revista ciência dinâmica - 6ª edição

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Revista Científica Eletrônica da Faculdade Dinâmica

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A Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga, em Ponte Nova/MG tem a grata satisfação de trazer à comunidade acadêmica e a toda a sociedade mais uma edição da Revista Ciência Dinâmica.

A Revista Ciência Dinâmica é um periódico semestral editado pela Faculdade Dinâmica que chega ao seu quarto número e, com ela, são oferecidas aos leitores importantes contribuições, que demonstram a consolidação do trabalho intelectual, nesta edição, dedicado exclusivamente ao corpo docente da Faculdade.

O objetivo da Revista Ciência Dinâmica é dar a mais ampla possibilidade de divulgação e acesso à produção científico-acadêmica e, com isso, promover a socialização do saber e a ampliação das possibilidades de reflexão, debates e trocas instigadoras de novos conhecimentos nas áreas das Ciências Jurídicas e Sociais.

São apresentados nessa edição 5 artigos que procuram trazer contribuições pontuais para o entendimento da realidade jurídica que nos cerca.

A revista está disponível no endereço eletrônico www.faculdadedinamica.com.br e, em breve, também em meio impresso.

A Revista Ciência Dinâmica tem a missão de constituir-se em um periódico qualificado, fomentado preferencialmente por artigos elaborados pelos acadêmicos do Curso de Direito da Faculdade Dinâmica, propiciando, através do estímulo à reflexão científica, o amadurecimento, a ampliação do conhecimento e a consolidação dos ensinamentos teóricos absorvidos na Faculdade, contando, ainda, com a valorosa contribuição de professores da Instituição e de professores convidados que só vem enriquecer o conteúdo da publicação.

Leilson Soares VianaCoordenador-Adjunto do Curso de Direito da Faculdade Dinâmica

Representante do Conselho Editorial

Apresentação

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Sumário

• EDITORIAL...........................................................................................4

• REFLEXÃO: MAIS 10Maria Berenice Dias........................................................................................5

• O DIREITO À HERANÇA DO FILHO DE CRIAÇÃONayara da Silva Magalhães, Sílvia Cláudia da Silva Senna Gomes, Luciana Maroca de Avelar Viana....7

• A INTERFERÊNCIA DO ESTADO BRASILEIRO NA VIDA PRIVADA DO INDIVÍDUORenata Faria de Carvalho Teixeira .......................................................................................20

• TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL: UMA RESENHA DE LITERATURAGiani Claudia Setto Vieira ....................................................................................................35

• UMA ANÁLISE DA BUSCA E APREENSÃO EM FACE DO MENOR E A POSITIVAÇÃO DA ALIENAÇÃO PARENTAL PELA LEI Nº 12.318/10Suely Vidal José, Walace Marçal Viana, Flaviana Silva Ribeiro, Cláudia Aparecida dos Anjos, Iglesias Fernanda de Azevedo Rabelo................................................................................................44

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A missão do trabalho acadêmico é dúplice: intramuros deve enriquecer a formação de alunos e professores, sugerindo tópicos para discussão, trazendo novas informações e fomentando a prática da pesquisa; extramuros deve servir ao máximo os anseios sociais, tentando fazer frente às necessidades da comunidade onde a IES está inserida. Nós, da Faculdade Dinâmica, certos de nosso compromisso para com a comunidade de Ponte Nova e, especialmente, com nossos discentes, apresentamos mais uma edição da Revista Ciência Dinâmica.

Nessa edição continuamos o desenvolvimento da anterior, apresentando o trabalho de docentes da instituição. É nosso privilégio reunir textos tão profícuos de ideias e de propostas para as questões enfrentadas por nossa sociedade. Temos certeza que, inspirados por essas páginas, nossos alunos encontrarão veredas das mais inquietantes por onde trilhar o caminho da pesquisa e do conhecimento acadêmico.

A Faculdade Dinâmica tem trabalhado como poucas IES, no incentivo à pesquisa acadêmica, consciente de que, pilar da educação que é, somente seu incansável cultivo pode levar ao engrandecimento de seus alunos, seu mais rico patrimônio.

Assim, assumindo responsabilidades frente ao aperfeiçoamento moral e acadêmico de seus alunos, incentivando a construção de sua maioridade e emancipação, a Faculdade Dinâmica se orgulha em manter, com todos os esforços, a periodicidade e, sobretudo, a qualidade dessa publicação. É anseio nosso que esses textos avancem aos mais largos passos, chegando ao maior número de pessoas, mas, mais que isso, é nosso mais ardoroso desejo que tenhamos cumprido com a missão dúplice do trabalho acadêmico, que, intra ou extramuros, tenhamos feito um bom trabalho. Boa leitura!

Ramon Mapa da Silva

EDITORIALRevista Ciência Dinâmica®

Editora: Faculdade DinâmicaAno III, n° 6, 2° Semestre 2011

ISSN –2176-6509

Conselho Editorial: Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães, Prof. Leilson Soares Viana, Prof. Mestre Bernardo Gomes Barbosa Nogueira, Prof. Mestre José Carlos Henriques, Prof. Ms. Ramon Mapa da Silva, Prof. Ernane Salles.

Revista Ciência Dinâmica. Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga. Rua G, n° 205, Bairro Paraíso. Ponte Nova-MG.Contato: (31) [email protected]âmica.com.br

É proibida e reprodução, no todo ou em parte, dos artigos publicados nessa Revista sem prévia autoriza-ção dos seus autores, resguardado o direito de citações com expressa re-ferência à sua fonte.

Copyright©Todos os Direitos Reservados

Ponte Nova - 2010/2

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O Estado acaba de conceder aos idosos mais 10 anos de lucidez. Dos 60 aos 70 anos. Esta é a mudança trazida pela Lei 12.344, de 10/12/2010, ao impor o regime da separação

legal de bens a quem casar a partir dos 70 anos de idade.Antes era aos 50 anos que as mulheres não podiam ser alvo do verdadeiro amor. Os homens

eram privilegiados, pois somente aos 60 anos se tornavam incapazes de escolher um par. A partir de 2003, com o advento do Código Civil, tanto elas quanto eles ficaram reféns do

golpe do baú ao vivarem “idosos”, rótulo imposto pelo Estatuto do Idoso a quem tem mais de 60 anos.

Agora – sabe-se lá baseado em que estudos, teorias ou descobertas – acaba de ser decretado que até os 70 anos homem e mulheres tem plena capacidade. Depois desta idade, os “velhinhos” podem tudo. Ou quase. Continuam com o direito de fazer o que quiserem: votar e serem eleitos; seguir trabalhando; sustentar a família; tirar empréstimos consignados. Também podem fazer o que desejaram de seus bens. Só não são livres para casar. Até podem fazê-lo, mas a lei presume que ninguém ama alguém com mais de 70 anos e tenta protegê-lo deste ingênuo sentimento.

Aos 18 anos a pessoa está habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Até mesmo antes, já que a partir dos 16 anos quem for emancipado ou vier a casar adquire a plena capacidade. E como tem a disponibilidade de seus bens é livre para escolher o regime matrimonial. Via pacto antenupcial os noivos têm o direito de deliberar o que desejarem sobre questões de ordem patrimonial. Quer sobre os bens passados, quer sobre os futuros. Podem embaralhar ou apartar patrimônios. Possível que tudo passe a ser dos dois. Inclusive o que for recebido por herança ou doação. Basta elegerem o regime da comunhão universal. Também o que for adquirido pelo esforço comum pode ficar para somente um do par. É o que acontece se escolherem o regime da separação de bens.

Qualquer coisa é válida em nome do amor! Porém, a partir do momento que faz 70 anos torna-se incapaz de ser alvo de um amor sincero

e verdadeiro. Ninguém mais pode amá-lo. Quem se aproxima está somente interessado em seus

REFLEXÃO: MAIS 10!

Maria Berenice Dias

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bens. Por isso o Estado torna-se “tutor” de quem, em face da idade, vira relativamente incapaz, como os ébrios, os excepcionais e os pródigos.

A lei presume, de forma absoluta – presunção jure et de jure – que toda e qualquer pessoa que atingir os 70 anos não pode nem amar e nem ser amado. E, se mesmo assim, algum velho indesejável resolver casar, o casamento não tem qualquer efeito de ordem patrimonial. Assim, renomados empresários, ainda eu com mais de 70 anos, devem sim continuar à testa de grandes impérios e empreendimentos. Mas se resolverem casar, não podem eleger o regime de bens. A lei decreta a incomunicabilidade de tudo o que conseguiram amealhar ao longo de suas vidas. Até do que for adquirido depois do casamento. Sequer é questionado se o cônjuge contribuiu para a sua aquisição. O regime é o da separação legal. Tudo porque é proibido amar.

A justificativa do malfadado dispositivo é evitar o enriquecimento sem causa de quem casa com um idoso. Os seus bens não podem ser recebidos pelo seu bem, ainda que ele tenha ajudado a amealhá-los. Com isso fica assegurado o direito dos herdeiros. Mesmo que qualquer do par não tenha parentes, seus bens vagam sem dono e acabam na mão do município onde se situam.

Na ânsia de reconhecer a decrepitude de quem ama, não teve o legislador o cuidado de ver que a Justiça de há muito não aceita esta imposição. A jurisprudência alterou com tal firmeza a lei que o STF editou a Súmula 377 estabelecendo a comunicabilidade do que for adquirido na constância do casamento. Os bens são de ambos e precisam ser dividido meio a meio, independente de quem os adquiriu.

Para flagrar o absurdo da lei cabe figurar um exemplo. Alguém se apaixona por quem tem mais de 70 anos e juntos constroem um belo patrimônio. Quer tenham casado ou passado a viver em união estável – afinal, assim já decidiu o STJ – a relação não existe. Simplesmente o desejo do casal não tem a mínima validade. Os bens adquiridos não se comunicam. Ficam para quem consta como seu titular. Para ele ou seus herdeiros.

O alcance da imposição é flagrantemente inconstitucional, pois afronta um punhado de princípios: o da liberdade, da igualdade e o da dignidade. Isto para citar apenas alguns. Há decisões afastando dita heresia, mas são poucas. Com a lei, tendem a desaparecer, já que devem os juízes se curvar diante da mudança.

Apesar de ter sido festejada, este é o real alcance da nova lei que tem um conteúdo dos mais retrógrados. Chancela um absurdo. Quem sabe para não frustrar a expectativa de eventuais herdeiros, que avizinham a possibilidade de receber os bens do parente que, afinal, já está velho e não tem o direito de ser feliz.

Venceu a ganância dos parentes, que tem mais valor do que o amor.

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O DIREITO À HERANÇA DO FILHO DE CRIAÇÃO

Nayara da Silva Magalhães

Sílvia Cláudia da Silva Senna Gomes

Luciana Maroca de Avelar Viana

RESUMOA família1, no atual paradigma do Estado Democrático de Direito, assume hoje uma

conotação diferenciada, havendo, atualmente, um estatuto unitário e igualitário de filiação, tendo como pano de fundo os princípios da liberdade e da igualdade. Entretanto, no que se refere aos filhos de criação, há um descompasso entre o que garantido constitucionalmente e o que é decidido pelos tribunais. Assim, o objetivo do presente trabalho é demonstrar que esta prática encontra-se em descompasso com a realidade que nos cerca, bem como com os princípios constitucionais que norteiam o âmbito civil, uma vez que os chamados “filhos de criação” devem possuir os mesmos direitos que qualquer outro filho. Por isso, não apenas se propõe como, principalmente, se demonstra ser imperioso que o Direito, hoje, seja aplicado através de uma visão de integridade e coerência, indispensáveis à promoção de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Palavras-chaves: Família; Socioafetividade; Princípios; Integridade; Filhos de Criação; Estado Democrático de Direito.

1 Conjunto de pessoas que moram no mesmo teto que estão organizados e contam com regras e normas para o correto funcionamento dela, além de contar com vínculos afetivos ou consangüíneos.

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1 INTRODUÇÃOO presente artigo faz breve análise da evolução do reconhecimento à paternidade no

direito brasileiro, enfatizando a paternidade socioafetiva2, que passou a ser aceita pelos tribunais após valorização jurídica do afeto nas relações familiares. A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como o grande marco dessas mudanças, pois estabeleceu novos princípios e abriu a possibilidade do reconhecimento judicial de relações familiares que antes eram condenadas a permanecerem à margem da lei.

A partir da CR/88, reconheceu-se a união estável, a família monoparental3 e a igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges. No que diz respeito à filiação a mudança também foi enorme, pois a partir da CR/88 acabaram as distinções entre os filhos havidos fora ou dentro do casamento, bem como com relação aos adotivos, passando todos a terem os mesmos direitos e a serem tratados com igualdade, tornando-se proibidas quaisquer designações discriminatórias relacionadas à filiação. Segundo o autor Marivaldo Cavalcanti Frausino (2006 ,p. 01):

Encarregam-se os Doutrinadores e os Julgadores com maior visão do mundo, de inserir o Direito à realidade social atual, tanto é que as questões relacionadas à área de família como as dos pais de fato ou filiação de fato; ou ainda a expressão mais utilizada na doutrina e jurisprudência, “família sócioafetiva”, envolvendo pessoas sem qualquer parentesco sanguíneo, já não se encontram mais somente no limbo do Direito.

O complexo conceito de família contemporâneo provoca inúmeras dúvidas e conflitos acerca da paternidade no contexto social, afetivo e principalmente jurídico. Além da CR de 1988, que amplia o conceito de família, trazendo o princípio de igualdade da filiação, interferindo nas relações familiares, e diretamente nos relacionamentos afetivos, entre pais

2 Relação de afeto que se consolida entre pais e “filhos”, mesmo na ausência de vínculo genético. A parentalidade socioafetiva existe quando uma criança ou adolescente tem, em relação a adulto que não é seu genitor biológico nem adotivo, a posse do estado de filho.3Família onde a geração dos pais está apenas representada por um único elemento, em que o homem  ou a  mulher encontra-se sozinho e vive com uma ou várias crianças e podem tanto viver isolados ou no lar de parentes como a casa dos pais.

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e filhos através da inserção de novos valores, encontra-se o princípio efetivo da dignidade humana, como fator determinante do bem estar pessoal.

A filiação socioafetiva encontra sua fundamentação nos laços afetivos constituídos pelo cotidiano, pelo relacionamento de carinho, companheirismo, dedicação, doação entre pais e filhos. Está cada vez mais fortalecida tanto na sociedade como no mundo jurídico, ponderando a distinção entre pai e genitor, no direito ao reconhecimento da filiação, inclusive no direito registral, tendo-se por pai aquele que desempenha o papel protetor, educador e emocional. Assim sendo, diante do modelo de família contemporâneo, é importante demonstrar os impactos causados no desenvolvimento social, emocional e patrimonial, interfamília e na sociedade, da paternidade socioafetiva, bem como o direito de escolha registral, atinente ao princípio da dignidade humana, explicitando o que deve prevalecer: a verdade biológica ou afetividade, demonstrando a importância da unificação paternal, evitando, assim, que a dignidade humana seja afetada em virtude dos conflitos ainda existentes na matéria no que diz respeito ao mundo jurídico e social do filho.

Uma vez aqui tratada de forma abrangente a paternidade socioafetiva, será discutida a situação dos filhos de criação. A figura do “filho de criação” sempre esteve presente em nossa cultura e em nossas famílias. O termo “criação” desponta aqui como afeição, adoção, sustento e guarda. Pode ser um parente distante, o filho da empregada de confiança, ou um órfão, o filho da comadre, enfim, de qualquer origem. Basta que se faça a opção de criar e ele será ungido com os cuidados de um filho.

O que falta então para que esse filho de criação seja oficialmente reconhecido? Faltaria apenas o ato legal, pois a adoção de fato esta consumada no dia a dia, por anos e anos de convivência no que se chama também de paternidade socioafetiva. Portanto, é com essa nova visão de família que devemos inserir o Direito à realidade social atual, respeitando as relações “família socioafetiva” e, embora muitas vezes estas não tenham sido levadas ao reconhecimento legal, devem ser respeitadas, pois o sentimento de afetividade4 entre as partes é maior e mais valorado do que uma mera formalização. Nota-se, portanto, que o reconhecimento da paternidade socioafetiva pelos tribunais brasileiros traz uma esperança para todas aquelas pessoas que foram “criadas” ou, melhor dizendo, conviveram como se filhos fossem, com uma determinada pessoa, mas que em algum momento da vida

4Todo o domínio das emoções, dos sentimentos das emoções, das experiências sensíveis e, principalmente, da capacidade de entrar em contato com sensações, referindo-se às vivências dos indivíduos e às formas de expressão mais complexas e essencialmente humanas

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acabaram sendo prejudicadas pelo fato de que aquele “pai de criação” não achou necessário formalizar judicialmente um sentimento espontâneo e verdadeiro, e não tomou o devido cuidado de proteger juridicamente e ter regularizado aquela situação de “adoção de fato”. Neste aspecto, busca-se neste trabalho analisar o tratamento que deve ser dado às relações em que não há vínculo jurídico formal, mas socioafetivo, no tocante ao direito necessário, partindo-se da análise do princípio jurídico da afetividade.

2 PRINCÍPIO JURÍDICO DA AFETIVIDADEA família assume hoje nova roupagem, possuindo, agora, concepções e valores

totalmente diferentes dos da primeira metade do século XX. Seu conceito liberta-se das amarras biológicas, transpondo-se para rios muito maiores, que desembocam nos mares do companheirismo, do amor, do desvelo e da livre expressão do afeto, buscando a proteção e promoção de seus membros. O art. 5º da Constituição dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. E mais. Em seu art. 227, parágrafo 6º, encontra-se a igualdade estabelecidos entre os filhos, havidos ou não da relação de casamento, por adoção ou por criação. Disto, conclui-se que todos os filhos, sem diferenciação ou discriminação alguma, terão os mesmo direitos e deveres perante a lei.

Partindo deste conceito de família e de paternidade, percebe-se que em relação aos filhos, estes não mais se classificam, uma vez que se encontram libertos dos carimbos e etiquetas, fruto de um passado estático. Portanto, há hoje um estatuto unitário e igualitário de filiação, tendo como pano de fundo os princípios da liberdade e da igualdade. Isso porque a afetividade é o valor fundante de qualquer núcleo familiar. Assim sendo, pode-se observar que hoje, o personagem principal do ordenamento jurídico é a pessoa humana, objetivando fazer valer o princípio da dignidade. Assim, encontramos no texto constitucional a igualdade estabelecida entre os filhos, sejam eles biológicos ou não. Desta forma, o atual diploma não comporta nenhuma forma de exclusão entre os filhos, retirando destes qualquer possível “etiqueta” que lhes pudesse ser atribuída.

Embora não disposto expressamente em nossos diplomas legais, através de uma interpretação extensiva e teleológica dos mesmos torna-se possível encontrar a afetividade elevada à categoria de princípio jurídico. O art. 1593 CC/02 é exemplo claro disso, ao rezar que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consanguinidade ou outra origem.” O contido no art. 1593 permite, sem dúvida, a construção da paternidade socioafetiva ao referir-se a diversas origens de parentesco. Dele se infere que o parentesco pode derivar do laço

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de sangue, do vínculo adotivo ou de outra origem, como prevê expressamente. Não sendo a paternidade fundada na consanguinidade ou no parentesco civil, o legislador se referiu, por certo, à relação socioafetiva. É possível, então, agora à luz dessa hermenêutica construtiva do Código Civil, sustentar que há, também, um nascimento socioafetivo, suscetível de fundar um assento e respectiva certidão de nascimento. Mesmo no reducionismo desatualizado do novo Código é possível garimpar tal horizonte, que pode frutificar por meio de uma hermenêutica construtiva, sistemática e principiológica.

Reiterando posicionamento anteriormente firmado, podemos dizer que, a verdade socioafetiva da filiação se revela na posse do estado de filho5·, que oferece os necessários parâmetros para o reconhecimento da relação de filiação. Deste modo, ainda que timidamente, o elemento socioafetivo da filiação reflete a verdade jurídica que está para além do biologismo, sendo essencial para o estabelecimento da filiação, mesmo porque, conforme expõe José Sebastião de Oliveira,

[...] os integrantes das famílias, não obstante a intensa liberdade com que mantém seus relacionamentos buscam cada dia mais o fortalecimento da reciprocidade dos seus sentimentos. Esse amálgama dos laços familiares é representado pela afetividade. Essa razão não vem de nenhuma estrutura legislativa codificada, mas advém da convivência, do desprendimento de amor, carinho e cuidado que se constroem essas relações.

Sendo assim, o afeto passou a ter valor jurídico, decorrente da consagração de princípios constitucionais, passando a filiação a ser vista pelos seus valores culturais, sociais, morais e no conflito existente entre o fato e a lei, o afeto deve se sobrepor à mera presunção. A paternidade biológica passa a ter papel secundário, vindo à paternidade a existir não pelo fator biológico ou pela presunção da filiação, mas em decorrência da convivência afetiva, adaptando a norma positiva ao caso concreto, à realidade social.

No entender de João Baptista Villella, (revista da Faculdade de Direito UFMG): “A verdadeira paternidade não é um fato da Biologia, mas um fato da cultura. Está antes no

5Adquirida através de constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe, não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de elementos que somente estão presentes, frutos de uma convivência afetiva

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devotamento e no serviço do que na procedência do sêmen”. Ao se formalizar uma filiação deve-se analisar o caso concreto, respeitando-se as novas relações familiares advindos do dinamismo conceitual, bem como dos elementos comportamentais e sociais que influenciam no estabelecimento da filiação baseada no afeto.

2.1 A afetividade e os filhos de criação

O estado de filho afetivo vale aqui mais uma vez frisar, revela, conforme ensinamentos de Maria Berenice Dias, “[...] a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe, não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva.”.

A posse de estado de filho na experiência brasileira configura-se na adoção, e na chamada “adoção à brasileira” 6·. A adoção trata-se de um ato jurídico, formal e de vontade, que se prova e se estabelece por meio de um contrato ou de um julgamento (ato de vontade do juiz, mas que supõe previamente a vontade dos interessados), assim, embora sendo um ato jurídico e formal, o mesmo dá-se por meio da livre manifestação de vontade e, igualmente, mantém-se alicerçado no afeto.

No que se refere à chamada “adoção à brasileira”, esta nasce quando a pessoa, voluntariamente, registra filho de outrem como se dela fosse não existindo nenhum vício de consentimento no ato registral. Mas, independentemente do registro, é a relação de afetividade entre os pais e a criança que irão gerar a verdadeira paternidade. E, por fim, temos o filho de criação; instituto que aqui possui maior relevância, por isso devendo ser analisado com maiores minúcias. O mesmo possui existência a partir do momento que, mesmo não havendo nenhum vínculo biológico ou jurídico, os pais criam uma criança por mera opção, entregando a esta todo amor, carinho e cuidado, próprios de uma verdadeira paternidade. Afinal, conforme palavras de Jacqueline Filgueras Nogueira, “[...] a paternidade não é uma imposição, mas uma opção, mesmo porque o amor depende de se tê-lo e se dispor a dá-lo.” Com relação à terminologia utilizada no que tange ao instituto “filho de criação”, uma crítica deve ser levantada, haja vista o seu caráter pejorativo, isto porque, uma vez que a Constituição não admite qualquer forma de discriminação entre os filhos, havidos estes do casamento ou não, sejam biológicos ou não, tal igualdade deve prevalecer, inclusive, na sua titulação. Assim, com propriedade afirma Maria Berenice Dias que:

6 Adoção informal que, apesar de relevante e destacada em nossa sociedade, corre à margem da lei das adoções

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A palavra filho não admite qualquer adjetivação. A identidade dos vínculos de filiação divorciou-se das verdades biológica, registral e jurídica. Assim, aquele que sempre foi chamado de “filho de criação”, ou seja, aquela criança [...] que passa a conviver no seio de uma família, ainda que sabendo da inexistência de vínculo biológico, merece desfrutar de todos os direitos atinentes à filiação. A pejorativa complementação de “filho de criação” está mais que na hora de ser abolida.

A partir daqui, pode-se afirmar categoricamente que, no que diz respeito aos filhos, erroneamente adjetivados pela expressão “de criação”, estes terão os mesmos direitos e deveres atribuídos a qualquer filho, afinal, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, além de estabelecer a igualdade na filiação, possui como fim precípuo em seu ordenamento a proteção e promoção do princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, pode-se afirmar que a afetividade representa o valor fundante de qualquer núcleo familiar e que há, hoje, na seara do Estado Democrático de Direito, um estatuto unitário e igualitário de filiação, tendo como pano de fundo os princípios da liberdade e da igualdade, razão pela qual, melhor denomina-los filhos socioafetivos.

3 FILHOS SOCIOAFETIVOS E UNIÃO ESTÁVEL: UMA ANALOGIA NECESSÁRIAO tema em epígrafe busca demonstrar que, com relação às garantias devidas aos filhos de

criação, embora estas não se encontrem manifestamente inseridas no ordenamento civil, as mesmas não podem deixar de serem asseguradas. Por ser uma relação entre os indivíduos, o afeto se desenvolve e evolui como relação social, progride socialmente, vincula e gera responsabilidades entre os sujeitos. Daí, porque o direito o protege não apenas como fato individual, mas, também como fato social. O afeto é fator relevante e deve ser protegido pelo direito. A afeição é um fator social jurígeno, que gera direitos e obrigações acerca de vários bens e valores, como alimentos, moradia, saúde, educação, etc. Não obstante a existência dos princípios jurídicos poder-se-á suprir as lacunas da lei por meio, inclusive, da analogia; analogia esta que constitui fonte do direito. No âmbito constitucional, segundo a lição de José Joaquim Gomes Canotilho, existe uma lacuna quando:

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[...] se verifica uma incompletude contrária ao plano da ordenação constitucional, sendo possível deduzir a disciplina jurídica faltante a partir do plano regulativo da Constituição e da teleologia da regulamentação constitucional. A técnica utilizada para a complementação é a analogia, que se traduz na transferência de uma regulamentação de certas situações para outros casos merecedores de igualdade de tratamento jurídico e que apresentam uma coincidência axiológica significativa.

A analogia imediata aqui citada não seria outra senão com a união estável, instituto conceituado como convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Esta, assim como o instituto filhos de criação, é desprovida de maiores formalidades constitutivas. Tal fato, entretanto, não lhe retira o atributo de entidade familiar, tendo em vista que, a clareza e transparência acabam por preservar o mais importante, que é o amor, o afeto.

A Constituição acabou por reconhecer juridicidade ao afeto, ao elevar as uniões constituídas pelo vínculo de afetividade à categoria de entidade familiar. Não obstante as interpretações restritivas do texto constitucional pelos profetas da conservação há a necessidade de afastar essa baixa constitucionalidade que se quer emprestar à união estável, a desigualando do casamento. A esse tratamento equalizador foram fiéis as primeiras leis que regulamentaram a união estável, não estabelecendo diferenças.

Além da união estável, pode-se valer, ainda, da experiência das sociedades de fato do Direito Comercial. Sociedade de fato, nas palavras de Francisco Amaral, “é aquela sociedade que, não preenchendo os requisitos legais para sua existência jurídica, tem, contudo, uma existência material.” Assim, embora não possuindo personalidade jurídica, a mesma tem responsabilidade pelos atos que praticar. Deste modo, ambas são situações de fato. Ainda que desprovidas de meras formalidades, não há dúvidas quanto aos efeitos jurídicos gerados pelas mesmas.

Feitas estas considerações, mister dizer que em relação aos filhos de criação, á falta de formalidades, prevalece à liberdade em conviver e a igualdade entre as entidades familiares. É a questão da justiça que nos permite pensar em igualdade. Na presença de vazios legais, o reconhecimento de direitos deve ser implementado pela identificação da semelhança significativa, ou seja, por meio da analogia que se funda no princípio da igualdade. Sendo

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assim, se aos conviventes e às sociedades de fato são deferidos direitos e deveres, por que aos filhos de criação são negados? Não há uma contradição aparente, na prática, entre o que dispõe a Constituição e a própria doutrina, em relação ao que é decidido pelos tribunais no que diz respeito aos chamados filhos de criação?

4. CONCLUSÃOA composição e estrutura familiar sofreram alterações ao longo da história, influenciadas

pelos movimentos sociais de cada época e pelo progresso científico. Isso porque o avanço da ciência traz mudanças sociais que alteram os costumes e, por conseguinte a estrutura e composição familiar.

Tendo em vista que a concepção atual de família trazida pela Constituição Federal possui a finalidade de proteger o indivíduo que a compõe, agasalhando tantas unidades familiares quanto existentes na sociedade brasileira, seria um dissenso, sustentar a taxatividade do art. 226. Isso porque relegariam à ilicitude outros arranjos familiares não contemplados no referido artigo, o que comprometeria a realização do princípio da dignidade humana.

Não obstante, a possibilidade do reconhecimento da filiação socioafetiva a partir de uma análise sistemática do ordenamento jurídico pátrio, a jurisprudência brasileira vem se mostrando resistente à probabilidade dos filhos de criação herdarem bens daqueles que os criaram. Contudo, verifica-se que todas as alegações arguidas pela jurisprudência para inviabilizar a transmissão do patrimônio dos pais afetivos ao filho de criação foram desmistificadas, o que demonstra a viabilidade da equiparação da prole afetiva à prole biológica para todos os efeitos, inclusive sucessórios, desde que comprovada à filiação socioafetiva de forma robusta e clara.

Por isso o presente artigo afirma que esta prática encontra-se em descompasso com a realidade que nos cerca, bem como com os princípios constitucionais que norteiam a matéria, uma vez que os filhos de criação devem possuir os mesmos direitos que os filhos legítimos ou adotados legalmente, afinal, filho, de qualquer origem ou procedência, qualquer que seja a natureza da sua filiação, é filho, simplesmente filho, e basta, com os mesmos direitos e deveres de qualquer outro filho.

“A verdadeira família é aquela unida pelo espírito não pelo sangue.” (Luiz Gasparetto)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BRASIL. STJ. Recurso Especial. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgado em 17/09/2007. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 18 de maio de 2010.BRASIL. TJMG, 8ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 1.0105.02.060668-4/001. Rel. Des. Teresa Cristina da Cunha Peixoto. Julgado em 26/04/2007. Disponível em: <http://www.colegioregistralrs.org.br/noticia.asp?cod=3861>. Acesso em 18 de maio de 2010CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, 6ª ed. rev., Coimbra: Almedina, 1993. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 2ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.DIAS, Maria Berenice; Pereira, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o Novo Código Civil. 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2002.FELIPE, Franklin Alves. Relacionamentos Afetivos nos Direitos Civil e Previdenciário. GZ. Rio de Janeiro, 2009.GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. V.VI. São Paulo: Saraviva, 2005.RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: São Paulo: Saraiva 2002, p. 321. v.6.VELOSO, Zeno. Direito Brasileiro da Filiação e Paternidade. São Paulo: Malheiros Editores, 1997.VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. Vol. VI. 4ª ed. São Paulo. Atlas, 2004. TJRS. Sétima Câmara Cível. A.C. 70023877798, Rel. Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 27/08/2008. Disponível em < http://www.tj.rs.gov.br > Acesso em 18 mai. 2010.

.ANEXO JURISPRUDENCIAL

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PPREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA SOBRE O VÍNCULO BIOLÓGICO. Demonstrada a paternidade socioafetiva, pelo próprio depoimento da investigante, possível o julgamento do feito no estado em que se encontra, sendo desnecessária a realização de exame de dna ou inquirição de outras testemunhas, que não poderão conduzir à outra conclusão senão da improcedência da ação. Preliminares rejeitadas e recurso desprovido, por maioria”

Dentre esses e outros entendimentos encontram-se inúmeros relatos no mesmo seguimento e é em busca dessa ampliação que é norteado o presente estudo do instituto de filiação e suas

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nuances diante de uma sociedade hipercomplexa, em constante transformação, onde a cada dia surgem novos anseios e necessidades, decorrentes dessa dinâmica social e cultural da atualidade.

O Superior Tribunal de Justiça apresenta em seus julgados, decisões favoráveis ao reconhecimento da paternidade socioafetiva, como o Acórdão, proferido em 21 de agosto de 2007, pela relatora ministra Nancy Andrighi, onde o STJ reconhece a validade da paternidade socioafetiva. A Turma, por unanimidade, entendeu que a ausência de vínculo biológico é fato que, por si só, não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento, já que a relação socioafetiva não pode ser desconhecida pelo Direito.

Para a ministra, paternidade socioafetiva e biológica são conceitos diversos e a ausência de uma não afasta a possibilidade de se reconhecer a outra. É o Julgado:

“EMENTA: RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SANGÜÍNEA ENTRE AS PARTES. IRRELEVÂNCIADIANTE DO VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO.- Merece reforma o acórdão que, ao julgar embargos de declaração, impõe multa com amparo no art. 538, par. único, CPC se o recurso não apresenta caráter modificativo e se foi interposto com expressa finalidade de pré questionar. Inteligência da Súmula 98, STJ.- O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência duradoura do vínculo sócio-afetivo entre pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação sócio-afetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil.- O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar, onde a relação sócio-afetiva desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-afetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste deforma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica.Recurso conhecido e provido. Acórdão: vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Filho, a Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lheprovimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.”

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“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. CRIANÇA QUE FOI ACOLHIDA AOS TRÊS MESES DE IDADE, CRIADA COMO SE FILHO FOSSE ANTE A IMPOSSIBILIDADE BIOLÓGICA DO CASAL EM GERAR FILHOS. ADOÇÃO NÃO FORMALIZADA. A verdade real se sobrepõe a formal, cumprindo-nos conhecer o vínculo afetivo-familiar criado pelo casal e a criança, hoje adulta, ainda que não tenha havido adoção legal. Paternidade socioafetiva que resulta clara nos autos pelos elementos de prova”.

É dessa forma, que os Tribunais vem se manifestando nas decisões proferidas acerca da matéria. Assim, pertinente se faz a análise doutrinária e jurisprudencial sobre o atual posicionamento e aplicação, no ordenamento brasileiro. Os desembargadores e a grande maioria da doutrina, embasam seus entendimentos sempre pautados na presença real do afeto, contudo, não ficam inertes quando existem dúvidas quanto à realidade dos fatos, uma vez identificado a falta dos requisitos necessários para configuração da socioafetividade, não obstam em julgar conforme os fatos presentes como o seguinte julgado:

“EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIIA DE RECONHECIMENTO. PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA NÃO CONFIGURADA. A paternidade não é apenas um mero fato, um dado biológico, e sim, uma relação construída na vida pelos vínculos que se formam entre o filho e seu genitor. Caso em que as evidências levam à conclusão de que o reconhecimento da paternidade foi decorrente de erro, e não de decisão consciente do autor, o que o levou a afastar-se da criança, tão-logo soube que não era seu filho, entre ambos não se formando a relação socioafetiva que deve ser preservada. Negaram provimento, por maioria, vencido o Relator.”

Ainda persistem inúmeras controvérsias atreladas à socioafetividade, que necessitam serem harmonizadas com o sistema jurídico. É com esse intuito que o Projeto de Lei nº 2.285/07 chamado de Estatuto das Famílias, elaborado inicialmente pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que de acordo com a jurisprudência e a doutrina mais atualizada com a evolução social brasileira, consolida algumas orientações. E, caso seja aprovada pelo Congresso Nacional, afastará as principais divergências, preenchendo as lacunas hoje existentes no sistema legal.

Serão trazidas inovações em todo sistema jurídico que versa sobre o Direito de Família, visando a adequação da norma a realidade social, valorizando o sujeito e não o objeto, como forma de garantir a dignidade humana, princípio constitucionalmente garantido e pouco efetivado no que vige à família. O Projeto pretende regulamentar e legitimar todas as formas de famílias, trazendo em sua essência, o valor jurídico norteador de todas as relações: o afeto. Se aprovado, as relações socioafetivas encontrarão respaldo expresso e constitucional para reconhecimento legal.

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A proposta trata de todos os tipos de constituição familiar, dispondo em seu art. 10º que o parentesco resulta da cosanguinidade, da socioafetividade ou da afinidade. Ainda nas inovações, a filiação será provada “por qualquer modo admissível em direito, quando houver posse de estado de filho”, é o que preceitua o art. 71 do presente Projeto. Ocorrerá uma equiparação da filiação socioafetiva à biológica. A presunção pater is est, será reformulada por completo, haja vista que o art. 76 admitirá que o marido, o convivente de união estável ou até mesmo a mulher possam impugnar a paternidade que lhe for atribuída no registro civil, a qualquer tempo, salvo quando ficar caracterizada a posse de estado de filho. Portanto, a socioafetividade não poderá ser objeto de impugnação, quando comprovada a posse de estado de filiação, tanto pelo pai quanto pelo filho registrado ou reconhecido voluntariamente, que passa a ser limite intransponível. Contudo, enquanto não aprovado o Projeto, deve-se apresentar no ordenamento soluções para realidade fática, inerente à atual sociedade, hipercomplexa, não bastando a criação de normas e preenchimento das lacunas, deve ocorrer a subsunção, ou seja, a adequação da norma ao fato, bem como não deve ser dispensada a flexibilização dos Tribunais em seus julgados, analisando caso a caso, verificando-se que ocorrendo, taxativamente, o preceituado na lei, continuará ocorrendo diversidades, haja vista a multiplicidade de relacionamentos interpessoais, advindos com a modernidade, fruto da modificação dos costumes e necessidades individuais.

AÇÃO DECLARATÓRIA DE PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA - POSSE DO ESTADO DE FILHA - EFEITOS JURÍDICOS - INGERÊNCIA DO ESTADO NA VONTADE DO CIDADÃO - DESBIOLOGIZAÇÃO DA PATERNIDADE - ADOÇÃO - GARANTIA CONSTITUCIONAL DE IGUALDADE ENTRE OS FILHOS - NÃO PROVIMENTO DO RECURSO - O Estado não pode contrariar a vontade do cidadão, já falecido, que teve a oportunidade deadotar a Autora e não o fez, preferindo apenas cumprir com as obrigações do pátrio poder que lhe foi outorgado judicialmente pela mãe biológica, função que exerceu com brilhantismo.

[...] Quanto ao mérito, não vejo como acolhê-lo. Em que pese o brilhantismo do ilustre causídico, bem como o aspecto inovador da tese da paternidade sócio-afetiva, a questão é mais ampla, porque o falecido teve oportunidade de legalizar a adoção e não o fez em vida, razão pela qual não vejo como a Justiça poderá preencher tal lacuna.

A tese da posse do estado de filho como fato gerador de efeitos jurídicos capazes de definir a filiação nos leva a questionar se a verdadeira paternidade se explica apenas pela genética. Sabemos que não. Tanto que a legislação veio ampliar o instituto jurídico da adoção, consagrado na Constituição Federal que, no art. 226, § 6º concede aos filhos, havidos ou não das relações do casamento ou por adoção os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

No presente caso, a Autora requer seja declarado que seu pai é o senhor Joaquim Fernandes de Morais, pessoa que a acolheu aos três anos e a criou como se filha fosse [...]

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A INTERFERÊNCIA DO ESTADO BRASILEIRO NA VIDA PRIVADA DO INDIVÍDUO

Renata Faria de Carvalho Teixeira

“O fim do Direito não é abolir nem

restringir, mas preservar e ampliar a

liberdade”.

John Locke

RESUMOO presente trabalho pretende expor e esclarecer pontos essenciais para que a interferência

do Estado na vida privada do indivíduo ocorra de maneira constitucional, prudente e não invasiva. O princípio da dignidade da pessoa humana assim como o da liberdade são enaltecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Assim, certo é que as liberdades têm que ser de alguma forma delimitadas para que não se caminhe para a barbárie. Contudo não se pode admitir que a invasão na vida privada se torne um freio total às suas escolhas. Nesse diapasão, tem-se como marco teórico desse trabalho a assertiva de Ives Gandra Martins que diz: “A lei deve estabelecer quais são os limites do comportamento de um indivíduo pensando em dois critérios. De um lado, há os direitos inalienáveis, aqueles de que a pessoa não pode decidir abrir mão. Portanto, ninguém pode decidir tirar a própria vida, por exemplo. O outro caso ocorre quando o direito de uma pessoa precisa ser limitado para garantir o direito dos outros” (MARTINS, 2011). Nesse sentido, claro é que devam existir maneiras, por exemplo, para proteger uma criança ou adolescente da violência, doméstica ou não. Porém não se pode admitir que se conceda ao Estado a prerrogativa de ingerência desmedida nos lares brasileiros. Questiona-se quais os limites de ta intercessão. Defende-se postura na qual é dever do Estado regular as relações interpessoais sem, todavia anular as escolhas próprias do indivíduo.

Palavras-chave: Liberdade; Intercessão Estatal; Vida privada.

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1. INTRODUÇÃO Um critério para medir o grau de liberdade de uma sociedade é o exercício da

liberdade de escolha pelos seus cidadãos. Nas sociedades desenvolvidas economicamente e onde existe justiça social, há a consolidação das liberdades: liberdade de ir e vir, de pensamento e expressão, de imprensa e religiosa. Essas sociedades foram erguidas e mantidas a partir dos direitos de propriedade, dos direitos individuais e do livre-arbítrio.

Sendo assim, o estudo do Estado interventor torna-se relevante para a compreensão do princípio da autonomia privada. Todavia, foi publicizando o Direito privado que o Estado colocou freios nos excessos do poder de liberdade dos indivíduos.

O que causa desconforto, beirando ao inconformismo são os abusos, os excessos de regulamentações, decretos, normas e leis que dizem respeito à vida de cada um. Ou seja, em nome de preceitos morais e de valores, em grande medida subjetivos, anula-se garantias e direitos da população.

A liberdade de expressão, de manifestação, o direito à privacidade, entre outros, são direitos fundamentais do indivíduo. Essas garantias não podem ser simplesmente anuladas em nome de valores morais ou problemas secundários, pois, se assim for, ao invés de ter um Estado mais democrático, mais humano e igualitário, como pregam os defensores dessas medidas, o que teremos será um Estado cada vez mais totalitário.

Deste modo, o presente trabalho tem como objetivo verificar o aumento constante de ingerências estatais na vida dos cidadãos. Demonstrar que a intercessão do Estado na vida privada é necessária, contudo se esta ocorre de maneira excessiva, priva os indivíduos de tomarem decisões que só dizem respeito às suas próprias vidas e não ao coletivo. Tal fato acaba obstando a autonomia privada e invadindo a esfera íntima do indivíduo.

Questiona-se assim se a intercessão do Estado na vida privada, ao limitar a autonomia, invadindo a esfera íntima do indivíduo, é juridicamente constitucional. Se tamanhas interferências na vida íntima do indivíduo são realmente necessárias à vida coletiva.

Isto posto, pretende-se neste trabalho averiguar que a importância da relativização da autonomia não pode cercear demasiadamente as liberdades individuais.

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1. FORMAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO1.1 Breves relatos

A essência do Estado Democrático de Direito baseia-se na exigência do cosentimento e do controle popular para o exercício do poder estatal e na exigência de submissão à lei, tanto por seus habitantes quantos por aqueles que exercem o poder, visando garantir direitos, de maneira geral, de cada indivíduo. (KARAM, 2006)

As características e bases do atual Estado Democrático de Direito são fundamentadas pelo Estado de Direito Liberal, institucionalizado pós Revolução Francesa de 1789, quando houve então a queda do Estado Monárquico autoritário. (LA BRADBURY, 2006)

Foram então superadas as teorias de origem divina do poder, colocando o povo como titular da soberania, entendendo-se que a Constituição deveria ser a expressão da soberania popular. (MAGALHÃES, 2008)

Dessa forma, tem-se como característica básica do Estado liberal a não intervenção na economia, vigência do princípio da igualdade formal, adoção da Teoria da Tripartição dos Poderes de Montesquieu, supremacia da Constituição como norma limitadora do poder governamental e garantia de direitos individuais. (ROCHA, 1995)

Sendo assim, o Estado de Direito Liberal pode ser definido:

[...] como o criador e regulado por uma Constituição (isto é, por norma jurídica superior às demais), onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, que controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares de direitos possam opô-los ao próprio Estado. (SUNDFELD, 2006)

O Estado Liberal passa então a impedir o exercício arbitrário do poder pelo governante e a garantir direito público subjetivo aos cidadãos, reconhecendo, desta forma, mesmo que de maneira mínima, direitos individuais fundamentais. (BOBBIO, 1988)

Contudo, o excesso formal do Estado Liberal e a sua incapacidade de superar demandas sociais ocasionaram a construção do paradigma do Estado Social, vez que a mera previsão legal de normas sobre igualdade e liberdade não foram suficientes para o estabelecimento prático de tais direitos. (MAGALHÃES, 2008)

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Surgem então as políticas públicas de inclusão social com o objetivo de materializar os direitos fundamentais.

Segundo Sundfeld:

O Estafo torna-se um Estado Social, positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível cultural e a mudança social) e a realização da justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do produto econômico). (SUNDFELD,2006)

No Estado Social exige-se uma postura negativa do liberalismo, exige-se uma conduta positiva, dirigente, ativista, com políticas governamentais que garantam direitos subjetivos materiais.

Diante das bases dos direitos subjetivos materiais do Estado Liberal conjugada à preocupação com o bem estar do indivíduo do Estado Social, constituiu o Estado Democrático de Direito no Brasil, consagrando princípios fundamentais como soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político. (MICHAELLO MARQUES, 2012)

Para Bobbio:

Estado Liberal e Estado Democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um estado não liberal possa assegurar um coreto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais. (BOBBIO, 1986)

Liberdade e igualdade são então os fundamentos do Estado Democrático de Direito, no que se refere ao exercício da democracia.

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Assim, as bases do Estado Democrático de Direito são o resultado da busca pela instauração de mecanismos de controle das decisões políticas, através da fusão e transformação de princípios do Estado Liberal e Social aplicando, sob o crivo da legalidade e, garantindo, em sua plenitude, os direitos fundamentais, conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988.

1.2 O Estado Democrático De Direito Brasileiro Pressuposto fundamental da Constituição Federal, expressa em seu artigo 5º, o respeito

aos direitos e às garantias individuais. Deste modo, além de garantir um Estado Democrático de Direito, a Constituição Brasileira garante também a dignidade humana, enaltecendo os direitos humanos, dentre eles à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.

Promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte a Constituição da República Federativa do Brasil institui em seu preâmbulo:

Um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. (MEDINA, 2003)

O artigo 1º da Constituição Federal caracteriza o Estado Brasileiro como Estado

Democrático de Direito.Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania;II - a cidadania;III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político.Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (BRASIL, 2013)

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A denominação Estado Democrático de Direito, refere-se então a um sistema de garantias da pessoa humana implementado de forma efetiva. (BOBBIO, 1992). Portanto, a Constituição Federal de 1988 positivou direitos fundamentais, concedeu garantias aos indivíduos a fim de protegê-los contra arbitrariedades, minimizando restrições às liberdades visando assim, a eficácia dos direitos fundamentais.

2. O DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADAOs direitos à intimidade e à vida privada estão expressos no art. 5º, X da Constituição

Federal. A princípio o conceito de intimidade e privacidade se confundiam, existindo uma diferenciação entre a esfera pública e a privada. (FARIAS, 1996). Contudo há a separação dos conceitos, mesmo que de maneira sutil.

Percebe-se assim que intimidade e privacidade são valores fundamentais e como tais, sua violação acarretará ofensa à dignidade da pessoa humana.

Ressalta-se que o princípio da dignidade da pessoa humana busca tanto impedir o poder público de violar a dignidade pessoal como a promover a proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos, podendo sustentar a necessidade de uma política da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais.

Sendo assim, “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”. (SILVA, 206)

Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-as nos casos de direitos sociais, ou invocá-los quando se trate de garantir as bases da existência humana. (CANOTILHO, 1999 apud SARLET, 2004)

Nesse diapasão, o princípio da dignidade da pessoa humana impõe tanto ao Estado quanto à coletividade o dever de respeito e não violação da esfera individual, como a intimidade e a privacidade.

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2.1 Da intimidade O reconhecimento da intimidade e da privacidade se deu pela Declaração Universal

dos Direitos Humanos, adotada em 10 de Dezembro de 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Tal situação impulsionou estudiosos do Direitos a elaborarem conteúdos sobre intimidade e vida privada que fornecessem uma tutela necessária ao indivíduo.

No Brasil, foi na Constituição Federal de 1988 que surgiu, expressamente, a proteção ao direito à intimidade:

Art. 5º:[…] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL, 2013)

Sendo assim, tem-se que intimidade é o status ou situação daquilo que é íntimo, isolado, só havendo, portanto, o direito ou liberdade pública de estar só, de não ser importunado, devassado, visto por olhos de estranhos. (CRETELLA JUNIOR, 1988)

2.2 Da vida privadaO direito à vida privada, assim como o direito à intimidade, consagra-se entre os direitos

e liberdades fundamentais a serem resguardados ao indivíduo pelo sistema jurídico. No Brasil, por mais que já houvessem previsões sobre a proteção aos direitos

fundamentais em Constituições anteriores, somente com a Constituição Federal de 1988 passou a existir expressa referência à vida privada e à intimidade.

A proteção de tais direitos é deferida não apenas em face do Estado, mas também quanto aos demais particulares, como observa-se no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. (SILVA, 2006)

Deste modo, consiste a privacidade na faculdade que o indivíduo tem de obstar à intromissão de estranhos em sua vida privada, impedindo o acesso e divulgação de informações sobre esta área de manifestação existencial do ser humano. (SILVA, 2006)

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3. AUTONOMIA PRIVADA E A INTERFERÊNCIA ESTATAL 3.1 Autonomia Privada

A autonomia privada está essencialmente ligada aos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Ao se conceituar a autonomia privada percebe-se que ela está vinculada ao ordenamento jurídico, e este dirigismo está muito presente no direito privado.

Nessa linha, pode-se conceituar a autonomia privada como um princípio do direito contratual que permite às partes disporem de seus próprios interesses mediante acordos, desde que estes indivíduos observem a Constituição Federal e o Código Civil.

Cláudio Luiz Bueno de Godoy se refere à autonomia privada de maneira mais ampla, não se prendendo a apenas aspectos contratuais:

A autonomia privada mesmo quando presente em direitos patrimoniais ou não patrimoniais deve atentar-se a obedecer aos valores do ordenamento que consequentemente integram sua própria estrutura. (ALVIM, GODOY, 2005)

Para Francisco Amaral, a autonomia privada “é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações que participam, estabelecendo-lhe o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica”. (AMARAL, 2003). Assim, trata-se da liberdade que possui a pessoa para regular seus próprios interesses, a faculdade que tem de concluir livremente suas avenças.

3.2 Interferência Estatal Em outras épocas, a interferência do Estado na vida pessoal dos cidadãos era aceita

sem contestação. Platão e Aristóteles, por exemplo, entendiam ser papel do governo tornar os cidadãos mais virtuosos. Desse modo, deliberações visando à ética eram defensáveis.

Maquiavel e Hobbes, ao final da Idade Média defendiam que os limites para o direito do indivíduo seriam unicamente, o direito de outros. Mais tarde, o entendimento de Habermas é de que algum tipo de interferência moral é “inevitável”.

Atualmente na América do Norte, há os que entendem que o Estado pode definir alguns valores se estes forem típicos da comunidade na qual aquela legislação será seguida. (GALINDO, 2011)

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Certo é que: “A lei deve estabelecer quais são os limites do comportamento de um indivíduo pensando em dois critérios”, dispõe Ives Gandra Martins. “De um lado, há os direitos inalienáveis, aqueles de que a pessoa não pode decidir abrir mão. Portanto, ninguém pode decidir tirar a própria vida, por exemplo. O outro caso ocorre quando o direito de uma pessoa precisa ser limitado para garantir o direito dos outros”, diz. (MARTINS, 2011)

Deste modo, não há espaço para que o Poder Público discipline como os indivíduos devem se comportar. Claro é que se faz necessário impor restrições negativas e dizer o que é proibido fazer em uma sociedade organizada. Contudo, o Estado Moderno não pode diferenciar entre certo e errado situações que não implicam em convívio social, comportamentos pessoais, como, por exemplo, se posicionar a favor de união heterossexual e contrário à homossexual, pois se assim o fizer estaria pronunciando que há um comportamento sexual melhor do que o outro.

O Estado precisa, então, respeitar um limite entre o que é a regulamentação de questões essenciais ao coletivo e a invasão da autonomia do indivíduo.

João Paulo Orsini Martinelli explica que há no mínimo quatro razões para o Estado respeitar tais limites: “Quem elabora as leis são as pessoas que estão no poder, e não se pode permitir que estas digam como a sociedade deve se comportar”. A segunda razão se refere à diversidade, pois quando se restringe a sociedade a um comportamento, automaticamente elimina-se a possibilidade dos indivíduos viverem de formas distintas. Outro ponto, diz respeito à democracia: “A intromissão na vida privada abre as portas para o autoritarismo e a concentração do poder; basta lembrar que, no Brasil, na ditadura, o simples fato de alguém pensar diferente do governo era motivo para aplicar a lei penal”, diz. Por fim, simples interferências por meio das proibições já se mostraram impotentes a resolver conflitos sociais. Sendo assim, percebe-se que além de tudo, tais leis invasivas solucionam de maneira ínfima os problemas. (GALINDO, 2011).

As pessoas não podem ser obrigadas a ser saudáveis ou não contra a própria vontade. A decisão de beber ou fumar é um problema do próprio indivíduo e não do Estado.

Nas palavras de Denis Izrrer Rosentield:

[...] atos desse tipo maculam a essência do indivíduo. Considero uma agressão abster uma pessoa de seu livre-arbítrio, de sua capacidade de decisão, de sua individualidade, seja no que diz respeito ao uso de medicamentos, ao fumo ou ao consumo de

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comidas gordurosas. Essa decisão pertence à subjetividade, à alma de cada um. O filósofo inglês John Locke, no século XVII, já dizia que nenhuma pessoa pode ser forçada a ser rica ou saudável contra a sua vontade. Os homens devem ser entregues à própria consciência. [...] ao tentar disciplinar a vida dos cidadãos, o governo começa a impor a sua noção de bem. Se alguém decide fumar ou beber, isso é um problema exclusivamente dessa pessoa, não é um problema do estado. Quando o estado se apodera do monopólio da virtude, inicia um flerte inadmissível com o autoritarismo, danoso para qualquer sociedade. (ROSENFIELD, 2011)

Visto de forma isolada, os atos regulatórios parecem ser indiscutivelmente positivos. Quem não fuma, por exemplo, entende ser totalmente plausível a resolução que proíbe o cigarro em ambientes fechados. Ocorre que proibições desse tipo, muitas vezes camuflam a intenção de impor um comportamento padrão, frente ao status de atitude politicamente correta.

Percebe-se que a interferência do Estado atinge todas as esferas e cada vez mais invade a vida privada do indivíduo. Ao discutir a Lei da Palmada e a regular o consumismo infantil o Estado invade a relação entre pais e filhos deflagrando claramente limitações a liberdade de escolha de cada um.

Rosenfield explica que:O estado deve zelar para que as leis obedeçam a critérios de universalidade e não desrespeitem os direitos individuais. Leis justas são as que não estão restritas a costumes locais nem privilegiam determinados grupos. Há uma diferença entre eticidade e moralidade que deve ser levada em conta em toda essa discussão. A moralidade é do domínio da liberdade subjetiva, da consciência do indivíduo. Do ponto de vista moral, é quase impossível duas pessoas dividirem a mesma opinião sobre o que consideram “bem” ou “mal” para si mesmas. O fator ótico é a liberdade dos indivíduos concretizada por meio das instituições. A legislação deve se embasar no conceito de ético, no que é universalmente aceito como bem ou mal. (ROSENFIELD, 2011)

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4. A INTERFERÊNCIA DO ESTADO BRASILEIRO Como visto a intimidade, a vida privada e a liberdade, no que tange a autonomia da

vontade, são direitos fundamentais da pessoa humana e como tais, tem sua proteção pela Constituição Federal. Deste modo não pode o Estado violar esses direitos sob argumentos efêmeros, sendo necessário, assim, que haja motivo de grande relevância que justifique a interferência estatal.

Violações aos direitos fundamentais, como um todo, pelo Estado, devem ser punidas com rigor. Regimes que ignoraram os limites de ingerências na esfera íntima do indivíduo acabaram refletindo totalitarismos.

Insta ressaltar que em democracias o Poder Público não pode decidir o que cada indivíduo deve fazer, como viver, estudar ou trabalhar, uma vez que não é do interesse do Estado o que adultos fazem, de maneira consensual em ambientes privados.

Contudo existem diversas leis e projetos que contrariam tal entendimento, não vislumbrando limites na interferência estatal na vida privada do indivíduo. São exemplos desse tipo de ingerência:I - Proibição do consumo de bebida alcoólica ao ar livre:

Em Ponta Grossa, foi apresentado pelo vereador Walter José de Souza, em 2012, projeto de lei para proibir o consumo de bebidas alcoólicas ao ar livre. Claro está a falta de limite do Estado na presente interferência no que tange às escolhas do indivíduo. O Estado não deve se preocupara com a maneira como a pessoa se comporta. Se esta ingerindo bebida ou não. Não é justificável tamanha interferência sob o pretexto de que evitaria algum dano a terceiros, pois se algum delito for cometido, já existem leis para tal punição. II – Proibição do uso de biquíni:

Em 1961, Jânio Quadros determinou a proibição do uso de biquínis das praias do Rio de Janeiro, com a alegação de que tal vestimenta afrontava moralmente a sociedade.

Muitos dizem que tal conduta não tinha cunho moral, mas sim era a vontade de Jânio de se manter nas capas dos jornais. Tal governante foi responsável por diversas proibições que muito se aproximam da piada. Em 1957, quando ainda era governador de São Paulo proibiu a execução de rock and roll em todos os bailes realizados no Estado.

Ao assumir a presidência proibiu as corridas de cavalo em dias úteis e determinou que todos os filmes transmitidos pela TV fossem dublados, demonstrando assim a clara diferença entre medidas meramente proibitivas e regulamentação.

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III - Proibição que homossexuais morassem no município:“Fica vedada a concessão de moradia e a permanência fixa de qualquer elemento ligado

a esta classe (homossexuais), que não trará qualquer natureza de benefícios para este município.” O presente trecho pertence ao decreto nº 413/2003, do prefeito de Bocaiúva do Sul, Paraná, Élcio Berti (1997-2004), que proibiu homossexuais de residirem no município.

Não é crível que uma interferência na vida individual de tamanha proporção possa ser admitida na atualidade. O Estado tem todo o direito de intervir caso um homossexual seja vítima de agressões, crimes contra a honra ou se tiver algum direito desrespeitado.

Além de preconceituoso o decreto em questão invade de maneira agressiva a liberdade do indivíduo, violando severamente a dignidade da pessoa humana. IV – Proibição de gritos nas feiras livres:

Muita polêmica surgiu quando Gilberto Kassab, então prefeito de São Paulo, baixou uma portaria proibindo gritos nas feiras livres do município. Logo após, o prefeito voltou atrás alegando erro de redação em tal portaria. (GALINDO, 2011).

Percebe-se claramente a simples intervenção sem qualquer razão aparente. Intervir por intervir. Não havendo dano a terceiros, não há motivos para tal proibição beirando tal portaria à chacota. V- Proibição de tabaco e certos alimentos:

A ingestão de produtos de qualquer gênero, desde que não causem suicídio é decisão exclusiva do indivíduo. Não pode o Estado opinar se a pessoa deve ou não efetuar tal ingestão.

Políticas educativas, obrigatoriedade de rótulos corretos nos produtos são eficazes e de responsabilidade do Poder Público para que assim os indivíduos possam fazer suas escolhas de maneira mais conscientes. Contudo, a opção em ingerir determinado produto é exclusividade do indivíduo. VI - Lei da palmada:

Nas palavras de João Paulo Martinelli:

A palmada moderada sempre foi aceita como castigo e não pode ser proibida. Cada família deve adotar o método de educação que julgar mais adequado. Quando as palmadas se tornarem verdadeiras agressões, o sentido é outro. Agredir não é educar e, portanto, a lei penal legitima-se nos casos de castigo violento. (GALINDO, 2011)

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O dever de corrigir é necessário para a formação do caráter do filho. Muitos entendem que o castigo moderado, em caráter corretivo não é atingido pela lei, não sendo assim proibido. Ora, se assim o for, em nada adiantou a citada lei, pois para “palmada” identificada como agressão, já se tem legislação penal que a abrange.

Sendo assim, a Lei da Palmada se mostra como grande invasão na esfera íntima familiar, no que tange à educação dos filhos. VII - Comunhão de bens:

O Código Civil proíbe o casamento em comunhão de bens após os 70 anos. Sob o argumento de proteção do indivíduo retira deste a liberdade de escolha no que se

refere à sua própria vida.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS No estudo em tela, questionou-se quais os limites da intercessão estatal na vida do

indivíduo, no que se refere a suas escolhas, defendendo-se a postura na qual é dever do Estado regular as relações interpessoais, contudo sem anular a liberdade do indivíduo.

São conquistas da democracia a diversidade e a individualidade e a aceitação dessas deve ser vista como basilar para a relação do Estado com a sociedade.

Nesse contexto, viu-se que a dignidade da pessoa humana, inserida nesta a intimidade, a vida privada e a autonomia, é objeto de controle estatal tanto no que tange à sua proteção quanto à sua violação.

Assim, ao investigar as dimensões em que o Estado impõe ou pretende impor sua vontade no âmbito de liberdade de escolha do indivíduo apurou-se que há uma invasão por vezes desmedida na esfera íntima da pessoa vez que em diversos casos e em variadas situações o Poder Público se faz presente de forma abusiva, sem qualquer razão real para tal.

O Estado comumente se apodera de justificativas superficiais e baseia-se em conceitos puramente morais, para explicar ingerências no que diz respeito somente ao próprio indivíduo, impondo proibições desnecessárias que em nada alteram o convívio social.

A Constituição Federal consagrou o Estado Democrático de Direito dando destaque ao respeito aos direitos e garantias individuais. A observância dessas garantias leva à conclusão de que a essência do Estado Democrático de Direito fundamenta-se tanto no controle do Poder Público na sociedade quanto na proteção da garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos e suas liberdades de escolhas.

Nesse diapasão, tem-se que o indivíduo é o cerne da sociedade devendo ter seus direitos

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respeitados. Não há dignidade se houver violação da intimidade, privacidade e autonomia.Ao coibir excessos e impedir conflito de interesses o Estado afeta diretamente à liberdade

de escolha dos indivíduos. Essas ingerências devem ser contidas se limitando às situações que realmente sejam de interesse coletivo ou que atinjam a terceiros.

As intervenções do Estado devem ser excepcionais para que não se caminhe para um estado totalitário. Os direitos fundamentais não podem ser fragilizados e renegados a segundo plano, por justificativas principiológicas, sob pena de se perder a própria essência da Constituição Federal.

Assim, não há como saber se a intervenção do Estado será vantajosa ou não, uma vez que tudo dependerá dos limites e reais objetivos de tal ingerência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALVIM, Agostinho; GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. São Paulo: Saraiva, 2005.AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5.ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 2 ed. São Paulo: Brasiliense 1988.BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia - uma defesa das regras do jogo. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 2 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 18 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.CANOTILHO, 1999 apud SARLET. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. FARIAS, Edilsom Pereira de Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1996. GALINDO, Rogerio Waldrigues Galindo. Publicado em: 10/07/2011. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?id=1145583.http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?id=1145583http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1277812.http://www.alagoastempo.com.br/noticia/7337/curiosidades/2011/08/26/presidente-janio-quadros-proibiu-uso-de-biquini-em-praias-do-brasil.html

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TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL: UMA RESENHA DE LITERATURA

Giani Claudia Setto Vieira

RESUMOEste artigo analisou as políticas de transferência de renda adotadas pelo governo

brasileiro na busca da redução da desigualdade de renda. A partir da resenha de literatura realizada, conclui-se que os programas de transferência de renda apresentam aspectos positivos sobre a distribuição de renda, no entanto, os resultados do programa como política de inserção dos beneficiários ao mercado de trabalho, elevação do nível de renda, melhores condições de vida com acesso a bens e serviços, conduzem a discussão de políticas públicas mais profundas para minimizar os problemas sociais.

PALAVRAS-CHAVE: bolsa família; inserção social; transferência de renda; políticas públicas; assistencialismo.

1.INTRODUÇÃOTorna-se cada vez mais visível as mudanças que são implementadas no mercado de

trabalho mundial e brasileiro, como as inovações tecnológicas nas atividades de produção e serviço, no entanto, o avanço tecnológico não é acompanhado, proporcionalmente, pelo aumento do nível de emprego, gerando um excedente de mão de obra.

A partir de 1990, acentua-se a discrepância no nível de renda, pois ocorreu o agravante do aumento do número de desempregados na economia brasileira e a precarização do mercado de trabalho, com salários insuficientes para atender as necessidades básicas.

Numa economia de mercado, pode-se considerar que a disparidade no nível de renda é uma meta de política macroeconômica que o governo busca alcançar como forma de conduzir o crescimento econômico. Daí a necessidade da inserção de políticas públicas para geração de renda, como forma de reduzir a desigualdade, sem que a mesma cause novas repercussões.

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Discute-se como aspecto relevante a importância da adoção de mecanismos de transferência de renda para reduzir a disparidade social e a inserção de políticas públicas que possam promover investimentos sociais, gerando trabalho [emprego] e renda, fatores preponderantes do crescimento contínuo da renda per capita, essenciais para a sustentabilidade no longo prazo.

Os programas de transferência direta de renda enquadram-se como um mecanismo de inclusão social e econômica de crianças e adolescentes, que sofrem um processo de exclusão social em função das suas condições de vida.

Os gastos ligados a saúde, educação, previdência social, moradia, saneamento básico e habitação, amparo ao empregado são considerados dispêndios. Assim, as transferências monetárias que são realizadas pelo governo federal à população fazem parte do Orçamento Social da União.

De acordo com Silva (2003, apud ARAÚJO; OLIVEIRA, 2007), quanto à previdência social, as transferências diretas abrangem, principalmente, pensões e aposentadorias, salários família e maternidade, acidente, auxílios doença, dentre outros. A assistência social é composta pelos Programas de Transferência de Renda (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás, etc), enquanto outras transferências diretas abrangem o seguro-desemprego e o abono salarial.

Segundo Mustafa (2005), o nível de desemprego de um país acarreta distorções diretas na vida dos desempregados, como problemas de saúde mental, depressão, ansiedade, medo, baixo-estima e outros.

Neste contexto, os programas de renda mínima não-contributivos (PTR) ganharam espaço em âmbito internacional, ampliando sua discussão sobre como são utilizados esses instrumentos de políticas sociais em vários países, principalmente na Europa. Leva-se em consideração o emprego, que se configura em trabalho assalariado, como determinante de garantia de renda, dada a incapacidade de absorção pelo mercado de trabalho de todo o contingente de mão de obra. (DIAS, 2006).

Antes da Revolução Industrial, nos anos de 1795 na Inglaterra, ocorreu o primeiro programa de transferência de renda, sendo revogado em 1834, no qual complementava os salários mais baixos ou na ausência desses, com um abono equivalente ao preço do pão (POLANYL, 2000 apud DIAS, 2006).

Segundo Reis e Dal Ri (2008), como maneira de minimizar a desigualdade social, desde 1930 tem relatos de programas de transferência de renda na Europa, que se expandiram internacionalmente nos anos de 1980.

De acordo com Mustafa (2005), na Europa, os programas de transferência de renda que se

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efetivaram são chamados de Programas de Renda Mínima ou Renda Mínima de Inserção, onde se difere de um Programa de Renda Básica, pelo fato de direcionar a uma parcela específica da população [pessoas que buscam o primeiro emprego, portadores de necessidades especiais, idosos e outros], buscando também a inserção ou reinserção ao mercado de trabalho, não sendo um programa universal. Assim, o Programa de Renda Básica caracteriza-se como um direito garantido ao cidadão.

Atualmente, no Brasil, o instrumento direto de redistribuição de renda é o Programa Bolsa Família, implementado na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sendo unificação dos programas bolsa escola e alimentação do presidente Fernando Henrique Cardoso, no seu segundo mandato, no ano de 2001.

Vale ressaltar que o Brasil é um país mencionado pelo seu elevado grau de desigualdade com relação à renda e patrimônio. Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 2004, apontou o Brasil, dentre 127 países analisados, como o oitavo pior em termos de índice de desigualdade, ficando atrás de todos os países da América do Sul e à frente penas de sete países da África (MARQUES, 2008).

O objetivo geral deste estudo é analisar as características das transferências diretas de renda no Brasil, entre o período de 2001 a 2010. Como objetivos específicos, pretendem-se: a) verificar os resultados que foram alcançados mediante a implementação dos programas de transferências de renda; e b) Evidenciar a eficiência dos programas sociais como determinantes de redução da desigualdade do nível de renda.

2. TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL – BREVE HISTÓRICOOs debates sobre os programas de transferência de renda se concretizam no Brasil a

partir dos anos de 1990, levando em consideração a discussão da seguridade social, direito garantido pela Constituição Federal de 1988.

Conforme Dias (2006), em 1974 surgiu no Brasil o primeiro programa de transferência de renda, a Renda Mensal Vitalícia (RMV), sendo extinto em 1995. Este programa assegurava a importância de meio salário mínimo às pessoas consideradas inválidas e aos idosos com mais de 70 anos, que, em algum momento, contribuíram com a previdência social.

De acordo com Silva (2007 apud REIS; DAL RI, 2008), no ano de 1991, no Brasil, ocorreu a introdução do programa de transferência de renda, conhecido como programa de garantia de renda mínima (PGRM), beneficiando brasileiros acima 25 anos, com uma renda de até 2,5 salários mínimos em valores correspondentes ao ano de 2005. Posteriormente, o PGRM

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ficou atrelado a fator educacional, ou seja, as famílias receberiam um salário mínino desde que mantivessem as crianças entre 7 a 14 anos na escola, com o intuito de reduzir a pobreza.

Conforme Portugal (2005, apud ARAÚJO; OLIVEIRA, 2007), em âmbito de previdência social no ano de 2002, as transferências diretas de renda foi da ordem de R$ 136 bilhões, dos quais R$ 119 bilhões foram gastos com a previdência social, sendo este critério então, o responsável pela maior utilização dos recursos destinados às transferências de renda.

Os programas Bolsa-Escola e Bolsa Alimentação foram criados em 2001, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, tendo continuidade em 2003, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lançou o Programa Fome Zero. Com a interação de políticas econômicas e sociais, criação de novos postos de trabalho para combater a pobreza, os programas de transferência de renda são unificados, dando origem a um único programa, o Bolsa Família [que uniu os programas Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás e Cartão-Alimentação] (REIS; DAL RI, 2008).

Cada programa gerava um cartão magnético, onde os mesmos foram substituídos pelo Cartão-Cidadão que permite a cada beneficiário o saque direto do valor monetário junto à instituição financeira.

De acordo com Silva et al., 2004 (apud DIAS, 2006, p. 178),[...] a partir da articulação interministerial, coordenada pela

Casa Civil da Presidência da República, formulou-se novo programa, denominado Programa de Transferência Direta de Renda com Condicionalidades, o Bolsa Família. Criado pela Lei 1.836/2004, o Bolsa Família teve por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução de quatro programas federais: Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Educação – Bolsa Escola (Lei 10.219/2001); Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde – Bolsa Alimentação (Medida Provisória 2.206-1/2001); Programa Auxílio-Gás (Decreto 4.102/2002); e Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA (Lei 10.689/2003). Além disso, o Programa configura-se como gestor do Cadastro Único para os programas do governo federal, que foi instituído mediante o Decreto 3.877/2001, com o objetivo de cadastrar, com o uso de formulário único, as famílias em situação de extrema pobreza em todos os municípios brasileiros.

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Conforme Araújo e Oliveira (2007), no ano de 2002 ocorreram à transferência do governo federal de R$ 2,2 bilhões, sendo que no ano de 2004 o valor aumentou para R$ 5,3 bilhões, referente a programas de inclusão social.

O governo repassa recursos aos beneficiários dos Programas de Transferência de Renda, desde que estes cumpram adequadamente algumas condições impostas. Esses programas ganharam destaque no ano de 2001.

Os programas Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás e Cartão-Alimentação foram então consolidados, envolvendo o volume de recursos de R$ 4,3 bilhões correspondente ao ano de 2003 e R$ 5,3 bilhões em 2004. Assim, o programa Bolsa Família era destinado ao atendimento de 3,6 milhões de famílias somente no ano de 2003, buscando alcançar a meta para 2004 para o atendimento de 7,6 milhões de famílias, mais que o dobro para o ano seguinte, enquanto para março de 2010, a média seria de 11,0 milhões de famílias atendidas (COLARES, 2011).

Desta forma, pode-se ressaltar que o Programa Bolsa-Escola, consolidado em Bolsa-Família, beneficiaria crianças e adolescentes, no qual a renda per capita familiar não ultrapasse ½ salário mínimo, abrangendo crianças e adolescentes de 07 a 14 anos. Em contrapartida, era necessária a frequência escolar, onde a renda mensal recebida era de R$ 15,00 referente a cada beneficiário, com o limite imposto de três por família (MUSTAFA, 2007).

Iniciou-se na cidade de Campinas, Brasília e Ribeirão Preto, as primeiras experiências do Bolsa-Família, alcançando, posteriormente, outros municípios e estados brasileiros. Já o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) foi iniciado em 1996, objetivando atender crianças e adolescentes de 07 a 15 anos trabalhadoras.

Segundo Mustafa (2007), o PETI abrange famílias com renda familiar até ½ salário mínimo e o valor recebido são de R$ 40,00 mensais referente à área urbana e R$ 25,00 referente à área rural. O limite para cada família receber é de até 03 crianças e/ou adolescentes. Os fatores condicionantes para o benefício abrangem frequência escolar de 75%, onde as famílias também são envolvidas a participar de atividades educativas e de geração de renda, onde os menores de 16 anos deveriam ser erradicados do trabalho infantil.

De acordo com Colares (2011), foi através da medida provisória n° 132, de 20 de outubro de 2003, convertida em Lei n° 10.836, de 09 de janeiro de 2004, que foi instituído o Programa Bolsa Família (PBF). As famílias com renda mensal entre R$ 70,01 e R$ 140,00 e com adolescentes e crianças de 0 a 17 anos seriam beneficiadas. Desta forma, o PBF visa garantir a erradicação da pobreza, com segurança nutricional e alimentar a população mais carente.

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Com o intuito de inserir os adolescentes com idade entre 15 a 18 anos incompletos no sistema educacional, foi criado pelo governo federal, em 2001, o Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano. Propõe-se a renda de R$ 65,00 mensais a esses adolescentes, desde que a renda familiar per capita seja de até ½ salário mínimo. O fator condicionante do benefício é que tenham pelo menos 75% de presença escolar. Quadro 1 – Programas de Rede de Proteção Social

Programa Beneficiários Valores Objetivo Ano inicial Gasto anual(R$ milhões)

Bolsa Alimentação

Gestantes e mães no período de

amamentação até seis meses, crianças até

06 anos, em famílias com renda mensal até ½ salário mínimo per

capital.

R$ 15,00 por criança até 03

crianças.

Melhorar as condições de

saúde e nutrição de gestantes e

mães que estejam amamentando..

2001 115,0

Erradicação do Trabalho

Infantil (PETI)

Crianças de 07 a 15 anos envolvidas em trabalho degradante,

em famílias com renda mensal até ½ salário mínimo per capital.

R$ 25,00 por criança na área rural e R$ 40,00 na área urbana.

Excluir o trabalho infantil possibilitando o

acesso à educação.

1999 306,0

Bolsa-Escola

Crianças de 06 a 15 anos em famílias com

renda mensal até ½ salário mínimo per

capital.

R$ 15,00 por criança, limite de até 03 crianças.

Aumentar a freqüência escolar. 2001 1200,0

Auxílio-GásFamílias com renda mensal até ½ salário mínimo per capital.

R$ 7,50 ao mês por família, pagos bimestralmente

em parcelas de R$ 15,00.

Subsidiar a compra de gás de cozinha. 2002 502,0

Fonte: Secretaria de Estado de Comunicação e Governo (2002 apud ARAÚJO e OLIVEIRA, 2007, p. 51).

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Quanto à unificação do Programa Bolsa Família, apresentaram-se como desafios a ausência de uma coordenação geral, gerando o desperdício de recursos e ausência de planejamento e gerenciamento, somado a isso a insuficiência na alocação de recursos (BRASIL, 2002 apud SILVA E SILVA, 2006).

3. RESULTADOS Pode-se verificar que o programa Bolsa-Escola, unificado em Bolsa-Família, apresenta-

se como fator fundamental de contribuição de renda familiar, possibilitando o acesso a bens essenciais, no entanto, não exclui a pobreza. Um fator importante é que crianças e adolescentes frequentam a escola, possibilitando, futuramente, melhores condições de vida devido o fator escolaridade.

Segundo Mustafa (2007), o resultado que o PETI possibilitou às famílias foi em termos de melhoria das condições de renda, possibilitando acesso a bens essenciais a sobrevivência, no entanto, na cidade de São José do Rio Preto, onde a autora realizou a pesquisa, o PETI não contribuiu efetivamente para que mais de 50% dos jovens continuassem estudando, embora estivessem frequentando a escola quando incluídos no programa. Ainda foi detectado que a inclusão dos jovens no PETI não possibilitou aumento de perspectivas para o futuro em termos de novas oportunidades.

Desta forma, fica evidente que para que os Programas de Transferência de Renda tenham maior eficiência quanto aos seus objetivos propostos, é necessário que ofereçam um nível de renda mais elevado, tornando-os contínuos e mais abrangentes.

De acordo com Mustafa (2007), o Programa Agente Jovem foi relevante em termos sociais, pois possibilitou a socialização dos jovens envolvidos, acesso à educação, pois frequentavam a escola, a renda familiar aumentou, contribuindo para a melhoria das condições de vida. Mesmo com os benefícios do programa, alguns aspectos deixam a desejar quanto às possibilidades futuras, pois a continuidade aos estudos e o acesso ao primeiro emprego ainda são fatores a serem superados através de políticas públicas determinadas pelo governo.

Ressalta-se, no contexto atual, a necessidade de novos mecanismos a serem instituídos pelo governo, nos quais possibilitem a inclusão dos jovens na sociedade, quer no fator educacional e/ou empregatício para geração de sua própria renda, pois o fator idade limita a permanência contínua dessas pessoas ao acesso a habilidades e aprendizagem. Para que os jovens excluídos do programa, devido à idade, contemplassem seus objetivos,

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era necessário ter disponibilidade de emprego qualificado com remuneração condizente, no entanto, o que se observa é a precariedade das condições de trabalho com baixos salários.

4. CONSIDERAÇÕES FINAISEmbora o volume de recursos gastos nos programas de transferência de renda seja

elevado, não atendem as necessidades de forma ampla dos beneficiários. Algumas famílias que ultrapassam o limite imposto pelo programa quanto ao benefício são excluídas, no entanto, encontra-se em situação de precariedade. Assim, pode-se afirmar que esses programas carecem de um parâmetro de igualdade que proporcione uma política social mais justa, reduzindo a disparidade do nível de renda, pois apenas ameniza as condições desfavoráveis dos mais pobres, não extinguindo em aspectos sociais, a classe dos mais pobres.

Os programas de renda mínima não se mostraram eficazes quanto à função de inserção dos seus beneficiários ao mercado de trabalho, haja vista que o mesmo não corresponde em termos de emprego, pois o mercado de trabalho não absorve toda mão de obra disponível.

Vale ressaltar que, em termos de melhoria nas condições de vida da população beneficiada, os programas de transferência de renda causaram impactos positivos, pois possibilitou obtenção de renda, ainda que baixa, gerando assim acesso a bens antes não alcançáveis. Porém, existem outros benefícios que a população deveria ser assegurada e não diz respeito à renda, como por exemplo, educação, transporte, saneamento básico, saúde, direitos que de fato possam exercer cidadania e que grande parte da população não tem acesso.

É possível verificar em termos de política de transferência de renda, que em âmbito social, a discrepância no nível de renda continua constituindo um problema social, assim como o acesso ao emprego e políticas de distribuição da riqueza produzida. Para que essas políticas tenham maior eficácia na sua implementação, é necessária a extensão do acesso aos beneficiários, criando condições de crescimento econômico, elevação do nível de emprego, geração de renda, bem como sua redistribuição, buscando reduzir a desigualdade.

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UMA ANÁLISE DA BUSCA E APREENSÃO EM FACE DO MENOR E A POSITIVAÇÃO DA

ALIENAÇÃO PARENTAL PELA LEI Nº 12.318/10

Suely Vidal José

Walace Marçal Viana

Flaviana Silva Ribeiro

Cláudia Aparecida dos Anjos

Iglesias Fernanda de Azevedo Rabelo

RESUMOO presente artigo tem o fito de interpretar o uso da ação cautelar de busca e apreensão

de menor sob a análise do direito material, mais especificamente, no âmbito do Direito de Família e Direitos da Criança e do Adolescente, com base em doutrinas, jurisprudências, leis e estudos de profissionais de diversas áreas. Traz conceitos, objetivos, características, natureza e princípios constitucionais aplicáveis. Sob uma visão crítica, mostra a importância das implicações da medida cautelar quando presente a alienação parental, além de enfatizar a necessidade prioritária da observância das normas protetivas da criança e do adolescente, a fim de se evitar um prejuízo grave para o menor através do seu uso abusivo.

PALAVRAS-CHAVE: busca e apreensão; alienação parental, menor, lei 12.318/10, interesse do menor.

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1 INTRODUÇÃO Atualmente, é muito comum a ocorrência de situações conflitivas no ambiente familiar

motivadas por disputas e relações de vingança entre ex-cônjuges que acabam envolvendo a criança como uma moeda de troca. Os pais não se importam com os prejuízos que os filhos poderão vir a sofrer futuramente, acabando por atingir o seu desenvolvimento e a evolução de suas capacidades.

Em muitos casos, torna-se necessária a intervenção do Poder Judiciário, afetando ainda mais o quadro psicológico da criança quando, por exemplo, seja inevitável a aplicação da busca e apreensão do menor, utilizando-se, inclusive, de força policial. Acerca das consequências da busca e apreensão de menor, Alves (2002:2) argumenta que:

Empregada sem maiores considerações pelas consequências de sua aplicação sobre o psiquismo infantil, lembra, a propósito, Maria Antonieta Pisano Motta, que a busca e apreensão do filho, sem justificativa razoável, submete a criança a um risco psicológico sério por se constituir, muitas vezes, em medida violenta, sempre agressiva em sua execução, porquanto gerada em situação de violência e desentendimentos dos pais.Adverte a psicóloga e psicanalista, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares de Direito de Família, “dependendo do que a motiva e da maneira como é conduzida a medida”, poder constituir-se a busca num abuso contra a criança, “quer seja com o significado de mau uso utilização excessiva ou transgressão que violenta e traumatiza”. Acolhe Maria Antonieta, nessa linha, o exemplo da medida de busca e apreensão, fundada na finalidade de obtenção da guarda, “estratégia destinada a atender às necessidades de genitor que não tem segurança quanto aos resultados de uma ação ordinária de modificação de guarda e que se utiliza desse meio para forçar o resultado desejado.

Andrighi (2003) aponta a necessidade de se buscar uma conciliação nesse momento de busca e apreensão, no sentido de atenuar os impactos da medida:

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O impacto do desmonte da família causa mágoas recíprocas e dores incomensuráveis, principalmente aos filhos que, a despeito da vontade dos cônjuges de dissolverem seus laços matrimoniais, não querem se separar de nenhum de seus pais.O ato judicial de busca e apreensão de uma criança enternece o coração de todos aqueles que trabalham numa Vara de Família, tanto do juiz, que decide, quanto dos oficiais de justiça, que cumprem a ordem. A todos devemos propiciar orientação técnica especializada, e porque não dizer, também, preparo espiritual que os habilite a auxiliar os contendores, e igualmente amenizar os efeitos da gravidade da diligência, diminuindo o stress emocional sofrido no desempenho deste trabalho tão delicado.[…] Tanto o juiz como o advogado devem manter a postura de conciliadores, negociadores ou mediadores, contribuindo para tornar a cena judiciária mais humanizada e menos traumática, especialmente nos conflitos de família.

Mais recentemente, devido à importância dada ao tema e seus efeitos na sociedade, estes comportamentos culminaram com a edição da lei n.º 12.318/2010 que dispõe sobre a alienação parental.

A partir destas primeiras observações, é importante analisar as implicações e a necessidade da medida cautelar em face destes conflitos, sob o enfoque de que o principal interesse a ser protegido é sempre o do menor. Assim, serão abordados aspectos gerais da busca e apreensão, objeto, natureza jurídica, pressupostos e legitimidade, a busca e apreensão sob a ótica do direito das famílias e dos direitos da criança e do adolescente e, por fim, a alienação parental.

2 BUSCA E APREENSÃO: ASPECTOS GERAIS A princípio, necessário se faz distinguir os vocábulos busca e apreensão. Buscar é procurar

com o fim de encontrar alguma coisa, investigar, fazer por encontrar; pesquisar. Apreender significa apropriar-se judicialmente, tomar do possuidor, pegar para si, agarrar. O ato de buscar não se esgota em si mesmo, pois em sequência será complementado pela a apreensão da coisa buscada.

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No direito brasileiro, a expressão “busca e apreensão” é utilizada em diversos institutos processuais, porém o sentido do termo neste artigo é a medida cautelar, prevista no Código de Processo Civil Brasileiro nos artigos 839 a 843, cujo procedimento é admissível para atingir tanto pessoas (incapazes - menores e interditos), quanto coisas (móveis). Sobre o tema, Câmara (2006: 153) argumenta que:

Há, em primeiro lugar, uma busca e apreensão incidente, destinada a permitir a realização de uma medida cautelar. Assim, por exemplo, pode ocorrer, deferido o arresto, ou o sequestro, fazer-se necessária a busca e apreensão da coisa sobre a qual incidirá a constrição judicial. Segunda espécie é a busca e apreensão que tem natureza de meio executivo, previsto no art. 625 do Código de Processo Civil, a ser utilizada na execução para entrega de coisa certa móvel. Terceiro tipo é a “ação de busca e apreensão” de bens alienados fiduciariamente, prevista no art. 3ª do Decreto-lei n. 911/69, que tem natureza satisfativa. Quarto tipo de busca e apreensão conhecido é a medida satisfativa de busca e apreensão de incapazes. Como se verá adiante, há busca e apreensão cautelar de incapazes, assim como há medida satisfativa com tal designação. Nesta enumeração, está-se dando ênfase, por ora, à busca e apreensão de índole satisfativa. Quinta espécie, também satisfativa, é a busca e apreensão, determinada mesmo ex officio, de autos e documentos levados por uma das partes e mantidos em seu poder ilegalmente. Por fim, a única busca e apreensão cautelar, de pessoas e coisas, objeto central de nosso estudo nesta parte da obra.O Código de Processo Civil, nos arts. 839 a 843, aplica-se, tão-somente, à busca e apreensão cautelar. Para a busca e apreensão que tenha outra natureza, há que se buscar alhures as regras acerca do procedimento a ser observado.

Após esta análise, pode-se notar que a busca e apreensão tipicamente descrita no rol dos arts. 839 à 843 do CPC tem um objetivo exclusivamente cautelar e que consiste em garantir o resultado útil do processo principal, de forma que não se confunde com outras modalidades previstas dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Para melhor compreender essa medida cautelar, passar-se-á a discorrer sobre o seu objeto.

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2.1 OBJETO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO Como supracitado, pessoas e coisas podem ser objeto da busca e apreensão, cujo

interesse pode ser patrimonial ou moral. Em sua definição, o sentido da palavra coisa é amplo e abrange bens ou objetos, mesmo

que não tenham valor econômico. Ainda, pode ser material (regra) ou imaterial, quando, neste último, tratar-se direitos autorais.

Na segunda modalidade, temos que pessoas também podem ser objeto da medida, desde que incapaz (menores e interditos). Segundo Paula (2005: 2.547), a pessoa pode ser procurada a apreendida quando a medida visar a sua proteção, devendo este resultado objetivar-lhe um bem maior através do resguardo de direitos relacionados aos aspectos mais valiosos da existência humana, como a integridade física, moral e mental. Mais adiante, aduz:

É de se notar que a criança e adolescente é dotada de detentor de direitos que derivam de sua própria condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, de modo que a lei prescreve sua oitiva sempre que possível e razoável, mormente nos casos que importem modificação de guarda (ECA, Arts.28, §1º, e 161, §2º).Se a busca e apreensão for em favor de pessoa, especialmente quando na companhia do requerido possa sofrer dano irreparável ou de difícil reparação, possuindo o requerente justo título para tê-lo consigo (pais, tutores, curadores ou guardiães) ou reunindo condições de idoneidade para receber o apreendido, a medida deve ser deferida, inclusive como forma de proteção dos direitos da personalidade. (PAULA, 2005, p. 2547)

Ademais, quando se tratar de pessoas, a busca e apreensão deve estar vinculada aos limites impostos pelos princípios constitucionais da dignidade humana e à proteção à liberdade.

2.2 NATUREZA DA BUSCA E APREENSÃO: PREVENTIVIDADE E SATISFATIVIDADEA busca e apreensão pode ser vista sob dois enfoques: cautelar (cunho de preventividade)

ou principal (cunho de satisfatividade).Será de natureza cautelar, quando se destina a assegurar a efetividade de outro processo, cujo

objetivo é garantir seu resultado útil. É tratado pelo CPC nos artigos 839 a 843 que se destina

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exclusivamente à função cautelar. Como exemplo, imagine a situação em que o autor precise buscar e apreender documentos em poder do réu e dos quais dependem o bom êxito da ação principal.

Será de natureza satisfativa, quando for autônomo, visando a satisfação de um direito imediato, pois não é necessária a ação principal. Como exemplo, podemos citar a entrega de coisa certa, prevista no art. 625 CPC: “não sendo a coisa entregue ou depositada, nem admitidos embargos suspensivos da execução, expedir-se-á, em favor do credor, mandado de imissão na posse ou de busca e apreensão, conforme se tratar de imóvel ou de móvel”. (BRASIL, 2009)

Esta distinção, segundo Câmara (2009, p.136), é importante, principalmente quando se tratar de pessoas incapazes, pois neste caso a busca e apreensão pode ter qualquer das duas naturezas – cautelar ou satisfativa. O seu caráter é, portanto, ambivalente, como podemos ver nos entendimentos doutrinários a seguir:

Assim, por exemplo, quando se pede a busca e apreensão de um incapaz como forma de assegurar o resultado útil do processo principal, onde se discutirá a guarda definitiva do mesmo, não parece haver dúvida de que se está diante de medida cautelar. Pode ocorrer, porém, que esta guarda definitiva já esteja definida, e venha a ocorrer um caso em que a mesma esteja sendo violada. Pense-se, e.g., no caso em que um terceiro esteja com o incapaz, cuja guarda cabe à mãe, e não o devolva no momento adequado. Caberá, obviamente, uma medida de busca e apreensão do incapaz, que não terá natureza cautelar, mas será satisfativa do direito da mãe do incapaz de manter a sua guarda. (CÂMARA, 2009, p.136)

Pela exposição, vê-se que a busca e apreensão de menor tem caráter ambivalente, duplo, ou misto. Serve tanto para acautelar o direito material, através do processo, sem interferir no mérito da lide principal, como para satisfazer, de imediato e sumariamente, o direito material reclamado, em clara função executiva lato sensu ou, ainda, como “ação reivindicatória” daquilo que foi injustamente tomado por terceiro contra o titular do bem. (DINAMARCO, 2007, p.8)

Considerando esse caráter duplo da medida, passa-se a discorrer sobre os pressupostos e legitimidade para a busca e apreensão de menor.

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2.3 PRESSUPOSTOS E LEGITIMIDADE DA BUSCA E APREENSÃO DE MENORA medida cautelar da busca e apreensão sofre limitações; não é processo arbitrário e

se sujeita à presença de requisitos essenciais, quais sejam, o fumus boni iuris (aparência do bom direito) e o periculum in mora (perigo de dano, em caso de demora do provimento judicial) em todas as situações. A ausência destes dois requisitos enseja o julgamento de improcedência da pretensão. Nesse sentido, Humberto Teodoro Júnior (2009:580) assegura que:

A lei ao criar o procedimento específico da busca e apreensão não o subordinou a requisitos especiais, agindo, pois, de maneira diversa daquela observada no arresto e no seqüestro.Assim, a busca e apreensão, medida preventiva ou de segurança, subordina-se apenas aos pressupostos comuns das medidas cautelares:a) fundado receio de dano jurídico (periculum in mora); eb) interesse processual na segurança da situação de fato sobre que deverá incidir a prestação jurisdicional definitiva (fumus boni iuris).Trata-se de procedimento cautelar específico, não pelos pressupostos ou requisitos, mas apenas pelo rito, portanto.

No diz respeito à legitimidade, segundo Pontes de Miranda (2002:4.039), pertence àquele que alega e prova ser o titular do pátrio poder, ou ser o tutor, ou o curador; ou quem tem a guarda do incapaz. “Se o titular do pátrio poder, tutela ou curatela tem algo a alegar contra o titular do direito de guarda, a ação de busca e apreensão somente pode ser cautelar, até que se decida quanto à desconstituibilidade ou não-constituibilidade do direito.”

Vistos os aspectos processuais da busca e apreensão, passa-se a apresentar a visão da mesma pelo Direito das Famílias e também pelos Direitos da Criança e do Adolescente.

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3. BUSCA E APREENSÃO DO MENOR SOB A ÓTICA DO DIREITO DE FAMÍLIA E DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente consagram a proteção integral à criança e determinam o direito à convivência com os pais, vivam eles sob o mesmo teto ou não, estendendo-lhes o gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 2009)

O que se busca assegurar é a proteção integral do menor, de forma a banir o seu uso como meio de disputa entre pais separados.

O interesse do menor é princípio básico e determinante de todas as avaliações que refletem as relações de filiação. O interesse do menor, pode dizer-se sem receio, é hoje verdadeira instituição no tratamento da matéria que ponha em questão esse direito. Tanto na família legítima como na natural e suas derivações, o interesse do menor é princípio superior. Em cada situação cumpre ao juiz apreciar o interesse do menor e tomar medidas que o preservem e a apreciação do caso deve ser procedida segundo dados de fato que estejam sob análise.

[...] Seja qual for a orientação legal, a verdade é que o maior bem do menor que deve guiar o juiz, é o de buscar o que é mais vantajoso, quando ao seu modo de vida, seu desenvolvimento, seu futuro, felicidade e seu equilíbrio. ( STRENGER, 1991, p.64)

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Por ser eficaz, muito se tem adotado pelos genitores o ajuizamento da busca e apreensão, porém a melhor orientação é que a medida deve estar voltada para situações restritas, extraordinárias e emergenciais, devendo respeitar o ordenamento jurídico em seu conjunto. É procedimento que demanda cautela, por ser traumático e acabar por prejudicar o infante em determinados casos. Nesse sentido, preleciona Dias (2010:452):

Quando as visitas ocorrem na residência do genitor não guardião, não raras vezes ele deixa de trazer de volta o filho no dia e horários designados. Tal omissão dá ensejo ao uso de busca e apreensão. [...] O adimplemento coacto de tal medida sempre é um episódio traumático, havendo muitas vezes a necessidade da força policial. Em face das nefastas consequências que podem advir à criança, subtraída a fórceps por ordem judicial do convívio afetivo do genitor não guardião, em vez de mandado de busca e apreensão, recomendável que seja aplicada multa a cada dia em que não ocorrer a entrega do filho.

Da mesma forma, é o entendimento jurisprudencial:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO. LIMINAR. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE AUTORIZEM A LIMINAR PLEITEADA, MODIFICANDO A GUARDA EXERCIDA PELO AVÔ. A concessão da liminar de busca e apreensão, por ser medida drástica, somente deve ser concedida nas hipóteses em que configurada situação de risco, tais como maus tratos, ou perigo à saúde e à vida da criança, situações não evidenciadas no caso em tela. Diante da notícia de que a menor reside há certo tempo com o agravado, freqüentando escola na comunidade, com bom aproveitamento escolar, prudente se mantenha a criança sob a guarda dos avós até final conclusão do feito principal, ou indicação cabal nos autos recomendando em sentido contrário. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70023331515, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 13/08/2008)

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Quando há abuso e violação do direito de visitação de um dos pais, que busca o filho, mas não o devolve ao que detém a sua guarda, o que pode estar embutido nesta recusa da entrega do filho é mera disputa e vingança em relação ao ex-parceiro. Por ser indevida a retenção do menor em seu poder, acaba culminando em busca e apreensão do infante, causando-lhe transtornos e prejuízos.

Segundo Leite (2002:7), a busca e apreensão, por ser medida agressiva gera conflitos de ordem pessoal nos menores, afetando a sua formação, devendo ser evitada e, quando não, ser exercida com toda cautela indispensável e evitar situações traumáticas de natureza irreversível.

Desta maneira, importa considerar a condição peculiar da criança como uma pessoa em desenvolvimento, de forma que os interesses e direitos do menor devem sobrepor-se a qualquer outro interesse juridicamente tutelado, conforme entendimento jurisprudencial extraído das ementas abaixo transcritas:

DIREITO DE FAMÍLIA. BUSCA E APREENSÃO E DIREITO DE VISITA. LIMINAR. A lei que regulamenta o direito de visitas visa à garantia dos interesses do menor e não apenas o interesses dos pais; busca proteger a integridade psicológica e moral das crianças. Dessa forma, não se pode admitir que medida tão drástica e traumatizante à criança seja empregada para garantir o direito de visita daquele que não detém sua guarda. Ademais, somente deve ser concedida liminar diante da configuração, no caso concreto, de seus pressupostos, quais sejam: o fumus boni iuris e o periculum in mora. (TJDF - 2ª Turma Cível - Agravo de Instrumento 18839820098070000, Rel. Waldir Leôncio C. Lopes Júnior, Julgado em 24/06/2009) (grifo nosso)

Para o Direito de Família e para atender o Direito dos menores, a busca e apreensão somente tem cabimento se imprescindível para promover o bem-estar dos menores envolvidos e o respeito à sua dignidade como pessoa. Em regra, não é a melhor saída, devendo-se buscar outros meios pacíficos de se solucionar o conflito.

Diante da importância de se proteger o menor em formação, o tema da alienação parental tornou discutido e acabou sendo objeto de lei, conforme se verá abaixo.

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3.1 Alienação parentalA família é o mais importante instituto da sociedade e, devido as suas transformações

com o decorrer dos tempos, o legislador amplia cada vez mais a proteção infanto-juvenil.É justamente com aumento de separações e filhos havidos de casais solteiros sem

comungar o mesmo lar que, não raro, deparam-se com dilemas em que a criança é meio de conflito dos pais e/ou familiares e estes, merecendo aqui a menção do fenômeno da alienação parental. Conforme Góis (2010:4), a alienação parental pode começar de maneira sutil, até atingir o objetivo do alienador.

Uma consideração importante a fazer é que a origem da expressão “Síndrome de Alienação Parental” ocorreu na América do Norte com o psiquiatra norte-americano Richard A. Gardner.

Os casos mais frequentes da Síndrome da Alienação Parental estão associados a situações onde a ruptura da vida conjugal gera, em um dos genitores, uma tendência vingativa muito grande. Quando este não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, desencadeia um processo de destruição, vingança, desmoralização e descrédito do ex-cônjuge. Neste processo vingativo, o filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro. (Revista do Centro de Apoio Operacional Cível/Ministério Público do Estado do Pará; 2009, p.8)

Porém, estudiosos revelam que os termos síndrome da alienação parental e alienação parental não se confundem. Fonseca (2009:51-52) menciona que:

A síndrome da alienação parental não se confunde, portanto, com a mera alienação parental. Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia. A síndrome, por seu turno, diz respeito às seqüelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome refere-se à conduta do filho que se recusa terminante e obstinadamente a ter contato com

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um dos progenitores e que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento, a alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do filho. Essa conduta – quando ainda não dá lugar à instalação da síndrome – é reversível e permite – com o concurso de terapia e auxílio do Poder Judiciário - o restabelecimento das relações com o genitor preterido. Já a síndrome, segundo estatísticas divulgadas por DARNALL, somente cede, durante a infância, em 5% (cinco por cento) dos casos.Essa patologia afeta mais os meninos – que são os que mais sofrem com a ausência paterna – em idade que varia entre 8 e 11 anos. Crianças mais velhas tendem a opor maior resistência à pressão do genitor alienante, pois já têm um pouco mais de independência e de vontade própria. (Revista do Centro de Apoio Operacional Cível / Ministério Público do Estado do Pará; 2009, p.51-52)

Chegando a este ponto e para mostrar quão difícil e prejudicial é a situação em análise, não é incomum deparar-se com circunstâncias fáticas em que aqueles que deviam zelar pela estabilidade mental e psicológica do menor, no sentido de resguardá-lo, pouco se importam na verdade com isso ao propor a demanda. Preocupam-se mais com o jogo de manipulações que desejam fazer em relação ao outro genitor, sob um enfoque puramente egoístico, como o caso a seguir, acompanhado pela OAB/MS:

05/11/2010 – OAB/MS - JUIZ SOLICITA ACOMPANHAMENTO DA PF EM CASO DE ALIENAÇÃO PARENTALO juiz da 4ª Vara de Família de Campo Grande determinou que a Superintendência da Polícia Federal auxilie na localização do menor N.E.A. O desaparecimento é considerado um caso de alienação parental, pois o pai desapareceu com a criança de 9 anos, há 297 dias. O caso foi comunicado pela mãe do garoto, M.E.G., que pediu apoio ao presidente da OAB/MS, Leonardo Avelino Duarte, no mês de setembro. (...) Conforme decisão do juiz, a Polícia Federal vai

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contribuir para o cumprimento da decisão judicial que deferiu a busca e apreensão da criança em favor da mãe. Segundo M.E.G., mãe do menor, no dia 12 de dezembro de 2009, o pai, M.P.C., levou a criança para um passeio no final de semana. Conforme acordo judicial, a criança deveria ser devolvida à custódia da mãe. Mas, às 23 horas do dia 13 de dezembro de 2009, o pai ligou no celular da mãe dizendo que estava próximo a cidade de Natal, Rio Grande do Norte, e ficaria com o filho. No dia seguinte, M.E.G registrou um boletim de ocorrência na Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente, em Campo Grande (MS). (...) Conforme decisão judicial, o pai do garoto, M.P.C, ao dificultar o exercício da autoridade da mãe, impedindo o contato dela com o filho e privando o menor da convivência familiar incidiu na alienação parental prevista no artigo 2º da Lei nº 12.318 de 26 de agosto de 2010 [...]”. (grifo nosso) - Fonte: OAB/MS1

Apesar da temática ser recente, estatísticas informam que 80% dos filhos de pais divorciados já sofreram algum tipo de alienação parental e que mais de 20 milhões de crianças sofram este tipo de violência2.

O tema já está sendo abordado pela jurisprudência, conforme se extrai da decisão abaixo transcrita:

MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO -MENOR IMPÚBERE - ALEGAÇÃO DE SUSPOSTO ABUSO SEXUAL INDEFERIMENTO DO PEDIDO LIMINAR - INCONFORMISMO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - RAZÕES FÁTICAS FUNDADAS NA ESTEIRA DE UMA LAUDO PRODUZIDO PELO PSICOLOGO QUE PRESTA SERVIÇOS AO CONSELHO TUTELAR - AUSÊNCIA DE PROVAS CONCLUSIVAS E VALORATIVAS - MENOR QUE ESTÁ SENDO CRIADA PELO GENITOR PATERNO - INEXISTÊNCIA

1Dados do site http://www.editoramagister.com/noticia_ler.php?id=476332Dados do site http://www.alienacaoparental.com.br/o-que-e

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DE SUPORTE PROBATÓRIO PARA A CONCESSÃO DO PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO - RECURSO QUE SE NEGA SEGUIMENTO A TEOR DO ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DECISÃO INTERLOCUTÓRIA CONFIRMADA.Cabe ressaltar, nesse momento, que consta dos autos a entrevista realizada pelo psicólogo do Conselho Tutelar que, em tese, comprovaria a existência de um suposto abuso sexual. No entanto, tal prova não é corroborada por nenhuma outra, não sendo, assim, possível verificar se houve inexoravelmente a chamada “SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL” na qual um dos genitores imputa falsamente ao outro uma conduta desonrosa, o que leva a criança a acreditar na veracidade dos fatos imputados.Dessa forma, a decisão recorrida, ao indeferir o pedido de busca e apreensão da menor, perfilhou-se na melhor solução diante da delicadeza da presente situação em tela. Compulsando os autos, verifica-se que a criança está sendo criada pelo pai, razão pela qual o afastamento, mesmo que provisório, sem respaldo probatório mínimo, pode ser prejudicial à menor, principalmente porque essa medida só deve ser deferida se houver efetiva demonstração de risco, não bastando, portanto, uma simples alegação.(TJRJ, Agravo de Instrumento nº 2008.002.13084, Rel. Marcus Tullius Alves, J. 14/10/08) (grifo nosso)

Juridicamente, não é fácil demonstrar a alienação parental. Argumenta Góis (2010:2) que é “imprescindível a realização de perícia psicológica ou biopsicossocial, como subsídio à decisão judicial, processo que deverá ser célere para proteger a integridade do filho, o contrário poderá ser instrumento do genitor alienador para o êxito do seu intento”. Já é frequente nos tribunais a existência de julgados em que há manifestação da necessidade de laudos sociais e psicológicos antes de se interferir nas relações de guarda:

AGRAVO. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. MEDIDA DRÁSTICA E TRAUMÁTICA PARA A CRIANÇA, SOMENTE DEFERIDA EM CASO DE EVIDENTE SITUAÇÃO DE RISCO, INCORRENTE NO CASO DOS AUTOS. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE LAUDOS SOCIAIS E PSICOLÓGICOS PARA INFORMAR AO JUÍZO AS MOTIVAÇÕES QUE

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ENVOLVEM A PRETENSÃO E QUAL SOLUÇÃO MELHOR ATENDE AOS INTERESSES DA CRIANÇA. 1. Em matéria de guarda, mormente considerando que se trata de uma menininha de 1 ano e 5 meses de idade, ainda um bebê, qualquer decisão que implique em afastamento do cuidador, figura referencial de apego da criança, não pode prescindir de amplo estudo social e psicológico que aponte qual a solução privilegia o interesse da criança. 2. A mingua de qualquer indício de prova do alegado, correta a decisão agravada, que permitirá o exercício do contraditório e a realização dos estudos que apontem qual dos genitores reúne melhores condições para exercer a guarda da filha. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70016715229, Sétima Câmara Cível, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 01/11/2006)

Por serem visíveis tais práticas na sociedade, além de constante os reclames perante os tribunais, esse entendimento fez com que em agosto de 2010, o menor afetado pela alienação parental ganhasse aparato no ordenamento jurídico brasileiro através da lei n.º 12.318. Nesse novo contexto, os que se utilizam dos filhos como instrumentos de agressividade para se atingir um ao outro deverão responder pelos seus atos.

A referida lei traz um conceito de alienação parental abrangendo como sujeito ativo não só os pais, mas também avós e os que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância, podendo ser praticada, inclusive, com o auxílio de terceiros, além de um rol exemplificativo das características comportamentais daquele que pratica a alienação.

Nestes termos da lei, temos que:

Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados

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diretamente ou com auxílio de terceiros:I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;II – dificultar o exercício da autoridade parental;III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (BRASIL, 2010)

A referida lei também traz a previsão de medidas de acompanhamento psicológico, aplicação de multa, alteração da guarda unilateral para guarda compartilhada ou sua inversão, suspensão da autoridade parental e até mesmo a perda da guarda da criança a pais que estiverem alienando os filhos.

Em verdade, o filho vira uma espécie de objeto de chantagem, sendo utilizado pelos pais para extravasarem vingança e ciúmes em relação aos ex-parceiros. Esta prática traz consequências drásticas para o seu desenvolvimento e comportamento, além de ferir direitos fundamentais da criança, como integridade física e psicológica, amor e compreensão dos familiares e convivência familiar digna e respeitável. Os precedentes abaixo transcritos demonstram que essa prática é mesmo comum e rotineira:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - CAUTELAR - BUSCA E APREENSÃO DE MENOR - MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - DECISÃO MANTIDA. Alega o pai que as menores estarão melhor em seu poder, vez que este detinha a guarda de fato e de direito das mesmas, estando estas adaptadas à sua vida, assim como freqüentavam escola, tinham seu próprio quarto, enquanto que, com a mãe não estarão tão bem pois

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esta sofre de problemas psicológicos. Ocorre que, nos autos não há nenhuma comprovação do alegado, ou seja, nem que a mãe estaria com problemas de saúde ou fosse demonstrada alguma conduta que a desabone. Desta forma, prevalecerá o melhor interesse das crianças, que, no presente caso, seria com a mãe. (TJMG - Agravo de Instrumento Cível N° 1.0702.09.605695-8/001, Relator Mauro Soares de Freitas, Julgado em 18/03/2010)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - BUSCA E APREENSÃO - INTERESSE DO MENOR. Deve-se evitar a concessão de liminar, com o fim de estabelecer modificação na posse de fato de menor, quando não se verificar nos autos relevantes fundamentos, com risco de dano grave, já que a medida de caráter provisórioimplica em alterações na rotina do infante, criando uma situação de insegurança de forma desnecessária e contrária aos seus interesses.[...]Observando a questão à luz dos princípios que regem o direito de família, tenho que a decisão recorrida não merece censura, pois atendeu, principalmente, ao princípio da sobreposição do interesse da menor aos demais interesses. [...]A respeito do mencionado princípio, a lição de Dimas Messias de Carvalho: “O Código Civil atual, obedecendo ao princípio da proteção ao bem estar dos menores, já que seus interesses servem de inspiração maior, sobrepondo às ponderações de natureza pessoal e sentimental dos pais, afastou a culpa como razão determinante da perda da guarda dos filhos,conferindo ao Juiz amplos poderes para confiá-los a quem revelar melhores condições de ser guardião ou até mesmo deferir a guarda a terceiros, observando não apenas o grau de parentesco, mas também as relações de afinidade e afetividade (art. 1.584 e parág. Único)”. (in Direito de Família; Revisto e Ampliado, Alfenas - 2005, p. 128)[…] “ Ademais, embora não conclusivo, constou do laudo psicológico que, in verbis: M.L. não tem aspecto de criança que sofre maus tratos ou que é

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negligenciada. Pareceu uma criança com seu desenvolvimento compatível com a idade, pela sua aparência e comportamento, como também nos pareceu ter referência materna positiva, na mãe e na madrinha, porque buscava por elas no atendimento.(...)” (fl. 128) Portanto, a decisão que determinou a busca e apreensão, determinando que a mãe permaneça com a posse de fato da criança, é irretorquível. (TJMG - Agravo de Instrumento N° 1.0518.09.177502-4/001, Relator Antônio Sérvulo, Julgado em 10/11/2009)

Devido às suas múltiplas faces, verifica-se que, em casos como estes, é imprescindível o assessoramento multidisciplinar ao magistrado, a fim de que possa avaliar as condições psicossociais das pessoas envolvidas e alcançar a perfeita resolução do conflito.

4 . CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob aspectos processuais e a partir das demais considerações feitas, torna-se possível visualizar que a busca e apreensão não deve ser aplicada sem antes refletir sobre os efeitos potenciais que poderá acarretar ao menor, restringindo-se tão somente à situação de risco efetivo, maus-tratos ou quando tem suas necessidades negligenciadas.

Se há em nosso sistema processual esta medida eficaz à disposição dos legitimados, que ela seja usada não por animosidade existente entre as partes, posto que traumatiza a criança, abalando a sua vida emocional e psíquica.

O procedimento deve ser analisado até mesmo pelos próprios responsáveis antes de se dirigirem ao Judiciário, que ao invés de endurecerem seus corações através da busca de seus próprios objetivos “podem” e “devem” voltar os seus olhares ao sublime interesse do menor.

É imprescindível avaliar aquilo que traz bem-estar infantil, saúde psíquica e bom desenvolvimento, com o objetivo de promover a sua felicidade e boa convivência com seus familiares, que constituem o seu referencial direto de vida e equilíbrio.

A questão é de tamanha relevância que os profissionais do Direito devem se conduzir a uma formação e especialização que ultrapasse a gama de conhecimentos acadêmicos, buscando somar em sua atividade jurídica uma especial “sensibilidade” frente a casos como estes.

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A lei n.º 12.318 de 2010 representa um avanço legislativo no sentido de tolher práticas tão visualizadas no cotidiano forense. Todavia, para ser efetiva, diante da complexidade das questões familiares e por ser difícil a identificação da alienação parental, faz-se necessário a criação de uma estrutura multidisciplinar que envolva psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais atuando junto ao Poder Judiciário, a fim de que o magistrado trabalhe com sensibilização na aplicação do direito.

Ademais, um processo que se aproxime dos valores humanos em questão só tende a consagrar o ideal da boa justiça, equilíbrio, segurança e felicidade dos cidadãos.

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