do Núcleo de Educação Popu-lar do Centro de Educação da UFPE.

Entre 2001 e 2007, foi sendo elaborada a Coleção Cadernos da EJA,22 adotada pelas esco-las municipais da cidade de João Pessoa/PB, no período de 2009 a 2010, como resultado da par-ceria entre a Secretaria de Educação Continu-ada, Alfabetização e Diversidade e o Ministério da Educação (SECAD/MEC) e a Fundação Uni-trabalho, mediante o convênio estabelecido com o FNDE. As duas entidades têm produzido ma-teriais didáticos para o 1º e o 2° segmentos do ensino fundamental de jovens, adultos e idosos. A coleção tinha como tema gerador “o trabalho” e foi composta de 27 livros.

Nota-se, portanto, que o reconhecimento da especificidade da existência social da edu-cação de adultos, como uma prática educativa peculiar, e sua assunção à modalidade de en-sino, a partir das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgadas em 1996, e das Diretrizes Nacionais da EJA, fixadas pelo Conselho Nacional de Educação, em 2000, as-segurou a EJA como parte integrante do cená-rio da educação escolar brasileira e gerou a ne-cessidade de se elaborar uma política própria do livro didático, que considerasse as especifi-cidades da EJA, nas várias etapas do processo de escolarização.

Com efeito, observamos que a trajetória da invenção da escrita e do livro sofreu uma série de modificações sucessivas, provocadas pelo advento da própria escola moderna, que passou a exigir uma espécie de recontextualização do

19. Em seu texto, “Materiais didáticos na educação de jovens e adultos”, Fávero confirma a sua participação como responsável pela produção e edição do Conjunto didático “Viver é lutar” (1963). 20. Essa coleção era composta por: Mutirão I (para alfabetização); Mutirão II (para os recém-alfabetizados) e um encarte para o segundo livro: Mutirão para a saúde, financiado pelo Ministério da Saúde. (MOURA. 2005, p. 26) 21. Vóvio (2001, p.125-135), ao tratar sobre esses materiais didáticos, diz que os livros se organizaram em torno de módulos temáticos que articulam os conteúdos com as áreas de Língua Portuguesa, Matemática e Estudos da Sociedade e da Natureza. A coleção é composta por quatro livros, cada um deles corresponde a um guia dos educadores, que contém explicações quanto às opções temáticas adotadas no módulo e orientações didáticas específicas para a modalidade EJA.22. Esse material didático está disponível no Portal dos professores de EJA do MEC. Disponível em: <http://www.eja.org.br>. Acesso em: 22/07/2010.

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livro, tendo em vista sua particularidade educati-va - o que provocou a necessidade de se criarem o livro didático e uma política nacional própria - e a conquista do direito público subjetivo à es-colarização, efetivada por jovens, adultos e ido-sos que não tiveram acesso à escola no tempo certo ou que dela se evadiram. A garantia desse

direito implicou, entre outras coisas, uma modi-ficação no seio da dinâmica de produção do livro didático, por considerar e contemplar as especi-ficidades da realidade sociocultural e pedagógi-ca desses novos sujeitos de direitos, instituídos pelo ordenamento jurídico educacional brasilei-ro, a partir da metade da década de 1940.

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Referências

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46Marcos A. R. de Barros *

O axonômetro no ensino da Axonometria

RESUMO:

O presente trabalho apresenta o equipamento axonômetro, criado para facilitar a compreensão no ensino do Sistema Axonométrico, utilizado no de-senho técnico, na representação gráfica de sistemas hidráulicos e elétricos, bem como em mecânica, em arquitetura, em gráficos e em diagramas. Esse equipamento tem como objetivo mostrar, de maneira racional e espacial, como podemos construir uma representação axonométrica, partindo da adoção do triângulo fundamental EFG, e a origem do triângulo fundamental, através da projeção ortogonal do paralelepípedo de referência sobre um plano. Demons-tra, visual e analiticamente, a utilização do triângulo fundamental na constru-ção de uma axonometria.

Palavras-chave: Projeção ortogonal; Axonometria; Triângulo fundamental; Axonômetro.

ABSTRACT:

This paper presents the equipment Axonômetro, designed to facilitate comprehension in the teaching of Axonometric System, used in the Technical Drawing, representing electrical and hydraulic system as well as in Mechanies, Architecture, graphics and diagrams.

The equipment was named Axonômetro and has the aim to show, rationally and spatially, how we can construct an axonometric representation, starting from adoption of EFG Fundamental Triangle. The equipment shows the origin of fundamental triangle starting from orthogonal and parallelepiped projection of reference, over a plan of projection. It shows, both visually and analytically, the use of fundamental triangle in the construction of an axonometry.

Keywords: Orthogonal Projection; Axonometry; Triangle fundamental; Axonometro.

(*) Professor Adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Tecnologia da UFPB

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ANTECEDENTES HISTÓRICOS

As técnicas matemáticas desenvolveram-se, historicamente, através de desenhos e gráficos en-contrados em paredes de cavernas onde viveram os primitivos homens que agiram e registraram suas existências. Nossos ancestrais também pro-duziram mapas de divisões de terras gravados em blocos de argila, há, aproximadamente, 3.000 anos antes da era cristã.

Pesquisas mostram que decorações cenográ-ficas do Século V tornaram-se fundamentais para as análises e as pesquisas de muitos estudiosos, como os gregos Vitruvio, Agatharco de Samos, Demócrito, Anaxágora, Euclides e outros. Entre os romanos, destacam-se: Apartarius e Asclepiodoro, e renascentistas como Paolo Uccello, Brunelleschi, Pietro de Franceschi, Leonardo da Vince e Guido Ubaldi. Outros que também se destacaram, como Albert Dürer, Desargues e Taylor, foram criadores e formuladores de princípios e de leis que regem os fundamentos integrados da Geometria e dos vários sistemas de representação gráfica.

A Geometria, representada com base nes-sas primeiras técnicas de gráficos, era a apre-sentação de quadros visuais e registros do mun-do real, interpretados por conhecidos produtores de gráficos. O método gráfico desses povos trou-xe até nós suas visões de mundo, em seus suces-sivos estágios. Foi e continua sendo um mundo voltado para as construções geométricas e as configurações que não poderiam existir sem as relações geométricas específicas. Recentemente, podemos observar a configuração dos átomos e das moléculas para compreendermos bem mais o passado remoto.

A criação de novas técnicas de gráficos contri-buiu para se visualizar o mundo real e conduz a no-vos gráficos, cada vez mais complexos, usando-se, todavia, os conceitos da Geometria que foram apli-cados pelos projetistas de catedrais da Idade Mé-dia. Esses métodos gráficos ainda não haviam sido formalizados, até o Século XVIII, quando Gaspard Monge sistematizou a Geometria descritiva, com o título de Descriptiva Geometrie, primeiro sistema de representação gráfica publicado em 1795.

Durante toda a vida, Monge foi um insistente estudioso de tudo o que se referia à fortificação militar em sua pátria e chegou a ocupar o cargo de Ministro da Marinha. Suas descobertas, no campo

da Geometria, estão, em algum ponto, ligadas aos interesses militares da época. Seus estudos faziam parte dos segredos militares de sua nação.

Ao analisar com mais detalhes o conceito de gráficos como linguagem, verificamos que, na se-quência dos séculos, a Geometria, em suas várias manifestações em “duas e três dimensões”, tem sido expressa na forma de desenhos, diagramas, pinturas e esculturas. Assim, aprendemos que a linguagem dos gráficos envolve o uso dos “olhos, da mente e das mãos” (SLABY, 1988). Essa com-binação é fundamental para o desenvolvimento de expressões gráficas que facilitam a visualização e as derivações de formas físicas complexas do mun-do real ou imaginário, tanto na Ciência, quanto na Tecnologia e na Arte.

Para melhor compreensão, vale considerar a história que mostra o desenvolvimento da teoria e da prática da Geometria e dos gráficos, que sem-pre foram utilizados pela humanidade, desde os tempos mais recuados, para visualizar e gravar o mundo real e o abstrato. Portanto, os geômetras descritivos e especialistas em gráficos da atualida-de vêm desenvolvendo os aspectos teóricos dessa área do conhecimento e enfatizando o aumento do poder de visualização e, consequentemente, o desenvolvimento da “Ideia Gráfica”. Essas observa-ções pesquisadas são precursoras, na verdade, da base dos gráficos gerados por computador.

Entre outros sistemas de representação gráfi-ca, enfocamos o sistema axonométrico, que é am-plamente aplicado na área das tecnologias. Mesmo sendo pouco compreendido e, às vezes, utilizado artesanalmente, sua aplicação correta merece ên-fase. O sistema axonométrico é uma representação que expressa, em uma única imagem, as três di-mensões do objeto representado, perspectivado.

ANTECEDENTES DIDÁTICOS E O NOVO ESPAÇO

O ensino da representação gráfica (desenho) sempre aconteceu nos moldes da velha pedagogia de forma incipiente. O professor era limitado de-vido à constante falta de material didático e a um ambiente inadequado, desagradável e sem equi-pamentos necessários. Modernamente, pensamos em um ambiente dimensionado e devidamente programado visualmente, tentando desenvolver integralmente as potencialidades dos sujeitos da educação, com o projeto de um Gabinete de Ex-

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pressão e Representação Gráfica.O equipamento criado recentemente - o “AXO-

NÔMETRO” - é uma peça integrante desse Gabine-te, por meio do qual é possível promover uma apren-dizagem contextualizada. O Gabinete de Expressão e Representação Gráfica, cuja proposta se reveste de uma metodologia de ensino mais laboratorial, tem em vista os aspectos específicos de aplicação da representação gráfica na solução de problemas técnicos ou, simplesmente, na representação grá-fica superficial. As concepções, futuros projetos, só seriam concretizados com a evidência de um processo de representação gráfica, através de uma simbologia específica, própria daquelas áreas pro-fissionais de abrangência do projeto.

O novo método criado para o ensino do Dese-nho Técnico e das disciplinas afins recebeu do au-tor a denominação de Método Visográfico (MVG), por ser embasado na comunicação visual e no gra-fismo e se constitui uma abordagem sistemática centrada em uma tecnologia da educação aplicada ao ensino do Desenho Técnico.

Com base na especificação de objetivos, em

termos operacionais, são delineados os objetivos imediatos e os objetivos últimos. Os objetivos ime-diatos são especificados em termos comportamen-tais visíveis, durante o processo da aprendizagem e em seu final. Os objetivos últimos se relacionam com modificações de comportamentos ligados à vida futura do aluno, num contexto mais abrangen-te na sociedade.

O MVG, como todos os outros métodos, fun-damenta-se em uma teoria psicológica da aprendi-zagem, que, nesse caso, é a Teoria Associacionista de Estímulo-resposta (S-R). A associação estímulo-resposta (S-R), aplicada em experiências com ani-mais, fundamenta a construção de várias teorias da aprendizagem, já conhecidas. Esse método é uma abordagem em nível de laboratório, por meio do qual os alunos (sujeitos) são submetidos à aná-lise experimental de comportamento (SKINNER, 1930), com base nos comportamentos iniciais, seguindo-se as várias etapas do processo instru-cional, para a obtenção do comportamento final esperado, ou seja, a comprovação de que houve aprendizagem.

METODOLOGIA

Foi da práxis direta, no ensino das disci-plinas “Geometria Descritiva” e “Desenho Téc-nico”, que surgiu a motivação para desenvolver um projeto orientado, cujo objeto fosse a criação de equipamentos didáticos, capazes de facilitar a aprendizagem de princípios e conceitos que levam a uma compreensão espacial mais abran-gente, em relação aos sistemas de representação gráfica.

Logo, pensou-se em uma tecnologia da edu-cação aplicada ao ensino da representação grá-fica, que foi feita com recursos do MEC – SESU – e cujo projeto foi desenvolvido com sucesso. O equipamento AXONÔMETRO foi um dos últimos a ser criado.

A figura 1 mostra as três arestas do para-lelepípedo, projetadas ortogonalmente sobre o plano alfa’:

As três arestas OA, OB e OC interceptam o plano alfa’ de projeção e determinam as proje-ções O’A’, O’B’ e O’C’ do paralelepípedo, bem como o triângulo fundamental EFG. A fig. 2 repre-senta, simplesmente, as três arestas que partem de O, (OE), (OF) e (OG) do paralelepípedo, deter-minando o triângulo fundamental EFG .

As figuras 2 e 3 vão mostrar que O’ é o orto-centro do triângulo EFG. Prolonguemos GO’ até encontrar P sobre EF.

O plano OGP hachuradalfo (fig. 3) é perpen-dicular a alfa’ porque contém a reta OO’ perpen-dicular a esse plano e também ao plano OEF por conter OG. Como OGP é perpendicular a alfa’ e a OEF, é perpendicular a EF. Do triângulo OEF, OP é altura e GP do triângulo EFG fundamental. EO’Q e FO’R são também alturas de EFG, logo, O’ é o ortocentro.

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FIGURA 1 - PROJEÇÃO ORTOGONAL DO PARALELEPÍPEDO DE

REFERÊNCIA MOSTRANDO A ORIGEM DO TRIÂNGULO FUNDAMENTAL EFG

FIGURA 2

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FIGURA 3

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CONVERSÃO GRÁFICA DO SISTEMA MONGEANO EM SISTEMA AXONOMÉTRICO E VICE-VERSA

Constrói-se, inicialmente, o triângulo fun-damental EFG e traçam-se as alturas perpendi-culares aos lados, determinando-se o centro do triângulo e o vértice do paralelepípedo. Agora, re-bate-se o triângulo EO’F e o EO’G sobre o plano do desenho, tendo como charneiras EF e EG, res-pectivamente. Sobre os triângulos rebatidos (O)EF e (O)EG, marcam-se as três dimensões reais dadas (O)(A) = 3cm (O)(B) = 2cm e (O)(C) = 5cm que, projetadas sobre os eixos que passam por

O’ (Fig. 4), determinam os valores das arestas em perspectiva, formando a axonometria do pa-ralelepípedo desejado.

Resumo: partiu-se das três dimensões reais dadas, para se construir a axonometria (bime-tria) do paralelepípedo. Assim, podemos conver-ter uma peça qualquer representada em épura mongeana (Fig. 5), em axonometria, envolvendo-a no paralelepípedo (Fig. 6). Agora é válido ob-servar as três vistas (Fig. 7) em detalhes.

FIGURA 4

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VISUALIZAÇÃO DA PEÇA DENTRO DAS TRÊS VISTAS

VISUALIZAÇÃO DA PEÇA DENTRO DO PARALELEPÍPEDO

FIGURA 5

FIGURA 6

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FIGURA 8

FIGURA 6

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A fig. 8 mostra a aplicação do método des-critivo “REBATIMENTO”. Dadas as dimensões reais das arestas dos dois sólidos geométricos (verdadeira grandeza), determinar a axonome-tria ou, partindo da axonometria, determinar a verdadeira grandeza.

No sólido superior, rebatem-se as faces O’EF e O’EG sobre o plano do desenho, tendo como charneiras EF e EG. As verdadeiras grande-zas são (OA), (OB) e (OC).

No sólido inferior, rebatem-se O1 (E1), G1 e O1(F1)G1 iguais, sobre o plano do desenho, tendo como charneiras (E1) G1 e G1(F1). As verdadeiras grandezas são (O1A1), (O1B1) e (O1C1).

CONSTRUÇÃO E USO DO EQUIPAMENTO

O AXONÔMETRO é composto por um plano horizontal de 65cm x 54cm, construído em cha-pa de madeirite de 1cm, apoiada em dois pés e barrotes de 45cm x 5cm x 3cm.

Sobre o plano horizontal, funciona um para-lelepípedo construído em varão de 1/4” de aço inoxidável. O paralelepípedo é projetado orto-gonalmente sobre o plano horizontal e se pode visualizar uma isometria, uma bimetria ou uma trimetria.

O prolongamento das três arestas de vér-

tice comum intercepta o plano horizontal, de-terminando o triângulo fundamental EFG. Dois dos prolongamentos têm uma regulagem que permite aumentar os seus comprimentos, de-monstrando, geometricamente, que o triângulo EFG pode ser equilátero, isósceles ou escaleno. Assim, pode-se construir uma isometria, uma bi-metria ou uma trimetria. Esse equipamento de-monstra espacialmente o que é a axonometria.

Nas fotos apresentadas (Figs. 9 e 10), o equipamento AXONÔMETRO tem três hastes - uma fixa e duas reguláveis. As hastes são os pro-longamentos das arestas do paralelepípedo. No uso do equipamento AXONÔMETRO, o professor demonstra para os alunos que, quando o alon-gamento das três arestas (hastes) são iguais, tem-se demarcado um triângulo equilátero. Consequentemente, pode-se construir uma ISO-METRIA. Quando se alonga apenas uma aresta (haste), tem-se um triângulo isósceles e se pode construir uma BIMETRIA. Por último, com as três arestas (hastes) desiguais, tem-se um triângulo escaleno, com o qual é possível construir uma TRIMETRIA.

O uso do AXONÔMETRO delineia sobre o plano horizontal os vértices do triângulo funda-mental EFG. É a mais perfeita demonstração es-pacial de como se constrói uma axonometria.

EQUIPAMENTO AXONÔMETRO

Sombra projetada

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CONCLUSÕES

Da exposição e do uso do equipamento “AXONÔMETRO”, conclui-se que essa inovação tecnológica é bem aceita, que professores e estudantes apoiaram sua criação e promoveu mudanças comportamen-tais nos jovens educandos.

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Referências

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56Maria Bernadete de Sousa Costa* , Juraci Dias albuquerque** ,

Pedro Eugenio López Salazar*** e Jozemar Pereira dos Santos4****

Qualidade hospitalar: expectativa e percepção dos pacientes

RESUMO:

O trabalho objetivou avaliar a qualidade da assistência e dos serviços presta-dos pelos hospitais credenciados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de Campina Grande, Paraíba, na percepção dos pacientes. Pesquisa quantitativa, realizada em seis hospitais da rede SUS, de novembro de 2010 a abril de 2011, envolvendo 310 pacientes. Para a coleta dos dados, utilizou-se a Escala Servqual e efetuaram-se estatísticas descritivas. Foram constatados 60% de pacientes do sexo feminino, 55,2%, entre 20 e 40 anos, e 64,6% com baixo nível de escola-ridade. Na percepção dos pacientes, os hospitais públicos apresentaram baixa qualidade de serviço prestado, o que não atendeu às expectativas dos pacientes.

Palavras-chave: Gestão da qualidade; gestão hospitalar; SUS.

ABSTRACT:

That aimed to quality of care and services provided by hospitals accredited by Health System - SUS in Campina Grande, Paraíba, from patients perception. The research was conducted in six hospitals accredited by SUS, from November 2010 to April 2011, involving 310 patients. Data collection used a the SERVQUAL Scale, analysis descriptive statistics. We found 60% of female patients, being 55, 2% between 20 and 40 years, and 64, 6% the low level of education. According to patients’ perception, public hospitals services quality was lower the quality of care and service did not meet the expectations of patients.

Keywords: Quality management, hospital management, SUS.

(*) Enfermeira; Doutora em Administração Sanitária e Hospitalar; Professora Associada do Departamento de Enfermagem Clínica do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba; Membro e pesquisadora do GEPAIE. Email: [email protected]. (**) Enfermeira; Doutora em Administração Sanitária e Hospitalar; Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); Membro e pesquisadora do GEPAIE - Grupo de Estudos e Pesquisa em Administração e Informática em Saúde. Email: [email protected]. (***) Doutor em Ciências Econômicas e Empresariais (Universidade Complutence); Professor titular de Organización de La Facultad de Ciencias Económicas y Empresariais/ Departamento de Direción de Empresas y Sociologia de La Universidad de Extremadura - Badajoz, España. (UEX), Badajoz/Extremadura, España; Membro do GEPAIE. Email: [email protected] (****) Professor do Departamento de Estatística do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal da Paraíba; Doutorando em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email: [email protected]

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INTRODUÇÃO

A avaliação da qualidade resulta da compara-ção realizada pelos clientes entre as expectativas sobre o serviço que vão receber e as percepções da atuação das organizações prestadoras de serviço.

O sistema de saúde brasileiro é composto por dois subsistemas: o público (SUS) e o priva-do, constituído pela saúde suplementar (predomi-nante), além dos serviços particulares autônomos. Segundo dados da Agência Nacional da Saúde, 45,5% dos brasileiros têm plano de saúde (CRO-NIN; TAYLOR, 2006). O Sistema de Saúde brasi-leiro é misto (público, para quem não pode pagar, e privado, para quem tem plano de saúde) e está longe de se modelar pelo desnível da qualidade da assistência entre as duas clientelas, ou seja, tem duas portas, através das quais são oferecidos ser-viços completamente diferentes. O SUS beneficia todos os brasileiros, direta ou indiretamente, em campanhas de vacinação, resgate de urgência, me-dicamentos de alto custo, métodos contraceptivos, vigilância sanitária e transplantes (FITZSIMMNOS; FITZSIMMNOS, 2000).

O serviço é uma atividade ou uma série de atividades, de natureza mais ou menos intangível que, normalmente, mas não necessariamente, acontece durante as interações entre clientes e funcionários de serviços e/ou recursos físicos ou bens e/ou sistemas do fornecedor de serviços que são fornecidos como solução para o(s) problema(s) do(s) cliente(s) (BERWIK et al., 2007).

De forma geral, o serviço é fruto da interação entre prestador e cliente, na qual estão presentes desejos, emoções ou expectativas no recebimento de um beneficio. Há que se ressaltar que compe-te ao prestador realizar a expectativa do cliente, transformando o serviço intangível em tangível. Porém essa é a parte mais difícil, pois se requer do prestador (profissional) conhecimento profundo e reconhecimento do cliente (BIGNE et al., 2007).

O conceito de qualidade está intimamente ligado às ciências da saúde. Toda a formação do profissional de saúde é orientada no sentido de melhorar e restaurar a saúde do paciente ou, quan-do isso não é possível, melhorar suas condições de vida. Observando-se os grandes avanços da Medi-cina, conclui-se que todos eles se devem a pessoas que pensaram em melhorias (CARMAN, 2009).

A qualidade de serviço tem se tornado um

importante tema de pesquisa, em virtude de seu envolvimento significativo quanto à satisfação do consumidor e à garantia dos serviços. Assim, a qualidade de serviço tem sido reconhecida como um condutor de marketing corporativo e perfor-mance financeira (VEIGA, 1998).

Para se implantar e assegurar uma excelente qualidade do serviço, é preciso compreender que a qualidade é definida pelo cliente; é uma jornada e um trabalho de todos, em que liderança e comuni-cação, qualidade e integridade são inseparáveis. A determinação da qualidade dos serviços se baseia em estudos e na comparação entre expectativas e ex-periências para uma série de atributos de qualidade.

Um serviço é normalmente percebido de ma-neira subjetiva. A essência do serviço, entretanto, é a intangibilidade do próprio fenômeno. Por isso, é normalmente difícil para os clientes avaliarem um serviço. Quando os clientes avaliam a qualidade de um serviço, eles o julgam em função de algum padrão interno que existia antes da experiência de serviço7. Esse padrão interno constitui a base para as expectativas do cliente.

O objetivo principal da assistência deve ser o de prestar serviços de boa qualidade, mediante a utilização de todos os recursos existentes nos hos-pitais quer sejam públicos ou privados. Convém enfatizar que a qualidade do serviço reside em obter a utilidade funcional, simbólica e a relativa às vivências a um custo razoável para o cliente, ou seja, que o valor seja positivo para ele. Medir a qualidade de serviços é uma tarefa difícil quando comparada com a de medir a qualidade dos produ-tos, os quais têm muitas características físicas que podem ser detectadas, inclusive com uma precisão alta, por meio de instrumentos de medição. Por sua vez, os serviços detêm características psicológicas e aspectos qualitativos difíceis de serem captados com um alto nível de confiança. Nesse contexto, a qualidade do serviço normalmente se estende para além da prestação de serviços em hospitais, como, por exemplo, os serviços impactam na qualidade de vida futura dos clientes (BERWIK et al, 2007).

Quanto ao nível de satisfação dos clientes, as in-formações se constituem uma das maiores prioridades de gestão nas empresas comprometidas com a quali-dade de seus produtos e serviços e, por conseguinte, com os resultados alcançados com seus clientes.

No que diz respeito à qualidade, a literatura (BABAKUS; MANGOLD, 2002; GRÖNROOS, 1983)

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registra que os serviços são intangíveis e se cons-tituem como performances e experiências, o que impede o estabelecimento de especificações pre-cisas para se alcançar a uniformidade em relação à qualidade no processo de produção. Por outro lado, são heterogêneos, porquanto sua performan-ce varia de pessoa para pessoa, de consumidor para consumidor e de dia para dia.

Os principais determinantes de avaliação em serviços consistem em: acesso, competên-cia, comunicação, confiabilidade, conhecimento do cliente, cortesia, credibilidade, receptividade, segurança e tangibilidade. Esses determinantes da qualidade de serviço foram reduzidos a cinco, segundo Feldman (2003):

Tangíveis/visíveis: Dizem respeito à atra-tividade das instalações, aos equipamentos e aos materiais usados por uma empresa de serviços, bem como à aparência dos funcionários do serviço;

Confiabilidade/credibilidade: Significa que a empresa de serviços oferece aos seus clien-tes serviço correto da primeira vez, sem cometer nenhum erro, e entrega o que prometeu no prazo estipulado;

Capacidade de resposta/prontidão: Os funcionários de uma empresa de serviços estão dispostos a ajudar os clientes e a atender aos seus requisitos, bem como informá-los quando o serviço será prestado e executá-lo com presteza;

Segurança/domínio: O comportamento dos empregados transmitirá aos clientes confiança na empresa, o que faz com que se sintam seguros. Além disso, os empregados são sempre corteses e têm o conhecimento necessário para responder às perguntas dos clientes;

Empatia: A empresa entende os problemas dos clientes e executa o serviço, tendo em vista seus melhores interesses, dá-lhes atenção pessoal, individual e trabalha em horários convenientes.

Quanto à mensuração da qualidade de servi-ços, tem sido um desafio para os pesquisadores, pois a satisfação dos clientes é determinada por um número muito grande de fatores intangíveis (GIANISI; CORRÊA, 2002). Então, pode-se dizer

que a qualidade dos serviços é avaliada compa-rando-se o que o cliente esperava do serviço com o que percebeu do serviço prestado. Embora haja um consenso de que a satisfação do paciente nos serviços é importante para garantir a qualidade nos serviços médicos e hospitalares, há uma escassez de informações empíricas sobre a aceitação dos consumidores da prática do tratamento de saúde.

O modelo de qualidade de serviço percebida pretende oferecer uma estrutura conceitual para que se entendam as características de um serviço, inclusive, seu resultado, o processo e as dimensões de imagem, o que não é um modelo de medição. Ao contrário, o intuito é dar ao gerente e ao pes-quisador de marketing uma base para desenvolver uma oferta de serviço de boa qualidade (BROWN; SWARTZ, 1989).

A literatura (BATESON; HOFFMAN, 2004) enfatiza a importância de se entender que, nem sempre, o paciente-consumidor tem condições de julgar a qualidade do serviço de saúde no aspecto técnico. Todavia, com base em sua experiência, o serviço vai ser avaliado considerando-se a atenção que as pessoas irão dispensar à prontidão das in-formações, ao atendimento prestado, à qualidade da alimentação e dos serviços auxiliares, entre ou-tros aspectos. Isso quer dizer que raramente o pa-ciente poderá avaliar a qualidade médico-assisten-cial, mas julgará sempre e muito bem a qualidade administrativa ou do atendimento.

Na atual conjuntura política brasileira, a qua-lidade é o novo imperativo que enfrenta o sistema nacional de saúde, depois de ter passado por uma radical descentralização e municipalização de seus serviços. Entretanto, no modelo de atenção à saú-de desenvolvido no âmbito hospitalar, há uma la-cuna na avaliação da satisfação de seus pacientes quanto à prestação da assistência e dos serviços.

Partindo das considerações que envolvem a avaliação da qualidade dos hospitais no Brasil, sur-giram os seguintes questionamentos: Qual a per-cepção dos pacientes/ clientes sobre a qualidade dos serviços e da assistência e quais as dificulda-des e as vantagens de se investir no processo de melhoria contínua da qualidade? Diante da situa-ção observada nos serviços hospitalares credencia-das pelo SUS na cidade de Campina Grande - PB, este estudo se propôs a avaliar a qualidade da as-sistência e dos serviços prestados pelos hospitais, na percepção dos pacientes.

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Trata-se de uma pesquisa exploratória des-critiva, com abordagem quantitativa, realizada no estado da Paraíba (Brasil), na cidade de Campina Grande, em seis hospitais credenciados pelo Sis-tema Único de Saúde (SUS): dois públicos, dois filantrópicos e dois privados. Para classificar os hospitais, foram adotados como parâmetros de avaliação os instrumentos elaborados pela Coor-denação de Assistência Médica do Ministério da Saúde, com base nos critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Classificação Hospitalar (GONÇALVES, 2000).

A população do estudo foi constituída de 310 pacientes, que foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: faixa etária acima de 20 anos; alfabetizados; hospitalizados há mais de 48 horas, em unidade de internação médico-cirúrgica e com quadro clínico estável, do ponto de vista médico e de enfermagem.

Nesta pesquisa, foram contemplados os aspectos éticos preconizados pela Resolução nº 196/1996, do Ministério da Saúde, registrados no Comitê de Ética CEP/HULW, com o protocolo nº 006/2009. Depois que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética, os pacientes inseridos na in-vestigação assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com os devidos esclarecimen-tos sobre os objetivos do estudo, a importância de sua participação na pesquisa e a disposição do pesquisador para quaisquer esclarecimentos adicionais.

Para a coleta de dados com o paciente, foi uti-lizado o questionário SERVQUAL (PARASURAMAN, 1985), constituído de dois blocos: o primeiro, com dados referentes à classificação das instituições de saúde (públicas, privadas e filantrópicas) e aos dados demográficos dos participantes (gênero, faixa etária, renda e escolaridade do paciente); e o segundo, com questões sobre a expectativa e o desempenho (percepção), que contemplam cinco dimensões, cada uma com 15 questões a serem respondidas em escala de Likert de 7 pontos (1: discordo totalmente, ..., 7: concordo totalmente). Esse formato tem sido recomendado para pesqui-

sas na área de saúde, seguido de duas avaliações gerais, também em escala de 7 pontos (1: Muito ruim, ..., 7: Excelente): qualidade dos serviços ofe-recidos e qualidade da assistência prestada pelos hospitais (BERRY; PARASURAMAN, 1992).

Para atender aos objetivos do estudo, foram feitas algumas modificações na Escala Servqual, baseada na relevância das questões inerentes ao serviço hospitalar, e no entendimento dos pacien-tes para responderem as questões. Foi mantida a estrutura original do instrumento, apesar de a linguagem ter sido adaptada para o contexto hospitalar. O questionário foi previamente testa-do para assegurar que o vocabulário, o formato, a extensão e a sequência das perguntas estavam apropriados.

Neste estudo, as cinco dimensões foram assim definidas: Tangíveis: aparência das insta-lações físicas, equipamentos, pessoal e material de comunicação; Confiabilidade: habilidade para realizar o serviço prometido de forma confiável, precisa e consistente; Responsividade: disposição e vontade para ajudar os clientes e proporcionar-lhes o serviço prontamente; Segurança: conheci-mento e atenção demonstrados pelos empregados e suas habilidades para transmitirem confiança, segurança e credibilidade; Empatia: zelo e aten-ção individualizada que a empresa proporciona aos seus clientes (KOTLER; BLOOM,2004).

Os dados foram organizados e analisados por meio da técnica de modelagem de equações estruturais (SEM) e do software Amos 8.0, SPSS 13.0, além de outros testes estatísticos (médias e desvio-padrão) (BLUMENTHAL, 2002). A consis-tência interna ou medida de fidedignidade (Alfa de Cronbach) apresentou coeficiente de medida: a = 0,971, considerado “excelente” (classificação do coeficiente Alpha de Cronbach: valores de 0,80 a 1,0 (satisfatório a excelente), de 0,70 a 0,80 (bom) e de 0,60 a 0,70 (aceitável). Com valores abaixo de 0,60, o coeficiente foi considerado insa-tisfatório ou insuficiente). A análise da literatura e as respostas dos profissionais garantiram um nível apropriado para validar a pesquisa.

METODOLOGIA

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Perfil sociodemográfico dos pacientes

Avaliação das expectativas e percepções dos pacientes

Na análise dos dados das instituições de saúde, observa-se uma predominância de pacientes no hos-pital privado (52,6%). Esse fato é atribuído à ocorrência de maior rotatividade dos pacientes internados em detrimento do hospital público e do filantrópico, onde a permanência dos pacientes é mais longa.

No que diz respeito às características socio-demográficas dos participantes, predominam os do sexo feminino (60%). Do total de entrevista-dos, 55,2% se encontram na faixa etária entre 20 e 40 anos. Isso significa que a demanda desses hospitais é constituída de adultos jovens.

Na análise da variável escolaridade, obser-va-se que 64,6% dos pacientes pesquisados só

cursaram o ensino fundamental, o que denota um nível educacional baixo. Esse fato influencia o indivíduo a buscar o cuidado, por isso tem di-ficuldade de distinguir expectativa e percepção da qualidade. Nesse sentido, a literatura afirma que a população com baixo nível de escolari-dade apresenta elevadas taxas de morbidade e mortalidade.

Embora os pacientes participantes deste estu-do tenham sido orientados, individualmente, a não avaliarem um serviço de excelência, eles atribuíram valores máximos às cinco dimensões da Escala Servqual. Assim, é necessário registrar que os re-sultados obtidos na realização desta pesquisa estão baseados na qualidade percebida pelos pacientes, aqui entendidas como instrumento para incorporar a opinião do paciente à gestão do hospital.

Para avaliar as expectativas e a percepção dos pacientes assistidos pelos hospitais nas di-mensões tangibilidade, confiabilidade, respon-sividade, segurança e empatia, utilizou-se a me-dida de fidedignidade ou consistência interna. Para efeito de operacionalização do modelo, cada construto foi substituído pelo seu indicador equi-valente, obtido através da média da soma dos seus indicadores, como ilustra o Quadro 1.

Gráfico 1 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com a classificação

dos hospitais. Campina Grande, PB – Brasil, 2012

Fonte: Pesquisa de campo

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Quadro 1Medida de fidedignidade ou consistência interna para as dimensões do questionário SERVQUAL

(Coeficiente Alfa de Cronbach) - Campina Grande, PB-2012

Fonte: Elaboração própria

O quadro1 mostra a medida de fidedignida-de ou consistência interna. Verifica-se que o tipo de medida diagnóstica utilizada é o coeficiente de confiabilidade, que avalia a consistência da escala inteira. Porém o Alpha de Cronbach é a me-dida mais amplamente usada, e o limite inferior geralmente aceito é de 0,706. Em seguida, foram realizados os Testes de Comparação Múltipla de Tukey relativos às dimensões do SERVQUAL que apresentaram diferenças significativas (p-valor < 0,05) (LOVELOCK; WIRTZ, 2004).

As diferenças significativas seguiram a mesma tendência para as dimensões ‘Tangível’, ‘Confiabilidade’ e ‘Segurança’. O Teste de Tukey demonstra que o hospital público apresentou percepção (ou qualidade de serviço prestado) diferente da dos hospitais privado e filantrópico. Quanto às dimensões ‘Responsividade’ e ‘Empa-tia’, só houve diferença significativa da percepção

entre os hospitais público e filantrópico.Assim, a qualidade dos serviços e a satisfa-

ção dos clientes dependem, em grande medida, daquilo que ocorre em tempo real, incluindo as ações dos funcionários e das interações entre eles e os clientes. As percepções se mostram inferio-res às expectativas em todas as dimensões, in-dicando lacunas de serviço negativas (percepção - expectativa).

Vale ressaltar que a expectativa entre os pacientes é a segurança de que serão atendidos por uma equipe capacitada e competente, que os tratará profissional e eficientemente, e de que os procedimentos corretos serão adotados desde o início. Portanto, quanto maior o nível de segurança fornecida pela equipe do hospi-tal, maior será o nível de satisfação do paciente. Esse resultado mostra que as cinco dimensões – ‘Tangibilidade’, ‘Responsividade’, ‘Confiabili-

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dade’, ‘Segurança’ e ‘Empatia’ - propostas pela Escala Servqual não apresentam a mesma im-portância relativa (REIDENBACH; SANDIFER-S-MALLWOOD, 2004).

Os resultados obtidos das estatísticas descri-tivas revelaram que as expectativas dos pacientes

são muito elevadas, o que se traduziu em desvios negativos. Assim, pode-se inferir que os pacientes são bastante exigentes, e suas expectativas são muito elevadas, ou então, são pouco exigentes quando classificam as percepções atribuindo va-lores muito baixos.

Gráfico 2 - Expectativas e percepções dos pacientes assistidos nos hospitais.

Campina Grande, PB-Brasil, 2012.

Fonte: Pesquisa de campo

A análise do gráfico 2 demonstra que há um elevado nível de expectativa com médias que va-riaram entre 6,2 e 6,6, em detrimento do nível de percepção, que registra uma média entre 2,9 e 3,4. Esses resultados apontam níveis de serviço percebido muito abaixo das expectativas dos pa-cientes. As diferenças entre as percepções e as ex-pectativas dos pacientes podem ocorrer com base nas variáveis gerais, como: nacionalidade, cultura, complexidade do serviço, subjetividade do serviço e no poder que a mídia exerce ao expor as fragili-dades dos serviços à população, mostrando que o quantitativo de investimento que os governantes

disponibilizam para a saúde é insuficiente e mal distribuído. Destacam-se, ainda, como variáveis específicas, o quadro clínico e emocional do pa-ciente, a experiência de internação vivenciada e o número de contatos com as equipes em ambien-tes hospitalares.

Na análise das comparações entre as médias das percepções dos pacientes, em relação às variá-veis ‘qualidade do serviço oferecido’ - QSS - e ‘qua-lidade da assistência prestada’ – QAS, segundo os três tipos de hospitais pesquisados, foi aplicado o teste de comparação de médias ou análise de vari-ância paramétrica - a ANOVA (UZUN, 2001).

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Gráfico 3 Avaliação média de QSS - qualidade dos serviços nos hospitais pesquisados.

Campina Grande, PB-Brasil, 2012.

Gráfico 4 - Avaliação média de qualidade da assistência prestada nos hospitais pesquisados.

Campina Grande, PB-Brasil, 2012.

Fonte: Pesquisa de campo

Fonte: Pesquisa de campo

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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN64

A qualidade dos serviços e da assistência prestada pelas instituições de saúde pesquisadas, avaliadas pelas dimensões do SERVQUAL, apon-ta uma performance mais positiva dos serviços prestados aos usuários do SUS pelos hospitais fi-lantrópicos, e a mais negativa, pelos hospitais pú-blicos, infere-se esse resultado, as características dos hospitais já mencionados.

Pode-se inferir que a menor média foi atri-buída ao hospital público, em decorrência de al-guns aspectos que são vivenciados no dia a dia pelos usuários desses serviços, tais como: filas e tempo de espera para o atendimento, falta de va-gas para internação, superlotação, acomodações desconfortáveis (excesso de camas nos quartos), tempo de internação prolongado e assistência de-ficitária, além da existência de outros fatores que contribuem para a má qualidade dos hospitais públicos, a saber: ingerência dos serviços pela ausência de gestores qualificados, interferência política, má aplicação dos recursos e burocracia.

Na avaliação da qualidade dos serviços e da assistência, o hospital filantrópico obteve média superior à do hospital público e do privado (3,82) para avaliar a qualidade dos serviços (3,69) e a assistência. Podem-se inferir, com esse resultado, as características dos hospitais filantrópicos (são isentos de impostos, não têm fins lucrativos, não distribuem dividendos, seus diretores são isentos de pró-labore, reaplicam os resultados financeiros em investimentos na própria instituição e disponi-bilizam percentual de leitos para pessoas caren-tes) (MEDEIROS, 1999).

A segunda média faz referência ao serviço privado, que obteve média 3,63, na avaliação da qualidade dos serviços, e 3,38, na qualidade da assistência. Esse resultado se justifica pelo fato de os serviços pesquisados atenderem também a pa-cientes particulares e de planos de saúde privados (MEZZOMO, 2003). Nessa realidade, esses servi-ços são mapeados dentro de uma mesma planta física, onde fica clara a diferença entre pacientes e clientes. Portanto, a qualidade da assistência nes-ses serviços está prejudicada devido a múltiplos fatores, a saber: prioridade na assistência aos pa-cientes particulares e conveniados, superlotação dos serviços, redução do número de profissionais e falta de material e de equipamentos. Esses fato-res interferem na produtividade, na humanização

e na qualidade da assistência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelos resultados obtidos, concluiu-se que a qualidade da assistência e do serviço não aten-deu às expectativas dos pacientes pesquisados, pois está muito abaixo dos padrões desejados pelos pacientes. Os valores atribuídos às suas expectativas foram muito altos, apesar dos es-clarecimentos. Esse fato demonstra que o nível de instrução da maioria dos pacientes era muito baixo, razão por que eles tiveram dificuldades de responder ao questionário, o que influenciou o resultado do estudo.

Uma das críticas mais frequentes feitas pela literatura à Escala Servqual é incluir expectativas na definição de qualidade de serviço, já que o pa-ciente não sabe ao certo o que espera do hospital e, na maioria das vezes, não escolhe voluntaria-mente o serviço, mas se submete a ele devido às circunstancias e ao seu quadro clínico. Por isso, avaliar apenas as percepções dos pacientes pode ser um procedimento mais simples e menos one-roso para os serviços hospitalares do que avaliar as expectativas e as percepções, o que pode trazer resultados mais exatos, além de maior rapidez na coleta dos dados.

Então, espera-se que este estudo possa con-tribuir para que os profissionais da área de saúde reflitam mais sobre a avaliação da qualidade da assistência e dos serviços nos hospitais creden-ciados pelo SUS, na Paraíba e no Brasil, e para que se ampliem as publicações acerca da quali-dade, visto que essa temática ainda é escassa na literatura, sobretudo no que diz respeito ao em-prego de instrumentos e parâmetros passíveis de aferir a qualidade e, consequentemente, compará-lo com padrões desejáveis.

Com base nos resultados obtidos, recomen-da-se a monitoração da qualidade dos serviços, utilizando-se periodicamente a Escala Servqual, com a qual será possível planejar estratégias pre-cisas de intervenção de alta performance nos hos-pitais, monitorar a resposta a essas ações, avaliar como seus clientes percebem a qualidade dos ser-viços prestados e verificar quais são as dimensões da qualidade que precisam de mais atenção por parte da gerência/ supervisão.

Page 64: Revista conceitos 18

Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN 65

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Referências

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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013) ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN66

66Tânia Rodrigues Palhano* e Iria da Costa Silva **

O lúdico como atividade do pensar na educação infantil

RESUMO:

Este artigo tem como foco principal a análise sobre o lúdico e o ato de pen-sar como atividade integrada à Educação infantil. Realiza uma sucinta apresenta-ção sobre o currículo na educação infantil. O processo de revisão de documentos curriculares oficiais acerca da educação infantil faz parte do desenvolvimento deste trabalho, que tem o propósito de analisar o lúdico como uma atividade do pensar nas atividades da educação infantil. Quando brinca, a criança também pode explorar o mundo de maneira prazerosa e provocar o prazer no pensamento reflexivo ao relacionar atividades lúdicas com o ato de pensar.

Palavras-chave: Educação infantil. Lúdico. Ato de pensar.

ABSTRACT:

This article focuses mainly on the analysis of the playful and the act of thinking as an activity integrated into the education of children. Performs a brief presentation on the curriculum in early childhood education. The process of do-cument review curricula about early childhood education is part of the develo-pment of this work, which aims to analyze the playful activity of thinking as an activity in early childhood education. When you play, the child can also explore the world in a pleasurable manner and cause pleasure in reflective thought to relate activities with the act of thinking.

Keywords: Early childhood education. Playful. Act of thinking.

(*) Profª. Drª. do Departamento de Fundamentação da Educação da UFPB. email: [email protected]. (**) Graduada em Pedagogia e Professora de Educação infantil. email:[email protected]

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INTRODUÇÃO

A discussão atual a respeito da educação vem crescendo de forma significativa no campo da edu-cação infantil. Entre outros temas, o debate gira em torno da necessidade de expandir a quantidade de escolas e de formar e capacitar professores nes-sa área de ensino. Por isso, inovações são preten-didas para a educação infantil e discutidas visando sua melhoria.

O processo de revisão de documentos cur-riculares oficiais acerca da educação infantil faz parte do desenvolvimento deste trabalho, que tem o propósito de fazer uma abordagem sobre o lú-dico e sua relação com o pensar nas atividades educativas da educação infantil e de creches, que representam os anos básicos em que as crianças constroem conhecimentos. Nesse contexto, é im-prescindível uma mediação competente do profes-sor para fazer acontecer um currículo vivo e signifi-cativo para os alunos.

A escolha do tema partiu da necessidade de analisar como a educação lúdica vem evoluindo e ganhando espaço na realidade escolar e exercendo um papel estimulante e relevante na aprendizagem das crianças, que precisam brincar para desenvol-ver suas habilidades, de forma transformadora e libertadora. Nosso intuito é de investigar a relação entre as atividades lúdicas e o ato de pensar no desenvolvimento do processo de ensino e apren-dizagem, na Educação infantil, e sua contribuição para a formação da criança.

Nesse aspecto, pretendemos analisar algu-mas das principais ideias de Vygotsky (1998;1979; 1991) sobre o processo de aprendizagem que, em sua concepção, deve partir da realidade em que se insere a criança. O autor acrescenta que as funções de desenvolvimento começam num âmbito social, desde o seu nascimento, assim como o aprendiza-do. Isso significa que todo conceito trabalhado na escola apresenta um grau de aprendizagem que se relaciona às aprendizagens anteriores, às vivências e às experiências construídas em seu meio social.

Nessa envergadura, também recorremos aos estudos de Jean Piaget (1978), Faria (1995) e Valente (2008), que tratam do desenvolvimento da criança e do adolescente e destacam o lúdico como um forte aliado para o desenvolvimento da criança, já que ela trabalha os movimentos físicos e motores e é através das brincadeiras que o seu

desenvolvimento intelectual é estimulado, e todo o conhecimento existente é associado ao novo, que é transformado em outras aprendizagens.

Ainda sobre o entendimento do lúdico e sua relação com a Educação infantil, Almeida (1990, p. 43) relata que a educação por meio do lúdico, além de “contribuir e influenciar na formação da crian-ça e do adolescente possibilita um crescimento sadio, um enriquecimento permanente, integra-se ao mais alto espírito de uma prática democrática enquanto investe em uma produção séria de co-nhecimento”.

O CURRICULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL EM DOCUMENTOS OFICIAIS

A Educação infantil tem papel social impor-tante no desenvolvimento humano e social da criança, em seus aspectos intelectual, emocional, social e motor. Então, devido à importância do de-senvolvimento da criança, é imprescindível que o profissional de Educação infantil desenvolva um trabalho educacional que a conduza a descobrir e construir sua identidade, apropriando-se de sabe-res necessários à constituição de sua autonomia.

Dando suporte ao tema abordado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9.394/96 - apoia-se no pressuposto de que a criança de zero a seis anos tem características e necessidades diferenciadas de outras faixas etárias e considera a educação infantil como importante no trabalho pedagógico, de modo a atender às especificidades do desenvolvimento das crianças dessa faixa etária e auxiliar na construção do exercício de cidadania. No capítulo sobre a educação básica, a LDB define a finalidade da educação infantil como etapa inicial da educação básica e integrante dos sistemas de ensino, conforme se evidencia em seu art. 29:

Art. 29: A educação infantil, primeira etapa da educação

básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral

da criança até seis anos de idade, em seus aspectos fí-

sico, psicológico, intelectual e social, complementando a

ação da família e da comunidade.

A LDB foi construída com base na Consti-tuição de 1988 - que reconheceu como direito da criança pequena o acesso à educação infantil em creches e pré-escolas – e colocou a criança no lu-gar de sujeito de direitos. Todas as famílias que op-

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tarem por partilhar com o Estado a educação e o cuidado de seus filhos deverão ser contempladas com vagas em creches e em pré-escolas públicas. Em 1998, com o objetivo de promover a unidade na diversidade através de um conjunto de referên-cias e orientações pedagógicas, propôs o Referen-cial Curricular Nacional para a educação infantil (RCNEI), no contexto da definição dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que atendiam ao estabele-cido no art. 26 da LDB, quanto à necessidade de uma base nacional comum para os currículos do ensino fundamental.

Já o Conselho Nacional de Educação definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa-ção infantil (DCNEI), com caráter mandatório. A Resolução CNE nº 1, de 7 de abril de 1999, em seu art. 2º, estabelece:

Art. 2º: Essas Diretrizes constituem-se na doutrina sobre

princípios, fundamentos e procedimentos da Educação

Básica do Conselho Nacional de Educação, que orien-

tarão as instituições de Educação infantil dos sistemas

brasileiros de ensino na organização, articulação, desen-

volvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas.

O processo de aprendizagem deve partir da realidade em que se insere a criança. É assim que se efetiva um dos princípios das ideias de Vigotsky, ao afirmar que as funções de desenvolvimento co-meçam num âmbito social, desde o seu nascimen-to, assim como o aprendizado, o que significa que todo conceito trabalhado na escola apresenta um grau de aprendizagem que se relaciona às apren-dizagens anteriores, às vivências e às experiências construídas em seu meio social.

Nessa contextura, a relação professor/aluno ultrapassa a dimensão da mera transmissão de in-formações e se configura com uma relação de tro-cas e de produção de saberes, em que o educador é o mediador dos processos de aprendizagem e da interação do aluno com o objeto a ser conhecido, oportunizando-lhe o processo de reconstrução e criação do conhecimento.

A Lei de Diretrizes e Bases acompanha essa ideia, porque seu objetivo é de avançar na busca por um trabalho comum, de caráter educativo-pe-dagógico, adequado às especificidades das crian-ças de zero a seis anos, e ressalta que é preciso trabalhar todas essas etapas do desenvolvimento infantil, ou seja, não basta “cuidar”, mas educar

e cuidar, nessa fase em que se inicia o despertar para o conhecimento do mundo.

O Referencial Curricular Nacional para a Edu-cação infantil (RCNEI) deixa claro que fazer acon-tecer o currículo da educação infantil em creches e pré-escolas significa trabalhar em uma perspectiva lúdica, uma vez que toda a criança que está na fai-xa etária da educação infantil constrói todo o seu conhecimento por meio de ações lúdicas e espon-tâneas ou promovidas pelo professor. Nesse senti-do, o documento analisado não inova, pois muitos teóricos têm feito menções às benesses do lúdico para o desenvolvimento infantil, especialmente na educação infantil. O RCNEI (1998, p. 23) menciona que, nas brincadeiras, as crianças vivenciam con-cretamente a elaboração e a negociação de regras de convivência e elaboram um sistema de repre-sentação dos diversos sentimentos, das emoções e das construções humanas.

Mesmo tendo um caráter espontâneo, o jogo representa a realidade e as atitudes relacionadas ao mundo adulto, e a criança caracteriza essa re-alidade usando os jogos. Percebemos que o do-cumento RCNEI já demonstra a importância da educação infantil no contexto nacional, a qual, até então, era vista com caráter puramente assisten-cialista. A LDB concebe a educação infantil como um nível de ensino que faz parte da educação bá-sica do Sistema de Ensino do país e a reconheceu legalmente, devido ao seu papel social inquestioná-vel. É como se a LDB tivesse promovido a educação infantil a um nível mais considerável.

Para que se elabore um currículo significati-vo, há de se considerar o complexo processo que abrange os diversos aspectos que incluem desde o sistema social mais amplo até os pequenos atores desse nível de ensino. Então, ao conceituar currí-culo e educação infantil, devemos considerar a questão da relação dos princípios norteadores do âmbito escolar, pois eles revelam e traduzem, no processo de ensino, a eficácia da construção do co-nhecimento, não mais pautada na concepção equi-vocada de educação assistencialista, mas baseada numa concepção de educação que abrange as es-pecificidades e os aspectos em que se fundamenta esse sujeito singular: a criança. Portanto, a concep-ção de criança é uma noção que vem se modifi-cando historicamente. Na atualidade, a criança é entendida como um ser que, desde cedo, em suas interações, estabelece a compreensão do mundo,

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de sua formação pessoal e o convívio com o outro.Quanto à nova configuração de criança, a LDB,

que foi construída a partir da Constituição Federal de 1988, vem reconhecer como direito da crian-ça o acesso à educação infantil, nos âmbitos da creche e da pré-escola e, mais concretamente, nos espaços públicos de ensino. Nessa perspectiva, a Instituição que trabalha com a educação infantil, segundo o RCNEI (1998), precisa oferecer às crian-ças que compreendem esse nível de ensino condi-ções de aprendizagem pautadas nas brincadeiras, imersas em situações pedagógicas intencionais e orientadas “pelos adultos”.

Vale destacar, no entanto, que essa compre-ensão da especificidade do caráter educativo das instituições de educação infantil, no que tange às condições de aprendizagem orientadas pelos adul-tos, é criticada duramente por Cerisara (2002), quando afirma que a questão da formação das professoras, principalmente e a partir deste desta-que para o gênero feminino, a autora coloca que irá tratar assim, por ser mais presente este sexo fren-te à educação infantil. As abordagens de pesquisa, quanto à formação das professoras da educação infantil, demonstram que há uma grande proble-mática quanto à qualificação das mesmas. Alguns quadros estatísticos apresentam que muitas des-sas mulheres não têm sequer o ensino fundamen-tal completo. A partir do texto legal que rege nossa educação, houve um período em que essas profes-soras deveriam ser qualificadas através da forma-ção continuada ou fazendo cursos de nível superior, pois, no final da década da educação estava escrito na LDB n° 9.394/96 que todos os professores deve-riam ser formados em nível superior para poderem atuar no Magistério, especialmente em regência de sala de aula. Entretanto, no caso da Educação infan-til e dos cinco primeiros anos do ensino fundamen-tal, ainda é aceitável o curso de nível médio como qualificação. Ressalte-se, no entanto, que existem problemas quanto à compreensão da própria Lei Nacional, pois, de um lado, ela estabelece que to-dos devem ter o nível superior para atuar em sala de aula e, de outro, refere que, apesar de essa norma ser obrigatória, o curso de nível médio também ser-virá como formação para aqueles que estão em sala de aula nessa primeira fase do ensino.

Por essa razão, o RCNEI dá grande ênfase ao desenvolvimento de ações curriculares no contexto da Educação infantil com base em atividades lúdi-

cas. Outro fator que foi verificado e merece desta-que é o fato de se dissociabilizar o cuidado da edu-cação como concepção da Educação infantil. Em todo esse contexto curricular aqui analisado, os do-cumentos analisados e os teóricos estudados são unânimes em afirmar que o educador da Educação infantil deve, além de estar preparado, valorizar os momentos lúdicos como algo que estimule a cons-tituição da ética, o respeito mútuo e a construção do conhecimento pela criança.

No ano de 2007, foi instituído o Fundo de Ma-nutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), com o objetivo de atender às necessi-dades da omissão legal presente na LDB de 1996. Segundo dados obtidos no endereço eletrônico, o FUNDEB foi instituído pela Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006, e regulamen-tado pela Medida Provisória nº 339, posteriormen-te convertida na Lei nº 11.494/2007. O FUNDEB substituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvi-mento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que só previa recursos para o fundamental. Os recursos do Fundo destinam-se a financiar a educação básica (creche, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos).

Os recursos do FUNDEB são distribuídos de forma automática, sem necessidade de autorização ou convênios para esse fim. É também periódica, mediante crédito na conta específica de cada gover-no estadual e municipal. A distribuição é realizada com base no número de alunos da educação básica pública e são computados os alunos matriculados nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, con-forme art. 211 da Constituição Federal. Ou seja, os municípios recebem os recursos do FUNDEB com base no número de alunos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio.

Diante do exposto, mostramos uma breve análise do currículo da educação infantil identifi-cado no texto legal brasileiro e colocamos em evi-dência a importância do lúdico, seja em jogos ou brincadeiras, como instrumentos pedagógicos de grande consideração contemplados pelo RCNEI.

O LÚDICO COMO ATIVIDADE INTEGRADA AO ATO DE PENSAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

As pesquisas sobre o lúdico têm demonstra-

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do que ele exerce um papel relevante na aprendi-zagem das crianças que precisam brincar para desenvolver suas habilidades, porque a brincadeira é sobremaneira significativa para elas e pode ocor-rer em qualquer lugar. Porém, quando as crianças – sobretudo as da educação infantil - não têm o hábito de brincar, sua criatividade é inibida, e sua aprendizagem é prejudicada.

Nesse contexto, pode-se perceber que a ludi-cidade contempla o desenvolvimento integral da criança, por isso há que se entender que o espaço destinado às crianças da educação infantil deve es-tar adequado as suas necessidades e apropriado para o desenvolvimento das atividades. Quanto ao educador, deve estar capacitado e apto para exer-cer sua atividade educativa e consciente de que, enquanto a criança brinca, está sendo desafiada a resolver conflitos, o que possibilita alternativas de intervenção no mundo, porque, segundo Nova-es (1992, p. 28), “o ensino, absorvido de maneira lúdica, passa a adquirir um aspecto significativo e efetivo no curso de desenvolvimento da inteligência da criança”.

A educação voltada para o lúdico facilita o processo de socialização e de aprendizagem, de-senvolve a criatividade, a imaginação e a curiosi-dade e torna as aulas mais atraentes, visto que dá mais abertura para o professor trabalhar com a interdisciplinaridade, promovendo conquistas cog-nitivas, emocionais e sociais. Brincando, a criança também pode explorar o mundo de maneira praze-rosa e, com a imaginação, produzir conhecimento e elaborar as informações adquiridas através de ex-periências cotidianas. Portanto, é importante res-peitar sua bagagem de conhecimentos e estimular nelas o hábito de pensar.

A atividade lúdica está relacionada a muitas teorias, que envolvem o desenvolvimento psicoló-gico, intelectual, emocional e social do ser huma-no. Nesse aspecto, o professor deve reconhecer a importância da utilização de atividades lúdicas na construção e no desenvolvimento do raciocínio lógico dos seus alunos e aprofundar seus conheci-mentos sobre determinadas teorias.

Para Vygotsky (1998), uma das questões mais importantes da Psicologia e da Pedagogia in-fantil diz respeito à criatividade das crianças. Ele concebe que, através do trabalho com o lúdico, as crianças podem evoluir e amadurecer e, com o uso da imaginação, satisfazer seus desejos não realizá-

veis e brincar como se pudessem agir no mundo dos adultos, porque elas criam a partir do que co-nhecem, das oportunidades do meio e de acordo com suas necessidades e preferências.

Na educação infantil, o uso do lúdico deve ser utilizado de forma que respeite as características próprias das crianças, seus interesses e esquemas de raciocínio próprio, para que sua ação seja au-tônoma e espontânea, e elas se sintam atraídas e motivadas, o que resultará no bom desempenho físico e intelectual dos sentidos. O que vemos em nossas escolas é que as mesmas não despertam no aluno o prazer de descobrir o conhecimento, não possibilita a satisfação de aprofundar os estu-dos, de desvendar coisas novas, produzindo assim, um aluno capaz apenas de repetir e reproduzir aquilo que lhe foi ensinado.

O trabalho da escola deve considerar as crian-ças como seres sociais e trabalhar com elas no sentido de que sua integração na sociedade seja construtiva. E para adquirir uma aprendizagem significativa, elas precisam ser motivadas. Assim, tendem a se esforçar para fazer coisas mais com-plexas. Nesse contexto, a interação social e as ati-vidades lúdicas são indispensáveis para seu desen-volvimento moral, cognitivo, político e emocional. Consequentemente, teremos crianças espertas, independentes, curiosas, confiantes, cidadãs e ca-pazes de intervir nas mudanças do contexto social.

Na prática educacional, é preciso criar estra-tégias metodológicas de forma construtiva, e as atividades lúdicas são consideradas como uma alternativa significativa e importante. Vygotsky foi um teórico que se aprofundou no estudo do papel das experiências sociais e culturais a partir da aná-lise do jogo infantil e afirma que, no jogo, a criança transforma, com a imaginação, os objetos produzi-dos socialmente. Esse processo dialético entre ela e a sociedade tem na linguagem um dos signos mais importantes do desenvolvimento infantil.

Freire (2000) reforça esse pensamento ao di-zer que, desde cedo, a criança deve entender que o ato de aprender envolve disciplina e exige dedica-ção do aluno, pois, mesmo que seja difícil adquirir o conhecimento, é muito prazeroso, e a vida coti-diana está interligada ao saber. Por conseguinte, a comunicação entre os sujeitos é de fundamen-tal importância para que a educação se configure, pois é através do diálogo que se pode ler o mundo, problematizá-lo, compreendê-lo e transformá-lo.

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Assim, é fundamental se trabalhar com uma pro-posta pedagógica que considere o cotidiano das crianças e o conhecimento construído cientifica-mente pela sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na educação infantil, o uso do lúdico deve ser utilizado de forma que respeite as características próprias das crianças, seus interesses e os esque-mas de raciocínio próprio, para que sua ação seja autônoma e espontânea, e elas se sintam atraídas e motivadas, propiciando o desempenho físico e in-telectual dos sentidos. Preocupa-nos sobremaneira o fato de muitas de nossas escolas ainda não de-senvolverem um trabalho que desperte no aluno o prazer de descobrir o conhecimento, a satisfação de aprofundar os estudos e de descobrir o novo. Nesse caso, estamos diante de um que se limita a repetir e reproduzir o que lhe foi ensinado. Nesse norte, o tra-balho da escola deve considerar as crianças como seres sociais e trabalhar com elas no sentido de que sua integração na sociedade seja construtiva.

Vale destacar que a interação social e as ativi-dades lúdicas são indispensáveis para o desenvol-vimento moral, cognitivo, político e emocional. Por isso, é muito importante direcionar as suas neces-sidades e interesses, com o objetivo de que ela se torne esperta, independente, curiosa, confiante e decidida quanto a expor seus pensamentos, sendo ativa como cidadã e intervenha nas mudanças do

contexto social. Vislumbramos neste trabalho que as ativi-

dades desenvolvidas nas aulas de educação física tragam muitas contribuições, dentre elas, o fato das aulas serem consideradas prazerosas e ser-virem como meio de interação entre as crianças, os objetos, as pessoas, um ensaio para a vida em sociedade.

Por fim, os aspectos abordados neste traba-lho nos levam a inferir que o lúdico é sobremaneira relevante para que, no âmbito da educação infantil, as crianças tenham uma multiplicidade de ativida-des relacionadas às muitas teorias que abordam o desenvolvimento psicológico, intelectual, emocio-nal e social do ser humano. Para isso, os profes-sores podem buscar o apoio de disciplinas como a Educação Física, por exemplo, cujo objetivo é de auxiliar, neste caso, a criança a conhecer o próprio corpo –no âmbito físico, cognitivo ou intelectual – a buscar sua autonomia e a autoconfiança e ter um bom relacionamento com o outro, ou seja, a ser capaz de pensar por conta própria. Nesse proces-so, há que se promover o bem-estar dos pequenos, durante o processo de ensino e aprendizagem, e resgatar o lúdico como instrumento de construção do conhecimento.

Fica aqui o nosso desejo de que, em um fu-turo bem próximo, a educação de qualidade seja possível para todos, na perspectiva de que as crian-ças possam exercer a cidadania com dignidade e competência.

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Sandra Alves da Silva Santiago*,

Maria Tereza Lira de Oliveira Chaves** e Ana Maria Nóbrega***

O papel da escolarização no processo da cidadania das pessoas com deficiências da cidade

de João Pessoa - Paraíba

RESUMO:

Este artigo, resultado de uma pesquisa PIBIC, realizou uma análise dos indivíduos de João Pessoa, em 2010 e 2011, caracterizando-os por área de deficiência. Coletamos dados do Censo 2010 e do relatório do ano de 2011 da Fundação de Apoio à Pessoa com Deficiência (FUNAD), relativos à escolari-zação desse público. Submetemo-los a análise quantitativa e qualitativa, foca-lizando a política de escolarização. Os resultados demonstraram que o apoio que as pessoas deficientes recebem ainda está aquém do necessário. Isso se configura como uma situação de exclusão educacional, porquanto se nega o direito à educação, defendido pela Constituição Federal de 1988.

Palavras-chaves: Inclusão. Escolaridade. Deficiência. Diversidade.

ABSTRACT:

The PIBIC´s survey article resulted of an analysis in João Pessoa 2010 and 2011, characterized by the area of disability. Its collected datas from 2010´s Census and reports from the People´s with Disabilities Support Foundation- FU-NAD, regarding grade´s level(schooling) from these people, subjecting them to the quantitative and qualitative analyses, focusing on politics of schooling. The results show us a lack of people´s support with disabilities, with evidence situa-tion in educational exclusion, denying the right eduaction, defended by Federal Constitution of 1988.

Keywords: Inclusion. Scholarity. Shortcoming. Diversity.

(*) Professora Doutora do Departamento de Habilitações Pedagógicas da UFPB – CE. Campus João Pessoa. E-mail: [email protected]. (**) Professora Mestra do Departamento de Habilitações Pedagógicas da UFPB – CE. Campus João Pessoa. E-mail: [email protected]. (***) Professora Mestra do Departamento de Fundamentos da Educação da UFPB – CE.Campus João Pessoa. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

A escola, historicamente, se caracterizou pela visão de educação que delimita a escolariza-ção como privilégio de um grupo, uma exclu-são que foi legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social (BRASIL, 2007, p.1).

Não se pode negar que os avanços da ciência e da tecnologia trouxeram importantes conquistas para o homem e a mulher modernos que facilita-ram o acesso ao conhecimento socialmente cons-truído. No entanto, é importante considerar que, quando esse sujeito tem alguma deficiência, a situ-ação nem sempre é tão favorável, principalmente no que se refere à escolarização. Isso parece se agravar, se a mesma pessoa tem outros atributos comumente utilizados como fonte de discrimina-ção, tais como: ser mulher e pertencer às classes mais desfavorecidas economicamente (SANTIA-GO, 2011).

Assim, pode-se afirmar que, apesar de es-tarmos no Século XXI, farto de descobertas e de inventos que fascinam o homem e a mulher mo-dernos, a condição de não ouvir, não enxergar ou de não se locomover, por si só, pode colocar algu-mas pessoas na situação de exclusão social, em suas mais diferentes expressões, confirmando que ainda estamos longe de nos aceitarmos indistin-tamente. Nesse sentido, a escola poderia ser um espaço promovedor dessa inclusão, porém ainda se mostra reforçadora de exclusão nas salas de aula. Esse panorama, que se percebe em todo o mundo, no caso brasileiro, vem sendo enfrentado com bastante reflexão, sobretudo, no campo edu-cacional (TESSARO, 2005; SKLIAR, 1997; SANTIA-GO, 2011). Desde meados dos anos 90, as políti-cas públicas brasileiras acenam para a direção da tolerância e da inclusão educacional, independen-temente das diferenças apresentadas pelos edu-candos. O direito à educação não é mais alvo de discussão, é legítimo a todos/as.

Para os objetivos deste estudo, o termo defici-ência é aqui definido como defende a Convenção de Guatemala, ou seja, algum tipo de restrição física, intelectual ou sensorial, de natureza permanente, que limita a capacidade de o indivíduo exercer uma

ou mais atividades essenciais da vida diária (In: BRASIL, 2007). A deficiência intelectual, de acor-do com os documentos do MEC, é uma condição que “não se esgota na sua condição orgânica e/ou intelectual e nem pode ser definida por um único saber. Ela é uma interrogação e objeto de investiga-ção de inúmeras áreas do conhecimento” (BRASIL, 2007, p. 15). Situando as deficiências estudadas:

A respeito da deficiência auditiva, os docu-mentos oficiais dizem que significa toda perda par-cial ou total da capacidade de ouvir. Essa condição é medida em decibéis e classifica-se em leve, mo-derada, severa e profunda. Para todos eles, existem especificidades que precisam ser respeitadas, que vão desde o posicionamento em sala de uso de re-cursos visuais até o aprendizado e o uso da língua de sinais como primeira língua (BRASIL, 2007). No caso da deficiência visual, os documentos oficiais a dividem em cegueira e baixa visão. A primeira é definida como “alteração grave ou total de uma ou mais funções elementares da visão que afeta de modo irremediável a capacidade de perceber cor, forma, tamanho, distância, posição ou movi-mento em um campo mais ou menos abrangente” (BRASIL, 2007, p. 15). Já a deficiência físico-mo-tora é a “alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física”. Esse com-prometimento pode assumir diferentes formas: “paraplegia, paraparesia, monoplegia, monopare-sia, tetraplegia, hemiparesia, amputação ou au-sência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida” (BRA-SIL, 2007, p. 22-23).

É importante considerar que, na sua política nacional, o Brasil elegeu alguns caminhos para efeti-var a inclusão de alunos com deficiência. Entre elas, destacamos: a matrícula de alunos com deficiência em escolas regulares e a complementação com o atendimento educacional especializado (AEE) como os dois principais recursos para esse fim. O AEE é o complemento educacional previsto pelo modelo in-clusivo para suprir as necessidades dos alunos com deficiência, sempre que esses não conseguirem as-segurar plena aprendizagem nas classes regulares. Assim, se a política de inclusão assegura a matrícu-la dos/as alunos/as com deficiência, na rede regu-lar de ensino, oportunizando o que se convencionou chamar de atendimento educacional especializado para cada caso, sempre que se fizer necessário, in-

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teressa-nos avaliar de perto a situação atual de es-colarização desses alunos, verificando a efetivação da política inclusiva em João Pessoa e quantos, de fato, estão usufruindo dos seus direitos.

Assim, o presente artigo analisou a situação de escolarização de indivíduos com deficiência em João Pessoa, categorizando-os por área de defi-ciência, a saber: auditiva, visual, físico-motora, intelectual e múltipla, contemplando a qualidade dos serviços prestados a partir da oferta efetiva do AEE. Sabendo que as lutas em prol das crianças com deficiência começam, agora, a alcançar su-cessos e mudanças nesse panorama da cidade de João Pessoa, na escolarização dos indivíduos defi-cientes, esperamos que surja uma nova sociedade, que seja baseada no respeito às diferenças e na igualdade de direitos.

METODOLOGIA

Do ponto de vista metodológico, trata-se de uma pesquisa explicativa, cujos dados demográfi-cos e escolares são os principais instrumentos de análise qualitativa e quantitativa. Quanto à nature-za dos instrumentos utilizados, a pesquisa se con-figura como bibliográfica e documental, pois utili-zou os principais referenciais da área na discussão sobre inclusão e deficiência.

Assim, a pesquisa dividiu-se em três partes. A primeira voltou-se para o estudo do fenômeno da inclusão/exclusão de pessoas com deficiência no Brasil, tomando como principais referenciais para a reflexão os trabalhos de Tessaro (2005) e Santiago (2011). Nessa mesma direção, identificou os ele-mentos da política de inclusão educacional defen-dida em âmbito nacional, cujas principais fontes de pesquisa foram os seguintes dispositivos legais: a Constituição Federal (1988); a LDB n.º 9.394 (1996) e a Lei n.º 10.098 (2000), que são subsídios para a Política Nacional de Inclusão (2005) e para o AEE (2007), que estabelecem os direitos da pessoa com deficiência e as adaptações necessárias para sua escolarização, definindo regras, parâmetros e recur-sos específicos para cada área. Com base nesses documentos, organizamos as áreas de deficiência a serem investigadas pela pesquisa.

Na segunda parte, recorremos à pesquisa do-cumental, utilizando os seguintes documentos para a coleta dos dados: o Censo demográfico 2010 – Bra-sil, dados sobre o quantitativo de pessoas com defi-

ciência em João Pessoa; o Relatório de Gestão 2011, da Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência (FUNAD) e o Censo Escolar 2010 da Paraíba, especificamente os dados de matrícula de pessoas com deficiência nas escolas oficiais.

O Censo Demográfico (2010) foi utilizado, es-pecialmente, porque revela a situação demográfica de pessoas com deficiência em nosso estado e em outras partes do Brasil. Os relatórios da FUNAD (2011) e o Censo Escolar (2010) foram sobrema-neira importantes, pois ambos nos possibilitam precisar a situação de escolarização das pessoas com deficiência no Estado. É importante conside-rar que a pesquisa feita nesses documentos ofi-ciais obrigou-nos a ir muitas vezes ao campo de investigação (FUNAD), realizando contatos, agen-damentos, pesquisas, entre outros.

Foram escolhidos os relatórios da FUNAD, pois essa entidade é o principal órgão oficial do estado da Paraíba responsável pela política de in-clusão de pessoas com deficiência e, portanto, ca-paz de revelar dados sobre a escolarização desses sujeitos. De posse dos dados coletados na FUNAD e nos Censos, destinamos a etapa seguinte à sua categorização, a partir das áreas previamente de-finidas na pesquisa bibliográfica, a saber: deficiên-cia intelectual, deficiência visual, deficiência auditi-va, deficiência físico-motora e deficiência múltipla.

Depois de categorizados, os dados foram analisados do ponto de vista quantitativo, para os quais construímos gráficos e quadros para ilustrar a situação, e qualitativo, com base nos dispositivos legais. Com essa última análise, pretendemos apre-sentar os significados desses índices para o proces-so inclusivo defendido pelo Ministério da Educação (MEC) e sua efetivação em termos locais, tomando como referência o que determinam os dispositivos legais. Esse tipo de análise busca, ainda, identificar a condição de inclusão de pessoas com deficiência, tomando por base o direito à educação como ele-mento essencial para a efetivação da política.

De acordo com o próprio MEC, a política de educação que se volta para pessoas com deficiên-cia ainda é reconhecida como “especial” e é ela que estabelece que a inclusão é prioridade. Nesse sentido, a intenção primeira é de que pessoas com deficiência exerçam o direito de aprender em clas-ses comuns e que o ensino especial seja uma pos-sibilidade pouco utilizada no contexto educacional brasileiro. Vejamos o que ocorre na prática.

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Os dados coletados através do Censo 2010 revelaram que a população geral de João Pes-soa equivale, hoje, a 723.515 habitantes. Desse montante, na cidade de João Pessoa, existe, de acordo com o Censo 2010, um quantitativo de 185.729 pessoas com deficiências permanen-tes, o que equivale a 25,68%. Embora reconhe-cendo que possa haver incoerência no processo de coleta de dados do Censo demográfico, espe-cialmente na pouca definição do que significam as deficiências, correndo o risco de que limita-ções de toda ordem sejam computadas como deficiência, verifica-se uma crescente em relação ao número apresentado em 2000, que ficava perto dos 14%. Por outro lado, salientamos o fato de que, no Censo, são pontuadas apenas as consideradas deficiências permanentes, e não, as transitórias, causadas por motivações várias, mas com tempo determinado para desaparecer, como é o caso das imobilizações de membros, infecções de ouvido, tratamentos oculares. Com isso, a margem de erro cai bastante, e os dados obtidos chegam muito perto da realidade.

Ainda no que diz respeito aos dados, verifi-camos, com base no Censo 2010, que a situação da Paraíba, por área de deficiência, é bastante significativa. Na área da deficiência visual, o quantitativo de pessoas com deficiência infor-mado no censo é de 145.009, variando entre os que declararam ter grande dificuldade, alguma dificuldade ou não conseguem, de modo algum, utilizar a visão.

Quanto à deficiência auditiva, o número re-velado pelo Censo 2010 é de 37.140 pessoas, em João Pessoa, variando entre os que não con-seguem, de modo algum, ouvir, têm alguma difi-culdade de ouvir ou grande dificuldade de ouvir. Portanto, inclui-se nesse grupo todo tipo de per-da auditiva - leve, moderada, severa e profunda – e todas as etiologias (BRASIL, 2007).

Em relação à deficiência físico/motora,

o Censo 2010 apresentou um quantitativo de 54.076 pessoas, variando entre os que não con-seguem, de modo algum, realizar suas ativida-des no tocante ao movimento, os que apresen-tam alguma dificuldade e os que apresentam grande dificuldade. Nessa área, também foram classificadas apenas deficiências permanentes, portanto, as transitórias não foram computadas pelo Censo. Diante disso, é evidente que as clas-sificações utilizadas, de fato, abrangeram todas as variações de deficiência e suas motivações - amputações, acidentes, paralisias, deformidades congênitas etc. - conforme documentos oficiais (BRASIL, 2000).

No tocante à deficiência intelectual (também referida nos documentos como mental), o quan-titativo revelado pelo Censo 2010 foi de 11.005 pessoas. Nessa área, não há diferenciação entre o nível de dificuldade apresentada. Nesse contex-to, incluem-se as dificuldades de aprendizagem, a paralisia cerebral e algumas síndromes (SAN-TIAGO, 2011). É importante registrar que o Cen-so não registrou múltiplas deficiências, portanto, ficamos sem esses dados demográficos.

De posse desses dados, passamos a verifi-car, no Censo Escolar da Paraíba, a situação de escolarização desses sujeitos com deficiência. Verificamos, inicialmente, qual o quantitativo de alunos com deficiência matriculados nas redes oficiais de ensino. Os dados obtidos no Censo Escolar (2010) revelaram que o índice ainda é inexpressivo.

Assim, através do Relatório de Gestão (2011), que contém os dados solicitados do Cen-so Escolar 2010 sobre pessoas com deficiência no Estado, identificamos, em linhas gerais, uma disparidade entre o quantitativo de sujeitos com deficiência, ou seja, de 185.729, e os que têm deficiência, matriculados na rede oficial - de 10.876. O gráfico 1, a seguir, demonstra esses resultados:

RESULTADOS E DISCUSSÕES

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Gráfico 1: Situação das pessoas com deficiência na Paraíba

Quadro 1: Alunos com deficiência, por área, atendidos em João Pessoa

Fonte: Produzido pelo autor, com base no Censo 2010; Censo Escolar, 2010.

Fonte: Produzido pela pesquisadora a partir de dados do Censo Escolar 2010.

Esses dados apontam que a política de in-clusão ainda está distante de se efetivar no mu-nicípio de João Pessoa, tendo em vista o número reduzido de estudantes matriculados na rede ofi-cial de ensino. Em termos percentuais, podemos acrescentar que, do número de 185.729 pessoas

com deficiência, no município, apenas 0,83% es-tão matriculadas na rede oficial de ensino.

De acordo com o próprio Censo escolar (2010), em relação às áreas específicas de de-ficiência, temos os seguintes números de alunos atendidos em João Pessoa:

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É importante considerar que os documentos oficiais não revelam os dados com precisão, sobre-tudo, porque comentem equívocos na classificação das deficiências. Até citam alunos com altas habi-lidades, síndromes e alguns transtornos como por-tadores de deficiência. Nesse sentido, recorremos

à literatura sobre o assunto ou documentos que orientam esse debate, como a Carta de Guatemala (1999) e os subsídios para o AEE (2007), a fim de não repetir os mesmos erros e trabalhar apenas com as informações pertinentes ao nosso objeto de estudo – pessoas com deficiência.

ANÁLISE DA DEFICIÊNCIA POR ÁREA

Deficiência múltipla

Como se pode observar no quadro acima, o número de alunos com deficiência atendidos por área é bastante diversificado. Em termos gerais, a deficiência múltipla é a que apresenta o menor percentual de atendimento, tanto em razão da demanda mais reduzida desse público que quase não procuram escolarização, quanto por causa da especificidade do atendimento que inviabiliza que sejam atendidos mais alunos, portanto, consta-tam-se apenas 3,64%.

Deficiência intelectual

A deficiência intelectual é a área com o maior número de atendimentos, com 562 alunos distri-buídos nas escolas de João Pessoa, o que equivale a 36,56%. No entanto, é importante considerar que esperamos que todos esses alunos tenham, de fato, diagnósticos que comprovem a deficiên-cia identificada (intelectual), pois os relatórios não dão detalhes a respeito deles. Nossa preocupação se fundamenta na disparidade entre o público com deficiência intelectual, em João Pessoa, de acordo com dados do Censo 2010, que equivale a pouco mais de 5,62% do total, enquanto, em termos de escolarização, esse número cresce as-sustadoramente e atinge um percentual até sete vezes maior, ou seja, de 36,56%.

No que diz respeito ao AEE destinado a esse público (deficiência intelectual), dos 562 alunos, recebem atendimento apenas 140 em João Pes-soa. Então, como o relatório de Gestão (2011) or-ganizado pela FUNAD ressalta seu papel na cons-trução do diagnóstico e do acompanhamento dos alunos das escolas da rede oficial de ensino, espe-ramos que esses dados correspondam à realidade da deficiência intelectual nesse município.

Deficiência visual

Em segundo lugar, temos a área da deficiên-cia visual. Santiago (2011) refere que fazem parte desse grupo alunos com cegueira ou baixa visão. De acordo com os documentos oficiais, cegueira é a perda total da capacidade de enxergar, e a bai-xa visão, a perda parcial, mas com resíduo visual compatível com o uso de recursos específicos. Te-mos um grupo de 429 alunos, o equivalente a um percentual de 27,91% atendidos na rede oficial de ensino. Desses, apenas 33 estão recebendo AEE em salas de recursos multifuncionais.

Ao analisar a situação da pessoa com defi-ciência visual, conclui-se que esse é um aspec-to bastante preocupante, tendo em vista que as adaptações necessárias para esse público dizem respeito à utilização de recursos para leitura e escrita, como é o caso do Braille, cujos materiais a serem utilizados estão disponíveis nas salas de recursos multifuncionais, conforme determina-ção do MEC.

Deficiência auditiva

A deficiência auditiva ocupa o terceiro lugar na quantidade de alunos atendidos - um total de 255 alunos - o que significa um percentual de 16,59%, no qual incluímos alunos com qualquer tipo de perda auditiva (leve, moderada, severa e profunda), sem estabelecer distinção, como regis-trado no Censo Escolar (2010), que classifica de maneira diferente: alunos com deficiência auditiva e alunos surdos. Esse tipo de divisão não é feito pelos documentos do MEC nem pelos teóricos da área. Portanto, não a utilizamos nesta pesquisa (BRASIL, 2007).

Ao analisar o quantitativo de alunos atendi-dos no AEE, verificamos que, dos 255, apenas 66

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recebem atendimento. Então, ao analisar a situa-ção de AEE para alunos com deficiência auditiva, vimos que os documentos oficiais preveem, pelo menos, três atendimentos específicos, em contra-turnos (BRASIL, 2007). O primeiro prevê o ensino de língua de sinais; o segundo, o ensino de con-teúdos escolares através da língua de sinais; e o terceiro, o ensino da língua portuguesa.

Deficiência físico-motora

No que diz respeito a esse tipo de deficiência, o total de alunos matriculados na escola regular é de 125, que corresponde a um percentual de 8,13%, dos quais apenas 18 são atendidos pelo AEE.

De acordo com o MEC, em documento pro-duzido especificamente para o AEE em 2007, a pessoa com deficiência física tem direito a recur-sos humanos especializados para atendê-la, ava-liação e implementação de tecnologias assistivas as suas necessidades, auxílio em atividades da vida diária, material escolar e pedagógico adap-tado, comunicação aumentativa e alternativa, acessibilidade arquitetônica, recursos de acessi-bilidade ao computador, além de alinhamento e estabilidade postural, sempre que essas interfe-rirem nas questões de aprendizagem (BRASIL, 2007). No relatório de gestão apresentado pela FUNAD, essas informações não estão disponíveis. Sabe-se que há salas de recursos e que 18 dos 125 alunos com deficiência físico-motora são atendidos, mas não se informa que tipo de atendi-mento eles recebem e se há recursos compatíveis com as necessidades de todos.

CONCLUSÃO

O AEE procura viabilizar o cumprimento dos preceitos legais de promoção da igualdade de oportunidades previstas pela legislação brasileira, com destaque para a Constituição Federal (1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal, lei n.º 9.394 (1996). Portanto, o AEE procu-ra garantir às pessoas com deficiência o direito à educação.

A Constituição Brasileira (1988) defende a dignidade do ser humano (art. 1º, inc. I, II, III), e seu objetivo fundamental é de promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e outros (art. 3º, Inc. IV). Portanto, é nessa

perspectiva que o AEE se configura numa forma de respeitar o direito da pessoa com deficiência à educação, dando-lhes condições de igualdade, especialmente quando sua matrícula ocorrer na rede regular de ensino.

Da mesma forma, na LDB 9.394 (1996), o AEE é recomendado para ser feito em escolas, salas ou por serviços especializados, sempre em função das necessidades dos alunos. Reforçando tais ideias, outros documentos foram produzidos para garantir a inclusão dos alunos com defici-ência, como, por exemplo, o ano do atendimento educacional especializado, produzido pelo Minis-tério da Educação, entre outros. Em todos eles, o estímulo e o reforço pela efetivação de uma pro-posta inclusiva se pautam, essencialmente, no AEE, como principal instrumento para viabilizar a permanência dos alunos com deficiência na rede de ensino, garantindo não somente “estar”, mas, principalmente, “estar aprendendo”.

A realidade que identificamos na cidade de João Pessoa não é diferente do resto do estado ou do país. A situação atual, portanto, não é compatí-vel com o que proclamam os documentos oficiais a respeito da inclusão. Vive-se, efetivamente, uma situação de exclusão de pessoas com deficiência do direito à educação. E, escondido numa política romântica, falseia a verdadeira condição desses indivíduos.

É preciso que se investigue, mais profun-damente, esse cenário, para que possamos con-tribuir com as reflexões na área e as possíveis soluções para o problema. Uma parte desse pro-blema se assenta no preconceito latente que a maioria de não deficientes nutre pelos deficien-tes. Outra parte diz respeito a decisões tomadas para eles, e não, com eles, porque se subestima a capacidade de indivíduos diferentes dos pa-drões socialmente aceitos.

Esperamos que as reflexões promovidas até aqui possam favorecer um profundo debate sobre os significados da inclusão e o papel da escola-rização de indivíduos com deficiência e que, no confronto entre os dados demográficos e os edu-cacionais, possamos vislumbrar a exclusão sendo anunciada.

Entendemos que as pessoas com deficiência estão sem alternativa, e por questões socioeco-nômicas e culturais, têm optado por essa inser-ção na rede regular de ensino, sem buscar apoio

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especializado. Em João Pessoa, assim como em outras regiões do Brasil, vem se delineando um quadro preocupante: de um lado, observa-se cer-to aumento no número de matrículas no ensino regular de alunos com deficiência, nos níveis in-fantil, fundamental e médio, mas não vem rece-bendo o AEE. Então, perguntamos: será que os alunos é que não querem receber o AEE ou o AEE não está disponível para receber os alunos? Certa-

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mente ainda há muito a se discutir nessa área, e esperamos contribuir com tais reflexões em novas pesquisas.

Esse é um desafio que não se acaba por aqui. Mais do que garantir o ensino especializado para esses educandos, é preciso garantir a inclu-são, tendo em vista que só por meio da verdadeira inclusão é que poderemos pensar numa escolari-zação cidadã inclusiva e justa para todos.

Referências

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Djavan Antério* e Pierre Normando Gomes da Silva**

Decodificando as ações corporais na prática docente

RESUMO:

O artigo discute as ações corporais na prática docente, enfatizando a pro-blemática da relação comunicativa entre educador e educando. Aborda, ainda, uma específica concepção de corpo e as contribuições advindas de sua lingua-gem para um agir pedagógico mais consciente. Por meio do prisma da comu-nicação corporal, fundamenta-se a possibilidade de decodificar e transmitir mensagens que, geralmente, são imperceptíveis à linguagem verbal. O estudo objetivou consolidar as contribuições pedagógicas que podem emergir da inter-relação não verbal e fortalecer a premissa de que o corpo, em sua completude, é sobremaneira significativo para o processo educacional como um todo.

Palavras-chave: Educação; Prática docente; Comunicação corporal.

ABSTRACT:

The article discusses the bodily actions presented in the teaching practice, emphasizing the problem of communicative relationship between educator and student. It also addresses one specific body design and the contributions ari-sing from its language for pedagogical action more aware. Through the prism of bodily communication, is based on the possibility of decoding and transmitting messages that are usually imperceptible to verbal language. The study aimed to consolidate the pedagogical contributions that can emerge from the interplay nonverbal, thus strengthening the premise that the body, in its entirety, it is extremely significant to the educational process as a whole.

Keywords: Education, Teaching practice, Bodily communication.

(*) Professor Mestre do Departamento de Pedagogia (modalidade à distância) - CE/UFPB. Campus João Pessoa. E-mail: [email protected]. (**) Professor Doutor do Departamento de Educação Física - CCS/UFPB. Campus João Pessoa.E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

As discussões acerca do corpo, nos vários momentos históricos, tiveram diferentes focos e concepções. Contudo, independentemente da te-mática central, o corpo sempre provocou inquieta-ções. Por meio de uma leitura substancial, anos a fio, é possível encontrar concepções, ora similares, de que emergem pontos inclinados num mesmo di-recionamento acerca do corpo como uma entidade material, ora por uma vertente mais filosófica, ex-traindo pensamentos transcendentais de um cor-po desmitificado e mais subjetivo, além de outras esferas mais comuns, como, por exemplo, o corpo como matéria, orgânico, objeto motriz.

Evidenciamos a concepção de corpo como linguagem. Isso implica dizer que nós, como cor-pus que somos, temos voz ativa não só através da linguagem falada (ou mesmo a escrita), como tam-bém de nossos gestos, olhares e outros diversos canais de comunicação. Pensamos o corpo como fonte de uma subjetividade rica em elementos não concretos, não racionalizáveis, porque vividos emo-cionalmente. Por isso são necessários novos ma-peamentos que revelem o desenho subjetivo desse corpo, buscando compreender, dentre outras coi-sas, sua identidade expressa pela gestualidade, pela postura e por sua ocupação no espaço. É pre-ciso entender e aceitar que o ato de se mover vai além de mudar de posição, de se deslocar de um espaço para outro (ANTÉRIO; GOMES-DA-SILVA, 2011).

Adentrando, mais especificamente, a comuni-cação realizada por esse corpo, em seu contexto, é que abordaremos a comunicação corporal em seu arcabouço teórico. Entendemos por comunicação corporal a capacidade de o sujeito comunicar-se corporalmente, por meio da linguagem não verbal. A partir de Rector e de Trinta (1985), entendemos a comunicação verbal ou não verbal como um fe-nômeno humano, portanto social, ou seja, “comu-nicar é manifestar uma presença na esfera da vida social. É estar-no-mundo-junto-com-outros” (p. 8). Comunicar envolve uma perspectiva de partilha e de transferência de informação entre dois ou mais sistemas.

É importante frisar que, ao tratar de comu-nicação corporal, tratamos, consequentemente, do ato de nos movimentarmos, sobre o qual clarea-mos uma concepção que vai além do deslocamen-

to do corpo, do movimento evidente de membros. Partimos do pressuposto de que o movimento está impregnado na ativação corporal que todos temos pelo simples fato de estarmos vivos. Assim, respi-rar já se caracteriza como um movimento. Nessa perspectiva, mesmo em se tratando de suas pro-priedades neurofisiológicas, biomecânicas, cog-nitivas, o movimento é visto tanto por seus deter-minantes exteriores, que são evidentes aos olhos, quanto pelos interiores, que acontecem dentro de nós, sobre uma confidencialidade extrema, às ve-zes, até imperceptível.

No âmbito escolar, o corpo, segundo Freire (2009), é subutilizado, ou seja, não é exigido de forma adequada, muito menos na quantidade cer-ta, frente a sua potencialidade. A escola insiste em usar o corpo como mero realizador de ações mecânicas e com rígidas funções disciplinares. Ele não tem a oportunidade de se desenvolver de for-ma lúdica, em sua movimentação intencional ou aleatória, espontânea, sem intenção aparente. A escola, geralmente, impede-o de se movimentar por prazer, de mexer-se por alegria e sacudir-se in-tuitivamente.

Encaramos o movimento como criador de significados que vão muito além das determina-ções abstrativas das medidas de desempenho. Do contrário, seríamos coniventes com a vertente que omite a vida do movimento em si próprio, “calando sua voz”, tornando-o mudo, sem significado algum. Eis a razão de consideramos insuficiente uma teo-rização que conceba o movimento distante do seu sentido vivido, por estar exclusivamente atenta aos padrões de desempenho e/ou habilidade. Conce-bemos o corpo como nossa condição existencial, mas consideramos insuficiente a interpretação do movimento em si mesmo.

Desvencilhamo-nos de perspectivas somen-te objetivas e, de certa forma, limitadas. Dentre elas, a de adaptar os corpos à conduta laboral e às práticas desportivas que produzem um sujeito conforme as exigências de um sistema impiedoso, que visa, sobretudo, à sua motilidade. Sobre isso, comungamos do pensamento de Bombassaro e de Vaz (2009), defendendo que, num contexto estra-tegicamente sistemático, o sujeito é imerso em um processo de subjetivação vinculado a um conjunto de condutas externamente determinadas.

Logo, preocupados em elucidar as ações cor-porais inerentes ao processo de intervenção docen-

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te, que fazem o sujeito agir com significação, foi que nos propusemos a investigar a comunicação corporal a partir da perspectiva do corpo como percepção e expressão inter-relacional do sujeito no mundo e, por conseguinte, pensar a ação co-municativa corporal do educador consigo mesmo, com os alunos e com o seu entorno. Discutimos o corpo comunicativo em sua inter-relação social com base nos pesquisadores Knapp e Hall (1999), Rector e Trinta (1985), Pease e Pease (2005), Pi-card (1986) e Weil e Tompakow (1986). Nessa perspectiva, a questão-problema deste artigo é: Que configurações da comunicação corporal podem ser identificadas no ato docente?

CAMINHO METODOLÓGICO

Trata-se de uma pesquisa descritiva e de abordagem qualitativa, por caracterizar o entendi-mento de um fenômeno, envolvendo significados, valores e atitudes por meio dos quais é possível aprofundar as relações dentro do processo social, como aponta Minayo (2001). Como eixo epistemo-lógico, adotou-se o conceito de corpo como um ele-mento perceptivo, ativo-expressivo e fundamental para a inter-relação comunicativa do sujeito com ele mesmo e com os outros, o que se configura como uma dimensão da corporeidade. Isso implica afirmar que o corpo foi tratado na pesquisa como um elemento subjetivo, além de suas perspectivas orgânicas, biológicas e estéticas.

Nossa pesquisa justifica-se pela importância de se trabalharem as diferentes possibilidades do corpo como um elemento prioritariamente presen-te no cotidiano do sujeito, não de forma natural, mas ligadas pela materialidade. Elencamos uma vi-são transcendental da relação entre corpo e sujeito, considerando-os híbridos, pois não é possível um seguir sem o outro. Estabelecemos, ancorando-nos no arcabouço teórico recorrido, uma ruptura na ló-gica da separação corpo e sujeito, na medida em que rompemos com o primado da concretude do ser material e propomos a subjetivação do corpo.

Partindo desse bojo contextual, o presente ar-tigo objetivou consolidar as contribuições pedagó-gicas que podem emergir da inter-relação não ver-bal, visando fortalecer a premissa de que o corpo, em sua completude, é extremamente significativo para o processo educacional. Diferentes linhas de pensamento são discutidas, fomentando um diá-

logo reflexivo com e entre os autores analisados. Para isso, valemo-nos de obras literárias conceitu-adas sob a ótica da revisão bibliográfica, por per-mitir integrar as relações de um conjunto de pes-quisas realizadas por determinadas intervenções, podendo apresentar resultados semelhantes e/ou contrários, além de aproximar temas que precisam de evidências para estudos futuros.

Também nos apoiamos nos eixos da fenome-nologia, por entendê-la como uma atitude de refle-xão do fenômeno em meio à diversidade complexa. Salientamos que, com base na análise fenomeno-lógica, suspendemos posicionamentos ideológi-cos, crenças e teorias não fundamentadas e nos concentramos, fundamentalmente, no sujeito e sua presença no mundo. E ao localizar nosso pro-blema na descoberta da significação originária do movimento do corpo humano no mundo, estamos dentro da análise existencial proposta pela feno-menologia. Em nosso entender, é complexo querer explicar que o ato de se movimentar concebe sen-tido se não utilizarmos as noções subjetivas de te-orias como a da corporeidade e a da comunicação corporal.

O MOVIMENTO COMO LINGUAGEM

Para iniciar um proveitoso diálogo com os conceitos trazidos pelos autores aos quais recor-remos, é pertinente aclarar a essência significativa que temos em relação ao ato de se movimentar. À luz de pensadores como Freire (1999), Hildebrand-t-Stramann (2005), Laban (1978) e Picard (1986), comungamos da tese de que o movimento é gesto, dotado de significado e não corresponde à tradu-ção da representação, mas à operação existencial por participar da mudança de coordenadas envia-das ao esquema corporal. Ao tratar da significação do movimento, da atmosfera criada por ele e do ho-rizonte de expressão do corpo situado no mundo, já estamos no âmbito da corporeidade.

A partir do dito, é natural que pensemos em linguagem ao falar de movimento. Isso porque mo-vimento é expressão, é comunicação. Obviamente, como bem adiantamos, há movimentos que são interiorizados, sem uma eloquência perceptível, tal como o tônus dos nossos músculos, o batimento do nosso coração, o pulsar de nossas veias e arté-rias. Contudo, mesmo que transcendamos a com-preensões tradicionalistas, podemos discutir sobre

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possíveis comunicações desses movimentos. Mas deixemos para outra oportunidade.

Ao tratar de linguagem, referimo-nos ao con-ceito trazido por Silva (2010), que a define como um conjunto de hábitos e prescrições, articulados em meio à vida social e à história, que o sujeito assimila para compor a si mesmo. Isso equivale à sua inserção na vida social e histórica, de modo que a subjetividade se revela, necessariamente, uma intersubjetividade. Na visão do autor, da qual compartilhamos, conforme se alheia de seu pró-prio corpo e lida com a vida social e histórica, em si, é que o sujeito se constrói. A linguagem está no movimento tal como a olhar está na visão. Isto é, o movimento configura-se por um emaranhado de informações que podem ser decodificadas e, por conseguinte, assimiladas como mensagens, por-tanto, comunicação. Afirmamos isso com base na conjuntura comunicativa que temos como seres so-ciais, que interagem através de inúmeras e diferen-tes comunicações. A questão é que ainda é minori-tária a percepção do movimento como linguagem.

Pensando pelo prisma da corporeidade, o mo-vimento não se encontra isolado, mas em meios às relações estabelecidas pelos sucessivos gestos. Da mesma forma, o movimentar-se humano não detém uma significação imanente, porquanto se limita a indicar certa relação entre o homem e o mundo sensível. “No movimento, homem e mundo sensível transformam-se numa unidade, isto que dizer que o mundo é sempre mundo vivido e o mo-vimento é sempre gesto com sentido/significado para quem individual ou coletivamente o praticou” (GOMES-DA-SILVA, 2011, p. 37).

O fato é que nossos gestos revelam muitos mais do que aparentemente percebemos. O corpo, de uma forma geral, é depositário de códigos con-dizentes com a cultura que temos. Por isso nos-sas ações são próprias das condutas instintivas e representam o que aprendemos e assimilamos ao longo dos anos, razão por que nosso movimentar não é neutro, mas vinculado a um interesse cul-tural, que, inclusive, forma o sujeito social. Isso, de uma forma ou de outra, garante a utilidade e o ajustamento por meio do abrandamento das emo-ções e do arrefecimento do poder do corpo.

Dialogando com o pensamento de Merleau-Ponty (1999), sustentamos a ideia de que,

na linguagem corporal, não há uma fragmen-tação entre o pensamento e o gesto. Na ação con-

templativa do olhar, envolvo-me com o objeto olha-do, percebendo-o por meio dos meus movimentos. O corpo se estabelece de forma complexa, compi-lando diversificados elementos que se encontram entrelaçados, tornando impossível fragmentar o todo. Na perspectiva da fenomenologia de Merle-au-Ponty, o corpo é considerado como obra de arte sensível às relações que se estabelecem ao seu entorno. Assim, o que temos são constantes mo-dificações oriundas da inter-relação entre sujeito e mundo, uma vez que o homem é produto do meio, e o meio é modificado pelo homem.

A COMUNICAÇÃO CORPORAL

Ao tratar de comunicação corporal, priorizamos a comunicação efetuada por meio da linguagem não verbalizada. Isto é, apesar de entendermos por co-municação corporal a que se faz por meio do corpo, verbal ou não, nossa ênfase escoa na expressão dos gestos, na postura do sujeito; na ocupação do espaço onde se insere. Portanto, os fundamentos aqui apre-sentados são subsidiados pela ação comunicativa corporal não verbal. Isso se justifica pela intencionali-dade de ampliar o “mover-se” para se comunicar, ou seja, para que o sujeito se expresse, nesse contexto que apresentamos, deverá, antes de qualquer coisa, ser consciente de sua capacidade de se comunicar empregando a linguagem não verbal.

Ao abordar o sistema comunicativo não ver-bal, Argyle (1988) distingue os seguintes canais de comunicação: expressão facial; olhar; gestos e movimentos posturais; contato corporal; compor-tamento espacial; roupas, aspecto físico e outros aspectos da aparência. Esses canais fazem parte de uma categorização denominada por ele de “di-ferentes sinais corporais”. Os gestos e os movimen-tos, de acordo com Argyle (1988), compõem os inúmeros canais de comunicação que o ser huma-no utiliza para se expressar, comunicar-se, enfim, transmitir informações que considera necessárias para se fazer entender em um dado momento.

Tendo em vista que a questão norteadora do estudo fomenta a busca pela decodificação das configurações da comunicação corporal no ato do-cente, é pertinente elucidarmos um pouco do con-texto no qual o professor está inserido, ressaltando questões referentes à comunicação corporal esta-belecida (ou não) por ele com seus alunos. Assim, pensando na comunicação corporal do professor

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em sala de aula, começamos exemplificando a pa-ralinguagem, para demonstrar que o ato de ensinar é linguagem verbal e não verbal continuamente, inseparável. Ao lado do verbal e do não verbal, no trabalho docente, há um atrelamento dos dois níveis comunicativos, p. ex., ao mudar o tom da voz para disciplinar ou ao bater no birô pedindo silêncio, o professor está utilizando a paralinguagem. Dificil-mente o professor pode se comunicar, interagir com os alunos, sem que o gesto corporal não se atrele à linguagem verbal. Contudo, nos cursos de forma-ção de professor, por exemplo, a noção de corpo, no processo de ensino-aprendizagem, ainda é muito vaga e apresenta-se como uma simples matéria, um envelopamento da mente (PICARD, 1986).

Na direção contrária, estamos alertando os professores para compreenderem que a comunica-ção entre eles e os alunos pode ser otimizada, se desencadearem um processo comunicativo mais consciente, por isso mesmo mais fluente e eficaz. Contrariando a compreensão do corpo como um envelopamento da mente, destacamos a comuni-cação corporal como uma ferramenta poderosa, equivalente ao poder da palavra, para criar uma ligação com o conhecimento informado, porque sabemos que o comportamento não verbal pode perfeitamente repetir, contradizer, substituir, com-plementar, acentuar ou regular o comportamento verbal (KNAPP; HALL, 1999).

Nesse contexto, evidenciamos que os profis-sionais da área de Educação, especificamente os que atuam no âmbito escolar, devem considerar a comunicação do corpo, para que sejam mais efi-cientes no desenvolvimento de suas atividades. O fato é que ainda são escassos os trabalhos que es-tudam a relação corpo-movimento-comunicação, com a intenção de ativar a percepção dos sinais não verbais em busca de melhorar a ação interven-tiva do professor. Sobre esse caráter profissional, Knapp e Hall (1999), ao discutir sobre os trabalhos relativos à habilidade de profissionais (médicos, professores, psicólogos), comentam que aqueles que se ocupam de condutas não verbais obtêm uma pontuação maior em sua competência profis-sional. É justamente nesse sentido que caminha-mos com nossa proposta, procurando excitar os educadores a atentarem para o real valor do apri-

moramento sensitivo da comunicação corporal, para uma docência mais comunicativa, portanto, mais interativa e integrativa. Isso porque acompa-nhamos o pensamento de Pease e Pease (2005, p. 48), quando asseveram que, “entendendo o que o corpo diz, entendemos melhor o que os outros nos têm a dizer”. Contudo, nossa abordagem sobre a comunicação corporal não se restringe aos canais comunicativos, porque também compreendemos a comunicação como um diálogo entre o homem e o mundo. O movimentar-se é uma forma de existir, em que se têm os próprios valores e onde o ho-mem realiza sua expressividade.

Defendemos que os movimentos humanos em sala de aula não se reduzem à funcionalidade das tarefas docentes, mas se constituem em men-sagem, transmitem uma intenção educativa. Os atos corporais do professor em sala de aula, mes-mo que sejam inconscientes para ele, comunicam suas mensagens. A intenção é de que os profes-sores tomem consciência do sentido comunicativo dos seus movimentos em sala de aula, contrarian-do a teoria e a prática da educação hegemônica, que trata os movimentos como destrezas ou habi-lidades motoras padronizadas. O movimento deve também ser concebido pela linguagem, conside-rando sua conexão via posturas, posições, deslo-camentos e feições, que não devem ser tomados como fragmentos inocentes da comunicação, mas constituintes de configurações múltiplas e cam-biantes de uma teia de significados. Os movimen-tos e os não movimentos são identificados como dizíveis (GOMES-DA-SILVA, 2011).

AS AÇÕES CORPORAIS NA PRÁTICA DOCENTE

A comunicação vai muito além de saber falar e escrever, ou seja, saber verbalizar. Caracteriza-se pela ação interativa entre duas ou mais partes. Contudo, pode ser expressa das mais diversas for-mas. À luz da prerrogativa descartiana1, comunicar-se é informar ao outro, de antemão, sobre a exis-tência do “eu”, mostrar que tal informação advém de alguém concreto, pensante, portanto, existen-cial. Para tanto, a linguagem não verbal, tal qual a verbal, tem profundo valor. O fato é que, nos tem-pos de hoje, cada vez mais corridos, conturbados,

1. René Descartes (1596-1650) foi um filósofo, físico e matemático francês que se notabilizou, sobretudo, por seu trabalho revolucionário na Filosofia e na Ciência. Figurando de forma efetiva na Filosofia, ele instituiu a dúvida de que só se pode dizer que existe aquilo que puder ser provado, e que o ato de duvidar é indubitável. Baseado nisso, busca provar a existência do próprio eu. Daí a aclamada questão “Cogito, ergo sum”. (“Penso, logo existo”).

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negligenciamos a comunicação do nosso corpo e valorizamos mais aquela que ouvimos, lemos, mas não, a que expressamos.

Baseamo-nos na perspectiva trazida por Cor-raze (1982), que afirma ser a comunicação não verbal um meio, entre outros, de transmitir infor-mação, sem se valer de linguagem escrita, falada ou seus derivados não sonoros (linguagem dos sur-dos-mudos, por exemplo). De acordo com o autor, para o ser humano, as comunicações não verbais se processam através de três suportes: (i) no corpo, por meio de suas qualidades físicas, fisiológicas e por seus movimentos; (ii) no homem, através dos objetos associados ao corpo, como os adornos, as roupas ou mesmo as mutilações (marcas, cicatri-zes, tatuagens); e (iii) na dispersão dos indivíduos no espaço, por meio do englobamento do espaço físico que cerca o corpo até o espaço que a ele se relacione - o espaço territorial.

Intervindo diretamente no corpo, registramos as diversas possibilidades que podemos ter ao atuar de forma a explorar a capacidade comuni-cativa corporal. Assim, o professor, alvo de nossa intervenção, ao ter consciência de seus potenciais corporais, comunica-se, expressa-se e educa, mais efetivamente, através de sua prática docente. Toda-via, é fundamental que avancemos para além do aspecto da instrumentalidade ou para um conjunto de órgãos, sistemas ou o objeto de programas de promoção de saúde ou de lazer.

Entendemos que o corpo é a instância primá-ria de toda a significação do homem no mundo, que está em constante relação, ora equilibrada, ora em total desequilíbrio. Assim, ligarmo-nos ao nosso cor-po, além do aspecto natural da vida, é tornar mais perceptível nossas transformações, nossas mudan-ças, nossas modificações corporais. Notar que nos-so corpo, com o tempo, não é mais o mesmo, é fato inegável. Por conseguinte, para que haja, de fato, uma decodificação das ações advindas do corpo co-municativo, é necessário estabelecer com ele uma confidente relação transcendental e, consequente-mente, considerar suas possibilidades, respeitar suas limitações, confiar em sua potencialidade rela-cional. Então, compreendendo os fatores inerentes a esse processo e assimilando suas contribuições, é viável mudar-se, transformar-se corporalmente.

Recorremos à comunicação corporal, creditan-do a ela a possibilidade de uma mudança, uma efeti-va transformação no ato de educar. Aclaramos, por-

tanto, a importância da intervenção focada no corpo do professor, bem como a relevância de se considerar a comunicação corporal no processo de ação comu-nicativa do sujeito com o meio que o entorna, nesse caso, a sala de aula. O corpo, quando trabalhado ade-quadamente, pode se mostrar surpreendentemente contribuinte para a ação relacional do sujeito social. Logo, considerar a comunicação corporal como um elemento fundamental para tal acontecimento é re-velar ao sujeito a potencialidade da linguagem não verbal e suas efetivas implicações.

Guiados por essa concepção, percebemos que o professor insere-se, por meio de sua prática docente, na construção do processo pedagógico como um todo. Isso garante a diversidade de olha-res que contribuem para ampliar as possibilidades e a construção de outros novos saberes. Por isso é essencial conhecer o trabalho dos professores, seus saberes cotidianos. Tal postura rompe com o tradicionalismo que sustenta a ideia de que pro-fessores nada mais são do que transmissores de saberes produzidos por outros grupos.

Na perspectiva da comunicação corporal, o ato de movimentar-se toma mais proporções do que as convencionais do nosso cotidiano. Isso sig-nifica ir além do deslocamento, da postura mais confortável, do mover-se por alguma necessida-de. Promovemos a compreensão dos significados do vocabulário corporal para poder ampliá-los e compartilhá-los. Tratando-se, especificamente, da esfera educacional, a linguagem corporal deve ser ensinada e instrumentalizada em prol de mais in-teração entre professor e aluno, o que possibilita novos arranjos nos repertórios educacionais e em suas representações sociais. Preocupam-nos o “texto corporal” e as informações que, constan-temente, estão em trânsito, oferecendo aos olhos mais atentos uma compreensão da realidade que, muitas vezes, opera-se disfarçadamente e encon-tra no medo, no receio, na timidez o abrigo per-feito para continuar recolhida. Conclamamos pelo atentamento dos indícios que o corpo oferece, não apenas os mais visíveis, perceptíveis. Referimo-nos àqueles que são ofuscados pela avalanche de infor-mações que temos na contemporaneidade, sobre-tudo devido a essa massificação tecnológica das informações instantâneas e voláteis.

Somos seres naturalmente comunicativos e, por isso, precisamos estar atentos às informações que emergem não só da fala e da escrita, mas tam-

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bém dos sinais particulares do corpo em si, através de seus pormenores, seus vestígios linguísticos, que denominamos de “léxico corporal”, ou seja, o repertório de informações que emergem do mo-vimento, dos gestos, da expressividade corporal. Desconsiderar tais sinais é, no mínimo, omitir-se das informações que evidenciam, de fato, quem somos. Nesse aspecto, consubstanciamo-nos a Merleau-Ponty (1999), o qual fundamenta que “o uso que um homem fará de seu corpo é transcen-dente em relação a esse corpo enquanto ser sim-plesmente biológico” (p. 257).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidenciamos, no discorrer do estudo, nossa concepção de comunicação por meio do corpo, fun-damentando-a em aspectos que podem ser trans-passados para a prática docente. Tal entendimento se fortifica por se constituir de perspectivas educa-cionais que são inerentes ao processo de ensinar e aprender. Compreendemos que a ação interventiva do professor está diretamente ligada a uma rela-ção pedagógica centrada nas necessidades e nos interesses do processo ensino-aprendizagem. Nes-se contexto, a especificidade do saber docente ul-trapassa a formação acadêmica e abarca a prática cotidiana e a experiência vivida daquele que educa.

Nesse cenário, o corpo se faz extremamente significativo, devido, principalmente, à sua eviden-ciação naquilo que pode ou não estar comprome-tendo o bom andamento comunicativo entre aque-le que educa e aquele que é educado. Partimos em defesa de que, ampliando a capacidade comunica-tiva corporal, é possível aprender as linguagens e, ao mesmo tempo, adquirir a capacidade de modi-ficá-las. Então, possibilitar uma otimização da prá-tica docente por meio da comunicação corporal é, na verdade, maximizar a competência de comuni-cação que se estabelece entre as partes envolvidas.

Concluímos afirmando que “corpo é voz”, uma vez a força comunicativa que o corpo, em sua completude, tem. Isto é, tomando consciência da linguagem abrangente inerente ao corpo, podemos ampliar sua capacidade comunicativa indo além da verbalização. Nossos gestos, nossa postura, nossa presença/exploração espacial, tanto quanto a fala e a escrita, oferecem plenas condições para que nos comuniquemos. Assim, referenciando o aspec-to educacional no qual nos propusemos aprofun-dar, é preciso que o professor tome consciência de seu corpo para explorá-lo melhor e usufruir dele. Para isso, é primordial que ele se veja no ato do-cente de forma completa, enxergando sua intera-ção comunicativa com o outro e, de maneira mais ampla, como o próprio mundo.

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José Maria Tavares de Andrade*

Falas em preto e branco

RESUMO:

O texto trata de problemas de língua popular e erudita, recordando inicial-mente que tivemos no Brasil uma língua nacional, chamada de “língua geral” e de questões etnolinguisticas do Brasil como também do Haiti - segundo o escri-tor Frankétienne. A língua aparece como arma de resistência política e cultural, instrumento de submissão ou de posição subalterna: em 1968 uma entrevistada conta sua versão da libertação dos escravos; outra prefere “falar errado, para ficar em seu lugar”. Philippe Girand enfrenta o grande desafio etnolinguistico das fontes disponíveis para reescrever a História do Haiti apartir do emaranhado de versões étnicas, culturais e políticas, passando pelas línguas crioula, francesa, espanhola e inglesa.

Palavras chaves: língua popular/erudita. Etnolinguística. submissão/resistência.

ABSTRACT:

The text deals with issues of the popular and classical languages. We begin by recalling that Brazil has had a national language called “língua geral” as well as its ethnolinguistic issues, the same as Haiti’s, according to author Franké-tienne. Language is taken as a weapon of political and cultural resistance or as an instrument of submission: in 1968 an interviewee tells her version of the liberation of the slaves and another one prefers to speak wrongly as to take a subordinate position. Philippe Girand faces the big ethnolinguistic challenge of the available sources to rewrite the History of Haiti from the tangle of ethnical, cultural and political versions, through the Creole, French, Spanish and English languages.

Keywords: popular/ classical languages. Ethnolinguistics. submission/resistance

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APRESENTAÇÃO

O artigo trata de problemas de língua popular e erudita. Iniciaremos recordando que tivemos no Brasil uma língua nacional, chamada de língua ge-ral. Em termos de Direitos Humanos e culturais nos perguntamos: quem teve direito à nação e à língua?

Vale à pena comparar a respeito de questões etnolinguisticas situações brasileiras com a do Haiti, por exemplo. Na segunda parte evocaremos a experiência linguística do escritor do Haiti, cha-mado Frankétienne – um mulato na escola de Bran-co. Trata-se também de uma forma de confronto entre minha (auto) história com a história do outro (exo), o Frankétienne, revelando em branco e preto o que de comum e de diferente pode existir em situações comparáveis.

Em seguida aparece a língua falada ou literá-ria, como arma de resistência política e cultural, como também um instrumento de submissão, como no caso de Antônia da Conceição (Tonha). Ela se considerava como sendo meio-mucama e

meio-irmã de criação; e mesmo tendo aprendido a falar corretamente em nossa família ela pretendeu, a um determinado momento, “falar errado” para, humildemente, segundo ela, “assumir seu lugar”. Tonha evitava assim de ser considerada como uma “neguinha enxerida e metida”; ou seja, ela preferia reocupar seu lugar, como se ela fosse ainda escra-va, um século depois da abolição no Brasil.

A complexidade humana do fenômeno da es-cravidão pode ser ilustrada através do testemunho de uma entrevistada que viu de perto a escravidão na cidade de São Lourenço da Mata (PE). A Senho-ra Maria Santana, quase centenária, foi entrevista em maio de 1968, contando sua versão da liberta-ção dos escravos no Brasil.

O historiador Philippe Girand, inconformado com a simplificação das versões historiográficas, sobre a independência do Haiti, enfrenta o grande desafio etnolinguistico das fontes disponíveis, para reescrever este emaranhado de versões étnicas, culturais e políticas, passando pelas línguas: criou-la, francesa, espanhola e inglesa.

De fato tivemos uma língua realmente brasi-leira, se bem que os intérpretes da UNESCO inven-taram, em décadas passadas o termo “brasileiro” para chamar assim o português do Brasil. Na Eu-ropa, usa-se frequentemente essa expressão para designar a língua portuguesa do Brasil, tendo em vista suas diferenças com relação ao português de Portugal. Nestas mini – crônicas etnolinguisti-cas tornam-se indispensáveis algumas referências ao nascimento, vida e declínio ou quase morte da língua geral, ou seja, da língua brasileira. O poeta Manuel Bandeira, dizia, romanticamente: “língua errado do povo, língua certa do povo”, como se a língua não fosse também obra e graça da política e da dominação colonial ou neocolonial.

Esta língua franca foi sistematizada e pratica-da inicialmente pelos missionários da Ordem dos

Jesuítas em São Paulo. Composta por vocábulos e pronúncia da língua dos índios tupinambás - insta-lados nas regiões paulistas da Região do Alto Tietê e São Vicente (SP) -, foi sendo completada por ex-pressões do português e do espanhol.

Três línguas coexistiam de fato na sociedade colonial brasileira: o português, trazido pelo colo-nizador; a língua latina, na qual se fundava todo o ensino secundário e superior dos jesuítas, além de ser a língua da liturgia e das comunicações da Igre-ja em geral; e a língua geral uma espécie de média ou tipo de esperanto, nesta interface do português com a língua tupi – a mais usada pelos indígenas da costa.

Tratava-se de uma exigência de comunicação no trabalho de catequese daqueles missionários a criação de um língua para o Brasil colonial. Siste-

Língua brasileira

“Até o fim do século XVIII, em São Paulo, falava-se a língua geral, o nhangatu, uma

derivação do tupi. Foi uma língua imposta pelos missionários, até hoje ouvida em

alguns locais da Amazônia.” (Eduardo Viveiros de Castro)

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Mulato em escola de branco

“A linguagem estrutura o ser e o pensamento

(Frankétienne)

matizada por padre José de Anchieta, em sua obra “Arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil”, esta língua crioula, correspondia igual-mente a uma exigência indispensável de comuni-cação entre os portugueses e os autóctones - de etnias e línguas tão diversas. Darcy Ribeiro afirmou que existiram mais de mil troncos linguísticos, no grande território que se tornou o Brasil. Enquanto os Jesuítas falavam e escreviam, para a evangeliza-ção, peças dramáticas na língua geral, os bandei-rantes empregavam esta mesma língua para desig-nar espécies nativas de nossa flora e fauna, além de acidentes geográficos e povoações.

Antonio Houaiss lembra - in “O português no Brasil” – que a língua geral “foi ainda a língua pri-meira de muitas crianças, tanto dos filhos dos co-lonizadores, quanto dos indígenas”. Ela chegou a ser língua dominante do vasto território brasileiro, ao lado de sua irmã idiomática, a língua geral pau-lista, sendo a língua comum aos índios, jesuítas e bandeiras, e aos colonos portugueses em geral, a partir do século XVII.

Esta grande aventura da língua nacional bra-sileira, chamada de língua geral durou pouco, pois a política portuguesa visava implantar a língua da

corte, tentando proibir definitivamente o uso de todas as outras línguas. O Marquês de Pombal, o mesmo que expulsou três vezes os Jesuítas do Bra-sil e dos outros territórios ocupados pelo império português, em 1757 implantou uma reforma do ensino em Portugal, como em todas as suas co-lônias, proibindo o uso de outras línguas. A língua geral, sendo a mais utilizada no Brasil meridional chegou a exigir a presença de intérpretes na co-municação entre elite e massa; ou seja, entre as autoridades coloniais e o nascente povo brasileiro.

Lembramos finalmente que uma segunda lín-gua geral indígena continua, entretanto, até hoje a ser utilizada, na região do vale do Rio Negro (AM), por mais de oito mil indivíduos: é a chamada língua geral amazônica, língua brasílica, tupi e tupi mo-derno ou inhangatu.

Constatou-se o declínio da língua geral seja em São Paulo, seja na Amazônia. Em São Paulo ela foi falada por 60 a 70 por cento da população, até os anos 1830, quando morreram os últimos remanes-centes indígenas na pauliceia. O declínio da língua geral amazônica ou nheengatu se acentuou com o fenômeno de imigração de nordestinos, os novos fa-lantes do português brasileiro na Amazônia.

Frankétienne, o grande escritor do Haiti conta em uma recente entrevista (1) um pouco de seu percurso linguístico, literário e político de meio século. Ainda pequeno sua mãe o colocou numa “escola de meninos ricos”, ele que era filho de pai branco. Era um colégio de religiosas e logo de chegada uma freira pergunta a ele: “qual é o seu nome”. Ele sorriu, mas não entendeu nada, pois a pergunta foi feita em francês. Um colega ao seu lado percebendo que ele não podia responder tra-duz então a pergunta na língua em comum – língua crioula. Ele diz que saiu dali humilhado querendo vingar-se daquela língua, na qual ele não podia se comunicar, nem em seu país e em sua escola. En-tre os oito a dez anos ele diz que decorou todo um

dicionário de francês - daí ter se tornado escritor.Em minhas experiências pessoais evoco que

passei por um apuro quase desta natureza. Che-gando à Universidade de Louvaina (Bélgica), em 1970, tive que me apresentar, já no dia seguinte, para um teste de suficiência em francês. Chegada minha vez falei meu nome e a funcionária me disse que eu já havia me apresentando, no dia anterior, dizendo ela dizia ontem - em francês “hier”. Sem entender o que ela disse e o que estava acontecen-do, perguntei ao colega que estava atrás de mim, na fila de inscrições. Ele disse-me que também não sabia o que vinha ser aquela palavra enigmática: “hier”. Voltei para meu quarto preocupado com as consequências, inclusive para a continuidade

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de meus estudos, como bolsista da Universidade. Meses depois, facilmente passei no teste e a vida continuou. Entendi depois que foi certamente meu colega, vindo de Minas Gerais, Paulinho Tavares, que havia se apresentado no dia anterior, surgindo este incidente linguistico.

No caso de Frankétienne, ainda criança, a si-tuação foi mais grave: ele estava em seu país e não conseguia se comunicar em francês, pois ele vivia, até então, isolado no contexto da cultura e língua crioula. Este fato o fez bater de cara com a bar-reira do bilingismo. A situação no Haiti serve-nos, em termos comparativos, para ilustrar bem a di-ferença de situação etnolinguística no Brasil, com a hegemonia absoluta do português e, sobretudo no Nordeste, onde não encontrávamos ainda nem imigrantes, nem turistas, de línguas estrangeiras.

Situação de isolamento, inclusive linguistico, onde não temos visinhos e não escutamos outras línguas, sobretudo na época. Já era homem feito quando escutei em Recife, de viva foz, uma confe-

rência feita em francês. Com a chegada dos seria-dos de cinema norte-americano - a exemplo d’O Rei Artur - podemos escutar alguém falando inglês. Sob uma aparência de língua única percebíamos, desde criança, que havia uma diferença conside-rável de linguagem falada entre a elite e a massa. Com os meios de comunicação de massa – a partir do programa radiofônico, diário: Hora do Brasil - o fenômeno tende, paulatinamente a diminuir, inclu-sive quanto às variações regionais da linguagem.

Esta situação vivida no Brasil, como um fenô-meno tão visível de diferenciação social continua sendo muito raramente estudado. Mesmo sem existir um bilinguismo entre elite e massa pelo menos existe uma “diglossia”. Até mesmo o ter-mo “diglossia” encontra-se dificilmente em nos-sos dicionários, em sua denotação propriamente linguística, referindo-se apenas à denotação bá-sica sentido de bífido ou bifendido. Constatamos uma linguagem dos escolarizados e uma lingua-gem popular, oral.

Língua de resistência ou submissão

“O escravo era obrigado a falar uma língua codificada diante

do senhor todo-poderoso” (Frankétienne)

Outro aspecto que calha bem com a situação de bilinguismo é a necessidade de resistência, pela clandestinidade, de uma linguagem codificada pe-los escravos, diante dos senhores, no Haiti, como explica Frankétienne. A língua crioula parecia ao autor, ainda bem jovem: “como uma língua barro-ca, uma língua do dizer e do não-dizer, herança do tempo em que o escravo era obrigado a falar uma língua codificada diante do todo-poderoso senhor. O francês me parecia um espaço de fala transpa-rente [...] Comecei a viver o caos da minha terra, da cultura e do povo comparando o funcionamento das duas línguas limítrofes”.

Vejamos um exemplo da diglossia no Nordes-te brasileiro. Quando fui estudar na Bélgica levei comigo muitas gravações de músicas tradicionais nordestinas - que inclusive mostrei a Geraldo Van-dré e a Marcelo Santos, do Quinteto Violado. Mas, quando mostrei, por exemplo, as cantorias, impro-

visos de violeiros, aos colegas brasileiros vindo do Sul maravilha, eles afirmam que não entendiam direito; um chegou a perguntar de que país eram aqueles cantares.

Mais um elemento de comparação: enquanto a língua crioula no Haiti garantia a comunicação e a continuidade da cultura popular, no Brasil man-tinha-se uma distância entre fala popular e portu-guês padrão.

Tive uma irmã de criação, chamada Tonha, Negra e analfabeta que chegou para morar com os meus pais, no final dos anos trinta, antes d’eu nascer e ficou conosco até morrer. Meio filha adotiva e meio mucama, descente dos “malun-guinhos”, escravos de meus bisavôs, ela falava normalmente com todos da grande família. Por morte de meu pai a família foi morar em Reci-fe e então Tonha passou a perceber de maneira mais acentuada a diferença de língua falada entre:

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pobres e ricos; brancos e não brancos; escolari-zados e analfabetos; citadinos ou matutos. Pois bem, Tonha um triste dia tomou então a decisão linguista, dizia ela de: “procurar meu lugar”, pas-sando a falar a língua popular, dos analfabetos e matutos, por exemplo, sem as concordâncias no plural ou sem os “esses e os erres”. Este fenôme-no ocorria, sobretudo quando chegava alguém de fora em nossa nova casa em Recife. Fomos unâni-

mes em reagir ao fenômeno perguntando por que esta mudança. Ela explica claramente: “se eu não procurar meu lugar esse povo vai dizer: que negri-nha mais atrevida e metida, querer falar que nem gente”. Anos depois ela estava interna num Hospi-tal de luxo, e pediu a minha irmã que estava com ela: “Zui, fecha esta porta; esse povo passando ai me ver aqui dentada vai dizer: o que essa nega tá fazendo ai?”

No Brasil, no Haiti, como em outras socieda-des escravagistas a situação de vida dos escravos não era padronizada como se podia imaginar. Em 07.05.1968 fui com meu colega José Adaison en-trevistar uma testemunha da escravidão, na cida-de de São Lourenço da Mata (PE). No texto: “D. Santana lembra a alegria da abolição” (2), citado acima, escrevíamos que depois de uma enxurrada espontânea de lembranças dos tempos da escra-vidão, conseguimos canalizar a entrevista. Depois de desabafar intempestivamente as marcas dos sofrimentos e suplícios dos escravos, ela responde sobre: sua história pessoal; a convivência com seus irmãos, que eram escravos; a figura dos senhores de escravos; os divertimentos dos escravos; e final-mente a grande festa da abolição.

O que mais nos chamou a atenção nesta en-trevista foi a constatação de uma grande variedade de situações vivenciadas pelos Negros, escravos ou não. A entrevistada, de quase cem anos, era bem jovem quando assistiu a festa da abolição, ali mes-mo, próximo da igreja Matriz da cidade, onde sem-pre morou.

A Sra. Maria Madalena de Santana nasceu logo depois da lei do “ventre livre”; seu irmão, en-tretanto nasceu escravo, justamente um dia antes da promulgação da lei, em1871 (3). Como diz a frase da epígrafe os escravos, filhos dos senhores de engenho tinham às vezes uma situação privile-

giada. Foi o caso da ‘Filha de Maria’ que de fato era filha de Neco Paes Barreto. Outros, mesmo sen-do filhos de Senhor de Engenho, eram vendidos: “Elem vendiam a outro senhor de Engenho, quando num gostavam.”

Outro escravo, diz ela, inventou de casar: mas, “foi uma confusão medonha quando ele ca-sou”. Logo depois do casamento - que na época era só religioso - a noiva ficou sabendo que o noivo era escravo, e não quis ir morar com ele. Entende-se neste caso que não havia diferenças visíveis de modo que o escravo passou facilmente por homem livre diante da noiva, da Igreja e dos outros.

Quanto aos senhores de engenho nos pergun-tamos:

- A senhora conheceu alguns deles. - Eu via eles aqui: o [do engenho] Muribara,

do engenho Constantino; de Matriz da Luz; do en-genho Cova; o de Camaragibe, de Moxotó, Penedo de Baixo e Penedo de Cima.

- A senhora tinha medo deles?- Eu tinha, pra eles não me pegar. Uma vez um

[senhor de engenho] mandou amarrar um escravo num rabo de um cavalo, um soldado (a)montando o cavalo daqui até Muribeca.

- Ele morreu?- Isfolou todo [esfolou todo o corpo]. Ele fugiu

para essa beira de rio e foi parar em Camaragibe. Ele era preto. Anastácio. Os que obedeciam demais

Brasil ou Haiti, complexidade da escravidão

Uns eram mais brancos outros mais pretos, pois muitos eram filhos do senhor.

Tinha uma ‘Filha de Maria’ que era atéSecretária da Irmandade, que sabia ler.

Maria Madalena de Santana in “Jornal

do Commércio”, Recife, 1968.

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aos donos tinham liberdade, mas os outros dor-miam no chão... Sabe o que o estrado?

- Sei.- Comiam bacalhau puro, cru, sem lavar. Tira-

vam o couro e comia salgado assim; quando aca-bava bebia água; era o café deles.

O escravo Antônio que foi alforriado pelo chefe da estação de trem, Antônio Betâneo, que havia chegado a pouco em São Lourenço. Depois dele frequentar escola e de trabalhar algum tempo em casa do então patrão tornou-se independente, definitivamente.

- Como era a brincadeira dos Negros?- Num sei não. Só sei que eram criados jun-

tos e [se] queriam bem. Agora aqueles que não gostavam num sai pra canto nenhum. Eu dancei a “capemba” [?]. Agora eu não sei [mais] a músi-ca. Fazia [-se] um arco [círculo], assim pulando ali

dentro, cantando a capemba. Eles fugiam, queriam ganhar o mundo; os que fugiam pro mato [para] se esconder tinha[m] apanhado muito. Viviam assom-brados. Fugiam pro mato e ele botava gente atrás para pegar. Às vezes eles estavam cochilando, sem querem dormir, ali se virava[m]...um sono... e quando viam eram pegados. Agora ai ia apanhar até ficar mole.

- A senhora lembra quando houve a libertação dos escravos?

- Ah! Foi a festa, foi: tudo cantando, bandei-ra, tudo cantando treze de maio, e foguete muito, bomba, tudo. Foi a Princesa Isabel. Depois num quer saber de nenhum senhor. Sai tudo, ficava tudo ventre livre. Saia da casa do senhor e ganhava a rua pra ir brincar, ter liberdade. Foi a rua toda: viva a Princesa Isabel que acabou a escravidão! Foi uma festa linda!

Versões de etnias, classes e nações

“Toussaint Louverture, não obstantesua pele Negra é também um Branco.”

Philippe Girand

O historiador Philippe Girand (4) inconfor-mado com a simplificação das versões historio-gráficas, sobre a independência do Haiti enfrenta o grande desafio etnolinguistico das fontes dis-poníveis, tendo percorrido vinte e sete centros de arquivos e bibliotecas, dispersas na França, Reino Unido, EEUU e nas Antilhas.

As versões de etnias, classes e nações se em-baralham nas fontes históricas quanto à luta pela independência da primeira república Negra (Haiti - Santo Domingo). As versões racistas, es-cravagistas do século XIX e contadas do ponto de vista do Império de Napoleão, em retirada da ilha, destacam o massacre de soldados brancos - dos 43.800 soldados voltaram vivos apenas 7.000, em1803. Houve também na mesma guerra o mas-

sacre de 100.000 haitianos, da mais rica região das Antilhas, que até hoje continua sendo o país mais pobre das Américas.

O autor se fez etnolinguista tendo inclusive ela-borado um precioso “glossário franco-kleyol”, tendo que ler em fontes em várias línguas: francês, inglês, espanhol e a língua crioula local. Do comentário da obra, que foi feito por Antoine de Baecque traduzo, a título de conclusão, sua frase final: “a lógica que reunia em mesmo partido, as coerentes: Brancos, ricos, colonos, Franceses; contra Negros, pobres, colonizados, haitianos não resiste à verdade dos fa-tos, da cultura, das línguas e das transcrições nos arquivos”. Como disse justamente Philippe Girand, o grande líder Toussaint Louverture, não obstante sua pele Negra é também um Branco.

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Notas

(1) “Des mots salés, des mots sucré, des aigre-doux », in « Libe-

ration », 06.06.2013, entrevista de Émile Rabaté.

(2) D. Santana lembra a alegria da abolição, in “Jornal do

Commércio”, Recife, 12.05.1968.

(3) Lei de 28.09.1871: Art. 1.º - Os filhos de mulher escrava que

nascerem no Império desde a data desta lei serão considerados

de condição livre.

(4) Philippe R. Girand nasceu em Guadalupe, estudou na França

e ensina nos EEUU. Sua obra “Esses escravos que venceram Na-

poleão. Toussaint Louverture e a guerra de independência hai-

tiana” - “Ces esclaves qui ont vaincu Napoléon. Toussaint Lou-

verture et la guerre d’indépendance haïtienne », Le Perséides,

Paris, 2013. Ver também o comentário de Antoine de Baecque,

in “Le Monde”, 07.06.2013: “Haïti à toutes ses souces”- nasci-

mento da primeira república Negra forra, contada segundo os

pontos de vistas contraditórios de seus protagonistas.

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96Marlene Helena de Oliveira França*

CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA: A inserção da mulher no mundo do crime

RESUMO:

A discussão apresentada neste artigo é parte integrante da Tese de Doutorado inti-tulada: Violência, tráfico e maternidade: Um estudo sobre as mulheres encarceradas. O trabalho versa sobre a questão da criminalidade feminina bem como o crescimento da população carcerária enquanto fenômeno recente. As pesquisas mostram que o estudo acerca da criminalidade praticada por mulheres é mais difícil do que o de homens, não somente porque elas cometem menos crimes, mas pelo fato de que o número reduzido, implica em maiores dificuldades para pesquisar. A investigação pautou-se no método da história de vida das mulheres presas no Júlia Maranhão na cidade de João Pessoa. Os resultados apontaram para a prevalência de relatos de violência, vivenciada pelas mulheres em distintas fases de sua vida. A modalidade da violência física e sexual foi a mais relatada. Alguns relatos dão conta da violência dentro do estabelecimento prisional cometido em grande parte por agentes prisionais. Os dados da pesquisa retratam que a violência sofrida, vivenciada e praticada nas suas mais distintas formas, permeou o histórico de vida dessas mulheres.

Palavras-chave: Criminalidade. Violência. Mulher encarcerada. Prisão.

ABSTRACT:

The discussion presented in this article is part of the doctoral thesis entitled: Violence, trafficking and motherhood: A study on women in jail. The work focuses on the question of female crime as well as the growth of the prison population as a recent phenomenon. Research shows that the study about the crime committed by women is more difficult than that of men, not only because they commit less crimes, but by the fact that the small number, implies greater difficulties for search. The investigation was in the method of the life story of female prisoners in Julia Maranhão in the city of João Pessoa. The results pointed to the prevalence of reports of violence experienced by women in different phases of his life. The mode of physical and sexual violence was the most reported. Some accounts tell of violence within the prison committed largely by prison officers. The research data show that the violence suffered, experienced and practiced in their different ways, permeated the history of life of these women.

Keywords: Crime. Violence. Woman incarcerated. Prison.

(*) Profa. Doutora do Departamento de Mídias Integradas na Educação CE/UFPB - Campus de João Pessoa

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INTRODUÇÃO

No Brasil, a questão da criminalidade femini-na ainda não foi suficientemente explorada. Uma das razões, de acordo com Perruci (apud FRINHA-NI, 2003), é pelo fato de os autores que vem se dedicando a essa temática não diferenciarem a criminalidade feminina da masculina. Tal postura é amparada pela percepção de que a participação feminina, se comparada à masculina, é pratica-mente invisível na criminalidade geral, uma vez que representa, aproximadamente, apenas 6% do total de presos. Logo, a impressão que se tem é de que esses teóricos não têm porque se espantar com números tão insignificantes do ponto de vista criminal.

No entanto, a taxa de encarceramento femini-no cresceu 135,37% entre 2000 e 2006, número muito superior ao crescimento do encarceramen-to masculino, que no mesmo período sofreu um incremento de 53,36% (BRASIL, 2009). O cresci-mento da população feminina é um fenômeno re-cente e aponta para a necessidade de estudos que considerem a perspectiva de gênero no ambiente prisional, garantindo que não haja a invisibilidade das necessidades e direitos das mulheres presas.

Não há dúvidas de que, nas últimas décadas, a relação da mulher com a criminalidade tem sido tratada de uma forma mais abrangente, resultando na divulgação de estudos, documentários, reporta-gens sobre a “mulher criminosa”. No entanto, tais avanços ainda não conseguiram revelar a dimen-são deste fenômeno, dado sua peculiaridade. Nas palavras de (PERRUCI, 1983), talvez isso possa ser explicado pela própria insignificância numérica da criminalidade feminina, cuja por ser considerada ainda como “parte” da criminologia geral, não re-presenta um estudo especifico dentro da ciência criminológica.

Ainda são incipientes os estudos sobre este fenômeno, mas alguns dados apontam para a pre-sença de uma maior participação da mulher na criminalidade. Elas assumem o comando de orga-nizações criminosas após a prisão ou assassinato de seus parceiros, dando assim continuidade aos crimes cometidos e iniciados por eles, assumindo então, uma nova identidade social: “dona ou geren-te da boca de fumo”.

Sendo assim, a partir de uma literatura de certa forma escassa, no espaço acadêmico, pre-

tendemos abordar a criminalidade e a violência numa perspectiva feminina e todas as imbricações que estes fenômenos carregam.

APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ACERCA DA CRIMINALIDADE E DA VIOLÊNCIA

Segundo Giddens (2002), o estudo sobre cri-me e desvio é uma das áreas não apenas mais in-trigante da sociologia, mas também, complexa e, por essa razão demanda uma reflexão mais cuida-dosa. Estes estudos nos mostram que nenhum de nós é tão normal quanto gostaríamos de ser; tam-bém nos ajudam a constatar que as pessoas, cujo comportamento possa parecer incompreensível ou estranho, podem ser vistas como seres racionais, a partir do momento em que compreendemos os motivos que as levam a agirem do modo como agi-ram, isto é, de uma forma inadequada do ponto de vista social.

Nessa direção, as diferentes abordagens teó-ricas evidenciam que o crime, mesmo considerado como uma subcategoria do comportamento des-viante envolve várias tipologias e formas variadas que seria simplesmente, impossível restringi-lo a um único conceito ou até mesmo a uma única te-oria capaz de explicar todos os tipos de comporta-mento criminoso. Por isso, no nosso entendimento, se se levar em conta as múltiplas motivações que podem gerar a prática criminosa, dentre as quais destacamos: crises estruturais, conjuntura social desfavorável, interação com pessoas com conduta criminosa, interação entre desviantes e não-des-viantes, isto é, todos os aspectos desenvolvidos e destacados pelas teorias sociológicas, sobre crime e desvio podem conduzir juntos ou não à entrada no mundo da criminalidade.

Nesse caso, haveria o que Musumeci (2002), denomina de retroalimentação recíproca, como ocorre, por exemplo, com a violência contra a mu-lher, que nasce dentro dos lares, em alguns casos, ainda na infância, e a acompanha durante toda a sua trajetória de vida, até refletir no filho que, car-regando o histórico de violência, acaba por repro-duzi-la através de uma conduta criminosa, que na maioria das vezes, passa pelo caminho das dro-gas, dos roubos, do narcotráfico, enfim, do crime organizado.

Para além do que se possa supor, o fato é que a violência e o crime são comportamentos sociais

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inerentes à natureza humana. Cada sociedade, com suas regras de conduta e seu corpo de leis, determina o seu nível de tolerância em relação à violência. Desta forma, o limite imposto à violência não ocorre somente numa perspectiva legal, mas, sobretudo social. Como numa espécie de contrato social moderno, que permita um nível mínimo de bom senso e de convivência pacífica.

Somos em última análise, obrigados a con-cordar com Cerqueira e Lobão (2002), de que com base nas diversas teorias descritas fica claro a complexidade do tema e a dificuldade de classifi-car os diversos fatores que determinariam ou expli-cariam a criminalidade. Simplesmente pelo fato de não existir “a criminalidade”, mas diversas “crimi-nalidades”, que se distingue por algumas variáveis que, juntas, constituem um tipo de dinâmica crimi-nal que, por sua vez, se associaria a algumas vari-áveis determinando outro tipo de conduta criminal e assim por diante, como num círculo vicioso, mas muito perigoso.

Definir a violência não nos parece uma tare-fa fácil, mas mesmo assim, com base na leitura de diferentes autores, tentaremos atingir tal em-preitada. Em princípio, o conceito de violência(s) tem sido utilizado para falar de muitas práticas, costumes, condutas e disciplinas, de tal modo que todo comportamento social poderia ser visto como violento inclusive aquele baseado nas práticas educativas, uma vez que é carregado de normas, dispositivos legais, diretrizes, entre outros, seme-lhante à noção de violência simbólica proposta por Bourdieu (2001), a qual se manifesta, sutilmente, evitando-se demonstrar ou perceber qualquer co-notação violenta, inclusive pela vítima, pois se in-sere em tramas de relações de poder naturalizadas histórico, social e culturalmente.

Ainda que consideremos as dificuldades em definir precisamente a violência, embora não seja difícil encontrar a formulação de conceitos, apro-priados a cada sociedade e ao tempo histórico; a li-teratura, aqui apresentada, aponta uma tendência no sentido de conceituar a violência de forma mais abrangente do que relacioná-la com atos que impu-tam danos físicos a pessoas ou grupos de pessoas. Chauí (1999, p. 3-5), por exemplo, define violência como:

(...) 1) tudo o que age usando a força para ir contra a na-

tureza de alguém (é desnaturar); 2) todo ato de força con-

tra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém

(é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de

transgressão contra o que alguém ou uma sociedade de-

fine como justo e como direito. Consequentemente, vio-

lência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou

psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubje-

tivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo

medo e o terror (...).

Partindo desse entendimento, a impressão que temos é de que a concepção de violência é, originalmente, imprecisa. Não existe um único conceito do que seja violência, mas multiplicidade de ações violentas, cujos significados e consequ-ências devem ser analisados a partir de normas e condutas sociais, das condições e dos contextos sociais, variando de um período histórico a outro, de uma sociedade para outra, de um segmento social para outro.

Ao tomar por base o cenário brasileiro dos grandes centros urbanos, que potencializa ainda mais as violências, Peralva (2000) levanta algumas hipóteses que podem explicar tanto a cidadania parcial quanto a violência, são elas: 1) o acesso a armas em áreas pobres1 2) a juvenilização da cri-minalidade; 3) a reação violenta da polícia contra jovens das periferias; 4) o fortalecimento do narco-tráfico em diversos centros urbanos; e 5) a cultu-ra individualista e consumista. O aparecimento de cada um desses elementos seria então, o resultado de expectativas não satisfeitas, o que em tese, ali-mentaria a violência e estimularia, cada vez mais, o cometimento de atos violentos de todos os tipos por jovens das áreas periféricas.

A leitura de Vieira (2001) remete a ideia de que, o modo como as desigualdades e impunida-des em relação às violações de direitos e o arbí-trio no uso das leis são canalizados, é que geram o descontentamento, resultando no exercício da violência, de uma maneira muito mais visível do que as desigualdades sociais, propriamente ditas. Isto é, no momento em que os sujeitos se sentem desrespeitados perante a lei, mas não só isso: no momento em que não tem suas necessidades aten-

1. - Alguns estudos realizados por Peralva 2000; Zaluar 1999; Castro et al 2001; Abramovay et al 1999 e UNESCO 2001 atestam que um número cada vez maior de jovens tem tido acesso a armas.

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didas, tendem a adotar condutas inadequadas em relação a outros indivíduos, colocando em risco as regras de convívio social.

Embora os dados estatísticos revelem que os homens se envolvem mais com a criminalidade do que as mulheres, Ceccheto (2004) defende que o exercício da violência não é um elemento estrita e diretamente relacionado à figura masculina, isto é, não existem mais genes violentos presentes na estrutura biológica masculina do que na feminina. Para ele, o emprego da violência como mecanismo de auto-afirmação da masculinidade pode ser ex-plicado por meio da ideologia compartilhada por determinado segmento populacional, em um dado contexto histórico. Nestas circunstâncias, o empre-go de ações violentas é concebido por esses grupos como uma recompensa, expressa nos resultados físicos e financeiros.

Na perspectiva jurídica, há uma tendência de associar violência à criminalidade. Nesse caso, po-de-se então conceituar ambas as categorias como sendo o ato violento praticado por um indivíduo ou por um grupo. Aqui, a relação entre o agressor e a vítima ganha legitimidade, obrigando o direito penal a assumir um importante papel: mediador universal desse tipo de conflito.

No discurso político, o Estado detém o mo-nopólio exclusivo e legítimo da violência. Com isso, administra a dosagem da pena, controla a agres-sividade dos sujeitos sob sua tutela (os apenados e apenadas do sistema penitenciário) e promove a harmonia nas relações intersubjetivas. Seguindo esse fundamento, cabe ao Estado, assumir funções que vá além da necessidade de administrar à pu-nição, isto é, espera-se desse agente político que ele seja capaz de ao mesmo tempo minimizar o impacto da violência, criar condições de reintegra-ção social por meio da criação de políticas públicas (ADORNO, 1998). Ao que nos parece, esse modelo poderia ser considerado como ideal se o mesmo correspondesse ao que ocorre de fato na realidade, sobretudo, na realidade das prisões brasileiras2.

Além dos discursos, jurídico e político, há o discurso conservador. De acordo com os seus adeptos, a violência é uma consequência do ex-cesso de liberdade e da tolerância de costumes e

hábitos opostos aos valores religiosos e familiares tradicionais. Segundo esse princípio, na medida em que uma sociedade democrática aceita como fato normal e cotidiano, a prostituição, a homos-sexualidade, a igualdade de gênero e étnica, acaba somente contribuindo para legitimar ainda mais, a crise dos valores tradicionais.

Na tentativa de encontrar um conceito sobre a violência mais apropriado à nossa investigação também recorremos a Minayo (2003, p. 56) que afirma: “A violência não é uma, é múltipla”. Isto é, ela se apresenta com várias “faces”, levando em conta, sobretudo, que o comportamento violento se mostra de formas diferentes, tais como: a vio-lência do Estado, a criminalidade, a discriminação étnico-racial, a violência contra grupos vulneráveis (mulheres, idosos, crianças e adolescentes) etc. Va-riados também são os contextos e maneiras como essa violência se expressa: “seja em nível interpes-soal, familiar ou institucional, seja nos pequenos grupos, nas grandes metrópoles ou entre nações”.

A nosso ver, a imprecisão em torno do con-ceito além de tornar a problemática da violência ainda mais complexa, nos leva a acreditar que uma contribuição mais substancial ainda está por ser feita.

Por outro lado, se consolida a ideia de que hoje o crime não se restringe apenas ao mero en-frentamento simbólico entre o infrator e a lei nem tampouco a noção de que o delito interessa so-mente aos órgãos jurídico-penais. Pelo contrário, a discussão sobre a criminalidade vem ocupando diferentes cenários, inclusive os considerados de menor prestígio social, a exemplo das comunida-des periféricas, talvez pelo fato das pessoas que lá residem serem as mais afetadas com o aumen-to nos índices de violência. É aí que encontra-se a principal vantagem: o debate sobre a violência sai do âmbito policial e também ganha visibilidade no cenário público (MINAYO, 2003).

A partir deste breve panorama teórico, é pos-sível perceber o quão complexo é tratar o tema da criminalidade; porém, mais intrigante ainda é com-preender a variação entre os índices de criminali-dade feminina e masculina. Discussão que passa-remos a nos ocupar a partir de agora.

2. - Na visão de Paoli (1982), o mundo jurídico-repressivo, ainda que legal, é arbitrário e selvagem contra aqueles que o infringe. Ao se tornar um criminoso, o sujeito inicia um longo drama em busca de uma afirmação aguardada pelo poder: a expiação pela culpa. São poucos os indivíduos condenados que entenderam no ato de seu julgamento, as regras do jogo, só tomando parte quando já estavam na prisão e, embalados por um único objetivo: “negociar” o tempo de encarceramento (p.51-52).

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A INSERÇÃO DA MULHER NA CRIMINALIDADE: UM CAMINHO SEM VOLTA?

Para Giddens (2002), semelhante o que ocor-re com outras áreas da sociologia, os estudos so-bre criminalidade têm historicamente ignorado as mulheres. Daí a crítica das intelectuais feministas, que acusa essa área do conhecimento de discipli-na “masculina”, pois segundo elas, além de ter o domínio dos homens relegam as mulheres a uma total invisibilidade, tanto no que se refere às abor-dagens teóricas quanto em estudos empíricos.

O estudo da criminalidade feminina consti-tui um campo ainda pouco explorado, mas com preciosidades a serem reveladas e perguntas a se-rem respondidas: por que as mulheres delinquem menos? Será que o sistema de justiça possui uma postura conservadora, que enfatiza a criminalida-de masculina e deixa em segundo plano os delitos cometidos por mulheres, em decorrência da sua imagem socialmente construída, trazendo aspec-tos de docilidade, maternidade e fragilidade?

Como vemos, são muitas as perguntas e maior ainda é o caminho a percorrer a fim de res-pondê-las. É, pois, neste contexto que alguns pes-quisadores têm se dedicado ao estudo do crime cometido por mulheres. Os olhares e as formas de abordar a temática são múltiplos e vão de acordo com a formação teórica de cada um deles, mas, uma coisa é comum a todos: buscar nas pesqui-sas, quantitativas ou qualitativas, respostas para entender a prática criminosa feminina.

Apesar de, durante séculos, terem sido consi-deradas como seres de segunda classe, as mulhe-res alcançaram inúmeras conquistas e promove-ram importantes mudanças sociais. Apontadas por muitos estudiosos como sendo menos inteligentes do que os homens, e, portanto, menos perigosas, algumas delas, embaladas, talvez, pelo sentimento do desprezo, de inferioridade, desejaram ser vis-tas, ouvidas e reconhecidas, e para tanto, tiveram que romper com normas e valores estabelecidos, adentrando no mundo da criminalidade. Como consequência, assumiram outro papel: o de prisio-neiras de um sistema jurídico-penal.

Com relação à história da mulher criminosa, só iremos presenciar os primeiros sinais por vol-ta do século XI, momento em que se constata a desobediência da mulher à lei. Evidentemente que a mulher já havia delinquido antes, no entanto, é

somente neste período, que a delinquência femi-nina assume características específicas até então inexistentes nas sociedades da época. Para Buglio-ne (2011, p. 32),

[...] é como se a lei ao preservar e prescrever determi-

nadas condutas como certas ou erradas o faça sepa-

rando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente

femininas, mas é uma separação realizada através de

um olhar masculino.

Numa tentativa de explicar este processo, al-guns estudos foram realizados sobre a mulher e sua relação com a violência, com o crime e com o poder punitivo. Um desses trabalhos é o de Rachel Sohiet (1989) em Condições femininas e formas de violência. Nele, a autora apresenta as concepções históricas a respeito da “natureza” da mulher.

Para embasar seu estudo, a autora se apro-pria em primeira instância das teorias de Lom-broso e Ferrero, conceituados representantes da corrente evolucionista e com grande influência nos meios jurídicos e policiais no fim do século XIX. Esses teóricos se empenharam em provar a inferio-ridade feminina, apontando inúmeras deficiências e infantilizando a mulher. Para eles, a natureza co-manda a mulher, que é biológica e intelectualmen-te inferior ao homem.

Com base nas características das mulheres que consideravam “normais”, os autores busca-ram analisar àquelas consideradas desviantes, compostas por prostitutas e criminosas, separa-das em três modalidades: as criminosas natas, que constituíam um tipo mais perverso, em razão da grande quantidade de caracteres degenerativos (evoluíram menos do que os homens). Apesar dos “defeitos genéticos” era a que mais se aproximava das características masculinas, isto é, demonstra-vam um comportamento mais violento do que mui-tos homens; as criminosas por ocasião, portado-ras de características femininas, porém, de forma dissimulada, demonstrava tendência delituosa em graus variados; e por fim, as criminosas por paixão que agem conforme a intensidade de suas paixões.

Lombroso e Ferrero não levavam em conta as questões culturais que perpassavam a vida das mulheres, defendiam apenas que a mulher era me-nos tendenciosa ao cometimento de crimes, pelo fato de evoluírem (biologicamente) menos que os homens. Do ponto de vista orgânico, assumiam

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uma posição de passividade e conservadorismo, notadamente, pela posição imóvel do óvulo compa-rada ao espermatozóide (excesso de mobilidade).

Outros teóricos, como Lemos de Britto e Nel-son Hungria também formularam hipóteses so-bre as possíveis especificidades da criminalidade feminina. Com ideias próximas as de Lombroso, vinculavam a mulher às suas características bioló-gicas. Tais concepções acabavam por dificultar a realização de estudos que remetessem à questão de gênero, já que o discurso jurídico se apropriava de algumas referências ditas científicas e, a maior parte delas era baseada nas diferenças de nature-za anatômica e biológica. Nesse caso, os estudos revelam que na análise entre mulher e criminalida-de, tende-se a considerar muito mais a natureza do que os aspectos culturais.

Assim, a mulher ficava mais suscetível à prá-tica criminosa quando influenciada por elementos biológicos, tais como a puberdade, a menstruação, a menopausa, o parto, uma vez que, no período desses acontecimentos, ela se mostrava mais irri-tada, instável, agressiva e psicologicamente abala-da. (LOMBROSO, apud SOHIET, 1989).

Desde o final do século XIX até os dias atuais, os poucos trabalhos existentes sobre a criminalida-de feminina têm sido encarados sobre diferentes abordagens teóricas, “apesar da presença femini-na nos estudos positivistas, a tendência a tomar a mulher criminosa como objeto de estudo tem sido escassa, evitada em alguns casos e não raro, igno-rada” (ESPINOZA, 2004, p. 58).

Reconhecer o cometimento de um delito por uma mulher como sendo uma falha de sua con-dição/estrutura biológica (genética) e, como se não bastasse, considerar que sua conduta criminal representa menor impacto, logo, menos prejuízo para a sociedade do que a do homem, induzem a uma responsabilidade penal marcadamente discri-minatória.

De acordo com Soares; Ilgenfritz (2002), foi somente com Durkheim que à reflexão sobre a criminalidade feminina passou a ser feita à luz de uma abordagem sociológica. As práticas criminais das mulheres começaram a ser vistas a partir da importância dos diferentes papéis que ela começa a ocupar na sociedade. Foi então que se começou a entender com mais clareza porque os delitos cometidos pela mulher eram de difícil descober-ta, não só pelo tipo de infração, mas também pelo

perfil de suas vítimas: crianças e velhos. Para as autoras, esses estudos provaram que

os crimes cometidos pelas mulheres se restrin-giam aos espaços privados, isto é doméstico. De fato, se considerarmos que, durante muito tempo, era reservado à mulher apenas o espaço do lar, já que era a responsável direta pelas tarefas de casa, educação e cuidado das crianças, não é de se sur-preender que a maior parte de seus crimes tenha ocorrido nesse contexto. Sem mencionar que a restrição da mulher ao espaço privado, dava a ela maiores possibilidade de ocultar tais crimes. As-sim, em não descobrindo a verdadeira autoria, elas jamais poderiam ser punidas.

De acordo com o pensamento de Julita Lem-gruber (1999), a relação entre mulher e crime en-volve vários aspectos, entre eles: diferenças biológi-cas e sócio-culturais, em que as conquistas sociais das mulheres, creditado, sobretudo, ao movimento feminista e, provocando a gradativa mudança de papéis, leva a supor segundo a autora que “à me-dida que as disparidades sócio-econômicas entre sexos diminuem, há um aumento recíproco da cri-minalidade feminina” (LEMGRUBER, 1999, p. 6).

Por outro lado, com o aumento da precariza-ção das condições sociais de sobrevivência para amplas parcelas sociais, independentemente de gêneros e papéis, há uma tendência no agravamen-to tanto da questão penitenciária como também da mulher presa.

O aumento das estatísticas no número de mu-lheres presas é um reflexo não apenas do aumen-to real dos delitos cometidos por ambos os sexos, mas também uma elevação dos níveis de reprova-ção do Sistema de Justiça Criminal em relação às mulheres delinquentes, que outras conjunturas so-ciais eram submetidas a um julgamento diferente, isto é, os magistrados costumavam ser mais tole-rantes nas suas decisões/sentenças, se baseando até mesmo no imaginário que envolvia os papéis de gênero (SOARES; ILGENFRITZ, 2002).

Com base nesse entendimento e no cenário que ora se apresentam, cabe-nos a seguinte in-dagação: foi a criminalidade feminina que de fato sofreu alteração ou a mudança está na visão que o poder punitivo tem hoje sobre as mulheres cri-minosas?

Ao trabalhar com a historicidade das prisões, Lemgruber (2002, p.72) esclarece que: “Na Anti-guidade e na Idade Média, o reconhecimento do

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gênero como categoria, na comunidade acadêmica ascende pela via do movimento de mulheres”, con-dição que leva a investigá-lo como construção his-tórico-social. Na atualidade, há uma infinidade de conceitos acerca desta categoria, sendo necessário por parte daqueles que o estudam, contextualizá-lo. Para Scott (1995) “gênero” é definido como uma categoria de análise histórica, pois identifica as experiências históricas masculinas e femininas e a relação entre estas e as vivências atuais.

Ao nos debruçarmos mais atentamente sobre as peculiaridades dos espaços prisionais, notada-mente, se o foco do nosso olhar for às mulheres que cumprem pena privativa de liberdade, iremos observar que as dificuldades são bem mais assus-tadoras do que podemos imaginar. O cárcere femi-nino exprime e revela as desigualdades de gênero presente nos diferentes espaços sociais, mas que ganha maior proporção, se considerarmos as desi-gualdades sociais, econômicas e étnico-raciais.

As mulheres, mesmo representando uma par-cela pequena em relação à população carcerária masculina, são tratadas com certa indiferença, para não dizer com inferioridade, uma vez que, no ambiente penitenciário, elas não usufruem equita-tivamente do atendimento que é dispensado aos homens, que, por sua vez, já é muito precário. A impressão que se tem é de que, no cárcere femini-no, o processo de ressocialização parece ser ainda mais complexo.

Nas incursões pelo presídio, em conversas particulares, nos corredores ou através de bilhe-tes, enfim, de várias maneiras ouvia histórias de mulheres que relatavam histórias de violência e humilhações anteriores ao evento de suas prisões, nas quais não tiveram voz ou não foram ouvidas ou levadas em conta enquanto pessoas.

A situação inerente e, exclusivamente rela-cionada ao feminino, traduzida no contato com a violência de forma precoce e a sua perpetuação até a fase adulta, a inserção na criminalidade e a experimentação dos diferentes processos violen-tos, exigem de nós pesquisadores, um olhar mais cuidadoso e minucioso sobre a questão de gênero no cárcere, atentando ainda mais para suas pecu-liaridades.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (OEA), adotada pela ONU, em 1993 e ratificada pelo Brasil em 1995, define a violência contra a mulher como:

[...] qualquer ato de violência baseado no gênero, que

resulte, ou possa resultar, em dano físico, sexual ou psi-

cológico ou em sofrimento para a mulher, inclusive as

ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da

liberdade, podendo ocorrer na esfera pública ou privada

(OEA, 2010).

O conceito de violência, destacado acima, ex-plicita que este tipo de violência decorre de rela-ções assimétricas de poder, por meio das quais o masculino e o feminino ocupam papéis que não se restringem às diferenças anatômicas dos corpos.

A problemática da violência abordada neste estudo, já que se trata da violência sofrida por mu-lheres, deve ser conceituada como sendo violên-cia de gênero. A violência de gênero na vida das mulheres numa perspectiva histórica se constrói na medida em que o fenômeno da violência seja passível de transmissão geracional. Isto implica di-zer que as mulheres que experimentam processos de violência na infância ou adolescência são mais vulneráveis, além de representarem o segmento feminino que mais chances têm de ocuparem as estatísticas criminais ora como vítimas ora como autoras de violência durante a fase adulta.

Soares; Ilgenfritz (2002), em pesquisa reali-zada com mulheres presas no Rio de Janeiro, cons-tataram que 71,9% das entrevistadas afirmaram ter sofrido alguma forma de violência por parte de seus responsáveis, sendo que 68% relataram ter sofrido violência física e 11,2%, violência sexual. Para melhor sustentar as possíveis conclusões do estudo, as referidas autoras apresentam dados de uma pesquisa americana em que quase metade das mulheres presas relatou ter sofrido algum tipo de abuso físico ou sexual em algum momento de suas vidas, antes da prisão.

O fato é que, praticamente, todas as pesqui-sas realizadas sobre a temática da violência, tendo como recorte as mulheres encarceradas, revelam que a prisão, tanto pela privação da liberdade como pelos abusos que ocorrem, representa ape-nas mais um elo na cadeia de múltiplas violências que formam a trajetória de uma parte da popula-ção feminina (ILGENFRITZ; SOARES, 2002).

Os dados do InfoPen, em 2011, revelaram que o crime que leva mais mulheres para a pri-são, atualmente, é o tráfico de entorpecentes – 7.809 infratoras, seguido do roubo qualificado

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– 1.250 infratoras3. Apesar de observarmos um aumento na cri-

minalidade feminina, os dados mais recentes mos-tram que não houve uma elevação tão substancial da participação das mulheres no rol dos crimes co-mumente praticados pelos homens, revelando que o crescimento da criminalidade feminina pode ter relação muito mais com a dinâmica proporcionada pelo tráfico de drogas do que por uma maior dispo-sição das mulheres para cometer crimes.

Embora menos expostas ao nível de violência experimentada por presos, seja praticada pela po-lícia ou autoridades penitenciárias, muitas presas informaram, durante a pesquisa, ter sofrido algum tipo de violência estatal ou outros maus tratos du-rante sua prisão.

Ao mesmo tempo em que as detentas, ao adentrarem o caminho da criminalidade e da pri-são, conseguindo entre seus pares um reconheci-mento, são excluídas pelo resto da sociedade, que impõe regras, valores e condutas morais à vida dessas mulheres. Assim, elas são vistas como pio-res que os homens que cometem crimes, pois não seria da “natureza” feminina, na qual a sociedade acredita e que foi legitimado pelos discursos cien-tíficos, o cometimento de crimes.

É mais comum do que os dados possam mos-trar que, em boa parte das unidades prisionais fe-mininas, as detentas experimentem uma variedade de violências relacionadas a gênero por parte de funcionários, principalmente homens. É evidente que o tamanho exato desse tipo de violência fica quase impossível de quantificar através de estudos ou de possíveis denúncias, muito menos pouco di-vulgar, notadamente pelo fato de que, no cenário prisional, as mulheres presas costumam omitir quaisquer informações que envolvam a violência ou o assédio sexual.

Elas temem que suas denúncias não sejam le-vadas em consideração, principalmente em razão de estarem presas e não terem a credibilidade, que mulheres em liberdade comumente gozam, ou ain-da, silenciam com medo de experimentarem repre-sália por parte dos agressores ou das autoridades penitenciárias.

A violência e agressão entre presas são ele-mentos que pertencem ao universo carcerário e

esses aspectos também estão presentes na vida cotidiana da penitenciária visitada. Os poucos agentes penitenciários com os quais estabeleci rá-pidos contatos fizeram questão de comentar sobre a alta incidência de violência entre as presas. “Elas brigam por qualquer coisa, até um pedaço de pão” (afirmou um deles).

Geralmente, as mulheres presas são mais re-sistentes do que os homens em tecer abertamente comentários sobre a violência existente entre elas; no entanto, aquelas, que não tinham passagem pela prisão (primárias) ou que haviam sido detidas por crimes cometidos sem grave ameaça à vítima, afirmaram, por algumas vezes, se sentirem insegu-ras por estarem detidas com aquelas que tinham uma longa história criminal4 ou que são acusadas de terem cometido crimes considerados violentos.

Contraditoriamente, algumas mulheres afir-maram, nos seus depoimentos, que não tolerariam em silêncio, a violência, sobretudo sexual e, princi-palmente, se esta for praticada por autoridades po-liciais, de maneira que, se viesse a ocorrer, elas re-latariam. Apesar dessa atitude, as mulheres tinham consciência das represálias que poderiam sofrer de agentes ou de outras presas, caso denunciasse à violência sofrida. No Presídio Feminino Júlia Mara-nhão, uma mulher disse: “Se falar sobre essas coisas é pior, entram, matam a gente e fica por isso mesmo”.

Uma coisa ficou muito clara na pesquisa, nem todas as mulheres presas sabiam a quem poderiam recorrer: “Reclamar. Para quem, quem vai acreditar numa presa, numa criminosa?”. Pergun-tou uma mulher durante a entrevista. E, por fim, a descrença no sistema e, notadamente, na certeza da impunidade que uma denúncia dessa natureza pode gerar, leva ao isolamento e à falta de solida-riedade entre as própria presas, situação que reco-nhecemos no comentário feito por uma apenada durante a entrevista:

Olhe Doutora, vou lhe dizer uma coisa, eu só abriria a boca de

uma violência contra mim, se fosse muito grave, porque cada

uma (refere-se a sua condição de presa) tem que ficar no seu

lugar. Aqui a gente num é nada. Eu tô presa, mas ainda tem

juízo, viu? E num quero me queimar à toa não, porque acaba

sobrando pra gente mesmo. Nunca vi, presa se dá bem. (Vâ-

nia, condenada há 15 anos por homicídio).

3. Os homens, por sua vez, são presos em maior quantidade por roubo qualificado – 82.797 infratores, seguido de tráfico de entorpecentes – 52.367 e roubo simples – 33.622 infratores.4. Apenadas com “uma longa história criminal” são, sobretudo aquelas que já são reincidentes, com diversas passagens por instituições carcerárias.

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Dentre as principais razões apontadas pelas mulheres presas para a prática delituosa, desta-caram-se as necessidades materiais básicas se-guidas pelo desejo de consumir alguns produtos que, se não fosse através do crime, jamais teriam acesso. Entre aquelas condenadas por roubo, 80% alegou que o não atendimento de suas necessida-des materiais básicas foi o principal motivo para a prática do crime. Durante os nossos encontros, essas queixas eram bastante frequentes, ou seja, reclamavam de que só haviam se envolvido com o mundo da criminalidade em função de sua baixa condição socioeconômica e, também, de que só estavam presas porque eram pobres.

Esse quadro é apenas a ponte do iceberg da dramática realidade das condições socioeconômi-cas e do mercado de trabalho experimentadas por essas mulheres. No caso de muitas mulheres, so-bretudo aquelas responsáveis pelo sustento de seus filhos, as dificuldades encontradas para conseguir se inserir no mercado de trabalho, acaba se tornan-do um fator decisivo na reincidência criminal.

Indubitavelmente, a maior participação da mulher no crime está relacionada, atualmente, ao tráfico de entorpecente. Constatação que foi tão somente confirmada por esta pesquisa. Ele res-ponde por 71,2% das condenações das mulheres que hoje se encontram detidas, seguido por roubo (artigo 157 do CP), atingindo um percentual de 11,3% (DEPEN/MJ, 2010). Na leitura de alguns processos na Vara de Execução Penal, consta dos autos, que a maioria das mulheres envolvidas com o crime de tráfico, ocorreu em virtude do envolvi-mento com seus companheiros, consequentemen-te, influenciadas por eles. No entanto, em pratica-mente todos os casos, a detenção ou o flagrante se deu em empreitadas solitárias, isto é, não estavam na companhia daqueles a quem atribuíam serem seus companheiros.

Eu entrei no crime por causa dele, sabe? Depois eu fui

gostando e resolvi pegar minha própria droga, queria mi-

nha independência, né? Sei lá, se ele num ia me deixar

por outra, mulher de traficante é assim, nunca sabe o

que ele vai fazer, sabe? Eles num transmite segurança pra

nóis, não. Aí, fui pega sozinha e num entreguei ele não,

porque o bagulho era meu, sabe? A gente entrou no barco

junto, vamo afundar ou flutuar também junto, temo que

aguentar tudo, o amor vence tudo (Valeska, condenada

por tráfico de drogas).

A constatação de que muitas mulheres são “levadas” para o tráfico pelos seus companheiros rebate direta e irreversivelmente junto às estatísti-cas existentes sobre as mulheres encarceradas, vis-to que o tráfico de drogas ilícitas, conforme previa a Lei n° 8.072 de 1990, era considerado crime he-diondo, determinando que o cumprimento da pena deva ocorrer em regime integralmente fechado. Essa previsão legal gerou, por seu turno, um acréscimo significativo no índice de mulheres encarceradas. Claro que isso não ocorreu em virtude do aumento na prática de delitos, mas pelo fato de que o crime, que encabeçava as estatísticas dos delitos por elas cometidos, era enquadrado no regime fechado.

O sistema prisional feminino brasileiro, talvez mais do que em qualquer outro lugar, mostra-se como um terreno fértil na reprodução de modelos masculinos, mas, contraditoriamente, constata-se a falta de um olhar sobre o “eu feminino”, isto é, as políticas públicas voltadas para o sistema prisional não levam em conta as diferenças relativas à ques-tão de gênero, notadamente, no que diz respeito às consequências negativas provocadas pela perma-nência no cárcere (BUGLIONE, 2011).

A mulher criminosa é duplamente discrimina-da, por ser mulher e por ter rompido com o modelo inferiorizado que a sociedade impôs a ela histori-camente. Quando comete um crime ela assume um lugar, aparentemente, reservado ao homem: o lugar de violadora da ordem estabelecida, uma agressora. Para Spangerberg (apud GRAZIOSI, 1999), a mulher que pratica uma ação criminosa fazendo uso de agressividade é temida e repudiada por boa parte da população.

O binômio mulher e agressão, ao ser subme-tido à apreciação e ao imaginário social, não forma um par aceitável. Assim, a resposta social às mu-lheres que cometeram crimes tem se revelado su-tilmente desprezível e excludente, sobretudo, por parte do Estado, isto é, por mais que se discuta a necessidade de diferenciação, tudo continua como se essas necessidades não existissem.

No instante em que a mulher criminosa tor-nou-se objeto de estudo, o direito penal imputou a ela, a condição de portadora de desvios psicológi-cos e, estes passaram a ser a principal motivação para o cometimento de delitos. Na atualidade, ob-serva-se, na mulher criminosa, um perfil diferente do daquela época, assim como, as razões para a prática de atos delituosos são gerados por outras

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motivações que não sejam apenas os desvios psi-cológicos: a mulher atenta contra a vida de seu companheiro por não aceitar a condição de sub-missa na relação conjugal; comete crimes de toda espécie e praticamente os mesmos que são come-tidos por homens, embora a maioria deles, sem violência e crueldade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reconhecemos que, embora as mulheres se-jam diferentes dos homens, elas têm direitos hu-manos iguais, que devem ser levados em conta. Não se admite mais que os agentes públicos, res-ponsáveis pelo aprisionamento feminino, ignorem e continuem tratando as demandas da criminali-dade feminina como “questões de homens.” Esse entendimento corresponde seguramente ao que Fernández (1995) nomeou direito de gênero. Atual-mente, as mulheres criminosas são condenadas à luz dos mesmos princípios jurídicos, que são usa-dos na condenação dos homens, mas não podem nem devem receber tratamento semelhante àque-les, pela própria diferença de gênero.

É inegável que as mudanças sociais ocorridas, nas últimas décadas, tenham reflexo direto sobre as mulheres, colocando-as, de uma maneira geral, diante de vários e diferentes dilemas. Num curto espaço de tempo, os arranjos familiares sofreram uma drástica mudança, de modo que, hoje, muitas mulheres são chefes de família e são responsáveis pelo sustento dos filhos e do companheiro.

Sendo assim, quando uma mulher, que as-sume esse perfil social, é condenada à prisão, ve-rifica-se um esfacelamento, quase que completo da estrutura familiar. E os desdobramentos desse processo causam, nas mulheres, comportamentos

completamente diferentes daqueles demonstrados pelos homens submetidos às mesmas condições.

O processo de estigmatização pelo qual pas-sam as mulheres encarceradas é algo que perpas-sa toda a sua história. Costuma-se atribuir a elas adjetivos do tipo: más esposas, mães más, mulhe-res sem alma. Geralmente, quando se pensa em pessoas más, costumamos excluir, dessa defini-ção, as mulheres e, principalmente, mães, porém, no caso da mulher delinquente, esta normalmente é vista como alguém que possui muita maldade.

Os resultados da pesquisa me levaram a acre-ditar na ideia de que a prisão atua em duas frentes. De um lado, é capaz de articular um discurso hege-mônico e, por vezes, favorável à mulher; de outro, atua na intenção de dificultar a relação das mães encarceradas com seus filhos, consolidando ainda mais a situação de exclusão e de invisibilidade a que já é submetida.

O que pudemos observar durante a pesquisa é de que a estrutura do CRJM consegue romper, pelo menos aparentemente, com uma violência simbólica que perpassa as unidades penitenciárias de um modo geral. No entanto, essa instituição pri-sional, assim como as demais, tem falhado no seu processo de (re)socialização das mulheres que lá se encontram.

Muitas dessas detentas ainda são muito jo-vens, com valores morais muito frágeis. Desse modo, a experiência do cárcere e de todas as humi-lhações, regras e pressões de toda ordem vivencia-das na prisão reforçam ainda a inserção no mundo da criminalidade, representando, na maior parte dos casos, um caminho sem volta. Ao vivenciar todo tipo de situação e dependendo da posição que ocupam na constelação prisional, conseguem reconhecimento e respeito das demais.

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