revista ciência dinâmica - 9ª edição

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Revista Científica Eletrônica da Faculdade Dinâmica

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A Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga, em Ponte Nova/MG tem a grata satisfação de trazer à comunidade acadêmica e a toda a sociedade mais uma edição da Revista Ciência Dinâmica.

A Revista Ciência Dinâmica é um periódico semestral editado pela Faculdade Dinâmica que chega ao seu quarto número e, com ela, são oferecidas aos leitores importantes contribuições, que demonstram a consolidação do trabalho intelectual, nesta edição, dedicado exclusivamente ao corpo docente da Faculdade.

O objetivo da Revista Ciência Dinâmica é dar a mais ampla possibilidade de divulgação e acesso à produção científico-acadêmica e, com isso, promover a socialização do saber e a ampliação das possibilidades de reflexão, debates e trocas instigadoras de novos conhecimentos nas áreas das Ciências Jurídicas e Sociais.

A revista está disponível no endereço eletrônico www.faculdadedinamica.com.br e, em breve, também em meio impresso.

A Revista Ciência Dinâmica tem a missão de constituir-se em um periódico qualificado, fomentado preferencialmente por artigos elaborados pelos acadêmicos do Curso de Direito da Faculdade Dinâmica, propiciando, através do estímulo à reflexão científica, o amadurecimento, a ampliação do conhecimento e a consolidação dos ensinamentos teóricos absorvidos na Faculdade, contando, ainda, com a valorosa contribuição de professores da Instituição e de professores convidados que só vem enriquecer o conteúdo da publicação.

LEILSON SOARES VIANACoordenador-Adjunto do Curso de Direito da Faculdade Dinâmica

Representante do Conselho Editorial

Apresentação

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Sumário

• EDITORIAL..........................................................................................4

•REFLEXÃO: O ESTATUTO DE ÉTICAMaria Berenice Dias......................................................................................5

• AUTOLIMITAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA: O DIREITO DE MORRER DIGNAMENTERenata Faria de Carvalho Teixeira ........................................................................8

• O NASCITURO COMO SUJEITO PASSIVO NO CRIME DE LESÃO CORPORAL

Carlos Henrique Pimenta Júnior, Krysthyan Anselmo da Costa Oliveira, Maicon César da Silva, Marina Nunes Barros Bonfatti, Luiz César Delfino..............................................................41

• A TEORIA DO PLANEJAMENTO SOCIAL A PARTIR DO DEBATE HART-DWORKIN Raphaela Borges David..................................................................................49

• ESTOQUES: A IMPORTÂNCIA DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E ATRIBUIÇÃO DE CUSTOSAlex Júnior da Silva, Lucas Eduardo Teixeira Fuscaldi, Rodrigo Guimarães Ferreira, Orsi Rodrigues Júnior......................................................................................................63

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É com muito prazer que apresentamos mais uma edição da nossa Revista Acadêmica. Agradecemos a todos os colaboradores e demais envolvidos nesse projeto e desejamos uma leitura proveitosa.

Desejamos, ainda, um aproveitamento pleno desses conhecimentos em seu cotidiano profissional e acadêmico. A Faculdade Dinâmica se pauta pela busca constante no equilíbrio entre aprofundamento teórico e prático. E esse projeto é um espelho dessa busca, como você poderá perceber. Trazemos, aqui, artigos produzimos por toda a comunidade acadêmica, num processo contínuo de melhoramento teórico e profissional. Destacamos, também, a preciosa reflexão trazida pela nobre jurista Maria Berenice Dias, que, sem dúvidas, irá abrilhantar em muito essa caminhada. Boa leitura!

Prof.Raphaela Borges David

EDITORIALRevista Ciência Dinâmica®

Editora: Faculdade DinâmicaAno V, n° 9, 1° Semestre 2013

ISSN –2176-6509

Conselho Editorial: Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães, Prof. Leilson Soares Viana, Prof. Mestre Bernardo Gomes Barbosa Nogueira, Prof. Mestre José Carlos Henriques, Prof. Ms. Ramon Mapa da Silva, Prof. Ernane Salles.

Revista Ciência Dinâmica. Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga. Rua G, n° 205, Bairro Paraíso. Ponte Nova-MG.Contato: (31) [email protected]âmica.com.br

É proibida e reprodução, no todo ou em parte, dos artigos publicados nessa Revista sem prévia autoriza-ção dos seus autores, resguardado o direito de citações com expressa re-ferência à sua fonte.

Copyright©Todos os Direitos Reservados

Ponte Nova - 2010/2

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REFLEXÃO: O ESTATUTO DE ÉTICAMaria Berenice Dias

AdvogadaVice-Presidenta Nacional do IBDFAM

www.mbdias.com.brwww.mariaberenice.com.br

www.direitohomoafetivo.com.br

A casa das leis deve ter a cara do povo. Por isso a Câmara Federal precisa estar atenta na defesa dos cidadãos. De todos eles.

Já é é por demais sabido que não há afronta maior ao princípio da igualdade do que tratar igualmente os desiguais. Assim, muitas vezes é necessário discriminar para proteger. Afinal é para isso que servem as leis. Criar mecanismos que deem efetividade aos comandos constitucionais. Dentre eles, o mais significativo é assegurar o respeito à dignidade da pessoa.

Não foi outra a preocupação de um punhado de juristas que durante mais de um ano se dedicou à elaboração de uma legislação que atendesse a realidade da sociedade dos dias de hoje. Além de atentar à diversidade dos vínculos afetivos, era indispensável disponibilizar mecanismos processuais para dar agilidade ao mais urgente ramo do Direito, pois é o que tem maior significado e diz com a vida de todas as pessoas. Daí Estatuto das Famílias. Um microssistema que reescreve todo o Livro do Direito de Família do Código Civil e traz os procedimentos para dar-lhe mais efetividade. Aliás, não há forma mais moderna de legislar. Uma única lei assegura o direito e sua realização.

O Projeto de Lei nº 674 tramitou na Câmara Federal desde 2007. Sofreu inúmeras emendas na Comissão de Seguridade Social e Família e foi aprovado por unanimidade. Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania os debates foram exaustivos e inclusive foi realizada uma audiência pública. Com novas alterações e a incorporação de vários projetos, no dia 15 de dezembro, aconteceu sua aprovação, em caráter conclusivo, com somente dois votos contrários.

Apesar dos cortes e recortes, a essência do Estatuto se manteve. O tema mais polêmico – a regulamentação das uniões homoafetivas como entidade familiar – infelizmente foi alijado

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do projeto. Mas as novidades são inúmeras. Em atendimento à Emenda Constitucional 66, foi eliminada a separação. Restaram excluídos o regime de participação final nos aquestos (que não mereceu aceitação), e o injustificável regime da separação obrigatória de bens. Foi além. Tornou possível a alteração do regime de bens por escritura pública, mas sem efeito retroativo. A união estável passa a constituir um novo estado civil. São reconhecidas as entidades parentais, ou seja, grupo de irmãos que não tem pais. A socioafetividade gera relação de parentesco e a presunção de paternidade ocorre quando os genitores conviviam à época da concepção. Quem dispõe da posse de estado de filho pode investigar sua ascendência genética, o que não gera relação de parentesco. O abuso sexual, a violência física, bem como o abandono material, moral ou afetivo podem ensejar a perda do que passou a se chamar, de modo mais adequado, de autoridade parental. Tal não desonera o genitor do encargo alimentar, mas impede que seja reconhecido como herdeiro do filho. É admitido o casamento do relativamente capaz, contanto que haja o consentimento dos pais e tenha ele condições de consentir e manifestar sua vontade.

Mas certamente as grandes novidades estão nas normais processuais. Pela vez primeira as demandas de família têm princípios próprios e ferramentas processuais que garantem sua efetividade. Assim, todos os processos têm tramitação prioritária, sendo possível a cumulação de medidas cautelares e a concessão de antecipação de tutela. Haverá sempre conciliação prévia que pode ser conduzida por juiz de paz ou conciliador judicial. O Ministério Público intervém somente nos processos em que há interesses dos menores de idade ou incapazes. O divórcio pode ser extrajudicial quando as questões relativas aos filhos menores ou incapazes já estiverem acertados judicialmente. Na ação de investigação de paternidade, quando o autor requer o benefício da assistência judiciária, cabe ao réu proceder ao pagamento do exame genético, se não gozar do mesmo benefício.

No entanto, foi no âmbito do direito alimentar que as mudanças são mais significativas. Os alimentos são devidos a partir de sua fixação e, ao ser citado, o réu é cientificado da automática incidência de multa de 10% sempre que incorrer em mora superior a 15 dias. O encargo alimentar ficou limitado à idade de 24 anos. O genitor não-guardião pode exigir a comprovação da adequada aplicação dos alimentos pagos. A falta de pagamento dos alimentos enseja a aplicação da pena de prisão a ser cumprida no regime semiaberto. Em caso de novo aprisionamento o regime será o fechado. Além de a dívida ser encaminhada a protesto e às instituições públicas e privadas de proteção ao crédito, foi criado o Cadastro de Proteção ao Credor de Alimentos, onde será inserido o nome do devedor de alimentos.

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Estas são algumas das mudanças que o novo Estatuto traz. Mas nenhum desses avanços vem sendo alvo da atenção da mídia. Em desesperada tentativa para que não ocorra sua aprovação pelo Senado, as bancadas conservadoras, fundamentalistas e religiosas, passaram a afirmar que o Estatuto chancela a bigamia e assegura à amante direito a alimentos e partilha de bens. O movimento bem mostra a postura revanchista de quem deseja mesmo é voltar ao modelo da família matrimonializada e acabar até mesmo com o divórcio. É tão severa a influência deste segmento, que detém inclusive a propriedade de boa parte dos meios de comunicação, que há que se tomar cuidado. Não é de duvidar que seja aprovada lei que determine o uso de burcas e institua a morte por apedrejamento. Tudo por conta de um moralismo retrógrado.

O que o Projeto já aprovado reconhece é que as pessoas que não estão separadas de fato não podem manter união estável. Mas caso tal ocorra – o que infelizmente ainda acontece – ou seja, quando um homem além da família constituída pelo casamento mantém outra mulher, por muitos anos, impedindo que ela estude ou trabalhe, de todo injustificável que, quando da separação, ele não lhe preste alimentos. Resguardada a meação da esposa, mister que os bens que a ele pertencem, sejam partilhados com quem se dedicou uma vida ao companheiro e ajudou a amealhá-los. Os exemplos são muitos. De todo descabido que quem manteve uma união por mais de 30 anos, tendo com a parceira um punhado de filhos, reste sem nada no final da vida. Aliás, esta é a solução que vem sendo reconhecida pela justiça, tanto estadual como federal, que determina, inclusive, a divisão da pensão por morte.

Não prever tal responsabilidade é ser conivente com quem descumpre os deveres do casamento e mantém outra entidade familiar. A lei não pode chancelar posturas que afrontem os mais elementares deveres éticos. Aliás, este foi o compromisso do Instituto Brasileiro de Direito de Família ao elaborar o Estatuto.

É chegada a hora de o Brasil adotar uma legislação que imponha obrigações a quem assume compromissos afetivos. É o que diz a antiga frase de Saint-Exupéry: Você é responsável por quem cativa!

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AUTOLIMITAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA: O DIREITO DE

MORRER DIGNAMENTE

Renata Faria de Carvalho Teixeira

“A morte parece menos terrível quando se está cansado.”

1.INTRODUÇÃO Todo ser humano de idade adulta e com consciência plena tem o direito de decidir o

que pode ser feito em seu próprio corpo. Autonomia, autodeterminação, direito de liberdade, privacidade, escolha individual, livre vontade é a constituição da vontade, pela qual ela é para si mesma uma lei, independentemente de como forem constituídos os objetos do querer.

Assim, uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais agindo, deste modo, na direção de tal deliberação. O respeito à autonomia valoriza as escolhas e opiniões impedindo a obstrução das próprias ações a menos que tais ações sejam nitidamente prejudiciais a outras pessoas.

Não sopesar um agente autônomo e capaz de realizar suas escolhas é desconsiderar seus próprios julgamentos, negando assim a liberdade de agir do indivíduo, ou omitir informações cogentes para que possa ser feita uma avaliação. Claro é que não são todas as pessoas que possuem capacidade de se autodeterminar, seja por falta de maturidade, maioridade, seja pela perda total ou parcial de tal capacidade por doenças, distúrbios mentais ou circunstâncias que restrinjam a liberdade.

Nas questões que envolvem a Bioética, a autonomia tem sido tratada de maneira uníssona como princípio informador ou seu fundamento. Nas questões que envolvem os atos de disposição do próprio corpo, na Medicina firmou-se o conceito largamente difundido que todo paciente tem o direito ínsito de proteger a sua própria inviolabilidade física e psíquica

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e o direito de, por autodeterminação, conduzir o que pode ser feito com o seu próprio corpo, incluindo os atos de disposição tanto para depois da morte como em vida.

Com base nessa premissa, de que todo homem é autônomo, faculta-se a recusa de tratamento módico em face do "consentimento-esclarecido" calcado no dever do médico de informar ao paciente sobre os procedimentos terapêuticos ministrados em seu corpo.

Assim, a faculdade de querer, de impor a sua autonomia, que reside na "racionalidade" do próprio homem, que pode deliberar sobre a recusa ou aceitação de tratamento médico, experimentação humana e demais atos de disposição do próprio corpo, pelo simples fato de ser "um ser racional". A sua liberdade de escolha e a sua auto-responsabilidade conduzem ao respeito à dignidade humana.

A questão da autonomia vem exatamente do indivíduo dizer se quer ou não seguir tal conduta. No conjunto de dizer “sim ou não”, ter a possibilidade de deliberar sobre o que faz em seu próprio corpo. O Estado foi feito para o homem e não o homem para o Estado. Seria correto então que a tais deliberações coubessem ao Estado?

Claro é que somos influenciados a todo momento por questões externas. O poder simbólico nos toma desde que nascemos, mas há situações em que o Estado invade demasiadamente a esfera privada, decidindo pelo indivíduo questões que só a ele dizem respeito, se transformando em casos de desacordo moral razoável. Se o cidadão não pode dispor de seu corpo para qualquer fim que seja, qual a razão da Idade das Luzes e da Liberdade Moral? Não é uma questão de LIBERTARIEDADE, mas de LIBERDADE no que tange à seguinte questão: tudo posso se não prejudico o outro; se posso e me convém, por que não?

Obviamente padrões devem ser impostos, vez que o coletivo deve ser protegido, daí a delimitação de atos ilícitos, como exemplo maior. Agora, o Estado interferir no que tange ao corpo do indivíduo, a sua consciência, por justificativas como a falta de responsabilidade dos mesmos, não seria excessivamente invasivo? As pessoas não deveriam ser tratadas como responsáveis?

Proibir a liberdade de escolha não é a melhor opção. O ideal e necessário é que as pessoas possam efetivamente fazer suas escolhas verdadeiramente livres. Não se tem a certeza de que as pessoas são realmente responsáveis, mas seria melhor que o Estado decidisse por elas? Castrar uma vontade, um domínio de ação por acreditar que a pessoa não tem capacidade de decisão é tomar para si a vida do outro, impor a visão de mundo a um outro ser vivente e pensante. As pessoas vão errar e acertar, mas que sejam por elas.

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A vida é heurística, é um jogo de descoberta. Dessa forma, não dá para retirar da pessoa a vivência dela. Pode-se dizer que o fogo queima e ela aceitar, porém, não se pode retirá-la a oportunidade da experiência. A vida é do indivíduo e não do Estado, este só veio para ser um aparato para quem quer se proteger. De tudo, quem quiser se lançar ao mar ou à natureza, tenha também esse direito. Pensar em dispor do corpo, seja no âmbito da vida ou da morte, é pensar no que queremos para o próprio corpo, para a própria vida. Tal questão invade esfera extremamente delicada: o direito fundamental da vida. É possível, mediante consentimento genuíno, despojar alguns ou diversos indivíduos dos deveres gerados pelo direito fundamental a vida? Responder tal indagação exige enfrentar, no plano jurídico-constitucional, a teoria dos direitos fundamentais, em especial no que toca a uma característica que é comumente impingida ao direito a vida: a indisponibilidade.

Diversos doentes sofrem pela falta de perspectiva de vida. Alguns dependerão de aparelhos que os ajudem a respirar, outros jamais poderão se levantar de suas camas. Há muitos que nessas situações chegam a pedir para cessar o sofrimento, rogando pela morte, uma vez que não querem sobreviver de maneira degradante, artificial, não querem se tornar pesos para familiares, não querem estar limitados. Para tais doentes não há dignidade em tal condição. Não sendo possível viver bem e não se resignando a essa forma de vida, essas pessoas esperam que seja atendida sua vontade de morrer dignamente. A Medicina em muito avançou trazendo consideráveis benefícios, todavia impor-se um paradigma voltado para a cura do paciente quando o foco principal, talvez, devesse ser o cuidado com o próprio paciente, seu bem-estar, visando à busca não pela preservação da vida, a qualquer custo, mas na preservação de uma vida saudável física, psíquica e social; isto sim, uma vida digna.

2. A (IN)DISPONIBILIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL A VIDA A Constituição garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Sendo o direito à vida o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.

Roxana Cardoso Brasileiro Borges, ao trabalhar o tema da disposição dos direitos da personalidade, considera que o texto constitucional brasileiro é o que “mais liberdade dá às pessoas e que mais garante a disponibilidade dos direitos da personalidade, uma vez que apenas a própria pessoa, em situações concretas da vida, poderá determinar o conteúdo

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e o significado da própria dignidade” (BORGES, 2007). Ela sustenta com ênfase o caráter principalmente autonomista da dignidade humana:

O valor da pessoa humana, portanto, sua dignidade, e o limite para a intervenção do Estado ou da sociedade na esfera individual e seus componentes. [...] Portanto, o verdadeiro papel da dignidade humana em nosso ordenamento jurídico é: garantir a emancipação do homem, através do respeito por suas diferenças, do respeito por suas características, por sua consciência e sua faculdade de se autodeterminar conforme seu próprio sentimento de dignidade (BORGES, 2001).

A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção: ao direito de continuar vivo e a de ter uma vida digna.

O direito à vida é basicamente um direito que se opõe ao Estado, que deve preservar a vida e atuar positivamente no sentido de proteger este direito. Isto significa que o Estado deve ministrar a necessária e adequada segurança pública, que impeça inclusive os demais particulares de desrespeitarem tal direito.

Contudo, o direito à vida, não se restringe a este "direito contra o Estado" pela continuidade da vida. Significa, ainda, como aponta a doutrina mais moderna, que o indivíduo possa encontrar meios de prover a si mesmo e, quando não for capaz de fazê-lo, que possa contar com o apoio do Estado, que deve fornecer o mínimo necessário para assegurar as condições básicas na preservação da vida. Deste modo, o Estado deve fornecer àqueles que se mostrem incapazes de prover seu próprio sustento, condições de saúde, higiene, transporte, alimentação e educação. Neste último sentido, o direito à vida costuma ser ligado à ideia de dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana vem inserida no texto da Constituição brasileira como um dos fundamentos republicanos (art. 1º, III) assim, as decisões na vida de uma pessoa não devem ser impostas por uma vontade externa a ela. Todavia, nem tudo depende de escolhas pessoais. Há questões em que o Estado pode, legitimamente, decidir em nome de interesses e direitos diversos. Mas as deliberações referentes à vida de uma pessoa, escolha religiosa, casamento e outras opções que não violem direitos de terceiros que não podem ser tiradas do individuo, pois haveria, assim, uma violação de sua dignidade.

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No cenário da Bioética, a ideia principal norteia-se no consentimento livre e esclarecido dos pacientes. Fácil é perceber que este modelo ajusta-se ao conceito de dignidade como autonomia, uma vez que o destaque esta em promover e proteger a habilidade decisória dos pacientes, assim como, respeitar e agir com a menor interferência possível de valores heterônomos nas escolhas feitas.1

Assim, além do fundamento constitucional, que valoriza mais à liberdade individual do que a coletiva, sustenta-se ainda, um fundamento mais elevado: o reconhecimento do indivíduo como um ser moral, capaz de fazer escolhas e assumir responsabilidade por elas.

O conceito de morte digna está ligado ao direito que o enfermo tem de dispor sobre qualquer conduta que venha a ser realizada em seus últimos momentos de vida.

Claro é a dificuldade de se sustentar a existência de um direito de morrer, porém, a medicina e a tecnologia são capazes de transformar o processo da morte em uma marcha muito mais extensa e sofrida do que o necessário. Contudo, ainda que não se consiga precisar a concepção do termo dignidade, ao menos parece certo que não se pode falar que uma vida seja digna se ausente o bem-estar de natureza física, mental e social. 

Assim sendo, o direito fundamental à vida compreende tanto o direito do ser humano não ser privado de sua própria vida, quanto de dispor dos meios apropriados para subsistência e a manutenção de um padrão de vida decente.

A partir de tais considerações questiona-se se o indivíduo que, acometido de doença, que passa por sofrimentos físicos e emocionais e cujo estado, para a medicina, é irreversível ou terminal tem o direito de pedir que lhe ponham fim à sua vida ou solicitar a limitação de tratamentos que apenas prolonguem seu sofrimento. Seria a vida, em tal situação específica, um direito renunciável ou disponível? O enfermo poderia, neste caso, buscar o direito de morrer já que a continuação de seu tratamento médico não pode mais lhe trazer a cura ou melhora? Existe um direito de morrer dignamente?

Quando se classifica um direito fundamental como indisponível, não se estaria lançando sobre o titular uma restrição contundente em sua esfera de liberdade? Tal fato não constituiria ablação de sua liberdade quanto ao destino de seus próprios direitos? No mais, na medida em

1. “Modern bioethics has its origins in the Code of Nuremberg of 1947 and gathers pace with the Declaration of Helsinki in 1964. Central to these development is the idea that human beings should not be subjected to scientific and medical research without their free and informed consent. To the extent that human dignity has a role to play in such thinking, it is as the foundation for human rights, specifically the right of human beings to decide whether or not they will be subject themselves to medical trials or treatments”. BEYLEVELD; BROWNSWORD, Roger. Human dignity..., p.29.

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que um direito fundamental é identificado como indisponível, recairia, sobre todos os demais, o dever de não infringi-lo mediante consentimento do titular. Haveria, nesse dever, ablação de posições jus fundamentalmente protegidas?

Quando se fala em direito fundamental a vida, a justificação para a indisponibilidade soa, a princípio, autoevidente. Trata-se de zelar pelo direito que se identifica como pré-condição a titularidade e exercício de todos os outros direitos; trata-se de evidenciar a valorização e o respeito que uma determinada sociedade lança sobre o valor vida humana; trata-se, a princípio, de resguardar direitos de terceiros.

Ocorre que, pessoas, prevendo circunstâncias que julgam excessivamente penosas para suportar, manifestam formalmente sua vontade no sentido de não serem mantidas em prolongado estado vegetativo, ou de não serem submetidas a processos de ressuscitação. Começam a pesar, ao lado da liberdade, outros direitos e metas sociais, como a prevenção do sofrimento, o bloqueio de tratamentos desumanos ou degradantes, a dignidade na morte e a memória póstuma.

As justificativas da indisponibilidade passam a se mostrar mais brandas, e as aflições mais acentuadas. É justificável que um sistema jurídico, baseado nas teses de indisponibilidade do direito fundamental a vida, exija que um indivíduo sofra dolorosamente? Salientando ainda que o direito a vida, por suas características, estrutura, e funções, é um direito individual.

Deste modo, consentir que o indivíduo estabeleça o fim de sua existência é consentir que ele efetivamente possa traçar sua própria biografia.

A indisponibilidade é uma medida protetiva para resguardar a vida e nesta seara, especificamente, tem o condão de zelar pela liberdade da pessoa no que tange à tomada de decisões quanto à saúde sem coibição externa.

Em consonância com tal disposição está, então, a negação do Estado em acolher a cessação de tratamentos invasivos em pacientes terminais, por exemplo, por transgredir a luta pela sobrevivência do indivíduo. O Estado, ao conferir esta proteção à pessoa viola o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ao impor à vida a quem não há mais perspectiva de viver.

Quanto ao conceito de Dignidade Humana, não há um critério para determinar se há dignidade na vida de um doente preso a aparelhos que o mantém vivo durante anos. Para uns, pode haver dignidade em lutar pela vida. Para outros, não há dignidade em esperar a morte iminente, pelo sofrimento causado pelo tratamento médico.

A questão é discutir qual a solução eleita por cada sujeito de direitos: considerando ponderação e proporcionalidade. O indivíduo escolhe qual o meio menos danoso e que lhe trará benefícios. A

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ponderação nos traz a ideia de que, quando princípios tiverem o mesmo status hierárquico, eles podem ter pesos abstratos diferentes, devendo ser considerados de acordo com o caso concreto.

A partir de tal pensamento, esta ponderação pode ser feita tanto pelo juiz, quando resolve a lide, assim como pelo legislador, quando dispõe que em determinadas circunstâncias, um direito prevalecerá sobre o outro. Contudo, vê-se que é desmedida a luta de um enfermo para suspender um tratamento.

No entanto, a nova Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 31.8.12, acolheu o testamento vital ou living will ou, ainda, diretivas antecipadas, como se prefere na Espanha. Com isso, por meio de uma declaração expressa de vontade (diretiva antecipada de vontade), o paciente, junto a seu médico, pode deliberar, em casos de estágio terminal, os limites terapêuticos a serem seguidos. Prevalecerá tal declaração sobre qualquer outro parecer não médico e também sobre a manifestação da vontade dos familiares, apresentando dessa forma eficácia e validade.

Não obstante as críticas, principalmente de entidades religiosas, a possibilidade e anuência de tais diretivas provenientes do paciente mostra-se como grande evolução em tal seara, uma vez que se passa a reconhecer e a valorizar o direito à morte digna como uma consequência natural do direito à vida digna. O paciente passa a ter o direito de morrer sem inúteis sofrimentos, uma vez que a Medicina não consegue estabelecer a cura.

Em total consonância está a referida resolução com o art. 15 do CC e com a autonomia privada. O Estado, realmente, não deve interferir neste âmbito.

Pelo simples fato da possibilidade de se consentir, ou seja, da liberdade de escolher os tratamentos aos quais se submeter, já se mostra uma forma de resistência à conservação da vida como foco único, a qualquer custo. Considera-se o sofrimento e a dor, ressaltando que esta ultrapassa as dimensões físicas, podendo ser psíquica, social ou espiritual. O sofrimento pode então ser assim entendido como uma questão pessoal por estar ligado aos valores da pessoa. Percebe-se dessa forma a flexibilização da até então intransponível questão da indisponibilidade do direito à vida.

3. DA AUTOLIMITAÇÃO DA VIDA: DIFERNÇAS ENTRE EUTANASIA, SUICÍDIO ASSISTIDO, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA 3.1 Breve introdução

Existem casos em determinados indivíduos, devido ao estado de saúde que se encontram, acreditam não ter mais vida (ou não ter uma vida digna), uma vez que a manutenção desta é garantida pela assistência de medicamentos e aparelhos. Muitos desses enfermos sofrem pela

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falta de perspectiva de vida. Sofrem por não quererem ser pesos para seus familiares. Sofrem por não quererem estar limitados. Sofrem dores físicas e psicológicas devido aos longos, penosos e degradantes tratamentos chegando assim ao ponto de pedirem para morrer por não suportarem tamanha agressão, esperando o atendimento de sua livre vontade de morrer dignamente.

De acordo com o professor Ronald Dworkin (2003) “há um consenso geral de que os cidadãos adultos dotados de capacidade têm direito à autonomia, isto é, direito a tomar por si próprios, decisões importantes para a definição de suas vidas”. Ou seja, quem define o significado de vantagem ou de ônus é o próprio titular. Bem, a morte não seria a etapa final da vida do indivíduo? A liberdade e a dignidade da pessoa não são enaltecidas pelo ordenamento jurídico? Sendo assim, a pessoa que, acometida de doença, que passa por sofrimentos físicos e emocionais e cujo estado, para a Medicina, é irreversível ou terminal não teria então o direito de pedir que lhe ponham termo à sua vida, ou que pelo menos suspendam os tratamentos que tal pessoa considere aviltantes? Passa-se então a análise das modalidades de disposição da vida solicitadas por aqueles que reivindicam a própria morte.

3.2 EutanásiaDe acordo com Roxana Cardoso Brasileiro Borges, a eutanásia, em sua origem, não

tinha a intenção de causar a morte, ainda que para interromper os sofrimentos do enfermo. Referia-se apenas a facilitar o processo de morte, sem, todavia, influenciar neste. Ainda sobre a origem do termo, a professora complementa:

Na verdade, conforme o sentido originário da expressão, seriam medidas eutanásicas não a morte, mas os cuidados paliativos do sofrimento, como acompanhamento psicológico do doente e outros meios de controle da dor. Também seria uma medida eutanásica a interrupção de tratamentos inúteis ou que prolongassem a agonia. Ou seja: a eutanásia não visava à morte, mas a deixar que esta ocorresse da forma menos dolorosa possível (BORGES, 2001).

Contudo, a concepção atual de eutanásia já não é mais a mesma. Hoje, é definida como uma forma ativa aplicada por médicos a pacientes terminais cuja morte é inevitável e iminente. É a ação médica intencional de provocar a morte a pessoas acometidas de enfermidades irreversíveis e extremamente debilitantes com intuito benevolente.

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Destacam-se quatro elementos importantes para a configuração da eutanásia: “o requerimento por parte do paciente; a piedade diante da indigna situação do indivíduo; a gravidade da doença e a realização do ato pelo profissional da Medicina” (SÁ, 2005).

Maria de Fátima Freire de Sá reforça a ideia de que a eutanásia, atualmente, “é a conduta por meio da ação ou omissão do médico, que emprega, ou omite, meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do curso natural, abreviando-lhe a vida” (SÁ, 2005). Corroborando este raciocínio, Roxana Cardoso Brasileiro Borges assinala: “em vez de deixar a morte acontecer, a eutanásia, no sentido atual, age sobre a morte, antecipando-a” (BORGES, 2001). Para a autora: “só é eutanásia a morte provocada em doente com doença incurável, em estado terminal e que passa por fortes sofrimentos, movida por compaixão ou piedade em relação ao doente” (BORGES, 2001). Neste sentido, perante o Código Penal Brasileiro a eutanásia, atualmente, constitui crime de homicídio, classificado como privilegiado. Contudo, o sentimento de clemência que motiva o agente pode ensejar a redução da pena de um sexto a um terço, conforme prescrição do artigo 121, parágrafo 1º do Código Penal2.

A eutanásia pode ainda ser classificada em ativa ou passiva. Wilson Luiz Sanvito apresenta a seguinte distinção:

Na eutanásia passiva, há omissão de tratamento tanto do ponto de vista farmacológico quanto da utilização de procedimentos ou recursos extraordinários de manutenção da vida, quer dizer, manutenção de vida por meio de equipamentos. A eutanásia ativa configura-se naqueles casos em que há um procedimento ativo do médico, ou de outro profissional da saúde, propiciando ou acelerando a morte do paciente. (SANVITO, 2002).

3.3 Suicídio AssistidoO suicídio assistido, ou auxílio ao suicídio, “ocorre com a participação material, quando

alguém ajuda a vítima a se matar oferecendo-lhe meios idôneos para tanto” (BORGES, 2005). Para Roxana Cardoso Brasileiro Borges:

2. Homicídio simples - Art. 121 - Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de diminuição de pena: § 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

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Para que a ação de auxílio ao suicídio tenha a valoração de eutanásia, é preciso que o paciente tenha solicitado a ajuda para morrer, diante do fracasso dos métodos terapêuticos e dos paliativos contra as dores, o que acaba por retirar a dignidade do paciente, segundo seu próprio entendimento. (BORGES, 2005)

A pessoa que induz, instiga ou auxilia o suicídio incorre nas sanções do artigo 122 do Código Penal3. O Suicídio Assistido não se confunde com a Eutanásia, pois enquanto a morte resulta diretamente de uma ação ou omissão de terceiro, naquele a morte é resultado de uma ação própria da vítima, que foi auxiliada ou apenas assistida por terceiro.

3.4 DistanásiaPor distanásia compreende-se a tentativa de retardar a morte ao máximo, utilizando,

para isso, todos os meios médicos ordinários e extraordinários ao alcance, proporcionais ou não, mesmo que isso signifique causar dores e padecimentos a um indivíduo cuja morte é iminente e inevitável.

Para Léo Pessini distanásia: “trata-se de atitude médica que, visando salvar a vida do paciente terminal, submete-o a grande sofrimento” (PESSINI, 2001). Para o autor, na utilização de tal conduta não se alonga a vida propriamente dita, mas o processo de morrer.

Este “prolongamento exagerado da morte” também pode ser chamado de obstinação terapêutica que constitui:

Uma prática médica excessiva e abusiva decorrente diretamente das possibilidades oferecidas pela tecnociência e como o fruto de uma teimosia de estender os efeitos desmedidamente, em respeito à condição da pessoa doente. A obstinação terapêutica surge como um ato profundamente anti-humano e atentatório à dignidade da pessoa e a seus direitos mais fundamentais (BORGES, 2007).

3. Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio. Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

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Roxana Cardoso Brasileiro Borges critica tal conduta salientando que quando os tratamentos se tornam um fim em si mesmo, o paciente acaba sofrendo medidas desproporcionais. Conclui que a distanásia “é expressão da obstinação terapêutica pelo tratamento e pela tecnologia, sem a devida atenção em relação ao ser humano” (BORGES, 2007).

Léo Pessini considera que: “a distanásia (obstinação terapêutica) começou a se tornar um problema ético de primeira grandeza à medida que o progresso técnico-científico começou a interferir de uma forma decisiva nas fases finais da vida humana” (PESSINI, 2002). Sua prática, conforme Maria de Fátima Freire de Sá está do lado oposto da eutanásia e “dedica-se a prolongar, ao máximo, a quantidade de vida humana, combatendo a morte como grande e último inimigo” (SÁ, 2005). A distanásia, portanto, é exatamente o inverso da eutanásia.

3.4.1 Obstinação Terapêutica e o Tratamento FútilA obstinação terapêutica e o tratamento fútil estão intimamente associados à distanásia.

Este se refere ao emprego de técnicas e métodos extraordinários e desproporcionais, incapazes de ensejar a melhora ou a cura, mas que prolongam a vida, ainda que agravando o sofrimento (PESSINI, 2001). Já a primeira consiste no comportamento médico de combater a morte de todas as formas, como se fosse possível curá-la, em “uma luta desenfreada e (ir)racional” (SIQUEIRA-BATISTA; SCHRAMM, 2004), sem que se considere as aflições, dores e os custos humanos gerados.

3.5 OrtotanásiaTrata-se de conduta que permite a morte em seu tempo adequado, não utilizando técnicas

extraordinárias e desproporcionais como se faz na distanásia, nem provocada de maneira intencional externa, como na eutanásia. É pratica “sensível ao processo de humanização da morte, ao alívio das dores e não incorre em prolongamentos abusivos com aplicação de meios desproporcionados que imporiam sofrimentos adicionais” (PESSINI, 2001).

Na ortotanásia o processo de morte ocorre naturalmente. Segundo Maria de Fátima Freire de Sá:

Entende-se que a eutanásia passiva, ou ortotanásia, pode ser traduzida como mero exercício regular da medicina e, por isso mesmo, entendendo o médico que a morte é iminente, o que poderá ser diagnosticado pela própria evolução da doença, ao profissional seria facultado, a pedido do paciente, suspender a medicação utilizada para não mais valer-se de recursos heroicos, que só têm o condão de prolongar sofrimentos (distanásia) (SÁ, 2005).

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A ortotanásia não está prevista no Código Penal Brasileiro. Entretanto, no Anteprojeto para alteração da Parte Especial do Código Penal, havia previsão, no artigo 121, para a ortotanásia, como hipótese de exclusão de ilicitude4:

Apesar de tal modificação na Parte Especial do Código Penal não ter ocorrido, percebe-se que em tal projeto, nos casos de eutanásia e ortotanásia há exigência de pedido do paciente, ou de seu consentimento. Todavia no Código Penal vigente, “o pedido da vítima não serve para afastar a ilicitude, sendo o consentimento irrelevante para a caracterização do que se chama eutanásia” (BORGES, 2007).

3.5.1 Cuidado Paliativo Aliado à ortotanásia está o cuidado paliativo. Também tem como foco central a aceitação da

morte, sem utilização de métodos extraordinários e desproporcionais. Não se trata de abdicação ou esquecimento do paciente, mas da utilização de técnicas para abrandar o sofrimento físico e psíquico (PESSINI, 2001).

Reconhecendo o enfermo como incurável, dedica-se toda atenção a mitigar o padecimento com uso de recursos apropriados para tratar os sintomas, como a dor e a depressão (PESSINI, 2001).

4. DO DIREITO DE MORRER DIGNAMENTE4.1 Da morte

A morte é o termo da vida devido à impossibilidade orgânica de manter o processo homeostático. Trata-se do fim de um organismo vivo que havia sido criado a partir do seu nascimento. O conceito de morte, no entanto, foi sofrendo alterações ao longo do tempo. Considerava-se que a morte ocorria assim que o coração deixava de bater e que o indivíduo deixava de respirar. Com o avanço da ciência, a morte passou a ser vista como um processo que, a partir de certo momento, se torna irreversível. Atualmente, ainda que não mais consiga respirar pelos seus próprios meios, uma pessoa pode ter auxílio de um respirador artificial, mantendo assim uma vida com alguma qualidade. Contudo, tem-se como a definição biológica de morte a morte cerebral, ou seja, cessão de atividade elétrica no cérebro.

O sentido da morte insere-se no sentido da vida. O princípio é a vida. O morrer é um ato humano, da condição humana.

4. Eutanásia. §3º - Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena – reclusão de três a seis anos. Exclusão de ilicitude; §4º - Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

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4.2 O entendimento religioso quando da terminalidade da vida O elemento religioso está intimamente ligado às noções e percepções da terminalidade

da vida, muito porque, além de questões culturais, a religião foi elevada à categoria de direito fundamental pela Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, e garante o livre exercício dos cultos religiosos, segundo o conteúdo do inciso VI, do artigo 5º, do mencionado diploma constitucional. Todos participam do ciclo: nascer, crescer e morrer. Sendo assim, a morte é encarada como fato natural da vida e o que distingue os indivíduos é a forma como tal fato é compreendido. É na religião, que se tenta buscar as respostas e confortos para a vida, morte, e até mesmo o pós-morte. Deste modo, Léo Pessini dispõe:

As religiões podem dar às pessoas uma norma superior de consciência, aquele imperativo categórico tão importante para a sociedade de hoje e que obriga numa outra profundidade e firmeza. Pois todas as grandes religiões exigem uma espécie de “regra de ouro” – não se trata de uma norma hipotética, condicional, mas de uma norma incondicional, categórica e apodítica – totalmente praticável diante das mais complexas situações em que os indivíduos ou mesmo muitas vezes grupos devem agir (PESSINI, 2002).

Para o Judaísmo, o último estágio da doença deve ser enfrentado como o período em que doente deve ser assessorado, confortado e encorajado (SÁ, 2005). Apesar de ser contra a eutanásia, não há obstáculos aparentes à prática da ortotanásia. Segundo Antônio Chaves:

O judaísmo distingue entre o prolongamento da vida do paciente, que é obrigatório, e o da agonia, que não é. Logo, se houver convicção médica de que o paciente agoniza, podendo falecer dentro de 3 dias, admitidas estão a suspensão das manobras reanimatórias e interrupção de tratamento não analgésico. Deveras, no Torá, livro sagrado dos judeus, acolhida está a ideia da dignidade da morte, pois assim reza: “Todo aquele cuja existência tornou-se miserável está autorizado a abster-se de fazer algo para prolongá-la” (CHAVES, 1994).

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Já para o Budismo não há a visão da morte como fim da vida. Esta é entendida como uma transição. Reconhece o direito de disposição dos indivíduos quando deveriam passar desta existência para a seguinte. O importante não é se o corpo vive ou morre, mas se a mente pode permanecer em paz e em harmonia consigo mesma (PESSINI, 2002). O Budismo enfatiza a qualidade mental da vida do paciente, e respeita sua decisão quanto ao tempo e forma de morrer, sob pena de violação aos princípios budistas.

No Islamismo, quanto à ética médica e o Código Islâmico de Ética Médica tem-se como juramento que o médico promete resguardar a vida humana em todos os momentos e situações, fazendo o máximo para afastar a morte, a doença, a dor e a ansiedade. O médico é uma ferramenta do Deus islâmico para curar as enfermidades, conservando a vida e a saúde. Desta forma, pode-se entender que a ortotanásia poderia ser admitida pela religião islâmica.

Maria de Fátima Freire de Sá avalia que:

[...] torna-se imperioso concluir que o islamismo condena o suicídio e a eutanásia ativa. Contudo, traz certa simpatia em relação à ortotanásia, uma vez que condena a adoção de medidas heroicas para manter, a todo custo, a vida de alguém com morte eminente (SÁ, 2005).

Quanto ao Cristianismo, religião mais difundida no mundo, tem-se uma série de documentos sobre a questão da morte. A Declaração sobre a Eutanásia, de 1980, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, conceitua a eutanásia, e a desaprova julgando-a como uma violação da Lei divina, afronta à dignidade humana, crime contra a vida e contra a humanidade. O Papa João Paulo II, em 1995, promulgou a Carta Encíclica Evangelim Vitae, na qual condena a distanásia, considerando tal abuso terapêutico inapropriado à conjuntura real do doente. Portanto, a Igreja Católica repudia tanto a eutanásia, quanto a distanásia, o que implica que, em tese, a ortotanásia poderia ser admitida, uma vez que o cristianismo acolhe, por meio dos documentos referendados, a abdicação do doente a tratamentos considerados fúteis e inúteis, e que o sustentem artificialmente vivo por práticas custosas e sofridas.

Cada religião apresenta seus dogmas e filosofias diferentes, todavia isto não afasta a dimensão da morte, já que esta é intrínseca a todo indivíduo. Contudo, devem-se considerar

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outras esferas pertencentes ao ser humano como a promoção do amor, do respeito a si e ao próximo e a garantia de um término de vida digno.

4.3 Direito de morrer Necessário se faz aceitar que a vida tem um fim. Não existe cura para a morte. Por mais

incríveis que sejam os progressos da Medicina, a morte, como reza o ditado, chega para todos. Nesse diapasão, existem aqueles que defendam o direito à morte digna e outros que entendam

não caber ao homem pôr termo à sua própria vida. Indiscutível é que é função do Estado garantir o direito à vida, não somente no que tange a estar vivo, mas no sentido de assegurar ao indivíduo uma vida digna. Diante disso, afirma Alexandre de Moraes: “o Estado deverá garantir esse direito a um nível adequado com a condição humana, respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (MORAES, 2005).

Considerado um valor supremo, a Dignidade da Pessoa Humana atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem. Aliado a tal princípio, a Constituição Federal, faz menção ao direito à vida no art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida”. Compreende-se, assim, que o Estado tem o dever de garantir o direito do indivíduo de continuar vivo, e de proporcionar dignidade ao ser humano. Insta salientar, então, que o direito à vida se mostra como uma obrigação do Estado, e não uma imposição do mesmo. Na condição de valor, e princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana determina e implica no reconhecimento e proteção de todos os direitos fundamentais, pois, do contrário, resultaria em negativa da própria dignidade o não reconhecimento à pessoa humana dos direitos fundamentais que lhes são intrínsecos.

O direito de morrer não é algo buscado de forma generalizante. Tem como objeto um grupo específico de indivíduos, os quais a morte é impedida mediante extremo sofrimento. Aqueles que defendem um direito de morrer, o fazem porque entendem que apesar dos benefícios evidentes que a tecnologia proporciona em prol do prolongamento da vida, muitas vezes, tais avanços e benesses ocasionam intensa aflição, agonia, dor e padecimento para certa parcela de indivíduos cujo prognóstico é nefasto.

De acordo com o até então exposto, percebe-se que a proteção jurídica voltada à vida direciona-se a vida humana digna, o que implica reconhecer o indivíduo como um fim em si mesmo e não como um recurso para aquisição de outros desígnios. Desse modo, a partir do aspecto

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incontestável de que ao Estado cabe admitir que o indivíduo desenvolva sua personalidade de forma adequada e saudável, implica em permitir que o mesmo desempenhe a devida liberdade. Aliando tais aspectos, conclui-se que a vida deve ser consolida por meio da liberdade. E, sendo a morte uma etapa da vida, talvez possa ser escolhida livremente, pelo próprio indivíduo.

A vida, além de seu caráter biológico apresenta outras esferas, como a psíquica e a espiritual. Deste modo, o entendimento de tal direito não deve ser realizado de maneira isolada, mas sim sob o prisma da dignidade da pessoa humana. A liberdade, por sua vez, é direito cujo exercício proporciona o desenvolvimento da personalidade, encontrando limites na liberdade alheia, já que o homem vive em sociedade sendo indispensável, dessa forma, o estabelecimento de limites. O embate entre “vida e liberdade” se mostra acentuado quando do contexto do direito de morrer dignamente das pessoas com doença grave e incurável, que estejam em estado terminal.

Neste âmbito, Ronald Dworkin dispõe:

Os médicos dispõem de um aparato tecnológico capaz de manter vivas – às vezes por semanas, em outros casos por anos – pessoas que já estão à beira da morte ou terrivelmente incapacitadas, entubadas, desfiguradas por operações experimentais, com dores ou no limiar da inconsciência de tão sedadas, ligadas a dúzias de aparelhos sem os quais perderiam a maior parte de suas funções vitais, exploradas por dezenas de médicos que não são capazes de reconhecer e para os quais já deixaram de ser pacientes para tornar-se verdadeiros campos de batalha. Situações desse tipo nos aterrorizam a todos. Também temos medo – alguns mais que outros – de viver como um vegetal inconsciente, mas escrupulosamente bem cuidados. Cada vez mais, nos damos conta da importância de tomar uma decisão com antecedência: queremos ou não ser tratados desse modo? (DWORKIN, 2003)

A imagem de viver preso a aparelhos, em estado vegetativo por longo tempo aterroriza grande parte das pessoas, fazendo com que reflitam sobre a forma como gostariam de serem tratadas se acometidas por doença grave incurável, encontrando-se em estado terminal. A esse respeito, Cimon Hendrigo Burmann de Souza questiona:

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Será que toda essa tecnologia está  mesmo a serviço da pessoa humana, tornando a morte, que também é parte integrante da vida, um evento mais digno? Ou será que a tecnologia, em vez de somente acrescentar vida aos anos, busca também prolongar o sofrimento durante a fase final da existência? (SOUZA, 2002).

Para Roxana Cardoso Brasileiro Borges:

O direito de morrer dignamente é a reivindicação por vários direitos, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia, a consciência; refere-se ao desejo de se ter uma morte humana, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil. Isso não se confunde com o direito de morrer. Esse tem sido reivindicado como sinônimo de eutanásia ou de auxílio ao suicídio, que são intervenções que causam a morte. Não se trata de defender qualquer procedimento que cause a morte do paciente, mas de reconhecer a sua liberdade e sua autodeterminação (BORGES, 2007).

O ordenamento jurídico brasileiro não prevê o direito de morrer dignamente. A eutanásia configura crime de homicídio privilegiado, uma vez que considera o sentimento de piedade que impulsiona o agente, conforme o artigo 121, § 1º do Código Penal. Induzir, instigar ou auxiliar a suicídio também é crime, de acordo com o artigo 122 do mesmo diploma legal.

A distanásia, que visa o prolongamento da vida por meio de tratamentos demasiadamente degradantes, está se tornando cada vez mais comum nos hospitais (PESSINI, 2002). No entanto, tal conduta atenta claramente contra a dignidade humana, já que a extensão do tratamento, a qualquer custo, estende também o sofrimento do paciente.

Já a ortotanásia, é a modalidade que importa na suspensão do tratamento médico, que adia, injustificadamente, a concretização do evento morte. É conduta atípica perante o Código Penal Brasileiro. Todavia, para sua configuração, necessário se faz o requerimento do paciente. Tal conduta está em maior consonância com as pretensões dos pacientes que reivindicam o direito de morrer dignamente, uma vez que, nesta, o processo de morrer ocorre naturalmente. Não há a abreviação da vida nem o prolongamento de um tratamento inútil.

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A alternativa da ortotanásia permite fazer uma importante distinção entre tirar uma vida e deixar uma pessoa morrer. Para Norman Geisler: “o primeiro ato pode ser errado, ao passo que o último, na mesma situação, não precisa ser errado” (GEISLER, 1998). Deixar de ministrar medicamentos a um paciente em estado terminal, depois do devido consentimento, e assim permitir que morra naturalmente não parece ser um mal moral, talvez seja a coisa mais misericordiosa a se fazer. O autor completa seu pensamento:

Isto não quer dizer que um médico deva dar remédios ou fazer uma operação para apressar a morte – isto poderia, muito provavelmente, ser assassinato. Mas esta posição realmente subentende que permitir misericordiosamente a morte do sofredor é moralmente certo, ao passo que precipitar sua morte não o é. Os remédios devem ser dados para aliviar o sofrimento, mas não para apressar a morte. Se, porém, a falta de remédios ou da máquina pode diminuir o sofrimento ao permitir que a morte ocorra mais cedo, então por que se deve ficar moralmente obrigado a perpetuar o sofrimento do paciente por meios artificiais? Em síntese, matar envolve tirar a vida de outra pessoa, ao passo que a morte natural não o envolve; é meramente deixar a pessoa morrer. O homem é responsável por aquele ato, mas Deus é responsável por este (GEISLER, 1998).

Diante ao exposto, a ortotanásia, aliada aos traços da Limitação Cosentida de Tratamento (LCT), se mostra a mais adequada maneira de se atender às pretensões de pacientes em estado terminal que clamam a própria morte, sob a justificativa de que, com tal conduta, a dignidade da pessoa será respeitada e sua autonomia será reconhecida. Almeja-se, assim, demonstrar que o indivíduo tem o direito de buscar um fim de vida digno que importa no acolhimento da morte como parte da vida, não devendo esta, deste modo, ser mantida à custa de dor e sofrimento.

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5. LIMITAÇÃO CONSENTIDA DE TRATAMENTO E O TESTAMENTO VITAL5.1 Consentimento

São requisitos para que o paciente exerça sua autonomia a “informação, o discernimento e a ausência de condicionadores externos” (NAVES; SÁ, 2002). Deste modo, é o consentimento que justifica as intervenções médicas e de saúde em um indivíduo. Assim, para tratamentos, intervenções, diagnósticos, prognósticos, é necessário o consentimento do titular, se for ele um sujeito do consentimento. Caso não se esteja perante sujeitos de consentimento, a justificação será pelo consentimento de representantes legais ou convencionais. Portanto, vê-se que as intervenções médicas configuram-se como disposição de posições subjetivas de direito fundamental.

Há ainda hipóteses que se justificam a intervenção independente dos profissionais da saúde, como: atendimento de emergência, quando não se sabe e não há como saber a decisão do paciente (ou de seus representantes legais); o privilégio terapêutico, que tem fronteiras estreitas e precisa de motivação; e a proteção de direitos de terceiros ou esquemas de saúde pública, ou seja, circunstâncias nas quais a rejeição do paciente causa impacto negativo a terceiros, como por exemplo, casos de doenças contagiosas.

5.1.1 Qualidade do consentimentoSempre que possível o consentimento será imprescindível e suficiente para operar

como justificação procedimental do ato comissivo ou omissivo que seria vetado se não houvesse o consentimento. Assim, para que seja válida a disposição é pré-condição que o consentimento seja do titular e possa ser qualificado como livre e informado.

Para que isso ocorra de maneira eficaz, o paciente deve ser informado sobre o diagnóstico, o tratamento, os possíveis resultados e os riscos decorrentes do método utilizado. A fim de tomar decisão adequada e consciente o paciente depende de informações que sejam, então, transmitidas em linguagem clara e acessível. O paciente precisa estar completamente esclarecido para emitir sua decisão.

Em princípio, para efeitos de disposição, os sujeitos do consentimento seriam os civilmente capazes. Deste modo, a capacidade civil seria necessária para a possibilidade de disposição. Entretanto, não é a capacidade civil que conta em todas as hipóteses de disposição de posições subjetivas de direitos fundamentais. Como se comprova, por exemplo, nos casos de consentimento para relações sexuais. Existe disposição de posições jurídicas de direitos fundamentais, todavia não se impõe a capacidade civil plena para que o titular seja considerado um sujeito do consentimento.

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Percebe-se assim que o sujeito do consentimento não se confunde com o civilmente capaz. Quem seria, então, um sujeito de consentimento? Deryck Beyleveld e Roger Brownsword definiram com precisão um sujeito do consentimento:

Se as condições para um consentimento autêntico são que ele seja emitido livremente e com uma base informada (como quer que essas condições sejam interpretadas), então a lógica é a de que a especificação de um “sujeito do consentimento”– isto é, possuir a capacidade (ou competência) relevante para consentir – refletirá tais condições. Isso significa, primeiro, que a pessoa com capacidade para consentir será hábil a formar seus próprios julgamentos e formar suas próprias decisões livre da influência ou opinião de outras; e, segundo, que tal pessoa será apta a entender e aplicar a informação que é substantiva para sua decisão (BEYLEVELD; BROWNSWORD, 2007).

Deste modo, conclui-se que o sujeito do consentimento compreende o que é consentir, com o que consente e por que escolhe consentir. Sendo assim, nem todo titular está hábil a dispor de posições jurídicas subjetivas de direitos fundamentais. Para tal disposição é necessário que seja um sujeito do consentimento, ou seja, que possua os atributos da agência plena no momento relevante para o consentimento. Ressaltando ainda que “como corolário do princípio da boa-fé objetiva, traduzido na cooperação, na lealdade, na transparência, na correção, na probidade e na confiança. A informação deve ser completa, verdadeira e adequada, pois somente esta permite o consentimento informado” (RIO DE JANEIRO, 2009), ou seja, é necessário que a manifestação do paciente seja livre, sem a influência de vícios sociais ou de vícios do consentimento.

5.2 LIMITAÇÃO CONSENTIDA DE TRATAMENTOA Limitação Consentida de Tratamento (LCT), também denominada Suspensão de

Esforço Terapêutico (SET) é uma conduta médica que respeita a liberdade de escolha do paciente de não mais ser tratado. Acata a autonomia do paciente e não prolonga a sua vida contra a sua vontade, não utilizando métodos forçados e conflitantes com ação intencional

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de causar ou auxiliar a morte alheia. Ainda há bastante resistência quanto à aceitação da recusa total a tratamento, contudo, já existe certo consenso no marco teórico hegemônico da Bioética quanto à possibilidade de recusa em sentido estrito (LCT).

A retirada de suporte vital (RSV), a não-oferta de suporte vital (NSV) e as ordens de não-ressuscitação ou de não-reanimação (ONR) compõem a limitação consentida de tratamento. A RSV implica na suspensão de mecanismos artificiais de manutenção da vida, como por exemplo, o sistema de ventilação mecânica; enquanto a NSV, constitui o não emprego desses mecanismos. Já a ONR significa a deliberação de não proceder à reanimação de paciente acometido de enfermidade irreversível e incurável ou em estagio terminal, quando da ocorrência de parada cardiorrespiratória (KIPPER, 2003). A LCT muito se aproxima dos procedimentos de ortotanásia e de cuidado paliativo sendo fundamental assim, o consentimento do paciente ou de seus responsáveis legais ou convencionais para a ação ou omissão de determinadas práticas. Como já exposto, tais decisões devem ser tomadas depois de adequada informação e devidamente registrada mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O objetivo inicial da LCT é evitar o prolongamento da agonia pelo emprego de técnicas artificiais de conservação da vida ou pela utilização de métodos extraordinários e desproporcionais. Conquanto a morte possa ser adiantada, tal resultado não é o pretendido, mas uma consequência colateral, o que se contrapõe às praticas de suicídio assistido e da eutanásia, as quais buscam ocasionar a morte.

A legislação brasileira não contempla as práticas de LCT assim como dos cuidados paliativos. Há, todavia, grande número de enunciados normativos aplicáveis à situação de pacientes terminais, em estado vegetativo persistente ou acometidos por enfermidades cujo prognostico é a morte. Existem ainda, resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) favoráveis a tais práticas que explicitamente permitem e regulamentam tal assunto. Porém, há também literatura jurídica, assim como enunciados normativos em sentido contrario.

Em suma, a posição jurídica brasileira ainda não é clara, o que ocasiona insegurança tanto para todos os diretamente envolvidos, como: paciente, profissionais da saúde, familiares, representantes, cuidadores e juristas, assim como para a sociedade como um todo.

Trata-se a LCT como caso de omissão imprópria, ou seja, omissão de ação que corresponde a um tipo de consequência (homicídio). Entretanto, para ser configurado crime de homicídio de ação imprópria, necessário se faz que a morte seja resultado causal

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da ausência de ação mandada (SANTOS, 2005). Ocorre que na LCT o fato morte é inevitável, uma vez que a enfermidade é preexistente e encontra-se em estágio para o qual a Medicina desconhece a cura ou a possibilidade de reversão, apenas conseguindo adiá-la, como poucos benefícios, e altíssimo ônus. Assim, quando do atendimento à LCT, os profissionais de saúde não objetivam a produção do resultado morte. Intencionam, por sua vez, respeitar a manifesta escolha do paciente ou de seus representantes, admitindo que a morte siga seu curso natural. Deste modo, não se configuraria dolo, imprudência ou negligência, vez que a equipe de saúde se comprometeria a conservar o bem-estar do paciente.

Nessa toada, e considerando que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios, o CFM atento à necessidade, assim como à inexistência de regulamentação de diretivas antecipadas de vontade dispôs (RES. 1.995/2012) que o dever médico consiste em respeitar a escolha do paciente, acatando com extrema relevância a questão da autonomia do enfermo e sua liberdade de escolha em não prolongar sua vida forçosamente.

O problema central da LCT não é uma pessoa decidir morrer e outra se omitir em evitar, mas de um conjunto de pessoas que, em certas condições, buscam a possibilidade de recusar tratamentos que prolonguem a vida, uma vez que estão acometidas de enfermidades terminais, incuráveis, degenerativas ou que conduzam a perda da independência. Ou ainda, por pessoas que prevejam circunstâncias que avaliem excessivamente degradantes. Manifestam-se formalmente no sentido de não serem submetidas a determinados tratamentos, a processos de ressuscitação, ou de não serem mantidas em estado vegetativo, por exemplo. A manutenção de um indivíduo biologicamente vivo, por curto período, implica, muitas vezes, na ampliação de amarguras e aflições. Exige-se que o paciente e seus familiares suportem tormentos e agonias obrigando-os a encarar a morte de forma específica, tida como correta por certos grupos sociais, de acordo com concepções morais que muitas vezes são diversas dos valores do referido paciente, que são constrangidos a pactuar com determinados fins que manifestamente não são os seus.

Não obstante a importância do direito à vida, os traços presentes na LCT mostram que há outras posições horizontalmente conflitantes que pesam mais. Não há como considerar o direito a vida e ignorar os direitos de liberdade, privacidade, inviolabilidade corporal e o direito de não ser submetido a tratamentos desumanos. Não se pode exigir que para a preservação da vida o indivíduo seja privado de seus mais elementares direitos.

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5.2.1 Os contornos da LCTPontual se faz a determinação de quais as práticas abarcadas pela LCT. Quais pacientes

podem requerê-la? Quais tratamentos podem ser limitados? O que integra a LCT? Limitar-se-á somente os tratamentos extraordinários e desproporcionais? Como definir tratamentos extraordinários? E desproporcionais?

Tem-se que em muitos casos as discussões de LCT quanto ao rumo terapêutico podem iniciar no momento do diagnóstico, com a escolha das técnicas a serem utilizadas. Ressalta-se ainda que é possível a alteração da opinião diante da evolução da enfermidade, ou seja, o paciente deve, constantemente, ser zelosamente informado de sua condição, por meio de informações objetivas, verídicas e compreensíveis. Deve-lhe ser fornecida todas as possibilidades, sem induzimento a respeito do conteúdo de um testamento vital ou das diretrizes antecipadas (BRASIL, 2009)

A LCT necessita então ter definições precisas. Primeiramente, há de ser estabelecido quais enfermos poder fazer a escolha: se somente aqueles em estágio terminal, os acometidos de doenças terminais incuráveis, ou se os pacientes em estado vegetativo também estariam inseridos (BRASIL, 2009). Posteriormente deve-se estabelecer quais tratamentos podem ser limitados ou suspensos, se apenas os extraordinários, se os desproporcionais também estariam inseridos, determinando especificamente os conceitos de tais termos (BRASIL, 2008). Por último é preciso estabelecer se a RSV estará incluída na LCT, bem como a sedação terminal, dentre outros procedimentos.

5.3 Testamento VitalDurante quinze anos, de 1990 a 2005, a americana Terri Schiavo5 ficou em estado

vegetativo persistente devido a uma disputa judicial entre o marido e os pais dela, que defendiam a manutenção da vida artificial. Ela não tinha um testamento vital.

5. Em decorrência de uma parada cardíaca, Terri Schiavo viveu em estado vegetativo até falecer, em 2005. Nos últimos sete anos de sua vida, seu marido e representante legal, Michael Schiavo, vinha pedindo ao Judiciário dos EUA o desligamento dos tubos que a mantinham viva. Para tanto, afirmava que, antes de entrar em estado vegetativo, a mulher havia se manifestado diversas vezes no sentido de que não gostaria de ser mantida viva artificialmente. À pretensão do marido se opuseram tanto os próprios pais de Terri quanto diversas autoridades norte-americanas, como o Presidente Geoge W. Bush. A longa controvérsia jurídica envolveu desde a Justiça Estadual da Flórida até a Justiça Federal dos EUA, passando pelo Legislativo e pelo Governador do Estado. Por sua vez, a Suprema Corte dos EUA se recusou a analisar a matéria. Terri Schiavo faleceu em 31 de março de 2005. O resultado de sua autópsia confirmou que nenhum tratamento poderia tê-la ajudado a superar os danos neurológicos que sofreu.

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Testamento Vital, também chamado de Declaração Antecipada de Vontade, ou ainda Diretrizes Antecipadas, é um conjunto de instruções, escolhas e vontades expostas por determinada pessoa especificando quais tratamentos consente receber em situações de acometimento de enfermidade para qual atualmente a Medicina desconhece cura ou tratamento que possibilite uma vida física e mental saudável e digna. O autor/paciente manifesta, antecipadamente, que cuidados relativos à sua saúde deseja receber caso não se encontre capaz de prestar consentimento informado de forma pessoal e autônoma. O Testamento Vital é feito pelo próprio indivíduo enquanto se encontra são, sendo utilizado para conduzir o tratamento de um paciente desde que tais traços estejam em consonância com a ética médica. Visa, então, permitir ao indivíduo uma “morte digna”, evitando tratamentos inúteis que apesar de prolongar artificialmente a vida trazem benefícios ínfimos. A legislação referente a tal instituto é diferente dependendo do país, todavia em grande parte deles é garantido ao paciente o direito de decidir sobre qual tratamento médico receberá ante a iminência da morte. Nos Estados Unidos, a autonomia privada do paciente foi sendo gradativamente reconhecida, resultando na construção de um texto normativo que passou a vigorar a partir de Dezembro de 1991. Tal texto sobre Ato de Auto-Determinação do Paciente – The Patient Self-Determination Act (PSDA) – nas relações médicas (NAVES; SÁ, 2002), descreve que, quando da admissão do paciente, os centros de saúde anotam as escolhas e recusas a métodos de tratamentos quando de possível incapacidade superveniente. São as advance directives, que propiciam ao paciente a antecipação de suas escolhas, na hipótese de posteriormente não poder expressar sua vontade. Três são as formas em que elas se consubstanciam: 1) living will; 2) durable power of attorney for health care; 3) advanced core medical directive . (NAVES; SÁ, 2002).

O living will ou “testamento em vida”, como definem Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá: “pretende estabelecer os tratamentos médicos indesejados, caso o paciente incorra em estado de inconsciência ou esteja em estado terminal”. Por meio do durable power of attorney for health care, que em português pode ser traduzido por poder duradouro do representante para cuidados com a saúde, ou mandato duradouro, constitui um representante para decidir e tomar as providências oportunas pelo paciente (NAVES; SÁ, 2002). Pela advanced core medical directive ou diretiva do centro médico avançado, o doente estipula quais os tratamentos que não quer se submeter e nomeia um representante. Tal documento se mostra mais completo, voltando-se mais para enfermos terminais, agrupando disposições do “testamento em vida” e do mandato duradouro (NAVES; SÁ, 2002).

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O living will também pode ser chamado de testament de vie, testamento biológico ou testamento vital (BORGES, 2001). Roxana Cardoso Brasileiro Borges o define como:

O testamento vital é um documento em que a pessoa determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não tratamento deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de manifestar sua vontade. Visa-se, com o testamento vital, a influir sobre os médicos no sentido de uma determinada forma de tratamento ou, simplesmente, no sentido do não tratamento, como uma vontade do paciente que pode vir a estar incapacitado de manifestar sua vontade em razão da doença. (BORGES, 2007).

Em Portugal a recente lei 25/2012 possibilitou a lavratura de documento classificador dos tratamentos que os indivíduos desejam ou se opõem, em casos de doenças que impossibilitem a manifestação de sua vontade. Todavia em tal país, o também chamado Testamento Vital, no imediato, só pode ser assumido perante um notário. A lei prevê que as diretivas antecipadas de vontade possam ser formalizadas também perante um funcionário do Registro Nacional do Testamento Vital (RNTV), uma estrutura a ser instituída.

No Brasil, não há ainda lei sobre a permissividade do Testamento Vital, contudo, a Resolução 1.995/2012 do CFM estabelece as diretivas para a feitura do mesmo. Considerando a autonomia do paciente no contexto da relação médico-paciente a resolução define em seu artigo 1º as diretivas antecipadas de vontade como: “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”.

Ao contrário do que foi estabelecido por lei em Portugal, que indica que as escolhas formadoras do Testamento Vital devem ser registradas perante notário na Res. 1.995/2012 há disposição de que o médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente. A Resolução não determina um modelo a ser seguido, podendo assim o Testamento Vital ser firmado tanto por acordo verbal entre o médico e o paciente, como por escrito. Contudo, é indicado que se faça por escrito, e na presença de duas testemunhas. Há ainda, recomendações para que sejam indicados “procuradores de vida”, que poderão tomar decisões em nome do paciente.

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Ponto importante, a saber, é que o Testamento Vital não é definitivo, sendo possível alterá-lo a todo instante. Na Espanha o documento vale por dois anos, já em Portugal, o prazo é de cinco anos. No Brasil não há limitações, todavia a orientação é de que haja precaução para que o Testamento Vital seja devidamente redigido em momento adequado, sem que a doença esteja alojada de forma agressiva.

O CFM, no entanto, não estende o instituto do Testamento Vital a toda e qualquer enfermidade. Prevê a utilização do documento a pacientes graves, incuráveis e que não mais respondam ao tratamento, ou seja, em geral as regras de tal instituto se aplicarão a pacientes em condição terminal, estado permanente de inconsciência ou que tenham sofridos danos cerebrais irreversíveis, que impeçam que o indivíduo recupere a capacidade de tomada de decisões.

Dessa forma, se faz necessário distinguir o coma do estado vegetativo persistente. No primeiro caso, há o rebaixamento do nível de consciência, mas há possibilidade de melhora. Já no segundo, o dano neurológico é irreversível, com perda da capacidade de comunicação e consciência. O paciente tem de ficar ligado a máquinas para que suas funções vitais sejam conservadas. Neste caso, deve o médico atender às escolhas do paciente desligando os aparelhos, se esta for a vontade.

Em suma, o próprio paciente, ou em casos de impossibilidade, seus representantes legais ou convencionais recusam, aderem, manifestam limites a um ou alguns tratamentos ou intervenções médicas, depois do devido processo de informação, culminando com a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (CLOTET; GOLDIM; FRANCISCONI, 2000), que pode ser então um elaborado Testamento Vital ou uma simples manifestação do paciente em seu próprio prontuário. Qualquer que seja a expressão a ser utilizada, o importante é privilegiar as escolhas do paciente, devendo assim suas vontades serem respeitadas.

6. A APLICABILIDADE DA RESOLUÇÃO 1995/2012 DO CFMNo ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se no art. 5º, II, CRFB o Princípio da

Legalidade, em sua forma genérica, onde se pode depreender que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL, 2011). Assim, o preceito indica que apenas à lei cabe a criação de deveres e obrigações, ou seja, qualquer ato que interferir no direito de liberdade e propriedade dos indivíduos necessita de lei prévia que o autorize.

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De acordo com a Lei nº 3.268/1957, o Conselho Federal de Medicina (CFM), bem como os Conselhos Regionais de Medicina, constituem-se sob a forma de autarquias6, sendo cada uma delas dotada de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira.

Observa-se que o CFM possui larga delegação normativa para dispor sobre deontologia médica, o que permite a edição de diversas resoluções que por vezes são questionadas em virtude de regularem temas que, devido sua complexidade, deveriam ser tratados somente por lei.

A Resolução nº 1.995/2012 do CFM se ampara no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado no art. 1º, III da CRFB e no art. 5º, III, de mesmo diploma legal, que estabelece que: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, para admitir que aos médicos possa ser possibilitado a limitação ou suspensão de tratamentos e procedimentos que delonguem a vida do paciente de enfermidade grave e incurável, em fase terminal, respeitados os anseios do indivíduo ou de seu representante legal.

Ressalta-se que, a terminalidade da vida é uma condição diagnosticada pelo médico diante de paciente com doença grave e incurável. Por conseguinte, percebe-se que há uma doença em fase terminal, e não um doente terminal. Para o CFM, neste caso, a prioridade passa a ser do enfermo e não mais o tratamento da enfermidade.

Ocorre que as resoluções são atos legislativos de conteúdo concreto e de efeito interno. Não tendo força de lei. No caso em tela é uma norma para disciplinar certos procedimentos médicos em relação a um paciente terminal.

Não se trata de autorização para eutanásia. Essa prática (eutanásia), no Brasil, não é permitida por lei. O Código de Ética Médica não deixa dúvidas quanto a isso, pois diz que ao médico é proibido antecipar a vida, mesmo que a pedido do paciente ou de seu representante legal. Além disso, complicado seria, do ponto de vista moral e ético, defender a eutanásia,

6. Conforme o Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, autarquia é um “serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada” (BRASIL, 2011). Acompanhando a doutrina majoritária, Justen Filho (2005) reputa o conceito legal “prolixo e defeituoso”, preferindo a seguinte definição: “pessoa jurídica de direito público, instituída para desempenhar atividades administrativas sob regime de direito público, criada por lei que determina o grau de sua autonomia em face da Administração direta”.

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porque a vida é a base e o fundamento de todos os direitos da pessoa humana, devendo ser respeitada, do começo a seu término natural.

Quanto à legislação penal brasileira, esta não categoriza a limitação consentida de tratamento. Dispõe apenas sobre a eutanásia, tanto em sua forma ativa (decorrente de uma conduta positiva, comissiva), quanto em sua forma passiva (quando o resultado morte é obtido a partir de uma conduta omissiva), constituindo hipóteses de homicídio.

Salienta-se que condutas médicas restritivas não devem ser confundidas com a eutanásia passiva, embora seja praxe fundi-las. A eutanásia passiva, assim como a ativa, busca a promoção da morte, pois com ela há o fim do sofrimento. Diferenciam-se somente pelo meio empregado, ação e omissão, respectivamente. Nas condutas médicas restritivas, o desejo não é matar, mas sim impedir o prolongamento desnecessário do esgotamento físico e mental. Embora tênue, a diferença entre eutanásia passiva e ortotanásia tem toda importância ao passo que indicam a distinção de tratamento jurídico proposto: a licitude desta e a ilicitude daquela.

Nessa interpretação, na qual se refere à abordagem convencional do assunto, sem a expressa separação dos institutos, a vontade do paciente e de sua família de cessar certo tratamento médico desproporcional, extraordinário ou fútil não descaracterizaria a conduta como criminosa. O consentimento não protegeria o médico de uma acusação penal. Assim, não haveria distinção entre não tratar ou cessar determinado tratamento de paciente terminal, de acordo com sua própria vontade e o ato de antecipar-lhe a vida, intencionalmente, a seu pedido.

Ao apresentar o mesmo tratamento jurídico para situações diversas, tal postura legislativa e doutrinária pode causar sérias consequências, vez que o modelo legal induz a condutas de obstinação terapêutica e acaba promovendo a distanásia. Assim, mesmo que, os médicos não mais estejam vinculados eticamente a esse padrão, o temor quanto à sanção pode levá-los a adotá-lo. Deste modo há uma alteração do escopo médico, pois a cura e o afastamento do sofrimento se transformam no emprego mais agressivo de prolongar a vida a qualquer custo e sob quaisquer condições. Com isso, a autonomia do paciente é agredida.

Claus Roxin adverte que não há um dever jurídico de manter a qualquer preço a vida que se esvai. Não são obrigatórias medidas que prolongam a vida, pelo simples fato de serem possíveis tecnicamente (ROXIN, 2000).

No Brasil, o Código Penal vigente pune, ainda que com pena menor, o homicídio sob relevante valor moral. Quando esse valor é a compaixão pelo sofrimento do enfermo, a

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eutanásia está inserida em tal conduta, conforme exposição de motivos do próprio Código. Todavia, tal diploma legal não esclarece os limites do entendimento do que seja esse “matar alguém”, cabendo então à doutrina e à jurisprudência tal especificação.

A Resolução buscou aperfeiçoar as carências e insuficiências de um Código Penal, cuja parte especial é da década de 40 do século passado. Nesse diapasão, e salientando a função disciplinadora da classe médica, aliado ao disposto no art. 5º, III da CRFB, pretendeu-se dar suporte jurídico à ortotanásia. Sem alusão à eutanásia e ao suicídio assistido, que permanecem apreciadas pelo CFM como condutas não éticas e, indiscutivelmente são práticas elencadas no rol do Código Penal em vigor.

Claro é que, a matéria tratada na referida Resolução, sobretudo por sua complexidade e, para evitar dúvidas provocadas pela proximidade prática com a eutanásia passiva, deveria ser objeto de edição de norma permissiva específica, o que exaltaria princípios como o da Reserva Legal e o da Separação dos Poderes, constatando-se a atipicidade da conduta de maneira mais simples, além de evitar maiores inseguranças.

De toda forma, a existência da possibilidade de escolha de abstenção de tratamentos, cessão e limitação de determinadas condutas médicas, nas situações previamente determinadas e dispostas na Resolução não configura eutanásia, ou suicídio assistido, não podendo haver subsunção em relação a tais crimes. Na Resolução tem-se apenas a disciplina de procedimentos e condutas que não são proibidas por lei, não afrontando, deste modo, o Princípio da Legalidade, ressaltando ainda que a temática da Resolução não traz a tona deveres ou obrigações, mas sim um direito, um direito de escolha, de escolha a que tratamentos se sujeitar, o que está intimamente ligado ao Princípio que é o cerne da CRFB, a Dignidade da Pessoa Humana.

7. CONCLUSÃO O ponto de partida sobre o qual circunda toda a argumentação do presente trabalho

está no lema jacobino de que a liberdade consiste em escolher o bem. No entanto, o problema está na definição do bem e na desconsideração da liberdade individual.

Lidar com a vida e a morte, a dor e o sofrimento, a doença e a cura é um exercício pedagógico que ultrapassa os limites da ciência jurídica, e demanda uma compreensão da própria dimensão da alma e da profundidade da natureza humana.

A dignidade da pessoa humana representa expressivo vetor interpretativo. Verdadeiro valor fonte que conforma e inspira o ordenamento jurídico dos Estados de Direito, traduzindo-

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se, inclusive, como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Contudo, ao mesmo tempo em que há ampla preocupação com a tutela da dignidade da pessoa humana, percebe-se que há diversas lesões, de toda ordem, que depreciam a mesma dignidade.

A dignidade como autonomia não se restringe ao respeito pela capacidade humana de entabular escolhas, mas abarca as condições para que tal capacidade possa desenvolver-se em plenitude. Traduz as demandas pela conservação e pelo aumento da liberdade humana desde que mantidos os direitos de terceiros e presentes as circunstâncias e as condições da liberdade.

Como visto, a vida e a liberdade são direitos fundamentais que estão profundamente atrelados ao desenvolvimento da personalidade do ser humano. Acontece que, diante de circunstâncias de doença grave ou estado terminal, alguns pacientes reivindicam o direito de morrer dignamente, a fim de não se tornarem vítimas de tratamentos prolongados que majorem seu sofrimento.

Em tais situações específicas, a liberdade poderia se sobrepor à vida, sendo possível reconhecer ao paciente autonomia para requerer que cessem os tratamentos que tem o fim único de prolongar sua existência, sem qualquer possibilidade de cura, por exemplo.

Necessário foi sopesar ambos os direitos e expor as modalidades de disposição da vida requeridas por pacientes que reclamam a própria morte. Ponderou-se ainda o progresso da Medicina, quanto da preservação da vida e, a importância da morte como fase final da vida, considerando também a relação médico-paciente e a autonomia privada deste.

Verificou-se que o amparo jurídico deve voltar-se para a vida digna, o que sugere reconhecer que o indivíduo pode demandar ser respeitado como um fim em si mesmo. Reconheceu-se também que não se deve desmerecer a manifestação de vontade do próprio indivíduo, desde que este tenha capacidade e discernimento para que tal manifestação seja livre e esclarecida, concedendo, deste modo, autonomia ao ser humano.

Concluiu-se, então, que é admissível aceitar à reivindicação da morte do paciente em estado terminal ou portador de doença grave incurável sem, com isso, retirar-lhe a vida ou dilatar sua agonia com um tratamento desmedido. Sendo assim, além de reconhecer a autonomia do paciente, tal conduta mostra-se em consonância com o escopo da República Federativa do Brasil, qual seja, a promoção da dignidade da pessoa humana.

Por fim, o direito de morrer com dignidade não se confunde simplesmente com o direito de morrer, quando a vida lhe parece sem sentido. Morrer com dignidade é ser digno do seu martírio, e aceitar com integridade as limitações da vida. Ressalta-se que ao debater a

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morte, colocam-se em foco também aspectos religiosos e éticos. Todavia, em uma sociedade laica e pluralista, implantada pelo Estado Democrático de Direito, transgredir direitos fundamentais, como a dignidade e a liberdade, fere a Constituição, Lei Maior de nosso País.

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O NASCITURO COMO SUJEITO PASSIVO NO CRIME DE LESÃO CORPORAL

Carlos Henrique Pimenta Júnior

Krysthyan Anselmo da Costa Oliveira

Maicon César da Silva

Marina Nunes Barros Bonfatti

Luiz César Delfino

RESUMOO presente artigo tem como intuito fomentar o grande debate em questão relacionado à

figura do nascituro, existindo duas frentes doutrinárias, em que uma encontra-se favorável à teoria natalista e a outra à teoria concepcionista. Temos aqui a intenção de apresentar a tese defendida por ambas as partes, bem como o respectivo fundamento das mesmas. Discussão esta que se encontra longe de ter um fim. Para uma melhor compreensão sobre o assunto tratado, nos vemos obrigados a conceituar quem de fato seria o nascituro, bem como quem seria o ser a figurar o polo ativo e passivo na lesão. Posicionamentos estes que serão de suma importância no decorrer do artigo, pois nos auxiliarão na compreensão da tese defendida pelos doutrinadores sobre a possibilidade de haver lesão contra a figura do nascituro ou não.

PALAVRAS-CHAVE: Lesão Corporal, Nascituro, Sujeitos do Crime.

1. INTRODUÇÃOA temática apresentada por esse trabalho situa-se na questão da possível lesão corporal

contra nascituro. O artigo 129 do CP define da seguinte forma o crime de lesão corporal: “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”; e este será cautelosamente analisado, levantando assim, presunções para a provável lesão, o que poderia se tornar um eventual caso

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de impunidade devido à ausência de definição legal da conduta. Identificaremos, contudo se o nascituro pode ou não ser sujeito passivo do crime previsto no art. 129, apontando deste modo como e quando se consuma o crime.

No pensamento de Ney Moura Teles:

Incrimina, portanto, um comportamento humano, positivo ou negativo, que seja a causa de uma lesão à integridade do corpo, ou à saúde de um ser humano. E aqui surge a primeira pergunta: a norma alcança apenas a integridade corporal e a saúde do ser humano que já nasceu, ou também a do ser humano em formação, o que vive ainda no útero materno, desde a nidificação? (TELES, 2013)

A Constituição Federal no caput do art.5º1 resguarda a vida humana, ainda quando em desenvolvimento no útero materno. É certo que, também quer adjudicar assistência à integridade corporal e à saúde do ser em concepção.

Assim, se o texto Constitucional resguarda a vida humana, ainda quando em desenvolvimento no útero materno, é plausível pensar que o mencionado dispositivo também quer adjudicar assistência à integridade corporal e à saúde do ser em concepção.

2. O CRIME DE LESÃO CORPORALO capítulo II do Código Penal Brasileiro assim define o crime de lesão corporal:

Lesão CorporalArt. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

A lesão corporal é a ofensa física à integridade ou à saúde do corpo do ser humano. Assim sendo, incrimina-se somente dano ao corpo da vítima, causando-lhe qualquer alteração interior ou exterior, compreendendo também alterações lesivas a saúde deste.

1. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifei)

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Não é necessária a emanação de sangue ou sequer algum tipo de dor a vítima. Ao se tratar da lesão à saúde, não é indispensável que seja apenas contra a vítima saudável, incriminando também lesões que agravem o estado de saúde de uma pessoa já enferma.

Na instrução do professor Nucci:

Ofender significa lesar ou fazer mal a alguém ou a alguma coisa. O objeto da conduta é a integridade corporal (inteireza do corpo humano) ou a saúde (normalidade das funções orgânicas, físicas e mentais do ser humano). (NUCCI, 2012, p.)

Deste modo, quando se trata do verbo ofender citado no caput, referiu-se o legislador, a qualquer alteração anatômica, seja ela interna ou externa, do corpo humano. Já à ofensa a saúde deve-se a qualquer perturbação fisiológica ou mental. Entende-se que a lesão também se aplica a mente, pois o dano a esta é um dano ao cérebro, logo, um dano ao corpo.

Sua forma prevista no caput é a lesão corporal simples, classificada apenas pelo dolo do agente em praticar a conduta, sem exigir o elemento subjetivo específico. Na previsão do §2º, o elemento subjetivo é o dolo, ou culpa, ou preterdolo (nos casos de lesão corporal com resultado morte). Porém, o mesmo é reconhecido de regra considerando a intenção do agente.

No que diz respeito à tentativa, esta é perfeitamente admissível nas hipóteses tratadas de lesão corporal leve. Porém, quando a lesão praticada atingir um nível grave ou gravíssimo, será admitida a tentativa nos casos que o delito não for classificado como preterdoloso.

2.1.Sujeitos do crime de lesão corporalO sujeito ativo e passivo pode ser qualquer pessoa, salvo em algumas figuras qualificadas

(Nucci, 2012, p.668).O sujeito ativo no crime de lesão corporal, por se tratar de um crime comum, pode ser

qualquer pessoa. Não pode se configurar, apenas, o autor como vítima do crime em estudo, uma vez que nossa constituição consagra o princípio da lesividade.

Nesse sentido, é o instruído abaixo:O princípio em análise ensina que somente a conduta que ingressar na esfera de interesses de outra pessoa deverá ser criminalizada. Não haverá punição enquanto os efeitos permanecerem na esfera de interesses da própria pessoa (LAURIA, 2008).

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Ocorrendo tal fato, considerar-se-ia uma autolesão, uma vez que só ocorre crime quando se fere um bem jurídico de terceiro, sendo assim, impossível seria uma punição para quem comete à autolesão. No entanto, é possível que se configure como crime quando a pratica é voltada à intenção de perpetrar outro delito.

Por outro lado, o sujeito passivo é o ser humano vivo, sendo ele titular do bem lesado ou até mesmo ameaçado pela conduta criminosa da parte contrária. Será analisada a seguir a relação de sujeito passivo quanto ao nascituro.

3. O NASCITURO ENQUANTO SUJEITO DE DIREITOS Antes de adentrarmos ao tema em questão, é imprescindível abordarmos sobre quem

de fato vem a ser o nascituro2, termo este que originou da palavra latina “nasciturus”. O termo supracitado não encontra junto ao texto constitucional, descrição predefinida

sobre seu respectivo conceito, ficando as doutrinas e jurisprudências incumbidas por fazê-lo. Assim sendo, tomando como embasamento as descrições doutrinárias e jurisprudenciais, nascituro é um ente que fora concebido ou gerado no ventre materno, a partir do momento que o óvulo fora fecundado pelo espermatozoide, sendo ele dotado de vida intrauterina.

A expressão “outrem”, aplicada no art. 129, tem intensidade maior que a expressão “alguém” do art. 121(TELES, 2013); envolve não somente o ser humano já nascido, mas ainda aquele em concepção. Constitui outro ser humano em seu sentido mais amplo, o em formação e o já formado. A Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.

Alexandre de Morais apoia:

O início da mais preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão-somente, dar-lhe o enquadramento legal, pois do ponto de vista biológico a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto. Assim a vida viável, portanto, começa com a nidação,

2. Nome dado ao ser humano já concebido, que se encontra em estado fetal, dentro do ventre materno. (GUIMARÃES, 2008)

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quando se inicia a gravidez. Conforme adverte o biólogo Botelha Lluziá, o embrião ou feto representa um ser individualizado, com uma carga genética própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da mãe, sendo inexato afirmar que a vida do embrião ou do feto está englobada pela vida da mãe. A Constituição, é importante ressaltar, protege a vida de forma geral, inclusive uterina. (MORAES, p. 35, 2009).

Sob este aspecto, insta explicar que o predicado vida não está escalonado dentre os direitos que, originalmente, foram mencionados e protegidos pelo sistema jurídico. A vida, enquanto preexistente a algum direito, precede essa própria norma e é hipótese de qualquer tutela reservada à condição humana.

3.1.Início da personalidade jurídica e teorias A personalidade jurídica, sendo ela um atributo necessário para que o cidadão seja

caracterizado como sujeito de direito, é a aptidão que o indivíduo tem para contrair direitos e obrigações, tendo ele a possibilidade de integrar o polo ativo e passivo.

Inúmeras são as discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre quando de fato inicia a personalidade jurídica do nascituro. Os doutrinadores há muito que vêm travando um assíduo debate doutrinário com o intuito de explicar e, quem sabe, finalizar este impasse sobre o início da personalidade jurídica. Para a defesa de suas respectivas teorias, parte dos doutrinadores defende a tese de uma teoria natalista enquanto a outra parte defende a ideia de uma teoria concepcionista. Fato é que o próprio Código Civil, a partir de seu artigo 2º, aplica as duas teorias. Antes de mencionarmos sobre estas duas teorias, cabe-nos aqui ressaltar a sobreposição da teoria concepcionista sobre a teoria natalista, visando dessa forma o reconhecimento dos diversos direitos do nascituro.

A teoria natalista é aquela que defende a existência da personalidade jurídica a partir do nascimento com vida do ser humano. Anteriormente ao nascimento com vida, conforme defendido por esta teoria, tem-se a ideia de expectativa de direito, enquadrando, assim, o nascituro.

Contrária à teoria natalista, a teoria concepcionista defende a tese de que a personalidade jurídica do indivíduo deve se dá a partir da concepção do nascituro. Entende a classe dos doutrinadores que defendem essa tese, que o nascimento com vida não deve

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ser visto como uma condição para se adquirir a personalidade jurídica. Tal posicionamento fundamenta-se em decisões favoráveis ao nascituro em alguns de nossos tribunais no decorrer dos anos, no que se refere ao Direito Civil. Tal relato pode ser exemplificado a partir de uma das primeiras decisões que veio a favorecer o nascituro, ocorrendo ela no ano de 1987, quando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais proferiu decisão no âmbito da investigação de paternidade. Quanto ao Código Penal, um exemplo a ser apontado como aplicabilidade da teoria concepcionista, pode ser visto nos artigos 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, que prevê punição àqueles que provocam aborto.

3.2. O nascituro no polo passivo do crime de lesão corporalHá muito se debate no ramo jurídico sobre a consumação de ato lesivo contra a figura

do nascituro. Tal discussão é fomentada entre duas frentes doutrinárias já comentadas, a natalista e a concepcionista.

Nesse sentido é o lecionado:

Inicialmente, a doutrina dividiu-se, pois, de um lado, ficaram aqueles que sustentam que o nascituro não seria dotado de personalidade jurídica; apenas adquiriria essa condição caso viesse a nascer com vida. Tal teoria foi denominada de Teoria Natalista. De outro lado, os opositores à aludida teoria natalista, sustentam que nascituro é dotado de personalidade jurídica, devendo, portanto, receber desde logo toda a tutela que é destinada aos seres humanos. Essa teoria recebeu o nome de Teoria Concepcionista.(AMBROSIM, 2013)

Para os doutrinadores adeptos à teoria natalista, a ocorrência de crime contra o

nascituro, excetuando o caso de aborto, somente se concretizará caso o mesmo nasça com vida. Assim sendo, a conduta lesiva praticada pelo agente ativo contra o nascituro, é tida como um agravante após agressão sofrida pela mãe. Os doutrinadores adeptos a esta corrente assim acreditam, devido não reconhecer o nascituro como sendo ele uma pessoa dotada de direitos, haja vista que para tal deveria nascer com vida e não ser ele um “ser” com expectativa de vida.

Contrária à teoria natalista existe uma corrente de doutrinadores concepcionistas, que

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por sua vez defendem a tese de que o nascituro é sim uma pessoa dotada de direitos.Segundo o Código Civil Brasileiro o começo da personalidade natural, para que um

ente seja pessoa e adquira personalidade jurídica, será suficiente que tenha vivido por um segundo (FIUZA, 2012 , p.87).

Tendo por este raciocínio, vemos que o então citado art.129, também se aplica ao nascituro, este, quanto sujeito passivo desta conduta.

A consumação do crime de lesões corporais dá-se, em regra, com a efetiva produção da lesão. Segundo consta em nosso artigo 4º do Código Penal, o tempo do crime é o momento em que a ação ou omissão tenha sido praticada, mesmo que o resultado tenha se notado em outro momento. Assim sendo, o tempo seria aquele em que a criança se encontrava em formação no interior da mãe, ou seja, quando o mesmo era um nascituro dotado de expectativa de vida. Porém, dependendo do caso concreto esta lesão poderia ser observada apenas quando do nascimento deste. Exemplificativamente, se um médico ministra culposamente à mãe grávida medicamento que possa causar ao feto má-formação, no entanto, se constataria este dano após do nascimento da criança.

Por outro lado, o tempo do crime se constataria no mesmo período, se, por exemplo, o sujeito ativo do crime a fim de retirar material genético do feto, através de um objeto cortante, sem que este lhe resulte o aborto, ou qualquer ameaça a sua vida, no caso, para afastar eventual alegação de tentativa de aborto, lesione o nascituro, dá-se a entender que, por este meio, viável seria um exame para se averiguar a ofensa física ao feto.

5. CONCLUSÃOÉ difícil de pensar em uma lesão contra o nascituro, feto ou embrião, seja ela uma lesão

ao seu corpo ou a ofensa a sua saúde, que se deve ser uma lacuna penal, deixando impune quem pratica tal ato. Impossível considerar que o ser em formação é, apenas, uma extensão materna, pois é de fato admissível um dano tão unicamente ao feto, deixando íntegro o corpo materno e assim culpar este ato, apenas, por ter atingido também a gestante. O ser em formação é um ser distinto da mãe que o leva. É também, um bem jurídico digno de sua própria proteção, pois se há dispositivos que tão somente incriminam como delito contra a pessoa que pratica um crime contra a vida do feto, porque não se poderia incriminar alguém que tão-somente o lesionasse? Pois, é também um ser que possui integridade corporal. Se para a sociedade é incriminado a pessoa que o destrói, também é de se considerar os crimes contra sua integridade ou saúde.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAMBROSIM, Maicon Venício de Souza. O nascituro como sujeito de direitos. Revista Pitágoras – ISSN 2178-8243, v.4, n.4. FINAN - Nova Andradina/MS, 2013.BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Parte Especial 2: dos crimes contra a pessoa . 9ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 1 a 6/94. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2007.ESTEFAM, André. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2010.GRECO, Rogério. Curso de Direito penal: Parte Especial, volume 2: Introdução a Teoria Geral da Parte Especial: Crime Contra a Pessoa. 6ª ed. Niterói, Rio de Janeiro/RJ: Impetus, 2009.GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Compacto Jurídico. 12ª Ed. São Paulo: Rideel, 2008.LAURIA, Thiago. Princípios de Direito Penal. 2008. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/cursoonline.asp?id_curso=184&pagina=17&id_titulo=2603>. Acesso em: 01 mai. 2013. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 11ª ed, revista atual e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral – Parte Especial – 4ª edição revista e atualizada – 3ª tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal, volume 2: Parte Especial, arts. 121 a 244b do Código Penal – 27ª edição revista atualizada até 05 de janeiro de 2010 – São Paulo: Atlas, 2010.MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 2: Parte Especial, arts. 121 a 249. 8ª edição revista atual e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Código Civil Comentado. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.TELES. Ney Moura. Disponível em <http://www.neymourateles.com.br/direito-penal/wp-content/livros/pdf/volume02/6.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2013.

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A TEORIA DO PLANEJAMENTO SOCIAL A PARTIR DO DEBATE HART-DWORKIN

Raphaela Borges David

1.INTRODUÇÃOA Teoria do Planejamento Social foi elaborada pelo professor de direito e filosofia da Yale

Law School, Scott Shapiro, principalmente na obra “Legality”, publicada em 2011. O autor desenvolve uma abordagem intrigante e inovadora sobre a natureza do direito, em que define as regras fundamentais do direito como planos focados em estruturar a atividade jurídica a fim de que os participantes de uma determinada comunidade possam trabalhar juntos e realizar valores que de outra forma eles não conseguiriam atingir.

O objetivo do presente artigo é expor os principais pontos da Teoria do Planejamento Social. Para tanto, num primeiro momento verificaremos a posição de Shapiro quanto ao debate Hart-Dworkin, para num segundo momento demonstrar a influência dessa sua posição na construção de sua teoria do direito. Após, descreveremos as críticas lançadas sobre a Teoria da Integridade de Ronald Dworkin, bem como a defesa dworkiana e os pontos criticáveis da teoria de Shapiro.

2. SOBRE COMO SHAPIRO PARTE DO DEBATE HART-DWORKIN PARA CONSTRUIR SUA RESPOSTA POSITIVISTA À INTEGRIDADE

O trabalho de Scott Shapiro começa com a publicação de vários artigos sobre o chamado debate Hart-Dworkin, antes mesmo da publicação de sua teoria do direito na obra Legality. Sua tarefa, nesse primeiro momento, é identificar a verdadeira questão que circunda tal debate. Segundo Shapiro, apesar de muita pesquisa ser produzida acerca da discussão entre Hart e Dworkin, é preciso encontrar qual o real ponto de embate entre esse dois autores. Seria se o direito contém princípios ou somente regras? Se os juízes possuem discricionariedade para decidir nos casos difíceis? Seria perguntar-se qual a maneira correta de interpretar textos jurídicos no Direito norte-americano? (SHAPIRO, 2007, p. 2).

Herbert Lionel Adolphus Hart foi um importante jusfilósofo que influenciou de forma significativa os estudiosos da teoria do direito, em especial com a sua obra intitulada O Conceito de Direito. Podemos resumir as teses ali expostas em três principais ideias. Primeiramente, a

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tese das fontes sociais, onde Hart afirma que o direito pode ser definido pelas práticas sociais de uma comunidade, sendo que estas estipulam o teste final de reconhecimento de validez de uma norma jurídica. A segunda ideia argui que a relação entre Direito e moral não é necessária, sendo uma mera conexão contingencial. E por último, a ideia de que a discricionariedade dos juízes é um elemento indispensável dada a textura aberta da linguagem e a indeterminação do sistema jurídico, fazendo-se necessário o esclarecimento dos seus termos vagos e controvertidos. O autor ainda propõe uma distinção do que ele chama de ponto de vista interno, que é aquele que proporciona uma compreensão do direito como um fenômeno normativo, e se manifesta através da noção de aceitação das normas jurídicas, e o ponto de vista externo, de natureza sociológica, que explicita a existência de um comportamento uniforme e regular realizado pelos membros de uma determinada comunidade. Através desses pontos de vista, podemos visualizar uma sistemática hartiana do direito, na qual existiriam regras primárias, que seriam aquelas que prescrevem alguma conduta positiva ou negativa, e as regras secundárias, que determinam o campo das ações relativas às regras primárias, determinando, em última análise, competências para criação, modificação e solução de problemas que daqueles se originem. Dessas últimas, se extrai a chamada regra de reconhecimento, que seria como um instrumento para identificação da validade das demais normas de um ordenamento jurídico. E em razão dessa caracterização da regra de reconhecimento como critério último de validez das regras jurídicas, afirmará Hart que tal regra em si existe apenas se for eficaz, ou seja, se for aceita pelos seus destinatários como uma forma correta de conduta. Daí que Hart entenderá que a regra de reconhecimento em si não se preocupa em ser válida, e sim, apenas em ser eficaz, sendo a dimensão da obediência o único item que se predica à existência de um sistema jurídico. Toda validade advém de tal regra, excluindo-se assim a investigação de questões de moralidade dos conteúdos jurídicos.

Ronald Dworkin, por sua vez faz a crítica ao positivismo, tendo em Hart seu principal opositor. A ideia do autor é demonstrar como o modelo hartiano baseado em regras é falho frente ao que ele chama de casos difíceis. A saída positivista de apelo à discricionariedade judicial é antidemocrática, e não permite uma realização plena dos direitos fundamentais, uma vez que vinculada aos interesses pessoais do magistrado que decide o caso em questão. Cunha a chamada teoria da integridade , em que argumenta que o juiz não cria o direito. Ele identifica dentre os princípios aceitos pela sociedade aquele que justifica a decisão no caso concreto, compreendendo-o como parte de uma história encadeada e desenvolvendo, assim, uma interpretação construtiva baseada na coerência daqueles princípios.

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No Modelo de Regras I1, Dworkin expõe as principais ideias de Hart, para, enfim, criticá-las. Afirma que “[…] quando os juristas raciocinam ou debatem a respeito de direitos e obrigações jurídicos, particularmente naqueles casos difíceis nos quais nossos problemas são mais agudos, eles recorrem a padrões que não funcionam como regras, mas operam diferentemente, como princípios, políticas e outros tipos de padrões.” (DWORKIN, 2010, P. 35-36). A ideia de textura aberta hartiana que leva, portanto, à ideia de discricionariedade e de originalidade jurídica questionadas pela doutrina dworkiana, tanto pelo aspecto de legitimidade democrática dos magistrados, uma vez que estes passam a criar direitos que deveriam ser criados pelas autoridade responsáveis e legitimamente democráticas, quanto pelo fato de se criar uma aplicação retroativa de uma nova lei, uma vez que a parte perdedora no caso concreto se vê punida por um novo dever criado naquele momento pelo juiz. Além disso, alega Dworkin que a regra de reconhecimento não funciona para verificação de princípios, porque estes não podem ser encontrados na decisão particular de um poder legislativo ou judiciário e sim, numa compreensão desenvolvida pelos juristas e pelo público ao longo do tempo. Assim é que o autor afirma que o positivismo não consegue enfrentar pelos casos difíceis as questões mais relevantes da teoria do direito, uma vez que em situações enigmáticas, suas teorias nos remetem a uma teoria do poder discricionário que não leva a lugar algum2, apenas à vontade imperativa do magistrado. Alerta Shapiro que, apesar de muitos centralizarem a discussão na questão de se saber se a lei é um modelo de regras, o debate apenas começou com o artigo de Ronald Dworkin intitulado “Modelo de Regra I” Assim como visto acima, existem muitas outras questões envolvidas no debate, para além de tal caracterização simplista, tal como a existência de discricionariedade judicial, o papel da política na decisão jurídica, os fundamentos ontológicos das regras, a possibilidade de uma filosofia do direito descritiva, a função

1. O artigo “Modelo de Regra I” encontra-se como capítulo 2 da obra Levando os Direitos a Sério, tendo sido publicado pela originalmente em 1967 na University of Chicago Law Review. 2. “A doutrina positivista do poder discricionário (no sentido forte) exige essa concepção de obrigação jurídica, pois, se um juiz tem o poder discricionário, então não existe nenhum direito legal (right) ou obrigação jurídica – nenhuma prerrogativa – que ele deva reconhecer. Contudo, uma vez que abandonemos tal doutrina e tratemos os princípios como direito, colocamos a possibilidade de que uma obrigação jurídica possa ser imposta por uma constelação de princípios, bem como por uma regra estabelecida. Podemos então afirmar que uma obrigação jurídica existe sempre que as razões sustentam a exigência de tal obrigação, em termo de princípios jurídicos obrigatórios de diferentes tipos, são mais fortes do que as razões contra a existência dela.” (DWORKIN, 2010, p. 71)

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da lei, a objetividade do valor, a imprecisão dos conceitos, dentre outros (2007, p. 3-4). Conclui, portanto, que o debate Hart-Dworkin é um debate dinâmico, e que por não captar tal dinamicidade, nenhum jurista foi capaz de dar uma resposta dentro do positivismo que seja uma objeção poderosa às críticas feitas por Dworkin.

Shapiro esclarece que Dworkin não afirma que a teoria de Hart é baseada apenas num modelo de regras. O que Dworkin queria criticar era a discricionariedade forte em Hart, para quem nos casos difíceis os juízes não estariam obrigados por lei (e é nesse sentido que afirmaria Dworkin que a teoria hartiana é um modelo de regras, uma vez que os princípios não seriam parte do direito, apesar de serem aplicados nesses casos pelos tribunais). Ainda assim, Shapiro diz que Hart oferece outra explicação para a doutrina da discricionariedade forte: esta seria necessária uma vez que é um subproduto da inerente indeterminação social, da “textura aberta” da linguagem. Logo, a doutrina de Hart sobre a discricionariedade judicial está apoiada num sistema jurídico que privilegia a autoridade da orientação por atos sociais. Regras, nesse contexto, é um padrão social que foi identificado e selecionado, seja através da promulgação legislativa, seja através de decisões judiciais ou administrativa, dentre outros. A discricionariedade judicial em Hart, portanto, é algo inevitável, porque é impossível que atos sociais escolham padrões que resolvam todas as questões possíveis (2007, p. 15-17). Para Dworkin, ao revés, as normas possuem conteúdo moral mesmo que não tenham sido objeto de orientação social no passado. Sua vinculação não depende do fato de terem sido designadas obrigatórias. Mesmo quando a orientação social finda, o direito não se esgota, uma vez que se sustenta pela orientação moral (2007, p.18). Ambos autores possuem tais posições antagônicas porque adotam teorias bastante diferentes sobre a natureza do direito. Dessa forma, conclui Shapiro, que o real debate entre Hart e Dworkin diz respeito a dois modelos muito diferentes de direito.

Conforme dito anteriormente, grande parte do que tem produzido sobre debate Hart-Dworkin gira em torno apenas das críticas dworkianas no Modelo de Regras I. Shapiro chama a atenção ao ressaltar que Dworkin elabora melhor suas críticas à Hart com a publicação do artigo Modelo de Regras II3 e do livro O Império do Direito, admitindo que o direito não se baseia somente em fatos sociais, mas em última análise, em considerações de moralidade política. A nova crítica de Dworkin, parte de uma concepção de direito como fenômeno social com estrutura especial, sendo a prática jurídica uma realidade argumentativa, donde os filósofos do direito falham por não estudarem os diferentes modos de argumentação que os participantes daquela prática usam no raciocínio jurídico.

Neste cenário, o positivismo não consegue elaborar teoria plausível a respeito do que Dworkin

3. O artigo “Modelo de Regra II” encontra-se como capítulo 3 da obra Levando os Direitos a Sério, tendo sido publicado pela originalmente em 1972 na Yale Law Journal.

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chamou de “divergências teóricas”4, ou seja, as discordâncias sobre o que o direito e a lei devem significar. E é sobre essa falha do positivismo que Shapiro se assenta para criar a sua teoria, tanto como uma teoria do direito, quanto como uma resposta às divergências teóricas digna de um positivista.

3. TEORIA DO PLANEJAMENTO SOCIALScott Shapiro irá desenvolver melhor sua teoria na obra publicada em 2011, intitulada “Legality”.

Conforme já dito, tal teoria é uma resposta positivista às críticas dworkianas, as quais, segundo o autor, nenhum outro adepto ao positivismo conseguiu responder à altura. A principal alegação de Shapiro em Legality é de que as regras fundamentais do sistema jurídico são planos que estabelecem e antecipam controvérsias morais.

O autor dedica o início da obra para dizer que sua preocupação gira em torno da jurisprudência analítica e não da jurisprudência normativa. A primeira tenta elucidar questões sobre a natureza do direito, dos institutos jurídicos (fundamentos metafísicos do direito), ao passo que a segunda preocupar-se-ia com fundamentos morais do direitos. Sua teoria, nesse sentido, é uma investigação sobre a natureza fundamental do direito, que pode ser explicitado em duas questões: a) Questão de Identidade (Identity Question): perguntar sobre X é perguntar o que de X o faz X, e não Y; b) Pergunta Implicação (Implication Question): uma coisa é uma coisa não pelo seu objeto, mas pelo fato de que ele não é outra coisa. Resolvendo questões sobre a natureza do direito e sobre as teoria que melhor debatem esse problema, estaríamos resolvendo resolvendo também os problemas de interpretação do direito5. Conclui que questões de metainterpretação só podem ser respondidas se

4. Para Dworkin, dois tipos de discordâncias jurídicas são possíveis no direito: a) a discordância teórica, com visto acima (por exemplo, se o Congresso tem autoridade para assim legislar); b) divergências empíricas, se os fundamentos do direito foram de fato obtidos (por exemplo, se a lei X foi de fato votada no Congresso). Para mais v. Império do Direito, p. 5- 20. 5. Nesse sentido, saber se o positivismo está correto significa saber se a interpretação dada pelo positivismo está correta. “O que eu espero ter mostrado aqui é que as dúvidas sobre a relevância da jurisprudência analítica são injustificadas até o momento, na medida em que as questões sobre a natureza do direito têm implicações diretas e importantes para a prática jurídica. Quando disputas jurídicas são baseadas em reivindicações conflitantes sobre quem tem a autoridade em um determinado sistema ou sobre como seus textos devem ser interpretados, é frequentemente necessário acessar verdades filosóficas sobre o que, em última instância, determina a autoridade legal ou a metodologia interpretativa em cada sistema jurídico. […] Como observamos antes, quando positivistas e jusnaturalistas discordam sobre fatos que, em última instância, determinam a existência e o conteúdo do direito, eles estão discordando sobre as características essenciais do direito. Em outras palavras, eles estão em desacordo sobre a resposta correta para a Questão da Implicação. O positivista acredita que, necessariamente, decorre do fato de que alguma coisa é direito que a sua existência e conteúdo são, em última análise, determinados apenas por fatos sociais, enquanto os jusnaturalistas acreditam que, necessariamente, que a existência e conteúdo do direito são, em última análise, determinados por fatos morais.” (2011, p. 30-31, tradução livre)

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primeiro se determinar a natureza do direito. Shapiro exemplifica dizendo que se quisermos saber como interpretar a Oitava Emenda, devemos saber quais fatos finalmente determinam o conteúdo do direito, para só então sermos capazes de julgar disputas entre as metodologias interpretativas rivais. A partir desse entendimento, o autor traz a sua contribuição à filosofia analítica, tentando responder a questões de identidade e a questão implicação do direito, formulando assim, as bases de sua teoria positivista.

Para o positivista, então, a atividade jurídica é melhor compreendida se a entendermos como um planejamento social, ou seja, como uma estrutura delineada para que os participantes possam trabalhar juntos e realizar valores que não poderiam ser alcançados de outra forma. Planos “[...] são entidades proposicionais abstratas que requerem, permitem ou autorizam os agentes a agir ou não agir de determinadas maneiras em determinadas condições (SHAPIRO, 2011, p.127)”.6 Auxiliam no crescimento e no aumento da complexidade da comunidade, vez que canalizam o comportamento dos outros em direções que eles julguem correto. Planos, portanto, trazem previsibilidade e função de controle, e por essa razão, normas são planos generalizados (“planlikes norms”), que visam cumprir tais funções a partir do sistema jurídico: “[…] o direito organiza o comportamento individual e coletivo para que os membros da comunidade possam realizar bens morais que, caso contrário, poderiam não ser cumpridos ou alcançados.”7 (SHAPIRO, 2011, p. 155)

Shapiro fala da criação de um Plano Mestre, cuja função seria a de reduzir drasticamente os custos do planejamento social, através da especificação daqueles que estão autorizados a planejar para comunidade, bem como das condições sobre as quais tal planejamento ocorrerá. Nos sistemas jurídicos modernos, o Plano Mestre equivale à Constituição. Antes de chegar à necessidade do Plano Mestre, porém, o autor desenvolve uma metáfora dos primórdios de uma ilha imaginária (“Cooks Island”8), para denotar como o aprimoramento e o adensamento das relações sociais revela o quanto formas não-jurídicas de planejamento são inadequadas para resolver problemas que ali surgem. Temos, então, uma comunidade com numerosos e grave problemas morais, cujas soluções são complexas, contenciosas ou arbitrárias. Obtém-se aí, as “circunstâncias de juridicidade” (“Circumstances of Legality”),

6. Tradução livre:“[...]are abstract propositional entities that require, permit, or authorize agents to act, or not act, in certain ways under certain conditions.” 7. Tradução livre: “[...] the law organizes individual and collective behavior so that members of the community can bring about moral goods that could not have been achieved, or achieved as well, otherwise.”8. Para mais v. Legality, p. 156 e ss.

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que são as condições sociais que tornam sofisticadas as formas de planejamento social desejáveis. Dessa maneira, o ponto central da Teoria do Planejamento Social situa na ideia de que os sistemas jurídicos são instituições de planejamento social e seu objetivo principal é compensar as deficiências de formas alternativas de planejamento nas “circunstâncias da juridicidade”, porque tais instituições permitem que as comunidades superem a complexidade e a arbitrariedade da vida comum, resolvendo problemas sociais que não podem ser resolvidos por um meio não jurídico. Sistemas jurídicos respondem as demandas da sociedade a um preço razoável, dada a sua natureza hierárquica impessoal compartilhada, que os faz ágil, durável e capaz de reduzir os custos do planejamento com a devida eficiência (SHAPIRO, 2011, p. 170-173).

Segundo o autor, o direito serve a dar uma resposta ao problema de como resolver problemas morais gerais, para além de qualquer dilema moral particular. Portanto, a lei é um meio universal, por três motivos: a) não possui fins específicos; b) não tem objetivos substantivos ou valores que devam realizar; e c) são “ferramentas que permitem que agentes com objetivos complexos, valores conflitantes e habilidades limitadas atinjam fins que não seriam capazes de alcançar sem elas”9 ( SHAPIRO, 2011, p. 173).

Chegamos aqui à resposta para a Questão de Identidade: uma comunidade estará envolvida em uma atividade jurídica sempre que estiver em atividade de planejamento oficial, institucional, compulsória, auto-certificada e com um objetivo moral. (SHAPIRO, 2011, p. 225).

E já que as regras fundamentais do sistema jurídico constituem um plano compartilhado, ou seja, uma atividade conjunta, pública e acessível a toda comunidade, a maneira correta de se verificar a existência ou o conteúdo do direito é através do exame dos fatos sociais relevantes, e nunca através da análise de fatos morais. Isso porque, se entendemos que os planos jurídicos servem para solucionar os problemas morais da sociedade10, não podemos analisá-los olhando para a filosofia moral, sob o risco de frustrar o Plano Mestre:

9. Tradução livre: “They are tolls taht enable agentes with complexed goals, conflicting values, and limited abilities ends that they would not be able to achieve, or achieve as will, without them.”10. Trata-se da Tese do Objetivo Moral (Moral Aim Thesis), que ensina que o objetivo fundamental da atividade jurídica é corrigir as deficiências morais nas circunstâncias de legalidade.

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“Para fim de aplicá-la, os participantes teriam que se envolver em deliberação ou negociação para que se crie o problema que o plano se destina resolver. A lógica do planejamento requer que os planos sejam determinados por um método que não faz ressuscitar as mesmas perguntas que os planos estão destinados a resolver. Apenas fatos sociais, não morais, podem servir esta função.”11 (SHAPIRO, 2011, p. 177)

Por esta razão, a legitimidade dos planos jurídicos não dependem de sua legitimidade moral, e sim de possuir certas características formais, tais como, ser compartilhado, regulamentar atividades de planejamento social, gerar posições altamente impessoais, dentre outras. Esse é o argumento da “Lógica Simples do Planejamento”12, ou SLOP (do inglês Simple Logic of Planning) no qual a “existência e o conteúdo de um plano não pode ser determinado pelos fatos cuja existência do plano tem por objetivo liquidar”13 14(SHAPIRO, 2011, p.175).

Os autores do Plano Mestre, ao distribuírem as funções dos funcionários na elaboração dos planos, estão expressando atitudes de confiança e desconfiança para com tais agentes judiciais. Daí Shapiro dizer que planos são sofisticados dispositivos para gerenciamento de confiança e desconfiança, equilibrando a fé e a ausência de fé nesses funcionários (SHAPIRO, 2011, p. 335). A tal gerenciamento, o autor denomina “economia da confiança”, que determina a forma como autoridade é distribuída entre os membros de um grupo social.

Conclui-se, portanto, que o objetivo fundamental do direito, segundo a Teoria do Planejamento, é corrigir as deficiências morais da sociedade, através da gestão de confiança,

11. Tradução livre: For in order to aply it, the participants would have to engage in deliberation or bargaining, that would recreate the problem that the plan aimed to solve. The logic of planning requires that plan be acertainable by a method that do not resurrect the very questions that plan are designed to settle. Only social facts, not moral ones, can served this fuction.”12. E veremos mais a frente que este argumento constitui umas das principais críticas à teoria da integridade de Ronald Dworkin.13. Tradução livre: “SLOP: The existence and content of a plan cannot be determined by facts whose existence the plan aims to settle.”14. O SLOP ainda se deriva no GLOP, General Logic of Planning, voltado para o sistema jurídico como um todo. Para mais v. Legality, p. 311 e ss.

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onde se capitaliza a confiança e a desconfiança que se tem sobre os membros dessa comunidade. A confiança, nesse caso, é gerada através do planejamento social: legisladores devem identificar aqueles que são confiáveis e a lhe atribuir tarefas que tira proveito de sua credibilidade; inversamente, devem identificar aqueles que são menos confiáveis, planejar o seu comportamento em maior detalhe, e negar-lhes a capacidade de abusar ou explorar o seu poder.

4. AS CRÍTICAS DE SHAPIRO À TEORIA DA INTEGRIDADENa parte final da obra “Legality”, Scott Shapiro se dedica a fazer a crítica à Teoria da

Integridade, partindo dos parâmetros estabelecidos pela sua Teoria do Planejamento. Conforme dito anteriormente, Shapiro é o primeiro positivista a enfrentar a existência das divergências teóricas nos discursos jurídicos práticos. Segundo Ronald Dworkin, em “O Império do Direito”, divergência teórica é um desacordo quanto a identidade dos fundamentos do direito, e em última análise, quanto à questões de moralidade e fidelidade (DWORKIN, 1999, p. 5-15). Isso porque Dworkin acredita que o direito não se assenta apenas em fatos sociais, mas, principalmente, em questões de moralidade política. Portanto, para se determinar a metodologia adequada para interpretação dos textos, bem como para aplicá-las aos casos concretos, é necessário que o jurista se envolva em reflexões filosóficas acerca da concepção do direito15 que coloca a prática jurídica sob a sua melhor luz. Nesse sentido, tem-se a interpretação jurídica como uma interpretação construtiva, aonde se enxerga um propósito moral na prática jurídica, tornando-o a melhor prática social que se pode ter. Daí as divergências teóricas no direito.

Dada essa explicação sucinta acerca de tais ideias dworkinianas, temos que o positivismo jurídico não poderia explicar as divergências teóricas pois sustentam que os fundamentos do direito são determinados por convenção social. Shapiro, entretanto, pretende demonstrar como uma adequada metodologia interpretativa pode ser ancorada em fatos sociais, ao contrário das afirmações de Dworkin. Para tanto, ele prega um afastamento do convencionalismo, buscando a metodologia que melhor harmoniza com metas e valores elencados nas leis. As discordâncias teóricas, para o nosso positivista, apesar de se

15. É importante para Dworkin a diferenciação entre conceito e concepção. As concepções de direito aprimoram a interpretação inicial e consensual que proporciona o conceito de direito. Para mais v. Império do Direito, p. 112-120.

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localizarem na prática do direito, não podem ser desvendados por um exame de filosofia moral e política como quer Dworkin, e sim serem buscados nos fatos sociais, que só podem ser determinados empiricamente, e não pelo raciocínio moral.

Nesse ponto entra a crítica à teorias que recomendem uma prática metainterpretativa que derrota o propósito do direito pela perspectiva do SLOP. O conteúdo das leis, na mesma medida que são planos, devem ser detectados de uma forma que não exija a resolução de questões que as leis são destinadas a resolver. Uma vez que a Teoria do Planejamento mostra que o objetivo central de todo sistema jurídico é corrigir as deficiências morais das circunstâncias de juridicidade, temos que o seu conteúdo não pode ser descoberto da maneira como Dworkin sugere.

Shapiro descreve assim os passos da interpretação construtiva de Dworkin: 1) lista de concepções concorrentes no direito ([…] “cada um dos quais postula uma única justificativa moral para a prática jurídica e um conjunto distinto de fundamentos do direito exigidos por essa justificação”); 2) critério de ajuste ([…] “levantamento de todos os aspectos relevantes da prática jurídica, para determinar se os participantes realmente se comportam como os vários princípios exigem.”); 3) critério de justificação (os princípios devem ser justificados de um ponto de vista moral); 4) combinação dos itens 2 e 3 em um ranking geral (determinar o peso moralmente adequado para atribuir a cada medida; classificar princípios); e 5) princípios morais que encaixam e justificam os atos políticos no passado. (SHAPIRO, 2011, p.309-310). Para a Teoria do Planejamento, tal raciocínio frustra a finalidade do direito, “reinfectando o paciente depois que o contágio foi neutralizado” (SHAPIRO, 2011, p. 310). A objeção fica centrada não nas questões morais que não foram solucionadas, mas sim porque abala as dúvidas morais que já foram resolvidas, tornando as decisões anteriormente tomadas por instituições jurídicas novamente discutíveis. “Ela coloca questões sobre a mesa que tinham sido previamente retiradas e, ao fazer isso, frustra a capacidade da lei para orientar, organizar e monitorar conduta em ambientes complexos, contenciosos e arbitrários.”16 (SHAPIRO, 2011, p. 312). Ao revés, Shapiro relata que o meta-intérprete deve, em primeiro lugar, especificar todas as diferentes metodologias interpretativas, avaliando o nível de competência e confiança necessária para aplicá-las. Num segundo momento, deve extrair a partir da economia da confiança se os atores jurídicos possuem competência para aplicar as metodologias especificadas no primeiro momento. E

16. Tradução livre: “ It puts issues back on the table that had previously been taken off and, in doing so, frustrates the ability of the law to guide, org a nize, and monitor conduct in complex, contentious, and arbitrary environments.”

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por último, deve avaliar quais dessas metodologias interpretativas é mais adequada para dado sistema jurídico (BUSTAMANTE, 2012, p. 504). “A metodologia interpretativa está atrelada não à verdade de qualquer teoria filosófica abstrata ou científico-social, mas sim a pressupostos do direito sobre a confiabilidade dos atores jurídicos”17 (SHAPIRO, 2011, p. 357). Ademais, Shapiro irá afirmar que a Teoria da Integridade é muito exigente com os juristas, porque os obriga à investigações extremamente abstratas e de cunho altamente filosófico.

Voltando à economia da confiança, temos que a Teoria do Planejamento implica que as atitudes de confiança e desconfiança são fundamentais para a escolha da metodologia interpretativa adequada, não devendo o poder de decisão ser alocado de forma incompatível com as atitudes de confiança pressupostas pelo plano. Assim, quanto maior a discricionariedade interpretativa, mais confiança que se dá pelo plano, e quanto mais adesão à literalidade do texto (menos discricionariedade interpretativa e mais restrição à interpretação), maior a desconfiança de um plano. Na medida que em que o objetivo do plano é capitalizar a confiança e compensar a desconfiança, a maneira correta de interpretar o plano não deve frustrar essa função. A única forma de respeitar a função de um plano de gerenciamento de confiança é submetê-lo à economia de confiança, ou seja, às atitudes de confiança e de desconfiança que motivaram a sua criação.

5. CONCLUSÃO: EM DEFESA DE DWORKINScott Shapiro sem dúvidas avançou ao se dedicar a enfrentar as duras críticas de Dworkin

contra o positivismo. Cumpre aqui o elogio ao autor, pela crítica aos juristas que ainda fazem o debate Hart-Dworkin com base apenas no Modelo de Regras I e II, pelo enfrentamento às críticas feitas pela teoria dworkiana. Mesmo antes da publicação Dworkin afirmou categoricamente, levando sua teoria para um patamar muito além da mera discussão sobre se o direito deva ser um modelo de regras ou se deve incluir os princípios:

Não tive a intenção de dizer que 'o direito' contém um número fixo de padrões, alguns dos quais são regras, e outros princípios. Na verdade, quero contrapor-me à ideia de que 'o direito' seja um conjunto fixo de padrões de qualquer espécie. Em vez disso, pretendi afirmar que uma síntese acurada das ponderações que os

17. Tradução livre: “Intrerpretive methodology is pegged not to the truth of any abstract philosophical or social-scientific theory, but rather to the law's presuppositions concerning the trustworthiness of legal actors.”

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juristas devem levar em conta ao decidirem uma questão específica de direitos e deveres legais incluiria proposições dotadas da forma e da força dos princípios, e que os próprios juízes e juristas, ao justificarem suas conclusões, empregam frequentemente proposições que devem ser entendidas dessa maneira. (DWORKIN, 2010, p. 76)

Mas ainda assim, Shapiro não nos convence. Questiona-se, aqui, o fato de que o autor está muito mais próximo do positivismo normativo do que do positivismo descritivo, como ele pretende afirmar. A Tese do Objetivo Moral nada mais é do que uma teoria moral e política sobre um critério não moral utilizado para identificar a teoria interpretativa adequada. Conforme Thomas Bustamante, trata-se “de um argumento moral e político para interpretar o valor da juridicidade”, sendo certo que todo positivismo descritivo é falho, uma vez que qualquer teoria do direito é baseada na interpretação construtiva, que não pode evitar um nível profundo de avaliações morais e políticas. Isso porque toda teoria do direito é baseada, em última análise, em alguma teoria política normativa determinada . Para que a teoria do Planejamento Social pudesse ser descritiva, deveria ela ser moralmente neutra e sem justificativa objetiva. Se o objetivo fundamental do direito é resolver as disputas morais que surgem nas circunstâncias de legalidade, Shapiro precisará adotar uma atitude interpretativa para conseguir justificar a escolha desse propósito para atividade jurídica. Nesse sentido, o autor falha na sua proposta de demonstração metafísica das características necessárias do direito porque sua descrição não é neutra, mas sim uma interpretação, que serve para mostrar como a prática é valiosa e como deve ela ser conduzida, de modo a aumentar e proteger o seu valor (BUSTAMANTE, 2012, p. 504-507).

Observa-se, portanto, que Shapiro não acompanha o giro linguístico-filosófico, que mudou os paradigmas da filosofia e que gerou reflexos diretos na hermenêutica jurídica. Em linhas gerais, o giro hermenêutico-linguístico-pragmático se deu pela transição do paradigma da filosofia transcedental (que caracteriza-se pela análise das condições subjetivas do conhecer) para o paradigma lingüístico da semiótica transcedental, representado pela busca de novas condições de conhecimento, tendo a linguagem como condição de possibilidade e validade desse conhecimento, adensado, por sua vez pelo pragmatic turn como superação da submissão à tradição pelo consentimento possibilitado pela ética do discurso (CRUZ, 2007, p. 75-97). Ao contrário do positivismo, o giro hermenêutico-jurídico-pragmático

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possibilitou ir além do processo de aplicação do Direito no seu progredir do escalão superior para o inferior. Ou seja, a partir desse momento a legitimidade da norma, não decorre única exclusivamente da autoridade daquele que a profere, mas da possibilidade de assentimento intersubjetivo proveniente da concordância com os argumentos neles manejados (DUARTE, 2011, p. 133). Ao negar a interpretação construtiva no direito, Shapiro foca sua meta-interpretação no gerenciamento da confiança e da desconfiança através de planos que erradicam a discussão moral no momento prático da aplicação, indo de encontro com todos os avanços filosóficos acima descritos.

Como foi visto, a teoria de Scott Shapiro trata o direito como uma ferramenta para se corrigir as deficiências morais surgidas com o adensamento da sociedade e com o aumento da complexidade das relações sociais. Para tanto, o sistema jurídico vai gerenciar confiança e desconfiança entre os membros da comunidade, manipulando a discricionariedade interpretativa do funcionário de acordo com a função que deve exercer.

A ideia no presente artigo foi a de expor as principais ideias de Scott Shapiro, demonstrando a influência de autores como Hart e Dworkin para construção do seu pensamento. Apesar das discordâncias aqui apresentadas, a Teoria do Planejamento Social representa uma contribuição importante para o desenvolvimento das teorias jurídicas. Shapiro traz à tona a questão de se investigar as escolhas interpretativas que são feitas pelas diversas concepções do direito, aceitando o desafio pós-positivista de se debruçar sobre a racionalidade argumentativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Book Review. Legal Studies, vol 32, n. 3, set 2012, pp. 499-522. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Hermenêutica Jurídica e(m) debate. 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007.DUARTE, Bernardo Augusto Ferreira. Em busca da legitimidade dos discursos jurisdicionais relativos ao direito à saúde: uma análise a partir da reviravolta hermenêutico-linguístico-pragmática. Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério.Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010. SHAPIRO, Scott. The Hart-Dworkin debate: a short guide for the perplexed. Public Law and Legal Theory Working Paper Series, n. 77, mar. 2007SHAPIRO, Scott. Legality. Londres: The Belknap Press of Havard University Press, 2011.

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ESTOQUES: A IMPORTÂNCIA DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E ATRIBUIÇÃO DE

CUSTOSAlex Júnior da Silva

Lucas Eduardo Teixeira Fuscaldi

Rodrigo Guimarães Ferreira

Orsi Rodrigues Júnior

RESUMOO artigo apresenta uma pesquisa bibliográfica sobre os estoques, salientando sua

conceituação na visão de diversos autores, enfatizando os estoques presentes nas empresas comerciais e nas indústrias. Discorre acerca da mensuração dos mesmos, destacando os custos que agregam ou são excluídos dos preços de aquisições, bem como aqueles alocados a produção nas indústrias, além de apresentar de forma sucinta os métodos mais comuns de avaliação e controle dos estoques, todos os conceitos e análises baseados em normas da contabilidade. Fica evidente a relevância do tema aos empresários, contadores e todos que desejam um conhecimento abrangente sobre o assunto.

Palavras-chave: Estoques, Custos, Avaliação.

1. INTRODUÇÃONo momento atual toda empresa bem sucedida no mercado ou mesmo aquelas que

almejam esta condição tem dado significativa importância ao que é chamado de “estoques”, já que estes são considerado indispensáveis nas mais diversas atividades comerciais ou industriais.

Os estoques têm como principal função melhorar os níveis de serviço das empresas, atender com eficiência os clientes, incentivar economias na produção, nas compras e no transporte das mercadorias adquiridas além de proteger a empresa contra aumentos

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de preço e incertezas nas demanda e no tempo de entrega, garantindo segurança contra quaisquer contingências e continuidade na produção.

Os estoques também auxiliam no marketing da empresa, uma vez que podem ser oferecidos produtos com mais descontos, com quantidades mais adequadas, com mais vantagens para os clientes que precisam de fornecimento imediato ou de períodos curtos de reposição, o que representa maiores vantagens competitivas, diminuição nos custos e maiores lucros nas vendas.

O presente estudo foi desenvolvido com o intuito de demonstrar a importância dos estoques para as organizações, no qual buscou-se atender aos seguintes objetivos específicos: apresentar o conceito dos estoques; discorrer sobre a mensuração dos estoques, destacando os custos que agregam valor aos mesmos; destacar os diferentes critérios de avaliação dos estoques. Para tanto foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica, baseada principalmente nas normas contábeis e nos estudos de autores sobre o tema.

O trabalho está dividido em 5 seções, sendo a primeira, a introdução, onde se apresentam os objetivos; a segunda, que traz o referencial teórico, onde consta o embasamento necessário; a 3ª na qual demonstra-se a metodologia utilizada para a realização do trabalho; na 4ª seção discute-se as informações analisadas, e, na quinta e última seção são apresentadas as considerações sobre a pesquisa realizada.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA2.1 Conceito e Importância dos Estoques

Conforme a Resolução CFC nº. 1.170, de 29 de maio de 2009, “Estoques são ativos: (a) mantidos para venda no curso normal dos negócios; (b) no processo de produção para venda; ou (c) na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos no processo de produção ou na prestação de serviços” (CFC, 2009).

Desse modo, os estoques representam as mercadorias adquiridos para revenda no caso das empresas comerciais. Nas indústrias, são recursos de transformação como as matérias primas ou de consumo na atividade operacional na própria empresa como materiais de escritório, armazenados com previsão de uso futuro com o objetivo de venda ou utilização própria no curso normal de suas atividades, atendendo a demanda e assegurando-lhe a disponibilidade de produtos.

Segundo o Pronunciamento Técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis CPC 16 (R1), “os estoques também compreendem produtos acabados e produtos em processo de

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produção pela entidade e incluem matérias-primas e materiais aguardando utilização no processo de produção, tais como: componentes, embalagens e material de consumo” (CPC, 2009).

Slack, Chambers e Johnston (2008, citados por Silva, 2010) afirmam que a necessidade de se manter estoque surge porque as taxas de fornecimento nem sempre coincidem com as taxas de demanda gerando, assim necessidade de estocagem, pois nem sempre o produto será entregue quando se precisa do mesmo.

Dessa forma, o ato de estocar assegura a disponibilidade de produtos ou serviços em um determinado momento, já que não se podem prever eventuais atrasos em entregas de matéria-prima ou até mesmo um aumento inesperado nas vendas.

Iudicibus, Martins e Gelbcke (2006, p.115) consideram que os estoques representam um dos ativos mais importantes do capital circulante e da posição financeira, nas companhias industriais e comerciais de forma que sua correta determinação no início e no fim do período contábil é essencial para uma apuração adequada do lucro líquido do exercício.

Nesse sentido, destaca-se a importância da avaliação dos estoques e a atribuição correta dos seus respectivos custos, bem como a escolha adequada de métodos de avaliação de custo, apresentados de forma detalhada a seguir, já que constituem dados indispensáveis nas demonstrações contábeis.

2.2 Mensuração e Custos dos EstoquesPadoveze, (2011, p.62) ressalta que “os estoques devem ser avaliados pelo custo de

aquisição, ou valor de mercado, dos dois o menor”. Valor de mercado significa basicamente o valor de venda, e, em casos excepcionais

onde o valor de venda das mercadorias ou produtos em estoque está menor do que o valor de compra. Nestes casos, deverá ser avaliado por esse valor, lançando a diferença como despesa ou prejuízos na aquisição de estoques. Tal fato poderá ocorrer, por exemplo, com produtos mantidos por períodos longos no estoque e devido a inúmeros fatores não possuem no mercado o mesmo valor de antes (PADOVEZE, 2011).

O componente fundamental do custo dos estoques é o custo de produção ou de compra dos materiais estocados, acrescidos das despesas necessárias para colocá-lo a venda, como frete, manuseio, impostos e outros custos ligados a aquisição, deduzindo-se os descontos, abatimentos e custos de estocagem, este é uma exceção quando necessário durante o processo de produção. No caso de importações, o custo deve ser adicionado pelo imposto

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de importação, pelo IOF incidente sobre a operação de câmbio, pelos custos alfandegários e por outras taxas, como por exemplo, serviços de despachante. São excluídas dos custos despesas indiretas administrativas que não contribuem para colocar os estoques até sua localização e condição atuais e despesas de venda.

Os impostos não cumulativos que devam ser recuperados não se computam no custo de aquisição das mercadorias ou matérias-primas, devendo ser registrados em conta específica de impostos a recuperar. Impostos não cumulativos são aqueles que em cada operação sucessiva é abatido o montante cobrado na operação anterior, como é o caso do ICMS, IPI o PIS e COFINS. O ICMS e o IPI integrarão o custo das mercadorias, matérias-primas ou outros itens integrantes do estoque quando o contribuinte não puder recuperá-los nas operações subsequentes, nos casos previstos na legislação específica. (PORTAL DE CONTABILIDADE, 2010)

Em aquisições de mercadorias decorrentes de pagamento futuro, em alguns casos, o acordo contém, efetivamente, elemento financeiro não declarado, por exemplo, uma diferença entre o preço de compra para termos normais de crédito e o valor para pagamento em data futura. Nesses casos, a diferença é reconhecida como despesa com juros durante o período do financiamento e não somada ao custo dos estoques (CFC, 2009).

Para Martins (2003, p.25):

[...] Os encargos financeiros não são itens operacionais, já que não derivam da atividade da empresa e não provêm dos ativos trabalhados e utilizados em suas operações, são antes, decorrência de passivo, representando muito mais a remuneração de capital de terceiros do que custo.

Os estoques de matérias primas nas empresas que exploram atividades industriais serão avaliados com base nos mesmos princípios anteriormente citados. Os custos dos produtos fabricados devem ser determinados com observância do método conhecido como custeio por absorção, onde os custos, diretos, identificados individual e perfeitamente com o produto fabricado, são apropriados a ele de forma direta. Todos relativos aos esforços no processo de produção serão apropriados aos produtos e distribuídos diretamente aos estoques de produtos em elaboração e estoques de produtos acabados. Porém, os estoques de produtos em elaboração receberão apenas os custos diretos da produção até aquele

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momento, os custos indiretos serão alocados a eles quando encerrado todo processo de produção e passarem a compor os estoques de produtos acabados.

A quantidade de custos indiretos fixos, ou seja, que não variam, independentemente do volume produzido atribuídos a cada produto será menor à medida que a produção da empresa aumenta, já que o montante de custos será dividido por um volume maior de produtos, o mesmo não ocorre com os custos indiretos variáveis que aumentarão proporcionalmente a produção sendo alocados a cada produto. Os custos indiretos que deixarem por qualquer motivo de serem alocados a produção serão tratados como despesa do período.

Por ocasião da venda, deve ser dada a baixa contábil no momento de cada venda, transformando os custos dos produtos acabados em estoque, em custos dos produtos vendidos, que irá para a demonstração de resultado do período.

2.3 Critérios de Avaliação dos EstoquesAs matérias-primas, os componentes adquiridos prontos, as embalagens e os outros

materiais diretos utilizados no processo de produção são apropriados aos produtos ou serviços por seu valor histórico de aquisição. Porém, quando o montante a atribuir custos é formado por vários lotes de mercadorias adquiridas com preços diferentes a empresa deverá adotar critérios de avaliação, aplicados também na data do encerramento do período de apuração (BRASIL, RIR, 2012).

Ressalta-se que, o método escolhido deverá ser divulgado pela empresa, junto às praticas contábeis adotadas.

O custo dos estoques, que não sejam intercambiáveis e de bens ou serviços produzidos e segregados para projetos específicos, “deve ser atribuído pelo uso do critério primeiro a entrar, primeiro a sair (PEPS) ou pelo critério do custo médio ponderado” (CFC, 2009).

2.3.1 Custo médio ponderado – CMP O método do Custo Médio Ponderado (CMP), constitui-se na sistemática baseada no

custo médio de aquisição dos bens, apurado em cada entrada de mercadorias ou matéria-prima, que se ajusta pelas quantidades das compras em relação à quantidade total do estoque de cada item, conforme demonstrado na Tabela 1.

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TABELA 1 – Ficha de Estoques com base no Custo Médio Ponderado

Fonte: www.fisconet.com.brAlém disso, o fisco admite que as saídas sejam registradas unicamente no final do mês,

desde que avaliadas ao preço médio, sem considerar a baixa para fins de cálculo daquele custo médio, conforme apresentado na Tabela 2.

SALDOENTRADAS SAÍDASDATA

HIS

TÓR

ICO

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AN

TID

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CU

STO

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IO R

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$

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AN

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AD

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L R

$

CU

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M

ÉDIO

R$

COMPRA

COMPRA

VENDA

COMPRA

VENDA

TOTAIS

03/12

10/12

15/12

23/12

28/12

100

120

-

100

-

320

20,00

22,00

-

23,00

-

-

2.000,00

2.640,00

-

2.300,00

-

6.940,00

-

-

10

-

200

210

-

-

21,09

-

21,71

-

-

-

210,90

-

4.342,00

4.552,90

100

220

210

310

110

110

20,00

21,09

21,09

21,71

21,71

21,71

2.000,00

4.640,00

4.429,10

6.729,10

2.387,10

2.387,10

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69

TABELA 2 – Ficha de Estoques com base no Custo Médio Ponderado conforme CST

SALDOENTRADAS SAÍDASDATA

HIS

TÓR

ICO

QU

AN

TID

AD

E

CU

STO

U

NIT

ÁR

IO R

$

TOTA

L R

$

QU

AN

TID

AD

E

CU

STO

M

ÉDIO

R$

TOTA

L R

$

QU

AN

TID

AD

E

TOTA

L R

$

CU

STO

M

ÉDIO

R$

COMPRA

COMPRA

COMPRA

TOTAIS

03/12

10/12

23/12

31/12

100

120

100

-

-

320

20,00

22,00

23,00

-

-

-

2.000,00

2.640,00

2.300,00

-

-

6.940,00

-

-

-

210

-

210

-

-

-

21,69

-

-

-

-

-

4.554,90

-

4.554,90

100

220

310

110

-

110

20,00

21,09

21,71

21,69

-

21,69

2.000,00

4.640,00

6.729,10

2.385,10

-

2.385,10

VENDADO MÊS

Fonte: www.fisconet.com.br

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70

2.3.2 Primeiro a entrar, primeiro a sair – PEPS No método do Primeiro a entrar, Primeiro a sair (PEPS), as saídas do estoque são

avaliadas pelos respectivos custos de aquisição, pela ordem de entrada, resultando que o estoque ficará sempre avaliado aos custos das últimas compras, conforme Tabela 3.

TABELA 3 – Ficha de Estoques com base no PEPS

Fonte: www.fisconet.com.br

SALDOENTRADAS SAÍDASDATA

HIS

TÓR

ICO

QU

AN

TID

AD

E

CU

STO

U

NIT

ÁR

IO R

$

TOTA

L R

$

QU

AN

TID

AD

E

CU

STO

M

ÉDIO

R$

TOTA

L R

$

QU

AN

TID

AD

E

TOTA

L R

$

CU

STO

M

ÉDIO

R$

COMPRA

COMPRA

VENDA

COMPRA

VENDA

TOTAIS

03/12

10/12

15/12

23/12

28/12

100

120

-

100

-

320

20,00

22,00

-

23,00

-

-

2.000,00

2.640,00

-

2.300,00

-

6.940,00

-

-

10

-

210

-

-

21,09

-

-

-

-

210,90

-

4.420,00

100

220

210

310

110

20,00

21,09

21,09

21,71

2.000,00

4.640,00

4.429,10

6.729,10

2.520,00

90

110

20,0

22,00

1.800,00

2.420,00

010100

22,00

23,00

-22,0023,00

-220,00

2.300,00

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71

2.3.3 Preço de venda subtraída a margem de lucroA legislação do Imposto de Renda permite, ainda, avaliar os estoques de mercadorias

com base no preço de venda, subtraídos a margem de lucro (BRASI, 2012).Neste caso, observamos que deve ser adotado um critério razoável para identificação

da margem de lucro, considerando que a margem de lucro corresponde à diferença entre o preço de venda e o custo de aquisição ou produção dos bens, não pode a empresa atribuir uma margem de lucro qualquer para avaliação dos estoques, uma vez que tal procedimento pode implicar numa super-avaliação ou sub-avaliação dos valores e, consequentemente, na majoração dos resultados, que pode resultar em autuação fiscal. Este critério não se aplica aos insumos de produção como matéria-prima, aos quais só cabe a avaliação pelo custo médio ou pelo PEPS.

2.4 Controle de Estoques O controle de estoques possui uma importância significativa para as empresas, cabendo

observar que a sua avaliação afeta diretamente a elaboração do Balanço Patrimonial e da Demonstração de Resultado Econômico, devendo abranger, como regra geral, tanto as mercadorias e os produtos de propriedade da empresa, em seu poder ou em poder de terceiros, quanto às mercadorias e os produtos de propriedade de terceiros que estejam sob a custódia da empresa. As empresas podem adotar dois sistemas para o controle de estoque: o inventário periódico ou o inventário permanente, sendo o primeiro o sistema mais comum naquelas de pequeno porte (BRASIL, RIR, 2012).

O inventário periódico é o sistema em que há o controle de estoque pela averiguação da contagem física de seus itens, ou seja, não é efetuado o controle contínuo das movimentações de entrada e saída de mercadorias ou de produtos, bem como de seu saldo final (FISCOSOFT, 2012).

O inventário permanente é o sistema em que há o controle de estoque de forma contínua, sendo efetuada a baixa das mercadorias ou dos produtos industrializados em cada operação de venda, pelo Custo das Mercadorias Vendidas (CVM) ou Custo dos Produtos Vendidos (CPV), através de programas próprios ou fichas de controle específicas, apresentando o seu saldo final, independentemente da averiguação pela contagem física de seus itens.

Para efeito de avaliação, os itens em estoque devem ser "contados" em determinado período do exercício (no final do ano ou de cada trimestre, por exemplo), mas diariamente ou a cada operação, se assim necessitar a gerência da empresa, sendo possível se ter a

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72

informação de seu saldo inicial, sua movimentação de entrada e de saída e seu saldo final, a partir destas informações apurar o Custo das Mercadorias Vendidas (CMV) ou o Custo dos Produtos Vendidos (CPV), utilizando a seguinte fórmula:

2.5 Provisão para ajuste ao Valor de MercadoOs estoques, devem ser avaliados pelo custo de aquisição ou pelo valor de mercado, dos

dois o menor. Caso o valor de aquisição seja menor que o valor de mercado, não será feita nenhuma provisão. Ao contrário, se o valor de aquisição for maior que o valor de mercado, deverá ser feita uma provisão para ajustar o valor do custo ao valor de mercado, que será classificada como conta redutora do subgrupo estoques.

Assaf Neto (2010, p.53) pondera:

O critério legal para a avaliação das diversas contas do estoque no balanço será o preço de aquisição (custo histórico) ou de produção, podendo também ser deduzida uma provisão para equiparar o valor de compra ou de produção ao valor de mercado, quando este for inferior; tal provisão é denominada provisão para ajuste de estoque. Sua constituição é justificada, com maior frequência, por razões de absoletismo de determinados itens estocados.

Dessa forma se o custo de aquisição for menor que o valor de mercado, não há provisão para ajuste ao valor de mercado, contudo se o custo de aquisição for maior que o valor de mercado a mesma deverá ser feita.

3. METODOLOGIAA pesquisa é de natureza descritiva, pois apresenta características do objeto,

relacionando-as entre si. Classifica-se também como bibliográfica e documental, tendo em vista a análise do

objetivo proposto, foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica, que na visão de Gil (2009) “[...] é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”, neste caso o estudo de normas aplicáveis ao tema, emitidas por órgãos regulamentadores.

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73

4. ANÁLISE E DISCUSSÃOOs estoques são ativos mantidos para venda no curso normal dos negócios; no

processo de produção para venda, incluindo os produtos acabados, em processo e a material-prima; ou na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos no processo de produção ou na prestação de serviços. São utilizadas como formas de métodos para avaliação de estoques: Custo Médio Ponderado – CMP, que constitui-se na sistemática baseada no custo médio de aquisição dos bens, apurado em cada entrada de mercadorias ou matéria-prima, que se ajusta pelas quantidades das compras em relação à quantidade total do estoque de cada item; Primeiro a Entrar Primeiro a Sair – PEPS, método pelo qual as saídas do estoque são avaliadas pelos respectivos custos de aquisição, pela ordem de entrada, resultando que o estoque ficará sempre avaliado aos custos das últimas compras; Preço de Venda subtraída a Margem de Lucro, sistemática pela qual adota-se um critério razoável para identificar a margem de lucro, considerando que a mesma corresponde à diferença entre o preço de venda e o custo de aquisição ou produção dos bens.

Em relação ao controle de estoques, ressalta-se que sua importância é significativa para as empresas, uma vez que sua avaliação afeta diretamente a elaboração das Demonstrações contábeis, além de representar a transformação de recursos materiais em recursos financeiros.

A importância da gestão de estoques também apresenta-se no papel desempenhado no controle de todas as operações da organização, uma vez que, constitui-se em uma forma de avaliar a performance empresarial.

5. CONSIDERAÇÕES FINAISOs estoques possuem importância inequívoca no processo de gestão empresarial,

pela manutenção do processo de produção/comercialização, pela entrega de valor ao cliente e pelo impacto no desempenho financeiro e econômico da empresa.

A forma como os estoques são mensurados podem impactar diretamente na rentabilidade da organização e em sua estrutura patrimonial. Nesse sentido, podemos nos deparar com estoques com custos muito baixos ou extremamente elevados devido a um equivoco na forma de apurar seus custos, escolha de um método inviável ou mesmo ausência de controle, e que influenciará diretamente no resultado apresentado pela empresa demonstrando uma situação de lucro ou prejuízo inexistente.

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Assim, diante do exposto, pode-se concluir que saber o que compõe ou não os custos das mercadorias nas aquisições para revenda; a formação dos estoques de produtos em elaboração e produtos acabados, alocando aos mesmos os respectivos custos indiretos; além da maneira e o método mais adequado à empresa para avaliar os estoques são fatores primordiais que contribuem para determinar os rumos do negócio e implicam na apresentação de uma situação patrimonial conforme a realidade da empresa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ASSAF NETO, A. Estrutura e análise de balanços: um enfoque econômico-financeiro. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. BRASIL. SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. Decreto nº. 3.000, de 26 de março de 1999: Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99). Regulamenta a tributação, fiscalização e administração do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/rir/default.htm>. Acesso em 21 de fevereiro de 2012.COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS (CPC). Pronunciamento contábil técnico: cpc 16 - Estoques. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/pdf/CPC_16_r1.pdf>. Acesso em 21 de fevereiro de 2012 CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução CFC nº 1.170, de 29 de maio de 2009. Aprova a NBC T 19.20 – Estoques. Disponível em: <http://www.cfc.org.brf>. Acesso em 21 de fevereiro de 2012 GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009.IUDÍCIBUS, S.; MARTINS, E.; GELBCKE, E. R. Manual de contabilidade das sociedades por ações. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2006.MARTINS, Eliseu. Materiais Diretos. In:______ Contabilidade de custos. 9. ed.São Paulo: Atlas, 2003. Cap. 10, p.81-85.PADOVEZE.Clovis Luis, manual de contabilidade básica 7ª edição editora atlashttp://www.portaldecontabilidade.com.br/nbc/t32.htm PORTAL DE CONTABILIDADE. Normas brasileiras de contabilidade: nbc t 19.20 Estoques. Disponível em: <http://www.portaldecontabilidade.com.br/nbc/t1.htm>. Acesso em 21 de fevereiro de 2012.SILVA, M. A. et al. A aderência dos critérios Gerenciais para mensuração de estoques face

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a plataforma teórica ministrada no curso de ciências contábeis: um estudo exploratório no setor varejista de produtos agropecuários. Disponível em:< www.excelenciaemgestao.org/Portals/2/.../T10_0264_1389.pdf>. Acesso em: 21 de fevereiro de 2012.

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