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PUBLICAÇÃO OFICIAL Revista SUPERIOR T RIBUNAL DE JUSTIÇA

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Page 1: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

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Revista SUPERIOR

TRIBUNAL

DE JUSTIÇA

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VOLUME 221 ANO 23

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2011

Revista SUPERIOR

TRIBUNAL

DE JUSTIÇA

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Revista do Superior Tribunal de Justiça - n. 1 (set. 1989) -. Brasília : STJ, 1989 -.Periodicidade varia: Mensal, do n. 1 (set. 1989) ao n. 202 (jun. 2006), Trimestral a partir do n. 203 (jul/ago/set. 2006).

Repositório Ofi cial da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Nome do editor varia: Superior Tribunal de Justiça/Editora Brasília Jurídica, set. 1989 a dez. 1998; Superior Tribunal de Justiça/Editora Consulex Ltda, jan. 1999 a dez. 2003; Superior Tribunal de Justiça/ Editora Brasília Jurídica, jan. 2004 a jun. 2006; Superior Tribunal de Justiça, jul/ago/set 2006-.

Disponível também em versão eletrônica a partir de 2009:

https://ww2.stj.jus.br/web/revista/eletronica/publicacao/?aplicacao=revista.eletronica.

ISSN 0103-4286.

1. Direito, Brasil. 2. Jurisprudência, periódico, Brasil. I. Brasil. Superior Tribunal de Justiça (STJ). II. Título.

CDU 340.142 (81) (05)

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAGabinete do Ministro Diretor da Revista

Diretor

Ministro Hamilton Carvalhido

Chefe de Gabinete

Marcos Perdigão Bernardes

Servidores

Andrea Dias de Castro CostaEloame AugustiGerson Prado da SilvaJacqueline Neiva de LimaMaria Angélica Neves Sant’Ana

Técnico em Secretariado

Fagno Monteiro Amorim

Mensageiro

Cristiano Augusto Rodrigues Santos

Estagiário

Ricardo Rodrigues Fonseca Junior

Superior Tribunal de Justiçawww.stj.jus.br, [email protected] do Ministro Diretor da RevistaSetor de Administração Federal Sul, Quadra 6, Lote 1, Bloco C, 2º Andar, Sala C-240, Brasília-DF, 70095-900Telefone (61) 3319-8003, Fax (61) 3319-8992

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MINISTRO HAMILTON CARVALHIDODiretor

Revista SUPERIOR

TRIBUNAL

DE JUSTIÇA

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Resolução n. 19/1995-STJ, art. 3º.

RISTJ, arts. 21, III e VI; 22, § 1º, e 23.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAPlenário

Ministro Ari Pargendler (Presidente)

Ministro Felix Fischer (Vice-Presidente)

Ministro Francisco Cesar Asfor Rocha (Diretor-Geral da ENFAM)

Ministro Aldir Guimarães Passarinho Junior

Ministro Gilson Langaro Dipp

Ministro Hamilton Carvalhido (Diretor da Revista)

Ministra Eliana Calmon Alves (Corregedora-Nacional de Justiça)

Ministro Francisco Cândido de Melo Falcão Neto (Corregedor-Geral da Justiça Federal)

Ministra Fátima Nancy Andrighi

Ministra Laurita Hilário Vaz

Ministro João Otávio de Noronha

Ministro Teori Albino Zavascki

Ministro José de Castro Meira

Ministro Arnaldo Esteves Lima

Ministro Massami Uyeda

Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins

Ministra Maria Th ereza Rocha de Assis Moura

Ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Ministro Sidnei Agostinho Beneti

Ministro Jorge Mussi

Ministro Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes

Ministro Luis Felipe Salomão

Ministro Mauro Luiz Campbell Marques

Ministro Benedito Gonçalves

Ministro Raul Araújo Filho

Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino

Ministra Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues

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CORTE ESPECIAL (Sessões às 1ª e 3ª quartas-feiras do mês)

Ministro Ari Pargendler (Presidente)

Ministro Felix Fischer (Vice-Presidente)

Ministro Cesar Asfor Rocha

Ministro Aldir Passarinho Junior

Ministro Gilson Dipp

Ministro Hamilton Carvalhido

Ministra Eliana Calmon

Ministro Francisco Falcão

Ministra Nancy Andrighi

Ministra Laurita Vaz

Ministro João Otávio de Noronha

Ministro Teori Albino Zavascki

Ministro José de Castro Meira

Ministro Arnaldo Esteves Lima

Ministro Massami Uyeda

PRIMEIRA SEÇÃO (Sessões às 2ª e 4ª quartas-feiras do mês)

Ministro Teori Albino Zavascki (Presidente)

PRIMEIRA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministro Benedito Gonçalves (Presidente)

Ministro Hamilton Carvalhido

Ministro Teori Albino Zavascki

Ministro Arnaldo Esteves Lima

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SEGUNDA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministro Humberto Martins (Presidente)

Ministro Cesar Asfor Rocha

Ministro Castro Meira

Ministro Herman Benjamin

Ministro Mauro Campbell Marques

SEGUNDA SEÇÃO (Sessões às 2ª e 4ª quartas-feiras do mês)

Ministro Massami Uyeda (Presidente)

TERCEIRA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministro Massami Uyeda (Presidente)

Ministra Nancy Andrighi

Ministro Sidnei Beneti

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Ministro Vasco Della Giustina*

QUARTA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministro João Otávio de Noronha (Presidente)

Ministro Aldir Passarinho Junior

Ministro Luis Felipe Salomão

Ministro Raul Araújo

Ministra Isabel Gallotti

* Desembargador convocado (TJ-RS)

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* Desembargador convocado (TJ-RJ)

** Desembargador convocado (TJ-SP)

*** Desembargador convocado (TJ-CE)

TERCEIRA SEÇÃO (Sessões às 2ª e 4ª quartas-feiras do mês)

Ministra Laurita Vaz (Presidenta)

QUINTA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministro Jorge Mussi (Presidente)

Ministro Gilson Dipp

Ministra Laurita Vaz

Ministro Napoleão Maia Filho

Ministro Adilson Macabu*

SEXTA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Presidenta)

Ministro Og Fernandes

Ministro Celso Luiz Limongi**

Ministro Haroldo Rodrigues***

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COMISSÕES PERMANENTES

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro Francisco Falcão (Presidente)

Ministro Castro Meira

Ministro Massami Uyeda

Ministro Jorge Mussi (Suplente)

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministra Laurita Vaz (Presidenta)

Ministro Teori Albino Zavascki

Ministro Sidnei Beneti

Ministro Herman Benjamin (Suplente)

COMISSÃO DE REGIMENTO INTERNO

Ministra Nancy Andrighi (Presidenta)

Ministro Napoleão Maia Filho

Ministro Humberto Martins (Suplente)

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro Cesar Asfor Rocha (Presidente)

Ministro Aldir Passarinho Junior

Ministro Gilson Dipp

Ministro Hamilton Carvalhido (Diretor da Revista)

Ministro João Otávio de Noronha

Ministra Maria Th ereza Rocha de Assis Moura

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MEMBROS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

Ministro Aldir Passarinho Junior (Corregedor-Geral)

Ministro Hamilton Carvalhido (Efetivo)

Ministro Gilson Dipp (1º Substituto)

Ministra Nancy Andrighi (2º Substituto)

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL (Sessão à 1ª sexta-feira do mês)

Ministro Ari Pargendler (Presidente)

Ministro Felix Fischer (Vice-Presidente)

Ministro Francisco Falcão (Corregedor-Geral da Justiça Federal)

Membros Efetivos

Ministra Laurita Vaz

Ministro João Otávio de Noronha

Juiz Olindo Herculano de Menezes (TRF 1ª Região)

Juiz Paulo César M. Espírito Santo (TRF 2ª Região)

Juiz Roberto Luiz Ribeiro Haddad (TRF 3ª Região)

Juiz Vilson Darós (TRF 4ª Região)

Juiz Luiz Alberto Gurgel de Faria (TRF 5ª Região)

Membros Suplentes

Ministro Teori Albino Zavascki

Ministro Castro Meira

Ministro Arnaldo Esteves Lima

Juiz José Amílcar de Queiroz Machado (TRF 1ª Região)

Juíza Vera Lúcia Lima (TRF 2ª Região)

Juiz André Nabarrete Neto (TRF 3ª Região)

Juiz Élcio Pinheiro de Castro (TRF 4ª Região)

Juiz Marcelo Navarro Ribeiro Dantas (TRF 5ª Região)

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SUMÁRIO

JURISPRUDÊNCIA

Corte Especial .............................................................................................................17

Primeira Seção ...........................................................................................................191

Primeira Turma .........................................................................................................275

Segunda Turma .........................................................................................................331

Segunda Seção ...........................................................................................................473

Terceira Turma ..........................................................................................................483

Quarta Turma ............................................................................................................597

Terceira Seção ............................................................................................................681

Quinta Turma ............................................................................................................693

Sexta Turma ...............................................................................................................781

SÚMULAS ............................................................................................................................................................. 851

ÍNDICE ANALÍTICO ........................................................................................................................................... 855

ÍNDICE SISTEMÁTICO ...................................................................................................................................... 919

SIGLAS E ABREVIATURAS ............................................................................................................................. 925

REPOSITÓRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ............................................................................................................ 931

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Jurisprudência

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Corte Especial

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AÇÃO PENAL N. 266-RO (2003/0169397-8)

Relatora: Ministra Eliana Calmon

Autor: Ministério Público Federal

Réu: Natanael José da Silva

Advogado: Antônio Nabor Areias Bulhões e outro

Réu: Francisco de Oliveira Pordeus

Advogado: Romilton Marinho Vieira e outro(s)

Réu: Irene Becária de Almeida Moura

Advogado: Romilton Marinho Vieira e outro(s)

Réu: Vitor Paulo Riggo Ternes

Advogado: José Cleber Martins Viana e outro

Réu: Evanildo Abreu de Melo

Advogado: José do Espírito Santo e outro(s)

EMENTA

Penal e Processual Penal. Conselheiro de Tribunal de Contas.

Questão de ordem. Ação penal originária. Competência do STJ.

Art. 105, I, a, da CF/1988. Pedido de exoneração de Conselheiro de

Tribunal de Contas sem publicação apresentado após a inclusão do

feito em pauta de julgamento pela Corte Especial. Descabimento.

Inefi cácia. Indeferimento de inquirição de testemunha de defesa diante

das peculiaridades do caso concreto. Justifi cativa idônea. Princípio da

proporcionalidade. Princípio constitucional da duração razoável do

processo. Produção de provas determinada na fase do art. 11, § 3°,

da Lei n. 8.038/1990 e dos arts. 227 e 228 do RISTJ. Reabertura da

instrução criminal. Descabimento. Ausência de nulidade. Princípio

pas de nullité san grief. Teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas

por derivação. Inaplicabilidade. Nulidade do julgamento que recebeu

a denúncia. Descabimento. Inclusão de circunstâncias agravantes

no julgamento dos declaratórios opostos contra o acórdão que

recebeu a denúncia. Inexistência de prejuízo à defesa. Inversão da

ordem de testemunhas por ocasião do cumprimento de carta de

ordem. Ausência de prejuízo. Mera irregularidade. Requisição de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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documentos formulada pela defesa. Indeferimento. Cerceamento de

defesa. Inexistência. Proposta de suspensão condicional do processo.

Descabimento. Art. 89, caput, da Lei n. 9.099/1995. Prescrição

virtual. Inadmissibilidade. Delito de peculato-apropriação. Concurso

de pessoas. Art. 312, caput (primeira parte), na forma do art. 29,

caput, do Código Penal. Animus rem sibi habendi. Adequação típica

demonstrada por prova testemunhal e documental produzida na

instrução criminal. Peculato-desvio praticado mediante continuidade

delitiva. Art. 312, caput (segunda parte) do Código Penal, na forma do

art. 71, caput, do diploma repressivo pátrio. Verba pública desviada para

satisfazer interesses próprios do denunciado. Autoria e materialidade

comprovadas por prova documental e testemunhal. Coação no curso

do processo. Art. 344 do Código Penal. Infração penal confi gurada

por indícios e prova testemunhal. Supressão de documento público.

Art. 305 c.c. art. 61, II, b e d, do Código Penal, na forma do art. 29 do

estatuto repressivo pátrio. Infração penal confi gurada por indícios e

prova pericial e testemunhal.

1. A exoneração do acusado, Conselheiro do Tribunal de Contas

do Estado, detentor de foro especial, antes da publicação, não tem

o condão de fazer cessar o foro especial, como pleiteado no dia

da sessão, poucas horas antes do início do julgamento, porquanto

os atos administrativos só têm existência jurídica após publicados.

Precedentes.

2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o

STJ competente para julgar a ação penal.

3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa, não

apresentam prova quanto ao prejuízo, o que descarta acolhimento.

Precedentes.

4. A principal prova documental, desencadeadora das

investigações, foi obtida por decisão judicial, não havendo como

acolher a alegação de tratar-se de prova ilícita por derivação -

ponderação doutrinária.

5. O juiz pode indeferir, com decisão fundamentada, diligências

requeridas pela defesa. Precedentes do STJ.

6. Peculato desvio e peculato apropriação cuja materialidade e

autoria estão comprovados, direcionando-se para dois dos denunciados.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 21

7. Inaplicabilidade da suspensão condicional do processo - art.

89, caput, da Lei n. 9.099/1995, pelo quantitativo da pena, em seu

mínimo legal superior a um ano.

8. A jurisprudência, inclusive do STF, não aceita a prescrição

virtual.

9. Inexistência de prova sufi ciente para embasar a condenação

de I. B. A. M. como partícipe ou co-autora do delito de peculato na

modalidade apropriação.

10. Vasta prova coletada na instrução comprovando a autoria do

peculato - Art. 312 CPP do réu N.J.S., em continuidade delitiva.

11. Materialidade comprovada por perícia e demais provas

apontando o denunciado N.J.S. como autor do crime previsto no art.

305 (supressão de documento público) c.c. art. 61, II, b e d, do Código

Penal, ao impedir pessoalmente o cumprimento da ordem judicial de

busca e apreensão, inutilizando importantes documentos públicos por

meio de fogo, para encobrir a materialidade dos crimes de peculato a

ele imputados.

12. Prova testemunhal que aponta, com segurança, a participação

do denunciado E.A.M. no crime de supressão de documento público,

ao impedir a ação dos bombeiros para salvar os documentos do

incêndio provocado pelo denunciado N.J.S.

13. Denúncia julgada procedente para condenar o réu N.J.S. por

peculato apropriação (art. 312, 1ª parte, CP), peculato desvio (art.

312, 2ª parte, CP), supressão de documento público (art. 305, CP) e

coação no curso do processo (art. 344, CP) e ainda à perda do cargo de

Conselheiro do Tribunal de Contas.

14. Condenação do réu F.O.P. pela prática de peculato apropriação

(art. 312, 1ª parte, CP).

15. Improcedência da denúncia em relação a I.B.M. e V. R. T. por

falta de provas.

16. Condenado o réu E.A.M. pela prática do crime de supressão

de documento público (art. 305, CP), substituindo-se a pena imposta

pela pena de prestação de serviço à comunidade.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

22

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça A

Corte Especial, por maioria, em questão de ordem, manteve a competência

do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar a causa. Vencido o Sr.

Ministro João Otávio de Noronha.

A Corte Especial, por unanimidade, julgou procedente a denúncia em

relação a Natanael José da Silva pelos delitos tipifi cados no art. 312, combinado

com o art. 29, art. 312, combinado com art. 71, art. 344, combinado com o art.

61, inciso II, alínea b, e art. 305, combinado com o art. 61, inciso II, alíneas

b e d, todos do Código Penal, condenando-o à pena de quatorze anos e oito

meses de reclusão em regime inicial fechado e ao pagamento de cento e setenta

dias-multa no valor de um salário mínimo cada. Como efeito da condenação,

Natanael José da Silva perde o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do

Estado de Rondônia.

A Corte Especial, por unanimidade, julgou procedente a denúncia em

relação a Francisco de Oliveira Pordeus pelo delito tipifi cado no art. 312, caput,

combinado com o art. 29, ambos do Código Penal, condenando-o à pena de três

anos de reclusão em regime inicial aberto e ao pagamento de cem dias-multa

no valor de um salário mínimo cada. A pena privativa de liberdade é substituída

por penas restritivas de direito, a saber: prestação de serviços à comunidade a

ser cumprida em estabelecimento assistencial que necessite de repasse de verba

pública e limitação de fi m de semana a ser cumprida no departamento do

Corpo de Bombeiros localizado no Município de Porto Velho, Rondônia.

A Corte Especial, por unanimidade, julgou procedente a denúncia em

relação a Evanildo Abreu de Melo, como incurso nas sanções do art. 305 do

Código Penal, condenando-o à pena privativa de liberdade de dois anos e seis

meses de reclusão em regime inicial aberto e ao pagamento de vinte dias-multa

no valor de um salário mínimo cada. A pena privativa de liberdade é substituída

por penas restritivas de direito, a saber: prestação de serviços à comunidade a

ser cumprida em estabelecimento assistencial que necessite de repasse de verba

pública e limitação de fi m de semana a ser cumprida no departamento do

Corpo de Bombeiros localizado no Município Porto Velho, Rondônia.

A Corte Especial, por unanimidade, julgou improcedente a denúncia

em relação à Irene Becária de Almeida Moura e em relação a Vitor Paulo

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 23

Riggo Ternes. Na questão de ordem, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Ari Pargendler, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior e Hamilton Carvalhido votaram com a Sra. Ministra Relatora.

No mérito, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Ari Pargendler, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior e Hamilton Carvalhido votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausentes, ocasionalmente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Gilson Dipp.

Sustentaram oralmente o Dr. Edinaldo de Holanda Borges, Subprocurador-Geral da República, o Dr. Romilton Marinho Vieira, pelos réus Irene Becária de Almeida Moura e Francisco de Oliveira Pordeus, o Dr. José do Espirito Santo, pelos réus Vitor Paulo Riggo Ternes e Evanildo Abreu de Melo, e o Dr. Antônio Nabor Areias Bulhões, pelo réu Natanael José da Silva.

Brasília (DF), 05 de maio de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministra Eliana Calmon, Relatora

DJe 20.08.2010

VOTO (QUESTÃO DE ORDEM)

A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Nesta ação penal a denúncia foi recebida pela Corte Especial em 1º.06.2005, em razão de um dos denunciados (Natanael José de Silva) ser Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, nomeado após a prática dos delitos apurados na instrução criminal (art. 105, I, a, da CF/1988).

Na data de hoje, quando designada a sessão de julgamento, chegou ao gabinete, pela manhã, petição formulada pelo denunciado Natanael José da

Silva, informando ter pedido exoneração do cargo de Conselheiro, na data de 03.05.2010 (segunda-feira), fato confi rmado pelo Presidente da Corte de Contas do Estado de Rondônia.

Requereu, diante do pleito, o reconhecimento da incompetência do STJ para processar e julgar a causa, com a remessa dos autos ao Juízo de 1º Grau do Estado de Rondônia.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

24

Diante desse quadro e tendo em vista que o pedido de exoneração foi

apresentado pelo denunciado após a inclusão do feito na pauta da sessão de

julgamento, inexistindo notícia do resultado e da publicação do ato, submeto ao colegiado a presente questão de ordem.

Como relatora apresento as seguintes razões para indeferir o pleito:

1) não há notícia nos autos da efi cácia do ato de exoneração, que depende de publicação no Diário Ofi cial;

1.1) sobre o tema, confi ra-se os comentários de Mauro Roberto Gomes de Mattos sobre o art. 34 da Lei n. 8.112/1990:

A exoneração a pedido é verifi cada pela livre iniciativa do servidor, que através de requerimento manifesta seu desejo de não mais ser servidor público. Ela poderá ser tornada sem efeito, pela retratabilidade do servidor, se ainda não publicado no órgão ofi cial o deferimento do pedido de exoneração com o consequente ato exoneratório. Sem o despacho de deferimento publicado no DO do requerimento de exoneração não há empecilho para o retorno ao status quo ante do servidor, tendo em vista que os efeitos deste ato só se consumam com a sua publicação no órgão de imprensa ofi cial.

(grifei)

(Lei 8.112/90 interpretada e comentada. Rio de Janeiro: América Juridica, 2006. P. 202)

Nesse sentido, trago à colação o seguinte precedente desta Corte:

Administrativo. Cargo público. Vacância. Posse em outro cargo inacumulável. Retratação do pedido antes da publicação do ato. Retorno ao status quo ante. Possibilidade.

1 - Regida a Administração pelo princípio da publicidade de seus atos, estes somente têm eficácia depois de verificada aquela ocorrência, razão pela qual, retratando-se o servidor, antes de vir a lume o ato de vacância (posse em outro cargo), sua situação funcional deve retornar ao status quo ante, vale dizer, subsiste a ocupação do cargo primitivo. Sentença e acórdão mantidos.

2 - Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 213.417-DF, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 16.11.1999, DJ 13.12.1999, p. 188)

No aresto acima mencionado, a Sexta Turma do STJ examinou caso em que Delegado de Polícia Federal assumiu o cargo de Delegado da Polícia Civil do Estado da Bahia, fato que causou a declaração de vacância do cargo de Delegado da Polícia Federal.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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Ocorre que, antes de publicado o ato de vacância, o interessado apresentou requerimento desistindo da posse no cargo de Delegado da Polícia Civil, pretendendo ver reconhecido o direito de voltar ao status quo ante.

Da ementa acima transcrita, tem-se que o STJ admitiu a retratação apresentada pelo interessado antes da publicação do ato que declarou vago o cargo de Delegado da Polícia Federal, garantindo-lhe o direito de retornar ao status quo ante, aplicando o entendimento de que o ato administrativo somente surte efeitos a partir da publicação no Diário Ofi cial.

Em razão da pertinência com a situação ora examinada, transcrevo trecho do voto proferido pelo Min. Fernando Gonçalves em que Sua Excelência, como fundamento para tomada de posição, fez menção a Parecer da Consultoria-Geral da República:

Impõe-se acrescentar - ainda - que a Consultoria-Geral da República, em parecer da lavra do então Consultor Geral da República e depois Ministro do STF - Antônio Gonçalves de Oliveira - no Parecer 520-2 de 24 de março de 1959, aprovado pelo Senhor Presidente da República, estabeleceu ser inefi caz o ato de exoneração quando publicado posteriormente à retratação do pedido que lhe deu causa.

(grifei)

Trago, ainda, a lição de Hely Lopes Meirelles sobre o tema:

Publicidade é a divulgação ofi cial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos.

(...)

A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. Por isso mesmo os atos irregulares não se convalidam com a publicação, nem os regulares a dispensam para sua exequibilidade, quando a lei ou o regulamento a exige.

(...)

O princípio da publicidade dos atos e contratos administrativos, além de assegurar os seus efeitos externos, visa propiciar o seu conhecimento e controle pelos interessados diretos e pelo povo em gera, através dos meios constitucionais...

(...)

A publicação que produz efeitos é a do órgão ofi cial da Administração, e não a divulgação pela imprensa particular, pela televisão ou pelo rádio, ainda que em horário ofi cial.

(Direito Administrativo Brasileiro. P. 72/74)

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No mesmo sentido precedente desta Corte:

Administrativo. Cargo público. Aposentadoria. Retratação do pedido antes da publicação do ato. Retorno ao status quo ante. Possibilidade.

1 - Regida a Administração pelo princípio da publicidade de seus atos, estes somente têm eficácia depois de verificada aquela ocorrência, razão pela qual, retratando-se o servidor, antes de vir a lume o ato de aposentadoria, sua situação funcional deve retornar ao status quo ante, vale dizer, subsiste a condição de funcionário ativo.

2 - Recurso em mandado de segurança provido.

(RMS n. 5.164-SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 15.08.2000, DJ 04.09.2000, p. 193)

Entendo, portanto, que o pedido de exoneração formulado pelo denunciado

Natanael José da Silva não tem o condão de alterar a competência do STJ para

julgar a Ação Penal n. 266-RO na data de hoje (05.05.2010), em razão da

ausência de publicação ofi cial do ato administrativo.

2) a presente ação penal vem sofrendo todas as possíveis procrastinações

por parte da defesa que tem se esmerado em requerer diligências, provas

complementares e seguidas argüições de nulidades;

3) o pedido de exoneração apresentado no órgão de origem, Tribunal de

Contas do Estado de Rondônia, chegou a ser sustado pelo denunciado Natanael

José da Silva na data de 31.03.2010, para depois reiterar o propósito de exonerar-

se do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia

em 03.05.2010, quando constatou que restaram infrutíferas as tentativas de

adiamento deste julgamento;

4) embora graves os delitos apurados, pelo decurso do tempo haverá

prescrição de pelo menos um ou dois dos delitos, o que ocorrerá fatalmente caso

seja reconhecida a incompetência desta Corte.

Assim sendo e principalmente pela inexistência de publicação do ato de

exoneração, voto por indeferir o pedido de incompetência desta Corte.

QUESTÕES PRELIMINARES AO JULGAMENTO SUSCITADAS

PELA DEFESA

1) Rejeito o pedido de adiamento do julgamento feito por Irene Becaria de

Almeida (fl . 2.505-2.513), já que, conforme será demonstrado no decorrer deste

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voto, o resultado da ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público do Estado de Rondônia contra a acusada, em razão da emissão do cheque da Assembléia Legislativa no valor de R$ 601.315,00, não interfere no juízo de convencimento formado por este órgão julgador sobre o delito imputado a esta denunciada pelo parquet.

2) Rejeito a argüição da defesa quanto a falta de pedido de dia para julgamento por parte do Ministro Revisor Francisco Falcão. Conforme se depreende do doc. de fl . 2.502, consta por certidão nos autos que o processo foi enviado do gabinete do Ministro Revisor, para o Ministro Presidente que designou sessão de julgamento para esta data, 05.05.2010.

3) Antes de iniciar o exame das questões levantadas por Natanael José da

Silva nas alegações fi nais, entendo oportuno traçar um breve resumo histórico sobre a parte fi nal da instrução deste processo.

Concluída a instrução com apresentação das alegações fi nais pelas partes, determinei, com esteio no art. 11, § 3°, da Lei n. 8.038/1990, a expedição de carta de ordem para:

a) oitiva de 06 (seis) testemunhas de defesa arroladas pelo denunciado Natanael José da Silva (depoimentos que guardariam relação com os crimes de supressão de documento público - art. 305 do Código Penal - e coação no curso do processo - art. 344 do Código Penal - imputados ao agravante pelo Ministério Público Federal) e;

b) para que fossem juntados aos autos os originais ou a microfi lmagem dos cheques indicados pelo parquet como prova material dos delitos de peculato-apropriação (art. 312, caput, primeira parte, do Código Penal) e peculato-desvio (art. 312, caput, segunda parte, do Código Penal) atribuídos ao agravante (fl . 2.289-2.290).

Expedida a carta foram ouvidas 05 (cinco) testemunhas de defesa (fl . 2.362-2.379), tendo o Ofi cial de Justiça deixado de intimar a testemunha Reinaldo Guimarães de Figueiredo, Coronel da Polícia Militar aposentado, em razão de ter ele mudado de endereço, passando a residir no Estado do Rio de Janeiro - informação repassada ao meirinho por servidor do Comando da Polícia Militar e consignada na certidão do Ofi cial de Justiça (fl . 2.357v.-2.358).

É esta a primeira insurgência do denunciado (fato sobre o qual já me pronunciei no julgamento do agravo regimental), pois entende que deverá ser adiado o julgamento a fi m de que seja ouvido por carta de ordem a testemunha considerada imprescindível, cujo endereço está à fl . 2.360.

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Entendo, data venia, como de inteira impertinência o requerimento

formulado, pelos motivos abaixo deduzidos:

a) nos termos do art. 11, § 3°, da Lei n. 8.038/1990, abaixo transcrito,

determinei a expedição da carta de ordem para oitiva das 06 (seis) testemunhas

arroladas pela defesa do denunciado Natanael, com o fi m de assegurar o pleno

direito de defesa ao acusado, oportunizando a produção da prova por ele reputada

indispensável:

Art. 11 - Realizadas as diligências, ou não sendo estas requeridas nem determinadas pelo relator, serão intimadas a acusação e a defesa para, sucessivamente, apresentarem, no prazo de quinze dias, alegações escritas.

§ 1º - Será comum o prazo do acusador e do assistente, bem como o dos co-réus.

§ 2º - Na ação penal de iniciativa privada, o Ministério Público terá vista, por igual prazo, após as alegações das partes.

§ 3º - O relator poderá, após as alegações escritas, determinar de ofício a realização de provas reputadas imprescindíveis para o julgamento da causa.

Tomei a providência justamente com o escopo de evitar eventual arguição

de cerceamento do direito de defesa ao denunciado, estando demonstrado, após

os depoimentos prestados pelas 05 (cinco) testemunhas ouvidas por carta de

ordem, que estas em nada acrescentaram à elucidação dos crimes de supressão de

documento público e coação no curso do processo imputados a Natanael, demonstrando,

em muitos dos testemunhos, falta de objetividade e idoneidade nas declarações,

quando confrontadas com os demais depoimentos colhidos na instrução (frise-

se que as 06 (seis) testemunhas de defesa (todas, à época, funcionários da Assessoria

Militar da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia) foram arroladas pelo

ora denunciado para prestarem depoimento em relação aos crimes de supressão de

documento e de coação no curso do processo, não guardando qualquer relação com os

crimes de peculato atribuídos ao acusado);

b) acrescente-se, ainda, que a intimação da testemunha Reinaldo Guimarães

de Figueiredo foi determinada por decisão de minha lavra, tendo deixado de

ser cumprida pelo Ofi cial de Justiça em razão de informação repassada por

servidor do órgão no qual a testemunha trabalhava (Comando da Polícia Militar

do Estado de Rondônia - fl . 2.357v.-2.358) de que esta não residia mais em

Rondônia e sim no Estado do Rio de Janeiro;

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c) a jurisprudência fi rmada nesta Corte é no sentido de considerar o direito

do acusado à oitiva das testemunhas arroladas quando dentro do número legal

e quando necessário para compor o quadro probatório. Contudo, entendo que

no caso concreto tal entendimento merece ser excepcionado porque pelo conjunto

probatório produzido na instrução criminal em relação à autoria dos delitos de

supressão de documento público e de coação no curso do processo imputados ao

denunciado pelo parquet, restou comprovado à saciedade (fato sobre o qual não

irei me adiantar neste momento em razão de encontrar-se tratado no voto de

mérito da Ação Penal), por meio das provas testemunhais colhidas na instrução

criminal, que o depoimento da testemunha Reinaldo Guimarães de Figueiredo

(Coronel da Polícia Militar e Chefe da Casa Militar da Assembléia Legislativa do

Estado de Rondônia à época dos fatos) em nada acrescentaria ao processo;

Trago à colação, como forma de ilustrar este voto trecho de voto da relatoria do

Min. Felix Fischer, nos autos da APn n. 390-DF (DJ 16.04.2008):

Em relação à pretendida inquirição do Exmo. Sr. Governador do Estado do Paraná Roberto Requião de Mello e Silva, arrolado como testemunha na defesa prévia, entendo que, no caso incide o disposto nos arts. 209 e 213 do Código de Processo Penal. Explico!

Compulsando os autos verifi co que diversos ofícios foram expedidos com a fi nalidade específi ca de, em observância ao disposto no art. 221 do Código de Processo Penal, possibilitar o prévio ajuste do local, dia e hora para a realização da inquirição da testemunha em destaque. Ocorre que nas respostas aos ofícios restou reiteradamente salientado o seguinte (vide fl . 964 à título de exemplo):

Em atenção ao contido no expediente acima referido, comunico-lhe que, em decorrência de inúmeros compromissos assumidos previamente, não existe disponibilidade de horário, a curto prazo, para comparecer à oitiva requisitada por Vossa Excelência.

Informo-lhe, ainda, que, ao tomar conhecimento do teor do Processo n. 2004.163560-9, concluí que nada tenho a acrescentar ou declarar aos fatos que deram origem a esses autos, e que a minha oitiva não trará considerável diferença para a justa inquirição da verdade (fl . 964).

Ora, testemunha é a pessoa que depõe sobre o fato criminoso ou suas circunstâncias, tanto que o próprio Código de Processo Penal autoriza que não seja computada como testemunha (por não poder ser assim considerada!) aquela que, não obstante arrolada tempestivamente, nada souber que interesse à decisão da causa (art. 209, § 2º, parte fi nal do CPP). Assim, o indeferimento justifi cado da inquirição de testemunha, notadamente quando as razões por ela mesma

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apresentadas se mostram plausíveis, longe de implicar em violação ao princípio da ampla defesa, se apresenta, a uma, como medida em perfeita consonância com as funções do juiz no processo penal a quem, segundo o art. 251 do CPP, incumbe prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos e, a duas, como providência concordante, coerente com o princípio da celeridade processual ou razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII, da Lex Fundamentalis).

Desta forma, no caso, se mostra evidente a prescindibilidade (ou porque não dizer até inocuidade!) da inquirição da testemunha arrolada, afinal, em suas diversas manifestações afi rmou categoricamente que não tem nada a acrescentar ou declarar a respeito dos fatos apurados nesta ação penal. Com efeito, o indeferimento de sua oitiva, no caso, é medida que se impõe, tendo em vista que em diversas oportunidades a testemunha mencionada deixou claro que não tem qualquer consideração a fazer a respeito dos fatos apurados na presente ação penal.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

(grifei)

Esclareço que Sua Excelência, o relator, foi acompanhado pelos demais

membros da Corte Especial, sendo indeferida a oitiva de testemunha de defesa

considerada desnecessária.

O entendimento adotado no precedente trazido à colação vem sendo

repetido no âmbito do STJ, como faz certo o julgado assim resumido na sua

ementa:

Processual Penal. Habeas corpus. Art. 33, caput, c.c. art. 40, inciso I, da Lei n. 11.343/2006. Incompetência da Justiça Federal. Alegação de insuficiência de provas sobre a internacionalidade do delito. Dilação probatória. Inadequação da via eleita. Indeferimento de inquirição de testemunhas domiciliadas no exterior e arroladas na defesa prévia. Inocuidade da oitiva. Princípio constitucional da celeridade processual. Arts. 209 e 213 do CPP. Justifi cativa idônea. Pedido de retratação da confissão realizado após a prolação da sentença condenatória. Faculdade do julgador. Princípio da identidade física do juiz. Inaplicabilidade no sistema processual penal antes da entrada em vigor da Lei n. 11.719/2008. Prisão em fl agrante. Apelar em liberdade. Ré que permaneceu custodiada ao longo do processo. Liberdade provisória. Proibição decorrente de texto legal e de norma constitucional. Sentença condenatória e dosimetria da pena. Fundamentação sufi ciente. Art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Aplicação do percentual mínimo. Fundamentação idônea.

I - A competência para o julgamento dos delitos de tráfi co internacional de entorpecentes é da Justiça Federal.

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II - In casu, o Tribunal de origem reconheceu, de forma expressa, a transnacionalidade do delito, o que somente a partir da análise profunda do material probatória poderia ser infi rmado, medida incabível na via do habeas corpus (Precedentes).

III - Testemunha é a pessoa que depõe sobre o fato criminoso ou suas circunstâncias, tanto que o CPP autoriza que não seja computada como testemunha aquela que, não obstante arrolada tempestivamente, nada souber que interesse à decisão da causa (art. 209, § 2º, parte fi nal do CPP). Assim, o indeferimento justifi cado da inquirição de testemunha se apresenta, a uma, como medida consonante com as funções do juiz no processo penal a quem, segundo o art. 251 do CPP, incumbe prover a regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos e, a duas, como providência coerente com o princípio da celeridade processual (art. 5º, inciso LXXVIII, da Lex Fundamentalis).

IV - Na espécie, ficou caracterizada a prescindibilidade da inquirição das testemunhas arroladas, pois, além de residirem no exterior, nada sabiam acerca dos fatos apurados na ação penal ou sobre suas circunstâncias. Ademais, a expedição de carta rogatória somente procrastinaria o encerramento da ação penal e a segregação cautelar da paciente.

(...)

Ordem denegada.

(HC n. 132.908-CE, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13.08.2009, DJe 13.10.2009)

d) o denunciado, com o pedido de expedição de carta de ordem para

intimação da testemunha no endereço de fl . 2.360, pretendeu, na verdade, protelar

o julgamento do processo, dando causa à instauração de incidentes que em nada irão

alterar a conclusão a respeito dos fatos criminosos contra ele imputados pelo

parquet.

Com efeito, não há direito constitucional absoluto, devendo o intérprete (no caso

dos autos, o julgador) examinar e ponderar, por meio do juízo de proporcionalidade, os

princípios constitucionais em virtual confl ito para aplicar o entendimento que melhor

se adeque à situação concreta.

Nesse sentido, transcrevo lição do constitucionalista André Ramos Tavares:

Não existe nenhum direito humano consagrado pelas Constituições que se possa considerar absoluto, no sentido de sempre valer como máxima a ser aplicada aos casos concretos, independente de consideração de outras circunstâncias ou valores constitucionais. Nesse sentido, é correto afi rmar que os direitos fundamentais não são

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absolutos. Existe uma ampla gama de hipóteses que acabam por restringir o alcance absoluto dos direitos fundamentais.

(Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: saraiva, 2008. P. 488)

e) no âmbito do processo penal, colho o seguinte ensinamento de Antonio

Scarance Fernandes:

Na realidade, a idéia de proporcionalidade sempre esteve presente no Direito. Assim, em um sentido amplo, seria um principio que obrigaria “o operador jurídico a tratar de alcançar o justo equilíbrio entre os interesses em confl ito”.

(...)

Entre nós, assinalam a constitucionalidade do princípio Gilmar Ferreira Mendes e Luís Roberto Barroso, enquadrando-o na cláusula ampla do devido processo legal.

(Processo Penal Constitucional. 5. ed. São Paulo: RT, 2007. P. 56)

Sobre o tema, confi ra-se precedente da Suprema Corte:

Processo Penal. Prisão cautelar. Excesso de prazo. Critério da razoabilidade. Inépcia da denúncia. Ausência de justa causa. Inocorrência. Individualização de conduta. Valoração de prova. Impossibilidade em habeas corpus.

1. Caso a natureza da prisão dos pacientes fosse a de prisão preventiva, não haveria dúvida acerca do direito à liberdade em razão do reconhecimento do arbítrio na prisão - hipótese clara de relaxamento da prisão em fl agrante. Contudo, não foi o que ocorreu.

2. A jurisprudência é pacífica na admissão de relaxamento da prisão em fl agrante e, simultaneamente, do decreto de prisão preventiva, situação que em tudo se assemelha à presente hipótese, motivo pelo qual improcede o argumento de que há ilegalidade da prisão dos pacientes.

3. Na denúncia, houve expressa narração dos fatos relacionados à prática de dois latrocínios (CP, art. 157, § 3°), duas ocultações de cadáveres (CP, art. 211), formação de quadrilha (CP, art. 288), adulteração de sinal identifi cador de veículo motor (CP, art. 311) e corrupção de menores (Lei n. 2.252/1954, art. 1°).

4. Na via estreita do habeas corpus, não há fase de produção de prova, sendo defeso ao Supremo Tribunal Federal adentrar na valoração do material probante já realizado. A denúncia atende aos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, não havendo a incidência de qualquer uma das hipóteses do art. 43, do CPP.

5. Somente admite-se o trancamento da ação penal em razão de suposta inépcia da denúncia, em sede de habeas corpus, quando houver clara constatação

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de ausência de justa causa ou falta de descrição de conduta que, em tese, confi gura crime. Não é a hipótese, eis que houve individualização das condutas dos pacientes, bem como dos demais denunciados.

6. Na contemporaneidade, não se reconhece a presença de direitos absolutos, mesmo de estatura de direitos fundamentais previstos no art. 5º, da Constituição Federal, e em textos de Tratados e Convenções Internacionais em matéria de direitos humanos. Os critérios e métodos da razoabilidade e da proporcionalidade se afi guram fundamentais neste contexto, de modo a não permitir que haja prevalência de determinado direito ou interesse sobre outro de igual ou maior estatura jurídico-valorativa.

7. Ordem denegada.

(HC n. 93.250-MS, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 10.06.2008)

e) o adiamento do julgamento, no caso dos autos, para que seja realizada a intimação da testemunha Reinaldo Guimarães de Figueiredo no endereço de fl . 2.360 (local que não corresponde mais ao seu atual endereço, conforme já foi mencionado linhas acima), a fi m de prestar depoimento sobre fatos já devidamente expostos e demonstrados pelos demais meios de prova colhidas durante a instrução, implicará no retardo da prestação jurisdicional, contrariando

o princípio constitucional da duração razoável do processo, razão pela qual entendo

que seja o caso de indeferir-se, diante das peculiaridades do caso concreto, a oitiva da

mencionada testemunha.

Desta Corte, destaco o seguinte precedente sobre a matéria:

Habeas corpus. Alegação de cerceamento de defesa e violação do contraditório. Indeferimento de produção de prova. Desnecessidade da diligência. Discricionariedade do juiz. Constrangimento ilegal inocorrente. Ordem denegada.

A realização de diligência solicitada pela defesa sujeita-se à análise da necessidade e da oportunidade com relação ao contexto da ação penal, situação aferível pelo juiz do caso por meio do juízo de proporcionalidade.

No caso vertente, o juiz motivou adequadamente o indeferimento, porquanto a solicitação da defesa mostrava-se inócua ao intuito de reverter a prova dos autos e de modifi car o contexto da verdade real.

Ordem denegada.

(HC n. 73.605-RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 25.09.2008, DJe 13.10.2008)

Ultrapassado esse ponto, passo a examinar a alegação do denunciado de que,

com a decisão de fl . 2.289-2.290 (em que determinei a expedição de carta de ordem para oitiva de testemunhas arroladas pelo acusado Natanael e requisitei a

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remessa dos originais ou da microfi lmagem dos cheques indicados pelo parquet como prova material dos delitos de peculato-apropriação e peculato-desvio), a instrução criminal foi reaberta, fazendo-se necessária a concessão de prazo para

apresentação de novas alegações fi nais pelas partes.

Transcrevo, para melhor compreensão do tema, os dispositivos da Lei n. 8.038/1990 (diploma que regula o trâmite dos processos de competência originária no STJ e STF) e do Regimento Interno do STJ por mim invocados como fundamento para determinar a colheita das provas de fl . 2.289-2.290 e posicionar-me sobre os requerimentos deduzidos pelo denunciado às fl. 2.470-2.474 (frise-se que na petição de fl . 2.470-2.474 o denunciado Natanael

José da Silva, atendendo ao despacho que exarei com esteio no art. 228, caput, do

RISTJ, requereu a produção de provas reputadas necessárias pela defesa, não havendo

de se falar, portanto, na fi gura do agravo interno, recurso que somente encontrou

cabimento, nos termos regimentais, a partir do momento em que foram indeferidas as

diligências pretendidas pelo réu - art. 228, § 1°, do RISTJ (dispositivo que atribui ao

relator a competência para decidir sobre os requerimentos formulados pelas partes)) e

novamente examinados nesta oportunidade:

Lei n. 8.038/1990

Art. 11 - Realizadas as diligências, ou não sendo estas requeridas nem determinadas pelo relator, serão intimadas a acusação e a defesa para, sucessivamente, apresentarem, no prazo de quinze dias, alegações escritas.

§ 1º - Será comum o prazo do acusador e do assistente, bem como o dos co-réus.

§ 2º - Na ação penal de iniciativa privada, o Ministério Público terá vista, por igual prazo, após as alegações das partes.

§ 3º - O relator poderá, após as alegações escritas, determina de ofício a realização de provas reputadas imprescindíveis para o julgamento da causa.

Art. 12 - Finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno, observando-se o seguinte:

I - a acusação e a defesa terão, sucessivamente, nessa ordem, prazo de uma hora para sustentação oral, assegurado ao assistente um quarto do tempo da acusação;

II - encerrados os debates, o Tribunal passará a proferir o julgamento, podendo o Presidente limitar a presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir.

Regimento Interno do STJ

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Art. 227. Realizadas as diligências ou não sendo estas requeridas nem determinadas pelo relator, serão intimadas a acusação e a defesa para, sucessivamente, apresentarem, no prazo de quinze dias, alegações escritas.

§ 1º Será comum o prazo do acusador e do assistente, bem como o dos coréus.

§ 2º Na ação penal de iniciativa privada, o Ministério Público terá vista, por igual prazo, após as alegações das partes.

§ 3º O relator poderá, após as alegações escritas, determinar, de ofício, a realização de provas reputadas imprescindíveis para o julgamento da causa.

Art. 228. Finda a instrução, o relator dará vista do processo às partes, pelo prazo de cinco dias, para requererem o que considerarem conveniente apresentar na sessão de julgamento.

§ 1º O relator apreciará e decidirá esses requerimentos para, em seguida, lançando relatório nos autos, encaminhá-los ao revisor, que pedirá dia para o julgamento.

Rejeitei a pretensão do denunciado, por entender que o pleito não detém

razoabilidade e objetiva retardar o julgamento.

Da leitura dos dispositivos acima transcritos, tem-se que o Ministro relator

encontra-se autorizado, no âmbito dos processos criminais de competência

originária do STJ, a determinar, de ofício e antes de levar o feito ao julgamento

da Corte Especial, a produção de prova que repute necessária, não encontrando

guarida legal a pretensão do denunciado de reabertura de prazo para apresentação de

novas alegações fi nais.

Em comentários ao art. 11 da Lei n. 8.038/1990, confi ra-se lição de Julio

F. Mirabete:

Após a manifestação das partes, o relator poderá determinar de ofício a realização de provas reputadas imprescindíveis para o julgamento da causa (art. 11, § 3°). Realizadas estas, marcar-se-á data para o julgamento, intimando-se os interessados.

(Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2006. P. 608)

Pois foi exatamente pautada no raciocínio acima citado que determinei a

intimação das partes para que requeressem o que considerassem conveniente

apresentar na sessão de julgamento (fl . 2.455).

Feitas essas considerações sobre o fundamento legal utilizado para indeferir

o pleito da defesa de Natanael, teço algumas considerações sobre os aspectos que

reforçaram a minha convicção quanto a desnecessidade de reabertura de prazo para

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que as partes pudessem pronunciar-se sobre as provas colhidas por meio da

mencionada carta de ordem.

Determinei a colheita da prova testemunhal e a juntada da microfi lmagem

de documentos já existentes nos autos (fl . 1.869-1.928), com o fi m de atender

e resguardar o pleno direito de defesa do acusado Natanael, já que este tinha

solicitado a oitiva das testemunhas arroladas às fl . 2.289 e havia argüido nulidade

em razão da ausência dos originais dos cheques mencionados na exordial

acusatória (prova material dos delitos de peculato indicados na denúncia).

Da leitura dos depoimentos prestados às fl . 2.362-2.379, verifi ca-se que

as testemunhas consideradas imprescindíveis pela defesa do denunciado Natanael

em nada acrescentaram à sua defesa e para a elucidação dos fatos imputados na

exordial acusatória.

Ademais, com a intimação por mim determinada, com fulcro no art. 228

do RISTJ (fl . 2.455), teve a defesa oportunidade de consultar os autos e tomar

conhecimento do teor das provas testemunhais colhidas, estando apta a discutir a

questão que entender pertinente na sessão de julgamento.

Sobre o tema, confi ra-se precedentes do STF e desta Corte retratando

fi rme entendimento de que a ausência de vista da parte acerca de prova juntada

aos autos não importa em nulidade quando ausente prejuízo ao réu:

Habeas Corpus.

1. Crime de latrocínio (art. 157, § 3º, in fi ne, do Código Penal c.c. o art. 1º, II, da Lei n. 8.072/1990 - crime hediondo).

2. O assistente de acusação requereu juntada aos autos de documento com o objetivo de aferir o tempo de percurso entre o quartel da Polícia Militar de Floriano e o local do sinistro, em decorrência de diligência efetuada pelo 2º Distrito Policial de Floriano-PI.

3. Alegação da defesa de que o acórdão atacado assumiu premissa errônea correspondente ao fato de que a referida juntada teria sido realizada ainda na fase do inquérito policial.

4. Ademais, o impetrante sustenta a falta de plausibilidade do acórdão recorrido (STJ) no que concerne ao argumento de que tal prova poderia ter sido amplamente discutida no decorrer da ação penal.

5. A rigor, de fato, verifi ca-se o equívoco do acórdão impugnado quanto à afi rmação de que o documento teria sido apresentado na fase inquisitorial. A diligência na qual se mediu o tempo de percurso entre o quartel da polícia militar de Floriano e o local do sinistro foi realizada no bojo da ação penal.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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6. O paciente tomou conhecimento do documento acostado aos autos, embora não intimado especificamente para tanto, e não apresentou impugnação ou demonstração de prejuízo para a defesa.

7. Ressalte-se ainda que a sentença foi fundamentada em outras provas sufi cientes à condenação do paciente. Precedentes: HC n. 71.011-RJ, Rel. Min. Sydney Sanches, 1ª Turma, unânime, DJ de 26.05.1995; HC n. 73.647-SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, unânime, DJ de 06.09.1996 e RE n. 230.020-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 25.06.2004.

8. Ordem indeferida.

(HC n. 82.955-PI, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJU de 19.12.2006)

Processual Penal. Habeas corpus. Art. 17 da Lei n. 7.492/1986. Alegação de nulidade no julgamento do recurso de apelação, em razão da juntada de documentos, por parte do parquet, sem que a defesa sobre eles pudesse se manifestar. Inocorrência da apontada nulidade, haja vista que o e. Tribunal a quo não utilizou, em momento algum, o material probatório juntado aos autos para fundamentar a condenação imposta ao paciente. Execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da condenação. Constrangimento ilegal verifi cado de acordo com recente entendimento do c. Supremo Tribunal Federal.

I - A juntada de documentos, em fase recursal, sem vista à parte contrária para manifestação, não acarreta prejuízo à defesa se os referidos documentos não foram utilizados pelo e. Tribunal a quo para a formação do convencimento da culpa, motivo pelo qual não é caso de decretação da nulidade (Precedentes desta Corte e do STF).

(...)

Habeas corpus parcialmente concedido para determinar que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da condenação.

(HC n. 103.429-SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 17.02.2009, DJe 23.03.2009)

Processo Penal. Habeas corpus. Recurso de apelação. Razões tardias. Intempestividade. Não-ocorrência. Documentos. Juntada. Parte contrária não intimada. Ausência de prejuízo. Condenação baseada nas provas coligidas durante a instrução criminal. Ordem denegada.

1. A apresentação a destempo das razões de apelação constitui mera irregularidade, não caracterizando a intempestividade do recurso.

2. No processo penal pátrio, no cenário das nulidades, vigora o princípio geral de que somente se proclama a nulidade de um ato processual quando há a efetiva demonstração de prejuízo, nos termos do que dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal e o Enunciado Sumular n. 523 do Supremo Tribunal Federal.

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3. Se os documentos juntados aos autos não infl uenciaram a decisão do Tribunal a quo, tendo a condenação sido fundamentada nas provas obtidas durante a instrução criminal, não há falar em prejuízo para a defesa por não lhe ter sido dada a oportunidade de se manifestar sobre os referidos documentos.

4. Ordem denegada.

(HC n. 44.814-PB, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 13.02.2007, DJ 12.03.2007, p. 265)

Agravo regimental. Recurso especial. Apropriação indébita previdenciária. Nulidade processual. Cerceamento de defesa. Intimação do réu. Vista de documentos. Interferência no julgado. Não ocorrência. Entendimento do Tribunal a quo. Matéria probatória. Aplicação da Súmula n. 7-STJ. Abolitio criminis. Lei n. 9.983/2000. Revogação art. 95, d da Lei n. 8.212/1991. Inexistência.

No processo penal, nenhum ato processual será declarado nulo, se a parte interessada não comprovar o prejuízo dele decorrente e, sobretudo, se – argüido a destempo – não infl uiu na investigação da verdade substancial ou na solução da causa.

O deferimento de juntada de documentos, a pedido de um dos co-réus, não importa em nulidade absoluta do feito se – não contraditada a tempo e modo – não serviram de base à condenação do recorrente.

A condenação baseada em provas testemunhais e confi ssão judicial não pode ser revista por esta Corte, nos termos da Súmula n. 7-STJ, por demandar análise de matéria fático-probatória.

O art. 3º da Lei n. 9.983/2000 manteve a antijuricidade da fi gura típica anterior (art. 95, d da Lei n. 8.212/1991), no seu aspecto substancial, e, consequentemente não fez desaparecer o delito em questão, não confi gurando, portanto, a abolitio criminis.

Agravo Regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 618.213-SC, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 21.10.2004, DJ 29.11.2004, p. 426)

Criminal. HC. Homicídio qualificado. Ocultação de cadáver. Juntada de documentos pela acusação. Ofensa ao art. 475 do CPP. Inocorrência. Prévio conhecimento das peças pelo defensor. Falta de elaboração de quesitos obrigatórios. Circunstância atenuante. Ausência de prejuízo. Pena fixada no mínimo legal. Ordem denegada.

É imprópria a alegação de cerceamento de defesa decorrente da juntada de documento sem a abertura de vista ao patrono do paciente, pois os autos evidenciam situação peculiar, qual seja, a demonstração de que a defensoria teve prévio conhecimento das peças juntadas pelo órgão acusatório, antes do julgamento, afastando a alegação de surpresa hábil a prejudicar a defesa do réu.

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Não há prejuízo ao réu pela ausência de formulação de quesitos obrigatórios referentes a circunstância atenuante, pois a reprimenda não pode ser fixada abaixo do mínimo cominado em lei. Súmula n. 231 desta Corte.

Ordem denegada.

(HC n. 32.651-RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 06.05.2004, DJ 14.06.2004, p. 256)

Conforme será demonstrado, no curso do voto de mérito, proferido nos

autos desta Ação Penal, pela análise das provas, restará cabalmente demonstrado

que os testemunhos, colhidos às fl . 2.362-2.379, em nada infl uenciaram no juízo

de convencimento que se formou acerca da autoria dos delitos imputados pelo

parquet.

Verifi co, ainda, que a microfi lmagem do cheque de n. 004847 (juntada às

fl. 2.338v.-2.339 v.) não trouxe aos autos qualquer fato novo, mostrando-se

desprovido de fundamento o raciocínio desenvolvido pelo denunciado Natanael

de que a simples juntada do título microfi lmado importaria em prejuízo do

acusado (frise-se que, pelo sistema das nulidades, vigora o princípio pas de nullité

san grief - somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver

efetiva demonstração de prejuízo à defesa).

Ressalto que em nenhum momento da instrução criminal o denunciado

Natanael negou a autoria da assinatura subscrita no referido cheque (prova

material do delito de peculato-apropriação). Pelo contrário, desde o início da

persecução criminal o réu confi rmou a emissão do título, tendo suscitado apenas

nulidade em razão da acusação estar lastreada em cópia. Daí a determinação de

juntada da microfi lmagem do documento (art. 11, § 3°, da Lei n. 8.038/1990),

fato que não importou em nenhum prejuízo aos denunciados.

No que tange à remessa da microfi lmagem dos 55 (cinquenta e cinco) cheques

requisitados às fl. 2.290, restou cabalmente demonstrado no voto de mérito

proferido nesta Ação Penal que a juntada dos originais ou da microfi lmagem destes

títulos mostra-se despicienda para fi ns de confi guração do delito de peculato-desvio

(art. 312, caput, segunda parte, do Código Penal) imputado ao denunciado,

tendo a apuração da autoria e materialidade da citada infração penal sido levada

a termo a partir de prova documental e testemunhal produzida na instrução.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados do STJ:

Penal e Processo Penal. Habeas corpus. Substitutivo de recurso ordinário. Estelionato. Emissão de duplicatas que não correspondem a mercadorias vendidas

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ou serviços prestados. Pedido de diligência. Expedição de ofícios. Indeferimento fundamentado. Cerceamento de defesa. Inexistência.

1. É entendimento pacífi co no Superior Tribunal de Justiça que o Juiz pode, em decisão fundamentada, indeferir as diligências requeridas pela defesa, uma vez que ao julgador cabe aferir, em cada caso, a real necessidade da medida para a formação de sua convicção.

2. Se o Juiz indeferiu o pedido de expedição de ofícios, por entender que o deslinde da causa prescinde da realização da diligência requerida, porquanto seu convencimento está embasado em outros elementos dos autos, não há de se falar em cerceamento de defesa.

3. Ordem denegada.

(HC n. 78.774-SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 18.09.2008, DJe 06.10.2008)

Criminal. RHC. Prefeito. Contratos sem prévia licitação. Despesas irregulares. Superfaturamento. Requerimento de perícia contábil e técnica em todos os contratos. Indeferimento da diligência. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Caráter protelatório. Princípio do livre convencimento do juiz. Fundamentação sufi ciente. Recurso desprovido.

Hipótese em que o paciente, ex-Prefeito Municipal, foi condenado pela prática de delitos relacionados à contratação de emissora de rádio para divulgação de matéria pública, com despesas irregulares, sem procedimento licitatório e com superfaturamento.

Não se reconhece o apontado constrangimento ilegal por cerceamento de defesa, devido ao indeferimento de realização de perícia contábil e técnica em todos os contratos e empreitadas realizados pelo Município, se o Magistrado fundamenta sufi cientemente a sua desnecessidade para a elucidação dos fatos, com base nos elementos do processo.

Caráter meramente protelatório da diligência requerida que resta evidenciado, pois a defesa não logrou demonstrar a real necessidade da perícia, permanecendo inerte ao longo da instrução, ainda mais em se tratando de feito em que o próprio Tribunal de Contas Municipal realizou perícia técnica, a qual foi corroborada pelas demais provas dos autos.

O Julgador pode indeferir, motivadamente, diligências que considere protelatórias ou desnecessárias. Precedente.

Recurso desprovido.

(RHC n. 13.918-CE, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 25.05.2004, DJ 1º.07.2004, p. 215)

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Habeas corpus. Processual Penal. Denunciação caluniosa. Indeferimento de diligências requeridas pela defesa. Constrangimento ilegal. Inocorrência. Caráter procrastinatório. Falta de provas a embasar o decreto condenatório. Vedado o exame do conjunto probatório.

- O indeferimento de diligências requeridas pela defesa, por si só, sem a demonstração de efetivo prejuízo, não confi gura constrangimento ilegal, mormente quando consideradas, pelo magistrado, de caráter meramente procrastinatório.

- O e. Tribunal a quo, ao reexaminar todo o material probatório, entendeu correta a decisão proferida pelo douto magistrado de primeiro grau, que condenou o paciente por denunciação caluniosa.

Infi rmar tal decisum é inviável pela via escolhida.

- Ordem denegada.

(HC n. 30.442-RJ, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 1º.04.2004, DJ 24.05.2004 p. 305)

Feitas essas considerações, passo à análise das preliminares suscitadas por

Natanael José da Silva nas alegações fi nais.

PRELIMINARES SUSCITADAS PELO DENUNCIADO

NATANAEL JOSÉ DA SILVA

I - TEORIA DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS

POR DERIVAÇÃO

Para o denunciado, nos termos do art. 157, § 1°, do Código de Processo

Penal e do art. 5°, LVI, da Constituição da República de 1988, o inquérito

policial e o processo dele derivado estão eivados de ilegalidades, na medida em

que oriundos de um procedimento administrativo de investigação instaurado

pelo Ministério Público do Estado de Rondônia, nascido da ilegal obtenção de

cópia do cheque n. 004847, agência 350, conta-corrente 0776230009, Banco

Sudameris, no valor de R$ 601.315,00 (seiscentos e um mil, trezentos e quinze

reais), emitido pela Assembléia Legislativa (fl s. 07-08 do Apenso I).

Segundo o denunciado Natanael, a cópia do cheque foi ilicitamente

obtida pelo deputado Eduardo Valverde Araújo Alves, membro do Partido dos

Trabalhadores, com a qual protocolou denúncia ao Ministério Público Estadual,

em 28.05.2001, informando sobre condutas irregulares do Presidente da

Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, acostando a esse requerimento

(fl . 02-08 do Apenso I).

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Considero inteiramente impertinente o entendimento do denunciado,

porque o MP, ao receber a denúncia do deputado, não se louvou no documento

por ele enviado. Requereu à autoridade judiciária competente a quebra do

sigilo bancário da conta mantida pela Assembléia Legislativa no Sudameris,

solicitando ainda cópia de todos os cheques administrativos emitidos em favor

de funcionários e deputados no período de janeiro a abril de 2001, os extratos

bancários e as cópias de cheques emitidos em favor de funcionários, sacados da

conta da empresa Dismar (fl . 10-15 do Apenso I).

Decretada a quebra do sigilo (fl . 22-25 do Apenso I), chegou ao Judiciário

a cópia do cheque emitido no valor de R$ 601.315,00 (fl . 106-107 do Apenso I).

Para o Ministério Público o importante foram as denúncias quanto as

irregularidades, sendo irrelevante o documento juntado, tanto que providenciou

o parquet a obtenção lícita dos documentos bancários. Assim sendo, não há

prova ilícita, ou prova derivada de ilícito, sendo inteiramente inócua a cópia do

cheque que circulou nos jornais e que também acompanhou a representação.

Ademais, ainda que assim não fosse, o que se admite apenas para

argumentar, é preciso que se atente para a questão da prova ilícita por derivação,

a fi m de que não se faça equivocadas afi rmações.

Oportunos os comentários sobre o tema - Provas Ilícitas Por Derivação, de

Ada Pellegrini Grinover, quando adverte não ser aplicável às provas derivadas

de ilícito a teoria dos frutos da árvore envenenada, como se colhe do trecho

seguinte:

No entanto, é preciso atentar para as limitações impostas à teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore envenenada, pelo próprio Supremo norte-americano e pela doutrina internacional: excepcionam-se da vedação probatória as provas derivadas da ilícita, quando a conexão entre umas e outras é tênue, de modo a não se colocarem a primária e as secundárias como causa e efeito; ou, ainda, quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas por outra maneira. Fala-se, no primeiro caso, em independent source e, no segundo, na inevitable discovery. Isso signifi ca que a prova ilícita não foi absolutamente determinante para o descobrimento das derivadas, ou se estas derivam de fonte própria, não fi cam contaminadas e podem ser produzidas em juízo.

(grifo nosso)

(As Nulidades no Processo Penal. 10. ed. São Paulo: RT, 2007. P. 163)

Assim sendo, afasto a preliminar.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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II - NULIDADE DO JULGAMENTO QUE RECEBEU A

DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DA DEFESA

QUANTO À JUNTADA DO INQUÉRITO N. 403-RO

A alegação feita na oportunidade das alegações fi nais foi suscitada nos

embargos de declaração opostos contra o acórdão da Corte Especial, quando do

recebimento da denúncia (fl . 401-435).

Na ocasião, refutei o questionamento, assim argumentando:

O primeiro ponto argüido pela defesa diz respeito à juntada aos autos do

inquérito, sem que houvesse intimação.

Entendi inteiramente desnecessária a intimação, diante dos fatos contidos na

denúncia, dos quais já constava a questão do incêndio. Ora, o réu se defende de fatos,

e esses fatos estavam postos na denúncia. Observe-se que, em nenhum passo do voto

condutor da decisão de recebimento, faz-se referência ao que está no inquérito, o que me

pareceu sufi ciente para não atrasar o julgamento da complexa demanda, envolvendo

mais de dez pessoas e toda ela processada no Estado de Rondônia. O MPF pediu para

que fosse dado vista à defesa por não saber que, para os julgadores, eram sufi cientes

os documentos constantes dos autos principais, sem haver acréscimo ou decréscimo de

prova pela só-anexação do inquérito.

A Relatora não omitiu da Corte o pedido da defesa, tanto que inicia o voto

dizendo o porquê de indeferir o pedido de adiamento da sessão designada para que a

defesa pudesse se manifestar sobre os fatos constantes do inquérito que foi apensado aos

autos principais, não sendo demais transcrever o texto aludido:

Preliminarmente indefi ro o pedido de adiamento formulado na Petição 70.915, depois da designação da pauta, por entender que a defesa não terá prejuízo algum com a juntada do inquérito, cujos fatos ali versados já se encontram na denúncia, com as provas respectivas, sendo o inquérito inteiramente desimportante para o exame dos fatos narrados na peça inicial desta ação penal.

(fl . 413)

Como já dito, o indiciado, antes do recebimento da denúncia, defende-se de fatos

que já estão devidamente retratados na denúncia.

(fl . 500-509)

Nesta oportunidade reitero a fundamentação antecedente, principalmente

porque no inquérito juntado aos autos, de n. 403-RO, não há nenhum

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documento de interesse para este processo. Nele pode-se encontrar por exemplo,

o laudo pericial realizado pela Polícia Técnica, este sim documento de interesse

ao deslinde da querela, mas já constante dos autos principais (fl s. 100-115 do

Apenso VI da APN 266).

De referência aos depoimentos colhidos naquele inquérito, embora

interessantes, só têm valor probatório quando colhidos judicialmente. Enfi m,

inteiramente desarrazoada a exigência de intimação, como pleiteada, porque

a decretação da nulidade de um ato processual é espécie de sanção aplicável

nos casos de desatenção a formalidade essencial, ou quando acarretar prejuízo

concreto para a defesa. Neste sentido trago à colação lição de Ada Pellegrini

Grinover:

A decretação da nulidade implica perda da atividade processual já realizada, transtornos ao juiz e às partes e demora na prestação jurisdicional almejada, não sendo razoável, dessa forma, que a simples possibilidade de prejuízo dê lugar à aplicação da sanção; o dano deve ser concreto e efetivamente demonstrado em cada situação.

(As Nulidades no Processo Penal. 10. ed. São Paulo: RT, 2007. P. 31)

Afasto, portanto, a preliminar de nulidade do julgamento realizado quando

do recebimento da denúncia.

III - NULIDADE DO JULGAMENTO QUE RECEBEU A

DENÚNCIA POR EXTRAPOLAR LIMITES DO JUÍZO DE

DELIBAÇÃO DO ART. 6º DA LEI N. 8.038/1990

Suscita o denunciado a preliminar de nulidade do julgamento em que foi

recebida a denúncia, aduzindo que a relatora, quando proferiu o voto condutor

de fl . 413-421, extrapolou os limites do juízo de delibação previsto no art. 6° da

Lei n. 8.038/1990, abaixo transcrito:

Art. 6º A seguir, o relator pedirá dia para que o Tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas.

§ 1º No julgamento de que trata este artigo, será facultada sustentação oral pelo prazo de 15 (quinze) minutos, primeiro à acusação, depois à defesa.

§ 2º Encerrados os debates, o Tribunal passará a deliberar, determinando o Presidente as pessoas que poderão permanecer no recinto, observado o disposto no inciso II do art. 12 desta lei.

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No voto, proferido na sessão de julgamento do dia 1º.06.2005 (fl . 413-421), foram expostos, de forma minuciosa, todos os fatos narrados na exordial acusatória, com destaque para os delitos supostamente praticados pelos denunciados, tipifi cadores da conduta delituosa.

Nos processos de competência originária, envolvendo denunciados com prerrogativa de foro, a decisão judicial de recebimento de denúncia, diferentemente do que ocorre na apuração de delitos pela primeira instância, exigem do julgador acurado exame dos fatos investigados, não sendo bastante meros indícios de materialidade e autoria. Até mesmo pela complexidade do processamento, com avaliação da defesa preliminar, o recebimento da denúncia é pronunciamento com emissão de juízo de valor, realizada pelo colegiado. Dai a maior difi culdade no processamento dos feitos submetidos ao rito da Lei n. 8.038/1990.

Na hipótese em exame, como consta do voto proferido no julgamento dos embargos de declaração, opostos pelo denunciado (fl . 500-505), cuidei de acolhê-los, retirando o excesso de linguagem contido na ementa de fl . 434-435.

Consequentemente, já estando corrigido o excesso, pelo colegiado, rejeito a preliminar de nulidade da decisão de recebimento da denúncia.

IV - PRELIMINAR DE NULIDADE DE JULGAMENTO, EM

RAZÃO DA INCLUSÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES

PELO ACÓRDÃO DE FL. 500-509, AO ACOLHER EMBARGOS DE

DECLARAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Tenha-se presente que neste feito, o juízo coletivo da Corte Especial, ao acompanhar o voto da relatora (fl . 502-505), na oportunidade em que apreciou os embargos de declaração, opostos pelo MPF, teve como escopo corrigir o julgamento antecedente para nele incluir a circunstância agravante prevista no art. 61, II, d, do Código Penal (crime praticado mediante emprego de fogo), quanto ao delito tipifi cado no art. 305 do Código Penal (supressão de documento público). E o fundamento para a aceitação foi a descrição fática constante da denúncia, o que não ensejou surpresa alguma para a defesa, na medida em que se defende o réu dos fatos e não da tipifi cação. Assim, pôde o denunciado, quando ofereceu defesa preliminar, cientifi cada dos fatos narrados na exordial, articular as questões embasadoras de defesa, inclusive em relação à alegação de que houve supressão de documento público mediante emprego de fogo por parte do denunciado Natanael. Aliás, o incêndio por ele provocado foi descrito com desenvoltura pelo MPF, na denúncia. Não há nulidade alguma, portanto.

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V - PRELIMINAR DE NULIDADE DA INSTRUÇÃO CRIMINAL EM RAZÃO DO INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHAS ARROLADAS PELO DENUNCIADO NATANAEL, POR IMPOSIÇÃO DE LIMITE AO NÚMERO DE TESTEMUNHAS

Assevera Natanael ter peticionado, insistindo na oitiva de testemunhas ainda não inquiridas, por considerá-las indispensáveis. Assim, em 04.09.2007 pediu para serem ouvidos Celso de Oliveira (Popó), Valdir Raupp de Mattos, Edésio

Martelli e Ivo Scherer (fl . 1.018-1.019).

O pleito foi devidamente atendido às fl. 1015, sendo colhidos os testemunhos indicados, como consta das fl s. 1.071-1.073 (Valdir Raupp); fl s. 1.217-1.219 (Ivo Scherer); fl s. 1.117-1.120 (Celso de Oliveira Souza (Popó)) e fl s. 1.233-1.238 (Edésio Martelli), respectivamente.

Com a oitiva das testemunhas consideradas indispensáveis pela defesa, extrapolou-se o número máximo de oito, o que aceitei para assegurar o exercício da ampla defesa. Assim, ancorada no art. 11, § 3°, da Lei n. 8.038/1990, determinei a expedição de carta, cumprida pelo Juiz Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Porto Velho-RO (fl . 2.362-2.379), em demonstração inequívoca da insubsistência da nulidade alegada.

VI - PRELIMINAR DE NULIDADE EM RAZÃO DA INVERSÃO DA ORDEM DE TESTEMUNHAS POR OCASIÃO DO CUMPRIMENTO DE CARTA DE ORDEM

A instrução deste processo foi realizada por carta de ordem, sendo muitas as testemunhas arroladas pela defesa e não poucas as indicadas pelo Ministério Público.

Na audiência de oitiva das testemunhas o Juiz Federal, a quem tocou o cumprimento da carta, deixou consignado na ata de audiência (fl . 1.348) que, em razão da inviabilidade de tomar o depoimento de todas as testemunhas de acusação antes daquelas arroladas pela defesa, “a mera inversão na ordem de testemunhas, nomeadamente quando se trata de oitiva fora de terra, traduz mera irregularidade, carente de idoneidade a estacar a instrução.”

O denunciado Natanael, com fulcro no art. 5°, LV, da CF/1988 e no art. 396 do Código de Processo Penal, alega que a inversão da ordem das testemunhas é motivo de nulidade do processo. Entretanto não aponta o prejuízo concreto que lhe causou a inversão. Ora, pune-se com a sanção da nulidade os atos processuais que, desviando-se do modelo pré-estabelecido, possa causar prejuízo

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para as partes, entendendo a doutrina que a parte, ao alegar nulidade, deve demonstrar prejuízo concreto, advindo da prática de um ato desconforme com a previsão legal, sob pena de entender-se sanada a irregularidade.

A nulidade provocada pela inversão da ordem das testemunhas é tratada como mera irregularidade pela jurisprudência, se a parte não demonstra prejuízo. Neste sentido são os precedentes desta Corte:

Processual Penal. Habeas corpus. Inversão da ordem de oitiva das testemunhas. Ausência de nulidade. Prejuízo não-demonstrado pela defesa. Excesso de prazo. Prejudicado. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.

1. A inversão na ordem de oitiva dos depoimentos das testemunhas de acusação e defesa não gera nulidade, especialmente se não for demonstrado nenhum prejuízo para o paciente. Precedentes do STJ.

2. Proferida sentença, resta prejudicado o habeas corpus na parte em que se alegava excesso de prazo para formação da culpa.

3. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.

(HC n. 83.758-MT, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 03.08.2009)

Recurso em habeas corpus. Direito Processual Penal. Intimação da expedição de carta precatória. Legalidade. Inversão da ordem de oitiva. Nulidade. Inocorrência. Recurso improvido.

1. A intimação das partes do despacho que ordena a oitiva de testemunha por precatória atende à exigência do artigo 222 do Código de Processo Penal, cuja inobservância, de qualquer modo, consubstancia nulidade relativa, a reclamar argüição oportuna e demonstração inequívoca do prejuízo dela resultante.

2. “Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado.” (Súmula do STJ, Enunciado n. 273).

3. “É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha.” (Súmula do STF, Enunciado n. 155).

4. À luz do disposto no artigo 222, parágrafos 1º e 2º, do Código de Processo Penal, e consoante entendimento jurisprudencial, a expedição de precatória para oitiva de testemunha não suspende a instrução criminal, não havendo falar em nulidade em face da inversão da oitiva de testemunhas de acusação e de defesa, mormente em não demonstrado prejuízo qualquer advindo à defesa do réu.

5. Recurso improvido.

(RHC n. 21.100-MG, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 28.08.2007, DJ 22.10.2007, p. 370)

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Processual Penal. Habeas corpus. Art. 214, c.c. art. 224, a, na forma do art. 71, do CP. Necessidade de oitiva da vítima. Tese já apreciada no julgamento do HC n. 44.229-RJ. Reiteração de pedido. Inversão na oitiva das testemunhas. Ausência de prejuízo. Ilegitimidade ad causam do Ministério Público. Estado de miserabilidade da vítima e sua família. Aferição. Impropriedade da via eleita. Inversão de compromisso. Ausência de prejuízo. Sentença. Fundamentação. Ocorrência. Nulidade não confi gurada.

I - Considerando que a controvérsia relativa à ausência de oitiva da vítima já foi apreciada no HC n. 44.229-RJ, perdeu o objeto, neste ponto, o presente writ.

II - Inexistindo prejuízo efetivo para o acusado, a inversão na ordem dos depoimentos não enseja nulidade. (Precedentes).

III - In casu, a alegação de que os pais da vítima podem prover às despesas do processo, sem privação à manutenção própria ou da família, exige, necessariamente, o cotejo minucioso de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de habeas corpus (Precedentes do STF e STJ).

IV - O deferimento de compromisso ao pai da vítima - testemunha da acusação - se caracteriza como mera irregularidade, mormente por não ter restado, em decorrência deste fato, prejuízo para a defesa. (Precedente).

V - Não há nulidade a ser reparada no presente caso, eis que a r. sentença condenatória - confi rmada pelo v. acórdão atacado - se encontra, na medida do possível, sufi cientemente fundamentada.

VI - A palavra da vítima, em sede de crime de estupro, ou atentado violento ao pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não tem testemunhas, ou deixam vestígios.

Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, denegada.

(HC n. 50.838-RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 03.08.2006, DJ 30.10.2006, p. 341)

VII - PRELIMINAR DE NULIDADE EM RAZÃO DO

INDEFERIMENTO DE REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS

Afi rma o denunciado Natanael José da Silva que, por ocasião da abertura

do prazo de diligências, requereu diversas providências, todas indeferidas pela

relatora, o que foi confi rmado pelo colegiado (fl . 1.570-1.576).

Nesta oportunidade consigno que após quase cinco anos de instrução, no

limiar do fechamento da fase instrutória, depois da realização de uma densa

prova documental e da oitiva de muitas testemunhas, além de requisições e mais

requisições de documentos bancários, pediu o acusado Natanael as seguintes

diligências:

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a) requisição de cópias de folhas de pagamento dos servidores

comissionados no período de janeiro a abril de 2001;

b) perícia grafotécnica dos 55 (cinquenta e cinco) cheques mencionados na

exordial acusatória, a fi m de comprovar a regularidade dos endossos;

c) requisição junto à 1ª Vara da Fazenda Pública do Estado de Rondônia

e ao Tribunal de Consta do Estado de Rondônia de cópia dos Processos n.

001.2005.018940-8 e n. 4.470/2004 que tramitam, respectivamente, naqueles

órgãos e versam sobre os mesmos fatos apurados no presente processo e nos

quais constam diversos documentos de interesse para a defesa; e

d) requisição junto ao Comando do Corpo de Bombeiros do Estado de

Rondônia e à Polícia Técnica do Estado de Rondônia de cópias dos laudos

periciais realizados no prédio da Assembléia Legislativa no dia 1º.06.2001.

Pediu então a nulidade do processo, a fi m de que lhe fosse garantida ampla

defesa, nos exatos termos do pleito.

Os documentos requeridos são inteiramente desnecessários, diante das

provas já produzidas. Senão vejamos: as folhas de pagamento dos servidores

comissionados no período de janeiro a abril de 2001 em nada alteram o universo

investigado, a partir de uma realidade: a) o dinheiro da folha de pagamento

dos servidores da Assembléia Legislativa foi parar na empresa particular do

denunciado Natanael, em operação por ele realizada em 16 de fevereiro de

2001, juntamente com o Diretor Financeiro da Assembléia, um dia de sábado;

b) a perícia grafotécnica dos endossos encontrados nos 55 (cinquenta e cinco)

cheques também não alterariam uma realidade inconteste: todas as ordens de

pagamento foram parar na conta da empresa do Presidente da Assembléia,

sendo de fragilidade absoluta a explicação dada pelo denunciado a vista deste

fato, só revelado após a quebra do sigilo bancário das consta da Assembléia

Legislativa, quando afi rmou que cinquenta e cinco pessoas trocaram os cheques

de seus salários por dinheiro, na empresa do acusado Natanael, uma mera

revendedora de bebidas; c) a requisição dos processos administrativos e da

ação civil por ato de improbidade administrativa foram formados a partir das

investigações que deram origem à presente ação penal, sendo desnecessário

repetir, em duplicidade, prova documental. Aliás, se algum documento contido

nos processos indicados era do interesse do denunciado, deveria ele trazer aos

autos, o que fez com abundância quanto ao que lhe foi pertinente, fazendo

chegar aos autos, inclusive, diversos recortes de jornais; d) os laudos periciais

do incêndio perpetrado no prédio da Assembléia Legislativa encontram-se

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nos autos às fl s. 100-115 do Apenso VI, sendo portanto inteiramente inócua a

providência requerida.

Como demonstrado, a requisição dos documentos pela defesa mostra-

se desnecessária, porque os fatos neles constantes já estão devidamente

comprovados, sendo desnecessário o prolongamento da instrução.

PRELIMINARES SUSCITADAS PELO DENUNCIADO

EVANILDO ABREU DE MELO

I - NULIDADE DECORRENTE DA AUSÊNCIA DE PROPOSTA

DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

A denúncia oferecida pelo Ministério Público imputou ao acusado

Evanildo a prática do delito de supressão de documento público, capitulado

no art. 305, c.c. art. 61, II, d (com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura

ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum), na

forma do art. 29, caput, (concurso de pessoas), todos do Código Penal. Para

esta tipifi cação a pena mínima indicada é de dois anos, o que não autoriza o

benefício da suspensão condicional do processo, como previsto no art. 89, caput,

da Lei n. 9.099/1995; o dispositivo prevê pena mínima igual ou inferior a 01

(um) ano (dispositivo não alterado pela Lei n. 10.259/2001).

II - PRESCRIÇÃO VIRTUAL

Alega o denunciado Evanildo que, por ser primário, eventual condenação

pela prática do delito de supressão de documento público, capitulado no art.

305 do Código Penal, não deverá superar a pena mínima de 02 (dois) anos.

E argumenta: sendo assim, tendo em vista a extinção da punibilidade pela

prescrição virtual, caso aplicada a pena mínima, de 04 (quatro) anos, nos termos

do art. 109, V, do Código Penal, deve o processo ser extinto em relação ao

acusado.

Data venia da defesa, a prescrição virtual é instituto de criação doutrinária,

com o objetivo de, após analisadas as circunstâncias concretas em que se deu a

prática do delito, se visualizada uma pena mínima a ser aplicada ao acusado, em

caso de eventual condenação, declarar-se de logo extinta a punibilidade pela

prescrição virtual, dispensando-se a instrução, pela total inutilidade do processo.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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A doutrina não logrou aprovação no direito pretoriano, como demonstram

os precedentes do STF:

Habeas corpus. Prescrição antecipada ou em perspectiva. Ordem denegada.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fi rmou-se contrariamente à tese da chamada prescrição antecipada ou em perspectiva. Precedentes: RHC n. 94.757, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe-206 de 31.10.2008; Inq n. 1.070, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 1º.07.2005; HC n. 83.458, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 06.02.2004; e HC n. 82.155, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 07.03.2003.

Ordem denegada.

(HC n. 96.653-CE, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ 29.09.2009)

Agravo regimental no agravo de instrumento. Criminal. Atos obcenos. Matéria infraconstitucional. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. Prescrição em perspectiva. Impossibilidade. Precedentes.

1. Controvérsia decidida à luz de norma infraconstitucional. Ofensa indireta à Constituição do Brasil.

2. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem confi gurar, quando muito, situações de violação meramente refl exa do texto da Constituição.

3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífi ca no sentido de não admitir a prescrição antecipada pela pena em perspectiva.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AI n. 728.423-SP, Rel. Ministro Eros Rau, Segunda Turma, DJ 26.05.2009)

MÉRITO DA ACUSAÇÃO

PRIMEIRO FATO

PECULATO-APROPRIAÇÃO DO CHEQUE DE R$ 601.315,00

(ART. 312, CAPUT NA FORMA DO ART. 29, CAPUT, TODOS DO

CÓDIGO PENAL)

Segundo a denúncia, em 16 de fevereiro de 2001, Natanael José da Silva e

Francisco de Oliveira Pordeus, Presidente e Diretor do Departamento Financeiro

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da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, respectivamente, mediante

acordo prévio de vontades, emitiram, a débito da conta corrente de n. 350-

07762-3000-9, mantida pelo órgão por eles dirigido, Banco Sudameris, agência

n. 350 de Porto Velho-RO, o cheque de n. 004847, no valor de R$ 601.315,00

(seiscentos e um mil, trezentos e quinze reais) como comprovam os docs. de fl .

103-107 do Apenso I e o doc. de fl . 1.320 do Apenso V.

A ordem de pagamento foi apresentada ao banco no mesmo dia 16, uma

sexta-feira, pelo Diretor Financeiro Francisco Pordeus, o qual reteve consigo o

valor de R$ 1.315,00 (mil, trezentos e quinze reais), entregando o restante (R$

600.000,00) à empresa Transeguro para serem guardados até o dia seguinte

(sábado) e transportados para a sede da Distribuidora de Bebidas São Miguel

Arcanjo Ltda (Dismar), empresa que tem o denunciado Natanael José da Silva

sócio majoritário como evidencia o contrato social de fl . 348-368 do Apenso I.

Ainda de acordo com o MPF, a importância foi efetivamente entregue na

empresa Dismar à denunciada Irene Becaria de Almeida Moura, funcionária de

confi ança de Natanael.

Considera o parquet que os denunciados Natanael, Francisco Pordeus

e Irene, unidos por liame subjetivo, mediante prévio acordo de vontades,

apropriaram-se, de forma indevida, do valor de R$ 601.315,00, pertencente à

Assembléia Legislativa. Os dois primeiros utilizando-se do cargo público que

ocupavam e a terceira equiparada a funcionária pública, diante da circunstância

fática elementar ao crime de apropriação indébita.

Na versão da defesa de Natanael e Francisco Pordeus, tomaram eles a

atitude de sacar o valor indicado na ordem de pagamento e procederam como

descreveu o MPF para realizarem o pagamento aos servidores comissionados da

Assembléia.

Transcrevo trecho do interrogatório prestado pelo denunciado Natanael

que, com relação ao delito de peculato-apropriação a ele imputado, afi rmou em

Juízo que:

de referência ao 2º episódio que diz respeito ao cheque de R$ 601.315,00, sacado do banco Sudameris de que fala a denúncia, quer o interrogado dizer que ao assumir a Presidência da Assembléia Legislativa em 1º de fevereiro de 2001, já tinha informação de que na Assembléia havia a chamada folha de pagamento paralela, na qual fi guravam nomes que não eram de servidores comissionados da Casa;

(...)

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 53

que então combinou com seu diretor fi nanceiro Francisco Pordeus de fazerem um enxugamento na folha, sacando os valores correspondentes à mesma e efetuando os pagamentos a cada um dos comissionados pessoalmente; que então no dia 16 de fevereiro para uma folha de mais ou menos R$ 1.250.000,00 o interrogado determinou o saque do valor indicado na denúncia, ou seja R$ 601.315,00; que este cheque foi sacado e o valor entregue à empresa de segurança Transeguro para ser guardado até que fosse feito o pagamento;que então pensou o interrogado em resolver o problema pegando o dinheiro sacado e que estava na posse da Transeguro; que o dinheiro fi cou guardado naquela empresa, porque embora não fosse possível fazer rapidamente um contrato da empresa com a Assembléia, o interrogando pediu para que a funcionária de sua empresa, de nome Irene, usasse o contrato que a empresa tinha com a Transeguro e desta forma, poderia ser feita guarda do numerário; que no dia seguinte no sábado mesmo o dinheiro foi entregue na Dismar porque o contrato só dava cobertura do transporte da Transeguro para a Dismar e da Dismar para a Transeguro;

(fl . 622-623)

O acusado Francisco Pordeus alega que reteve consigo o valor de R$

1.315,00 em razão da informação passada pela empresa Transeguro de que

seria mais apropriado que o valor transportado pela empresa de segurança fosse

redondo, ou seja, R$ 600.000,00. Afi rma não haver qualquer prova nos autos

de ter ele se apropriado de R$ 1.315,00, tendo desempenhado suas funções na

Assembléia Legislativa sob o primado da ética e da moral (fl . 812-816). Colho

trecho do seu interrogatório:

que confirma o depoente ter emitido juntamente com Natanael José da Silva, em nome da ALE/RO, o cheque no valor de R$ 601.315,00, em favor da própria ALE/RO na data de 16.02.2001, em uma sexta-feira; que na mesma data da emissão do cheque o interrogando esteve na agência no Banco Sudameris e efetuou o saque daquela quantia retendo consigo a importância em dinheiro de R$ 1.315,00, sendo que o restante R$ 600.000,00 foram entregues à empresa de transporte de valores Transeguros para que conduzisse aquele montante em dinheiro até o estabelecimento da empresa Dismar;

(...)

que esclareceu o interrogando que na época a ALE/RO estava sem segurança para guardar a quantia antes mencionada e que o Presidente da ALE resolveu deixar aquele montante na empresa Dismar porque esta tinha contrato com a empresa de transporte Transeguros e a ALE não possuía contrato de prestação daquele serviço; que o valor de R$ 600.000,00 se destinava ao pagamento de servidores comissionado da ALE; que não sabe informar quantos eram aqueles servidores; que o interrogando destinou a quantia de R$ 1.315,00 juntamente com os R$ 600.000,00 para pagamento da folha alusiva aos servidores comissionados

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da ALE/RO; que o pagamento dos servidores comissionados ocorreu num sábado, dia 17.02.2001;

(fl . 812-813)

Para Irene Becaria de Almeida Moura não há nos autos prova alguma que

a incrimine. Como funcionária da empresa Dismar, cuidou tão-somente de

cumprir as ordens do seu patrão Natanael, recebendo o valor transportado pela

Transeguro. Dá a seguinte versão aos fatos: entrou em contato com a Transeguro

com o único objetivo de cientifi car-se acerca do procedimento para transporte

do valor mencionado pelo denunciado Natanael, tendo recebido informação

de funcionário da empresa de segurança que o serviço só poderia ser feito se

fi rmado contrato antecedentemente. Como a Assembléia não era cliente da

empresa de segurança, recebeu Irene ordem de Natanael para que fosse feito

o serviço em nome da sua empresa, a Dismar, pois a mesma já era cliente da

Transeguro. Confi ra-se trecho do seu interrogatório:

A interroganda trabalha na empresa Dismar desde setembro de 1985. Sua função na empresa sempre foi de gerente fi nanceiro. Confi rma que o denunciado Natanael era e continua sendo sócio da empresa Dismar. A interroganda não tomou conhecimento prévio da emissão do cheque no valor de R$ 601.315,00. Acerca do transporte do valor de R$ 600.000,00 a interroganda esclarece que na sexta-feira, dia 16 de fevereiro de 2001, recebeu ligação do denunciado Natanael solicitando informações acerca do procedimento de transporte de valores por intermédio de carro-forte, esclarecendo que seria preciso transportar uma certa quantia para a Assembléia Legislativa e o mesmo não sabia qual procedimento a ser seguido. A interroganda então logo em seguida, entrou em contato com funcionário da empresa Transeguro, com quem a Dismar mantinha contrato para transporte de valores e pediu esclarecimentos acerca da possibilidade da referida empresa (Transeguro) transportar valores para a Assembléia Legislativa. A interroganda foi informada pelo Sr. Benedito, funcionário da Transeguro, encarregado da tesouraria, que o transporte de valores só se realizava mediante prévio contrato entre a Transeguro e a empresa que necessitasse do respectivo serviço. Disse, portanto, que sem a existência de contrato não seria possível o transporte de nenhum valor para a Assembléia Legislativa. Recebida essa informação, no mesmo dia, a interroganda retornou a ligação para o denunciado Natanael, informando-o do procedimento de transporte de valores e da necessidade de prévio contrato para que a Transeguro realizasse os seus serviços. Decorrido algum tempo, o denunciado Natanael novamente ligou para a interroganda, informando que a realização de contrato com a Transeguro e a Assembléia Legislativa dependeria de prévio procedimento de licitação e, como era necessário o transporte imediato de valores para a Assembléia Legislativa,

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solicitou a interroganda que consultasse a empresa Transeguro para se informar acerca da possibilidade do transporte dos numerários da Assembléia Legislativa ser realizado em nome da empresa Dismar, utilizando-se do contrato existente entre a Dismar e a Transeguro. Novamente a interroganda contactou a empresa Transeguro para saber da possibilidade do transporte de valores da Assembléia Legislativa fazendo uso do contrato que possuía com a empresa Dismar, ocasião em que foi informada pelo senhor Benedito que a Transeguro poderia sim transportar dinheiro pertencente à Assembléia Legislativa, mas que todo o procedimento seria necessariamente feito em nome da empresa Dismar, além de que todos os valore deveria ser entregue na sede desta empresa.

(...)

No sábado, dia 17 de fevereiro de 2001, a Transeguro transportou o valor de R$ 600.000,00, pertencente à Assembléia Legislativa até a sede da empresa Dismar, isso por volta da 08:30 às 09:00 da manhã. Na sede da empresa a interroganda foi quem recebeu os malotes contendo a importância já referida, assinando, em razão disso, a guia de transporte n. 001857. Foi só nessa ocasião que a interroganda tomou conhecimento de que o valor transportado era de R$ 600.00,00.

(fl . 659-660)

Para justificarem a conduta dizem que os pagamentos seriam feitos

diretamente aos servidores comissionados que comparecessem no dia 17,

sábado, à Dismar, porque havia muitos servidores “fantasmas” na folha de

comissionados da Assembléia e a providência era necessária para evitar lesão aos

cofres públicos.

Para Natanael o pagamento de forma pessoal é autorizado pela legislação

que regula o tema, tanto que a Resolução Administrativa n. 003 do Tribunal de

Contas Estadual, no art. 50, § 2°, dispõe que o pagamento de despesas somente

será feito mediante ordem bancária ou cheque nominativo quando possível,

dando opção quanto ao pagamento pessoal.

O fato imputado aos três denunciados Natanael, Francisco Pordeus e

Irene, da forma descrita e contraditada, foi tipifi cada como delito de peculato-

apropriação do valor de R$ 601.315,00, constante do artigo 312, caput, do

Código Penal:

Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

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Cezar Roberto Bittencourt, dissertando sobre a adequação típica do delito

de peculato-apropriação, preceitua que:

O verbo apropriar-se tem o signifi cado de assenhorear-se, tomar como sua, apossar-se; apropriar-se é tomar para si, isto é, inverter a natureza da posse, passando a agir como se dono fosse da coisa móvel pública, de que tem posse ou detenção.

(...)

A consumação do crime e, por extensão, o aperfeiçoamento do tipo coincidem com aquele em que o agente, por ato voluntário e consciente, inverte o título da posse, passando a reter o objeto material do crime (dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel) como se dono fosse (uti dominus).

(...)

O animus rem sibi habendi, também característico do crime de peculato, precisa fi car demonstrado. Se o agente não manifesta a intenção de fi car com a res e, ao contrário, a restitui à repartição, de pronto, o dolo do peculato-apropriação não se aperfeiçoa.

(Tratado de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2009. P. 16-18)

Natanael e Francisco Pordeus, como servidores públicos, utilizando-se dos cargos que ocupavam junto ao Poder Legislativo do Estado, emitiram, a débito da conta corrente de n. 350-07762-3000-9, mantida pela Assembléia Legislativa do Estado, no banco Sudameris, agência n. 350 de Porto Velho-RO, o cheque de n. 004847, no valor de R$ 601.315,00 (microfi lmagem de fl . 2.338-2.339).

Em nenhum momento da instrução criminal os acusados Natanael e Francisco negaram a autoria das assinaturas subscritas no referido cheque. Ao contrário, desde o início da persecução criminal confi rmaram a emissão, muito embora tenham dado versão inverossímil: tiveram a intenção de realizar o pagamento parcial da folha de comissionados da Assembléia Legislativa no mês de janeiro de 2001 (conforme aposto no verso do cheque), o que teria sido feito no dia aprazado, 17 de janeiro de 2009.

Afi rmam que o pagamento dos servidores comissionados foi realizado no sábado, dia 17.02.2001, na sede da Assembléia Legislativa.

A versão não sobrevive sequer a uma verifi cação perfunctória.

Prescrevem os arts. 63, 64 e 65 da Lei n. 4.320/1964 (diploma que estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal) que:

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 57

Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verifi cação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

§ 1° Essa verifi cação tem por fi m apurar:

I - a origem e o objeto do que se deve pagar;

II - a importância exata a pagar;

III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.

§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:

I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;

II - a nota de empenho;

III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.

(...)

Art. 64. A ordem de pagamento é o despacho exarado por autoridade competente, determinando que a despesa seja paga.

Parágrafo único. A ordem de pagamento só poderá ser exarada em documentos processados pelos serviços de contabilidade.

Art . 65. O pagamento da despesa será efetuado por tesouraria ou pagadoria regularmente instituídos por estabelecimentos bancários credenciados e, em casos excepcionais, por meio de adiantamento.

Interpretando as principais expressões contidas na lei temos, na lição de

Valdecir Pascoal:

Pagamento é o ato pelo qual o Estado faz a entrega do numerário correspondente, recebendo a devida quitação.

(...)

A ordem de pagamento só poderá ser consignada em documentos processados pelos serviços de contabilidade do órgão.

(grifo nosso)

(Direito Financeiro e Controle Externo. Niterói: Impetus, 2002. P. 72)

No âmbito do Estado de Rondônia, vigorava, à época dos fatos, a Resolução

Administrativa n. 003, editada pelo Tribunal de Contas que, em seu art. 50, § 2°,

prescrevia:

O pagamento de despesas, obedecidas as normas que regem a execução orçamentária, far-se-á, quando possível, mediante ordem bancária ou cheque

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

58

nominativo, contabilizado pelo órgão competente e obrigatoriamente assinado pelo ordenador de despesa e pelo encarregado do setor fi nanceiro.

Ainda no âmbito estadual, vigorava a Resolução n. 031, da Secretaria da

Fazenda que, no art. 3° estabelecia:

O pagamento de vencimentos, salários, proventos e vantagens aos servidores do Estado será feito por meio de crédito em conta corrente credenciado pelo Estado, mediante a entrega das listagens a ser creditada a cada um e a correspondente ordem bancária, pelo valor global dos créditos.

Tem-se que o sistema de execução das despesas públicas, compreendendo

desde a fase de empenho, passando pela liquidação e chegando ao pagamento,

encontra-se regulado pelas normas gerais da Lei Federal n. 4.320/1964, diploma

com o qual as normas estaduais e municipais devem guardar compatibilidade.

Afi rma o denunciado Natanael, em sua defesa, que o art. 50, § 2°, da

Resolução Administrativa n. 003, editada pelo Tribunal de Contas Estadual,

prescreve que o pagamento de pessoal somente será realizado por meio de

cheque nominativo ou ordem bancária, quando estas opções mostrarem-se

possíveis.

Entendo, contudo, que tal raciocínio não subsiste a uma interpretação

sistemática das regras de controle da despesa pública.

A versão apresentada pelos denunciados Natanael (ex-Secretário Estadual

de Saúde e ex-gerente do banco estadual de Rondônia) e Francisco Pordeus

(responsável direto pela gestão do departamento fi nanceiro da Assembléia

Legislativa do Estado de Rondônia, ex-funcionário do Banco do Brasil e

consultor fi nanceiro, não pode ser crível, como constatado pela testemunha de

defesa Swamy Hatzinakis - fl . 1.169). Para ela a experiência de ambos no trato

com fi nanças e com a coisa pública, não poderia confundí-los, pois contraria

visivelmente o estabelecido nos arts. 63, 64 e 65 da Lei Federal n. 4.320/1964.

A opção adotada pelos agentes públicos, emissão de cheque nominal

endossado, tornando-o ao portador, para pagamento de despesa pública,

confi gura pagamento de despesa sem anterior liquidação e desprovida de ordem

de pagamento, exarada por serviço de contabilidade (providência necessária, nos

termos do art. 64 da Lei n. 4.320/1964), é condenável de qualquer ângulo que se

analise, ocasionando a quebra do controle da despesa pública.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 59

O procedimento para realização da despesa pública foi concebido com o

escopo de propiciar o controle efetivo na gestão do erário e deve ser estritamente

obedecido, sob pena de responsabilização do agente público responsável. Afi nal,

a realização de gastos com pessoal deve seguir estritamente o princípio da

legalidade e o trâmite estabelecido em lei, viabilizando o exercício da fi scalização

por parte do órgão competente, comprovando a Administração o cumprimento

do seu dever de remunerar o trabalho dos funcionários.

Ressalvo que, em razão da existência da Resolução n. 003 do Tribunal de

Contas do Estado de Rondônia, admitir-se-ia a viabilidade do pagamento da

folha de comissionados mediante a emissão de cheque nominativo, mas jamais

por meio de pagamento em dinheiro, passando pela empresa de propriedade do

Presidente da Assembléia. O proceder descrito na denúncia e confi rmado pelos

próprios denunciados, além de não ter respaldo legal, prejudica a constatação do

devido emprego da verba, para o fi m específi co de pagamento de pessoal.

Ademais, constata-se que os denunciados não carrearam para os

autos documento comprobatório de que o montante sacado foi empregado

efetivamente para pagamento dos comissionados.

Para os denunciados só seria possível a acusação se demonstrado, por

meio da quebra do sigilo bancário, que o valor sacado da conta da Assembléia

Legislativa tenha sido creditado em alguma das contas em nome dos réus.

Revela-se pertinente o fato de não haver nos autos nenhum recibo de

quitação fornecido pelos comissionados ao receberem os seus salários

pessoalmente, nem tampouco restou provado por qualquer outro meio, sequer

por testemunha.

O denunciado Natanael apenas suscitou, quando das alegações fi nais,

estar sendo perseguido pelo Ministério Público. Disse textualmente: “desde

a sua posse no cargo de Presidente da Assembléia Legislativa (ocorrida no

dia 1º.02.2001), passou a sofrer perseguição por parte do Ministério Público

Estadual”. Chegou a dizer Natanael que os recibos de pagamento dos

comissionados e assim identifi cados foram apreendidos pelo MP que os reteve

em seu poder, sem juntar aos autos para persegui-lo.

Entendo que, para identifi cação dos tais “servidores fantasmas”, havia

outros meios mais simples e efi cazes. Sendo bastante o recadastramento dos

servidores comissionados lotados na Assembléia.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

60

É também estranho que tenham os denunciados escolhido um sábado para efetuarem o pagamento, dia que não há expediente normal nos órgãos públicos.

No que tange à alegada retenção dos documentos por parte do Ministério Público, verifica-se que todo o material apreendido na primeira etapa da diligência, realizada no prédio da Assembléia Legislativa, foi devolvido (doc. de fl . 55 do Apenso I).

Ademais, se cotejadas as afi rmações constantes das declarações de Natanael com as de Francisco Pordeus, vamos encontrar diversas contradições, o que torna vulneráveis as versões fáticas fornecidas por ambos. Vejamos.

Sobre a imputação do delito de peculato-apropriação ora examinada, tem-se que o denunciado Natanael, quando interrogado em Juízo (fl . 622-623),

afi rmou:

“...que ao assumir a Presidência da Assembléia Legislativa em 1° de fevereiro de 2001, já tinha a informação de que na Assembléia havia a chamada folha de pagamento paralela, na qual fi guravam nomes que não eram de servidores comissionados da Casa;

(...)

que então combinou com seu diretor fi nanceiro, Francisco Pordeus de fazerem um enxugamento na folha, sacando os valores correspondentes à mesma e efetuando os pagamentos a cada um dos comissionados, pessoalmente; que então no dia 16 de fevereiro, para uma folha de mais ou menos R$ 1.200.000,00, o interrogado determinou o saque do valor indicado na denúncia, ou seja R$ 601.315,00; que este cheque foi sacado e o valor entregue à empresa de segurança Transeguro, para ser guardado até que fosse feito o pagamento; que então pensou o interrogado em resolver o problema pegando o dinheiro sacado e que estava na posse da Transeguro; que o dinheiro fi cou guardado naquela empresa, porque embora não fosse possível fazer rapidamente um contrato da empresa com a Assembléia, o interrogado pediu para que a funcionária de sua empresa, de nome Irene, usasse o contrato que a empresa tinha com a Transeguro e desta forma, poderia ser feita a guarda do numerário; que no dia seguinte, no sábado mesmo, o dinheiro foi entregue na Dismar porque o contrato só dava cobertura do transporte da Transeguro para a Dismar e da Dismar para a Transeguro; da Dismar, o interrogado ordenou fosse levado o dinheiro para a Assembléia, e no sábado mesmo, iniciou o pagamento, pois muitos servidores estavam ansiosos por receber, eis que já estava atrasado o pagamento, pois, se referia à folha do mês de janeiro. Que, inclusive, no dia 19, segunda-feira, verificou-se a necessidade de complementação, sendo então feito o saque de mais um cheque no valor de R$ 179.000,00 mais ou menos; que com esta sistemática a folha, ao fi nal, foi de aproximadamente R$ 780.000,00 para uma previsão de R$ 1.250.000,00;

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 61

(...)

que reconhece o interrogado que não fez a coisa certa, mas a sua inexperiência no serviço público o levou a agir da maneira que lhe pareceu mais rápida e efetiva; que a sua inexperiência era na área fi nanceira, pois só trabalhara em banco e antes de ser Presidente da Assembléia, fora Secretário de Saúde, tendo alguma experiência burocrática, mas não fi nanceira;

Francisco de Oliveira Pordeus, no interrogatório judicial asseverou (fl . 812-

813):

que confirma o depoente ter emitido juntamente com Natanael José da Silva, em nome da ALE/RO o cheque no valor de R$ 601.315,00 (seiscentos e um mil, trezentos e quinze reais), em favor da própria ALE/RO, na data de 16.02.2001, em uma sexta-feira; que na mesma data da emissão do cheque o interrogando esteve na agência no banco Sudameris e efetuou o saque daquela quantia retendo consigo a importância em dinheiro de R$ 1.315,00 (mil e trezentos e quinze reais), sendo que os restantes R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) foram entregues à empresa de transportes de valores Transeguros para que conduzisse aquele montante em dinheiro até o estabelecimento da empresa Dismar, Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda; que o transporte do montante de R$ 600.000,00 do banco ao estabelecimento da empresa Dismar através da fi rma de transporte de valores Transeguros, ocorreu na mesma data que o interrogando esteve no banco para sacar o dinheiro, ou seja, 16.02.2001; que esclareceu o interrogando que na época a ALE/RO estava sem segurança para guardar a quantia antes mencionada e que o Presidente da ALE resolveu deixar aquele montante na empresa Dismar, porque esta fi rma tinha contrato com a empresa transp. de valores Transeguros e que a ALE não possuía contrato de prestação daquele serviço; que o valor de R$ 600.000,00 se destinava ao pagamento de servidores comissionados da ALE; que não sabe informar quanto eram aqueles servidores; que o interrogando destinou a quantia de R$ 1.315,00 juntamente com os R$ 600.000,00 para pagamento da folha alusiva aos servidores comissionados da ALE/RO; que o pagamento dos servidores comissionados ocorreu no prédio da ALE/RO, num sábado, dia 17.02.2001; que não se recorda do horário que esteve na agência bancária para sacar o cheque de R$ 601.315,00 sabendo dizer ter sido durante o horário de atendimento ao público; que a ALE/RO resolveu efetuar o pagamento dos servidores comissionados e apurar a existência de servidores “fantasmas”; que sabe informar que houve constatação da existência de servidores “fantasmas” não sabendo informar quantos; que não sabe precisar quanto, mas sabe dizer que sobrou dinheiro daquele montante destinado ao pagamento de servidores comissionados que ocorreu no sábado, 17.02.2001; que sabe informar que o valor antes referido, que sobrou do montante destinado ao pagamento dos servidores comissionados retornou à conta da ALE/RO por meio de depósito bancário;

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62

(...)

que estava presente no momento em que o pagamento estava sendo efetuado além do interrogando, o presidente da ALE, ora acusado Natanael, e quatro funcionários da ALE, não se recordando quais eram tais funcionários.

(...)

que não tem recordação de que tenha havido demissão de servidores fantasmas;

que antes de fevereiro de 2001, os servidores comissionados da ALE recebiam o salário depositado em contas bancárias;

que nos meses de março, abril, maio e junho, os pagamentos não mais foram feitos em espécie, passando a serem feitos por meio de depósito bancário, da mesma forma que os demais servidores efetivos;

Decompondo-se e cotejando os dois textos podemos destacar os desacertos

seguintes:

1a) enquanto Natanael afi rma que o valor arrecadado com o saque do cheque

de R$ 601.315,00 não foi sufi ciente para cobrir a folha de comissionados do mês

de janeiro de 2001, tendo sido necessário a emissão de outro cheque no valor de R$

179.000,00;

b) o acusado Francisco Pordeus alegou que sobrou dinheiro do montante

sacado com a emissão do cheque de R$ 601.315,00, quantia essa que, segundo

Francisco, teria sido devolvida aos cofres da Assembléia, fato não comprovado com

a quebra do sigilo bancário.

Verifi ca-se, portanto, que os denunciados não estão acordes, sequer com

a quantia sacada, o que contribui para demonstrar a insubsistência da tese de

defesa.

2) o denunciado Francisco alegou não ter tido notícia de que tenha havido

demissão de supostos servidores “fantasmas”, dado relevante para a aferição da

autoria do delito de peculato ora examinado, já que demonstra a insubsistência

da tese de defesa dos acusados Natanael e Francisco de que o pagamento

realizado com a presença dos servidores foi levado a termo com o escopo de

expungir do quadro da Assembléia os comissionados “fantasmas”.

Ora, caso fosse crível que o saque da quantia de R$ 601.315,00, da conta da

Assembléia Legislativa, tivesse sido efetuado com o fi m de expungir da folha de

comissionados os servidores “fantasmas”, seria razoável e até mesmo necessário,

como decorrência lógica do princípio da moralidade, que Natanael, na qualidade

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 63

de Presidente da Casa e responsável pela idéia de emissão do referido cheque,

houvesse determinado a instauração de processo administrativo para demitir os

tais servidores que não compareceram no sábado, dia 17.02.2001 (consigno que

até mesmo o dia escolhido pelos denunciados para efetuar o pagamento dos

comissionados não contribui muito para a acolhida da tese de defesa).

3) outro fato que corrobora a veracidade da acusação, esvaziando a tese

da defesa advém da análise da folha de comissionados da Assembléia Legislativa,

referente ao mês de janeiro de 2001, juntada às fl . 710-836 do Apenso n. III,

documento apreendido na primeira etapa da diligência de busca e apreensão

realizada no prédio da Assembléia Legislativa, arrecadado pelo Ministério

Público. Pelo documento a folha não passou de R$ 299.327,81 (duzentos e

noventa e nove mil, trezentos e vinte e sete reais e oitenta e hum centavos),

quantia bem inferior ao cheque que deu causa ao oferecimento da denúncia

e mais baixo ainda do valor de R$ 1.200.000,00 (hum milhão e duzentos mil

reais), montante que segundo Natanael era o valor da folha comissionada para

janeiro de 2001. Assinale-se que nos meses seguintes as folhas não passaram

de quatrocentos mil reais (fevereiro - R$ 330.835,83 (fl . 838-964); março - R$

357.509,79 (fl . 970-1.112)), valor infi nitamente menor do que os indicados por

Natanael.

4) outro ponto de discordância entre os denunciados merece destaque. No

interrogatório a denunciada Irene Becaria disse o seguinte:

Quando o dinheiro chegou na empresa Dismar só estava presente no local da tesouraria, onde o dinheiro foi entregue, a interroganda. Após concluído o procediemnto de entrega de valores, a interroganda ligou para o denunciado Natanael, informando que o dinheiro já estava na empresa e que o mesmo poderia vir retirá-lo. Depois de alguns minutos a interroganda se recorda que o denunciado Natanael e Francisco Pordeus estiveram na tesouraria da empresa Dismar para pegar a quantia que havia sido transportada pela empresa Transeguro. A interroganda não sabe informar o que foi feito com o dinheiro a partir desse momento.

(fl . 660)

Entretanto Natanael afirma, no interrogatório, ter ordenado que o

dinheiro fosse transportado da empresa Dismar para a Assembléia Legislativa,

a denunciada Irene af irma que tanto Natanael quanto Francisco Pordeus

compareceram pessoalmente à sede da Dismar no sábado e levaram o dinheiro

público consigo;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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5) revela-se, ainda, incoerente a alegação da defesa de que o dinheiro sacado

da conta da Assembléia Legislativa foi transportado pela empresa Transeguro sob

o argumento de que esta empresa preservaria com segurança a verba pública.

Ora, caso fosse esse o objetivo dos denunciados Natanael e Francisco, por que então, após a entrega do valor na Dismar, não cuidaram de realizar o transporte da verba pública, sem qualquer segurança, para a sede da Assembléia Legislativa?

Seria mais apropriado que tivessem feito, pessoalmente, o transporte do montante da sede da Transeguro diretamente para a sede da Assembléia Legislativa, sem passar pela sede da empresa Dismar, da qual Natanael é sócio majoritário.

Pelos fatos aqui demonstrados e pelos indícios reunidos na instrução, tenho por comprovados os fatos descritos na denúncia envolvendo os denunciados Natanael José da Silva e Francisco de Oliveira Pordeus.

Sobre a validade da microfi lmagem de cheque como prova material de delito, confi ra-se o teor do art. 1°, § 1°, da Lei n. 5.433/1968 (diploma que

regula a microfi lmagem de documentos):

Art. 1º É autorizada, em todo o território nacional, a microfilmagem de documentos particulares e ofi ciais arquivados, êstes de órgãos federais, estaduais e municipais.

§ 1º Os microfi lmes de que trata esta Lei, assim como as certidões, os traslados e as cópias fotográfi cas obtidas diretamente dos fi lmes produzirão os mesmos efeitos legais dos documentos originais em juízo ou fora dêle.

A tese da defesa de que o valor de R$ 601.315,00 foi sacado para fazer

frente à folha de comissionados da Assembléia Legislativa referente ao mês

de janeiro de 2001 não encontrou guarida na prova produzida na instrução

criminal. Pelo contrário, confrontados os interrogatórios prestados pelos

denunciados restou demonstrada a existência de contradições sobre fatos que

deveriam mostrar-se indene de dúvidas, tal como a sufi ciência do valor sacado

para cobrir a despesa com os comissionados.

Sobre a tese de que a prova indiciária fundamenta a condenação, Adalberto

José Aranha preceitua:

Embora não leve à certeza, a jurisprudência tem admitido a condenação quando a prova indiciária for veemente ou então quando várias pequenas circunstâncias sejam concordes até em detalhes.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 65

(...)

Por indício veemente entende-se aquele que, dada a sua natureza, permite razoavelmente afastar todas as hipóteses favoráveis ao acusado.

(Da prova no Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. P. 213)

Nesse sentido, Marcellus Polastri Lima afi rma que:

Adotado o principio do livre convencimento e não existindo hierarquia entre as provas no processo penal, a prova indiciária ou circunstancial é válida e prevista no art. 239 do Código de Processo Penal, e, segundo a jurisprudência:

Os indícios integram o sistema de articulação de provas e valem por sua idoneidade e pelo acervo de fatores de convencimento (TACRIM-SP, RJDTACRIM, 7/149).

Assim, perante nosso ordenamento jurídico, a prova indiciária tem o mesmo valor de outras provas e, consoante já alertava Paolo Tonini, perante o direito italiano, “a gravidade dos indícios se atem ao grau de convencimento: são graves os indícios que são resistentes às objeções e, que, portanto, tenham uma elevada persuatividade. Os indícios são precisos quando não são suscetíveis de outras interpretações diversas”.

(Curso de Processo Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P. 195)

A versão apresentada pela defesa revelou-se ainda mais insubsistente quando examinados os pontos controvertidos contidos nos interrogatórios, como destacado acima, sendo importante chamar atenção para fato da maior relevância: não há registro nos autos, ou prova ofi cial, de demissão dos supostos servidores “fantasmas”. Há apenas recortes de jornais colacionados pelo réu Natanael (fl . 1.704-1.717), documentos que não possuem o condão de comprovar a assertiva.

Os indícios reunidos na instrução criminal e a prova produzida em Juízo, de forma convergente, apontam para uma conclusão segura: os denunciados Natanael José da Silva e Francisco de Oliveira Prodeus, utilizando-se das facilidades que seus cargos lhes proporcionavam, apropriaram-se de dinheiro público, cometendo o delito de peculato na modalidade apropriação, capitulado no art. 312, caput, (primeira parte, na forma do art. 29, caput, (concurso de pessoas), ambos do Código Penal.

Em relação à conduta da denunciada Irene Becaria de Almeida Moura, reputo que não há prova suficiente para embasar a sua condenação como partícipe ou co-autora do delito de peculato na modalidade apropriação.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

66

Da prova produzida na instrução criminal, tem-se que a acusada limitou-

se a atuar obedecendo as ordens de Natanael, seu empregador e superior

hierárquico.

Os depoimentos prestados pelos denunciados Natanael, Francisco Pordeus e

Irene afi rmam sem distorção alguma, ser Irene funcionária da empresa Dismar, e

como tal atendeu às ordens de Natanael.

Assim, em razão da ausência de prova ou indício de domínio funcional do

fato por parte da ré e por não ter sido demonstrada nenhuma conduta hábil a

ser enquadrada como espécie de participação moral ou material no delito ora

examinado, carece de base probatória a acusação do delito de peculato praticado

pela denunciada Irene.

SEGUNDO FATO

PECULATO-DESVIO

O Ministério Público imputou ao denunciado Natanael José da Silva a

prática de peculato na modalidade desvio, tipifi cado no art. 312, caput, (segunda

parte), na forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Afi rma que, com a quebra do sigilo bancário da conta da Assembléia

Legislativa do Estado de Rondônia, junto ao banco Sudameris, restou apurado

que, no período de janeiro a abril de 2001, 55 (cinquenta e cinco) cheques

administrativos nominais a pessoas físicas diversas foram sacados, totalizando

R$ 207.855,20 (Apenso V), valor este creditado na conta junto ao Bradesco, de

titularidade da empresa Dismar (Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo

Ltda), da qual o denunciado é sócio majoritário (ordem judicial de quebra do

sigilo bancário da empresa Dismar - fl . 373 e 512/694 do Apenso II).

Assevera o parquet que se constata no verso dos 55 (cinquenta e cinco)

cheques, subscritos por Natanael e Francisco de Oliveira Pordeus, a aposição de

carimbo do Bradesco atestando que os valores consignados nos citados títulos

foram creditados na conta n. 15.550-0, agência 2167, mantida pela Dismar.

Para o Ministério Público, tal fato caracteriza delito continuado pois os

55 (cinquenta e cinco) cheques da Assembléia Legislativa foram emitidos pelo

denunciado Natanael, com o escopo de desviar verba pública para aplicação em

proveito próprio, em continuidade delitiva.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 67

A análise deste fato está inteiramente voltado para a conduta de Natanael

José da Silva, já que apesar de confi gurada, em tese, a prática do delito de

peculato-desvio, por parte de Francisco de Oliveira Pordeus, o Ministério

Público não cuidou de incluir este agente na exordial acusatória quanto a este

acontecimento.

Segundo o parquet, Natanael, em interrogatório judicial, disse que os

cheques nominativos foram subscritos pelo acusado e emitidos pela Assembléia

Legislativa com o fi m de remunerar servidores comissionados e que as ordens

de pagamento foram endossadas pelos benefi ciários e por eles trocadas na

Dismar, estabelecimento de grande porte na cidade de Porto Velho-RO e que,

por isso mesmo, está acostumado a realizar esse tipo de operação. Eis a palavra

do denunciado:

que embora o Ministério Público afi rme que, dos 55 cheques, 5 são de pessoas que disseram não terem recebido o valor da ordem de pagamento. Nos próprios autos, além dos 5 nomes, mais 3 depoimentos afi rmam que foram de pessoas que receberam os valores indicados nos cheques, fatos este que não veio a ser objeto de manifestação do Ministério Público; que, ao contrário, o Ministério Público indica estes 3 depoimentos como sendo de pessoas que não reconheceram o pagamento; que estes cheques foram recebidos pelos próprios favorecidos no mês de março e abril, na empresa do interrogado; que inclusive é possível obter da Assembléia os documentos referentes aos recibos de pagamento; que a empresa do interrogado tem por hábito trocar cheques com pessoas conhecidas que procuram para este fim, inclusive na relação dos 55 nomes, interrogado identifi cou 2 nomes como sendo de seus motoristas, que receberam pagamentos referentes a diárias e tendo de viajar e estando os bancos fechados, procuraram trocar esses cheques na empresa do interrogado;

(fl . 621)

Sobre este específi co fato, troca dos cheques dos comissionados na Dismar,

disse Irene Becaria de Almeida Moura, quando interrogada em Juízo:

A interroganda esclarece que é comum a empresa Dismar trocar cheques de terceiros, uma vez que esse procedimento de certa forma dá maior segurança aos valores que ficam guardados no caixa da empresa. A interroganda esclarece, outrossim, que esse procedimento não é realizado com qualquer pessoa; depende da origem dos cheques; é preciso que o mesmo seja bom. Em razão desse procedimento a interroganda afi rma que alguns cheques emitidos pela Assembléia Legislativa foram descontados na sede da empresa Dismar.

(fl . 660)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Para este episódio sustenta a defesa duas razões que justifi cam o agir de

Natanael:

a) os cheques nominativos foram emitidos pela Assembléia Legislativa

com o fi m de remunerar servidores; b) a só juntada de cópias dos cheques não

se mostra sufi ciente para servir de prova material ao delito imputado (fl . 159-

268), porque inviabilizada a aferição da regularidade dos endossos, os quais

demonstrariam a insubsistência da acusação formulada.

Entendo que nesse tópico, algumas premissas devem ser fi xadas acerca da

validade e da sufi ciência da prova.

Os cheques têm as cópias constando dos autos (fl s. 159-268 do Apenso I)

e por elas verifi ca-se terem sido creditados todos os cheques na conta 15.550-0,

agência 2167, do Bradesco, de titularidade da Dismar, fato aliás confi rmado pelo

denunciado, mas criando como desculpa objetivo inteiramente inverossímil: os

cheques foram creditados na conta da Dismar porque os servidores procuraram

a Dismar para trocar os cheques por dinheiro. Daí os endossos em todas as

ordens de pagamento.

Após apresentar a sua justifi cativa, volta-se o denunciado contra o processo

para dizer que a prova produzida nos autos não é sufi ciente para condena-lo por

peculato-desvio, eis que só seria possível aceitar a versão do Ministério Público

por meio de perícia grafotécnica nos endossos apostos nos versos dos cheques,

providência necessária para comprovar que as assinaturas foram apostos pelos

servidores cujos nomes constam nos cheques.

A tese é inteiramente inacreditável. Afinal, em meio a tantos

estabelecimentos existentes na cidade de Porto Velho-RO, exatamente os

55 (cinquenta e cinco) cheques emitidos irregularmente foram todos, sem

exceção, trocados no mesmo dia, um sábado, na empresa de propriedade do

então Presidente da Assembléia Legislativa? Entendo que não há prova hábil a

autorizar a conclusão.

Muito embora não tenham sido periciadas as assinaturas dos endossos,

nem haja perícia afi rmando a falsidade de qualquer delas, da análise das provas

produzidas na instrução tem-se que, pelo menos parte dos mencionados

cheques foram, de fato, utilizados pelo denunciado como meio de desvio de

dinheiro público em seu benefício. E para chegar-se a essa conclusão revela-se

desnecessária a realização de perícia grafotécnica nos mencionados títulos.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 69

Colhe-se da prova testemunhal muitas das conclusões. Por exemplo,

prestou depoimento em Juízo Elianio de Nazaré Nascimento, beneficiado

pelo cheque de fl . 191-192 do Apenso I (emitido no valor de R$ 3.154,07),

oportunidade em que afi rmou:

que, ao tempo dos fatos, era servidor comissionado da Assembléia Legislativa, assessor de imprensa, diretamente vinculado ao Presidente, primeiro réu; que recebia valores mensais da Assembléia, no valor de R$ 3.000,00; que recebia em cheques;

(...)

que o valor relativo ao cheque foi realmente recebido pelo depoente, mas, não endossou o cheque, repassando-o diretamente ao primeiro réu, em pagamento a uma dívida, contraída para aquisição dum veículo Palio; que não sabe quem tenha endossado aquele cheque;

(fl . 917)

Gerson Barbosa Costa (benefi ciado pelo cheque de R$ 3.154,07 - fl . 193-

194 do Apenso I) declarou que:

...trabalhava na assessoria de imprensa da Assembléia Legislativa local; que portanto, recebia um pagamento mensal de cerca de R$ 2.500,00 a R$ 3.000,00; que recebia os pagamentos mensais das mãos do primeiro acusado, em cheque, não se recordando qual ou quais bancos era sacados; que os pagamentos eram feitos com atraso; que comparecia, diariamente, à Assembléia Legislativa; que seu sócio de empresa Elianio de Nazaré do Nascimento também era funcionário de Natanael; que quase todos os jornalistas nesta capital trabalhavam para o primeiro réu, enquanto Presidente da Assembléia Legislativa; que havia uns dez ou mais jornalistas custeados por ele;

(fl . 919)

Luciana do Carmo Becker, benefi ciada com o cheque de R$ 3.879,07 (fl .

165-166 do Apenso I) afi rmou em Juízo:

que, há cerca de quatro anos atrás, trabalhou da Assembléia Legislativa local, era ondontóloga; que cumpria jornada fi xa, das 14h00 às 18h00, todos os dias;

(...)

que seu salário girava entre R$ 2.000,00 a R$ 3.000,00; que o cargo era comissionado;

(...)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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que de fato, não recebeu o valor de R$ 3.879,07, representado pelo cheque 5066; que, porém, depois de prestar aquele depoimento, em casa, conversando com seu marido Valdir Tschursthentaller Costa, ele lhe afi rmou da prestação dum serviço à Assembléia Legislativa, não especificando qual a natureza, razão do recebimento daquele valor; que ele não informou o porquê do nome da depoente constar do cheque; que o marido da depoente, à época, era repórter cinematográfi co, também prestava serviços para a Assembléia Legislativa, não sabendo se regularmente;

(fl . 1.424-1.425)

Confrontados os nomes dos depoentes acima mencionados com a folha de comissionados da Assembléia Legislativa nos meses de janeiro a abril de 2001 (docs. de fl . 711 do Apenso III às fl . 1.258 do Apenso IV), observa-se que apenas o nome de Elianio de Nazaré Nascimento fi gura como servidor comissionado da Casa Legislativa e, mesmo assim, do doc. de fl . 1.156 extrai-se que este recebia o valor de R$ 623,00 a título de remuneração, valor bem abaixo do que consta no cheque a ele atribuído.

Assim, mesmo sem adentrar na questão da regularidade dos endossos, verifi ca-se que ao menos 02 (dois) dos 55 (cinquenta e cinco) cheques citados na denúncia podem até ter sido emitidos pelo denunciado Natanael com o fi m de remunerar o trabalho de jornalistas, mas não fi guravam eles na folha de pagamento da Assembléia. Poderiam ser até custeados pela Assembléia, mas estavam a serviço pessoal do denunciado, então Presidente da Casa.

Demonstrado, portanto, o desvio de verba pública em proveito do denunciado, desnecessária torna-se a apuração da autenticidade dos endossos.

Cezar Roberto Bittencourt conceitua o peculato-desvio da seguinte forma:

Nesta fi gura - peculato-desvio- não há o propósito de apropriar-se, que é identifi cado como o animus rem sibi habendi, podendo ser caracterizado o desvio proibido pelo tipo, com simples uso irregular da coisa pública, objeto material do peculato. Ao invés do destino certo e determinado do bem de que tem a posse, o agente lhe dá outro, no interesse próprio ou de terceiro. O desvio poderá consistir no uso irregular da coisa pública.

(Tratado de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2009. P. 13-14

Sobre a sufi ciência das cópias dos cheques apresentadas pelo parquet como

prova material do delito, confi ra-se o seguinte precedente desta Corte:

Habeas corpus. Atentado violento ao pudor. Crime praticado contra menor de 14 anos.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 71

I - Documento comprobatório da idade. Necessidade de autenticação. Matéria não suscitada no momento oportuno. Prova incontestada.

Embora à prova da idade da vítima por meio de certidão se exija, em princípio, selo de autenticidade, isso não quer dizer que a cópia não autenticada do mesmo documento não sirva a tal intuito quando se percebe que contra ela inexiste contestação nos autos, bem assim, os fatos nesse sentido restaram incontroversos.

(...)

VI - Ordem prejudicada quanto à progressão e denegada quanto ao mais.

(HC n. 66.579-SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19.05.2009, DJe 08.06.2009)

Sobre o tema, trago a doutrina de Guilherme de Souza Nucci, em

comentários ao art. 232, parágrafo único, do Código de Processo Penal:

Fotografi a do documento: é a fotocópia (xerox), hoje, amplamente utilizada por todos para reproduzir um documento original. Almeja o Código de Processo Penal que ela seja autenticada, isto é, reconhecida como verdadeira por agentes do serviço público, conforme fórmula legalmente estabelecida. Não se veda, no entanto, a consideração de uma fotocópia como documento, embora preceitue a lei que ela não terá o mesmo valor probatório do original. Ao juiz cabe a avaliação da prova, tornando-se a fotocópia livre de controvérsias se, juntada por uma parte, não tiver sido impugnada pela outra.

(Código de Processo Penal Comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2004. P. 461)

Nesse diapasão, colaciono a lição de Heráclito Antonio Mossin:

Embora a jurisprudência somente tenha reconhecido o valor probante ao documento reproduzido mecanicamente quando autenticado, a verdade é que, não havendo protesto da parte contrária quanto à não-autenticação desse documento constante dos autos, deve ele prevalecer como prova válida, uma vez que aquele sujeito da relação jurídico-processual a tem como tal. Nesse caso, o rigorismo da formalidade deve ser substituído pelo modo às vezes prático da busca da verdade real.

Comentário ao Código de Processo Penal. São Paulo: Manole, 2005. P. 484)

Da leitura das peças de defesa apresentadas pelo acusado Natanael e do

interrogatório por ele prestado em Juízo, defl ui-se que em nenhum momento

foi negada a autoria da assinatura aposta nos cheques acostados às fl . 159-268

tampouco contestou Natanael a autenticidade das cópias constantes dos autos.

Ao contrário, confi rmou o denunciado ter emitido as ordens de pagamento com

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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o fi m de remunerar servidores da Assembléia e que estes, mediante endosso, trocaram os cheques na Dismar.

Demonstrada a materialidade do delito, pela prova coletada na instrução tem-se que o réu Natanael José da Silva, em continuidade delitiva, emitiu pelo menos 02 (dois) cheques (datados de março e abril de 2001), para com eles desviar verba pública em prol do atendimento de interesses próprios (remunerar jornalistas por ele contratados e pagos com dinheiro da Assembléia Legislativa).

Nesse ponto não tenho dúvida em afi rmar haver nos autos prova sufi ciente

da autoria e da materialidade do delito praticado, como demonstrado.

TERCEIRO FATO

COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO JUDICIAL

Segundo o Ministério Público, com o fi m de assegurar a ocultação de outro crime, foi cometido mais um delito, este tipifi cado no artigo 344, c.c. o artigo 61, II, b, do Código Penal.

Entendo oportuno traçar um breve resumo histórico do que ocorreu no dia 1º.06.2001, data em que Ofi ciais de Justiça, Promotores de Justiça, Ofi ciais do Ministério Público, 02 (dois) agentes da Polícia Civil e 01 (um) Delegado da Polícia Civil) dirigiram-se à sede da Assembléia Legislativa para cumprir ordem judicial de busca e apreensão.

Como registra o doc. de fl . 43-44 do Apenso I, a diligência foi dividida em 02 (duas) etapas. Na primeira os executores do mandado compareceram ao prédio da Assembléia Legislativa e apreenderam os documentos mencionados no auto de apreensão de fl . 45-47 do Apenso I (dentre estes as folhas de comissionados da Assembléia dos meses de janeiro a abril de 2001 - Lote 14 de fl . 46).

À tarde, quando os executores do mandado retornaram ao prédio para cumprir a segunda etapa da diligência, o denunciado Natanael, avisado da apreensão antecedente, retornou do interior do Estado onde estava em viagem (fato confi rmado no interrogatório prestado pelo réu, ouvido neste STJ - fl . 625) e impediu a conclusão dos trabalhos, inviabilizando a retirada dos documentos do prédio.

Expostos os fatos narrados em certidão exarada por Ofi ciais de Justiça (fl . 43-44 do Apenso I) e corroborada por diversos depoimentos constantes dos autos, passo a analisar as provas quanto a esta acusação.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 73

O Ministério Público imputou ao denunciado Natanael José da Silva

a prática do delito de coação no curso do processo, tipifi cado no art. 344 do

Código Penal c.c. o art. 61, II, b (para facilitar ou assegurar a execução, a

ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime), do Código Penal.

A diligência de busca e apreensão na sede da Assembléia Legislativa visava

arrecadar provas para a constatação do cometimento dos delitos de peculato,

praticados pelos denunciados Natanael e Francisco Pordeus, como já descrito

acima, como fato dois. A diligência foi autorizada pelo Juízo da Vara da Fazenda

Pública da Comarca de Porto Velho-RO, determinando a busca e apreensão

de equipamentos, cd´s, fi chas, documentos e demais itens aptos a guardar

informações relacionadas com o setor de pagamento de pessoal da Assembléia,

especialmente o que estivesse relacionado com os servidores comissionados no

período de janeiro a abril de 2001 (fl . 28-33 do Apenso n. 1).

Consignou o juiz na sua decisão, que a diligência deveria ser levada a termo,

com a presença de 02 (dois) Ofi ciais de Justiça, representantes do Ministério

Público e Delegados da Polícia Civil (fl . 34-36). Informa a certidão de fl . 43-

44 do Apenso I, datada de 02.06.2001, que os Ofi ciais de Justiça, incumbidos

de realizar a diligência, foram acompanhados pelos Promotores de Justiça

Aidee Maria Moser e Rodney Pereira de Paula, por um Delegado de Polícia

Civil, 02 (dois) agentes de polícia, contador do Ministério Público e técnicos

de informática. Segundo registra a mesma certidão, dirigiram-se os agentes ao

setor de recursos humanos da Assembléia Legislativa, o qual foi aberto, sem

qualquer resistência, com o auxilio de chaveiro. Iniciada a execução do mandado,

os ofi ciais apreenderam e lacraram documentos úteis à investigação, realizando

o depósito junto à sede do Ministério Público estadual.

À tarde, ao retornarem, como consta da certidão, chegaram a realizar

nova apreensão de documentos, tendo sido devidamente encaixotados, mas por

volta das 18:00h, quando da chegada do Presidente da Assembléia Legislativa

ao local, a energia do prédio foi cortada, tendo sido iniciada, segundo relato

dos Ofi ciais de Justiça, a prática de uma série de atos abusivos por parte do

denunciado Natanael José da Silva.

Afi rma o parquet que Natanael, auxiliado por policiais militares e agentes

de segurança da Assembléia Legislativa, proferiu ameaças e utilizou de força

física para obstar a execução da ordem.

Segundo registra a denúncia, o incidente tomou grandes proporções

pela completa inação do Comando Geral da Polícia Militar que, embora

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avisado por telefone, omitiu-se inteiramente. O máximo que se obteve foi

o comparecimento, ao local, de uma guarnição comandada pelo Tenente

André Roberto de Azevedo, único policial que tentou preservar a legalidade

e o cumprimento da ordem judicial. Porém, afi rma o parquet, que este agente

policial foi impedido pela força dos demais colegas, inclusive do Coronel da

Polícia Militar Reinaldo Guimarães de Figueiredo, chefe da Assessoria Militar da

Assembléia, o qual orientou o Tenente Azevedo, dizendo-lhe: “levar em banho-

maria, porque ao fi nal poderia sobrar para ele, Tenente”.

Em sua defesa, o denunciado Natanael alega que se opôs ao cumprimento

da ordem de forma pacífi ca, argumentando que a busca e apreensão somente

poderia ser concedida pelo Tribunal de Justiça. Esta versão é corroborada pela

testemunha de defesa Celso de Oliveira Souza, então deputado estadual:

Quando o Presidente chegou na assembléia passou a questionar a legalidade da ordem judicial, condicionando seu cumprimento a iniciativa do Procurador-Geral de Justiça e da determinação do desembargador.

(...)

O presidente se interpôs ao cumprimento do mandado até que satisfeita a legalidade da diligência. Entretanto, não o vi ameaçar ou agir com truculência, conforme já disse.

(fl . 1.118)

Segundo o réu, o Ministério Público Estadual estava empenhado em

persegui-lo em razão da instauração de uma CPI para apurar a venda de terras

irregulares por parte de Amadeu Machado, Conselheiro do Tribunal de Contas

do Estado, político de infl uência em Rondônia, com o qual o Promotor Abdiel

Ramos mantinha estreitos vínculos de amizade (interrogatório prestado pelo

denunciado às fl . 626-627).

Esta afi rmação de Natanael é confi rmada pelo Senador Valdir Raupp,

testemunha arrolada pela defesa que asseverou:

entretanto tomou conhecimento por ouvir dizer do episódio da invasão da Assembléia Legislativa; que este episódio segundo lhe chegou ao conhecimento foi provocado por fatos políticos antecedentes e que podem assim ser resumidas pela testemunha: o Sr. Amadeu Machado foi e é político de importância e infl uência no Estadio, tendo participação da instalação do Estado; que entretanto viu-se envolvido em denúncias sobre vendas de terras ao Estado, que ensejou a abertura de uma CPI, sob o comando do Deputado Chico Paraíba; que estes fatos não são desconhecidos da testemunha porque a testemunha tendo sido

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 75

governador de Rondônia de 95 a 99, vivenciou a efetiva infl uência do Sr. Amadeu Machado no Estado; que o promotor Abdiel Ramos, e que parece foi membro do Ministério Público que atuava no processo que levou à invasão da Assembléia, tinha ligações com o Sr. Amadeu Machado, porque inclusive, antes de ingressar no Ministério Público, parece que foram sócios de escritório; que esta motivação política levou a uma drástica invasão da Assembléia pelo Ministério Público e pelos ofi ciais de Justiça, numa operação de busca e apreensão quando poderia ser feito com uma simples requisição à Assembléia.

(fl . 1.071-1.072).

Ivo Scherer, Procurador de Justiça, citado na defesa do réu Natanael, como

membro do Ministério Público, crítico da postura dos executores do mandado

judicial, declarou em Juízo:

que não sabe de tratamento diferenciado, em nível institucional, do Ministério Público em relação ao acusado Natanael José Da Silva quando comparado àquele dispensado ao também então Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Amadeu Machado; que porém Amadeu Machado possuía amizade dentro do Ministério Público; que ele comparecia em eventos sociais do Ministério Público;

(fl . 1.218).

Por sua vez, Gerson Barbosa Costa, testemunha da defesa (jornalista

benefi ciado com um dos cheques citados no tópico da denúncia relacionado

com o delito de peculato-desvio), afi rmou:

que Amadeu Machado tinha uma rixa com Natanael, desconhecendo-lhe a causa; que todos ligados a Natanael eram atacados pelo jornal de Amadeu Machado;

(fl . 920).

Advirto que as investigações não descambaram e nem poderiam para

averiguar da malquerenças ou não do Ministério Público com o denunciado

Natanael, como parece ter sido a intenção da defesa.

Agiu o Ministério Público dentro de sua esfera de atribuição, como

demonstram os arestos colacionados:

O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, pelos agentes de tal órgão, as

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prerrogativas profissionais de que se acham investidos os advogados, sem prejuízo da possibilidade - sempre presente no Estado Democrático de Direito - do permanente controle jurisdicional dos atos praticados pelos promotores de justiça e procuradores da república. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava a nulidade de ação penal promovida com fulcro em procedimento investigatório instaurado exclusivamente pelo Ministério Público e que culminara na condenação do paciente, delegado de polícia, pela prática do crime de tortura.

(HC n. 89.837-DF, rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 20.10.2009).

Penal e Processo Penal. Habeas corpus. Concussão e peculato. Delitos cometidos supostamente por agente público. Dados obtidos em inquérito policial. Busca e apreensão. Ministério Público. Legitimidade para proceder à investigação. Alegação de ofensa aos incisos XI e XII do art. 5º da CF/1988. Inexistência. Lei n. 9.296/1996. Ordem denegada.

1. A teor do disposto no art. 129, VI e VIII, da Constituição Federal, e nos arts. 8º, II e IV, da Lei Complementar n. 75/1993, e 26 da Lei n. 8.625/1993, o Ministério Público, como titular da ação penal púbica, pode proceder às investigações e efetuar diligências com o fi m de colher elementos de prova para o desencadeamento da pretensão punitiva estatal, sendo-lhe vedado tão somente realizar e presidir o inquérito policial.

2. Ademais, o requerimento de busca e apreensão e seu acompanhamento direto pelo Ministério Público, assim como qualquer outro pedido destinado ao esclarecimento dos fatos, se insere no âmbito normal de atuação do Parquet, conforme se depreende da leitura dos arts. 47 e 242 do Código de Processo Penal, não havendo, portanto, que se falar em violação ao princípio da legalidade.

3. No caso, a busca e apreensão foi determinada por autoridade competente, em razão da necessidade de se apurar melhor os fatos investigados em inquérito policial, sendo a diligência cumprida pela Policia Federal, acompanhada pelo Ministério Público do Estado. Não há, portanto, que se falar em ofensa ao princípio constitucional contido no inciso XI do art. 5º da CF/1988.

(...)

8. Habeas corpus denegado.

(HC n. 33.682-PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 16.04.2009, DJe 04.05.2009).

Criminal. HC. Tortura. Concussão. Ministério Público. Atos investigatórios. Legitimidade. Atuação paralela à polícia judiciária. Controle externo da atividade policial. Órgão ministerial que é titular da ação penal. Inexistência de impedimento ou suspeição. Súmula n. 234-STJ. Ordem denegada.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 77

1 - São válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, na medida em que a atividade de investigação é consentânea com a sua fi nalidade constitucional (art. 129, inciso IX, da Constituição Federal), a quem cabe exercer, inclusive, o controle externo da atividade policial.

2 - Esta Corte mantém posição no sentido da legitimidade da atuação paralela do Ministério Público à atividade da polícia judiciária, na medida em que, conforme preceitua o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal, sua competência não exclui a de outras autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. Precedentes.

3 - Hipótese na qual se trata de controle externo da atividade policial, uma vez que o órgão ministerial, tendo em vista a notícia de que o adolescente apreendido pelos policiais na posse de substância entorpecente teria sofrido torturas, iniciou investigação dos fatos, os quais ocasionaram a defl agração da presente ação penal.

4 - Os elementos probatórios colhidos nesta fase investigatória servem de supedâneo ao posterior oferecimento da denúncia, sendo o Parquet o titular da ação penal, restando justifi cada sua atuação prévia.

5 - “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia” (Súmula n. 234-STJ).

6 - Ordem denegada.

(HC n. 84.266-RJ, Rel. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Quinta Turma, julgado em 04.10.2007, DJ 22.10.2007 p. 336).

Faz-se necessário frisar que a ordem de busca e apreensão a ser cumprida

nas dependências da Assembléia Legislativa foi deferida por Juiz de Direito

nos autos de um processo cautelar ajuizado pelo Ministério Público, com o fi m

de investigar irregularidades cometidas por Natanael José da Silva e Francisco

Pordeus, na condução da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia.

Em todo e qualquer Estado Democrático de Direito espera-se que uma

ordem judicial seja cumprida devidamente, sem oposição, senão as juridicamente

admitidas, sendo grave ou melhor gravíssima a atitude de tentar pela força

barrar o cumprimento de uma ordem judicial.

No caso dos autos, restou demonstrado pela prova testemunhal produzida

na instrução criminal que o denunciado Natanael, ao ser avisado de que havia

sido expedida ordem de busca e apreensão a ser cumprida nas dependências da

Assembléia Legislativa, dirigiu-se ao prédio sede onde passou, de forma agressiva,

a opôr-se ao cumprimento do mandado judicial, impedindo a apreensão dos

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documentos, inclusive da folha de pagamento dos servidores comissionados da

Assembléia, dos meses de janeiro a abril de 2001, indispensáveis para provar o

peculato imputado na denúncia.

Sobre o triste episódio foi ouvido o Desembargador Presidente do Tribunal

de Justiça do Estado, Dr. Miguel Monico Neto, que, à época dos fatos, ocupava o

cargo de Promotor de Justiça:

que, ao tempo dos fatos, era Promotor de Justiça, nesta capital; que numa sexta-feira, depois do expediente, recebeu um telefonema dum colega do Ministério Público, Charles; que ele noticiava a respeito dum tumulto na Assembléia Legislativa local; que, na confusão, dois Promotores de Justiça, Rodinei e Aide, estariam presos naquela repartição pública, por ordem do então Presidente da Assembléia Legislativa o réu Natanael José da Silva. que foi ate o local; que nas imediações, observou estarem desligadas as luzes do quarteirão onde se localiza a Assembléia, excluisvamente, já que havia luz no restante da área; que adentrou no recinto, não havia movimento, estava um pouco escuro, mas dava pra ver alguma coia, antes das 19h00min; que se dirigiu à parte dos fundos, onde funciona a parte administrativa daquela repartição; que lá encontrou diversos promotores de Justiça e servidores do Ministério Público, Ofi ciais de Justiça; que se inteirou dos fatos, tomando conhecimento de o tumulto decorrer da tentativa de cumprimento dum mandado de busca e apreensão; que a tentativa de cumpri-lo se iniciara às 15h00min, acompanhando os Ofi ciais de Justiça, promotores de Justiça e Ofi ciais do Ministério Público; que o objetivo era apreender documentos e equipamentos; que, todavia, o cumprimento do mandado fora obstado pelo Presidente da Assembléia Legislativa, o primeiro réu; que a apreensão e a retirada do material foi obstada; que chegou a visualizar a funcionária do MP Angélica, sob o uma caixa de documentos, além do servidor Kléber Perea; que tratou de contactar o Presidente da Assembléia, quem, até então desconhecia; que o encontrou, ele estava armado, cercado por dois seguranças armados ostensivamente; que ele estava nervoso; que argumentou com ele da necessidade de se permitir o cumprimento da ordem judicial; que ele disse que mandado expedido por Juiz de primeiro grau não valia, somente se fosse passado por Desembargador teria validade; que ele falou que o mandado não seria cumprido; que havia um outro deputado estadual Daniel Pereira, a quem Natanael entregara uma arma prateada; que, a certa altura, buscando fazer cumprir a ordem, um segurança armado encostou uma arma de fogo no depoente sem, porém, sacá-la; que, então, refreou seu ânimo; que o então corregedor do Ministério Público, Abdiel Ramos Figueira, este no local; que ele buscava viabilizar o cumprimento da ordem; que ele telefonou, a exemplo de diversos outros colegas, para o Comando Geral da Polícia Militar; que o Juiz responsável pela emissão do mandado judicial Odivanil Marins, esteve no local; que porém a ordem não era cumprida; que cerca de meia hora depois

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 79

ao local chegou uma única guarnição da Polícia Militar, integrada por 6 homens, no máximo; que era um tenente jovem que comandava o grupo, não recordando o seu nome; que ele também foi impedido de fazer cumprir a ordem; que, num dado momento, no local, compareceu o Senador Amir Lando, apoiando o obstáculo ao cumprimento da ordem; que ele fez um discurso político, dizia se tratar a tentativa de cumprir o mandado de afronta às prerrogativas do Parlamento;

(...)

que os documentos objetos da apreensão frustrada forma colocados num local contíguo ao departamento administrativo fi nanceiro, na parte de trás; que lá foram queimados; que visalizou as labaredas; que os computadores foram destruído;

(...)

que o Corpo de Bombeiros foi acionado para estancar o incêndio; que todavia os bombeiros tiveram o acesso impedido ao local do fogo; que a ordem judicial acabou não sendo cumprida; que o fato se arrastou noite adentro; que no dia seguinte, num sábado, os Deputados Estaduais se reuniram e aprovaram uma Emenda à Constituição Estadual, retirando todas as prerrogativas do Ministério Público;

(...)

que se recorda de outros Promotores de Justiça que presenciaram os fatos, Cláudio Ribeiro, Gilberto Barbosa, dentre outros; que quando chegou ao local, o funcionário Kleber Perea do MP, noticiou que haviam acabado de desligar o computador portátil pelo próprio utilizado para relacionar o material apreendido;

(...)

que o Corpo de Bombeiros chegou rapidamente, depois de iniciado o fogo; que a chegada da guarnição de fogo teve lugar umas duas ou três horas depois do depoente ao local; que o Corpo de Bombeiros não teve acesso ao local do fogo, razão pela qual houve a tentativa de utilização da escada; que o fogo se desenvolvia num local aos fundos do departamento administrativo fi nanceiro; que o Corpo de Bombeiros estava ao lado das demais pessoas, também sem acesso ao local do fogo; que o acesso àquele local era impedido por seguranças armados;

(fl . 898-901).

Angélica Lopes Hernandes, Oficiala do Ministério Público, citada no

depoimento acima, declarou em Juízo:

que Promotores de Justiça argumentavam com o primeiro acusado sobre o cumprimento do mandado judicial; que o acusado Natanael resistia, dizendo

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“se alguém tentar sair, é para mandar bala que eu seguro”; que ele não permitia o cumprimento do mandado; que ele determinou fossem as portas fechadas; que ele arremessou computadores ao chão, destruindo-os; que viu ele assim fazer; que ele pediu álcool a algum dos capangas dele, para atear fogo nos documentos; que os documentos foram colocados numa espécie de jardim de inverno, um local externo separado que ele lançou álcool e ateou fogo.; que, nesta altura a luz j´pa havia sido cortada; que foi possível visualizar as ocorrências porque não estava de todo escuro; que aquela área externa para onde foram levados os documentos fi cava ao lado do corredor e com o pé tentou obstar o curso das caixas, acrregadas por Natanael e seu “capanga”; que diante disto Natanael determinou fosse a depoente retirada do local, ao que seu capanga retirou a depoente d emodo bem brusco; que, como fi zesse bastante calor, num dado momento, Natanael tirou a camisa e dicou com uma tolha no ombro utilizando-a para impedir a absorção da fumaça oriunda do fogo ateado naquela documentação; que diante do fogo, solicitou ao também Deputado Estadual Daniel Pereira se providenciasse a abertura duma janela; que assim foi feito; que Natanael sentou no corredor e, com um revólver ao colo, dizia que ninguém iria tirar nada dali;

(...)

que Natanael dizia que até morreria, mas, nada sairia da Assembléia Legislativa; que ele não admitia o cumprimento da medida;

(...)

que não chegou a ver o Corpo de Bombeiros; que eles não adentraram no prédio; que o fogo não foi impedido por ninguém; que a destruição e o fogo aconteceram por volta das 20h00min, mas não tem como precisar bem;

(...)

que os capangas dele não ameaçavam, não abriam a boca, quem fala o tempo todo era o réu Natanael: “daqui não sai, daqui ninguém tira nada”; que depois, a certa altura, Natanael permitiu a saída da sala, mas determinou fossem anotados os nomes de todos;

(fl . 908-909).

Kleber Perea Serrano, consultor de informática, prestando serviços ao

Ministério Público, declarou, quando ouvido pelo Juiz:

que chegaram no local pela manhã; que no início não houve resistência; que os documentos e equipamentos objetos da medida foram devidamente separados; qu, do meio para o fi m da tarde, contudo passou a haver resistência; que servidores da Assembléia passaram a dizer que nada seria levado até pronunciamento do Presidente da Casa; que as portas da repartição ública foram fechadas; que fi caram numa sala, junto com o material já separado, próximo da

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saída; que no local num dado momento chegou o primeiro réu e disse “nada vai sair”; que ele inclusive tentou tomar do depoente um computador portátil em yutilização, alimentado com dado s do material apreendido; que ele esclareceu ao acusado se tratar de equipamento pessoal dele; que ele determinou a um segurança dele fosse proibida a saída da sala;

(...)

que o primeiro acusado adentrou na sala onde se encontrava o depoente e outros servidores do Ministério Público Estadual, apossou-se de computadores (CPU) e os arremessou para longe, por cima das divisórias, no vão livre; que ele assim o fez no tocante a três computadores; que ele estava bastante alterado; que, a seguir, ele e seguranças seus passaram a arrastar uma caixa grande contendo documentos já apreendidos. que Angélica então colega de Ministério Público de depoente tentou obstar com o pé, a retirada da sala; que o primeiro acusado a empurrou, bruscamente, que a caixa foi retirada, arrastada por um corredor ate uma espécie de jardim de inverno ou solário; que, naquele local, o primeiro acusado e seus auxiliares passaram a rasgar a documentação; que, depois, foi ateado fogo; que acompanhava aquela cena a uma distância de 6 metros; que todos os ali presentes no contexto da oposição se reportavam, ao primeiro réu, Presidente da Assembléia Legislativa; que a fumaça invadiu o local; que naquela altura a luz já havia sido cortada; que houve rumores de que a Polícia Militar invadiria o local; que o primeiro réu conversou por telefone com o Comandante da Polícia Militar, dizendo-lhe para não adentrar no local; que o primeiro réu disse naquela conversa telefônica “eu me responsabilizo pela vida de meus homens e você deve ser responsabilizar pela vida de seus homens”; que ele disse que utilizaria de todos os meios para evitar fosse a invasão cumprida e, para tanto, se necessário fosse responderia a tiros, na bala; que ele finalizou a conversa pedindo ao Comandante da PM para não ordenar a invasão; que logo em seguida, viu alguém passar com 2 ou 3 armas, para entrega ao auxiliares do réu; que o primeiro réu já estava sem camisa, junto com 2 ou 3 pessoas em igual condição; que quando o primeiro pegou aquela caixa de documentos, anteriormente, ele já estava armado; que os bombeiros tentaram apagar o fogo e, para tanto, tentaram colocar uma escada, mas o primeiro acusado e seus auxiliares empurraram a escada de volta; que fi cou sem poder sair daquela sala por bastante tempo, cerca de 4 ou 5 horas; que a porta era vigiada por seguranças, recordando-se do tenente da PM Veronesi; que o PM Veronesi prestava serviços à Assembléia;

(...)

que não viu o primeiro réu ateando fogo, mas como disse todos se reportavam a ele;

(fl . 911-914).

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Claúdio Ribeiro de Mendonça, Promotor de Justiça, prestou depoimento em

Juízo e afi rmou que:

que, junto com os colegas foi argumentar com o acusado Natanael, a respeito da necessidade de se permitir o cumprimento da ordem judicial; que, contudo, muito alterado, ele se opunha, dizendo que não permitiria assim fosse feito, sem fundamento algum; que ninguém tiraria nada dali, dizia ele; que havia policiais a serviço da Assembléia o apoiando e seguranças, não se recordando se portavam armas ostensivamente; que o primeiro réu dizia que mandaria matar quem transpusse os limites traçados por ele; que o material cuja apreensão se pretendia já estava separado; que havia papéis e computadores; que, todavia, num dado momento, aquele material foi levado para um corredor existente entre a Assembléia e o terreno vizinho, lançando-se-lhe fogo, que produziu labaredas; que os computadores foram arremessados ao chão; que a ocorrência foi visualizada por todos; que tudo foi feito a mando do primeiro réu; que os bombeiros chegaram em decorrência do fogo, uma meio hora depois; que, nada obstante o acesso deles ao local do fogo foi impedido pelo acusado Natanael e pelo também Deputado Estadual Carlão de Oliveira; que eles tiararam a escada que permitira o acesso ao local do fogo; que inclusive a escada pegou na perna do depoente; que o tumulto durou cerca de 2 ou 3 horas; que a ordem judicial não foi cumprida;

(...)

que, em relação à funcionário Angélica parece que houve o uso de alguma força para dela tomar a caixa de documentos; que o primeiro réu era muito grosseiro, maltratou bastante o Procurador de Justiça Vitache; que depois de ali estar uns 40 minutos, a luz sumiu, apenas no prédio da Assembléia;

(fl . 903-904).

Dos depoimentos acima transcritos, tem-se que toda a resistência ao

cumprimento da ordem judicial foi comandada pelo denunciado Natanael. As

testemunhas, presentes ao local dos fatos desde o início da diligência, foram

categóricas em afi rmar que Natanael utilizou-se de força física contra a servidora

Angélica, tendo, proferido ameaças, inclusive de morte, aos agentes incumbidos da

execução da ordem, o que, só por si, já confi gura o delito de coação no curso do

processo judicial, crime formal capitulad o no art. 344 do Código Penal:

Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fi m de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

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Em relação à configuração do delito ora examinado, Cezar Roberto

Bittencourt preceitua:

Não é necessário que a violência usada seja irresistível, bastando que seja idônea para constranger o coato com a finalidade de privilegiar interesse próprio ou alheio.

(...)

Grave ameaça, por sua vez, constitui forma típica da “violência moral”; é a vis compulsiva, que exerce uma força intimidatória, inibitória, anulando, ou minando a vontade e o querer do coato, procurando, assim, intimidá-lo com o objetivo de favorecer interesse próprio ou alheio.

(grifos nossos).

(Tratado de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2009. P. 317-318).

A resistência ao cumprimento da ordem judicial por parte do réu Natanael

também foi confi rmada pelo então Procurador do Estado de Rondônia Nilton

Djalma dos Santos Silva (agente público incumbido de redigir o pedido de

suspensão de liminar interposto pela Assembléia Legislativa perante o Tribunal

de Justiça):

que a diligência corria normalmente; que o primeiro acusado estava fora da cidade e chegou à Assembléia no fi nal da tarde; que ele falou com aquele equipe de agentes públicos; que o depoente se ausentou indo para se gabinete a fi m de fazer o requerimento de revogação da ordem; que, porém, surgiu um impasse quanto à retirada do material selecionado; que o primeiro acusado, em contato com o Juiz que passara a ordem, quem também compareceu ao local, deixou claro que nada ia ser retirado dali; que a argumentação do primeiro réu, inclusive motivadora do pedido judicial de revogação, era de que a competência para emitir ordem daquela natureza era do Tribunal de Justiça; que o Juiz dizia da necessidade de cumprir sua ordem sob pena de prisão a quem se opusesse; que o primeiro réu argumentava que, ali, na Assembléia, era ele quem tinha poder de polícia; que por volta de pouco mais das 19h00 a luz acabou, exatamante quando o Juiz e o primeiro réu discutiam sobre o caso na sala de recepção do Departamento Financeiro;

(fl . 942).

Confi rmando a coação exercida pelo denunciado Natanael, Abdiel Ramos

Figueira, então Procurador-Geral de Justiça do Estado de Rondônia, declarou

em Juízo:

que era uma sexta-feira, ali chegando por volta das 18h30min; que à noite já caíra; que, no local, as luzes já estavam desligadas; que, lá procurou seu colega

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Procurador Vitachi; que no local o primeiro acusado já tinha o domínio da situação no sentido de impedir o cumprimento da ordem; que o material já estava separado;

(...)

que o primeiro réu era acompanhado por Policiais da PM a paisana e seguranças da própria Assembléia; que alguns estavam armados ostensivamente; que a diligência se concentrara no setor administrativo, num anexo da Assembléia; que conversou com o primeiro réu, argumentando de que a ordem seria cumprida; que ele em resposta, arguiu; “só se passarem por cima de mim”, ao que o depoente ponderou que se necessário fosse, assim se faria;

(...)

que naquele contexto, acompanhado do Tenente da Polícia Militar cujo nome não se recorda, teve outro contato com o primeiro réu; que ele estava deitado no corredor do Anexo, cercado de 10 auxiliares; que, novamente, ponderou-lhe da necessidade de a ordem ser cumprida; que ele encostou a mão no peito do Tenente, dizendo-lhe se ele se responsabilizaria pela vida dos homens que traria, porque ele próprio, o primeiro réu, responsabilizar-se-ia pela vida dos seus homens; que ele próprio disse “só saio daqui morto”;

(...)

que a certa altura surgiu fogo no local onde estaria a documentação objeto de resistência à apreensão, numa espécie de jardim de inverno; que o Corpo de Bombeiros compareceu ao local quando era em torno de 22h00min ou 23h00min; que contudo, o acesso deles ao local do fogo foi impedido; que o deputado Carlão derrubou a escada, auxiliado por outro deputado estadual; que a escada quando caiu acabou atingindo a perna do promotor de Justiça Cláudio; que não viu o primeiro réu armado nem sem camisa; que ele tinha o domínio da situação; era quem dava as ordens de resistência;

(...)

que lá pelas 03h00 chegou a revogação da ordem passada pelo Presidente do Tribunal de Justiça, Renato Mimessi;

(...)

que a luz fora desligada, segundo informações repassada ao depoente, a mandado de Natanael; que na vizinhança a iluminação era regular;

(...)

que não viu o primeiro réu atear fogo nem quebrar equipamentos;

(...)

que não tem lembrança se o acusado Evanildo Abreu, Deputado Estadual Coronel Abreu ajudou o deputado Carlão a derrubar a escada dos Bombeiros, mas ele auxiliava na “resistência”;

(fl . 1.418-1.421).

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A prova testemunhal, tanto das pessoas arroladas pelo Ministério Público,

como pela defesa, é segura em afi rmar que a diligência de busca e apreensão

vinha sendo regularmente cumprida na tarde do dia 1°.06.2001, até a chegada

do réu Natanael que, tendo o domínio funcional do fato, assumiu a dianteira na

resistência ao cumprimento da ordem judicial.

Após a chegada do réu Natanael ao local dos fatos, houve o corte da

energia elétrica (que se restringiu apenas ao prédio da Assembléia) e a total

inviabilidade da conclusão da diligência, pela oposição de Natanael, com o

auxílio de seguranças e policiais que prestavam serviço à Assembléia, impedindo

a retirada da documentação ainda não recolhida (certidão de fl . 43-44 do

Apenso I).

Nesse diapasão, transcrevo trecho do depoimento prestado pelo então

Deputado Estadual Mauro de Carvalho, presente ao local dos fatos:

que por ocasião da tentativa do cumprimento do mandado de busca e apreensão estava na Assembléia Legislativa; que tomou conhecimento da presença deles quando já estavam dentro da Assembléia; que conversou com um dos agentes públicos; que o primeiro acusado foi conversar com eles; que a energia acabou; que não viu fogo que não viu destruição de computadores; que havia o pessoal da segurança normal da Assembléia; que o primeiro acusado foi quem fi cou a frente da situação;

(fl . 931-932).

Edézio Martelli, testemunha de defesa foi ouvida em Juízo e declarou que:

que o pessoal que fazia a busca estava na sala onde funcionava o setor administrativo; que o Sr. Natanael chegou ao corredor que dava acesso à sala; que ai começou um tumulto; que o depoente estava no corredor e pode dizer que começou um incêndio, em uma janela próxima onde estavam os policiais e os Promotores; que imagina que foram os policiais que colocaram fogo para dispersar as pessoas ali presentes, pois a resistência por parte da Assembléia ocorria no corredor, enquanto o fogo começou em uma janela em frente à porta do setor administrativo; que a janela dava acesso a uma área externa; que viu o fogo mas não viu quem foi o responsável por ele;

(fl . 1.234).

André Roberto de Azevedo, então tenente da Polícia Militar do Estado de

Rondônia, presente ao local dos fatos e referida nos depoimentos de Miguel

Monico Neto e Abdiel Ramos Figueira, declarou em Juízo:

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o fato ocorreu no início da tarde; que um outro companheiro do depoente é que acompanhou o início do cumprimento do mandado; que quando assumiu o serviço em torno das 19:30h, já se dirigiam à Assembléia Legislativa para substitui-lo; que o ofi cial de justiça lhe passou que tinha um mandado de busca e apreensão na Assembléia, tendo por objeto documentos e computadores; que Natanael impediu a retirada deste material; que o ofi cial pediu ao depoente para acionar maior efetivo para o cumprimento do mandado, o que foi feito; que o efetivo não estava autorizado a ir ao local, o que levou o depoente a solicitar a presença do Tenente-Coronel; que algum tempo depois a situação permaneceu sem solução; que um certo momento o ofi cial disse que iria dar cumprimento com o pessoal que estava ali (o depoente mais quatro policiais); que o deputado Natanael e seguranças da Assembléia além de PM´s impediram a sua passagem; que o deputado disse que mandaria os seguranças atirar no depoente e no oficial se insistissem; que disse que ele tinha autoridade máxima dentro da Assembléia; que indagou ao depoente se o mesmo aceitaria ser responsabilizado pela morte de seus subordinados; que disse ao ofi cial de justiça para chamar um magistrado; que concordaram em não entrar a força; que tempos depois, jogaram os equipamentos em uma sala de atearam fogo; que o bombeiro foi acionado; que eles também impediram a entrada do caminhão dos bombeiros ao fechar o portão da Assembléia; que os bombeiros pularam o portão; que apareceram os deputados Carlão, Coronel Abreu e Natanael e derrubaram a escada dos bombeiros para impedir que o fogo fosse apagado; que durante esse tempo tinha conversado com o Coronel Figueiredo; que este Coronel lhe disse que deveria levar esta situação em “banho maria”, senão iria sobrar para o depoente;

(fl . 1.484-1.485).

Entendo que os testemunhos do Policial Militar André Roberto de Azevedo

e do Procurador do Estado Nilton Djalma dos Santos Silva detém grande

relevância por se tratarem de agentes públicos estranhos aos quadros do

Ministério Público, (órgão que, na ótica da defesa, estava empenhado em

perseguir o réu). Corroboram tais testemunhos com os outros depoimentos,

afirmando categoricamente que o acusado Natanael assumiu a postura de

coordenar, e de forma agressiva assumiu a resistência ao cumprimento da ordem

judicial. Para tanto utilizou-se de ameaças graves.

Muitas das testemunhas arroladas pela defesa em nada acrescentaram

à instrução, mostrando-se alheias aos fatos ou incoerentes, muitas vezes

contribuindo no quadro fático probatório para descrédito da tese sustentada por

Natanael.

Neste ponto, lembra-se lição de Marcellus Polastri Lima:

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O Juiz deve verificar as condições pessoais, credibilidade e idoneidade da testemunha, sabido que as vezes a testemunha depõe dominada pelo medo, ou ainda pode ter deficiência de percepção e falhas de memória, existindo sempre as pessoas sugestionáveis, podendo ainda a idade (a criança e o velho) infl uir na credibilidade do testemunho.

(Curso de Processo Penal. 3. ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2008. P. 163).

Anoto que certas testemunhas de defesa, presentes ao local dos fatos,

confirmam o corte da energia após a chegada de Natanael, mas, quando

inquiridas acerca da conduta do acusado no dia da suposta prática do delito

de coação no curso do processo judicial, limitam-se a tergiversar, afi rmando

que nada viram e ouviram sobre o que se passava no interior do departamento

fi nanceiro e que a conduta social do acusado não detém qualquer nódoa.

Francisco Carvalho da Silva, então deputado estadual, afi rmou em Juízo

que:

que quando chegou já havia uma confusão; que não chegou a conversar com o primeiro réu; que a luz logo foi cortada, não sabe a mando de quem; que não dava para ver nada, muito escuro;

(...)

que viu o fogo mas não sabe o que estava sendo consumido; que o Corpo de Bombeiros estava chegando ao local;

(fl . 926-927).

Antonilson da Silva Moura, servidor da Assembléia Legislativa, declarou

em Juízo que:

que até por volta das 20h00 quando deixou o prédio nada de anormal se sucedera; que foi embora depois do policial liberá-lo; que não havia polícia, Corpo de Bombeiros ou qualquer anormalidade; que o primeiro acusado lá chegou por volta das 16h00min; que não podia transitar no prédio razão pela qual nada viu; que entre as 18h30min e 19h00 a luz acabou, desconhecendo a causa; que dava para enxergar alguma coisa; que não viu pessoa alguma com vela ou lanterna; que não viu fogo; que não ouviu barulho de coisa quebrando;

(fl . 939).

Como se pode constatar pela análise das provas e pelos relatos das

testemunhas, a conduta tipifi cada como crime de coação no curso do processo

judicial, atribuída ao denunciado, está intimamente relacionada com os delitos

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de peculato imputados ao réu, devidamente comprovados, como já analisado

e sedimentado na prova documental resultante da apreensão que se deu na

primeira etapa do cumprimento do mandado judicial.

Os Ofi ciais de Justiça (certidão de fl . 43-44 do Apenso I), os Promotores

de Justiça, os servidores do parquet, um tenente da Polícia Militar e o Procurador

do Estado (autoridade esta incumbida de defender judicialmente a Assembléia

Legislativa), estavam presentes ao local e atestam que o réu, de forma arbitrária

(quase inimaginável nos dias atuais), coordenou a resistência ao cumprimento

do mandado judicial. Valendo-se de violência moral e física, procurou o réu

esconder as provas que lhe incriminavam no curso de processo judicial, com

o fi m de atender interesse próprio (ocultar provas e impedir que o Ministério

Público tivesse acesso a documentos que pudessem incriminá-lo), incidindo

portanto, circunstância agravante prevista no art. 61, II, b, do Código Penal:

A rt. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualifi cam o crime: (Alterado pela L-007.209-1984)

II - ter o agente cometido o crime:

(...)

b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;

QUARTO FATO

SUPRESSÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO

O Ministério Público imputa aos denunciados Natanael José da Silva,

Vitor Paulo Riggo Ternes e Evanildo Abreu de Melo, a prática do crime de

supressão de documento público, capitulado no art. 305, c.c. art. 61, II, b e d, na

forma do art. 29, caput, todos do Código Penal.

Afi rma o parquet que, por volta das 21:00h do dia 1°.06.2001, quando

os executores do mandado judicial encontravam-se na sala do departamento

fi nanceiro da Assembléia Legislativa, o denunciado Natanael arrecadou os

computadores que tinham sido apreendidos e atirou-os sobre uma mureta,

jogando-os em uma sala localizada ao lado do departamento financeiro,

destruindo os equipamentos.

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Assevera que Natanael, auxiliado por um policial militar que prestava

serviço na Assembléia Legislativa, afastou, mediante o emprego de força física,

Angélica Lopes Hernandes, servidora do Ministério Público, do local em que

estava uma caixa de papelão com os documentos apreendidos e, apossando-se

da caixa, passou a rasgar os documentos, jogando-os em uma sala lateral ao

departamento fi nanceiro. A seguir, o denunciado derramou álcool sobre os

papéis e ateou fogo, destruindo-os.

O Corpo de Bombeiros foi chamado mas Natanael, com o fi m de obstruir

o trabalho dos soldados do fogo, ordenou o trancamento do portão lateral da

Assembléia, no que foi auxiliado pelo denunciado Vitor Paulo Riggo Ternes,

então diretor logístico da Polícia Militar que, para evitar a intervenção dos

bombeiros despistou-os, fornecendo informações equivocadas, dizendo que o

incêndio estava localizado em casa vizinha à Assembléia.

Assevera o parquet que, após constatado que a informação prestada pelo

acusado Vitor Ternes era falsa, os bombeiros conseguiram adentrar no pátio

do prédio da Assembléia, onde fi xaram uma escada para subir até o local do

incêndio, mas foram impedidos neste momento pelos denunciados Evanildo

Abreu de Melo e José Carlos de Oliveira, respectivamente, deputado estadual e

Vice-Presidente da Assembléia.

Para o autor da ação penal o acusado Evanildo intimidou os bombeiros por

meio de ameaças, tendo o acusado Natanael, com o auxílio de outro deputado

(José Carlos de Oliveira), derrubado a escada, inviabilizando defi nitivamente a

ação do Corpo de Bombeiros.

Assim, foram queimados os documentos já separados para a apreensão,

com o nítido propósito de suprimir a prova cabal dos delitos cuja materialidade

foi narrada nos tópicos acima. Ou seja Natanael promoveu a destruição, em

benefício próprio e em prejuízo das investigações, de documentos públicos dos

quais não podia dispor.

Para o Ministério Público a ação do denunciado Vitor Riggo Ternes,

difi cultando a ação dos bombeiros e do acusado Evanildo Abreu, adotando

postura contrária à ação dos bombeiros, os inclui como partícipes da conduta

delituosa empreendida por Natanael, pois contribuíram para o malogro da ação

do Corpo de Bombeiros e concorreram para a prática do crime de supressão

de documento público devidamente capitulado no Código Penal (art. 305, na

forma do art. 29, caput, do Código Penal).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Em sua defesa o réu Natanael negou a autoria do delito, alegando em Juízo:

que efetivamente em relação ao incêndio houve o início do fogo no fosso de ventilação da Assembléia, mas em hipótese alguma foi o mesmo provocado pelo interrogado, havendo a suspeita de que o incêndio foi iniciado por iniciativa de algum policial que acompanhava o Ministério Público pois os próprios policiais escolheram os policiais de sua confi ança, lotados na Delegacia de Combate aos Tóxicos;

(fl . 626).

O acusado Vitor Riggo Ternes, Policial Militar, também negou a participação

no delito de supressão de documento público e sobre os fatos delituosos a ele

imputados deu a versão seguinte, quando interrogado:

durante todo o tempo que o interrogado esteve na Assembléia Legislativa permaneceu no pátio situado entre o prédio da Casa de leis e o anexo onde os fatos estavam ocorrendo. Em nenhum momento o interrogando esteve dentro do referido anexo, provavelmente o setor fi nanceiro da Assembléia Legislativa, para conversar com o denunciado Natanael, nem com qualquer outra pessoa vinculada à Assembléia Legislativa. O interrogando afirma que em nenhum momento recebeu qualquer ordem ou instrução do denunciado Natanael ou de qualquer outra pessoa em relação à prática de qualquer procedimento para contornar os fatos.

(...)

o interrogando não presenciou o denunciado Natanael destruir computadores pertencentes à Assembléia Legislativa, nem mesmo atear fogo em documentos da referida Casa. Por volta das 21:30 horas o interrogando visualizou que estava saindo fumaça em cima do telhado do anexo da Assembléia legislativa, que o depoente supõe fosse o setor fi nanceiro. Após visualizar a existência de fumaça no local, a primeira providência do interrogando foi ligar para o Copom e solicitar a presença do Corpo de Bombeiros;

(...)

Em seguida o interrogando conduziu sua tropa até o 1º BPM, localizado próximo á Assembléia Legislativa. Depois o interrogando se deslocou novamente à Assembléia Legislativa, ocasião em que visualizou um caminhão do corpo de bombeiros estacionado em frente ao portão lateral da Assembléia Legislativa, portão este situado defronte a um prédio da Prefeitura do Município de Porto Velho-RO. Nessa ocasião o interrogando tomou conhecimento que o referido portão estava trancado e os bombeiros não estavam conseguindo acessar a parte interna da Assembléia Legislativa.

(...)

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 91

Logo em seguida o interrogando percebeu que o portão da casa lindeira à Assembléia Legislativa estava aberto, razão pela qual informou ao sargento do corpo de bombeiros que o acesso através de escada por aquele local seria mais fácil. O interrogando afi rma que em nenhum momento dissimulou ou induziu o corpo de bombeiros a seguir para outro local, a fi m de difi cultar o acesso do mesmo à área interna da Assembléia Legislativa;

(...)

o interrogando não presenciou o denunciado Evanildo Abreu praticar qualquer ação que impedisse o trabalho dos bombeiros.

(...)

Por volta das 22:00 horas, quando o interrogando esteve novamente na Assembléia Legislativa, promotores e policiais relataram ao interrogando que o denunciado Natanael e outros deputados ali presentes haviam impedido a ação dos bombeiros, inclusive tinham derrubado a escada que estava sendo utilizada pela corporação como instrumento de acesso a parte interna da Assembléia Legislativa.

(fl . 654-656).

Como os demais, negou o réu Evanildo Abreu de Melo sua participação no

delito de supressão de documento público e assim contou a seguinte história:

No dia dos fatos o interrogando chegou na Assembléia Legislativa quando os bombeiros já estavam no local. Antes disso o interrogando não esteve na Assembléia Legislativa em nenhum momento.

(...)

Então o interrogando seguiu para a sala de entrada do setor de tesouraria onde ocorri a o tumulto encontrando no local, além do denunciado Natanael, os também deputados José Carlos de Oliveira, Cacá Mendonça, Chico Paraíba, entre outros que o interrogando não se recorda. Na sala o interrogando sentiu forte odor de fumaça. O interrogando também percebeu que tinham queimado papéis em uma área de ventilação também conhecida como jardim de inverno, localizada no setor financeiro da Assembléia Legislativa. O interrogando viu algumas CPU´s de computador jogados ao chão e marcas de fogo.

(...)

No local da queima o interrogando pôde percedber que existiam papéis, tais como ofícios, que haviam sido queimados, mas que naquele momento o fogo já havia cessado, inclusive em razão de algumas pessoas já terem jogado água no local, erstando apenas fumaça. Nessa ocasião também já se faziam presentes no local peritos da Polícia Civil.

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Depois de aproximadamente uns dez minutos quando o interrogando havia saído da sala do departamento fi nanceiro, se deparou com um sargento do corpo de bombeiros colocando uma escada na parte lateral externa do setor fi nanceiro da Assembléia Legislativa, para acessar a parte superior daquela repartição, uma vez que além de fumaça, as pessoas nas imediações diziam em alto som: “a Assembléia Legislativa está pegando fogo”. Nesse momento, como o interrogando já havia tomado conhecimento da real situação dentro do setor fi nanceiro, o mesmo disse ao referido sargento do corpo de bombeiros que não havia necessidade do mesmo subir a escada e quebrar o telhado daquela repartição, esclarecendo que o fogo já sido apagado e que a única coisa que havia restado era a fumaça que estava saindo em cima do telhado.

(fl . 657-658).

Expostas as teses de defesa apresentadas pelos denunciados apontados neste tópico da denúncia, passo a confrontar suas versões com os fatos que restaram comprovados na instrução criminal.

De todo o material probatório colhido na instrução criminal e já examinado em capítulos anteriores deste voto, tem-se como premissa insofi smável que, a partir do momento em que o denunciado Natanael chegou ao prédio da Assembléia Legislativa, a segunda etapa do cumprimento da ordem judicial de busca e apreensão restou prejudicada.

Ficou demonstrado por meio de prova testemunhal que o réu Natanael

José da Silva, auxiliado por seguranças e policiais a paisana, impediu, mediante violência e grave ameaça, a retirada de documentos e provas que pudessem incriminá-lo pela prática dos delitos de peculato imputados na exordial acusatória.

Pelo que disseram as testemunhas tem-se a certeza de que o acusado Natanael tinha o domínio funcional do fato e era o único interessado na destruição dos documentos que já estavam em poder da funcionária do Ministério Público, ainda no interior do departamento fi nanceiro. Pretendia o acusado, com tal conduta, destruir a prova da prática dos crime de peculato imputados na denúncia. Só não alcançou seu desiderato porque muitos dos documentos comprobatórios já estavam fora da Assembléia, apreendidos na diligência realizada pela manhã.

Assim sendo, tem-se como fato incontroverso, porque comprovado até mesmo por perícia (fls. 312-326 do Apenso VI), que no dia 1° de junho de 2001, durante o cumprimento da ordem judicial de busca e apreensão, houve a destruição de computadores e a queima de documentos pertencentes à Assembléia Legislativa.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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A perícia ofi cial realizada pelo Instituto de Criminalística do Estado de

Rondônia, no interior do departamento fi nanceiro da Assembléia Legislativa,

constatou a presença de 05 (cinco) CPU´s bastante danifi cadas e a queima e

destruição de documentos públicos, levada a efeito por ação humana, fatos

registrados fotografi camente (fl . 317-326 do Apenso VI).

O fato descrito está tipifi cado no art. 305 do Código Penal:

A rt. 305 - Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é particular.

Cezar Roberto Bittencourt, comentando o dispositivo, leciona que:

As ações tipifi cadas consistem em: a) destruir (eliminar, destruir, assolar); b) suprimir, que é fazer desaparecer sem que o objeto seja destruído ou escondido; c) ocultar, que signifi ca esconder, encobrir de modo que não seja encontrado.

(...)

Consuma-se o crime com a destruição, supressão ou ocultação do documento público ou particular, independentemente de eventual prejuízo ou benefício decorrente. Como crime instantâneo (embora de efeito permanente), consuma-se no momento em que o sujeito ativo produz a supressão, destruição ou ocultação de documento verdadeiro.

(Tratado de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 344-345).

Provada a materialidade do delito indicado pelo Ministério Público,

quando do oferecimento da denúncia, já recebida pela Corte Especial, resta

analisar a prova quanto à autoria.

Na versão de Natanael o incêndio foi causado pelos policiais que

acompanhavam o Ministério Público, mas a afi rmação não encontra suporte em

nenhum depoimento prestado nos autos, tratando-se de hipótese inteiramente

vazia e incoerente.

Afi nal, para que o Ministério Público iria determinar a queima de documentos

que pretendia apreender? Para incriminar o denunciado pela prática do delito

tipifi cado no art. 305 do Código Penal e correr o risco de perder as provas materiais

do cometimento do delito de peculato (art. 312 do CP), crime cujo preceito secundário

prevê pena mais grave do que a do art. 305 do CP?

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Caso fosse crível tal tese, concluir-se-ia que o parquet estaria lhe benefi ciando.

Tese desarrazoada e desprovida de fundamento.

Superado esse ponto, colaciono depoimentos de testemunhas presenciais

que afi rmam, categoricamente, ter partido do denunciado a iniciativa de queimar

os documentos reunidos no cumprimento da ordem judicial.

Miguel Monico Neto, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de

Rondônia, declarou:

que, todavia, o cumprimento do mandado fora obstado pelo Presidente da Assembléia Legislativa, o primeiro réu; que a apreensão e a retirada do material foi obstada; que chegou a visualizar a funcionária do MP Angélica, sob o uma caixa de documentos, além do servidor Kléber Perea;

(...)

que ele falou que o mandado não seria cumprido; que havia um outro deputado estadual Daniel Pereira, a quem Natanael entregara uma arma prateada; que, a certa altura, buscando fazer cumprir a ordem, um segurança armado encostou uma arma de fogo no depoente sem, porém, sacá-la; que, então, refreou seu ânimo;

(...)

que os documentos objetos da apreensão frustrada foram colocados num local contíguo ao departamento administrativo fi nanceiro, na parte de trás; que lá foram queimados; que visalizou as labaredas; que os computadores foram destruídos;

(...)

que o Corpo de Bombeiros foi acionado, para estancar o incêndio; que todavia os bombeiros tiveram o acesso impedido ao local do fogo; que Natanael José da Silva e o também Deputado Estadual José Carlos retiraram uma escada que serviria ao acesso ao local do fogo;

(...)

que o Corpo de Bombeiros chegou rapidamente depois de iniciado o fogo; que a chegada da guarnição de fogo teve lugar umas duas ou três horas depois do depoente ao local; que o Corpo de Bombeiros não teve acesso ao local do fogo, razão pela qual houve a tentativa de utilização da escada; que o fogo se desenvolvia no local aos fundos do departamento fi nanceiro; que o Corpo de Bombeiros estava ao lado das demais pessoas, também sem acesso ao local do fogo; que o acesso àquele local era impedido por seguranças armados;

(fl . 1.353-1.355).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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Angélica Lopes Hernandes, Ofi ciala do Ministério Público, foi citada no

depoimento acima transcrito e declarou em Juízo que:

que Promotores de Justiça argumentavam com o primeiro acusado sobre o cumprimento do mandado judicial; que o acusado Natanael resistia, dizendo “se alguém tentar sair, é para mandar bala que eu seguro”; que ele não permitia o cumprimento do mandado; que ele determinou fossem as portas fechadas; que ele arremessou computadores ao chão, destruindo-os; que viu ele assim fazer; que ele pediu álcool a algum dos capangas dele, para atear fogo nos documentos; que os documentos foram colocados numa espécie de jardim de inverno, um local externo separado que ele lançou álcool e ateou fogo.; que, nesta altura a luz já havia sido cortada; que foi possível visualizar as ocorrências porque não estava de todo escuro; que aquela área externa para onde foram levados os documentos fi cava ao lado do corredor e com o pé tentou obstar o curso das caixas, carregadas por Natanael e seu “capanga”; que diante disto Natanael determinou fosse a depoente retirada do local, ao que seu capanga retirou a depoente de modo bem brusco; que, como fizesse bastante calor, num dado momento, Natanael tirou a camisa e dicou com uma tolha no ombro utilizando-a para impedir a absorção da fumaça oriunda do fogo ateado naquela documentação; que diante do fogo, solicitou ao também Deputado Estadual Daniel Pereira se providenciasse a abertura duma janela; que assim foi feito; que Natanael sentou no corredor e, com um revólver ao colo, dizia que ninguém iria tirar nada dali;

(fl . 908-909).

Kleber Perea Serrano, consultor de informática que prestava serviços ao

Ministério Público, declarou em Juízo:

que o primeiro acusado adentrou na sala onde se encontrava o depoente e outros servidores do Ministério Público Estadual, apossou-se de computadores (CPU) e os arremessou para longe, por cima das divisórias, no vão livre; que ele assim o fez no tocante a três computadores; que ele estava bastante alterado; que, a seguir, ele e seguranças seus passaram a arrastar uma caixa grande contendo documentos já apreendidos. que Angélica então colega de Ministério Público de depoente tentou obstar com o pé, a retirada da sala; que o primeiro acusado a empurrou, bruscamente, que a caixa foi retirada, arrastada por um corredor ate uma espécie de jardim de inverno ou solário; que, naquele local, o primeiro acusado e seus auxiliares passaram a rasgar a documentação; que, depois, foi ateado fogo; que acompanhava aquela cena a uma distância de 6 metros; que todos os ali presentes no contexto da oposição se reportavam, ao primeiro réu, Presidente da Assembléia Legislativa;

(...)

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que logo em seguida, viu alguém passar com 2 ou 3 armas, para entrega ao auxiliares do réu; que o primeiro réu já estava sem camisa, junto com 2 ou 3 pessoas em igual condição; que quando o primeiro pegou aquela caixa de documentos, anteriormente, ele já estava armado; que os bombeiros tentaram apagar o fogo e, para tanto, tentaram colocar uma escada, mas o primeiro acusado e seus auxiliares empurraram a escada de volta; que fi cou sem poder sair daquela sala por bastante tempo, cerca de 4 ou 5 horas; que a porta era vigiada por seguranças, recordando-se do tenente da PM Veronesi; que o PM Veronesi prestava serviços à Assembléia;

(fl . 911-914).

Claúdio Ribeiro de Mendonça, Promotor de Justiça, prestou depoimento em

Juízo e afi rmou que:

que, junto com os colegas foi argumentar com o acusado Natanael, a respeito da necessidade de se permitir o cumprimento da ordem judicial; que, contudo, muito alterado, ele se opunha, dizendo que não permitiria assim fosse feito, sem fundamento algum; que ninguém tiraria nada dali, dizia ele; que havia policiais a serviço da Assembléia o apoiando e seguranças, não se recordando se portavam armas ostensivamente; que o primeiro réu dizia que mandaria matar quem transpusse os limites traçados por ele; que o material cuja apreensão se pretendia já estava separado; que havia papéis e computadores; que, todavia, num dado momento, aquele material foi levado para um corredor existente entre a Assembléia e o terreno vizinho, lançando-se-lhe fogo, que produziu labaredas; que os computadores foram arremessados ao chão; que a ocorrência foi visualizada por todos; que tudo foi feito a mando do primeiro réu; que os bombeiros chegaram em decorrência do fogo, uma meio hora depois; que, nada obstante o acesso deles ao local do fogo foi impedido pelo acusado Natanael e pelo também Deputado Estadual Carlão de Oliveira; que eles tiraram a escada que permitira o acesso ao local do fogo; que inclusive a escada pegou na perna do depoente; que o tumulto durou cerca de 2 ou 3 horas; que a ordem judicial não foi cumprida;

(fl . 903-904).

O próprio réu Evanildo Abreu de Melo confi rma ter Natanael obstruído o

trabalho do Corpo de Bombeiros:

Logo em seguida o denunciado Natanael e o deputado José Carlos de Oliveira deixaram a repartição e se aproximaram do sargento que estava segurando a escada, tomando-a das suas mãos e arremessando-a ao chão;

(fl . 658).

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Na instrução criminal foram reunidos indícios e provas contundentes

de ter o acusado Natanael interesse em suprimir os documentos que seriam

apreendidos na diligência de busca e apreensão (pretendia ele destruir as folhas

de pagamento de servidores comissionados da Assembléia Legislativa referente

aos meses de janeiro a abril de 2001), documentos apreendidos na primeira

etapa do cumprimento da ordem judicial e sem os quais restaria difi cultada a

prova da prática dos delitos de peculato.

Diante da documentação dos fatos narrados na denúncia, confi rmados de

forma minuciosa nos testemunhos colhidos no curso da instrução, tem-se como

certa a afi rmação de que o denunciado efetivamente impediu o cumprimento da

segunda etapa da diligência, em torno do cumprimento da ordem judicial. Mas

foi além para também inutilizar, destruindo com fogo importantes documentos,

na tentativa de encobrir a materialidade dos seus crimes.

Examinando-se as condutas atribuídas aos denunciados Vitor Riggo Ternes

e Evanildo Abreu de Melo, tem-se que o parquet, na denúncia, afi rma que o réu

Vitor Ternes teria obstruído o trabalho de controle do incêndio ao repassar, de

forma premeditada, informações equivocadas aos bombeiros acerca do local em

que o fogo estava ocorrendo.

Quando interrogado negou Vitor Ternes (fl. 655) a sua participação,

inclusive porque, segundo alegou foi sua a iniciativa de chamar os bombeiros.

Mas quando chegou a viatura do Corpo de Bombeiros o incêndio já estava

controlado, razão pela qual cuidou de informá-los acerca deste fato.

Tal versão é confi rmada pelo doc. de fl . 89-90 do Apenso VI (Registro de

Atividade dos bombeiros que compareceram ao prédio da Assembléia com o

objetivo de debelar o incêndio).

Considero não haver nos autos prova sufi ciente para embasar a acusação

formulada pelo parquet de que o denunciado Vitor Ternes, de forma dolosa, tenha

concorrido como partícipe na prática do delito de supressão de documento

público.

No tocante ao denunciado Evanildo Abreu de Melo, então deputado

estadual, afi rma o Ministério Público que este acusado, no dia dos fatos, dirigiu-

se ao local em que os bombeiros colocaram uma escada para ter acesso ao

departamento fi nanceiro e passou a criar empecilho à ação dos soldados do fogo,

por meio de ameaças, conduta que contribuiu para a consumação do delito de

supressão de documento público praticado pelo réu Natanael José da Silva.

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Colho trecho de depoimento da única testemunha que, quando inquirida

sobre a conduta do réu Evanildo, no dia dos fatos, respondeu objetivamente às

perguntas formuladas pelo Juiz de Direito, não se limitando a alegar que nada

viu ou que não tem lembrança de tal fato.

André Roberto de Azevedo, então tenente da Polícia Militar do Estado

de Rondônia, testemunha referida no depoimento de Miguel Monico Neto e

presente ao local dos fatos, declarou em Juízo que o réu Natanael foi auxiliado

pelo denunciado Evanildo Abreu de Melo (então deputado estadual) na derrubada

da escada utilizada pelo Corpo de Bombeiros para ter acesso ao local em que o

fogo tinha sido empregado:

que um certo momento o ofi cial disse que iria dar cumprimento com o pessoal que estava ali (o depoente mais quatro policiais); que o deputado Natanael e seguranças da Assembléia além de PM´s impediram a sua passagem; que o deputado disse que mandaria os seguranças atirar no depoente e no ofi cial se insistissem; que disse que ele tinha autoridade máxima dentro da Assembléia; que indagou ao depoente se o mesmo aceitaria ser responsabilizado pela morte de seus subordinados; que disse ao oficial de justiça para chamar um magistrado; que concordaram em não entrar a força; que tempos depois, jogaram os equipamentos em uma sala de atearam fogo; que o bombeiro foi acionado; que eles também impediram a entrada do caminhão dos bombeiros ao fechar o portão da Assembléia; que os bombeiros pularam o portão; que apareceram os deputados Carlão, Coronel Abreu e Natanael e derrubaram a escada dos bombeiros para impedir que o fogo fosse apagado; que durante esse tempo tinha conversado com o Coronel Figueiredo; que este Coronel lhe disse que deveria levar esta situação em “banho maria”, senão iria sobrar para o depoente;

(fl . 1.484-1.485).

O depoimento do agente policial, como mostra a transcrição acima,

demonstra de forma taxativa que o réu Evanildo Abreu de Melo participou

dos fatos descritos, impedindo o acesso dos bombeiros ao departamento

fi nanceiro da Assembléia Legislativa, contribuindo de forma decisiva para que

se consumasse a perda de diversos documentos públicos, auxiliando dessa forma

o denunciado Natanael José da Silva.

A acusação do Ministério Público e o testemunho acima mencionado

encontra supedâneo no doc. de fl . 89-90 do Apenso VI (Registro de Atividade

formalizado pelos bombeiros que compareceram à Assembléia Legislativa no

dia 1º.06.2001 com o fi m de debelar o incêndio).

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Os bombeiros relataram que, ao identifi carem estar o fogo localizado no

Departamento Financeiro da Assembléia Legislativa, cuidaram de fi xar uma

escada com o escopo de ter acesso ao local, momento em que o réu Evanildo

Abreu de Melo tomou a frente, impedindo a atuação dos agentes.

Tenho como comprovado que o denunciado Evanildo Abreu de Melo atuou

como partícipe do réu Natanael José da Silva.

CONCLUSÕES

Assim vistos e examinados os autos e devidamente analisadas as provas,

concluo quanto as diversas imputações e o faço considerando de per si cada um

dos quatro fatos indicados na denúncia e estudados separadamente neste voto.

PRIMEIRO FATO (peculato-apropriação)

Julgo procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar Natanael

José da Silva e Francisco de Oliveira Pordeus, como incursos nas penas do art.

312, caput, (primeira parte), na forma do art. 29, caput, do Código Penal e julgo

improcedente a denúncia oferecida contra Irene Becaria de Almeida Moura, por

falta de provas.

SEGUNDO FATO (peculato-desvio)

Julgo procedente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal,

para condenar Natanael José da Silva, como incurso na pena do art. 312, caput,

(segunda parte), na forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Esclareço que, quanto a este fato, houve a participação do denunciado

Francisco de Oliveira Pordeus, mas não tendo ele sido incluído como agente na

denúncia, não pode responder pelos fatos então apurados.

TERCEIRO FATO (coação no curso do processo judicial)

Pelos fatos que se constituem em delito, como consta da inicial e

se identifica como sendo o terceiro episódio, dentre os quatro episódios

destacados, julgo procedente o pedido formulado na denúncia, para condenar

Natanael José da Silva, como incurso na pena do art. 344 c.c. art. 61, II, b, do

Código Penal.

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QUARTO FATO (SUPRESSÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO)

Com relação aos fatos que formam o quarto episódio, como consta dos

autos, julgo procedente a denúncia oferecida contra Natanael José da Silva, para

condena-lo como incurso nas penas do art. 305, c.c. art. 61, II, b e d, do Código

Penal. Também julgo procedente a denúncia em relação ao acusado Evanildo

Abreu de Melo, incurso nas mesmas penas do artigo 305, c.c. art. 61, II, d, do

Código Penal e na forma do art. 29, caput, do Estatuto Repressivo pátrio. Por

fi m, julgo improcedente o pedido formulado contra Vitor Riggo Ternes, por falta

de provas, insufi cientes as colhidas para condenação.

FIXAÇÃO DAS PENAS

PRIMEIRO FATO (peculato-apropriação - art. 312 CP)

Na dosagem das penas analiso as circunstâncias especiais do artigo 59 do Código Penal em relação ao acusado Natanael José da Silva.

Considero de alta reprovabilidade a conduta deste acusado, eis que aproveitou-se do cargo público para apropriar-se de dinheiro pertencente ao órgão que presidia, conduta apta a merecer exemplar reprimenda. De maneira artifi ciosa, criou mecanismo até certo ponto primário para assim desvirtuar a fi nalidade da verba apropriada, certamente na certeza da impunidade, pelo prestígio exercido na Casa Legislativa, conduzida com prepotência e compadrio.

Considerando todas essas circunstâncias, para um delito cujas penas cominadas

vão de dois a doze anos de reclusão, fi xo a pena-base em 04 (quatro) anos e 08 (oito)

meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e ao pagamento de 100 dias-multa,

no valor de um salário mínimo dia, nos termos do art. 60 do Código Penal.

Em relação ao réu Francisco de Oliveira Pordeus, tendo presente as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, deixo consignado que era o réu responsável direto pela gestão do caixa da Assembléia Legislativa, ocupando o relevante cargo de confiança de Diretor do Departamento Financeiro, função decisiva para que fosse possível aliar-se ao Presidente do órgão e juntos, em co-autoria apropriarem-se de verba pública na modalidade de peculato-apropriação, conduta que merece o devido juízo de censura.

Assim, à vista dos elementos destacados, fi xo a pena-base em 03 (três) anos de

reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 100 dias-multa, cada um no

equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal.

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SEGUNDO FATO (peculato-desvio)

Analisadas as diretrizes do ar. 59 do Código Penal e as circunstâncias em

que foi cometido este delito por Natanael José da Silva, quando atuava como

dirigente maior da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, da qual

era presidente, não se pode deixar de considerar de extrema gravidade o desvio

de verbas por ele patrocinado para atender a interesse próprio. Conduziu-se o

acusado de forma incompatível com o exercício do cargo, merecendo a devida

repreensão da Justiça.

À vista dessas circunstâncias fi xo a pena-base, dentro de um mínimo

de dois e um máximo de doze anos, em 03 (três) anos e 02 (dois) meses de

reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, cada um no

equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal.

Pelo crime continuado, aplico a regra do artigo 71, caput, do Código Penal

(crime continuado) e a vista da existência concreta da prática de 02 (dois) crimes da

mesma espécie, com a mesma pena-base, aplico a pena de 03 (três) anos e 02 (dois)

meses, aumentada do critério legal de 1/6 (um sexto), fi cando o réu defi nitivamente

condenado a pena de 03 (três) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial

aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, cada um, no equivalente a 1 (uma) vez o

salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal.

TERCEIRO FATO (COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO - art.

344 CP)

Analisadas as diretrizes do ar. 59 do Código Penal, entendo que a conduta

do réu Natanael José da Silva, então Presidente da Assembléia Legislativa do

Estado de Rondônia, é dotada de extrema gravidade, visto que, opondo-se à

ordem judicial expedida por Juiz de Direito regularmente investido na função

jurisdicional, atentou contra um dos Poderes da República.

Demonstram as provas dos autos ter agido o denunciado com o fi rme

propósito de impedir o acesso dos executores do mandado a documentos que o

incriminassem pela prática dos delitos de peculato imputados na denúncia e que

restaram devidamente demonstrados na instrução criminal.

Foi o delito executado com o emprego de violência e de grave ameaça

contra agentes públicos incumbido de executar a ordem judicial, fato que revela

o total desprezo do réu para com a integridade física dos servidores públicos.

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À vista dessas circunstâncias fi xo a pena-base, considerando as penas cominadas

ao delito, mínimo de hum e máximo de quatro anos, em 02 (dois) anos e 04 (quatro)

meses de reclusão, acrescendo-se 04 (quatro) meses em razão da circunstância

agravante prevista no art. 61, II, b, do Estatuto Repressivo, fi cando, então, o acusado

condenado a uma pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime

inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, cada um equivalente a 1 (uma) vez

o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal.

QUARTO FATO (SUPRESSÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO -

art. 305 CP)

Este delito, imputado aos denunciados Natanael e Evanildo é de gravíssimo potencial, visto que levada a termo com o emprego de fogo, visando destruir prova da prática dos crimes de peculato imputados na denúncia e que restaram comprovados em razão do êxito da primeira etapa da busca e apreensão.

À vista dessas circunstâncias fi xo a pena-base, considerando as penas cominadas

de dois a seis anos de reclusão, em 03 (três) anos e 02 (dois) meses de reclusão,

acrescendo-se 06 (seis) meses em razão das circunstâncias agravantes previstas no art.

61, II, b e d, do Estatuto Repressivo, fi cando, então, o acusado condenado a uma pena

de 03 (três) anos e 08 (oito) meses de reclusão em regime inicial aberto, e ao pagamento

de 30 dias-multa, cada um no equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos

termos do art. 60 do Código Penal.

Para o denunciado Evanildo Abreu de Melo, nos termos do art. 59 do Código Penal, verifi co que a conduta do acusado (à época, deputado estadual) é deveras reprovável, visto que agiu com o propósito de impedir o exercício da atividade-fi m do Corpo de Bombeiros, contribuindo para a consumação do delito de supressão de documento público realizado mediante o emprego de fogo.

À vista dessas circunstâncias fi xo a pena-base em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses

de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, equivalente a

1/2 (meio) salário mínimo por dia, nos termos do art. 60 do Código Penal.

5) CONCLUSÃO: PENA DEFINITIVA

Na fi xação das penas defi nitivas, temos o somatório das penas já fi xadas e

que serão vistas de per si.

5.1) No tocante a Natanael José da Silva, as penas de cada um dos delitos

por ele praticados restou assim fi xada:

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a) delito tipifi cado no art. 312, caput (peculato-apropriação), do Código Penal:

04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto e ao

pagamento de 100 dias-multa, cada um no equivalente a 1 (uma) vez o salário

mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal;

b) delito capitulado no art. 312, caput (peculato-desvio mediante crime

continuado), do Código Penal: 03 (três) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime

inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, cada um no equivalente a 1

(uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código Penal;

c) delito tipifi cado no art. 344 do Código Penal (coação no curso do processo

judicial) c.c. art. 61, II, b, do Código Penal: 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de

reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, cada um no

equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código

Penal; e

d) delito tipifi cado no art. 305 do Código Penal (supressão de documento público)

c.c. art. 61, II, b e d, do Estatuto Repressivo pátrio: 03 (três) anos e 08 (oito) meses

de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 30 dias-multa, cada um

no equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60 do Código

Penal.

Após o somatório das penas fi xadas e considerando-se a regra do art. 69, caput

(cúmulo material), do Código Penal, fi ca o réu defi nitivamente condenado à pena

de 14 (quatorze) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao

pagamento de 170 dias-multa, cada um no equivalente a 1 (uma) vez o salário-

mínimo.

Nos termos do art. 92, I, b, do Código Penal, declaro, como efeito da

condenação, que o réu Natanael José da Silva perde o cargo de Conselheiro do

Tribunal de Contas do Estado de Rondônia.

5.2) Francisco de Oliveira Pordeus, pelo delito do artigo 312, caput

(peculato-apropriação), do Código Penal, fi ca defi nitivamente condenado à pena

de 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 100 dias-

multa, cada um no equivalente a 1 (uma) vez o salário mínimo, nos termos do art. 60

do Código Penal.

É pertinente a substituição da pena privativa de liberdade, uma vez que o

réu preenche os requisitos alinhados no art. 44 do Código Penal, revelando ser a

substituição sufi ciente à repreensão do delito.

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Assim sendo, observado o disposto pelo art. 44, § 2°, (segunda parte) e

na forma dos arts. 46 e 48, todos, do Código Penal, substituo a pena privativa

de liberdade aplicada por 02 (duas) sanções restritivas de direito, consistentes

em prestação de serviços à comunidade, a ser cumprida em estabelecimento

assistencial que necessite de repasse de verba pública e limitação de fi m de

semana, a ser cumprida no departamento do Corpo de Bombeiros localizado no

Município de Porto Velho-RO.

5.3) Evanildo Abreu de Melo, pelo único crime do art. 305 do Código Penal

(supressão de documento público), fi ca defi nitivamente condenado à pena 02 (dois)

anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 20 dias-

multa, cada um no equivalente a 1/2 (meio) salário mínimo, nos termos do art. 60 do

Código Penal.

É pertinente a substituição da pena privativa de liberdade, uma vez que o

réu preenche os requisitos alinhados no art. 44 do Código Penal, revelando ser a

substituição sufi ciente à repreensão do delito.

Assim sendo, observado o disposto pelo art. 44, § 2°, (segunda parte) e na

forma dos arts. 46 e 48, todos, do Código Penal, substituo a pena privativa de

liberdade aplicada por 02 (duas) restritivas de direito, consistentes em prestação

de serviços à comunidade a ser cumprida em estabelecimento assistencial

que necessite de repasse de verba pública e limitação de fi m de semana a ser

cumprida no departamento do Corpo de Bombeiros localizado no Município

de Porto Velho-RO.

Sem custas (art. 7º da Lei n. 11.636/2007).

É o voto.

QUESTÃO DE ORDEM

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Sr. Presidente, pelo que decorre

do voto da eminente Relatora, o ato de exoneração tem o objetivo principal

de deslocar a competência. Essa utilização em fraude a lei de um pedido

dessa natureza nos impõe o julgamento. Registro que no precedente do STF,

aqui invocado, fi cou expressamente assentado a inexistência, naquele caso, de

exercício abusivo do direito.

Por esta razão acompanho o voto da Sra. Ministra Relatora.

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QUESTÃO DE ORDEM

O Sr. Ministro Castro Meira: Sr. Presidente, peço vênia à divergência para

acompanhar o voto da eminente Ministra Relatora.

É como voto.

QUESTÃO DE ORDEM

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Sr. Presidente, também acompanho

o voto da eminente Ministra Relatora porque, pelo que disse S. Exa., não foi

publicado ainda o ato deferindo o requerimento e, evidentemente, em tese, pode

ocorrer a retratação e, como sabemos, a publicidade é inerente a matéria.

QUESTÃO DE ORDEM

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Hoje a competência é, induvidosamente do

Superior Tribunal de Justiça, resultante do fato de que o denunciado, conselheiro

do Tribunal de Contas, tem foro aqui.

A exoneração é um ato que demanda procedimentos não ultimados até o

momento; enquanto não irradiar os efeitos próprios, o denunciado permanece

sendo conselheiro e o Superior Tribunal de Justiça é competente para processar

e julgar a presente ação penal.

Por esse motivo estou acompanhando o voto da eminente Ministra

Relatora.

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Eliana Calmon: - Esta Corte Especial, na sessão de 1º de

junho de 2005 recebeu, por unanimidade, a denúncia oferecida em desfavor dos

acusados: Natanael José da Silva, Francisco de Oliveira Pordeus, Irene Becária

de Almeida Moura, Vitor Paulo Riggo Ternes e Evanildo Abreu de Melo e, por

maioria, afastou o primeiro denunciado do cargo de Conselheiro do Tribunal de

Contas do Estado de Rondônia (fl . 401-435).

Em relação aos policiais militares Pedro César Veronezi, Wildney Jorge Canto

de Lima, Jerônimo Servo da Silva, David da Silva e aos agentes de segurança

Marcus Aurélio Costa Silva e Raimundo Felício do Nascimento, concluiu a Corte

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Especial por rejeitar a exordial acusatória, sob o fundamento de serem eles

ocupantes de cargos de baixa patente na Polícia Militar, treinados para dar

segurança aos parlamentares, sendo de intuir-se que jamais se rebelariam

contra as ordens emanadas de deputados estaduais, aos quais tinham o dever

de proteger, principalmente em episódio ocorrido no interior do prédio da

Assembléia Legislativa.

A Corte Especial também rejeitou a denúncia contra José Carlos de Oliveira

e Reinaldo Guimarães de Figueiredo, por ausência de indícios de autoria dos

crimes a estes imputados (supressão de documento público e coação no curso do

processo, respectivamente).

A decisão colegiada fi cou assim ementada:

Processo Penal. Peculato. Coação no curso do processo e supressão de documentos públicos.

Comprovada a materialidade e a autoria do crime de peculato dos três primeiros denunciados, recebe-se a denúncia quanto a esses crimes.

A coação exercida pelo primeiro denunciado, objetivando paralisar a ação da justiça e destruir provas, está materialmente comprovada.

Co-autoria de servidores públicos que tinham discernimento e independência para agirem segundo a lei, sem obediência a ordem manifestamente ilegal.

Humildes servidores representados por agentes de segurança e policiais de baixa patente não podem ser incriminados como co-autores, por terem agido por temor do patrão e chefe de hierarquia superior.

A gravidade do crime de peculato, com autoria comprovada via farta prova documental, autoriza o afastamento do réu Conselheiro do Tribunal de Contas.

Denúncia recebida em parte.

(APn n. 266-RO, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 1º.06.2005, DJ 12.09.2005, p. 193)

Pelo decurso do tempo, quase cinco anos de instrução, é bom relembrar

os fatos que levaram à denuncia, os quais podem ser resumidos nos tópicos

seguintes:

1) a partir de informações prestadas pelo servidor público Eduardo

Valverde Araújo Alves, em 28.05.2001, passou o Ministério Público do Estado de

Rondônia a investigar os pagamentos feitos pela Assembléia Legislativa a seus

servidores, mediante a emissão de cheques sacados da conta da instituição;

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 107

2) pelas informações, o Presidente da Assembléia Legislativa, Natanael José

da Silva e Francisco de Oliveira Pordeus, Diretor do Departamento Financeiro da

Assembléia Legislativa, emitiam cheques da conta corrente de n. 350-07762-

3000-9, mantida pela Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, no banco

Sudameris, e posteriormente desviavam as ordens de pagamento;

3) com as investigações constatou o Ministério Público os acontecimentos

que levaram à abertura do presente processo, identifi cado por quatro tópicos

embasadores da denúncia:

I - P RIMEI RO FATO: P RÁT ICA DE P ECULATO-

APROPRIAÇÃO DO CHEQUE DE R$ 601.315,00 (ART. 312, CAPUT,

(PRIMEIRA PARTE), DO CÓDIGO PENAL)

Atribui o parquet aos acusados Natanael José da Silva, Francisco de Oliveira

Pordeus e Irene Becaria de Almeida Moura a prática de peculato-apropriação

tipifi cado no art. 312, caput, (primeira parte), do Código Penal, pelo fato de,

em 16 de fevereiro de 2001, Natanael José da Silva e Francisco de Oliveira

Pordeus, respectivamente, Presidente da Assembléia Legislativa e Diretor do

Departamento Financeiro da Assembléia, mediante acordo prévio de vontade,

emitiram, a débito da conta corrente de n. 350-07762-3000-9, da Assembléia

Legislativa do Estado de Rondônia, no Banco Sudameris, agência n. 350 de

Porto Velho-RO, o cheque de n. 004847, no valor de R$ 601.315,00 (seiscentos

e um mil, trezentos e quinze reais) como comprovam os docs. de fl . 103-107 do

Apenso I e o doc. de fl . 1.320 do Apenso V.

O cheque foi sacado no dia 16.02.2001 (sexta-feira) pelo denunciado

Francisco Pordeus, e o valor dividido: R$ 1.315,00 (mil, trezentos e quinze reais)

foi para sua conta e o restante (R$ 600.000,00), foi deixado no próprio banco

para ser entregue à empresa Transeguro.

No dia seguinte (sábado), foi o valor transportado para a Distribuidora

de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda (Dismar), de propriedade de Natanael

(contrato social de fl . 348-368 do Apenso I).

Considerou o Ministério Público Estadual que os denunciados Natanael

e Francisco, utilizando-se dos seus cargos, juntamente com Irene, a quem foi

estendida a qualidade de servidora, por força do art. 30 do Código Penal,

cometeram peculato-apropriação, tipifi cado no artigo 312, na forma do art. 29

(praticando mediante concurso de pessoas) do Código Penal, ao apropriarem-se

do valor de R$ 601.315,00.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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II - SEGUNDO FATO: PRÁTICA DO DELITO DE PECULATO-

DESVIO, EM CONTINUIDADE DELITIVA, DE 55 (CINQUENTA E

CINCO) CHEQUES ADMINISTRATIVOS NO VALOR TOTAL DE

R$ 207.855,20 (ART. 312, CAPUT, (SEGUNDA PARTE), DO CÓDIGO

PENAL)

Ao denunciado Natanael José da Silva também é imputada a prática de

peculato na modalidade desvio, tipifi cado no art. 312, caput, (segunda parte), na

forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Com a quebra do sigilo bancário da conta da Assembléia Legislativa,

apurou-se que no período de janeiro a abril de 2001 foram emitidos 55

(cinquenta e cinco) cheques administrativos, nominais a pessoas físicas diversas,

num total de R$ 207.855,20, valor creditado na conta da empresa Dismar -

Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda, junto ao Bradesco, não

se podendo olvidar o fato de ser o denunciado Natanael José Da Silva sócio

majoritário da distribuidora.

A afirmação do parquet está documentalmente embasada na prova

documental, porque no verso dos 55 (cinquenta e cinco) cheques há um carimbo

do Bradesco, atestando que os valores representados na ordem de pagamento

foram creditados na conta n. 15.550-0, mantida pela Dismar, sendo todos os

cheques, no total de 55 (cinquenta e cinco), de emissão do denunciado Natanael,

em continuidade delitiva e em proveito próprio, sob o falso argumento de que se

tratava de pagamento dos salários dos servidores. Entretanto, localizadas muitas

das pessoas nominadas, afi rmaram nunca terem trabalhado na Assembléia

Legislativa do Estado de Rondônia.

III - TERCEIRO FATO: DELITO DE COAÇÃO NO CURSO DO

PROCESSO (ART. 344 DO CÓDIGO PENAL C.C. ART. 61, II, b, DO

CÓDIGO PENAL)

Aos denunciados Natanael José da Silva, Pedro César Veronezi, Wildney

Jorge Canto de Lima, Jerônimo Servo da Silva, David da Silva, Marcus

Aurélio Costa Silva, Raimundo Felício do Nascimento e Reinaldo Guimarães de

Figueiredo é imputada na denúncia o delito de coação no curso do processo,

art. 344, na forma dos arts. 29 (concurso de pessoas) e 61, II, b (para facilitar ou

assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime),

todos do Código Penal.

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Em relação a este delito Natanael, auxiliado pelos policiais militares Pedro

César Veronezi, Wildney Jorge Canto de Lima, Jerônimo Servo da Silva e pelos agentes de segurança da Assembléia Marcus Aurélio Costa Silva e Raimundo

Felício do Nascimento, teria proferido ameaças contra os servidores que estavam no prédio da Assembléia Legislativa cumprindo o mandado judicial de busca e apreensão, chegando ao ponto de utilizarem-se de força física.

Mais grave ainda foi a imputação feita ao primeiro denunciado, pois Natanael teria inviabilizado a apuração dos crimes de peculato, impedindo o cumprimento da segunda etapa da ordem judicial de busca e apreensão.

No dia 1º.06.2001, com a chegada de Natanael ao prédio da Assembléia, a equipe de servidores da Justiça e do Ministério Pública foi paralisado o cumprimento da ordem judicial pela violenta intervenção do denunciado, como registra a denúncia, atitude que tomou grandes proporções, principalmente pela inação do Comando Geral da Polícia Militar que se omitiu inteiramente quando chamado por telefone para coibir a brutal atitude da autoridade legislativa. O máximo que se obteve foi o comparecimento, ao local, de uma guarnição comandada pelo Tenente André Roberto de Azevedo, único policial que tentou preservar a legalidade e o cumprimento da ordem judicial. Porém, foi ele impedido de atuar pela força dos demais colegas, inclusive do Coronel da Polícia Militar Reinaldo Guimarães de Figueiredo, chefe da Assessoria Militar da Assembléia, o qual orientou o Tenente Azevedo, dizendo-lhe: “levar em banho-maria, porque ao fi nal poderia sobrar para ele, Tenente”.

IV - QUARTO FATO: SUPRESSÃO DE DOCUMENTO

PÚBLICO (ART. 305, C.C. ART. 61, II, b e d, NA FORMA DO ART. 29,

CAPUT, TODOS DO CÓDIGO PENAL)

Os denunciados Natanael José da Silva, Vitor Paulo Riggo Ternes, Evanildo

Abreu de Melo e José Carlos de Oliveira são acusados pelo crime de supressão

de documento público - art. 305, arts. 29, caput, e 61, II, b e d, todos do

Código Penal. E isto porque no mesmo dia 1º, por volta das 21:00h, quando

os executores do mandado judicial encontravam-se na sala do Departamento

Financeiro da Assembléia, o denunciado Natanael arrancou os computadores

que já estavam apreendidos pela equipe, jogando-os em uma sala localizada ao

lado do departamento fi nanceiro, destruindo os equipamentos, ao tempo em que

arrebatou a caixa onde estavam diversos documentos já apreendidos e passou a

rasgá-los para em seguida, colocando os destroços em uma pequena área que

forma uma espécie de jardim de inverno, jogar sobre eles álcool e atear fogo.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

110

O Corpo de Bombeiros foi chamado mas Natanael impediu a entrada dos

soldados, ordenando o trancamento do portão lateral de acesso ao prédio. Nesse

trabalho contou Natanael com o auxílio do denunciado Vitor Paulo Riggo Ternes,

então diretor logístico da policial militar, fornecendo informações equivocadas

aos bombeiros, indicando uma outra direção, dizendo que o incêndio era na casa

vizinha à Assembléia.

A falsa informação retardou a atuação dos bombeiros que só depois de

algum tempo, ao constatarem ser falsa a indicação, conseguiram adentrar no

pátio do prédio, momento em que foram interceptados pelos denunciados

Evanildo Abreu de Melo e José Carlos de Oliveira, respectivamente, deputado

estadual e vice-Presidente da Assembléia.

Com ameaça aos bombeiros os fi éis auxiliares, juntamente com Natanael,

inviabilizaram a ação do Corpo de Bombeiros.

Para o Ministério Público a ação dos denunciados Vitor Riggo Ternes,

Evanildo Abreu e José Carlos de Oliveira, difi cultando a ação dos bombeiros

e dando apoio ao proceder de Natanael, contribuiu para a destruição de

documento público, delito capitulado no art. 305, na forma dos arts. 29, caput e

61, II, do Código Penal.

Iniciada a ação foram interrogados os denunciados (fl . 620-627- Natanael

José da Silva; fl . 654-656 - Vitor Paulo Riggo Ternes; fl . 657-658 - Evanildo

Abreu de Melo; fl . 659-661 - Irene Becária de Almeida Moura; e fl . 812-816 -

Francisco de Oliveira Pordeus).

Seguindo-se a apresentação das defesas prévias, oportunidade em que

foram arroladas as testemunhas:

1) fl . 662-663 - Evanildo Abreu de Melo;

2) fl . 664-667 - Irene Becária de Almeida Moura;

3) fl . 672-673 - Natanael José da Silva;

4) fl . 817-818 - Francisco de Oliveira Pordeus; e

5) fl . 840-853 - Vitor Paulo Riggo Ternes).

Após a oitiva das testemunhas foram apresentadas as alegações fi nais: MPF

(fl s. 1.584-1.597); Vitor Paulo Riggo Ternes - fl . 1.604-1.617; Irene Becaria de

Almeida Moura - fl . 1.619-1.627; Francisco de Oliveira Pordeus - fl . 1.629-1.640;

e Natanael José da Silva - fl . 1.642-1.697, o qual juntou os docs. de fl . 1.697-

2.277 (recortes de jornais e cópias de processo de Tomada de Contas Especial

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 111

instaurado pelo Tribunal de Contas Estadual para apurar irregularidades na

Assembléia Legislativa).

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - ALEGAÇÕES FINAIS -

FL. 1.584-1.597.

O Ministério Público Federal afirma estarem os fatos articulados na

denúncia devidamente comprovados, destacando que o denunciado Natanael

José da Silva foi eleito no fi nal do ano de 2000 para o cargo de Presidente da

Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia e ao tomar posse em 1º de

fevereiro de 2001, cuidou de nomear Francisco de Oliveira Pordeus para o cargo

de Diretor do Departamento Financeiro.

Reafi rma o parquet que, em 16 de fevereiro de 2001, os acusados, mediante

acordo prévio de vontade, emitiram a débito da conta corrente de n. 350-07762-

3000-9, da Assembléia Legislativa, no Banco Sudameris, agência n. 350 de

Porto Velho-RO, o cheque de n. 004847, no valor de R$ 601.315,00 (seiscentos

e um mil, trezentos e quinze reais) como comprovam os docs. de fl . 103-107 do

Apenso I e o doc. de fl . 1.320 do Apenso V.

O cheque foi sacado logo em seguida pelo denunciado Francisco de Oliveira

Pordeus, o qual reteve para si o montante de R$ 1.315,00 (um mil, trezentos e

quinze reais), repassando R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) para a empresa

Transeguro que, por intermédio dos seus prepostos, levou a importância à

Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda (Dismar), empresa que tem

o denunciado Natanael José da Silva como sócio majoritário, como consta do

contrato social (fl . 348-368 do Apenso I).

O valor foi recebido na Dismar pela funcionária Irene Becaria de Almeida

Moura, fato por ela confi rmado no interrogatório judicial (fl . 659-661).

Para o MPF os denunciados Natanael e Francisco, utilizando-se do cargo

público, condição que por ser elementar ao crime de peculato estendeu-se a Irene

Becaria de Almeida Moura, por força do art. 30 do Código Penal, estando todos

três incursos nas sanções do tipo do artigo 312, caput, na forma do art. 29, caput,

do Código Penal, praticando o delito de peculato na modalidade apropriação.

O órgão ministerial aduz que não subsiste a alegação dos denunciados de

que o montante sacado da conta da Assembléia Legislativa teve por destino

pagamento da folha de servidores comissionados. Para o parquet tal alegação não

encontra suporte em nenhum elemento dos autos, mesmo porque o montante

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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sacado (R$ 601.315,00) é muito superior ao valor total da folha de pagamento

dos servidores comissionados da Assembléia no mês de janeiro de 2001, o qual

estava no importe de apenas R$ 330.835, 83 (trezentos e trinta mil, oitocentos

e trinta e cinco reais e oitenta e três centavos) que, somado aos encargos da

Previdência um montante de R$ 335.503,16 (trezentos e trinta e cinco mil,

quinhentos e três reais e dezesseis centavos).

Destaca o MPF que o denunciado Natanael disse ter sido insufi ciente

o valor de R$ 601.315,00 para cobrir o pagamento da folha dos servidores

comissionados, razão pela qual foi providenciado novo saque de R$ 179.002,81

(cento e setenta e nove mil, dois reais e oitenta e um centavos), como evidencia

o cheque sob n. 004852 de fl . 109-110 do Apenso I e fl . 1.322 do Apenso V,

valores que somados ultrapassam em muito o real valor da folha.

Mas a acusação contra este denunciado não se restringiu a este saque

apenas porque, segundo o MPF, 55 (cinquenta e cinco) cheques nominativos

foram emitidos contra o Banco Sudameris, agência 350, de Porto Velho-RO,

com o fi m de remunerar servidores comissionados da Assembléia Legislativa

de Rondônia, constatando-se, após a quebra do sigilo bancário da Distribuidora

de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda (Dismar), que as referidas ordens de

pagamento foram todas creditadas na conta da Dismar, valendo notar que

muitos dos benefi ciários nem chegaram a endossar os cheques emitidos a seu

favor.

Natanael alegou que os cheques foram “trocados” em seu estabelecimento,

mas o MPF afi rma não merecer crédito a alegação porque “...não é crível que

essa sociedade mercantil, a despeito de pujante, funcionasse, concomitantemente,

como (i) estabelecimento comercial, destinado à venda de bebidas em grosso e

a varejo, e (ii) instituição fi nanceira, o mais plausível é acreditar que os cheques

em comento, que somaram R$ 207.855,20 (duzentos e sete mil, oitocentos e

cinquenta e cinco reais e vinte centavos), em cifras de 2001, serviram para desviar

valores, que deveriam custear o funcionamento da Assembléia Legislativa do

Estado de Rondônia, e vinculá-los ao atendimento de interesses pessoais do seu

Presidente, por efi ciência do abjeto assentimento dos titulares dessas ordens de

pagamento.”

Segundo o órgão acusador a utilização de servidores indicados nas ordens

de pagamento como benefi ciários é graciosa porque a intenção do denunciado

Natanael era desviar valores em prol da sua empresa, ou remunerar pessoas

que estavam a seu serviço pessoal, como por exemplo os cheques destinados a

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 113

remunerar jornalistas admitidos na Assembléia Legislativa com a fi nalidade de

promover o denunciado Natanael, conforme demonstram os depoimentos de

Elianio Nazaré do Nascimento e Gerson Barbosa Costa.

Concluiu o parquet, por imputar ao denunciado Natanael José da Silva

o delito de peculato na modalidade desvio, tipifi cado no art. 312, caput, (segunda

fi gura), na forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Com relação à suposta prática do delito de coação no curso do processo, o

MPF relata que no dia 1º de junho de 2001, membros do Ministério Público

do Estado de Rondônia, juntamente com Ofi ciais de Justiça, servidores do MP

Estadual e policiais civis, dirigiram-se à sede da Assembléia Legislativa do

Estado de Rondônia com o escopo de cumprir mandado de busca e apreensão

expedido por autoridade judiciária nos autos do processo judicial em que se

apurava eventual prática de delito de peculato por parte de Natanael e Francisco

Pordeus.

Os agentes públicos destacados para dar cumprimento à ordem judicial

ingressaram sem resistência na sede da Assembléia Legislativa e, quando

separavam os documentos e computadores úteis à investigação, foram

surpreendidos pela chegada do acusado Natanael que, acompanhado de

seguranças e contando com a omissão dos policiais denunciados Vitor Paulo

Riggo Ternes e Evanildo Abreu de Melo, passou a agredir os agentes públicos

que se empenhavam no cumprimento da ordem judicial, chegando, inclusive, a

destruir computadores e incinerar os documentos que seriam apreendidos.Para

tanto foi providenciado o corte da energia elétrica do prédio e bloqueadas as

entradas, o que inviabilizou o acesso do efetivo policial e do corpo de bombeiros,

quando irrompeu o incêndio provocado pelo Presidente da Assembléia.

Conclui o Ministério Público Federal por imputar a Natanael José da

Silva os delitos de coação no curso do processo e de supressão de documento público,

tipifi cados, respectivamente, nos arts. 344 e 305, c.c. art. 61, II, b e d, na forma do art.

29, caput ,todos do Código Penal.

VITOR PAULO RIGGO TERNES - ALEGAÇÕES FINAIS - FL.

1.604-1.617.

Este denunciado alega não ter praticado nenhum ilícito. Segundo sua

versão, foi designado pelo Comando da Polícia Militar para acompanhar a

suposta resistência à ordem judicial de busca e apreensão no prédio da

Assembléia Legislativa. Deslocou-se para o local e lá fi cou fora do prédio, tendo

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

114

avisado ao Corpo de Bombeiros sobre o princípio de incêndio nos fundos do

edifício. Coube-lhe orientar os bombeiros quando chegaram ao local, ao seu

chamado e ao perceber que o portão lateral estava trancado sugeriu que os

soldados usassem uma entrada alternativa, existente nos fundos da Assembléia.

Nega ter obstruído o trabalho do Corpo de Bombeiros e considera

insubsistente a imputação de ter suprimido documentos públicos, aduzindo,

para tanto que, na exordial acusatória, o Ministério Público não cuidou de

demonstrar qual conduta teria sido por ele praticada com o fim de fazer

desaparecer os documentos, principalmente porque, quando os bombeiros

chegaram ao local os documentos já estavam sendo queimados.

Alega que o Corpo de Bombeiros levou de 15 a 20 minutos para chegar ao

local e quando chegou o portão de acesso ao prédio estava trancado e guarnecido

por seguranças e deputados, estes os reais óbices à tentativa de controlar o fogo.

Admite o denunciado, no máximo, estar incurso na modalidade culposa do

delito do artigo 305 do Código Penal, pelo fato de ter dito aos bombeiros, em

certo momento, que o fogo estava sob controle. Mas como não há a modalidade

culposa, o qual exige dolo específi co, não pode ser então apenado. Pede seja

julgada improcedente a denúncia.

IRENE BECÁRIA DE ALMEIDA MOURA - ALEGAÇÕES

FINAIS - FL. 1.619-1.627.

Para esta denunciada não há nos autos prova da sua participação na

apropriação de valores, razão pela qual considera-se merecedora de absolvição

da imputação do delito de peculato, previsto no art. 312 do Código Penal,

embora confi rme ser empregada da Dismar, empresa que ostenta como sócio o

Ex-Presidente da Assembléia Legislativa de Rondônia. Confi rma ter recebido

de boa-fé o dinheiro transportado pela empresa de segurança Transeguro, no

valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), destinado ao pagamento de

servidores comissionados da Assembléia Legislativa, prática que visou acabar

com os “servidores fantasmas”.

Também confi rma ter entrado em contato com a Transeguro, a pedido de

Natanael, cientifi cando-se da entrega para o dia seguinte e de que era necessário

haver um contrato da empresa com a Assembléia Legislativa para só então ser

possível o transporte. Em razão da ausência de contrato, Natanael determinou

fosse o valor recebido pela denunciada, em nome da Dismar que tinha contrato

fi rmado com a Transeguro.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 115

Assevera que não pode ser responsabilizada penalmente por ter recebido o

valor entregue pela transportadora e repassado de imediato para Natanael José da

Silva e Francisco Pordeus.

Considera defeituosa a acusação por ser genérica, não tendo o parquet

demonstrado o dolo, necessário para a confi guração do delito de peculato, sendo

inviável a condenação com base em responsabilidade objetiva.

FRANCISCO DE OLIVEIRA PORDEUS - ALEGAÇÕES FINAIS

- FL. 1.629-1.640.

Na versão deste acusado, no dia 16 de fevereiro de 2001, ele e Natanael

decidiram pagar os funcionários comissionados da Assembléia Legislativa

pessoalmente, para constatar a real situação da folha de pagamento, a qual estava

muito alta, no valor de R$ 601.315,00.

Natanael procurou saber qual a forma mais segura para transportar o valor

da folha de pagamento, que se encontrava depositado no banco Sudameris,

agência Porto Velho-RO. Buscou informações com sua empregada, Irene Becaria

de Almeida Moura, a qual informou que a empresa Transeguro poderia transportar

o dinheiro para a empresa Dismar, com a qual mantinha contrato de transporte

de valores. O funcionário da empresa Transeguro, por questão operacional,

orientou no sentido de que se fi zesse o transporte em valor redondo, ou seja,

R$ 600.000,00. Dai a decisão de ser entregue ao denunciado a importância de

R$ 1.315,00, o qual seria, no dia seguinte (sábado), juntado ao valor principal

transportado, para o pagamento da folha.

Considera não haver nos autos prova do delito que lhe é imputado, porque

não se apropriou do valor de R$ 1.315,00, tendo desempenhado seu mister na

Assembléia Legislativa, sob o primado da ética e da moral.

Assevera que o motivo pelo qual o pagamento dos servidores comissionados

foi feito no sábado, na sede da Assembléia Legislativa, foi acabar com os

servidores “fantasmas” do órgão.

Realça o fato de ter apenas providenciado o saque da quantia (R$

601.315,00) do banco Sudameris, não tendo praticado qualquer conduta dolosa

que pudesse se amoldar ao tipo do art. 312, caput, (segunda fi gura) do Código

Penal.

Considera defeituosa a denúncia pela generalidade da acusação, o que

torna inviável a sua condenação, eis que o delito de peculato exige, conforme

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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jurisprudência reiterada, elemento subjetivo - animus rem sibi habendi. Pede a

improcedência da acusação ou em caso de condenação requer seja considerada a

sua primariedade.

NATANAEL JOSÉ DA SILVA - ALEGAÇÕES FINAIS - FL. 1.642-

1.696.

Em sede de preliminar, argüi a defesa a ilegalidade do meio de obtenção

do cheque de R$ 601.315,00, aduzindo, para tanto, que o processo criminal

instaurado contra o ora denunciado teve origem em prova ilícita obtida pelo

Ministério Público, contrariando, portanto, o art. 5º, LVI, da Constituição

Federal de 1988.

Aduz que na data de 28.05.2001, Eduardo Valverde, membro do Partido

dos Trabalhadores, protocolou denúncia junto ao Ministério Público, acostando

a esse requerimento cópia do cheque no valor de R$ 601.315,00 (fl . 02-08 do

Apenso I).

Afi rma que em 1º.06.2001 os Promotores de Justiça Aidee Torquato e

Rodney De Paula requereram ordem judicial de busca e apreensão na sede da

Assembléia Legislativa e ordem de quebra do sigilo bancário da conta corrente

que a Assembléia Legislativa mantém na agência do banco Sudameris, agência

Porto Velho-RO. Em 07.06.2001, o banco Sudameris, ao responder à Delegada

Presidente do Inquérito Policial n. 078/2001 a respeito do cheque n. 004847,

agência 350, no valor de R$ 601.315,00, consignou que a referida ordem de

pagamento exposta em órgão de imprensa foi obtida de forma ilegal (fl . 57-58).

Em 17.07.2001, o banco Sudameris encaminhou ao juiz os documentos

referentes à ordem de quebra do sigilo bancário, inclusive com a cópia do cheque

questionado. Considera que os procedimentos instaurados pelo Ministério

Público, cujos resultados constituem a matriz probatória da ação, tiveram

origem no cheque obtido de forma ilegal, fato que macula toda a investigação

empreendida, devendo ser aplicada a teoria da inadmissibilidade das provas

ilícitas por derivação, positivada no art. 157, § 1º, do Código de Processo Penal.

Entende não subsistir a alegação do parquet de que não há sigilo quanto a

ordem de pagamento, por ser ela documento público.

Reitera a preliminar de nulidade do julgamento em que foi recebida a

denúncia, porque, após a juntada aos autos do Inquérito n. 403-RO deveria ter

sido oportunizado à defesa prazo para manifestar-se sobre os fatos apurados no

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 117

referido procedimento administrativo instaurado com o fi m de apurar suposta

prática de infração penal.

Assevera que formulou pedido de adiamento da sessão em que foi recebida

a denúncia, sendo o requerimento negado pela relatora, sob o fundamento

de que os fatos noticiados no inquérito policial encontram-se descritos na

denúncia, não havendo qualquer prejuízo para a defesa.

Alega que o Ministério Público Federal concordou com o pedido de vistas

formulado pela defesa e que a Corte Especial, ao acompanhar o voto da relatora

neste ponto, terminou por prejudicar a defesa e violar os princípios da ampla

defesa e do contraditório.

Reitera, ainda, a preliminar de nulidade de julgamento da Corte Especial

que, ao concluir pelo recebimento da denúncia em face do acusado, extrapolou

o juízo de delibação a que alude o art. 6° da Lei n. 8.038/1990, fato que não foi

solucionado pelo acórdão de fl . 500-509 que julgou os declaratórios opostos

pelo ora denunciado.

Assevera que a decisão de recebimento da denúncia contém vício grave que

termina por implicar na nulidade do julgamento, sob o argumento de que houve,

quando do recebimento da denúncia, verdadeiro pré-julgamento, procedimento

que, segundo o acusado, propagou-se durante toda a instrução criminal, tendo

esta relatora proferido decisões que prejudicaram a defesa do denunciado.

Alega que a Corte Especial, acompanhando voto da relatora, violou o

princípio do contraditório, sob o argumento de que, ao acolher embargos

declaratórios opostos pelo Ministério Público Federal às fl . 539-546, terminou

por alterar a decisão que recebeu a denúncia, acrescentando circunstâncias

agravantes a 02 (dois) delitos imputados ao denunciado.

Assevera que em 04.09.2007, o acusado insistiu na oitiva de testemunhas

ainda não inquiridas, sob o argumento de que o limite máximo de 08 (oito)

testemunhas refere-se a cada fato imputado ao acusado, requerimento negado

(fl . 1.018-1.019). Após o indeferimento quanto a oitiva das testemunhas de

defesa que excederam o número máximo de 08 (oito), cuidou o acusado às fl .

1.031-1.034 de insistir no restabelecimento do rol de testemunhas contido na

defesa prévia, peça na qual o denunciado arrolou 16 testemunhas (fl . 672-675).

Considera haver nulidade na instrução criminal, por ter ocorrido inversão

na oitiva das testemunhas de acusação e defesa, em contrariedade ao art. 396 do

Código de Processo Penal e ao art. 5º, LV, da CF/1988.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Continuando, diz que por ocasião da abertura do prazo de diligências

requereu (fl . 1.544-1.548):

a) requisição de cópias de folhas de pagamento dos servidores

comissionados no período de janeiro a abril de 2001;

b) perícia grafotécnica dos 55 (cinquenta e cinco) cheques mencionados na

exordial acusatória, a fi m de comprovar a regularidade dos endossos;

c) requisição junto à 1ª Vara da Fazenda Pública do Estado de Rondônia

e ao Tribunal de Contas do Estado de Rondônia de cópia dos processos n.

001.2005.018940-8 e n. 4.470/2004 que tramitam, respectivamente, naqueles

órgãos e versam sobre os mesmos fatos apurados no presente processo e nos

quais constam diversos documentos de interesse para a defesa;

d) a requisição junto ao Comando do Corpo de Bombeiros do Estado

de Rondônia e à Polícia Técnica do Estado de Rondônia de cópias dos laudos

periciais realizados no prédio da Assembléia Legislativa no dia 1º.06.2001.

Como os requerimentos foram indeferidos (fl . 1.549-1.550), interpôs

agravo regimental (fl . 1.561-1.568), confi rmando o colegiado o indeferimento

(fl . 1.570-1.576).

Requer seja o processo anulado, garantindo-lhe o direito às provas nos

exatos termos pleiteado.

No mérito, reitera os termos da resposta preliminar de fl . 45-54, bem como

de seu interrogatório de fl . 620-628, mediante os quais teria demonstrado a

insubsistência da denúncia oferecida pelo Ministério Público. Destaca, ainda,

que realizada a instrução processual, resultou evidente a improcedência da

exordial acusatória, nos termos dos depoimentos prestados pelos Procuradores

de Justiça Jackson Abílio, Ivo Scherer, Senador Valdir Raupp, Deputados Francisco

Carvalho da Silva e Edézio Martelli.

Destaca trechos de depoimentos que demonstrariam a ocorrência de

perseguição ao acusado, relatando publicação de artigo na imprensa local em

que o Procurador de Justiça Ivo Scherer teria criticado a postura dos membros do

Ministério Público que participaram da diligência de busca e apreensão.

Assevera que a ação do Ministério Público do Estado de Rondônia foi

desencadeada como forma de retaliação à Comissão Parlamentar de Inquérito

instaurada pela Assembléia Legislativa com o escopo de investigar atos

praticados por Amadeu Machado, então Presidente do Tribunal de Contas do

Estado de Rondônia, pessoa infl uente na citada unidade da federação.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 119

Afi rma que tal perseguição fi cou demonstrada no depoimento prestado

pelo denunciado Francisco Pordeus junto ao Ministério Público Estadual, o

qual relatou a atitude desrespeitosa do então Corregedor-Geral do Ministério

Público para com a pessoa do depoente (fl . 1.397, vol. 6).

Atribui a perseguição às atitudes adotadas no primeiro ano de mandato, as

quais incomodaram certos agentes políticos, tornando-se persona non grata do

então Procurador-Geral de Justiça José Viana Alves.

A fi m de subsidiar a assertiva de excesso por parte do parquet, menciona

o denunciado trecho de pronunciamento realizado pelo Senador Amir Lando

na tribuna do Senado Federal, no qual reprova a conduta dos membros do

Ministério Público do Estado de Rondônia.

Pede sejam vistos com reserva os depoimentos prestados pelos membros do

parquet durante a instrução criminal, eis que o Procurador Abdiel, às fl . 1.420-

1.423 do vol. 6, negou ter conhecimento do que transcorria na Assembléia

Legislativa, cuja CPI instaurada para apurar irregularidades envolvendo terras

públicas, tinha como fi gura investigada a Promotora de Justiça Aidee Torquato.

O denunciado assevera que o Ministério Público do Estado de Rondônia

omitiu e manipulou provas, induzindo a erro o Ministério Público Federal.

Informa que, nos autos de procedimento administrativo instaurado pelo

Ministério Público Estadual, foram colhidos depoimentos de pessoas que

reconhecem ter recebido cheques emitidos para pagamento da folha de salários

dos servidores comissionados, confi rmando, inclusive, a autoria dos endossos.

Pleiteia o acusado sejam requisitadas cópias dos processos administrativos

instaurados pelo Ministério Público Estadual com o fi m de apurar os fatos objeto

da presente ação penal (Processos n. 001.2001.007769-2, 001.2001.007770-6 e

001.2005.018940-8).

Pretendendo esclarecer o seu comportamento, disse que, o primeiro ato por

ele praticado ao assumir a Presidência da Assembléia Legislativa foi combater a

existência de funcionários “fantasmas”. Para tanto idealizou efetuar o pagamento

pessoal aos servidores, divulgando amplamente no noticiário local.

Apoiando-se na Resolução Administrativa n. 003 do Tribunal de Contas

do Estado de Rondônia, legislação que rege o pagamento de pessoal, invoca o

teor do seu art. 50, § 2º que, dispondo sobre o pagamento de despesas, determina

sejam feitas, quando possível, mediante ordem bancária ou cheque nominativo.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Como as alternativas legais eram ensejadoras da continuação de servidores

“fantasmas”, autorizou a Mesa Diretora da Assembléia Legislativa só haver

pagamento de salários a quem comparecesse pessoalmente à Assembléia no dia

17.02.2001 (sábado). Daí o procedimento adotado pelo acusado, para viabilizar

a entrega dos salários aos servidores.

Considera desarrazoada a imputação que lhe é feita quanto ao delito

de peculato, porque, caso fosse do seu interesse apropriar-se do valor de R$

601.350,00, não teria tomado providências de transportar os valores pela

Transeguro; teria sido mais conveniente apropriar-se do valor, simplesmente.

Aduz que, em momento algum da instrução criminal, foi negado o fato de

que o recurso a ser transportado pertencia à Assembléia Legislativa e a prática

utilizada resultou em economia para os cofres da Assembléia no montante de

R$ 400.000,00.

Informa que a liminar de busca e apreensão foi suspensa pelo Presidente

do TJ-RO à 1:00h do dia 02.06.2001 e dentre outros itens, determinou o

Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça que o parquet devolvesse

os documentos, cd´s e disketes apreendidos, providência não atendida pelo

MP. Requer seja requisitada a devolução dos documentos apreendidos úteis à

demonstração da inocência do acusado.

Considera incoerente a conduta do parquet, em razão de ter afi rmado que,

além do cheque de R$ 601.350,00, foi descontado, ainda, um outro cheque no

valor de R$ 179.002,81 da conta da Assembléia Legislativa (fl . 330 do apenso

I) para complementar o valor da folha de salários dos servidores comissionados.

Afirma que a ausência de aditamento da exordial acusatória acarreta no

reconhecimento por parte do parquet de que o cheque foi emitido com o mesmo

objetivo daquele que deu causa à instauração das investigações, qual seja, reduzir

a folha de pagamento da citada Casa Legislativa.

Com relação ao suposto desvio dos 55 (cinqüenta e cinco) cheques que

totalizaram o valor de R$ 207.855,20, argui o denunciado cerceamento de

defesa, aduzindo, para tanto, que deveria ter sido juntado aos autos os originais

das referidas ordens de pagamento, já que, segundo entende, faz-se necessária

realização de perícia para comprovação da idoneidade dos endossos.

Assevera que o parquet, na exordial acusatória, consignou que seria

necessário vir aos autos os originais dos cheques, em atenção ao art. 5º, LIV e

LV, da Constituição da República de 1988, o que terminou não ocorrendo.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 121

Quanto à limitação do número de testemunhas, considera-se prejudicado,

pois ficou impossibilitado de arrolar as testemunhas ouvidas no processo

administrativo instaurado perante o Tribunal de Contas do Estado de Rondônia

e que declararam ter recebido os valores referentes aos cheques nominativos

emitidos pela Assembléia Legislativa. Alega que não pôde demonstrar a

insubsistência das imputações feitas ao denunciado de prática do delito de

peculato-desvio.

Afi rma que o parquet sustentou a denúncia em torno da apropriação-

desvio com base em prova colhida por amostragem, pois dos 2.600 cheques

emitidos pela Assembléia durante o período de janeiro a abril de 2001, o

Ministério Público do Estado de Rondônia encontrou apenas 55 (cinquenta e

cinco) emitidos de forma supostamente irregular.

Por fi m, afi rma não haver prova nos autos que autorize o julgamento de

procedência da exordial acusatória, devendo o denunciado ser absolvido, nos

termos do art. 386, III e VII, do Código de Processo Penal.

Juntou aos autos os docs. de fl . 1.697-2.287, referentes a recortes de jornais

do Estado de Rondônia, cópias de processo administrativo instaurado pelo

Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, com o fi m de apurar desvio de

dinheiro público e cópia de petição inicial de ação civil pública ajuizada pelo

Ministério Público do Estado de Rondônia contra os ora denunciados, por meio

da qual o parquet busca a condenação dos requeridos em atos de improbidade

administrativa.

Consta da certidão de fl . 2.288, que o denunciado Evanildo Abreu de Melo,

apesar de intimado na pessoa do seu advogado constituído, deixou de apresentar

alegações fi nais.

Diante de tal situação, determinei a sua intimação da inércia do procurador

constituído e designei defensor público para o exercício do munus (fl . 2.410).

EVANILDO ABREU DE MELO - ALEGAÇÕES FINAIS - FL.

2.427-2.435.

Em preliminar, argui a nulidade do processo, aduzindo, para tanto, que

apesar do denunciado fazer jus à suspensão condicional do processo, tal benefício

não foi oferecido pelo parquet tampouco pela relatora quando do recebimento

da denúncia.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

122

Entende que a pretensão punitiva em relação ao denunciado restou alcançada pela prescrição virtual. Afi rma que, no caso de eventual condenação, será fi xada pena mínima de 02 (dois) anos, nos termos do art. 109, V, do Código Penal, sendo então reconhecida a prescrição, porque entre a data da prática do delito imputado ao denunciado (16.02.2001) e a data do recebimento da denúncia (1º.06.2005), transcorreu prazo superior a 04 (quatro) anos.

Imputado ao denunciado a prática do crime de supressão de documento público, tipifi cado no art. 305 do Código Penal, durante a instrução criminal, restou demonstrado que o acusado não teve nenhuma participação no cometimento da infração, atendo-se o MPF, nas razões fi nais, basicamente, às condutas perpetradas pelos acusados Natanael José da Silva, Francisco Pordeus e Irene Becaria, fato que pode ser compreendido como pedido de absolvição implícito, atribuindo ao denunciado postura absenteísta em relação às condutas levadas a termo pelos demais acusados. E conclui que, a partir do momento em que o parquet assevera que a conduta do denunciado foi absenteísta, termina por reconhecer ter tido ele conduta omissiva, o que não se coaduna com o elemento subjetivo do tipo para a hipótese em questão, só punido a título de dolo.

Ao fi nal, requer a absolvição, nos termos do art. 388, II e IV, do Código de Processo Penal.

Após a apresentação de todas as defesas preliminares adotei as seguintes providências:

a) a expedição de carta de ordem para oitiva de testemunhas arroladas pela defesa do denunciado Natanel José da Silva (fl . 2.289), providência levada a termo às fl . 2.362-2.379;

b) requisição ao Banco Real do original ou da microfi lmagem do cheque do banco Sudameris, de n. 004847, agência 0350, conta mantida à época dos fatos pela Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, no valor de R$ 601.315,00 (seiscentos e um mil e trezentos e quinze reais), (fl . 2.334), documento juntado às fl . 2.338-2.339;

c) requisição das folhas de antecedentes criminais dos denunciados junto à Polícia Civil do Estado de Rondônia e à Polícia Federal, (fl . 2.410), documentos juntados às fl . 2.439-2.451.

Após o cumprimento das determinações foram intimadas as partes.

Nos termos do art. 228 do RISTJ, abri vista para que as partes, no prazo de 05 (cinco) dias, requeressem o que considerassem conveniente apresentar na sessão de julgamento (fl . 2.455).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 123

O Ministério Público Federal, às fl . 2.462-2.463, pugnou pela procedência

da ação penal, afi rmando que a microfi lmagem do cheque de n. 004847 (no

valor de R$ 601.315,00) demonstrou que este título restou compensado nos

termos expostos na exordial acusatória.

Assevera que os demais cheques relacionados às fl . 2.405 foram creditados

à sociedade Distribuidora de Bebidas São Miguel Arcanjo Ltda (Dismar),

conforme microfi lmagem de fl . 1.869-1.928.

Aduz que a sentença proferida pelo Juízo da Primeira Vara da Fazenda

Pública da Comarca de Porto Velho-RO condenou os réus pela prática de atos

de improbidade administrativa, em razão das condutas que deram causa às

acusações de peculato discutidas nesta ação penal.

A Defensoria Pública da União peticionou às fl . 2.466, afi rmando não havia

nada a ser requerido nesta oportunidade, reservando-se no direito de alegar o

que entendesse devido na sessão de julgamento.

Natanael José Da Silva pronunciou-se às fl . 2.470-2.474, afi rmando não

estar o processo em condições de ser submetido a julgamento, eis que, em razão

das diligências determinadas pela relatora (fl . 2.289-2.290), faz-se necessária a

reabertura de prazo para manifestação das partes sobre a prova testemunhal e

documental colhidas.

Considera necessária a remessa dos 55 (cinquenta e cinco) cheques

requisitados às fl . 2.290 para perícia, bem assim a oitiva, na sessão de julgamento,

da testemunha de defesa Reinaldo Guimarães de Figueiredo, à época dos fatos

Chefe da Casa Militar da Assembléia Legislativa de Rondônia, cujo endereço

constante dos autos.

Com esteio no art. 228, § 1º, do RISTJ, indeferi os pedidos formulados,

deixando para melhor fundamentar a decisão na sessão de julgamento.

Autos encaminhados ao Ministro Revisor Francisco Falcão.

É o relatório.

VOTO-REVISÃO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Senhor Presidente, o Ministério Público

do Estado de Rondônia ofereceu denúncia em face de diversas pessoas, sendo a

exordial acusatória recebida apenas em relação a Natanael José da Silva, Francisco

de Oliveira Pordeus, Irene Becaria de Almeida Moura, Vitor Paulo Riggo Ternes

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

124

e Evanildo Abreu de Melo, acusados da autoria, em concurso, dos crimes de

peculato-apropriação, peculato-desvio, coação no curso do processo e supressão

de documentos públicos.

Segundo a denúncia, os denunciados Natanael José da Silva e Francisco de

Oliveira Pordeus, nas qualidades de Presidente da Assembleia Legislativa do

Estado de Rondônia e Diretor Financeiro daquela Casa, emitiram o cheque

n. 004847, no valor de R$ 601.315,00, contra a conta n. 07762-3000-9, do

Banco Sudameris, agência única em Porto Velho, supostamente para cobrir

a folha de pagamento dos servidores do Parlamento, incluindo os servidores

comissionados.

Quando do cumprimento de ordem judicial de busca e apreensão

dos documentos contábeis da Assembleia Legislativa, deferida no curso da

investigação tendente a apurar possíveis ilícitos na utilização dos valores acima

declinados, o denunciado Natanael José da Silva teria ofendido e ameaçado os

agentes públicos responsáveis pelo cumprimento da ordem judicial em apreço,

criando obstáculos ao seu cumprimento, e, ato contínuo, destruiu. mediante

utilização de fogo documentos públicos que já estavam em poder de ofi ciais

de justiça e em concurso com Evanildo Abreu de Melo, impediu o acesso dos

Bombeiros ao local do fogo.

É o relatório. Passo a decidir.

PRELIMINARES

O réu Natanael José da Silva articula preliminares que, a meu sentir, já foram

quase todas abordadas e rechaçadas pela Ministra Relatora por oportunidade

do recebimento da denúncia e do julgamento dos embargos declaratórios que

lhe seguiram. Adotando as mesmas razões de decidir, afasto as preliminares

suscitadas, acrescentando apenas que no que diz respeito à inversão da ordem da

oitiva de testemunhas, que a jurisprudência desta Corte é pacífi ca no sentido de

que tal fato, por si só, não gera nulidade processual.

As preliminares suscitadas pelo réu Evanildo Abreu de Melo são também

improcedentes, já que assente nesta Corte que o advento da Lei n. 10.259/2001

não derrogou o art. 89 da Lei n. 9.099/1995 no que diz respeito aos critérios

objetivos para concessão do sursis processual (HC n. 98.627-RS e HC n.

96.627-RJ), e a tese da prescrição virtual não encontra guarida no STF nem

nesta Corte.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 125

MÉRITO

A materialidade de todos os delitos está comprovada, bem como as autorias atribuídas aos réus Natanael José da Silva, Francisco de Oliveira Pordeus e Evanildo Abreu de Melo.

Entretanto, em relação à ré Irene Becaria de Almeida Moura, entendo ser improcedente a acusação, pois salvo a hipótese de ajuste prévio, inexiste co-autoria após a consumação do delito, como já decidiu esta Corte (HC n. 39.732-RJ).

Há que se indagar se o momento consumativo do crime de peculato-apropriação se deu quando do saque do cheque de R$ 601.315,00 ou na entrada do numerário na distribuidora Dismar, onde trabalhava a ré Irene Becaria de

Almeida Moura?

Ao sair da esfera de disponibilidade do ente público e fi car à disposição de terceiros no banco para transporte, os valores já haviam sido apropriados, de modo que quando da atuação da denunciada em questão, ou seja, na chegada do dinheiro à distribuidora Dismar, o delito de peculato-apropriação já estaria consumado, não havendo que se considerar a hipótese de co-autoria, conforme precedentes desta Casa (REsp n. 985.368-SP).

Observo quanto ao crime de supressão de documento público que o documento de fl s 89-90 dá a entender que o Corpo de Bombeiros foi acionado pelo réu Vitor Paulo Riggo Ternes, justamente para evitar maiores danos aos documentos.

Tal fato tem, a meu juízo, o condão de vulnerar a tese acusatória, que não restou devidamente comprovada no curso da instrução processual, motivo pelo qual tenho por improcedente a pretensão acusatória em face do réu Vitor Paulo

Riggo Ternes.

Por tudo quanto exposto, entendo procedente a pretensão punitiva estatal no que diz respeito às acusações lançadas em desfavor de Natanael José da Silva,

Francisco de Oliveira Pordeus e Evanildo Abreu de Melo, e improcedente quanto aos réus Irene Becaria de Almeida Moura e Vitor Riggo Ternes.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Luiz Fux: Sr. Presidente, estou de acordo não só com a

rejeição de todas as nulidades, porque não houve comprovação de prejuízo, como

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

126

estou também com a conclusão quanto ao voto mérito, cuja prova inequívoca

resultou naquele pagamento sabático, grotesco, e com a dosimetria da pena que

agora se encerra.

Acompanho, integralmente, o voto da Sra. Ministra Relatora.

Presidente o Sr. Ministro Ari Pargendler

Relatora a Sra. Ministra Eliana Calmon

Revisor o Sr. Ministro Francisco Falcão

Sessão da Corte Especial - 05.05.2010

Nota Taquigráfi ca

VOTO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Sr. Presidente, acompanho a

eminente Relatora, agora com a adequação feita, o regime inicial, como já foi

registrado, com relação ao acusado Natanael José da Silva, será o fechado, e a

execução deve ocorrer após o trânsito em julgado, conforme jurisprudência.

AÇÃO PENAL N. 453-PR (2006/0102162-1)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Autor: O B

Advogado: Aquibaldo Almeida Leite

Réu: C da S F

Réu: S B R

Advogado: Estela Maria Faraj Torrens

EMENTA

Ação pública condicionada. Artigo 140, § 2º, do Código Penal.

Crime de injúria, com lesões corporais. Querelado magistrado. Queixa.

Impossibilidade titularidade do Ministério Público. Precedente.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 127

I - Tratando-se de suposto crime de injúria, com lesões corporais,

praticado por desembargador estadual, a ação penal é pública

condicionada, de titularidade do Ministério Público, não tendo o

querelante legitimidade para agir. Precedente: APn n. 39-BA, Rel.

Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 15.02.1993.

II - Queixa rejeitada, com a reautuação do procedimento como

inquérito e seu envio ao Ministério Público, nos termo em que

solicitado.

III - Prejudicada a Sindicância n. 77-PR em apenso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: A

Corte Especial, por unanimidade, rejeitou a queixa-crime e determinou a

reautuação do feito como inquérito, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de

Noronha, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Cesar Asfor

Rocha, Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp e Hamilton Carvalhido votaram

com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Felix Fischer. Ausentes,

justifi cadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e o Sr. Ministro Teori Albino

Zavascki. A Sra. Ministra Eliana Calmon foi substituída pelo Sr. Ministro

Massami Uyeda.

Brasília (DF), 03 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Francisco Falcão, Relator

DJe 15.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Omar Barghouthi ofereceu queixa-crime

contra Carvilio da Silveira Filho, desembargador do Tribunal de Justiça do

Paraná e sua assessora, Sheila Betina Radloff , ex-esposa do requerente.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

128

Sustenta que em decorrência de vários desentendimentos ocorridos entre

o querelante e sua ex-esposa, inclusive em relação à guarda de seus dois fi lhos,

discussão que já se encontra delimitada no âmbito do Judiciário, em autos

junto à 1ª Vara da Infância e Juventude de Curitiba, culminou por ser agredido

fi sicamente pelos réus aqui apontados, na casa dos avós de seus fi lhos, onde “(...)

foi atirado ao chão, sendo espancado com chutes, bofetões e arranhões, e, caído

ao chão, foi, por várias vezes, cuspido no rosto por Carvilio (...)” - (fl . 09).

Incontinenti, foi à Delegacia de Polícia prestar queixa e no momento em

que lá estava, chegaram parentes de Sheila, acompanhados de dois policiais

militares, e começaram a agredi-lo verbalmente e, mesmo diante do escrivão

que mandava que se retirassem da sala, deram-lhe chutes, socos e empurrões,

provocando lesões corporais no querelante.

Requer seja recebida a presente queixa crime para, ao fi nal, ser julgada

procedente a presente ação penal privada, com a condenação dos querelados

como incursos nas penas do artigo 140, § 2º, do Código Penal.

O feito foi inicialmente distribuído ao Exmo. Sr. Ministro Gilson Dipp.

Os querelados apresentaram defesa (fl s. 101-21) alegando, em síntese,

que somente queriam levar uma vida normal, sem serem atrapalhados pelo

querelante nas suas intromissões espúrias, e que seu comportamento se mostra

em evidente deslealdade processual.

Invocam a existência de uma ordem judicial impedindo o querelante de se

aproximar de um de seus fi lhos, a qual pretendia ele desrespeitar, tendo forçado

a entrada na casa dos avós do menino, o que ocasionou a contenda física entre

eles. Afi rmam que da parte dos querelados não houve violência, agressão ou

qualquer abuso, apenas atos tendentes a assegurar-lhes o respeito e a dignidade.

Versando sobre os mesmos fatos ora em apuração, foi instaurada a

Sindicância n. 77-PR, cuja relatoria me foi atribuída e se apresenta agora

apensada ao presente feito.

Sabendo-se da existência desta Ação Penal e também da AP n. 453-

PR, numa possível litispendência, a audiência preliminar do Desembargador

Carvílio da Silveira Filho foi desmarcada para análise da questão (fl . 191, da

citada Sindicância).

Constatado que a AP n. 453-PR teve como relator o nobre Ministro Gilson

Dipp, encaminhei-lhe os autos para que se manifestasse sobre sua prevenção (fl .

194, da Sindicância), o que foi feito nos seguintes termos:

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 129

Em atenção ao despacho de fl . 194, pela análise dos presentes autos, bem como da Ação Penal n. 453-PR, verificou-se que ambos os feitos tratam dos mesmos fatos, relativos à ocorrência, em tese, de agressões físicas supostamente praticadas por C. da S. F. e S. B. R. contra O.B., na cidade de Ibirama-SC.

A referida Ação Penal n. 453-PR foi distribuída em 19.05.200, não se vislumbrando, contudo, a prevenção indicada à fl . 34, eis que a matéria aventada na RP n. 346-PR, concernente a supostas agressões contra o adolescente M. R. B., não se identifi ca com os fatos ora apreciados.

A Sd n. 77-PR, por sua vez, foi distribuída ao Ministro Francisco Falcão em 23.03.2006.

Dessa forma, não se verifi cando a prevenção indicada à fl . 34 da APn 453-PR, e em observância ao disposto no art. 71 do RISTJ, retornem estes autos ao Ministro Relator, bem como a ele seja encaminhada a APn n. 453-PR, para providências cabíveis (fl . 197).

Acatei a prevenção, e ambos os feitos foram apensados (fl . 203) e determinei

a oitiva ministerial.

Em resposta ao despacho de fl . 199, o Ministério Público Federal assim se

manifestou, verbis:

2. O Ministério Público, em atenção ao despacho de fl . 199, requer o que se segue:

a) rejeição da queixa em face do que determina o art. 145 do CP;

b) após a rejeição, a reautuação da presente ação penal e da Sindicância n. 77 como inquérito policial, para que o parquet tome as providências legais cabíveis.

3. Em razão da presente ação penal e da SD n. 77 tratarem dos mesmos fatos, resta prejudicada a tramitação da referida sindicância, que deverá seguir o procedimento da presente ação penal (fl . 203).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): O presente feito, tal qual como

instaurado, não merece prosperar.

Como visto trata-se de ofensas, verbais e físicas, atribuídas a magistrado.

O artigo 145, do Código Penal é do seguinte teor, verbis:

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Art. 145. Nos crimes previstos neste capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

O querelante enquadra os querelados como incursos nas penalidades do

artigo 140, § 2º, do Código Penal, que é do seguinte teor:

Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa

(...) omissis.

§ 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Em caso semelhante já se manifestou esta c. Corte Especial:

Processual Penal. Ação pública condicionada a representação do ofendido. Crime de calúnia, difamação e injuria. Instauração da ação penal mediante queixa. Impossibilidade. Código Penal. Arts. 145, parágrafo único e 141, inciso II. Rejeição.

No sistema penal brasileiro, o monopólio da ação penal pública, condicionada ou não, pertence ao Ministério Público, como decorrência da função institucional que lhe foi deferida, com exclusividade pela Constituição Federal.

Em se tratando, no caso de ofensa irrogada a funcionário publico no exercício de sua função (juiz do trabalho), a ação penal e publica condicionada e o seu titular o Ministério Público, não tendo, o ofendido, legitimidade para agir, na persecução punitiva, mediante queixa.

Queixa crime a que se rejeita (artigo 43, III, do Código Penal).

Decisão unanime (APn n. 39-BA, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 15.02.1993, p. 1.651).

Dos termos do voto do nobre relator, colho os seguintes fundamentos:

A presente ação penal não pode prosperar, porque encontra óbice inarredável, qual seja, o de que, em face da lei punitiva, não poderá ser manejada pela iniciativa da querelante. É que, tendo as ofensas sido irrogadas a magistrado, como bem salientou o ilustre Subprocurador Geral da República, “a ação a ser instaurada, na espécie, é a pública condicionada, de exclusiva iniciativa do

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 131

Ministério Público, mediante representação do ofendido” (Código Penal, artigo 145, parágrafo único, e artigo 141, inciso II).

O monopólio da ação penal pública, incondicionada ou condicionada, pertence ao Ministério Público. Trata-se de função institucional que lhe foi deferida, com exclusividade, pela Constituição Federal de 1988 (STF Pleno, RTJ, volume 135/510).

É, pois, impossível, à querelante, ajuizar a presente queixa, porquanto, em se tratando de ação pública, ainda que submetido à condição de ter havido representação, só pode ser iniciada pelo Ministério Público, admitindo-se a iniciação pelo ofendido - nos crimes de ação pública se esta não for intentada no prazo legal (RTJ, volume 136/654).

Tratando-se de ofensa irrogada a funcionário público, o STF assentou, em jurisprudência iterativa, “a ação penal é pública condicionada e seu titular o Ministério Público, não sendo parte legítima o próprio ofendido para agir mediante queixa” (DJU de 12.06.1987, p. 11.856).

Assim sendo, rejeito a presente queixa, nos moldes do artigo 395, II do CPP

e, acolhendo a manifestação ministerial, tendo em vista que a queixa ora rejeitada

subsiste como manifestação de vontade do ofendido, no sentido da persecução

criminal, determino a reautuação do feito como inquérito, remetendo-o em

seguida ao Ministério Público para as providências que entenda de direito,

declarando, também, prejudicada a Sindicância n. 77-PR, em apenso.

É o voto.

VOTO-VISTA (EM MESA)

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Sr. Presidente, pedi vista dos autos

apenas por uma pequena questão, porque me parecia que a ação penal pública

é condicionada e, efetivamente, o é, porque depende de representação, mas a

inicial da queixa supre essa manifestação de vontade específi ca.

É o que se deve deixar bem claro, porque se está a falar em ação pena

pública incondicionada.

Portanto, com o esclarecimento, acompanho o voto da relatoria, rejeitando

a queixa-crime e acolhendo a manifestação do eminente Subprocurador-Geral

da República, determinando a reautuação do feito como inquérito.

É o voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

132

AGRAVO REGIMENTAL NA REPRESENTAÇÃO N. 388-DF (2008/0200870-4)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Agravante: Weliton Militão dos Santos

Advogado: Labibe Maria de Araújo

Agravado: J A M

EMENTA

Agravo regimental contra decisão que determinou o arquivamento do

feito proposto pelo Ministério Público.

Penal e Processual Penal. Representação. Agravo regimental.

Arquivamento a requerimento do Ministério Público. Lei n.

9.800/1999. Petição em original incompleta. Impossibilidade. Não

conhecimento do recurso.

I - A parte que se utilizar da faculdade prevista no art. 4º da Lei

n. 9.800/1999 torna-se responsável pela entrega da peça processual de

forma completa, tanto do fac-símile como do original.

II - Certificada nos autos a discordância entre as duas

peças, uma vez que o original não incluía a última folha, na qual

constaria a assinatura do advogado que representa o agravante, resta

impossibilitado o conhecimento do recurso.

III - Agravo regimental não conhecido.

Agravo regimental contra despacho que determina abertura de vista

dos autos ao Ministério Público.

Penal e Processual Penal. Representação. Agravo regimental

abertura de vista dos autos ao Ministério Público. Despacho

irrecorrível. Ausência de pressupostos recursais. Não conhecimento

do recurso.

I - O despacho que determina abertura de vista dos autos ao

Ministério Público Federal em sede de agravo regimental, por não

conter carga decisória, não suscita interesse recursal.

II - Agravo regimental não conhecido.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 133

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: A

Corte Especial, por unanimidade, não conheceu dos agravos regimentais, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi,

Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Castro Meira, Arnaldo Esteves

Lima, Massami Uyeda, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer, Gilson Dipp e

Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedidos os Srs.

Ministros Teori Albino Zavascki, Aldir Passarinho Junior e Eliana Calmon.

Ausentes, justifi cadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e o Sr. Ministro

Teori Albino Zavascki. A Sra. Ministra Eliana Calmon foi substituída pelo Sr.

Ministro Massami Uyeda.

Brasília (DF), 03 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Francisco Falcão, Relator

DJe 08.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de dois agravos regimentais

manejados em sede de representação formulada por Weliton Militão dos Santos

em face de Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

O agravante apresentou, em 1º.09.2008, notícia crime, tombada como

Representação 388, na qual narrava que o representado teria infringido a Leis

n. 9.296/1996, 5.898/1965 e § 1º do art. 312 do CPB, quando, na qualidade de

Corregedor do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, instaurou persecução

penal e decretou a prisão administrativa do representante, Juiz Federal,

usurpando competência do órgão especial da Corte Regional, além de ter

permitido o vazamento do conteúdo de interceptações telefônicas decretadas

ilegalmente. Ventilou-se, ainda, o recebimento ilegal de verbas a título de diárias.

Vista ao Ministério Público Federal em 02.10.2008 (fls. 1.035), que

recebeu os autos em 13.10.2008 (fl s. 1.045), e os devolveu em 23.10.2008,

requerendo o arquivamento da notícia crime (fl s. 1.046-1.051).

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O então Relator, Min. Hamilton Carvalhido, vislumbrando a possibilidade

de conexão entre a presente Representação, a Representação n. 384-DF e Ação

Penal n. 550-DF, submeteu consulta nesse sentido ao Min. Paulo Gallotti,

relator desses feitos, por conexão ao Inquérito n. 603-DF. (fl s. 1.096).

Respondendo positivamente à consulta supra, o Ministro Paulo Gallotti

determinou a redistribuição, por prevenção, dos autos desta Representação (fl s.

1.098), despacho publicado em 06.02.2009 (fl s. 1.109).

Em 12.02.2009, alegando inexistir conexão a ensejar a reunião dos feitos,

o representante interpôs, via fac-símile, agravo regimental procurando obstar

a redistribuição determinada às fl s. 1.098, sendo que a petição original foi

protocolizada apenas em 19.02.2009 (fl s. 1.106-1.108 e 1.111-1.113).

Em 06.08.2009 o feito foi atribuído à relatoria do Ministro Teori Albino

Zavascki (fl s. 1.130), que por sua vez determinou a redistribuição ao Relator do

Inquérito n. 603-DF (fl s. 1.131).

O Ministro Nilson Naves, Relator do Inquérito n. 603-DF, determinou a

livre redistribuição do feito, o que foi feito a 23.10.2009, cabendo ele à minha

relatoria (fl s. 1.146-1.151).

Em 12.11.2009, alegando inércia do Ministério Público Federal quando

aos fatos narrados, o representante ajuizou ação penal privada subsidiária da

pública, tombada como Sindicância n. 217-DF, a qual, em 23.10.2009 foi

apensada à presente Representação n. 388-DF.

Tendo em vista que, conforme sólido entendimento jurisprudencial

desta Corte, o pedido de arquivamento formulado pelo Ministério Público

Federal vincula as decisões judiciais no âmbito desta Corte e que tal pedido

de arquivamento foi deduzido antes da interposição do agravo regimental que

objetivava impugnar o despacho que ordenou a redistribuição dos autos, entendi

por bem considerar prejudicado o referido agravo e determinar o arquivamento

da Representação, em atendimento à pretensão ministerial (fl s. 1.162-1.163),

o que, por via de consequência, demandaria também o arquivamento da

Sindicância n. 217-DF.

Irresignado, o representante interpôs agravo regimental em face da decisão

de arquivamento, aduzindo, em síntese:

a) incompetência absoluta deste relator para determinar o arquivamento

dos autos;

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 135

b) preclusão da faculdade do Ministério Público Federal requerer o

arquivamento do feito, tendo em vista que se tratava de ação penal privada

subsidiária da pública, ensejada justamente pela inércia do Parquet;

c) ilegalidade da decisão.

Ordenada vista dos autos ao Ministério Público Federal, opinou-se no

sentido de que fosse desprovido o recurso (fl s. 1.232-1.236).

Mais uma vez o representante interpôs agravo regimental, desta feita

irresignado com o despacho que concedeu vista dos autos ao Ministério

Público Federal, aduzindo que caberia ao relator efetuar juízo de retratação do

arquivamento dos autos ou levar o agravo a julgamento, mas jamais colher o

opinativo ministerial.

Existem, portanto, dois recursos de agravo regimental em exame: um em

face da decisão que determinou o arquivamento do feito e outro a impugnar o

despacho que abriu vista dos autos ao Ministério Público Federal para que se

manifestasse sobre o agravo regimental anterior.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): A questão, a princípio, pode

parecer um tanto quanto complexa, mas em verdade não é.

O representante foi investigado no bojo da denominada “Operação

Passárgada” da Polícia Federal, por intermédio da qual buscavam-se indícios do

cometimento de crimes quando do levantamento, mediante ordem judicial, de

repasses do Fundo de Participação do Municípios.

Não só a presente representação, mas também a Ação Penal n. 550-DF, a

Representação n. 384-DF e o Inquérito n. 603-DF têm a mesma motivação. Por

conta disso houve questionamentos quanto a possíveis vinculações a tais feitos,

vinculações essas que depois verifi cou-se inexistirem.

Cumpre-se esclarecer, ainda, que trata-se de feito extremamente

tumultuado, no qual o representante insiste em questionar até mesmo os pedidos

de vista formulados pelo representado ou os despachos que conferem vista dos

autos ao Ministério Público Federal.

E, diante de tal tumulto, é mister apresentar os fatos de maneira clara e na

sua ordem cronológica.

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Assim é que, em síntese, tem-se uma notícia crime (Rp n. 388-DF),

cujo arquivamento foi requerido pelo Ministério Público Federal, sendo que,

posteriormente foi questionada a redistribuição do feito, por via de agravo

regimental, e manejada ação penal privada subsidiária da pública (Sd n. 217, em

apenso).

Ora, como a promoção de arquivamento do Ministério Público vincula

as decisões desta Corte e foi lançada aos autos antes da interposição do agravo

regimental retromencionado, os autos foram arquivados e o agravo regimental

considerado prejudicado, o qual, diga-se de passagem, não teve o original da

petição apresentado no prazo conferido pelo art. 2º da Lei n. 9.800/1998, o que

seria mais um motivo para o não conhecimento do recurso.

Da mesma maneira, a apresentação de uma ação penal privada subsidiária

da pública, ao fundamento de inércia ministerial, se apresenta como um ato

despido de qualquer razoabilidade.

Muito claramente pode ser verifi cado que o Ministério Público Federal

teve vista dos autos da presente representação em 13.10.2008 (fl s. 1.045) e

opinou pelo seu arquivamento em 23.10.2008 (fl s. 1.051), ou seja, em apenas

dez dias, o que espanca, indubitavelmente, qualquer dúvida quanto à tempestiva

atuação ministerial, afastando a possibilidade de ajuizamento de queixa

subsidiária.

Especifi camente ao que diz respeito aos agravos regimentais ora em análise,

temos que o primeiro deles ataca a decisão de arquivamento da Representação

n. 388-DF e Sindicância n. 217-DF, e o segundo, inacreditavelmente, objurga o

despacho que, no âmbito do primeiro agravo regimental, deu vista dos autos ao

Ministério Público Federal.

Em existindo dois recursos de agravo regimental pendentes de julgamento,

entendo ser de bom alvitre uma análise individualizada de ambos.

O primeiro dos recursos em tela, por uma série de fundamentos, acima

apontados, objetiva a impugnação da decisão que determinou o arquivamento

do feito.

O recurso não transpõe o juízo de admissibilidade.

Às fl s. 1.167-1.194 consta petição enviada via fac-símile, nos termos da

Lei n. 9.800/1999.

Já às fl s. 1.197-1.223, consta o original da petição acima citada, mas não

correspondendo ao documento remetido prefacialmente via fac-símile.

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Às fl s. 1.226, a Coordenadoria da Corte Especial certifi ca que a petição

recebida em original não corresponde integralmente àquela remetida via fac-

símile.

Acentue-se que o documento em original não contém assinatura nem o

nome do procurador do representante. É apócrifo.

De acordo com o sólido entendimento desta Corte, a situação em apreço

equivale à inexistência do recurso.

Destaco os seguintes precedentes, verbis:

Embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo de instrumento. Lei n. 9.800/1999. Fac-símile. Petição incompleta.

1. “Quem fizer uso de sistema de transmissão torna-se responsável pela qualidade e fidelidade do material transmitido, e por sua entrega ao órgão judiciário.” (artigo 4º da Lei n. 9.800/1999).

2. Não há como conhecer do recurso quando incorrespondentes o fac-símile, incompleto, e o original.

3. Embargos de declaração não conhecidos.

(EDcl nos EDcl no Ag n. 1.151.029-CE, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, julgado em 17.11.2009, DJe 03.12.2009)

Processo Civil. Ação rescisória ajuizada por fax de forma incompleta. Discordância entre o material transmitido e o original. Inobservância às formalidades contidas no art. 4º da Lei n. 9.800/1999. Inépcia da inicial. Processo declarado extinto sem resolução do mérito.

1. A parte que se utilizar da faculdade prevista no art. 4º da Lei n. 9.800/1999 torna-se responsável pela entrega da peça processual de forma completa, tanto do fax como do original.

2. Sendo patente a discordância entre as duas peças, uma vez que a cópia recebida por fax não incluía a última folha, na qual consta a fi nalização do pedido e a assinatura do advogado que representa a autora, resta caracterizada a inépcia da inicial.

(...)

(AR n. 3.559-SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 28.10.2009, DJe 20.11.2009)

Processual Civil. Petição de embargos de declaração. Transmissão via fac-símile. Lei n. 9.800/1999. Incompleta. Não conhecimento.

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1. Conforme preconiza a Lei n. 9.800/1999, a parte é responsável pela qualidade e fi delidade do documento transmitido mediante fac-símile, bem como por sua entrega ao órgão judiciário, devendo haver perfeita concordância entre a petição do recurso enviada por fax e o original posteriormente remetido.

2. Na hipótese, a cópia da petição dos embargos de declaração remetida por meio do fac-símile não coincide com peça original, restando, pois, descumprida a disposição contida na norma legal acima mencionada.

3. Embargos de declaração não conhecidos.

(EDcl no AgRg na AR n. 4.224-BA, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 14.10.2009, DJe 27.10.2009)

Já o agravo regimental seguinte objetiva atacar o despacho de fl s. 1.229, que abriu vista dos autos ao Ministério Público Federal para manifestação sobre o agravo regimental anterior, ao fundamento de inexistência de previsão legal ou regimental para tanto.

A própria circunstância de não ser conhecido o agravo regimental que ensejou a abertura de vista ao Ministério Público Federal já parece sufi ciente a ensejar a prejudicialidade do agravo em face de tal despacho.

Mas cumpre ainda observar que o referido recurso não preenche os requisitos mínimos de admissibilidade.

Aliás, repita-se, bastante inusual a interposição de recurso em face do despacho que determina vista dos autos ao Ministério Público Federal.

A um porque, ao contrário do que sustenta o agravante, existe, sim, previsão regimental para que o relator determine vista dos autos ao Parquet, quando, diante da relevância da matéria, assim for requerido ou determinado ex offi cio (art. 64, inc. XIII do RISTJ). Poderia ainda ser dito que, por analogia, o inc. IX do art. 64 do RISTJ permitiria a abertura de vista ao Ministério Público Federal no presente caso.

Ademais, a existência de uma decisão é um pressuposto lógico dos recursos. Sem decisão não pode haver recurso. Nessa senda, não há como argumentar que o despacho que concede vista dos autos ao Ministério Público possa ser considerado uma decisão a ensejar a interposição de recurso, motivo pelo qual trata-se de despacho irrecorrível.

Como se não bastasse, não acarreta ao recorrente qualquer prejuízo a mera abertura de vista dos autos ao Ministério Público Federal. E, sem prejuízo, ou sucumbência, estaria ausente o interesse recursal, um dos pressupostos recursais subjetivos.

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Por tais motivos, não conheço dos agravos regimentais de fl s. 1.197-1.223 e

1.248-1.255, mantendo-se in totum a decisão que, atendendo a requerimento do

Ministério Público Federal, determinou o arquivamento do presente feito, e, por

consequência lógica, da sindicância 217, em apenso.

É como voto.

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA N. 1.070-RJ (2009/0122573-0)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: Ministerio Publico Federal

Agravado: Rodoviaria A Matias Ltda e outro(s)

Advogado: Sérgio Bermudes e outro(s)

Requerido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Interessado: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

EMENTA

Pedido de suspensão de liminar e de sentença. Lesão à ordem e à

economia públicas. Os idosos não pagam o transporte coletivo, mas

estão sujeitos a cadastramento; a decisão que os libera dessa exigência

difi culta o controle e a administração do município sobre o transporte

público, causando lesão à ordem e à economia públicas. Agravo

regimental não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp,

Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João

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Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves

Lima, Humberto Martins e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr.

Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Luiz Fux. Ausentes, justifi cadamente,

os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e Eliana Calmon que foram substituídos,

respectivamente, pelos Srs. Ministros Humberto Martins e Mauro Campbell

Marques. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília (DF), 06 de outubro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Felix Fischer, Presidente

Ministro Ari Pargendler, Relator

DJe 14.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a seguinte

decisão, da lavra do eminente Ministro Cesar Asfor Rocha:

Rodoviária A. Matias Ltda. e outras, “delegatárias do serviço público de transporte urbano de passageiros de ônibus, exercendo suas atividades no município do Rio de Janeiro” (fl . 7), ajuízam o presente requerimento para suspender os efeitos do acórdão proferido nos autos do Agravo de Instrumento n. 2008.002.37993, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que o proveu, deferindo “integralmente, os pedidos 3.1, 3.2, 3.3 e 3.4 da petição inicial da Ação Civil Pública” (fl . 196) n. 2005.001.157739-1 (6ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital - RJ), pedidos esses com o seguinte teor:

3.1 se abster de exigir dos idosos, beneficiários da gratuidade, para ingresso nos coletivos de transporte público, qualquer outro documento que não seja aquele aludido no § 1º do artigo 39 do EI, isto é, documento pessoal, que faça prova da idade;

3.2 permitir, aos idosos beneficiários da gratuidade no transporte coletivo público, o livre, pleno e irrestrito acesso ao interior dos veículos (coletivos), seja antes ou depois da roleta, independente do número e localização de assentos a eles reservados;

3.3 se abster de limitar o número de idosos benefi ciários de gratuidade em seus veículos, de qualquer tipo, seja ônibus e microônibus, em serviços regulares, seletivos ou especiais, com ou sem ar condicionado, sem qualquer tipo de restrição;

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3.4 reservar, para os idosos, 10% dos assentos de cada veículo de transporte coletivo, devidamente identifi cados com a placa de “reservado preferencialmente para idosos”, na forma od artigo 39, § 2º, do EI (fl . 112).

Decidiu o Colegiado, ainda, que o descumprimento do acórdão “ensejará multa de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) por ato de descumprimento de qualquer obrigação imposta no Acórdão” (fl . 195).

Narram as requerentes que a ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público estadual, tendo o Juiz de Direito deferido a liminar, parcialmente, “para determinar aos réus que façam gratuitamente a emissão de 2ª via do RIOCARD em favor dos idosos e, também, para que o cartão não contenha qualquer limitação quanto ao número de viagens disponíveis aos mesmos” (fl . 163).

Daí que, interposto agravo de instrumento pelo Parquet, foi proferido o acórdão objeto desta suspensão.

As requerentes afi rmam que “o idoso, mediante apresentação de documento de identificação, sem qualquer custo, recebe da entidade representativa das transportadoras municipais um cartão eletrônico que autoriza o ingresso gratuito nos ônibus municipais, sendo-lhe permitido utilizar-se de qualquer assento do veículo” (fl. 10). Entretanto, segundo alegam, “o v. acórdão da 1ª Câmara, analisando o disposto no art. 39, § 1º, do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003), entendeu que esse dispositivo permitiria o ingresso dos idosos diretamente nos ônibus, sendo ilegal a exigência do seu cadastro no Sistema de Bilhetagem Eletrônica, denominado RioCard” (fl . 11).

Sustentam, ainda, que “a norma não diz que a documentação autoriza o ingresso diretamente nos ônibus, sendo muito claro que os documentos asseguram a obtenção da gratuidade” (fl. 11), e que também “não proíbe as concessionárias de transporte de analisar a documentação que dá direito à gratuidade. Não é razoável que esse exame seja limitado ao momento do embarque no coletivo, situação em que, premido muitas vezes pelo trânsito intenso e pelas fi las de usuários, o funcionário não tem nenhuma condição de aferir a regularidade do documento apresentado, sendo também impossível proceder a qualquer exame a posteriori dos documentos” (fl . 11).

Concluem “que o Sistema de Bilhetagem Eletrônica atualmente empregado no Município do Rio de Janeiro (RioCard) (a) não descumpre a norma específi ca, porquanto garante o acesso à gratuidade mediante a apresentação dos documentos referidos na lei, e (b) permite um controle mais efi caz, sem o qual se multiplicariam, aos milhões, as fraudes envolvendo o uso de documentos adulterados” (fl . 12).

Alegam que o exame da documentação pessoal no momento do embarque acarretará tumulto e lentidão na circulação de veículos em toda a cidade e que “o próprio idoso, que hoje se submete a esse exame uma única vez, apenas na obtenção do cartão RioCard, passaria a ser penitenciado pela reiterada

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apresentação de seus documentos” (fl . 12). Assim, não é razoável que seja vedado às empresas de ônibus analisar “a documentação dos pretendentes com as devidas cautelas, impedindo a verificação de regularidade dos documentos mediante a consulta dos cadastros dos órgãos emissores da identidade e cruzamento com outras fontes de dado, pois, permita-se o truísmo, isso não pode ser feito pelo trocador na admissão de cada idoso no ônibus” (fl . 14).

A possibilidade de lesão à economia, nesse caso, decorre da ausência de defesa contra fraudes recorrentes.

A tutela deferida, igualmente afirmam as requerentes, “interrompe o funcionamento de um sistema cuja implantação (...) custou cerca de R$ 60 milhões. Colocado em desuso o sistema, a sua reativação criará uma série de problemas, como recadastramento dos idosos que, acreditando na liminar, se abstenham de seguir utilizando o RioCard, aumentando severamente os custos das requerentes” (fl s. 14-15).

Também a respeito do aspecto financeiro, sustentam que “desequilibra, sobremaneira, a equação econômica dos contratos das requerentes a imposição de que o transporte de idosos seja feito em veículos seletivos e especiais – microônibus e ônibus com ar condicionado, por exemplo –, de forma gratuita e em frontal ofensa ao disposto no art. 39, caput, do Estatuto do Idoso” (fl s. 15-16).

Por último, insurgem-se contra a multa fi xada no patamar de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) diários por ato de descumprimento do acórdão, entendendo haver grave risco de lesão à economia pública.

Decido.

Os elementos contidos nos autos revelam a possibilidade de lesão à ordem e à economia públicas.

Com efeito, a determinação do acórdão recorrido, que amplia a decisão de primeiro grau antecipatória dos efeitos da tutela para permitir o ingresso dos idosos nos veículos de transporte coletivo rodoviário sem o porte do cartão RIOCARD e para estender tais efeitos aos ônibus e microônibus especiais, esbarra frontalmente na administração e controle do transporte público de passageiros, que são exercidos pelo Estado.

A implantação da bilhetagem eletrônica, de outra parte, não representa, por si, desrespeito aos idosos ou afronta aos seus sagrados direitos. Ao contrário, o mecanismo, na medida em que permite a racionalização do sistema, evita fraude e assegura a fiscalização do transporte, podendo vir a assegurar a utilização do transporte coletivo de forma segura pelas pessoas idosas e também pela população do município em geral.

Penso, assim, que os argumentos trazidos nesta medida excepcional são sufi cientes para justifi car o deferimento do pedido e a restauração dos efeitos da decisão de primeiro grau.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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Diante disso, determino a suspensão do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nos autos do Agravo de Instrumento n. 2008.00237993.

Comunique-se com urgência (fl . 234-238).

A teor das razões, in verbis:

O pedido de suspensão de liminar não merece ser conhecido.

Primeiramente, constata-se que as agravadas não juntaram aos autos o acórdão com a integralidade dos fundamentos que levaram o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a dar provimento ao agravo de instrumento, estando ausente a fl . 348, conforme numeração do Tribunal a quo, a qual deveria constar entre as fl . 193 e 194, assim numeradas pelo Superior Tribunal de Justiça.

Embora a Lei n. 8.437/1992 não faça qualquer menção a documentos de traslado obrigatório, é pressuposto lógico que o pedido de suspensão venha, no mínimo, acompanhado do inteiro teor da decisão que se quer ver suspensa, para que se possa aferir, no caso, se será competente para julgar o caso o Presidente do STF, se o acórdão tiver fundamento constitucional, ou o Presidente do STJ, se a decisão fundar-se em norma infraconstitucional.

Por outro lado, o pedido de Suspensão de Segurança ou Liminar só pode ser formulado quando a decisão proferida possuir grande potencial lesivo à ordem pública.

(...)

Portanto, ante a ausência do inteiro ter da decisão proferida pelo Tribunal a quo, o pedido de suspensão não deve ser conhecido, por não se firmar a competência do Presidente do Superior Tribunal de Justiça e pela impossibilidade de se aferir o potencial lesivo da decisão.

Pode-se observar que o Exmo. Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça não teria competência para apreciar o pleito de suspensão, pelo menos no tocante ao reconhecimento para da gratuidade nos serviços especiais e seletivos, porquanto os fundamentos do acórdão suspenso são eminentemente constitucionais (arts. 5º e 230, § 2º da Constituição Federal), não comportando, assim, impugnação por meio de recurso de competência do STJ.

(...)

As empresas agravadas sustentam que, apesar de serem pessoas jurídicas de direito privado, detêm a legitimidade para requerer a suspensão pois são delegatárias do serviço público de transporte urbano de passageiros de ônibus, exercendo suas atividades no município do Rio de Janeiro.

A partir da leitura dos autos extrai-se que, ao contrário do sustentado pela Rodoviária A. Matias Ltda. e outras, o acórdão impugnado não tem o condão de

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provocar o alegado dano à ordem, à segurança e à economia públicas, revelando-se, assim, a clara intenção das agravadas de defender seus interesses particulares relativos à exploração das linhas de transporte coletivos urbanos.

Por outro lado, pode-se observar que a antecipação da tutela questionada assegura o direito de acesso gratuito, livre, pleno e irrestrito ao transporte público gratuito, pelo idoso. O interesse público encontra-se, portanto, salvaguardado.

Destaque-se que, no presente caso, apenas o Município do Rio de Janeiro, responsável pela criação do Sistema de Bilhetagem Eletrônica denominado Riocard, mediante a edição da Lei n. 3.167/2000, é que possuiria legitimidade para pedir a suspensão do acórdão proferido pelo Tribunal a quo. Consoante já mencionado, o Município não interpôs recurso contra tal acórdão.

(...)

Em vista disso, impõe-se o reconhecimento da ilegitimidade das agravadas para pleitear a suspensão do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, pois evidente que as empresas, na qualidade de pessoas jurídicas de direito privado no exercício de função delegada do poder público, pretendem garantir interesses particulares.

(...)

A análise dos argumentos apresentados pela Rodoviária A. Matias Ltda. e outras, reproduzidos no relatório da decisão ora agravada, não permite compartilhar da preocupação de que a fruição pelos idosos do direito garantido constitucionalmente, na forma preconizada pela Lei n. 10.741/2003, possa causar os temidos transtornos - tanto é assim que o Município, principal interessado em caso de efetiva perturbação da ordem e da economia públicas, não interpôs recurso da decisão do Tribunal local.

(...)

O controle do transporte público de passageiros, ao contrário do que sugerem as agravadas, não depende da extensão, a todos os usuários, do sistema de bilhetagem eletrônica. Aliás, seria estranho que este sistema fosse essencial para a administração e controle dos transportes públicos no Rio de Janeiro, já que nem nas cidades mais avançadas do mundo se adotou sistema exclusivamente eletrônico de cobrança de passagens.

À guisa de exemplo, o Estado do Rio de Janeiro prevê a concessão de vale social para acesso aos transportes intermunicipais apenas de portadores de deficiência, doentes crônicos e estudantes aos transportes públicos, sem confundir estas gratuidades - defi nidas circunstancialmente pelo legislador local - com a gratuidade prevista na Constituição e na legislação nacional em favor de pessoa idosa, a saber, Lei Estadual n. 4.510/05 e Portaria Detro-RJ n. 811/07. O Departamento de Transportes Rodoviários (Detro-RJ) expressamente reconhece a desnecessidade do Riocard para que o idoso possa utilizar o transporte público intermunicipal, que está “garantido apenas com a apresentação da carteira de identidade”.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 145

Aliás, qualquer pessoa pode utilizar os ônibus urbanos do Município do Rio de Janeiro sem bilhete eletrônico: basta que pague a passagem ao motorista ou cobrador, em dinheiro, hipótese em que sequer recibo em papel receberá. Assim, da mesma forma que o motorista ou cobrador pode contar o dinheiro entregue e restituir o troco, também tem condições de verifi car a fotografi a do idoso e sua data de nascimento, constantes da carteira de identidade.

(...)

A norma constitucional que assegura a gratuidade aos maiores de sessenta e cinco anos, conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores é autoaplicável, e, ainda que não o fosse, bastaria o caput do art. 39 da Lei n. 10.741/2003 para conferir-lhe força cogente.

(...)

Se o idoso necessitasse de se cadastrar, ou de apresentar uma complexa documentação (as agravadas referem-se à “documentação” de maneira altissonante, como se a checagem da idade exigisse mais do que a apresentação de carteira de identidade, que goza de fé pública), o legislador tê-lo-ia previsto expressamente, ou pelo menos teria deixado de estatuir a norma do § 1º do art. 39.

Registre-se a incongruência: atualmente, para que adentre nos demais países do Mercosul, o nacional brasileiro precisa apresentar, tão-somente, sua carteira de identidade. É irrazoável que as empresas de ônibus, presumindo que os idosos cariocas sejam estelionatários em potencial, vejam necessidade de analisar “a documentação dos pretendentes com as devidas cautelas, [com] a verifi cação de regularidade dos documentos mediante consulta dos cadastros dos órgãos emissores da identidade e cruzamento com outras fontes de dado”, enquanto - por exemplo - um ofi cial da Polícia Federal Brasileira deva se ater à verifi cação da carteira de identidade emitida por outros países no momento de permitir o ingresso no Brasil de certos estrangeiros. A propósito, a presença da desonestidade no uso do documento público por parte dos idosos atenta contra o princípio constitucional da boa-fé.

O reú Município do Rio de Janeiro, pessoa jurídica de direito público que seria a parte mais interessada na preservação de sua prerrogativa de controlar e fi scalizar o transporte, não apresentou, como fizeram as requerentes ora agravadas, pedido de suspensão da liminar, o que demonstra que a manutenção do acórdão suspenso não traria qualquer perturbação à ordem pública ou econômica.

Ressalte-se que, no caso de eventual reversão da decisão favorável aos idosos, bastará às empresas retomar o processo de cadastramento que já vêm realizando.

(...)

O fundamento invocado na ação civil pública para que os serviços “seletivos ou especiais” tivessem o mesmo tratamento do transporte regular dando ensejo,

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assim, também à gratuidade em favor dos idosos, era, eminentemente, de ordem constitucional: onde o art. 230, § 2º, da Carta Magna não estabeleceu distinção, descabia sua previsão pelo legislador ordinário.

A questão da gratuidade nos ônibus seletivos ou especiais não guarda relação com a discussão acerca da bilhetagem eletrônica. Do ponto de vista infraconstitucional, não haveria o que se discutir, já que o caput do art. 39 é cristalino ao condicionar o acesso gratuito ao transporte seletivo ou especial à ausência de transporte regular “paralelo”.

(...)

A questão, portanto, é eminentemente constitucional, já tendo sido submetida ao Supremo Tribunal Federal mediante a propositura da ADIn n. 3.096-DF...

(...)

Sem embargo da manifesta incompetência do Superior Tribunal de Justiça para apreciar eventual recurso manejado em face deste trecho do acórdão, o Exmo. Ministro Presidente, também neste passo, acolheu a suspensão da liminar. Desse modo, houve a ofensa ao art. 12, § 1º da Lei n. 7.347/1985 e o art. 4º da Lei n. 8.437/1992, que atribuem ao Presidente “do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso” a competência para apreciar o requerimento de suspensão de liminar.

Vale ressaltar circunstância importantíssima que passou despercebida do eminente Ministro Presidente: muitos microônibus e ônibus com ar condicionado realizam transporte convencional na Cidade do Rio de Janeiro. São, inclusive, remunerados com tarifas iguais e, no caso dos microônibus especialmente, constituem um serviço mais desconfortável, pior do que aquele prestado por meio de ônibus comuns.

(...)

A única forma de se entender sujeita à competência do Superior Tribunal de Justiça a discussão acerca da extensão da gratuidade às linhas seletivas e especiais é reconhecer que os péssimos microônibus cariocas, ou os ônibus simplesmente dotados de um ar condicionado, não são seletivos ou especiais - até porque inserem-se na tarifa usual para ônibus convencionais, que são suprimidos e trocados por estes outros (fl . 754-771).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): O agravo regimental ataca

a decisão de fl. 234-238 quanto aos seguintes tópicos: a) incompetência

do Superior Tribunal de Justiça, por se tratar de matéria constitucional b)

ilegitimidade das requerentes, por serem pessoas jurídicas de direito privado,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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concessionárias de serviço público, na defesa de interesses particulares; c) falta

do inteiro teor do acórdão cujos efeitos foram suspensos e d) ausência de lesão à

ordem e economia publicas.

No tocante à suposta incompetência do Superior Tribunal de Justiça,

sem razão o agravante. Na espécie, o tema controvertido tem fundamento

preponderantemente infraconstitucional, qual seja, a Lei n. 10.741, de 2003 -

Estatuto do Idoso, o que atrai a competência do Presidente deste Tribunal, nos

termos do artigo 25, da Lei n. 8.038, de 1990.

No que tange ao segundo tópico, a Corte Especial já decidiu que “as

pessoas jurídicas de direito privado no exercício de função delegada do poder

público têm legitimidade para requerer a suspensão de execução de liminar ou

de sentença, desde que em defesa do interesse público” (SLS n. 765-PR, relator

o Ministro Barros Monteiro, DJ de 10.12.2007).

No caso dos autos, o interesse público, decorrente da dificuldade

de administração e controle do serviço de transporte público coletivo pelo

Município, em razão da falta de utilização, pelos idosos, do sistema de

bilhetagem eletrônica, fi cou evidenciado.

Quanto ao terceiro ponto, no âmbito da suspensão de liminar não se

examina o acerto ou desacerto da decisão, de modo que a falta de uma única

página do acórdão cujos efeitos foram suspensos não impede o deferimento do

pedido se, como no caso, for possível a exata compreensão da controvérsia.

No que diz respeito ao risco de lesão à ordem e economia públicas, a

decisão agravada está a salvo de censura. De fato, a manutenção dos efeitos do

acórdão, suspensos pela decisão agravada, difi cultaria o controle e administração

dos serviços de transporte pelo Município.

Ademais, a decisão agravada restabeleceu os efeitos da decisão de primeiro

grau, que deferiu o fornecimento gratuito de 2ª via do cartão RioCard aos

idosos e vedou a imposição de limites quanto ao número de viagens por eles

realizadas, de modo que o direito à gratuidade no transporte está assegurada.

No mais, as alegações do agravante, relativas à precariedade dos serviços

prestados, ao tipo de ônibus utilizado, se convencional, especial ou seletivo,

bem como aquelas relacionadas ao tipo de linha realizada por aqueles ônibus,

estão relacionadas ao mérito da controvérsia e, a toda evidência, não podem ser

articuladas na via restrita da suspensão de liminar.

Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.

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AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA N. 1.276-RJ (2010/0136388-0)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: Fundação Municipal da Infância e Juventude

Procurador: Júlio César Freitas Cordeiro e outro(s)

Agravado: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Requerido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

EMENTA

Pedido de suspensão. Ordem judicial determinando a contratação de

servidores em caráter precário. A suspensão de medida liminar é instituto

informado pela proteção à ordem, saúde, segurança e economia

públicas. O juízo acerca do respectivo pedido foi preponderantemente

político até a Lei n. 8.437, de 1992. O art. 4º desse diploma legal

introduziu um novo viés nesse juízo, o da “fl agrante ilegitimidade”

do ato judicial. A decisão judicial que intervém na administração

pública determinando a contratação de servidores públicos em caráter

precário é fl agrantemente ilegítima. Agravo regimental provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido,

Eliana Calmon, Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino

Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda e Humberto

Martins votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justifi cadamente, os

Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Francisco Falcão e Nancy Andrighi e,

ocasionalmente, o Sr. Ministro Felix Fischer. Os Srs. Ministros Cesar Asfor

Rocha e Francisco Falcão foram substituídos, respectivamente, pelos Srs.

Ministros Massami Uyeda e Humberto Martins. Presidiu o julgamento o Sr.

Ministro Aldir Passarinho Junior.

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Brasília (DF), 28 de outubro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Aldir Passarinho Junior, Presidente

Ministro Ari Pargendler, Relator

DJe 19.11.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a seguinte

decisão da lavra do Ministro Cesar Asfor Rocha:

A Fundação Municipal da Infância e Juventude ingressa com o presente requerimento para suspender a decisão proferida nos autos da Ação Ordinária n. 2009.014.032556-2, do Juiz de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Campos dos Goytacazes - RJ, que concedeu a tutela antecipada requerida pelo Ministério Público para determinar que a ora requerente promovesse “a urgente contratação, em caráter excepcional e temporário, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, de funcionário capacitado a suprir a carência de recursos humanos atualmente enfrentada pelas unidades de acolhimento institucional municipais: Projeto Lara, Centro de Referência do Adolescente, Projeto Aconchego e Portal da Infância, bem como para os núcleos de atendimento preventivo por ela mantidos” (fl . 262). Impôs, ainda, a realização, “no prazo máximo de 90 (noventa) dias, de concurso público com vistas a suprir a carência de funcionários” (fl . 262).

A referida tutela foi mantida no julgamento do Agravo de Instrumento n. 2009.002.44603/TJRJ e dos três embargos de declaração respectivos (fl s. 344-346, 371-375, 422-424, 432-435), daí o ajuizamento da presente suspensão nesta Corte.

Narra a requerente, para tanto, que:

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, através da Promotora de Justiça com atribuição junto ao Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Campos dos Goytacazes, ajuizou ação em face da Fundação Municipal da Infância e Juventude, ora postulante, sob a alegação de que a mesma não vem se desincumbindo de suas obrigações e metas com êxito, mormente no que concerne ao atendimento por ela disponibilizado às crianças e adolescentes inseridas em seis unidades de acolhimento mantidas pela mesma, sob a forma de Projetos Sociais intitulados de Projeto Lara; Centro de Referência do Adolescente, Projeto Aconchego, Portal da Infância e acolhimento Institucional Cativar e Conviver.

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Isto porque, segundo a ótica o Parquet, após visitas de fi scalização e contato com os coordenadores das citadas unidades, foi verifi cado que dos seis núcleos de abrigamento, quatro não contam com funcionários suficientes para o atendimento aos infantes, tornando-se dessa forma, precária a assistência prestada aos abrigados.

[...]

Assevera por fim, que a ausência de agentes tem trazido sérias consequências negativas ao desenvolvimento físico e psíquico dos infantes.

Em razão disso [...] é que o órgão do Parquet requereu prestação da tutela na forma antecipada no sentido de que o Estado-Juiz determine à Fundação ora postulante que faça contratar em caráter excepcional e temporário, funcionários capacitados a suprir carência de recursos humanos atualmente enfrentada pelas unidades de acolhimento institucional mencionadas na exordial, bem como para os núcleos de atendimento preventivo, pelo prazo máximo de 90 dias além de ser determinado à mesma que promova no prazo máximo de 90 dias concurso público com vistas a suprir a demanda funcional nos referidos Projetos Sociais, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00.

Como tutela definitiva, repetiu e ratificou o Ministério Público, os pedidos constantes em sede de tutela antecipada, com o acréscimo de condenação da Fundação nas iras sucumbenciais.

Em decisão proferida à fl . 132, o Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude deferiu o pedido de tutela antecipada na forma aviada pelo Ministério Público [...].

[...]

Em razão do julgado pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que manteve a decisão de primeiro grau, o juiz de primeiro grau determinou o cumprimento do referido acórdão exarado pelo TJRJ, sob pena de multa diária, agora no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), intervenção na Fundação ora postulante, responsabilidade na esfera cível e criminal (crime de desobediência) e outras medidas requeridas pelo Parquet.

[...]

Ainda para efeito de esclarecimento, há de se deixar consignado que a Fundação postulante interpôs Recurso Especial e Recurso Extraordinário em face do acórdão que ora se pede a suspensão, devendo ser esclarecido que os apelos raros constitucionais não tem efeito suspensivo.

Entretanto, como demonstrará e provará nas linhas que seguem, os fundamentos em que se apóia a decisão são frágeis, equivocados e despidos de sustentação fática e jurídica, não autorizando, portanto, a concessão da tutela jurisdicional vindicada em sede liminar (fl s. 2-5).

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Alega a requerente, inicialmente, que, sem observar a norma do art. 2º da Lei n. 8.437/1992, “o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manteve uma decisão antecipatória de tutela jurisdicional em sua totalidade, onde o insigne julgador de primeiro grau proclamou seu decisum sem a oitiva prévia da Fundação ora requerente, no prazo que a lei determina, e nisto reside a fl agrante nulidade do ato judicial cuja efi cácia se pretende suspender, e que constitui fundamento legal mais do que sufi ciente para respaldar o acolhimento deste pedido de suspensão” (fl . 9).

Sobre a lesão à ordem e à economia públicas, sustenta que “o orçamento municipal é dotado em sua maioria, de verba oriunda de royalties de petróleo” (fl . 11). Entretanto, tal verba, “consoante dicção do artigo 8º da Lei n. 7.990/1989, não pode ser usada para pagamento de pessoal, em quadro permanente, sob pena dos consectários previstos na referida lei e demais legislações aplicáveis à espécie” (fl . 11).

Ademais, salienta “que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n. 101/2000), em seu artigo 19 c.c. 20 inciso III, alíneas a e b dispõe que as despesas com pessoal não podem ser superiores a 60% da despesa corrente líquida, sendo 54% para o Executivo e 6% para o Poder Legislativo, sob pena do Administrador responder junto ao TCE, à Câmara Municipal e ao próprio Ministério Público, que é o fi scal da lei” (fl s. 11-12). Com isso, segundo a requerente, “é imperioso destacar que o Município e nem tão pouco a Fundação, ora Postulante, sequer têm condições de, neste momento, contratar pessoal em razão do orçamento estar comprometido no percentual da Lei Regente” (fl . 12).

Afi rma, ainda, que, “para se cumprir a decisão que se pretende suspender por esta via procedimental, é necessário que a Câmara Municipal aprove Projeto de Lei criando cargos ou empregos junto à Fundação-postulante, o que certamente não será aprovado tendo em vista que a Comissão de Orçamento e a de Constituição e Justiça analisarão o projeto e identifi carão que não existe orçamento para a criação de cargos ou empregos, além da fl agrante violação à Lei de Responsabilidade Fiscal. O próprio Poder Judiciário não pode e nem deve determinar o ilegal, nem que seja a pedido do fi scal da lei, diga-se Ministério Público, sob pena do Estado Democrático de Direito ser frontalmente agredido, além claro do artigo 2º da Constituição Federal” (fl . 13).

Ressalta que, diante do texto legal, “o Município e suas unidades administrativas, incluindo a Fundação postulante, não podem ultrapassar o teto previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal para contratação de pessoal, além da verba dos Royalties de petróleo ter natureza indenizatória, transitória e variável, não podendo ser utilizada para pagamento de pessoal em quadro permanente e, ainda, além do orçamento municipal não ter previsão para realização de concurso público para contratação de pessoal de forma permanente, estando, portanto, devidamente demonstrada a lesão à ordem pública, aqui considerada em termos de ordem jurídica e administrativa, diante do comprovado impacto fi nanceiro

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decorrente do não-cumprimento do limite de despesa com pessoal. Conforme demonstrado pelas declarações oriundas da Secretaria Municipal de Controle e da Secretaria Municipal de Administração os gastos com pessoal são relevantes, e o aspecto de não se ter provisionado nas leis orçamentárias as fontes de custeio respectivas para essa nova despesa só traz maior abalo à sadia condução da Administração Pública, o que se mantida a decisão de primeiro grau, ensejará também em lesão à economia pública” (fl s. 13-14).

Por último, sustenta a requerente haver lesão à ordem pública jurídica, ferindo a decisão impugnada os princípios da segurança jurídica e da independência dos Poderes, invoca relatórios do presidente da fundação postulante e da Secretaria Municipal de Administração e destaca a possibilidade de efeito multiplicador.

Decido.

Efetivamente não estão presentes os requisitos necessários ao deferimento do presente pedido.

De fato, o acórdão que desproveu o agravo de instrumento da ora requerente, após apreciar os elementos de provas dos autos principais, traz fatos relevantes que, a meu ver, afastam a possibilidade de grave lesão à ordem e à economia públicas, assim:

No mérito do recurso, amparo não tem a pretensão da agravante. Isso porque restou comprovado, ao menos para fi ns de um juízo sumário de cognição, a precariedade da assistência que vem sendo prestada aos abrigados. A fl s. 49, verifi ca-se que o presidente da Fundação Municipal reconhece a necessidade da contratação de novos funcionários.

Dessa forma, tratando-se de crianças de abrigos, em que é notória a necessidade de maiores cuidados, forçoso é concluir pelas consequências desfavoráveis ao desenvolvimento psíquico das crianças em caso de manutenção da situação de carência de funcionários em que a instituição se encontra.

O Município agravante alega, contraditoriamente, a ausência de receita municipal para cobrir os gastos com a contratação excepcional determinada pelo juiz, ao mesmo tempo que declara que mais de dez mil funcionários contratados foram desligados em razão de acordo celebrado com o MPT (fl . 346).

Confi rmando o quadro fático acima, consta destes autos, à fl . 153, informação do Presidente da Fundação Municipal da Infância e Juventude, segundo a qual há necessidade de contratação de 37 funcionários para suprir a carência nos ‘Acolhimentos Institucionais da FMIJ - set. 2009’. Por outro lado, a título de ‘RECURSOS HUMANOS NECESSÁRIOS PARA FORTALECIMENTO/REESTRUTURAÇÃO DE PROGRAMAS E NÚCLEOS DE ATENDIMENTO DA FMIJ’, ele aponta o total de vinte professores, quatorze agentes de serviços gerais, um inspetor de pátio, um

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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agente administrativo, quatro assistentes sociais, um vigia, quatro pedagogas, duas cozinheiras, dezesseis instrutores de artes e ofícios e cinco psicólogos (fl s. 154-158).

Ademais, se é verdade que a municipalidade dispensou “mais de dez mil funcionários contratados”, não se pode acolher a tese de grave lesão à economia pública, considerando que o número total de funcionários a serem contratados temporariamente e, depois, mediante concurso pela Fundação é inferior a cem.

A propósito, o acórdão que julgou os segundos embargos de declaração assim se posicionou:

Por fi m, deve ser esclarecido que o Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Município de Campos de Goytacazes e o Ministério Público não veda totalmente a contratação de trabalhadores por tempo determinado, para atender a necessidades temporárias de excepcional interesse público, apenas determina que a contratação seja para atender a necessidades verdadeiramente temporárias, com comunicação ao MPT e ao MPE, na forma da cláusula 1ª e seu parágrafo 1º, do citado documento (fl s. 214-215) (fl . 424).

O mencionado efeito multiplicador, por sua vez, não está demonstrado, não havendo dúvida de que a contratação imposta decorre de caso específi co em que se verifi ca urgência para solucionar problemas sociais na municipalidade.

Para encerrar, quanto às alegações relacionadas à ilegalidade e à inconstitucionalidade das decisões de primeiro e de segundo graus, constituem temas jurídicos de mérito, que ultrapassam os limites traçados para a suspensão de liminar, de sentença ou de segurança, cujo objetivo é afastar a concreta possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. A via da suspensão, como é cediço, não substitui os recursos processuais adequados. Nesse sentido, dentre outros: AgRg na SLS n. 1.082-PI, publicado em 04.03.2010, e AgRg na SLS n. 1.102-RJ, publicado em 08.03.2010, ambos da minha relatoria e julgados nesta Corte Especial.

Ante o exposto, indefi ro o pedido (fl . 444-449).

A teor do recurso:

“Quem conduz as políticas públicas do Município é o Poder Executivo, não o Judiciário, portanto, quem decide a respeito do cabimento e da necessidade ou não da elaboração de convênios ou de aditivos, ainda mais com uma instituição particular, como no caso em tela, é a Administração Pública, respeitando-se a sua conveniência e oportunidade, esfera em que não pode o Judiciário se ingerir” (fl . 473-474).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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“Como é de sabença ordinária, a iniciativa para criação e realização de concurso público de provas e títulos para provimento do cargo efetivo ou do emprego constitui-se em prerrogativa exclusiva do Chefe do Executivo, a teor do que dispõe o art. 61, inciso II, a, do texto constitucional” (fl . 474).

“(...) o Município e nem tão pouco a Fundação, ora Agravante sequer têm condições de neste momento contratar pessoal em razão do orçamento estar comprometido no percentual da lei regente.

A folha de pagamento está centralizada em nível de orçamento junto à pessoa jurídica de direito público interno como o fazem o Governo Federal e os Estados, o que pode ser devidamente comprovado nos documentos acostados ao agravo de instrumento, oriundos da Secretaria Municipal de Controle e Orçamento” (fl . 475).

“Deve ser ressaltado, ainda, que para se cumprir a decisão ora agravada, é necessário que a Câmara Municipal aprove projeto de lei criando cargos ou empregos junto à Fundação agravante, o que certamente não será aprovado tendo em vista que a Comissão de orçamento e a de Constituição e Justiça analisarão o projeto e identifi carão que não existe orçamento para a criação de cargos ou empregos, além de fl agrante violação à Lei de Responsabilidade Fiscal” (fl . 476).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): 1. O Ministério Público do

Estado do Rio de Janeiro ajuizou ação de obrigação de fazer contra a Fundação

Municipal da Infância e Juventude (fl . 130-136).

O MM. Juiz de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso

da Comarca de Campos do Goytacazes, RJ, Dr. Heitor Carbalho Campinho,

antecipou a tutela para que a Fundação Municipal da Infância e Juventude

promovesse “a urgente contratação, em caráter excepcional e temporário, pelo

prazo máximo de 90 (noventa) dias, de funcionários capacitados a suprir

a carência de recursos humanos atualmente enfrentada pelas unidades de

acolhimento institucional municipais”, bem como, “no prazo máximo de 90

(noventa) dias, concurso público com vistas a suprir a carência de funcionários”

(fl . 262).

Interposto agravo de instrumento, a Sexta Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio de Janeiro, relator o Desembargador Wagner Cinelli

de Paula Freitas, negou-lhe provimento (fl . 344-346, 371-375, 422-424 e 432-

435).

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RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 155

Seguiu-se pedido de suspensão de liminar ajuizado pela Fundação Municipal da Infância e Juventude (fl . 01-25), indeferido pelo Ministro Cesar Asfor Rocha porque inexistente a grave lesão à ordem e à economia pública, e, ainda, do possível efeito multiplicador (fl . 444-449).

O Município de Campos dos Goytacazes interpôs, então, agravo regimental.

2. A suspensão de medida liminar é instituto informado pela proteção à ordem, saúde, segurança e economia públicas. O juízo acerca do respectivo pedido foi preponderantemente político até a Lei n. 8.437, de 1992. O art. 4º desse diploma legal introduziu um novo viés nesse juízo, o da “fl agrante

ilegitimidade” do ato judicial.

A decisão que antecipou os efeitos da tutela incorre no que a lei denomina de “fl agrante ilegitimidade”, porque o Poder Judiciário não deve, sob o fundamento de atendimento inadequado nos núcleos de abrigamento, intervir na administração do prefeito e da Câmara Municipal, determinando a contratação de servidores em caráter precário e a instauração de concurso público para cargos públicos sem que existam vagas a serem preenchidas.

Voto, por isso, no sentido de conhecer do agravo regimental, dando-lhe provimento para suspender os efeitos do acórdão proferido pela Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, relator o Desembargador Wagner Cinelli de Paula Freitas, nos autos do Agravo de Instrumento n. 2009.002.44603.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.147.489-SC (2009/0127669-5)

Relator: Ministro Felix Fischer

Agravante: Conselho Regional de Engenharia Arquitetura e Agronomia

de Santa Catarina - CREA-SC

Procurador: Antônio Fernando Bernardes e outro(s)

Agravado: Município de Pedras Grandes

Advogado: Rodrigo Zanella Marcon

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

156

EMENTA

Agravo regimental no recurso extraordinário no agravo regimental no recurso especial. Ausência de repercussão geral reconhecida. Inadmissibilidade do recurso extraordinário.

I - Segundo o decidido pela e. Suprema Corte (Questão de Ordem em Agravo de Instrumento n. 760.358-SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 03.12.2009), é defi nitiva a decisão prolatada por Tribunal que inadmite recurso extraordinário com base na ausência de repercussão geral, a qual não atrai o agravo de instrumento previsto no art. 544 do CPC.

II - In casu, o v. acórdão recorrido restringiu-se ao exame de questão relativa à admissibilidade de recurso endereçado a esta e. Corte Superior (incidência da Súmula n. 284-STF), tema cuja ausência de repercussão geral já foi declarada pelo e. Supremo Tribunal Federal.

Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e João Otávio de Noronha.

Os Srs. Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz foram substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Massami Uyeda e Humberto Martins.

Brasília (DF), 17 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Felix Fischer, Relator

DJe 16.12.2010

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 157

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo de instrumento interposto

pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - CREA-SC

contra a r. decisão que inadmitiu o recurso extraordinário de fl s. 211-222, pelos

seguintes fundamentos:

O acórdão impugnado versou apenas questão relativa aos pressupostos de admissibilidade de recurso endereçado ao Superior Tribunal de Justiça (defi ciente fundamentação do recurso especial - STF, Súmula n. 284), tema em que o Supremo Tribunal Federal declarou inexistente a repercussão geral (RE n. 598.365-MG, DJe de 26.03.2010).

Nego, por isso, seguimento ao recurso extraordinário.

Intimem-se (fl . 227).

Nas suas razões (fls. 235-244), o agravante requereu, em síntese, o

provimento do presente agravo de instrumento, com a conseqüente subida do

recurso extraordinário interposto.

Esta e. Corte Superior, com fundamento na Questão de Ordem no Agravo

de Instrumento n. 760.358-SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe

03.12.2009, recebeu o agravo de instrumento como agravo regimental (fl . 245).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): A r. decisão agravada deve ser

mantida por seus próprios fundamentos.

Preliminarmente, cabe esclarecer que a Lei n. 11.418/2006, adaptando-se

à reforma constitucional resultante da Emenda n. 45/2004, introduziu novos

artigos ao Código de Processo Civil, dos quais cite-se o art. 543-A. Estes artigos

regulamentaram a repercussão geral, novo requisito de admissibilidade do recurso

extraordinário.

De acordo com o referido artigo, não reconhecida a repercussão geral na

questão constitucional trazida no recurso extraordinário, a decisão valerá para

todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente (art.

543-A, § 5º, do Código de Processo Civil).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

158

O e. Supremo Tribunal Federal fi rmou entendimento segundo o qual

a decisão que nega seguimento ao recurso extraordinário, quando reconhecida

a ausência de repercussão geral, não enseja agravo de instrumento dirigido à e.

Suprema Corte. Por essa razão, referida decisão estará sujeita somente a agravo

regimental (QO-AI n. 760.358-SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes,

DJe 03.12.2009).

A respeito, confi ra-se trecho do voto do em. Ministro Gilmar Mendes:

Trago à consideração questão de ordem para que se fixe, em Plenário, o entendimento de que agravo e instrumento dirigido a esta Corte não é o meio adequado para que a parte questione decisão de tribunal a quo que aplica a sistemática da repercussão geral, nos termos do art. 543-A e 543-B e parágrafos, do Código de Processo Civil.

(...).

A Lei n. 11.418/2006, ao regulamentar a repercussão geral e promover alterações substanciais no Código de Processo civil, em seis dispositivos diferentes, atribuiu ao STF, mediante alterações em seu Regimento Interno, a tarefa de defi nir os procedimentos no caso de recursos múltiplos, bem como as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos na análise da repercussão geral:

(...).

Assim o fez a Corte, editando emendas ao regimento interno e regulando os procedimentos relacionados à tramitação dos recursos de sua competência (extraordinários e agravos), no seu próprio âmbito dos tribunais de origem.

E, pela primeira vez, os Tribunais de origem tiveram a atribuição de sobrestar e de pôr termo aos agravos de instrumento.

Bem sabemos que nossa jurisprudência, no regime anterior, não admitia semelhante competência. mas tal atribuição é inevitável, principalmente considerando-se que toda a reforma constitucional foi concebida com bo objetivo evitar julgamentos repetidos e sucessivos de uma mesma questão constitucional.

Agora, uma vez submetida a questão constitucional à análise da repercussão geral, cabe aos tribunais dar cumprimento ao que foi estabelecido, sem a necessidade da remessa dos recursos individuais.

Caso contrário, se o STF continuar a ter que decidir caso a caso, em sede de agravo de instrumento, mesmo que os Ministros da Corte apliquem monocraticamente o entendimento fi rmado no julgamento do caso-paradigma, a racionalização objetivada pelo instituto da repercussão geral, de maneira alguma, será alcançada.

Assim, a competência para a aplicação do entendimento fi rmado pelo STF é dos tribunais e das turmas recursais de origem. Não se trata de delegação para que

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 159

examinem o recurso extraordinário nem de inadmissibilidade ou de julgamento de recursos extraordinários ou agravos pelos tribunais e turmas recursais de origem. Trata-se, sim, de competência para os órgãos de origem adequarem os casos individuais ao decidido no leading case, mediante:

a) registro da automática inadmissibilidade (§ 5º do art. 543-A) ou do indeferimento liminar dos recursos sobrestados (§ 2º do art. 543-B), cujas matérias se identifi quem como aquelas em que se tenha negado repercussão geral;

b) registro do prejuízo dos recursos contra decisões conformes à jurisprudência da Corte em matéria cuja repercussão geral já foi assentada e que já teve o mérito julgado; e

c) juízo de retratação, nos casos em que a repercussão geral fora assentada e cujo julgamento posterior de mérito, pelo STF, resulte contrário ao entendimento a que chegou a Corte de origem, na decisão objeto de recurso extraordinário.

Verifica-se, portanto, que a conversão de agravo de instrumento em

agravo regimental é decorrente de decisão do e. Supremo Tribunal Federal,

que reconhece aos tribunais e órgãos colegiados a competência para fi rmar

o entendimento a respeito da repercussão geral, nesse caso específi co sobre a

inexistência de repercussão geral.

In casu, o v. acórdão recorrido restringiu-se a tratar de questão relativa a

critério de admissibilidade de recurso apreciado por esta Corte (incidência da

Súmula n. 284-STF), tema cuja ausência de repercussão geral já foi declarada pelo

e. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 598.365-MG, Rel. Min.

Carlos Britto, DJe de 26.03.2010.

Cumpre enfatizar que o v. julgado do e. Supremo Tribunal Federal fi rmou

orientação de que se a matéria em apreciação for atinente a pressupostos de

admissibilidade de recursos da competência de outros tribunais, em qualquer

caso, não resta confi gurada a repercussão geral, porquanto o deslinde da quaestio

exige o exame da legislação infraconstitucional, confi gurando, portanto, típica

hipótese de ofensa indireta ou refl exa.

Confi ra-se, a propósito, o seguinte excerto da manifestação do eminente

Ministro Relator, verbis:

(...). Fazendo-o, anoto que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os temas atinentes aos pressupostos de admissibilidade de recursos da competência de outros Tribunais não ensejam a abertura da via extraordinária, dado que as ofensas à Carta Magna, se existentes, ocorreriam de modo indireto ou refl exo. (...).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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4. Ora bem, não havendo, em rigor, questão constitucional a ser apreciada por esta Suprema Corte, “falta ao caso elemento de configuração da própria repercussão geral”, conforme salientou a ministra Ellen Gracie, no julgamento da Repercussão Geral no RE n. 584.608.

Ainda mais ilustrativa a respectiva ementa, da qual se colhe:

Pressupostos de admissibilidade de recursos da competência de outros tribunais. Matéria infraconstitucional. Ausência de repercussão geral. A questão alusiva ao cabimento de recursos da competência de outros Tribunais se restringe ao âmbito infraconstitucional. Precedentes. Não havendo, em rigor, questão constitucional a ser apreciada por esta nossa Corte, falta ao caso “elemento de confi guração da própria repercussão geral”, conforme salientou a ministra Ellen Gracie, no julgamento da Repercussão Geral no RE n. 584.608.

Com estas considerações, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 12.556-GO (2000/0118554-3)

Relator: Ministro Felix Fischer

Agravante: Estado de Goiás

Procuradores: Ana Paula Lima Florentino A Ferreira e outro(s)

Luiz Henrique Sousa de Carvalho

Agravado: Alexandre Augusto de Paiva e outros

Advogado: Juscimar Pinto Ribeiro e outro(s)

EMENTA

Agravo regimental no recurso extraordinário no recurso em

mandado de segurança. Sistemática da repercussão geral. Acórdão

recorrido em consonância com o julgamento de mérito do e. Supremo

Tribunal Federal. Recurso extraordinário prejudicado.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 161

I - O recurso extraordinário, interposto contra v. acórdão que se

encontre em consonância com o julgamento de mérito proferido pelo

e. Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, estará prejudicado,

conforme o disposto no artigo 543-B, § 3º, do CPC.

II - In casu, a decisão recorrida está em consonância com a

posição adotada pela e. Suprema Corte, no sentido de que os Estados-

membros só podem instituir contribuição que tenha por fi nalidade

o custeio do regime de previdência de seus servidores, que não

abrange a prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e

farmacêuticos (RE n. 573.540-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar

Mendes, DJe de 11.06.2010).

Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Hamilton

Carvalhido, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Luiz Fux, Teori

Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda e

Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz

e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha e João Otávio de

Noronha.

Os Srs. Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz foram substituídos,

respectivamente, pelos Srs. Ministros Massami Uyeda e Humberto Martins.

Brasília (DF), 17 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Felix Fischer, Relator

DJe 02.12.2010

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

162

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo regimental interposto

pelo Estado de Goiás contra decisão assim fundamentada:

No julgamento do RE n. 573.540-MG, Relator o Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal assim decidiu:

Contribuição para o custeio dos serviços de assistência médica, hospitalar, odontológica e farmacêutica. Art. 85 da Lei Complementar n. 62/2002, do Estado de Minas Gerais. Natureza tributária. Compulsoriedade. Distribuição de competências tributárias. Rol taxativo. Incompetência do Estado-membro. Inconstitucionalidade. Recurso extraordinário não provido. I - É nítida a natureza tributária da contribuição instituída pelo art. 85 da Lei Complementar n. 64/2002, do Estado de Minas Gerais, haja vista a compulsoriedade de sua cobrança. II - O art. 149, caput, da Constituição atribui à União a competência exclusiva para a instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profi ssionais e econômicas. Essa regra contempla duas exceções, contidas no arts. 149, § 1º, e 149-A da Constituição. À exceção desses dois casos, aos Estados-membros não foi atribuída competência para a instituição de contribuição, seja qual for a sua fi nalidade. III - A competência, privativa ou concorrente, para legislar sobre determinada matéria não implica automaticamente a competência para a instituição de tributos. Os entes federativos somente podem instituir os impostos e as contribuições que lhes foram expressamente outorgados pela Constituição. IV - Os Estados-membros podem instituir apenas contribuição que tenha por fi nalidade o custeio do regime de previdência de seus servidores. A expressão “regime previdenciário” não abrange a prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e farmacêuticos (DJ de 11.06.2010).

Na espécie, o acórdão recorrido está conformado a esse entendimento e, por isso, julgo prejudicado o recurso extraordinário (art. 543-B, § 3º - CPC) (fl s. 358-369).

Sustenta o agravante que “Da mera análise dos autos percebe-se que o

precedente julgado pelo Supremo Tribunal Federal no caso de Minas Gerais é

diverso do tema tratado nos presentes autos.” (fl . 379).

Alega que no RE n. 573.540-MG “o Excelso Pretório declarou a

inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 64/2002 do Estado de

Minas Gerais por haver instituído contribuição compulsória de natureza

eminentemente tributária”, e que no presente caso “a Lei Goiana n. 12.872/1996

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 163

estabeleceu contribuição compulsória exclusiva para custeio das futuras

aposentadorias e pensões dos servidores, sem referir-se a essa obrigatoriedade

quanto à contribuição devida ao IPASGO” (fl . 379).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Inicialmente há que se ressaltar que, no julgamento das Reclamações n. 7.547-SP e 7.569-SP, o e. Supremo Tribunal Federal decidiu ser possível a interposição de agravo regimental perante o Tribunal de origem, contra decisão que teria supostamente aplicado de maneira equivocada o instituto da repercussão geral.

No mérito não há como desconsiderar o quanto já decidido nestes autos, que, inclusive, segue a linha de orientação deste e. Superior Tribunal de Justiça (RMS n. 9.668-GO, RMS n. 9.364-GO e RMS n. 12.824-GO), no sentido da compulsoriedade da contribuição para o custeio de assistência à saúde.

De fato, pela análise das disposições da Lei Estadual n. 12.872/1996, verifi co que, na hipótese, há obrigatoriedade de fi liação à assistência à saúde a determinadas pessoas, e por conseguinte, contribuição ao IPASGO, que é recolhida à alíquota de 6% sobre a remuneração. Ademais, há também previsão normativa facultando assistência hospitalar integral (além da citada fi liação obrigatória à assistência à saúde), com acréscimo, neste caso, de 3% de contribuição sobre a remuneração percebida.

Verifi ca-se, com isso, que a decisão recorrida está em consonância com a posição adotada pelo e. Supremo Tribunal Federal, ao analisar e decidir acerca da natureza e competência para instituição de contribuição para o custeio de serviços à saúde, conforme transcrevo:

Contribuição para o custeio dos serviços de assistência médica, hospitalar, odontológica e farmacêutica. Art. 85 da Lei Complementar n. 62/2002, do Estado de Minas Gerais. Natureza tributária. Compulsoriedade. Distribuição de competências tributárias. Rol taxativo. Incompetência do Estado-membro. Inconstitucionalidade. Recurso extraordinário não provido.

I - É nítida a natureza tributária da contribuição instituída pelo art. 85 da Lei Complementar n. 64/2002, do Estado de Minas Gerais, haja vista a compulsoriedade de sua cobrança.

II - O art. 149, caput, da Constituição atribui à União a competência exclusiva para a instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

164

e de interesse das categorias profi ssionais e econômicas. Essa regra contempla duas exceções, contidas no arts. 149, § 1º, e 149-A da Constituição. À exceção desses dois casos, aos Estados-membros não foi atribuída competência para a instituição de contribuição, seja qual for a sua fi nalidade.

III - A competência, privativa ou concorrente, para legislar sobre determinada matéria não implica automaticamente a competência para a instituição de tributos. Os entes federativos somente podem instituir os impostos e as contribuições que lhes foram expressamente outorgados pela Constituição.

IV - Os Estados-membros podem instituir apenas contribuição que tenha por finalidade o custeio do regime de previdência de seus servidores. A expressão “regime previdenciário” não abrange a prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e farmacêuticos. (RE n. 573.540-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.06.2010).

Assim, considerando a decisão de mérito proferida pelo e. Supremo

Tribunal Federal com repercussão geral reconhecida, onde foi consignado que

os Estados-membros só podem instituir contribuição que tenha por fi nalidade

o custeio do regime de previdência de seus servidores (e não a assistência à

saúde), bem como o disposto no artigo 543-B, § 3º, do CPC, torna-se incabível

a reforma da decisão recorrida.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

INTERVENÇÃO FEDERAL N. 106-PR (2009/0049699-0)

Relator: Ministro João Otávio de Noronha

Reqste: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

UF: Estado do Paraná

Procurador: Procuradoria Geral do Estado do Paraná

Interes.: Indústrias João José Zattar S/A

Advogado: César Augusto Gularte de Carvalho

Interes.: Anizio Alves França e outros

Advogado: Odir Antonio Gotardo e outro(s)

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 165

EMENTA

Intervenção federal. Estado do Paraná. Descumprimento de

decisão judicial caracterizado. Ação de reintegração de posse.

1. A intervenção federal é medida de natureza excepcional,

porque restritiva da autonomia do ente federativo. Daí as hipóteses

de cabimento serem taxativamente previstas na Constituição da

República, em seu artigo 34.

2. Nada obstante sua natureza excepcional, a intervenção se

impõe nas hipóteses em que o Executivo estadual deixa de fornecer

força policial para o cumprimento de ordem judicial.

3. Intervenção federal julgada procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, julgar procedente o pedido de intervenção federal nos termos

do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki,

Ari Pargendler, Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior,

Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão, Nancy Andrighi e Laurita Vaz votaram

com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e,

ocasionalmente, os Srs. Ministros Nilson Naves, Gilson Dipp e Luiz Fux.

Brasília (DF), 12 de abril de 2010 (data de julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente

Ministro João Otávio de Noronha, Relator

DJe 12.05.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se de pedido de intervenção

federal formulado por Indústrias João José Zattar S/A com fundamento no

artigo 34, VI, da Constituição Federal, contra o Estado do Paraná.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

166

A parte interessada aduz que o Estado do Paraná descumpriu ordem

judicial que requisitava força policial para dar cumprimento à ordem de

reintegração de posse de imóvel rural invadido pelos réus.

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná julgou

procedente o pedido em acórdão assim ementado:

Pedido de intervenção federal. Invação de imóvel por particulares. Reintegração de posse. Pedido de reforço policial deferido. Descumprimento de ordem judicial (mando de reintegração de posse). Omissão do ente estatal caracterizada. Postergação por vários anos. Medida excepcional a que se impõe. Procedência do pedido.

Embora a intervenção federal consista em medida excepcional de supressão temporária da autonomia de determinado ente federativo, trata-se de medida perfeitamente cabível na hipótese em exame, haja vista a desídia do ente estatal em fornecer o reforço policial necessário para o cumprimento de decisão judicial, solicitado há vários anos.

Já neste Tribunal, foram requisitadas informações ao Governador do

Estado do Paraná, que informou que a intervenção em questão perdeu o objeto

em razão de o autor da ação ter ofertado o imóvel à venda ao Incra.

O Ministério Público Federal ofereceu parecer pela procedência do pedido

(fl s. 701-705).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): A presente intervenção

teve origem nos seguintes fatos:

A requerente ajuizou ação de reintegração de posse em desfavor de diversas

pessoas que invadiram seu imóvel rural.

Essa ação foi julgada procedente em primeira instância, decisão esta

confi rmada pelo Tribunal a quo.

Transitada em julgado, a reintegração não pode ser cumprida pelo Ofi cial

de Justiça em razão de os posseiros terem resistido ao cumprimento da ordem.

Assim, foi requisitado reforço policial ao 16º Batalhão de Polícia Militar

de Guarapuava (PR), que, por sua vez, informou ao Juiz que estava sendo

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 167

elaborado estudo para viabilizar uma linha de ação, estudo este que ainda seria

submetido à aprovação superior, ou seja, da Secretaria de Segurança Pública (fl .

180).

Contudo, após um ano e mês da requisição do MM Juiz, o Comando da

Polícia Militar informou ao Juiz que não havia recebido autorização para efetuar

a intervenção policial solicitada (fl s. 182-183).

O autor da ação reintegratória, então, aviou requerimento de intervenção

federal.

Intervenção federal é medida de natureza excepcional, porque restritiva

da autonomia do ente federativo. Daí porque as hipóteses de cabimento serem

taxativamente previstas na Constituição da República, em seu artigo 34; e, na

hipótese em questão, no inciso VI do mencionado artigo, assim disposto:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

VI - p rover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

No caso, o pedido de intervenção federal está fundado no fato de o Poder

Executivo do Estado do Paraná, sem nenhuma justifi cativa, não ter fornecido

reforço policial para o fi m de dar cumprimento à decisão judicial de reintegração

de posse de imóvel rural.

Nesse sentido, este Superior Tribunal de Justiça, julgando outros casos

oriundos do Estado do Paraná em que se pedia a intervenção pelas mesmas

causas ora apresentadas, fi rmou entendimento de que autoriza a intervenção

federal a inércia do Poder Executivo estadual que, deixando de fornecer a força

policial sem motivo algum, descumpre decisão judicial.

Cito, a propósito, alguns precedentes:

Intervenção federal. Reintegração na posse. Sem-terra. Descumprimento de ordem judicial. Ausência de justifi cativa. Inação do Estado. Art. 34 da Constituição. Pedido deferido.

I - Sem desconhecer os graves problemas atinentes à terra no Brasil, o Poder Judiciário deve zelar pela garantia do Estado de direito, que se pauta pelo estrito cumprimento das leis e das decisões judiciais, além de assegurar aos litigantes o acesso à Justiça e ao devido processo legal.

II - Na linha de precedentes desta Corte, a inação do Estado em dar cumprimento a decisão judicial de reintegração na posse, sem justificativa plausível e sem a demonstração, sequer, de atos concretos nesse sentido, enseja o deferimento da

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intervenção. (IF n. 79-PR, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 09.12.2003)

Constitucional. Intervenção federal. Estado do Paraná. Imóvel rural invadido pelo MST. Reintegração de posse concedida. Descumprimento de decisão judicial. Atraso injustifi cável. Contumácia. Vastidão de precedentes.

1. Pedido de Intervenção Federal requerido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em face de descumprimento de ordem judicial (medida liminar) oriunda daquela Corte que determinou reintegração na posse dos titulares de imóvel rural invadido por grupo denominado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.

2. A via da intervenção federal, de natureza especialíssima e grave, só deve ser aberta quando em situações extremas e se apresentar manifesta a intenção do Poder Executivo, pela sua autoridade maior, de conduta inequívoca de descumprimento de decisão judicial, como se insere na presente lide.

3. Em diversos casos semelhantes ao presente, a distinta Corte Especial deste Sodalício decidiu que, ante a recalcitrância do Estado do Paraná em descumprir decisões judiciais de reintegração de posse – mesmo que de natureza provisória – quando o esbulho é perpetrado por ditos movimentos sociais sem que houvesse qualquer justifi cativa plausível ou mesmo atos concretos nesse sentido, é de se deferir o pedido de intervenção federal.

4. O indeferimento do pedido implicaria despir de efi cácia e autoridade as decisões judiciais, importando num indesejável e crescente enfraquecimento do Poder Judiciário, transmudando a coercibilidade e o comando inerentes aos provimentos judiciais em simples aconselhamento destituído de efi cácia, ainda mais quando caracterizada a contumácia no descumprimento.

5. “É irrelevante o fato de não ser defi nitiva a decisão exeqüenda. Dizer que somente o desrespeito à decisão defi nitiva justifi ca a intervenção é reduzir as decisões cautelares à simples inutilidade.” (IF n. 97-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 18.12.2006).

6. Vastidão de precedentes: IF n. 91-RO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 13.02.2006; IF n. 22-PR, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 06.06.2005; IF n. 70-PR, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 02.05.2005; IF n. 86-PR, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 28.06.2004; IF n. 76-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 13.10.2003, dentre outros.

7. Pedido de intervenção deferido. (IF n. 94-PR, relator Ministro José Delgado, DJ de 08.10.2007.)

Intervenção federal. Ação de reintegração de posse. Liminar concedida. Descumprimento. Postergação por vários anos. Procedência do pedido. Evidenciada a manifesta inércia do Poder Executivo Estadual quanto ao cumprimento da

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 169

decisão judicial, decorridos quase oito anos da concessão da liminar reintegratória de posse, cabe acolher-se o pedido de intervenção federal. Pedido de intervenção federal julgado procedente (IF n. 86-PR, relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 28.06.2004)

No que diz respeito ao fato de o requerente ter proposto ao Incra a

compra do imóvel objeto da reintegratória, também já decidiu este Tribunal que

não se trata de hipótese impeditiva do cumprimento da decisão judicial, pois

permanece o interesse do requerente em reaver seu imóvel.

Intervenção federal. Ação de reintegração de posse. Reforço policial. Descumprimento de decisão judicial caracterizado. Perda de objeto. Inexistência.

1. Na linha da jurisprudência desta Corte, impõe-se a procedência do pedido de intervenção federal nas hipóteses em que o Poder Executivo não fornece o reforço policial necessário para o fi m de efetivar o cumprimento de decisão judicial, transitada em julgado, de reintegração de posse de imóvel rural invadido por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.

2. O fato de existir proposta de venda do imóvel não torna sem efeito a decisão judicial que julgou procedente o pedido de reintegração de posse, nem tampouco retira o direito da requisitante de reaver seu bem, não se mostrando razoável reconhecer que houve perda de objeto do pedido de intervenção federal.

3. Pedido de intervenção federal julgado procedente. (IF n. 103-PR, relator Ministro Paulo Gallotti, DJe de 21.08.2008)

Ante o exposto, julgo procedente o pedido de intervenção federal no Estado do

Paraná.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.112.943-MA (2009/0057117-0)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Caixa Econômica Federal - CEF

Advogado: Márcio de Assis Borges e outro(s)

Recorrido: Luzanira Fonseca

Advogado: Sem representação nos autos

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EMENTA

Processual Civil. Recurso especial. Execução civil. Penhora. Art.

655-A do CPC. Sistema Bacen-Jud. Advento da Lei n. 11.382/2006.

Incidente de processo repetitivo.

I - Julgamento das questões idênticas que caracterizam a multiplicidade.

Orientação - Penhora on line.

a) A penhora on line, antes da entrada em vigor da Lei n.

11.382/2006, confi gura-se como medida excepcional, cuja efetivação

está condicionada à comprovação de que o credor tenha tomado todas

as diligências no sentido de localizar bens livres e desembaraçados de

titularidade do devedor.

b) Após o advento da Lei n. 11.382/2006, o Juiz, ao decidir

acerca da realização da penhora on line, não pode mais exigir a prova,

por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de

bens a serem penhorados.

II - Julgamento do recurso representativo

- Trata-se de ação monitória, ajuizada pela recorrente, alegando,

para tanto, titularizar determinado crédito documentado por contrato

de adesão ao “Crédito Direto Caixa”, produto oferecido pela instituição

bancária para concessão de empréstimos. A recorrida, citada por meio

de edital, não apresentou embargos, nem ofereceu bens à penhora,

de modo que o Juiz de Direito determinou a conversão do mandado

inicial em título executivo, diante do que dispõe o art. 1.102-C do

CPC.

- O Juiz de Direito da 6ª Vara Federal de São Luiz indeferiu

o pedido de penhora on line, decisão que foi mantida pelo TJ-MA

ao julgar o agravo regimental em agravo de instrumento, sob o

fundamento de que, para a efetivação da penhora eletrônica, deve o

credor comprovar que esgotou as tentativas para localização de outros

bens do devedor.

- Na espécie, a decisão interlocutória de primeira instância que

indeferiu a medida constritiva pelo sistema Bacen-Jud, deu-se em

29.05.2007 (fl . 57), ou seja, depois do advento da Lei n. 11.382/2006,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 171

de 06 de dezembro de 2006, que alterou o CPC quando incluiu

os depósitos e aplicações em instituições financeiras como bens

preferenciais na ordem da penhora como se fossem dinheiro em espécie

(art. 655, I) e admitiu que a constrição se realizasse preferencialmente

por meio eletrônico (art. 655-A).

Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte

Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o

voto-vista do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki dando provimento ao recurso

especial no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior,

Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Francisco Falcão, e as retifi cações de voto

dos Srs. Ministros Luiz Fux, João Otávio de Noronha e Castro Meira para

acompanhar o voto da Sra. Ministra Relatora, por unanimidade, conhecer do

recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra

Relatora. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Luiz Fux, João Otávio de Noronha,

Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer,

Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido e Francisco Falcão

votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justifi cadamente, o Sr. Ministro

Cesar Asfor Rocha e, ocasionalmente, a Sra. Ministra Eliana Calmon.

Brasília (DF), 15 de setembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministra Nancy Andrighi, Relatora

DJe 23.11.2010

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Trata-se de recurso especial interposto

por Caixa Econômica Federal - CEF, com fundamento nas alíneas a e c do

permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TRF da 1ª Região.

Ação: monitória ajuizada pelo recorrente em face de Luzanira Fonseca, alegando, para tanto, titularizar determinado crédito documentado por contrato

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172

de adesão ao “Crédito Direto Caixa”, produto oferecido pela instituição bancária

para concessão de empréstimos (fl s. 15-18). A recorrida, citada por meio de

edital, não apresentou embargos, nem ofereceu bens à penhora, de modo que o

Juiz de Direito determinou a conversão do mandado inicial em título executivo.

Decisão interlocutória: o Juiz indeferiu, na data de 29.05.2007, a

utilização do sistema Bacen-Jud para realização de penhora eletrônica (fl . 13),

nos seguintes termos:

A quebra de sigilo bancário é medida excepcional que depende da presença de relevantes motivos, que por si só, justifi quem a violação do direito à privacidade resguardado expressamente pela Constituição (art. 5º, X).

A simples ausência de patrimônio penhorável, a meu ver, não é sufi ciente para ensejar a quebra de sigilo aqui pleiteado, que somente deve ser concedido excepcionalmente.

Assim sendo, indefi ro o pedido de quebra de sigilo bancário, via Bacen, por entender descabido.

Agravo de instrumento: foi interposto pelo recorrente (fl s. 02-09) contra

a decisão denegatória de penhora on line.

Decisão monocrática: o Relator negou seguimento ao agravo de

instrumento (fls. 21-23), ao argumento de que “a Agravante não logrou

demonstrar a realização de diligências para localização de eventuais bens da

devedora” (fl . 21).

Agravo regimental: o recorrente interpôs agravo regimental, às fl s. 24-32,

buscando que fosse reconsiderada a decisão.

Acórdão: o TRF da 1ª Região negou provimento ao recurso, nos termos

do acórdão assim ementado (fl s. 36-41):

Processual Civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Execução. Utilização do sistema Bacen-Jud para bloqueio de saldo de conta bancária. Impossibilidade.

1. A utilização do sistema Bacen-Jud com a fi nalidade de que seja determinada penhora de crédito em conta bancária é medida excepcional que, por implicar ruptura do sigilo bancário, somente é admitida quando esgotadas as tentativas para localização de outros bens do devedor, o que não ocorreu na espécie. Precedentes.

2. Segundo a doutrina “a ordem estabelecida no art. 655, após a alteração da Lei n. 11.382/2006, (...), não pode ser encarada como um parâmetro absoluto, ou como o único a ser seguido pelo órgão jurisdicional, em qualquer hipótese,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 173

para definir qual bem será penhorado”. Assim, embora a legislação, agora, expressamente autorize a realização de penhora de dinheiro “em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira”, “somente em situações excepcionais e devidamente fundamentadas é que se admite a especial forma de constrição” (Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia Medina, in Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil 3).

3. Agravo regimental desprovido.

Recurso Especial: a recorrente alega ofensa ao art. 655 e 655-A do CPC,

além de dissídio jurisprudencial (fl s. 47-59). Aduz que, em razão das inovações

introduzidas pela Lei n. 11.382/2006, não há que se falar em necessidade de

comprovação, por parte do credor, do esgotamento de diligências na localização

de bens penhoráveis, para que seja realizada a penhora on line.

Juízo Prévio de Admissibilidade: decorrido o prazo sem a apresentação

das contrarrazões ao recurso especial, foi este admitido na origem (fl s. 65-66).

Despacho de afetação (fl . 70): considerando a multiplicidade de recursos

com fundamento em idêntica questão de direito e o disposto no art. 2º, § 1º, da

Resolução n. 8-STJ, afetei à Corte Especial o julgamento do presente recurso

especial e do REsp n. 1.112.584-DF, para os efeitos do art. 543-C do CPC.

Determinei a expedição de ofícios ao Presidente do STJ, aos Presidentes

dos Tribunais Regionais Federais e aos Presidentes dos Tribunais de Justiça,

com cópia do acórdão recorrido e da petição de interposição do recurso especial,

comunicando a instauração do aludido procedimento, para que se suspenda

o processamento dos recursos especiais que versem sobre a necessidade de

comprovação do esgotamento das diligências para localização de bens de

propriedade do devedor para a realização das providências previstas no art. 655-

A do CPC.

Manifestaram-se, nos termos do art. 3º, I, da Resolução n. 8/2008 do STJ,

o Conselho Federal da OAB (fl s. 157-181), a Defensoria Pública da União (fl s.

209-211) e o Advogado-Geral da União (fl s. 239-247). Não se manifestou, em

que pese notifi cado, o Instituto Brasileiro de Direito Processual (fl s. 220).

Parecer do Ministério Público Federal: por fi m, o Ministério Público

Federal opinou às fl s. 249-253, em parecer da lavra do i. Subprocurador-Geral

da República Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins, pelo provimento do recurso

especial.

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

174

VOTO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora):

DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO

A natureza do procedimento do art. 543-C do CPC visa unificar o

entendimento e orientar a solução de recursos repetitivos.

No despacho que instaurou o incidente do processo repetitivo, determinei

que fosse suspenso o processamento dos recursos especiais que “versem sobre a

necessidade de comprovação do esgotamento das diligências para localização de

bens de propriedade do devedor para a realização das providências previstas no

art. 655-A do CPC.” (fl . 70).

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com as recentes modificações no processo de execução, permaneceu

o legislador consciente da maior efetividade que o dinheiro, como forma de

viabilizar a realização do direito de crédito, confere à prestação jurisdicional.

A previsão do dinheiro como bem preferencial na ordem legal da penhora se

justifi ca por ser o bem que permite mais facilmente a satisfação da dívida, “já

que dispensa todo o procedimento destinado a permitir a justa e adequada

transformação de bem penhorado – como o imóvel – em dinheiro, eliminando a

demora e o custo de atos como a avaliação e a alienação do bem a terceiro” (Luiz

Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart. Curso de Processo Civil, v. 3,

Execução, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 270), além de que oportuniza

ao exequente penhorar a quantia exata necessária ao atendimento do seu crédito.

Não obstante a redação anterior do art. 655 do CPC não fazer qualquer

distinção entre dinheiro em espécie e dinheiro depositado ou aplicado em

instituições bancárias, a penhora desse último, antes da entrada em vigor da

Lei n. 11.382/2006, já era admitida por este Tribunal, atento à dinâmica das

relações sociais a que se sujeita o direito. Nesse sentido, vejam-se os seguintes

precedentes: REsp n. 916.832-SP, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de

03.09.2004; REsp n. 202.354-MA, 3ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de

20.03.2000; AgRg na MC n. 11.881-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes

Direito, DJ de 12.02.2007 e AgRg no Ag n. 727.148-SP, 3ª Turma, Rel. Min.

Humberto Gomes de Barros, DJ de 27.03.2006.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 175

Em decisão unipessoal proferida no julgamento do REsp n. 1.103.760-

CE, publicada no DJ de 16.03.2009, o i. Min. Herman Benjamin, referindo-se

ao avanço tecnológico nas operações fi nanceiras, assim se manifestou:

Quanto à matéria que mais diretamente se relaciona com o mérito do apelo extremo, destaco a alteração dos paradigmas das relações econômicas. Atualmente, o dinheiro circula não mais em espécie, mas por meio de cartões de crédito e de débito automático; operações fi nanceiras são realizadas pela rede mundial de computadores; empresas que atuam nos mais diversos segmentos não possuem sequer bens passíveis de constrição, por estabelecerem-se em imóveis alugados, possuírem mobiliário por meio de contratos de leasing, etc.

Esclarece-se, por oportuno, que, antes do surgimento da penhora por

método eletrônico, a penhora de dinheiro depositado ou aplicado em instituição

bancária era somente realizada mediante ofício ao Banco Central do Brasil, que

requisitava às instituições fi nanceiras informações sobre conta e seus ativos. O

Juiz, após colher essas informações, determinava, via postal ou por mandado, a

penhora de dinheiro sufi ciente para garantir a execução.

O instituto da penhora eletrônica nasceu em 2001 como um instrumento

a conceder mais efetividade ao processo de execução, em virtude de um

convênio de cooperação técnico institucional entre o Banco Central do Brasil,

o Conselho da Justiça Federal e o STJ, tendo, posteriormente, ganhado força

em especial nas execuções trabalhistas. Ao modelo de atendimento deu-se o

nome de Bacen-Jud.

J U L G A M E N T O D A S Q U E S T Õ E S I D Ê N T I C A S Q U E

CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE - ART. 543-C, § 7º, DO CPC

A questão nuclear trazida a desate refere-se à necessidade ou não de

comprovação do esgotamento de vias extrajudiciais de busca de bens a serem

penhorados para a realização da penhora on line.

Observa-se, inicialmente, que, em se tratando de norma processual, vigora

o princípio tempus regit actum, no qual o direito intertemporal preconiza que

a lei nova se aplica imediatamente, inclusive aos processos em curso. Dessa

forma é necessário a exposição dos dois entendimentos desta Corte, segundo

o momento em que o Juiz proferiu decisão acerca da realização da penhora

requerida pelo credor: se antes ou posterior às alterações introduzidas pela Lei

n. 11.382/2006, cuja entrada em vigor se deu em 06 de dezembro de 2006.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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I. Da realização da penhora on line em momento anterior ao advento da Lei

n. 11.382/2006

No que concerne à realização de penhora on line de dinheiro depositado

ou aplicado em instituição bancária antes da entrada em vigor da Lei n.

11.382/2006, esta Corte Superior consolidou o entendimento de ser medida

excepcional, cuja efetivação está condicionada à comprovação de que o

credor tenha tomado todas as diligências no sentido de localizar bens livres e

desembaraçados de titularidade do devedor.

Diversos foram os julgados nesse sentido, entre os quais destacam-se: AgRg

no Ag n. 1.010.872-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 15.09.2008;

AgRg no REsp n. 1.129.461-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido,

DJe de 02.02.2010; AgRg no Ag n. 944.358-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Castro

Meira, DJe de 11.03.2008; AgRg no Ag n. 1.087.731-BA, 2ª Turma, Rel. Min.

Eliana Calmon, DJe de 03.09.2009; AgRg no REsp n. 726.868-SE, 4ª Turma,

Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 28.11.2005; REsp n. 659.127-SP, 5ª

Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Rel. p/ acórdão Min. Gilson Dipp,

DJ de 21.02.2005.

Assevera-se, por oportuno, que discutir a comprovação desse exaurimento

esbarra no óbice da Súmula n. 7-STJ. Nesse sentido, vejam-se os seguintes

precedentes: AgRg no Ag n. 1.041.585-BA, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino

Zavascki, DJe de 18.08.2008; AgRg na MC n. 13.891-RS, 1ª Turma, Rel. Min.

Denise Arruda, DJe de 30.04.2008; AgRg no Ag n. 850.240, 5ª Turma, Rel.

Min. Felix Fischer, DJ de 08.10.2007.

II. Da realização da penhora on line após a entrada em vigor da Lei n.

11.382/2006

Com o advento da Lei n. 11.382, em 06 de dezembro de 2006, houve

uma grande mudança de paradigma no processo de execução, com o escopo

de conferir mais racionalidade e celeridade à prestação jurisdicional. Duas

alterações - quer sejam, (II.a) a equiparação do dinheiro em espécie ao dinheiro

depositado ou aplicado em instituição bancária; e (II.b) a introdução no sistema

processual da possibilidade preferencial de constrição eletrônica desses valores

- merecem ser analisadas em pormenor, diante da relevância que assumiram na

adoção, por este Tribunal, de nova orientação jurisprudencial, no sentido de ser

desnecessário o exaurimento da busca por bens passíveis de penhora.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 177

II. a) Da equiparação do dinheiro depositado ou aplicado em instituição

fi nanceira ao dinheiro em espécie

O art. 655 do CPC, em sua novel redação, equiparou o dinheiro depositado

ou aplicado em instituições bancárias ao dinheiro em espécie, colocando-o em

primeiro lugar na ordem preferencial da penhora.

Em diversos precedentes desta Corte destacou-se a preferência do dinheiro

na ordem legal da penhora, entre os quais vejam-se: REsp n. 1.066.091-RS,

1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 25.09.2008; REsp n.

1.009.363-BA, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 16.04.2008; REsp

n. 1.230.232-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 02.02.2010;

AgRg nos EDcl no Ag n. 702.610-MG, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe

de 20.06.2008; REsp n. 1.033.820-DF, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda,

DJe de 19.03.2009; AgRg no Ag n. 1.123.556-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis

Felipe Salomão, DJe de 28.09.2005.

II. b) Da preferência pelo meio eletrônico para realização do ato

constritivo

Por sua vez, o art. 655-A representou outra alteração importante do

diploma processual, na busca por mais agilidade e efi ciência à execução. O

legislador, atento aos avanços da informática e buscando aperfeiçoar ato

processual já existente, a penhora, dispôs expressamente que “para possibilitar a

penhora de dinheiro em depósito ou aplicação fi nanceira, o juiz, a requerimento

do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário,

preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em

nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade,

até o valor indicado na execução” (grifo nosso).

Essa preferência do meio eletrônico, contudo, poderá ser afastada em

situações específi cas, como diante da ocorrência de algum problema ou falha

técnica no sistema. Nesse sentido, em julgado de minha relatoria destaquei que

“caso a expressão “preferencialmente” fosse suprimida do texto legal, a utilização

de qualquer meio diverso do eletrônico estaria vedada sempre que houvesse uma

eventual falha operacional do sistema, impedindo assim que as providências

mencionadas no art. 655-A fossem tomadas, ainda que por mecanismos menos

velozes” (REsp n. 1.043.759-DF, 3ª Turma, DJe de 16.12.2008).

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Com a realização preferencial da penhora eletrônica, evita-se oportunizar ao devedor frustrar a execução, valendo-se do lapso temporal entre a expedição do ofício ao Banco Central do Brasil, cujo conhecimento está ao seu alcance, e a efetiva penhora. Por esse mesmo motivo, o art. 655-A do CPC dispõe literalmente, que seja a requisição de informações e o ato de constrição (quando, por óbvio, existente conta de titularidade do devedor e ainda, ativo fi nanceiro nessa) realizadas no mesmo ato.

Salienta-se que a previsão contida no art. 655-A do CPC, de que “as informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução”, afasta qualquer alegação de violação dos dados pessoais do executado, porquanto, não se irá tornar público os últimos movimentos bancários do devedor, mas somente se averiguar se existe ativo fi nanceiro sufi ciente para garantir a execução.

Consigna-se, ainda, por oportuno, que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em sua 71ª Sessão Ordinária, ocorrida em 07.10.2008, aprovou a Resolução n. 61/2008, publicada no DJe de 15.10.2008, que, em seu art. 2º, dispõe ser “obrigatório o cadastramento, no sistema BACENJUD, de todos os magistrados brasileiros cuja atividade jurisdicional compreenda a necessidade de consulta e bloqueio de recursos fi nanceiros de parte ou terceiro em processo judicial.”

II. c) Da nova orientação jurisprudencial deste Tribunal

O STJ passou a adotar, para decisões proferidas após o advento da Lei n. 11.382/2006, nova orientação jurisprudencial, no sentido de não existir mais a exigência de prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados.

Esse novo entendimento do STJ decorre de uma interpretação sistemática do diploma processual, em especial de suas alterações recentes: art. 655, I, e 655-A do CPC. O princípio da efetividade, alçado à categoria de direito fundamental com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 45/2004, serve como base de exegese da ordem processual, especialmente no que concerne ao processo de execução, que, conforme letra da lei, realiza-se “no interesse do credor” (art. 612 do CPC).

Assim, superou-se o entendimento anterior que condicionava à efetivação da penhora eletrônica à comprovação de que o credor tenha tomado todas as diligências a fi m de localizar bens livres e desembaraçados de titularidade do devedor.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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A maioria dos Ministros que compõem este Tribunal já teve a oportunidade de apreciar o tema, conforme se verifi ca, entre outros, nos seguintes julgados: EREsp n. 1.087.839-RS, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, DJe 18.09.2009; AgRg no Ag n. 1.230.232, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 02.02.2010; REsp n. 1.009.363-BA, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 16.04.2008; REsp n. 1.066.091-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 25.09.2008; REsp n. 1.097.895-BA, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 16.04.2009; AgRg no REsp n. 1.077.240-BA, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 27.03.2009; AgRg no Ag n. 1.034.766-RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 19.12.2008; REsp n. 1.033.820-DF, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 19.03.2009; AgRg no Ag n. 1.050.772-RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo Furtado, DJe de 05.06.2009.

A propósito, confi ra-se o seguinte excerto colhido das lições do e. jurista Athos Gusmão Carneiro (Da penhora on-line e da penhora de faturamento. Repertório IOB de jurisprudência: civil, processual, penal e comercial, n.8, 2.

quinz. abr., 2010, p. 250)

O anterior entendimento de que a penhora on line seria uma medida excepcional, somente admissível quando esgotada a busca de outros bens a penhora, encontra-se superado, máxime tendo em vista a atual redação do art. 655, I, que coloca o dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação fi nanceira, em primeiro lugar na ordem preferencial de bens passíveis de expropriação.

Desse modo, considerando-se que todos os juízes devem ter seu cadastro

no sistema, conclui-se, a partir de uma interpretação harmônica e coerente

das normas processuais, que, após a entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006,

a constrição on line dos ativos fi nanceiros, requerida pelo exequente, não mais

prescinde o esgotamento das diligências extrajudiciais na busca por outros bens

do devedor.

Outrossim, nos termos do art. 543-C do CPC, determino, após a

publicação do acórdão, a comunicação de seu teor à Presidência e aos demais

Ministros deste Superior Tribunal de Justiça, aos Tribunais Regionais Federais,

bem como aos Tribunais de Justiça dos Estados, em observância do disposto no

art. 543-C, § 7º, do CPC, c.c. os arts. 5 º, inciso II e 6º, da Resolução n. 8/2008.

CONSOLIDAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

Portanto, no que diz respeito à penhora on line, a Corte Especial do STJ

consolida o entendimento de que:

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a) a penhora on line, antes da entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006,

confi gura-se medida excepcional, na qual a efetivação está condicionada à

comprovação de que o credor tenha tomado todas as diligências no sentido de

localizar bens livres e desembaraçados de titularidade do devedor;

b) após o advento da Lei n. 11.382/2006, o Juiz, ao decidir, não pode mais

exigir a prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na

busca de bens a serem penhorados.

JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO

Inicialmente, veja-se que a ação monitória é um procedimento de cognição sumária, por meio da qual o credor, de quantia certa ou de coisa determinada, desprovido de título executivo, mas cujo crédito esteja comprovado por documento hábil, visa obter a satisfação de seu direito.

Na hipótese sub judice, verifi ca-se que a recorrida, citada por meio de edital, não apresentou embargos, nem ofereceu bens à penhora, de modo que o Juiz de Direito determinou a conversão do mandado inicial em título executivo, diante do que dispõe o art. 1.102-C do CPC, in verbis: “No prazo previsto no art. 1.102-B, poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a efi cácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial e executivo e prosseguindo-se na forma do Livro I, Título VIII, Capítulo X, desta Lei”.

O Juiz de Direito da 6ª Vara Federal de São Luiz indeferiu o pedido de penhora on line, sob o fundamento de que, para a efetivação da penhora eletrônica, deve o credor comprovar que esgotou as tentativas para localização de outros bens do devedor.

O TJ-MA ao julgar o agravo regimental em agravo de instrumento, manteve esse entendimento, conforme se depreende da leitura de trecho da ementa:

A utilização do sistema Bacen-Jud com a fi nalidade de que seja determinada penhora de crédito em conta bancária é medida excepcional que, por implicar ruptura do sigilo bancário, somente é admitida quando esgotadas as tentativas para localização de outros bens do devedor, o que não ocorreu na espécie.

Feitas essas considerações iniciais, impõe-se analisar o presente recurso

especial à luz do sistema vigente à época, em atenção ao princípio tempus regit

actum.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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Na espécie, a decisão interlocutória de primeira instância que indeferiu a

medida constritiva pelo sistema Bacen-Jud, deu-se em 29.05.2007 (fl . 57), ou

seja, depois do advento da Lei n. 11.382/2006, de 06 de dezembro de 2006,

que alterou o CPC quando incluiu os depósitos e aplicações em instituições

fi nanceiras como bens preferenciais na ordem da penhora como se fossem

dinheiro em espécie (art. 655, I) e admitiu que a constrição se realizasse

preferencialmente por meio eletrônico (art. 655-A).

Dessa forma, em consonância com a tese estabelecida linhas acima, dá-se

provimento ao recurso especial para determinar o retorno dos autos à origem,

onde, afastada a necessidade da busca por outros bens, o pedido de realização

da penhora pelo sistema Bacen-Jud deverá ser reapreciado, observando o

disposto na Resolução n. 61 do Conselho Nacional de Justiça, a qual disciplina o

procedimento de cadastramento de conta única.

É como voto.

VOTO-VISTA

Ementa: Processual Civil. Recurso especial. Execução civil.

Penhora. Art. 655-A do CPC. Sistema Bacen-Jud.

1. Segundo a jurisprudência assentada pelos órgãos fracionários

do STJ, inclusive da Corte Especial, “com o advento da Lei n.

11.382/2006, que alterou o Código de Processo Civil, (...) tornou-

se prescindível o esgotamento das vias extrajudiciais para se admitir

a localização de bens do devedor pelo sistema Bacen-Jud, com a

constrição do ativo fi nanceiro por meio eletrônico” (EREsp n. 940.688-

DF, CE, Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 13.11.2008). Conforme

decorre do próprio texto normativo, o sistema trazido pelo art. 655-

A do CPC não modifi cou a ordem preferencial de penhora, nem

ampliou e nem sequer alterou o rol dos bens penhoráveis previstos na

legislação processual. O novo dispositivo simplesmente disciplinou

forma de viabilizar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação

financeira, na linha do manifesto desiderato trazido pelas mais

recentes modifi cações do sistema do processo de execução, de conferir

máximas efetividade e autoridade aos títulos executivos, notadamente

os judiciais, que, uma vez formados, devem ser cumpridos espontânea

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e imediatamente pelo devedor, sob pena, inclusive, de multa de 10%

caso isso não ocorra (CPC, art. 475-J).

2. Recurso especial provido, nos termos do voto da Ministra

Relatora.

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: 1. Trata-se de recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, em ação monitória, negou provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de utilização do sistema Bacen-Jud para fi ns de penhora sob o seguinte fundamento:

(...) A utilização do sistema Bacen-Jud com a fi nalidade de que seja determinada penhora de crédito em conta bancária é medida excepcional que, por implicar ruptura do sigilo bancário, somente é admitida quando esgotadas as tentativas para localização de outros bens do devedor, o que não ocorreu na espécie. Precedentes. (fl . 46)

No recurso especial (fls. 47-59), a CEF aponta, além de divergência jurisprudencial, violação aos seguintes dispositivos: (a) art. 655 do CPC, pois, com a ordem estabelecida pela Lei n. 11.382/2006, apenas quando não houver dinheiro disponível é que o credor indicará bens para penhora; (b) art. 655-A do CPC, ao argumento de que “a redação do dispositivo é clara quanto ao caráter obrigatório da colheita de informações da autoridade bancária (‘o juiz requisitará’), limitada a discricionariedade do magistrado à escolha da forma de realização da providência (‘podendo no ato determinar sua indisponibilidade’): se pela via eletrônica, facilitadora e desburocratizada do sistema BACENJUD, ou pelo método tradicional, de expedição de ofício ao órgão” (fl . 52). Sem contra-razões (fl . 63).

O recurso foi admitido, na origem, nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008. Intimados a intervir na condição de amici curiae, manifestaram-se pelo provimento do recurso especial o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (fl s. 157-181), a Defensoria Pública da União (fl s. 209-211) e a União (fl s. 239-247). No mesmo sentido, o parecer do Ministério Público Federal (fl s. 249-253).

A relatora, Min. Nancy Andrighi, deu provimento ao recurso especial, nos termos da seguinte ementa:

Processual Civil. Recurso especial. Execução civil. Penhora. Art. 655-A do CPC. Sistema Bacen-Jud. Advento da Lei n. 11.382/2006. Incidente de processo repetitivo.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO - PENHORA ON LINE.

a) A penhora on line, antes da entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006, configura-se como medida excepcional, cuja efetivação está condicionada à comprovação de que o credor tenha tomado todas as diligências no sentido de localizar bens livres e desembaraçados de titularidade do devedor.

b) Após o advento da Lei n. 11.382/2006, o Juiz, ao decidir acerca da realização da penhora on line, não pode mais exigir a prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados.

II - JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO.

- Trata-se de ação monitória, ajuizada pela recorrente, alegando, para tanto, titularizar determinado crédito documentado por contrato de adesão “Crédito Direito Caixa”, produto oferecido pela instituição bancária para concessão de empréstimos. A recorrida, citada por meio de edital, não apresentou embargos, nem ofereceu bens à penhora, de modo que o Juiz de Direito determinou a conversão do mandado inicial em título executivo, diante do que dispõe o art. 1.102-C do CPC.

- O Juiz de Direito da 6ª Vara Federal de São Luiz indeferiu o pedido de penhora on line, decisão que foi mantida pelo TJ-MA ao julgar o agravo regimental em agravo de instrumento, sob o fundamento de que, para a efetivação da penhora eletrônica, deve o credor comprovar que esgotou as tentativas para localização de outros bens do devedor.

- Na espécie, a decisão interlocutória de primeira instância que indeferiu a medida constritiva pelo sistema Bacen-Jud, deu-se em 29.05.2007 (fl . 57), ou seja, depois do advento da Lei n. 11.382/2006, de 06 de dezembro de 2006, que alterou o CPC quando incluiu os depósitos e aplicações em instituições fi nanceiras como bens preferenciais na ordem da penhora como se fossem dinheiro em espécie (art. 655, I) e admitiu que a constrição se realizasse preferencialmente por meio eletrônico (art. 655-A).

Recurso especial provido.

Foi acompanhada pelos Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e

Felix Fischer. Os Ministros Luiz Fux, João Otávio de Noronha e Castro Meira,

em divergência, negaram ao provimento ao recurso.

Pedi vista.

2. Cumpre inicialmente delimitar o núcleo central da controvérsia a ser

dirimida. O que se questiona é, unicamente, a respeito da indispensabilidade

ou não, após a vigência do regime previsto no art. 655-A do CPC (introduzido

pela Lei n. 11.382/2006), do esgotamento de outros meios de localizar bens

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penhoráveis como condição para deferir pedido de informações à autoridade

supervisora do sistema bancário, sobre a existência de ativos fi nanceiros em

nome do executado, na forma prevista no citado art. 655-A do CPC. Não está

em questão, portanto, a ordem de penhora prevista no art. 655 do CPC, nem a

sua natureza absoluta ou relativa, matéria que, aliás, foi recentemente sumulada

por esta Corte Especial (Súmula n. 417). É que, conforme decorre do próprio

texto normativo, o sistema trazido pelo art. 655-A do CPC não modifi cou a

ordem preferencial de penhora, nem ampliou e nem sequer modifi cou o rol

dos bens penhoráveis previstos na legislação processual. O novo dispositivo

simplesmente disciplinou forma de penhorar dinheiro em depósito ou aplicação

fi nanceira. Eis o texto do dispositivo:

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

§ 1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.

§ 2º Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade.

§ 3º Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exeqüente as quantias recebidas, a fi m de serem imputadas no pagamento da dívida.

§ 4º Qu ando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, nos termos do que estabelece o caput deste artigo, informações sobre a existência de ativos tão-somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha dado causa a violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, de acordo com o disposto no art. 15-A da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995.

3. Assim delimitada a controvérsia, a solução que lhe deu o voto da Ministra

relatora tem respaldo, não apenas nas manifestações dos autorizados amici

curiae chamados ao processo (o Conselho Federal da Ordem dos Advogados

do Brasil e a Defensoria Pública da União) e no Ministério Público (fl s. 209-

211), mas também na uníssona jurisprudência dos órgãos fracionários do STJ,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 185

nas oportunidades que já tiveram de se manifestar a respeito. Cito, a título

exemplifi cativo, os seguintes precedentes, a começar pelo que foi proferido por

esta Corte Especial (CE: EREsp n. 940.688-DF, Min. Hamilton Carvalhido,

DJe de 13.11.2008), oportunidade em que, no voto do Ministro relator, fi cou

registrado:

Com o advento da Lei n. 11.382/2006, que alterou o Código de Processo Civil, os depósitos e as aplicações em instituições fi nanceiras foram incluídos como bens preferenciais na ordem de penhora e, equiparados a dinheiro em espécie, tornou-se prescindível o esgotamento das vias extrajudiciais para se admitir a localização de bens do devedor pelo sistema Bacen Jud, com a constrição do ativo fi nanceiro por meio eletrônico (...)

A 1ª Seção, ao julgar os EREsp n. 1.052.081-RS, Min. Hamilton

Carvalhido, DJe de 26.05.2010 decidiu no mesmo sentido, como se constata do

voto do Ministro relator, que registrou:

A questão está em saber se é necessário o prévio exaurimento das vias extrajudiciais de busca de bens do executado para que seja efetivada a penhora de ativos fi nanceiros por meio do sistema Bacen Jud.

De início, o dinheiro, por conferir maior liquidez ao processo executivo, já ocupava o primeiro lugar na ordem de preferência estabelecida no artigo 11 da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal), tanto quanto no artigo 655 do Código de Processo Civil (...).

Ocorre que a Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006, deu nova redação ao artigo 655 do Código de Processo Civil (...).

Como se vê, com o advento da Lei n. 11.382/2006, que deu nova redação ao artigo 655 do Código de Processo Civil, os depósitos e as aplicações em instituições financeiras foram incluídos como bens preferenciais na ordem de penhora e equiparados a dinheiro em espécie, de modo que, a partir de então, tornou-se prescindível o esgotamento das vias extrajudiciais dirigidas à localização de bens do devedor, para só então se admitir a utilização do sistema Bacen Jud, com a constrição do ativo fi nanceiro por meio eletrônico, porque incidentes, em casos tais, os artigos 185-A do Código Tributário Nacional e 655-A do Código de Processo Civil (...)

Precedentes no mesmo sentido, no âmbito das Turmas que tiveram

oportunidade de enfrentar a matéria:

1ª Turma: REsp n. 1.101.288-RS, Min. Benedito Gonçalves, DJe de

20.04.2009; AgRg no REsp n. 1.077.039-RJ, Min. Denise Arruda, DJe de

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26.03.2009; REsp n. 1.066.091-RS, Min. Teori Albino Zavascki, DJe de

25.09.2008; AgRg no AgRg no Ag n. 961.578-MG, Min. Luiz Fux, DJe de

17.12.2008; AgRg no REsp n. 1.065.276-RJ, Min. Francisco Falcão, DJe de

06.10.2008.

2ª Turma: AgRg no REsp n. 1.143.806-SP, Min. Humberto Martins, DJe

de 21.06.2010; AgRg no Ag n. 1.168.198-SP, Min. Mauro Campbell Marques,

DJe de 02.06.2010; AgRg no Ag n. 1.138.725-SP, Min. Eliana Calmon, DJe

de 08.09.2009; AgRg no REsp n. 1.077.240-BA, Min. Castro Meira, DJe de

27.03.2009; AgRg no REsp n. 1.103.760-CE, Min. Herman Benjamin, DJe de

19.05.2009.

3ª Turma: AgRg no Ag n. 1.050.772-RJ, Min. Paulo Furtado

(Desembargador convocado do TJ-BA), DJe de 05.06.2009; REsp n. 1.033.820-

DF, Min. Massami Uyeda, DJe de 19.03.2009.

4ª Turma: AgRg no Ag n. 1.034.099-DF, Min. Raul Araújo Filho, DJe de

28.06.2010.

4. Pela particular importância que ostenta o Conselho Federal da Ordem

dos Advogados do Brasil no cenário judiciário como órgão representativo dos

principais interessados na adequada prestação da tutela jurisdicionais, que são as

partes, merece destaque a sua manifestação a respeito do tema:

(...)

O presente recurso especial versa sobre a necessidade da comprovação do esgotamento das diligências para localização de bens de propriedade do devedor para a realização das providências previstas no art. 655-A do CPC.

A matéria, como se vê, é por demais relevante de modo a justificar a admissão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no feito, notadamente em decorrência de sua fi nalidade institucional, conforme prevê o art. 44, I, da Lei n. 8.906/1994 (...).

A jurisprudência desse C. STJ, a rigor, parece já ter defi nido o divisor de águas em relação à temática, considerando, notadamente, a data de vigência da alteração legislativa decorrente da Lei n. 11.382/2006, isto é, o momento em que a solicitação de bloqueio por meio do Bacen-Jud é formulada, se antes ou depois da entrada em vigor da lei, conforme os seguintes precedentes:

(...)

Com efeito, desse contexto extrai-se a controvérsia até hoje existente acerca da utilização do sistema Bacen-Jud, cujo objetivo é permitir aos juízes da execução, mediante senha pessoal, o acesso via internet ao Sistema de Solicitação

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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do Poder Judiciário ap Banco Central, cabendo ao magistrado enviar ofícios eletrônicos contendo solitações de informações sobre a existência de contas correntes e aplicações fi nanceiras, determinações de bloqueio e desbloqueio de contas envolvendo pessoas físicas e jurídicas clientes do Sistema Financeiro Nacional.

Tal procedimento fi cou denominado na costumeira linguagem forense de “penhora on line”, cuja utilização ganhou grande repercussão na Justiça do Trabalho, decorrente, pois, de convênio fi rmado entre o Tribunal Superior do Trabalho - TST e o Banco Central do Brasil - Bacen, embora tenha sido embrionariamente utilizado pela Justiça Federal após convênio fi rmado com o Superior Tribunal de Justiça - STJ em maio/2001.

Como se sabe, o mencionado convênio Bacen - TST é objeto de argüição de inconstitucionalidade pelo Partido Democratas, conforme ADIn n. 3.091, Rel. Min. Joaquim Barbosa, tendo sua Excelência adotado o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/1999, estando os autos conclusos com Parecer do Procurador-Geral da República pela improcedência da ação. Idêntico questionamento é formulado pela confederação Nacional dos Transportes - CNT na ADIn n. 3.203, Rel. Min. Joaquim Barbosa, a qual se encontra apensada à aquela.

No entanto, em 07.10.2008, o Conselho Nacional de Justiça - CNJ disciplinou o procedimento de cadastramento de conta única para efeito de constrição de valores em dinheiro por intermédio do convêncio Bacen-Jud através da Resolução n. 61, cujo art. 2º determina:

Art. 2º - É obrigatório o cadastramento, no sistema BACEN JUD, de todos os magistrados brasileiros cuja atividade jurisdicional compreenda a necessidade de consulta e bloqueio de recursos fi nanceiros de parte ou terceiro em processo judicial.

Vê-se, portanto, que o cadastramento dos magistrados objetivando a utilizando da moderna ferramenta é obrigatório, restando evidente que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ prima pela eficiência das atividades jurisdicionais executivas.

Esse Superior Tribunal de Justiça - STJ, por meio da Instrução Normativa n. 04, de 04.11.2008, disciplinou o procedimento de cadastramento de conta única para efeito de constrição de calores em dinheiro através do sistema Bacen-Jud, transparecendo, assim, que o Poder Judiciário está imbuído do espiríto de máxima efetividade na prestação jurisdicional, sobretudo em respeito ao art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.

É, assim, por conta da natureza jurisdicional da execução que o juiz tem uma posição de comando na cena processual, sendo claro que uma vez provocado pelo interessado cabe-lhe o dever de levar o processo a bom termo, dando à causa solução justa, efetiva e em tempo razoável.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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A fi gura do juiz passivo, espectador distante e indiferente à controvérsia que lhe foi posta, não mais se adequa às exigências do moderno processo, em nada comprometendo sua independência e imparcialidade a adoção de medidas que venham a tornar a jurisdição plenamente efi caz, posto que juiz independente não é sinônimo de juiz passivo, e imparcialidade não é sinônimo de indiferença.

Esta postura, em verdade, é apregoada pela leitura conjunta dos artigos 125, I a IV, 599 e 600, do CPC, os quais tratam do papel do juiz no processo, cabendo ao mesmo adotar as providências que julgar indispensáveis para que se outorgue a quem tem direito a tutela jurisdicional reclamada, atendidos os pressupostos da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório, tudo a proteger autoridade e a dignidade da Justiça.

A efetividade do processo executivo está, desse modo, relacionada diretamente com sua aptidão de entregar ao credor a prestação reclamada, e para que esse objetivo possa ser alcançado dispõe o juiz de diferentes meios executivos.

CHIOVENDA definia os meios executivos como “as medidas que a lei permite aos órgãos jurisdicionais pôr em prática para o fi m de obter que o credor logre praticamente o bem a que tem direito” classifi cando-os em: a) “meios de coação, com os quais os órgãos jurisdicionais tendem a fazer conseguir para o credor o bem a que tem direito com a participação do obrigado, e, pois, se destinam a infl uir sobre a vontade do obrigado para que se determine a prestar o que deve” e b) “os meios de sub-rogação aqueles com que os órgãos jurisdicionais objetivam, por sua conta, fazer conseguir para o credor o bem a que tem direito independentemente de participação e, portanto, da vontade do obrigado”.

A “penhora on line”, ou, segundo alguns, penhora eletrônica (que é impropriamente designada, já que eletrônica não é a penhora, mas o meio utilizado para efetivá-lo) circunscreve-se como meio à disposição do magistrado para dirimir os confl itos que lhe são submetidos.

Essa providência, a rigor, não ofende o art. 620, do CPC (princípio da menor onerosidade da execução), tampouco se configura como quebra da garantia constitucional do sigilo bancário do executado, posto que ao credor é assegurada a tutela jurisdicional útil e adequada.

É preciso considerar vencedora a tese de que, sem descurar do princípio da menor onerosidade e da garantia constitucional do sigilo bancário de dados, não se aniquila o direito do credor à satisfação do crédito, sobretudo em respeito ao interesse público, social ou da Justiça, valendo transcrever, pela propriedade que lhe é peculiar, os ensinamentos de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:

(...) Atenta contra a jurisdição o devedor que, tendo dinheiro ou fundos de depositados ou aplicados em banco, não paga desde logo quando citado no processo executivo (CPC, art. 652).

(...)

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 23, (221): 15-190, janeiro/março 2011 189

Logo, a efetividade e o resultando útil e adequado da tutela jurisdicional há de prevalecer, sendo induvidoso que a penhora por meio eletrônico agora decorre de expressa disposição legal, notadamente após a edição da Lei n. 11.382/2006.

Daí o entendimento acertado desta Corte Superior em divisar a questão de fundo ao momento em que foi solicitado o bloqueio eletrônico, se antes ou depois da entrada em vigor da mencionada lei, retirando, portanto, dessa premissa a possibilidade ou não do magistrado acatar o pedido, já que se trata, em verdade, de disposição processual que prestigia o art. 1.211, do CPC, e, igualmente, à segurança jurídica.

É prudente, portanto, o entendimento da desnecessidade de esgotamento das diligências para localização de bens do devedor se o requerimento do exeqüente foi realizado após a entrada em vigor do art. 655-A, do CPC, cabendo, no entanto, a demonstração do esgotamento das diligências se o pedido foi formulado antes da lei.

Assim, dada a relevância da matéria e a representatividade do Conselho Federal da OAB, comparece para requerer a sua admissão no feito, na condição de amicus curiae e apresentar, desde logo, sua manifestação.

Pelo exposto, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil requer a Vossa Excelência:

a) a sua admissão no presente processo na condição de amicus curiae (Art. 543-C, § 4° do CPC c.c. Resolução n. 08/2008), para sustentar a desnecessidade de esgotamento das diligências se o requerimento é formulado após a entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006, cabendo tal demonstração se a solicitação foi requestada antes da vigência da lei, por resultar na correta interpretação sistêmica do moderno processo de execução.

b) a garantia de manifestação oportuna ao longo do transcurso do feito, com concessão de prazo para oferecimento de memoriais e sustentação oral.

5. Registre-se, por fi m, que o artigo 655-A do CPC nada mais representa

que a confi rmação do desiderato trazido pelas mais recentes modifi cações do

sistema do processo de execução, de conferir máximas efetividade e autoridade

aos títulos executivos, notadamente os judiciais, que, uma vez formados, devem

ser cumpridos espontânea e imediatamente pelo devedor, sob pena, inclusive,

de multa de 10% caso isso não ocorra (CPC, art. 475-J). Daí o acerto da lição

de Cândido Dinamarco, referida pelo Conselho Federal da OAB, segundo a

qual “Atenta contra a jurisdição o devedor que, tendo dinheiro ou fundos de

depositados ou aplicados em banco, não paga desde logo quando citado no

processo executivo (CPC, art. 652) (...)”.

6. Pelas razões expostas, acompanho o voto da Ministra relatora.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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RETIFICAÇÃO DE VOTO

O Sr. Ministro Luiz Fux: Sr. Presidente, naquela oportunidade, houve essa

questão nebulosa sobre se era uma questão de preferência na ordem da penhora

ou se era a modifi cação dessa jurisprudência que impunha o exaurimento.

Em razão desses esclarecimentos, gostaria de retifi car o meu voto para

acompanhar o voto da Sra. Ministra Relatora, dando provimento ao recurso

especial.

Presidente o Sr. Ministro Ari Pargendler

Relatora a Sra. Ministra Nancy Andrighi

Sessão da Corte Especial - 15.09.2010

Nota Taquigráfi ca

VOTO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Sr. Presidente, diante dos

esclarecimentos, retifi co meu voto para acompanhar a Sra. Ministra Relatora,

conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Como existe, também, uma

Súmula da Corte Especial também nesse sentido, pode ser que haja na aplicação

prática alguma colidência em relação ao sentido da Súmula n. 417. Porque, na

verdade, a Súmula n. 417 dá uma certa proteção a que não se faça penhora em

dinheiro. Na medida em que, nos temos da decisão do recurso repetitivo, estou

de certa forma fortifi cando a penhora em dinheiro, independentemente de

outra pesquisa de outros bens, posso estar esvaziando um pouco o conteúdo

da Súmula n. 417. Mas, evidentemente, a questão vai acabar se revelando na

prática, no caso a caso. Em tese, estou de acordo.

Diante da ressalva feita pelo eminente Ministro Teori Albino Zavascki,

assim como da Ministra Nancy Andrighi, acompanho o voto da Sra. Ministra

Relatora, dando provimento ao recurso especial.

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Primeira Seção

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AÇÃO RESCISÓRIA N. 4.202-RS (2009/0025054-6)

Relator: Ministro Teori Albino Zavascki

Revisor: Ministro Castro Meira

Autor: Fazenda Nacional

Procurador: Eli Sousa Santos e outro(s)

Réu: Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Médicos e Demais

Profi ssionais da Área da Saúde de Pelotas Ltda. - Unicred Pelotas

Advogado: Marco Túlio de Rose e outro(s)

EMENTA

Processual Civil e Tributário. Ação rescisória. Violação a literal

dispositivo da Constituição. Prequestionamento: dispensa. Princípio

da reserva de plenário: art. 97 da CF e Súmula Vinculante n. 10-STF.

Cofi ns. Sociedades cooperativas. Revogação da isenção por medida

provisória.

1. A ação rescisória é ação originária (e não recurso especial),

não estando sujeita a qualquer mecanismo de “prequestionamento”.

Precedentes do STF e do STJ.

2. Relativamente às sociedades cooperativas, o art. 6º, I da LC

n. 70/1991 concedeu isenção da Cofi ns quanto “aos atos cooperativos

próprios de suas fi nalidades”. Essa isenção foi, todavia, expressamente

revogada pelo art. 23, II, a, da MP n. 1.858-6, de 29.06.1999,

dispositivo reproduzido por atos normativos subseqüentes, até o art.

93, II, a, da MP n. 2.158-35.

3. O acórdão rescindendo negou aplicação a essa norma

revogadora, por considerá-la ilegítima, decidindo a causa em sentido

a ela oposto: afi rmando a existência de isenção em relação a “(...) atos

tipicamente cooperativos, isto é, aqueles correspondentes à atividade

fi m das cooperativas”.

4. Ao afastar a aplicação da norma sem a declaração formal de

sua inconstitucionalidade, o acórdão ofendeu o princípio da reserva

de plenário estabelecida no art. 97 da CF (Súmula Vinculante n. 10-

STF). Precedentes da Seção em casos análogos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

194

5. Acolhimento do pedido de rescisão, com retorno dos autos

principais ao órgão fracionário para o julgamento do recurso especial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide

a Egrégia Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,

julgar procedente a ação rescisória, com retorno dos autos principais ao órgão

fracionário para o julgamento do recurso especial, nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima,

Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Eliana

Calmon e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Humberto Martins.

Brasília (DF), 25 de agosto de 2010 (data do julgamento).

Ministro Teori Albino Zavascki, Relator

DJe 29.09.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trata-se de ação rescisória ajuizada pela União, com fundamento no art. 485, II e V, do CPC, visando à rescisão de acórdão da 2ª Turma, proferido no Recurso Especial n. 651.359-RS, que concedeu a segurança postulada pela então impetrante, ora demandada, reconhecendo seu direito de não recolher a Cofi ns na forma do art. 6º da LC n. 70/1991, sob o fundamento de que a revogação desse dispositivo pela MP n. 1.858/99 ofende o princípio da hierarquia das leis.

Na inicial, sustenta a autora que o acórdão rescindendo (a) violou os artigos 102, III e 105, III da CF, pois “o STJ era absolutamente incompetente para conhecer de recurso especial desafi ado contra acórdão do Tribunal Regional Federal lavrado com fundamentos exclusivamente constitucionais” (fl . 07); (b) “a Turma do STJ ao negar aplicação ao art. 35, II, a, da MP n. 1.858-10/99 (atual art. 93, II, a, da MP n. 2.158-35/2001) sem, contudo, declarar sua inconstitucionalidade, burlou o sistema de controle de constitucionalidade pátrio, acabando por ofender o art. 97 da CF/1988” (fl . 14); (c) houve violação

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 195

aos artigos 146, 195, I e 150, § 6º da CF, eis que, “no caso de isenção, a determinação constitucional é de que seja veiculada por lei ordinária, já que não se previu para a hipótese a edição de lei complementar”; “sendo assim, a lei que trate de isenção, mesmo que concedida por lei complementar, é materialmente ordinária, logo a sua revogação também pode ser veiculada por lei ordinária” (fl . 15); “a Lei Complementar n. 70/1991 é materialmente ordinária, uma vez que a Cofi ns tem sua sede constitucional no art. 195, I, b, da Constituição” (fl . 16); “não há que se falar, portanto, em violação ao princípio constitucional da hierarquia das leis na hipótese da supressão do benefício fi scal pelo art. 35, II, a, da MP n. 1.858-10/99 (atual art. 93, II, a, da MP n. 2.158-35/2001), haja vista a exegese que se extrai dos arts. 195, I, 146 e 150, § 6º, da CF/1988” (fl . 18); (d) ademais, “o acórdão rescindendo acabou por infringir o princípio da diversidade da base de fi nanciamento da seguridade social consagrada no art. 194, parágrafo, VI e art. 195, caput, da Constituição Federal” (fl . 21).

Em contestação (fl s. 390-418), a ré alega que (a) “o aresto rescindendo julgou o mérito da controvérsia, não podendo o juízo rescindendo afastar a discussão para nível distinto daquele apresentado no recurso” (fl . 407); (b) absurda a pretensão “no sentido de manter a decisão recorrida com base na inexistência de violação do princípio da hierarquia de leis” (fl . 408); (c) no juízo rescisório, “deve valer o que hoje é remansoso, no acervo jurisprudencial da Casa, quando enfrenta a incidência da Contribuição ao Financiamento da Seguridade Social (Cofi ns) e da Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) em relação às sociedades cooperativas de crédito” (fl . 409); (d) “hoje o STF autoriza, nos recursos extraordinários, o levantamento de valores depositados em Juízo, que se refi ram à prática de atos cooperativos, como demonstra a decisão no Recurso Extraordinário n. 450.369-7” (fl . 418).

Foram apresentadas, pelas partes, razões fi nais (fl s. 470-486 e 501-512).

O Ministério Público Federal, em parecer de fl s. 514-520, opina pela improcedência do pedido.

É o relatório.

À revisão.

VOTO

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. A ação rescisória é

ação originária (e não recurso especial), sendo cabível, entre outras hipóteses,

quando se alega que o acórdão rescindendo violou literal disposição de lei,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

196

compreendida, aqui, também a lei constitucional. Por outro lado, o cabimento dessa ação não está sujeito a qualquer mecanismo de “prequestionamento” (STF: AgRg no RE n. 444.810-DF, 1ª T., Min. Eros Grau, DJ de 22.04.2005 e EAR n. 732-RJ, Pleno, Min. Soares Muñoz, DJ de 09.05.1980; STJ: AR n. 1.910-DF, 3ª Seção, Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 04.09.2006 e REsp n. 741.753-RS, 4ª T., Min. Jorge Scartezzini, DJ de 07.08.2006), instituto exclusivo dos recursos para instâncias extraordinárias (recurso especial e recurso extraordinário). Conforme fi cou assentado pelo relator, no acórdão por último referido, “o prequestionamento não pode ser erigido a requisito de admissibilidade da ação rescisória fulcrada no art. 485, V, do CPC (violação a ‘literal disposição de lei’), seja em face da ausência de previsão legal, como da própria natureza jurídica do instituto. Ademais, consoante analisado pelo insuperável PONTES DE MIRANDA, a afronta a disposição legal pelo aresto rescindendo pode verifi car-se ‘até por omissão’, pela não consideração sequer de dispositivo aduzido pela parte e capaz de infl uenciar no resultado do julgamento”. No caso, portanto, nada impede que, mesmo sem terem sido tratada na decisão rescindenda, sejam invocadas agora matérias relacionadas com ofensa à Constituição.

2. Pela ordem de prejudicialidade, cumpre examinar, em primeiro lugar, a alegada ofensa ao princípio da reserva de plenário, inscrito no art. 97 da CF (e, ademais, disciplinado também nos artigos 480 a 482 do CPC). A compreensão desse princípio está atualmente explicitada também na Súmula Vinculante n.

10-STF, com o seguinte enunciado:

Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Um juízo sobre a alegação de ofensa ao art. 97 da CF supõe resenha

histórica da evolução legislativa a respeito do tratamento dado às Cooperativas

em relação à matéria tributária em questão. Ao disciplinar a Contribuição para

o Financiamento da Seguridade Social - Cofi ns a Lei Complementar n. 70, de

30.12.1991 expressamente concedeu isenção dessa contribuição, entre outras, às

sociedades cooperativas, no que se refere “aos atos cooperativos próprios de suas

fi nalidades”. É o que fi cou previsto no seu art. 6º, I, a saber:

Art. 6º. São isentas da contribuição:

I - as sociedades cooperativas que observarem ao disposto na legislação específi ca, quanto aos atos cooperativos próprios de suas fi nalidades.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 197

Esta isenção, todavia, foi revogada pelo art. 23, II, a, da Medida Provisória

n. 1.858-6, de 29.06.1999, dispositivo esse reproduzido por atos normativos

subseqüentes, cristalizando-se, fi nalmente, no art. 93, II, a, da Medida Provisória

n. 2.158-35, de 24.08.2001, nos seguintes termos:

Art. 93. Ficam revogados:

(...)

II - a partir de 30 de junho de 1999:

(...)

a) os incisos I e III do art. 6º da Lei Complementar n. 70, de 30 de dezembro de 1991.

Não pode haver dúvida alguma, portanto, de que a partir da vigência

da citada Medida Provisória, ficou expressamente revogada a isenção da

contribuição em relação aos “atos cooperativos próprios das (...) fi nalidades” das

sociedades cooperativas.

3. Ora, o acórdão rescindendo decidiu exatamente o contrário, deixando

assentada a conclusão de que há isenção em relação a:

(...) atos tipicamente cooperativos, isto é, aqueles correspondentes à atividade fi m das cooperativas (fl s. 185).

Para sustentar esse entendimento, afi rmou o relator, em seu voto:

A questão posta nos autos não necessita maiores debates, pois esta Corte pacifi cou o entendimento de que, em observância ao princípio de hierarquia das leis, não poderia a Medida Provisória n. 1.858-10/99 revogar o disposto na norma inserta do artigo 6º, I e III, da Lei Complementar n. 70/1991.

Leiam-se precedentes no mesmo diapasão: (...) REsp n. 546.674-RS, Rel. Min. José Delgado, DJU 13.10.2003; (...) EDREsp n. 463.536-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 1º.09.2003).

Submeto-me a jurisprudência pacifi cada desta Corte, embora entenda que a Lei Complementar n. 70/1991 pode ser alterada por lei ordinária, como é o caso da Medida Provisória n. 1.858-10/99, tendo em vista que, em matéria de isenção, aquela norma é materialmente ordinária, pelo que não se há de invocar o princípio da hierarquia das leis (fl s. 185187).

É inquestionável, assim, que o acórdão rescindendo claramente negou

aplicação ao art. 23, II, a, da Medida Provisória n. 1.858-6, de 29.06.1999,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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reproduzido por atos normativos subseqüentes, até o art. 93, II, a, da Medida

Provisória n. 2.158-35, de 24.08.2001, sem declarar a sua inconstitucionalidade,

na forma preceituada pelo art. 97 da CF, que, portanto, restou violado.

4. A situação é em tudo semelhante a outras recentemente apreciadas na 1ª

Seção, de ações rescisórias propostas contra acórdãos desta Corte que decidiram,

sem declaração de inconstitucionalidade pela Corte Especial, haver isenção

das sociedades civis de prestação de serviços profi ssionais de recolhimento da

Cofi ns, nos termos do mesmo art. 6º da LC n. 70/1991 (inciso II; no caso dos

autos é o inciso III), sob o fundamento de que a revogação desse dispositivo pelo

art. 56 da Lei n. 9.430/1996 ofenderia o princípio da hierarquia das leis. São os

precedentes: AR n. 3.527-SP, Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 18.05.2009;

AR n. 3.761-PR, Min. Eliana Calmon, DJe de 1º.12.2008, esse último restou

assim ementado:

Processual Civil e Tributário. Ação rescisória. Cabimento. Violação do art. 97 da CF/1988: Súmula Vinculante n. 10-STF. Súmula n. 343-STF: inaplicabilidade. Cofi ns. Isenção concedida pela LC n. 70/1991. Revogação pela Lei n. 9.430/1996. Recurso especial. Descabimento.

(...)

2. Violação do art. 97 da CF/1988 porque o aresto rescindendo não submeteu a reserva de plenário a inconstitucionalidade do art. 56 da Lei n. 9.430/1996, concluindo tão-somente por afastar a incidência deste dispositivo, sob o fundamento de que, em razão do princípio da hierarquia das leis, a isenção concedida por lei complementar não poderia ser revogada por lei ordinária. Aplicação da Súmula Vinculante n. 10-STF.

(...)

6. Ação rescisória julgada procedente.

5. Procede, em suma, o pedido de rescisão formulado na presente demanda, por literal ofensa ao art. 97 da CF, fi cando prejudicado o exame dos demais fundamentos.

6. Nos precedentes relativos às sociedades civis de prestação de serviços profi ssionais, antes referidos, a Seção promoveu, desde logo, o novo julgamento da causa, uma vez que já havia pronunciamento do Supremo Tribunal Federal afastando a inconstitucionalidade do art. 56 da Lei n. 9.430/1996 e, consequentemente, considerando legítima a revogação da isenção que benefi ciava aquelas sociedades. No caso das cooperativas, não há, até o momento, precedente semelhante, sendo de observar que a inconstitucionalidade da

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 199

revogação vem sendo apontada, não apenas em face da alegada ofensa ao princípio da hierarquia da lei complementar em relação às medidas provisórias (inconstitucionalidade formal, tese já afastada pelo STF em casos análogos), mas também por incompatibilidade com art. 146, III, c, da CF, que assegura “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo” (inconstitucionalidade material). Ora, sobre esse tema específi co não há manifestação defi nitiva do STF. O que há é apenas apreciação de medida cautelar (MC n. 2.209, 2ª Turma, Min. Joaquim Barbosa, DJ de 25.03.2010), com juízo negativo de plausibilidade da tese da inconstitucionalidade. É de anotar que a matéria foi reconhecida pelo STF como de repercussão geral (RE n. 598.085 (DJe de 21.08.2009) e no STJ foi submetida à Seção pelo regime do art. 543-C do CPC (REsp n. 1.141.667 e REsp n. 1.164.716, ambos da relatoria do Ministro Luiz Fux), ainda pendentes de julgamento.

Essas circunstâncias não recomendam que a Seção promova, desde logo, novo julgamento da causa, até porque, se acolhida a alegação de inconstitucionalidade, seria indispensável a instauração do incidente do art. 97 da CF perante a Corte Especial. Não sendo possível rejulgar imediatamente a causa (CPC, art. 494), é de se acolher o pedido apenas para o efeito de rescindir o acórdão objeto da demanda (REsp n. 651.359-RS), pelo vício formal apontado (ofensa ao art. 97 da CF), determinando que os autos principais retornem à 2ª Turma, para que promova novo julgamento do recurso especial, como entender de direito, observado, se for o caso, o princípio da reserva de plenário.

7. Ante o exposto, julgo procedente o pedido, nos termos da fundamentação, condenando a parte demandada nos ônus sucumbenciais. À luz dos critérios previstos nos §§ 3º e 4º do art. 21 do CPC, fi xo os honorários advocatícios em R$ - 10.000,00 (dez mil reais). É o voto.

VOTO-REVISÃO

O Sr. Ministro Castro Meira: Cuida-se de ação rescisória ajuizada pela

União, com fundamento no art. 485, II e V, do CPC, objetivando rescindir

acórdão exarado pela 2ª Turma, proferido no Recurso Especial n. 651.359-RS,

assim ementado:

Tributário. Princípio da hierarquia das leis. Cofi ns. Isenção. LC n. 70/1991. MP n. 1.858-10/99.

1. A revogação da isenção concedida pela Lei Complementar n. 70/1991 por lei ordinária fere o princípio da hierarquia das leis.

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2. Ressalva do ponto de vista do relator cujo entendimento é que a Lei Complementar n. 70/1991 pode ser alterada mediante a edição de lei ordinária, como é o caso da Medida Provisória n. 1.858/1999, tendo em vista que, em matéria de isenção, aquela norma é materialmente ordinária, pelo que não se há de invocar o princípio da hierarquia das leis.

3. A isenção só abarca os atos tipicamente cooperativos, isto é, aqueles correspondentes à atividade fi m das cooperativas.

4. Recurso especial provido.

A Fazenda Nacional alega que:

a) o acórdão violou os artigos 102, III e 105, III, da CF, ao revisar julgado

solvido sob nítido enfoque constitucional;

b) a negativa de aplicação do art. 35, II, a, da MP n. 1.858-10/99 (atual

art. 93, II, a, da MP n. 2.158-35/2001) sem declarar sua inconstitucionalidade

ofendeu a cláusula de reserva de plenário inserta no artigo 97 da Constituição

da República;

c) violação dos artigos 146, 195, I e 150, § 6º, da CF, porquanto a regra

que concedia a isenção tinha natureza de lei ordinária, o que justifi caria a sua

revogação por norma de mesma espécie;

d) “o acórdão rescindendo acabou por infringir o princípio da diversidade

da base de fi nanciamento da seguridade social consagrada no art. 194, parágrafo,

VI e art. 195, caput, da Constituição Federal” (fl . 21).

Em contestação, a ré alega que “o aresto rescindendo julgou o mérito da

controvérsia, não podendo o juízo rescindendo afastar a discussão para nível

distinto daquele apresentado no recurso” (fl . 407) e que, no mérito, o acórdão

deve ser mantido em sua integralidade.

É o relatório.

À época do julgamento do acórdão rescindendo, a jurisprudência desta

Corte era pacífi ca quanto ao entendimento de que a revogação da isenção

concedida pela Lei Complementar n. 70/1991 por lei ordinária feriria o

princípio da hierarquia das leis.

Entendia-se, portanto, que a questão se examinava sob o prisma

infraconstitucional.

No acórdão rescindendo, ressalvei meu ponto de vista segundo o qual a Lei Complementar n. 70/1991 poderia ser alterada mediante a edição de lei

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 201

ordinária, como é o caso da Medida Provisória n. 1.858/1999, tendo em vista que, em matéria de isenção, aquela norma seria materialmente ordinária, pelo que não se haveria de invocar o princípio da hierarquia das leis.

Examino as questões suscitadas pelas partes.

Não se aplica o Enunciado da Súmula n. 343-STF às ações rescisórias fundadas em violação literal do art. 97 da Constituição da República, como é o caso, no qual se discute o afastamento do art. 35, II, a, da MP n. 1.858-10/99 (atual art. 93, II, a, da MP n. 2.158-35/2001) sem a utilização da cláusula de reserva de plenário.

No que é pertinente à causa, o acórdão efetivamente afastou a aplicação da referida norma legal ao decidir que “a revogação da isenção concedida pela Lei Complementar n. 70/1991 por lei ordinária fere o princípio da hierarquia das leis”, levando a concluir pela ocorrência da violação alegada, como vem sendo admitido por esta Seção em diversas oportunidades.

Nesse sentido, é o seguinte precedente:

Processual Civil e Tributário. Ação rescisória. Cabimento. Violação do art. 97 da CF/1988: Súmula Vinculante n. 10-STF. Súmula n. 343-STF: inaplicabilidade. Cofi ns. Isenção concedida pela LC n. 70/1991. Revogação pela Lei n. 9.430/1996. Recurso especial. Descabimento.

(...)

2. Violação do art. 97 da CF/1988 porque o aresto rescindendo não submeteu a reserva de plenário a inconstitucionalidade do art. 56 da Lei n. 9.430/1996, concluindo tão-somente por afastar a incidência deste dispositivo, sob o fundamento de que, em razão do princípio da hierarquia das leis, a isenção concedida por lei complementar não poderia ser revogada por lei ordinária. Aplicação da Súmula Vinculante n. 10-STF.

(...)

6. Ação rescisória julgada procedente (AR n. 3.761-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 1º.12.2008).

Reconhecida a violação do artigo 97 da Constituição da República, fi cam

prejudicadas as demais razões trazidas na exordial, cabendo a devolução do

julgamento do recurso especial ao órgão fracionário, conforme propôs o Sr.

Ministro Teori Albino Zavascki em seu voto.

Ante o exposto, acompanho o voto do Ministro Relator, julgando procedente a

ação rescisória.

É como voto.

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202

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 449.679-RS (2010/0031018-7)

Relator: Ministro Hamilton Carvalhido

Embargante: Bruning Tecnometal Ltda.

Advogado: Claudio Merten e outro(s)

Embargado: Fazenda Nacional

Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

EMENTA

Embargos de divergência em recurso especial. Tributário. Suspensão da exigibilidade do crédito. Liminar em mandado de segurança. Denegação da ordem. Retomada do prazo prescricional.

1. Revogada, suspensa ou cassada a medida liminar ou denegada a ordem, pelo juiz ou pelo Tribunal, nada impede a Fazenda Nacional de obter a satisfação do crédito tributário, retomando-se o curso do lapso prescricional, ainda que penda de exame recurso desprovido de efi cácia suspensiva ou de provimento acautelatório, se não concorre outra causa de suspensão prevista no artigo 151 do Código Tributário Nacional.

2. Embargos de divergência acolhidos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer dos embargos e dar-lhes provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luiz Fux, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 13 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Hamilton Carvalhido, Relator

DJe 1º.02.2011

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 203

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Embargos de divergência interpostos

por Bruning Tecnometal Ltda. contra acórdão da Segunda Turma do Superior

Tribunal de Justiça, assim ementado:

Processual Civil. Nulidade. Negativa de prestação jurisdicional. Tributário. Execução fi scal. Prescrição. Suspensão. Trânsito em julgado.

1. Tendo o acórdão proferido nos embargos declaratórios se pronunciado de forma clara e pormenorizada acerca de todas as questões suscitadas, afastando suposto vício de omissão ou contradição, não há por que falar em ofensa aos preceitos inscritos no art. 535, II, do CPC.

2. “Suspensa a exigibilidade da exação, não há falar em curso do prazo de prescrição, uma vez que o efeito desse provimento é justamente o de inibir a adoção de qualquer medida de cobrança por parte da Fazenda. Somente com o trânsito em julgado da sentença que denegou a ordem é que houve a retomada do curso do lapso prescricional” (REsp n. 542.975-SC, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 03.04.2006).

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (fl . 410).

Alega a embargante divergência com acórdãos da Primeira Turma, assim

sumariados:

Tributário e Processual Civil. Recurso especial. Prazo prescricional. Termo a quo. Art. 174 do CTN.

1. Na Declaração do Imposto de Renda, o prazo prescricional de cinco anos tem seu começo a partir da constituição defi nitiva do crédito tributário, isto é, da entrega da Declaração.

2. A prescrição tributária segue os termos do art. 174 do CTN, ou seja, tem o Fisco cinco anos para a cobrança do crédito tributário, a contar de sua constituição defi nitiva.

3. Precedentes do STJ. (REsp n. 413.457-RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 02.12.2003, DJ 19.12.2003, p. 323).

Sustenta a embargante, em suma, que, provida a apelação interposta pela

Fazenda Nacional para denegar a ordem no mandado de segurança por ela

impetrado, a medida liminar antes deferida restou revogada, reiniciando-se o

curso da prescrição, que não permanece suspenso pela interposição dos recursos

nas instâncias superiores.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

204

Presentes os requisitos regimentais, os embargos foram admitidos para

dirimir dissídio jurisprudencial relativamente à fl uência do prazo prescricional

e à suspensão da exigibilidade de crédito tributário quando da interposição de

recurso sem efeito suspensivo.

Contrarrazões à fl . 507, em que se alega que o acórdão paradigma não

reflete a atual jurisprudência desta Corte e que a exigibilidade do crédito

tributário permanece suspensa até o trânsito em julgado.

O Ministério Público Federal veio pelo provimento dos embargos, em

parecer assim sumariado:

Embargos de divergência em recurso especial. Crédito tributário. Prescrição. Discussão da dívida em mandado de segurança. Liminar concedida e confi rmada pela sentença de procedência. Suspensão da exigibilidade. Decisão reformada no julgamento da apelação. Termo inicial. Interposição de recurso extraordinário. Irrelevância. Ausência de efeito suspensivo. Art. 542, § 2º do CPC. Art. 27, § 2º, da Lei n. 8.038/1990. Pelo conhecimento e provimento dos embargos. (fl . 515).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Senhor Presidente, cuida-

se de embargos de divergência interpostos por Bruning Tecnometal Ltda. contra

acórdão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado:

Processual Civil. Nulidade. Negativa de prestação jurisdicional. Tributário. Execução fi scal. Prescrição. Suspensão. Trânsito em julgado.

1. Tendo o acórdão proferido nos embargos declaratórios se pronunciado de forma clara e pormenorizada acerca de todas as questões suscitadas, afastando suposto vício de omissão ou contradição, não há por que falar em ofensa aos preceitos inscritos no art. 535, II, do CPC.

2. “Suspensa a exigibilidade da exação, não há falar em curso do prazo de prescrição, uma vez que o efeito desse provimento é justamente o de inibir a adoção de qualquer medida de cobrança por parte da Fazenda. Somente com o trânsito em julgado da sentença que denegou a ordem é que houve a retomada do curso do lapso prescricional” (REsp n. 542.975-SC, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 03.04.2006).

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (fl . 410).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 205

Assim decidindo, alega a embargante, divergiu o acórdão embargado de

aresto proferido pela Primeira Turma, assim sumariado:

Tributário e Processual Civil. Recurso especial. Prazo prescricional. Termo a quo. Art. 174 do CTN.

1. Na Declaração do Imposto de Renda, o prazo prescricional de cinco anos tem seu começo a partir da constituição defi nitiva do crédito tributário, isto é, da entrega da Declaração.

2. A prescrição tributária segue os termos do art. 174 do CTN, ou seja, tem o Fisco cinco anos para a cobrança do crédito tributário, a contar de sua constituição defi nitiva.

3. Precedentes do STJ. (REsp n. 413.457-RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 02.12.2003, DJ 19.12.2003, p. 323).

Esta, a sua motivação, no que interessa à espécie:

(...)

Sobre a matéria de fundo, isto é, a questão prescricional, estou em que não assiste razão ao aresto recorrido, ao adotar o posicionamento de que “é de acolher-se o entendimento da Fazenda Nacional para determinar que o prazo prescricional começa a correr a partir de 23.10.1995 quando do trânsito em julgado do RE n. 195.131-1-RS (fl . 537-538) e, portanto, plenamente exigível o tributo em discussão.” (fl . 661).

Com efeito, trata-se de trânsito em julgado em recurso extraordinário, recebido apenas no efeito devolutivo (art. 542, § 2º, do CPC).

A nota n. “16” ao art. 542, do CPC, Theotonio Negrão, 33ª edição, p. 618, esclarece: “Daí resulta que, enquanto permitida, é provisória a execução (art. 587, in fi ne) na pendência de recurso extraordinário ou especial, e assim também na de agravo de despacho denegatório de qualquer desses dois recursos.”

Desta forma, sendo permitida ao Fisco a execução provisória, antes do trânsito em julgado do recurso, não a tendo providenciado, permaneceria ele silente, dando ensejo ao reconhecimento de prescrição suscitada pelo devedor.

(...)

Enquanto a Segunda Turma afastou a prescrição alegada à motivação

de que a concessão de medida liminar em mandado de segurança suspende a

exigibilidade do crédito tributário até o trânsito em julgado, a Primeira Turma

decidiu pela prescrição quando permitida ao Fisco a execução provisória antes

do trânsito em julgado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

206

Manifesta a divergência entre julgados de Turmas da Primeira Seção,

devidamente comprovada na forma do disposto no artigo 255, parágrafos

1º e 2º do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, conheço dos

presentes embargos de divergência.

Posto isso, não obstante o teor da alínea b do artigo 1º da Lei n. 4.348/1964,

segundo o qual “(...) a medida liminar somente terá efi cácia pelo prazo de (90)

noventa dias a contar da data da respectiva concessão, prorrogável por (30) trinta

dias quando provadamente o acúmulo de processos pendentes de julgamento.”,

e do artigo 51 da Lei n. 4.862/1965, segundo o qual “Fica revogado o art.

39 da Lei n. 4.357, de 16 de julho de 1964, cessando os efeitos da medida

liminar concedida em mandado de segurança contra a Fazenda Nacional, após

o decurso do prazo de 60 (sessenta) dias contados da data da petição inicial

ou quando determinada sua suspensão por Tribunal imediatamente superior.”,

estabelecendo prazos de caducidade para a medida liminar, firmara-se a

jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de que os efeitos da medida

liminar persistiam até a denegação da segurança, como ressoa do Enunciado n.

405 da Súmula do Supremo Tribunal Federal:

Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fi ca sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária.

Com o advento do Código de Processo Civil de 1973, quando restaram

ampliados os poderes jurisdicionais por meio do poder geral de cautela atribuído

ao juiz na letra do seu artigo 798, segundo o qual “Além dos procedimentos

cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro,

poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando

houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao

direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”, a discussão acerca do prazo

de duração dos efeitos da liminar ganhou novo fôlego, até a edição da Lei n.

12.016/2009, que, pondo fi m às requisições doutrinárias e jurisprudenciais,

dispôs em seu artigo 7º, parágrafo 3º, que “Os efeitos da medida liminar, salvo

se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença.”, não havendo

mais falar, de um lado, em caducidade por decurso de prazo, e fora da hipótese

do artigo 8º (obstáculo criado pelo impetrante ou inércia/abandono da causa),

tampouco, de outro lado, em extensão de seus efeitos após a sentença de mérito.

E, no período anterior à entrada em vigor da Lei n. 12.016/2009, quando

não revogada ante o poder geral de cautela do juiz, cassada por força de agravo ou

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 207

suspensa pelo Presidente do Tribunal, tenho que o tempo da efi cácia da liminar

de urgência se extingue pela edição da sentença denegatória, independentemente

de declaração expressa ou implícita de sua revogação ou cassação.

É que, entregue a prestação jurisdicional após cognição exauriente com a

denegação da ordem, logicamente não persiste o fumus boni juris que autorizara

o precário e provisório deferimento da medida liminar, cabendo ao relator

do recurso decidir sobre eventual pedido de nova tutela de urgência para a

prevenção de lesão grave e de difícil reparação.

Nesse sentido, confi ra-se, por todos, o seguinte precedente desta Primeira

Seção:

Processual Civil e Administrativo. Embargos de declaração. Imóvel funcional. Liminar revogada pelo acórdão que denegou a segurança. Omissão. Inexistência. Prazo para desocupação do próprio nacional residencial ocupado por ministro aposentado do TST. Impossibilidade.

1. É decorrência lógica da denegação do mérito da segurança, quando não há ressalvas, a revogação da liminar anteriormente deferida: “O superveniente julgamento do feito, com a conseqüente análise de seu mérito, encerra os efeitos de anterior decisão interlocutória que apreciou o pedido liminar, tendo em vista que o decisum, o qual foi proferido depois de cognição exauriente, revoga, expressa ou implicitamente, a decisão liminar. Aplicável, in casu, o disposto na Súmula n. 405-STF”. (RMS n. 20.924-RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 02.08.2007).

2. A natureza dos embargos de declaração, recurso excepcional e de feição técnica, impede que se defira o pedido de assinação de prazo razoável para desocupação do imóvel funcional.

Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no MS n. 12.570-DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 24.09.2008, DJe 13.10.2008).

Isso estabelecido, a questão posta nos presentes autos cinge-se à extensão

dos efeitos da liminar contra a Fazenda Nacional, após a sentença de mérito

que denega a segurança no período anterior à Lei n. 12.016/2009, ante à letra

do artigo 151 do Código Tributário Nacional, segundo o qual a concessão de

medida liminar em mandado de segurança constitui causa de suspensão da

exigibilidade do crédito tributário, verbis:

151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I - moratória;

II - o depósito do seu montante integral;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

208

III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

V - a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;

VI - o parcelamento.

Ao que se tem, por força legal, concedida medida liminar em mandado

de segurança, resta suspensa a exigibilidade do crédito tributário, não havendo

falar em curso do prazo de prescrição enquanto perduram os efeitos da liminar

deferida.

Vale averbar, nesse passo, que, diversamente do recurso administrativo que

suspende a exigibilidade do crédito tributário enquanto persiste o contencioso

administrativo (inciso III, artigo 151, CTN), não é a mera existência de

discussão judicial sobre o crédito tributário que suspende a sua exigibilidade,

mas a existência de medida liminar, durante o tempo de sua duração, ou a

concessão da ordem, a inibir a adoção de qualquer medida visando à satisfação

do crédito por parte da Fazenda Nacional.

De tanto resulta que, deferida a medida liminar e concedida a ordem, a

exigibilidade do crédito tributário permanece suspensa até o trânsito em julgado

da sentença concessiva.

No entanto, revogada, suspensa ou cassada a medida liminar, ou denegada

a ordem, pelo juiz ou pelo Tribunal, nada mais impede a Fazenda Nacional de

obter a satisfação de seu crédito, retomando-se o curso do lapso prescricional,

ainda que penda de exame recurso desprovido de eficácia suspensiva ou

de provimento acautelatório, se não concorre outra causa de suspensão da

exigibilidade do crédito tributário, como o depósito do montante integral

(inciso III, artigo 151, CTN).

A propósito do tema, confi ra-se, ilustrativamente, o seguinte precedente:

Processual Civil. Tributário. Recurso especial. Mandado de segurança. Liminar. Suspensão da exigibilidade do crédito (art. 151 do CTN). Superveniência de sentença denegatória. Revogação da liminar pela sentença e restauração pelo acórdão. Atos praticados no interregno. Nova revogação. Efeito ex tunc. Súmula n. 405-STF.

1. A concessão de liminar em mandado de segurança é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, IV, do CTN). Todavia, revogada a

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 209

liminar pela sentença e considerando o efeito meramente devolutivo da apelação, nada impedia que a Fazenda promovesse, desde logo, as medidas tendentes a inscrever a dívida e promover sua execução judicial. A superveniência de acórdão do Tribunal, restaurando a liminar revogada, não é, portanto, causa de nulidade automática dos atos anteriores validamente praticados.

2. No caso, tendo sido proposta a execução em época em que não havia liminar em vigor, a superveniente restauração da medida fez ressurgir, em caráter provisório, a inexigibilidade da obrigação, cujo efeito, entretanto, não é o da automática nulidade dos atos processuais validamente praticados em data anterior, mas sim a suspensão do processo, até o julgamento defi nitivo do mandado de segurança. Adequado ao caso, portanto, o acolhimento do pedido subsidiário nesse sentido.

3. Ademais, houve nova circunstância superveniente: a denegação defi nitiva da ordem, com a revogação da liminar, que, nos termos da Súmula n. 405-STF, tem efi cácia ex tunc.

4. Recurso especial provido. (REsp n. 707.342-SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 20.05.2008, DJe 02.06.2008).

In casu, foi concedida a medida liminar, suspendendo-se a exigibilidade

do crédito tributário e o curso do lapso prescricional, sobrevindo sentença de

concessão da ordem.

No entanto, provido o recurso de apelação interposto pela Fazenda

Nacional para denegar a ordem em acórdão mantido em sede de declaratórios

rejeitados, o crédito tributário voltou a ser exigível, retomando-se o curso da

prescrição.

Pelo exposto, acolho os embargos de divergência para decretar a extinção

do crédito tributário em virtude de prescrição.

É o voto.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 662.844-SP (2009/0181521-3)

Relator: Ministro Hamilton Carvalhido

Embargante: Agenor Miguel da Silva e outros

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Advogado: Allan Kardec Moris

Embargado: Ministério Público do Estado de São Paulo

EMENTA

Embargos de divergência em recurso especial. Administrativo.

Ação civil de ressarcimento de dano ao erário não decorrente de

improbidade administrativa. Prescrição quinquenal.

1. A pretensão de ressarcimento de danos ao erário não decorrente

de ato de improbidade prescreve em cinco anos.

2. Embargos de divergência acolhidos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, conhecer dos embargos e dar-lhes provimento, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luiz Fux, Castro

Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro

Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Cesar Asfor Rocha votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 13 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Hamilton Carvalhido, Relator

DJe 1º.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Embargos de divergência interpostos

por Agenor Miguel da Silva e outros contra acórdão da Segunda Turma desta

Corte de Justiça, assim ementado:

Processual Civil e Administrativo. Ação civil pública. Dano ao erário. Ressarcimento. Imprescritibilidade.

1. Hipótese em que o Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública com o fi to de reaver valores pagos em excesso a vereadores municipais.

Page 211: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 211

2. A pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao Erário é imprescritível. Precedentes do STJ e do STF.

3. Agravo Regimental não provido. (fl . 625).

Alegam os embargantes divergência com aresto da Primeira Turma, assim sumariado:

Processual Civil. Recurso especial. Ação civil pública. Ressarcimento de danos ao patrimônio público. Prazo prescricional da ação popular. Analogia (ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio). Prescrição reconhecida.

1. A Ação Civil Pública e a Ação Popular veiculam pretensões relevantes para a coletividade.

2. Destarte, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo quinquenal para a prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio. Precedentes do STJ: REsp n. 890.552-MG, Relator Ministro José Delgado, DJ de 22.03.2007 e REsp n. 406.545-SP, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 09.12.2002.

3. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual em face de ex-prefeito e co-réu, por ato de improbidade administrativa, causador de lesão ao erário público e atentatório dos princípios da Administração Pública, consistente na permuta de 04 (quatro) imóveis públicos, situados no perímetro central de São Bernardo do Campo-SP, por imóvel localizado na zona rural do mesmo município, de propriedade de do co-réu, objetivando a declaração de nulidade da mencionada permuta, bem como a condenação dos requeridos, de forma solidária, ao ressarcimento ao erário do prejuízo causado ao município no valor Cz$ 114.425.391,01 (cento e quatorze milhões, quatrocentos e vinte e cinco mil cruzeiros e trezentos e noventa e um centavos), que, atualizado pelo Parquet Estadual por ocasião do recurso de apelação, equivale a R$ 1.760.448,32 (um milhão, setecentos e sessenta mil, quatrocentos e quarenta e oito reais e trinta e dois centavos) (fl s. 1.121-1.135).

4. A Medida Provisória n. 2.180-35 editada em 24.08.2001, no afã de dirimir dúvidas sobre o tema, introduziu o art. 1º-C na Lei n. 9.494/1997 (que alterou a Lei n. 7.347/1985), estabelecendo o prazo prescricional de cinco anos para ações que visam a obter indenização por danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e privado prestadores de serviço público, senão vejamos: “Art. 4º. A Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: ‘Art. 1º-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.’” (NR).

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5. A Lei n. 8.429/1992, que regula o ajuizamento das ações civis de improbidade administrativa em face de agentes públicos, dispõe em seu art. 23: “Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confi ança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específi ca para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

6. A doutrina do tema assenta que: “Trata o art. 23 da prescrição das ações civis de improbidade administrativa.(...).O prazo prescricional é de 05 anos para serem ajuizadas contra agentes públicos eleitos ou ocupantes de cargo de comissão ou de função de confi ança, contados a partir do término do mandato ou do exercício funcional (inciso I). O prazo prescricional em relação aos demais agentes públicos que exerçam cargo efetivo ou emprego público, é o estabelecido em lei específi ca para as faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público (inciso II). No âmbito da União, é de 05 anos e começa a correr da data em que o fato tornou-se conhecido, não pendendo causa interruptiva ou suspensiva, e dos Estados ou Municípios, no prazo previsto nas leis por eles editadas sobre essa matéria. No caso de particulares acionados por ato de improbidade administrativa, por serem coniventes com o agente público improbo, tendo induzido-os ou concorrendo para a sua prática, entendo eu, que observa a regra dos incisos I ou II, conforme a qualifi cação do agente público envolvido. (...)”. Marino Pazzaglini Filho, in Lei de Improbidade Administrativa Comentada, Atlas, 2007, p. 228-229. 7. Sob esse enfoque também é assente que: “(...) No entanto, não se pode deixar de trazer à baila, disposições a respeito da Ação Civil Pública trazidas pela Lei n. 8.429/1992, que visa o controle da probidade administrativa, quando o ato de improbidade é cometido por agente público que exerça mandato, ou cargo em comissão com atribuições de direção, chefi a e assessoramento, ou função de confi ança.”

O art. 23 da Lei n. 8.429/1992 dispõe: “Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confi ança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específi ca para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.”

Nota-se que simplesmente limitar-se a dizer que as ações civis públicas não prescrevem, não nos parece cientifi camente correto afi rmar, haja vista que o inc. I do art. 23 se refere ao prazo prescricional da Ação Civil Pública, quando o ato de improbidade administrativa tiver sido cometido por agente político, exercente dos cargos públicos e funções disciplinadas na citada lei.

Em relação aos casos não previstos no artigo acima citado, Mateus Eduardo Siqueira Nunes, citando Hely Lopes Meirelles, que entende que diante da ausência de previsão específi ca, estariam na falta de lei fi xadora do prazo prescricional, não

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pode o servidor público ou o particular fi car perpetuamente sujeito a sanção administrativa por ato ou fato praticado há muito tempo. A esse propósito, o STF já decidiu que “a regra é a da prescritibilidade”. Entendemos que, quando a lei não fi xa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos, à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. n. 20.910/1932), das punições dos profi ssionais liberais (Lei n. 6.838/1980 e para a cobrança do crédito tributário (CTN, art. 174)” Fábio Lemos Zanão in Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, RT, 2006, p 33-34. 8. A exegese dos dispositivos legais atinentes à questão sub examine conduz à conclusão de que o ajuizamento das ações de improbidade em face de agentes públicos eleitos, ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança, submetem-se ao prazo prescricional de 05 anos, cujo termo a quo é o término do mandato ou do exercício funcional, consoante a ratio essendi do art. 23, inciso I, da Lei n. 8.429/1992.

9. In casu, o mandato do co-réu, à época Prefeito do Município de São Bernardo do Campo, expirou em 31.12.1988 (fl. 1.117), a lavratura da escritura pública relativa à permuta de 04 (quatro) imóveis públicos, situados no perímetro central de São Bernardo do Campo-SP, por imóvel localizado na zona rural do mesmo município, efetivou-se em 23.10.1988 (fl s. 1.114) e Ação Civil Pública foi ajuizada em 28.05.1999 (fl . 33-56), o que revela a inarredável ocorrência da prescrição.

10. A conduta antijurídica imputada ao requerido, ora recorrente, foi examinada pelo Tribunal local, litteris: “Possível, desde já, o julgamento pelo mérito principal (§ 3° do artigo 515 do Código de Processo Civil, por aplicação analógica, já versar causa a não se trata de que exclusivamente questão de direito). É que a matéria de fato foi sufi cientemente discutida; desnecessária a prova requerida pelo réu Aron (ff . 1.000-1.001), além de que cabia a ele fazer a juntada do documento pretendido, que ele mesmo poderia ter requerido junto à Câmara (artigos 396 e 397, ambos do Código de Processo Civil) e o réu José Roberto requereu expressamente esse julgamento, com o que fi cou sem efeito o pedido de prova pericial que anteriormente fi zera (f. 998).

Ainda que a notícia do fato tenha sido levada ao conhecimento do Ministério Público por repulsivo espírito oportunismo e de vingança de lojistas prejudicados com a permuta, não se pode afastar a necessidade de se verifi car se realmente houve dano também ao erário.

A prova não permite dúvida a respeito de que os réus causaram dano ao patrimônio de municipal e que a permuta decorreu de improbidade.

O laudo extrajudicial com que o autor instruiu a inicial foi elaborado mediante pesquisa de ofertas feitas em jornais da época da permuta (f. 520), o que não foi contraditado pelos réus, e mostrou o prejuízo sofrido pela Municipalidade.

Nem se pode falar em critérios de oportunidade e conveniência (artigo 2º da Constituição da República). O desvio de fi nalidade aparece cristalino quando se vê que a alegada justifi cativa para a permuta (um clube náutico para advogados,

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que prestigiaria o Município) nem foi tentada, e que inicialmente outro seria o destino da gleba rural (f. 354: parque municipal do trabalhador), quando de primeira remessa de projeto de aprovação da permuta à Câmara Municipal. Nem afasta a certeza do desvio de fi nalidade, permuta no interesse do particular, a cópia de f. 388, que dá notícia de comparecimento da Dra. Presidente da 39ª Subsecção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil. Não aprovada a permuta em benefício do parque do trabalhador, tentou-se, com êxito, fazê-la para outro destino, mas que não foi dado à gleba, ocupada por arrendatários.

Todavia, declarada a nulidade da permuta, como pedido, o prejuízo do patrimônio público, em face do pedido, será só da quantia que a Municipalidade voltou ao particular, e não da soma dessa quantia mais a diferença de valor.” (fl s. 1.330-1.331)

11. O elemento subjetivo constante no dolo é imperioso nos delitos de improbidade, por isso que a autorização legislativa obtida, in casu, o afasta, conjurando a fortiori o ilícito imputado.

12. Recurso Especial provido para acolher a prescrição qüinqüenal da Ação Civil Pública, mercê da inexistência de prova de dolo, restando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas. (REsp n. 727.131-SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 11.03.2008, DJe 23.04.2008).

Sustentam os embargantes que:

(...)

Destarte, as ações de ressarcimento ao erário, onde não se discute da existência de ato de improbidade administrativa, possuem legislação própria, decorrente da aplicação dos art. 1º, Decreto n. 20.910/1932 c.c. art. 21, Lei n. 4.717/1965 c.c. art. 23, Lei n. 8.429/1992 c.c. art. 1º-C, Lei n. 9.494/1997.

(...)

É que a norma constitucional, inscrita no art. 37, § 5º, da CR, reservou a imprescritibilidade as ações de ressarcimento à Fazenda Pública, onde se discute a ocorrência de improbidade administrativa, e não a qualquer demanda.

(...)

Destarte, no caso dos autos não há tipifi cação pelo Ministério Público de ato de improbidade administrativa, e sim se discute sobre a legalidade ou ilegalidade de ato normativo municipal que fi xou os subsídios, não de divisa, em ao menos dolo ou culpa.

Desta feita, as ações de ressarcimento, onde não de divisa a existência de ato de improbidade administrativa, restam afetas ao regime jurídico próprio, normatizado pela legislação infraconstitucional específi ca, nos termos do art. 1º, Decreto n. 20.910/1932 c.c. art. 21, Lei n. 4.717/1965 c.c. art. 23, Lei n. 8.429/1992 c.c. art. 1º-C, Lei n. 9.494/1997. (fl s. 675-676).

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Presentes os requisitos regimentais, os embargos foram admitidos para

dirimir dissídio jurisprudencial acerca da prescritibilidade das ações civis

públicas ajuizadas visando ao ressarcimento de dano ao erário.

O Ministério Público Federal, em contrarrazões, alegou o seguinte:

(...)

18. Com efeito, o artigo 23, I, da Lei n. 8.129/1992, estabelece o prazo prescricional de 05 (cinco) anos para a aplicação das penalidades nela previstas e, nesse contexto, verifi ca-se que esse prazo só se refere a essas ações sancionatórias e não àquelas que visam o ressarcimento do dano, pois este não se constitui sanção, mas um dever legal imposto a quem agindo contra o direito causa danos ao erário e que deve, por consequência, repará-los a qualquer tempo.

19. Ademais, revela-se estéril a discussão sobre a possibilidade de ocorrer a prescrição das ações de ressarcimento ao erário, haja vista que, conforme o art. 37, § 5º, da Carta Política, “a Lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento” (fl . 815).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Senhor Presidente,

embargos de divergência interpostos por Agenor Miguel da Silva e outros

contra acórdão da Segunda Turma desta Corte de Justiça, assim ementado:

Processual Civil e Administrativo. Ação civil pública. Dano ao erário. Ressarcimento. Imprescritibilidade.

1. Hipótese em que o Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública com o fi to de reaver valores pagos em excesso a vereadores municipais.

2. A pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao Erário é imprescritível. Precedentes do STJ e do STF.

3. Agravo Regimental não provido. (fl . 625).

Assim decidindo, alegam os embargantes, divergiu o acórdão embargado

do aresto da Primeira Turma, assim sumariado:

Processual Civil. Recurso especial. Ação civil pública. Ressarcimento de danos ao patrimônio público. Prazo prescricional da ação popular. Analogia (ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio). Prescrição reconhecida.

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1. A Ação Civil Pública e a Ação Popular veiculam pretensões relevantes para a coletividade.

2. Destarte, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo quinquenal para a prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio. Precedentes do STJ: REsp n. 890.552-MG, Relator Ministro José Delgado, DJ de 22.03.2007 e REsp n. 406.545-SP, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 09.12.2002.

3. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual em face de ex-prefeito e co-réu, por ato de improbidade administrativa, causador de lesão ao erário público e atentatório dos princípios da Administração Pública, consistente na permuta de 04 (quatro) imóveis públicos, situados no perímetro central de São Bernardo do Campo-SP, por imóvel localizado na zona rural do mesmo município, de propriedade de do co-réu, objetivando a declaração de nulidade da mencionada permuta, bem como a condenação dos requeridos, de forma solidária, ao ressarcimento ao erário do prejuízo causado ao município no valor Cz$ 114.425.391,01 (cento e quatorze milhões, quatrocentos e vinte e cinco mil cruzeiros e trezentos e noventa e um centavos), que, atualizado pelo Parquet Estadual por ocasião do recurso de apelação, equivale a R$ 1.760.448,32 (um milhão, setecentos e sessenta mil, quatrocentos e quarenta e oito reais e trinta e dois centavos) (fl s. 1.121-1.135).

4. A Medida Provisória n. 2.180-35 editada em 24.08.2001, no afã de dirimir dúvidas sobre o tema, introduziu o art. 1º-C na Lei n. 9.494/1997 (que alterou a Lei n. 7.347/1985), estabelecendo o prazo prescricional de cinco anos para ações que visam a obter indenização por danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e privado prestadores de serviço público, senão vejamos: “Art. 4º. A Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: ‘Art. 1.º-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.’” (NR)

5. A Lei n. 8.429/1992, que regula o ajuizamento das ações civis de improbidade administrativa em face de agentes públicos, dispõe em seu art. 23: “Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confi ança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específi ca para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.”

6. A doutrina do tema assenta que: “Trata o art. 23 da prescrição das ações civis de improbidade administrativa.(...). O prazo prescricional é de 05 anos para serem

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ajuizadas contra agentes públicos eleitos ou ocupantes de cargo de comissão ou de função de confi ança, contados a partir do término do mandato ou do exercício funcional (inciso I).O prazo prescricional em relação aos demais agentes públicos que exerçam cargo efetivo ou emprego público, é o estabelecido em lei específi ca para as faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público (inciso II). No âmbito da União, é de 05 anos e começa a correr da data em que o fato tornou-se conhecido, não pendendo causa interruptiva ou suspensiva, e dos Estados ou Municípios, no prazo previsto nas leis por eles editadas sobre essa matéria. No caso de particulares acionados por ato de improbidade administrativa, por serem coniventes com o agente público improbo, tendo induzido-os ou concorrendo para a sua prática, entendo eu, que observa a regra dos incisos I ou II, conforme a qualifi cação do agente público envolvido. (...)” Marino Pazzaglini Filho, in Lei de Improbidade Administrativa Comentada, Atlas, 2007, p. 228-229. 7. Sob esse enfoque também é assente que: “(...) No entanto, não se pode deixar de trazer à baila, disposições a respeito da Ação Civil Pública trazidas pela Lei n. 8.429/1992, que visa o controle da probidade administrativa, quando o ato de improbidade é cometido por agente público que exerça mandato, ou cargo em comissão com atribuições de direção, chefi a e assessoramento, ou função de confi ança.”

O art. 23 da Lei n. 8.429/1992 dispõe: “Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confi ança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específi ca para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

Nota-se que simplesmente limitar-se a dizer que as ações civis públicas não prescrevem, não nos parece cientifi camente correto afi rmar, haja vista que o inc. I do art. 23 se refere ao prazo prescricional da Ação Civil Pública, quando o ato de improbidade administrativa tiver sido cometido por agente político, exercente dos cargos públicos e funções disciplinadas na citada lei.

Em relação aos casos não previstos no artigo acima citado, Mateus Eduardo Siqueira Nunes, citando Hely Lopes Meirelles, que entende que diante da ausência de previsão específi ca, estariam na falta de lei fi xadora do prazo prescricional, não pode o servidor público ou o particular fi car perpetuamente sujeito a sanção administrativa por ato ou fato praticado há muito tempo. A esse propósito, o STF já decidiu que “a regra é a da prescritibilidade”. Entendemos que, quando a lei não fi xa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos, à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. n. 20.910/1932), das punições dos profi ssionais liberais (Lei n. 6.838/1980 e para a cobrança do crédito tributário (CTN, art. 174)” Fábio Lemos Zanão in Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, RT, 2006, p 33-34. 8. A exegese dos dispositivos legais atinentes à questão sub examine conduz à conclusão de que o ajuizamento das ações de improbidade em face de agentes públicos eleitos,

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ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança, submetem-se ao prazo prescricional de 05 anos, cujo termo a quo é o término do mandato ou do exercício funcional, consoante a ratio essendi do art. 23, inciso I, da Lei n. 8.429/1992.

9. In casu, o mandato do co-réu, à época Prefeito do Município de São Bernardo do Campo, expirou em 31.12.1988 (fl. 1.117), a lavratura da escritura pública relativa à permuta de 04 (quatro) imóveis públicos, situados no perímetro central de São Bernardo do Campo-SP, por imóvel localizado na zona rural do mesmo município, efetivou-se em 23.10.1988 (fl s. 1.114) e Ação Civil Pública foi ajuizada em 28.05.1999 (fl . 33-56), o que revela a inarredável ocorrência da prescrição.

10. A conduta antijurídica imputada ao requerido, ora recorrente, foi examinada pelo Tribunal local, litteris: “Possível, desde já, o julgamento pelo mérito principal (§ 3° do artigo 515 do Código de Processo Civil, por aplicação analógica, já versar causa a não se trata de que exclusivamente questão de direito). É que a matéria de fato foi sufi cientemente discutida; desnecessária a prova requerida pelo réu Aron (ff . 1.000-1.001), além de que cabia a ele fazer a juntada do documento pretendido, que ele mesmo poderia ter requerido junto à Câmara (artigos 396 e 397, ambos do Código de Processo Civil) e o réu José Roberto requereu expressamente esse julgamento, com o que fi cou sem efeito o pedido de prova pericial que anteriormente fi zera (f. 998).

Ainda que a notícia do fato tenha sido levada ao conhecimento do Ministério Público por repulsivo espírito oportunismo e de vingança de lojistas prejudicados com a permuta, não se pode afastar a necessidade de se verifi car se realmente houve dano também ao erário.

A prova não permite dúvida a respeito de que os réus causaram dano ao patrimônio de municipal e que a permuta decorreu de improbidade.

O laudo extrajudicial com que o autor instruiu a inicial foi elaborado mediante pesquisa de ofertas feitas em jornais da época da permuta (f. 520), o que não foi contraditado pelos réus, e mostrou o prejuízo sofrido pela Municipalidade.

Nem se pode falar em critérios de oportunidade e conveniência (artigo 2º da Constituição da República). O desvio de fi nalidade aparece cristalino quando se vê que a alegada justifi cativa para a permuta (um clube náutico para advogados, que prestigiaria o Município) nem foi tentada, e que inicialmente outro seria o destino da gleba rural (f. 354: parque municipal do trabalhador), quando de primeira remessa de projeto de aprovação da permuta à Câmara Municipal. Nem afasta a certeza do desvio de fi nalidade, permuta no interesse do particular, a cópia de f. 388, que dá notícia de comparecimento da Dra. Presidente da 39ª Subsecção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil. Não aprovada a permuta em benefício do parque do trabalhador, tentou-se, com êxito, fazê-la para outro destino, mas que não foi dado à gleba, ocupada por arrendatários.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 219

Todavia, declarada a nulidade da permuta, como pedido, o prejuízo do patrimônio público, em face do pedido, será só da quantia que a Municipalidade voltou ao particular, e não da soma dessa quantia mais a diferença de valor.” (fl s. 1.330-1.331)

11. O elemento subjetivo constante no dolo é imperioso nos delitos de improbidade, por isso que a autorização legislativa obtida, in casu, o afasta, conjurando a fortiori o ilícito imputado.

12. Recurso Especial provido para acolher a prescrição qüinqüenal da Ação Civil Pública, mercê da inexistência de prova de dolo, restando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas. (REsp n. 727.131-SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 11.03.2008, DJe 23.04.2008).

Enquanto o acórdão embargado decidiu que a ação civil pública que busca ressarcimento de dano ao erário ainda que não decorrente de improbidade administrativa é imprescritível, o acórdão paradigma decidiu que, excluído o dolo à caracterizar a improbidade, ocorre em cinco anos a prescrição para as ações civis públicas de ressarcimento de danos ao erário.

Manifesta a divergência entre esses julgados, devidamente comprovada na forma do disposto no artigo 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, conheço dos presentes embargos de divergência.

Cuida-se de ação civil pública em que se busca o ressarcimento ao erário dos valores percebidos a mais por vereadores do Município de Oriente.

Por oportuno, é de se ter em conta a letra do mandamento constitucional que trata das ações de ressarcimento ao erário:

Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

A prescritibilidade é regra geral do direito, corolário do princípio da

segurança jurídica, ante a necessidade de certeza nas relações jurídicas. Desse

modo, a Constituição excepcionalmente estabeleceu os casos em que não corre

a prescrição. E, considerando-se que a prescrição é a regra no direito brasileiro,

qualquer exceção deve ser interpretada restritivamente.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

220

Assim, deve ocorrer, em regra, a prescrição para o Estado quando inerte

na exigibilidade de seus direitos, sendo que as hipóteses de imprescritibilidade

devem ser interpretadas em consonância com o princípio da segurança jurídica,

corolário do Estado democrático de direito.

Portanto, a imprescritibilidade das ações de ressarcimento dos danos

causados por ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, estabelecida

no parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição, deve ser interpretada em conjunto

com o capítulo da Carta Maior em que se insere tal dispositivo.

É de se ter em conta, pois, que, no dispositivo da Carta Política que trata

dos princípios que devem reger a Administração Pública, são disciplinadas as

sanções imponíveis aos atos de improbidade administrativa, que violam um dos

princípios fundamentais à Administração, qual seja, o da moralidade. Nesse

prisma, sendo os atos ímprobos de alto grau de reprovabilidade, o legislador

deve estabelecer sanções equivalentes à gravidade das condutas.

E, embora corra prescrição para a apuração e aplicação de penalidades

para esses ilícitos, hoje disciplinada no artigo 23 da Lei n. 8.429/1992, o

ressarcimento relativo aos danos provocados por estes atos pode ser buscado

a qualquer tempo, nos termos do parágrafo 5º do artigo 37 da Constituição

Federal.

Ou seja, a insuscetibilidade aos prazos prescricionais da pretensão de

ressarcimento de dano ao erário exclusivamente quando causado por ato de

improbidade administrativa não se traduz em uma incompatibilidade com

os princípios gerais do direito, uma vez que se trata de recomposição do

dano causado por ato de alta reprovabilidade, e que é o interesse maior da

Administração Pública, confundindo-se com o próprio interesse público.

E esta interpretação do dispositivo constitucional em questão garante que

a excepcional hipótese de imprescritibilidade não seja aplicada a situações que

não se confi gurem como causas de extrema gravidade a justifi car a exceção à

regra da prescritibilidade.

Nesse sentido vem se posicionando esta Corte Superior de Justiça:

Processual Civil e Administrativo. Argumento recursal de natureza constitucional. Recurso especial. Via inadequada. Competência do STF. Improbidade administrativa. Prejuízo ao erário. Pretensão ressarcitória. Imprescritibilidade.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 221

1. Impossível conhecer do recurso especial no que tange à alegada violação ao art. 17, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, da Lei n. 8.429/1992, pois o que pretende o recorrente, na verdade, é obter pronunciamento acerca da sistemática de vigência e revogação de medidas provisórias na forma como dispõem dispositivos constitucionais. Portanto, o argumento tem natureza constitucional, cuja competência para análise é do Supremo Tribunal Federal, constituindo o recurso especial via inadequada.

2. É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao erário, manifestada na via da ação civil pública por improbidade administrativa, é imprescritível. Daí porque o art. 23 da Lei n. 8.429/1992 tem âmbito de aplicação restrito às demais sanções prevista no corpo do art. 12 do mesmo diploma normativo. Precedentes.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (REsp n. 1.199.617-RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16.09.2010, DJe 08.10.2010).

Administrativo. Ação de improbidade administrativa. Sanções aplicáveis. Ressarcimento de dano ao erário público. Prescrição.

1. As punições dos agentes públicos, nestes abrangidos o servidor público e o particular, por cometimento de ato de improbidade administrativa estão sujeitas à prescrição quinquenal (art. 23 da Lei n. 8.429/1992).

2. Diferentemente, a ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível (art. 37, § 5º, da Constituição).

3. Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 1.067.561-AM, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 27.02.2009).

Administrativo e Processual Civil. Ação civil pública. Prazo prescricional. Condenação do Ministério Público em honorários. Descabimento, salvo hipótese de atuação de má-fé.

1. É entendimento sedimentado o de não haver omissão no acórdão que, com fundamentação sufi ciente, decide de modo integral a controvérsia posta.

2. Ressalvada a hipótese de ressarcimento de dano ao erário fundado em ato de improbidade, prescreve em cinco anos a ação civil pública disciplinada na Lei n. 7.347/1985, mormente quando, como no caso, deduz pretensão suscetível de ser formulada em ação popular. Aplicação, por analogia, do art. 21 da Lei n. 4.717/1965. Precedentes.

3. Em sede de ação civil pública, não cabe a condenação do Ministério Público em honorários advocatícios, salvo comprovada atuação de má-fé. Precedentes.

4. Recurso especial do réu parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, prejudicado o da Fazenda Pública. (REsp n. 764.278-SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 22.04.2008, DJe 28.05.2008).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

222

Desse modo, não sendo o caso de dano causado por ato de improbidade

administrativa, aplica-se à ação civil pública que visa ao ressarcimento de dano

ao erário o prazo prescricional quinquenal, por analogia ao artigo 21 da Lei n.

4.717/1965, que estabelece este prazo para as pretensões veiculadas por meio de

ação popular.

Nesse sentido:

Administrativo e Processual Civil. Ação civil pública. Prazo prescricional. Condenação do Ministério Público em honorários. Descabimento, salvo hipótese de atuação de má-fé.

1. É entendimento sedimentado o de não haver omissão no acórdão que, com fundamentação sufi ciente, decide de modo integral a controvérsia posta.

2. Ressalvada a hipótese de ressarcimento de dano ao erário fundado em ato de improbidade, prescreve em cinco anos a ação civil pública disciplinada na Lei n. 7.347/1985, mormente quando, como no caso, deduz pretensão suscetível de ser formulada em ação popular. Aplicação, por analogia, do art. 21 da Lei n. 4.717/1965. Precedentes.

3. Em sede de ação civil pública, não cabe a condenação do Ministério Público em honorários advocatícios, salvo comprovada atuação de má-fé. Precedentes.

4. Recurso especial do réu parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, prejudicado o da Fazenda Pública. (REsp n. 764.278-SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 22.04.2008, DJe 28.05.2008).

Ação civil pública. Ministério Público. Legitimidade. Prescrição. Cerceamento de defesa. Ausência.

1. O Ministério Público é parte legítima para promover Ação Civil Pública visando ao ressarcimento de dano ao erário público.

2. O Ministério Público, por força do art. 129, III, da CF/1988, é legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não atua na condição de autor, deve intervir como custos legis (LACP, art. 5º, § 1º; CDC, art. 92; ECA, art. 202 e LAP, art. 9º).

3. A carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 223

4. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).

5. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico “concurso de ações” entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.

6. A Ação Civil Pública não veicula bem jurídico mais relevante para a coletividade do que a Ação Popular. Aliás, a bem da verdade, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo quinquenal para a prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio.

7. O STJ sedimentou o entendimento no sentido de que o julgamento antecipado da lide (art. 330, I, CPC), não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória.

8. Recursos Especiais providos para acolher a prescrição quinquenal da ação civil pública. Recurso Especial da empresa à que se nega provimento. (REsp n. 406.545-SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21.11.2002, DJ 09.12.2002, p. 292).

In casu, trata-se de dano ao erário ocorrido no ano de 1990, não decorrente

de improbidade administrativa, ao qual se aplica, portanto, à respectiva ação

de ressarcimento, proposta somente no ano de 1998, o prazo prescricional

quinquenal, conforme assente nesta Corte Superior de Justiça.

Pelo exposto, acolho os embargos de divergência para negar provimento ao

recurso especial.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 993.164-MG (2007/0231187-3)

Relator: Ministro Luiz Fux

Recorrente: Exportadora Princesa do Sul Ltda.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

224

Advogado: Adriano Ferreira Sodré e outro(s)

Recorrente: Fazenda Nacional

Procuradores: Claudio Xavier Seefelder Filho

Everton Lopes Nunes e outro(s)

Recorrido: Os mesmos

EMENTA

Processual Civil. Recurso especial representativo de controvérsia.

IPI. Crédito presumido para ressarcimento do valor do PIS/Pasep

e da Cofi ns. Empresas produtoras e exportadoras de mercadorias

nacionais. Lei n. 9.363/1996. Instrução Normativa SRF n. 23/97.

Condicionamento do incentivo fiscal aos insumos adquiridos de

fornecedores sujeitos à tributação pelo PIS e pela Cofi ns. Exorbitância

dos limites impostos pela lei ordinária. Súmula Vinculante n. 10-

STF. Observância. Instrução normativa (ato normativo secundário).

Correção monetária. Incidência. Exercício do direito de crédito

postergado pelo Fisco. Não caracterização de crédito escritural. Taxa

Selic. Aplicação. Violação do artigo 535, do CPC. Inocorrência.

1. O crédito presumido de IPI, instituído pela Lei n. 9.363/1996,

não poderia ter sua aplicação restringida por força da Instrução

Normativa SRF n. 23/97, ato normativo secundário, que não pode

inovar no ordenamento jurídico, subordinando-se aos limites do texto

legal.

2. A Lei n. 9.363/1996 instituiu crédito presumido de IPI para

ressarcimento do valor do PIS/Pasep e Cofi ns, ao dispor que:

Art. 1º A empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais fará jus a crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados, como ressarcimento das contribuições de que tratam as Leis Complementares n. 7, de 07 de setembro de 1970, n. 8, de 03 de dezembro de 1970, e de dezembro de 1991, incidentes sobre as respectivas aquisições, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, para utilização no processo produtivo.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, nos casos de venda a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação para o exterior.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 225

3. O artigo 6º, do aludido diploma legal, determina, ainda, que

“o Ministro de Estado da Fazenda expedirá as instruções necessárias

ao cumprimento do disposto nesta Lei, inclusive quanto aos requisitos

e periodicidade para apuração e para fruição do crédito presumido e

respectivo ressarcimento, à defi nição de receita de exportação e aos

documentos fi scais comprobatórios dos lançamentos, a esse título,

efetuados pelo produtor exportador”.

4. O Ministro de Estado da Fazenda, no uso de suas atribuições,

expediu a Portaria n. 38/97, dispondo sobre o cálculo e a utilização

do crédito presumido instituído pela Lei n. 9.363/1996 e autorizando

o Secretário da Receita Federal a expedir normas complementares

necessárias à implementação da aludida portaria (artigo 12).

5. Nesse segmento, o Secretário da Receita Federal expediu a

Instrução Normativa n. 23/97 (revogada, sem interrupção de sua força

normativa, pela Instrução Normativa n. 313/2003, também revogada,

nos mesmos termos, pela Instrução Normativa n. 419/2004), assim

preceituando:

Art. 2º Fará jus ao crédito presumido a que se refere o artigo anterior a empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais.

§ 1º O direito ao crédito presumido aplica-se inclusive:

I - Quando o produto fabricado goze do benefício da alíquota zero;

II - nas vendas a empresa comercial exportadora, com o fi m específi co de exportação.

§ 2º O crédito presumido relativo a produtos oriundos da atividade rural, conforme defi nida no art. 2º da Lei n. 8.023, de 12 de abril de 1990, utilizados como matéria-prima, produto intermediário ou embalagem, na produção bens exportados, será calculado, exclusivamente, em relação às aquisições, efetuadas de pessoas jurídicas, sujeitas às contribuições PIS/Pasep e Cofi ns.

6. Com efeito, o § 2º, do artigo 2º, da Instrução Normativa SRF

n. 23/97, restringiu a dedução do crédito presumido do IPI (instituído

pela Lei n. 9.363/1996), no que concerne às empresas produtoras e

exportadoras de produtos oriundos de atividade rural, às aquisições,

no mercado interno, efetuadas de pessoas jurídicas sujeitas às contribuições

destinadas ao PIS/Pasep e à Cofi ns.

7. Como de sabença, a validade das instruções normativas

(atos normativos secundários) pressupõe a estrita observância dos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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limites impostos pelos atos normativos primários a que se subordinam (leis, tratados, convenções internacionais, etc.), sendo certo que, se vierem a positivar em seu texto uma exegese que possa irromper a hierarquia normativa sobrejacente, viciar-se-ão de ilegalidade e não de

inconstitucionalidade (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI n.

531 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 11.12.1991, DJ 03.04.1992; e ADI n. 365 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 07.11.1990, DJ 15.03.1991).

8. Conseqüentemente, sobressai a “ilegalidade” da instrução

normativa que extrapolou os limites impostos pela Lei n. 9.363/1996, ao excluir, da base de cálculo do benefício do crédito presumido do IPI, as aquisições (relativamente aos produtos oriundos de atividade rural) de

matéria-prima e de insumos de fornecedores não sujeito à tributação pelo

PIS/Pasep e pela Cofi ns (Precedentes das Turmas de Direito Público: REsp

n. 849.287-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.08.2010, DJe 28.09.2010; AgRg no REsp n.

913.433-ES, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 04.06.2009, DJe 25.06.2009; REsp n. 1.109.034-PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 16.04.2009, DJe 06.05.2009; REsp n. 1.008.021-CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 1º.04.2008, DJe 11.04.2008; REsp n.

767.617-CE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 12.12.2006, DJ 15.02.2007; REsp n. 617.733-CE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 03.08.2006, DJ 24.08.2006; e REsp n. 586.392-RN, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.10.2004, DJ 06.12.2004).

9. É que: (i) “a Cofi ns e o PIS oneram em cascata o produto rural e, por isso, estão embutidos no valor do produto fi nal adquirido pelo produtor-exportador, mesmo não havendo incidência na sua última aquisição”; (ii) “o Decreto n. 2.367/1998 - Regulamento do IPI -, posterior à Lei n. 9.363/1996, não fez restrição às aquisições de produtos rurais”; e (iii) “a base de cálculo do ressarcimento é o valor total das aquisições dos insumos utilizados no processo produtivo (art. 2º), sem condicionantes” (REsp n. 586.392-RN).

10. A Súmula Vinculante n. 10-STF cristalizou o entendimento de que:

Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 227

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

11. Entrementes, é certo que a exigência de observância à cláusula

de reserva de plenário não abrange os atos normativos secundários

do Poder Público, uma vez não estabelecido confronto direto com a

Constituição, razão pela qual inaplicável a Súmula Vinculante n. 10-

STF à espécie.

12. A oposição constante de ato estatal, administrativo ou normativo,

impedindo a utilização do direito de crédito de IPI (decorrente

da aplicação do princípio constitucional da não-cumulatividade),

descaracteriza referido crédito como escritural (assim considerado aquele

oportunamente lançado pelo contribuinte em sua escrita contábil),

exsurgindo legítima a incidência de correção monetária, sob pena de

enriquecimento sem causa do Fisco (Aplicação analógica do precedente

da Primeira Seção submetido ao rito do artigo 543-C, do CPC: REsp n.

1.035.847-RS, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 24.06.2009, DJe

03.08.2009).

13. A Tabela Única aprovada pela Primeira Seção (que agrega o

Manual de Cálculos da Justiça Federal e a jurisprudência do STJ)

autoriza a aplicação da Taxa Selic (a partir de janeiro de 1996) na

correção monetária dos créditos extemporaneamente aproveitados por

óbice do Fisco (REsp n. 1.150.188-SP, Rel. Ministra Eliana Calmon,

Segunda Turma, julgado em 20.04.2010, DJe 03.05.2010).

14. Outrossim, a apontada ofensa ao artigo 535, do CPC, não

restou confi gurada, uma vez que o acórdão recorrido pronunciou-se de

forma clara e sufi ciente sobre a questão posta nos autos. Saliente-se,

ademais, que o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os

argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados

tenham sido sufi cientes para embasar a decisão, como de fato ocorreu

na hipótese dos autos.

15. Recurso especial da empresa provido para reconhecer a

incidência de correção monetária e a aplicação da Taxa Selic.

16. Recurso especial da Fazenda Nacional desprovido.

17. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e

da Resolução STJ n. 8/2008.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial da Empresa e negar provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Cesar Asfor Rocha e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 13 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Luiz Fux, Relator

DJe 17.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Luiz Fux: Trata-se de recursos especiais interpostos pela

Fazenda Nacional, com fulcro na alínea a, do permissivo constitucional, e por

Exportadora Princesa do Sul Ltda., com espeque nas alíneas a e c, no intuito

de verem reformado acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª

Região, cuja ementa restou assim vazada:

Constitucional e Tributário. IPI. Prescrição. Crédito presumido de IPI. Lei n. 9.363/1996. Instrução Normativa n. 23/97. Direito de creditamento. Correção monetária. Selic.

I. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, nas ações que visam ao reconhecimento do direito ao creditamento escritural de IPI, o prazo prescricional é de cinco anos, contados da data da propositura da ação.

II. Não subsiste qualquer condicionamento para fazer jus ao benefício fi scal do crédito presumido de IPI a não ser a comprovação de ser a empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais, pois sendo um benefício que visa o incentivo à exportação, basta seja comprovada tal atividade pela empresa postulante.

III. O reconhecimento do direito ao crédito presumido de IPI depende da subsunção dos fatos trazidos pela empresa requerente ao disposto no art. 1º, da Lei n. 9.363/1996. A apuração dos valores, especialmente da base de cálculo, será defi nida no âmbito administrativo pelas autoridades competentes (SRF).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 229

IV. Não poderia instrução normativa ir além das previsões contidas na Lei n. 9.363/1996, extrapolando os limites estabelecidos por esta lei, sob pena de ferir o princípio da hierarquia de normas jurídicas.

V. A IN n. 23/97, restringindo a dedução do crédito presumido do IPI somente às pessoas jurídicas contribuintes efetivas do PIS/Pasep e Cofi ns, fere o princípio da legalidade estrita, ao ultrapassar os limites impostos pela Lei n. 9.363/1996.

VI. Não cabe correção monetária na operação de simples escrituração.

VII. Apelação da União improvida.

VIII. Remessa ofi cial parcialmente provida, para excluir a aplicação da Taxa Selic.

Noticiam os autos que Exportadora Princesa do Sul Ltda., pessoa jurídica

destinada ao comércio, produção e exportação de café em grão, ajuizou

ação ordinária, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, em

desfavor da Fazenda Nacional, objetivando a declaração incidenter tantum da

inconstitucionalidade da Instrução Normativa n. 23/97 e o reconhecimento de

seu direito de usufruir do benefício fi scal advindo do crédito presumido de IPI,

previsto na Medida Provisória n. 948/1995 (convertida na Lei n. 9.363/1996),

“para ressarcimento de 5,37% sobre as bases de cálculo do PIS e da Cofi ns

incidentes sobre os insumos destinados à produção do café cru adquirido de

produtores rurais e suas cooperativas, e utilizado no processo de industrialização

de que resultam os diversos tipos de cafés para exportação, podendo incluir na

base de cálculo do incentivo fi scal a energia elétrica consumida pelas máquinas

e equipamentos utilizados no processo produtivo, bem como o material de

embalagem utilizado no acondicionamento do produto fi nal exportado, em

conformidade com a IN n. 21/97, na redação dada pela IN n. 73/97”.

O pedido de antecipação de tutela foi indeferido, por força da Súmula n.

212-STJ e do artigo 1º, § 5º, da Lei n. 8.437/1992, que vedam o deferimento de

compensação via medida liminar.

O pedido de reconsideração formulado pela empresa autora também

restou indeferido.

Sobreveio sentença que julgou procedente o pedido, “declarando inválida

(porque inconstitucional) a IN-SRF n. 23/97, e reconhecendo à autora o direito

de benefi ciar-se do incentivo fi scal correspondente ao período compreendido

entre a edição da MP n. 948/1995 (convertida na Lei n. 9.363/1996) e o

advento da MP n. 1.807, aplicando-se a Taxa Referencial Selic na correção do

crédito”.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

230

O Tribunal de origem, nos termos da ementa anteriormente transcrita,

negou provimento à apelação fazendária e deu parcial provimento à remessa

ofi cial a fi m de que excluída a aplicação da Taxa Selic na correção do crédito. No

voto-condutor do acórdão recorrido, restou assente que:

A autora, Exportadora Princesa do Sul Ltda., sociedade comercial cujo objeto é a exploração de compra, venda, armazenagem, preparo e exportação de café, pleiteia, por meio desta ação ordinária, seja declarada a inconstitucionalidade da Instrução Normativan. 23/97.

Requer, em antecipação dos efeitos da tutela, seja determinado à autoridade administrativa que conceda o benefício fi scal advindo do crédito presumido da MP n. 948/1995, convertida na Lei n. 9.363/1996, para ressarcimento dos 5,37% sobre as bases de cálculo do PIS e Cofi ns incidentes sobre os insumos destinados à produção de café cru adquirido de produtores rurais e suas cooperativas, e utilizado no processo de industrialização de que resultam os diversos tipos de café para exportação, podendo incluir na base de cálculo do incentivo fi scal a energia elétrica consumida pelas máquinas e equipamentos utilizados no processo produtivo, bem como o material de embalagem usada no acondicionamento do produto fi nal exportado, nos termos da IN n. 21/97, na redação dada pela IN n. 73/97.

Em pedido fi nal, pleiteia a procedência da ação, para declarar o direito desta Suplicante ao crédito presumido sobre exportação e condenar a suplicada a se abster de negar o direito ao aproveitamento perquirido.

A sentença julgou procedente o pedido, reconhecendo à autora o direito de benefi ciar-se do incentivo fi scal correspondente ao período compreendido entre a edição da MP n. 948/1995 (convertida em Lei n. 9.363/1996) e o advento da MP n. 1.807, aplicando-se a Taxa Referencial Selic na correção do crédito.

Importante, assim, delinear tais aspectos para assentar que a controvérsia gira em torno do reconhecimento quanto ao benefício fiscal advindo do crédito presumido de IPI, previsto na Lei n. 9.363/1996, e, conseqüentemente, de ter o direito de aproveitamento dos créditos fiscais pretéritos por meio da compensação, no âmbito administrativo.

PRELIMINAR – AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR:

Em preliminar, a Fazenda suscita carência de interesse e direito de postular da autora, pois não seria ela contribuinte do IPI, não havendo crédito, por não ter havido pagamento nas operações anteriores ou comprovação de tais pagamentos e nem cascata que desaguasse nos custos da apelada; e também, não há como presumir crédito se não houve operações potencialmente tributáveis pelo IPI, não confi gurando, assim, o fato gerador e a base de cálculo.

Entendendo que tal preliminar se confunde com o próprio mérito da controvérsia, pelo que passo a examinar.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 231

PREJUDICIAL – PRESCRIÇÃO:

O prazo prescricional, no tópico, conta-se na forma de créditos não-tributários sendo, portanto, qüinqüenal, nos termos de Decreto n. 20.910/1932. É que busca a Autora o reconhecimento do direito ao benefício fi scal advindo do crédito presumido de IPI e, não, de restituição de pagamento indevido ou a maior.

Assim, a meu ver, fi ca afastada a aplicação do art. 165 do CTN e, bem como, a prescrição contada do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter ocorrido.

(...)

Em que pese o argumento da apelante, tendo como termo inicial o ajuizamento da ação em 23.02.2000, e tratando-se de direito cujo período pleiteado se refere a 1995 até 1999, não há de se falar em prescrição do pleito quanto ao crédito presumido de IPI. Superada tal prejudicial, passo à análise do mérito.

MÉRITO:

Aprecio, inicialmente, a alegada necessidade de comprovação das operações internas, com a exibição das notas fi scais de cada operação e aquisição levada a efeito no mercado interno.

O crédito presumido de IPI, previsto na Lei n. 9.363/1996, benefício fiscal destinado ao incentivo da exportação, está delineado nos seguintes artigos, verbis:

Art. 1º A empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais fará jus a crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados, como ressarcimento das contribuições de que tratam as Leis Complementares n. 7, de 07 de setembro de 1970; n. 8, de 03 de dezembro de 1970; e n. 70, de 30 de dezembro de 1991, incidentes sobre as respectivas aquisições, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, para utilização no processo produtivo.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, nos casos de venda a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação para o exterior.

Art. 2º A base de cálculo do crédito presumido será determinada mediante a aplicação, sobre o valor total das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem referidos no artigo anterior, do percentual correspondente à relação entre a receita de exportação e a receita operacional bruta do produtor exportador.

§ 1º O crédito fi scal será o resultado da aplicação do percentual de 5,37% sobre a base de cálculo defi nida neste artigo.

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232

Desde a Medida Provisória n. 905, de 21 de fevereiro de 1995, sucessivamente reeditada até a conversão na Lei n. 9.393/1996, não há a previsão contida na Medida Provisória n. 674/1994, na qual seu art. 5º dispunha que o benefício ora instituído é condicionado à apresentação, pelo exportador, das guias correspondentes ao recolhimento, pelo seu fornecedor imediato, das contribuições devidas nos termos das Leis Complementares n. 7 e n. 8, de 1970, e 70, de 1991.

O direito ao crédito presumido, em interpretação à citada legislação, tem como condição para seu reconhecimento ser a empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais, sendo que a mesma Lei n. 9.363/1996 defi ne como base de cálculo a aplicação, sobre o valor total das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem referidos no artigo anterior, do percentual correspondente à relação entre a receita de exportação e a receita operacional bruta do produtor exportador (art. 2º).

Não subsiste, assim, qualquer condicionamento para fazer jus ao benefício fi scal do crédito presumido de IPI a não ser a comprovação de ser a empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais (no caso, café), fato este que, pelos documentos acostados às fl s. 97-113, está sufi cientemente demonstrado. Isto porque, sendo benefício que visa ao incentivo à exportação, basta que seja comprovada tal atividade pela empresa postulante.

Vale destacar, por oportuno, o teor da Exposição de Motivos n. 120, relativa à Medida Provisória n. 948/1995, que dispôs sobre a instituição do crédito presumido do IPI, esclarecendo o Ministro da Fazenda que sendo as contribuições da Cofi ns e PIS/Pasep incidentes em cascata, sobre todas as etapas do processo produtivo, parece mais razoável que a desoneração corresponda não apenas à última etapa do processo produtivo, mas sim às duas etapas antecedentes, o que revela que a alíquota a ser aplicada deve ser elevada para 5,37%, atenuando ainda mais a carga tributária incidente sobre os produtos exportados, e se revelando compatível com a necessidade de ajuste fi scal.

Cumpre-me analisar o direito ao crédito presumido, ou seja, a subsunção dos fatos trazidos pela Autora ao disposto no art. 1º, da Lei n. 9.363/1996, o que efetivamente restou demonstrado. Por outro lado, a apuração dos valores, especialmente da base de cálculo, será defi nida no âmbito administrativo pelas autoridades competentes (SRF).

A autora comprovou sufi cientemente, por documentos hábeis, ser produtora e exportadora de diversos tipos de café, conforme demonstram os registros de venda e exportação acostados às fl s. 87-113. Evidentemente, na cadeia produtiva, a autora adquire matérias-primas, insumos, material de embalagem, energia, produtos intermediários, gerando, com isso, o efeito cascata sobre o produto, ainda que não tenha havido incidência na última aquisição.

Nesse sentido, a fi m de afastar as alegações trazidas pela apelante, trago à colação trecho do voto da Ministra Eliana Calmon, proferido em caso análogo ao presente - REsp n. 586.392-RN, em que restou explanado que:

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

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Muito poderei sobre o tema, especialmente diante de algumas refl exões trazidas nos memoriais, dentre as quais destaco:

1) a Cofi ns e o PIS oneram em cascata o produto rural e, por isso, estão embutidos no valor do produto fi nal adquirido pelo produtor-exportador, mesmo não havendo incidência na sua última aquisição;

2) o Decreto n. 2.367/1998 - Regulamento do IPI -, posterior à Lei n. 9.363/1996, não fez restrição às aquisições de produtos rurais;

3) a base de cálculo de ressarcimento é o valor total das aquisições de insumos utilizados no processo produtivo (art. 2º), sem condicionantes.

Depois de todas essas avaliações, concluí da seguinte maneira:

1º) o produtor-exportador adquire insumo, por exemplo, tecidos, linhas, agulhas, botões, etc, e em todas essas aquisições é ele contribuinte de fato da PIS/Cofi ns, paga pelo vendedor que, no preço, já embutiu a PIS/Cofi ns paga pelos seus insumos. Na hipótese, a lei permite o ressarcimento sobre o fi nal da aquisição, o que leva também deduzir as antecedentes incidências da PIS/Cofi ns;

2º) mesmo quando o produtor-exportador adquire matéria-prima ou insumo agrícola diretamente do produtor rural pessoa física, paga, embutido no preço dessas mercadorias o tributo (PIS/Cofi ns) indiretamente em outros insumos ou produtos, tais como ferramentas, maquinário, adubos, etc., adquiridos no mercado e empregados no respectivo processo produtivo.

Parece-me, portanto, que razão assiste aos que entendem ter a instrução normativa aqui questionada extrapolado o conteúdo da lei.

Não vislumbro, destarte, que a exibição das notas fi scais referentes à aquisição de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagens, no mercado interno, seja pressuposto para reconhecimento do direito ao crédito, pois a apresentação destes é necessária para se perquirir a base de cálculo de tal benefício, para se apurar o montante do eventual crédito (como, inclusive, afi rmado pela própria apelante), mas não para se constatar o direito ao crédito presumido de IPI, nos termos determinados pelo art. 1º, da Lei n. 9.363/1996.

Ultrapassadas tais assertivas, cabe, ainda, analisar a questão referente à Instrução Normativa n. 23/97. Novamente, não merecem guarida, as alegações trazidas pela apelante, devendo ser mantido o entendimento trazido pela sentença vergastada, no sentido de que não se apresenta válida a mencionada Instrução Normativa, porquanto esse ato da autoridade administrativa não apenas interpreta um diploma legal, mas altera a dimensão da lei. E o faz desapropriadamente.

A IN n. 23/97, em seu art. 2º, trouxe uma restrição relativamente ao crédito presumido de IPI, delimitando que tal benefício seria, exclusivamente, em relação

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às aquisições, efetuadas de pessoas jurídicas, sujeitas às contribuições PIS/Pasep e Cofi ns.

Não poderia instrução normativa ir além das previsões contidas na Lei n. 9.363/1996, extrapolando os limites estabelecidos por esta lei, sob pena de ferir o princípio da hierarquia de normas jurídicas. A IN n. 23/97, restringindo a dedução do crédito presumido do IPI somente às pessoas jurídicas contribuintes efetivas do PIS/Pasep e Cofi ns, fere, outrossim, o princípio da legalidade estrita, ao ultrapassar os limites impostos pela Lei n. 9.363/1996.

Nesta linha, no recente julgamento do Recurso Especial n. 586.392-RN, a relatora Ministra Eliana Calmon assentou que desprezando-se a Instrução Normativa SRF n. 23/97 e interpretando-se o art. 1º da Lei n. 9.363/1996, pode-se perfeitamente contemplar como ressarcimento os produtos agrícolas adquiridos de pessoas físicas e assim favorecê-las na oferta de suas mercadorias, para que o produto exportado seja menos onerado.

(...)

Assim como delimitado pela sentença recorrida, convém ressaltar que a autora, ora apelada, faz jus ao crédito presumido do IPI, nos termos da Lei n. 9.363/1996, afastando-se a aplicação da IN n. 23/97, desde a edição da MP n. 948/1995 (convertida na Lei n. 9.363/1996) até o advento da MP n. 1.807, que suspendeu o crédito presumido do IPI.

Por fi m, em sede de remessa ofi cial, merece análise a aplicação da Taxa Selic na correção dos créditos, conforme determinado pelo magistrado sentenciante. Isto porque, tenho entendimento de que não cabe correção monetária na operação de simples escrituração, isto é, meramente contábil.

Ademais, o provimento conferido nesta ação pelo rito ordinário contém carga eminentemente declaratória, pois, tão-somente, reconhece o direito ao creditamento relativo ao benefício fi scal previsto na Lei n. 9.363/1996.

Por oportuno, transcrevo excerto do voto condutor do acórdão proferido no julgamento do REsp n. 449.768-PR, DJ/I de 04.08.2003, p. 270:

Verifi ca-se que inexiste legislação autorizando a correção monetária, o que, aliás, nem poderia. Observe-se que a escrituração vai sendo feita de débitos e de créditos, nascidos em datas bem próximas uma da outra, de forma que, para que se fi zesse a correção dos créditos do contribuinte, dever-se-ia também, atualizar os seus débitos, em simetria perfeita. Ora, após a escrituração pelo valor histórico, a correção de ambos em nada altera o resultado e se de um só desequilibraria uma das contas, de modo que o mais certo e justo é manter os valores históricos, sem correção.

Assim defi nido, verifi co a necessidade de reforma parcial da sentença, a fi m de que seja excluída a Taxa Selic na correção do crédito.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 235

Com estas considerações, nego provimento à apelação da União.

Outrossim, dou parcial provimento à remessa ofi cial, tão-somente, para que seja excluída a aplicação da Taxa Selic na correção do crédito.

Mantenho, com base no parágrafo único do art. 21, do CPC, os honorários advocatícios fi xados na sentença recorrida.

Os embargos de declaração opostos por ambas as partes foram rejeitados,

uma vez não vislumbrados quaisquer dos vícios enumerados no artigo 535, do

CPC.

Nas razões do especial da empresa, sustenta-se que o acórdão hostilizado

incorreu em violação dos artigos 1º, da Lei n. 6.899/1981, e 884, do Código

Civil de 2002, pugnando pela correção monetária dos créditos escriturais de

IPI, uma vez que “não pôde utilizar-se do crédito presumido em virtude de ato

administrativo editado pela Secretaria da Receita Federal (IN-SRF n. 23/97),

o qual a impediu de escriturar os créditos em questão na sua escrita contábil”.

Outrossim, aponta como contrariado o artigo 39, § 4º, da Lei n. 9.250/1995,

ao argumento de que “no presente caso, o que se busca é o ressarcimento do

crédito presumido de IPI, tal como previsto na Medida Provisória n. 948/1995

e na Lei n. 9.363/1996, e, sendo o ressarcimento espécie do gênero restituição,

plenamente aplicável a Taxa Selic ao caso”. Ao fi nal, traz arestos do STJ para

confronto. Caso não sejam considerados prequestionados os dispositivos legais

apontados como vulnerados, a despeito da oposição de embargos de declaração,

alega ofensa ao artigo 535, do CPC.

Por seu turno, a Fazenda Nacional, em suas razões de recorrer, alega,

preliminarmente, a nulidade do acórdão regional, por ofensa aos artigos 458, II,

e 535, do CPC, “uma vez que não efetivou a prestação jurisdicional de forma

completa, deixando de apresentar fundamentação e de corrigir vício de omissão,

apesar da oportuna interposição de embargos de declaração”, bem como dos

artigos 480, 481 e 482, do CPC, “ao deixar de observar a regra de reserva de

Plenário para afastamento de um dispositivo de ato normativo do Poder Público

por suposta inconstitucionalidade”. Meritoriamente, aduz contrariedade aos

artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º, da Lei n. 9.363/1996, e 111, do CTN, por ter o acórdão

hostilizado assentado “que para fazer jus ao crédito presumido, o exportador/

produtor não precisa comprovar que o fornecedor dos insumos e matérias-

primas contribuiu efetivamente para o PIS/Pasep e a Cofi ns”. De acordo com a

recorrente:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

236

(...) a Lei n. 9.363/1996 não conferiu ao produtor/exportador o direito ao crédito presumido quando o fornecedor não é contribuinte de PIS/Pasep e Cofi ns (por exemplo, pessoa física, cooperativa, etc.), assim, a IN SRF n. 23/97 não extrapolou os limites da lei.

Isto porque se trata de lei que prevê um incentivo fi scal, a qual, de acordo não só com o disposto pelo Código Tributário Nacional (art. 111, do CTN), mas com a doutrina e a jurisprudência, deve ser interpretada restritivamente. Ademais, o modo com que o “crédito presumido de IPI se encontra delineado pela Lei n. 9.363, de 1996, não permite ao intérprete concluir de outra forma, senão que o legislador condicionou a fruição do incentivo ao pagamento de PIS/Pasep e da Cofi ns pelo fornecedor do insumo adquirido pela benefi ciário do crédito presumido.

(...)

Quando o PIS/Pasep e a Cofi ns oneram de forma indireta o produto fi nal, isto significa que os tributos não “incidiram” sobre o insumo adquirido pelo benefi ciário do crédito presumido (o fornecedor não é contribuinte de PIS/Pasep e da Cofi ns), mas nos produtos anteriores, que compõem este insumo. Ocorre que o legislador prevê, textualmente, que serão ressarcidas as contribuições “incidentes” sobre o insumo adquirido pelo produtor/exportador, e não sobre as aquisições de terceiros, que ocorreram em fases anteriores da cadeia produtiva.

Ao contrário, para admitir que o legislador teria previsto o crédito presumido como um ressarcimento dos tributos que oneraram toda a cadeia produtiva, seria necessária uma interpretação extensiva da norma legal, inadmitida, nessa específi ca hipótese, pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Tributário Nacional (art. 111).

(...)

Assim, a condição legalmente disposta para que o produtor exportador possa adicionar o valor do insumo à base de cálculo do crédito presumido, é a exigência de tributos ao fornecedor do insumo. Sem que tal condição seja cumprida, é inadmissível, ao contribuinte, benefício de crédito presumido.

Prova inequívoca de que o legislador condicionou a fruição do crédito presumido ao pagamento de PIS/Pasep e da Cofi ns pelo fornecedor do insumo é depreendida da leitura do artigo 5º, da Lei n. 9.363/1996:

Art. 5º A eventual restituição, ao fornecedor, das importâncias recolhidas em pagamento das contribuições referidas no art. 1º, bem assim a compensação mediante crédito, implica imediato estorno, pelo produtor exportador, do valor correspondente.

Ou seja, o tributo pago pelo fornecedor do insumo adquirido pelo benefi ciário do crédito presumido, que for restituído ou compensado mediante crédito, será abatido do crédito presumido respectivo.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 237

Apresentadas contra-razões por ambas as partes.

O recurso especial da empresa recebeu crivo positivo de admissibilidade na

origem.

Por sua vez, o apelo extremo fazendário restou inadmitido na instância

ordinária, tendo sido provido o agravo de instrumento dirigido a esta Corte

(convertido no Recurso Especial n. 1.111.372-MG).

Em 19.02.2010, o Recurso Especial n. 1.111.372-MG foi submetido ao

regime do recurso representativo de controvérsia (artigo 543-C, do CPC), tendo

sido afetado à Primeira Seção desta Sodalício (artigo 2º, § 1º, da Resolução

STJ n. 8/2008), uma vez vislumbrada a multiplicidade de recursos que versam

sobre a legalidade da Instrução Normativa n. 23/97 que restringiu o direito ao

crédito presumido do IPI às pessoas jurídicas efetivamente sujeitas à incidência

da contribuição destinada ao PIS/Pasep e da Cofi ns, à luz do disposto na Lei n.

9.363/1996.

Em 02.08.2010, determinou-se a substituição do REsp n. 1.111.372-MG

pelo REsp n. 993.164-MG (autos principais do feito).

O Ministério Público Federal opina pelo conhecimento parcial e

provimento em parte do recurso especial empresarial e pelo desprovimento do

recurso fazendário, nos termos da seguinte ementa:

Recurso especial, interposto pela referida empresa exportadora, com base nas alíneas a e c do inciso III do art. 105 da CF. Violação ao art. 535 inciso II do CPC não demonstrada. Súmula n. 284 do STF. Art. 884 do CC/2002; art. 108 inciso I e 161 do CTN. Não prequestionados. Súmula n. 211 do STJ. Crédito presumido de IPI. Lei n. 9.363/1996. Acórdão afastou a incidência da Instrução Normativa SRF n. 23/97 por ter ultrapassado os limites impostos pela lei. A referida instrução normativa implicou em procrastinação do crédito da recorrente. Necessidade de buscar o Poder Judiciário, fato que ocasiona a demora no reconhecimento do direito pleiteado, por força da tramitação normal dos feitos judiciais. Ação proposta em 23.02.2000, para declarar a inconstitucionalidade da IN n. 23/97. Cabimento da correção monetária. Precedentes do STJ. Valor do crédito a ser defi nido no âmbito administrativo. Correção monetária limitada à data do trânsito em julgado da decisão que afastou o óbice ao aproveitamento do crédito. Pelo conhecimento parcial e pelo provimento em parte do recurso especial, interposto pela Exportadora Princesa do Sul Ltda. e ratifi cado o Parecer n. 7.657/2010-FG (em anexo), pelo desprovimento do recurso especial interposto pela Fazenda Nacional.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

238

No bojo do parecer apresentado nos autos do REsp n. 1.111.372-MG, o

Ministério Público, com base na jurisprudência pacífi ca do STJ, pugnou pela

ilegalidade do artigo 2º, § 2º, da Instrução Normativa n. 23/97, que erigiu

restrição não prevista na Lei n. 9.363/1996.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Luiz Fux (Relator): Preliminarmente, revelam-se

cognoscíveis as insurgências especiais, uma vez prequestionadas as matérias

federais ventiladas.

A controvérsia submetida ao rito do artigo 543-C, do CPC, cinge-se

sobre a legalidade da Instrução Normativa n. 23/97 que restringiu o direito ao

crédito presumido do IPI às pessoas jurídicas efetivamente sujeitas à incidência

da contribuição destinada ao PIS/Pasep e da Cofi ns, à luz do disposto na Lei n.

9.363/1996.

A Lei n. 9.363/1996 instituiu crédito presumido de IPI para ressarcimento do

valor do PIS/Pasep e Cofi ns, ao d ispor que:

Art. 1º A empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais fará jus a crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados, como ressarcimento das contribuições de que tratam as Leis Complementares n. 7, de 07 de setembro de 1970, n. 8, de 03 de dezembro de 1970, e de dezembro de 1991, incidentes sobre as respectivas aquisições, no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, para utilização no processo produtivo.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, nos casos de venda a empresa comercial exportadora com o fi m específi co de exportação para o exterior.

O artigo 6º, do aludido diploma legal, determina, ainda, que “o Ministro

de Estado da Fazenda expedirá as instruções necessárias ao cumprimento do

disposto nesta Lei, inclusive quanto aos requisitos e periodicidade para apuração

e para fruição do crédito presumido e respectivo ressarcimento, à defi nição de

receita de exportação e aos documentos fi scais comprobatórios dos lançamentos,

a esse título, efetuados pelo produtor exportador”.

O Ministro de Estado da Fazenda, no uso de suas atribuições, expediu a

Portaria n. 38/97, dispondo sobre o cálculo e a utilização do crédito presumido

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 239

instituído pela Lei n. 9.363/1996 e autorizando o Secretário da Receita Federal

a expedir normas complementares necessárias à implementação da aludida

portaria (artigo 12).

Nesse segmento, o Secretário da Receita Federal expediu a Instrução

Normativa n. 23/97 (revogada, sem interrupção de sua força normativa, pela

Instrução Normativa n. 313/2003, também revogada, nos mesmos termos, pela

Instrução Normativa n. 419/2004), assim preceituando:

Art. 2º Fará jus ao crédito presumido a que se refere o artigo anterior a empresa produtora e exportadora de mercadorias nacionais.

§ 1º O direito ao crédito presumido aplica-se inclusive:

I - Quando o produto fabricado goze do benefício da alíquota zero;

II - nas vendas a empresa comercial exportadora, com o fi m específi co de exportação.

§ 2º O crédito presumido relativo a produtos oriundos da atividade rural, conforme defi nida no art. 2º da Lei n. 8.023, de 12 de abril de 1990, utilizados como matéria-prima, produto intermediário ou embalagem, na produção bens exportados, será calculado, exclusivamente, em relação às aquisições, efetuadas de pessoas jurídicas, sujeitas às contribuições PIS/Pasep e Cofi ns.

Com efeito, o § 2º, do artigo 2º, da Instrução Normativa SRF n. 23/97,

restringiu a dedução do crédito presumido do IPI (instituído pela Lei n. 9.363/1996),

no que concerne às empresas produtoras e exportadoras de produtos oriundos

de atividade rural, às aquisições, no mercado interno, efetuadas de pessoas jurídicas

sujeitas às contribuições destinadas ao PIS/Pasep e à Cofi ns.

Como de sabença, a validade das instruções normativas (atos normativos

secundários) pressupõe a estrita observância dos limites impostos pelos atos normativos

primários a que se subordinam (leis, tratados, convenções internacionais, etc.),

sendo certo que, se vierem a positivar em seu texto uma exegese que possa

irromper a hierarquia normativa sobrejacente, viciar-se-ão de ilegalidade e não de

inconstitucionalidade.

No mesmo diapasão, confiram-se as ementas dos seguintes julgados

oriundos do Supremo Tribunal Federal:

Ação direta de inconstitucionalidade. Instrução Normativa n. 62, do Departamento da Receita Federal. Sua natureza regulamentar. Impossibilidade de controle concentrado de constitucionalidade. Seguimento negado por decisão singular. Competência do relator (RISTF, art. 21, par. 1.; Lei n. 8.038, art. 38).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Princípio da reserva de plenário preservado (CF, art. 97). Agravo regimental improvido. E inquestionável que assiste a Suprema Corte, em sua composição plenária, a competência exclusiva para julgar o processo de controle concentrado de constitucionalidade e, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (CF, art. 97; RISTF, art. 5., VII e art. 173). Essa regra de competência, no entanto, muito embora de observância indeclinável por qualquer órgão judiciário colegiado, não subtrai ao Relator da causa o poder de efetuar - enquanto responsável pela ordenação e direção do processo (RISTF, art. 21, I) - o controle “prévio” dos requisitos formais da fi scalização normativa abstrata, o que inclui, dentre outras atribuições, o exame dos pressupostos processuais e das condições da própria ação direta. A possibilidade de controle recursal, a posteriori, dos atos decisórios que o Relator pratica, no desempenho de sua competência monocrática, da concreção, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, ao “princípio da reserva de Plenário”, inscrito no art. 97 da Lei Fundamental da Republica. - As Instruções Normativas, editadas por Órgão competente da Administração Tributaria, constituem espécies jurídicas de caracter secundário, cuja validade e efi cácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem constituir normas complementares. Não se revelam, por isso mesmo, aptas a sofrerem o controle concentrado de constitucionalidade, que pressupõe o confronto “direto” do ato impugnado com a Lei Fundamental. (ADI n. 531 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 11.12.1991, DJ 03.04.1992)

Ação direta de inconstitucionalidade. Agravo regimental. Impugnação de instrução normativa do Departamento da Receita Federal. Alegada vulneração de princípios constitucionais tributários. Seguimento negado. Natureza das instruções normativas. Caráter acessório do ato impugnado. Juízo prévio de legalidade. Matéria estranha ao controle concentrado de constitucionalidade. Medida provisória. Disciplina constitucional das relações jurídicas fundadas em medida provisória não convertida em lei. Efeitos radicais da ausência de conversão legislativa. Insubsistência dos atos regulamentares fundados em medida provisória não-convertida. Agravo não provido. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem-se - orientado no sentido de repelir a possibilidade de controle de constitucionalidade, por via de ação, nas situações em que a impugnação in abstracto incide sobre atos que, inobstante veiculadores de conteúdo normativo, ostentam caráter meramente ancilar ou secundário, em função das leis, ou das medidas provisórias, a que aderem e cujo texto pretendem regulamentar. em tais casos, o eventual extravasamento dos limites impostos pela lei, ou pela medida provisória, caracterizara situação de mera ilegalidade, inapreciável em sede de controle de constitucionalidade. - A crises de legalidade, que irrompem no âmbito do sistema de direito positivo, caracterizadas por inobservância, pela autoridade administrativa, do seu dever jurídico de subordinação a lei, revelam-se, por sua natureza mesma, insuscetíveis do controle

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

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jurisdicional concentrado, cuja fi nalidade exclusiva restringe-o, tão-somente, a aferição de situações confi guradoras de inconstitucionalidade. - As instruções normativas, editadas por órgão competente da administração tributaria, constituem espécies jurídica s de caráter secundário. cuja validade e efi cácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem constituir normas complementares. Essas instruções nada mais são, em sua confi guração jurídico-formal, do que provimentos executivos cuja normatividade esta diretamente subordinada aos atos de natureza primaria, como as leis e as medidas provisórias, a que se vinculam por um claro nexo de acessoriedade e de dependência. Se a instrução normativa, editada com fundamento no art. 100, I, do Código Tributário Nacional, vem a positivar em seu texto, em decorrência de ma interpretação de lei ou medida provisória, uma exegese que possa romper a hierarquia normativa que deve manter com estes atos primários, viciar-se-á de ilegalidade e não de inconstitucionalidade. - Medidas provisórias. A rejeição da medida provisória despoja-a de efi cácia jurídica desde o momento de sua edição, destituindo de validade todos os atos praticados com fundamento nela. Essa mesma consequência de ordem constitucional deriva do decurso in albis do prazo de 30 (trinta) dias, sem que, nele, tenha havido qualquer expressa manifestação decisória do congresso nacional. A disciplina das relações jurídicas formadas com base no ato cautelar não convertido em lei constitui obrigação indeclinável do poder legislativo da União, que devera regra-las mediante procedimento legislativo adequado. O exercício dessa prerrogativa congressional decorre, fundamentalmente, de um princípio essencial de nosso sistema constitucional: o princípio da reserva de competência do Congresso Nacional. A disciplina a que se refere a Carta Política em seu art. 62, parágrafo único, tem, na lei formal, de exclusiva atribuição do Congresso Nacional, seu instrumento jurídico idôneo. - Os atos regulamentares de medidas provisórias não-convertidas em lei não subsistem autonomamente, eis que nelas reside, de modo direto e imediato, o seu próprio fundamento de validade e de efi cácia. a ausência de conversão legislativa opera efeitos extintivos radicais e genéricos, de modo a afetar todos os atos que estejam, de qualquer modo, causalmente vinculados a medida provisória rejeitada ou não-transformada em lei, especialmente aqueles que, editados pelo próprio poder público, com ela mantinham - ou deveriam manter - estrita relação de dependência normativa e de acessoriedade jurídica, tais como as instruções normativas. (ADI n. 365 AgR, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 07.11.1990, DJ 15.03.1991).

Conseqüentemente, sobressai a “ilegalidade” da instrução normativa que

extrapolou os limites impostos pela Lei n. 9.363/1996, ao excluir, da base de

cálculo do benefício do crédito presumido do IPI, as aquisições (relativamente aos

produtos oriundos de atividade rural) de matéria-prima e de insumos de fornecedores

não sujeito à tributação pelo PIS/Pasep e pela Cofi ns.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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É que: (i) “a Cofi ns e o PIS oneram em cascata o produto rural e, por

isso, estão embutidos no valor do produto final adquirido pelo produtor-

exportador, mesmo não havendo incidência na sua última aquisição”; (ii) “o

Decreto n. 2.367/1998 - Regulamento do IPI -, posterior à Lei n. 9.363/1996,

não fez restrição às aquisições de produtos rurais”; e (iii) “a base de cálculo do

ressarcimento é o valor total das aquisições dos insumos utilizados no processo

produtivo (art. 2º), sem condicionantes” (REsp n. 586.392-RN).

À guisa de exemplos, destacam-se as ementas dos seguintes julgados

oriundos das Turmas de Direito Público:

Tributário. Crédito presumido de IPI. Art. 1º da Lei n. 9.363/1996. Ilegalidade da IN SRF n. 23/1997. Precedentes.

1. A jurisprudência desta Corte já pacifi cou entendimento no sentido de que a IN-SRF n. 23/1997, por se tratar de norma hierarquicamente inferior, extrapolou os limites do art. 1º da Lei n. 9.363/1996 ao excluir da base de cálculo do benefício do crédito presumido do IPI as aquisições relativas aos produtos da atividade rural, de matéria-prima e de insumos de pessoas físicas, haja vista não serem contribuintes diretos do PIS/Pasep e da Cofi ns.

2. O acórdão recorrido se orientou no mesmo sentido da jurisprudência desta Corte. Incidência da Súmula n. 83-STJ.

3. Recurso especial não provido. (REsp n. 849.287-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.08.2010, DJe 28.09.2010).

Agravo regimental da Fazenda Nacional. Tributário. Crédito presumido de IPI. Ressarcimento de PIS/Cofi ns. Art. 1º da Lei n. 9.363/1996. Restrição pela Instrução Normativa n. 23/1997. Ilegalidade.

É pacífico no STJ que a IN-SRF n. 23/1997, por se tratar de norma hierarquicamente inferior, extrapolou os limites do art. 1º, da Lei n. 9.363/1996 ao excluir da base de cálculo do benefício do crédito presumido do IPI as aquisições relativamente aos produtos da atividade rural, de matéria-prima e de insumos de pessoas físicas, que, naturalmente, não são contribuintes diretos do PIS/Pasep e da Cofi ns.

Agravo regimental da Fazenda Nacional improvido.

(...) (AgRg no REsp n. 913.433-ES, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 04.06.2009, DJe 25.06.2009)

Tributário. Recurso especial em mandado de segurança. Base de cálculo do crédito presumido de IPI. Lei n. 9.363/1996. Aquisição de insumos de pessoas físicas e/ou cooperativas. Possibilidade. Princípio da hierarquia normativa. Interpretação literal da legislação tributária. Art. 111 do CTN. Jurisprudência pacífi ca do STJ.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 243

1. “Não consubstancia fundamento de natureza constitucional, a exigir a interposição de recurso extraordinário, a afi rmação de que instrução normativa extrapolou os limites da lei que pretendia regulamentar. Trata-se de mero juízo de legalidade, para cuja formulação é indispensável a investigação da interpretação dada pelo acórdão recorrido aos dispositivos cotejados, incidindo, portanto, a orientação expressa na Súmula n. 636-STF, segundo a qual ‘não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida’” (REsp n. 509.963-BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 18.08.2005, DJ 03.10.2005 p. 122).

2. No caso, interpretar-se a Lei n. 9.363/1996 com a exclusão das aquisições de insumos de pessoas físicas e/ou cooperativas da base de cálculo do crédito presumido do IPI é fazer distinção onde a lei não a fez. Não há como, numa interpretação literal do citado art. 1º, chegar-se à conclusão de que os insumos adquiridos de pessoas físicas ou cooperativas não podem compor a base de cálculo do crédito presumido do IPI. É certo que a interpretação literal preconizada pela lei tributária objetiva evitar interpretações ampliativas ou analógicas (v.g.: REsp n. 62.436-SP, Min. Francisco Peçanha Martins), mas também não pode levar a interpretações que restrinjam mais do que a lei quis.

3. Com efeito, Instruções Normativas constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis. De consequência, à luz dos art. 97 e 99 do Código Tributário Nacional, Instruções Normativas não podem modifi car Lei a pretexto de estarem regulando o aproveitamento do crédito presumido do IPI.

4. O acórdão recorrido está em perfeita sintonia com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, que tem entre suas atribuições constitucionais a de uniformizar a jurisprudência infraconstitucional.

5. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.109.034-PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 16.04.2009, DJe 06.05.2009).

Tributário. Crédito presumido do IPI. Aquisição de matérias-primas e insumos de pessoa física. Lei n. 9.363/1996 e IN-SRF n. 23/97. Legalidade. Precedentes desta corte.

1. A IN-SRF n. 23/97 extrapolou a regra prevista no art. 1º, da Lei n. 9.363/1996 ao excluir da base de cálculo do benefício do crédito presumido do IPI as aquisições, relativamente aos produtos da atividade rural, de matéria-prima e de insumos de pessoas físicas, que, naturalmente, não são contribuintes diretos do PIS/Pasep e da Cofi ns.

2. Entendimento que se baseia nas seguintes premissas:

a) a Cofins e o PIS oneram em cascata o produto rural e, por isso, estão embutidos no valor do produto fi nal adquirido pelo produtor-exportador, mesmo não havendo incidência na sua última aquisição;

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b) o Decreto n. 2.367/1998 - Regulamento do IPI -, posterior à Lei n. 9.363/1996, não fez restrição às aquisições de produtos rurais;

c) a base cálculo do ressarcimento é o valor total das aquisições dos insumos utilizados no processo produtivo (art. 2º), sem condicionantes.

3. Regra que tentou resgatar exigência prevista na MP n. 674/1994 quanto à apresentação das guias de recolhimentos das contribuições do PIS e da Cofi ns, mas que, diante de sua caducidade, não foi renovada pela MP n. 948/1995 e nem na Lei n. 9.363/1996.

4. Inúmeros precedentes desta Corte.

5. Recurso especial provido. (REsp n. 1.008.021-CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 1º.04.2008, DJe 11.04.2008).

Processual Civil. Tributário. Recurso especial. Violação ao art. 535 do CPC. Não-ocorrência. IPI. Crédito presumido. Lei n. 9.363/1996. Instrução Normativa SRF n. 23/97. Ilegalidade.

1. O incentivo cognominado crédito presumido de IPI, instituído pela Lei n. 9.363/1996, revela como ratio essendi, desonerar as exportações do valor do PIS/Pasep e da Cofins incidentes ao longo de toda a cadeia produtiva, independentemente do fato de estar ou não o fornecedor direto do exportador sujeito ao pagamento destas contribuições.

2. Conseqüentemente, o não pagamento do PIS e da Cofi ns pelo fornecedor dos insumos não pode impedir o nascimento do crédito presumido.

3. Deveras, este ressarcimento, que por ser presumido e estimado na forma da lei, refere-se às possíveis incidências das contribuições em todas as etapas anteriores à aquisição dos insumos e à exportação.

3. Referida sistemática deve, destarte, ser aplicada também para o cálculo do crédito quanto a insumos adquiridos de não-contribuintes (Precedentes: REsp n. 617.733-CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 24.08.2006; REsp n. 813.280-SC, Re. Min. José Delgado, DJU de 02.05.2006; REsp n. 529.758-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 20.02.2006; e REsp n. 699.898-PR, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 03.10.2005).

(...)

5. Recurso especial desprovido. (REsp n. 767.617-CE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 12.12.2006, DJ 15.02.2007)

Tributário. IPI. Crédito presumido. IN-SRF n. 23/97 ilegalidade.

1. O crédito presumido de IPI instituído pela Lei n. 9.363/1996 teve por objetivo desonerar as exportações do valor do PIS/Pasep e da Cofi ns incidentes ao longo de toda a cadeia produtiva, independentemente de estar ou não o fornecedor direto do exportador sujeito ao pagamento dessas contribuições. Por isso mesmo,

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 245

é ilegítima a limitação constante do art. 2º, § 2º da IN SRF n. 23/97, segundo o qual “o crédito presumido relativo a produtos oriundos da atividade rural, conforme defi nida no art. 2º da Lei n. 8.023, de 12 de abril de 1990, utilizados como matéria-prima, produto intermediário ou embalagem, na produção de bens exportados, será calculado, exclusivamente, em relação às aquisições efetuadas de pessoas jurídicas sujeitas às contribuições PIS/Pasep e Cofins”. Precedente: REsp n. 586.392-RN, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 06.12.2004.

2. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp n. 617.733-CE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 03.08.2006, DJ 24.08.2006).

Tributário. Crédito presumido do IPI. Aquisição de matérias-primas e insumos de pessoa física. Lei n. 9.363/1996 e IN-SRF n. 23/97. Legalidade.

1. A IN-SRF n. 23/97 extrapolou a regra prevista no art. 1º, da Lei n. 9.363/1996 ao excluir da base de cálculo do benefício do crédito presumido do IPI as aquisições, relativamente aos produtos da atividade rural, de matéria-prima e de insumos de pessoas físicas, que, naturalmente, não são contribuintes diretos do PIS/Pasep e da Cofi ns.

2. Entendimento que se baseia nas seguintes premissas: a) a Cofins e o PIS oneram em cascata o produto rural e, por isso, estão embutidos no valor do produto final adquirido pelo produtor-exportador, mesmo não havendo incidência na sua última aquisição;

b) o Decreto n. 2.367/1998 - Regulamento do IPI -, posterior à Lei n. 9.363/1996, não fez restrição às aquisições de produtos rurais;

c) a base cálculo do ressarcimento é o valor total das aquisições dos insumos utilizados no processo produtivo (art. 2º), sem condicionantes.

3. Regra que tentou resgatar exigência prevista na MP n. 674/1994 quanto à apresentação das guias de recolhimentos das contribuições do PIS e da Cofi ns, mas que, diante de sua caducidade, não foi renovada pela MP n. 948/1995 e nem na Lei n. 9.363/1996.

4. Recurso especial improvido. (REsp n. 586.392-RN, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.10.2004, DJ 06.12.2004).

A Súmula Vinculante n. 10-STF cristalizou o entendimento de que:

Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Entrementes, é certo que a exigência de observância à cláusula de reserva

de plenário não abrange os atos normativos secundários do Poder Público,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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uma vez não estabelecido confronto direto com a Constituição, razão pela qual

inaplicável a Súmula Vinculante n. 10-STF à espécie.

Assim é que o crédito presumido de IPI, instituído pela Lei n. 9.363/1996,

não poderia ter sua aplicação restringida por força da Instrução Normativa

SRF n. 23/97, ato normativo secundário, que não pode inovar no ordenamento

jurídico, subordinando-se aos limites do texto legal, não merecendo reforma o

acórdão regional no particular.

Merece prosperar a pretensão recursal da empresa.

Com efeito, a oposição constante de ato estatal, administrativo ou normativo,

impedindo a utilização do direito de crédito de IPI (decorrente da aplicação

do princípio constitucional da não-cumulatividade), descaracteriza referido

crédito como escritural (assim considerado aquele oportunamente lançado pelo

contribuinte em sua escrita contábil), exsurgindo legítima a incidência de correção

monetária, sob pena de enriquecimento sem causa do Fisco (Aplicação analógica

do precedente da Primeira Seção submetido ao rito do artigo 543-C, do CPC:

REsp n. 1.035.847-RS, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 24.06.2009, DJe

03.08.2009).

A Tabela Única aprovada pela Primeira Seção (que agrega o Manual de

Cálculos da Justiça Federal e a jurisprudência do STJ) autoriza a aplicação

da Taxa Selic (a partir de janeiro de 1996) na correção monetária dos créditos

extemporaneamente aproveitados por óbice do Fisco (REsp n. 1.150.188-SP,

Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 20.04.2010, DJe

03.05.2010).

Outrossim, a apontada ofensa ao artigo 535, do CPC, não restou

confi gurada, uma vez que o acórdão recorrido pronunciou-se de forma clara e

sufi ciente sobre a questão posta nos autos. Saliente-se, ademais, que o magistrado

não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde

que os fundamentos utilizados tenham sido sufi cientes para embasar a decisão,

como de fato ocorreu na hipótese dos autos.

Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial da empresa, para

reconhecer a incidência de correção monetária e a aplicação da Taxa Selic, e nego

provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional.

O presente é recurso representativo da controvérsia, sujeito ao procedimento

do artigo 543-C, do CPC, por isso que se impõe, após a publicação do acórdão,

a comunicação à Presidência do STJ, aos Ministros dessa Colenda Primeira

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 247

Seção, aos Tribunais Regionais Federais, com fi ns de cumprimento do disposto

no § 7º, do artigo 543-C, do CPC (artigos 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n.

8/2008). disposto no § 7º, do artigo 543-C, do CPC (artigos 5º, II, e 6º, da

Resolução STJ n. 8/2008).

RECURSO ESPECIAL N. 1.184.765-PA (2010/0042226-4)

Relator: Ministro Luiz Fux

Recorrente: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Recorrido: Correa Sobrinho Importaçao Exportaçao e Navegaçao Ltda. e

outros

Advogado: Breno Lobato Cardoso e outro(s)

Interessado: Banco Central do Brasil - amicus curiae

Advogado: Procuradoria-Geral do Banco Central

EMENTA

Recurso especial representativo de controvérsia. Artigo 543-

C, do CPC. Processo judicial tributário. Execução fi scal. Penhora

eletrônica. Sistema Bacen-Jud. Esgotamento das vias ordinárias para

a localização de bens passíveis de penhora. Artigo 11, da Lei n.

6.830/1980. Artigo 185-A, do CTN. Código de Processo Civil.

Inovação introduzida pela Lei n. 11.382/2006. Artigos 655, I, e 655-

A, do CPC. Interpretação sistemática das leis. Teoria do diálogo das

fontes. Aplicação imediata da lei de índole processual.

1. A utilização do Sistema Bacen-Jud, no período posterior

à vacatio legis da Lei n. 11.382/2006 (21.01.2007), prescinde do

exaurimento de diligências extrajudiciais, por parte do exeqüente, a

fi m de se autorizar o bloqueio eletrônico de depósitos ou aplicações

fi nanceiras (Precedente da Primeira Seção: EREsp n. 1.052.081-RS,

Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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12.05.2010, DJe 26.05.2010. Precedentes das Turmas de Direito Público:

REsp n. 1.194.067-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma,

julgado em 22.06.2010, DJe 1º.07.2010; AgRg no REsp n. 1.143.806-

SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em

08.06.2010, DJe 21.06.2010; REsp n. 1.101.288-RS, Rel. Ministro

Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 02.04.2009, DJe

20.04.2009; e REsp n. 1.074.228-MG, Rel. Ministro Mauro Campbell

Marques, Segunda Turma, julgado em 07.10.2008, DJe 05.11.2008.

Precedente da Corte Especial que adotou a mesma exegese para a execução

civil: REsp n. 1.112.943-MA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado

em 15.09.2010).

2. A execução judicial para a cobrança da Dívida Ativa da

União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas

autarquias é regida pela Lei n. 6.830/1980 e, subsidiariamente, pelo

Código de Processo Civil.

3. A Lei n. 6.830/1980, em seu artigo 9º, determina que, em

garantia da execução, o executado poderá, entre outros, nomear bens à

penhora, observada a ordem prevista no artigo 11, na qual o “dinheiro”

exsurge com primazia.

4. Por seu turno, o artigo 655, do CPC, em sua redação primitiva,

dispunha que incumbia ao devedor, ao fazer a nomeação de bens,

observar a ordem de penhora, cujo inciso I fazia referência genérica a

“dinheiro”.

5. Entrementes, em 06 de dezembro de 2006, sobreveio a Lei n.

11.382, que alterou o artigo 655 e inseriu o artigo 655-A ao Código

de Processo Civil, verbis:

Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição fi nanceira;

II - veículos de via terrestre;

III - bens móveis em geral;

IV - bens imóveis;

V - navios e aeronaves;

VI - ações e quotas de sociedades empresárias;

VII - percentual do faturamento de empresa devedora;

VIII - pedras e metais preciosos;

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 249

IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado;

X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

XI - outros direitos.

(...)

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

§ 1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.

(...)

6. Deveras, antes da vigência da Lei n. 11.382/2006, encontravam-

se consolidados, no Superior Tribunal de Justiça, os entendimentos

jurisprudenciais no sentido da relativização da ordem legal de penhora

prevista nos artigos 11, da Lei de Execução Fiscal, e 655, do CPC (EDcl

nos EREsp n. 819.052-RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira

Seção, julgado em 08.08.2007, DJ 20.08.2007; e EREsp n. 662.349-

RJ, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministra Eliana

Calmon, Primeira Seção, julgado em 10.05.2006, DJ 09.10.2006), e

de que o bloqueio eletrônico de depósitos ou aplicações fi nanceiras

(mediante a expedição de ofício à Receita Federal e ao Bacen) pressupunha

o esgotamento, pelo exeqüente, de todos os meios de obtenção de informações

sobre o executado e seus bens e que as diligências restassem infrutíferas

(REsp n. 144.823-PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma,

julgado em 02.10.1997, DJ 17.11.1997; AgRg no Ag n. 202.783-PR,

Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma,

julgado em 17.12.1998, DJ 22.03.1999; AgRg no REsp n. 644.456-SC,

Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino

Zavascki, Primeira Turma, julgado em 15.02.2005, DJ 04.04.2005;

REsp n. 771.838-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma,

julgado em 13.09.2005, DJ 03.10.2005; e REsp n. 796.485-PR, Rel.

Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 02.02.2006, DJ

13.03.2006).

7. A introdução do artigo 185-A no Código Tributário Nacional,

promovida pela Lei Complementar n. 118, de 09 de fevereiro de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

250

2005, corroborou a tese da necessidade de exaurimento das diligências

conducentes à localização de bens passíveis de penhora antes da

decretação da indisponibilidade de bens e direitos do devedor

executado, verbis:

Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fi m de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

§ 1o A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.

§ 2o Os órgãos e entidades aos quais se fi zer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.

8. Nada obstante, a partir da vigência da Lei n. 11.382/2006, os

depósitos e as aplicações em instituições fi nanceiras passaram a ser

considerados bens preferenciais na ordem da penhora, equiparando-

se a dinheiro em espécie (artigo 655, I, do CPC), tornando-se

prescindível o exaurimento de diligências extrajudiciais a fi m de se

autorizar a penhora on line (artigo 655-A, do CPC).

9. A antinomia aparente entre o artigo 185-A, do CTN (que cuida

da decretação de indisponibilidade de bens e direitos do devedor

executado) e os artigos 655 e 655-A, do CPC (penhora de dinheiro

em depósito ou aplicação fi nanceira) é superada com a aplicação da

Teoria pós-moderna do Dialógo das Fontes, idealizada pelo alemão Erik

Jayme e aplicada, no Brasil, pela primeira vez, por Cláudia Lima

Marques, a fi m de preservar a coexistência entre o Código de Defesa

do Consumidor e o novo Código Civil.

10. Com efeito, consoante a Teoria do Diálogo das Fontes, as normas

gerais mais benéfi cas supervenientes preferem à norma especial (concebida

para conferir tratamento privilegiado a determinada categoria), a fi m

de preservar a coerência do sistema normativo.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 251

11. Deveras, a ratio essendi do artigo 185-A, do CTN, é erigir

hipótese de privilégio do crédito tributário, não se revelando coerente

“colocar o credor privado em situação melhor que o credor público,

principalmente no que diz respeito à cobrança do crédito tributário,

que deriva do dever fundamental de pagar tributos (artigos 145 e

seguintes da Constituição Federal de 1988)” (REsp n. 1.074.228-MG,

Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em

07.10.2008, DJe 05.11.2008).

12. Assim, a interpretação sistemática dos artigos 185-A, do

CTN, com os artigos 11, da Lei n. 6.830/1980 e 655 e 655-A, do CPC,

autoriza a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações fi nanceiras

independentemente do exaurimento de diligências extrajudiciais por

parte do exeqüente.

13. À luz da regra de direito intertemporal que preconiza

a aplicação imediata da lei nova de índole processual, infere-se a

existência de dois regimes normativos no que concerne à penhora eletrônica

de dinheiro em depósito ou aplicação fi nanceira:

(i) período anterior à égide da Lei n. 11.382, de 06 de dezembro de

2006 (que obedeceu a vacatio legis de 45 dias após a publicação), no

qual a utilização do Sistema Bacen-Jud pressupunha a demonstração

de que o exeqüente não lograra êxito em suas tentativas de obter as

informações sobre o executado e seus bens; e

(ii) período posterior à vacatio legis da Lei n. 11.382/2006

(21.01.2007), a partir do qual se revela prescindível o exaurimento de

diligências extrajudiciais a fi m de se autorizar a penhora eletrônica de

depósitos ou aplicações fi nanceiras.

14. In casu, a decisão proferida pelo Juízo Singular em 30.01.2008

determinou, com base no poder geral de cautela, o “arresto prévio”

(mediante bloqueio eletrônico pelo sistema Bacenjud) dos valores

existentes em contas bancárias da empresa executada e dos co-responsáveis

(até o limite do valor exeqüendo), sob o fundamento de que “nos

processos de execução fi scal que tramitam nesta vara, tradicionalmente,

os executados têm se desfeito de bens e valores depositados em

instituições bancárias após o recebimento da carta da citação”.

15. Consectariamente, a argumentação empresarial de que o bloqueio

eletrônico dera-se antes da regular citação esbarra na existência ou não dos

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requisitos autorizadores da medida provisória (em tese, apta a evitar

lesão grave e de difícil reparação, ex vi do disposto nos artigos 798 e

799, do CPC), cuja análise impõe o reexame do contexto fático-probatório

valorado pelo Juízo Singular, providência obstada pela Súmula n. 7-STJ.

16. Destarte, o bloqueio eletrônico dos depósitos e aplicações

fi nanceiras dos executados, determinado em 2008 (período posterior à

vigência da Lei n. 11.382/2006), não se condicionava à demonstração

da realização de todas as diligências possíveis para encontrar bens do

devedor.

17. Contudo, impende ressalvar que a penhora eletrônica dos

valores depositados nas contas bancárias não pode descurar-se da norma

inserta no artigo 649, IV, do CPC (com a redação dada pela Lei n.

11.382/2006), segundo a qual são absolutamente impenhoráveis “os

vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de

aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas

por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e

sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de

profi ssional liberal”.

18. As questões atinentes à prescrição dos créditos tributários

executados e à ilegitimidade dos sócios da empresa (suscitadas no

agravo de instrumento empresarial) deverão se objeto de discussão na

instância ordinária, no âmbito do meio processual adequado, sendo

certo que o requisito do prequestionamento torna inviável a discussão,

pela vez primeira, em sede de recurso especial, de matéria não debatida

na origem.

19. Recurso especial fazendário provido, declarando-se a

legalidade da ordem judicial que importou no bloqueio liminar dos

depósitos e aplicações fi nanceiras constantes das contas bancárias dos

executados. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC,

e da Resolução STJ n. 8/2008.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Primeira Seção

do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das

notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 253

especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro

Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro

Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Hamilton Carvalhido votaram com

o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.

Sustentaram, oralmente, os Drs. Breno Lobato Cardoso, pela recorrida e

Erasto Villa Verde de Carvalho Filho, pelo interessado.

Brasília (DF), 24 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Luiz Fux, Relator

DJe 03.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Luiz Fux: Trata-se de recurso especial interposto pela

Fazenda Nacional, com fulcro nas alíneas a e c, do permissivo constitucional, no

intuito de ver reformado acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da

1ª Região, cuja ementa restou assim vazada:

Processual Civil. Tributário. Agravo regimental. Execução fi scal. Bloqueio de ativos via Sistema Bacen Jud. Art. 655-A do CPC. Não comprovação de diligências necessárias à localização de bens passíveis de penhora. Impossibilidade.

I. A ordem estabelecida no art. 11, I, da Lei de Execução Fiscal, bem como o art. 655-A do CPC, que preveem a constrição preferencial, via eletrônica, de dinheiro depositado em conta corrente do devedor tributário, tem caráter relativo. Deve ser interpretada em consonância com os valores albergados pela Constituição Federal e legislação processual civil.

II. O bloqueio de importância em dinheiro, via sistema Bacen Jud, é medida extrema e somente deve ser deferida após a demonstração pela parte requerente da realização de todas as diligências possíveis a fi m de encontrar bens do devedor passíveis de garantir a execução fi scal ajuizada.

Agravo regimental a que se nega provimento.

Noticiam os autos que Correa Sobrinho Importação Exportação e Navegação

Ltda. interpôs agravo de instrumento em face de decisão interlocutória, proferida

em sede de execução fi scal, que, inaudita altera pars, deferiu o bloqueio das contas

bancárias dos sócios da empresa, mediante penhora on line. Alegou, em síntese, que

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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“para a realização de qualquer constrição aos bens do contribuinte, através do

executivo fi scal, é indispensável que seja precedida da formação de relação processual,

com a citação do suposto devedor, o que não ocorreu no caso concreto, em nítida

afronta ao estado democrático de direito”. Pugnou pela inobservância dos requisitos

previstos no artigo 185-A, do CTN, quais sejam, “citação, ausência de nomeação

de bem à penhora e não localização de bens”. Assinalou a ilegitimidade dos

sócios das empresas, uma vez não demonstrado, no executivo fi scal, qualquer

“ato ilícito por parte desses que ensejasse a sua responsabilização pela dívida

social”, máxime tendo em vista a inconstitucionalidade do artigo 13, da Lei n.

8.620/1993, que instituiu “hipótese de responsabilidade solidária objetiva, que

é matéria de lei complementar”, tramitando no Supremo Tribunal Federal a

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.672. Aduziu, ainda, que “os sócios

que não exercem poder de gerência não podem ser responsabilizados por dívida

da empresa, mesmo que caracterizado as hipóteses do art. 135, do CTN”.

Outrossim, suscitou a prescrição da pretensão executiva, uma vez que, “no caso

concreto, embora o crédito tributário tenha se constituído, respectivamente,

em 18.12.2002, 15.01.2003 e 08.02.2004, o executivo fi scal só foi ajuizado

em 04.12.2007, quando o crédito já se encontrava extinto pela prescrição, nos

moldes do art. 156, V, do CTN”.

A decisão interlocutória agravada de instrumento, proferida em 30.01.2008,

ostenta o seguinte teor:

1. Considerando que nos processos de execução fi scal que tramitam nesta vara, tradicionalmente, os executados têm se desfeito de bens e valores depositados em instituições bancárias após o recebimento da carta da citação, determino o arresto prévio de valores existentes em contas bancárias de Correa Sobrinho Importação Export. e Navegação Ltda. e seus co-responsáveis Paulo Campos Correa, Ubaldo Campos Correa, Terezinha Campos Correa e Maria de Lurdes Correa, até o limite do valor exeqüendo atualizado, através de bloqueio eletrônico pelo sistema Bacenjud.

2. Cumprido o arresto, inclusive com a transferência dos valores bloqueados para conta remunerada à disposição deste juízo, cite-se a parte devedora, pelos correios (art. 7º, I, da Lei n. 6.830/1980.

3. Converta-se o arresto em penhora e intime-se a parte devedora para fi ns de oposição de embargos.

Sobreveio decisão monocrática que deu parcial provimento ao agravo de

instrumento, para determinar o desbloqueio das contas bancárias e aplicações

financeiras da empresa executada, Correa Sobrinho Importação Exportação e

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

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Navegação Ltda. e dos sócios, Paulo Campos Correa e Teresinha Campos Correa.

Na oportunidade, o desembargador relator consignou que “a decisão agravada

está em confronto com determinação legal, diante não só da inobservância do

inciso I, do art. 7º, da LEF, como pelo fato de ter sido determinada a penhora on

line independentemente da prévia citação e de se conferir a devida oportunidade

aos executados de pagarem a dívida ou oferecerem bens à penhora”. Assinalou

ainda que “claramente inviável a determinação de arresto, pois não está se

tratando de hipótese de executado que não tenha domicílio ou que dele está se

ocultando”. De acordo com o relator, “mesmo que a aludida medida não atente

diretamente contra o sigilo bancário, implica, de forma contundente, a invasão

na esfera patrimonial dos executados, ferindo de morte o princípio de que a

execução deve processar-se da forma menos onerosa ao executado”. Concluiu

que “no que se refere à questões relativas à ilegitimidade passiva dos sócios e

prescrição do crédito executado, entendo não ser esta a via adequada nem o

momento processual apropriado para tal exame”.

Interposto agravo regimental pela Fazenda Nacional, o TRF da 1ª Região

negou provimento ao recurso, nos termos da ementa anteriormente reproduzida.

No voto-condutor do acórdão recorrido, restou assente que:

Não há plausibilidade jurídica na tese de que o art. 11, I, da Lei de Execução Fiscal, bem como o art. 655-A do CPC impõem a constrição preferencial, via eletrônica, do dinheiro depositado em conta-corrente do devedor tributário, quando não há pagamento ou nomeação de bens à penhora após a citação da executada.

Apesar dos argumentos da agravante, mesmo que a aludida medida não atente diretamente contra o sigilo bancário, implica, de forma contundente, a invasão na esfera patrimonial da executada antes de esgotamento de outras formas menos interventivas, ferindo o princípio de que a execução deve processar-se da forma menos onerosa ao executado.

Não pode a exequente, pretendendo eximir-se de ônus que é seu, requerer a medida extrema de bloqueio de valores, dos quais não sabe sequer a origem ou destinação, sem antes demonstrar, nos autos da ação de execução, a adoção de medidas menos interventivas. Os aludidos valores podem ser impenhoráveis (a exemplo dos incisos II e IV do art. 649 do CPC), destinados ao pagamento de salários dos empregados de pessoa jurídica, ou, ainda, no caso de pessoa física, podem ter natureza alimentar.

Apesar de o art. 655-A do CPC, dispõe que para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação fi nanceira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

256

meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

A ordem estabelecida no art. 11 da Lei n. 6.830/1980 e no art. 655 do Código de Processo Civil, que conferem prioridade ao dinheiro para fi ns de penhora, tem caráter relativo, devendo ser interpretada em consonância com os demais valores albergados pela legislação processual civil, entre os quais o princípio de que a execução deve processar-se da maneira menos gravosa para o devedor.

A jurisprudência majoritária exige que a utilização do sistema Bacen Jud na execução se dê no interesse da Justiça, não no interesse exclusivo do credor. Isso porque o Estado-Juiz, na qualidade de condutor do processo de execução, deve viabilizar a efetividade do processo de modo a satisfazer o direito do credor.

Todavia, não se pode autorizar que a parte exequente se desonere de obrigação que é dela como responsável pela indicação de bens passíveis de penhora, sob o grave risco de instaurar desequilíbrio de forças perante o processo judicial, mormente quando a parte não demonstrou, em nenhum momento, que esgotou os meios de que dispunha para a localização dos aludidos bens.

(...)

No caso, a exequente não comprovou a realização das devidas diligências tendentes à obtenção das informações necessárias à indicação de bens da executada passíveis de penhora, sendo incabível a utilização do Bacen Jud.

Os embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional foram

rejeitados, uma vez não vislumbrados quaisquer dos vícios enumerados no artigo

535, do CPC.

Nas razões do especial, sustenta a Fazenda Nacional que o acórdão

hostilizado incorreu em violação dos artigos 10 e 11, da Lei n. 6.830/1980,

655, 655-A e 656, do CPC, e 185-A, do CTN. De acordo com a recorrente:

(i) “em razão da omissão do devedor em efetuar o pagamento devido ou em

garantir a execução, nos termos da lei, qualquer bem do executado poderá ser

penhorado”; (ii) “o dinheiro é o bem de maior liquidez e, portanto, o mais

adequado para garantir a execução de crédito líquido e certo da Fazenda

Nacional”; (iii) “não tem qualquer sentido o argumento de que a Fazenda

Nacional deve diligenciar para localização de outros bens, já que o primeiro

item da ordem legal de penhora é o dinheiro, que, nestes tempos, encontra-se

obrigatoriamente depositado em contas bancárias”; (iv) a Resolução CJF n.

524/2006, “que institucionalizou a utilização do Sistema Bacenjud no âmbito

da Justiça Federal de Primeiro e Segundo graus”, “veio a respaldar o art. 185-A,

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 257

do CTN, estabelecendo inclusive que a utilização do bloqueio de ativos através

do Bacenjud possui precedência sobre as outras modalidades de constrição

judicial”. Ao fi nal, aduz que “o entendimento esposado pelo r. julgado regional

implica em situação de extrema gravidade, posto que os inadimplentes perante

o Fisco estarão se privilegiando do sigilo bancário, fi cando a Fazenda Pública -

cuja atuação é pautada pelo interesse público - submetida a tantas e tão onerosas

exigências para ver realizado o crédito líquido e certo inscrito em Dívida Ativa

da União, que os valores estarão invertidos, com a preponderância do interesse

individual sobre o coletivo”. Caso não considerados prequestionados quaisquer

dos dispositivos legais apontados como violados, aponta a recorrente ofensa ao

artigo 535, do CPC, uma vez não suprida a omissão ventilada nos embargos de

declaração opostos.

Pela alínea c, do permissivo constitucional, a recorrente traz para confronto

o seguinte julgado do STJ:

Execução fi scal. Esgotamento dos meios para localização de bens penhoráveis. Prescindibilidade. Quebra do sigilo bancário. Sistema Bacen Jud. Penhora de dinheiro. Ordem legal de preferência. Lei n. 6.830/1980.

I - A despeito de não terem sido esgotados todos os meios para que a Fazenda obtenha informações sobre bens penhoráveis, faz-se impositiva a obediência à ordem de preferência estabelecida no artigo 11 da Lei n. 6.830/1980, que indica o dinheiro como o primeiro bem a ser objeto de penhora.

II - Nesse panorama, objetivando cumprir a lei de execuções fi scais, é válida a utilização do sistema Bacen Jud para viabilizar a localização do bem (dinheiro) em instituição fi nanceira.

III - Observe-se ademais que, de acordo com o artigo 15 da Lei de Execuções Fiscais, a Fazenda Pública pode a qualquer tempo substituir os bens penhorados por outros, não sendo obrigada a preferir imóveis, veículos ou outros bens, o que realça o pedido de quebra de sigilo, indo ao encontro do princípio da celeridade processual.

IV - Agravo regimental provido. (AgRg no REsp n. 959.836-RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 09.10.2007, DJ 12.11.2007, p. 191).

Apresentadas contra-razões, nas quais, entre outros argumentos, a recorrida

reiterou que “a penhora on line no caso concreto foi determinada antes da

ocorrência da citação, do esgotamento do prazo para oferecimento de bem à

penhora e sem que fossem diligenciados outros bens passíveis de penhora, de

modo que não se respeitou nenhum dos requisitos do art. 185-A, do CTN”.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

258

O recurso especial recebeu crivo positivo de admissibilidade na origem.

Em 07.06.2010, o presente recurso especial foi submetido ao regime

do recurso representativo de controvérsia (artigo 543-C, do CPC), ante a

multiplicidade de recursos que versam sobre possibilidade ou não de quebra do

sigilo bancário em execução fi scal, por meio do sistema Bacen-Jud, o qual viabiliza o

bloqueio de ativos fi nanceiros do executado (Lei Complementar n. 105/2001).

O Ministério Público Federal emitiu parecer no sentido do provimento do

recurso especial, pelos seguintes fundamentos:

Tributário. Execução fiscal. Penhora em dinheiro. Sistema Bacenjud. 1 - A alegação genérica de omissão do julgado, sem especifi ca objetivamente o ponto omisso, não confi gura violação ao artigo 535, do CPC (Súmula n. 284-STF). 2 - A Lei n. 11.382/2006 colocou na mesma ordem de preferência de penhora “dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição fi nanceira”, permitindo a realização da constrição, preferencialmente, por meio eletrônico e independente da demonstração acerca da inexistência de outros bens penhoráveis. Precedentes. 3 - Parecer pelo provimento do recurso especial.

Consta, ainda, do parecer ministerial que, “no caso, tanto a decisão que

determinou o arresto prévio dos valores existentes em conta bancária (fl.

49) quanto o acórdão recorrido (fl . 143) são posteriores à vigência da Lei n.

11.382/2006”, razão pela qual “possível a aplicação imediata do artigo 655-A,

do CPC”.

Às fl s. e-STJ 232-272, o Banco Central do Brasil, na qualidade de amicus

curiae, conclui que:

a) a implantação do sistema informatizado BacenJud não implicou a alteração das regras processuais preexistentes, mas apenas informatizou um procedimento antes utilizados pelos magistrados por meio de ofício em papel:

b) a positivação do sistema BacenJud em nível legal (arts. 185-A, do Código Tributário Nacional e 655-A, do Código de Processo Civil) não modificou em nada o papel desde o início desempenhado pelo Banco Central. A Autarquia apenas realiza a função de mensageiro das ordens judiciais, sem responsabilidade alguma, portanto, pelo seu cumprimento pelas destinatárias - as instituições fi nanceiras;

c) as alterações promovidas pelos citados dispositivos de lei deram causa a confl ito aparente de normas, no âmbito da execução fi scal de tributos: no Código Tributário Nacional, há regra que condiciona o uso do BacenJud ao esgotamento de outras diligências; no Código de Processo Civil, institui-se que o bloqueio de ativos fi nanceiros por meio do BacenJud é a diligência prioritária;

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d) o emprego das regras clássicas de solução de antinomias (no caso concreto, a regra da especialidade), resultaria no absurdo lógico de colocar o credor privado em situação mais vantajosa que o credor público, mesmo quando este fosse cobrar créditos tributários - derivados do dever fundamental de pagar tributos;

e) o Superior Tribunal de Justiça tem utilizado os critérios hermenêuticos apregoados pela Teoria do Diálogo das Fontes, a fi m de solucionar impasses como o descrito. Com base nesses critérios, capaxes de fornecer respostas coerentes com o ordenamento jurídico, já se pacifi cou, no Superior Tribunal de Justiça, entendimento no sentido da “possibilidade do uso da ferramenta BacenJud para efetuar o bloqueio de ativos fi nanceiros, em interpretação conjugada dos artigos 185-A, do CTN, 11, da Lei n. 6.830/1980, e 655 e 655-A, do CPC;

f ) embora o caput do art. 655-A estabeleça regra geral, segundo a qual o juiz só pode bloquear ativos fi nanceiros, por meio do BacenJud, quando instado pela parte, a interpretação sistemática daquele dispositivo com outros do Código, mormente com o art. 797, que outorga aos magistrados poder geral de cautela, permite concluir pela possibilidade de se decretar ex offi cio a indisponibilidade, diante de casos excepcionais.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Luiz Fux (Relator): Preliminarmente, revela-se cognoscível

a insurgência especial, uma vez prequestionada a matéria federal ventilada.

Cinge-se a controvérsia a possibilidade ou não de quebra do sigilo bancário em

execução fi scal, por meio do sistema Bacen-Jud, o qual viabiliza o bloqueio de ativos

fi nanceiros do executado (Lei Complementar n. 105/2001).

O dever de sigilo das operações de instituições financeiras, extensivo

ao Banco Central do Brasil, encontra-se hodiernamente regulado pela Lei

Complementar n. 105/2001 (que revogou o artigo 38, da Lei n. 4.595/1964),

que assim dispõe:

Art. 1º As instituições fi nanceiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

(...)

§ 3º Não constitui violação do dever de sigilo:

(...)

VI - a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 9º, desta Lei Complementar.

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(...)

Art. 2o O dever de sigilo é extensivo ao Banco Central do Brasil, em relação às operações que realizar e às informações que obtiver no exercício de suas atribuições.

§ 1º O sigilo, inclusive quanto a contas de depósitos, aplicações e investimentos mantidos em instituições fi nanceiras, não pode ser oposto ao Banco Central do Brasil:

I - no desempenho de suas funções de fiscalização, compreendendo a apuração, a qualquer tempo, de ilícitos praticados por controladores, administradores, membros de conselhos estatutários, gerentes, mandatários e prepostos de instituições fi nanceiras;

II - ao proceder a inquérito em instituição financeira submetida a regime especial.

(...)

Art. 3º Serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão servir-se para fi ns estranhos à lide.

§ 1º Dependem de prévia autorização do Poder Judiciário a prestação de informações e o fornecimento de documentos sigilosos solicitados por comissão de inquérito administrativo destinada a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

§ 2º Nas hipóteses do § 1º, o requerimento de quebra de sigilo independe da existência de processo judicial em curso.

§ 3º Além dos casos previstos neste artigo o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários fornecerão à Advocacia-Geral da União as informações e os documentos necessários à defesa da União nas ações em que seja parte.

Destarte, afigura-se legítima a quebra do sigilo bancário, pela Banco

Central do Brasil ou pelas instituições fi nanceiras, a fi m do cumprimento do

dever de prestar informações requeridas pelo Poder Judiciário, observado o

acesso restrito às partes e a utilização limitada dos dados ao processo judicial em

curso.

Por intermédio do Sistema Bacen-Jud, instrumento de comunicação

eletrônica desenvolvido e gerenciado pelo Banco Central do Brasil, agilizou-se a

consecução dos fi ns do processo executivo, viabilizando o acesso do Poder Judiciário às

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informações sobre a existência de contas e aplicações fi nanceiras de clientes do Sistema

Financeiro Nacional, e respectivos saldos, extratos, endereços, bem como se permitiu a

determinação de bloqueio e desbloqueio de valores (penhora on line).

Como de sabença, a execução judicial para a cobrança da Dívida Ativa da

União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias

é regida pela Lei n. 6.830/1980 e, subsidiariamente, pelo Código de Processo

Civil, obedecido o cânone de que a penhora de bens deve ser sufi ciente à garantia

da execução fi scal, nos termos do artigo 11, da Lei n. 6.830/1980, que estabelece a

seguinte gradação:

Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:

I - dinheiro;

II - título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;

III - pedras e metais preciosos;

IV - imóveis;

V - navios e aeronaves;

VI - veículos;

VII - móveis ou semoventes; e

VIII - direitos e ações.

§ 1º - Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção.

§ 2º - A penhora efetuada em dinheiro será convertida no depósito de que trata o inciso I do artigo 9º.

§ 3º - O Juiz ordenará a remoção do bem penhorado para depósito judicial, particular ou da Fazenda Pública exeqüente, sempre que esta o requerer, em qualquer fase do processo.

Por seu turno, o artigo 655, do Código de Processo Civil, antes da alteração

promovida pela Lei n. 11.382/2006, preceituava que:

Art. 655. Incumbe ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a seguinte ordem:

I - dinheiro;

II - pedras e metais preciosos;

III - títulos da dívida pública da União ou dos Estados;

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IV - títulos de crédito, que tenham cotação em bolsa;

V - móveis;

VI - veículos;

VII - semoventes;

VIII - imóveis;

IX - navios e aeronaves;

X - direitos e ações.

§ 1º Incumbe também ao devedor:

I - quanto aos bens imóveis, indicar-lhes as transcrições aquisitivas, situá-los e mencionar as divisas e confrontações;

II - quanto aos móveis, particularizar-lhes o estado e o lugar em que se encontram;

III - quanto aos semoventes, especifi cá-los, indicando o número de cabeças e o imóvel em que se acham;

IV - quanto aos créditos, identifi car o devedor e qualifi cá-lo, descrevendo a origem da dívida, o título que a representa e a data do vencimento;

V - a tribuir valor aos bens nomeados à penhora. (Incluído pela Lei n. 8.953, de 13.12.1994)

§ 2º Na execução de crédito pignoratício, anticrético ou hipotecário, a penhora, independentemente de nomeação, recairá sobre a coisa dada em garantia.

Antes da égide da Lei n. 11.382/2006, encontrava-se consolidado

o entendimento jurisprudencial no sentido da relativização da ordem legal

de penhora prevista nos artigos 11, da Lei de Execução Fiscal, e 655, do CPC

(EREsp n. 399.557-PR, Rel. Ministro Franciulli Netto, Primeira Seção, julgado

em 08.10.2003, DJ 03.11.2003; EREsp n. 662.349-RJ, Rel. Ministro José

Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado

em 10.05.2006, DJ 09.10.2006; e EAg n. 746.184-SP, Rel. Ministro Humberto

Martins, Primeira Seção, julgado em 27.06.2007, DJ 06.08.2007).

Outrossim, no mesmo ínterim, o Superior Tribunal de Justiça consagrava

a tese de que o bloqueio eletrônico de depósitos ou aplicações fi nanceiras (mediante

a expedição de ofício à Receita Federal e ao Bacen) pressupunha o esgotamento, pelo

exeqüente, de todos os meios de obtenção de informações sobre o executado e seus bens

e que as diligências restassem infrutíferas. É o que se depreende da leitura das

ementas dos seguintes julgados:

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Execução. Bens do devedor. Informações. Banco Central.

1 - Em face do interesse da Justiça na efetivação da penhora e restando comprovado que foram esgotados os demais meios a disposição da credora, admitir-se-á a requisição de informações ao Banco Central pelo Juízo sobre a existência de contas bancarias do devedor.

2 - Precedentes.

3 - Recurso provido. (REsp n. 144.823-PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 02.10.1997, DJ 17.11.1997).

Execução. Bens do devedor. Requisição de informações. CRT. Bacen. Fisco.

- Somente em casos especiais, demonstrado o esgotamento das possibilidades colocadas à disposição do credor, caberá a requisição judicial. Ressalva da posição do Relator.

Recurso não conhecido. (REsp n. 177.906-RS, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 29.10.1998, DJ 1º.02.1999).

Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Diligências solicitadas pelo Juiz. Súmula n. 182-STJ.

1. A recorrente não infi rmou um fundamento sufi ciente a manter a decisão ora agravada, qual seja o de que “somente se poderia verifi car se a CEF esgotou todos os esforços para a localização de bens penhoráveis com o revolvimento do conjunto fático e probatório, o que não é viável em sede de recurso especial”. Súmula n. 182-STJ.

2. Vale o entendimento jurisprudencial desta Corte, considerando-se que a localização de bens penhoráveis é tarefa do exeqüente, que deve envidar todos os esforços nesse sentido e, somente em caráter excepcional, cabe a interferência do Judiciário por meio de requisição a entidades da Administração Pública.

3. Dissídio jurisprudencial não caracterizado ante a ausência de semelhança fática entre os arestos, sendo certo que a simples transcrição de ementas em hipóteses como a presente não é o sufi ciente.

4. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag n. 202.783-PR, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 17.12.1998, DJ 22.03.1999).

Processual Civil. Locação. Execução. Solicitação de informações a entidades governamentais. Excepcionalidade da medida. Esgotamento dos meios possíveis para a localização de bens. Precedentes. Recurso conhecido e provido.

I - O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a solicitação de informações a entidades governamentais, com a fi nalidade de fornecer elementos úteis à localização de bens de devedor inadimplente para a penhora, somente se justifi ca em hipóteses excepcionais, após o exaurimento de

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todos os demais meios possíveis realizados pelo credor, sendo, ainda, necessária a presença de motivos relevantes, bem como a existência de ordem judicial devidamente fundamentada. Precedentes.

II - Recurso conhecido e provido. (REsp n. 659.127-SP, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Rel. p/ Acórdão Ministro Gilson Dípp, Quinta Turma, julgado em 23.11.2004, DJ 21.02.2005).

Execução fi scal. Localização de bens. Quebra de sigilo bancário. Expedição de ofício ao Bacen.

1. Não é cabível a quebra de sigilo fiscal ou bancário do executado para que a Fazenda Pública obtenha informações acerca da existência de bens do devedor inadimplente, excepcionado-se tal entendimento somente nas hipóteses de estarem esgotadas todas as tentativas de obtenção dos dados pela via extrajudicial. Precedentes.

2. No caso concreto, o acórdão reconheceu a impossibilidade de obtenção dos dados pela via extrajudicial.

3. Agravo regimental provido. (AgRg no REsp n. 644.456-SC, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 15.02.2005, DJ 04.04.2005).

Processual Civil e Tributário. Falta. Prequestionamento. Tese recursal. Penhora sobre o faturamento da empresa. Súmulas n. 282 e n. 356-STF. Execução fi scal. Requisição. Ofício. Bacen. Localização, contas-correntes. Falta. Comprovação. Esgotamento. Meios administrativos.

1. A tese recursal relativa à impossibilidade de penhora sobre o faturamento da empresa não enseja cognição, pois sequer foi objeto de debate pela Instância a quo. Incidência das Súmulas n. 282 e n. 356 do Pretório Excelso.

2. Esta Corte entende ser cabível a ordem para a expedição de ofício ao Banco Central do Brasil - Bacen, a fi m de serem obtidas informações sobre a existência de ativos fi nanceiros dos devedores para garantia do juízo executório, desde que a exeqüente comprove ter exaurido todos os meios de levantamento de dados na via extrajudicial. Precedentes.

3. Recurso especial conhecido em parte e provido. (REsp n. 771.838-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.09.2005, DJ 03.10.2005).

Execução fiscal. Artigo 557 do Código de Processo Civil. Quebra de sigilo bancário. Sistema Bacen Jud. Esgotamento da via extrajudicial. Aferição. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ.

1. Não há violação ao artigo 557 do Código de Processo Civil quando o Relator se utiliza da permissão dada pelo legislador para negar seguimento a recurso interposto em frontal oposição à jurisprudência dominante no respectivo Tribunal ou nos Tribunais Superiores.

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2. Admite-se a quebra do sigilo fi scal ou bancário do executado para que a Fazenda Pública obtenha informações sobre a existência de bens do devedor inadimplente, mas somente após restarem esgotadas todas as tentativas de obtenção dos dados pela via extrajudicial.

3. Infi rmar as conclusões a que chegou o acórdão recorrido de que não foram esgotados todos os meios extrajudiciais para obtenção de informações para justifi car a utilização do sistema Bacen Jud, demandaria a incursão na seara fático-probatória dos autos, tarefa essa soberana às Instâncias ordinárias, o que impede a cognição da pretensão recursal, ante o óbice da Súmula n. 7 deste Tribunal.

4. O artigo 185-A do Código Tributário Nacional, acrescentado pela Lei Complementar n. 118/2005, também corrobora a necessidade de exaurimento das diligências para localização dos bens penhoráveis, pressupondo um esforço prévio do credor na identificação do patrimônio do devedor, quando assim dispõe: “Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fi m de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial”.

5. Recurso especial improvido. (REsp n. 796.485-PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 02.02.2006, DJ 13.03.2006).

A introdução do artigo 185-A no Código Tributário Nacional (promovida

pela Lei Complementar n. 118, de 09 de fevereiro de 2005) corroborou a tese da

necessidade de exaurimento das diligências conducentes à localização de bens

passíveis de penhora antes da decretação da indisponibilidade de bens e direitos

do devedor executado, verbis:

Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fi m de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

§ 1º A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.

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§ 2º Os órgãos e entidades aos quais se fi zer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.

Nada obstante, em 06 de dezembro de 2006, sobreveio a Lei n. 11.382, que

alterou dispositivos do Codex Processual relativos ao processo de execução, cujo artigo 655 passou a ostentar o seguinte teor:

Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição fi nanceira;

II - veículos de via terrestre;

III - bens móveis em geral;

IV - bens imóveis;

V - navios e aeronaves;

VI - ações e quotas de sociedades empresárias;

VII - percentual do faturamento de empresa devedora;

VIII - pedras e metais preciosos;

IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado;

X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

XI - outros direitos.

§ 1º Na execução de crédito com garantia hipotecária, pignoratícia ou anticrética, a penhora recairá, preferencialmente, sobre a coisa dada em garantia; se a coisa pertencer a terceiro garantidor, será também esse intimado da penhora.

§ 2º Recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o cônjuge do executado.

Outra relevante inovação promovida pela Lei n. 11.382/2006, no CPC, foi a

inclusão do artigo 655-A, verbis:

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação fi nanceira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

§ 1º As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.

§ 2º Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade.

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RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 267

§ 3º Na penhora de percentual do faturamento da empresa executada, será nomeado depositário, com a atribuição de submeter à aprovação judicial a forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente, entregando ao exeqüente as quantias recebidas, a fi m de serem imputadas no pagamento da dívida.

§ 4º Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, nos termos do que estabelece o caput deste artigo, informações sobre a existência de ativos tão-somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha dado causa a violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, de acordo com o disposto no art. 15-A da Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995.

Conseqüentemente, com o advento da Lei n. 11.382/2006, o depósito ou

aplicação em instituição fi nanceira foram considerados bens preferenciais na ordem

da penhora, equiparando-se a dinheiro em espécie (artigo 655, I, do CPC), tornando-

se prescindível o exaurimento de diligências extrajudiciais a fi m de se autorizar a

penhora on line (artigo 655-A, do CPC).

A antinomia aparente entre o artigo 185-A, do CTN (que cuida da decretação

de indisponibilidade de bens e direitos do devedor executado) e os artigos 655 e

655-A, do CPC (penhora de dinheiro em depósito ou aplicação fi nanceira)

é superada com a aplicação da moderna Teoria do Dialógo das Fontes, idealizada

pelo alemão Erik Jayme e aplicada, no Brasil, pela primeira vez, por Cláudia

Lima Marques, a fi m de preservar a coexistência entre o Código de Defesa do

Consumidor e o novo Código Civil.

Com efeito, consoante a Teoria do Diálogo das Fontes, as normas gerais

mais benéfi cas supervenientes preferem à norma especial (concebida para conferir

tratamento privilegiado a determinada categoria), a fi m de preservar a coerência

do sistema normativo.

É que, consoante pontifi ca Cláudia Lima Marques:

(...) em uma visão “moderna” ou perfeita do ordenamento jurídico no tempo, teríamos a “Tese” (lei antiga), a “Antítese” (lei nova) e a conseqüente “Síntese” (a revogação), a trazer clareza e certeza ao sistema (jurídico) de Direito Privado. Os critérios usados para resolver os confl itos de leis no tempo são apenas três: anterioridade, especialidade e hierarquia, sendo a hierarquia, segundo Bobbio, o critério defi nitivo.

Aceite-se ou não a pós-modernidade, a verdade é que, na sociedade complexa atual, com a descodifi cação, a tópica e a microrecodifi cação (como a do CDC),

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trazendo uma forte pluralidade de leis ou fontes, a doutrina atualizada está à procura de uma harmonia ou coordenação entre estas diversas normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema). É a denominada “coerência derivada ou restaurada” (“cohérence dérivée ou restaurée”), que procura uma efi ciência não só hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo.

Erik Jayme alerta-nos que, nos atuais tempos pós-modernos, a pluralidade, a complexidade, a distinção impositiva dos direitos humanos e do„ droit à la diff erènce” (direito a ser diferente e ser tratado diferentemente, sem necessidade mais de ser “igual” aos outros) não mais permitem este tipo de clareza ou de “mono-solução”. A solução atual ou pós-moderna é sistemática e tópica ao mesmo tempo, pois deve ser mais fluida, mais flexível, a permitir maior mobilidade e fineza de distinções. Hoje, a superação de paradigmas foi substituída pela convivência ou coexistência dos paradigmas, como indica nosso título.

Efetivamente, raramente encontramos hoje a revogação expressa, substituída pela incerteza da revogação tácita indireta, através da idéia de “incorporação”, como bem expressa o art. 2.043 do novo Código Civil. Há mais convivência de leis com campos de aplicação diferentes, do que exclusão e clareza. Seus campos de aplicação, por vezes, são convergentes e, em geral diferentes, mas convivem e coexistem em um mesmo sistema jurídico que deve ser ressistematizado. O desafi o é este, aplicar as fontes em diálogo de forma justa, em um sistema de direito privado plural, fl uido, mutável e complexo.

Seguirei aqui novamente a teoria de Erik Jayme, que propõe – em resumo - no lugar do confl ito de leis a visualização da possibilidade de coordenação sistemática destas fontes: o diálogo das fontes. Uma coordenação fl exível e útil (eff et utile) das normas em confl ito no sistema a fi m de restabelecer a sua coerência. Muda-se assim o paradigma: da retirada simples (revogação) de uma das normas em confl ito do sistema jurídico ou do “monólogo” de uma só norma (a “comunicar” a solução justa), à convivência destas normas, ao “diálogo” das normas para alcançar a sua “ratio”, a fi nalidade visada ou “narrada” em ambas. Este atual e necessário “diálogo das fontes” permite e leva à aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas convergentes com finalidade de proteção efetiva. (Artigo intitulado “Superação das Antinomias pelo Diálogo das Fontes: O Modelo Brasileiro de Coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002”, in Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe, n. 07, 2004).

Deveras, a ratio essendi do artigo 185-A, do CTN, é erigir hipótese de

privilégio do crédito tributário, não se revelando coerente “colocar o credor

privado em situação melhor que o credor público, principalmente no que diz

respeito à cobrança do crédito tributário, que deriva do dever fundamental de

pagar tributos (artigos 145 e seguintes da Constituição Federal de 1988)” (REsp

n. 1.074.228-MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,

julgado em 07.10.2008, DJe 05.11.2008).

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Assim, a interpretação sistemática dos artigos 185-A, do CTN, com os

artigos 11, da Lei n. 6.830/1980 e 655 e 655-A, do CPC, autoriza a penhora

eletrônica de depósitos ou aplicações financeiras independentemente do

exaurimento de diligências extrajudiciais por parte do exeqüente.

Consectariamente, à luz da regra de direito intertemporal que preconiza a

aplicação imediata da lei nova de índole processual, infere-se a existência de dois

regimes normativos no que concerne à possibilidade de penhora eletrônica de dinheiro

em depósito ou aplicação fi nanceira:

(i) período anterior à égide da Lei n. 11.382, de 06 de dezembro de 2006 (que

obedeceu a vacatio legis de 45 dias após a publicação), no qual a utilização do

Sistema Bacen-Jud pressupunha a demonstração de que o exeqüente não lograra

êxito em suas tentativas de obter as informações sobre o executado e seus bens; e

(ii) período posterior à vacatio legis da Lei n. 11.382/2006 (21.01.2007), a

partir do qual se revela prescindível o exaurimento de diligências extrajudiciais a

fi m de se autorizar a penhora eletrônica de depósitos ou aplicações fi nanceiras.

No mesmo sentido, confi ra-se o seguinte precedente da Primeira Seção:

Embargos de divergência em recurso especial. Execução fi scal. Penhora on-line. Convênio Bacen Jud. Medida constritiva posterior à Lei n. 11.382/2006. Exaurimento das vias extrajudiciais para a localização de bens passíveis de penhora. Desnecessidade. Embargos acolhidos.

1. Com a entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006, que deu nova redação ao artigo 655 do Código de Processo Civil, os depósitos e as aplicações em instituições financeiras foram incluídos como bens preferenciais na ordem de penhora e equiparados a dinheiro em espécie, tornando-se prescindível o exaurimento das vias extrajudiciais dirigidas à localização de bens do devedor para a constrição de ativos fi nanceiros por meio do sistema Bacen Jud, informando a sua utilização nos processos em curso o tempo da decisão relativa à medida constritiva.

2. Embargos de divergência acolhidos. (EREsp n. 1.052.081-RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em 12.05.2010, DJe 26.05.2010).

À guisa de exemplos, colhem-se ementas de julgados oriundos das Turmas

de Direito Público:

Processual Civil e Tributário. Execução fi scal. Penhora on line. Sistema Bacen-Jud. Requerimento feito no regime anterior ao art. 655, I, do CPC (redação dada pela Lei n. 11.382/2006).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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1. A jurisprudência atual desta Corte fi rmou-se no sentido de que, após a vigência da Lei n. 11.382/2006, o bloqueio de ativos fi nanceiros por meio de penhora on line não requer mais o esgotamento de diligências para localização de outros bens do devedor passíveis de penhora, sendo admitida hoje a constrição por meio eletrônico sem essa providência.

2. Recurso especial provido. (REsp n. 1.194.067-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 1º.07.2010).

Tributário. Processual Civil. Penhora on line. Constrição de ativos fi nanceiros. Requerimento após a vigência da Lei n. 11.382/2006. Esgotamento das diligências para localização de bens. Desnecessidade. Penhora sobre o faturamento da empresa não equivale a penhora em dinheiro.

1. É entendimento desta Corte que o pedido de penhora on line pode ser deferido de plano, porquanto nos requerimentos após a vigência da Lei n. 11.382/2006 não se exige mais o esgotamento das diligências para localização de bens penhoráveis, pois as expressões “depósito ou aplicação em instituição fi nanceira” foram equiparadas a dinheiro em espécie na ordem de penhora. O que ocorreu no caso dos autos.

2. Não procede a alegação de ofensa à coisa julgada, pois o pedido de penhora sobre o faturamento da empresa (com decisão de indeferimento já transitada em julgado) não se confunde com penhora em dinheiro. Precedentes.

Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.143.806-SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 08.06.2010, DJe 21.06.2010).

Processual Civil. Tributário. Recurso especial em agravo de instrumento. Penhora on line. Arts. 655 e 655-A do CPC. Art. 185-A do CTN. Sistema Bacen-Jud. Pedido realizado no período de vigência da Lei n. 11.382, de 06 de dezembro de 2006. Penhora entendida como medida excepcional. Não comprovação do exaurimento de diligências para busca de bens de executado. Súmula n. 7-STJ. Nova jurisprudência do STJ aplicável aos pedidos feitos no período de vigência da aludida lei. Recurso especial provido.

1. A jurisprudência de ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte é fi rme no sentido de admitir a possibilidade de quebra do sigilo bancário (expedição de ofício ao Banco Central para obter informações acerca da existência de ativos fi nanceiros do devedor), desde que esgotados todos os meios para localizar bens passíveis de penhora.

2. Sobre o tema, esta Corte estabeleceu dois entendimentos, segundo a data em que foi requerida a penhora, se antes ou após a vigência da Lei n. 11.382/2006.

3. A primeira, aplicável aos pedidos formulados antes da vigência da aludida lei, no sentido de que a penhora pelo sistema Bacen-Jud é medida excepcional, cabível apenas quando o exeqüente comprova que exauriu as vias extrajudiciais

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 271

de busca dos bens do executado. Na maioria desses julgados, o STJ assevera que discutir a comprovação desse exaurimento esbarra no óbice da Sumula n. 7-STJ.

4. Por sua vez, a segunda solução, aplicável aos requerimentos realizados após a entrada em vigor da mencionada lei, é no sentido de que essa penhora não exige mais a comprovação de esgotamento de vias extrajudiciais de busca de bens a serem penhorados. O fundamento desse entendimento é justamente o fato de a Lei n. 11.382/2006 equiparar os ativos fi nanceiros a dinheiro em espécie.

5. No caso em apreço, o Tribunal a quo indeferiu o pedido de penhora justamente porque a considerou como medida extrema, não tendo sido comprovada a realização de diligências hábeis a encontrar bens a serem penhorados.

6. Como o pedido foi realizado dentro do período de vigência da Lei n. 11.382/2006, aplica-se o segundo entendimento.

7. Recurso especial provido. (REsp n. 1.101.288-RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 02.04.2009, DJe 20.04.2009).

Processual Civil. Recurso especial. Execução fi scal. Crédito tributário. Bloqueio de ativos fi nanceiros por meio do sistema Bacen Jud. Aplicação conjugada do art. 185-A, do CTN, art. 11, da Lei n. 6.830/1980, art. 655 e art. 655-A, do CPC. Proporcionalidade na execução. Limites dos arts. 649, IV e 620 do CPC.

1. Não incide em violação do art. 535 do CPC o acórdão que decide fazendo uso de argumentos sufi cientes para sustentar a sua tese. O julgador não é obrigado a se manifestar sobre todos os dispositivos legais levados à discussão pelas partes.

2. A interpretação das alterações efetuadas no CPC não pode resultar no absurdo lógico de colocar o credor privado em situação melhor que o credor público, principalmente no que diz respeito à cobrança do crédito tributário, que deriva do dever fundamental de pagar tributos (artigos 145 e seguintes da Constituição Federal de 1988).

3. Em interpretação sistemática do ordenamento jurídico, na busca de uma maior eficácia material do provimento jurisdicional, deve-se conjugar o art. 185-A, do CTN, com o art. 11 da Lei n. 6.830/1980 e artigos 655 e 655-A, do CPC, para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação fi nanceira, independentemente do esgotamento de diligências para encontrar outros bens penhoráveis. Em suma, para as decisões proferidas a partir de 20.01.2007 (data da entrada em vigor da Lei n. 11.038/2006), em execução fi scal por crédito tributário ou não, aplica-se o disposto no art. 655-A do Código de Processo Civil, posto que compatível com o art. 185-A do CTN.

4. A aplicação da regra não deve descuidar do disposto na nova redação do art. 649, IV, do CPC, que estabelece a impenhorabilidade dos valores referentes aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; às quantias recebidas por

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

272

liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profi ssional liberal.

5. Também há que se ressaltar a necessária prudência no uso da nova ferramenta, devendo ser sempre observado o princípio da proporcionalidade na execução (art. 620 do CPC) sem descurar de sua fi nalidade (art. 612 do CPC), de modo a não inviabilizar o exercício da atividade empresarial.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp n. 1.074.228-MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07.10.2008, DJe 05.11.2008).

No que concerne à execução civil, a Corte Especial, em recente julgado,

adotou idêntica exegese

Processual Civil. Recurso especial. Execução civil. Penhora. Art. 655-A do CPC. Sistema Bacen-Jud. Advento da Lei n. 11.382/2006. Incidente de processo repetitivo. I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO - PENHORA ON LINE.

a) A penhora on line, antes da entrada em vigor da Lei n. 11.382/2006, configura-se como medida excepcional, cuja efetivação está condicionada à comprovação de que o credor tenha tomado todas as diligências no sentido de localizar bens livres e desembaraçados de titularidade do devedor.

b) Após o advento da Lei n. 11.382/2006, o Juiz, ao decidir acerca da realização da penhora on line, não pode mais exigir a prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na busca de bens a serem penhorados.

II - JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO

- Trata-se de ação monitória, ajuizada pela recorrente, alegando, para tanto, titularizar determinado crédito documentado por contrato de adesão ao “Crédito Direto Caixa”, produto oferecido pela instituição bancária para concessão de empréstimos. A recorrida, citada por meio de edital, não apresentou embargos, nem ofereceu bens à penhora, de modo que o Juiz de Direito determinou a conversão do mandado inicial em título executivo, diante do que dispõe o art. 1.102-C do CPC.

- O Juiz de Direito da 6ª Vara Federal de São Luiz indeferiu o pedido de penhora on line, decisão que foi mantida pelo TJ-MA ao julgar o agravo regimental em agravo de instrumento, sob o fundamento de que, para a efetivação da penhora eletrônica, deve o credor comprovar que esgotou as tentativas para localização de outros bens do devedor.

- Na espécie, a decisão interlocutória de primeira instância que indeferiu a medida constritiva pelo sistema Bacen-Jud, deu-se em 29.05.2007 (fl . 57), ou seja, depois do advento da Lei n. 11.382/2006, de 06 de dezembro de 2006, que alterou o CPC quando incluiu os depósitos e aplicações em instituições fi nanceiras como

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 191-274, janeiro/março 2011 273

bens preferenciais na ordem da penhora como se fossem dinheiro em espécie (art. 655, I) e admitiu que a constrição se realizasse preferencialmente por meio eletrônico (art. 655-A).

Recurso especial provido. (REsp n. 1.112.943-MA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 15.09.2010).

In casu, a decisão proferida pelo Juízo Singular em 30.01.2008 determinou,

com base no poder geral de cautela, o “arresto prévio” (mediante bloqueio

eletrônico pelo sistema Bacenjud) dos valores existentes em contas bancárias da

empresa executada e dos co-responsáveis (até o limite do valor exeqüendo), sob o

fundamento de que “nos processos de execução fi scal que tramitam nesta vara,

tradicionalmente, os executados têm se desfeito de bens e valores depositados

em instituições bancárias após o recebimento da carta da citação”.

Consectariamente, a argumentação empresarial de que o bloqueio eletrônico

dera-se antes da regular citação esbarra na existência ou não dos requisitos

autorizadores da medida provisória (em tese, apta a evitar lesão grave e de difícil

reparação, ex vi do disposto nos artigos 798 e 799, do CPC), cuja análise impõe

o reexame do contexto fático-probatório valorado pelo Juízo Singular, providência

obstada pela Súmula n. 7-STJ.

Destarte, o bloqueio eletrônico dos depósitos e aplicações fi nanceiras

dos executados, determinado em 2008 (período posterior à vigência da Lei n.

11.382/2006), não se condicionava à demonstração da realização de todas as

diligências possíveis para encontrar bens do devedor.

Contudo, impende ressalvar que a penhora eletrônica dos valores depositados

nas contas bancárias não pode descurar-se da norma inserta no artigo 649, IV,

do CPC (com a redação dada pela Lei n. 11.382/2006), segundo a qual são

absolutamente impenhoráveis “os vencimentos, subsídios, soldos, salários,

remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios;

as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do

devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de

profi ssional liberal”.

As questões atinentes à prescrição dos créditos tributários executados e

à ilegitimidade dos sócios da empresa (suscitadas no agravo de instrumento

empresarial) deverão se objeto de discussão na instância ordinária, no âmbito do

meio processual adequado, sendo certo que o requisito do prequestionamento

torna inviável a discussão pela vez primeira, em sede de recurso especial, de

matéria não debatida na origem.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial fazendário,

declarando a legalidade da ordem judicial que importou no bloqueio liminar

dos depósitos e aplicações fi nanceiras constantes das contas bancárias dos

executados.

Porquanto tratar-se de recurso representativo da controvérsia, sujeito ao

procedimento do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, determino, após a

publicação do acórdão, a comunicação à Presidência e aos demais Ministros do

STJ, aos Tribunais Regionais Federais, bem como aos Tribunais de Justiça dos

Estados, com fi ns de cumprimento do disposto no § 7º, do artigo 543-C, do

CPC (artigos 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 8/2008).

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 30.185-SC (2009/0147812-7)

Relator: Ministro Benedito Gonçalves

Recorrente: Cláudia Regina Dadam Gomes

Advogados: Max Rezende de Braga e outro(s)

Irley Carlos Quintanilha do Nascimento e outro(s)

Recorrido: Estado de Santa Catarina

Procurador: Francisco Guilherme Laske e outro(s)

Litisconsórcio passivo: Ligia Lilian Moser Zonta

Advogados: Maurício Salvadori Carvalho de Oliveira e outro(s)

Daniel de Lebarbenchin Salvadori e outro(s)

Litisconsórcio passivo: José Roberto Maruri Zanella

Advogados: Marli Meurer Muller Borges e outro(s)

Vinícius Marcelo Borges e outro(s)

EMENTA

Administrativo e Processual Civil. Recurso ordinário. Mandado

de segurança. Concurso público para ingresso na atividade notarial e de

registro em Santa Catarina. Investidura na delegação. Superveniência

de serventia vaga por desistência de candidato. Pedido de nova escolha

realizado por candidata que já havia sido empossada em serventia de

sua opção. Impossibilidade. Ausência de direito líquido e certo.

1. Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança no

qual a recorrente objetiva ter direito à nova escolha de serventias,

que, à época do prazo regular estipulado no edital do concurso, não

foram objeto de sua escolha, mas, pelo fato de haver superveniente

desistência daqueles que poderiam tê-las escolhido, foram atribuídas a

candidatos que alcançaram pior classifi cação no certame.

2. A tese defendida é a de que, vagando a serventia, deveria-se

devolver a oportunidade de escolha aos candidatos, conforme à ordem

de classifi cação do certame, não obstante já empossados em outras

serventias.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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3. Ante os documentos acostados aos autos, não há como

visualizar direito líquido e certo da impetrante à pretensão que postula.

4. O Edital de Convocação n. 29/2004 dispôs que “os candidatos

aprovados para mais de uma categoria poderão fazer opção em cada

uma das que restaram habilitados, devendo no entanto, na mesma

data acima aprazada, logo após a conclusão da escolha referente às

Escrivanias de Paz, manifestar-se por escrito a sua preferência fi nal,

que ensejará a nomeação pelo Chefe do Poder Executivo” (fl . 89).

5. No caso dos autos, a impetrante optou pela Escrivania de Paz

de São João do Rio Vermelho e lá tomou posse, não se manifestando,

porém, a respeito da serventia de registro de imóveis.

6. Se não o bastante, nota-se que, em uma interpretação

teleológica das regras editalícias, não se chega à conclusão de que

àqueles já empossados seria reaberta a oportunidade de escolha, no

caso de desistência dos candidatos mais bem colocados. Ao contrário,

obedecida a ordem de classifi cação, os candidatos que estavam à

espera da serventia serão convocados para manifestarem-se sua opção,

excluídos os que já haviam se manifestado, defi nitivamente.

7. Recurso ordinário não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de

Justiça prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Arnaldo

Esteves Lima, por maioria, vencido o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, negar

provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto

do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido (voto-vista),

Luiz Fux e Arnaldo Esteves Lima (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Ausente, justifi cadamente, nesta assentada, o Sr. Ministro Luiz Fux.

Brasília (DF), 08 de fevereiro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Benedito Gonçalves, Relator

DJe 17.02.2011

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 279

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Inicialmente, cumpre anotar que o

presente recurso ordinário teve seu julgamento iniciado por essa Turma em 04

de março de 2010; todavia, em questão de ordem acolhida em 11 de maio de

2010, anulou-se o julgamento para que os litisconsortes passivos Lígia Lilian

Moser Zonta e José Roberto Maruri Zanella fossem intimados para apresentar

contrarrazões ao recurso.

Trata-se de recurso ordinário interposto contra acórdão proferido pelo

Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, cuja ementa é a seguinte:

Mandado de segurança. Concurso público para ingresso na atividade notarial e de registro em Santa Catarina. Impetração contra ato de delegação de serventia a candidatos classifi cados em posições posteriores a da impetrante. Transcurso de lapso inferior ao prazo decadencial de 120 dias entre a prática acoimada de ilegal e a protocolização do writ. Decadência não confi gurada.

Administrativo. Candidata aprovada em três categorias (registro de imóveis, tabelionato de notas e escrivania de paz) e convocada para indicar as serventias de sua preferência, e fazer opção fi nal por uma delas. Previsão expressa no Item n. 15.5 do edital. Escolha defi nitiva por escrivania de paz, embora disponíveis dois registros de imóveis e quatro tabelionatos. Investidura na delegação e desempenho na respectiva função, mesmo lhe sendo permitido prorrogar o prazo para a posse (subitem n. 15.7). Posterior pedido de nova escolha de serventia (registro de imóveis) vaga por desistência de candidato por ela optante. Indeferimento diante do término da validade do concurso com a posse e exercício no cargo (subitem n. 15.9). Litisconsortes passivos exitosos no pleito de nova opção por outros cartórios vagos, justamente porque requerentes da dilação do prazo para serem empossados. Direito líquido e certo inexistente. Ordem denegada.

A recorrente alega, em resumo, o seguinte:

Pretende a recorrente [...] ver garantido o seu direito de opção, observada a ordem de classifi cação no certame, pelas serventias não ocupadas no prazo regulamentar por aqueles que lhe teriam manifestado preferência e detinham anterioridade na escolha.

[...]

Em 2004, foi publicado o Edital n. 29/2004 (fl s. 45), que convocou os candidatos aprovados no certame para escolha da serventia disponível, frisando que “os candidatos aprovados para mais de uma categoria, poderão fazer opção em cada uma das que restaram habilitados, devendo (...) logo após a conclusão da escolha referente às Escrivanias de Paz, manifestar por escrito a sua preferência fi nal”.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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A recorrente declarou opção pelo Tabelionato de Notas e Protestos de São José do Cedro (fl s. 46v e 47), de entrância inicial, sendo obrigada, posteriormente, a fi rmar no verso do documento, opção expressa pela Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho, da comarca da capital, de entrância especial. À recorrente não foi permitido manifestar-se em relação à categoria de Registro de Imóveis, por força do Edital de convocação de escolha 29/2004, que é ilegal.

Expedido o Ato de Delegação n. 1.058, de fl s. 48-49 à recorrente, foi atribuída a Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho, na qual tomou posse.

Em 1º de dezembro de 2004, a recorrente protocolizou requerimento administrativo, reivindicando nova oportunidade de escolha de serventia, nos termos do Item n. 15.12 do Edital [...].

Posteriormente, no ano de 2005, decorrido muito tempo da posse da recorrente na Escrivania de Paz em São João do Rio Vermelho, que se deu em 15.10.2004, foi supreendida com os Atos n. 494 e n. 754, publicados no Diário da Justiça do Estado de Santa Catarina em 28.07.2005 e 14.10.2005, respectivamente, os quais nomearam Ligia Lilian Moser Zonta para assumir a delegação do Registro de Imóveis de Rio Negrinho e José Roberto Maruri Zanella para o 2º Tabelionato de Notas de Taió, candidatos estes com classifi cação posterior a da recorrente nas mencionadas categorias do concurso.

[...]

Assim é que o mandado de segurança busca tão somente a suspensão dos efeitos dos Atos n. 754 e n. 494, afi m de que a recorrente possa exercer direito líquido e certo à escolha, observadas as regras legais, a ordem de classifi cação e a respectiva delegação, conquistada por concurso público, entre as serventias Registro de Imóveis de Rio Negrinho e Tabelionato de Notas de Taió, ambos ilegalmente atribuídos a outros candidatos.

[...]

A investidura na Escrivania de Paz não retirou da recorrente o direito de ser chamada a fazer nova opção por serventias que não lhe foram ofertadas anterioremnte em outras categorias. Não há desistência implícita.

[...]

Candidatos com classifi cações inferiores não podem ter preferência na escolha das serventias em detrimento da recorrente. Eis o direito líquido e certo amparável pela via estreita do writ.

O Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso

ordinário.

Contrarrazões regularmente apresentadas.

Autos conclusos em 15 de junho de 2010.

É o relatório.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 281

VOTO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): A recorrente-impetrante

objetiva ter direito à nova escolha de serventias, que, à época do prazo regular

estipulado no edital, não foram objeto de sua escolha, mas, pelo fato de haver

superveniente desistência daqueles que poderiam tê-las escolhido, foram

atribuídas a candidatos que alcançaram pior classifi cação no certame.

Defende a tese de que, vaga a serventia, deveria-se devolver a oportunidade

de escolha aos candidatos, conforme à ordem de classifi cação do certame, não

obstante já empossados em outras serventias.

O voto condutor do acórdão ora recorrido consignou, em resumo, o

seguinte:

[...]

E, na hipótese, o ato impugnado, consistente na delegação de duas serventias a candidatos classifi cados em posições posteriores à da impetrante, sem que lhe fosse possibilitado escolher por uma delas quando da vacância originada pela anulação de opções anteriormente feitas por outros aspirantes a funções desta natureza, tornou-se apto, por óbvio, a gerar efeitos lesivos na sua esfera jurídica em duas distintas ocasiões, cada qual ligada às ações que levaram a efeito o preenchimento destas duas vagas.

A primeira delas é a publicação, em 14.10.2005, no Diário da Justiça deste Estado, do Ato n. 754, que atribuiu a responsabilidade pelo Registro de Imóveis de Rio Negrinho à Lígia Zonta (fl . 220), e não, como quer fazer parecer a litisconsorte, o julgamento, pelo Conselho da Magistratura, do Processo Administrativo n. 213322-2004.9, que negou à impetrante a possibilidade de fazer nova escolha, e tampouco o pedido de reconsideração daí decorrente. A segunda, por sua vez, é a divulgação, em 28.07.2005, naquele mesmo veículo ofi cial, do Ato n. 494, que investiu José Roberto no cargo de titular do Tabelionato de Notas de Taió. Logo, em sendo estas duas datas os marcos iniciais para a contagem do prazo legal, e datando a impetração da presente ordem de 28.11.2005, não há como se falar em decadência do direito da impetrante de pleitear sua investidura em uma destas duas serventias pela via mandamental.

Vencidas, assim, as questões prejudiciais, no mérito quem não tem razão, data venia, é a impetrante, nada obstante respeitável, não resta a menor dúvida, é a argumentação em que sustenta seu pedido. Vejamos, então, o por quê.

Os autos, segundo se apanha, revelam que por intermédio do Edital n. 29/2004, de 28.07.2004, os candidatos aprovados no certame foram convocados para, no dia 09.08.2004, optar pelas respectivas serventias vagas, sendo desde logo advertidos de que “os aprovados para mais de uma categoria poderão fazer opção

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em cada uma das que restaram habilitados, devendo no entanto, na mesma data acima aprazada, logo após a conclusão da escolha referente às Escrivanias de Paz, manifestar por escrito a sua preferência fi nal” (fl s. 45 e ss.), com o que, diga-se, nada mais se fez do que dar efetividade ao Item n. 15.5 do Edital do concurso, assim redigido: “Os candidatos classifi cados serão convocados por publicação no Diário de Justiça para, em local e dia designados, respeitada na escolha a ordem de classifi cação, indicarem as serventias de sua preferência”.

Atendendo à convocação da Comissão Examinadora, a impetrante, aprovada em 6º lugar para Escrivania de Paz, 10º para Tabelionato de Notas e 14º para Registro de Imóveis, compareceu à sessão na data designada e optou pelo Tabelionato de Notas de São José do Cedro e pela Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho, declarando sua preferência, em defi nitivo, pela última (fl . 46-v).

Gize-se que na ocasião havia 13 vagas para a categoria Tabelionato de Notas, de sorte que tinha a impetrante oportunidade de sobra para escolher entre quatro serventias, porquanto habilitada em 10ª lugar. De se observar também que foram disponibilizadas 09 vagas para Registro de Imóveis, das quais 07 foram preenchidas por candidatos com classifi cação anterior a ela e outras 02 remanesceram à sua disposição de escolha. Não a fez, contudo. Tomaram-nas os candidatos classifi cados em 15º lugar - exatamente a litisconsorte Lígia Lilian Moser Zonta -, que optou por Lebon Régis, e em 16º - Alsenira Santos Zílio -, que o fez por Cunha Porã.

Ora, ao não fazer a opção pelo Registro de Imóveis desatendeu a impetrante ambos os editais, o do concurso (Edital n. 62/2000, no subitem n. 15.5) e o de chamada para opção (Edital n. 29/2004), como consignado algures, obedecendo a ambos, no entanto, quanto à escolha de sua preferência fi nal, que fez pela Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho (fl . 46-v).

Esclareça-se, a propósito, que a alegativa, curiosamente formulada quando da impetração do mandamus, de ter sido obrigada a fi rmar esta escolha fi nal no documento de fl . 46, não tem razão de ser, porquanto ciente de antemão de tal necessidade ante a suso transcrita observação expressa no certame convocatório (Edital n. 29/2004), o qual, levado à público dias antes da sessão destinada a este fi m, sequer impugnado foi, embora houvesse tempo hábil para tanto, não podendo ela, agora, portanto, questionar esta regra.

Ademais, nada nos autos está a comprovar que lhe teria sido imposta a opção fi nal por uma das duas serventias pelas quais inicialmente demonstrou interesse em assumir, ônus este que sobre si recaía, mormente em se tratando de mandado de segurança, em que exigida prova pré-constituída dos fatos que sustentam o pedido.

[...]

A par disto, é bem de ver que em lhe sendo delegada aquela serventia (fl . 48), no prazo estipulado tomou posse, tendo, por consegüinte, inteira aplicação o

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RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 283

subitem n. 15.9, a saber: “A validade do concurso expira com a posse e exercício do candidato classifi cado”. Em outras palavras, a partir da posse e do posterior exercício na respectiva função, o concurso perde sua validade para o candidato, porquanto alcançado, com isto, o objetivo do certame, qual seja, o de prover os cargos vagos disponíveis.

Frise-se, ainda, que ante o disposto no subitem n. 15.5, principalmente parte fi nal, não há, data venia, como se argumentar serem três concursos distintos, tal qual aduz a impetrante. Aliás, também aplicável no caso e de modo a não se deixar de compor essa interpretação, são os subitens n. 15.7 e n. 15.12, o primeiro expresso em que “A investidura na delegação, perante o Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, dar-se-á em 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período, uma única vez (...)”, o segundo, dispondo que “a inobservância dos prazos fi xados no subitem n. 15.7, implicará na desistência do candidato (...).”

Observa-se, pois, que a impetrante cumpriu o prazo referido, razão pela qual não é desistente, tendo se expirado, com a posse e o exercício, a validade do concurso, conforme o já citado subitem n. 15.9.

Neste cenário, não se pode compreender que seja líquido e certo, a ser defendido por via de mandamus, o direito de escolha de novo Tabelionato, se já fi zera anteriormente a opção por um, mas não a defi nitiva, ao qual, portanto, renunciara, como alhures visto.

Nunca é demais lembrar que todo estas regras eram de conhecimento da impetrante, que, ao efetuar sua inscrição, submeteu-se às normas contidas no Edital, por força não só da dicção clara e inconfundível do subitem n. 15.4 (A inscrição do candidato implicará a aceitação das normas para o concurso contidas neste edital e em outros, a serem publicados), como também do princípio da vinculação ao instrumento convocatório previsto no art. 41 da Lei n. 8.666/1993.

[...]

Destarte, irrepreensível a decisão pela qual lhe foi indeferido o pedido de exercício de nova opção, agora pelo Registro de Imóveis da comarca de Rio Negrinho, realizado após já empossada e em exercício na serventia previamente escolhida, uma vez que, como bem obtempera o ilustre Procurador de Justiça parecerista, “tendo a impetrante formalizado sua opção pela Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho (fl . 16-v) e recebido a delegação (fl . 18), dúvida não padece que com a posse e o exercício no cargo foram exauridas as possibilidades de escolha de outras serventias” (fl . 349).

E nem se diga ser sua situação idêntica à da litisconsorte Lígia, uma vez que esta, investida no cargo de Registradora de Imóveis de Lebon Régis, não tomou posse e tampouco entrou em exercício, mas requereu a dilação do prazo para o fazer, como lhe era permitido pelo já transcrito subitem n. 15.7. Logo, ao assim agir e pleitear dentro do prazo de prorrogação lhe fosse dado fazer nova opção (Registro de Imóveis de Rio Negrinho), esta candidata logrou êxito neste

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seu intento por dois simples motivos, o primeiro porque não expressamente vedada tal manobra, o segundo porque decorrente de interpretação razoável das disposições do Edital pelo Conselho. Se foi correto ou não é outra questão que não comporta agora discutir e que, de qualquer sorte, não confere o direito que a impetrante diz ter.

O mesmo se diga com relação ao litisconsorte José Zanella, pois na ocasião em que deferida sua delegação para o Tabelionato de Notas e Protestos de Títulos da comarca de Taió, pleiteada diante da constatação de que aquele a quem havia sido atribuída a responsabilidade por esta serventia não tomara posse, foi certifi cada a inexistência de candidatos melhor classifi cados aptos a ocupar a vaga (fl s. 302-307). Aliás, como bem ressaltado por ele em sua manifestação, a impetrante, dias após requerer administrativamente lhe fosse possibilitado fazer nova opção, visando à sua nomeação, em ordem de preferência, para assumir o Registro de Imóveis da Comarca de Rio Negrinho, o Registro de Imóveis da Comarca de Papanduva, o Registro de Imóveis da Comarca de Quilombo e, por último, o 2º Tabelionato de Notas da Comarca de Taió, formulou pedido de desistência das duas últimas serventias, dentre as quais aquela cuja titularidade foi repassada à José Zanella e pela qual agora demonstra ter interesse, alegando ter sido preterida em favor dela na escolha dela.

Diante deste contexto, conclui-se que o subitem n. 15.12, ao dispor que “A inobservância dos prazos fi xados no subitem n. 15.7 implicará na desistência do candidato, abrindo-se nova oportunidade de opção, respeitando-se a ordem de classifi cação do concurso, excluídos os desistentes”, não tem, data venia, o sentido que se lhe quer emprestar, ou seja, de que a impetrante, como também outros candidatos, que, assim como ela, deixaram de optar por uma serventia ou, tendo-lhes sido delegada uma pela qual fi zeram a escolha fi nal, tomaram posse no prazo ou não requereram a postergação para o fazer, têm o direito líquido e certo de serem chamados para fazer re-opção, quer por igual serventia, quer por outra para a qual também tenham sido aprovados, sob pena de se implementar, conforme já assinalado quando da decisão proferida pelo Conselho da Magistratura no pedido de reconsideração no Processo Administrativo n. 213322-2004.9, “verdadeiro descontrole no provimento das serventias, abrindo-se ensanchas para a adoção de uma nova espécie de remoção, ao arrepio da normatização legal a respeito, numa forma velada de escapar do cumprimento do prazo reclamado para o exercício da remoção” (fl . 84).

Não há, portanto, direito líquido e certo a ser resguardado pela via mandamental.

[...]

Nota-se que o Tribunal de origem decidiu bem a questão.

Ante os documentos acostados aos autos, em especial as declarações de

opções constantes das fl s. 46-47, não há como visualizar direito líquido e certo

da impetrante à pretensão que postula.

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RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 285

Com efeito, o Edital de Convocação n. 29/2004 dispôs que “os candidatos

aprovados para mais de uma categoria poderão fazer opção em cada uma das

que restaram habilitados, devendo no entanto, na mesma data acima aprazada,

logo após a conclusão da escolha referente às Escrivanias de Paz, manifestar-se

por escrito a sua preferência fi nal, que ensejará a nomeação pelo Chefe do Poder

Executivo” (fl . 89).

Essa disposição tem sua razão de ser em virtude de ter-se fi xado horários

específi cos para as escolhas de serventias e uma determinada ordem, que é a

seguinte:

(i) 9h para o Tabelionato de Notas;

(ii) 10:30h para o Registro de Imóveis;

(iii) 14h para o Registro Civil; e

(iv) 15h para a Escrivania de Paz.

Assim, de consequência, somente após as escolhas referentes às Escrivanias

de Paz é que o candidato deveria realizar sua opção fi nal, no caso de estar

habilitado para mais de uma categoria.

Em razão desse contexto, a opção manifestada à fl . 46-v, pela Escrivania

de Paz de São João do Rio Vermelho, ganha relevo, ainda mais se considerado o

fato de a impetrante ter recebido, regularmente, a delegação (fl . 52), e não ter-se

manifestado sobre serventia de registro de imóveis.

Vejamos outros fatores.

O Item n. 15.12 do Edital n. 62/2000 diz que “a inobservância dos prazos

fi xados no subitem n. 15.7 implicará na desistência do candidato, abrindo-

se nova oportunidade de opção, respeitando-se a ordem de classifi cação do

concurso, excluídos os desistentes”.

O Item n. 15.7, por sua vez, diz que “a investidura na delegação, perante

o Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, dar-se-á em trinta (30) dias,

prorrogáveis por igual período, uma única vez. Para entrar em exercício, o

candidato designado, munido da documentação comprobatória da posse, deverá

apresentar-se perante o Diretor do Foro da respectiva comarca, no prazo de

quinze (15) dias, contado da data da posse”.

Em uma interpretação teleológica, não se chega à conclusão de que àqueles

já empossados seria reaberta a oportunidade de escolha, no caso de desistência

dos candidatos mais bem colocados. Ao contrário, obedecida a ordem de

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classifi cação, aqueles que estavam à espera da serventia serão convocados para

manifestarem-se sua opção, excluídos aqueles que já haviam se manifestado,

defi nitivamente.

O alegado entendimento de que a desistência de alguns candidatos às

serventias ensejaria uma nova convocação para uma nova escolha de serventias

àqueles que figuram na sequencial ordem de classificação, por si só, não

demonstra direito líquido e certo da impetrante à sua pretensão, como bem

concluiu o Tribunal de Santa Catarina.

O STJ, mutatis mutandis, tem-se manifestado, assim:

Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso de remoção para notários e registradores. Escolha das serventias realizada em audiência pública. Pretensão de ocupar serventia em que candidato mais bem classifi cado desistira. Impossibilidade.

Necessidade de novo concurso público. Princípio da publicidade. Art. 37 da CF/1988. Ausência de direito líquido e certo.

1. Ação Mandamental proposta contra ato do Presidente da Comissão de Concurso e Remoção para Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul, que, com base nas regras do Edital e em obediência às opções realizadas por ocasião da Audiência Pública promovida nesse sentido, desatende o pleito da impetrante de remoção do Tabelionato de Roca Sales para o Ofício do Distrito de Boca do Monte, em face da desistência de outro candidato.

2. A escolha das serventias pelos candidatos no concurso de remoção para notários e registradores se dá por meio de audiência pública. O candidato que manifesta interesse em determinada serventia não pode, posteriormente, fazer nova opção em razão de renúncia de outro candidato.

[...]

6. Recurso Ordinário não provido (RMS n. 23.936-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 03.09.2009, DJe 11.09.2009).

Direito Administrativo. Ocupação de serventia em que o candidato melhor classifi cado desistira. Impossibilidade. Ausência de direito líquido e certo.

1. O impetrante, notário da 1ª Zona do Registro Civil das Pessoas Naturais de Caxias do Sul, 10º colocado no concurso realizado, entende deter direito líquido e certo a ocupar o 3° Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas de Porto Alegre, em que o candidato optante desistiu da serventia.

2. O art. 25 da Lei Estadual n. 11.182/1998 estabelece: “Observada a vacância de serviço notarial ou de registro, dentro do prazo de validade de dois anos dos concursos de ingresso ou de remoção já homologados, com a possibilidade

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de revalidação por igual período, a critério do Conselho de Magistratura, o Corregedor-Geral fará publicar edital para que os candidatos aprovados se habilitem à delegação” 3. No caso, não ocorreu vacância durante o prazo do concurso, pois a serventia já se encontrava vaga quando da realização do certame, apenas fora retirada do rol de opções do recorrente quando escolhida anteriormente na audiência realizada para tal fi m.

4. Ao optar por serventia e ser investido da delegação na 1ª Zona do Registro Civil das Pessoas Naturais de Caxias do Sul, o recorrente não se enquadrava mais na categoria de candidato remanescente, porquanto excluído do concurso em face de sua opção.

5. Se interesse houvesse em outra serventia, poderia o candidato não optar por nenhuma das ofertas e esperar que, em momento posterior, houvesse a vacância ou nova disponibilização de outras serventias.

Tal entendimento encontra suporte em precedentes desta Corte.

6. Ademais, ao ser investido da delegação no cartório em que exerce o notariado, obrigou-se a cumprir o prazo de 02 anos, previsto no artigo 17 da Lei Federal n. 8.935/1994 para que possa concorrer em concurso de remoção.

7. Recurso ordinário não provido (RMS n. 27.400-RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 09.06.2009, DJe 23.06.2009).

Assim, à luz da jurisprudência do STJ e dos documentos juntados aos

autos, não se verifi ca o alegado direito líquido e certo da impetrante.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário, ressalvado à

impetrante o acesso às vias ordinárias.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Luiz Fux: Sr. Presidente, pelo que pude entender, de

duas uma, ou a candidata teve uma falta de sorte muito grande, ou houve uma

desistência estratégica para, depois de escolhida, sobrar o registro de imóveis. V.

Exa. esclarece que, no momento em que ela fez a opção pela escrivania de paz,

também havia o registro de imóveis.

O direito seria líquido e certo se houvesse uma prova inequívoca nos autos

de que essa desistência se deu propositadamente para que, posteriormente, os

piores classifi cados pudessem fazer uma opção melhor. Não foi o que ocorreu.

Não há prova inequívoca nesse sentido.

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A Segunda Turma já decidiu a matéria, no RMS n. 23.936-RS, no

sentido de que a escolha das serventias para os candidatos do concurso deve ser

manifestada no momento de fazer a opção e não posteriormente, em razão de

renúncia eventual de outro candidato.

Segundo essa jurisprudência unânime, a remoção pretendida, baseada em

fato superveniente, encontra óbice, precisamente, nos princípios da legalidade,

impessoalidade, publicidade e eficiência, que dão substrato aos atos da

Administração Pública.

Penso que, se há uma prova inequívoca de que isso foi uma estratégia, para

mandado de segurança não dá. Teria que ser uma ação de cognição plenária

para verifi car se houve esse eventual truque a fi m de poder pegar uma serventia

melhor.

Acompanho o voto do Sr. Ministro Relator para negar provimento ao

recurso ordinário em mandado de segurança, reservando as vias ordinárias.

Presidente e Relator o Sr. Ministro Benedito Gonçalves

Sessão da 1ª Turma - 09.03.2010

Nota Taquigráfi ca

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Hamilton Carvalhido: Senhor Presidente, recurso ordinário

em mandado de segurança interposto por Cláudia Regina Dadam Gomes

contra acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa

Catarina que, denegando o writ, assim decidiu:

Mandado de segurança. Concurso público para ingresso na atividade notarial e de registro em Santa Catarina. Impetração contra ato de delegação de serventia a candidatos classifi cados em posições posteriores a da impetrante. Transcurso de lapso inferior ao prazo decadencial de 120 dias entre a prática acoimada de ilegal e a protocolização do writ. Decadência não confi gurada. Administrativo. Candidata aprovada em três categorias (registro de imóveis, tabelionato de notas e escrivania de paz) e convocada para indicar as serventias de sua preferência, e fazer opção fi nal por uma delas. Previsão expressa no Item n. 15.5 do edital. Escolha defi nitiva por escrivania de paz, embora disponíveis dois registros de imóveis e quatro tabelionatos. Investidura na delegação e desempenho na respectiva função, mesmo lhe sendo permitido prorrogar o prazo para a posse (subitem n. 15.7). Posterior pedido de nova escolha de serventia (registro de

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imóveis) vaga por desistência de candidato por ela optante. Indeferimento diante do término da validade do concurso com a posse e exercício no cargo (subitem n. 15.9). Litisconsortes passivos exitosos no pleito de nova opção por outros cartórios vagos, justamente porque requerentes da dilação do prazo para serem empossados. Direito líquido e certo inexistente. Ordem denegada. (fl . 377).

O Tribunal Estadual perfi lhou o entendimento de que, com a posse e o exercício, o concurso expirou-se para a candidata e, por consequência, não há falar em direito de escolha de novo tabelionato.

Em seu recurso, sustenta a recorrente, em suma, que: I) foi aprovada no concurso público para ingresso na atividade notarial e de registro de Santa Catarina, objeto do Edital n. 62/2000, classifi cando-se em sexto lugar para Escrivania de Paz, em décimo lugar para o Tabelionato de Notas e em décimo quarto lugar para Registro de Imóveis; II) fez a opção, prevista no segundo edital, pelo Tabelionato de Notas e Protesto de Títulos de São José e pela Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho, restou-lhe atribuída esta serventia, tendo sido empossada em 15 de outubro de 2004; III) com a abertura de vaga do cargo de Registrador de Imóveis de Rio Negrinho e de Tabelião de Notas e Protesto de Taió, entende que deveria ter sido chamada para exercer seu direito de escolha de nova serventia, conforme a ordem de classifi cação no certame; e IV) candidatos classifi cados em posição inferior à sua receberam a delegação das serventias vagas.

Parecer do Ministério Público Federal pelo improvimento do recurso.

Na sessão do dia 09 de março de 2010, após o voto do Relator, o Sr. Ministro Benedito Gonçalves, negando provimento ao recurso ordinário, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Luiz Fux, pediu vista o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.

Prosseguindo o julgamento, em 11 de maio de 2010, a Turma, por unanimidade, anulou o julgamento e determinou que os litisconsortes passivos fossem intimados para apresentarem suas contrarrazões, nos termos da questão de ordem suscitada pelo Sr. Ministro Relator, dispensada a lavratura de acórdão.

Em 14 de setembro, após o voto do Ministro Relator negando provimento ao recurso, pedi vista dos autos para melhor reexame da questão.

Estou a acompanhar o Relator.

É fi rme o constructo jurisprudencial no sentido de ser indiscutível o direito do candidato que, por ato espontâneo da Administração, foi preterido, em concurso público, pela quebra de ordem classifi catória.

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A propósito:

Administrativo. Concurso público. Ordem de classificação. Provimentos. Reopção. A ordem da preferência, quanto ao lugar para a nomeação, não pode prevalecer sobre a ordem da classifi cação das optantes no concurso, mesmo que se trate de opção ensejada numa segunda leva de nomeações. (RMS n. 4.314-MG, Rel. Ministro José Dantas, Quinta Turma, julgado em 05.02.1998, DJ 16.03.1998, p. 183).

Mandado de segurança. Administrativo. Concurso público. Nomeação. Ofensa à ordem de classifi cação. Direito ao recebimento dos vencimentos. Precedente.

1. A anterior nomeação de candidatos aprovados em ordem de classificação posterior à do impetrante evidencia a ofensa ao seu direito líquido e certo de ser nomeado. Preenchidas as vagas das localidades que optara o impetrante, deveria a Administração tê-lo convocado para que, em respeito à ordem de classifi cação, optasse por uma das lotações restantes.

2. Pagamento dos vencimentos retroativos à data da impetração, tendo em vista que a violação do direito da impetrante ao exercício do cargo deu-se por força de ilegalidade da Administração. Precedentes.

3. Segurança concedida. (MS n. 10.764-DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, julgado em 23.09.2009, DJe 1°.10.2009 - nossos os grifos).

In casu, a impetrante, aprovada no concurso público para ingresso na

atividade notarial e de registro em Santa Catarina, regido pelo Edital n. 62/2000,

após a escolha fi nal pela escrivania de sua preferência, foi investida, em 15 de

outubro de 2004, no cargo de titular da Escrivania de Paz de São João do Rio

Vermelho, na comarca da Capital, entrando em exercício.

Após a desistência de outros candidatos, houve, com a reabertura de vagas

nessas serventias, a possibilidade de reopções para aqueles candidatos que ainda

não haviam tomado posse.

Já em exercício na escrivania de paz, a impetrante pretendeu a “reopção”

para uma de duas serventias às quais houve reabertura de vagas por desistência

dos candidatos (de Registro de Imóveis e Tabelionato de Notas) e, após o

indeferimento do seu pedido, impetrou o presente mandamus, ao fundamento

de que houve violação do seu direito líquido e certo, uma vez que foi deferida a

escolha a candidatos com classifi cação posteriores à sua.

Sustentou que foi aprovada em sexto lugar na Escrivania de Paz, décimo

quarto lugar na categoria Registro de Imóveis e décimo lugar na categoria

Tabelionato de Notas e que, tendo vagado os cargos de Registrador de Imóveis

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 291

da Comarca de Rio Negrinho e do Tabelionato de Notas e Protesto de Títulos da

Comarca de Taió posteriormente à sua escolha, deveria, em estrita obediência

ao disposto no artigo 37, inciso IV, da Constituição Federal e nos itens n. 15.7,

15.8, 15.9 e 15.12 do Edital do certame, ter sido chamada para que formalizasse

sua reopção, e não ter sido preterida, como foi, em favor de candidatos que

obtiveram classifi cação posteriores à sua, respectivamente, o décimo quinto e

trigésimo oitavo colocados para essas serventias.

Sem razão a recorrente.

E, para a certeza das coisas, é esta a letra do Edital n. 62/2000, que regula o

certame, no que interessa à espécie:

(...)

3.1.1. Ingresso

A inscrição será feita para todos os serviços vagos dentro da mesma categoria, podendo o candidato inscrever-se para todas as categorias em concurso.

(...)

15. Das Disposições Finais

(...)

15.4. A inscrição do candidato implicará na aceitação das normas para o concurso contidas neste edital e em outros, a serem publicados.

15.5 Os candidatos classifi cados serão convocados por publicação do Diário da Justiça para, em local, dia e hora designados, respeitada na escolha a ordem de classifi cação, indicarem as serventias de sua preferência.

15.6. Encerrado o procedimento de seleção, sua homologação pelo Conselho da Magistratura, o processo respectivo será encaminhado ao Governador do Estado, a quem caberá a expedição do ato de outorga da respectiva delegação, com observância da ordem de classifi cação do concurso.

15.7. A investidura na delegação, perante o Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, dar-se-á em trinta (30) dias, prorrogáveis por igual período, uma única vez. Para entrar em exercício, o candidato designado, munido da documentação comprobatória da posse, deverá apresentar-se perante o Diretor do Foro da respectiva comarca, no prazo de (15) quinze dias, contado da data da posse.

15.8. Não ocorrendo a posse ou o exercício dentro dos prazos marcados, a delegação será tornada sem efeito, devendo ser realizado novo concurso para a serventia.

15.9. A validade do concurso expira com a posse e exercício do candidato classifi cado.

(...)

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15.11. Ocorrendo vacância posterior, por qualquer motivo, o serviço será novamente posto em concurso, para que se cumpram, com rigor, os critérios de alternância na forma de provimento, prevista no art. 16, parágrafo único, da Lei n. 8.935/1994.

15.12. A inobservância dos prazos fi xados no subitem n. 15.7 implicará na desistência do candidato, abrindo-se nova oportunidade de opção, respeitando-se a ordem de classifi cação do concurso, excluídos os desistentes.

(...) (nossos os grifos).

E, em cumprimento ao disposto no subitem n. 15.5, foi feita a chamada

para opção através do Edital n. 29/2004, verbis:

(...) convoca os candidatos aprovados, de acordo com o inciso 15.5 do Edital n. 62/2000, para a escolha das serventias, no dia 09 de agosto, no Tribunal Pleno, na seguinte ordem:

Tabelionato de Notas - 09:00 horas

Registro de Imóveis - 10:30 horas

Registro Civil - 14:00 horas

Escrivania de Paz - 15:00 horas

Os candidatos aprovados para mais de uma categoria, poderão faze opção em cada uma das que restaram habilitados, devendo no entanto, na mesma data acima aprazada, logo após a conclusão da escolha referente às Escrivanias de Paz, manifestar por escrito a sua preferência fi nal, que ensejará a nomeação pelo Chefe do Poder Executivo.

Convoca, dessa forma, todos os aprovados para que se façam presentes na data, horários e local indicados.

(...) (nossos os grifos).

Assim, quando convocada a exercer o seu direito de opção, a impetrante manifestou suas escolhas pelo Tabelionato de Notas e Protesto de Título da

Comarca de São José do Cedro e pela Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho, mesmo havendo, à época, três vagas para Tabelionatos de Registro de Imóveis, fi nalizando a escolha defi nitiva pela Escrivania de Paz (fl s. 50-51), assumindo, em

15 de outubro de 2004, defi nitivamente, a escrivania.

Ocorre que, em 1º de dezembro de 2004, protocolou pedido de reescolha de serventia, o que foi indeferido.

Inconformada, após a delegação do Registro de Imóveis da Comarca de Rio Negrinho para a candidata de classifi cação posterior à sua, impetrou o presente mandamus, cuja postulação restou denegada, ao seguinte fundamento:

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RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 293

(...)

Atendendo à convocação da Comissão Examinadora, a impetrante, aprovada em 6º lugar na Escrivania de Paz, 10º para Tabelionato de notas e 14º para Registro de Imóveis, compareceu à sessão na data designada e optou pelo Tabelionato de Notas de São José do Cedro e pela Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho, declarando sua preferência, em defi nitivo, pela última (fl . 46-v).

Gize-se que na ocasião havia 13 vagas para a categoria Tabelionato de Notas, de sorte que tinha a impetrante oportunidade de sobra para escolher entre quatro serventias, porquanto habilitada em 10º lugar. De se observar também que foram disponibilizadas 09 vagas para Registro de Imóveis, das quais 07 foram preenchidas por candidatos com classifi cação anterior a ela e outras 02 remanesceram à sua disposição de escolha. Não a fez, contudo. Tomaram-nas os candidatos classifi cados em 15º lugar - exatamente a litisconsorte Lígia Lilian Moser Zonta - que optou por Lebon Régis, e em 16º - Alsenira Santos Zílio o que o fez por Cunha Porã.

Ora, ao não fazer a opção pelo Registro de Imóveis desatendeu a impetrante ambos os editais, o do concurso (Edital n. 62/2000, no subitem n. 15.5) e o de chamada para opção (Edital n. 29/2004), como consignado algures, obedecendo a ambos, no entanto, quanto à escolha de sua preferência fi nal, que fez pela Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho (fl . 46-v).

(...)

A par disto, é bem de ver que em lhe sendo delegada aquela serventia (fl . 48), no prazo estipulado tomou posse, tendo, por conseguinte, inteira aplicação o subitem n. 15.9, s saber: “A validade do concurso expira com a posse e exercício do candidato classifi cado”. Em outras palavras, a partir da posse e do posterior exercício na respectiva função, o concurso perde sua validade para o candidato, porquanto alcançado, com isto, o objetivo do certame, qual seja, o de prover os cargos vagos disponíveis.

(...)

Observa-se, pois, que a impetrante cumpriu o prazo, razão pela qual não é desistente, tendo se expirado, com a posse e o exercício, a validade do concurso, conforme o já citado subitem n. 15.9.

(...)

E nem se diga ser sua situação idêntica à da litisconsorte Lígia, uma vez que esta, investida no cargo de Registradora de Imóveis de Lebon Régis, não tomou posse e tampouco entrou em exercício, mas requereu a dilação do prazo para o fazer, como lhe era permitido pelo já transcrito subitem n. 15.7. Logo, ao assim agir e pleitear dentro do prazo de prorrogação lhe fosse dado fazer nova opção (Registro de Imóveis de Rio Negrinho), esta candidata logrou êxito neste seu intento por dois simples motivos, o primeiro porque não expressamente vedada tal manobra,

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o segundo porque decorrente de interpretação das disposições do Edital pelo Conselho. Se foi correto ou não é outra questão que não comporta agora discutir e que, de qualquer sorte, não confere o direito que a impetrante diz ter.

(...)

Diante deste contexto, conclui-se que o subitem n. 15.12, ao dispor que “a inobservância dos prazos fi xados no subitem n. 15.7 implicará na desistência do candidato, abrindo-se nova oportunidade de opção, respeitando-se a ordem de classifi cação do concurso, excluído os desistentes”, não tem, data venia, o sentido que se lhe quer emprestar, ou seja, de que a impetrante, como também outros candidatos, que, assim como ela, deixaram de optar por uma serventia ou, tendo-lhes sido delegada uma pela qual fizeram escolha final, tomaram posse no prazo ou não requereram a postergação para o fazer, têm o direito líquido e certo de serem chamados para fazer re-opção, quer por igual serventia, quer por outra para a qual também tenham sido aprovados, sob pena de se implementar, conforme já assinalado quando da decisão proferida pelo Conselho da Magistratura no pedido de reconsideração no Processo Administrativo n. 213.322/2004, “verdadeiro descontrole no provimento das serventias, abrindo-se ensanchas para a adoção de uma nova espécie de remoção, ao arrepio da normatização legal a respeito, numa forma velada de escapar do cumprimento do prazo reclamado para o exercício da remoção”.

(...) (fl s. 382-388 - nossos os grifos).

O acórdão não merece reforma.

O edital – cuja legalidade não é discutida no presente mandamus, até por

força de preclusão –, dispõe no subitem n. 15.9, verbis:

15.9. A validade do concurso expira com a posse e exercício do candidato classifi cado.

Ora, a impetrante foi investida na serventia que escolhera inicialmente,

exaurindo, portanto, a prioridade que detinha em função da ordem de

classifi cação que obtivera no concurso, sem vez para fazê-la efi caz ao tempo

da nova chamada dos candidatos que não desistiram ou não tomaram “posse”,

estes, sim, com posição classifi catória oponível a qualquer violação da ordem,

por encontrarem-se acobertados pelos prazos de prorrogação.

Por consectário lógico, as novas opções que surgiram por desistência

contemplariam, tão somente, aos que não assumiram, num primeiro momento,

qualquer serventia, pois encontravam-se benefi ciados pela previsão editalícia da

prorrogação (subitem n. 15.7).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 295

Com efeito, apesar de estar a candidata aprovada obrigada a escolher uma

daquelas serventias inicialmente previstas, não havia a obrigação de ser investida

de imediato na delegação. Isso porque, por opção, em decorrência do referido

subitem, poderia aguardar a impetrante aquelas que surgissem durante o prazo

da prorrogação, o que não fez.

E esta Corte Superior de Justiça, em casos semelhantes, registra tal

entendimento:

Processual Civil. Administrativo. Mandado de segurança. Concurso público. Serviços notariais e de registro. Candidato aprovado. Escolha. Desistência. Direito exercido e consumado. Reabertura de escolha para as vagas decorrentes de desistência. Candidatos remanescentes. Ausência de amparo legal. Direito líquido e certo não comprovado.

1. A concessão da ordem, em sede de Mandado de Segurança, reclama a demonstração inequívoca, mediante prova pré-constituída, do direito líquido e certo invocado. Precedentes do STJ: RMS n. 25.533-PA, 5ª Turma, DJ de 17.11.2008; RMS n. 20.195-SP, 1ª Turma, DJ de 12.11.2008 e RMS n. 23.047-TO, 1ª Turma, DJ de 03.11.2008.

2. In casu, a pretensão engendrada no mandado de segurança ab origine, qual seja, exercício do direito à nova opção de ofício, em razão da desistência de candidatos com precedência de escolha, esbarra em óbice intransponível erigido pela ausência de direito líquido e certo, máxime porque a Administração Pública oportunizou ao candidato, aprovado em concurso público, o exercício de escolha em relação à outorga e investidura na vaga posta em certame, observada a sua ordem de classifi cação, tendo o mesmo efetivamente tomado posse, sendo certo que eventual desistência ou desinteresse pela vaga oferecida, deveria ter sido externado pelo candidato por ocasião da escolha.

3. Sob esse enfoque esta Corte já assentou que: “Não há que se falar em preterição quando da nomeação, se, ao candidato aprovado em concurso público, foi dada a oportunidade de escolha do local de exercício do cargo, observada a sua ordem de classifi cação, tendo o mesmo efetivamente tomado posse, em local diverso do pretendido, posto não existir vaga na lotação de sua preferência (cidade de Brasília-DF). Desta forma, correta a Administração ao chamar os demais candidatos aprovados para preencher as novas vagas surgidas na cidade de Brasília, porquanto não existiam quando da nomeação e posse do impetrante. Ademais, foi oferecida a todos os aprovados a possibilidade de recusar a opção de vaga, passando para a última colocação na lista classifi catória (Item n. 11.4.4 do Edital). Competia, pois, ao impetrante, se assim desejasse, fazer esta opção e aguardar o surgimento de uma vaga em lotação mais satisfatória. Inexistência de qualquer ilegalidade (...)” (MS n. 9.171-DF, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Terceira Seção, DJ 1º.07.2004).

4. Recurso Ordinário desprovido. (RMS n. 24.181-SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 18.02.2009 - nossos os grifos).

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Administrativo. Mandado de segurança. Analista ambiental do Ibama. Aprovação em concurso público. Convocação posterior. Nomeação. Lotação escolhida segundo a ordem classificatória. Locais disponíveis devidamente oferecidos. Posse. Surgimento de novas vagas. Outros aprovados convocados. Lotação de candidatos com classificação inferior, no local de preferência do impetrante. Ausência de amparo legal. Direito líquido e certo não comprovado. Segurança denegada.

1 - Não há que se falar em preterição quando da nomeação, se, ao candidato aprovado em concurso público, foi dada a oportunidade de escolha do local de exercício do cargo, observada a sua ordem de classificação, tendo o mesmo efetivamente tomado posse, em local diverso do pretendido, posto não existir vaga na lotação de sua preferência (cidade de Brasília-DF). Desta forma, correta a Administração ao chamar os demais candidatos aprovados para preencher as novas vagas surgidas na cidade de Brasília, porquanto não existiam quando da nomeação e posse do impetrante. Ademais, foi oferecida a todos os aprovados a possibilidade de recusar a opção de vaga, passando para a última colocação na lista classifi catória (Item n. 11.4.4 do Edital). Competia, pois, ao impetrante, se assim desejasse, fazer esta opção e aguardar o surgimento de uma vaga em lotação mais satisfatória. Inexistência de qualquer ilegalidade. Precedente (AgRg RMS n. 13.175-SP).

2 - Incabível, também, suposto direito a “remoção” embasado no requerimento pleiteando sua lotação inicial em Brasília, porquanto formulado antes do candidato ser convocado para tomar posse (pedido de 06.09.2002 e posse em 11.10.2002), não sendo sequer servidor público, gozando, apenas, de expectativa de direito. Outrossim, na ocasião da posse (11.10.2002), sequer havia vagas em Brasília, tendo surgido, apenas, muito tempo depois de sua lotação em outra cidade.

O edital do certame é taxativo (Item n. 11.4.6) quanto a impossibilidade de remoção no qüinqüênio após a posse. Ausência de direito líquido e certo a ser amparado.

3 - Segurança denegada. Custas ex lege. Sem honorários advocatícios a teor das Súmulas n. 512-STF e n. 105-STJ. (MS n. 9.171-DF, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Terceira Seção, julgado em 28.04.2004, DJ 1°.07.2004, p. 170 - nossos os grifos).

Pelo exposto, acompanho o Relator, para negar provimento ao recurso.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Sr. Presidente, vou divergir, porque

penso que há direito líquido e certo do impetrante de optar pela vaga que foi

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RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 297

depois ocupada pelo litisconsorte passivo, classifi cado em situação inferior à dele

no concurso.

O que aconteceu? Impetrante e litisconsorte, ambos fi zeram o concurso. O

impetrante fi cou melhor classifi cado que o litisconsorte. Essa é a situação que os

desiguala.

O que os iguala? Ambos foram chamados para audiência pública de

escolha, ambos escolheram – o impetrante escolheu primeiro, porque estava

melhor classifi cado – e ambos foram nomeados, cada um segundo a sua escolha.

E há outra diferença: o impetrante, no prazo estabelecido de trinta dias,

assumiu o cargo para o qual foi escolhido; o litisconsorte não o assumiu, pediu

prorrogação. Nesse interregno, aconteceu vacância em um cargo que tinha

sido escolhido por outro candidato melhor classifi cado que ambos, tanto do

impetrante quanto do litisconsorte. Surgiu esse cargo melhor, o Tribunal não

permitiu que o impetrante optasse, sob o fundamento de que tinha assumido

o cargo que havia escolhido; mas permitiu que o litisconsorte optasse, porque,

embora nomeado no outro cargo, não o assumiu. Essa é a diferença.

O que justifi ca essa discriminação? Não há nada que a justifi que. Pelo

contrário, essa discriminação, no meu entender, atenta contra o princípio básico

do concurso, que é o de atender à ordem de classifi cação. Não se justifi ca, no

caso, a alegação de que o concurso teria terminado para o impetrante, porque ele

havia tomado posse. O concurso termina quando os candidatos tomam posse,

mas, neste caso, havia uma regra específi ca, a que permitia, dentro do prazo

de validade, optar. A discriminação entre quem assumiu o cargo e quem não

o assumiu não pode existir, no meu entender, para essa opção. Por isso, houve

violação a um direito líquido e certo.

Por essas razões, peço vênia a V. Exa., aos Srs. Ministros Hamilton

Carvalhido e Luiz Fux para dar provimento ao recurso ordinário em mandado

de segurança e conceder a ordem, eis que o ato atacado ofendeu o princípio

básico que rege os concursos, o da preferência ao melhor classifi cado, e esse

princípio deve nortear, no meu entender, a interpretação dos editais. É como

voto.

QUESTÃO DE ORDEM

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: O presente recurso ordinário foi

trazido a julgamento na sessão de 09 de março de 2010, ocasião em que o

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Ministro Teori Albino Zavascki pediu vista dos autos, após o voto do Ministro

Luiz Fux, que negou provimento ao recurso, acompanhando a posição defendida

em meu voto.

Em 20 de abril de 2010 (fl . 495), a Coordenadoria da Primeira Turma

juntou aos autos petição de Ligia Lílian Moser Zonta, na qual se requer a juntada

de substabelecimento. Nessa peça, a requerente informou ser litisconsorte

passiva, nos autos do mandado de segurança.

Também em 20 de abril de 2010, a Coordenadoria da Primeira Turma, à fl .

498, certifi cou que o recurso ordinário foi autuado neste STJ sem que a referida

litisconsorte passiva constasse da autuação.

Na sequência, ainda em 20 de abril de 2010, os autos me vieram conclusos.

Compulsando os autos, percebi que Ligia Lílian Moser Zonta e José

Roberto Maruri Zanella foram citados como litisconsortes passivos necessários

(fl . 272) e, regularmente, apresentaram contestação ao mandamus; porém não

foram intimados, na instância de origem, para apresentarem suas contrarrazões

ao recurso ordinário que foi interposto por Cláudia Regina Dadam Gomes.

A jurisprudência do STJ não admite que o recurso ordinário tenha seu

regular prosseguimento, nos casos em que não houve a intimação da parte

recorrida para o fi m de apresentar contrarrazões. A propósito, confi ram-se os

seguintes julgados:

Processual Civil. Embargos de declaração. Ausência de intimação da parte contrária para apresentar contra-razões ao recurso ordinário em mandado de segurança. Cerceamento de defesa confi gurado. Necessidade de ser declarada a nulidade do feito. Retorno dos autos à Corte de origem.

1. Trata-se de embargos de declaração opostos por Marise Pereira Vosgerau em face de acórdão que deu provimento ao recurso ordinário do impetrante - João Manoel de Olivera Franco - para declarar a nulidade do Decreto Judiciário n. 86/2004, da Presidência do Tribunal de Justiça do Paraná, publicado no Diário da Justiça de 02.03.2004, que efetivou a senhora Marise Pereira Vosgerau no exercício das funções de Titular do 1º Ofício do Registro de Imóveis da Comarca de São José dos Pinhais. Indica a embargante a existência de: a) nulidade do feito por ausência de intimação para oferta de contra-razões ao recurso ordinário proposto; b) a ausência de verificação do regular processamento do recurso ordinário caracteriza omissão, nos termos do art. 535, II, do CPC; c) omissão quanto à não-aplicação do art. 515, § 3º, do CPC, aos recursos ordinários em mandado de segurança. O embargado apresentou impugnação defendendo, em suma: a) ser aplicável ao recurso ordinário as disposições contidas nos arts. 515

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e 516 do CPC; b) a embargante deixou de abordar, oportunamente, a alegada nulidade por ausência de intimação para contra-razões, limitando-se a requerer, na sessão de julgamento do recurso, o seu adiamento. Assim, tornou-se preclusa a oportunidade de argüir a nulidade logo após o julgamento, o qual lhe foi desfavorável, estratégia que tipifi ca litigância de má-fé. Ao fi nal, requer: a) caso esta Corte se posicione pela nulidade do julgamento do recurso ordinário, seja deferida liminar para o fi m de suspender, até o julgamento defi nitivo do writ, os efeitos do Decreto Judiciário n. 86/2004 do TJPR com a designação do impetrante para responder pela Serventia;

b) alternativamente, seja deferida a liminar para que a litisconsorte seja mantida respondendo pelo cartório, mas efetuando um depósito decorrente de bloqueio de 50% do rendimento líquido para assegurar o recolhimento das obrigações e encargos devidos.

2. A análise dos autos demonstra que o despacho do 1º Vice-Presidente do TJPR, em data de 27.12.2005, que deferiu a devolução do prazo de contra-razões para a recorrida e determinou a sua intimação não foi, realmente, publicado, por equívoco da Corte a quo. Neste Tribunal, procedeu-se ao julgamento do referido recurso sem que se observasse tal falha.

3. Evidencia-se, pois, clara omissão no julgado ora embargado, que deixou de verifi car que no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná não foi publicado o despacho que deferiu devolução de prazo à ora embargante para ofertar contra-razões.

4. A ausência de intimação da parte recorrida importou em ofensa aos postulados constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, hipótese de nulidade insanável, que lhe trouxe evidente prejuízo.

5. A intimação da parte recorrida para responder o recurso é indispensável. Sua ausência gera a nulidade do julgamento.

6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modifi cativos, para declarar a nulidade do feito desde a sua constatação. Em conseqüência, retornem os autos à Corte de origem para que proceda à regular intimação da recorrida para apresentação de contra-razões ao recurso ordinário, cumprindo-se as formalidades subseqüentes até o envio a este Tribunal. Mantenha-se o status quo. Indeferidos os pleitos da parte embargada (EDcl no RMS n. 21.471-PR, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 10.04.2007, DJ 10.05.2007, p. 344).

Embargos declaratórios. Recurso ordinário em mandado de segurança. Pessoa jurídica de direito público. Ausência de intimação para contra-razões ao recurso. Nulidade.

I - Interposto recurso ordinário contra acórdão que denegou a segurança, deve-se dar vista dos autos à pessoa jurídica de direito público a cujos quadros pertence a autoridade impetrada, sob pena de nulidade.

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300

II - Na espécie, embora tenha havido a intimação para contra-arrazoar o recurso, não constou o nome do Estado do Pará na publicação, mas apenas o da autoridade impetrada. Assim sendo, impõe-se a nulidade do julgado, por afronta ao princípio do contraditório, ínsito no art. 5º, LV da Constituição Federal.

Embargos declaratórios acolhidos para decretar a nulidade do julgamento e determinar a intimação do Estado do Pará, a fi m de oferecer contra-razões ao recurso ordinário (EDcl no RMS n. 19.291-PA, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 03.08.2006, DJ 02.10.2006, p. 292).

Processual Civil. Tributário. Mandado de segurança. Intimação da pessoa jurídica de direito público a que se vincula a autoridade impetrada para apresentar contra-razões a recurso de apelação. Obrigatoriedade. Nulidade do acórdão.

1. Em sede de mandamus a parte é a entidade pública a que pertence a autoridade coatora, de regra, carente de legitimatio ad processum, tese que reforça a necessidade de intimação da pessoa de direito público para recorrer e apresentar contra-razões, máxime à luz da novel Carta Federal que privilegia sob a fórmula pétrea a ampla defesa, o contraditório e o due process of law.

2. “1. A parte passiva no mandado de segurança é a pessoa jurídica de direito público a que se vincula a autoridade apontada como coatora. Os efeitos da sentença se operam em relação à pessoa jurídica de direito público, e não à autoridade.

2. A opção legislativa, com a finalidade de manter a celeridade da ação mandamental, limita-se a determinar a notificação para informações e à comunicação de sentença (Lei n. 1.533/1951, arts. 7º e 11). Todavia, apresentado recurso pela impetrante, a intimação, para contra-razões, deve ser feita ao representante judicial da própria pessoa jurídica.” (REsp n. 619.461-RS, Relator Ministro Teori Zavascki) 3. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: REsp n. 619.461-RS, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 06.09.2004 e ROMS n. 14.176, Ministro Felix Fischer, DJ 12.08.2002.

4. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido, determinando a intimação do Estado do Maranhão para oferecer contra-razões ao recurso de apelação interposto pela empresa impetrante (REsp n. 647.409-MA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 07.12.2004, DJ 28.02.2005, p. 233).

Com essas considerações, penso que o caso enseja a anulação do início

do julgamento para que os litisconsortes passivos sejam intimados para

apresentarem suas contrarrazões.

Ante o exposto, voto pelo acolhimento da questão de ordem, com a anulação

do julgamento e a fi m de se intimar, na Coordenadoria da Primeira Turma, os

litisconsortes passivos para apresentarem, caso queiram, suas contrarrazões.

É como voto.

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VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Consoante relatório lançado aos

autos pelo eminente Ministro Benedito Gonçalves, trata-se de recurso ordinário

em mandado de segurança interposto por Cláudia Regina Dadam Gomes contra

acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina assim ementado (fl .

377):

Mandado de segurança. Concurso público para ingresso na atividade notarial e de registro em Santa Catarina. Impetração contra ato de delegação de serventia a candidatos classifi cados em posições posteriores a da impetrante. Transcurso de lapso inferior ao prazo decadencial de 120 dias entre a prática acoimada de ilegal e a protocolização do writ. Decadência não confi gurada.

Administrativo. Candidata aprovada em três categorias (registro de imóveis, tabelionato de notas e escrivania de paz) e convocada para indicar as serventias de sua preferência, e fazer opção fi nal por uma delas. Previsão expressa no Item n. 15.5 do edital. Escolha defi nitiva por escrivania de paz, embora disponíveis dois registros de imóveis e quatro tabelionatos. Investidura na delegação e desempenho na respectiva função, mesmo lhe sendo permitido prorrogar o prazo para a posse (subitem n. 15.7). Posterior pedido de nova escolha de serventia (registro de imóveis) vaga por desistência de candidato por ela optante. Indeferimento diante do término da validade do concurso com a posse e exercício no cargo (subitem n. 15.9). Litisconsortes passivos exitosos no pleito de nova opção por outros cartórios vagos, justamente porque requerentes da dilação do prazo para serem empossados. Direito líquido e certo inexistente. Ordem denegada.

No acórdão objeto do recurso ordinário, o Tribunal de origem denegou a

ordem em mandado de segurança impetrado pela recorrente, no qual se insurge

contra ato que indeferiu pedido para que lhe fosse oportunizada a escolha de

serventias de Registros Imóveis e Tabelionato de Notas em relação às quais

houve desistência.

De acordo com os autos, foi aberto pelo Edital n. 62/2000 concurso

público para ingresso na atividade notarial e de registro e de remoção dos

titulares desses serviços do Estado de Santa Catarina, sendo previstas vagas para

as seguintes categorias: Tabelionato de Notas, Registro de Imóveis, Registro

Civil e Escrivania de Paz.

A recorrente participou do concurso, sendo aprovada para as áreas de

Tabelionato de Notas (10º lugar), Registro de Imóveis (14º lugar) e Escrivania

de Paz (6º lugar).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

302

Em 09.08.2004, os candidatos aprovados foram convocados para

indicarem as serventias de sua preferência, constando no Edital n. 29/2004

que os candidatos aprovados em mais de uma categoria deveriam, ao fi nal da

reunião, manifestar sua preferência fi nal. Desta forma, a recorrente fez suas

escolhas para as categorias de Tabelionato de Notas e da Escrivania de Paz,

tendo, ao fi nal, optado pela Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho e

tomado posse na titularidade da referida serventia em 15.10.2004.

Posteriormente, em 1º.12.2004, tendo em vista o não preenchimento de

determinadas serventias escolhidas por candidatos melhores classifi cados, a

recorrente formulou pedido para que lhe fosse oportunizada nova escolha para

o Registro de Imóveis da Comarca de Rio Negrinho e para o Tabelionato de

Notas e Protestos de Títulos da Comarca de Taió.

O pedido da recorrente foi indeferido no ato ora impugnado, tendo as

referidas serventias sido delegadas, respectivamente, aos litisconsortes passivos

Lígia Lilian Moser Zonta e Roberto Maruri Zanella.

Nas razões de seu recurso ordinário, a recorrente sustenta, em síntese,

que (a) configurada a desistência dos candidatos que haviam optado por

determinadas serventias, deveria ser oportunizado aos demais candidatos,

observada a ordem classifi catória, o direito de re-escolha, nos termos do item

n. 15.12 do edital do certame; (b) a litisconsorte Lígia Zonta foi nomeada para

o Registro de Imóveis de Lebon Régis, mas, por ter pedido prorrogação do

prazo para posse, teve deferida a pretensão de optar pelo Registro de Imóveis de

Rio Negrinho, que permaneceu vago após a desistência do candidato Eduardo

Schoreder; (c) o litisconsorte José Zanella desistiu da primeira escolha de

serventia, para a qual foi nomeado, e mesmo assim pode optar posteriormente

pelo Tabelionato de Notas da Comarca de Taió; (d) “Não houve nenhum

ato da administração nem da Recorrente do qual se pudesse inferir haver ela

desistido de delegação como Ofi cial do Registro de Imóveis e/ou Tabelionato”

(fl . 419); (e) o ato impugnado, ao não lhe oferecer nova chance de escolha de

serventia, viola a ordem classifi catória do certame e os princípios da publicidade,

isonomia, impessoalidade e moralidade; e (f ) o concurso público para ingresso

na atividade notarial e de registro possui peculiaridades, tendo em vista a

diferença remuneratória entre as serventias, “o que impede que se imprima

a certames dessa natureza regras gerais utilizadas para provimento de cargos

remunerados pelo Poder Público” (fl . 422).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 303

Após o voto do relator negando provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Hamilton Carvalhido e Luiz Fux, e do voto do Min. Teori Albino Zavascki dando provimento, pedi vista para melhor exame da matéria.

É o relatório.

De início, verifico que a recorrente, ainda na esfera administrativa,

apresentou requerimento no qual aduz que (fl . 75):

(...) a sua pretensão limita-se as duas primeiras serventias listadas no requerimento inicial, quais sejam: Registro de Imóveis da Comarca de Rio Negrinho; e Registro de Imóveis da Comarca de Papanduva.

Diante do exposto, requer sejam desconsideradas as demais opções feitas pela Requerente no pedido inicial, fi cando apenas as citadas no item n. 2 acima.

Dentre as serventias que a recorrente informou não possuir interesse na opção, está o Tabelionato de Notas e Protestos de Títulos da Comarca de Taió (fl . 69), posteriormente delegado ao litisconsorte Roberto Maruri Zanella.

Assim, tendo a recorrente expressamente desistido de fazer opção quanto à referida serventia, não possui legitimidade em pleitear a invalidação do ato que à delegou ao litisconsorte Roberto, pelo que o recurso não merece ser provido quanto ao ponto.

Feitas essas considerações, passo ao exame da irresignação da recorrente quanto à serventia delegada à litisconsorte Lígia Zonta.

O edital de abertura do concurso assim determinou (fl s. 27-31):

3.1.1. Ingresso

A inscrição será feita para todos os serviços vagos dentro da mesma categoria, podendo o candidato inscrever-s para todas as categorias colocadas em concurso.

(...)

7.1. A classificação será feita pela ordem decrescente da nota final, por categoria.

(...)

15.4. A inscrição do candidato implicará a aceitação das normas para o concurso contidas neste edital e em outros, a serem publicados.

15.5. Os candidatos classifi cados serão convocados por publicação no Diário da Justiça para, em local, dia e hora designados, respeitada na escolha a ordem de classifi cação indicarem as serventias de sua preferência.

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15.6. Encerrado o procedimento de seleção, com sua homologação pelo Conselho da Magistratura, o processo respectivo será encaminhado ao Governador do Estado, a quem caberá a expedição do ato de outorga da respectiva delegação, com observância da ordem de classifi cação do concurso.

15.7. A investidura na delegação, perante o Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, dar-se-á em trinta (30) dias, prorrogáveis por igual período, uma única vez. Para entrar em exercício, o candidato designado, munido da documentação comprobatória da posse, deverá apresentar-se perante o Diretor do Foro da respectiva comarca, no prazo de quinze (15) dias, contado da data da posse.

15.8. Não ocorrendo a posse ou o exercício dentro dos prazos marcados, a delegação será tornada sem efeito, devendo ser realizado novo concurso para a serventia.

15.9. A validade do concurso expira com a posse e exercício do candidato classifi cado.

(...)

15.11. Ocorrendo vacância posterior, por qualquer motivo, o serviço será novamente posto em concurso, para que se cumpram, com rigor, os critérios de alternância na forma de provimento, prevista no art. 16, parágrafo único, da Lei n. 8.935/1994.

15.12. A inobservância dos prazos fi xados no subitem n. 15.7 implicará na desistência do candidato, abrindo-se nova oportunidade de opção, respeitando-se a ordem de classifi cação do concurso, excluídos os desistentes. (grifo nosso)

Conforme já exposto, a recorrente foi aprovada para as áreas de Tabelionato

de Notas (10º lugar), Registro de Imóveis (14º lugar) e Escrivania de Paz (6º

lugar).

Já a litisconsorte Lígia Zonta foi aprovada apenas para a categoria Registro

de Imóveis, sendo classifi cada na 15ª posição.

Em 28.07.2004, em atenção ao Item n. 15.5 do edital de abertura, foi

publicado o Edital n. 29/2004, convocando os candidatos para, em reunião a

ser realizada em 09.08.2004, formularem a escolha das serventias, estipulando

horários específi cos para categoria e determinando que (fl . 89):

Os candidatos aprovados para mais de uma categoria, poderão fazer opção em cada uma das que restaram habilitados, devendo no entanto, na mesma data acima aprazada, logo após a conclusão da escolha referente às Escrivanias de Paz, manifestar por escrito a sua preferência fi nal, que ensejará a nomeação pelo Chefe do Poder Executivo. (grifo nosso).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 305

Assim, atendendo ao referido edital, a recorrente formulou opção pelo Tabelionato de Notas e Protesto de Títulos da Comarca de São José do Cedro (fl . 50) e pela Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho (fl . 51), deixando de optar por uma das serventias referentes à categoria Registro de Imóveis. Ao fi nal da reunião, acabou por formular sua preferência fi nal pela Escrivania de Paz.

A litisconsorte Lígia, por sua vez, optou pelo Registro de Imóveis da Comarca de Lebon Régis (fl . 53).

Desta forma, em 05.10.2004, foi publicado o Ato n. 1.058 delegando aos candidatos aprovados no certame as serventias nos termos das opções realizadas (fl s. 52-53).

Com a publicação do referido ato, a recorrente, em 15.10.2004, tomou posse e entrou em exercício na titularidade da Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho. Já a litisconsorte Lígia requereu prorrogação do prazo para posse na serventia então escolhida (fl s. 125-126).

Logo após, o candidato então aprovado em 3º para a categoria de Registro de Imóveis, Eduardo Arruda Schroeder, desistiu da opção que havia feito pelo Registro de Imóveis da Comarca de Rio Negrinho. Desta forma, em 10.11.2004 foi declarada a vacância da referida serventia, tendo a recorrente e a litisconsorte manifestado interesse em obter a sua titularidade.

Da narrativa acima, tenho que o ato impugnado observou estritamente as regras do edital do concurso, pelo que o recurso não merece ser provido.

Com efeito, o Item n. 15.9 do edital de abertura é expresso ao determinar que “A validade do concurso expira com a posse e exercício do candidato classifi cado”. Assim, para a recorrente, o concurso fi ndou-se em 15.10.2004, data em que tomou posse e entrou em exercício na titularidade da Escrivania de Paz de São João do Rio Vermelho.

Por outro lado, o Item n. 15.7 concede aos candidatos aprovados o prazo de 30 dias, prorrogáveis por igual período, para que tomem posse na serventia delegada, benefício utilizado pela litisconsorte Lígia.

Desta forma, conforme ressaltado pelo acórdão recorrido (fl . 386):

Destarte, irrepreensível a decisão pela qual lhe foi indeferido o pedido de exercício de nova opção, agora pelo Registro de Imóveis da comarca de Rio Negrinho, realizado após já empossada e em exercício na serventia previamente escolhida, uma vez que, como bem obtempera o ilustre Procurador de Justiça parecerista, “tendo a impetrante formalizado sua opção pela Escrivania de Paz

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de São João do Rio Vermelho (fl . 16-v) e recebido a delegação (fl . 18), dúvida não padece que com a posse e o exercício no cargo foram exauridas as possibilidades de escolha de outras serventias” (fl . 349).

E nem se diga ser a sua situação idêntica à da litisconsorte Lígia, uma vez que esta, investida no cargo de Registradora de Imóveis de Lebon Régis, não tomou posse e tampouco entrou em exercício, mas requereu a dilação do prazo para o fazer, como lhe era permitido pelo já transcrito subitem n. 15.7. Logo, ao assim agir e pleitear dentro do prazo de prorrogação lhe fosse dado fazer nova opção (Registro de Imóveis de Rio Negrinho), esta candidata logrou êxito neste seu intento por dois simples motivos, o primeiro porque não expressamente vedada tal manobra, o segundo porque decorrente de interpretação razoável das disposições do Edital pelo Conselho. Se foi correto ou não é outra questão que não comporta agora discutir e que, de qualquer sorte, não confere o direito que a impetrante diz ter.

Vale ressaltar que é fi rme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o edital é a lei do concurso, cujas regras vinculam tanto os candidatos quanto a Administração. Nesse sentido:

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Administrativo. Mandado de segurança. Concurso público. Altura mínima estabelecida em edital. Lei posterior. Irretroatividade. Dissídio jurisprudencial não demonstrado.

1. O edital, considerado a lei do concurso, estabelece um vínculo entre a Administração e os candidatos, de maneira que alterações legislativas posteriores que restrinjam os critérios do edital não se aplicam ao certame regido por lei anterior, sob pena de ofensa ao princípio da segurança jurídica.

(...)

3. Agravo regimental improvido. (AgRg no AG n. 1.212.609-SE, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 24.05.2010).

Administrativo. Agravo regimental nos embargos de declaração no recurso em mandado de segurança. Concurso público. Realização de novo teste de aptidão física, em razão de incapacidade fi siológica temporária. Impossibilidade. Vedação expressa no edital de regência do certame. Ausência de direito líquido e certo.

1. Como é cediço, o Edital é a lei do concurso, vinculando tanto a Administração quanto os candidatos às regras nele determinadas.

(...)

4. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no RMS n. 22.826-RO, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 08.09.2008).

Ante exposto, acompanhando o Min. Relator, nego provimento ao recurso ordinário.

É o voto.

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 31.134-PR (2009/0241969-4)

Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima

Recorrente: Irene Kravec

Advogado: Sandro Marcelo Kozikoski e outro(s)

Recorrido: Estado do Paraná

Procurador: Cesar Augusto Binder e outro(s)

EMENTA

Administrativo. Recurso em mandado de segurança. Concurso para ingresso nas atividades notarial e de registro do Estado do Paraná. Ofi cial de cartório. Designação precária. Exclusão do certame da serventia pela qual responde. Inexistência de direito líquido e certo. Titularidade. Necessidade de concurso público de provas e títulos. Recurso não provido.

1. A promoção do Concurso Público para Ingresso na Atividade Notarial e Registral com o preenchimento de vagas nas serventias concretiza princípios norteadores da Administração Pública na atuação de suas atividades precípuas, elencados no art. 37, caput, da CF, em especial os da moralidade, da legalidade, da impessoalidade e da efi ciência.

2. Não há direito líquido e certo de a recorrente ver excluída a serventia pela qual responde em caráter precário da lista das disponíveis para provimento por concurso público.

3. A designação precária para a função de Ofi cial de Cartório, até a realização de concurso público, impõe o reconhecimento da inexistência de direito à efetividade e, conseqüentemente, à estabilidade no cargo.

4. Recurso ordinário não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça,

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por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário em mandado de

segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros

Benedito Gonçalves (Presidente), Hamilton Carvalhido, Luiz Fux e Teori

Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 21 de setembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator

DJe 1º.10.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso ordinário em

mandado de segurança interposto por Irene Kravec, com fundamento no art.

105, inciso II, b, da Constituição Federal, visando desconstituir acórdão que

denegou o mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente do

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná assim ementado (fl . 197e):

Mandado de segurança. Concurso público para ofi cial notarial e de registro. Inclusão no edital do concurso de serventia onde já havia oficial designada precariamente. Pleito da oficial designada no sentido de excluir a referida serventia do concurso. Alegação de que o cargo não se encontrava vago. Improcedência. Designação provisória que não implica preenchimento do cargo. Segurança denegada.

A designação provisória de Oficial Notarial não torna o cargo “provido”. Nos termos do art. 236, § 3º, da Constituição Federal, é necessário concurso público para provimento de tal cargo. Assim, não há qualquer ilegalidade em prover através de Concurso Público a serventia onde haja oficial designada provisoriamente.

Sustenta a recorrente que a posterior inserção da serventia onde atua

como “Ofi cial designada” desde 28.01.2003 no quadro das serventias vagas do

Concurso Público para Ingresso na Atividade Notarial e Registral do Estado

do Paraná (Edital de Retifi cação n. 1/2007), quando já encerradas as inscrições,

confi gura violação ao seu direito líquido e certo. Aduz que não se habilitou ao

concurso pois a serventia de seu interesse (Tabelionato de Notas do Município e

Comarca de Iretama) não constava da listagem original, razão por que faz jus à

concessão da segurança para ter o Tabelionato de Notas de Iretama, onde ofi cia

em caráter precário, excluído do rol de vacância do concurso (fl s. 220-236e).

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RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 309

Apresentadas as contrarrazões (fl s. 249-255e), o recurso foi admitido na

origem (fl . 245e).

O Ministério Público Federal, por meio de parecer do Subprocurador-

Geral da República Wallace de Oliveira Bastos, opina pelo não provimento do

recurso (fl s. 266-272e).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Conforme relatado,

sustenta a recorrente que a posterior inserção da serventia onde atua como

“Oficial designada” desde 28.01.2003 no quadro das serventias vagas do

Concurso Público para Ingresso na Atividade Notarial e Registral do Estado

do Paraná (Edital de Retifi cação n. 1/2007), quando já encerradas as inscrições,

confi gura violação ao seu direito líquido e certo. Aduz que não se habilitou ao

concurso pois a serventia de seu interesse (Tabelionato de Notas do Município e

Comarca de Iretama) não constava da listagem original, razão por que faz jus à

concessão da segurança para ter o Tabelionato de Notas de Iretama, onde ofi cia

em caráter precário, excluído do rol de vacância do concurso (fl s. 220-236e).

O aresto recorrido fundamentou a denegação da segurança nos seguintes

termos (fl s. 200-203e):

Inicialmente, é fundamental registrar que o cargo de Ofi cial do Tabelionato de Notas de Iretama estava, sim, vago.

A Impetrante foi designada para o cargo, em caráter precário, apenas enquanto não fosse nomeado funcionário público concursado para a posição.

Assim, não sendo ela própria servidora concursada (como devem ser todos os ofi ciais notariais e de registro, nos termos do art. 236, § 3º, da Constituição), tinha plena consciência de que permaneceria no cargo apenas enquanto este não fosse efetivamente provido.

Prova de que o cargo não estava devidamente provido, mas, ao contrário, encontrava-se vago, é a própria Portaria n. 1/03 (fl s. 66), pela qual a Impetrante foi designada para o cargo de Ofi cial. Nela está expresso e inequívoco que a ocupação do cargo se daria apenas “enquanto perdurar sua vacância”.

O E. Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento neste sentido:

(...)

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Ademais, a inclusão de novas serventias após o término do prazo de inscrição não representa qualquer violação ao Edital do Concurso. Tal possibilidade está expressamente franqueada no Item n. 8.8, do Instrumento Convocatório (fl . 38), verbis:

8.8. Serão incluídos na escolha indicada no Item n. 8.7 os serviços que vagarem até a publicação do edital de chamamento para escolha dos serviços.

Pois bem. Importante tecer as seguintes considerações, a respeito do concurso em questão: Em 03 de outubro de 2005, foi expedido Edital para conhecimento das funções delegadas vagas na atividade notarial e de registro no Estado do Paraná, sendo que foram relacionadas 165 (cento e sessenta e cinco) Serviços vagos até 05 de setembro de 2005.

Em 04 de outubro de 2007 foi publicado novo Edital de Conhecimento, contendo a relação dos Serviços vagos no período de 06 de setembro de 2005 a 07 de setembro de 2007, com a data das respectivas vacâncias, totalizando 181 (cento e oitenta e uma) Serventias, incluindo aqui o Tabelionato de Notas de Iretama.

Referidos Editais foram submetidos à apreciação do Conselho Nacional de Justiça no Procedimento de Controle Administrativo n. 200710.000007627, que entendeu correta e adequada a organização de lista de Serventias vagas e a distribuição de seu provimento pelos critérios proporcionalmente alternados entre ingresso e remoção, na forma prevista no art. 16 da Lei n. 8.935/1994, determinando, contudo, a publicação de nova listagem geral das serventias vagas, com as datas das respectivas vacâncias e a indicação expressa das justifi cativas para não oferta em edital de concurso.

Em cumprimento à determinação do Conselho Nacional de Justiça, em data de 28 de abril de 2008, foi expedido o Edital de Conhecimento n. 1/2008, tornando pública a relação das funções delegadas vagas no período compreendido entre 08 de setembro de 2007 e 19 de março de 2008, acrescendo à lista de 22 (vinte e dois) Serviços, nas posições 182 a 203. Esse Edital de Conhecimento deu origem ao Edital n. 11/2008 do Concurso Público, publicado em 18 de setembro de 2008, que relaciona todos os Serviços disponíveis, até aquela data, para preenchimento do certame.

Ademais, frise-se, que a inclusão de tantos Serviços, no rol das Serventias a serem providas pelo concurso, atendeu tão somente à decisão liminar exarada pelo Conselho Nacional de Justiça no Procedimento de Controle Administrativo n. 2008.1000001374, que, dando interpretação ao Item n. 8.8 do Edital de Retifi cação n. 1/2007, dispôs: “Considerando a clareza editalícia e a necessidade de conclusão rápida do concurso, defi ro a liminar para que o edital de chamamento inclua todas as serventias cuja vacância se verifi car até a data de sua expedição, ressalvada

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 311

a exclusão daquelas com pendências administrativas ou judiciais, a juízo do Tribunal requerido.”

Ora, a regra do Item n. 8.8 supra transcrita, determina a inclusão de Serviços que vagarem até a publicação do edital de chamamento para escolha dos serviços (ato este que ocorre após a publicação do edital de chamamento dos candidatos aprovados - item n. 8.7), o que atende à exigência contida no artigo 236, § 3º, da Constituição Federal, que não permite que qualquer Serviço fi que vago, sem abertura de concurso por mais de seis meses.

Assim, não procede a alegação de que a inclusão do Tabelionato de Notas de Iretama no Concurso Público representa violação ao Edital ou à direito líquido e certo da Impetrante, de modo que o presente mandamus deve ser denegado.

Deste modo, pelos fundamentos acima expostos, não houve qualquer ilegalidade no ato de elaboração e publicação do Edital que incluiu o Tabelionato de Notas de Iretama no rol das serventias vagas a serem ocupadas pelos vencedores do Concurso Público de Ingresso na Atividade Notarial e de Registro do Estado do Paraná, motivo pelo qual deve ser denegada a segurança pleiteada.

Daí o presente recurso, no qual a recorrente pugna pela reforma do aresto recorrido.

Contudo, não há razão à impugnação.

Noticiam os autos que a ora recorrente ingressou no Tabelionato de Notas de Iretama por meio da Portaria n. 1/03, “enquanto perdurar sua vacância” (fl . 66e), na função de Ofi cial Designada.

Assim, a promoção do Concurso Público para Ingresso na Atividade Notarial e Registral para preenchimento de vaga na Serventia citada concretiza princípios norteadores da Administração Pública na atuação de suas atividades precípuas, elencados no art. 37, caput, da CF, em especial os da moralidade, da legalidade, da impessoalidade e da efi ciência.

Nesse cenário, não há direito líquido e certo de a recorrente ver excluída a serventia pela qual responde da lista das disponíveis para provimento por concurso público.

Acrescenta-se por fi m que, havendo sido nomeada para exercer a função de Ofi cial Designada precariamente, até a realização de concurso público, e restando reconhecida a inexistência de direito à efetividade, conseqüentemente não há o direito à estabilidade no cargo, podendo perder a função a qualquer tempo, independentemente de processo administrativo.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.

É o voto.

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RECURSO ESPECIAL N. 1.085.795-PE (2008/0184871-0)

Relator: Ministro Teori Albino Zavascki

Recorrente: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra

Procurador: Valdez Adriani Farias e outro(s)

Recorrido: Gilberto Afonso Ferreira - espólio

Advogado: Sem representação nos autos

EMENTA

Processual Civil e Administrativo. Recurso especial.

Desapropriação por interesse social para fi ns de reforma agrária.

Suspensão da prática de atos expropriatórios por força de liminar.

Correspondente sustação do curso do prazo para a propositura da ação

desapropriatória do art. 3º da LC n. 76/1993.

1. Na vigência de liminar impedindo a prática de atos tendentes

a efetivar a desapropriação, inclusive a propositura da correspondente

ação, não ocorre a situação de decadência do decreto expropriatório.

É que a liminar, que atua inclusive no plano da incidência da norma,

inibiu não apenas o exercício do direito de propor a ação como o

próprio início do correspondente prazo. Com a revogação da liminar,

houve reposição integral da situação jurídica de quem fi cou submetido

ao seu comando, inclusive no que se refere aos prazos para exercício

dos direitos, das ações e das pretensões.

2. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide

a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,

dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Benedito Gonçalves, Hamilton

Carvalhido e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator.

Assistiu ao julgamento o Dr. Elthon Baier Nunes, pela parte Recorrente:

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 313

Brasília (DF), 16 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Teori Albino Zavascki, Relator

DJe 24.11.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trata-se de recurso especial

interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que, em

sede de desapropriação por interesse social para fi ns de reforma agrária, decidiu

que a liminar concedida em mandado de segurança não possuía o condão

de obstar o ajuizamento da ação desapropriatória, razão pela qual manteve a

sentença que reconhecera a decadência do decreto expropriatório. O aresto

restou assim ementado:

Apelação. Desapropriação para fins de reforma agrária. Caducidade. Improvimento.

I - Não demonstrado que medida judicial impedia o ajuizamento da ação de desapropriação, mas tão-só a continuidade do procedimento administrativo - o que, afi rme-se, era inócuo, visto já haver sido editado o decreto expropriatório -, consuma-se a caducidade pelo escoamento do biênio previsto no art. 3º da Lei Complementar n. 76/1993.

II - Apelo improvido (fl . 172).

Os embargos de declaração foram rejeitados. No recurso especial, o Incra

aponta violação aos arts. 3º da LC n. 76/1993, 2º, § 1º, da Lei n. 8.629/1993,

e 269, IV, do CPC, alegando, essencialmente, que a liminar concedida no MS

n. 2005.83.00.011705-3 em nenhum momento se referiu apenas aos atos

administrativos subseqüentes à vistoria, mas sim, a qualquer ato tendente à

desapropriação do Engenho Cavaco, incluindo-se dentre esses atos, por óbvio, o

ajuizamento da ação de desapropriação (fl . 193).

Não foram apresentadas contra-razões (fl . 199).

Em seu parecer, o Ministério Público Federal opina pelo provimento do

recurso especial (fl s. 209-211).

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

314

VOTO

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. Conforme está claro

na informação prestada pela Secretaria da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária

de Pernambuco (fl s. 123-124), a liminar em questão determinou a abstenção da

prática de vistoria administrativa, bem como “dos demais atos expropriatórios

subseqüentes”, inclusve, portanto, da propositura da correspondente ação

judicial. Aliás, essa ação somente poderia ser proposta depois de efetuados os

demais atos preparatórios estabelecidos pela Lei Complementar n. 76/1993,

todos eles sustados pelo provimento. A questão que se põe consiste em saber se,

na vigência dessa liminar, teve curso o prazo decadencial para a propositura da

ação.

A resposta é, evidentemente, negativa. Tratando de situação análoga -

referente ao curso de prazos prescricionais e decadenciais na pendência de

liminar deferida no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade de

preceitos normativos -, sustentei, em sede doutrinária, o seguinte:

É possível que entre a data da concessão da liminar e a da sua revogação tenha decorrido o prazo prescricional ou decadencial para o exercício da ação ou de direito fundado em norma cuja vigência fora suspensa e posteriormente restabelecida. Por exemplo, é possível que, entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto e a revogação da liminar na ação de controle concentrado, tenha transcorrido período de tempo superior ao previsto para o ajuizamento da ação rescisória. Terá o interessado, que se submeteu ao comando liminar, perdido o direito de promover a ação? Esta questão há que ser examinada e resolvida à luz do princípio, acima anotado, do não-prejuízo a quem obedeceu à liminar, por força do qual devem ser asseguradas ao jurisdicionado, integralmente, todas as faculdades e pretensões que poderia ter exercício não fosse o comando impeditivo da medida judicial. À luz de tal princípio, deve-se entender que o prazo para o ajuizamento da ação rescisória terá como termo inicial a data do trânsito em julgado, não da sentença do caso concreto, mas do acórdão ou da decisão que, na ação de controle concentrado, revogou a liminar.

Dir-se-á que se trata de prazo decadencial, não sujeito a suspensão ou interrupção. A objeção não procede. Não se pode ter por absoluta, como demonstrado em doutrina, a regra de que o prazo de decadência não comporta incidências que alterem o seu curso. A pendência de demanda judicial, por exemplo, é causa de interrupção não apenas dos prazos prescricionais (CPC, art. 219), mas igualmente dos prazos extintivos do direito (CPC, art. 220), nos quais se incluem, conforme a jurisprudência, também os de natureza decadencial. Ora, regime jurídico semelhante não se poderia negar à situação aqui enfocada. Na verdade, a medida antecipatória deferida nas ações de controle concentrado

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 315

importa a suspensão da eficácia do preceito normativo questionado, ou a imposição dela (o que signifi ca, também, inibição da efi cácia de eventual norma em sentido diferente). Ou seja, a liminar atua inclusive no plano da incidência da norma, inibindo, assim, não apenas o exercício dos direitos eventualmente sujeitos a prazos decadenciais, mas o próprio surgimento deles. Suspensa a incidência, não tem sequer início o prazo (decadencial) para o exercício do direito. Por outro lado, quando a liminar for deferida após a incidência da norma objeto da ação, inibe-se o exercício de eventual direito daí decorrente, e, portanto, fi ca suspenso o curso do respectivo prazo decadencial. Assim, qualquer que seja a hipótese, não há como computar-se no prazo decadencial o período de vigência da liminar deferida na ação de controle concentrado. Daí afi rmar-se que, nas situações acima enfocadas, o termo inicial do prazo para ajuizamento da ação rescisória é o do trânsito em julgado do acórdão que revogou a liminar.

A mesma solução é aplicável a todas as demais situações em que, no interregno de vigência da liminar revogada, tenha transcorrido período de tempo superior ao do prazo de prescrição ou de decadência. O princípio do não-prejuízo impõe que, com a revogação da liminar, haja reposição integral da situação jurídica de quem fi cou submetido ao seu comando, inclusive no que se refere aos prazos para exercício dos direitos, das ações e das pretensões. Conseqüentemente, não se pode incluir no cômputo dos prazos de decadência ou de prescrição, inclusive os que tem o Fisco para efetuar o lançamento e a cobrança dos tributos, o período de vigência da liminar. Tais prazos somente terão início ou retomarão seu curso na data do trânsito em julgado do acórdão ou da decisão que, na ação de controle concentrado de constitucionalidade, tiver revogado a medida liminar (in Efi cácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 74-76).

No mesmo sentido é o parecer do Ministério Público Federal, da lavra da

Subprocuradora-Geral da República Dulcinéa Moreira de Barros:

Ora, no caso em tela, o Incra não podia cumprir com sua obrigação em razão da existência de liminar, proferida em sede de mandado de segurança, que o impedia, expressamente, de tomar qualquer medida tendente ao prosseguimento da expropriatória. Se o prazo não podia ser cumprido em razão de obstáculo estranho à vontade do Incra, segue-se que não estava atendido o pré-requisito lógico (“poderá”) para que fosse efetivada a exigência de cumprimento da obrigação legal (“deverá”).

Mister notar que o que se tem no caso dos autos não é, rigorosamente, interrupção ou suspensão do prazo decadencial (esse é um falso problema), mas verdadeira inaplicabilidade do mencionado art. 3º, ante a inocorrência das condições fáticas previstas implicitamente na própria Lei para que a prescrição legal pudesse ter incidência na hipótese.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

316

Em suma, não se cuida, tecnicamente, de interromper ou suspender o prazo decadencial, mas de reconhecer que, não sendo possível o cumprimento da obrigação, o referido artigo simplesmente não se aplica durante o período de impossibilidade de cumprimento do dever legal e só volta a ter incidência, num segundo momento, quando o obstáculo ao cumprimento da obrigação tiver sido levantado. Interrupção haveria se o obstáculo fosse considerado para a própria aplicação da norma da decadência (porque a suspensão ou interrupção é, sim, uma modalidade de aplicação - suspensiva ou interruptiva - da norma decadencial), o que não se dá na espécie. Na espécie o que se tem é a inaplicação, pura e simples da norma decadencial, em razão da inexistência do suporte fático, isto é, das condições de fato para que a prescrição normativa possa produzir efeitos válidos no mundo jurídico.

Em consulta ao sítio eletrônico da Seção Judiciária de Pernambuco, verifi ca-

se que em 31.08.2005 foi juntado aos autos do MS n. 2005.83.00.011705-3 o

mandado de intimação do Incra relativo à concessão da liminar concedida pelo

Juízo da 7ª Vara Federal, e que em 07.03.2006, os autos foram remetidos ao

impetrado como forma de intimação da decisão declinando da competência,

com remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal. Constata-se, no mais,

que em 20.09.2006, transitou em julgado a sentença de extinção do processo,

sem julgamento do mérito, com base no art. 267, VI, do CPC, decisão da qual

o ora recorrente foi intimado em 20.07.2006. Assim, em conformidade com

o entendimento acima exposto, deve ser desconsiderado do período entre a

publicação do decreto expropriatório (04.02.2004, fl . 10) e o ajuizamento da

ação (27.04.2006, fl . 02) o tempo em que a liminar esteve em vigor (entre

31.08.2005 e 07.03.2006). Nesses termos, não há falar em inobservância do

prazo de dois anos previsto no art. 3º da LC n. 76/1993.

2. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar a

decadência, determinando, no mais, o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau,

a fi m de que seja dado curso à ação desapropriatória, como de direito. É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.198.879-RJ (2010/0108919-0)

Relator: Ministro Benedito Gonçalves

Recorrente: União

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 317

Recorrido: Rodrigo Férre Lacerda Ferreira

Advogado: Gilberto Baptista da Silva

EMENTA

Administrativo e Processual Civil. Recurso especial. Militar. Desligamento a pedido. Indenização devida ao Estado. Violação dos arts. 115 e 116 da Lei n. 6.880/1980. Não ocorrência. Cálculo proporcional do valor da indenização. Possibilidade.

1. Cuida-se, na origem, de ação de cobrança movida pela União contra o ex-militar, objetivando a condenação do réu ao pagamento do valor de R$ 43.607,07 (quarenta e três mil, seiscentos e sete reais e sete centavos), decorrentes da participação no Curso Especial de Artilharia de Costa e Antiaérea, no período compreendido entre 10 de março a 07 de novembro de 2003, custeado pelo Exército Brasileiro.

2. Não há falar em violação dos arts. 115 e 116 da Lei n. 6.880/1980, tendo em vista que tais dispositivos não possuem qualquer natureza sancionatória ou punitiva, mas, tão somente, dispõem acerca da forma pela qual se processa a demissão dos quadros das Forças Armadas Brasileiras.

3. Para que não se configure enriquecimento sem causa da União, a indenização devida, em virtude do que dispõe o artigo 116, § 1º, inciso II, alínea b, deve ter como parâmetro tanto o valor despendido pelo Poder Público como a contra-prestação efetuada pelo ex-militar quando ainda em serviço, em observância aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia.

4. No caso dos autos, a Corte local decidiu que o valor a ser ressarcido deve ser calculado com base no período restante do prazo mínimo de cinco anos. Isso porque “à época da demissão do serviço ativo já havia decorrido 19 meses e 22 dias do término do curso, já tendo o Réu cumprido mais da metade da totalidade de sua obrigação, ou seja, 592 dias dentre os 1.080 dias exigidos. Dessa forma deve o réu indenizar os 488 dias de carência não cumprida, no importe de R$ 19.703,90, valor esse atualizado até março de 2005”. Nesse sentido: REsp n. 1.016.576-RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27.08.2009.

5. Recurso especial não provido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

318

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Luiz Fux, Teori

Albino Zavascki e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 03 de fevereiro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Benedito Gonçalves, Relator

DJe 10.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso especial, interposto pela União, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, acórdão proferido pelo Tribunal Regional federal da 2ª Região, assim ementado (fl s. 129):

Administrativo. Militar. Indenização por despesas com curso de formação. Demissão. Art. 116 e 117 da Lei n. 6.880/1980. Indenização. Cabimento.

- Cuida-se de ação Cobrança de rito ordinário ajuizada pela União Federal, objetivando a condenação do Réu ao pagamento da quantia de R$ 43.607,07 (quarenta e três mil, seiscentos e sete reais e sete centavos), decorrentes de gastos com o réu em curso custeado pelo Exército Brasileiro.

- O requerimento de demissão do serviço ocorreu em 28.03.2005, com efetivação da demissão em 29.06.2005 (fl s. 12), antes do decurso do prazo de 03 (três) anos determinado no art. 116, § 1º, b da Lei n. 6.880/1980, sendo devida a indenização.

- Não procede a alegação do Réu de que o desligamento se constitui em ato jurídico perfeito, que não ensejaria mais qualquer indenização, uma vez que a Portaria DGP, de 29.06.2005 (fl s. 26), é expressa no sentido de que a demissão “a pedido” do serviço ativo do Exército foi concedida com indenização à União Federal.

- No entanto, o valor da indenização não pode corresponder ao montante pedido na inicial, devendo ser observada, no cálculo, a proporcionalidade com o tempo de efetivo exercício do militar.

- À época da demissão do serviço ativo já havia decorrido 19 meses e 22 dias do término do curso, já tendo o Réu cumprido mais da metade da totalidade de sua obrigação, ou seja, 592 dias dentre os de 1.080 dias exigidos.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 319

- Improsperáveis os recursos, eis que, as razões recursais, a meu juízo, não abalaram as ponderações da decisão de piso, sendo aquela incorporada ao presente voto, vez que analisou percucientemente os aspectos alinhados, o que conduz ao desprovimento das irresignações.

- Remessa necessária e recursos desprovidos.

Na presente irresignação, a recorrente sustenta violação dos artigos 115 e

116, ambos da Lei n. 6.880/1980. Insurge-se contra a determinação imposta

no v. acórdão, que considerou o tempo de serviço prestado após a conclusão do

curso de formação como base de cálculo da indenização devida pelo recorrido.

Alega-se, em suma, que “não há previsão legal para o cálculo proporcional da

indenização” (fl . 138).

Sem contrarrazões, conforme certidão à fl . 146, o recurso foi admitido na

origem (fl s. 147-148), ascendendo os autos a esta Corte, sendo-me distribuídos.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Cuida-se, na origem,

de ação de cobrança movida pela União contra o ex-militar Rodrigo Ferre

Lacerda Ferreira, objetivando a condenação do réu ao pagamento do valor

de R$ 43.607,07 (quarenta e três mil, seiscentos e sete reais e sete centavos),

decorrentes da participação no Curso Especial de Artilharia de Costa e

Antiaérea, no período compreendido entre 10 de março a 07 de novembro de

2003, custeado pelo Exército Brasileiro.

A sentença de fl s. 73-79, confi rmada pelo acórdão (fl s. 119-129), condenou

o recorrido ao pagamento de R$ 19.703,90, valor obtido por meio do cálculo

proporcional ao tempo de efetivo serviço militar.

O presente recurso não comporta acolhimento.

Transcrevo, por fundamental, o teor dos artigos de lei tidos por violados, in

verbis:

Art. 115. A demissão das Forças Armadas, aplicada exclusivamente aos ofi ciais, se efetua:

I - a pedido; e

II - ex offi cio.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

320

Art. 116. A demissão a pedido será concedida mediante requerimento do interessado:

I - sem indenização aos cofres públicos, quando contar mais de 05 (cinco) anos de ofi cialato, ressalvado o disposto no § 1º deste artigo; e

II - com indenização das despesas feitas pela União, com a sua preparação e formação, quando contar menos de 05 (cinco) anos de ofi cialato.

§ 1º A demissão a pedido só será concedida mediante a indenização de todas as despesas correspondentes, acrescidas, se for o caso, das previstas no item II, quando o ofi cial tiver realizado qualquer curso ou estágio, no País ou no exterior, e não tenham decorrido os seguintes prazos:

[...]

b) 03 (três) anos, para curso ou estágio de duração igual ou superior a 06 (seis) meses e igual ou inferior a 18 (dezoito) meses;

Para uma melhor compreensão da controvérsia, cumpre transcrever o

seguinte trecho da sentença, integrada pelo acórdão (fl s. 124-125):

O fato de o autor possuir mais de 05 (cinco) anos de ofi cialato não o exonera da indenização, ante a ressalva prevista no inciso I do aludido art. 116.

O documento acostado à fl s. 15 demonstra que o Réu ingressou no Exército em 11.02.1995, concluindo o Curso de Formação de Oficiais (Aman) em 27.11.1999, ocasião em que foi promovido a Aspirante de Ofi cial. Em 31.08.2000, foi promovido a Segundo Tenente e ao Posto de Primeiro-Tenente em 25 de dezembro de 2001.

Verifica-se, ainda, que o Curso Especial de Artilharia de Costa e Antiaérea realizado pelo Réu tem duração superior a 06 (seis) meses.

O requerimento de demissão do serviço ocorreu em 28.03.2005, com efetivação da demissão em 29.06.2005 (fl s. 12), antes do decurso do prazo de 03 (três) anos determinado no art. 116, § 1º, b da Lei n. 6.880/1980, sendo devida a indenização.

[...]

No entanto, o valor da indenização não pode corresponder ao montante pedido na inicial, devendo ser observada, no cálculo, a proporcionalidade com o tempo de efetivo exercício do militar.

À época da demissão do serviço ativo já havia decorrido 19 meses e 22 dias do término do curso, já tendo o Réu cumprido mais da metade da totalidade de sua obrigação, ou seja, 592 dias dentre os 1.080 dias exigidos.

Dessa forma deve ser acolhido parcialmente o pedido, com a condenação do Réu a indenizar os 488 dias de carência não cumprida, no importe de R$ 19.703,90, atualizado até março de 2005.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

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Inicialmente, cabe esclarecer que os dispositivos tidos por violados não

possuem qualquer natureza sancionatória ou punitiva e sim indenizatória, já que

se destina, tão-somente, a evitar dano ao erário em face de despesas custeadas

pelo Poder Público com a qualifi cação do militar que, ao demitir-se das Forças

Armadas, não terá como garantir a contra-prestação devida.

Nessa esteira, e para que não se confi gure enriquecimento sem causa da

União, a indenização devida, em virtude do que dispõe o artigo 116, § 1º, inciso

II, alínea b, deve ter como parâmetro tanto o valor despendido pelo Poder

Público como a contra-prestação do efetuada pelo ex-militar quando ainda em

serviço, em observância aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da

isonomia.

No caso, conforme se observa do excerto da sentença, confi rmada pelo

acórdão, acima transcrito, a Corte local decidiu que o valor a ser ressarcido

deve ser calculado com base no período restante do prazo mínimo de cinco

anos. Isso porque “à época da demissão do serviço ativo já havia decorrido 19

meses e 22 dias do término do curso, já tendo o Réu cumprido mais da metade

da totalidade de sua obrigação, ou seja, 592 dias dentre os 1.080 dias exigidos.

Dessa forma deve o réu indenizar os 488 dias de carência não cumprida, no

importe de R$ 19.703,90, valor esse atualizado até março de 2005”.

Tal entendimento está em conformidade com a jurisprudência desta Corte,

conforme o precedente abaixo transcrito:

Administrativo. Militar. Demissão a pedido, antes do cumprimento do prazo estabelecido pelo art. 116, II, do Estatuto dos Militares (cinco anos). Pagamento de indenização. Valor que deve refl etir o período restante para o cumprimento do prazo mínimo.

1. Hipótese em que o recorrido cursou graduação no Instituto Militar de Engenharia - IME e, antes do prazo de cinco anos previsto no art. 116 da Lei n. 6.880/1980, deixou as Forças Armadas para tomar posse no cargo efetivo de analista do Banco Central do Brasil. Logo, a União exige o pagamento da indenização prevista no mesmo dispositivo legal pelos custos de preparação do aluno.

2. O valor da indenização deve corresponder à exata medida dos gastos da União, considerando-se a contraprestação em serviços executados pelo recorrido. Dessa forma, como bem decidiu a Corte local, o montante deve ser calculado com base no período restante do prazo mínimo de cinco anos.

3. Além disso, como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence ao julgar a ADIn n. 1.626-MC, “o militar deixa a caserna para prestar serviços à administração

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

322

pública, onde lhe podem ser eventualmente úteis os conhecimentos adquiridos na formação militar”.

4. Recurso Especial não provido (REsp n. 1.016.576-RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27.08.2009).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.199.249-DF (2010/0116146-3)

Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima

Recorrente: Cícero Fernandes Rosendo

Advogado: Valério Alvarenga Monteiro de Castro e outro(s)

Recorrido: Distrito Federal

Procurador: Eduardo Alecsander Xavier de Medeiros e outro(s)

EMENTA

Direito Administrativo. Processual Civil. Recurso especial. Policial civil do Distrito Federal. Lei Distrital n. 197/1991, que introduziu os dispositivos Lei Federal n. 8.112/1990 no ordenamento jurídico do Distrito Federal. Exame. Impossibilidade. Súmula n. 280-STF. Modifi cação da demanda ex offi cio. Impossibilidade. Recurso não conhecido.

1. Convivem simultaneamente duas “versões” da Lei Federal n. 8.112/1990: (i) a original, aplicada aos servidores públicos federais, cujas alterações decorrem do processo legislativo realizado no Congresso Nacional; e (ii) sua versão distrital, incorporado ao ordenamento jurídico do Distrito Federal por força da Lei Distrital n. 197/1991, que serão aplicáveis tão somente aos servidores do Distrito Federal, e cuja redação permanecerá intocada enquanto não alterada pelo Poder Legislativo local.

2. A versão da Lei Federal n. 8.112/1990, aplicável aos servidores

do Distrito Federal por força da Lei Distrital n. 197/1991, tem

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 323

natureza de lei local, porquanto não se confunde com a lei federal

original. Incidência da Súmula n. 280-STF.

3. Aos Policiais Civis do Distrito Federal são aplicáveis as

disposições da Lei Federal n. 8.112/1990. Precedente: REsp n.

953.395-DF, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 03.03.2008.

4. É inviável o exame do pedido formulado pelo autor à luz da

Lei Federal n. 8.112/1990, sob pena de se proceder um julgamento

extra petita, porquanto extrapolaria os limites da demanda fi xados na

petição inicial - contagem, para fi ns de obtenção de licença-prêmio,

do tempo de serviço prestado ao Exército, com base na Lei Distrital n.

197/1991, na parte em que incorporou o art. 87 da citada lei federal.

5. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Hamilton Carvalhido,

Luiz Fux e Teori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator.

Assistiu ao julgamento o Dr. René Rocha Filho, pelo Recorrido: Distrito

Federal.

Brasília (DF), 19 de outubro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator

DJe 04.11.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso especial

interposto por Cícero Fernandes Rosendo, com fundamento no art. 105, III, a, da

Constituição Federal.

Narram os autos que o recorrente, Policial Civil do Distrito Federal,

ajuizou ação ordinária em desfavor do Distrito Federal, objetivando o cômputo

do tempo de serviço prestado ao Exército Brasileiro.

Page 324: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

324

Após regular processamento do feito, sobreveio sentença que julgou

improcedente o pedido formulado na inicial, ao entendimento de que a

averbação do tempo de serviço prestado ao Exército Brasileiro não serve para

fi ns de obtenção de licença prêmio junto ao Distrito Federal.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por maioria,

deu provimento à apelação, para determinar que seja computado o tempo de

serviço prestado ao Exército Brasileiro para todos os efeitos e não somente

para aposentadoria e disponibilidade, nos termos do art. 100 da Lei Federal n.

8.112/1990 (fl . 145e).

Opostos embargos infringentes, o Tribunal de origem reformou o acórdão

embargado, sob o entendimento de que o tempo de contribuição na esfera de

outro ente político será averbado somente para efeito de aposentadoria e de

disponibilidade, nos termos do art. 103, I, da Lei n. 8.112/1990. O acórdão

recorrido recebeu a seguinte ementa (fl . 130e.):

Embargos infringentes em apelação cível. Ação ordinária. Averbação. Tempo de contribuição de serviço prestado para outra pessoa política. Limitação aos efeitos de aposentadoria e disponibilidade. Arts. 100 e 103, I, da Lei n. 8.112/1990. Polícia Civil do Distrito Federal. Natureza distrital.

1. A averbação de tempo de contribuição na Polícia Civil do Distrito Federal de servidor advindo do Exército Brasileiro, ou seja, da composição administrativa federal, faz-se sob a regra geral pela qual o efeito da averbação de serviço prestado em ente político distinto faz-se somente para efeitos de disponibilidade e de aposentadoria, nos termos do artigo 103, I, da Lei n. 8.112/1990.

2. A circunstância de a Polícia Civil do Distrito Federal ser organizada e mantida pela União não transmuda a natureza distrital desse órgão, consoante se afere da leitura conjunta dos artigos 42 e art. 144, § 6º, da Constituição Federal.

3. Embargos infringentes conhecidos e providos.

Sustenta a recorrente negativa de vigência ao art. 87 da Lei Federal n.

8.112/1990, “aplicada aos servidores públicos do Distrito Federal por força da

Lei Distrital n. 197/1991, em sua redação original” (fl . 229e), asseverando que

“a alteração provocada pela Lei n. 9.527/1997 (...) ocorreu somente na esfera

federal, não tendo aplicação direta no âmbito do Distrito Federal, uma vez que

não foi recepcionada no âmbito Distrital, prevalecendo, assim, o que dispunha a

redação anterior” (fl . 229e).

Alega que, diante do disposto no referido dispositivo legal, incluído no

ordenamento jurídico do Distrito Federal, “os servidores da Administração

Page 325: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 325

Direta, Fundacional e Autárquica do DF tem direito a três meses de licença, a

título de prêmio por assiduidade, com remuneração do cargo efetivo, após cada

quinquênio ininterrupto de exercício” (fl . 229e).

Afi rma que o Distrito Federal, “Sob pena de renunciar à sua autonomia

legislativa, (...) não poderia recepcionar legislação futura, promulgada na esfera

Federal, mas somente a já existente ao tempo da edição da Lei Distrital n.

197/1991, o que restringe, dessa forma, o alcance pretendido pelo art. 5º da

citada Lei Distrital” (fl . 229e).

Segue afi rmando que, ao contrário do que restou consignado no acórdão

recorrido, também os arts. 100 e 103 da Lei n. 8.112/1990, sob pena de violação,

seria aplicável no âmbito do Distrito Federal, por força das Leis Distritais n.

197/1991, n. 211/1991, na medida em que também seria de natureza federal

as funções exercidas pelos Policiais Civis do Distrito Federal, cuja instituição é

mantida e organizada pela União.

Contrarrazões (fl s. 240-247e.). Recurso admitido na origem (fl s. 249-

252e.).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Como relatado, trata-

se na origem de ação ordinária ajuizada por Policial Civil do Distrito Federal

objetivando o cômputo do tempo de serviço prestado ao Exército Brasileiro

para fi ns de obtenção da licença prêmio previsto no art. 87 da Lei Federal n.

8.112/1990 (redação original), aplicada no âmbito do Distrito Federal por força

da Lei Distrital n. 197/1991.

Inconformado com o acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal

e dos Territórios que, em sede de embargos infringentes, confi rmou a sentença

que julgou improcedente seu pedido, o recorrente interpôs o presente recurso

especial.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 953.395-DF,

em que foi relator o em. Min. Felix Fischer (Quinta Turma, DJe 03.03.2008),

alterou sua jurisprudência a fi m de reconhecer o cabimento do recurso especial

interposto com fundamento em suposta afronta a dispositivo de lei federal que

reger as relações jurídico-institucionais de servidores de outros entes federativos,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

326

em especial os do Distrito Federal, afastando, por conseguinte, a incidência da

Súmula n. 280-STF.

Naquela oportunidade, restou assentado por esta Corte que a Lei n.

8.112/1990, quando aplicada aos policiais civis do Distrito Federal, não perderia

sua natureza federal.

Por oportuno, transcrevo o seguinte trecho do voto condutor do julgado:

Penso, porém, ao menos para fi ns de interposição de recurso especial, que não é o fato de determinada lei, emanada do Congresso Nacional, reger as relações jurídico-institucionais de servidores de outros entes federativos que a transforma em lei local.

Ninguém duvida que a lei previdenciária emanada da União, como por exemplo, a Lei n. 9.717/1998, norma geral de organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União e dos demais entes federativos, quando aplicada no âmbito das relações jurídicas entre os entes federativos e os seus servidores, seja considerada lei federal, ou no caso da Lei Federal n. 9.784/1999, na parte em que regula o prazo decadencial para a Administração anular seu próprios atos, quando aplicada aos demais entes federativos - como admite a pacífi ca jurisprudência desta e. Corte - perca o caráter de lei federal. Também não se transmuda em lei local a CLT quando aplicada a empregados públicos de outras esferas federativas (Estados e Municípios).

Ao estabelecer a competência material da União, a Constituição da República reservou a esse ente a incumbência de organizar e manter a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal.

De fato, estabelece o art. 21, XIV, da Constituição Federal:

Art. 21. Compete à União:

(...)

XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência fi nanceira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio.

A controvérsia, penso eu, se deslinda com a interpretação do correto signifi cado da expressão “organizar e manter” constante do texto constitucional.

O c. Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 241.494-DF, rel. Min. Octavio Gallotti, DJU 11.04.2002, fi rmou o entendimento de que, nos termos do art. 21, XIV, da CR/1988, não compete ao Distrito Federal legislar sobre vencimentos da Polícia Civil do Distrito Federal, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar.

Destaco a ementa do julgado:

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 327

Ementa: Recurso extraordinário. Constitucional. Administrativo. Servidor policial do Distrito Federal. Fixação de vencimentos. Competência da União Federal.

1. Servidor policial do Distrito Federal. Vencimentos. Competência da União para organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros, tendo em vista o preceito do artigo 21, XIV, da Constituição.

2. Lei Distrital. Fixação de vencimentos e vantagens a categorias funcionais do Distrito Federal mantidas, por expressa disposição constitucional, pela União Federal. Impossibilidade. Precedentes.

Recurso extraordinário conhecido e provido, para cassar a segurança.

No julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.102-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 07.04.2000, o c. Pretório Excelso reafi rmou esse entendimento, tendo o acórdão restado assim ementado:

Ementa: Distrito Federal: serviços locais de segurança pública (Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros): competência privativa da União para organizar e manter os organismos de segurança pública do Distrito Federal, que envolve a de legislar com exclusividade sobre a sua estrutura administrativa e o regime jurídico do seu pessoal: jurisprudência do STF consolidada no RE n. 241.494: cautelar deferida para suspender a vigência da LD n. 1.481/1997.

Aqui a e. Corte Suprema foi mais enfática ao ressaltar que a competência privativa da União para organizar e manter os organismos de segurança pública do Distrito Federal envolve a de legislar com exclusividade sobre a sua estrutura administrativa e o regime jurídico do seu pessoal.

Destaco ainda a SS-AgR n. 846-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 08.11.1996, de cuja ementa extraio o seguinte excerto:

II. Distrito Federal: polícia civil e militar: organização e manutenção da União: significado. Ao prescrever a Constituição (art. 21, XIV) que compete à União organizar e manter a polícia do Distrito Federal - apesar do contra-senso de entregá-la depois ao comando do Governador (art. 144, § 6º) - parece não poder a lei distrital dispor sobre o essencial do verbo “manter”, que é prescrever quanto custará pagar os quadros de servidores policiais: desse modo a liminar do Tribunal de Justiça local, que impõe a equiparação de vencimentos entre policiais - servidores mantidos pela União - e servidores do Distrito Federal parece que, ou impõe a este despesa que cabe à União ou, se a imputa a esta, emana de autoridade incompetente e, em qualquer hipótese, acarreta risco de grave lesão à ordem administrativa.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

328

Por fi m, destaco o acórdão proferido na ADI n. 2.881-2-DF, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 02.04.2004, que assim restou ementado:

Ementa: Constitucional. Distrito Federal. Polícia Civil. Competência privativa da União. CF, art. 21, XIV. Lei Distrital n. 2.939/2002. I. - Competência privativa da União para organizar e manter a Polícia Civil do Distrito Federal: competência da União para legislar, com exclusividade, sobre a sua estrutura e o regime jurídico do seu pessoal. Precedentes do STF. II. - ADI julgada procedente.

Com o mesmo entendimento, ainda, as ADIs n. 1.045-MC-DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 06.05.1994; n. 1.359-MC-DF, Min. Carlos Velloso, DJU de 11.10.2002; n. 1.475-MC-DF, rel. Min. Octávio Gallotti, DJU de 22.11.1996 e Rcl n. 1.888-MC-DF, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05.11.2002.

Portanto, ao analisar esses julgados da e. Corte Suprema, extrai-se a conclusão de que se é a União a responsável pelo custeio do pagamento dos quadros de servidores policiais do Distrito Federal; ela é quem detém exclusividade para legislar sobre os vencimentos dessas carreiras, bem como sobre seus regimes jurídicos.

Assim, ainda que a Constituição Federal (art. 144, § 6º) atribua ao Governador do Distrito Federal o comando sobre as polícias do Distrito Federal, não se poderá afi rmar que os seus integrantes são regidos por leis distritais.

Conforme ressaltado no voto condutor proferido pelo e. Min. Marco Aurélio, RE n. 178.209-DF, “o Superior Tribunal de Justiça atua na guarda da lei federal independentemente da qualidade das partes envolvidas - se servidores da União ou do Distrito Federal.”

Nesse contexto, entendo que a Lei n. 8.112/1990, quando aplicada aos policiais civis do Distrito Federal, tem a natureza mesma de lei federal, não havendo, portanto, obstáculo ao conhecimento de recursos especiais nos quais há controvérsias sobre a interpretação de seus dispositivos.

Conheço, portanto, do recurso especial. (Grifos no original).

Pois bem.

A partir da clássica lição de GERALDO ATALIBA (“Regime

constitucional e leis nacionais e federais”. In Revista de Direito Público. Ano

XIII, Janeiro/Junho 1980, n. 53-54, p. 58-75), verifi ca-se que a Lei Federal n.

8.112/1990 se trata de uma típica lei federal, porquanto aplicável exclusivamente

à União, voltada ao seus próprios assuntos políticos-administrativos,

diferentemente do que ocorre que as leis nacionais, que não se circunscrevem

ao âmbito exclusivo de nenhum dos entes federados, na medida em que se

destinam à organização político-administrativa do próprio Estado brasileiro.

Page 329: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 275-330, janeiro/março 2011 329

Ocorre que, como reconhecido pelo próprio recorrente, referido diploma

legal teve seus dispositivos internalizados ao ordenamento jurídico do Distrito

Federal por força da Lei Distrital n. 197/1991.

A partir então, passaram a conviver duas “versões” da Lei Federal n.

8.112/1990: a original, aplicada aos servidores públicos federais, cujas alterações

decorrem do processo legislativo realizado no Congresso Nacional, e sua

respectiva versão distrital, aplicável tão somente aos servidores do Distrito

Federal, cujas alterações deverão ser realizadas pelo Poder Legislativo do Distrito

Federal, seja diretamente, seja pela internalização das eventuais alterações

promovidas pelo Congresso Nacional à Lei Federal n. 8.112/1990.

In casu, verifi ca-se que o recorrente não pleiteia a aplicação da Lei Federal

n. 8.112/1990, mas da Lei Distrital n. 197/1991 que incorporou ao ordenamento

jurídico distrital as disposições da dita lei federal.

Assim, é de se reconhecer a incidência da Súmula n. 280-STF.

Impende ressaltar, outrossim, que tal pedido é destituído de qualquer

base jurídica, na medida em que, como já decidido pelo Superior Tribunal de

Justiça no paradigma acima apontado, será aplicável, no que couber aos Policiais

Civis do Distrito Federal, as regras da Lei Federal n. 8.112/1990, o que afasta a

incidência de sua “versão distrital”.

Nesse sentido, mutatis mutandis:

Agravo regimental. Recurso especial. Servidor público do Distrito Federal. Policial civil. Escrivão. Aposentadoria por invalidez. Doença incapacitante. Parágrafo 1º, I, do art. 186 da Lei n. 8.112. Ausência de previsão legal. Proventos integrais. Impossibilidade. Rol taxativo. Recurso especial provido. Agravo regimental a que se nega provimento.

1. Consoante orientação do Supremo Tribunal Federal, é cabível recurso especial no qual se discute interpretação de lei referente aos vencimentos ou ao regime jurídico dos integrantes da polícia civil do Distrito Federal, uma vez que compete privativamente à União, nos termos do art. 21, XIV, da CR/1988, legislar com exclusividade sobre a estrutura administrativa e o regime jurídico dos integrantes dessas organizações de segurança pública distrital. Por isso não é aplicável ao caso a Súmula n. 280-STF.

2. A jurisprudência do STJ se mostra firme no entendimento de que, nos termos do art. 186 da Lei n. 8.112/1990, não é devida aposentadoria por invalidez com proventos integrais, ainda que incapacitante seja a doença sofrida pelo servidor, in casu, ceratite, uma vez que essa doença não se encontra elencada no rol taxativo contido no § 1º do referido artigo.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

330

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 605.089-DF, Rel. Min. Celso Limongi, Des. Conv. do TJSP, Sexta Turma, DJe 1º.02.2010).

Por fi m, é inviável o exame do pedido formulado pelo autor à luz da Lei

Federal n. 8.112/1990, sob pena de se proceder um julgamento extra petita, uma

vez que extrapolaria os limites da demanda fi xados na petição inicial (fl s. 5-12e)

- incidência da Lei Distrital n. 197/1991, na parte em que incorporou o art. 87

da citada lei federal.

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É o voto.

Page 331: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

Segunda Turma

Page 332: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,
Page 333: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.161.709-SP (2009/0200996-9)

Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha

Agravante: Expresso Cristália Ltda.

Advogado: Adriana Zanni Ferreira e outro(s)

Agravado: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

EMENTA

Agravo regimental em agravo regimental em recurso especial.

Honorários advocatícios. Cabimento. Renúncia ao direito sobre o qual

se funda a ação. Adesão ao Refi s. Precedentes. Agravo improvido.

– A verba honorária é efetivamente devida em casos de extinção

da ação proposta pela empresa contribuinte contra o Fisco. Inteligência

do art. 26 do CPC.

– A adoção ao Refi s é uma faculdade dada à pessoa jurídica pelo

Fisco, assim, ao optar pelo programa, deve sujeitar-se às suas regras

– a confi ssão do débito e a desistência da ação, com a conseqüente

responsabilidade pelo pagamento da verba advocatícia.

– A Corte Especial, no julgamento do AgRg nos EDcl nos

EDcl no RE nos EDcl no AgRg no REsp n. 1.009.559, da relatoria

do Ministro Ari Pargendler, fi xou a tese de que o artigo 6º, § 1º, da

Lei n. 11.941 de 2009 somente dispensou dos honorários advocatícios

o sujeito passivo que desistir de ação judicial em que requeira

“o restabelecimento de sua opção ou a sua reinclusão em outros

parcelamentos”.

Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na

conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade,

Page 334: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

334

negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-

Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente),

Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator

DJe 04.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Cuida-se de agravo regimental

interposto pela Fazenda Nacional contra decisão exarada pela Ministra Eliana

Calmon que, homologando pedido de renúncia ao direito sobre o qual se

funda a ação, condenou a Empresa Contribuinte em honorários advocatícios

consoante fi xado pela Instância de origem, nestes termos:

Trata-se de agravo regimental interposto pela Fazenda Nacional, contra decisão que homologou o pedido de renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, nos termos do art. 269, V, do CPC.

Alega a agravante que a decisão merece ser reformada no que tange à condenação da parte contrária ao pagamento de honorários advocatícios, devidos em razão da aplicação do princípio da causalidade.

Argumenta que na Lei n. 11.941/2009 há previsão de dispensa de honorários advocatícios em razão da extinção da demanda, porém quando esta trata de restabelecimento da opção de parcelamento ou de reinclusão em outros parcelamentos, consoante o disposto no artigo 6º, do referido diploma legal.

Decido:

Na base fática, temos ação ordinária que busca a anulação de débito fi scal relativo à autuação promovida pela SRF, tendo em vista a ausência de correção monetária dos valores extracontábeis relativos ao lucro infl acionário existente em 31.12.1989.

A autora desistiu integralmente da presente ação (fl s. 263-265), renunciando às alegações de direito que tenha aduzido, segundo alegou, em atendimento às condições para adesão ao parcelamento de débito tributário, consoante previsto na Medida Provisória n. 449/2008.

O pedido foi homologado e extinto o processo (fl . 267), não tendo a decisão tratado expressamente da fi xação dos honorários, daí a oposição do presente agravo regimental.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 335

Incide à espécie o art. 26 do Código de Processo Civil, respondendo pelos honorários a parte que desistiu da ação. A previsão de dispensa dos honorários contida no § 1º, do artigo 6º da Lei n. 11.941/2009 é expressa para os casos em que o sujeito passivo requer o restabelecimento de sua opção ou a reinclusão em outros parcelamentos, do que não trata o caso em tela.

Com essas considerações, nos termos do art. 259 do RISTJ c.c. art. 557 do CPC, reconsidero o decisum para dar provimento ao agravo regimental e condenar a autora nos honorários advocatícios fi xados na origem.

Intimem-se.

Alega a ora agravante que a decisão impugnada merece reforma. Sustenta,

em síntese, que não é cabível a fi xação de honorários, sob pena de ignorar o

contexto histórico e contrariar o propósito para qual a lei de recuperação fi scal

foi editada. Acrescenta que a dispensa de honorários representa um benefício

processual e não fiscal propriamente dito, podendo o julgador a partir de

uma interpretação histórica e teleológica de normas, afastar referido ônus do

contribuinte.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): Não obstante as razões

regimentais da agravante, a irresignação não prospera, devendo o decisum

recorrido ser mantido por seus próprios fundamentos.

É pacífi co nesta Corte o entendimento segundo o qual a verba honorária,

em casos como os dos autos, é efetivamente devida, em face do disposto no

artigo 26 do Código de Processo Civil. É que a adoção ao Refi s é uma faculdade

dada à pessoa jurídica pelo Fisco, assim, ao optar pelo programa, deve sujeitar-se

às suas regras – a confi ssão do débito e a desistência da ação, com a conseqüente

responsabilidade pelo pagamento da verba advocatícia.

Acrescento que a Corte Especial, no julgamento do AgRg nos EDcl

nos EDcl no RE nos EDcl no AgRg no REsp n. 1.009.559, da relatoria do

Ministro Ari Pargendler, fi xou a tese de que o artigo 6º, § 1º, da Lei n. 11.941

de 2009 somente dispensou dos honorários advocatícios o sujeito passivo que

desistir de ação judicial em que requeira “o restabelecimento de sua opção ou a

sua reinclusão em outros parcelamentos”.

Por oportuno, confi ram-se os seguintes julgados:

Page 336: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

336

Execução fi scal. Adesão ao programa de parcelamento. Reconhecimento do débito. Extinção dos embargos do devedor. Honorários advocatícios. Cabimento.

1. O pagamento de honorários advocatícios na Execução Fiscal não exclui a condenação na verba honorária devida nos Embargos do Devedor, que constitui ação autônoma. Precedentes do STJ.

2. A adesão a programa especial de parcelamento representa confissão do débito. Nesses casos, a extinção dos Embargos do Devedor, decorrente do pagamento dentro do programa, implica condenação em honorários advocatícios. Precedentes do STJ.

3. Hipótese em que a empresa aderiu ao Refi s estadual e pagou o débito em cobrança na Execução Fiscal, acrescido dos honorários devidos naquela ação. Os Embargos foram extintos em decorrência do pagamento do débito, com a condenação em honorários.

4. O Tribunal a quo julgou que a adesão ao Refi s confi gura transação e atrai a aplicação do art. 26, § 2º, do CPC, afastando a verba honorária. Entendimento que destoa da jurisprudência do STJ e, portanto, merece reforma. Precedentes do STJ.

5. Agravo Regimental não provido (AgRg no Ag n. 1.292.805-MS, relator Ministro Herman Benjamin, DJe de 1º.07.2010).

Processo Civil. Desistência. Adesão ao Refis. Pagamento de honorários advocatícios. Precedente da Corte Especial.

1. A Corte Especial, na assentada de 25 de fevereiro de 2010, firmou o entendimento de que o art. 6º, § 1º, da Lei n. 11.941, de 2009, só dispensou dos honorários advocatícios o sujeito passivo que desistir de ação judicial em que requeira “o restabelecimento de sua opção ou a sua reinclusão em outros parcelamentos”.

2. Nas demais hipóteses, à míngua de disposição legal em sentido contrário, aplica-se o art. 26, caput, do Código de Processo Civil, que determina o pagamento dos honorários advocatícios pela parte que desistiu do feito.

Agravo regimental provido (AgRg no AgRg no Ag n. 1.184.979-RS, relator Ministro Humberto Martins, DJe de 21.06.2010).

Agravo regimental no recurso especial. Execução fiscal. Programa de parcelamento de créditos tributários - Refis. Inclusão. Desistência da ação. Condenação em honorários. Agravo improvido.

1. “O artigo 6º, § 1º, da Lei n. 11.941, de 2009, só dispensou dos honorários advocatícios o sujeito passivo que desistir de ação judicial em que requeira ‘o restabelecimento de sua opção ou a sua reinclusão em outros parcelamentos’. Nas demais hipóteses, à míngua de disposição legal em sentido contrário, aplica-se o artigo 26, caput, do Código de Processo Civil, que determina o pagamento dos honorários advocatícios pela parte que desistiu do feito. Agravo regimental não provido.” (AgRg EDcl EDcl RE EDcl AgRg REsp n. 1.009.559-SP, Relator Ministro Ari Pargendler, Corte Especial, in DJe 08.03.2010).

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2. Não há dispensa dos honorários advocatícios em razão da extinção da ação proposta pelo contribuinte contra o Fisco, quando se visa à “adesão da empresa ao programa do Refi s”, nos termos da Lei n. 11.941/2009.

3. Agravo regimental improvido (AgRg na Desis no REsp n. 1.128.942-RS, relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJe de 07.05.2010).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL N. 973.989-PR (2007/0186140-0)

Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha

Agravante: Tuca Bairros Indústria de Bebidas Ltda.

Advogado: Eros Santos Carrilho e outro(s)

Agravado: Fazenda Nacional

Procuradores: Berenice Ferreira Lamb e outro(s)

Claudio Xavier Seefelder Filho

EMENTA

Agravo regimental. Recurso especial. Crédito-prêmio. IPI. Produtor-vendedor. DL n. 491/1969, DL n. 1.248/1972, DL n. 1.894/1981 e Lei n. 8.402/1992.

– O § 1º do art. 1º da Lei n. 8.402/1992, ao restabelecer “a garantia de concessão dos incentivos fi scais à exportação de que trata o art. 3º do Decreto-Lei n. 1.248, de 29 de novembro de 1972, ao produtor-vendedor que efetue vendas de mercadorias à empresa comercial exportadora, para o fi m específi co de exportação”, o fez considerando a última redação, decorrente da modifi cação imposta pelo Decreto-Lei n. 1.894/1981. Isto é, foram restabelecidos os incentivos fi scais, excluído o crédito-prêmio para os produtores-vendedores

desde 1981.

– Tendo em vista que o crédito-prêmio criado pelo art. 1º do

Decreto-Lei n. 491/1969, na linha da jurisprudência da Corte, deixou

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de existir em 04.10.1990 por força do art. 41, caput e § 1º, do ADCT,

o restabelecimento, pelo § 1º do art. 1º da Lei n. 8.402/1992, dos

“benefícios fi scais concedidos por lei para incentivo à exportação” (art.

3º do Decreto-Lei n. 1.248/1972), não poderia mesmo ensejar a volta

do crédito-prêmio.

– Caso em que, seja considerando como data da extinção do

crédito-prêmio 04.10.1990 (art. 41, caput e § 1º, do ADCT) seja

considerando a data da revogação do benefício quanto aos produtores-

vendedores, ocorrida em 17.12.1981 (publicação do Decreto-Lei n.

1.894, de 16.12.1981), ocorreu a prescrição, tendo em vista que a ação

foi ajuizada apenas em 2003.

Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na

conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade,

negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-

Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente),

Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator

DJe 10.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Agravo regimental interposto por

Tucabairros Indústria de Bebidas Ltda. contra a decisão de fl s. 549-553, da em.

Ministra Eliana Calmon, com o seguinte teor:

Trata-se de recurso especial interposto, com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª assim ementado:

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Tributário. IPI. “Crédito-prêmio”. Art. 1º do Decreto-Lei n. 491/1969. Extinção em 30 de junho de 1983. Precedentes. Produtor-vendedor. Vedação expressa. Resolução n. 71/05 do Senado Federal.

1. O Decreto-Lei n. 491/1969 instituiu incentivo fiscal destinado às empresas fabricantes consistente no deferimento de créditos tributários decorrentes de vendas para o exterior como ressarcimento de tributos pagos internamente. O marco fi nal do incentivo fi scal consistente nesse “crédito-prêmio” foi estabelecido na legislação de regência em 30 de junho de 1983.

2. O Decreto-Lei n. 1.894/1981 não reinstituiu o “crédito-prêmio” sem previsão de data de extinção, mas apenas redirecionou o incentivo para outros grupos econômicos. Por sua vez, a Lei n. 8.402/1992 também não restabeleceu o “crédito-prêmio”, posto que este incentivo não consta do rol de benefícios expressamente indicados no texto legal.

3. Assim, o “crédito-prêmio” do IPI previsto no artigo 1º do Decreto-Lei n. 491/1969 só teve aplicação até 30.06.1983.

4. Precedentes desta Corte e do e. STJ.

5. A remição feita pelo art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.402/1992 ao art. 3º do Decreto-Lei n. 1.248/1972, já encontrou a nova redação imprimida ao referido dispositivo pelo Decreto-Lei n. 1.894/1981, que expressamente vedou o aproveitamento, pelo produtor-vendedor, do benefício fiscal previsto no malsinado Decreto-Lei n. 491/1969.

6. A edição da Resolução n. 71/05, do Senado Federal, não anula ou se sobrepõe ao poder de o Judiciário interpretar a lei, sem olvidar de sua abrangência limitada aos DDLL n. 1.724/1979 e n. 1.894/1981, sendo certo que o Decreto-Lei n. 1.658/1979, que não teve seus efeitos suspensos, foi que determinou a extinção do benefício.

7. Apelo desprovido (fl . 423).

Opostos embargos declaratórios, restaram parcialmente providos para efeito de prequestionamento, nos seguintes termos:

Embargos de declaração. Omissão. Inexistência. Prequestionamento. Possibilidade.

1. O acórdão não incorreu em omissão ante o adequado enfrentamento das questões postas em discussão.

2. Os embargos declaratórios não se prestam para rediscutir o julgado, sendo cabível caráter infringente somente em situações excepcionais, o que não é o caso dos autos.

3. Cabíveis embargos de declaração para efeito de prequestionamento, em vista do disposto nas Súmulas n. 282 e 356 do STF e n. 98 e 211 do STJ.

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4. Embargos de declaração parcialmente providos para efeito de prequestionamento (fl . 432).

Inconformada, a empresa Tuca Bairros Indústria de Bebidas Ltda. aponta, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 1º, § 1º, da Lei n. 8.402/1992, 3º do DL n. 1.248/1972 c.c. o 1º do DL n. 491/1969, 2º, §§ 1º e 3º, da LICC e da Resolução n. 71/2005 do Senado Federal. Sustenta, em síntese, que:

a) cuida-se de exportação indireta, que era regida pelo DL n. 1.248/1972, cujo art. 3º foi expressamente repristinado pelo art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.402/1992;

b) diante dessa repristinação em 1992, a discussão sobre os Decretos-Leis n. 1.658/1979 e n. 1.894/1981 fi cou prejudicada, na medida em que o fato de se “entender que o crédito prêmio do IPI teria sido extinto em junho de 1983 – do que se cogita apenas para argumentar – não é obste para que, especifi camente em relação às exportações indiretas, fosse repristinado em 1992 pela Lei n. 8.402/1992”;

c) segundo o instituto da repristinação (art. 2º, §§ 1º e 3º, da LICC), a lei revogada não se restabelecerá com a revogação da lei revogadora, salvo se houver disposição expressa de nova lei – o que ocorreu no presente caso;

d) negar referida repristinação seria negar vigência ao art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.402/1992, que somente poderia deixar de ser aplicado se declarado inconstitucional;

e) as operações de que trata o art. 1º do DL n. 1.248/1972 são justamente as vendas de mercadorias a empresas comerciais exportadoras. Dentre os benefícios vigentes nessa época estava o crédito-prêmio do IPI. Defende que na mesma linha de argumentação do acórdão recorrido, “o crédito-prêmio teria sido extinto apenas em junho de 1983, o que signifi ca que estava em vigor em 1972, quando editado o DL n. 1.248/1972, ora repristinado”;

f ) com o advento desse decreto-lei, o benefício fi scal foi conferido ao vendedor, ou seja, o recorrente. Anteriormente, era dirigido às empresas comerciais exportadoras;

g) o entendimento de que o art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.402/1992 teria encontrado a nova redação imprimida ao art. 3º do DL n. 1.248/1972 pelo art. 3º do DL n. 1.894/1981 não é argumento hábil para negar ou afastar a repristinação;

h) “ao repristinar o art. 3º do DL n. 1.248/1972, ao invés do art. 2º do DL n. 1.894/1981, a ratio do art. 1º § 1º da Lei n. 8.402/1992 foi justamente a de restabelecer a redação primitiva do art. 3º do DL n. 1.248/1972 assegurando assim ao produtor vendedor o crédito prêmio do IPI, e não à comercial exportadora”;

i) é inaplicável o DL n. 1.658/1979, para concluir pela extinção do benefício fiscal em 1983, à vista da inconstitucionalidade do DL n. 1.724/1979, que expressamente se reportava aos DL n. 1.658/1979 e n. 1.722/1979;

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j) o art. 1º do DL n. 1.722/1979 alterou a escala de redução gradual prevista no art. 1º do DL n. 1.658/1979 e excluiu a previsão legal para extinção do benefício fi scal em 30.06.1983. Assim, conclui que após a edição do DL n. 1.722/1979 não havia mais previsão legal para extinção do referido benefício;

l) a Resolução n. 71/2005 “é o reconhecimento do próprio Poder Legislativo de que o crédito prêmio do IPI encontra-se em vigor e assiste direito a todos os exportadores, em face da extensão dos efeitos das decisões do STF(...)”.

Pede seja provido o especial, para assegurar-lhe o direito ao crédito-prêmio do IPI, previsto no art. 1º do DL n. 491/1969, nas exportações indiretas, por força do art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.402/1992, que expressamente repristinou o art. 3º do DL n. 1.248/1972, com correção monetária e Taxa Selic.

Em relação ao dissídio jurisprudencial, colaciona acórdãos do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Após as contra-razões, inadmitido o especial, subiram os autos por força do AG n. 894.685-PR.

É o relatório.

Preliminarmente, incabível, em sede de recurso especial, a análise de negativa de vigência a resolução do Senado Federal.

Nesse sentido, os seguintes precedentes:

Administrativo e Processual Civil. Trânsito. Substituição de motor à gasolina por motor a diesel. Registro e licenciamento do veículo. Art. 98 do CTB. Falta de prequestionamento.

1. Não se conhece do recurso especial se a matéria suscitada – ofensa ao art. 98 do CTB – não foi objeto de análise pelo Tribunal de origem, em virtude da falta do requisito do prequestionamento. Súmulas n. 282 e 356-STF.

2. Resoluções e portarias, ainda que tenham caráter normativo, não se adaptam ao requisito de lei federal para fi ns de análise em recurso especial.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no Ag n. 1.013.386-RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 20.05.2008, DJe 04.06.2008).

Processual Civil. Administrativo. Agravo regimental no agravo regimental no agravo de instrumento. Contrato de telefonia. Demanda entre o usuário e a concessionária de serviço público. Anatel. Ilegitimidade passiva. Detalhamento das contas, com a exata descrição das ligações locais. Análise de suposta ofensa a dispositivo de resolução. Não-enquadramento no conceito de “lei federal”. Divergência jurisprudencial não-demonstrada.

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1. Inexiste interesse jurídico da Anatel capaz de justificar a sua presença no pólo passivo das ações ajuizadas apenas contra as empresas concessionárias de telefonia, nas quais se pretende ver declarada a necessidade de discriminação detalhada das ligações locais que excedem a franquia mensal.

2. O recurso especial não constitui via adequada para a análise de eventual ofensa a resoluções, portarias ou instruções normativas, por não estarem tais atos normativos compreendidos na expressão “lei federal”, constante da alínea a do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal.

3. Para a demonstração do dissídio jurisprudencial não basta a simples transcrição de ementas, devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identifi cam ou assemelham os casos confrontados.

4. Ademais, o conhecimento do recurso especial fundado na alínea c do permissivo constitucional pressupõe a indicação do dispositivo de lei federal interpretado de modo divergente por outro Tribunal.

5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AgRg no Ag n. 1.012.536-AM, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 05.08.2008, DJe 20.08.2008).

Ultrapassado esse ponto, no julgamento do

Processual Civil. Tributário. Recurso especial representativo de controvérsia (art. 543-C, § 1º, do CPC). Pedido de desistência. Indeferimento. Violação ao art. 535, do CPC. Inocorrência. Alínea c. Ausência de demonstração de dissídio. IPI. Crédito-prêmio. Decreto-Lei n. 491/1969 (art. 1º). Vigência. Prazo. Extinção. Prescrição.

1. É inviável o acolhimento de pedido de desistência recursal formulado quando já iniciado o procedimento de julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia, na forma do art. 543-C do CPC c.c. Resolução n. 8/2008 do STJ. Precedente: QO no REsp n. 1.063.343-RS, Corte Especial, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17.12.2008.

2. O Poder Judiciário não está obrigado a se manifestar expressamente a respeito de todas as teses jurídicas trazidas pelas partes para a solução de um determinado caso concreto. Basta a existência de fundamentação apta e razoável a fazê-lo no decisório, havendo que ser consideradas rechaçadas as demais teses levantadas e não acolhidas. Ausente a violação ao art. 535, do CPC.

3. A mera colagem de ementas não supre a demonstração do dissídio a que se refere a alínea c do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal de 1988. Nas razões de recurso especial, a alegada divergência deverá ser demonstrada nos moldes exigidos pelo artigo 255 e parágrafos do RI-

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 343

STJ. Precedentes: AEREsp n. 337.883-SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 22.03.2004, REsp n. 466.526-DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 25.08.2003 e AgREsp n. 493.456-RS, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 23.06.2003.

4. Relativamente ao prazo de vigência do estímulo fi scal previsto no art. 1º do DL n. 491/1969 (crédito-prêmio de IPI), três orientações foram defendidas na Seção. A primeira, no sentido de que o referido benefício foi extinto em 30.06.1983, por força do art. 1º do Decreto-Lei n. 1.658/1979, modifi cado pelo Decreto-Lei n. 1.722/1979.

Entendeu-se que tal dispositivo, que estabeleceu prazo para a extinção do benefício, não foi revogado por norma posterior e nem foi atingido pela declaração de inconstitucionalidade, reconhecida pelo STF, do art. 1º do DL n. 1.724/1979 e do art. 3º do DL n. 1.894/1981, na parte em que conferiram ao Ministro da Fazenda poderes para alterar as condições e o prazo de vigência do incentivo fi scal.

5. A segunda orientação sustenta que o art. 1º do DL n. 491/1969 continua em vigor, subsistindo incólume o benefício fi scal nele previsto.

Entendeu-se que tal incentivo, previsto para ser extinto em 30.06.1983, foi restaurado sem prazo determinado pelo DL n. 1.894/1981, e que, por não se caracterizar como incentivo de natureza setorial, não foi atingido pela norma de extinção do art. 41, § 1º do ADCT.

6. A terceira orientação é no sentido de que o benefício fi scal foi extinto em 04.10.1990, por força do art. 41 e § 1º do ADCT, segundo os quais “os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis”, sendo que “considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos fiscais que não forem confi rmados por lei”. Entendeu-se que a Lei n. 8.402/1992, destinada a restabelecer incentivos fi scais, confi rmou, entre vários outros, o benefício do art. 5º do Decreto-Lei n. 491/1969, mas não o do seu artigo 1º. Assim, tratando-se de incentivo de natureza setorial (já que benefi cia apenas o setor exportador e apenas determinados produtos de exportação) e não tendo sido confi rmado por lei, o crédito-prêmio em questão extinguiu-se no prazo previsto no ADCT.

7. Prevalência do entendimento no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o crédito-prêmio do IPI, previsto no art. 1º do DL n. 491/1969, não se aplica às vendas para o exterior realizadas após 04.10.1990. Precedente no STF com repercussão geral: RE n. 577.348-5-RS, Tribunal Pleno, Relator Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 13.08.2009. Precedentes no STJ: REsp n. 652.379-RS, Primeira Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 08 de março de 2006; EREsp n. 396.836-RS, Primeira Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Rel. para

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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o acórdão Min. Castro Meira, julgado em 08 de março de 2006; EREsp n. 738.689-PR, Primeira Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 27 de junho de 2007.

8. O prazo prescricional das ações que visam ao recebimento do crédito-prêmio do IPI, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, é de cinco anos. Precedentes: EREsp n. 670.122-PR Primeira Seção, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 10 de setembro de 2008; AgRg nos EREsp n. 1.039.822-MG, Primeira Seção, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 24 de setembro de 2008.

9. No caso concreto, tenho que o mandado de segurança foi impetrado em 06 de junho de 2005, portanto, decorridos mais de cinco anos entre a data da extinção do benefício (05 de outubro de 1990) e a data do ajuizamento do writ, encontram-se prescritos eventuais créditos de titularidade da recorrente.

10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.

(REsp n. 1.129.971-BA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 24.02.2010, DJe 10.03.2010).

Adequando o julgado à jurisprudência do STJ, verifi co que os créditos foram irremediavelmente atingidos pela prescrição, considerando a extinção do benefício após 04.10.1990 e que a demanda foi ajuizada somente em 28.05.2003.

Com essas considerações, conheço em parte do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe provimento.

Acolhi os embargos de declaração para, sanando defeito material na

decisão ora agravada, “esclarecer que onde se lê ‘Ultrapassado esse ponto, no

julgamento do’ (fl . 551), leia-se ‘Ultrapassado esse ponto, no julgamento do

recurso especial representativo da controvérsia (art. 543-C do CPC), assim

decidiu a Primeira Seção’” (fl . 577). O resultado do julgamento do recurso

especial foi mantido, portanto.

Alega a agravante que “o caso concreto revela peculiaridade que o distancia

da decisão da 1ª Seção do REsp n. 1.129.971-BA. É que, na espécie, trata-se de

exportação indireta, ou seja, vendas realizadas pelo produtor, ora Agravante, a

empresa comercial exportadora. Essa operação é regida especifi camente – regra

jurídica específi ca – pelo art. 3º do DL n. 1.248/1972, que foi expressamente

repristinado pelo art. 1º, § 1º da Lei n. 8.402/1992” (fl s. 581-582). Este foi o

motivo pelo qual “se apontou no Resp violação, dentre outros preceitos legais,

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do art. 2º, §§ 1º e 3º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), segundo o

qual há repristinação da lei revogada no caso de remissão expressa da lei nova,

como se verifi cou na espécie, com o art. 1º, § 1º da Lei n. 8.402/1992” (fl . 582).

Reitera as razões do recurso especial (cf. fl s. 582-586).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): O agravo regimental não

merece ser acolhido, devendo ser mantido o reconhecimento da prescrição.

A tese da agravante quanto à repristinação do Decreto-Lei n. 1.248/1972,

a propósito, foi bem repelida assim pelo acórdão do Tribunal de origem:

A remição feita pelo art. 1º, § 1º, da Lei n. 8.402/1992 ao art. 3º do Decreto-Lei n. 1.248/1972, já encontrou a nova redação imprimida ao referido dispositivo pelo Decreto-Lei n. 1.894/1981, que expressamente vedou o aproveitamento, pelo produtor-vendedor, do benefício fiscal previsto no malsinado Decreto-Lei n. 491/1969. Logo, não há falar em repristinação, consoante pretende a ora recorrente, mesmo porque a redação primitiva daquele DL já fora derrogada e já não produzia efeitos, até em nome da segurança jurídica (fl . 420v).

De fato, a redação originária do art. 3º do Decreto-Lei n. 1.248/1972,

assim dispunha:

“Art. 3º - São assegurados ao produtor-vendedor, nas operações de que trata o artigo 1º deste Decreto-Lei, os benefícios fi scais concedidos por lei para incentivo à exportação” [“Art. 1º - As operações decorrentes de compra de mercadorias no mercado interno, quando realizadas por empresa comercial exportadora, para o fim específico de exportação, terão o tratamento tributário previsto neste Decreto-Lei”].

Ocorre que o Decreto-Lei n. 1.894/1981, modifi cou a redação do art. 3º

do Decreto-Lei n. 1.248/1972, excluindo em relação ao “produtor-vendedor” o

crédito-prêmio previsto no art. 1º do Decreto-Lei n. 491/1969. Eis a redação

que passou a vigorar em 1981:

Art. 3º - São assegurados ao produtor-vendedor, nas operações de que trata o artigo 1º deste Decreto-lei, os benefícios fi scais concedidos por lei para incentivo à exportação, à exceção do previsto no artigo 1º do Decreto-Lei n. 491, de 05 de março de 1969, ao qual fará jus apenas a empresa comercial exportadora (grifo meu).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

346

Efetivamente, portanto, o § 1º do art. 1º da Lei n. 8.402/1992, ao

restabelecer “a garantia de concessão dos incentivos fi scais à exportação de

que trata o art. 3º do Decreto-Lei n. 1.248, de 29 de novembro de 1972, ao

produtor-vendedor que efetue vendas de mercadorias à empresa comercial

exportadora, para o fi m específi co de exportação”, o fez considerando a última

redação, decorrente da modifi cação imposta pelo Decreto-Lei n. 1.894/1981.

Isto é, foram restabelecidos os incentivos fi scais, excluído o crédito-prêmio para os

produtores-vendedores desde 1981.

A propósito, a modificação do art. 3º do Decreto-Lei n. 1.248/1972

pelo Decreto-Lei n. 1.984/1981 foi expressamente anotada pelo em. Ministro

Humberto Martins, sob um enfoque histórico, no voto vista que proferiu no

julgamento do EREsp n. 738.689-PR (publicado em 22.10.2007, Primeira

Seção, da relatoria do em. Ministro Teori Albino Zavascki), assim:

As empresas exportadoras, muito antes do Decreto-Lei n. 1.894/1981, já estavam contempladas com o crédito-prêmio de IPI. Na verdade, tanto o fabricante e exportador (Decreto-Lei n. 491/1969), quanto o produtor-vendedor que remetia suas mercadorias ao exterior por meio de comerciais exportadoras (Decreto-Lei n. 1.248, de 29.11.1972), e ainda, a própria comercial exportadora (Decreto-Lei n. 1.456, de 07.04.1976), faziam jus ao incentivo quando da edição do Decreto-Lei n. 1.894/1981.

Assim, o prazo fatal de extinção do crédito-prêmio IPI, previsto no Decreto-Lei n. 1.658/1979, com as alterações do Decreto-Lei n. 1.722/1979, que estabeleceu a extinção gradativa do benefício na sua integralidade com data-limite fi xada em 30.06.1983, abarcaria todos os destinatários do incentivo, ou seja, as empresas exportadoras (inclusive comerciais exportadoras) e o produtor-vendedor.

Ocorre, porém, que antes que normas do Decreto-Lei n. 1.658/1979 tivessem alguma aplicação prática, foi editado o Decreto-Lei n. 1.894/1981, que embora tenha mantido a delegação de competência para o Ministro da Fazenda em seu art. 3º, de forma que também foram consideradas inconstitucionais as expressões “reduzí-los” e “suspendê-los ou extinguí-los” pelo STF, conferiu, em contrapartida, novo tratamento legal ao crédito-prêmio de IPI, em seus arts. 1º e 2º, revogando o prazo extintivo previsto no Decreto-Lei n. 1.658/1979, a teor do que prescreve o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução do Código Civil, verbis:

A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando com ela seja incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

Isso porque, enquanto às empresas exportadoras não foi fi xado prazo para a vigência temporal do estímulo fi nanceiro, a qual se tomou indeterminada, os

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 347

produtores-vendedores tiveram amesquinhado o seu direito ao gozo do crédito-prêmio com sua exclusão antecipada para 1981, pois restou alterada a cláusula geral de concessão de incentivos fi scais à exportação prevista, originalmente, no Decreto-Lei n. 1.248/1972. (grifo meu).

Ademais, tendo em vista que o crédito-prêmio criado pelo art. 1º do

Decreto-Lei n. 491/1969, na linha da jurisprudência da Corte, deixou de existir

em 04.10.1990 por força do art. 41, caput e § 1º, do ADCT, o restabelecimento,

pelo § 1º do art. 1º da Lei n. 8.402/1992, dos “benefícios fi scais concedidos por

lei para incentivo à exportação” (art. 3º do Decreto-Lei n. 1.248/1972), não

poderia mesmo ensejar a volta do crédito-prêmio.

Concluindo, seja considerando como data da extinção do crédito-prêmio

04.10.1990 (art. 41, caput e § 1º, do ADCT), seja considerando a data da

revogação do benefício quanto aos produtores-vendedores, ocorrida em

17.12.1981 (publicação do Decreto-Lei n. 1.894, de 16.12.1981), ocorreu a

prescrição, tendo em vista que a ação foi ajuizada apenas em 2003.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 22.579-SE (2006/0189603-0)

Relator: Ministro Mauro Campbell Marques

Recorrente: Supermercados Izabella Ltda.

Advogado: Pablo Fernandes Araújo Hardman e outro(s)

Tribunal de Origem: Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe

Impetrado: Secretário de Fazenda do Estado de Sergipe

Recorrido: Estado de Sergipe

Procurador: Conceição Maria Gomes Ehl Barbosa e outro(s)

EMENTA

Processual Civil. Recurso ordinário em mandado de segurança.

Tributário. Parcelamento. Norma estadual que veda a concessão

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

348

do benefício em relação a débito fi scal oriundo de auto de infração

julgado procedente em decisão administrativa irrecorrível, lavrado em

decorrência de constatação de fraude, dolo ou má-fé. Inexistência de

ilegalidade.

1. Considerando que a concessão de parcelamento sujeita-se

à observância das condições estabelecidas em lei do respectivo ente

tributante (art. 155-A do CTN) e, no âmbito do Estado de Sergipe,

há vedação expressa em relação ao débito fi scal oriundo de auto de

infração julgado procedente em decisão administrativa irrecorrível,

lavrado em decorrência de constatação de fraude, dolo ou má-fé

(art. 9º, II, da Lei Estadual n. 5.666/2005), não há falar em direito

líquido e certo no caso concreto - em que há decisão administrativa

irrecorrível que confi rmou a ocorrência de emissão de notas fi scais que

simulavam operações inexistentes. Assim, na hipótese, a não concessão

do parcelamento funda-se em expressa previsão legal.

2. Ressalte-se que, nos termos do art. 154, parágrafo único,

do CTN, “a moratória não aproveita aos casos de dolo, fraude ou

simulação do sujeito passivo ou do terceiro em benefício daquele”,

sendo que tal regra se aplica, por analogia, ao instituto do parcelamento,

de modo que, “silente a legislação ordinária do ente tributante, veda-

se a inclusão em parcelamento tributário de créditos decorrentes de

evasão fi scal” (REsp n. 1.068.041-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana

Calmon, DJe de 08.10.2008).

3. Por outro lado, a vedação contida na legislação estadual não

implica contrariedade ao princípio consagrado no art. 5º, LVII, da

CF/1988, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até

o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, sobretudo

porque não se trata de aplicação de pena ou de restrição de direito,

mas da impossibilidade de se conceder um benefício de natureza fi scal

quando não preenchidos os requisitos previstos na lei que o estabelece.

4. Recurso ordinário não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 349

de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte

resultado de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao

recurso ordinário, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os

Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram

com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 05 de outubro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

DJe 21.10.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso ordinário

em mandado de segurança interposto com fundamento no art. 105, II, b, da

Constituição Federal, em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do

Sergipe cuja ementa é a seguinte:

Mandado de segurança. Tributário. ICMS. Parcelamento e redução da dívida. Débito oriundo de fraude. Impossibilidade legal. Precedentes. Denegacão da segurança.

I - Segundo precedente deste Tribunal (Acórdão n. 0683/2006), “sendo o débito oriundo de fraude, e havendo vedação legal expressa da não inclusão do benefício quando o débito fiscal for oriundo de auto de infração julgado procedente em decisão administrativa irrecorrível, vedada está a concessão da tutela antecipada diante da ausência dos seus requisitos”.

II - Writ indeferido.

A recorrente sustenta, em suma, que é ilegal e inconstitucional a norma contida na Lei Estadual n. 5.666/2005 que veda o parcelamento em relação a débitos oriundos de autos de infração “julgados procedentes em decisão administrativa irrecorrível”, lavrados em “decorrência de constatação de fraude, dolo ou má fé” (fl . 121). Afi rma que tal vedação viola o “princípio da presunção de inocência” (art. 5º, LVII, CF/1988)”.

O Estado de Sergipe, em suas contrarrazões, alega, em síntese, que a vedação prevista na legislação estadual não configura ofensa ao “princípio constitucional da presunção de inocência” (fl . 132).

O Ministério Público Federal, por meio do parecer de fl s. 150-154, opina

pelo não provimento do recurso, tendo em vista que não fi cou caracterizado

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

350

o alegado direito líquido e certo, sendo que a vedação contida na legislação

estadual não confi gura ofensa ao princípio da presunção de inocência.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): O recurso não merece

prosperar.

Nos termos do art. 155-A do CTN (incluído pela LC n. 104/2001),

“o parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei

específi ca”.

A Lei Estadual n. 5.666/2005 (do Estado de Sergipe) estabelece que não

será concedido parcelamento em relação a débito fi scal oriundo de auto de

infração julgado procedente em decisão administrativa irrecorrível, lavrado em

decorrência de constatação de fraude, dolo ou má-fé.

No caso dos autos, o Fisco Estadual, ao autuar o impetrante (ora recorrente)

entendeu que houve a prática de crime contra a ordem tributária, consistente na

emissão de notas fi scais que simulavam operações inexistentes.

Assim, considerando que a concessão de parcelamento sujeita-se à

observância das condições estabelecidas em lei do respectivo ente tributante

(art. 155-A do CTN) e, no âmbito do Estado de Sergipe, há vedação expressa

em relação ao débito fi scal oriundo de auto de infração julgado procedente em

decisão administrativa irrecorrível, lavrado em decorrência de constatação de

fraude, dolo ou má-fé (art. 9º, II, da Lei Estadual n. 5.666/2005), não há falar

em direito líquido e certo no caso concreto - em que há decisão administrativa

irrecorrível que confirmou a ocorrência de emissão de notas fiscais que

simulavam operações inexistentes. Assim, na hipótese, a não concessão do

parcelamento funda-se em expressa previsão legal.

Ressalte-se que, nos termos do art. 154, parágrafo único, do CTN, “a

moratória não aproveita aos casos de dolo, fraude ou simulação do sujeito

passivo ou do terceiro em benefício daquele”, sendo que tal regra se aplica,

por analogia, ao instituto do parcelamento, de modo que “silente a legislação

ordinária do ente tributante, veda-se a inclusão em parcelamento tributário de

créditos decorrentes de evasão fi scal” (REsp n. 1.068.041-PR, 2ª Turma, Rel.

Min. Eliana Calmon, DJe de 08.10.2008).

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 351

Por outro lado, a vedação contida na legislação estadual não implica

contrariedade ao princípio consagrado no art. 5º, LVII, da CF/1988, segundo o

qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença

penal condenatória”, sobretudo porque não se trata de aplicação de pena ou

da restrição de direito, mas da impossibilidade de se conceder um benefício

de natureza fi scal quando não preenchidos os requisitos previstos na lei que o

estabelece.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso ordinário.

RECURSO ESPECIAL N. 904.131-RS (2006/0253822-0)

Relatora: Ministra Eliana Calmon

Relator para o acórdão: Ministro Herman Benjamin

Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Procurador: Mozart Leite de Oliveira Junior e outro(s)

Recorrido: Indústria de Calçados Sinimbu Ltda.

Advogado: Sem representação nos autos

EMENTA

Processual Civil. Execução fiscal contra empresa falida.

Encerramento da ação de falência por insuficiência patrimonial.

Redirecionamento. Nome dos co-responsáveis na CDA. Possibilidade.

1. Hipótese em que o Tribunal de origem indeferiu o requerimento

de suspensão do feito com base no art. 40 da Lei n. 6.830/1980, bem

como o redirecionamento da Execução Fiscal contra os sócios cujo

nome consta da CDA, ao fundamento de que o encerramento da

Ação Falimentar, por inexistência de bens, torna regular a dissolução

societária.

2. Não há violação do art. 40 da LEF, tendo em vista que a

suspensão da Execução Fiscal somente ocorre quando não localizado

o devedor ou bens passíveis de constrição. Na situação em análise, o

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

352

devedor foi encontrado (a massa falida é representada pelo síndico) e verifi cou-se ausência de bens.

3. A inaplicabilidade do dispositivo acima citado, contudo, não implica autorização para imediata extinção da Execução Fiscal quando o nome do(s) sócio(s) estiver na CDA.

4. A questão da co-responsabilidade pelo pagamento da dívida ativa da Fazenda Pública é matéria estranha à competência do juízo falimentar, razão pela qual a sentença que decreta a extinção da falência, por não haver patrimônio apto para quitação do passivo, não constitui, por si só, justa causa para o indeferimento do pedido de redirecionamento, ou para a extinção da Execução Fiscal.

5. Conseqüentemente, o redirecionamento deve ser solucionado de acordo com a interpretação conferida pelo STJ: a) se o nome dos co-responsáveis não estiver incluído na CDA, cabe ao ente público credor a prova da ocorrência de uma das hipóteses listadas no art. 135 do CTN; b) constando o nome na CDA, prevalece a presunção de legitimidade de que esta goza, invertendo-se o ônus probatório (orientação reafi rmada no julgamento do REsp n. 1.104.900-ES, sob o rito dos recursos repetitivos).

6. Recurso Especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-desempate do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, e da retifi cação dos votos dos Srs. Ministros Herman Benjamin e Humberto Martins, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Herman Benjamin, que lavrará o acordão, com a ressalva do ponto de vista do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques. Vencida a Sra. Ministra Eliana Calmon.” Votaram com o Sr. Ministro Herman Benjamin os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Mauro Campbell Marques.

Brasília (DF), 19 de novembro de 2009 (data do julgamento).

Ministro Herman Benjamin, Relator

DJe 15.10.2010

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 353

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Eliana Calmon: - Trata-se de recurso especial interposto

com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do

TRF da 4ª Região, cuja ementa é a seguinte:

Processual Civil. Execução fiscal. Extinção. Encerramento da falência. Redirecionamento. Ausência de responsabilidade dos sócios. Art. 13 da Lei n. 8.620/1993. Inconstitucionalidade. Renúncia ou extinção do crédito não confi gurada.

1. A suspensão da execução fiscal, sem baixa na distribuição, é medida adequada para a hipótese de não localização do devedor ou bens passíveis de constrição judicial, nos termos do artigo 40 da Lei n. 6.830/1980. Em sendo noticiado o encerramento da falência da executada, após o ajuizamento da ação, sem que houvesse a quitação do débito exeqüendo ante a insufi ciência do acervo patrimonial, impõe-se a extinção do feito executivo. Com a liquidação dos bens arrecadados e a extinção da lide falimentar, desapareceu não só a massa falida - inclusive para fi gurar no pólo passivo da demanda executiva, já que nada mais há para ser requerido em relação a ela - como também o interesse da exeqüente na prestação jurisdicional reclamada, haja vista a inexistência de ativo para a satisfação da dívida que remanesceu.

2. A manutenção de um processo ativo, sem a perspectiva de alcançar um resultado útil, não se coaduna com os princípios da efetividade e economicidade que devem reger a atividade jurisdicional. Conquanto a execução exista em proveito do credor para a satisfação de seu crédito, não lhe é dado onerar excessivamente o devedor nem o próprio Judiciário com o prolongamento de uma execução por prazo indeterminado, sem que exista a possibilidade de ultimação produtiva. Tal proceder importaria em um custo administrativo elevado, que não pode ser suportado pela máquina judiciária, sob pena de grave violação ao princípio da razoabilidade. O processo executivo não está vocacionado a operar no vácuo imposto por motivos alheios à atividade jurisdicional, sendo impositiva a sua extinção diante a necessidade de estabilizar-se o confl ito por imperativo de segurança jurídica. O prosseguimento da execução só se justifi caria se tivesse a potencialidade de satisfazer o crédito exeqüendo.

3. O pedido de redirecionamento da execução contra os sócios da executada encontra óbice na ausência de causa justifi cadora, eis que fundado no simples fato de ter havido o encerramento do processo falimentar sem o pagamento do crédito oriundo da falta de recolhimento de contribuições previdenciárias a cargo da empresa. É assente na jurisprudência que a responsabilidade dos sócios, em relação às dívidas fi scais contraídas por esta, somente se afi rma se aquele, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, abusou do poder ou infringiu a lei, o contrato social ou estatutos, ou, ainda, se a sociedade foi

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

354

dissolvida irregularmente. De outra parte, a decretação de falência não caracteriza dissolução irregular da sociedade, porque, a par de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar os compromissos por ele assumidos.

4. O artigo 13 da Lei n. 8.620/1993 teve sua constitucionalidade afastada pelo Plenário desta Corte, em 28 de junho de 2000, por ocasião do julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade no Agravo de Instrumento n. 1999.04.01.096481-9-SC.

5. A extinção da execução fi scal não implica renúncia, desistência ou extinção do crédito, nem impede a propositura de nova ação, desde que tem repercussão meramente processual, restando incólume o direito material envolvido.

Embargos de declaração parcialmente providos somente para fins de

prequestionamento (fl . 165).

Aponta o recorrente, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts.

124, 128, 135 e 202 do CTN, arts. 2º, § 5º, I e IV, e art. 3º da Lei n. 6.830/1980

e art. 13 da Lei n. 8.620/1993, sob o argumento, em síntese, de que: a) é possível

a suspensão do processo executivo quando não for localizado o devedor ou

encontrado bens passíveis de penhora; b) a CDA goza da presunção de certeza

e liquidez contra o devedor, cujo nome consta no título, cabendo a este provar

que deve ser excluído do pólo passivo da execução; c) a dissolução irregular

enseja o redirecionamento da execução fi scal; e, d) no caso de débitos para com

a Seguridade Social aplica-se a legislação específi ca, havendo responsabilidade

solidária de todos os sócios.

Sem contra-razões (fl . 225), subiram os autos admitido o especial na

origem (fl . 227).

É o relatório.

VOTO VENCIDO

A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): - Inicialmente, quanto à

suspensão do processo executivo, verifi co que o art. 40 da LEF é reservado para

as hipóteses em que não são localizados o devedor ou bens passíveis de penhora,

não sendo motivo de suspensão da execução fi scal o encerramento da falência,

sem possibilidade de satisfação do crédito fi scal, como ocorre na hipótese dos

autos.

Nesse sentido:

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 355

Processual Civil e Tributário. Suspensão da execução fi scal para busca dos co-devedores. Dissolução regular da pessoa jurídica por meio de processo falimentar. Impossibilidade.

1. O art. 40 da Lei n. 6.830/1980 é taxativo ao admitir a suspensão da execução para localização dos co-devedores pela dívida tributária; e na ausência de bens sobre os quais possa recair a penhora.

2. In casu, a executada foi dissolvida regularmente por processo falimentar encerrado, sem que houvesse quitação total da dívida, razão pela qual carece o fi sco de interesse processual de agir para a satisfação débito tributário.

3. Inocorrentes quaisquer das situações previstas no art. 135 do CTN (atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto), não há se falar em redirecionamento.

4. Inexiste previsão legal para suspensão da execução, mas para sua extinção, sem exame de mérito, nas hipóteses de insufi ciência de bens da massa falida para garantia da execução fi scal. Deveras, é cediço na Corte que a insufi ciência de bens da massa falida para garantia da execução fi scal não autoriza a suspensão da execução, a fi m de que se realize diligência no sentido de se verifi car a existência de co-devedores do débito fi scal, que implicaria em apurar a responsabilidade dos sócios da empresa extinta (art. 135 do CTN). Trata-se de hipótese não abrangida pelos termos do art. 40 da Lei n. 6.830/1980 (precedentes: REsp n. 718.541-RS, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ 23 de maio de 2005 e REsp n. 652.858-PR, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJ 16 de novembro de 2004).

5. Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp n. 755.153-RS, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado monocraticamente, DJ 1º.12.2005).

Tributário. Execução fi scal. Suspensão. Falência. Redirecionamento.

1. O comando do art. 40 da Lei n. 6.830/1980, que prevê hipótese de suspensão da execução fi scal, pressupõe a existência de devedor que não foi localizado ou não foram encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora.

2. A insufi ciência de bens da massa falida para garantia da execução fi scal não autoriza a suspensão da execução, a fi m de que se realize diligência no sentido de se verifi car a existência de co-devedores do débito fi scal, que implicaria em apurar a responsabilidade dos sócios da empresa extinta (art. 135 do CTN). Trata-se de hipótese não abrangida pelos termos do art. 40 da Lei n. 6.830/1980 4. Recurso especial improvido.

(REsp n. 718.541-RS, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ 23 de maio de 2005).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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A decretação de falência, em razão do insucesso do empreendimento

comercial, não gera, por si só, a responsabilidade do sócio apta a justifi car

o redirecionamento da execução fiscal. Em qualquer espécie de sociedade

comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas

dívidas sociais. Com a quebra da sociedade, é a massa falida que responde

pelas obrigações da sociedade até o encerramento da falência, sem prejuízo da

responsabilidade pessoal do sócio se fi car demonstrada a prática de ato ou fato

eivado de excesso de poderes ou de infração de lei, contrato social ou estatutos.

Ademais, a falência é forma de dissolução regular da sociedade.

Cito julgados:

Tributário. Redução de multa fiscal. Aplicação do art. 106, II, do CTN. Processo ainda não defi nitivamente julgado na esfera judicial. Execução fi scal. Sócio-gerente. Responsabilidade tributária. Falência. Exigüidade de bens. Redirecionamento.

1. Na interpretação do art. 106, II, c, do CTN, entende-se que a lei mais benigna pode ser aplicada, mesmo estando em pendência recurso judicial.

2. A expressão contida no art. 106 do CTN refere-se a decisão sujeita a recurso administrativo ou judicial.

3. Nesta Corte o entendimento é de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não enseja a responsabilidade solidária do sócio-gerente, nos termos do art. 135, III, do CTN.

4. A falência não confi gura modo irregular de dissolução da sociedade, pois além de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar os compromissos assumidos.

5. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Com a quebra, a massa falida responde pelas obrigações a cargo da pessoa jurídica até o encerramento da falência, só estando autorizado o redirecionamento da execução fi scal caso fi que demonstrada a prática pelo sócio de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração de lei, contrato social ou estatutos.

6. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, no mérito, improvidos.

(REsp n. 601.851-RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 21.06.2005, DJ 15.08.2005 p. 249).

Tributário. Agravo regimental. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211-STJ. Art. 13 da Lei n. 8.620/1993. Fundamento eminentemente constitucional. Redirecionamento da execução. Sócios. Responsável tributário. Súmulas n. 7 e n. 83-STJ. Falência. Dissolução regular.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 357

1. “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo” (Súmula n. 211-STJ).

2. A questão relativa ao art. 13 da Lei n. 8.620/1993 foi analisada pelo Tribunal a quo sob ótica essencialmente constitucional, de competência do STF e, portanto, fora do âmbito de apreciação do recurso especial.

3. Inexistindo prova de que houve dissolução irregular da empresa, ou de que o representante da sociedade agiu com excesso de mandato ou infringiu lei ou o contrato social, não há que se direcionar para ele a execução.

4. A falência confi gura forma regular de dissolução da sociedade e não enseja, por si só, o redirecionamento da execução.

5. Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag n. 767.383-RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 15.08.2006, DJ 25.08.2006, p. 327).

Além disso, descabe o exame da tese em torno do art. 13 da Lei n.

8.620/1993 porque o TRF da 4ª Região decidiu a questão sob o enfoque

exclusivamente constitucional, concluindo que o dispositivo viola o art. 146, III,

b da CF/1988.

Prequestionada, pois, a tese em torno dos dispositivos remanescentes, a

questão que se coloca para análise é a seguinte: é possível prosseguir a execução

contra o sócio, incluindo o nome dos sócios na CDA, após encerrado o processo

falimentar, liquidado e exaurido o patrimônio da pessoa jurídica extinta?

O Direito pretoriano atual, na interpretação do art. 135 do CPC, fi rmou o

seguinte entendimento:

a) se ocorre a extinção regular da empresa, o credor não pode direcionar a

execução, senão comprovando ter o sócio-gerente agido com dolo ou má-fé, ou

excesso de poderes;

b) se a sociedade se extingue irregularmente, o ônus da prova inverte-se e

passa a ser obrigação do sócio-gerente demonstrar que não agiu com excesso de

poder, dolo ou má-fé. Nesse sentido, são os últimos jugados da Corte:

Tributário. Processual Civil. Execução fi scal. Sócio-gerente. Responsabilização pessoal. Não-confi guração, por si só, nem em tese, de situação que acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios.

1. Segundo a jurisprudência do STJ, a simples falta de pagamento do tributo e a inexistência de bens penhoráveis no patrimônio da devedora (sociedade por quotas de responsabilidade limitada) não confi guram, por si sós, nem em tese,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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situações que acarretam a responsabilidade subsidiária dos representantes da sociedade.

2. Recurso especial a que se dá provimento.

(REsp n. 831.380-SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 20.06.2006, DJ 30.06.2006, p. 192).

Agravo regimental no recurso especial. Tributário. Saída da empresa antes de sua extinção e prova de ato doloso da condição de sócio da empresa executada ao tempo dos fatos geradores. Reexame de provas. Súmula n. 7-STJ. Art. 135 do CTN. Dissolução irregular da empresa. Responsabilização dos sócios. Possibilidade. Agravo desprovido.

1. Quanto à alegação de que o agravante teria saído da empresa antes de sua dissolução irregular e que não teria praticado qualquer ato doloso na condição de sócio ou de administrador da empresa executada ao tempo dos fatos geradores, tem-se por inviável sua análise, uma vez que envolveria reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em vista do disposto na Súmula n. 7-STJ.

2. A jurisprudência desta Corte mantém-se fi rme no sentido de que os sócios da pessoa jurídica são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias, desde que haja dissolução irregular da sociedade ou seja comprovada a atuação dolosa ou culposa na administração dos negócios, através de fraude ou excesso de poderes. Assim, a dissolução irregular da empresa, ao contrário do simples inadimplemento do tributo, enseja o redirecionamento da execução fi scal contra os sócios-gerentes.

3. Agravo regimental desprovido.

(REsp n. 605.358-SP, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 14.02.2006, DJ 13.03.2006, p. 194).

Processual Civil. Tributário. Execução fiscal. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Redirecionamento da execução para o sócio-gerente. Não pagamento do tributo.

1. O redirecionamento da execução fi scal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. Precedentes: REsp n. 738.513-SC, deste relator, DJ de 18.10.2005; REsp n. 513.912-MG, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 1º.08.2005; REsp n. 704.502-RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 02.05.2005; EREsp n. 422.732-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 09.05.2005; e AgRg nos EREsp n. 471.107-MG, deste relator, DJ de 25.10.2004.

2. Ressalva do ponto de vista no sentido de que a ciência por parte do sócio-gerente do inadimplemento dos tributos e contribuições, mercê do recolhimento de lucros e pro labore, caracteriza, inequivocamente, ato ilícito, porquanto há conhecimento da lesão ao erário público.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 359

3. É vedado à parte inovar em sede de agravo regimental, ante a preclusão consumativa, bem como, em razão da ausência de prequestionamento.

4. Hipótese em que o fato de o nome do sócio-gerente constar da CDA, não foi, até o presente momento processual, apreciada ou sequer suscitada pelas partes litigantes.

5. Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no REsp n. 819.934-ES, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 1º.06.2006, DJ 22.06.2006, p. 191).

Processual Civil e Tributário. Ausência de prequestionamento. Divergência jurisprudencial não-confi gurada. Responsabilidade do sócio-gerente. Art. 135, III, do CTN. Precedentes.

1. “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo” - Súmula n. 211 do STJ.

2. Inviabiliza-se o conhecimento da alegada divergência jurisprudencial nas hipóteses em que o recorrente não realiza o necessário cotejo analítico nem demonstra a similitude fática entre os acórdãos confrontados, conforme prescrições dos arts. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

3. A imputação da responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN não está vinculada apenas ao inadimplemento da obrigação tributária, mas à confi guração das demais condutas nele descritas: práticas de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

(REsp n. 380.539-SC, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 20.04.2006, DJ 14.06.2006, p. 195).

Processual Civil e Tributário. Execução fi scal. Redirecionamento. Citação na pessoa do sócio-gerente. Art. 135, III do CTN. Dissolução irregular.

1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração à lei.

2. Em matéria de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, é necessário fazer a distinção entre empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar.

3. Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, cabe a responsabilidade do sócio-gerente que fi ca com o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder.

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4. A diferença entre as duas situações, em relação do redirecionamento, é a inversão do ônus da prova: na extinção regular cabe ao exequente fazer a prova em desfavor do sócio-gerente, e na extinção irregular da sociedade, cabe ao sócio gerente fazer a prova em seu favor, ou seja não ter agido com dolo, culpa fraude ou excesso de poder.

5. Recurso especial provido.

(REsp n. 736.325-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 06.10.2005, DJ 24.10.2005, p. 291).

Na hipótese dos autos, temos uma empresa que entrou em regime de

falência e se extinguiu, sem que o seu patrimônio cobrisse os débitos. Pergunta-

se: pode haver redirecionamento, com a inclusão do nome do sócio na CDA?

A resposta é negativa, visto que a empresa entrou em regime falimentar e

se extinguiu com o aval da Justiça, naturalmente, não sendo possível imputar aos

sócios a responsabilidade pessoal após a quebra. A extinção por falência equivale

à normal extinção e constitui-se em um terceiro item da tese, não admitindo

redirecionamento.

Com essas considerações, conheço em parte do recurso especial e nego-lhe

provimento.

É o voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial

interposto pelo INSS, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição

da República, contra acórdão do egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, assim ementado:

Processual Civil. Execução fiscal. Extinção. Encerramento da falência. Redirecionamento. Ausência de responsabilidade dos sócios. Art. 13 da Lei n. 8.620/1993. Inconstitucionalidade. Renúncia ou extinção do crédito não confi gurada.

1. A suspensão da execução fiscal, sem baixa na distribuição, é medida adequada para a hipótese de não localização do devedor ou bens passíveis de constrição judicial, nos termos do artigo 40 da Lei n. 6.830/1980. Em sendo noticiado o encerramento da falência da executada, após o ajuizamento da ação, sem que houvesse a quitação do débito exeqüendo ante a insufi ciência do acervo patrimonial, impõe-se a extinção do feito executivo. Com a liquidação dos bens arrecadados e a extinção da lide falimentar, desapareceu não só a massa falida

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 361

- inclusive para fi gurar no pólo passivo da demanda executiva, já que nada mais há para ser requerido em relação a ela - como também o interesse da exeqüente na prestação jurisdicional reclamada, haja vista a inexistência de ativo para a satisfação da dívida que remanesceu.

2. A manutenção de um processo ativo, sem a perspectiva de alcançar um resultado útil, não se coaduna com os princípios da efetividade e economicidade que devem reger a atividade jurisdicional. Conquanto a execução exista em proveito do credor para a satisfação de seu crédito, não lhe é dado onerar excessivamente o devedor nem o próprio Judiciário com o prolongamento de uma execução por prazo indeterminado, sem que exista a possibilidade de ultimação produtiva. Tal proceder importaria em um custo administrativo elevado, que não pode ser suportado pela máquina judiciária, sob pena de grave violação ao princípio da razoabilidade. O processo executivo não está vocacionado a operar no vácuo imposto por motivos alheios à atividade jurisdicional, sendo impositiva a sua extinção diante a necessidade de estabilizar-se o confl ito por imperativo de segurança jurídica. O prosseguimento da execução só se justifi caria se tivesse a potencialidade de satisfazer o crédito exeqüendo.

3. O pedido de redirecionamento da execução contra os sócios da executada encontra óbice na ausência de causa justifi cadora, eis que fundado no simples fato de ter havido o encerramento do processo falimentar sem o pagamento do crédito oriundo da falta de recolhimento de contribuições previdenciárias a cargo da empresa. É assente na jurisprudência que a responsabilidade dos sócios, em relação às dívidas fi scais contraídas por esta, somente se afi rma se aquele, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, abusou do poder ou infringiu a lei, o contrato social ou estatutos, ou, ainda, se a sociedade foi dissolvida irregularmente. De outra parte, a decretação de falência não caracteriza dissolução irregular da sociedade, porque, a par de estar prevista legalmente, consiste numa faculdade estabelecida em favor do comerciante impossibilitado de honrar os compromissos por ele assumidos.

4. O artigo 13 da Lei n. 8.620/1993 teve sua constitucionalidade afastada pelo Plenário desta Corte, em 28 de junho de 2000, por ocasião do julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade no Agravo de Instrumento n. 1999.04.01.096481-9-SC.

5. A extinção da execução fi scal não implica renúncia, desistência ou extinção do crédito, nem impede a propositura de nova ação, desde que tem repercussão meramente processual, restando incólume o direito material envolvido.

Segundo o recorrente, o juiz de 1º grau indeferiu o redirecionamento da

Execução Fiscal para os sócios e extinguiu o feito por considerar que o processo

tornou-se inútil após a extinção da ação falimentar – esta última motivada,

por seu turno, pela inexistência de bens sufi cientes para quitação do passivo da

massa.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

362

Interposta a apelação, buscou-se a reforma da sentença com base nos

seguintes argumentos: a) os nomes dos sócios estão inseridos na certidão da

dívida ativa, que goza da presunção de liquidez e certeza (arts. 2º, § 5º, I e

IV, e 3º da Lei n. 6.830/1980); b) a ausência de recolhimento da contribuição

previdenciária constitui infração à lei (art. 135 do CTN); c) a responsabilidade

solidária dos sócios encontra previsão no art. 13 da Lei n. 8.620/1993; e d) a

ausência de localização do devedor e de bens passíveis de constrição judicial

não justifi ca a extinção do feito, mas a sua suspensão e posterior arquivamento

administrativo, conforme o art. 40 da LEF.

O Tribunal a quo negou provimento à apelação, fundamentando-se nos

seguintes termos: a) a inserção dos nomes dos sócios na CDA não dá origem

à respectiva responsabilização, nem justifi ca a inversão do ônus probatório; b)

não basta a mera inadimplência do tributo para fi ns de aplicação do art. 135 do

CTN, é necessária a comprovação de que o sócio-gerente procedeu de modo

temerário, praticando infração a lei ou a atos constitutivos da empresa; c) o art.

13 da Lei n. 8.620/1993 foi considerado inconstitucional pelo Plenário do órgão

julgador; e d) o art. 40 da LEF só pode ser aplicado quando não localizados

bens passíveis de constrição, e não quando certifi cada a inexistência de bens em

processo judicial de falência, que é modo de dissolução regular da sociedade.

Os Embargos de Declaração opostos foram parcialmente acolhidos, para

fi ns de prequestionamento.

No Recurso Especial, o recorrente reitera a violação dos dispositivos legais

anteriormente mencionados, acrescentando existir divergência jurisprudencial

com decisões deste Tribunal Superior, notadamente quanto à presunção

de legitimidade da CDA, o que justificaria o provimento do apelo nobre,

determinando-se o prosseguimento da Execução Fiscal contra os sócios-

gerentes indicados na CDA.

O Tribunal de origem admitiu o processamento do recurso, excetuando o

art. 13 da Lei n. 8.620/1993, porque julgado sob enfoque constitucional.

Eis a ementa do acórdão da e. Ministra Eliana Calmon:

Processo Civil. Execução fiscal. Empresa falida. Nome do sócio na CDA. Redirecionamento: impossibilidade.

1. Na interpretação do art. 135 do CTN, o Direito pretoriano no STJ fi rmou-se no sentido de admitir o redirecionamento para buscar responsabilidade dos sócios, quando não encontrada a pessoa jurídica ou bens que garantam a execução.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 363

2. Duas regras básicas comandam o redirecionamento: a) quando a empresa se extingue regularmente, cabe ao exeqüente provar a culpa do sócio para obter a sua imputação de responsabilidade; b) se a empresa se extingue de forma irregular, torna-se possível o redirecionamento, sendo ônus do sócio provar que não agiu com culpa ou excesso de poder.

3. Na hipótese dos autos, surge uma terceira regra: quando a empresa se extingue por falência, depois de exaurido o seu patrimônio. Aqui, a responsabilidade é inteiramente da empresa extinta com o aval da Justiça, sem ônus para os sócios, exceto quando houver comportamento fraudulento.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.

Colhe-se do voto da ilustre Relatora que: a) os precedentes do STJ encampam a tese de que o encerramento da ação falimentar sem possibilidade de quitação do crédito fi scal implica a extinção da execução regida pela Lei n. 6.830/1980; b) o patrimônio social da empresa responde pelas dívidas, de modo que a decretação da falência, por si só, não gera a responsabilidade do sócio, mas sim da massa falida, ressalvada unicamente a possibilidade de ter sido demonstrada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração a lei; c) a falência é modo de dissolução regular da sociedade, avalizada pelo Poder Judiciário, criando “terceira tese” e excluindo a responsabilidade do sócio, mesmo que seu nome esteja incluído na CDA; e d) o art. 13 da Lei n. 8.620/1993 foi decidido sob enfoque exclusivamente constitucional, não comportando julgamento na via do apelo nobre.

Dada a complexidade da matéria, pedi vista dos autos.

Fixados no relatório os pontos controvertidos, manifesto-me em relação a cada um deles.

1. O art. 13 da Lei n. 8.620/1993

O art. 13 da Lei n. 8.620/1993 não foi aplicado porque o Tribunal de origem decretou a respectiva inconstitucionalidade, nos termos da legislação em vigor.

Assim, o fundamento constitucional utilizado torna inviável a discussão do assunto no âmbito do Recurso Especial.

2. A Falência e o art. 40 da Lei n. 6.830/1980

Quando a ação falimentar é encerrada por sentença, não incide o art. 40 da

Lei n. 6.830/1980, assim redigido:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

364

Art. 40. O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre ao quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. (grifei)

O referido dispositivo legal pressupõe que não tenha sido localizado o devedor ou encontrados os seus bens, muito embora eles existam. Por essa razão, a norma tem por objetivo a concessão de prazo para a diligência de sua localização, de modo a viabilizar ulterior penhora ou arresto.

Ora, na hipótese de Execução Fiscal promovida, original ou posteriormente, contra a massa falida, o devedor foi localizado (daí por que houve a citação e posterior penhora no rosto dos autos).

Ademais, se a ação falimentar é encerrada por sentença que ratifi cou a informação do síndico ou administrador judicial, concernente à inexistência de bens para quitação do passivo, não há motivo razoável para a concessão de prazo, na Execução Fiscal, para localização de bens da empresa falida.

Conseqüentemente, se a ação falimentar é extinta por conta da inexistência de bens, não se justifi ca a aplicação do art. 40 da LEF à ação de Execução Fiscal, consoante precedentes desta Corte já mencionados no voto da e. Ministra Relatora.

Finalmente, a pretensão do redirecionamento.

3. O redirecionamento

Está consolidado o entendimento de que a mera inadimplência da

obrigação tributária não é sufi ciente para viabilizar o redirecionamento da

Execução Fiscal contra os sócios-gerentes da pessoa jurídica. Em tal hipótese,

para a aplicação do art. 135 do CTN, deve a Fazenda Pública comprovar a

prática de atos de infração a lei ou de violação a contrato social. Nesse sentido:

Tributário e Processual Civil. Execução fi scal. Certidão de dívida ativa. Sócios. Incluídos. Súmulas n. 282 e n. 356-STF. Matéria constitucional. Exame na via do recurso especial. Impossibilidade.

1. A imputação da responsabilidade prevista no art. 135 do CTN não está vinculada apenas ao inadimplemento da obrigação tributária, mas à comprovação das demais condutas nele descritas: prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

2. Aplicam-se os óbices previstos nas Súmulas n. 282 e 356-STF quando as questões suscitadas no especial não foram debatidas no acórdão recorrido nem, a respeito, foram opostos embargos de declaração.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 365

(...)

4. Recurso especial conhecido parcialmente e improvido.

(REsp n. 736.046-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 2ª Turma, julgado em 23.10.2007, publicado DJ 23.11.2007, p. 455).

Processual Civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Arts. 544 e 545 do CPC. Recurso especial. Tributário. Execução fi scal. Redirecionamento para o sócio-gerente. Art. 135 do CTN.

1. O redirecionamento da execução fi scal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa, não se incluindo o simples inadimplemento de obrigações tributárias.

2. Precedentes da Corte: EREsp n. 174.532-PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 20.08.2001; REsp n. 513.555-PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 06.10.2003; AgRg no Ag n. 613.619-MG, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 20.06.2005; REsp n. 228.030-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 13.06.2005.

(...)

5. Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no Ag n. 729.695-ES, Min. Luiz Fux, DJU de 28.09.2006).

Diferente, porém, é a situação em que o nome do sócio consta da Certidão

da Dívida Ativa - CDA. Nesse caso, segundo a Primeira Seção desta Corte, a

presunção de liquidez e certeza do título executivo faz com que o ônus da prova

seja transferido ao gestor da sociedade. Veja-se:

Tributário. Embargos de divergência. Art. 135 do CTN. Responsabilidade do sócio-gerente. Execução fundada em CDA que indica o nome do sócio. Redirecionamento. Distinção.

1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, posteriormente, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.

2. Se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c.c. o art. 3º da Lei n. 6.830/1980.

3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável

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tributário, não se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa.

4. Na hipótese, a execução foi proposta com base em CDA da qual constava o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário, do que se conclui caber a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.

5. Embargos de divergência providos.

(EREsp n. 702.232-RS, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 14.09.2005, DJ 26.09.2005, p. 169).

Tal entendimento tem sido reiteradamente adotado por ambas as Turmas

que compõem a Primeira Seção desta Corte:

Tributário. Execução fiscal. Redirecionamento. Responsabilidade do sócio-gerente. Art. 135 do CTN. CDA. Presunção juris tantum de liquidez e certeza. Ônus da prova.

1. Depreende-se do artigo 135 do CTN que a responsabilidade fi scal dos sócios restringe-se à prática de atos que confi gurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos da sociedade.

2. A Primeira Seção, no julgamento do EREsp n. 702.232-RS, de relatoria do Ministro Castro Meira, assentou entendimento segundo o qual: 1) se a execução fiscal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente, foi redirecionada contra sócio-gerente cujo nome não consta da Certidão de Dívida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN; 2) se a execução fi scal foi promovida contra a pessoa jurídica e o sócio-gerente, cabe a este o ônus probatório de demonstrar que não incorreu em nenhuma das hipóteses previstas no mencionado art. 135; e 3) se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, o ônus da prova também compete ao sócio, em virtude da presunção juris tantum de liquidez e certeza da referida certidão.

3. Na hipótese dos autos, a Certidão de Dívida Ativa incluiu o sócio-gerente como co-responsável tributário, cabendo a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.

Recurso especial conhecido e improvido.

(REsp n. 866.222-RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12.12.2006, DJ 09.02.2007, p. 300).

Tributário. Contribuição previdenciária. Redirecionamento da execução contra os sócios, cujos nomes constavam da CDA. Possibilidade. Inversão do ônus da prova. Exceção de pré-executividade. Necessidade de exame de matéria probatória. Impossibilidade pela via da exceção.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 367

I - Conforme entendimento jurisprudencial, sendo a execução proposta somente contra a sociedade, a Fazenda Pública deve comprovar a infração a lei, contrato social ou estatuto ou a dissolução irregular da sociedade para fi ns de redirecionar a execução contra o sócio.

II - De modo diverso, se o executivo é proposto contra a pessoa jurídica e o sócio, cujo nome consta da CDA, não se trata de típico redirecionamento e o ônus da prova compete ao sócio, uma vez que a CDA goza de presunção relativa de liqüidez e certeza.

III - A terceira situação consiste no fato de que, embora o nome do sócio conste da CDA, a execução foi proposta somente contra a pessoa jurídica, recaindo o ônus da prova, também neste caso, ao sócio, tendo em vista a presunção de liqüidez e certeza que milita a favor da CDA. Precedentes: EREsp n. 702.232-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 26.09.2005, p. 169 e AgRg no REsp n. 720.043-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14.11.2005, p. 214.

IV - No caso dos autos, a execução foi proposta contra a empresa e os sócios, cujos nomes constavam da CDA, do que se conclui que cabia a estes provar a ausência de uma das situações do art. 135 do CTN, com vistas a afastar o redirecionamento da execução e/ou sua ilegitimidade passiva.

V - Este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a aferição da legitimidade passiva do sócio de sociedade depende de dilação probatória, o que desautoriza o uso da exceção de pré-executividade, devendo a matéria ser apreciada por meio de embargos do devedor.

VI - Recurso especial provido.

(REsp n. 860.047-PE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 19.09.2006, DJ 16.10.2006, p. 338).

Nesse ponto, a decisão do Tribunal de origem diverge frontalmente da

orientação deste Tribunal Superior e, por essa razão, merece reforma.

A e. Ministra Eliana Calmon, entretanto, pugna pela existência de nova

tese, que alcunhou de “terceira”, segundo a qual o redirecionamento seria

inviabilizado, mesmo que o nome do sócio esteja incluído na CDA, quando a

empresa da qual faz parte teve encerrada a ação falimentar. Com efeito, destaco

de seu voto o seguinte excerto:

Na hipótese dos autos, temos uma empresa que entrou em regime de falência e se extinguiu, sem que o seu patrimônio cobrisse os débitos. Pergunta-se: pode haver redirecionamento, ainda que o nome do sócio conste da CDA? (grifei)

Enfatizo que a e. Ministra Relatora enfrenta, expressamente, a tese do

redirecionamento com base na inclusão do nome do sócio-gerente, administrador ou

controlador na CDA.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Ao que se infere de sua argumentação, como a falência é causa de dissolução

regular da sociedade, não haveria ato de infração a lei a ser atribuído ao sócio.

Penso, contudo, de modo diferente.

A falência é meio de dissolução da sociedade (Código Civil/2002, arts.

1.044, 1.051, I, e 1.087 e Lei n. 6.404/1976, art. 206, II, c). A jurisprudência

do STJ entende tratar-se de meio regular de dissolução societária, porque o

processo da quebra foi submetido à apreciação do Poder Judiciário:

Processual Civil. Recurso especial. Tributário. Execução fi scal. Responsabilidade do sócio. Alegação de que os nomes dos co-responsáveis constam da CDA. Ausência de prequestionamento. Suposta ofensa ao art. 13 da Lei n. 8.620/1993. Enfoque constitucional da matéria. Encerramento da falência. Suspensão do feito executivo. Inviabilidade.

1. A matéria suscitada nas razões de recurso especial e não abordada no acórdão recorrido, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não merece ser conhecida por esta Corte, ante a ausência do indispensável prequestionamento (Súmula n. 211-STJ).

2. Fundando-se o acórdão recorrido na incompatibilidade parcial entre o art. 13 da Lei n. 8.620/1993 e o art. 146, III, b, da CF/1988, é inviável a análise de suposta ofensa ao preceito legal referido em sede de recurso especial.

3. É firme a orientação desta Corte no sentido de que é inviável o redirecionamento da execução fi scal na hipótese de simples falta de pagamento do tributo associada à inexistência de bens penhoráveis no patrimônio da devedora, porquanto tal circunstância, nem em tese, acarreta a responsabilidade subsidiária dos sócios.

4. A falência não caracteriza modo irregular de dissolução da pessoa jurídica, razão pela qual não enseja, por si só, o redirecionamento do processo executivo fi scal (REsp n. 601.851-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 15.08.2005; AgRg no Ag n. 767.383-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 25.08.2006).

5. Nesse contexto, verifi ca-se que não foi caracterizada nenhuma situação apta a ensejar, na hipótese, o redirecionamento da execução fi scal. Por outro lado, o art. 40 da Lei n. 6.830/1980 não abrange a hipótese de suspensão da execução para a realização de diligências consubstanciadas na busca e localização de co-responsáveis, para eventual redirecionamento do feito executivo. Assim, havendo o trânsito em julgado da sentença que encerrou o procedimento falimentar sem a ocorrência de nenhum motivo ensejador de redirecionamento da execução fi scal, não tem cabimento a aplicação do disposto no artigo referido no sentido de se decretar a suspensão do feito.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

(REsp n. 824.914-RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 13.11.2007, DJ 10.12.2007, p. 297).

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 369

Tributário e Processual Civil. Massa falida. Redirecionamento da execução fi scal. Ausência de comprovação das hipóteses previstas no art. 135, do CTN. Massa falida. Impossibilidade. Agravo regimental.

1. Depreende-se que a responsabilidade fi scal dos sócios restringe-se à prática de atos que confi gurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos da sociedade.

2. In casu, cuida-se de redirecionamento da execução fi scal diante da falência da pessoa jurídica devedora.

3. Esta Corte já se posicionou que, no caso de massa falida, a interpretação do art. 135, do CTN, é de que a responsabilidade é da empresa, porque foi extinta com o aval da justiça (Precedente: REsp n. 868.095-RS; Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 11.04.2007). Ademais, não existe a comprovação de qualquer irregularidade na falência.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 572.175-PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18.10.2007, DJ 05.11.2007, p. 247).

Embora a falência seja um meio de dissolução previsto em lei e submetido

ao Poder Judiciário, isso não significa que o seu encerramento acarrete a

automática liquidação de todos os débitos da sociedade empresarial. Nesse

sentido, tanto a antiga (art. 134 do Decreto-Lei n. 7.661/1945) como a atual

lei que disciplina a falência (art. 157 da Lei n. 11.101/2005) estipulam que o

prazo prescricional para a extinção das obrigações do falido tem como termo

inicial justamente o trânsito em julgado da sentença que extingue a demanda

falimentar.

Não se podem confundir, assim, a dissolução “lícita” – no sentido de

observância dos procedimentos definidos em lei – com a inexistência de

obrigação e responsabilidade da sociedade empresarial falida, ou, naturalmente,

de responsáveis por sucessão.

Cabe então a seguinte pergunta: a sentença que encerra a ação falimentar

vincula o juízo da Execução Fiscal, especifi camente no que diz respeito ao

redirecionamento fundado na responsabilidade dos sócios-gerentes?

A resposta é negativa. Em primeiro lugar, porque a sentença de extinção da

falência põe termo ao processo após a apresentação do relatório fi nal do síndico/

administrador judicial (art. 132 do Decreto-Lei n. 7.661/1945, art. 156 da Lei

n. 11.101/2005), o qual, por seu turno, limita-se a indicar o valor do ativo e o

do produto de sua realização, o valor do passivo e o dos pagamentos feitos aos

credores, além de especifi car as responsabilidades com que continuará o falido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Veja-se que não há menção sobre a responsabilidade dos sócios-gerentes, controladores ou administradores do falido. Nesses termos, se a questão não foi decidida por sentença, não pode transitar em julgado e, por conseqüência, não afeta a pretensão fazendária, deduzida em ação própria.

Entendo, além disso, que a circunstância de não ter havido responsabilização ou condenação dos sócios-gerentes, controladores ou administradores pela prática de crimes falimentares não pode ser equiparada à existência, em seu favor, de um “atestado de boa conduta”, mesmo porque dizer que crime falimentar inexistiu não é o mesmo que afi rmar a ausência de prática de atos de infração à legislação tributária, civil e empresarial, sufi cientes para ensejar a responsabilidade na execução da dívida ativa da Fazenda Pública (art. 4º, § 2º, da Lei n. 6.830/1980). No Direito brasileiro, não se confundem – embora dialoguem – os campos da responsabilidade administrativa, civil e penal.

Registro que, a despeito da faculdade de habilitação do crédito no procedimento falimentar, com o escopo de ter respeitada a ordem preferencial dos pagamentos, a Fazenda Pública dispõe de ação específi ca para a execução da dívida ativa. A competência para processar e julgar a Execução Fiscal exclui a de qualquer outro juízo, inclusive o da falência (art. 5º da Lei n. 6.830/1980). Não houve alteração quanto a isso, mesmo após a revogação do Decreto-Lei n. 7.661/1945 pela Lei n. 11.101/2005. Da mesma forma, o procedimento do novo instituto da recuperação judicial não interfere no processamento da Execução Fiscal (art. 6º, § 7º, da Lei n. 11.101/2005).

Conseqüentemente, a sentença extintiva da falência não pode ser invocada

como justifi cativa para o indeferimento do pedido de redirecionamento na Execução

Fiscal, se o nome do sócio-gerente estiver incluído na CDA, dada a presunção de

legitimidade desse título executivo extrajudicial (arts. 2º, § 5º, I e IV, e 3º da Lei n.

6.830/1980) e a ausência de discussão dessa matéria na ação falimentar.

Noutra perspectiva, a existência de personalidades jurídicas distintas entre a sociedade empresarial e os sócios que a compõem – fundamento que levou o Poder Judiciário a rever sua posição anterior e assim não mais admitir o redirecionamento fundado na mera inadimplência da obrigação tributária – deve ser prestigiada no presente caso, sob pena de fl agrante incongruência. Em outras palavras, como as personalidades jurídicas não se confundem, responsável pelo inadimplemento é o sujeito passivo da relação jurídica tributária, isto é, a sociedade empresarial, e não o seu sócio-gerente. Exatamente pela mesma razão, qual seja a diversidade de personalidades jurídicas, a decretação da falência como meio de dissolução societária não afeta a presunção de legitimidade da

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 371

CDA e não inverte o ônus probatório previstos no art. 3º da LEF em relação ao sócio cujo nome nela estiver inserido.

Finalizando, peço vênia à eminente Relatora para questionar a existência ou conveniência pragmático-jurídica de uma “terceira tese”, visto que não podemos, sem que presentes relevantes razões de ordem pública ou sob o manto de uma interpretação conforme a Constituição Federal, mudar contra

legem a jurisprudência do STJ. Por isso, minha proposta de voto é no sentido de manter o entendimento atualmente adotado por esta Corte, isto é, o de que o redirecionamento da Execução Fiscal só pode ser admitido nas seguintes hipóteses:

a) em caso de inadimplemento da obrigação tributária, mediante comprovação da prática de atos de infração à lei ou ao contrato social (art. 135 do CTN), ou da existência de dissolução irregular (art. 135 do CTN); e

b) prévia inclusão do nome do sócio na CDA (arts. 2º, § 5º, I e IV, e 3º, da LEF).

A falência da sociedade empresarial deve ser analisada sob o enfoque supracitado. Assim, se o nome do sócio estiver incluído na CDA, justifi ca-se o redirecionamento com base na presunção de legitimidade da CDA, mesmo porque as informações do título executivo extrajudicial do Fisco não são, nem poderiam ser, objeto de julgamento no processo falimentar.

Não há, em tal hipótese, afi rmação de que o sócio-gerente ou administrador cujo nome consta da CDA seja, efetivamente, responsável pelos pagamentos dos valores inscritos na dívida ativa da Fazenda Pública, mas apenas uma presunção de legitimidade do título executivo extrajudicial, que justifi ca, nos termos da jurisprudência consolidada, a inversão do ônus probatório. Como as questões relacionadas à dívida ativa demandam cognição em juízo privativo, sendo dela expressamente excluído o juízo falimentar, devem as partes submeter os seus argumentos e interferir no convencimento do juiz competente para processar e julgar a Execução Fiscal.

Finalmente, se o nome do sócio não constar da CDA, a Fazenda Pública, tão logo tenha conhecimento da decretação da falência, deve diligenciar a comprovação de uma das situações mencionadas no item a (prática de atos de infração a lei ou a contrato social), sob pena de, com o encerramento da ação falimentar por inexistência de bens, extinguir-se a Execução Fiscal por carência superveniente da ação (extinção do sujeito passivo sem que tenham sido identifi cados sucessores).

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Com essas considerações, dou parcial provimento ao Recurso Especial, para

que seja redirecionada a Execução Fiscal em relação ao(s) sócio(s) cujo(s) nome(s)

estiver(em) inserido(s) na CDA.

É como voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Castro Meira: Cuida-se de recurso especial fundado nas

alíneas a e c e interposto pelo INSS contra acórdão do TRF da 4ª Região que

negou provimento à apelação do ora recorrente, para manter a sentença que

extinguiu a execução fi scal, forte nos seguintes argumentos:

(a) deve ser extinta a execução fiscal com o encerramento do processo falimentar em face da ausência de interesse processual da exeqüente, dada a inexistência de bens capazes de satisfazer o débito;

(b) o redirecionamento da execução aos sócios da executada somente é possível se comprovado terem agido com excesso de poderes, ou infração à lei, contrato social ou estatuto.

O recorrente alega violação dos artigos 134 do CTN e 40 da Lei n.

6.830/1980. Argumenta que a execução fi scal deveria ter sido suspensa, e não

extinta, facultando-se ao credor a oportunidade de requerer o redirecionamento

contra os sócios.

Aponta, ainda, contrariedade aos artigos 2º, § 5º, I e IV e 3º da Lei n.

6.830/1980 c.c. o art. 202 do CTN, bem como divergência jurisprudencial, pois

entende que a CDA é documento hábil a comprovar a vinculação dos nomes

dos sócios-gerentes ao débito da empresa devedora.

A eminente Relatora negou provimento ao recurso por entender que

o desfazimento da empresa por falência, com o aval da Justiça, equivale à

normal extinção da pessoa jurídica, não sendo possível imputar aos sócios a

responsabilidade pessoal após a quebra.

O Ministro Herman Benjamin inaugurou a divergência para dar

provimento em parte ao recurso especial, reconhecendo a possibilidade de

redirecionamento da execução fi scal aos sócios-gerentes por duas razões: (a) a

CDA goza de presunção de liquidez e certeza, característica que não se modifi ca

com a sentença do processo falimentar; e (b) a extinção do processo de falência

não extingue integral e imediatamente as obrigações do falido, já que é a partir

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RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 373

da sentença prolatada nesse feito que começa a fl uir o prazo prescricional para

os credores insatisfeitos demandarem o que entenderem de direito, inclusive a

responsabilização patrimonial de sócios e administradores.

Pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria.

Nada oponho à tese, sufragada pela Sra. Ministra Eliana Calmon, ao

entender que o desfazimento da empresa por falência é meio normal de extinção

da pessoa jurídica e não se confunde com a dissolução irregular, por tratar-se de

processo rigorosamente disciplinado pelo ordenamento jurídico.

A razão da discordância reside em outro ponto.

O acórdão recorrido rejeitou o redirecionamento da execução fi scal por

dois argumentos: (a) o primeiro, de que a falência não se caracteriza como

dissolução irregular; e (b) o segundo, de que o exeqüente não fez prova de que os

sócios da pessoa jurídica agiram com excesso de poderes, ou com infração à lei,

ao contrato social ou ao estatuto.

A Sra. Ministra Relatora negou provimento ao apelo do INSS com base

no primeiro fundamento - de que a falência não se equipara à dissolução

irregular. Mas, não considerou o segundo fundamento - de que o exeqüente não

fez prova de uma das situações que autorizam a responsabilização dos sócios

(art. 135 do CTN).

A jurisprudência desta Corte é tranqüila em admitir o redirecionamento da

execução, independentemente de qualquer prova, sempre que o nome do sócio

constar como co-responsável na CDA, em face da presunção de legitimidade,

certeza e liquidez que milita em favor desse título executivo, nos termos do art.

3º da Lei n. 6.830/1980.

Essa orientação, a meu sentir, não se altera pelo fato de ter sido a empresa

extinta por falência.

A falência é meio regular de dissolução da sociedade, porque o processo de

quebra foi submetido à apreciação do Poder Judiciário e observou um extenso

regramento legal. Essa conclusão, todavia, não implica a extinção de todos os

débitos da pessoa jurídica, pois é a partir da sentença que põe termo à falência

que se inicia o prazo prescricional para a extinção das obrigações do falido (art.

134 da do Decreto-Lei n. 7.661/1945 e art. 157 da Lei n. 11.101/2005).

Assim, extinta a falência, nada impede que os credores, totais ou

parcialmente frustrados com a insolvência do falido, postulem em juízo o

que entenderem de direito, inclusive a constrição patrimonial de sócios e

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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administradores, desde que observado, é claro, o prazo prescricional acima

aludido.

Em outras palavras, mesmo regular o processo de falência, a sua extinção

não acarreta a desoneração integral e imediata do falido, já que os credores

disporão de prazo para a propositura de demandas judiciais na busca da

satisfação de seus créditos.

A sentença que extingue o feito falimentar não examina a responsabilidade

de sócios e administradores, sendo possível, ao menos em tese, o prosseguimento

da execução fi scal para satisfação integral do crédito tributário, a essa altura já

convertido em dívida ativa.

Considere-se, ainda, que a sociedade empresária submetida a processo

falimentar tem personalidade jurídica distinta da dos seus sócios. Assim, a

decretação da falência, bem como o conseqüente rateio do acervo patrimonial

entre os credores, não afeta a legitimidade dos sócios indicados na CDA para

fi gurarem no pólo passivo da execução.

Tomemos como exemplo a seguinte situação: “A” tem crédito com a pessoa

jurídica “B” e “C” garante a dívida como fi ador. Se “B” tornar-se insolvente e

tiver contra si decretada a falência, nada impede que “A” se volte contra “C”,

executando a garantia fi duciária.

A mesma coisa acontece na execução fiscal quando a CDA indica o

sócio como co-responsável tributário. Se o contribuinte tornar-se insolvente,

decretada a falência, não há obstáculo que impeça a Fazenda Pública credora de

voltar-se contra o co-responsável, a quem competirá, por meio de embargos do

devedor, demonstrar que não estão presentes quaisquer das hipóteses do art. 135

do CTN a autorizar sua responsabilização.

Para o Ministro Teori Zavascki, com o costumeiro acerto:

não se pode confundir a relação processual com a relação de direito material objeto da ação executiva. Os requisitos para instalar a relação processual executiva são os previstos na lei processual, a saber, o inadimplemento e o título executivo (CPC, artigos 580 e 583). Os pressupostos para confi guração da responsabilidade tributária são os estabelecidos pelo direito material, nomeadamente pelo art. 135 do CTN (...). A indicação, na Certidão de Dívida Ativa, do nome do responsável ou do co-responsável (Lei n. 6.830/1980, art. 2º, § 5º, I; CTN, art. 202, I), confere ao indicado a condição de legitimado passivo para a relação processual executiva (CPC, art. 568, I), mas não confi rma, a não ser por presunção relativa (CTN, art. 204), a existência da responsabilidade tributária, matéria que, se for o caso,

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 375

será decidida pelas vias cognitivas próprias, especialmente a dos embargos à execução (AgRg no REsp n. 643.918-PR, Primeira Turma, DJ de 16.05.2005).

Assim, iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente,

requerido o redirecionamento contra o sócio-gerente, que não constava da

CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135

do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava nenhum fato

capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, depois, volta-se contra

o seu patrimônio, deve demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos

estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.

Ao revés, se a CDA já indica o sócio-gerente como co-responsável, há

inversão do ônus da prova, cabendo a ele demonstrar, por meio dos embargos do

devedor, que não agiu com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social

ou estatutos.

Essa orientação encontra-se sedimentada em dezenas de precedentes de

ambas as Turmas de Direito Público desta Corte, como se observa das seguintes

ementas:

Segunda Turma

Tributário. Execução fiscal. Certidão de dívida ativa. Responsabilização do sócio cujo nome consta da CDA. Hipótese que difere do redirecionamento da execução. Violação do art. 535 do CPC: inexistência.

1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal analisa, ainda que implicitamente, os dispositivos legais tidos por violados.

2. A CDA é documento que goza da presunção de certeza e liquidez de todos os seus elementos: sujeitos, objeto devido, e quantitativo. Não pode o Judiciário limitar o alcance dessa presunção.

3. Decisão que vulnera os arts. 204 do CTN e 3º da LEF, ao excluir da relação processual o sócio que fi gura na CDA, a quem incumbe provar que não agiu com dolo, má-fé ou excesso de poderes nos embargos à execução.

4. Hipótese que difere da situação em que o exeqüente litiga contra a pessoa jurídica e no curso da execução requer o seu redirecionamento ao sócio-gerente. Nesta circunstância, cabe ao exeqüente provar que o sócio-gerente agiu com dolo, má-fé ou excesso de poderes.

5. Recurso especial provido (REsp n. 1.069.916-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.10.2008);

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Tributário. Execução fiscal. Redirecionamento. Responsabilidade do sócio-gerente. Art. 135 do CTN. CDA. Presunção juris tantum de liquidez e certeza. Ônus da prova.

1. Depreende-se do artigo 135 do CTN que a responsabilidade fi scal dos sócios restringe-se à prática de atos que confi gurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos da sociedade.

2. A Primeira Seção, no julgamento do EREsp n. 702.232-RS, de relatoria do Min. Castro Meira, assentou entendimento segundo o qual: 1) se a execução fi scal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente, foi redirecionada contra sócio-gerente cujo nome não consta da Certidão de Dívida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN; 2) se a execução fi scal foi promovida contra a pessoa jurídica e o sócio-gerente, cabe a este o ônus probatório de demonstrar que não incorreu em nenhuma das hipóteses previstas no mencionado art. 135; e 3) se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, o ônus da prova também compete ao sócio, em virtude da presunção juris tantum de liquidez e certeza da referida certidão.

3. Na hipótese dos autos, a Certidão de Dívida Ativa incluiu o sócio-gerente como co-responsável tributário, cabendo a ele os ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.

Recurso especial provido (REsp n. 969.382-PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 11.04.2008);

Execução fi scal. Agravo regimental em agravo de instrumento. Ilegitimidade passiva do sócio cujo nome consta na CDA. Exceção de pré-executividade. Não cabimento.

1. É pacífi co o entendimento deste Tribunal no sentido de que a utilização da exceção de pré-executividade tem aplicação na execução fi scal somente quando puder ser resolvida por prova inequívoca, que não demande dilação probatória.

2. Torna-se inviável, em Exceção de Pré-executividade, a discussão acerca da responsabilidade prevista no art. 135 do CTN se o nome do sócio constar na CDA, uma vez que tal certidão possui presunção de relativa liquidez e certeza.

3. Agravo Regimental não provido (AgRg no AG n. 801.392-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 07.02.2008).

No mesmo sentido: EDcl no REsp n. 960.456-RS, Rel. Min. Eliana

Calmon, DJe de 14.10.2008; REsp n. 1.058.642-RS, Rel. Min. Eliana Calmon,

DJe de 05.08.2008; REsp n. 948.129-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha,

DJ 23.11.2007; REsp n. 985.326-SP, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias,

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 377

DJ e de 29.04.2008; REsp n. 750.581-RJ, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de

07.11.2005.

Primeira Turma

Tributário. Processual Civil. Execução fiscal. Redirecionamento contra sócio-gerente que figura na Certidão de Dívida Ativa como co-responsável. Possibilidade. Distinção entre a relação de direito processual (pressuposto para ajuizar a execução) e a relação de direito material (pressuposto para a confi guração da responsabilidade tributária).

1. Não se pode confundir a relação processual com a relação de direito material objeto da ação executiva. Os requisitos para instalar a relação processual executiva são os previstos na Lei Processual, a saber, o inadimplemento e o título executivo (CPC, artigos 580 e 583). Os pressupostos para confi guração da responsabilidade tributária são os estabelecidos pelo direito material, nomeadamente pelo art. 135 do CTN.

2. A indicação, na Certidão de Dívida Ativa, do nome do responsável ou do co-responsável (Lei n. 6.830/1980, art. 2º, § 5º, I; CTN, art. 202, I), confere ao indicado a condição de legitimado passivo para a relação processual executiva (CPC, art. 568, I), mas não confi rma, a não ser por presunção relativa (CTN, art. 204), a existência da responsabilidade tributária, matéria que, se for o caso, será decidida pelas vias cognitivas próprias, especialmente a dos embargos à execução.

3. É diferente a situação quando o nome do responsável tributário não fi gura na certidão de dívida ativa. Nesses casos, embora confi gurada a legitimidade passiva (CPC, art. 568, V), caberá à Fazenda exeqüente, ao promover a ação ou ao requerer o seu redirecionamento, indicar a causa do pedido, que há de ser uma das situações, previstas no direito material, como confi guradoras da responsabilidade subsidiária.

4. No caso, havendo indicação dos co-devedores no título executivo (Certidão de Dívida Ativa), é viável, contra os sócios, o redirecionamento da execução. Precedente: EREsp n. 702.232-RS, 1ª Seção, Min. Castro Meira, DJ de 16.09.2005.

5. Recurso especial desprovido (REsp n. 900.371-SP, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 02.06.2008).

Processo Civil e Tributário. Execução fi scal. Redirecionamento para o sócio-gerente. Impossibilidade.

1. O redirecionamento da execução fi scal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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2. A 1ª Seção desta Corte recentemente pacificou a matéria no EREsp n. 702.232-RS, julgado em 14.09.2005, e publicado no DJ de 16.09.2005, nos termos da seguinte ementa:

Tributário. Embargos de divergência. Art. 135 do CTN. Responsabilidade do sócio-gerente. Execução fundada em CDA que indica o nome do sócio. Redirecionamento. Distinção.

1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, posteriormente, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.

2. Se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c.c. o art. 3º da Lei n. 6.830/1980.

3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável tributário, não se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa.

4. Na hipótese, a execução foi proposta com base em CDA da qual constava o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário, do que se conclui caber a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.

5. Embargos de divergência providos.

3. Agravo Regimental desprovido (AgRg no REsp n. 720.043-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14.11.2005);

Execução fi scal. Responsabilidade dos sócios. Comprovação do excesso de poderes, infração à lei ou ao estatuto ou dissolução irregular. Caso em que o nome do sócio constava da CDA. Presunção de liquidez e certeza não abalada. Dissolução irregular. Certidão do ofi cial de justiça. Prova iuris tantum.

I - Restou fi rmado no âmbito da Primeira Seção desta Corte o entendimento de que, sendo a execução proposta somente contra a sociedade, a Fazenda Pública deve comprovar a infração a lei, contrato social ou estatuto ou a dissolução irregular da sociedade para fi ns de redirecionar a execução contra o sócio, pois

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 379

o mero inadimplemento da obrigação tributária principal ou a ausência de bens penhoráveis da empresa não ensejam o redirecionamento. De modo diverso, se o executivo é proposto contra a pessoa jurídica e o sócio, cujo nome consta da CDA, não se trata de típico redirecionamento, e o ônus da prova de inexistência de infração a lei, contrato social ou estatuto compete ao sócio, uma vez que a CDA goza de presunção relativa de liqüidez e certeza. A terceira situação consiste no fato de que, embora o nome do sócio conste da CDA, a execução foi proposta somente contra a pessoa jurídica, recaindo o ônus da prova, também neste caso, ao sócio, tendo em vista a presunção de liqüidez e certeza que milita a favor da CDA. Precedentes: EREsp n. 702.232-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 26.09.2005, p. 169; AgRg no REsp n. 720.043-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14.11.2005, p. 214.

II - No caso em exame, os nomes dos sócios figuram como responsáveis tributários na Certidão de Dívida Ativa.

III - Ademais, a certidão emitida pelo oficial de justiça atestando que a empresa não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial presta-se como prova iuris tantum de dissolução irregular da sociedade, possibilitando, assim, o redirecionamento da execução aos sócios gerentes. Precedentes: REsp n. 841.855-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 30.08.2006 e REsp n. 738.502-SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14.11.2005.

IV - Agravo regimental improvido (AgRg no REsp n. 1.010.661-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 05.05.2008).

No mesmo sentido: REsp n. 697.974-RJ, Rel. Min. Denise Arruda, DJ

de 03.05.2007; AgRg nos EDcl no AgRg no REsp n. 978.243-ES, Rel. Min.

Benedito Gonçalves, DJe de 03.11.2008.

Na Primeira Seção, há também vários precedentes, dentre os quais se

destacam os seguintes:

Primeira Seção

Tributário. Embargos de divergência. Art. 135 do CTN. Responsabilidade do sócio-gerente. Execução fundada em CDA que indica o nome do sócio. Redirecionamento. Distinção.

1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, posteriormente, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.

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2. Se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c.c. o art. 3º da Lei n. 6.830/1980.

3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável tributário, não se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa.

4. Na hipótese, a execução foi proposta com base em CDA da qual constava o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário, do que se conclui caber a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.

5. Embargos de divergência providos (EREsp n. 702.232-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 26.09.2005);

Processual Civil. Embargos de divergência em recurso especial. Tributário. Responsabilidade tributária do sócio. Débitos relativos à seguridade social. CDA. Presunção relativa de certeza e liquidez. Nome do sócio. Redirecionamento. Cabimento. Inversão do ônus da prova.

1. A responsabilidade patrimonial do sócio sob o ângulo do ônus da prova reclama sua aferição sob dupla ótica, a saber: I) a Certidão de Dívida Ativa não contempla o seu nome, e a execução voltada contra ele, embora admissível, demanda prova a cargo da Fazenda Pública de que incorreu em uma das hipóteses previstas no art. 135 do Código Tributário Nacional; II) a CDA consagra a sua responsabilidade, na qualidade de co-obrigado, circunstância que inverte o ônus da prova, uma vez que a certidão que instrui o executivo fi scal é dotada de presunção de liquidez e certeza.

2. A Primeira Seção desta Corte Superior concluiu, no julgamento do EREsp n. 702.232-RS, da relatoria do e. Ministro Castro Meira, publicado no DJ de 26.09.2005, que: a) se a execução fi scal foi ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, foi requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente, incumbe ao Fisco a prova da ocorrência de alguns dos requisitos do art. 135, do CTN, vale dizer, a demonstração de que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou a dissolução irregular da empresa; b) constando o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário na CDA, cabe a ele, nesse caso, o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN, independente de que a ação executiva tenha sido proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c.c. o art. 3º da Lei n. 6.830/1980.

3. In casu, consta da CDA o nome dos sócios-gerentes da empresa como co-responsáveis pela dívida tributária, motivo pelo qual, independente da demonstração da ocorrência de que os sócios agiram com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 381

empresa, possível revela-se o redirecionamento da execução, invertido o onus probandi.

4. Embargos de divergência providos (EREsp n. 635.858-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 02.04.2007).

O voto da eminente Relatora, de certo modo, consagra a tese de que a execução jamais poderá ser redirecionada contra sócios-gerentes quando a empresa se extinguiu por falência.

Essa posição, a meu ver, não só contraria a jurisprudência desta Corte, como também as poucas manifestações doutrinárias sobre o assunto, como a de Manoel Álvares, para quem é possível redirecionar a execução após o término do processo falimentar, verbis:

Encerrado o processo falimentar sem que a Fazenda Pública tenha obtido sucesso no recebimento de seu crédito inscrito na dívida ativa, a execução fi scal poderá ser redirecionada contra a pessoa do sócio-gerente, no caso de responsabilidade tributária por substituição (FREITAS, Vladimir Passos de (coord.). Execução Fiscal, Doutrina e Jurisprudência, São Paulo: Editora Saraiva, 1998, p. 454).

Assim, decretada a falência da pessoa jurídica, não se deve presumir sua dissolução irregular. Todavia, nada impede que a execução fi scal, total ou parcialmente frustrada pela insolvência da empresa, venha a ser redirecionada para um ou alguns dos sócios-gerentes, redirecionamento que poderá ser imediato, se constar da CDA o nome do sócio como co-responsável, ou mediante demonstração, a cargo da Fazenda Pública exeqüente, de que agiu com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto.

No caso, o INSS sustenta justamente a tese de que a execução poderia ser redirecionada contra os sócios, pois seus nomes constavam originariamente da CDA, sendo desnecessária a produção de qualquer outra prova pela Fazenda.

Essa orientação contraria o acórdão recorrido, para quem o redirecionamento só seria possível desde que comprovado terem os sócios agido com excesso de poderes, ou infração à lei, contrato social ou estatuto.

Ainda que regular a dissolução da pessoa jurídica, nada impede que a execução seja imediatamente redirecionada contra os sócios se os seus nomes já constavam da CDA como co-responsáveis, ou depois de provada uma das hipóteses do art. 135 do CTN, se não havia a previsão de co-responsáveis no título executivo.

Faço apenas um pequeno registro quanto à conclusão proposta no voto do Ministro Herman Benjamin. Penso que o recurso deve ser provido e não

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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provido em parte, como propôs Sua Excelência. A União formulou, em verdade, dois pedidos sucessivos: o primeiro de redirecionamento da execução contra os sócios-gerentes da empresa falida; o segundo de suspensão do processo nos termos do art. 40 da Lei n. 6.830/1980.

Acolhido o primeiro pedido, torna-se prejudicado o segundo, devendo o recurso ser provido integralmente.

Ante o exposto, rogando vênias à eminente Relatora, dou provimento ao

recurso especial.

É como voto.

VOTO-DESEMPATE

Ementa: Processo Civil. Execução fiscal. Empresa falida. Dissolução regular. Irrelevância para o caso. Nome do sócio na CDA. Presunção de apuração de responsabilidade tributária. Redirecionamento. Possibilidade. Formas de ilidir a presunção. Complementação da jurisprudência do STJ.

1. A falência é forma de dissolução regular da sociedade, contudo não exclui outras irregularidades que possam ter sido praticadas pelo sócio responsável e que tenham relação com o não pagamento do tributo devido. A alegação da existência de sentença que decreta a falência ou extingue o processo falimentar como defesa do sócio responsabilizado somente é relevante em um contexto em que a Administração Tributária insere o seu nome na CDA por entender ter havido dissolução irregular.

2. A presunção de legitimidade assegurada à CDA impõe ao executado que fi gura no título executivo o ônus de demonstrar a inexistência de sua responsabilidade tributária. Precedentes representativos da controvérsia, art. 543-C, do CPC: REsp n. 1.104.900-ES, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 25.03.2009; REsp n. 1.110.925-SP; Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22.04.2009.

3. Essa demonstração pode ser realizada através da prova de que a CDA não indica o número do procedimento ou do processo administrativo ou judicial onde foram apurados os fatos que levaram à responsabilização.

4. Não havendo esta prova, deve-se manter a presunção de que o número de processo administrativo indicado na CDA refere-se também à apuração da responsabilidade do sócio nela inscrito.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 383

5. Hipótese em que não houve constatação na origem a respeito da referida prova.

6. Recurso especial provido.

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Em discussão a responsabilidade tributária dos sócios de empresa falida com a falência já encerrada por sentença.

A Relatora Ministra Eliana Calmon elaborou voto onde apresentou as seguintes conclusões:

a) Que a falência é forma de dissolução regular da sociedade, sendo que sua decretação não gera a responsabilidade dos sócios;

b) Com a decretação da falência exclui-se a responsabilidade dos sócios, ainda que tenham o nome inscrito na Certidão de Dívida Ativa - CDA, cabendo à Fazenda Pública demonstrar a ocorrência de fraude para novamente caracterizar a responsabilidade.

Pediu vista o Ministro Herman Benjamin, que, inaugurando a divergência, ponderou que, na conformidade da jurisprudência desta Casa:

1) O redirecionamento da execução fi scal para os sócios e administradores somente pode ser feito quando caracterizada a infração à lei, contrato social ou estatuto de que trata o art. 135, do CTN;

2) A mera inadimplência da obrigação tributária não é sufi ciente para viabilizar o redirecionamento da execução fi scal, pois não caracteriza a infração à lei, contrato social ou estatuto de que trata o art. 135, do CTN;

3) A dissolução irregular da empresa é suficiente para viabilizar o redirecionamento da execução fi scal, pois caracteriza a infração à lei, contrato social ou estatuto de que trata o art. 135, do CTN;

4) Se o nome do sócio já consta da CDA, a presunção de liquidez e certeza do título executivo faz com que se presuma a ocorrência, mediante prévia apuração pela Administração Tributária, de infração à lei, contrato social ou estatuto de que trata o art. 135, do CTN.

Invocou os seguintes precedentes: REsp n. 736.046-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 23.10.2007; EREsp n. 174.532-PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 20.08.2001; REsp n. 513.555-PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 06.10.2003; AgRg no Ag n. 613.619-MG, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 20.06.2005; REsp n. 228.030-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 13.06.2005; EREsp n. 702.232-RS, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 14.09.2005.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Com parâmetro nessas quatro balizas, concluiu que a responsabilidade do sócio de empresa falida deve ser verificada à luz desses pressupostos, independentemente do fato de haver sentença de extinção ou não do processo falimentar. Informou que no caso os nomes dos sócios e administradores já constam da CDA. Sendo assim, votou pelo provimento do recurso para permitir a execução contra aqueles sócios e administradores.

Após, votou com a Relatora o Ministro Humberto Martins.

Posteriormente, pediu vista o Ministro Castro Meira que acompanhou a divergência inaugurada pelo Ministro Herman Benjamin e votou pelo provimento do recurso para permitir a execução contra os sócios e administradores cujos nomes constam da CDA.

Diante da complexidade e ineditismo do caso, pedi vista.

1 - Da falência como forma de afastar a responsabilização dos sócios.

Com a devida vênia, entendo que o voto da Ministra Relatora parte de premissa equivocada ao entender que a sentença que decreta a falência ou a que encerra o processo falimentar teriam algum efeito sobre a responsabilização tributária da empresa ou dos seus sócios e administradores.

Este equívoco, compreensível, tem raiz na errônea identificação das atribuições da administração falimentar com as da administração tributária, imaginando-se que o juízo falimentar e o síndico teriam o dever de avalizar a não-ocorrência das hipóteses de responsabilização tributária previstas no CTN. Tal não sucede.

A falência é forma de dissolução regular da sociedade, disso não tenho dúvidas, contudo não exclui outras irregularidades que possam ter sido praticadas pelo sócio responsável e que tenham relação com o não pagamento do tributo devido.

Com efeito, a administração falimentar não é substituta da administração tributária, cabendo a cada uma delas o seu múnus específi co.

Como consabido, à administração da falência, exercida pelo síndico nomeado sob a supervisão do juízo falimentar, cabem todos os deveres elencados nos incisos do art. 63, do Decreto-Lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945 - Antiga Lei de Falências. Em nenhum desses incisos a lei lhe confere o dever de verifi car a ocorrência de atos praticados pelos sócios, diretores ou gerentes em infração à lei, contrato social ou estatutos que tenha gerado a inadimplência quanto a créditos tributários de qualquer esfera.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 385

Também tanto a sentença que decreta a falência (art. 14 e art. 23 e ss.) quanto a que encerra o processo falimentar (art. 132) não examinam a ocorrência ou não de atos que dão causa à responsabilidade tributária de sócios e administradores, não sendo aptas a ensejar uma espécie de salvo conduto ou inversão do ônus da prova contra a Fazenda Pública em processo de execução fi scal.

Acredito que a obrigação da verifi cação desses atos inexiste até porque o crédito tributário a ser exigido pelas Fazendas Públicas sequer faz parte do juízo universal, havendo que ter curso na respectiva Vara especializada em Execuções fi scais.

Decerto, a Antiga Lei de Falências (art. 103) impõe ao síndico o dever de apresentar exposição circunstanciada onde elenca, se houver, os atos que constituem crime falimentar, com a indicação dos responsáveis e dos dispositivos

penais aplicáveis. Contudo, essa exposição circunstanciada tem enfoque específi co que em muito se diferencia da atividade própria da administração tributária, que vai verifi car também a ocorrência de outros eventos que não os criminais (outras infrações legais ou contratuais) para caracterizar a responsabilidade tributária.

Observo que o enfoque da administração falimentar é o de zelar pelos direitos e deveres dos credores privados, da massa falida em situações específi cas e fornecer subsídios ao Ministério Público para intentar a ação penal por crime

falimentar. A evidência está na própria lei:

Art. 103. Nas vinte o quatro horas seguintes ao vencimento do dôbro do prazo marcado pelo juiz para os credores declararem os seus créditos (artigo 14, parágrafo único, n. V) o síndico apresentará em cartório, em duas vias, exposição circunstanciada, na qual, considerando as causas da falência, o procedimento do devedor, antes e depois da sentença declaratória, e outros elementos ponderáveis, especifi cará, se houver, os atos que constituem crime falimentar, indicando os responsáveis e, em relação a cada um, os dispositivos penais aplicáveis.

§ 1º Essa exposição, instruída com o laudo do perito encarregado do exame da escrituração do falido (art. 63, n. V), e quaisquer documentos, concluirá, se fôr caso, pelo requerimento de inquérito, exames e diligência destinados à apuração de fatos ou circunstâncias que possam servir de fundamento à ação penal (Código de Processo Penal, art. 509).

§ 2º As primeiras vias da exposição e do laudo e os documentos formarão os autos do inquérito judicial e as segundas vias serão juntas aos autos da falência.

[...]

Art. 108. Se não houver provas a realizar ou realizadas as deferidas, os autos serão imediatamente feitos com vista ao representante do Ministério Público, que,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

386

no prazo de cinco dias, pedirá a sua apensação ao processo da falência ou oferecerá denúncia contra o falido e outros responsáveis.

Parágrafo único. Se o representante do Ministério Público não oferecer denúncia, os autos permanecerão em cartório pelo prazo de três dias, durante os quais o síndico ou qualquer credor poderão oferecer queixa.

Já a verifi cação da ocorrência do fato gerador e a identifi cação do sujeito

passivo (contribuinte ou responsável) para efeito de composição do crédito

tributário é de competência privativa da autoridade administrativa, na forma do

art. 142, do CTN, in verbis:

Lançamento

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verifi car a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

A divisão de atribuições conferidas ao Juízo Falimentar e à Administração

Tributária não é incompatível com a conclusão de que a falência é forma

de dissolução regular da sociedade. Contudo, a dissolução regular através da

falência não exclui outras irregularidades que possam ter sido praticadas pelo

sócio responsável e que tenham relação com o não pagamento do tributo devido.

A alegação da existência de sentença que decreta a falência ou extingue

o processo falimentar como defesa do sócio responsabilizado somente seria

relevante em um contexto em que a Administração Tributária inserisse o seu

nome na CDA por entender ter havido dissolução irregular.

Desta forma, entendo que, apesar de a falência ser forma de dissolução

regular da sociedade, a sua decretação ou extinção mediante sentença não

exclui a responsabilidade dos sócios por outras irregularidades que possam

ter praticado e que tenham relação com o não pagamento do tributo devido,

devendo, em razão da presunção de apuração dessas outras irregularidades,

prevalecer a jurisprudência que presume a responsabilidade daqueles que têm o

seu nome inscrito na CDA.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 387

2 - Do nome do sócio na CDA.

Por outro lado, é forçoso reconhecer que a jurisprudência desta Casa

firmada no sentido de que todos os sócios e administradores que têm o

nome inscrito na CDA podem figurar no pólo passivo da execução fiscal

resta incompleta e, portanto, insufi ciente para solucionar os casos que vêm se

apresentando.

É que o entendimento parte da presunção de que em relação aos sócios

com o nome na CDA a Administração Tributária já teria apurado a ocorrência

de infração à lei, contrato social ou estatuto, na forma do art. 135, do CTN. Essa

linha de pensar inclusive foi referendada através de dois recursos representativos

da controvérsia cujas ementas transcrevo:

Processual Civil. Recurso especial submetido à sistemática prevista no art. 543-C do CPC. Execução fi scal. Inclusão dos representantes da pessoa jurídica, cujos nomes constam da CDA, no pólo passivo da execução fi scal. Possibilidade. Matéria de defesa. Necessidade de dilação probatória. Exceção de pré-executividade. Inviabilidade. Recurso especial desprovido.

1. A orientação da Primeira Seção desta Corte fi rmou-se no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não fi cou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.

2. Por outro lado, é certo que, malgrado serem os embargos à execução o meio de defesa próprio da execução fi scal, a orientação desta Corte fi rmou-se no sentido de admitir a exceção de pré-executividade nas situações em que não se faz necessária dilação probatória ou em que as questões possam ser conhecidas de ofício pelo magistrado, como as condições da ação, os pressupostos processuais, a decadência, a prescrição, entre outras.

3. Contudo, no caso concreto, como bem observado pelas instâncias ordinárias, o exame da responsabilidade dos representantes da empresa executada requer dilação probatória, razão pela qual a matéria de defesa deve ser aduzida na via própria (embargos à execução), e não por meio do incidente em comento.

4. Recurso especial desprovido. Acórdão sujeito à sistemática prevista no art. 543-C do CPC, c.c. a Resolução n. 8/2008 - Presidência-STJ (REsp n. 1.104.900-ES, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 25.03.2009).

Tributário. Execução fi scal sócio-gerente cujo nome consta da CDA. Presunção de responsabilidade. Ilegitimidade passiva arguida em exceção de pré-executividade. Inviabilidade. Precedentes.

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388

1. A exceção de pré-executividade é cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, ou seja: (a) é indispensável que a matéria invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (b) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória.

2. Conforme assentado em precedentes da Seção, inclusive sob o regime do art. 543-C do CPC (REsp n. 1.104.900, Min. Denise Arruda, sessão de 25.03.2009), não cabe exceção de pré-executividade em execução fiscal promovida contra sócio que figura como responsável na Certidão de Dívida Ativa - CDA. É que a presunção de legitimidade assegurada à CDA impõe ao executado que fi gura no título executivo o ônus de demonstrar a inexistência de sua responsabilidade tributária, demonstração essa que, por demandar prova, deve ser promovida no âmbito dos embargos à execução.

3. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC (REsp n. 1.110.925-SP; Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22.04.2009).

Esta presunção, que trilha caminho acertado ao prestigiar a legalidade do documento formado pela Administração Tributária, transborda o razoável quando não deixa clara a exigência de uma comprovação mínima nos autos da existência de um processo ou procedimento administrativo ou judicial prévios onde se tenha apurado a referida responsabilidade do sócio por infração à lei, contrato social ou estatutos e quando nega ao responsabilizado o conhecimento da forma de se defender dessa presunção relativa decorrente tão-somente da inclusão de seu nome na CDA.

Por conseqüência, o sócio que tem o nome inscrito na CDA, por não haver orientação jurisprudencial a respeito, fi ca alijado de qualquer meio de defesa já que não tem o que impugnar, pois não há nos autos a indicação de documento ou processo que lhe impute condutas específi cas que poderiam ensejar a responsabilização.

O fato se torna mais grave quando se verifi ca que a jurisprudência criada no STJ acaba por prestigiar o credor público que inadvertidamente insere o nome do responsável na CDA sem qualquer apuração prévia de responsabilidade.

Desta forma, sem o intuito de alterar a jurisprudência já fi rmada por ocasião do julgamento dos citados recursos representativos da controvérsia, mas com a intenção de fazê-la evoluir com o aprimoramento necessário, entendo que:

a) A presunção de legitimidade assegurada à CDA impõe ao executado que fi gura no título executivo o ônus de demonstrar a inexistência de sua responsabilidade tributária;

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 389

b) Esta demonstração pode ser realizada através da prova de que a CDA não

indica o número do procedimento ou do processo administrativo ou judicial onde foram

apurados os fatos que levaram à responsabilização; e

c) Não havendo esta prova, deve-se manter a presunção de que o número

de processo administrativo indicado na CDA refere-se também à apuração da

responsabilidade do sócio nela inscrito.

Sendo assim, o responsabilizado poderia ilidir sua responsabilidade

simplesmente trazendo ao processo, no momento oportuno, cópia integral dos

autos do procedimento e/ou processo administrativo ou judicial indicados na

CDA e demonstrando não ter havido neles qualquer apuração de ato ou fato

que pudesse gerar sua responsabilidade.

No presente caso, por não haver constatação na origem a respeito da

prova a que me referi no item c, deve-se manter a presunção de que o número

do processo administrativo indicado na CDA refere-se também à apuração da

responsabilidade do sócio nela inscrito, adotando-se a jurisprudência da casa

para manter a responsabilidade do sócio, sem olvidar as considerações que fi z,

as quais entendo pertinentes para orientações futuras no julgamento de casos do

mesmo jaez.

Ante o exposto, com a devida vênia dos Ministros que pensam de modo

diverso, acompanho a divergência (votos dos Ministros Herman Benjamin e

Castro Meira) e dou provimento ao recurso para permitir a execução fi scal contra

os sócios e administradores de empresa falida cujos nomes constam da CDA.

É como voto.

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Retifi co meu voto-vista, porquanto

concordo com as ponderações apresentadas pelo e. Ministro Castro Meira.

Com efeito, a hipótese é de integral provimento ao Recurso Especial, pois

a pretensão recursal (reformar a sentença que extinguiu a Execução Fiscal) foi

totalmente acolhida.

Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial, para que seja

redirecionada a Execução Fiscal em relação ao(s) sócio(s) cujo nome estiver inserido

na CDA.

É como voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

390

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial interposto

pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS improvido pela Ministra

Eliana Calmon por entender que a autofalência da recorrida não implica

na responsabilização patrimonial dos seus sócios, exceto se a exequente, ora

recorrente, provar que a dissolução societária foi procedida de modo irregular,

fraudulento.

Em brilhante Voto-vista, o Ministro Herman Benjamin, diverge do

entendimento da ilustre relatora, argumentando que, não obstante concordar

com o entendimento de que a falência da empresa não conduz, necessariamente,

à responsabilização patrimonial dos seus sócios, in casu, tal responsabilização

decorre diretamente do fato de o sócio constar como corresponsável na CDA.

Para robustecer sua tese, apresenta farta jurisprudência de ambas as Turmas da

Primeira Seção e desta própria.

Pois bem, Senhores Ministros, peço vênia à Ministra Eliana Calmon

para também discordar de seu entendimento e acompanhar os Votos-vista dos

Ministros Herman Benjamin e Castro Meira.

Depreende-se do art. 135 do CTN que a responsabilidade fi scal dos sócios

restringe-se à prática de atos que confi gurem abuso de poder ou infração contra

lei, contrato social ou estatutos da sociedade.

É evidente que o não recolhimento dos tributos exigidos na execução fi scal

em epígrafe confi gura um ato contrário à lei, em razão de prejudicar o fi m social

a que se destina a arrecadação. Necessário, entretanto, fi xarem-se os limites do

que seja infração legal, porquanto a falta de pagamento do tributo não confi gura

violação legal.

No escólio de Hugo de Brito Machado, ao assentar que “não se pode admitir

que o não-pagamento do tributo confi gure a infração de lei, capaz de ensejar tal

responsabilidade, porque isto levará a suprimir-se a regra, fazendo prevalecer, em

todos os casos, a exceção. O não cumprimento de uma obrigação qualquer, e não

apenas de uma obrigação tributária, provocaria a responsabilidade do diretor,

gerente ou representante da pessoa jurídica de direito privado inadimplente.

Mas tal conclusão é evidentemente insustentável. O que a lei estabelece como

regra, isto é, a limitação da responsabilidade dos diretores ou administradores

dessas pessoas jurídicas, não pode ser anulado por esse desmedido elastério

dado à exceção. Em conclusão, a questão em exame pode ser assim resumida:

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 391

(a) os sócios-gerentes, diretores e administradores de sociedades por quotas de

responsabilidade limitada ou anônimas, em princípio, não são pessoalmente

responsáveis pelas dívidas tributárias destas; (b) omissis; (c) relativamente aos

demais tributos, a responsabilidade em questão só existirá quando a pessoa

jurídica tenha fi cado sem condições econômicas para responder pela dívida, em

decorrência de atos praticados com excesso de poderes, ou violação da lei, do

contrato ou do estatuto; (d) a liquidação irregular da sociedade gera a presunção

da prática desses atos abusivos ou ilegais. Em síntese, os atos praticados com

excesso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos, aos quais se

reporta o art. 135, III, do CTN, são aqueles atos em virtude dos quais a pessoa

jurídica tornou-se insolvente” (“Responsabilidade Tributária e Infração da Lei”,

Repertório IOB de Jurisprudência 15/94, p. 298-299).

Assim, para que a responsabilidade excepcional do sócio seja confi gurada,

é necessário que lhe seja imputada a autoria do ato ilegal; porquanto, em caso

contrário, “para sanar uma injustiça contra o Estado, contra o Fisco, cometer-

se-ia uma outra injustiça maior: a responsabilidade do sócio (ainda que gerente

de direito) que não cometeu qualquer ato ilegal. Cabe-lhe o ônus da prova, mas

indiscutivelmente não pode responder por fraude cometida, praticada, realizada,

gerenciada, por terceiro” (op. cit.). Com a mesma ênfase, prossegue o autor ao

discorrer que “apenas quem pratica o ato gerencial fraudulento, ilegal, pode

validamente ser responsabilizado. Interessa à organização social como um todo,

que a responsabilidade nos negócios seja, como o nome indica, ‘limitada’. Em

todo o negócio há um risco. Quem comercia com uma sociedade inidônea, de

certa forma também está a cometer um equívoco, a (mal) assumir o risco. Não

há razão moral para que, por existirem maus comerciantes, se elimine a garantia

institucional da responsabilidade limitada, que protege o comerciante de boa fé,

a família, terceiros, contra os riscos naturais dos negócios” (op. cit.).

Infere-se, pois, que o sócio deve responder pelos débitos fi scais do período

em que exerceu a administração da sociedade, apenas se fi car provado que

agiu ele com dolo ou fraude e exista prova de que a sociedade, em razão de

difi culdade econômica decorrente desse ato, não pôde cumprir o débito fi scal.

A Primeira Seção, no julgamento dos EREsp n. 702.232-RS, de relatoria

do Ministro Castro Meira, assentou entendimento segundo o qual: 1) se a

execução fi scal foi promovida apenas contra a pessoa jurídica e, posteriormente,

foi redirecionada contra sócio-gerente cujo nome não consta da Certidão de

Dívida Ativa, cabe ao Fisco comprovar que o sócio agiu com excesso de poderes

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

392

ou infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135 do CTN;

2) se a execução fi scal foi promovida contra a pessoa jurídica e o sócio-gerente,

cabe a este o ônus probatório de demonstrar que não incorreu em nenhuma

das hipóteses previstas no mencionado art. 135; e 3) se a execução foi ajuizada

apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, o ônus

da prova também compete ao sócio, em virtude da presunção juris tantum de

liquidez e certeza da referida certidão. Senão vejamos pelo aresto abaixo:

Tributário. Embargos de divergência. Art. 135 do CTN. Responsabilidade do sócio-gerente. Execução fundada em CDA que indica o nome do sócio. Redirecionamento. Distinção.

1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a responsabilidade ao sócio-gerente e, posteriormente, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade.

2. Se a execução foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c.c. o art. 3º da Lei n. 6.830/1980.

3. Caso a execução tenha sido proposta somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável tributário, não se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa.

4. Na hipótese, a execução foi proposta com base em CDA da qual constava o nome do sócio-gerente como co-responsável tributário, do que se conclui caber a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.

5. Embargos de divergência providos.

(EREsp n. 702.232, Rel. Min. Castro Meira, DJ 26.09.2005).

Ainda em idêntico sentido:

Execução fi scal. Ilegitimidade passiva. CDA. Liqüidez e certeza. Exceção de pré-executividade. Não-cabimento.

1. O STJ vem admitindo exceção de pré-executividade em ação executiva fi scal para argüição de matérias de ordem pública, tais como as condições da ação e os pressupostos processuais, desde que não haja necessidade de dilação probatória.

2. A discussão acerca da responsabilidade prevista no art. 135 do CTN é inviável em sede de exceção de pré-executividade quando constar o nome do sócio na

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

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Certidão de Dívida Ativa (CDA), uma vez que demandaria produção de provas, tendo em vista a presunção de liquidez e certeza da certidão.

3. Recurso especial provido.

(REsp n. 572.088, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 20.10.2006)

Portanto, antes de se examinar a forma como a sociedade foi extinta, se regular ou irregularmente, há que se examinar a própria CDA, que poderá determinar, de forma objetiva, a responsabilização patrimonial do sócio-gerente, caso este fi gure como corresponsável.

Na hipótese dos autos, a Certidão de Dívida Ativa incluiu o sócio-gerente como corresponsável tributário, cabendo a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do art. 135 do CTN.

Ante o exposto, acompanho o Voto-vista do Ministro Herman Benjamin. Dou provimento ao recurso especial, para anular a decisão que excluiu da relação processual o sócio-gerente que fi gura na CDA como corresponsável.

É como penso. É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 929.758-DF (2007/0040274-3)

Relator: Ministro Humberto Martins

Recorrente: Th emag Engenharia Ltda.

Advogado: Marisa Schutzer Del Nero Poletti e outro

Recorrido: Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e

do Parnaíba - Codevasf

Advogado: Rodila Alvarenga Brandão e outro

EMENTA

Direito Administrativo. Codevasf. Empresa estatal prestadora

de serviço público. Atuação essencialmente estatal. Infl uxo maior

de normas de direito público. Prescrição quinquenal. Decreto n.

20.910/1932. Aplicabilidade da Súmula n. 39-STJ restrita a empresas

que explorem a atividade econômica.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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1. O recurso especial não comporta conhecimento quanto à

alegada violação da Súmula n. 39-STJ, já que esta não integra o

conceito de lei federal, existente no art. 105, III, a, da CF.

2. A atividade essencial desempenhada pela Codevasf, que fez

com que a Corte de origem a qualifi casse como uma empresa pública

prestadora de serviço público, é matéria fática, motivo pelo qual, não

pode ser revista por este Tribunal Superior, em razão do óbice imposto

pela Súmula n. 7-STJ.

3. As empresas estatais podem atuar basicamente na exploração

da atividade econômica ou na prestação de serviços públicos, e

coordenação de obras públicas.

4. Tais empresas que exploram a atividade econômica -

ainda que se submetam aos princípios da administração pública e

recebam a incidência de algumas normas de direito público, como

a obrigatoriedade de realizar concurso público ou de submeter a sua

atividade-meio ao procedimento licitatório - não podem ser agraciadas

com nenhum beneplácito que não seja, igualmente, estendido às

demais empresas privadas, nos termos do art. 173, § 2º da CF, sob

pena de inviabilizar a livre concorrência.

5. Aplicando essa visão ao tema constante no recurso especial,

chega-se à conclusão de que a Súmula n. 39-STJ - que determina a

não aplicabilidade do prazo prescricional reduzido às sociedades de

economia mista - deve ter interpretação restrita, de modo a incidir

apenas em relação às empresas estatais exploradoras da atividade

econômica.

6. Por outro lado, as empresas estatais que desempenham serviço

público ou executam obras públicas recebem um influxo maior

das normas de direito público. Quanto a elas, não incide a vedação

constitucional do art. 173, § 2º, justamente porque não atuam em

região onde vige a livre concorrência, mas sim onde a natureza das

atividades exige que elas sejam desempenhadas sob o regime de

privilégios.

7. Pode-se dizer, sem receios, que o serviço público está para

o Estado, assim como a atividade econômica em sentido estrito

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 395

está para a iniciativa privada. A prestação de serviço público é

atividade essencialmente estatal, motivo pelo qual, as empresas que

a desempenham sujeitam-se a regramento só aplicáveis à Fazenda

Pública. São exemplos deste entendimento as decisões da Suprema

Corte que reconheceram o benefício da imunidade tributária recíproca

à Empresa de Correios e Telégrafos - ECT, e à Companhia de Águas

e Esgotos de Rondônia - Caerd. (RE n. 407.099-RS e AC n. 1.550-2).

8. Não é por outra razão que, nas demandas propostas contra

as empresas estatais prestadoras de serviços públicos, deve-se

aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto n. 20.910/1932.

Precedentes: (REsp n. 1.196.158-SE, Rel. Min. Eliana Calmon,

Segunda Turma, julgado em 19.08.2010, DJe 30.08.2010), (AgRg no

AgRg no REsp n. 1.075.264-RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira

Turma, julgado em 02.12.2008, DJe 10.12.2008).

Recurso especial conhecido em parte e improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-

lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Cesar

Asfor Rocha e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Humberto Martins, Relator

DJe 14.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial

interposto por Th emag Engenharia Ltda., com fundamento no art. 105, III, a e

c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª

Região, assim ementado:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Direito Administrativo. Codevasf. Empresa pública. Contrato para construção de barragem de Boacica. Correção monetária de parcelas pagas com atraso. Prescrição quinquenal.

1. A Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf ), empresa pública vinculada ao Ministério do Interior, “tem por finalidade o aproveitamento, para fi ns agrícolas, agropecuários e agroindustriais, dos recursos de água e solo do Vale do São Francisco, (...), podendo, para esse efeito, coordenar ou executar, diretamente ou mediante contratação, obras de infraestrutura, particularmente de captação de águas para fins de irrigação, de construção de canais primários ou secundários, e também obras de saneamento básico, eletrifi cação e transportes, conforme Plano Diretor, em articulação com os órgãos federais competentes” (art. 4º da Lei n. 6.088/1974).

2. “No exercício de suas atribuições, poderá a Codevasf atuar, por delegação dos órgãos competentes, como agente do poder público, desempenhando funções de boa administração e fi scalização do uso racional dos recursos de água e solo” (art. 4º, § 2º, da Lei n. 6.088/1974).

3. De acordo com a cláusula sexta do contrato que entre si fi zeram a Codevasf e a empresa Themag Engenharia, para elaboração do Projeto Executivo, supervisão e gerenciamento da Barragem de Boacica, localizada no Município de Igreja Nova-AL, as respectivas despesas correriam “à conta dos recursos PIN/BIRD, destinados ao Projeto Boacica/Irrigação/Estudos e Projetos/Infra-estrutura Interna e Uso Comum”.

4. O regime jurídico próprio das empresas privadas, a que se redere o art. 173, § 1º, da Constituição é pertinente apenas às empresas estatais dedicadas a atividades econômica stricto sensu, em função do princípio da livre concorrência, o que não é o caso da Codevasf na atividade específi ca de construção da referida barragem, empregando recursos essencialmente públicos, situação em que se equipara à fazenda pública.

5. É quinquenal a prescrição do suposto débito de correção monetária. (fl . 1.931-e)

Rejeitados os embargos de declaração opostos (fl . 1.942-e).

Aduz a recorrente que o acórdão regional contrariou as disposições

contidas nos arts. 177 do antigo CC, bem como à Súmula n. 39-STJ.

Apresentadas as contrarrazões às fl s. 1.991-1.998-e, sobreveio o juízo de

admissibilidade positivo da instância de origem (fl s. 2.003-2.004-e).

O Ministério Público Federal ofereceu parecer às fls. 2.013-2.017-e,

opinando pelo parcial conhecimento e não provimento do recurso especial.

É, no essencial, o relatório.

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VOTO

O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):

DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

O recurso especial não comporta conhecimento quanto à alegada violação

da Súmula n. 39-STJ, já que esta não integra o conceito de lei federal, existente

no art. 105, III, a, da CF.

No mesmo sentido:

Processo Civil e Tributário. Técnica de interposição de recurso especial. Prequestionamento. Impossibilidade de alegação de violação de súmula. IPC. Correção dos depósitos judiciais. Dissídio jurisprudencial não demonstrado.

1. Não basta, para a confi guração do prequestionamento, que o Tribunal a quo mencione algum artigo de lei federal em seu voto, devendo realizar, de modo fundamentado, juízo de valor específi co sobre a questão federal enfocada. Para forçar o Tribunal a tanto, a parte tem a seu dispor o poder (direito potestativo) de opor embargos declaratórios.

2. Não rende ensejo ao conhecimento do recurso especial a alegação de violação de Súmula da jurisprudência, que não se perfaz do conceito de lei federal existente no art. 105, III, a, da CF.

3. Quanto ao dissídio, não está demonstrada a similitude fática entre os arestos confrontados. Muito embora os arestos do STJ, apontados como paradigma, afi rmem incidir o IPC na correção dos depósitos judiciais, são efusivos ao registrar que a aplicação do IPC se dá para o período discutido nos autos. Já o recorrente, em suas razões, não faz o adequado cotejo analítico apto a demonstrar sobre quais períodos, tanto o acórdão recorrido, quanto os paradigmas, estão se debruçando.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 542.993-RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 06.11.2007, DJ 19.11.2007).

No mais, o recurso especial merece conhecimento.

DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 177-CC

Alega a recorrente que o acórdão, ao entender que a prescrição em favor da

Codevasf é quinquenal, nos termos do Decreto n. 20.910/1932, violou o art. 177

do Código Civil de 1916, já que às empresas públicas não se poderia aplicar o

mesmo prazo prescricional que se observa em favor da Fazenda Pública.

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O Tribunal de origem, ao apreciar a demanda, entendeu que a recorrida

é empresa pública prestadora de serviço público, motivo pelo qual, deve ser

benefi ciada com o prazo prescricional reduzido a que está sujeita a Fazenda

Pública.

A ementa do acórdão deixa clara essa conceituação:

4. O regime jurídico próprio das empresas privadas, a que se refere o art. 173, § 1º, da Constituição é pertinente apenas às empresas estatais dedicadas a atividades econômica stricto sensu, em função do princípio da livre concorrência, o que não é o caso da Codevasf na atividade específica de construção da referida barragem, empregando recursos essencialmente públicos, situação em que se equipara à fazenda pública. (Grifei) (fl s. 1.931-e).

A atividade essencial desempenhada pela Codevasf, que fez com que a Corte de origem a qualifi casse como uma empresa pública prestadora de serviço público, é matéria fática, motivo pelo qual, não pode ser revista por esta Corte Superior, em razão do óbice imposto pela Súmula n. 7-STJ.

Sendo assim, ao analisar o prazo prescricional incidente no caso concreto, deve-se partir da ideia de que a recorrida é empresa pública prestadora de serviço público, e não exploradora da atividade econômica.

Fixado esse ponto, parte-se para o enfrentamento do cerne do recurso especial.

As empresa estatais, sejam elas públicas ou sociedades de economia mista, apesar de serem instrumento de atuação do Estado, submetidas a regras impostas pelo interesse público motivador de sua instituição, não se enquadram no conceito de Fazenda Pública. Possuem personalidade jurídica de direito privado e não se benefi ciam, em regra, das prerrogativas inerentes às pessoas jurídicas de direito público.

Tais empresas, de acordo com a finalidade em razão da qual foram criadas, podem atuar, basicamente, em dois campos. Há as que se destinam a desempenhar a atividade econômica e aquelas cujo objetivo é prestar serviços públicos e executar obras públicas. Esse critério de diferenciação é de extrema importância, pois, de acordo com o campo de atuação, haverá maior ou menor interferência das normas de direito público.

No caso das empresas estatais que exploram a atividade econômica, ainda que se submetam aos princípios da administração pública e recebam a incidência de algumas normas de direito público - como a obrigatoriedade de realizar concurso público ou de submeter a sua atividade-meio ao procedimento

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licitatório - não podem ser benefi ciadas com nenhum beneplácito que não seja, igualmente, estendido às demais empresas privadas, nos termos do art. 173, § 2º da CF, sob pena de inviabilizar a livre concorrência.

Aplicando essa visão ao tema constante nos autos, chega-se à conclusão de que a Súmula n. 39-STJ - que determina a não aplicabilidade do prazo prescricional reduzido às sociedades de economia mista - deve ter interpretação restrita, de modo a incidir apenas em relação às empresas estatais exploradoras da atividade econômica.

Este, aliás, é o entendimento que vem prevalecendo nesta Corte Superior:

Recurso especial. Processual Civil. Ação de cobrança. Diferenças de correção monetária em caderneta de poupança. Prescrição vintenária. Incidência, independentemente da existência de autarquia estadual no pólo passivo da demanda. Precedentes. Recurso provido.

I - A correção monetária e os juros remuneratórios em caderneta de poupança, por agregarem-se ao capital, perdem a natureza de acessórios, concluindo-se, por consectário lógico, que a prescrição aplicável é a vintenária;

II - Tal prazo prescricional não se altera pela existência de autarquia estadual no pólo passivo da demanda, porquanto esta sujeita-se ao mesmo regime de prescrição das pessoas jurídicas de direito privado em se tratando de negócios jurídicos bancários;

III - Dessa forma, a prescrição qüinqüenal, prevista pelo Decreto n. 20.910/1932, não benefi cia empresa pública, sociedade de economia mista ou qualquer outra entidade estatal que explore atividade econômica;

IV - Recurso especial provido. (Grifei)

(REsp n. 1.058.825-MG, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 18.11.2008, DJe 03.12.2008.)

Processual Civil. Empresa pública. Prazo prescricional. Decreto n. 20.910/1932.

1. O contido no Decreto n. 20.910/1932 e no Decreto-Lei n. 4.597/1942 aplica-se apenas às pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações públicas), excluindo-se, portanto, as pessoas jurídicas de direito privado da Administração Pública Indireta (sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações).

2. As empresas públicas que explorem atividade econômica são regidas pelas normas aplicáveis às empresas privadas, não sendo, portando, benefi ciárias do prazo prescricional previsto pelo Decreto n. 20.910/1932.

3. Recurso especial improvido. (Grifei)

(REsp n. 925.404-SE, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 24.04.2007, DJ 08.05.2007)

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Sabe-se, por outro lado, que as empresas estatais que desempenham serviço público ou executam obras públicas recebem um infl uxo maior das normas de direito público. Quanto a elas, não incide a vedação constitucional do art. 173, § 2º, justamente porque não atuam em região onde vige a livre concorrência, mas sim onde a natureza das atividades exigem que elas sejam desempenhadas sob o regime de privilégios.

Neste sentido, o lapidar voto do Ministro Eros Roberto Grau, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF n. 46-DF:

os regimes jurídicos sob os quais são prestados os serviços públicos importam em que sua prestação seja desenvolvida sob privilégios, inclusive, em regra, o da exclusividade na exploração da atividade econômica em sentido amplo a que corresponde a sua prestação. É justamente a virtualidade desse privilégio de exclusividade na prestação, aliás, que torna atrativo para o setor privado a sua exploração, em situação de concessão ou permissão.

É por receber um infl uxo muito maior do regime jurídico de Direito Público que, lentamente, a jurisprudência, principalmente da Corte Suprema, vem conferindo prerrogativas da Fazenda Pública às empresas estatais, sejam elas sociedades de economia mista ou empresas públicas, desde que prestadoras de serviço público.

Neste movimento, pode-se citar, por exemplo, o reconhecimento da imunidade tributária recíproca da Empresa de Correios e Telégrafos - ECT, ou ainda, da Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia - Caerd, o que levou a Corte Suprema a afi rmar que tal imunidade abrange as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos - de prestação obrigatória e exclusiva do Estado (RE n. 407.099-RS e AC n. 1.550-2).

A tendência que vem sendo adotada pela Suprema Corte parece acertada. Isto porque, a prestação de serviços públicos é uma atividade pertinente à esfera peculiar do Estado, de modo que quando uma empresa estatal atua nessa área, o faz como auxiliar o Poder Público no desempenho de suas atividades essenciais.

Pode-se dizer, sem receios, que o serviço público está para o Estado, assim como a atividade econômica em sentido estrito está para a iniciativa privada. A prestação de serviço público é atividade essencialmente estatal, motivo pelo qual, as empresas que a desempenham sujeitam-se a regramento só aplicáveis à Fazenda Pública.

Celso Antônio Bandeira de Melo explica com maestria a diferenciação que precisa ser feita entre as empresas estatais que exploram a atividade econômica e as que prestam serviço público ou executam obras públicas:

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Há, portanto, dois tipos fundamentais de empresas públicas e sociedades de economia mista: exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços públicos ou coordenadoras de obras públicas e demais atividades públicas. Seus regimes jurídicos não são, nem podem ser, idênticos, como procuramos demonstrar em outra oportunidade.

No primeiro caso, é compreensível que o regime jurídico de tais pessoas seja o mais próximo possível daquele aplicável à generalidade das pessoas de Direito Privado. Seja pela natureza do objeto de sua ação, seja para prevenir que desfrutem de situação vantajosa em relação às empresas privadas – às quais cabe a senhoria no campo econômico –, compreende-s que estejam, em suas atuações, submetidas a uma disciplina bastante avizinhada da que regula as entidades particulares de fi ns empresariais. Daí haver o Texto Constitucional estabelecido que em tais hipóteses regular-se-ão pelo regime próprio das empresas privadas (art. 173, § 1º, II). Advirta-se, apenas, que há um grande exagero nesta dicção da Lei Magna, pois ela mesma se encarrega de desmentir-se em inúmeros outros artigos, como além será demonstrado.

No segundo caso, quando concebidas para prestar serviços públicos ou desenvolver quaisquer atividades de índole pública propriamente (como promover a realização de obras públicas), é natural que sofram o infl uxo mais acentuado de princípios e regras de Direito Público, ajustados, portanto, ao resguardo de interesses desta índole. (Grifei) (BANDEIRA DE MELLO. Celso A. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros, 25ª Ed. p. 198-199).

Não é por outra razão que esta Corte Superior, em julgados recentes de

ambas as Turmas de Direito Público, entendeu que nas demandas propostas

contra as empresas estatais prestadoras de serviços públicos, deve-se aplicar a

prescrição quinquenal prevista no Decreto n. 20.910/1932.

Neste sentido:

Processual Civil. Recurso especial. Empresa municipal responsável pela prestação de serviços públicos próprios do Estado. Equiparação à Fazenda Pública. Ação de indenização. Prescrição: Decreto n. 20.910/1932. Termo a quo.

1. O art. 1º do Decreto n. 20.910/1932 fi xa como termo inicial da prescrição qüinqüenal a data do ato ou fato que deu origem à ação de indenização.

2. O direito de pedir indenização, pelo clássico princípio da actio nata, surge quando constatada a lesão e suas conseqüências, fato que desencadeia a relação de causalidade e leva ao dever de indenizar.

3. Tratando-se de empresa pública integrante da administração indireta, responsável pela prestação de serviços públicos próprios do Estado, com o fi m de atender as necessidades essenciais da coletividade, sem que apresente

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situação de exploração de atividade econômica, deve ser aplicada a prescrição qüinqüenal, conforme o Decreto n. 20.910/1932.

4. Recurso especial não provido.

(REsp n. 1.196.158-SE, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.08.2010, DJe 30.08.2010)

Processual Civil. Prescrição. Artigo 1º do Decreto n. 20.910/1932. Empresa pública.

I - Para analisar a afi rmação da recorrente de que a empresa recorrida não presta serviço público, afastando a convicção do Tribunal a quo, se tem impositivo o reexame do conjunto probatório, o que é insusceptível no âmbito do recurso especial. Incidência da Súmula n. 7-STJ.

II - Sendo a recorrida empresa pública integrante da administração indireta como prestadora de serviços públicos, sem que se apresente, conforme delineado no acórdão recorrido, situação de exploração de atividade econômica, ressai de rigor a aplicação da prescrição qüinqüenal, conforme o Decreto n. 20.910/1932.

III - Agravo regimental improvido.

(AgRg no AgRg no REsp n. 1.075.264-RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 02.12.2008, DJe 10.12.2008)

Ante o exposto, com fundamento no art. 557, caput, do CPC, conheço

parcialmente do recurso especial e nego-lhe provimento.

É como penso. É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 938.403-CE (2007/0072095-4)

Relator: Ministro Humberto Martins

Recorrente: Fazenda Nacional

Procuradores: José Edmundo Barros de Lacerda e outro(s)

Claudio Xavier Seefelder Filho

Recorrido: Shell Brasil Ltda.

Advogada: Renata Barbosa Fontes da Franca e outro(s)

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

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EMENTA

Administrativo. Recurso especial. Sunab. Distribuidora de combustíveis. Atividade-meio. Exigência de afi xação de tabela de preços. Impossibilidade. Inexistência de relação de consumo entre a distribuidora e o consumidor fi nal.

1. A Lei Delegada n. 4/1962 estipulou a obrigatoriedade de afi xação, em lugar visível e de fácil leitura, de tabela de preços dos gêneros e mercadorias, serviços ou diversões públicas populares.

2. A Corte de origem, ao apreciar os fatos que deram origem à demanda, considerou que a unidade autuada não exercia nenhuma atividade de comercialização direta com o consumidor fi nal, inclusive por expressa vedação do art. 12 da Portaria n. 116/2000 - ANP.

3. Se a distribuidora de combustíveis não mantém relação de consumo com o consumidor fi nal, mas exerce atividade-meio com as respectivas revendedoras, não está obrigada a expor a lista de preços dos produtos que comercializa.

4. A exigência de exibição de tabela de preços não pode afastar-se do postulado da razoabilidade, o qual, in casu, deve ser prestigiado para se afastar a aplicação da Lei Delegada n. 4/1962 ao caso concreto.

Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). Mirella Bittencourt de Andrade, pela parte recorrida: Shell Brasil Ltda.

Brasília (DF), 04 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Humberto Martins, Relator

DJe 17.11.2010

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial interposto pela Fazenda Nacional, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que, ao julgar demanda relativa à prevalência de multa aplicada pela extinta Sunab em razão da não fi xação de tabela de preços, negou provimento ao recurso de apelação da recorrente.

A ementa do julgado guarda o seguinte teor (fl . 234):

Ação anulatória. Administrativo. Multa da Sunab. Exibição de preço de produto em base de distribuição de combustíveis.

- Realizando a unidade operacional da distribuidora de combustível apenas atividades de armazenamento e distribuição, sem praticar a comercialização direta ao consumidor fi nal, não se justifi ca a lavratura de auto de infração pela Sunab em razão da não exposição dos preços dos produtos ao público, se este sequer tem acesso às dependências das distribuidoras de combustíveis.

No presente recurso especial, a recorrente alega contrariedade à legislação federal, especifi camente do art. 11, alíneas c e j, da Lei Delegada n. 4, de 26.09.1962, porque, segundo o Tribunal a quo, ele não obriga a recorrida a proceder com a afi xação de tabela de preços dos produtos que comercializa, em local visível no estabelecimento.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 255-258), sobreveio o juízo de admissibilidade positivo da instância de origem (fl s. 260-1).

Distribuídos os autos ao eminente Ministro Francisco Falcão, foi suscitada a conexão entre o presente processo e o processo que culminou com o REsp n. 933.627, que se encontra apenso, perante o qual proferi decisão anterior.

Porque ouvido, reconheci a referida conexão e determinei a apensação dos referidos autos para prolatação de decisões uniformes (fl s. 361-366).

É, no essencial, o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): A controvérsia é singela. Diz

respeito à seguinte tese: estariam as distribuidoras de combustíveis, a exemplo

da recorrida, obrigadas a afi xar a tabela de preços dos produtos comercializados,

mesmo sem que efetuem venda direta ao consumidor fi nal?

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 405

O art. 11 da Lei Delegada n. 4/1962 determina que:

Art. 11. Fica sujeito à multa de 150 a 200.000 Unidades Fiscais de Referência - UFIR, vigente na data da infração, sem prejuízo das sanções penais que couberem na forma da lei, aquele que:

(...)

c) não mantiver afi xado em lugar visível e de fácil leitura, tabela de preços dos gêneros e mercadorias, serviços ou diversões públicas populares;

j) difi cultar ou impedir a observância das resoluções que forem baixadas em decorrência desta lei;

A recorrida é empresa voltada para a distribuição de combustíveis, ao estilo do que defi nem os incisos XX e XXI do art. 6º da Lei n. 9.478/1997:

XX - Distribuição: atividade de comercialização por atacado com a rede varejista ou com grandes consumidores de combustíveis, lubrifi cantes, asfaltos e gás liquefeito envasado, exercida por empresas especializadas, na forma das leis e regulamentos aplicáveis;

XXI - Revenda: atividade de venda a varejo de combustíveis, lubrifi cantes e gás liquefeito envasado, exercida por postos de serviços ou revendedores, na forma das leis e regulamentos aplicáveis;

A Corte de origem, ao se pronunciar sobre as atividades mercantis desenvolvidas pela recorrida, posicionou-se no seguinte sentido (fl . 231):

A apelada não realiza na unidade autuada nenhuma atividade de comercialização direta com o consumidor fi nal, inclusive por expressa vedação legal, conforme o art. 12 da Portaria n. 116/2000 da ANP, verbis:

É vedado ao distribuidor de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos o exercício da atividade de revenda varejista.

Dessa forma, não há razão para manter os preços dos produtos expostos ao público, consumidor varejista, com o qual não pode desenvolver relações de compra e venda de combustíveis. Acrescente-se que este consumidor fi nal sequer tem acesso às dependências das distribuidoras de combustíveis.

À apelada é proibido vender combustível diretamente ao consumidor fi nal. A exigência da tabela de preço afi xada em local visível perde sua razão de ser, pois destinada ao público em geral e não ao revendedor varejista.

A fi nalidade da norma de afi xação de tabela de preços, conforme a lógica do razoável, não se estende à recorrida, que, ao estilo do contido no acórdão

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recorrido, exerce, tão somente, atividades de intermediação, sem acesso de consumidores fi nais a seus estabelecimentos.

De fato, comungo do entendimento de que a mens legis dirigiu-se a proteger o consumidor contra a alteração indiscriminada de preços dos produtos, muitas vezes feitas à sorrelfa, na calada da noite. Com outras palavras, instituiu-se um mecanismo que privilegiou a não surpresa do consumidor fi nal frente às remarcações desenfreadas de preços.

Bem por isso, não se poderia exigir da recorrida, que não mantém relação de consumo com particulares, a exibição de preços dos produtos que comercializa. A interpretação do dispositivo evocado pela fi scalização, decididamente, não deve afastar-se do norte da razoabilidade.

Bem por isso, ao presente caso, calha como luva a anotação da Professora Fernanda Marinela, para quem:

O princípio da razoabilidade não visa substituir a vontade da lei pela do julgador, visto que cada norma tem uma razão de ser. Entretanto, ele representa um limite para a discricionariedade do administrador, exigindo uma relação de pertinência entre oportunidade e conveniência, de um lado, e fi nalidade legal do outro. Agir discricionariamente não signifi ca agir desarrazoadamente, de maneira ilógica, incongruente. A lei não protege, não encampa condutas insensatas, portanto terá o administrador que obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal.

(Direito Administrativo, Impetus, 4ª edição, p. 49).

A proteção ao consumidor, sob esse aspecto, restaria inútil e, ao fi m, estar-se-ia punindo a empresa em razão de conduta inexigível materialmente.

Não deve prevalecer a mesma regra de conduta onde não há a mesma razão fundamental: o dispositivo tido por contrariado, decididamente, não se aplica a distribuidoras de combustíveis, hipótese concreta dos autos.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como penso. É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.095.687-SP (2008/0214589-2)

Relator: Ministro Castro Meira

Relator para o acórdão: Ministro Herman Benjamin

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 407

Recorrente: Paulo Keiner e outro

Advogado: Jose Rena e outro(s)

Recorrido: Fazenda do Estado de São Paulo

Procurador: Maria Christina Menezes e outro(s)

EMENTA

Processual Civil e Tributário. Violação do art. 535 do CPC.

Defi ciência na fundamentação. Súmula n. 284-STF. Execução fi scal.

Redirecionamento contra o sócio-gerente em período superior a cinco

anos, contados da citação da pessoa jurídica. Prescrição. Revisão da

jurisprudência do STJ.

1. Não se conhece de Recurso Especial em relação a ofensa ao

art. 535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício

em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia,

da Súmula n. 284-STF.

2. Controverte-se nos autos a respeito de prazo para que se

redirecione a Execução Fiscal contra sócio-gerente.

3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o

redirecionamento não pode ser feito após ultrapassado período

superior a cinco anos, contados da citação da pessoa jurídica.

4. A inclusão do sócio-gerente no pólo passivo da Execução

Fiscal deve ser indeferida se houver prescrição do crédito tributário.

5. Note-se, porém, que o simples transcurso do prazo qüinqüenal,

contado na forma acima (citação da pessoa jurídica), não constitui, por

si só, hipótese idônea a inviabilizar o redirecionamento da demanda

executiva.

6. De fato, inúmeros foram os casos em que as Execuções Fiscais

eram arquivadas nos termos do art. 40 da Lei n. 6.830/1980, em sua

redação original, e assim permaneciam indefi nidamente. A Fazenda

Pública, com base na referida norma, afi rmava que não corria o prazo

prescricional durante a fase de arquivamento. A tese foi rejeitada,

diante da necessidade de interpretação do art. 40 da LEF à luz do art.

174 do CTN.

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7. A despeito da origem acima explicitada, os precedentes

passaram a ser aplicados de modo generalizado, sem atentar para a

natureza jurídica do instituto da prescrição, qual seja medida punitiva

para o titular de pretensão que se mantém inerte por determinado

período de tempo.

8. Carece de consistência o raciocínio de que a citação da pessoa

jurídica constitui o termo a quo para o redirecionamento, tendo em

vista que elege situação desvinculada da inércia que implacavelmente

deva ser atribuída à parte credora. Dito de outro modo, a citação da

pessoa jurídica não constitui “fato gerador” do direito de requerer o

redirecionamento.

9. Após a citação da pessoa jurídica, abre-se prazo para oposição

de Embargos do Devedor, cuja concessão de efeito suspensivo era

automática (art. 16 da Lei n. 6.830/1980) e, atualmente, sujeita-se ao

preenchimento dos requisitos do art. 739-A, § 1º, do CPC.

10. Existe, sem prejuízo, a possibilidade de concessão de

parcelamento, o que ao mesmo tempo implica interrupção (quando

acompanhada de confi ssão do débito, nos termos do art. 174, parágrafo

único, IV, do CTN) e suspensão (art. 151, VI, do CTN) do prazo

prescricional.

11. Nas situações acima relatadas (Embargos do Devedor

recebidos com efeito suspensivo e concessão de parcelamento), será

inviável o redirecionamento, haja vista, respectivamente, a suspensão

do processo ou da exigibilidade do crédito tributário.

12. O mesmo raciocínio deve ser aplicado, analogicamente,

quando a demora na tramitação do feito decorrer de falha nos

mecanismos inerentes à Justiça (Súmula n. 106-STJ).

13. Trata-se, em última análise, de prestigiar o princípio da boa-fé

processual, por meio do qual não se pode punir a parte credora em razão

de esta pretender esgotar as diligências ao seu alcance, ou de qualquer

outro modo somente voltar-se contra o responsável subsidiário após

superar os entraves jurídicos ao redirecionamento.

14. É importante consignar que a prescrição não corre em prazos

separados, conforme se trate de cobrança do devedor principal ou dos

demais responsáveis. Assim, se estiver confi gurada a prescrição (na

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 409

modalidade original ou intercorrente), o crédito tributário é inexigível

tanto da pessoa jurídica como do sócio-gerente. Em contrapartida, se

não ocorrida a prescrição, será ilegítimo entender prescrito o prazo para

redirecionamento, sob pena de criar a aberrante construção jurídica

segundo a qual o crédito tributário estará, simultaneamente, prescrito

(para redirecionamento contra o sócio-gerente) e não prescrito (para

cobrança do devedor principal, em virtude da pendência de quitação

no parcelamento ou de julgamento dos Embargos do Devedor).

15. Procede, dessa forma, o raciocínio de que, se ausente a

prescrição quanto ao principal devedor, não há inércia da Fazenda

Pública.

16. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não

provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:

“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Mauro

Campbell Marques, acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro

Herman Benjamin, embora por outros fundamentos, a Turma, por maioria,

conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos

do voto do Sr. Ministro Herman Benjamin, que lavrará o acórdão. Vencidos o

Sr. Ministro Castro Meira e a Sra. Ministra Eliana Calmon.” Votaram com o

Sr. Ministro Herman Benjamin os Srs. Ministros Humberto Martins e Mauro

Campbell Marques.

Brasília (DF), 15 de dezembro de 2009 (data do julgamento).

Ministro Herman Benjamin, Relator

DJe 08.10.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Meira: Trata-se de recurso especial interposto com

fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão

prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

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Tributário. Execução. Responsabilidade. Sócios.

1. É pacífi co no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que os sócios-gerentes são pessoalmente responsáveis pelos impostos devidos pela empresa da qual eram sócios, com fatos geradores da época em que pertenciam à sociedade, e a falta de recolhimento de tributos constitui infração à lei. (EDREsp n. 258.732-MG, Primeira Turma, rel. Garcia Vieira, j. 07.11.2000, DJU 27.11.2000, p. 136).

2. Interrompida a prescrição pela citação da pessoa jurídica, não ficou comprovada qualquer inércia da exeqüente a justifi car o seu reconhecimento sob a forma intercorrente.

Recurso improvido (fl . 91).

Os embargos de declaração a seguir opostos foram rejeitados (fl s. 113-

115).

Os recorrentes aduzem negativa de vigência ao art. 535 do Código de

Processo Civil, em face da rejeição dos aclaratórios que buscavam, além do

prequestionamento, “a correção da data do ajuizamento da execução, eis que,

restou consignado no v. acórdão recorrido como sendo dia 11.03.1999, sendo

que a ação executiva foi distribuída em 26.02.1999, conforme consta da CDA

que fundamenta a ação” (fl . 123).

Apontam a existência de violação ao disposto nos arts. 135, III, 156, V, e

174, parágrafo único do Código Tributário Nacional - CTN. Alegam que, entre

a constituição defi nitiva do crédito tributário e a citação dos sócios, decorreu

prazo superior a 05 anos, operando-se a prescrição da ação para a sua cobrança.

Defendem ainda que o mero inadimplemento da obrigação tributária não

implica na responsabilidade objetiva dos sócios.

As contra-razões foram ofertadas às fl s. 159-164.

Inadmitido o recurso especial na origem (fl s. 167-168), subiram os autos a

esta Corte de Justiça, em virtude de provimento dado ao Agravo de Instrumento

n. 964.604-SP.

É o relatório.

VOTO

Ementa: Processual Civil e Tributário. 535 do CPC. Execução

fiscal. Embargos do devedor. Redirecionamento contra o sócio.

Citação da pessoa jurídica. Prescrição.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 411

1. Não se conhece do recurso especial pela violação do art. 535

do CPC nos casos em que a argüição é genérica. Súmula n. 284-STF.

2. O redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se

no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, sendo inaplicável

o disposto no art. 40 da Lei n. 6.830/1980 que, além de referir-se ao

devedor, e não ao responsável tributário, deve harmonizar-se com

as hipóteses previstas no art. 174 do CTN, de modo a não tornar

imprescritível a dívida fi scal. Precedentes.

3. A citação da empresa se deu em março de 1999 e a citação

das recorrentes somente em 2006, quando já prescrita, portanto, a

pretensão de redirecionamento.

3. Recurso especial conhecido em parte e provido.

O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): Primeiramente, não se conhece de

recurso especial por violação do art. 535 do CPC se a parte não especifi ca o vício

que inquina o aresto recorrido, limitando-se a alegações genéricas de omissão

no julgado, por entender imperativo o acolhimento dos embargos para fi ns de

prequestionamento, sob pena de tornar-se insufi ciente a tutela jurisdicional.

Ademais, embora tenha apontado suposta omissão no tocante à data do

ajuizamento da ação executiva, não demonstrou o recorrente – e isso era o mais

importante – por que estava o Tribunal Estadual obrigado a se manifestar sobre

tal omissão e como ela infl uiria no julgamento do feito.

Incide, por analogia, o óbice da Súmula n. 284-STF.

Passo ao mérito.

Em diversas oportunidades, esta Corte de Justiça já se pronunciou no

sentido que o redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo

de cinco anos da citação da pessoa jurídica, sendo inaplicável o disposto no art.

40 da Lei n. 6.830/1980 que, além de referir-se ao devedor, e não ao responsável

tributário, deve harmonizar-se com as hipóteses de suspensão previstas no art.

174 do CTN, de modo a não tornar imprescritível a dívida fi scal.

Sobre o tema, confi ra-se o seguinte precedente, oriundo da 2ª Turma deste

Tribunal:

Tributário. Prescrição. Execução fi scal. Empresa em situação irregular. Citação do sócio. Prescrição intercorrente.

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1. O Código Tributário Nacional, possuindo status de lei complementar, prevalece sobre as disposições constantes da Lei n. 6.830/1980. Assim, a interrupção da prescrição dá-se pela citação pessoal do devedor nos termos do parágrafo único, inciso I, do art. 174 do Código, e não na forma estabelecida no art. 8º, § 2º, da lei mencionada.

2. O redirecionamento da ação executiva fi scal em face do sócio responsável pelo pagamento deve ser providenciado até cinco anos contados da citação da empresa devedora.

3. Recurso especial conhecido e improvido (REsp n. 205.887, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 1º.08.2005).

No mesmo sentido, confi ram-se: REsp n. 595.979-SP, Rel. Min. Eliana

Calmon. DJU de 23.05.2005; REsp n. 401.456-SP, Rel. Min. Franciulli

Netto, DJU de 1º.02.2005; REsp n. 615.926-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJU de

28.02.2005; e AgRg no REsp n. 646.190-RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de

17.03.2005.

No caso dos autos, tem-se que a citação da empresa se deu em março de

1999 (fl . 24) e a citação das recorrentes somente em 2006 (fl . 33), quando já

prescrita, portanto, a pretensão de redirecionamento.

Diante desse contexto, em face do reconhecimento da prescrição, merece

ser extinto o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 269, IV do

CPC. As custas processuais e os honorários advocatícios, mantido o montante

fi xado na sentença, serão suportados exclusivamente pelo recorrido.

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e dou-lhe provimento.

É como voto.

VOTO VENCEDOR

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial interposto

com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição da República.

Os recorrentes alegam violação do art. 535 do CPC e dos arts. 135, III,

156, V, e 174 do CTN. Centralizam a sua tese de mérito no argumento de

que, entre a constituição defi nitiva do crédito tributário e a citação dos sócios,

decorreu prazo superior a cinco anos, operando-se a prescrição da ação para a

sua cobrança.

O e. Ministro Castro Meira proferiu voto conhecendo parcialmente do

recurso e, nessa parte, dando-lhe provimento, de modo a aplicar a jurisprudência

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RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 413

do STJ favorável à ocorrência da prescrição quando o redirecionamento

ultrapassa o prazo de cinco anos, contados da data da citação da pessoa jurídica.

Em face da complexidade da matéria, pedi vista dos autos.

De início, esclareço que concordo com a incidência, por analogia, da Súmula n. 284-STF, relativamente à tese de violação do art. 535 do CPC.

Quanto ao mérito, a questão controvertida, pela relevância que possui, merece, preliminarmente, um breve esclarecimento histórico.

1. A prescritibilidade do crédito tributário

De fato, é incontroverso que a orientação jurisprudencial fi rmou-se no sentido a que se refere o Ministro Relator. É importante, contudo, registrar que a linha de interpretação adotada pelo STJ teve por base a antiga disputa entre o conteúdo do art. 174 do CTN e o do art. 40 da LEF, em sua redação original, ou seja, de um lado, a defi nição de um prazo extintivo não apenas da pretensão de direito material, como do crédito tributário propriamente dito (arts. 156, V, e 174 do CTN), em aparente confl ito com norma que supostamente disciplinaria a imprescritibilidade do aludido crédito (art. 40, § 3º, da Lei n. 6.830/1980).

Em síntese, com a fi nalidade de evitar a interpretação no sentido da imprescritibilidade do crédito tributário, determinou-se que a regra do art. 40 da LEF (lei ordinária) deve ser aplicada à luz do disposto no art. 174 do CTN (lei complementar, que, nos termos da Constituição da República, é o veículo normativo autorizado a disciplinar a prescrição no Direito Tributário).

Atualmente, esse entendimento não apenas se encontra sedimentado na jurisprudência do STJ, como foi corroborado por meio da inclusão do § 4º ao art. 40 da LEF, conforme a Lei n. 11.051/2004.

2. Prescrição e redirecionamento da Execução Fiscal

Ocorre que os antigos precedentes, que se limitavam à situação acima referida, passaram a ser aplicados, sem a prudência que seria recomendável – ou, ao menos, sem que o tema fosse analisado em seus desdobramentos – para as hipóteses de redirecionamento da Execução Fiscal. Pior ainda, consagram a equivocada tese da prescrição pautada em parâmetro objetivo e absolutamente desvinculado de inércia atribuível à parte (“prescrição sem inércia”).

Passo a tecer considerações dos aspectos que reputo merecedores de maior

refl exão.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

414

Como em qualquer ramo do Direito, a aplicação de um instituto jurídico não pode ser feita com base na singela literalidade da redação da lei. É preciso, antes, captar a essência da norma que o dispositivo legal enuncia, à luz dos princípios que o informam.

Pois bem, sabe-se que a prescrição representa medida punitiva ao titular de uma pretensão, em face da inércia exclusivamente a ele atribuível (princípio da actio nata), qualifi cada pelo transcurso do prazo fi xado em lei. Desnecessário invocar os ensinamentos dos grandes doutrinadores brasileiros, pois se trata de defi nição de sabença geral no universo jurídico.

A prescrição para a cobrança do crédito tributário vem disciplinada no art. 174 do CTN, o qual prevê a sua ocorrência após o transcurso do prazo qüinqüenal, contado da data de sua constituição defi nitiva.

Sucede que o Código Tributário Nacional disciplina apenas a prescrição em relação ao devedor principal, nada dizendo a respeito da aplicação daquele instituto em relação aos co-responsáveis. É verdade que há o dispositivo do art. 125, III, do CTN, mas, observo, trata-se de norma que dispõe sobre os efeitos da solidariedade, nada mais.

Inexiste, enfi m, regime jurídico específi co para as nuances da prescrição em relação aos co-responsáveis.

Pois bem, caso a citação pessoal, ou o despacho que a ordenou (conforme, respectivamente, a redação anterior ou posterior do art. 174, parágrafo único, I, do CTN, nos termos da Lei Complementar n. 118/2005), nos autos da Execução Fiscal, tenha sido realizada antes dos cinco anos, a prescrição terá sido interrompida.

O primeiro problema que surge é que a lei determina a situação que dá ensejo à interrupção do prazo prescricional, mas é silente a respeito do momento em que este deve ser reiniciado.

Considerando que a aplicação do instituto jurídico da prescrição pressupõe a inércia da parte credora, bem como o disposto no art. 109 do CTN – ou seja, a regra segundo a qual os “princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da defi nição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas” –, não se mostra razoável o entendimento de que a contagem da prescrição deva ser reiniciada no dia imediatamente subseqüente ao da citação do principal devedor.

Como se sabe, a partir da citação do principal devedor, a demanda terá prosseguimento por meio de atos que, a rigor, são de iniciativa deste último, quais

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 415

sejam o pagamento do débito, a nomeação de bens à penhora ou a apresentação de garantia judicial, consistente em depósito ou fi ança bancária. Nesse intervalo de tempo – atualmente fi xado em 05 dias, conforme art. 8º, caput, da Lei n. 6.830/1980 –, é inconcebível cogitar da fl uência do prazo prescricional contra a Fazenda Pública, uma vez que a inércia pressupõe a ausência da prática de ato processual de sua incumbência (ora, é óbvio que o pagamento da dívida ou a apresentação de garantia judicial não podem ser exigidos da Fazenda Pública, pois não é ela a devedora).

Nesta primeira situação fática, portanto, já é possível concluir que o prazo da prescrição – que, no caso, será a intercorrente – somente será reiniciado a partir do momento em que o prosseguimento da demanda depende da manifestação da Fazenda Pública.

Sucede que, no curso da Execução Fiscal, muitas situações podem ocorrer. A título exemplifi cativo, menciono as seguintes:

a) ausência de pagamento e de apresentação de garantia do juízo;

b) protocolo de Exceção de Pré-Executividade;

c) pedido de prazo para diligências (para fi ns de localização do devedor e/ou de bens passíveis de constrição);

d) concessão de parcelamento administrativo do débito;

e) verifi cação de que a empresa executada teve a falência decretada;

f ) nomeação de bens à penhora e concordância da credora, com a conseqüente redução a termo e posterior apresentação de Embargos do Devedor; etc.

Verifi ca-se que carece de consistência jurídica a aplicação indiscriminada da tese de que a prescrição intercorrente (seja para o redirecionamento, seja para a cobrança do crédito em relação ao principal devedor tributário) tem reinício após a citação da empresa.

Note-se que, nos exemplos d e f, há situação que dá ensejo, respectivamente, à suspensão da exigibilidade do crédito tributário e, no regime anterior às alterações promovidas pela Lei n. 11.382/2006, à suspensão da Ação de Execução Fiscal (atualmente, esta somente terá o andamento provisoriamente obstado se o juiz atribuir efeito suspensivo, nas condições previstas em lei, aos Embargos do Devedor – cfr. art. 739-A do CPC).

Impossível, pois, cogitar da possibilidade de dar prosseguimento às

medidas de cobrança do crédito tributário quando este se encontra parcelado, ou

enquanto a Ação de Execução Fiscal não pode prosseguir.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

416

Relembre-se que há parcelamentos com prazo de duração superior a 60

meses (o Paes, por exemplo, pode ser pago em até 180 meses; o Refi s, por seu

turno, não tem limite de duração), e que mesmo o ordinário (60 meses) pode

ser concedido às vésperas da consumação do prazo prescritivo. Enquanto durar

o parcelamento, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário perdura (a

jurisprudência, com base nessa justifi cativa, costuma impedir o Fisco de efetuar

a penhora de créditos titularizados pelo seu devedor, no rosto dos autos em que

aqueles são apurados) e qualquer medida de cobrança que o Fisco pretenda

adotar é prontamente repelida pelo Poder Judiciário. Aliás, a concessão de

parcelamento, por vir acompanhada de confi ssão do débito, é ato que também

possui o efeito de interromper a prescrição (ar. 174, parágrafo único, IV, do

CTN), de modo que, após eventual rescisão daquele, motivada por falta de

pagamento, haverá reinício, por mais 05 anos, do prazo de prescrição.

Acrescento à argumentação acima as judiciosas considerações dos

e. Ministros Mauro Campbell Marques e Humberto Martins. O primeiro

menciona que nem sempre a situação que dá ensejo ao redirecionamento

ocorre durante o qüinqüênio, bem como que a demora na tramitação do feito,

decorrente das falhas nos mecanismos inerentes à Justiça, não pode implicar

prejuízo à parte credora (Súmula n. 106-STJ).

O Ministro Humberto Martins consigna, em voto que ilustra sua

sensibilidade para o trato da questão, que a aplicação da jurisprudência do STJ é

“prejudicial à boa-fé processual, daquele exequente que sempre diligenciou nos

autos buscando receber o seu crédito, mas, por estar diante de um mau pagador,

acaba esgotando todas as alternativas possíveis de cobrança”, para só depois

“partir para os bens dos sócios”.

Outro importante aspecto a ser considerado é que a prescrição possui

natureza objetiva. Em outras palavras, não se trata de instituto vinculado à

natureza das partes, ou à sua manifestação de vontade.

Assim, a prescrição para a cobrança do devedor principal e dos demais

responsáveis tributários (quer se trate de responsabilidade direta e pessoal,

nos termos do art. 135 do CTN, quer se trate de responsabilidade subsidiária,

conforme art. 134 do CTN) é uma só. Não há prazos diferenciados, ou

momentos distintos, para a sua incidência.

Com isso, afi rmo que, se houve prescrição, ou prescrição intercorrente, para

a cobrança do crédito tributário do devedor principal, estará fulminada a pretensão

de redirecionar a Execução Fiscal para os demais responsáveis tributários. Em

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 417

contrapartida, enquanto o crédito tributário não estiver fulminado pela prescrição,

não será legítimo entender que houve prescrição (original ou intercorrente) para

o redirecionamento, af inal, o crédito tributário, que é o mesmo, não pode estar

simultaneamente prescrito e não prescrito. Procede, dessa forma, o raciocínio de

que, se não houve prescrição quanto ao devedor principal, é porque se reconhece

indiretamente que inexistiu inércia da Fazenda Pública – em outras palavras,

abandono permanente e duradouro há pelo menos cinco anos –, e, portanto, não

seria correto aplicar aquele instituto em relação aos co-responsáveis.

Para reforçar a afi rmação acima, utilizo a Súmula n. 314-STJ, que dispõe:

Em execução fi scal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, fi ndo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente.

3. Um exemplo hipotético

Imagine-se, então, a seguinte ocorrência: o crédito tributário foi

defi nitivamente constituído em 15.03.1998. A Execução Fiscal foi proposta

em 15.03.2002 e o despacho que ordenou a citação data de 31.03.2002. Por se

tratar de momento anterior ao das alterações promovidas pela LC n. 118/2005,

somente a citação pessoal poderia produzir o efeito de interromper a prescrição.

Na situação imaginária, tal ato seria datado de 15.08.2002. Pois bem, a empresa

devedora não efetua o pagamento e não garante o juízo. A Fazenda Pública

promove diligências e nada encontra. Requer ao juiz da Execução Fiscal o

bloqueio de dinheiro por meio do Bacen Jud, e, em face da inexistência de

aplicações fi nanceiras, depois parte para a última tentativa, qual seja a penhora

de faturamento. Nenhuma das medidas é efi caz. Nesse contexto, requer e tem

deferida, em 15.08.2004, a suspensão do feito por um ano, nos termos do art.

40 da LEF. Em 15.08.2005, os autos são encaminhados ao arquivo, data em

que, consoante a Súmula n. 314-STJ, reiniciou-se a contagem da prescrição

intercorrente, que, note-se, estará consumada apenas em 15.08.2010.

Nesse meio tempo, a Fazenda consegue reunir provas da prática de ato

de infração à lei cometido pelo gerente da empresa e com base nelas requer,

em 15.08.2009, o redirecionamento. Se aplicada – como erroneamente vem

acontecendo – a orientação do STJ, o requerimento seria indeferido, ante a

constatação do decurso de prazo superior a cinco anos, contados da citação da

empresa (relembre-se, em 15.08.2002).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

418

Tal exemplo, longe de representar fi cção jurídica – qualquer profi ssional

que atue no ramo há alguns anos, como juiz, advogado privado ou da Fazenda

Pública, bem o sabe –, ilustra o seguinte paradoxo: para a empresa, a prescrição

intercorrente somente estará consumada em 15.08.2010, ao passo que, para o

gerente, a prescrição intercorrente teria se consumado em 15.08.2007! Como

defender o argumento de que o mesmo crédito tributário estaria e não estaria

prescrito?

É verdade que a hipótese de responsabilidade tributária prevista no art. 135

do CTN não impede que o Fisco, administrativamente, desde logo providencie

a atribuição da dívida aos sujeitos nele listados (diretores, gerentes, prepostos,

mandatários, etc.). Tal medida, porém, costumeiramente só é adotada no curso

da Execução Fiscal, quando se verifi ca que a pessoa jurídica foi dissolvida

irregularmente, ou não possui patrimônio sufi ciente para a quitação do débito –

sem prejuízo, evidentemente, da demonstração da prática de atos de infração à

lei por parte do responsável tributário.

Não se pode, com efeito, impor ao Fisco o ônus de atuar nesse sentido. Em

primeiro lugar, porque, no atual estágio da civilização, prestigia-se o princípio da

boa-fé, o que equivale a dizer que não se concebe que o Estado-administração

parta da premissa de que a ausência de pagamento do tributo esteja vinculada

à prática de atos dolosos, ou de infração à lei ou ao contrato social, por parte

dos gestores da empresa. Se fosse assim, toda a jurisprudência do STJ estaria

equivocada, e seria necessário revê-la, para fi xar a responsabilidade objetiva,

decorrente do mero inadimplemento do tributo.

Ademais, para a constituição do crédito tributário, o que deve ser levado

em conta é a concretização da hipótese de incidência e a identifi cação dos

demais elementos da obrigação tributária (espacial, temporal, subjetiva, base de

cálculo e alíquota).

Não é razoável obrigar que o Fisco identifi que, desde o lançamento, a

prática de atos infracionais, mesmo porque situação desse jaez é desvinculada da

natureza da relação jurídica entre o Estado-administração e o contribuinte.

Com efeito, entendimento judicial no sentido acima, além de fulminar

o lançamento por homologação (afi nal, é logicamente inconcebível imaginar

a situação em que o gerente da empresa ao Fisco confessaria haver praticado

ato de infração à lei, para então assumir a condição de responsável nos

termos do art. 135 do CTN – razão pela qual toda a constituição do crédito

tributário fatalmente teria de ser realizada por iniciativa exclusiva da autoridade

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RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 419

fazendária), revelaria absoluta alienação ou menoscabo do órgão julgador para

com a realidade social da comunidade para a qual, nunca é demais relembrar,

presta serviços.

Concluo, portanto, fi xando as seguintes premissas:

a) a verifi cação da prescrição para a cobrança do crédito tributário, principalmente

nas hipóteses de redirecionamento, deve ser feita caso a caso, atentando-se para as

peculiaridades dos autos;

b) o curso da prescrição é um só, porque um só é o crédito tributário a ser pago,

razão pela qual inexiste prazo diferenciado, ou paralelo, para a cobrança da dívida em

função do devedor principal ou dos demais responsáveis tributários.

4. Critério objetivo para a prescrição do redirecionamento da Execução

Fiscal

Com essas premissas, é possível estabelecer um critério objetivo para

analisar a suposta ocorrência da prescrição para redirecionar a Execução

Fiscal, qual seja a análise, em concreto ou de acordo com as circunstâncias dos

autos, quanto à inexistência da prescrição em relação ao devedor principal e,

sucessivamente, à identifi cação do momento a partir do qual se verifi cou inércia

na movimentação dos autos, desde que atribuível exclusivamente à Fazenda

Pública.

Para finalizar, transcrevo precedentes atuais de ambas as Turmas que

compõem a Seção de Direito Público do STJ, corroborando a tese defendida

pela Fazenda Nacional, isto é, de que o redirecionamento em prazo superior a

05 anos, contados da citação da pessoa jurídica, não pode necessariamente ser

indeferido sob o pretexto de que está confi gurada a prescrição intercorrente.

Nesse sentido:

Processual Civil. Execução fiscal. Demora não imputável ao credor. Não-ocorrência da prescrição intercorrente.

1. Para que a prescrição intercorrente seja decretada, é necessário que tenha ocorrido o transcurso do prazo quinquenal, e que a Fazenda Pública tenha se mantido inerte durante todo este período. Se a demora na citação da executada (ou responsável tributário) ocorreu por fatos alheios à vontade da credora não há que se decretar a prescrição do crédito tributário.

2. Precedentes: AgRg no REsp n. 1.062.571-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20.11.2008; REsp n. 898.975-DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 17.12.2007, DJe 10.03.2008; REsp n. 827.948-SP, Rel.

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Min. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em 21.11.2006, DJ 04.12.2006. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 1.079.566-SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 26.02.2009).

Execução fi scal. Redirecionamento. Sócio. Nome na CDA. Redirecionamento após o prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica. Inocorrência de prescrição. Processo paralisado por mecanismos inerentes ao Judiciário. Ausência de desídia da Fazenda. Súmula n. 106-STJ.

I - Não há prescrição quando o redirecionamento da execução fi scal se dá após o lapso de cinco anos da citação da pessoa jurídica se o processo fi cou paralisado por mecanismos inerentes ao Judiciário, considerando-se, ainda, que o acórdão recorrido fi rma convicção de que a Fazenda sempre diligenciou no sentido de buscar o adimplemento do crédito. Aplicação da Súmula n. 106-STJ.

II - Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.106.281-RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 21.05.2009, DJe 28.05.2009).

Registro, a propósito, que esta 2ª Turma, em sua composição atual,

acompanhou por unanimidade a mesma linha de entendimento que ora

proponho:

Processual Civil e Tributário. Execução fi scal. Redirecionamento. Citação da empresa e do sócio-gerente. Prazo superior a cinco anos. Prescrição. Princípio da actio nata.

1. O Tribunal de origem reconheceu, in casu, que a Fazenda Pública sempre promoveu regularmente o andamento do feito e que somente após seis anos da citação da empresa se consolidou a pretensão do redirecionamento, daí reiniciando o prazo prescricional.

2. A prescrição é medida que pune a negligência ou inércia do titular de pretensão não exercida, quando o poderia ser.

3. A citação do sócio-gerente foi realizada após o transcurso de prazo superior a cinco anos, contados da citação da empresa. Não houve prescrição, contudo, porque se trata de responsabilidade subsidiária, de modo que o redirecionamento só se tornou possível a partir do momento em que o juízo de origem se convenceu da inexistência de patrimônio da pessoa jurídica. Aplicação do princípio da actio nata.

4. Agravo Regimental provido.

(AgRg no REsp n. 1.062.571-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20.11.2008, DJe 24.03.2009).

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Quanto à situação dos autos, consta da própria ementa que o Tribunal de

origem, ao apreciar as circunstâncias fáticas e probatórias, concluiu não haver

sido “comprovada qualquer inércia da exeqüente”.

Com essas considerações, peço vênia ao Ministro Relator para conhecer

parcialmente do Recurso Especial e, nessa parte, negar-lhe provimento.

É como voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial

interposto por particular contra a Fazenda do Estado de São Paulo, impugnando

acórdão que afastou a ocorrência de prescrição intercorrente por não ter

sido comprovada qualquer inércia da exeqüente que pudesse justifi car o seu

reconhecimento.

O Relator Min. Castro Meira conheceu em parte do recurso especial e,

nessa parte, deu provimento por entender que o redirecionamento da execução

contra o sócio deve se dar no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica,

sendo inaplicável o disposto no art. 40, da Lei n. 6.830/1980 que, além de

referir-se ao devedor e não ao responsável tributário, deve se harmonizar com as

hipóteses previstas no art. 174, do CTN, de modo a não tornar imprescritível a

dívida fi scal. Citou precedentes de ambas as Turmas de Direito Tributário desta

Corte.

Houve pedido de vista do Min. Herman Benjamin que apresentou voto

em sentido divergente, propondo uma nova forma de se aplicar o instituto

da prescrição intercorrente existente entre a citação do devedor principal e a

citação do co-responsável.

Para o Min. Herman, em suma, carece de consistência jurídica a tese de que

o fl uxo do prazo da prescrição intercorrente tem reinício após a citação da empresa,

contando-se sem interrupção pelo prazo de cinco anos até a citação do co-responsável.

Segundo o Ministro, podem ocorrer várias situações a ensejar a interrupção ou

a suspensão da prescrição e, inclusive, a demora na prática de atos por parte do

executado que não implicam em inércia do exeqüente e a prática de atos pelo

próprio exeqüente que, por óbvio, afastam a sua inércia.

Parte do pressuposto de que não existe regime jurídico específi co para

as nuances da prescrição em relação aos co-responsáveis para afi rmar que, se

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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houver a prescrição para a cobrança do crédito tributário do devedor principal,

estará fulminada a pretensão de redirecionar a Execução fi scal para os demais

responsáveis tributários. Do mesmo modo, válido o raciocínio inverso de que,

enquanto o crédito tributário não estiver fulminado pela prescrição quanto

ao devedor principal, não será legítimo entender que houve prescrição para o

redirecionamento ao co-responsável, afi nal, o crédito tributário, que é o mesmo, não

pode estar simultaneamente prescrito e não prescrito.

Concluiu que a verificação da ocorrência da prescrição para o

redirecionamento deve ser feita caso a caso, observando-se a existência ou não

da prescrição em relação ao devedor principal e, sucessivamente, identifi cando-

se o momento em que houve inércia imputável à exeqüente para, a partir daí, ser

contado o prazo quinquenal.

Sensível ao tema, pedi vista.

Há muito pacifi cou-se nesta Corte o posicionamento segundo o qual

a citação da empresa executada interrompe a prescrição em relação aos seus

sócios-gerentes para fi ns de redirecionamento da execução fi scal. No entanto,

com a fi nalidade de evitar a imprescritibilidade das dívidas fi scais, vem-se

entendendo, de forma reiterada, que o redirecionamento da execução contra os

sócios deve se dar no prazo de cinco anos contados da citação da pessoa jurídica,

por força do art. 174, caput, do CTN.

Nesse sentido, confi ram-se:

Recurso especial. Processual Civil. Tributário. Execução fi scal. Redirecionamento. Prescrição confi gurada. Mais de cinco anos entre a citação da empresa e a do sócio. Recurso desprovido.

1. Este Superior Tribunal de Justiça pacifi cou entendimento no sentido de que a citação da empresa interrompe a prescrição em relação aos seus sócios-gerentes para fi ns de redirecionamento da execução. Todavia, para que a execução seja redirecionada contra o sócio, é necessário que a sua citação seja efetuada no prazo de cinco anos a contar da data da citação da empresa executada, em observância ao disposto no citado art. 174 do CTN.

2. Decorridos mais de cinco anos entre a citação da empresa e a citação pessoal dos sócios, impõe-se o reconhecimento da prescrição.

3. Recurso especial desprovido. (REsp n. 625.061-RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 18.06.2007).

Tributário. Execução fi scal. Prescrição. Interrupção. Redirecionamento contra o sócio. Citação da pessoa jurídica.

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RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 423

1. A falta de prequestionamento dos temas discutidos no recurso especial impede seu conhecimento. Súmulas n. 282 e n. 356-STF.

2. Na redação original do art. 174 do CTN, norma que deve prevalecer sobre o disposto no art. 8º, § 2º, da Lei n. 6.830/1980, por ter estatura de lei complementar, somente a citação pessoal produz o efeito de interromper a prescrição.

3. O redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, em harmonia com o disposto no art. 174 do CTN, de modo a não tornar imprescritível a dívida fi scal. Precedentes.

4. Recurso especial conhecido em parte e improvido. (REsp n. 914.875-RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 09.05.2007).

Tributário. Execução fiscal. Exceção de pré-executividade. Possibilidade. Prescrição. Citação do sócio.

1. A exceção de pré-executividade constitui instrumento idôneo à argüição da prescrição, desde não haja necessidade de dilação probatória. Precedente: EREsp n. 388.000-RS, relator p/ o acórdão Ministro José Delgado.

2. O redirecionamento da ação executiva fi scal em face do sócio responsável pelo pagamento deve ser providenciado até cinco anos contados da citação da empresa devedora.

3. Recurso especial improvido. (REsp n. 769.152-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ 04.12.2006).

Ao lado dessa linha, há o entendimento sumular de que a demora no

processo provocada pelo aparato estatal do Poder Judiciário afasta o transcurso

do prazo prescricional ou decadencial. Veja-se:

Súmula n. 106: Proposta a ação no prazo fi xado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.

Subjacente a essa jurisprudência está a compreensão de que o exequente

que age de modo diligente não pode ser penitenciado pela a demora natural

decorrente da necessária veiculação de sua pretensão ao Poder Judiciário,

incluindo-se aí o comportamento por vezes fugidio do executado.

Do mesmo modo, há várias hipóteses de suspensão da exigibilidade do

crédito tributário previstas no art. 151, do CTN que, por retirarem a faculdade

do credor de prosseguir com os atos de cobrança, também significam a

suspensão do prazo prescricional. V.g.: moratória, depósito do montante integral,

inauguração e curso do processo tributário administrativo, medida liminar e

parcelamento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Por fi m, o parágrafo único do art. 174, do CTN, prevê expressamente as hipóteses de interrupção da prescrição para a cobrança do crédito tributário, quais sejam: citação pessoal feita ao devedor (agora despacho do juiz que ordena a citação - Lei Complementar n. 118/2005), protesto judicial, ato judicial que constitua em mora o devedor e reconhecimento do débito pelo devedor.

Com efeito, todo este conjunto normativo, seja legal ou jurisprudencial, deve conviver em harmonia, de modo que é equivocada a interpretação que veja apenas uma faceta do poliedro apresentado.

Por exemplo, a pretexto de se prestigiar a ausência de inércia do exeqüente não se pode diferir indefi nidamente o termo inicial do prazo prescricional.

Do mesmo modo, não se pode simplesmente computar o prazo prescricional de 05 (cinco) anos a contar da data da citação da empresa para efeito de confi gurar a prescrição do redirecionamento sem atentar para as hipóteses de suspensão e interrupção da prescrição previstas no CTN, ou a indicação pela Corte de Origem de que a demora se deu por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça.

Aliás, essa contagem feita às cegas gera o absurdo de se considerar prescrito o crédito em relação aos co-responsáveis nas situações em que o próprio fato gerador da co-responsabilidade somente acontecer após decorridos 05 (cinco) anos da citação do devedor principal (v.g. dissolução irregular no curso do processo de execução fi scal depois do quinquênio).

De todo modo, considero haver regime jurídico legal específi co a respeito do prazo prescricional para a citação dos co-responsáveis em redirecionamento. Por certo, os artigos 124, I e 125, III, do CTN, têm aplicação no caso. Veja-se:

Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que t enham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II - as pessoas expr essamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade:

I - o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;

II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 425

III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.

Certamente, ainda que se entenda que o co-responsável não é devedor

solidário, nada impede que o art. 125, III, do CTN seja a ele aplicado por

analogia (art. 108, I do CTN), de modo que a interrupção ou a suspensão da

prescrição contra ou a favor do devedor também deve ser aplicada contra ou a

favor do co-responsável. Aliás, a jurisprudência do STJ referenda a aplicação

do art. 125, III, do CTN, nos casos de redirecionamento a co-responsáveis, in

verbis:

Processo Civil e Tributário. Execução fiscal. Matéria de defesa: pré-executividade. Interrupção da prescrição em relação à empresa que atinge também os responsáveis solidários.

1. Inexiste violação ao art. 535, do CPC, de o Tribunal não estava obrigado a analisar tese de que somente veio aos autos nos embargos de declaração opostos do julgamento daquela Corte, bem como resta prejudicada a análise da violação do art. 535, do CPC, quando os dispositivos ditos omissos estão prequestionados.

2. Consiste a pré-executividade na possibilidade de, sem embargos ou penhora, argüir-se na execução, por mera petição, as matérias de ordem pública ou as nulidades absolutas, inclusive quanto à prescrição. Precedente da Corte Especial.

3. A prescrição, quando interrompida em desfavor da pessoa jurídica, também atinge os responsáveis solidários, não se podendo falar que apenas quando citado o sócio é que se conta a prescrição - Interpretação dos arts. 125, III, 135, III, e 174 do CTN.

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido parcialmente (REsp n. 660.277-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 09.08.2005).

Processual Civil e Tributário. Agravo regimental. Execução fi scal. Pessoa jurídica. Redirecionamento contra o sócio. Prescrição intercorrente. Inocorrência de sua decretação de ofício. Despacho citatório. Art. 8º, IV e § 2º, da Lei n. 6.830/1980. Art. 219, § 4º, do CPC. Arts. 125, III, e 174, parágrafo único, do CTN. Interpretações sistemáticas. Precedentes.

1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento ofertado pela parte agravante por reconhecer caracterizada a prescrição intercorrente.

2. Comprovação de que, no caso vertente, inocorreu decretação de ofício da prescrição intercorrente, tendo sido a mesma requerida pela parte executada.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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3. Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174 do CTN, nele não incluídos os do artigo 40 da Lei n. 6.830/1980. Há de ser sempre lembrado que o art. 174 do CTN, tem natureza de Lei Complementar.

4. O art. 40 da Lei n. 6.830/1980, nos termos em que admitido em nosso ordenamento jurídico, não tem prevalência. Sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174 do CTN. Repugnam aos princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefi nida. Após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o confl ito, pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes.

5. A mera prolação do despacho que ordena a citação do executado não produz, por si só, o efeito de interromper a prescrição, impondo-se a interpretação sistemática do art. 8º, § 2º, da Lei n. 6.830/1980, em combinação com o art. 219, § 4º, do CPC, e com o art. 174 e seu parágrafo único do CTN.

6. Conforme o art. 125, III, do CTN, c.c. o art. 8º, § 2º, da LEF, a ordem de citação da pessoa jurídica interrompe a prescrição em relação ao sócio, responsável tributário pelo débito fi scal. Fenômeno integrativo de responsabilidade tributária que não pode deixar de ser reconhecido pelo instituto da prescrição, sob pena de se considerar não prescrito o débito para a pessoa jurídica e prescrito para o sócio. Ilogicidade não homenageada pela ciência jurídica.

7. Não deve prosseguir a execução fi scal contra pessoas físicas, cuja citação só se efetivou mais de cinco anos após a constituição defi nitiva do débito. Deve, nesse caso, o executivo continuar apenas contra a empresa executada.

8. Precedentes desta Corte de Justiça e do colendo STF.

9. Agravo regimental não provido (AgRg no Ag n. 623.211-RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 17.03.2005).

Inerente ao art. 125, III, do CTN, citado, está a compreensão de que o

crédito tributário é uno e que não pode ser cindido para efeito de prescrição,

não podendo permanecer hígido em relação a uns coobrigados e a outros não.

Também sobreleva-se a constatação de que a prescrição atinge um dos atributos

do crédito, qual seja, a exigibilidade/pretensão, e não a sujeição passiva de um

obrigado ou outro.

Contudo, a segurança jurídica tão necessária à estabilização das relações

sociais e econômicas não permite compreender que o redirecionamento da

execução para o co-responsável possa ser feito a qualquer tempo enquanto não

prescrito o crédito contra o devedor principal. Essa a razão maior da trilha

adotada por este Superior Tribunal de Justiça que acabou por sacrificar o

tecnicismo e permitir a prescrição de um mesmo crédito para o co-responsável e

a sua higidez para o devedor principal.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 427

No caso concreto, a citação da empresa (devedor principal) se deu em 08.03.1999 (fl . 24), já a citação dos co-responsáveis se deu entre fevereiro e abril de 2006 (fl s. 33-35). A situação que deu ensejo ao redirecionamento por dissolução irregular somente ocorreu em março de 2006 (fl s. 46-50). Há na decisão de primeiro grau que afastou a prescrição a afi rmação de que “o feito jamais fi cou paralisado por lapso superior a cinco anos e eventual demora não pode ser imputada exclusivamente à exeqüente” (fl . 51). Essa última afi rmação foi confi rmada pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido (fl s. 91-100).

Veja-se que estamos diante de um caso em que a mera aplicação do lapso temporal de cinco anos entre a data da citação do devedor e a data da citação do co-responsável não permite solução adequada.

Se a situação que deu ensejo ao redirecionamento por dissolução irregular somente ocorreu depois do quinquênio, não é possível exigir que a citação do co-responsável se dê dentro do prazo de cinco anos. Aí se evidencia a insufi ciência dessa jurisprudência que merece, no ponto e para o presente caso, maior refi namento.

Desta forma, dada às particularidades do caso e por entender que foi constatado pela Corte de Origem que a demora no trâmite processual se deu em razão dos mecanismos inerentes à Justiça, entendo não ter ocorrido a prescrição no

presente processo.

Ante o exposto, com as vênias de praxe, acompanho a divergência por outros fundamentos e conheço parcialmente e, nessa parte, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

VOTO VENCIDO

A Sra. Ministra Eliana Calmon: Sr. Presidente, acompanho o voto do Sr.

Ministro Castro Meira, relator, para conhecer parcialmente do recurso especial

e, nessa parte, dar-lhe provimento, pedindo vênia aos que votam em sentido

contrário.

VOTO

Ementa: Execução fiscal. Redirecionamento da ação. Prazo

superior a cinco anos entre a citação da empresa e a dos sócios.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Possibilidade. Demora inerente à administração da justiça. Não ocorrência de desídia pela credora. Recurso especial conhecido em parte e improvido.

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial interposto por particular contra a Fazenda do Estado de São Paulo, em face de acórdão que afastou a ocorrência de prescrição intercorrente por não ter sido comprovada qualquer inércia da exequente que pudesse justifi car o seu reconhecimento.

O Relator Ministro Castro Meira deu provimento ao recurso do contribuinte com o fundamento de que “o redirecionamento da execução contra o sócio deve se dar no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, sendo inaplicável o disposto no art. 40, da Lei n. 6.830/1980 - Lei de Execuções Fiscais (..) que deve se harmonizar com as hipóteses do art. 174 do Código Tributário Nacional, de modo a não tornar imprescritível a dívida fi scal.”

O Min. Herman Benjamin apresentou voto divergente no sentido de que o reconhecimento da prescrição “para o redirecionamento deve ser feita caso a caso, observando-se a existência ou não da prescrição em relação ao devedor principal e, sucessivamente, identifi cando-se o momento em que houve inércia imputável à exequente para, a partir daí, ser contado o prazo quinquenal.”

Voto-vista do Min. Mauro Campbell acompanha a divergência inaugurada pelo Min. Herman Benjamin, concluindo que “se a situação que deu ensejo ao redirecionamento por dissolução irregular somente ocorreu depois do quinquênio, não é possível exigir que a citação do co-responsável se dê dentro do prazo de cinco anos. Aí se evidencia a insufi ciência dessa jurisprudência que merece, no ponto e para o presente caso, maior refi namento. Desta forma, dada às particularidades do caso e por entender que foi constatado pela Corte de Origem que a demora no trâmite processual se deu em razão dos mecanismos inerentes à Justiça, entendo não ter ocorrido a prescrição no presente processo.”

De igual forma, também entendo que a análise da prescrição do crédito tributário em relação aos demais corresponsáveis deve ser feita caso a caso.

Não se pode apenas aplicar a regra geral de que o prazo entre a citação da empresa e a do sócio não pode superar cinco anos. Tal regra seria prejudicial à boa-fé processual, daquele exequente que sempre diligenciou nos autos buscando receber o seu crédito mas, por estar diante de um mau pagador, acaba esgotando todas as alternativas possíveis de cobrança para partir para os bens dos sócios.

No sistema processual brasileiro não é rara a situação do prazo entre a

citação da pessoa jurídica e a da pessoa física superar os cinco anos, gerando,

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

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na prática, uma verdadeira anistia geral aos devedores se conseguirem arrastar o

processo por mais de cinco anos sem localização de bens penhoráveis da pessoa

jurídica, o que é inaceitável.

Ante o exposto, acompanho a divergência inaugurada pelo Min. Herman

Benjamin, para conhecer parcialmente do recurso especial, e nessa parte, negar-

lhe provimento.

É como penso. É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.121.057-RS (2009/0018852-3)

Relatora: Ministra Eliana Calmon

Recorrente: Tractebel Energia S/A

Advogado: Alexandre dos Santos Pereira Vecchio e outro(s)

Recorrente: União

Recorrido: A Remor e Companhia Ltda.

Advogado: Alvenir Antônio de Almeida e outro(s)

EMENTA

Processual Civil. Administrativo. Recursos especiais.

Desapropriação. Inexistência de violação do art. 535 do CPC.

Percentual dos juros compensatórios e anatocismo. Súmulas n. 408 e

n. 102-STJ. Benfeitoria útil edifi cada após o decreto expropriatório.

Indenização afastada.

1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem

decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da

lide.

2. “Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios

incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11.06.1997, devem

ser fi xados em 6% ao ano até 13.09.2001 e, a partir de então, em 12%

ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal”

(Súmula n. 408-STJ).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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3. “A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios,

nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”

(Súmula n. 102-STJ).

4. Não são indenizáveis as benfeitorias úteis erigidas após a

declaração de utilidade pública, salvo quando feitas com autorização

do expropriante, nos termos do § 1º do art. 26 do DL n. 3.365/1941.

5. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa parte,

parcialmente providos, para excluir do quantum indenizatório o

valor fi xado para a benfeitoria construída após a edição do decreto

expropriatório, com refl exo sobre a incidência dos juros compensatórios

e os ônus da sucumbência.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A

Turma, por unanimidade, conheceu em parte de ambos os recursos e, nessa

parte, deu-lhes parcial provimento, nos termos do voto do(a) Sr.(a) Ministro(a)-

Relator(a). Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente),

Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra

Relatora.

Brasília (DF), 20 de abril de 2010 (data do julgamento).

Ministra Eliana Calmon, Relatora

DJe 03.05.2010

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trazem os autos dois recursos especiais

interpostos contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região cuja

ementa é a seguinte:

Administrativo. Desapropriação. Indenização. Benfeitorias. Juros compensatórios e lucros cessantes. Não-cumulação.

A indenização da terra nua deve refl etir o valor real do imóvel, sendo imprópria a utilização do “valor venal” para esse fi m. Acolhimento do laudo do assistente

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RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 431

técnico da expropriante, que apurou o valor através da metodologia comparativa em situações concretas (escrituras públicas), aplicando, inclusive, os fatores de homogeneização.

Cabível a indenização por benfeitorias existentes no imóvel. Afastada a alegação de má-fé e de incabimento da reparação relativa a benfeitoria cuja indenização foi oferecida pela expropriante na própria inicial.

Na indenização devida em ação de desapropriação não são cumuláveis os lucros cessantes e os juros compensatórios.

(fl . 1.056)

Os embargos de declaração opostos por ambos os recorrentes foram rejeitados.

No primeiro recurso, interposto com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, a União sustenta contrariedade aos arts. 535, II, do CPC, e 15-A e 26, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941. Afi rma, em síntese, que:

a) o acórdão recorrido permaneceu omisso no tocante a questões deduzidas em sede de embargos de declaração;

b) o percentual dos juros compensatórios deve fi car limitado às disposições da MP n. 1.577/1997, sucessivamente reeditada, que determinou a sua incidência no patamar de seis por cento (6%) ao ano;

c) a efetiva ocupação do imóvel ocorreu somente em março/2000, sendo este o termo inicial para a incidência dos juros compensatórios;

d) é vedado o cálculo dos juros moratórios sobre os de natureza compensatória;

e) deve ser excluído da indenização o valor de benfeitoria (galpão) construída após a edição do decreto expropriatório e, caso assim não se entenda, deve ser reduzido o valor que as instâncias ordinárias lhe conferiram.

No segundo recurso, fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, Tractebel Energia S/A aponta, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 15-A, 26, § 1º, 27, § 1º, e 30 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, 421 e 535, II, do CPC e 11, § 1º, da Lei n. 9.868/1999. Aduz, em suma, que:

a) não foram supridas as omissões indicadas nos embargos de declaração;

b) é vedada a indenização de galpão construído após a vigência do decreto que declarou de utilidade pública o imóvel para fi ns de desapropriação;

c) os juros compensatórios devem incidir à taxa de seis por cento (6%) ao

ano;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

432

d) tanto o valor da oferta quanto o da indenização devem ser atualizados

monetariamente para fi ns de se apurar a base de cálculo dos juros compensatórios;

e) os juros compensatórios são devidos a partir da efetiva imissão provisória

na posse, que ocorreu somente em março/2000;

f ) a parte expropriada deve ser condenada ao pagamento de mais de oitenta

por cento (80%) das custas processuais, diante da proporção da sucumbência

sofrida;

g) a base de cálculo dos honorários advocatícios é a diferença entre o valor

depositado e a indenização fi xada, independentemente do preço inicialmente

oferecido;

A demonstração da alegada divergência jurisprudencial está amparada em

precedente desta Corte no qual se decidiu que, ocorrida a imissão na posse após

a vigência da MP n. 1.577/1997, os juros compensatórios incidem à base de seis

por cento (6%) ao ano.

Apresentadas as contrarrazões (fl s. 1.160-1.162) e admitidos os recursos,

subiram os autos.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Tem-se, na origem, ação de

desapropriação de imóvel destinado à construção da Usina Hidrelétrica de Itá

(UHIT).

Deve ser afastada, inicialmente, a alegada contrariedade ao art. 535 do

CPC, pois o Tribunal de origem decidiu, fundamentadamente, as questões

essenciais à solução da controvérsia, concluindo pela incidência dos juros

compensatórios no percentual defi nido na Súmula n. 618-STF, a partir da

imissão na posse, que, segundo entendeu, ocorreu no dia 04 de outubro de 1999.

No nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos

legais apontados pelas partes. Exige-se apenas que a decisão seja fundamentada,

aplicando o julgador ao caso concreto a solução por ele considerada pertinente,

segundo o princípio do livre convencimento fundamentado, positivado no art.

131 do CPC.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 433

A questão relacionada ao percentual dos juros compensatórios foi decidida

nos autos do REsp n. 1.111.829-SP, submetido a julgamento nos moldes do art.

543-C do Código de Processo Civil (recurso repetitivo). O acórdão fi cou assim

ementado:

Administrativo. Desapropriação. Juros compensatórios. Taxa. Súmula n. 618-STF. MP n. 1.577/1997. Honorários advocatícios. Art. 27, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941. Súmula n. 389-STF.

1. Segundo a jurisprudência assentada no STJ, a Medida Provisória n. 1.577/1997, que reduziu a taxa dos juros compensatórios em desapropriação de 12% para 6% ao ano, é aplicável no período compreendido entre 11.06.1997, quando foi editada, até 13.09.2001, quando foi publicada a decisão liminar do STF na ADIn n. 2.332-DF, suspendendo a efi cácia da expressão “de até seis por cento ao ano”, do caput do art. 15-A do Decreto-Lei n. 3.365/1941, introduzida pela referida MP. Nos demais períodos, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano, como prevê a Súmula n. 618-STF.

2. Os honorários advocatícios, em desapropriação direta, subordinam-se aos critérios estabelecidos no § 1º do art. 27 do Decreto-Lei n. 3.365/1941 (redação dada pela MP n. 1.997-37/2000). O juízo sobre a adequada aplicação dos critérios de eqüidade previstos no art. 20, §§ 3º e 4º do CPC impõe exame das circunstâncias da causa e das peculiaridades do processo, o que não se comporta no âmbito do recurso especial (Súmula n. 7-STJ). Aplicação, por analogia, da Súmula n. 389-STF. Precedentes dos diversos órgãos julgadores do STJ.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC.

(REsp n. 1.111.829-SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe de 25.05.2009).

Em consequência, foi editada a Súmula n. 408-STJ, que assim dispõe:

“Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a

Medida Provisória n. 1.577, de 11.06.1997, devem ser fi xados em 6% ao ano até

13.09.2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do

Supremo Tribunal Federal.”

Por esta razão, os juros compensatórios, na hipótese, são devidos à taxa de

seis por cento (6%) ao ano, desde a imissão provisória na posse (04.10.1999) até

o dia 13 de setembro de 2001, a partir de quando volta a incidir na forma da

Súmula n. 618-STF.

Do mesmo modo, em julgamento de recurso repetitivo (REsp n.

1.118.103-SP), a Primeira Seção desta Corte reafi rmou que a incidência dos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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juros moratórios sobre os compensatórios não implica anatocismo. Confi ra-se a

ementa do acórdão:

Administrativo. Desapropriação. Juros moratórios e compensatórios. Incidência. Período. Taxa. Regime atual. Decreto-Lei n. 3.365/1941, art. 15-B. Art. 100, § 12 da CF (redação da EC n. 62/2009). Súmula Vinculante n. 17-STF. Súmula n. 408-STJ.

1. Conforme prescreve o art. 15-B do Decreto-Lei n. 3.365/1941, introduzido pela Medida Provisória n. 1.997-34, de 13.01.2000, o termo inicial dos juros moratórios em desapropriações é o dia “1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição”. É o que está assentado na jurisprudência da 1ª Seção do STJ, em orientação compatível com a fi rmada pelo STF, inclusive por súmula vinculante (Enunciado n. 17).

2. Ao julgar o REsp n. 1.111.829-SP, DJe de 25.05.2009, sob o regime do art. 543-C do CPC, a 1ª Seção do STJ considerou que os juros compensatórios, em desapropriação, são devidos no percentual de 12% ao ano, nos termos da Súmula n. 618-STF, exceto no período compreendido entre 11.06.1997 (início da vigência da Medida Provisória n. 1.577, que reduziu essa taxa para 6% ao ano), até 13.09.2001 (data em que foi publicada decisão liminar do STF na ADIn n. 2.332-DF, suspendendo a efi cácia da expressão “de até seis por cento ao ano”, do caput do art. 15-A do Decreto-Lei n. 3.365/1941, introduzido pela mesma MP). Considerada a especial efi cácia vinculativa desse julgado (CPC, art. 543-C, § 7º), impõe-se sua aplicação, nos mesmos termos, aos casos análogos. A matéria está, ademais, sumulada pelo STJ (Súmula n. 408).

3. Segundo jurisprudência assentada por ambas as Turmas da 1ª Seção, os juros compensatórios, em desapropriação, somente incidem até a data da expedição do precatório original. Tal entendimento está agora também confi rmado pelo § 12 do art. 100 da CF, com a redação dada pela EC n. 62/2009. Sendo assim, não ocorre, no atual quadro normativo, hipótese de cumulação de juros moratórios e juros compensatórios, eis que se tratam de encargos que incidem em períodos diferentes: os juros compensatórios têm incidência até a data da expedição de precatório, enquanto que os moratórios somente incidirão se o precatório expedido não for pago no prazo constitucional.

4. Recurso especial parcialmente provido. Recurso sujeito ao regime do art. 543-C do CPC.

(REsp n. 1.118.103-SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 24.02.2010, DJe de 08.03.2010).

A questão, ademais, já estava pacifi cada, consoante o Enunciado n. 102 da

Súmula desta Corte Superior, assim redigido: “A incidência dos juros moratórios

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 435

sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo

vedado em lei.”

A alegação de que a efetiva ocupação ocorreu somente em março/2000

não pode ser conhecida em sede de recurso especial, por envolver o reexame do

contexto fático-probatório. Incide, nesse aspecto, o óbice da Súmula n. 7-STJ,

sobretudo porque as instâncias ordinárias deixaram expressamente consignado

que a imissão na posse ocorreu no dia 04 de outubro de 1999 (fl . 959).

A matéria relativa à incidência dos juros compensatórios, no entanto,

acabou prejudicada, como se verá adiante.

Quanto à indenizabilidade da benfeitoria edificada após a edição do

decreto expropriatório, vem a calhar a lição de José Carlos de Moraes Salles

(in A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 5ª ed. rev. atual. e

ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 103-104), que assim

se manifesta:

O dispositivo legal supratranscrito se ressente de manifesta impropriedade terminológica ao se referir às benfeitorias feitas “após a desapropriação”. Na realidade, o legislador quis se referir às benfeitorias feitas “após a publicação do ato de declaração de utilidade pública.

(...)

Destarte, publicado o ato de declaração de utilidade pública, indenizáveis serão as benfeitorias necessárias realizadas pelo expropriando posteriormente a esse ato, porque efetuadas com o fi to de evitar o perecimento ou deterioração do bem. Indenizáveis serão, ainda, as úteis, que venham a ser feitas com autorização do expropriante.

As voluptuárias, entretanto, que, nos termos do § 1º do art. 96 do CC, são as de mero deleite ou recreio, não aumentando o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor, não serão atendidas pelo Poder Público expropriante, se levadas a efeito após a declaração de utilidade pública.

Com efeito, a norma contida no § 1º do art. 26 do Decreto-Lei n.

3.365/1941 não deixa muita margem para interpretações ao dispor que: “Serão

atendidas as benfeitorias necessárias feitas após a desapropriação; as úteis,

quando feitas com autorização do expropriante.”

Em julgado versando sobre o tema, a Primeira Turma desta Corte, em

voto proferido pelo eminente Ministro Francisco Falcão, deixou consignado o

seguinte:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Com efeito, o início do processo de desapropriação ocorre com a edição do Decreto que afi rma ser de interesse social a propriedade. A partir daí, e com os atos que se sucedem, o expropriado tem perfeita compreensão de que perderá a sua propriedade.

Em assim sendo, data maxima venia de entendimentos em contrário, não se pode imputar ao Poder Público qualquer outra indenização que não a que corresponda ao valor de mercado do imóvel. Em outras palavras: se aquele que permanece na posse do imóvel resolve, sponte sua, erigir benfeitorias, mesmo que para uso próprio, deve possuir autorização do Ente Expropriante, visto que a lei veda a indenização posterior à avaliação.

O acórdão possui a seguinte ementa:

Desapropriação. Interesse social. Reforma agrária. Art. 535, II, do CPC. Violação. Inocorrência. Juros compensatórios. Processo iniciado antes das alterações promovidas pela MP n. 1.577/1997. 12% ao ano. Juros moratórios. Art. 15-B do DL n. 3.365/1941. Benfeitorias erigidas após a imissão na posse. Indenização não devida.

(...)

IV - Benfeitorias erigidas após a imissão na posse, sem autorização do Poder Público expropriante, não devem ser indenizadas se realizadas por terceiros. Inteligência do art. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941. Em outras palavras: se terceiros permanecem na posse do imóvel resolvem, sponte sua, erigir benfeitorias, mesmo que para uso próprio, devem possuir autorização do Ente Expropriante, visto que a lei veda a indenização posterior à avaliação.

V - In casu, dessume-se dos autos que as benfeitorias foram construídas por terceiros sem qualquer relação com o expropriado.

VI - Recurso Especial parcialmente provido. Excluída a indenização das benfeitorias erigidas por terceiros.

(REsp n. 910.834-BA, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 15.05.2007, DJ de 11.06.2007).

No caso, o Tribunal de origem considerou indenizável a benfeitoria pelos

seguintes fundamentos:

Sustenta a expropriante que a construção do galpão ocorreu 01 (um) ano após a declaração de utilidade pública dos imóveis expropriados, sendo, portanto, vedada a indenização nos termos do artigo 26, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941 e Súmula n. 23 do STF, exceto se tivesse sido autorizada pelo expropriante, o que não ocorreu.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 437

Sem razão, contudo, a apelante, pois o referido galpão integra o rol dos bens a serem indenizados, conforme o laudo da própria expropriante, acostado à inicial (fl . 44), cujo valor está incluído no montante inicialmente ofertado. Como bem esclarecido na sentença da lavra do MM. Juiz Federal, Dr. Enrique Feldens Rodrigues, “(...) Desde o período das negociações administrativas a parte autora propõe-se a pagar o ‘galpão de alvenaria’ cujas medidas totalizam em torno de 1.700 m². É o que defl ui do item V.2. (‘Das Benfeitorias Não Reprodutivas’) contido no laudo juntado na abertura do caderno processual, além da postura do Assistente Técnico à fl . 500, quando admite, ao examinar a postura das partes nas tratativas, que ‘a divergência residiu na questão do preço, pois queriam os réus que fosse indenizado pelo valor do Galpão de alvenaria padrão ‘C’ da tabela de valor da expropriante, que fi caria bem acima do real gasto com tal construção’. Dessarte, merecem integral aplicação os arts. 128 e 264 do CPC. (...) ainda que se invoque o princípio da ‘justa indenização’ como capaz de derrogar a incidência das normas processuais, penso ser inquestionável o direito da expropriada de ver recomposto o seu patrimônio em conseqüência do dano sofrido pela perda da referida construção, em todos os seus aspectos. (...) Os itens que se pretende ver excluídos do montante da indenização compunham o patrimônio da expropriada e por isso devem ser pagos, pena de enriquecimento ilícito do expropriante. Evidentemente, na sua tradução em termos fi nanceiros, urge atentar às suas características qualitativas (solidez e segurança) e quantitativas (extensão e dimensões), mas é necessário que seja compensada a privação sofrida com a perda. Quanto ao mais, ou seja, o galpão propriamente dito - cuja construção, efetuada em 1996, data de período posterior à edição do decreto expropriatório -, insta referir que constou do levantamento efetuado em 26.09.1996 (fl . 137), o qual serviu de base para o laudo que instrui a exordial, a teor do depoimento do preposto da parte autora. (...) Censurável, pois, a postura da empresa-postulante de, passados mais de 06 (seis) ano do início das medições, recusar o pagamento do bem em questão. (...)”. (fl s. 923-924)

Da prova testemunhal colhida em audiência consta o depoimento de dois ex-secretários de obras município, os quais confi rmaram que o galpão foi utilizado pela Prefeitura até o ano de 2000 (fl s. 832 e 834).

Extrai-se dos autos que o referido galpão foi reconstruído, aproveitando terraplanagem, piso e alicerces de construção anterior (laudo pericial - fl s. 436), com o objetivo de locação ao município, que no local abrigava suas máquinas. Isso afasta a tese de que teria havido construção de má-fé, com mero intuito de perceber indenização.

(fl s. 1.050-1.051).

A orientação adotada pela Corte de origem está assentada no fato de que

a parte expropriante, quando da confecção do laudo administrativo que instruiu

a petição inicial, incluiu a referida benfeitoria no rol de itens indenizáveis.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Entendeu-se, com base nessa premissa, que o juiz deve decidir a lide nos limites

em que foi proposta, pois é defeso ao autor, depois da citação, modifi car o

pedido ou a causa de pedir, nos termos dos arts. 131 e 264 do CPC.

Ora, a controvérsia estabelecida nas demandas expropriatórias, em relação

ao mérito, está limitada ao quantum indenizatório, que poderá ser fi xado acima

ou abaixo do valor inicialmente ofertado, sobretudo porque “o princípio da justa

indenização constitui garantia, tanto do expropriado, de ser indenizado pelo

prejuízo que efetivamente suportou, como do Poder Público, de pagar somente

o necessário à recomposição integral do patrimônio atingido” (REsp n. 986.470-

RN, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 13.05.2008, DJe

de 30.06.2008).

A propósito, confi ram-se os seguintes julgados:

Processual. Administrativo. Desapropriação direta. Reforma agrária. Contestação da oferta. Perícia. Necessidade. Matéria de ordem pública. Ônus do expropriante.

1. A ação de desapropriação para fins de reforma agrária, sujeita a procedimento específi co estabelecido pela LC n. 76/1993, impõe a realização de prova pericial pelo juízo, quando o expropriado contestar a oferta.

2. A determinação da perícia em desapropriação direta, quando contestada a oferta, é ato de impulso oficial (art. 262, do CPC), porquanto a perícia é imprescindível para apuração da justa indenização, muito embora não vincule o juízo ao quantum debeatur apurado.

3. A LC n. 76/1993, no seu art. 9º, § 1º, I, dispõe que se o expropriado contestar a oferta do expropriante, o juiz determinará a realização de prova pericial (arts. 6º, II; 9º, parágrafo 1º, da LC n. 76/1993), cujos valores devem ser adiantados pelo autor (art. 33, do CPC c.c. Sumula n. 232-STJ), que será ressarcido no caso de sair vencedor (art. 19, LC n. 76/1993), conforme exegese dos mencionados dispositivos, verbis:

(...)

4. O direito de propriedade é garantia constitucional, decorrente da dignidade da pessoa humana, cuja relativização condiciona-se ao prévio pagamento de indenização pelo Poder Público, por meio da ação desapropriatória, nos termos do art. 5º, inciso XXIV, da Carta Magna. Precedentes: REsp n. 867.010-BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 11.03.2008, DJe 03.04.2008.

5. A ação de desapropriação tem como escopo imediato a fi xação da justa indenização em face da incorporação do bem expropriado ao domínio público. Conseqüentemente, a prova pericial é da substância do procedimento.

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6. É que a oferta e a contraproposta não vinculam o juízo, razão por que, visando a fixação oficial, é lícito a qualquer das partes recorrer para esse fim, independentemente dos valores que indicaram em suas peças processuais.

(...)

10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.

(REsp n. 992.115-MT, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 1º.10.2009, DJe de 15.10.2009).

Processual Civil. Administrativo. Desapropriação para fi ns de reforma agrária. Análise de eventual infringência de preceitos constitucionais. Impossibilidade. Violação dos arts. 165, 458 e 535 do CPC. Não-ocorrência. Indenização fi xada em quantia inferior ao preço inicialmente ofertado. Adoção do laudo oficial. Possibilidade. Valor da indenização. Contemporaneidade à avaliação. Divergência jurisprudencial não-demonstrada.

(...)

3. O § 1º do art. 9º da LC n. 76/1993, aplicável às desapropriações para fi ns de reforma agrária, impõe limites à prova pericial, restringindo-a aos pontos efetivamente impugnados do laudo de vistoria administrativa.

4. Na hipótese dos autos, todavia, os expropriados impugnaram praticamente todo o laudo de vistoria administrativa, no tocante ao valor atribuído à terra nua, bem como às benfeitorias, pugnando, ainda, pela condenação do Incra ao pagamento, em separado, do valor relativo à cobertura fl orestal.

5. Ademais, o magistrado pode determinar até mesmo de ofício a realização da perícia técnica com vistas à apuração da justa indenização constitucionalmente assegurada.

6. A fixação do valor indenizatório em montante inferior à oferta inicial, em decorrência da integral adoção do laudo elaborado pelo perito ofi cial, não constitui julgamento extra petita.

(...)

10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

(REsp n. 780.542-MT, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 03.08.2006, DJ de 28.08.2006).

Assim, uma vez contestada a oferta, impõe-se a realização de perícia

técnica que, em conjunto com o laudo administrativo e aquele eventualmente

apresentado pelo assistente técnico da parte expropriada, servirá de base para a

fi xação do justo preço.

Assim, é desarrazoado o entendimento adotado pela Corte de origem,

no sentido de se indenizar benfeitoria construída após a edição do decreto

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expropriatório, só porque já estava inserida no rol de bens indenizáveis descritos

no laudo administrativo, pois equivale a dizer que a indenização não pode ser

fi xada em quantia inferior à oferta inicial, orientação que não se coaduna com a

jurisprudência desta Corte.

Entendo, desse modo, que a parte expropriante não pode ser ser obrigada

a indenizar o galpão construído após a edição do decreto expropriatório, sem a

autorização exigida no parágrafo único do art. 26 do Decreto-Lei n. 3.365/1941.

Saliento, por oportuno, que é indiferente se a benfeitoria erigida após a edição

do decreto expropriatório ocorreu de boa ou má-fé, pois a norma em comento

não faz essa distinção.

Deve-se observar, no entanto, uma pequena peculiaridade. Consta

do acórdão recorrido que “o referido galpão foi reconstruído, aproveitando

terraplanagem, piso e alicerces de construção anterior, com o objetivo de locação

ao Município, que no local abrigava suas máquinas” (fl s. 1.051).

Na sentença de fl s. 936-962, também fi cou consignado que essa construção

anterior tem conteúdo econômico auferível, razão pela qual deve ser mantida

a condenação do expropriante em indenizá-la, pelo valor consignado no laudo

pericial, proporcionalmente ao valor efetivamente considerado devido pelo

magistrado.

Consta da sentença (fl . 949) que a perícia ofi cial estabeleceu o valor do

galpão da seguinte forma:

Valor total: R$ 260.550,94

Valor dos alicerces R$ 7.140,64

Valor dos pisos R$ 28.560,00

Valor da terraplanagem R$ 8.698,65

Valor a ser considerado R$ 216.151,65

Dos números apresentados, é possível inferir que, do valor integral

atribuído ao galpão, 17,04% corresponde à terraplanagem, ao piso e aos alicerces

existentes anteriormente à declaração de utilidade pública. Como o valor

do galpão foi fi xado, efetivamente, em R$ 172.134,84, entendo que se deva

pagar ao expropriado, a título de indenização pelas benfeitorias já existentes, o

percentual de 17,04% sobre esse valor, ou seja, R$ 29.331,78 (valores relativos a

dezembro/2000 - data do laudo).

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RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 441

Ressalto, por fi m, que “os honorários advocatícios, na desapropriação, são

calculados sobre a diferença entre a oferta e a indenização estabelecida, incluídas

as parcelas dos juros compensatórios e moratórios, com aplicação da correção

monetária, excluídos os valores pagos à título de depósito suplementar para

efeito de imissão na posse” (REsp n. 146.920-SP, Rel. Ministro Milton Luiz

Pereira, Primeira Seção, julgado em 15.12.1998, DJ de 29.03.1999).

No mesmo sentido:

Administrativo. Desapropriação direta. Honorários advocatícios. Cálculo. Incidência. Fixação. Diferença entre a indenização e a oferta corrigidas. Súmula n. 141-STJ. Precedentes.

- Em desapropriação direta, os honorários de advogado são calculados sobre a diferença entre a indenização e a oferta, corrigidos monetariamente.

- O montante do depósito complementar eventualmente determinado pelo Juiz, necessário à imissão provisória, não se acrescenta ao valor da oferta para cálculo da verba honorária.

- Recurso conhecido e provido.

(REsp n. 143.682-SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 17.02.2000, DJ de 27.03.2000)

Desapropriação direta. Depósito complementar. Honorários advocatícios. Cálculo.

Depósito complementar. Em ação expropriatória direta, a verba honorária advocatícia incide sobre a diferença entre a oferta e a indenização, não se adicionando, para efeito do cálculo, a parcela relativa ao depósito complementar, que não se equipara a oferta inicial.

Em ação de desapropriação, a verba honorária calcula-se sobre a diferença entre a oferta e o valor apurado da indenização. Para efeito de tal cálculo não se acrescenta ao valor da oferta o montante do depósito complementar, resultante de avaliação prévia, necessário à imissão provisória.

(REsp n. 145.010-SP, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 13.10.1998, DJ de 14.12.1998).

Com essas considerações, conheço dos recursos especiais e dou-lhes

parcial provimento, para excluir do quantum indenizatório o valor fi xado para

a benfeitoria construída após a edição do decreto expropriatório, preservada

a indenização pela construção anteriormente existente, nos termos da

fundamentação.

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Apesar do afastamento das teses relacionadas aos juros compensatórios e à base de cálculo dos honorários advocatícios, os juros compensatórios, no caso, não serão devidos, pois o valor fi nal da indenização não supera os oitenta por cento (80%) da quantia depositada para fi ns de imissão na posse.

No caso de já ter havido levantamento de valor superior à condenação, a quantia excedente deverá ser restituída ao expropriante, sempre se procedendo à atualização monetária, tanto do valor ofertado (a contar da data do depósito) como da indenização fi xada ao fi nal (a partir da data do laudo).

As custas e honorários advocatícios deverão ser suportados pela parte expropriada, fi xados estes últimos em um por cento (1%) sobre a diferença entre a oferta inicial e a condenação.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.164.630-MG (2009/0132366-5)

Relator: Ministro Castro Meira

Recorrente: Fazenda Guaicuhy Agropecuária Ltda.

Advogada: Fernanda Guimarães Hernandez

Advogada: Karina Gois Gadelha Aguiar e outro(s)

Recorrido: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

EMENTA

Administrativo. Dano ambiental. Mortalidade de pássaros. Razoabilidade do valor da condenação.

1. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou ação civil pública contra a Fazenda Guaicuhy Agropecuária Ltda., alegando que a ré seria responsável por dano ambiental por uso de agrotóxico ilegal – Furadan – que teria causado grande mortandade de pássaros.

2. Inexistência de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, ante a abordagem específi ca de todas as questões suscitadas nos embargos de declaração opostos na origem.

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RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 443

3. O pedido de recomposição da fauna in loco constante da inicial

expressa a necessidade de que a totalidade do dano ambiental seja

sanada, não se admitindo interpretação outra que reduza a amplitude

do conceito de meio ambiente.

4. Não houve violação do artigo 6º, caput, da LICC, porquanto

a Corte de origem apenas valeu-se dos parâmetros estabelecidos

no Decreto Federal n. 3.179/1999 para justifi car a razoabilidade da

sentença que condenou a recorrente a pagar a multa ambiental fi xada

em R$ 150.000,00.

5. O valor da condenação por dano ambiental não se exaure com

a simples mensuração matemática do valor dos pássaros mortos, mas

deve também considerar o grau de desequilíbrio ecológico causado.

6. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro

Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro

Campbell Marques e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Sustentou oralmente a Dra. Karina Gois Gadelha Aguiar, pela parte recorrente:

Fazenda Guaicuhy Agropecuária Ltda.

Brasília (DF), 18 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Castro Meira, Relator

DJe 1º.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Meira: O Ministério Público do Estado de Minas

Gerais ajuizou ação civil pública contra Fazenda Guaicuhy Agropecuária Ltda.,

alegando que a ré seria responsável por dano ambiental por uso de agrotóxico

ilegal – Furadan – que teria causado grande mortandade de pássaros.

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A ré, em contestação, alegou inépcia da petição inicial que não delimitou

sua responsabilidade, nem o valor do dano a ser reparado; tentou descaracterizar

o episódio como dano ambiental, arguindo que pouco mais de 300 aves teriam

morrido, sem que tenha havido efetivo comprometimento do meio ambiente.

A ação foi julgada procedente e a ré condenada “a pagar a importância

de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) em indenização a ser revertida

para o meio ambiente local, em recomposição do dano ambiental causado com a

morte de 1.300 pássaros da fauna silvestre”.

A sentença foi mantida em segunda instância, nos termos de acórdão assim

ementado:

Ementa: Direito Ambiental. Apelação. Ação civil pública. Dano ambiental. Morte de pássaros. Indenização. Fixação do quantum. Aplicação dos parâmetros do artigo 6º da Lei n. 9.605/1998. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, nos termos do artigo 14 da Lei n. 6.938/1981, não se inquirindo, portanto, de culpa ou dolo do infrator, restando afastada também a incidência das excludentes relativas à força maior e ao caso fortuito, partindo-se do pressuposto de que, sendo o dano ambiental um prejuízo suportado por toda a coletividade, que atinge, assim, direitos difusos, deve ser reparado em qualquer hipótese. A aplicação do princípio do poluidor-pagador vigente no Direito Ambiental, pelo qual todo aquele que explora atividade potencialmente poluidora tem o dever de reparar os danos dela oriundos, afasta a licitude da conduta daquele que, com sua atividade econômica, causa dano ao meio ambiente, ainda que tenha agido dentro dos padrões recomendados e autorizados pelos órgãos governamentais competentes. Confi gura manifesto dano ambiental a morte de inúmeros pássaros em virtude de aplicação de agrotóxico em lavoura de arroz. A fi xação do quantum indenizatório em sede de dano ambiental, quando não quantifi cado em laudo pericial, deve ser efetuada mediante aplicação dos critérios adotados pela Lei n. 9.605/1998 para a imposição e gradação de penalidades a atividades lesivas ao meio ambiente, quais sejam, a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente, os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental e a situação econômica do infrator.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.

No presente recurso especial, interposto com fulcro da alínea a do

permissivo constitucional, a recorrente alega o seguinte:

a) violação do artigo 535 do Código de Processo Civil - CPC, ante

o fundamento de não ter sido analisada a alegação de que o Ministério

Público Federal teria restringido o objeto da ação ao meio ambiente local, o

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RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 445

que caracterizaria a sentença como extra petita, ao tomar como patamar da

indenização morte de pássaros de várias espécies ocorrida em região por demais

ampla;

b) também a Corte de origem deixou de esclarecer contradição do decisum

de segundo grau que, em um primeiro momento, sustenta que o juiz pode

promover a liquidação do dano e conclui que isto exigiria a presença de perito;

c) o acórdão teria violado o artigo 293 do Código de Processo Civil, ao

alargar o pedido trazido na exordial; e

d) houve contrariedade aos artigos 6º, caput, da LICC e 944 do Código

Civil, em que busca a revisão do valor da indenização, argumentando que o dano

poderia ser revertido com compra de pássaros, argumentando que, na fi xação do

valor do dano, a Corte de origem faz referência ao Decreto n. 3.179/1999, que

não vigia à época do dano.

Em contrarrazões, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais pugna

pela mantença do aresto atacado, ressaltando que o recurso não deveria ser

conhecido ante a necessidade de revolvimento do contexto fático-probatório

dos autos.

Inadmitido o apelo, subiram os autos por força de decisão em agravo de

instrumento.

Instado a manifestar-se, o ilustre Subprocurador Geral da República José

Flaubert Machado Araújo opinou pelo conhecimento e provimento em parte

do recurso especial, em parecer assim ementado:

Administrativo e Processual Civil. Ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em que se pleiteia reparação civil de dano ambiental ocorrido com a morte de pássaros envenenados por agrotóxico usado em área de plantação de arroz. Ação julgada procedente, para condenar a Recorrente ao pagamento de indenização no valor de 150 mil reais. Recurso especial interposto contra acórdão que negou provimento à apelação contra acórdão que negou provimento à apelação da Recorrente integrado pelo que rejeitou os seus embargos de declaração. Aplicação parcialmente correta do direito. Acórdão recorrido que contém contradição, não sanada nos embargos de declaração, e que implicou julgamento fora dos limites do pedido. Coexistência de conclusões contraditórias: a de que o Juízo de 1º grau poderia fixar por conta própria o montante da indenização devida pela Recorrente, como o fez, e a de que o arbitramento desse montante demandaria conhecimento técnico, quantifi cação do valor por prova pericial. Manutenção, no acórdão recorrido, do equívoco do Juízo de 1º grau, que, a despeito do pedido o Ministério Público de

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condenação genérica e posterior liquidação da sentença fi xou por conta própria o montante da indenização devida pela Recorrente. Improcedência da alegação de contrariedade ao artigo 6º, caput, da LICC, porque os diplomas que serviram de fundamento legal para a fi xação da indenização pelo Juízo de 1º grau, mantida pelo Tribunal a quo, são anteriores aos fatos que deram origem à demanda. Acórdão recorrido que deve ser anulado, a fi m de que, em novo julgamento, se providencie a liquidação do montante da indenização devida pela Recorrente. Recurso especial que deve ser parcialmente conhecido e que, nessa parte, deve ser provido (e-STJ fl s. 578-579).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): Discute-se, no presente caso,

indenização fixada por dano ambiental consistente em morte de pássaros

causada por ação poluidora da empresa recorrente.

1. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC.

1.1. Omissão do acórdão em relação aos limites da petição inicial que

faziam referência ao meio ambiente local.

O julgado, ainda que não faça referência ao termo “local”, aferiu a existência

de dano ao meio ambiente causado pela atividade realizada pela recorrente, não

sendo necessário dizer mais nada a esse respeito.

O entendimento contrário implicaria compartimentar o meio ambiente

em áreas estanques, possibilitando que, eventualmente, uma redação imprecisa

na petição inicial viesse a inviabilizar o cumprimento do ditame constitucional

de garantia fundamental de gozo a um meio ambiente equilibrado expresso no

artigo 225, caput, da Constituição da República. Confi ra-se:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

1.2. Contradição quanto à possibilidade de fi xação do valor da indenização

pelo magistrado de piso.

Essa contradição inexiste.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 447

Em um primeiro momento, o decisório sustenta a possibilidade de que o

magistrado possa fi xar o montante a ser indenizado desde que tenha elementos

para tal:

Ademais, o fato de o pleito indenizatório ter sido genérico, sem estipular um quantum, não impede a condenação em valor certo pelo magistrado, desde que disponha de elementos para desde logo arbitrar seu valor, conforme vêm reiteradamente entendendo os tribunais.

Posteriormente, admite que seria pertinente a utilização de perícia em uma

fase de liquidação:

No que toca ao montante indenizatório, é mister frisar que sua fi xação, quando feita em dinheiro, por impossibilidade de reparação in natura, é tarefa árdua, pois os danos ambientais não são mensuráveis em pecúnia, mormente porque atingem sobretudo bens imateriais da coletividade.

Por essa razão, recomenda-se que tal arbitramento seja efetuado mediante perícia realizada por profissional competente, cujo conhecimento técnico específi co permita quantifi car o valor dos danos causados ao meio ambiente.

Entretanto, na ausência de aferição do quantum indenizatório em sede do laudo técnico jungido aos autos, merecem aplicação os critérios adotados pela Lei n. 9.605/1998 para a imposição e gradação de penalidades a atividades lesivas ao meio ambiente, que levam em consideração a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente, os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental e a situação econômica do infrator.

A leitura do aresto recorrido demonstra que, embora seja recomendável a

apuração do valor do dano em fase de liquidação, poderia o magistrado fi xá-lo

com base nos elementos descritos nos autos e seguindo os critérios previstos na

Lei n. n. 9.605/1998.

Não se percebe contradição no julgado recorrido.

Passo ao exame dos demais temas de mérito.

2. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 293 DO CPC.

O artigo 293 do CPC tem a seguinte redação:

Art. 293. Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juros legais.

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O item do pedido contra o qual se bate a recorrente foi assim redigido:

Requer mais seja a presente julgada procedente, condenando-se a requerida no pagamento de uma indenização capaz de reconstruir a fauna in loco, em benefício do meio-ambiente, pois o ato da suplicada lhe causou enorme dano,

Ou

Seja a ré obrigada a não proceder de modo semelhante, no futuro, evitando-se, assim novo desequilíbrio ecológico, conforme o que ocorreu (arts. 3º e 13) (e-STJ fl .28).

Ainda que a redação possa não ter sido a melhor, a leitura da exordial

não deixa dúvidas sobre seu objetivo, qual seja, a punição do poluidor e a

reconstituição da fauna ao status quo ante ao ato ilícito cometido, que levou à

mortandade de pássaros.

Esse também é o entendimento da doutrina pátria:

Há poluição quando ocorrer uma deterioração ambiental que afete os seres humanos ou os ecossistema, ou seja, há poluição pelo fato de uma atividade ter direta ou indiretamente causado uma alteração adversa das características do meio ambiente que possam afetar a biota ou os seres humanos, seja sua saúde ou as condições do desenvolvimento de suas sociedades (Silva, Solange Teles , “O conceito de poluição ambiental e suas implicações jurídicas, in Politicas Públicas Ambientais - Estudos em homenagem ao Professor Michel Prieur, Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 289).

Da mesma forma que não se pode restringir a amplitude do pedido à

expressão “in loco”, também não se poderia entender a utilização do “ou” como

pedido alternativo, porquanto os pedidos revelam-se complementares.

A existência de um dano ambiental encerra a necessidade de reconstituição

do meio ambiente no que for possível, com a necessária punição do poluidor

(princípio do poluidor-pagador), mas também traz em seu bojo a necessidade

de evitar que o evento venha a repetir-se, o que justifi ca medidas coercitivas e

punições que terão, inclusive, natureza educativa.

De outra banda, o artigo 3º, I, da Lei n. 6.938/1981 defi ne meio ambiente

como sendo “o conjunto de condições, leis, infl uências e interações de ordem

física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas

formas” e a punição encontra respaldo no artigo 14, § 1º, do mesmo diploma

legal, que determina que o poluidor é obrigado a indenizar ou reparar os danos

causados ao meio ambiente.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

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Esses dispositivos expressam o caráter sistêmico inserido no conceito de

meio ambiente, em que a proteção visada pela Carta da República revela-se no

equilíbrio entre os elementos nele existentes.

Na obra “Constitucionalização do Ambiente e Ecologização da

Constituição Brasileira”, ensina Antonio Herman Benjamin, eminente Ministro

que hoje honra esta Casa:

Por outro lado, cada vez mais os cientistas se dão conta de que os sistemas naturais não são tão previsíveis como dão a entender que as expressões populares do tipo “equilíbrio ecológico” ou “equilíbrio da natureza”. Na verdade, o equilíbrio ecológico, no sentido utilizado pela Constituição antes de ser estático, é um sistema dinâmico. Não é objetivo do Direito Ambiental fossilizar o meio ambiente e estancar suas permanentes e comuns transformações, que vêm ocorrendo há milhões de anos. O que se busca assegurar que tal estado dinâmico de equilíbrio, em que se processam os fenômenos naturais, seja conservado, que a natureza siga seu próprio curso (in Direito Constitucional Ambiental Brasileiro, 2ª edição, Editora Saraiva, p. 107-108).

Ao analisar o pedido de reconstrução da fauna in loco, a ação civil pública

não pode olvidar que não há como fracionar-se o meio ambiente e, nessa

toada, deve ser responsabilizado o agente poluidor pela morte dos pássaros em

decorrência de sua ação poluidora.

Disso bem cuidou a Corte de origem, ao fi xar o número de pássaros

mortos pela ação da poluição em um patamar bem abaixo da média entre os 300

(pretensão do recorrente) e 36.000 (pretensão da recorrida).

José Renato Nalini bem acentua a necessidade de avaliar o meio ambiente

sob a ótica de integração dos elementos que o compõem:

A compreensão da natureza como nicho vital conduz a consciência humana a ser protetora e vigilante. Dentre os paradoxos da civilização contemporânea, em que a vida parece às vezes tão desvaliosa, está o devotar-se valor acrescido a todas as suas manifestações. Enquanto a vida é banalizada, notadamente a vida do excluído proclama-se o valor transcendental de toda e qualquer forma de existência (in Ética Ambiental, Editora Millennium, 3ª edição, p. 7).

De igual modo, entende José Afonso da Silva:

A ação predatória do meio ambiente natural manifesta-se de várias maneiras, quer destruindo os elementos que o compõem, como a derrubada das matas, quer contaminando-os com substâncias que lhes alterem a qualidade, impedindo

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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seu uso normal, como se dá com a poluição do ar, das águas, do solo e da paisagem. Atmosfera (ar, clima), hidrosfera (rio, lagos, oceanos) e litosfera (solo) são três órbitas entrelaçadas que mantêm a vida orgânica. A contaminação de uma compromete a pureza das outras, direta ou indiretamente. A alteração adversa das características do meio ambiente é definida pela lei como a degradação da qualidade ambiental (Lei n. 6.938, de 1981, art. 3º, II)

Disso decorrer a necessidade de uma visão global de interação ar, água e solo, para dar-se um tratamento jurídico abrangentemente sistemático à proteção do meio ambiente natural (Silva, José Afonso, Direito Ambiental Constitucional, Editora Malheiros, 7ª edição, p. 28-29).

3. CONTRARIEDADE AOS ARTS. 6º, CAPUT, DA LICC E 944

DO CÓDIGO CIVIL - VALOR DA INDENIZAÇÃO.

Em primeira instância, a recorrente foi condenada a “pagar a importância

da R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) em indenização a ser revertida

para o meio ambiente local, em recomposição do dano ambiental causado com a

morte de 1.300 pássaros da fauna silvestre”.

O montante do dano foi fixado no acórdão recorrido, com base nos

seguintes fundamentos:

Assim, levando-se em consideração que não há notícia de qualquer antecedente da apelante de infração à legislação ambiental, desconhecendo-se, ainda, a situação econômica da infratora, mas que o dano ambiental de que tratam os autos é de extrema gravidade para o ecossistema atingido, sendo inclusive fi xada, no âmbito administrativo, multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por ave morta (artigo 11 do Decreto Federal n. 3.179/1999), entendo por bem manter a indenização em tela, arbitrada em R$ 150.00,00 (cento e cinqüenta mil reais). (e-STJ fl s. 484-485).

Afasto a alegada violação do artigo 6º, caput, da LICC, porquanto a Corte

de origem não aplicou o Decreto Federal n. 3.179/1999 para a fi xação do

quantum a ser indenizado. Houve mera referência àquele diploma legal. Com

efeito, limitou-se o aresto atacado a reputar razoável a decisão condenatória de

primeira instância, ante a circunstância de que, no plano administrativo, a multa

aplicável seria de valor equivalente.

Especifi camente quanto ao valor estabelecido na condenação, o pleito

da recorrente para que se tome como base de cálculo o valor unitário de cada

pássaro não pode ser acolhido, já que a mensuração do dano ecológico não se

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RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 451

exaure na simples recomposição numérica dos animais mortos, devendo-se

também considerar os nefastos efeitos decorrentes do desequilíbrio ecológico

decorrente da ação praticada pela recorrente.

Em situação análoga, foi essa a orientação deste órgão julgador neste

precedente:

Administrativo. Ação civil pública. Garimpo ilegal de ouro em área de preservação permanente. Danos causados ao meio ambiente. Art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981. Princípios da reparação integral e do poluidor-pagador. Cumulação de obrigação de fazer (reparação da área degradada) e de pagar quantia certa (indenização). Possibilidade. Interpretação da norma ambiental.

1. Ao dano ambiental aplica-se o princípio da reparação in integrum. Precedentes do STJ.

2. Se a restauração ao status quo ante do bem lesado pelo degradador for imediata e completa, não há falar, como regra, em indenização.

3. A obrigação de recuperar meio ambiente degradado é compatível com indenização pecuniária por eventuais prejuízos sofridos, até a restauração plena, bem como pelos de natureza extrapatrimonial, como o dano moral coletivo, cuja possibilidade vem sendo afi rmada pela Segunda Turma do STJ (REsp n. 1.120.117-AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 10.11.2009, DJe 19.11.2009).

4. Também devem reverter à coletividade os benefícios econômicos que o degradador auferiu com a exploração ilegal de recursos do meio ambiente, “bem de uso comum do povo”, nos termos do art. 225, caput, da Constituição Federal, sobretudo em garimpo de ouro em Área de Preservação Permanente, destituído de licença ambiental para funcionamento ou autorização de desmatamento.

5. Ao STJ descabe, como regra, perquirir a existência ou não de dano no caso concreto. Análise que esbarra, ressalvadas situações excepcionais, na Súmula n. 7-STJ. Tal juízo fático é de competência das instâncias de origem, diante da prova carreada aos autos.

6. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifi que se, na hipótese, há dano indenizável e para fi xar o eventual quantum debeatur (REsp n. 1.114.893-MG, julgado em 16.03.2010, Rel. Ministro Herman Benjamin, pendente de publicação).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

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RECURSO ESPECIAL N. 1.196.293-RJ (2010/0098954-6)

Relator: Ministro Castro Meira

Recorrente: Walter do Amaral de Paiva - espólio e outro

Representado por: Eli dos Santos Paiva - inventariante

Advogados: Haroldo Baptista de Brito e outro(s)

Manoel Lopes de Sousa e outro(s)

Recorrido: Casa da Moeda do Brasil

Advogado: Luciana Pereira Diogo e outro(s)

EMENTA

Processual Civil. Execução trabalhista. Recurso cabível. Agravo de petição. Princípio da fungibilidade. Inaplicabilidade. Erro grosseiro.

1. O presente recurso foi interposto nos autos de reclamatória trabalhista ajuizada no ano de 1976 por mais de uma centena de autores em desfavor da Casa da Moeda do Brasil perante a 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, demanda essa em que, anos depois, foi proferida sentença de improcedência, rescindida pelo extinto Egrégio Tribunal Federal de Recursos para considerar legítimos os pedidos deduzidos na inicial.

2. Após o trânsito em julgado da ação rescisória, seguiu-se uma série de incidentes que culminaram na propositura das execuções individuais no ano de 2004, cujo regime de tramitação constitui basicamente o ponto inicial da controvérsia sob análise que, como se verá, acabou por enveredar para discussão sobre cabimento recursal no âmbito do apelo nobre.

3. A eventual dúvida sobre a competência da Justiça Federal para examinar matéria dessa natureza após o advento da Constituição Federal de 1988 é dirimida pelo ADCT, que no art. 26, § 10, dispõe expressamente que “compete à Justiça Federal julgar as ações nela propostas até a data da promulgação da Constituição, e aos Tribunais Regionais Federais bem como ao Superior Tribunal de Justiça julgar as ações rescisórias das decisões até então proferidas pela Justiça Federal, inclusive daquelas cuja matéria tenha passado à competência de outro ramo do Judiciário”.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

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4. O Tribunal de origem não conheceu do recurso em razão de ter sido interposto agravo de instrumento, e não agravo de petição, contra decisão que desconstituiu a penhora e determinou o seguimento da execução trabalhista movida contra a Casa da Moeda do Brasil pelo sistema de precatórios, próprio das execuções contra a Fazenda Pública.

5. Não se caracteriza erro grosseiro, que inviabilizaria a aplicação do princípio da fungibilidade, a interposição de agravo de instrumento em lugar de agravo de petição contra decisão proferida em execução trabalhista cuja citação foi iniciada nos termos do art. 652 do Código de Processo Civil.

6. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro

Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro

Campbell Marques e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Sustentou oralmente o Dr. Acélio Jacob Roehrs, pela parte recorrente: Walter

do Amaral de Paiva

Brasília (DF), 18 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Castro Meira, Relator

DJe 1º.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Meira: Trata-se de recurso especial com fundamento

nas alíneas a e c, inciso III, do art. 105, da Constituição Federal, em face de

acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, consubstanciado

nos termos da ementa a seguir transcrita:

Agravo de instrumento. Decisão proferida em execução trabalhista. Erro grosseiro. Recurso correto: agravo de petição. Art. 897, a da CLT. Recurso não conhecido.

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O recurso utilizado pela recorrente, agravo de instrumento, não é o adequado à espécie, eis que a decisão agravada foi proferida em sede de execução trabalhista, onde é cabível, tão-só, o agravo de petição previsto no art. 897, a, da CLT.

Os recurso têm natureza e procedimentos diversos, confi gurando-se, assim, erro grosseiro, o que afasta a aplicabilidade do princípio da fungibilidade.

Precedentes.

Recurso não conhecido (fl . 370).

Os embargos de declaração opostos na sequência foram rejeitados (e-STJ fl s. 686-695 e 708-715).

Os recorrentes alegam violação do disposto nos arts. 128, 131, 165, 458, 467 a 475 e 535, do Código de Processo Civil, bem como no artigo 897, a, da CLT. Sustentam não haver erro grosseiro ou má-fé, porquanto interpuseram o recurso adequado na sede trabalhista, dentro do prazo legal de 08 dias, “equivocadamente nominado” (e-STJ fl . 732). Buscam a aplicação do princípio da fungibilidade recursal para o conhecimento do agravo de instrumento em questão.

Foram ofertadas contrarrazões pela manutenção do julgado (e-STJ fl s. 1.473-1.483).

Admitido o especial na origem (e-STJ fl s. 1.503-1.504), subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): A pretensão não merece reforma.

Na origem, em 1976, foi ajuizada reclamatória trabalhista ajuizada por mais de uma centena de autores em desfavor da Casa da Moeda do Brasil perante a 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, demanda essa que, anos depois, teve sua sentença de improcedência rescindida pelo extinto Egrégio Tribunal Federal de Recursos para considerar legítimos os pedidos deduzidos na inicial.

Após o trânsito em julgado da ação rescisória, seguiu-se uma série de incidentes que culminaram na propositura das execuções individuais no ano de 2004, cujo regime de tramitação constitui basicamente o ponto inicial da controvérsia sob análise que, como se verá, acabou por enveredar para discussão sobre cabimento recursal no âmbito do apelo nobre.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 455

Por pertinente, assinalo que eventual dúvida sobre a competência da Justiça

Federal para examinar matéria dessa natureza após o advento da Constituição

Federal de 1988 é dirimida pelo próprio ADCT, que em seu art. 26, § 10, dispõe

expressamente que “compete à Justiça Federal julgar as ações nela propostas até

a data da promulgação da Constituição, e aos Tribunais Regionais Federais bem

como ao Superior Tribunal de Justiça julgar as ações rescisórias das decisões

até então proferidas pela Justiça Federal, inclusive daquelas cuja matéria tenha

passado à competência de outro ramo do Judiciário”.

Acrescento que o Tribunal de origem não conheceu do recurso em

razão de ter sido interposto agravo de instrumento, e não agravo de petição,

contra decisão que desconstituiu a penhora e determinou o seguimento da

execução trabalhista movida contra a Casa da Moeda do Brasil pelo sistema de

precatórios, próprio das execuções contra a Fazenda Pública, pelas razões assim

expostas no voto condutor do aresto impugnado:

O recurso utilizado pela recorrente, agravo de instrumento, não é o adequado à espécie, eis que a decisão agravada foi proferida em sede de execução trabalhista, onde é cabível, tão-só, o agravo de petição previsto no art. 897, a da CLT.

O recurso está sujeito ao pressuposto objetivo da adequação, complementado pelo da singularidade. A irresignação que se manifesta a partir de certa e determinada decisão não pode ser veiculada mediante recurso impróprio. Havendo previsão legal, em que se especifi ca o recurso adequado, descabe a admissibilidade de recurso diverso daquele para tanto previsto.

O art. 897 da CLT é expresso na sua alínea a, no sentido de que cabe agravo de petição das decisões do Juiz ou Presidente, nas execuções.

Os recursos tem natureza e procedimentos diversos, confi gurando-se, assim, erro grosseiro, o que afasta a aplicabilidade do princípio da fungibilidade (e-STJ fl . 366).

Na linha desse entendimento, localizei apenas dois precedentes desta

Corte:

Processual Civil. Recurso especial. Admissibilidade. Fundamentação defi ciente. Súmula n. 284-STF. Reclamação trabalhista. Execução. Agravo de petição. Agravo de instrumento. Fungibilidade. Impossibilidade.

I - Não se conhece do recurso especial, interposto com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, se o recorrente não indica qual dispositivo de lei federal entende violado pela decisão recorrida. Súmula n. 284-STF.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

456

II - Em sede de execução trabalhista, é inadmissível a interposição de agravo de instrumento (art. 522 do CPC) contra decisão do juiz. Nessas hipóteses, o recurso cabível é o agravo de petição, previsto no art. 897, a, da CLT.

III - Tratando-se de recursos com natureza, pressupostos e fi nalidades diversas, confi gura-se a hipótese de erro grosseiro, sendo inaplicável, in casu, o princípio da fungibilidade. Precedentes.

Recurso conhecido em parte e, nessa parte, provido. (REsp n. 214.088-GO, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 14.02.2000);

Reclamação trabalhista. Ação ordinária movida por servidores do Banco Central do Brasil. Execução. Agravo de petição. Agravo de instrumento. Fungibilidade recursal. Impossibilidade. Dissídio jurisprudencial não comprovado.

1. No processo trabalhista, nas execuções, admite-se o manejo de embargos e de agravo de petição, a teor do disposto no art. 897 da CLT, constituindo erro grosseiro a interposição de agravo de instrumento contra a decisão homologatória de cálculo complementar.

2. Dissídio jurisprudencial não demonstrado nos termos exigidos pelos dispositivos legais e regimentais que o disciplinam.

3. Recurso especial a que se nega provimento (REsp n. 441.183-DF, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 02.10.2006).

Os recorrentes aqui não discutem o recurso cabível.

Com efeito, reconhecem que a decisão proferida em execução trabalhista desafi a agravo de petição. Irresignam-se, porém, contra a especial circunstância de não haver sido aplicado o princípio da fungibilidade à especial situação dos autos, em que os recorrentes foram citados, juntamente com outros reclamantes na mesma situação, nos termos do art. 652 do Código de Processo Civil, o que afastaria a presença de erro grosseiro.

Ademais, ressaltam que o recurso foi interposto no prazo de oito dias, o que preencheria outro requisito para a possibilidade de o agravo de instrumento ser conhecido pelo recurso de petição, adequado à espécie.

Embora a princípio tenha-me inclinado em seguir os dois precedentes desta Casa, a atenta análise das peculiaridades do caso levou-me a modifi car esse entendimento. Conquanto o direito processual oriente-se pela taxatividade dos recursos, entendo que o equívoco cometido pelos recorrentes deve ser relevado pela especial circunstância de que a execução fora iniciada com a seguinte decisão: “Cite-se, na forma do art. 652 do CPC”. Por outro lado, não se discute que o recurso foi interposto no prazo de oito dias, consoante previsto na CLT, presentes assim os requisitos gerais de admissibilidade recursal.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

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Nossa jurisprudência registra precedente que, a meu juízo, foi muito mais liberal, ao aplicar o princípio da fungibilidade à interposição de recurso de revista em lugar de recurso especial, mesmo sendo este previsto no próprio texto da Constituição da República (art. 105, III), como pode-se conferir na seguinte ementa:

Matéria trabalhista. 1. Recurso cabível. Fungibilidade. Da decisão proferida por TRF, em matéria trabalhista, cabe recurso especial para o STJ. A interposição, no entanto, do recurso de revista, em lugar do recurso especial, não constitui ao ver da 3ª Turma do STJ erro grosseiro, podendo um recurso ser tomado pelo outro. 2. Servidor estável, com opção pelo FGTS. Pedido de reintegração. Impossibilidade. Face à autonomia dos institutos, a opção pelo FGTS implica renúncia a direitos estabilitários, tornando impossível, juridicamente, o pedido de reintegração. 3. Recurso especial conhecido pela alínea c, mas improvido (REsp n. 20.265-PE, Rel. Min. Nilson Naves, DJU 14.09.1992).

O equívoco de ilustres profissionais do direito nesses casos tem uma

explicação, qual seja, o relativamente pequeno número de execuções trabalhistas

no âmbito da Justiça Federal. Em mais de 27 anos, dos quais 13 no primeiro

grau e 14 no segundo grau, não devo ter examinado mais do que meia dúzia de

execuções trabalhistas e recursos de agravos de petição.

Há, ainda, a considerar aqui a demorada tramitação do feito, iniciada em

1976, há mais de 34 anos, num processo em que alguns já faleceram, como é o

caso do primeiro recorrente.

Cabe, assim, aplicar-se o princípio da fungibilidade, reformar o acórdão

recorrido para determinar o prosseguimento do exame do recurso em seus

demais termos.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.198.964-PR (2010/0114525-8)

Relator: Ministro Mauro Campbell Marques

Recorrente: Fazenda Nacional

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

458

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Recorrido: Trutzschler Indústria e Comércio de Máquinas Ltda.

Advogado: Joel Gonçalves de Lima Júnior e outro(s)

EMENTA

Tributário. Contribuição previdenciária. Empresa. Art. 22, inc. I, da Lei n. 8.212/1991. Base de cálculo. Verba salarial. Aviso prévio indenizado. Natureza indenizatória. Não incidência.

1. A indenização decorrente da falta de aviso prévio visa reparar o dano causado ao trabalhador que não fora alertado sobre a futura rescisão contratual com a antecedência mínima estipulada na CLT, bem como não pôde usufruir da redução da jornada a que fazia jus (arts. 487 e segs. da CLT).

2. Não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado, por não se tratar de verba salarial.

3. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte resultado de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 02 de setembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

DJe 04.10.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial

interposto pela Fazenda Nacional com arrimo na alínea a do permissivo

constitucional em face de acórdãos assim ementados:

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 459

Tributário. Contribuição previdenciária. Aviso prévio indenizado. Prescrição.

1. O suporte de validade da exigência tributária instituída pelo art. 22, I, da Lei n. 8.212/1991, é o art. 195, I, da CF/1988. A interpretação do referido dispositivo não extrapola ou ofende o conceito de salário, analisado sob a égide da legislação trabalhista e previdenciária.

2. A legislação trabalhista, ao utilizar os termos salário e remuneração, diferencia as verbas pagas diretamente pelo empregador daquelas que não são desembolsadas por ele, embora sejam resultado do trabalho realizado pelo empregado, no âmbito da relação contratual. Essa distinção tem o intuito de dar relevo ao caráter salarial das verbas remuneratórias, dessemelhando-as de outras fi guras de natureza indenizatória, previdenciária ou tributária, ainda que nominadas como “salário”.

3. Embora parte da doutrina e da jurisprudência discorde, o pagamento substitutivo do tempo que o empregado trabalharia se cumprisse o aviso prévio em serviço não se enquadra como salário, porque a dispensa de cumprimento do aviso objetiva disponibilizar mais tempo ao empregado para a procura de novo emprego, possuindo nítida feição indenizatória.

4. Prescrição reconhecida de ofício.

5. Apelação e remessa ofi cial improvidas.

Embargos de declaração. Contribuição previdenciária. Aviso prévio indenizado. Prescrição. Prequestionamento.

Não houve omissão no acórdão pois as questões aventadas foram adequadamente enfrentadas, embora a solução da controvérsia tenha merecido tratamento jurídico diverso do preconizado pela embargante.

Embargos acolhidos em parte, apenas para efeito de prequestionamento.

Em suas razões, alega, em síntese, a contrariedade ao art. 28, § 9º, da Lei

n. 8.212/1991, ao argumento de que o aviso prévio indenizado ao trabalhador

integra a base de cálculo da contribuição previdenciária incidente sobre a folha

de salários.

Contrarrazões apresentadas.

Na origem, houve juízo positivo de admissibilidade.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Sem razão a parte

recorrente.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

460

O cerne da controvérsia diz respeito à incidência de contribuição

previdenciária sobre a verba paga a título de aviso prévio indenizado.

A autorização constitucional para a instituição do referido tributo decorre

do art. 195, inc. I, da Constituição da República, cuja redação original previa sua

incidência apenas sobre a folha de salários.

A partir da Emenda Constitucional n. 20/1998, o campo de abrangência

foi ampliado para permitir a tributação da empresa sobre “a folha de salários e

demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa

física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”.

Não resta duvida, portanto, que, a partir da EC n. 20/1998, a Constituição

da República não restringe mais a incidência da contribuição à folha de salários.

Não obstante, para defi nir com exatidão qual o aspecto material da hipótese de

incidência, é preciso analisar a sua regra-matriz, extraída da Lei que a instituiu,

em atendimento ao princípio da estrita legalidade tributária (art. 150, inc. I, da

CR/1988).

In casu, é na Lei n. 8.212/1991 onde se verifi ca o dispositivo legal relativo à

contribuição exigível da empresa, cuja redação transcrevo:

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (Redação dada pela Lei n. 9.876, de 1999).

(Grifo nosso).

Conforme se depreende da Lei instituidora do tributo, seu campo de

incidência alcança “o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a

qualquer título, (...) destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua

forma”.

Por conseguinte, decorre da Lei a pertinência das verbas pagas, devidas

ou creditadas com a retribuição pelo trabalho prestado. Assim, é inexorável a

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 461

conclusão de que a contribuição previdenciária devida pela empresa incide sobre

verba de caráter salarial, porquanto, repita-se, “destinada a retribuir o trabalho”.

Por essa razão, não se admite a sua incidência sobre verbas de caráter

indenizatório, em que não há a retribuição pelo trabalho, mas o pagamento de

quantia destinada a retribuir um dano sofrido.

Longe de ser inovadora, essa conclusão - incidência da contribuição

previdenciária sobre verba salarial - está sedimentada na jurisprudência desta

Corte. Em diversos julgados corrobora-se a tese de que não incide contribuição

previdenciária sobre verbas de caráter indenizatório. Confi ra-se:

Processual Civil e Tributário. Embargos de declaração. Ofensa ao art. 535 do CPC não confi gurada. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 282-STF. Contribuição previdenciária. Verbas salariais. Incidência. Auxílio-doença. Não-incidência.

1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.

2. Ao STJ descabe analisar possível ofensa aos arts. 97 e 110 do CTN, por reproduzirem normas de índole constitucional, sob pena de usurpação da competência do STF. Precedentes: REsp n. 825.180-RJ, Rel. Min. Castro Meira e AgRg no Ag n. 1.049.403-SP, Rel. Min. Eliana Calmon.

3. A questão não foi apreciada pelo acórdão recorrido sob o ângulo do art. 884 do Código Civil, nem foram opostos Embargos de Declaração para suprir possível omissão quanto a esse ponto. Incidência da Súmula n. 282-STF, por analogia.

4. É pacífi co no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o salário-maternidade não tem natureza indenizatória, mas sim remuneratória, razão pela qual integra a base de cálculo da Contribuição Previdenciária. Precedentes: AgRg no REsp n. 973.113-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques e REsp n. 803.708-CE, Rel. Min. Eliana Calmon. Da mesma forma, o salário-paternidade deve ser tributado, por se tratar de licença remunerada prevista constitucionalmente, não se incluindo no rol dos benefícios previdenciários.

5. A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI-STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base na alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição Federal.

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462

6. Incide contribuição previdenciária sobre adicionais noturno (Enunciado n. 60-TST), insalubridade e periculosidade por possuírem caráter salarial.

7. O benefício residência é salário-utilidade (art. 458, § 3º, da CLT) e, como tal, integra o salário para todos os efeitos, inclusive quanto às contribuições previdenciárias.

8. As verbas pagas por liberalidade do empregador, conforme consignado pelo Tribunal de origem (gratifi cação especial liberal não ajustada, gratifi cação aposentadoria, gratifi cação especial aposentadoria, gratifi cação eventual liberal paga em rescisão complementar, gratifi cação assiduidade e complementação tempo aposentadoria), possuem natureza salarial, e não indenizatória. Inteligência do art. 457, § 1º, da CLT.

9. Dispõe o Enunciado n. 203 do TST: “A gratifi cação por tempo de serviço integra o salário para todos os efeitos legais”.

10. O abono salarial e o abono especial integram o salário, nos moldes do art. 457, § 1º, da CLT.

11. Com efeito, a Lei n. 8.212/1991 determina a incidência da Contribuição Previdenciária sobre o total da remuneração paga, com exceção das quantias expressamente arroladas no art. 28, § 9º, da mesma lei.

12. Enquanto não declaradas inconstitucionais as Leis n. 9.032/1995 e n. 9.129/1995, em controle difuso ou concentrado, sua observância é inafastável pelo Poder Judiciário (Súmula Vinculante n. 10-STF).

13. O STJ pacificou o entendimento de que não incide Contribuição Previdenciária sobre a verba paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença, porquanto não constitui salário.

14. Agravos Regimentais não providos.

(AgRg nos EDcl no REsp n. 1.098.218-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 09.11.2009).

Processual Civil. Tributário. Contribuição previdenciárias sobre verbas de natureza indenizatória (auxílio-doença). Compensação. Prescrição.

1. Extingue-se o direito de pleitear a restituição de tributo sujeito a lançamento por homologação, não sendo esta expressa, somente após o transcurso do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos contados da data em que se deu a homologação tácita (EREsp n. 435.835-SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, julgado em 24.03.2004, publicado no DJU de 04.06.2007).

2. Na sessão do dia 06.06.2007, a Corte Especial acolheu a argüição de inconstitucionalidade da expressão “observado quanto ao art. 3º o disposto no art. 106, I, da Lei n. 5.172/1966 do Código Tributário Nacional”, constante do art.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 463

4º, segunda parte, da LC n. 118/2005 (EREsp n. 644.736-PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 27.08.2007).

3. Na mesma assentada, firmou-se ainda o entendimento de que, “com o advento da LC n. 118/2005, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.2005), o prazo para a ação de repetição de indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova”.

4. O empregado afastado por motivo de doença não presta serviço e, por isso, não recebe salário, mas apenas uma verba de caráter previdenciário de seu empregador, durante os primeiros quinze dias. A descaracterização da natureza salarial da citada verba afasta a incidência da contribuição previdenciária. Precedentes.

5. Agravo regimental não provido.

(AgRg nos EDcl no REsp n. 1.076.792-RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 02.03.2009).

Tributário. Contribuição previdenciária. Auxílio quebra-de-caixa. Verba remuneratória. Incidência. Precedentes.

1. Quanto ao auxílio quebra-de-caixa, consubstanciado no pagamento efetuado mês a mês ao empregado em razão da função de caixa que desempenha, por liberalidade do empregador, a Primeira Seção desta Corte assentou a natureza não-indenizatória das gratifi cações feitas por liberalidade do empregador.

2. Infere-se, pois, de sua natureza salarial, que este integra a remuneração, razão pela qual se tem como pertinente a incidência da contribuição previdenciária sobre ela.

Embargos de declaração recebidos como agravo regimental.

Agravo regimental improvido.

(EDcl no REsp n. 733.362-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14.04.2008).

Tributário. Contribuição previdenciária. Base de cálculo. Salário contribuição. Auxílio-creche. Natureza indenizatória. “Vale-transporte”. Reexame de matéria fática. Súmula n. 7-STJ.

1. A contribuição previdenciária incide sobre base de cálculo de nítido caráter salarial, de sorte que não a integra as parcelas de natureza indenizatória.

2. O auxílio-creche, conforme precedente da Primeira Seção (EREsp n. 394.530-PR), não integra a base de cálculo da contribuição previdenciária.

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3. Uma vez que o Tribunal de origem consignou tratar-se a verba denominada “vale-transporte”, na hipótese dos autos, de uma parcela salarial, não fi cando, ademais, abstraído na decisão recorrida qualquer elemento fático capaz de impor interpretação distinta, a apreciação da tese defendida pelo recorrente implicaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada a esta Corte em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 7-STJ.

4. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

(REsp n. 664.258-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 31.05.2006).

Processual Civil. Embargos de declaração. Agravo regimental no recurso especial (Tributário. Contribuição previdenciária. Auxílio-doença, auxílio-acidente. Verbas recebidas nos 15 (quinze) primeiros dias de afastamento. Não-incidência. Auxílio-creche/ babá. Não-incidência. Salário-maternidade. Natureza jurídica. Incidência. Férias, adicional de 1/3, horas-extras e adicionais noturno, de insalubridade e de periculosidade. Acórdão recorrido que decidiu a controvérsia à luz de interpretação constitucional. Competência do colendo Supremo Tribunal Federal. Verbas de caráter remuneratório. Incidência.). Omissão. Existência.

1. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver no acórdão ou sentença, omissão, contradição ou obscuridade, nos termos do art. 535, I e II, do CPC, ou para sanar erro material.

2. O auxílio-doença pago até o 15º dia pelo empregador é inalcançável pela contribuição previdenciária, uma vez que referida verba não possui natureza remuneratória, inexistindo prestação de serviço pelo empregado, no período. Precedentes: EDcl no REsp n. 800.024-SC, Rel. Ministro Luiz Fux, DJ 10.09.2007; REsp n. 951.623-PR, Rel. Ministro José Delgado, DJ 27.09.2007; REsp n. 916.388-SC, Rel. Ministro Castro Meira, DJ 26.04.2007.

3. O auxílio-acidente ostenta natureza indenizatória, porquanto destina-se a compensar o segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, consoante o disposto no § 2º do art. 86 da Lei n. 8.213/1991, razão pela qual consubstancia verba infensa à incidência da contribuição previdenciária.

4. O salário-maternidade possui natureza salarial e integra, conseqüentemente, a base de cálculo da contribuição previdenciária.

5. O fato de ser custeado pelos cofres da Autarquia Previdenciária, porém, não exime o empregador da obrigação tributária relativamente à contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários, incluindo, na respectiva base de cálculo, o salário-maternidade auferido por suas empregadas gestantes (Lei n. 8.212/1991, art. 28, § 2º). Precedentes: AgRg no REsp n. 762.172-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, DJU de 19.12.2005; REsp n. 572.626-BA, Rel. Min. José Delgado, DJU de 20.09.2004; e REsp n. 215.476-RS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU de 27.09.1999.

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6. As verbas relativas ao 1/3 de férias, às horas extras e adicionais possuem natureza remuneratória, sendo, portanto, passíveis de contribuição previdenciária.

7. A Previdência Social é instrumento de política social do governo, sendo certo que sua fi nalidade primeira é a manutenção do nível de renda do trabalhador em casos de infortúnios ou de aposentadoria, abrangendo atividades de seguro social defi nidas como aquelas destinadas a amparar o trabalhador nos eventos previsíveis ou não, como velhice, doença, invalidez: aposentadorias, pensões, auxílio-doença e auxílio-acidente do trabalho, além de outros benefícios ao trabalhador.

8. Quanto às horas extras e demais adicionais, a jurisprudência desta Corte fi rmou-se no seguinte sentido:

Tributário. Contribuição previdenciária dos empregadores. Arts. 22 e 28 da Lei n. 8.212/1991. Salário. Salário-maternidade. Décimo-terceiro salário. Adicionais de hora-extra, trabalho noturno, insalubridade e periculosidade. Natureza salarial para fi m de inclusão na base de cálculo da contribuição previdenciária prevista no art. 195, I, da CF/1988. Súmula n. 207 do STF. Enunciado n. 60 do TST.

1. A jurisprudência deste Tribunal Superior é fi rme no sentido de que a contribuição previdenciária incide sobre o total das remunerações pagas aos empregados, inclusive sobre o 13º salário e o salário-maternidade (Súmula n. 207-STF).

2. Os adicionais noturno, hora-extra, insalubridade e periculosidade possuem caráter salarial. Iterativos precedentes do TST (Enunciado n. 60).

3. A Constituição Federal dá as linhas do Sistema Tributário Nacional e é a regra matriz de incidência tributária.

4. O legislador ordinário, ao editar a Lei n. 8.212/1991, enumera no art. 28, § 9°, quais as verbas que não fazem parte do salário-de-contribuição do empregado, e, em tal rol, não se encontra a previsão de exclusão dos adicionais de hora-extra, noturno, de periculosidade e de insalubridade.

5. Recurso conhecido em parte, e nessa parte, improvido. (REsp n. 486.697-PR, Primeira Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 17.12.2004)

9. Conseqüentemente, incólume resta o respeito ao Princípio da Legalidade, quanto à ocorrência da contribuição previdenciária sobre a retribuição percebida pelo servidor a título de um terço constitucional de férias, horas extras e adicionais de insalubridade, periculosidade e noturno.

10. Quanto à existência de pedido atinente à contribuição destinada ao SAT, sobressai o fundamento exarado pelo Tribunal de origem, no sentido de que: “Não houve pedido específi co da impetrante quanto ao SAT, uma vez que na inicial referiu: A impetrante busca, através do presente Mandado de Segurança,

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ver reconhecido o seu direito de não mais se sujeitar ao pagamento, exigido pelo INSS, das contribuições previdenciárias incidentes sobre as verbas trabalhistas que não apresentam natureza salarial/remuneratória, bem como compensar os valores indevidamente recolhidos a tal título (fl . 02).

Desta forma foi julgado seu pedido, como se depreende do relatório da sentença: Fiobras Ltda. impetrou a presente ação de mandado de segurança visando o reconhecimento da inexigibilidade das contribuições previdenciárias incidentes sobre salário-maternidade, auxílio-doença, auxílio-acidente, aviso-prévio indenizado, auxílio-creche e os adicionais noturno, de insalubridade, de periculosidade e de horas-extras. (fl . 184) Descabido, portanto, em sede de embargos de declaração, apontar omissão por não ter sido analisado ponto sob ótica não referida no pedido.”

11. Outrossim, não integra o salário-de-contribuição, para efeitos de contribuição previdenciária, o abono de férias concedido em virtude de acordo coletivo, cuja vigência perdurou durante a efi cácia da redação anterior do artigo 144 da CLT, posteriormente alterada pela Lei n. 9.528/1997, desde que não excedente de vinte dias do salário.

12. Os embargos de declaração têm como requisito de admissibilidade a indicação de algum dos vícios previstos no art. 535 do CPC, constantes do decisum embargado, não se prestando, portanto, ao rejulgamento da matéria posta nos autos, tampouco ao mero prequestionamento de dispositivos constitucionais, para a viabilização de eventual recurso extraordinário, porquanto visam unicamente completar a decisão quando presente omissão de ponto fundamental, contradição entre a fundamentação e a conclusão, ou obscuridade nas razões desenvolvidas.

13. Impõe-se a rejeição de embargos declaratórios que têm o único propósito de prequestionar a matéria objeto de recurso extraordinário a ser interposto (Precedentes: EDcl no AgRg no REsp n. 708.062-PR, Rel. Ministro Luiz Fux, DJ 13.03.2006; EDcl no REsp n. 415.872-SC, Rel. Ministro Castro Meira, DJ de 24.10.2005; e EDcl no AgRg no AG n. 630.190-MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.10.2005).

14. Embargos de declaração da empresa parcialmente acolhidos, apenas para sanar omissões atinentes ao auxílio-acidente, ao SAT e aos abonos de férias.

15. Embargos de declaração da Fazenda Nacional rejeitados.

(EDcl no REsp n. 1.010.119-SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 1º.07.2010).

Recurso especial. Tributário. Ajuda de custo. Natureza indenizatória. Contribuição previdenciária. Não-incidência.

1. A doutrina discorre sobre o conceito de ajuda de custo, afi rmando que, por natureza, possui caráter indenizatório e eventual, sendo, portanto, uma

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retribuição dada pelo empregador ao empregado que efetua alguma despesa em seu favor.

2. O regime de previdência social pressupõe, para que determinada verba seja considerada para fins de contribuição previdenciária, que essa possua natureza salarial.

3. A orientação jurisprudencial desta Corte assentou-se no sentido de que a ajuda de custo somente deixará de integrar o salário-de-contribuição quando possuir natureza meramente indenizatória e eventual. Ao reverso, quando for paga com habitualidade, terá caráter salarial e, portanto, estará sujeita à incidência da contribuição previdenciária.

Precedentes.

4. Recurso especial desprovido.

(REsp n. 443.689-PR, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 09.05.2005).

Tributário. Férias e licença-prêmio. Contribuição previdenciária. Natureza indenizatória. Não incidência.

1. As verbas rescisórias especiais recebidas pelo trabalhador a título de indenização por férias em pecúnia, licença prêmio não gozada, ausência permitida ao trabalho ou extinção do contrato de trabalho por dispensa incentivada não ensejam acréscimo patrimonial posto ostentarem caráter indenizatório.

2. Impossibilidade da incidência de contribuição previdenciária sobre verbas de natureza indenizatória.

3. Recurso especial desprovido.

(REsp n. 625.326-SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.05.2004).

(Grifo nosso).

Visto isso, cumpre defi nir se o aviso prévio indenizado teria, a despeito

dessa denominação, verdadeira natureza salarial, de modo a permitir sua

integração à base de cálculo da contribuição previdenciária.

Vejamos.

A CLT estabelece que, não havendo prazo estipulado, a parte que, sem

justo motivo, quiser rescindir o contrato de trabalho, deverá comunicar a outra a

sua intenção com a devida antecedência.

Caso a parte descumpra esse dever previsto na legislação obreira, haverá

de arcar com a consequência nela prescrita. Assim, se a parte omissa for o

empregado, o empregador terá “o direito de descontar os salários correspondentes

ao prazo respectivo” (art. 487, § 2º da CLT).

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Na situação inversa, ou seja, quando o empregador incorre em omissão no seu dever de comunicar ao trabalhador, o empregado passa a ter “o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço” (art. 487, § 1º, da CLT).

Confi ra-se:

Aviso Prévio

Art. 487 - Não havendo prazo estipulado, a parte que, sem justo motivo, quiser rescindir o contrato deverá avisar a outra da sua resolução com a antecedência mínima de:

I - oito dias, se o pagamento for efetuado por semana ou tempo inferior; (Redação dada pela Lei n. 1.530, de 26.12.1951)

II - trinta dias aos que perceberem por quinzena ou mês, ou que tenham mais de 12 (doze) meses de serviço na empresa. (Redação dada pela Lei n. 1.530, de 26.12.1951)

§ 1º - A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.

§ 2º - A falta de aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo.

§ 3º - Em se tratando de salário pago na base de tarefa, o cálculo, para os efeitos dos parágrafos anteriores, será feito de acordo com a média dos últimos 12 (doze) meses de serviço.

§ 4º - É devido o aviso prévio na despedida indireta. (Parágrafo inclu ído pela Lei n. 7.108, de 05.07.1983)

§ 5º - O valo r das horas extraordinárias habituais integra o aviso prévio indenizado. (Parágrafo incluído pela Lei n. 10.218, de 11.04.2001)

§ 6º - O reajustamento salarial coletivo, determinado no curso do aviso prévio, benefi cia o empregado pré-avisado da despedida, mesmo que tenha recebido antecipadamente os salários correspondentes ao período do aviso, que integra seu tempo de serviço para todos os efeitos legais. (Parágrafo incluído pela Lei n. 10.218, de 11.04.2001)

Art. 488 - O h orário normal de trabalho do empregado, durante o prazo do aviso, e se a rescisão tiver sido promovida pelo empregador, será reduzido de 2 (duas) horas diárias, sem prejuízo do salário integral.

Parágrafo único - É facultado ao empregado trabalhar sem a redução das 02 (duas) horas diárias previstas neste artigo, caso em que poderá faltar ao serviço, sem prejuízo do salário integral, por 01 (um) dia, na hipótese do inciso I, e por 7 (sete) dias corridos, na hipótese do inciso II do art. 487 desta Consolidação. (Incluído pela Lei n. 7.093, de 25.04.1983)

(Grifo nosso).

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 469

Desse modo, o pagamento decorrente da falta de aviso prévio, isto é, o

aviso prévio indenizado, visa reparar o dano causado ao trabalhador que não

fora alertado sobre a futura rescisão contratual com a antecedência mínima

estipulada na CLT (art. 487, inc. I e II, da CLT), bem como não pôde usufruir

da redução da jornada a que fazia jus (art. 488 da CLT).

Dessarte, não há como se conferir à referida verba o caráter salarial

pretendido pela parte recorrente, por não retribuir o trabalho mas sim reparar

um dano.

A doutrina especializada não destoa da conclusão ora apresentada.

Por pertinente, transcrevo escólio de MAURÍCIO GODINHO

DELGADO:

O pagamento do aviso prévio prestado em trabalho tem natureza nitidamente salarial: o período de seu cumprimento é retribuído por meio de salário, o que lhe confere esse inequívoco caráter.

Contudo, não se tratando de aviso prévio laborado, mas somente indenizado, não há como insistir-se em sua natureza salarial. A parcela deixou de ser adimplida por meio de labor, não recebendo a contraprestação inerente a este, o salário. Neste caso, sua natureza indenizatória inequivocadamente desponta, uma vez que se trata de ressarcimento de parcela trabalhista não adimplida mediante a equação trabalho/salário. (Grifo nosso).

(Curso de Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 1.171).

Na mesma linha de raciocínio, AMAURI MASCARO NASCIMENTO

ensina:

Assim, aviso prévio é o ato que necessariamente deve ser praticado pela parte do contrato de trabalho que deseja rescindir o vínculo jurídico, e consiste numa manifestação desse propósito, mas também é denominado aviso prévio o prazo remanescente da relação de emprego a ser observado pelas partes até o término da sua duração, como, ainda, aviso prévio é o modo pelo qual é denominada uma indenização substitutiva paga em alguns casos à falta do cumprimento em tempo desse prazo.

(...)

Quando a ruptura do contrato de trabalho é de iniciativa imotivada do empregador, o empregado tem direito a reparações pela perda do emprego com uma indenização.

As teorias que fundamentam o direito do empregado à indenização são três: a teoria do abuso de direito, a teria do crédito e a teoria do risco.

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Para a teoria do abuso de direito, criada pela jurisprudência francesa e com base no Código Civil, quem rescinde o contrato só por tal motivo comente uma falta, salvo se houver justo motivo, daí o direito à indenização daquele que não causou a ruptura do vínculo jurídico.

Segundo a teoria do crédito, de origem italiana, o empregado ao prestar sucessivamente serviços ao empregador vai acumulando um crédito sob a forma de indenização a ser paga por ocasião da rescisão contratual.

De acordo com a teoria do risco, tudo quanto cabe indagar de modo geral é a quem devem caber os riscos da rescisão, se ao empregado, caso em que suportará os efeitos do seu comportamento, não tendo direito à indenização; se ao empregador, hipótese na qual terá de ressarcir o trabalhador, indenizando-o; ou a ambos, com o que deve ser repartido o ônus entre empregado e empregador.

(Grifo nosso).

(In Curso de Direito do Trabalho. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 782 e 788-789).

O próprio Tribunal Superior do Trabalho, em diversos julgados, vem

encampando a tese que afasta a natureza salarial do aviso prévio indenizado.

Nesse sentido, cito precedentes recentes de todas as Turmas da referida

Corte Superior: RR – n. 6140-10.2004.5.04.0831, Rel. Min. Pedro Paulo

Manus, 7ª Turma, Data de Publicação: 13.08.2010; RR – n. 67600-

79.2004.5.03.0037, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 30.06.2010, 2ª Turma,

Data de Publicação: 13.08.2010; RR – n. 58500-87.2009.5.24.0022, Rel.

Min. Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, Data de Publicação: 6.08.2010; RR

– n. 32100-63.2009.5.14.0006, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, 5ª Turma,

Data de Publicação: 06.08.2010; RR – n. 20400-21.2008.5.06.0371, Rel.

Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação:

28.06.2010; AIRR – n. 78840-64.2005.5.04.0017, Rel. Min. Dora Maria

da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: 04.06.2010; AIRR – n. 96440-

58.2003.5.04.0732, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de

Publicação: 27.03.2009; e RR – n. 2818000-13.2006.5.11.0010, Rel. Min.

Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: 07.05.2010.

Logo, por não ter natureza salarial, não incide sobre a parcela paga a título

de aviso prévio indenizado a contribuição previdenciária.

A Fazenda Pública aduz, ainda, outra tese recursal que merece ser

analisada. Defende que o § 9º do art. 28 da Lei n. 8.212/1991, em sua redação

original, excluía expressamente o aviso prévio indenizado da base de cálculo

do salário-de-contribuição. Contudo, aduz que em sua redação atual, conferida

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 331-471, janeiro/março 2011 471

pela Lei n. 9.528/1997, o referido dispositivo não faz mais tal exclusão, de modo

que defende a possibilidade de sua tributação a partir da referida mudança

legislativa.

Penso não ter razão a Fazenda Pública.

A regra de incidência do tributo deve ser interpretada a partir do veículo

normativo que o instituiu - no caso, como visto, o art. 22, inc. I, da Lei n.

8.212/1991 - e não pela regra que o excepciona - o art. 28, § 9º, da Lei n.

8.212/1991.

Antes de verifi car se determinada verba paga está enquadrada no rol de

exceção do referido § 9º, é preciso defi nir, preliminarmente, se ela compõe a base

de cálculo da exação, nos termos do art. 22, inc. I, acima transcrito.

In casu, esta Corte já defi niu que verba indenizatória não integra a base de

cálculo do referido tributo, mas somente a de natureza salarial, e o aviso prévio

indenizado, com perdão pela redundância, tem natureza indenizatória.

Por fi m, destaco que não se justifi ca alargar a regra-matriz de incidência

pelo fato de o período relativo ao aviso prévio ser contabilizado no tempo de

serviço do trabalhador (art. 487, § 1º, da CLT), pois essa circunstância escapa

totalmente à regra instituidora da exação.

Embora possa vir a ter repercussão na seara previdenciária, no campo do

Direito Tributário não se pode instituir ou majorar tributos sem que a lei o

estabeleça expressamente, e, no caso, a lei instituidora não comporta a incidência

do tributo sobre verba indenizatória.

Tanto assim que, mesmo antes da Lei n. 9.528/1997, quando a legislação

excluía expressamente o aviso prévio indenizado da base de cálculo do salário

de contribuição, a CLT já estabelecia que o referido período seria integrado ao

tempo de serviço do trabalhador (art. 487, § 1º, da CLT), independentemente

de haver o pagamento da exação em relação a essa verba.

Dessarte, é compatível com o ordenamento jurídico a previsão da anotação

do tempo de serviço independentemente do pagamento da contribuição

previdenciária pela empresa, conforme se observava no regime anterior ao da

Lei n. 9.528/1997.

Com essas considerações, voto por negar provimento ao recurso especial.

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Segunda Seção

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 101.401-SP (2008/0266015-4)

Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti

Autor: E F F

Advogado: Francisco Cláudio de Almeida Santos e outro(s)

Réu: G C S

Advogado: Guilherme Chaves Sant’Anna

Interessado: S M F F - Interdito

Advogado: Guilherme Chaves Sant’Anna - Curador especial

Interessado: E M F F

Suscitante: Juízo de Direito da 1ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo-SP

Suscitado: Juízo de Direito da 3ª Vara de Família de Brasília-DF

EMENTA

Civil. Processual Civil. Conflito de competência. Ação de interdição. Ação de remoção de curador. Autonomia.

1. A remoção de curador é postulada em ação autônoma (CPC, arts. 1.195 a 1.197), que não guarda relação de acessoriedade com a ação de interdição já fi nda. A circunstância de o curador nomeado ter domicílio em São Paulo, foro onde se processou a ação de interdição, não afasta a competência territorial do Juízo do Distrito Federal, onde têm domicílio a interdita e sua mãe, titular do direito de guarda, para a ação de remoção do curador. Princípio do melhor interesse do incapaz.

2. Conflito de competência conhecido, para declarar a competência do Juízo suscitado.

ACÓRDÃO

A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito de competência e declarou competente o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família de Brasília - DF, o suscitado, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

476

Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília (DF), 10 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora

DJe 23.11.2010

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Isabel Gallotti: Trata-se de confl ito positivo de competência

suscitado pelo Juízo da 1ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo-SP, em

face de decisão proferida pela Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça

do Distrito Federal e Territórios que, em agravo de instrumento, reconheceu

a competência do Juízo de Direito da 3ª Vara de Família de Brasília-DF para

processar e julgar ação de remoção de curador ajuizada por Egle Fincato Fleury

em desfavor de Guilherme Chaves Sant’Anna.

Conforme historia o Juízo suscitante, “Eleonora Maria Fincato Fleury

e outro requereram a interdição de Simoneta Maria Fincato Fleury perante

este Juízo da 1ª Vara de Família e das Sucessões - Central de São Paulo-SP,

pedido este que, por sentença proferida em 23.11.2002, foi julgado procedente,

decretando-se a interdição pleiteada e nomeando-se curador dativo o Sr. José

Fincato Fleury, residente em Brasília-DF”, tendo sido ele substituído por

Guilherme Chaves Sant’Anna.

Em 2007 a mãe da interditada, Egle Fincato Fleury, ajuizou demanda

de remoção de curador perante o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família de

Brasília-DF, visando, assim, à substituição de Guilherme Chaves Sant’Anna

que, por sua vez, noticiou nos autos a existência de ação de interdição em curso

perante o Juízo suscitante que requereu, então, ao suscitado, a remessa dos autos,

em razão da prevenção.

O Juízo de Direito da 3ª Vara de Família de Brasília-DF declinou da sua

competência ao fundamento de que “se trata de uma questão de competência

funcional, pois cabe ao Juízo que decretou a interdição fi scalizar o exercício

da curatela e resolver incidentes a ela relacionados”, decisão contra a qual se

insurgiu, por meio de agravo de instrumento, a autora da ação de remoção de

curador.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 473-481, janeiro/março 2011 477

A 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

deu parcial provimento ao agravo, reconhecendo a competência do juízo

suscitado, Juízo de Direito da 3ª Vara de Família de Brasília-DF, conforme

acórdão, da relatoria da Desembargadora Vera Andrighi, assim ementado:

Ação de remoção de curador. Interdição. Competência.

I - A ação de remoção de curador é autônoma; não é incidente da ação de interdição, com amplo contraditório e segue o procedimento das cautelares, arts. 1.195 e 1.196 do CPC.

II - A competência é de natureza territorial e não funcional, por isso a remoção de curador deve se processar no domicílio da interditada e não no foro onde se processou a interdição.

III - Agravo de instrumento parcialmente provido.

Em razão dessa decisão foi suscitado o presente conflito positivo de

competência, por entender o Juízo suscitante que, “muito embora a interdita

resida em Brasília, na companhia de sua genitora, Egle Fincato Fleury, tem

como domicílio necessário o de seu representante legal, ou seja, seu curador, nos

expressos termos do artigo 76, parágrafo único, do Código Civil”.

Foi proferida decisão, pelo então relator, Desembargador Federal

Convocado Carlos Fernando Mathias, na qual designou o Juízo Suscitado para

decidir acerca das questões urgentes (fl s. 73-74).

O Ministério Público Federal ofereceu parecer (fl s. 97-101) opinando

pelo conhecimento do confl ito, para que se declare a competência do Juízo

Suscitante.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Isabel Gallotti (Relatora): A Desembargadora Vera

Andrighi, do Tribunal e Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao julgar o

agravo de instrumento contra a decisão que determinou a remessa dos autos da

ação de remoção de curador para Juízo da 1ª Vara de Família e das Sucessões -

Central de São Paulo-SP, perante o qual tramitou a ação de interdição, adotou

os seguintes fundamentos:

(...)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

478

A nomeação de curador e a assunção do encargo constituem efeitos da sentença que decreta a interdição, consoante arts. 1.187 e seguintes do CPC.

Todavia, a remoção do curador é postulada em ação própria, autônoma, que segue o processo cautelar, arts. 1.195 e 1.196 do CPC. Nela, há amplo contraditório, a fi m de se perquirir a existência ou não das hipóteses dos arts. 413 e 445 do CC/1916, atuais arts. 1.735 e 1.766 do CC/2002, as quais embasam referido pedido de remoção.

Dessa forma, a remoção do curador, com respeitosa vênia, não constitui incidente do processo em que foi decretada a interdição, e a hipótese não é de competência funcional, mas territorial.

Além disso, deve-se registrar que a interditada reside em Brasília, com sua genitora, o que também justifi ca a manutenção da competência da Terceira Vara de Família desta Capital, porque tal solução revela-se mais benéfi ca para os seus interesses, visto que aqui está domiciliada.

Consigno, também, que, apesar de constar dos autos mandado de busca e apreensão da interditada, expedido pela Justiça de São Paulo, em 05.06.2000 (fl . 238-9), há decisão posterior daquela Justiça, de 06.02.2003 (AGI n. 255.749-4/8-00, fl s. 67-70), na qual consta expressamente ser do conhecimento do Juízo a fi xação do domicílio da agravante e de sua fi lha nesta Capital. Eis o teor do referido julgado, in verbis:

Decretada a interdição de S.M.F.F., com nomeação de curador dativo, reconheceu a sentença que sua genitora, E.F.F., possuía condições de com ela permanecer, fi cando ao encargo desta última decidir acerca da fi xação de seu domicílio (...) Diante desta autorização judicial, as agravadas fi xaram domicílio em Brasília.

(...)

Mais razoável, portanto, seria, como será, a realização da audiência no foro da comarca onde a interdita possui seu domicílio fi xado; vale dizer, em Brasília, com o conseqüente deslocamento do próprio Curador Dativo para lá. Providência esta, bem é de ver-se, menos onerosa e menos traumática para a própria interdita.

Frise-se, em adminúculo, que, como referido, o próprio Juiz, na sentença monocrática, autorizou que a genitora da interdita fi xasse seu domicílio onde quisesse, donde se depreende inexistir óbice judicial ou mesmo legal para que ambas residam em Brasília, pelo que seria, até, tecnicamente inadmissível fossem ambas compelidas a deslocar-se para São Paulo com a única e exclusiva fi nalidade de verifi car como está a interdita.

Nesse mesmo sentido, o r. parecer exarado pelo Exmo. Promotor de Justiça em exercício na Procuradoria de Justiça Cível, Dr. Gladaniel Palmeira de Carvalho, in verbis:

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 473-481, janeiro/março 2011 479

O contexto dos autos aponta a necessidade de revisão da r. Decisão atacada.

Inicialmente observa-se que a ação de interdição ajuizada por E.M.F.F. em que pede que seja interditada S.M.F.F. já recebeu resposta do Estado, via a r. Sentença de fl s. 191-194. A hipótese em discussão visa resolver uma situação que efetivamente seja mais favorável à interditada e que no momento reside em Brasília, onde recebe os devidos cuidados de sua mãe, ora Agravante.

O exame dos autos revela que o atual domicílio da interditada é de pleno conhecimento do Juízo de São Paulo. Além disso, sabe-se que no processo de jurisdição voluntária não se pode cogitar de coisa julgada material, podendo, portanto, fatos posteriores serem reexaminados como ocorre na espécie.

Assim, data vênia não merece prosperar a r. decisão a quo que declinou a competência para o Juízo da 1ª Vara de Família de Órfãos e Sucessões da Comarca de São Paulo-SP com fundamento na competência funcional, não se podendo desprezar o aspecto do atual domicílio da interditada.

É válido ainda salientar que a ora Agravante possui a guarda da interditada, o que permite, permissa vênia, que a ação proposta receba o julgamento na Vara de Família da Circunscrição Especial de Brasília-DF. (fl s. 263-4)

Acresço, por fi m, que a agravante sustenta a necessidade de remessa dos autos da interdição para Brasília; todavia, tal questão não foi objeto da decisão agravada, por isso não cabe sua análise nesta sede recursal.

Isso posto, conheço parcialmente do agravo de instrumento e dou parcial provimento apenas para fi rmar a competência da Terceira Vara de Família da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília para processar e julgar a ação de remoção de curador.

O Desembargador Federal Convocado, Carlos Fernando Mathias, por

sua vez, concedeu a liminar aqui pleiteada, designando o Juízo de Direito da 3ª

Vara de Família de Brasília para decidir sobre as questões urgentes, com esses

fundamentos:

(...)

Contudo, observa-se - em juízo de prelibação, sem qualquer prejulgamento, sublinhe-se - que o feito que tramita em Brasília não é acessório daquele que corre em São Paulo, uma vez que a destituição de curatela é processo autônomo tendo subsistência própria.

Tratando-se, o processo que corre em Brasília, de feito fundado em fatos novos e com caráter modifi cativo, parece-nos prudente que a competência do foro

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

480

em que reside a interditada deva ser prestigiado, in casu, para a resolução das medidas urgentes que se fi zerem necessárias.

Correto o entendimento acima exposto.

Com efeito, estando a interditada residindo em Brasília junto com sua mãe, que lhe detém a guarda e é a autora da ação de remoção de curador, afi gura-se mais condizente com os interesses da interditada que a demanda seja processada no local em que reside, priorizando-se, desse modo, a proteção dos seus legítimos interesses e facilitando a instrução e o acesso do Juízo à incapaz.

Tanto a ação de interdição, quanto a de remoção de curador, tem conteúdo eminentemente protetivo da pessoa incapaz, e somente no interesse desta é que devem ser decididas as questões que se coloquem enquanto durar a interdição.

O Código de Processo Civil prevê ação autônoma para a remoção de curador (arts. 1.194-1.196), com citação, contestação e amplo procedimento probatório, demonstrando, assim, a sua independência em relação à ação de interdição que se fi ndou com a decretação dela, não mais subsistindo motivos para manter-se a ela vinculados, enquanto durar, os processos que possam dela advir, tal como o de remoção de curador.

Na ação de interdição busca-se provar a incapacidade do interdito, já na ação de remoção do curador essa questão não mais será discutida, sendo objeto da demanda tão-somente os atos do curador que possam indicar desempenho inadequado da função e vir a justifi car a sua remoção. Ou seja, tratam-se de demandas distintas, com causa de pedir e pedido diferentes, a despeito de terem, em comum, a pessoa incapaz que foi objeto da ação de interdição.

A circunstância de a ação de remoção de curador ter como pressuposto a decretação prévia da interdição não tem o condão de, por si só, determinar a acessoriedade daquela em relação a esta, já que as questões postas em ambas são diferentes e não guardam relação de conexidade quando já fi ndo o processo de interdição.

A relação de acessoriedade (CPC, art. 108) justifi caria a prevenção do juízo perante o qual tramita a interdição se o processo de interdição ainda estivesse se desenvolvendo. No caso, todavia, fi ndou-se o processo de interdição com a sentença proferida em 2002; não mais se discute a interdição, mas o pleito de remoção de curador, baseado em fatos posteriores.

Este entendimento encontra apoio na jurisprudência desta Corte, formada a propósito da competência para julgamento de processos referentes à guarda de menores:

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 473-481, janeiro/março 2011 481

Processo Civil. Regras processuais. Gerais e especiais. Direito da Criança e do Adolescente. Competência. Adoção e guarda. Princípios do melhor interesse da criança e do juízo imediato.

1. A determinação da competência, em casos de disputa judicial sobre a guarda – ou mesmo a adoção – de infante deve garantir primazia ao melhor interesse da criança, mesmo que isso implique em fl exibilização de outras normas.

2. O princípio do juízo imediato estabelece que a competência para apreciar e julgar medidas, ações e procedimentos que tutelam interesses, direitos e garantias positivados no ECA é determinada pelo lugar onde a criança ou o adolescente exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e comunitária.

3. Embora seja compreendido como regra de competência territorial, o art. 147, I e II, do ECA apresenta natureza de competência absoluta. Isso porque a necessidade de assegurar ao infante a convivência familiar e comunitária, bem como de lhe ofertar a prestação jurisdicional de forma prioritária, conferem caráter imperativo à determinação da competência.

4. O princípio do juízo imediato, previsto no art. 147, I e II, do ECA, desde que fi rmemente atrelado ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, sobrepõe-se às regras gerais de competência do CPC.

5. A regra da perpetuatio jurisdictionis, estabelecida no art. 87 do CPC, cede lugar à solução que oferece tutela jurisdicional mais ágil, eficaz e segura ao infante, permitindo, desse modo, a modifi cação da competência no curso do processo, sempre consideradas as peculiaridades da lide.

6. A aplicação do art. 87 do CPC, em contraposição ao art. 147, I e II, do ECA, somente é possível se – consideradas as especifi cidades de cada lide e sempre tendo como baliza o princípio do melhor interesse da criança – ocorrer mudança de domicílio da criança e de seus responsáveis depois de iniciada a ação e consequentemente confi gurada a relação processual.

7. Conflito negativo de competência conhecido para estabelecer como competente o Juízo suscitado.

(CC n. 111.130-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, 2ª Seção, jul. 08.09.2010)

Em face do exposto, conheço do confl ito para declarar competente o Juízo

suscitado, Juízo de Direito da 3ª Vara de Família de Brasília-DF, no qual já se

encontram os autos da Ação de Remoção de Curador n. 2007.01.1.045940-5,

por força da liminar aqui deferida.

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Terceira Turma

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RECURSO ESPECIAL N. 118.360-SP (1997/0007988-0)

Relator: Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do

TJ-RS)

Recorrente: Itamarati Terraplenagem Ltda

Advogado: Antônio Bianchini Neto e outro(s)

Recorrido: Município de São Bernardo do Campo

Advogado: Antônio Artur de Lima e outro(s)

EMENTA

Civil e Processual Civil. Julgamento extra petita. Inocorrência.

Ação reivindicatória. Título de propriedade. Sentença de usucapião.

Natureza jurídica (declaratória). Forma de aquisição originária.

Finalidade do registro no cartório de imóveis. Publicidade e direito de

dispor do usucapiente. Recurso desprovido.

1. Não há falar em julgamento extra petita, pois “cabe

exclusivamente ao julgador a aplicação do direito à espécie, fi xando

as conseqüências jurídicas diante dos fatos narrados pelas partes

consoante os brocardos da mihi factum dabo tibi ius e jura novit curia”

(EDcl no REsp n. 472.533-MS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ

26.09.2005).

2. A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade;

ou seja, não há transferência de domínio ou vinculação entre o

proprietário anterior e o usucapiente.

3. A sentença proferida no processo de usucapião (art. 941 do

CPC) possui natureza meramente declaratória (e não constitutiva),

pois apenas reconhece, com oponibilidade erga omnes, um direito já

existente com a posse ad usucapionem, exalando, por isso mesmo, efeitos

ex tunc. O efeito retroativo da sentença se dá desde a consumação da

prescrição aquisitiva.

4. O registro da sentença de usucapião no cartório extrajudicial

não é essencial para a consolidação da propriedade imobiliária,

porquanto, ao contrário do que ocorre com as aquisições derivadas de

imóveis, o ato registral, em tais casos, não possui caráter constitutivo.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

486

Assim, a sentença oriunda do processo de usucapião é tão somente

título para registro (arts. 945 do CPC; 550 do CC/1916; 1.241,

parágrafo único, do CC/2002) - e não título constitutivo do direito

do usucapiente, buscando este, com a demanda, atribuir segurança

jurídica e efeitos de coisa julgada com a declaração formal de sua

condição.

5. O registro da usucapião no cartório de imóveis serve não para

constituir, mas para dar publicidade à aquisição originária (alertando

terceiros), bem como para permitir o exercício do ius disponendi

(direito de dispor), além de regularizar o próprio registro cartorial.

6. Recurso especial a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento

ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os

Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Paulo de Tarso Sanseverino

votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro

Sidnei Beneti.

Brasília (DF), 16 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS),

Relator

DJe 02.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS): Trata-se de recurso especial interposto por Itamarati Terraplenagem Ltda,

com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, manejado contra acórdão

proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Colhe-se dos autos que o Município de São Bernardo do Campo ajuizou ação

reivindicatória, cumulada com imissão na posse, em desfavor da ora recorrente,

alegando ser proprietário de determinado terreno.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 487

O MM. Juiz de primeiro grau julgou procedente o pedido, condenando a

ré a restituir o imóvel, eis que o título dominial do Município reivindicante teria

precedência, por derivar de carta de adjudicação extraída de ação de usucapião,

cuja sentença ostentaria caráter declaratório (fl s. 321-324).

Interposta apelação pela empresa demandada, a Corte de Justiça estadual

conheceu do recurso, mas lhe negou provimento, em acórdão assim ementado:

Reivindicatória procedente. Usucapião é modo originário de aquisição do domínio. Declaratória e não constitutiva a sentença que o reconhece. O registro só é exigível para o exercício do direito de dispor e assegurar o histórico do direito de propriedade, através das sucessões. O domínio preexiste a ele, que fi gura como simples refl etor. Precedência sobre registro embora com anterioridade sobre a inexigível transcrição da sentença do usucapião. Recurso não provido. (fl . 359)

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fl s. 375-377).

Por isso o presente recurso especial, no qual se aponta violação dos arts.

2º, 128 e 460 do CPC, 530, 531, 533, 534, 550, 856 e 860, parágrafo único, do

CC/1916 e 167, I, da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973).

A recorrente alega, em síntese, a ocorrência de julgamento extra petita,

porquanto a matéria acerca da usucapião só foi ventilada pelo perito em seu

laudo, e não pelo autor na inicial.

Aduz, também, que seu título de propriedade foi registrado em data

anterior ao do recorrido, sendo, portanto, a legítima proprietária da área

reivindicada. Acrescenta, ainda, ser indispensável, para haver o aperfeiçoamento

da titularidade e do domínio sobre imóvel, o registro em cartório da sentença

proferida em ação de usucapião, haja vista não possuir ela natureza declaratória,

mas constitutiva (fl s. 393-402).

Após o oferecimento de contrarrazões (fl s. 414-422), o recurso foi admitido

na origem (fl s. 424-427).

O Ministério Público Federal opina, às fl s. 435-439, pelo não conhecimento

do recurso, em parecer assim sumariado:

Usucapião é modo originário de aquisição de domínio. A transcrição da sentença que o declara é exigida para o exercício do ius disponendi, mas não é constitutiva.

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

488

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS) (Relator): Prequestionados os dispositivos legais apontados pela recorrente

como malferidos e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade

recursal, impõe-se o conhecimento do especial.

Cinge-se a controvérsia em saber: I) se ocorreu, na espécie, julgamento

extra petita; e II) se a sentença proferida no processo de usucapião possui caráter

declaratório ou se ostenta natureza constitutiva, que se aperfeiçoa somente com

o seu registro no cartório de imóveis.

I) DO JULGAMENTO EXTRA PETITA

Não se verifi ca, in casu, o alegado julgamento extra petita.

Isso porque o autor ajuizou ação reivindicatória cumulada com imissão

na posse, alegando ser o legítimo proprietário do terreno objeto da lide, tendo

indicado e trazido como título a sentença de usucapião (proferida em 1956) a

qual foi registrada no cartório de imóveis em 1966.

É cediço que na ação de reivindicação busca-se reaver o imóvel de quem

injustamente o possua ou detenha, devendo o autor comprovar o direito de

propriedade.

Desse modo, o magistrado, para a solução da demanda, necessita examinar

os títulos de domínio apresentados pelas partes e interpretá-los segundo a sua

livre convicção e a legislação em vigor, não fi cando limitado às meras datas

veiculadas nas peças processuais.

Desta feita, não há falar em alteração da causa de pedir ou em julgamento

além dos limites da lide o simples fato do julgador considerar como título

representativo da propriedade a sentença de usucapião (e não o registro dela

no cartório de imóveis), até porque tais documentos foram trazidos pelo

demandante juntamente com a inicial e este afi rmou ser o legítimo proprietário

da gleba.

Esta Corte Superior já decidiu que “cabe exclusivamente ao julgador a

aplicação do direito à espécie, fi xando as conseqüências jurídicas diante dos

fatos narrados pelas partes consoante os brocardos da mihi factum dabo tibi ius e

jura novit curia” (EDcl no REsp n. 472.533-MS, Rel. Min. Fernando Gonçalves,

DJ 26.09.2005).

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RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 489

A propósito, vale também conferir o seguinte precedente:

Processo Civil. Falência. Petição inicial. Errôneo enquadramento legal. Irrelevância. Brocardos iura novit curia e da mihi factum dabo tibi ius. Causa petendi. Ação revocatória. Alienação de direito de uso de linha telefônica. Período suspeito. Inefi cácia em relação a massa.

I - Segundo já afi rmado em precedente (REsp n. 2.403-RS) “não se verifi ca alteração da causa de pedir quando se atribui ao fato ou ao conjunto de fatos qualifi cação jurídica diversa da originariamente atribuída. Incumbindo ao juiz a subsunção do fato norma, ou seja, a categorização jurídica do fato, inocorre modifi cação da causa petendi se há compatibilidade do fato descrito com a nova qualifi cação jurídica ou com o novo enunciado legal”.

II - A alienação de direito de uso de linha telefônica realizada dentro do termo legal de falência pode confi gurar ato de venda ou transferência de estabelecimento comercial, tal como disciplinado no inciso VIII do art. 52, do DL n. 7.661/1945, hipótese em que, independentemente de ter ou não havido intenção de fraudar credores (elemento subjetivo), deve ser declarada inefi caz em relação a massa. (REsp n. 9.647-SP, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, DJ 26.04.1993)

II) DA NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA PROFERIDA

NA AÇÃO DE USUCAPIÃO

Sobre o tema, em que pesem haver posicionamentos doutrinários

divergentes, perfi lho do entendimento de que a usucapião é modo originário

de aquisição da propriedade; ou seja, não há transferência de domínio ou

vinculação entre o proprietário anterior e o usucapiente. Desse modo, satisfeitos

os requisitos legais da usucapião (como a posse, o animus domini, o tempo e a

inércia do proprietário), adquire-se o bem diretamente, sem a perquirição da

idoneidade dos títulos outrora registrados.

Outrossim, a sentença proferida no processo de usucapião (art. 941 do

CPC) ostenta índole meramente declaratória (e não constitutiva), pois apenas

reconhece, com oponibilidade erga omnes, um direito já existente com a posse

ad usucapionem, exalando, por isso mesmo, efeitos ex tunc. É dizer, o efeito

retroativo da sentença se dá desde a consumação da prescrição aquisitiva.

Destarte, o registro da sentença de usucapião no cartório extrajudicial não

é essencial para a consolidação da propriedade imobiliária, porquanto, ao revés

do que ocorre com as aquisições derivadas de imóveis, o ato registral, em tais

casos, não possui caráter constitutivo.

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Desse modo, a sentença oriunda do processo de usucapião é tão somente

título para registro (arts. 945 do CPC; 550 do CC/1916; 1.241, parágrafo único,

do CC/2002) - e não título constitutivo do direito do usucapiente, buscando

este, com a demanda, atribuir segurança jurídica e efeitos de coisa julgada com a

declaração formal de sua condição.

Logo, o registro da usucapião no cartório de imóveis serve não para

constituir, mas para dar publicidade à aquisição originária (alertando terceiros),

bem como para permitir o exercício do ius disponendi (direito de dispor), além

de regularizar, por óbvio, o próprio registro cartorial.

A respeito, as seguintes ponderações feitas por BENEDITO SILVÉRIO

RIBEIRO, em sua obra Tratado de Usucapião:

No que tange à procedência, a aquisição da propriedade pode ocorrer de forma originária ou derivada.

Quanto à primeira forma, alguém se torna dono de uma coisa que nunca esteve sob o domínio de outrem, inexistindo transmissão, sob qualquer modo.

(...)

A segunda forma de aquisição da propriedade se diz derivada e ocorre quando o adquirente sucede o proprietário no seu precedente direito. É o caso da especifi cação, da confusão, da comistão, da tradição e, enfi m, de toda e qualquer transmissão. Há um inteiro relacionamento entre o domínio atual e o anterior, isto é, entre o sucessor e o antecessor.

Autores há que entendem ser a usucapião modo originário de aquisição, na sua maioria, ao passo que aqueles que dizem ser derivado apóiam-se na negligência ou prolongada inércia do seu proprietário com o non usus da coisa, bem como no fundamento de que não surge um direito novo, permanecendo o do antigo dono até o reconhecimento pela usucapião.

Porém a considerar o modo de aquisição como derivado, infalivelmente teríamos que consignar que todo imóvel usucapiendo teria um primitivo proprietário, o que seria difícil provar quando ausente, incerto ou desconhecido, ou ainda quando não fi gurasse transcrito no registro imobiliário.

(...)

A posse e o tempo concretizam uma situação fática que se estabelece independentemente do querer ou não querer do real proprietário. A causa fática foi a inércia do antigo possuidor ou proprietário em face da atualidade da posse do novo possuidor usucapiente. Não há liame, por menor que seja, entre a posse reconhecida ex novo e o direito do antigo titular. O que basta para a confi guração é a análise da posse atual. Perfeita esta, constituída está a usucapião, na realidade de fato, surgindo a sentença como mera declaração judicial da mesma. Não

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havendo necessidade de se examinarem os títulos precedentes, visto que, por melhores que fossem, sucumbidos estariam diante da posse mansa e pacífi ca, de modo ininterrupto, pelo lapso legalmente previsto, estaremos, seguramente, diante de uma aquisição originária.

(...)

A usucapião é, tal como a transcrição, modo de adquirir domínio. É modo originário de adquirir domínio, com a perda do antigo dono, cujo direito sucumbe em face da aquisição. O proprietário, como já ensinava Lafayette, perde o domínio porque o adquire o possuidor. A transcrição no caso exige-se para o exercício do jus disponendi, mas não é constitutiva.

(...)

O efeito primacial da usucapião, forma de adquirir o domínio, é a formação de título ao prescribente, com oponibilidade erga omnes.

A propriedade fi ca, dessa forma, transferida ao possuidor.

(...). É sabido, ainda, que a sentença proferida em processo de usucapião ostenta cunho declaratório, não sendo atributiva do domínio, projetando efeitos para época passada, operando-se ex tunc.

(...)

Portanto, o efeito retroativo da prescrição aquisitiva é de fundamental importância no campo dos negócios, estando vencido o entendimento esposado por aqueles que aceitam verifi cada a aquisição com o registro do título. (In: “Tratado de Usucapião”, vol. 1, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, fl s. 169-172 e 193-194).

Cumpre colacionar, também, por pertinente, a sempre válida lição de

PONTES DE MIRANDA, que, com sua argúcia singular, desvela a ação de

usucapião e os efeitos da sentença:

1. Não se adquire “de alguém” pela usucapião. Na usucapião, o fato principal é a posse, sufi ciente para originariamente se adquirir; não, para se adquirir de alguém. É bem possível que o novo direito se tenha começado a formar, antes que o velho se extinguisse. Chega momento em que esse não mais pode subsistir, suplantado por aquele. Dá-se, então, impossibilidade de coexistência, e não sucessão, ou nascer de um outro. Nenhum ponto entre os dois marca a continuidade. Nenhuma relação, tampouco, entre o perdente do direito de propriedade e o usucapiente. (...)

(...)

A ação de usucapião, que se não confunde com a Publiciana actio, é ação declarativa, com elemento eventual (necessário, em se tratando de imóvel) do registro da sentença, efeito mandamental que erradamente se tem querido exagerar. O seu procedimento é pessoal e edital (Código de Processo Civil, art. 942), qualquer que ele seja.

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O registro da sentença é efeito mandamental, que não basta para a classifi cação da sentença.

Os que pensam ser constitutiva a ação de usucapião, esses cometem, de uma vez, dois erros: a) julgam que só se usucape no momento da sentença e, preocupados com os dois conceitos de declaratividade e de constitutividade segundo o direito material, têm o pretenso efeito ex nunc por sinal necessário e sufi ciente de constitutividade da ação (conceito de direito processual, na classifi cação das ações); b) têm a efi cácia sentencial de registro, segundo o art. 945, como efi cácia constitutiva, quando, em verdade, é mandamental. Por onde se vê que, se esse elemento fosse preponderante, a ação e a sentença seriam mandamentais, e não constitutivas. Não é mandamental, ademais, porque se sentencia que existe a relação jurídica da propriedade usucapida.

A sentença diz, na ação de usucapião, que a certo momento se usucapiu. É isso o que se declara. O registro só tem efeitos que concernem ao próprio registro ou à publicidade. Não é a partir dele que começa a nova propriedade. A nova propriedade - entenda-se a titularidade, ou no tempo, a única titularidade, porque se pode dar que se haja usucapido res nullius imobiliária - é anterior à sentença, e a sentença declara-a. (In: Tratado da Ações, Tomo II - Ações declarativas, Campinas: Bookseller, 1998, fl s. 227-229).

O Supremo Tribunal Federal, quando lhe competia apreciar questões de

natureza infraconstitucional, também já se pronunciou sobre o tema sob exame,

como se colhe dos seguintes precedentes:

O usucapião pode ser oposto, como defesa, (é o caso) independentemente de sentença anterior, que o declare e que, registrada sirva de título ao dominus. O usucapião é, como a transcrição, modo de adquirir domínio. É modo originário de adquirir domínio, com a perda do antigo dono, cujo direito sucumbe em face da aquisição. O proprietário, como já ensinava Lafayette, perde o domínio porque o adquire o possuidor. A transcrição, no caso, exige-se para o exercício do ius disponendi; mas não é constitutiva. (RE n. 8.952-MG, Rel. Min. Orozimbo Nonato, DJ 19.08.1948)

Tenho por aplicável... ao direito brasileiro, a afi rmação de Alas, Bueno e Ramos de que pode o usucapião ser oposto como defesa, provados os seus extremos, ope exceptionibus. E é o que orna com a natureza do usucapião, que não constitui apenas, como pretendem Aubry et Rau e outros, prova legal de aquisição, mas, fundamentalmente, modo de adquirir. Concordo em que seja a transcrição obrigatória para o exercício do ius disponendi, mas não é dessa transcrição que, nesse caso, deriva o domínio, mas do usucapião mesmo, o que constitui modo originário de aquisição de domínio. Daí, dizer Serpa Lopes ser a transcrição

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obrigatória, mas não constitutiva (Tratado dos Registros Públicos, vol. IV, p. 101 in fi ne). Tenho como certo que o art. 550 do Cód. Civ. renuncia, em sua primeira parte, o princípio da aquisição do domínio pela posse ininterrupta e inadversada, e com animus domini durante trinta anos, dispensando-se neste caso qualquer título e a boa fé mesma, que se presumira invencivelmente, legis et de lege. Se a aquisição do domínio independe de título, não poderá provir da sentença que, registrada, é o título do usucapiente. Por isso é que, em sua segunda parte, faculta o art. 550 do Código Civil o lôgro, no caso, de um título, que será a sentença declaratória. (RE n. 18.241-MG, Rel. Min. Orozimbo Nonato, DJ 10.01.1952)

O Ministério Público Federal, perfilhando do mesmo entendimento

exposto alhures, também assinalou em seu parecer, da lavra do ilustre

Subprocurador-Geral da República Dr. Roberto Casali, verbis:

Esta discussão a propósito da efi cácia constitutiva ou declaratória da sentença de usucapião não aproveita à recorrente, pois “usucapião é aquisição do domínio pela posse prolongada” (Bevilaqua) e - anota Adroaldo Furtado Fabrício, nos Comentários ao Código de Processo Civil (Forense, RJ, 1993, vol. VIII, tomo III, 5ª ed, p. 416, n. 476) - “Como quer que seja, e em qualquer perspectiva, porém, ninguém há de negar a presença, na sentença em foco, de um ponderável elemento constitutivo, igualmente relacionado com o registro mas também com outros efeitos: se é certo que a sentença não cria o direito de propriedade, na verdade preexistente, não é menos visível que o registro aporta um plus ao ativo jurídico do autor. Sua propriedade (ou outro direito real que seja) ganha em solidez e em valor econômico com a facilidade de disposição, a publicidade e a clareza que emergem do registro. Algo novo se acrescenta, sem dúvida, à situação jurídica anterior”.

(...)

Assim, não prevalece o alegado registro anterior da recorrida, porque o usucapião é bastante em si na aquisição da propriedade, não se usucape contra o precedente proprietário, e ao se falar “no suporte fáctico da usucapião não há qualquer ato do titular anterior ou fato concernente a ele, se havia titular” (Pontes de Miranda, Trat. Dir. Priv., XI, § 1.192, 1, p. 116, V, § 511, 2, p. 17) (fl s. 438-439).

Dessa forma, como o título do autor, decorrente da usucapião, é anterior ao

da empresa ré, deve ser mantida a decisão que deu pela procedência do pedido

formulado na ação reivindicatória.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

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RECURSO ESPECIAL N. 167.421-SP (1998/0018520-8)

Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Recorrente: Luiz Francisco da Silva Carvalho

Advogado: Hélio Ulpiano de Oliveira

Recorrente: Cleide de Lourdes Campaner Aguiar

Advogado: Jurandir Scarcela Portela

Recorrido: Maria Ângela Aguiar Bellizia

Advogados: Milton Luiz Cunha e outro(s)

Mário Brenno Pileggi

Marcos Pileggi

Patrícia Godoy Oliveira

EMENTA

Recurso especial. Civil. Direito das sucessões. Processo de

inventário. Distinção entre colação e imputação. Direito privativo dos

herdeiros necessários. Ilegitimidade do testamenteiro. Interpretação

do art. 1.785 do CC/1916.

1. O direito de exigir a colação dos bens recebidos a titulo de

doação em vida do de cujus é privativo dos herdeiros necessários, pois

a fi nalidade do instituto é resguardar a igualdade das suas legítimas.

2. A exigência de imputação no processo de inventário desses

bens doados também é direito privativo dos herdeiros necessários,

pois sua função é permitir a redução das liberalidades feitas pelo

inventariado que, ultrapassando a parte disponível, invadam a legítima

a ser entre eles repartida.

3. Correto o acórdão recorrido ao negar legitimidade ao

testamenteiro ou à viúva para exigir a colação das liberalidades

recebidas pelas fi lhas do inventariado.

4. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.

5. Recursos especiais desprovidos.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento a ambos recursos especiais, nos termos do voto

do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina

(Desembargador convocado do TJ-RS), Nancy Andrighi, Massami Uyeda e

Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator

DJe 17.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Versam os autos acerca de

dois recursos especiais interpostos contra acórdão do Tribunal de Justiça de São

Paulo que, julgando agravo de instrumento interposto no curso do processo de

inventário de Amador Aguiar, deu provimento ao recurso, em acórdão assim

ementado:

Agravo de instrumento. O direito de exigir colação é privativo dos herdeiros necessários, a teor do art. 1.785 do CCB. Ilegitimidade de o testamenteiro exigir a colação, a fi m de possibilidade imputação legitimaria. Recurso provido. (fl . 117)

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fl s. 135-136).

No primeiro recurso especial (fl s. 140-158), interposto com fundamento

na alínea a do permissivo constitucional, Luiz Francisco da Silva Carvalho

aponta ofensa aos seguintes dispositivos: (I) art. 1.760 e 1.137, II, do CPC, já

que agiu nos termos dos referidos dispositivo, não podendo permanecer inerte

nas discussões entre herdeiros e, principalmente, deve obedecer à vontade do

testador, o qual deduziu sua vontade de modo diferente dos parâmetros da

sucessão legitimária; (II) art. 1.171 e 1.722, parágrafo único, do CC/1916,

pois (a) as herdeiras devem conferir, no processo de inventário, os bens que

receberam em vida do de cujus, a título de doações por antecipações de suas

respectivas legítimas; (b) deve-se proceder ao cálculo das legítimas na forma do

art. 1.722 do CC/1916; (c); e (III) arts. 1.014 e 1.016 do CPC, porque requereu

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a conferência na forma determinada por tais dispositivos, para fi ns de apuração

dos valores dos bens doados a título de pagamento antecipado das quotas

legitimárias.

No segundo recurso especial (fl s. 161-171), interposto com fundamento

na alínea a do permissivo constitucional, Cleide de Lourdes Aguiar Campaner

aponta ofensa aos arts. 1.171 do CC/1916, 1.722, parágrafo único, do CC/1916

e 1.785 do CC/1916, porquanto (I) ao negar a existência da imputação no

nosso ordenamento jurídico, o acórdão violou o art. 1.722, parágrafo único, do

CC/1916; (II) o acórdão recorrido aplicou erroneamente à imputação a regra

da colação prevista no art. 1.785 do CC/1916; (III) à imputação estão sujeitas

todas as liberalidades realizadas pelo de cujus a seus descendentes, nos termos do

art. 1.171 do CC/1916.

Em contrarrazões, as recorrente pugnam pela manutenção do julgado, com

a condenação dos recorrentes às penas por litigância de má-fé.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): 1. Primeiramente, não pode ser conhecido o recurso especial do Sr. Luiz Francisco na parte em que aponta ofensa aos artigos 1.014, 1.016, 1.137, II, do CPC e artigos 1.171, 1.722, parágrafo único, e 1.760 do CC/1916. Os referidos dispositivos, contudo, não foram objeto de apreciação pelo acórdão recorrido, a despeito da oposição dos embargos de declaração, tampouco o recorrente apontou, em suas razões recursais, ofensa ao art. 535 do CPC, sustentando a nulidade do acórdão em razão da omissão na análise das referidas normas. Portanto, o conhecimento do recurso encontra óbice na Súmula n. 211-STJ.

Pela mesma razão, não se conhece do recurso especial interposto pela Sra. Cleide, na parte em que aponta ofensa aos artigos 1.171 e 1.722, parágrafo único, do CC/1916.

Por fi m, apenas como reforço ao não conhecimento dos recursos especiais, entendo que os dispositivos articulados pelos recorrentes não guardam propriamente uma relação com a temática referente à legitimidade do testador de exigir a colação. Com efeito, os arts. 1.014, 1.016, 1.137, II, do CPC e artigos 1.171, 1.722, parágrafo único, e 1.760 do CC/1916 versam sobre (I) a colação, mas em relação aos herdeiros; (II) as incumbências do testamenteiro;

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(III) a doação; (IV) o cálculo da metade disponível do testador e (V) o dever do testamenteiro de pugnar a validade do testamento, nada tratando a respeito da ausência de legitimidade do testamenteiro para exigir a conferência dos bens. Como se vê, os recorrentes fundaram seu apelo especial em dispositivos genéricos, incapazes de infi rmar o juízo formulado pelo acórdão recorrido, exatamente porque a hipótese dos autos não se insere no campo de abrangência dos referidos dispositivos. Desse modo, por apresentar razões recursais logicamente dissociadas do julgado recorrido (dando azo à aplicação analógica da Súmula n. 284 do STF), não merece conhecimento o recurso especial no ponto.

2. Remanesce, portanto, a necessidade de análise dos recursos especiais no tocante à alegação de ofensa ao art. 1.785 do CC/1916.

O acórdão recorrido muito bem delimitou a questão discutida nos presentes autos nos seguintes termos: “trata-se de agravo de instrumento interposto por Maria Ângela Aguiar Bellizia contra a r. decisão retratada a fl s. 18-28, que, nos autos do inventário de Amador Aguiar, reconheceu a ‘necessidade de se proceder à imputação pretendida pelo Dr. Testamenteiro, e mediante a qual as herdeiras legítimas trarão, para conferência, e imputação em suas quotas da legítima, todos os bens recebidos do autor da herança’” (fl . 117). E conclui, “com efeito, não há a menor dúvida de que o direito de exigir colação é privativo dos herdeiros necessários, como se depreende da dicção do artigo 1.785 do Código Civil Brasileiro, pelo que não possui o testamenteiro legitimidade, para exigir a conferência, a fi m de possibilitar imputação legitimária” (fl . 118).

O Desembargador Flávio Pinheiro, em seu voto, elucida ainda mais a questão, ao referir que “como trata o pedido de ‘conferência’, na verdade o que pretende o testamenteiro é a ‘colação’, que diz respeito unicamente aos fi lhos ou descendentes” (fl . 122).

Portanto, delimitada a questão aqui discutida, tenho que o acórdão recorrido não merece reparos, pois a pretensão da recorrente é a determinação judicial de que a recorrida proceda à colação dos bens recebidos, mediante contrato de doação, do de cujus.

Carlos Maximiliano esclarece que “colação (rapport, dos franceses; collazione, dos italianos; colación, dos espanhóis; Ausgleichung, dos alemães) é o ato de reunir ao monte partível quaisquer liberalidades, diretas ou indiretas, claras ou dissimuladas, recebidas do inventariado por herdeiro descendente, antes da abertura da sucessão” (Direito das Sucessões, 4ª ed., Rio de Janeiro:

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Freitas Bastos, 1958, III Vol., n. 1.566, p. 392). Acrescenta que “a fi nalidade do instituto jurídico ora em apreço é assegurar a igualdade das legítimas” (op. cit., p. 392). Observa, ainda, o mesmo autor que somente os herdeiros descendentes tem “o dever de conferir as liberalidades recebidas” (op. cit., n. 1.572, p. 397). E conclui que “nem os ascendentes, nem os colaterais estão obrigados à colação; consequentemente não a podem reclamar” (op. cit., n. 1.573, p. 398).

Assim, carecem de legitimidade os recorrentes de exigir a colação dos bens recebidos pela recorrida a título de doação feita pelo inventariado em vida, pois eram seus herdeiros necessários na época da sua morte.

Esta Corte já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema, fi rmando entendimento no sentido de que o direito de exigir a colação é privativo dos herdeiros necessários, porquanto se busca, com tal instituto, resguardar a igualdade das legítimas. Nesse sentido os seguintes precedentes:

Civil. Sucessão. Inventário e partilha. Ação de sonegados. Bem doado a herdeiro necessário. Ausência de colação. Finalidade do instituto. Igualação das legítimas. Alteração da parte indisponível do autor da herança. Ilegitimidade ativa do herdeiro testamentário. Recurso parcialmente provido.

1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos de declaração, se o Tribunal de origem enfrenta a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que sucintamente. A motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato ao art. 535 do CPC.

2. A fi nalidade da colação é a de igualar as legítimas, sendo obrigatório para os descendentes sucessivos (herdeiros necessários) trazer à conferência bem objeto de doação ou de dote que receberam em vida do ascendente comum, porquanto, nessas hipóteses, há a presunção de adiantamento da herança (arts. 1.785 e 1.786 do CC/1916; arts. 2.002 e 2.003 do CC/2002).

3. O instituto da colação diz respeito, tão somente, à sucessão legítima; assim, os bens eventualmente conferidos não aumentam a metade disponível do autor da herança, de sorte que benefício algum traz ao herdeiro testamentário a reivindicação de bem não colacionado no inventário.

4. Destarte, o herdeiro testamentário não tem legitimidade ativa para exigir à colação bem sonegado por herdeiro necessário (descendente sucessivo) em processo de inventário e partilha.

5. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp n. 400.948-SE, 3ª T., Min. Vasco Della Guistina (Desembargador convocado do TJRS), DJe de 09.04.2010)

Processual Civil. Agravo de instrumento. Direito de exigir colação em pleito sucessório. Herdeiros necessários. Jurisprudência do STJ.

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I - O direito de exigir colação é privativo dos herdeiros necessários, a teor do art. 1.785 do CCB - Ilegitimidade de o testamenteiro exigir a colação, a fi m de possibilitar imputação legitimária - Recurso provido.

II - Matéria de fato (Súmula n. 7-STJ).

III - Recursos não conhecidos.

(REsp n. 170.037-SP, 3ª T., Min. Waldemar Zveiter, DJ de 24.05.1999)

Mesmo que fosse hipótese de aplicação do instituto da imputação, conforme alegado pelos recorrentes, não lhes assistiria razão.

Carlos Maximiliano, citado pelos próprios recorrentes, explica que a imputação “consiste em trazer ao cálculo da reserva as liberalidades feitas por meio de ato entre vivos ou de última vontade; o seu objetivo único é reduzi-las quanto ultrapassem os limites da cota disponível; aplica-se a qualquer sucessor, legítimo ou instituído, em havendo herdeiros necessários, quer ascendentes, quer descendentes” (op. cit., n. 1570, p. 396).

Ora, o objetivo central da imputação é a redução das liberalidades feitas pelo inventariado (v.g. doação inofi ciosa) na parte em que invadiu a legítima dos herdeiros necessários (descendentes e ascendentes).

Assim, a fi nalidade da imputação é a proteção da legítima dos herdeiros necessários, que foi atingida por liberalidade feita pelo inventariado mediante doação ou testamento.

Essas liberalidades podem ter beneficiado herdeiros necessários ou terceiros, sendo a imputação o mecanismo de controle, no curso do processo de inventário, de sua eventual inofi ciosidade no momento da prática do ato.

Consequentemente, do mesmo modo que na colação, somente os herdeiros necessários prejudicados possuem legitimidade para postular essa redução das liberalidades mediante o instituto da imputação.

Portanto, não merece qualquer reparo o douto acórdão recorrido que, nos termos da jurisprudência desta Corte, negou legitimidade ao testamenteiro para pleitear a colação ou mesmo a imputação.

3. Por fi m, não vislumbro o intuito protelatório nos presentes recursos especiais, razão pela qual deixo de aplicar a condenação à multa por litigância de má-fé requerida pelas recorridas.

4. Ante o exposto, nego provimento aos recursos especiais.

É o voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

500

RECURSO ESPECIAL N. 249.008-RJ (2000/0015817-8)

Relator: Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do

TJ-RS)

Recorrente: Confederação Brasileira de Futebol CBF

Advogados: Carlos Eugênio Lopes

Luiz Eduardo Sá Roriz

Tercio Moreira Mourão

Recorrente: TVA Sistema de Televisão S/A

Advogados: Guilherme Valdetaro Mathias e outro(s)

Evandro Luís Castello Branco Pertence

Recorrido: Os mesmos

Recorrido: Botafogo de Futebol e Regatas e outros

Advogado: Mário Augusto Figueira e outro(s)

Recorrido: União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro

Advogado: Sérgio Pavageau Sayão

Recorrido: Globosat Programadora Ltda e outro

Advogados: José Perdiz de Jesus

Isaac Motel Zveiter e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Direito de arena. Contratos. Cláusula

de exclusividade. Dois pactos. Validade. Subsistência da

segunda avença, diante da resolução do primeiro contrato, por

inadimplemento. Promessa de fato de terceiro. Obrigação de

resultado. Inadimplemento. Responsabilidade. Perdas e danos.

Lesão. Ausência de prequestionamento. Súmulas n. 282 e 356-STF.

Ausência de indicação de dispositivo de lei. Súmula n. 284-STF.

Cláusula penal. Redução. Inviabilidade. Reexame de provas. Súmula

n. 7-STJ. Inadimplemento total do contrato. Terceiro que não anuiu.

Ausência de responsabilidade. Indenização. Dólar. Conversão para

reais de acordo com o câmbio da data da sentença. Inviabilidade de

análise da matéria à luz dos artigos apontados como violados. Súmula

n. 284-STF. Decisão extra petita. Não ocorrência. Fundamentos

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 501

diversos. Possibilidade. Conteúdo normativo do art. 918 do CC/1916.

Ausência de prequestionamento. Súmula n. 211-STJ. Embargos de

declaração. Correção de premissa equivocada. Efeitos infringentes.

Possibilidade. Honorários advocatícios. Fixação com base no art. 20, §

4º, do CPC. Base de cálculo. Valor da causa. Possibilidade. Ausência

de insignifi cância ou exagero a justifi car a atuação desta Corte.

1. Válido o contrato celebrado entre duas pessoas capazes e aptas

a criar direitos e obrigações, que ajustam um negócio jurídico tendo

por objeto a prestação de um fato por terceiro.

2. Descumprida a obrigação de obter a anuência do terceiro ao

contrato, responde o promitente inadimplente por perdas e danos, a

teor do que dispunha o art. 929 do Código Civil de 1916, reproduzido

pelo caput do art. 439 do Código Civil em vigor, “aquele que tiver

prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este

o não executar”.

3. In casu, não sendo a CBF titular do direito de transmissão dos

jogos, reservado exclusivamente às entidades de prática desportiva,

segundo o art. 24 da Lei n. 8.672/1993, cumpria a ela obter dos clubes

de futebol, a anuência ao contrato. O inadimplemento dessa obrigação,

representada pela notifi cação endereçada à TVA, comunicando que

não conseguira a anuência dos clubes, enseja a resolução (extinção) do

contrato e a responsabilização por perdas e danos.

4. As considerações expendidas nas razões do especial acerca do

instituto da lesão não podem ser apreciadas por esta Corte Superior,

sob duplo fundamento: ausência de prequestionamento (Enunciados

Sumulares n. 282 e 356-STF) e ausência de indicação do dispositivo

legal que teria sido violado (Súmula n. 284-STF).

5. Segundo a jurisprudência do STJ, a redução da multa

contratual, com base no art. 924 do Código Civil de 1916, somente

pode ser concedida nas hipóteses de cumprimento parcial da prestação

ou, ainda, quando o valor da multa exceder o valor da obrigação

principal, circunstâncias inexistentes no caso concreto.

6. Tendo a Corte de origem concluído no sentido do

descumprimento total do contrato, à luz da prova dos autos, inviável a

redução da cláusula penal, por força da Súmula n. 7-STJ.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

502

7. Na promessa de fato de terceiro, o terceiro é totalmente

estranho à relação jurídica, não estando vinculado ao contrato, senão

após o cumprimento da obrigação, que incumbia ao promitente.

8. Inviável a análise da possibilidade de conversão da cláusula

penal para reais, de acordo com o câmbio da data da sentença de

primeiro grau, em razão da alteração imprevisível da política monetária

nacional, sob a ótica dos artigos de lei apontados como violados (art.

462 do CPC e 1.059 do CC/1916), pelo fato de os dispositivos serem

desprovidos de conteúdo normativo capaz de amparar a discussão

acerca da questão jurídica mencionada, o que atrai o óbice da Súmula

n. 284-STF.

9. Não há falar em julgamento extra petita quando o julgador,

adstrito às circunstâncias fáticas trazidas aos autos e ao pedido

deduzido na inicial, aplicar o direito com fundamentos diversos

daqueles apresentados pelo autor.

10. A falta de prequestionamento da matéria suscitada no recurso

especial, a despeito da oposição de embargos de declaração, impede o

conhecimento do recurso especial (Súmula n. 211 do STJ).

11. A jurisprudência desta Corte admite a possibilidade de

atribuição de efeitos infringentes aos embargos declaratórios, em

hipóteses excepcionais, para corrigir premissa equivocada relevante

para o deslinde da controvérsia.

12. No arbitramento de honorários advocatícios, com base no art.

20, § 4º, do CPC, cabível a utilização do valor da causa como base de

cálculo.

13. Manutenção do valor de 20% sobre o valor da causa, quantia

que não pode ser considerada irrisória ou exorbitante, a justifi car a

atuação do STJ.

Recursos especiais desprovidos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento

a ambos os recursos especiais, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 503

Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda, Sidnei Beneti e

Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). Ricardo Sussumu Ogata, pela parte recorrente: Confederação

Brasileira de Futebol CBF

Dr(a). André Silveira, pela parte recorrente: TVA Sistema de Televisão

S/A

Brasília (DF), 24 de agosto de 2010 (data do julgamento).

Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS),

Relator

DJe 16.11.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS): Trata-se de dois recursos especiais, o primeiro interposto pela Confederação

Brasileira de Futebol - CBF, com fulcro na alínea a do permissivo constitucional

(fl s. 1.124-1.143, 5º vol.), e o segundo interposto pela TVA Sistema de Televisão

S/A, com esteio nas alíneas a e c, do artigo 105, inciso III, da Constituição

Federal (fl s. 1.155-1.181, 5º vol.), ambos manejados contra acórdão proferido

pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Noticiam os autos que, em 1º.10.1993, a CBF celebrou com a TVA

“contrato de cessão de direitos de transmissão dos jogos do campeonato

brasileiro de futebol para TV por assinatura”, que teve por objeto a “cessão

exclusiva dos direitos de transmissão ao vivo para todo território brasileiro dos

jogos que compõem o Campeonato Brasileiro de Futebol temporadas de 1997,

1998, 1999, 2000 e 2001” (fl s. 44-46, 1º vol.).

Em 07.04.1997 e em 09.06.1997, foram celebrados dois contratos entre

a União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro - Clube dos Treze e os dezesseis

Clubes de Futebol, integrantes do Clube dos Treze, de um lado, e a Globo

Comunicações e Participações Ltda., de outro, que tiveram por objeto a cessão

de direitos de captação, fi xação e transmissão, com exclusividade, dos jogos do

campeonato brasileiro de futebol - temporadas de 1997, 1998 e 1999 (fl s. 220-

243, 1º vol.).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

504

A iminência do início do campeonato brasileiro de 1997, programado para o dia 05 de julho, ensejou o ajuizamento pela TVA, em 02.07.1997, de ação cautelar preparatória em face da CBF, do Clube dos Treze, da Globosat e de outros dezesseis clubes de futebol, objetivando medida liminar que garantisse o cumprimento daquele primeiro contrato por meio da transmissão, com exclusividade, dos jogos do campeonato brasileiro de futebol daquela temporada, impedindo-se, por conseguinte, a transmissão dos jogos pela Globosat.

A TVA ajuizou, ainda, ação de consignação em pagamento, em 18.07.1997, objetivando o pagamento do preço ajustado do contrato, seguida da ação principal, vinculada à precedente medida cautelar, proposta em 04.08.1997, com fundamento na nulidade/inefi cácia dos contratos celebrados em 07.04.1997 e em 09.06.1997, entre o Clube dos Treze, os Clubes de Futebol e a Globosat, sob o argumento de violação à cláusula de exclusividade prevista no contrato anterior, celebrado entre a CBF e a TVA. Foram formulados pedidos de decretação de nulidade e declaração de inefi cácia dos contratos, bem como de indenização pelos prejuízos decorrentes do descumprimento do contrato, a serem apurados em liquidação de sentença.

Globo Comunicações e Participações Ltda., por sua vez, ajuizou, em 12.08.1997, medida cautelar, visando provimento liminar com efeito inverso, qual seja, que determinasse a abstenção a TVA de transmitir os jogos do campeonato brasileiro de futebol relativos à temporada de 1997.

Em sequência ajuizou, em 30.09.1997, ação ordinária objetivando a decretação de nulidade ou de inefi cácia do contrato celebrado entre a TVA e a CBF, abstendo-se a ré de transmitir os jogos, sob pena de multa, e condenação ao pagamento de indenização pelos danos causados.

Botafogo Futebol e Regatas e outros dez clubes de futebol, também por meio de medida cautelar, ajuizada em 12.08.1997 e subsequente ação ordinária, proposta em 24.09.1997, contra a TVA, postularam providência semelhante à pleiteada pela Globo, destinada ao reconhecimento da nulidade do contrato celebrado entre a TVA e a CBF, à determinação de abstenção de transmissão dos jogos, sob pena de multa diária e à condenação em reparação por perdas e danos.

Referidas ações foram todas reunidas por conexão e julgadas em conjunto com o seguinte dispositivo:

13. Exposto e fundamentado, julgo parcialmente procedentes os diversos pedidos, fazendo-o na ordem e com a síntese conclusiva que segue:

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 505

§ 1º. Declaro extinto o contrato fi rmado entre a TVA e a CBF, com a anuência do Clube dos Treze, não por invalidade, e sim por obra da denúncia instrumentada pela notifi cação de f. 37, da consignatória, daí porque, e nesta conformidade, condeno a TVA a satisfazer obrigação negativa, consistente na proibição de transmitir em TV paga - assinatura e pay per view - os jogos do campeonato brasileiro de futebol profi ssional, a partir do ano de 1997 até 1999, proibição essa que alcança a participação no espetáculo desportivo de qualquer dos dezessete clubes cedentes do direito de transmissão exclusiva à GLOBO, sob a cominação da multa de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), por cada violação do preceito.

§ 2º. A improcedência do pedido de pagamento em consignação, de iniciativa da TVA, é refl exo direto da extinção ante tempus do contrato celebrado com a CBF e o Clube dos Treze, efeito do exercício legítimo do direito potestativo de resilir; por igual razão, também improcede o pedido declaratório de nulidade dos contratos de cessão ajustados entre a Globo, Clube dos Treze, Clubes e CBF, em 07.4 e 09.6.97, não se fl agrando neles inidoneidade de objeto (C.Civ., 145, II); nem há falar-se, referentemente ao pedido sucessivo (CPC, 289), em inefi cácia com supedâneo na doutrina das alienações a non domino, dado que os clubes cedentes conservaram-se na titularidade do direito de arena, cedendo-o, para fi ns de aproveitamento comercial, a outra emissora de televisão, e suportando, à falta de causa justifi cadora, os efeitos da cláusula penal com caráter de multa penitencial. Por decorrência,

§ 3º. Condeno a CBF, o Clube dos Treze e os Clubes a este associados ao pagamento de indenização à TVA, solidariamente (CCiv., 1.518), de quantia equivalente a US$ 312,500.00 (trezentos e doze mil e quinhentos dólares americanos), segundo o câmbio oficial do dia de cumprir a prestação, e que corresponde à sanção pecuniária da cláusula nona do contrato, já reduzida, equitativamente, à metade do valor convencionado, mercê da regra do art. 924, do Código Civil, impositiva, nas circunstâncias, por duas razões: resilição anterior ao termo inicial do contrato e a transmissão pela TVA de alguns jogos do campeonato de 1997;

§ 4º. O pedido indenizatório da Globo é de manifesta improcedência. A transmissão de alguns jogos pela TVA fez-se a coberto de decisão judicial, no âmbito de processo instaurado justo para dirimir qual das cessionárias era a titular do direito de transmissão exclusiva, inexistindo, portanto, ilicitude punível;

§ 5º. Improcede o pedido de tutela cautelar da TVA, fragilizado, ictu oculi, pela denúncia do contrato; por via de consequência, é procedente o pedido cautelar da Globo e do Botafogo Futebol e Regatas em litisconsórcio com outros dezesseis clubes, no sentido de proibir a transmissão pela TVA, em TV paga - assinatura e pay per view -, dos jogos do campeonato brasileiro de futebol profi ssional, nas temporadas de 1997 a 1999, basta que destes participem qualquer um dos clubes cedentes do espetáculo à Globo, que em disputas diretas, quer em confronto

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

506

com outros clubes vinculados por contrato à TVA, de maneira que, e com essa limitação, torno defi nitiva a medida liminar concedida à fl . 122-129. Quanto aos campeonatos dos anos 2000 e 2001, até que os clubes titulares do direito de arena, por si ou entidade representativa, cedam a transmissão do evento a uma emissora de televisão, improcede o pedido de proteção cautelar, por dupla falta de requisitos: nem aparência de direito provável e nem perigo de dano iminente.

14. A hipótese é de sucumbência recíproca, sendo de aplicar-se, quanto a custas e honorários de advogado, a solução do art. 21, caput, do Código de Processo Civil (fl s. 762-764, 3º vol.).

Opostos embargos de declaração por Botafogo Futebol e Regatas e Outros

(fl s. 767-768, 3º vol.) e pela Globo e Globosat (fl s. 772-776, 3º vol.), foram

acolhidos parcialmente os primeiros, “para declarar a improcedência do pedido

indenizatório do Botafogo Futebol e Regatas e outros, rerratifi cando o § 4º, referido,

que passa a valer com esse acréscimo” (fl . 769, 3º vol.), e rejeitados os segundos

(fl . 780, 3º vol.).

Inconformados, apelaram a TVA (fl s. 783-803, 3º vol.), o Botafogo Futebol e

Regatas e outros (fl s. 813-830, 4º vol.), o Clube dos Treze (fl s. 834-848, 4º vol.), a

Globo e a Globosat (fl s. 864-884, 4º vol.) e a CBF (fl s. 889-903, 4º vol.).

A Terceira Câmara Cível do TJ-RJ, por unanimidade de votos dos seus

integrantes, deu parcial provimento ao primeiro (TVA), segundo (Botafogo

Futebol E Regatas e outros) e terceiro (Clube dos Treze) recursos e negou

provimento ao quarto (Globo e Globosat) e ao quinto (CBF) apelos, em aresto

que restou assim ementado:

Direito de arena. Campeonato Brasileiro de Futebol. Contrato celebrado pela Confederação Brasileira de Futebol - CBF na qualidade de cedente e detentora dos direitos de fi xação e transmissão dos jogos com a TVA - Sistema de Televisão S.A., fi gurando como anuentes a Sport Promotion S/C Ltda e a União dos Grandes Clubes de Futebol Brasileiro, denominada Clube dos Treze. Reconhecimento da validade e efi cácia do contrato. Possibilidade de resilição por vontade unilateral de uma das partes, porém arcando a parte inadimplente com o pagamento da multa penitencial prevista no contrato. Validade e efi cácia do contrato pela presença do Clube dos Treze que anuiu com todas as suas clausulas. Validade do contrato posterior celebrado pela Globo Comunicações e Participações Ltda e Globosat, pelo fato do Contrato anterior com a TVA ter sido encerrado. Não pode a entidade denominada Clube dos Treze ainda que esteja representando seus associados contrair obrigações em nome deles cedendo os seus direitos de autorização, fi xação, transmissão ou retransmissão de imagem dos espetáculos desportivos que participem, porque de acordo com o disposto no art. 24 da

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 507

Lei n. 8.762, de 06 de julho de 1993, a denominada Lei do Zico, só às entidades esportivas é que pertence o direito de ceder os direitos de transmissão (fl . 1.057, 5º vol.).

As conclusões do acórdão restaram assim resumidas:

Por tudo quanto foi exposto, chega-se a seguinte conclusão:

1) O apelo da TVA.

A) Não pode ser acolhido quanto ao julgamento extra-petita.

B) Rejeita-se o pedido de invalidade do contrato com a Globo.

C) Os prejuízos que sofreu com o não cumprimento do contrato e que podem ser objeto de perdas e danos só podem ser apurados em processo próprio.

D) Extinto o contrato prevalece o que foi celebrado com a empresa Globo.

E) Procede o pedido de integralidade da multa.

2) O apelo do Botafogo Futebol Clube e Outros.

A) Procede em parte para afastar os clubes do pagamento da multa e das perdas e danos, visto terem individualmente feito parte do contrato.

B) Improcede o pedido quanto a condenação da TVA no pagamento de perdas e danos pelas razões já expostos.

3) O apelo da União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro - Clube dos Treze.

A) Deve ser dado provimento para ser excluído da condenação.

4) O recurso da Globo Comunicações e Participações Ltda e Globosat Programadora Ltda.

A) Não pode ser acolhido quanto pede indenização na ação ordinária por entender que a transmissão de alguns jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol pela TVA causou-lhe prejuízo, pois, como já esclarecido, estava a mesma amparada por decisões judiciais.

B) Descabe requisição de força caso a TVA descumpra a proibição de transmitir os jogos já referidos, isto porque as transmissões já não vêm ocorrendo, como é público e notório.

C) Não cabe reformar o valor da multa para o caso de descumprimento da proibição imposta a TVA.

5) Finalmente o apelo da CBF.

A) Não pode ser acolhido por ter ficado demonstrado nos autos sua responsabilidade total pelo não cumprimento do contrato.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

508

O tardio reconhecimento de que não era a titular do direito de transmissão dos jogos, não podendo, por isso, entregar a pretensão em espécie em que se funda a TVA, só revela a sua culpa total pelo inadimplemento do contrato.

Mais absurdo ainda é ela CBF que fez o contrato na qualidade de cedente vir através da apelação defender arduamente a sua inefi cácia e nulidade.

Pelo seu erro e falta de seriedade é que deve suportar pena mais pesada.

Finalmente em relação à outra anuente do contrato, a Sport Promotin S/C Ltda, como a respeito dela nada foi dito na sentença nas apelações, fi ca também livre de qualquer condenação.

Por tudo quanto foi exposto e esclarecido, rejeitada a preliminar de julgamento extra-petita formulada pela TVA, dá-se provimento parcial ao seu recurso para aplicar integralmente a multa como explícita na cláusula do contrato e negar provimento ao apelo da CBF, dando provimento parcial ao recurso de Botafogo Futebol Clube e Outros, e provimento ao recurso do Clube e Outros, e provimento ao recurso do Clube dos Treze, negando provimento aos recursos da Globo e da Globosat.

Em síntese: dá-se provimento parcial aos primeiro, segundo e terceiro recursos (1º-TVA, 2º Botafogo Futebol Clube e Outros e 3º União dos Grandes Clubes Brasileiros - Clube dos Treze) e nega-se provimento aos quarto e quinto recursos (4º-Globo Comunicações e Participações Ltda e outra e 5º Confederação Brasileira de Futebol - CBF).

Fica mantida a sucumbência recíproca (fl s. 1.068-1.070, 5º vol.).

Opostos embargos de declaração por Botafogo Futebol e Regatas e outros

(fl s. 1.072-1.074, 5º vol.), Clube dos Treze (fl s. 1.076-1.078, 5º vol.), TVA (fl s.

1.080-1.083, 5º vol.) e CBF (fl s. 1.094-1.097, 5º vol.), foram acolhidos apenas

os segundos para esclarecer que o provimento do recurso do Clube dos Treze foi

total, “condenada a autora nas custas do processo e em honorários de advogado

fi xados em 20% sobre o valor da causa” (fl . 1.090, 5º vol.).

Opostos novos embargos de declaração por Botafogo Futebol e Regatas e

outros (fl s. 1.109-1.114, 5º vol.), foram acolhidos “com efeito modifi cativo para

julgar procedente o pedido do Botafogo Futebol e Regatas e Outros, da seguinte

maneira: a) procedente para livrar os clubes do pagamento da multa e perdas

e danos, visto terem feito individualmente parte do contrato; b) procedente o

pedido para condenar a TVA a pagar uma indenização por perdas e danos pelas

transmissões e retransmissões realizadas no período em que assim procedeu,

embora sob o pálio da liminar, perdas e danos que deverão ser apuradas nestes

próprios autos através de arbitramento, sem necessidade da propositura de outra

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 509

ação, a exemplo do que se decidiu em relação a TVA. (...) condenada a empresa

TVA nas custas e honorários de advogado fi xados em 20% sobre o total da

condenação (art. 20, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil)” (fl s. 1.117-

1.121, 5º vol.).

Daí a interposição dos presentes recursos especiais, pela CBF (fl s. 1.124-

1.143, 5º vol.) e pela TVA (fl s. 1.155-1.181, 5º vol.).

A CBF invoca violação do art. 24 da Lei n. 8.672/1993, arts. 118, 145, 146,

924, 1.059 e 1.518 do Código Civil de 1916 e art. 462 do Código de Processo

Civil. Sustenta, em síntese, que: (i) o contrato celebrado entre a TVA e a CBF

era nulo, por impossibilidade jurídica do objeto, pois apenas os clubes de futebol

(entidades de prática desportiva) poderiam ceder o direito de transmissão dos

jogos de que participassem (artigos 24 da Lei n. 8.672/1993, 145 e 146 do

Código Civil de 1916); (ii) a efi cácia do negócio jurídico entabulado entre as

partes estava subordinada a uma condição suspensiva - a aceitação dos clubes

- evento que não se implementou (art. 118 do Código Civil de 1916); (iii)

“ainda que se superassem as teses jurídicas anteriores, a validade do contrato

estaria comprometida, tendo em vista a desproporção entre os valores nele

pactuados e os praticados posteriormente no mercado, o que confi guraria o

instituto da lesão enorme ou qualifi cada” (fl . 1.136). Alternativamente, entende

que: a) a indenização deve ser reduzida para, no máximo, um quarto do valor

da cláusula penal, considerando, principalmente, que a resilição se deu em

momento anterior ao termo inicial do contrato e que, por força de liminares,

a TVA chegou a transmitir alguns jogos do campeonato de 1997 (art. 924 do

Código Civil de 1916); b) o Clube dos Treze e os clubes de futebol deveriam

ser condenados solidariamente com a CBF ao pagamento da indenização, uma

vez que participaram direta ou indiretamente da celebração do contrato com a

TVA (art. 1.518 do Código Civil de 1916); c) a indenização fi xada em dólares

americanos deveria ser convertida em reais pelo câmbio da data da sentença

de primeiro grau, sob pena de enriquecimento ilícito (art. 462 do Código de

Processo Civil e art. 1.059 do Código Civil de 1916).

A TVA, por sua vez, aponta violação dos artigos 2º, 20, 128, 286, 293, 460,

463 e 535 do Código de Processo Civil e 918 do Código Civil de 1916, bem

como dissídio jurisprudencial. Sustenta, em síntese, que: (i) a sentença incidiu em

vício de nulidade por julgamento extra petita, ao decretar a rescisão do contrato

fi rmado entre a TVA e a CBF, ausente pedido expresso (arts. 2º, 128, 286, 293

e 460 do Código de Processo Civil); (ii) o direito de resilição assegurado à CBF

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

510

pelo acórdão recorrido, em razão da existência de cláusula penal no contrato,

feriu o art. 918 do Código Civil de 1916, que faculta ao credor, e não ao devedor,

a conversão da cláusula penal estipulada para os casos de total inadimplemento

em obrigação alternativa; (iii) não era cabível o acolhimento dos embargos de

declaração com efeitos infringentes, ausente qualquer das hipóteses previstas no

art. 535 do CPC; (iv) os honorários advocatícios deveriam ser fi xados com base

no § 4º do art. 20 do CPC, segundo a apreciação equitativa do juiz.

Com as contrarrazões (fl s. 1.185-1.203, 1.205-1.211, 1.213-1.229, 1.242-

1.251, 1.267-1.300, 1.302-1.315, 5º e 6º vol.), e admitidos os recursos na origem

(fl s. 1.317-1.322, 6º vol.), subiram os autos a esta colenda Corte.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS) (Relator): Não merecem acolhida as pretensões dos recorrentes.

Cinge-se a controvérsia, em síntese, em perquirir acerca da validade/

efi cácia, e suas consequências jurídicas, de duas avenças, a primeira formalizada

em contrato celebrado entre a CBF e a TVA, datado de 1º.10.1993, e a segunda,

formalizada em dois contratos, datados de 07.04.1997 e 09.06.1997, fi rmados

entre o Clube dos Treze e os dezesseis Clubes de Futebol integrantes do Clube dos

Treze, de um lado, e a Globo Comunicações e Participações Ltda., de outro, ambos

com objeto coincidente na cessão de direitos de transmissão, com exclusividade,

dos jogos do campeonato brasileiro de futebol, temporadas de 1997, 1998 e

1999.

Em síntese, o Tribunal de origem considerou válidos ambos os contratos,

tendo emprestado ao primeiro (celebrado entre a CBF e a TVA) a natureza

jurídica de promessa de fato de terceiro, que, inadimplida, ensejou a extinção

do contrato e a condenação da CBF, que fi cara responsável pela obtenção da

anuência dos clubes de futebol ao contrato, ao pagamento da cláusula penal

prevista no pacto. Daí o reconhecimento da subsistência da segunda avença,

posteriormente ajustada pela Globo diretamente com os clubes de futebol,

titulares do direito de autorização das transmissões.

Feitas essas breves considerações, que entendo relevantes para a melhor

compreensão da matéria, passo à análise pontual das questões trazidas pela CBF

e pela TVA, em seus recursos especiais.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 511

1. Recurso da CBF

1. a. Da alegada violação dos artigos 24 da Lei n. 8.672/1993, 118, 145 e 146

do Código Civil de 1916

A CBF invoca violação dos referidos dispositivos, sustentando, em síntese,

que o contrato celebrado com a TVA era nulo, por impossibilidade jurídica

do objeto, pois apenas os clubes de futebol (entidades de prática desportiva)

poderiam ceder o direito de transmissão dos jogos de que participassem (artigos

24 da Lei n. 8.672/1993, 145 e 146 do Código Civil de 1916), de modo que ela,

CBF, não tinha legitimidade para celebrar contrato de cessão de transmissão dos

jogos.

Ainda, sob sua ótica, a eficácia do negócio jurídico entabulado entre

as partes estava subordinada a uma condição suspensiva - a aceitação dos

clubes - evento que não se implementou (art. 118 do Código Civil de 1916),

circunstância que afastaria qualquer pretensão de indenização por eventuais

prejuízos da TVA.

Considera incidente, in casu, também, o instituto da lesão, tendo em

vista a desproporção entre os valores pactuados no contrato e os praticados

posteriormente no mercado.

Não prospera a irresignação.

Isto porque, como bem observado pelo Tribunal de origem, a despeito de

a CBF constar no contrato como “cedente e detentora dos direitos de fi xação

e transmissão dos jogos que compõem o Campeonato Brasileiro de Futebol

Profi ssional” (fl . 44, 1º vol.), a obrigação assumida, em verdade, confi gurava

promessa de fato de terceiro.

A promessa de fato de terceiro, segundo a doutrina especializada, “requer,

para a sua formação, a presença de duas pessoas capazes e aptas a criar direitos

e obrigações, que ajustam um negócio tendo por objeto a prestação de um

fato, que deverá ser cumprido por outra pessoa. O devedor deverá obter o

consentimento do terceiro, pois este é que deverá executar a prestação fi nal. O

promitente deve obter tal anuência, mas como sua obrigação é de resultado, não

se exonerará, apesar de ter envidado esforços para conseguir aquele consenso”

(DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 3. v. 24. ed. São Paulo:

Saraiva, 2008, p. 113).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Concretamente, de acordo com o art. 24 da Lei n. 8.672 de 06 de julho

de 1993, em vigor à época da celebração do contrato (1º.10.1993), somente

as entidades de prática desportiva (clubes de futebol) detinham o direito de

autorizar a transmissão dos jogos, como se lê: “às entidades de prática desportiva

pertence o direito de autorizar a fixação, transmissão ou retransmissão de

imagem de espetáculo desportivo de que participem”.

Logo, não sendo a CBF titular do direito de transmissão dos jogos,

reservado exclusivamente às entidades de prática desportiva, cumpria a ela obter

dos clubes de futebol, a anuência ao contrato, obrigação esta, que foi aposta

expressamente na cláusula sétima do contrato, com a seguinte redação: “Será

de responsabilidade da cedente fazer com que todos os clubes que disputem

o evento aceitem o presente contrato, fazendo constar do regulamento tal

obrigatoriedade” (fl . 45).

Trata-se, como visto, de promessa de fato de terceiro, que se consubstancia

em uma obrigação de resultado, cujo inadimplemento, representado pela

notifi cação de fl . 416 (2º vol.), endereçada pela CBF à TVA, comunicando que

não conseguira a anuência dos clubes, enseja a resolução (extinção) do contrato

e a responsabilização por perdas e danos, a teor do que dispunha o art. 929 do

Código Civil de 1916, reproduzido pelo caput do art. 439 do Código Civil em

vigor, verbis: “Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas

e danos, quando este o não executar”.

Não se visualiza, portanto, nenhuma violação dos artigos 24 da Lei n.

8.672/1993, 118, 145 e 146 do Código Civil de 1916, isto porque não há falar

em nulidade ou inefi cácia do contrato, e sim, em resolução por inexecução

(inadimplemento) de contrato válido, como concluiu o Tribunal de origem,

como se observa dos seguintes excertos do voto condutor do acórdão:

A CBF contratou com a TVA comprometendo-se a conseguir dos demais clubes que aceitassem o contrato.

Não se trata, portanto, de condição suspensiva como alegado pela apelante e sim promessa por fato de terceiro, e como a CBF não conseguiu cumprir o que contratou deve aplicar-se ao caso a multa penitencial prevista na cláusula 9º do contrato, integralmente (...).

(...) não há dúvida que deve ser considerado válido e efi caz (...)

Confessando a CBF através da notifi cação a TVA que estava impossibilitava de cumprir o que contratou, é óbvio que tinha como tem cabimento a resilição referida na sentença (fl s. 1.063-1.065).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 513

Registre-se que, a despeito da impropriedade técnica do acórdão recorrido, ao considerar que a notifi cação endereçada pela CBF à TVA teria caracterizado manifestação de resilição unilateral do contrato, quando, na verdade, representava, tão somente a admissão de inadimplemento de sua obrigação contratual de obtenção da anuência dos clubes de futebol, a solução adotada pelo Tribunal de origem, no sentido de qualifi car juridicamente o contrato como promessa de fato de terceiro, válido, porém inadimplido pela CBF, deu correto enquadramento jurídico aos fatos, não merecendo qualquer censura.

Já as considerações expendidas nas razões do especial acerca do instituto da lesão não podem ser apreciadas por esta Corte Superior, sob duplo fundamento.

Em primeiro lugar, evidencia-se a ausência de prequestionamento, consubstanciada pela falta de debate no acórdão recorrido acerca dos argumentos apresentados na peça recursal acerca desse instituto, o que atrai os óbices dos Enunciados Sumulares n. 282 e 356 do STF.

Em segundo lugar, a recorrente não apontou, quanto ao ponto, nenhum dispositivo legal que teria sido vulnerado pelo acórdão recorrido. Aplica-se, por analogia, na espécie, o disposto na Súmula n. 284 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a defi ciência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

A propósito os seguintes julgados:

Agravo regimental no agravo de instrumento. Violação de dispositivo constitucional. Impossibilidade. Ausência de particularização dos dispositivos violados. Óbice da Súmula n. 284 do STF aplicável por analogia nesta Corte. Prequestionamento. Não-ocorrência. Pedido de denunciação da lide, pelo autor, à municipalidade, após a contestação da ré, em ação de nunciação de obra nova. Litigância contra vizinho. Impossibilidade. Extemporaneidade. Cumulação de ação. Inexistência.

1.- (...)

2.- A ausência de particularização do dispositivo legal tido por afrontado é defi ciência, com sede na própria fundamentação da insurgência recursal, que impede a abertura da instância especial, a teor do Enunciado n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, também ao recurso especial.

3.- (...)

4.- (...)

Agravo Regimental improvido.

(AgRg no Ag n. 1.134.530-RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 06.08.2009, DJe 17.08.2009).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Recurso especial. Falta de indicação precisa dos dispositivos tidos por violados relativamente à questão da suposta existência de nulidade absoluta do feito. Súmula n. 284 do STF. Questão da culpa pelo sinistro e o art. 4º da Lei n. 8.009/1990. Ausência de prequestionamento. Aplicação da Súmula n. 211 do STJ. Impenhorabilidade do bem de família. Flexibilização perante crédito decorrente de pensão mensal fi xada em ação de indenização por ilícito civil. Admissibilidade. Inclusão, no rol de exceções à proteção legal, dos créditos oriundos da reparação por danos materiais e morais e dos honorários advocatícios de sucumbência. Impossibilidade. Recurso especial parcialmente provido.

1. A pretensa nulidade absoluta do feito por ausência de intervenção do Parquet foi suscitada sem indicação precisa dos dispositivos infraconstitucionais entendidos por violados, fato esse que inviabiliza o exame da questão na via do recurso especial, consoante incidência, por analogia, da Súmula n. 284-STF.

2. (...)

3. (...)

4. (...)

5. (...)

6. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp n. 1.036.376-MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 10.11.2009, DJe 23.11.2009).

1. b. Da alegada violação do art. 924 do Código Civil de 1916

Em pedido alternativo, pugna a CBF pela redução da cláusula penal prevista no contrato para, no máximo, um quarto, considerando, principalmente, que a notifi cação se deu em momento anterior ao termo inicial do contrato e que a TVA chegou a transmitir alguns jogos do campeonato de 1997.

Ocorre que o acórdão recorrido, para concluir pela manutenção integral da multa, afastando a tese de cumprimento parcial da obrigação, incursionou detalhadamente na apreciação do conjunto fático-probatório, sopesando, inclusive, o grau de culpa da recorrente, como se colhe dos seguintes excertos do voto condutor do acórdão:

(...) como a CBF não conseguiu cumprir o que contratou deve aplicar-se ao caso a multa penitencial prevista na cláusula 9ª do contrato, integralmente, devendo neste ponto ser modifi cada a decisão do juiz quando aplicou-a pela metade.

(...)

A pena de multa, todavia, deve ser aplicada por inteiro, já que nada autoriza a aplicação do disposto no art. 924 do Código Civil.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 515

O fato da TVA ter chegado a transmitir alguns jogos do campeonato de 1997 não serve para abrandar a pena considerando que as poucas transmissões ocorreram sob o pálio da proteção de concessão de liminares.

(...)

A) Não pode ser acolhido por ter ficado demonstrado nos autos sua responsabilidade total pelo não cumprimento do contrato.

O tardio reconhecimento de que não era titular do direito de transmissão dos jogos, não podendo, por isso, entregar a pretensão em espécie em que se funda a TVA, só revela a sua culpa total pelo inadimplemento do contrato.

Mais absurdo ainda é ela CBF que fez o contrato na qualidade de cedente vir através da apelação defender arduamente a sua inefi cácia e nulidade.

Pelo seu erro e falta de seriedade é que deve suportar pena mais pesada (fl s. 1.064-1.069, 5º vol.).

Dessa forma, rever o entendimento do acórdão objurgado implicaria no

reexame de matéria fático-probatória, procedimento inadmissível em âmbito

de recurso especial, nos termos da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça,

verbis: “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

Ademais, não cabe a este Superior Tribunal de Justiça reexaminar as

premissas de fato que levaram o Tribunal de origem a tal conclusão, sob pena de

usurpar a competência das instâncias ordinárias, a quem compete amplo juízo

de cognição da lide. Nesse sentido:

Agravo regimental em agravo de instrumento. Cláusula penal. Redução da multa. Limitação da aplicabilidade do art. 924 do CC. Entendimento obtido da análise do conjunto fático-probatório e das cláusulas do contrato fi rmado entre as partes. Reexame. Impossibilidade. Aplicação dos Enunciados n. 5 e 7 da Súmula-STJ. Dissídio jurisprudencial não comprovado. Simples transcrição de ementas. Ausência do indispensável confronto analítico. Agravo improvido.

(AgRg no Ag n. 521.477-MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Quarta Turma, julgado em 20.09.2007, DJ 15.10.2007, p. 272).

Além disso, já decidiu esta Corte que a redução da multa contratual, com

base no art. 924 do Código Civil de 1916, somente pode ser concedida nas

hipóteses de cumprimento parcial da prestação ou, ainda, quando o valor da

multa exceder o valor da obrigação principal, circunstâncias inexistentes no caso

concreto, como visto.

A propósito:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Direito Civil. Obrigações. Ação anulatória de contrato de cessão de obras literárias por encomenda (elaboração de duas telenovelas). Reconvenção. Indenização por perdas e danos. Descumprimento integral do contrato. Redução da multa contratual. Cláusula penal. Função compensatória.

- (...)

- A redução da multa compensatória, de acordo com o Código Civil, somente pode ser concedida nas hipóteses de cumprimento parcial da prestação ou, ainda, quando o valor da multa exceder o valor da obrigação principal.

- Considerando-se que estipulada a cláusula penal em valor não excedente ao da obrigação e que foi total o inadimplemento contratual, não cabe a redução do seu montante, que deve servir como compensação pela impossibilidade de obtenção da execução específi ca da prestação contratada, na hipótese, a elaboração de duas telenovelas.

Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 687.285-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25.09.2006, DJ 09.10.2006, p. 287).

Direito Civil. Compra e venda de safra futura. Contrato-tipo. Código de Defesa do Consumidor. Potencial consumidor. Inaplicável. Onerosidade excessiva. Não-confi gurada. Dólar americano. Fator de atualização. Cláusula penal. Redução. Súmula n. 7-STJ.

1. (...)

2. (...)

3. É possível a revisão de multa de modo a ser reduzida pelo magistrado quando houver adimplemento parcial ou simples mora dada a natureza compensatória das perdas e danos. No entanto, sua adequação à realidade dos fatos esbarra no óbice da Súmula n.7-STJ.

4. Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 655.436-MT, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 08.04.2008, DJe 28.04.2008).

No mesmo rumo:

Embargos declaratórios.

Suspenso o prazo com a interposição dos embargos, o reinicio de seu fl uxo dava-se no primeiro dia útil subsequente à intimação do julgamento.

Recurso especial.

Inviável em relação a matéria de que não cuidou o acórdão, faltando, pois, o prequestionamento.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 517

Multa.

Não contraria o disposto no artigo 924 do Código Civil o acórdão que nega redução da multa com fundamento em que houve inadimplemento total do contrato.

(REsp n. 75.036-RJ, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 16.12.1997, DJ 13.04.1998, p. 114).

1.c. Da alegada violação do art. 1.518 do Código Civil de 1916

Neste ponto, a CBF defende, em suas razões recursais, a responsabilidade

solidária do Clube dos Treze, bem como de seus afi liados, na medida em que

teriam participado direta ou indiretamente da celebração do contrato com a

TVA.

A tese, contudo, não merece prosperar.

Com relação aos clubes de futebol, eram terceiros no contrato em questão,

pois nunca chegaram a aceitar a avença.

Com efeito, na promessa de fato de terceiro, o terceiro é totalmente

estranho à relação jurídica, não estando vinculado ao contrato, senão após o

cumprimento da obrigação, que incumbia ao promitente.

Concretamente, referida obrigação estava consubstanciada na

responsabilidade da CBF, inserida na cláusula sétima do contrato, de fazer

com que todos os clubes que disputariam o evento aceitassem o contrato,

circunstância que não se perfectibilizou, de modo que a responsabilidade deve

recair integralmente ao promitente inadimplente.

Essa é a lição da doutrina especializada:

(...) Este ato negocial compreende, assim, dois devedores. O credor é sempre o mesmo, com direito oponível a seu contratante até a anuência do terceiro, e contra este a partir de então. Os dois devedores são, portanto, sucessivos, e não simultâneos. Primeiramente, o credor o é daquele que se obrigou a obter a prestação do terceiro; uma vez dê este a sua anuência, o credor passa a ter direito de obter a solutio contra ele. A sucessividade da relação debitória está em que o terceiro a nada é obrigado enquanto não der o seu acordo, assumindo, destarte, a obrigação de prestar.

A característica essencial desta espécie negocial está assentada precisamente em que não nasce nenhuma obrigação para o terceiro enquanto ele não der o seu consentimento (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 3. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 115).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Quanto ao Clube dos Treze, não pode ser responsabilizado como promitente, ao lado da CBF, por ausência de previsão contratual nesse sentido. De fato, é incontroverso nos autos que somente à CBF incumbia obter a aceitação dos clubes de futebol.

O Clube dos Treze também não pode ser responsabilizado pelo descumprimento do contrato, cuja execução dependia unicamente dos clubes de futebol, titulares exclusivos dos direitos de autorização das transmissões, na eventualidade de aceirarem o contrato.

Logo, da anuência do Clube dos Treze ao contrato, não pode ser extraída nenhuma responsabilidade sua pelo pagamento da cláusula penal, considerando, ainda, que apresenta “personalidade jurídica distinta dos seus associados”, e seus poderes estatutários não extrapolam a prerrogativa de “pleitear maiores vantagens econômicas e fi nanceiras decorrentes das participações desportivas dos associados”, consoante bem analisado pelas instâncias ordinárias, soberanas no exame do quadro fático-probatório, à luz das regras estatutárias, como se lê da sentença, à fl . 753 (3º vol.) e do acórdão, à fl . 1.064 (5º vol.).

1. d. Da alegada violação dos artigos 462 do Código de Processo Civil e 1.059

do Código Civil de 1916

O recurso da CBF, vem, por fi m, dirigido no sentido de que a indenização fi xada em dólares americanos deveria ser convertida em reais pelo câmbio da data da sentença de primeiro grau, sob pena de enriquecimento ilícito. Argumenta que cabe ao juiz tomar em consideração os fatos supervenientes à propositura da ação, que, de qualquer modo, possam infl uir no julgamento da lide.

Também nesse tópico, não merece prosperar a irresignação da CBF.

Eis a redação dos dispositivos apontados como violados, nesse ponto:

Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modifi cativo ou extintivo do direito infl uir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.

Art. 1.059, caput. Salvo as exceções previstas neste Código, de modo expresso, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Ora, é inviável a análise da possibilidade da conversão da cláusula penal

para reais, de acordo com o câmbio da data da sentença de primeiro grau,

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 519

em razão da alteração imprevisível da política monetária nacional, sob a ótica

dos referidos artigos de lei, pelo fato de os dispositivos ora em debate serem

desprovidos de conteúdo normativo capaz de amparar a discussão acerca da

questão jurídica mencionada, o que atrai o óbice da Súmula n. 284-STF.

Nesse sentido:

Recurso especial. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência. Notifi cação do protesto por edital no caso de recusa à aposição de assinatura na carta registrada. Necessidade. Pedido de falência apontando a crédito com valor excedente ao efetivamente devido. Análise do pleito após o decote do valor. Admissibilidade. Análise da questão da inocuidade da duplicata desacompanhada do comprovante de recebimento da mercadoria pelo comprador sob a ótica dos arts. 1º, § 3º, do Decreto-Lei n. 7.661/1945, 9º, parágrafo único, e 94, I, da Lei n. 11.101/2005. Comandos normativos inábeis a amparar essa discussão. Súmula n. 284 do STF. Aplicação. Imprescindibilidade do comprovante de recebimento da mercadoria pelo comprador. Inovação recursal. Vedação. Pedido de falência sem protesto especial para esse fi m. Admissibilidade. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesse ponto, parcialmente provido.

1. (...)

2. (...)

3. (...)

4. (...)

5. (...)

6. A análise da questão da inocuidade da duplicata desacompanhada de comprovante de recebimento da mercadoria pelo comprador sob a ótica dos arts. 1º, § 3º, do Decreto-Lei n. 7.661/1945, 9º, parágrafo único, e 94, I, da Lei n. 11.101/2005 é inviável em razão de o conteúdo normativo desses dispositivos ser incapaz de amparar essa discussão, a atrair o óbice da Súmula n. 284-STF.

7. (...)

8. (...)

9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.

(REsp n. 1.052.495-RS, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 08.09.2009, DJe 18.11.2009).

2. Recurso da TVA

2. a. Da alegada violação dos artigos 2º, 128, 286, 293 e 460 do Código de

Processo Civil

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

520

Inicialmente, sustenta a TVA, que a sentença incidiu em vício de nulidade

por julgamento extra petita, ao decretar a extinção do contrato fi rmado com

a CBF, por resilição unilateral desta, ausente pedido expresso nesse sentido,

por nenhuma das partes envolvidas, que se restringiram a pleitear a nulidade/

inefi cácia do contrato.

Sem razão.

De acordo com a jurisprudência desta Corte, não há falar em julgamento

extra petita quando o juiz, adstrito às circunstâncias fáticas trazidas aos autos

e ao pedido deduzido na inicial, aplicar o direito com fundamentos diversos

daqueles apresentados pelo autor. Nesse sentido:

Agravo interno. Recurso especial. Julgamento extra petita. Inocorrência. Improvimento.

I. Não confi gura julgamento extra petita quando o magistrado, utilizando-se de fundamento diverso daquele deduzido pela parte, aplica o direito à espécie fi cando adstrito ao pedido deduzido na inicial.

II. Agravo improvido.

(AgRg no REsp n. 1.023.222-RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 21.10.2008, DJe 18.11.2008).

Civil e Processual. Acórdão. Nulidade não confi gurada. Julgamento extra petita inocorrente. Cooperativa. Desistência de aquisição pelo cooperativado. Retenção parcial das parcelas (10%). Compatibilidade com a natureza do empreendimento, sem caráter lucrativo. Não ocupação do imóvel. Prejudicialidade da questão alusiva à época da restituição.

I. Apresentados os fatos com a inicial, é possível ao juiz aplicar o direito compatível com o pleito deduzido pela parte autora, sem que tal caracterize julgamento extra petita.

II. (...)

III. Prejudicialidade da questão alusiva à época da restituição.

IV. Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 280.261-DF, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 04.09.2007, DJ 08.10.2007, p. 284).

In casu, a própria TVA, em sua inicial, formulou pedido de indenização

“pelos prejuízos decorrentes do não cumprimento do contrato celebrado com

ela, apurado esse valor em liquidação de sentença, considerando-se o número

de partidas simultaneamente transmitidas (...), além do pagamento da multa

prevista na cláusula nona do referido contrato” (fl . 17, 1º vol.).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 521

Logo, tendo as instâncias ordinárias afastado os pedidos de nulidade/

inefi cácia, formulados pela Globo e Globosat, concluindo, consequentemente,

pela validade do contrato fi rmado entre a TVA e a CBF, impunha-se, para a

apreciação do pedido de indenização, a qualifi cação jurídica ao contrato, com

base em todas as alegações e documentos trazidos aos autos.

Destarte, não merece nenhum reparo, nem representa qualquer nulidade ou

julgamento extra petita, a conclusão da Corte a quo, no sentido da extinção do

contrato, em razão do inadimplemento, pressuposto necessário para apreciação

do pedido de condenação à indenização por descumprimento do contrato.

2. b. Da alegada violação do art. 918 do Código Civil de 1916

A TVA argumenta que o direito de resilição assegurado à CBF pelo

acórdão recorrido, em razão da existência de cláusula penal no contrato, feriu

o art. 918 do Código Civil de 1916, que faculta ao credor, e não ao devedor, a

conversão da cláusula penal estipulada para os casos de total inadimplemento

em obrigação alternativa.

O Tribunal de origem, instado em sede de embargos de declaração a se

manifestar sobre a regra do citado dispositivo (“Art. 918. Quando se estipular a

cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-

se-á em alternativa a benefício do credor”), assim se pronunciou:

No tocante ao art. 918, Código Civil, a Câmara entendeu que a hipótese era de resilição do contrato e, uma vez resilido, por culpa do réu, à hipótese devia ser aplicada a cláusula que estabelecia a multa contratual (fl . 1.093).

Diante disso, nota-se que os argumentos apresentados na peça recursal

não foram debatidos no acórdão recorrido, sob o enfoque pretendido pelo

recorrente, não servindo de fundamento à conclusão adotada pelo Tribunal de

origem. Desatendido, portanto, o requisito do prequestionamento, nos termos

do Enunciado n. 211 da Súmula desta Corte, verbis: “Inadmissível recurso

especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios,

não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.

Insta observar que a exigência do prequestionamento não se traduz em

mero rigorismo formal, que poderia ser livremente afastado pelo julgador. Ela

encerra a necessidade de obediência aos limites impostos ao julgamento das

questões submetidas ao E. Superior Tribunal de Justiça, cuja competência fora

outorgada pela Constituição Federal, em seu art. 105.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

522

Inexistindo, neste dispositivo, previsão de apreciação originária por este

E. Tribunal Superior de questões como a que ora se apresenta, fi ca obstado o

conhecimento do especial.

2. c. Da alegada violação dos artigos 463 e 535 do Código de Processo Civil

Neste tópico, a TVA sustenta a inviabilidade do acolhimento dos embargos

de declaração com efeitos infringentes, ausente qualquer das hipóteses previstas

no art. 535 do CPC, irresignação que, contudo, não prospera.

A decisão proferida pelo Tribunal de origem está em consonância com a

orientação jurisprudencial desta Corte, que fi rmou entendimento no sentido da

possibilidade de atribuição de efeitos infringentes aos embargos declaratórios,

em hipóteses excepcionais, para corrigir premissa equivocada relevante para o

deslinde da controvérsia, conforme precedentes:

Processual Civil e Administrativo. Embargos de declaração. Julgado embasado em premissa equivocada. Efeitos infringentes. Possibilidade. Acórdão regional fundado em norma infraconstitucional. Eventual fundamento constitucional que se vislumbra apenas de forma reflexa. Refis. Procedimento de exclusão. Legalidade. Precedente regido pelo art. 543-C, do CPC. Súmula n. 355-STJ.

1. O art. 535 do CPC dispõe que são cabíveis embargos de declaração quando a decisão for omissa, obscura ou contraditória, não sendo esse o meio processual adequado para discutir questão já enfrentada no acórdão embargado. Excepcionalmente, porém, emprestam-se efeitos infringentes aos embargos de declaração para corrigir premissa equivocada existente no julgado quando o vício apontado seja relevante para o deslinde da controvérsia, tal qual ocorre no caso em análise.

2. (...)

3. (...)

4. (...)

5. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modifi cativos, para conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento.

(EDcl nos EDcl no REsp n. 867.058-PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20.05.2010, DJe 11.06.2010).

Direito Processual Civil. Recurso especial. Ação de reintegração de posse. Embargos de declaração acolhidos com atribuição de efeitos infringentes.

- É permitido ao julgador, em caráter excepcional, atribuir efeitos infringentes aos embargos de declaração, para correção de premissa

Page 523: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 523

equivocada, com base em erro de fato, sobre a qual tenha se fundado o julgado embargado, quando tal for decisivo para o resultado do julgamento.

- Se ao analisar alegação de possível omissão, contradição ou obscuridade no acórdão que havia reformado a sentença, observar o Tribunal de origem a existência de erro de fato, identifi cando-o e sanando-o em sede de embargos declaratórios, para extirpar as premissas equivocadas em que se fundara e, por conseguinte, restabelecer a sentença, nada há para reformar no julgado.

- (...)

Recurso especial não conhecido.

(REsp n. 883.119-RN, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04.09.2008, DJe 16.09.2008).

Embargos de declaração. Agravo interno. Erro material. Artigo 535 do Código de Processo Civil.

I - O fundamento do acórdão erigido sobre uma premissa fática equivocada constitui erro material a ensejar o acolhimento dos embargos de declaração para a correção do julgado, atribuindo-lhe efeitos modifi cativos.

II - (...)

Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para negar provimento ao agravo interno.

(EDcl no AgRg nos EDcl no REsp n. 659.484-RS, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 28.06.2007, DJe 05.08.2008).

Concretamente, o Tribunal a quo acolheu os embargos de declaração

opostos por Botafogo Futebol e Regatas e outros (fl s. 1.117-1.121), com efeitos

infringentes, para condenar a TVA ao pagamento de indenização embasada

no art. 811 do CPC, porque a anterior decisão de rejeição desse pedido fora

amparada em duas premissas de fato equivocadas, quais sejam a de que o pedido

tinha fundamento jurídico idêntico ao formulado pela TVA e a de que os

embargantes não eram autores da ação.

A alteração de tais premissas fáticas equivocadas, provocadas pela oposição

de embargos de declaração, ensejou a atribuição de efeitos infringentes ao

recurso, como decorrência lógica do seu acolhimento, providência admissível,

consoante a jurisprudência supra citada.

2. d. Da alegada violação do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil

A TVA, entende, por fi m, que os honorários advocatícios deveriam ser

fi xados com base no § 4º do art. 20 do CPC, segundo a apreciação equitativa

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

524

do juiz, de modo que o arbitramento em 20% (vinte por cento) sobre o valor

da causa para a hipótese de improcedência dos pedidos formulados em face de

Botafogo Futebol e Regatas e outros é exorbitante.

Inicialmente, cabe destacar que, ao contrário do que afi rma a recorrente, o

valor da condenação em honorários foi arbitrado pelo Tribunal de origem em

20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, com base na apreciação equitativa

do juiz, orientada pelo § 4º do art. 20 do CPC, e não com fulcro no § 3º, que

tem como base de cálculo o valor da condenação.

E não há qualquer ilegalidade ou vedação à fi xação do valor de honorários

advocatícios, nos casos de improcedência da ação, em percentual sobre o valor

da causa, como se colhe da jurisprudência a seguir colacionada:

Processual Civil. Revisão de honorários advocatícios. Arbitramento em quantia irrisória. Revisão do quantum pelo STJ. Possibilidade. Precedentes da Corte Especial.

1. (...)

2. (...)

3. Também consagrado o entendimento de que a fi xação de honorários com base no art. 20, § 4º, do CPC não encontra como limites os percentuais de 10% e 20% de que fala o § 3º do mesmo dispositivo legal, podendo ser adotado como base de cálculo o valor da causa, o da condenação ou arbitrada quantia fi xa.

4. Recurso especial parcialmente provido, para elevar os honorários advocatícios para 3% do valor equivalente ao excesso da execução.

(REsp n. 1.192.036-RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 1º.07.2010).

Processual Civil. Cruzados bloqueados. MP n. 168/1990. Lei n. 8.024/1990. Improcedência do pedido em relação ao Bacen. Condenação da parte autora em ônus sucumbenciais. Art. 20, § 4º, do CPC. Possibilidade.

1. Quanto à verba honorária a ser suportada pela parte autora em favor do Bacen, registro ser notória, in casu, a sucumbência do autor em relação ao Bacen, ante a improcedência do pedido quanto à autarquia federal.

2. Assim, aplicável a regra do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, que determina, para as causas em que não houver condenação, que os honorários advocatícios sejam fi xados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as recomendações constantes das alíneas do § 3º do referido dispositivo legal. De fato, em tal hipótese, a legislação não vincula o julgador a nenhum percentual ou valor certo. Além disso, ao arbitrar a verba honorária, ele pode se valer de percentuais tanto sobre o valor da causa quanto sobre o valor da condenação, bem como fi xar os honorários em valor determinado.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 525

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 698.490-PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 24.11.2009, DJe 03.12.2009).

Ademais, a questão dos honorários advocatícios está, em princípio,

relacionada com os fatos da causa, somente podendo ser reapreciada quando

a estipulação feita pelas instâncias ordinárias distanciar-se dos critérios de

equidade ou desatender aos limites previstos na legislação processual, fato que

não se verifi ca no caso concreto.

Nem se revela excessivo o valor da verba honorária, arbitrada em 20% sobre

o valor da causa, fi xada em R$ 1.250.000,00 (um milhão e duzentos e cinquenta

mil reais), tendo em vista a natureza e importância da causa, o trabalho realizado

pelos advogados e o tempo despendido para o seu serviço, em demanda que se

prolonga desde 1997.

Logo, não se relevando ínfimo ou exagerado o valor alcançado pelas

instâncias ordinárias, inviável a revisão. Assim, descabe ao Superior Tribunal de

Justiça revisar os critérios utilizados pelo julgador a quo para o arbitramento da

verba honorária, em razão do disposto na Súmula n. 7 desta Corte, consoante

iterativa jurisprudência desta Corte, como se colhe:

Agravo regimental. Ação monitória. Majoração dos honorários advocatícios. Descabimento.

Na linha da jurisprudência deste Tribunal, a revisão do valor dos honorários advocatícios só é possível quando este se mostrar ínfi mo ou exorbitante, o que não se verifi ca no presente caso.

Agravo improvido.

(AgRg no Ag n. 874.296-DF, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 17.02.2009, DJe 03.03.2009).

Ante todo o exposto, nego provimento a ambos os recursos.

É o voto.

VOTO-VOGAL

O Sr. Ministro Massami Uyeda: Srs. Ministros, eu já havia recebido

antecipadamente o voto do Sr. Ministro Vasco Della Giustina, que, com muita

acuidade, analisou esse processo, que tem bastante meandros.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

526

Quero cumprimentar os eminentes Advogados pela objetividade da

sustentação, e também acompanho o voto do eminente Relator, negando

provimento aos recursos especiais.

RECURSO ESPECIAL N. 1.069.288-PR (2008/0138497-8)

Relator: Ministro Massami Uyeda

Recorrente: Eroni Terezinha Mazur e outro

Advogado: Altevir Lucas Hartin Júnior e outro(s)

Recorrido: Solange Mazzarotto

Advogado: Elizeu Luciano de Almeida Furquim e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Acidente automobilístico. Atropelamento.

Vítima fatal menor de idade. Família de baixa renda. Presunção

de auxílio fi nanceiro. Defi ciência mental do falecido. Indiferença.

Incapacidade laborativa futura. Ônus da prova do causador do ilícito.

Aplicação do direito à espécie pelo STJ. Possibilidade. Pensão devida

aos genitores do acidentado. Reparação dos gastos com despesas

médicas e funeral. Ausência de interesse recursal. Dano moral.

Majoração do quantum. Necessidade, na espécie. Recurso parcialmente

provido.

I - Em sendo a vítima fatal menor e pertencente à família de

baixa renda, presume-se que ela reverteria parte dos rendimentos

provenientes do seu trabalho para a manutenção do lar.

II - Os portadores de deficiência mental não estão

automaticamente excluídos do mercado de trabalho.

III - Cabe ao causador do ilícito desconstituir a presunção de que

o acidentado não auxiliaria materialmente a sua família.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 527

IV - Afastado o fundamento jurídico do acórdão recorrido,

cumpre a esta Corte Superior julgar a causa, aplicando o direito à

espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e da Súmula n. 456-STF.

V - É devida a pensão aos genitores da vítima fatal decorrente

de ato ilícito.

VI - Não tem interesse recursal a parte que pretende novo

julgamento de questão na qual restou vencedora no julgamento do

acórdão recorrido.

VII - A revisão do quantum arbitrado a título de dano moral

por esta Corte exige que ele tenha sido arbitrado de forma irrisória

ou exorbitante, fora dos padrões de razoabilidade, como ocorre, na

espécie.

VIII - O arbitramento do quantum, abaixo dos parâmetros

usuais deste e. Superior Tribunal de Justiça, estabilizado em patamar

equivalente a 500 (quinhentos) salários mínimos para os casos de

falecimento de fi lho em acidente de trânsito, aqui é feita em condições

excepcionais. Não se quer, com esse pronunciamento, de forma alguma,

desprestigiar a vida humana e a dor pela perda trágica de um ente

querido, mas sim, equilibrar os danos causados com a a capacidade

fi nanceira do seu causador.

XIX - Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça,

na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, a Turma, por

unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto

do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de

Tarso Sanseverino, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 14 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Massami Uyeda, Relator

DJe 04.02.2011

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

528

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Massami Uyeda: Historiam os autos que Eroni Terezinha

Mazur e Regiani de Castro Santos ajuizaram ação de reparação de danos em

desfavor de Solange Mazzarotto, postulando a condenação da ré ao pagamento

de danos morais e materiais, em razão de acidente automobilístico provocado

por ela e que vitimou fatalmente o fi lho da primeira autora e causou várias

lesões à segunda (fl s. 02-10 - vol. 01).

O pedido foi julgado parcialmente procedente (fl s. 301-331 - vol. 02).

Interposta apelação por Solange Mazzarotto, foi dado parcial provimento

ao recurso, em acórdão assim ementado:

Responsabilidade civil. Acidente automobilístico. Atropelamento. Culpa confi gurada. Concessão de pensionamento mensal pela morte de fi lho menor sem capacidade laborativa. Descabimento. Condenação indevida. Exclusão. Condenação ao recebimento do valor do seguro obrigatório. Impossibilidade. Condenação indevida. Exclusão. Cumulação de danos morais e materiais. Súmula n. 37-STJ. Valor fi xado a título de danos morais e estéticos não levou em consideração a condição econômica da apelante. Diminuição. Verba de sucumbência. Reduzida. Recurso parcialmente provido. (fl . 388 - vol. 02)

Os embargos de declaração assim opostos por Eroni Terezinha Mazur e

outra, autoras da ação de reparação de danos, foram acolhidos parcialmente, “para o fi m de sanar a omissão quanto ao ônus da prova do exercício da capacidade laborativa do menor, cuja incumbência é atribuída aos autores, sem alteração do julgamento; (...)” (fl . 486 - vol. 03).

Contra esses julgados Eroni Terezinha Mazur e outra, autoras da ação de reparação de danos, interpuseram recurso especial, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 333, inciso II, do Código de Processo Civil; 159 e 1.538 do Código Civil de 1916 e divergência jurisprudencial.

Sustentam as recorrentes, em síntese, que é da ré o ônus da prova de que o fi lho da primeira recorrente, autista, vitimado fatalmente no acidente, não teria capacidade para o trabalho remunerado, excepcionando a presunção de que nas famílias de baixa renda os fi lhos contribuem para a manutenção da casa. Aduzem, também, que as despesas com o tratamento médico devem ser integralmente custeadas pela culpada pelo evento danoso, independente da sua capacidade fi nanceira. Asseveram, por fi m, que o valor arbitrado a título de dano moral é irrisório (fl s. 490-506 - vol. 03).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 529

Contrarrazões às fl s. 518-525 - vol. 03, nas quais defende a recorrida, ré

da ação de reparação, preliminarmente, a necessidade de reexame do conjunto-

fático probatório para se avaliar a quem caberia o ônus da prova, assim como

para alterar o quantum indenizatório. No mérito, advoga que, como destacado

no acórdão recorrido, a capacidade fi nanceira do causador do dano deve ser

considerado no momento da fi xação da indenização.

Admitido o recurso pelo Juízo Prévio de Admissibilidade (fl s. 529-532 -

vol. 03), veio o presente recurso à conclusão deste Relator.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): Excelentíssimos Ministros

componentes da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Como delineado alhures, o caso dos autos não seria diferente de tantos

outros já apreciados por esta augusta Corte, não fosse a seguinte peculiaridade: a

vítima fatal do atropelamento era portadora de uma defi ciência mental. Por essa

razão é que trago o feito para a apreciação dos eminentes colegas.

Antes, contudo, de adentrar no mérito recursal, deve-se afastar a preliminar

levantada pela recorrida.

Não se verifi ca, in casu, a necessidade de reexame do conjunto fático-

probatório para se apreciar o ônus da prova, matéria eminentemente de direito,

assim como no que se refere ao quantum indenizatório, a considerar que as

requerentes não pretendem modificar as circunstâncias postas no acórdão

recorrido, mas sim lhes dar nova valoração.

Afastada a preliminar, passa-se ao mérito recursal.

A pretensão das recorrentes fi nca-se em duas questões: qual parte teria o

ônus de provar que a vítima fatal teria ou não capacidade laborativa futura e os

valores fi xados a título de danos material e moral.

No que se refere ao primeiro ponto, urge rememorar a situação fática posta

pelo Tribunal de origem.

Consta do acórdão recorrido que o fi lho da primeira recorrente foi vítima

fatal de acidente de trânsito provocado pela ora recorrida, razão pela qual

pleiteou-se o pagamento de pensão mensal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

530

A Corte a quo admitiu que a jurisprudência majoritária desta Corte é no

sentido de que, em sendo a vítima menor e pertencente de família de baixa

renda, presume-se que ela reverteria parte dos rendimentos provenientes do

seu trabalho para a manutenção do lar. No entanto, a circunstância de ser ela

portadora de defi ciência mental (autismo, em segundo grau) afastou a presunção

de auxílio material à família, sob o fundamento de que a autora da ação, ora

recorrente, não teria comprovado a capacidade laborativa futura da criança.

O v. acórdão recorrido merece reforma, tanto por uma questão de direito

quanto por justiça social.

A Constituição Federal impõe como objetivo fundamental da República

Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, além de

garantir igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Para tanto,

proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do

trabalhador portador de defi ciência; determina que a lei reservará percentual dos

cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de defi ciência; determina

o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência; e

a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as

pessoas portadoras de defi ciência física, sensorial ou mental, bem como de

integração social do adolescente e do jovem portador de defi ciência, mediante o

treinamento para o trabalho e a convivência.

A Lei n. 7.853/1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de

defi ciência e sua integração social, determina que cabe ao Estado assegurar

às pessoas portadoras de defi ciência o pleno exercício de seus direitos básicos,

inclusive os relacionados ao trabalho.

Em razão do implemento de políticas públicas, da quebra de barreiras

preconceituosas e, principalmente, do esforço e da perseverança das pessoas

portadoras de defi ciência, é cediço que, a cada ano, elas vêm ocupando cada vez

mais postos no mercado de trabalho, alcançando sua inclusão social e auxiliando,

ainda que indiretamente, na manutenção do lar.

Como exemplo, pode-se citar o projeto deste Superior Tribunal em

contratar defi cientes auditivos para o trabalho de digitalização dos processos

físicos, assim como a ajuda de portadores de Síndrome de Down nas mais

variadas funções administrativas.

O mesmo vem ocorrendo com a iniciativa privada, pois o Decreto n.

3.298/1999, que regulamentou a Lei retromencionada, obriga a empresa com

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 531

cem (100) ou mais empregados a preencher de dois (2%) a cinco por cento (5%)

de seus cargos com reabilitados ou pessoas portadoras de defi ciência habilitada.

Ademais, em uma rápida pesquisa na rede mundial de computadores foram

encontradas empresas especializadas no acesso ao trabalho de pessoas com

necessidades especiais.

Consta dos autos, destaca-se, que a criança vitimada já frequentava escola

especial (fl . 391 - vol. 02), mais um indicativo de que estava se preparando para

sua inclusão social.

Enfi m, o fundamento adotado pelo voto condutor do acórdão recorrido,

que a defi ciência do falecido impediria o seu acesso ao mercado de trabalho, face

à barreiras pelas quais enfrenta o excepcional no Brasil, não merece prosperar.

Afastado, portanto, o fundamento jurídico do acórdão a quo, cumpre a esta

Corte Superior julgar a causa, aplicando, se necessário, o direito à espécie, nos

termos do art. 257 do Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça e

da Súmula n. 456-STF.

Na espécie, a condenação na esfera criminal da ora recorrida Solange

Mazzarotto, como a causadora do evento danoso (fl s. 28-35 - vol. 01) afasta a

necessidade de se aferir a responsabilidade no âmbito civil, nos termos do artigo

935 do Código Civil (art. 1.525 do Código Civil de 1916).

Diante de todo o contexto já exposto, permanece incólume a pacífi ca

jurisprudência desta Corte no sentido de que, em acidentes fatais que envolvam

vítimas menores, de famílias de baixa renda, é devida a pensão mensal aos seus

pais, pois presume-se que contribuiriam para o sustento do lar (ut REsp n.

688.585-MS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 26.05.2010; AgRg no Ag

n. 688.871-GO, Rel. Min. Paulo Furtado, DJe 26.11.2009; REsp n. 555.036-

MT, Rel. Min. Castro Filho, DJ 23.10.2006 e REsp n. 335.058-PR, Rel. Min.

Humberto Gomes de Barros, DJ 15.12.2003).

Caberia à parte ré, ora recorrida, o ônus da prova da incapacidade

laborativa futura da vítima e, consequentemente, que ela não contribuiria para

a manutenção do lar. No entanto, compulsando-se os autos, verifi ca-se que não

há qualquer prova capaz de desconstituir a presunção dada em favor da família.

Resta, pois, quantifi car o pensionamento pleiteado.

A considerar a situação especial da vítima, autista em segundo grau,

e o disposto no § 2º do artigo 36 do Decreto n. 3.298/1999, que considera

habilitado para o trabalho o defi ciente que conclui a educação profi ssional de

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nível básico, técnico ou tecnológico, presume-se que ela aportaria no mercado

de trabalho a partir dos 18 (dezoito) anos de idade, assim como manteria o

seu domicílio com os pais. O resultado dessa equação representa que a pensão

devida deve ser fi xada em 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente ao tempo da

sentença, ajustando-se às variações ulteriores (Súmula n. 490-STF), tendo como

termo inicial o dia em que completaria 18 (dezoito) anos e termo fi nal o dia do

seu 65º (sexagésimo quinto) aniversário, idade da sua provável sobrevida, ou até

o falecimento da benefi ciária.

Continuando o julgamento do recurso especial, pretende-se a revisão dos

valores fi xados a título de danos materiais e morais.

No que se refere aos danos materiais, observa-se a falta de interesse recursal

das recorrentes quanto à pretensão de que a recorrida arque integralmente com

os gastos médicos-hospitalares e funeral, independentemente da sua capacidade

fi nanceira, uma vez que vencedoras em primeira instância e mantida a sentença

em grau de apelação.

Quanto ao dano moral, cumpre anotar que a revisão do seu quantum por

esta Corte exige que ele tenha sido arbitrado de forma irrisória ou exorbitante,

fora dos padrões de razoabilidade (ut REsp n. 445.858-SP, Relator Ministro

Castro Filho, DJ 19.12.2005).

Observa-se que, ressalvadas as peculiaridades fáticas de cada caso concreto,

este Sodalício abalança-se a estabelecer a faixa de razoabilidade dos valores

devidos a título de danos morais, decorrentes de morte em acidente de trânsito,

em quantias de até 500 (quinhentos) salários mínimos. (ut REsp n. 713.764-

RS, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 10.03.2008). Na mesma

linha os seguintes precedentes: REsp n. 427.569-SP, Rel. Min. João Otávio

de Noronha (trezentos salários mínimos); Ag n. 1.209.864-RJ, Rel. Min.

Luis Felipe Salomão (cem mil reais); REsp n. 210.101-PR, Rel. Min. Carlos

Fernando Mathias (cem mil reais).

In casu, a condenação referente aos danos morais perfaz a quantia de

R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) para a primeira recorrente, em razão

do falecimento do seu fi lho e em R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais) para

a segunda recorrente, em razão dos transtornos que o atropelamento lhe

trouxeram, valores estes que, de acordo com a sobredita jurisprudência e com

as peculiaridades do caso sub examine, são irrisórios a ponto de admitir-se a

intervenção excepcionalíssima deste Tribunal Superior.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 533

É certo, outrossim, que o quantum indenizatório deve levar em consideração:

a extensão do dano, o grau de culpa e a capacidade fi nanceira do seu causador

e o grau de culpa e as circunstâncias pessoais da vítima. Pretende-se, com esses

requisitos, que o responsável pelo evento danoso compense a vítima pela dor

experimentada, nos limites da sua conduta, sem, contudo, arruiná-lo.

Destarte, a considerar a culpa da ora recorrida no evento danoso (não ter

diminuído a velocidade na curva - fl s. 395 - vol. 03), mas, contudo, atentando-

se ao fato dela perceber salário de aproximadamente 03 (três) salários mínimos

(fl s. 395 - vol. 03), o dano moral deve ser majorado para R$ 35.000,00 (trinta e

cinco mil reais) para a primeira recorrente, em razão do falecimento do seu fi lho

e para R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a segunda recorrente, em razão dos

transtornos que o atropelamento lhe trouxe.

Ressalta-se, mais uma vez, que este quantum, abaixo dos parâmetros usuais

deste egrégio Superior Tribunal de Justiça, estabilizado em patamar equivalente

a 500 (quinhentos) salários mínimos para os casos de falecimento de fi lho em

acidente de trânsito, aqui é feita, como já justifi cado, em condições excepcionais.

Não se quer, com esse pronunciamento, de forma alguma, desprestigiar a vida

humana e a dor pela perda trágica de um ente querido, mas sim, equilibrar os

danos causados com a capacidade fi nanceira do seu causador.

Assim, dá-se parcial provimento ao recurso especial, para reformar o

acórdão recorrido no ponto referente ao pensionamento e condenar a ora

recorrida Solange Mazzarotto ao pagamento de pensão mensal à recorrente

Eroni Terezinha Mazur, genitora da vítima fatal do acidente automobilístico,

arbitrado em 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente ao tempo da sentença,

ajustando-se às variações ulteriores (Súmula n. 490-STF), tendo como termo

inicial o dia em que a vítima completaria 18 (dezoito) anos, e termo fi nal o dia

do seu 65º (sexagésimo quinto) aniversário, idade de sua provável sobrevida,

ou até o falecimento da benefi ciária, com incidência de juros de mora de 0,5%

(meio por cento) ao mês até o advento do Código Civil de 2002 (Lei n. 10.406)

e, a partir daí, no percentual de 1% (um por cento), desde a data do evento

danoso (Súmula n. 54-STJ), e também para majorar a verba indenizatória por

danos morais, para o patamar de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) para a

primeira recorrente e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a segunda recorrente,

corrigidos a partir deste julgamento.

Com o resultado deste julgamento, verifi ca-se a sucumbência mínima

das autoras da ação, ora recorrentes, pois, dos seis (06) pedidos feitos na

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inicial, apenas o referente ao seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos

Automotores de Via Terrestre - DPVAT foi improcedente. Assim, nos termos

dos artigos 20, § 3º, e 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil, fi ca

a ré da ação de reparação, ora recorrida, condenada ao pagamento das custas

processuais e honorários advocatícios, arbitrado em 10% (dez por cento) do

valor da condenação.

Por ser a ré, ora recorrida, funcionária pública, oficie-se à Prefeitura

Municipal de Curitiba, Estado do Paraná, para que providencie o desconto, na

folha de pagamento da servidora, da pensão mensal em que fora condenada.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.077.638-RS (2008/0163311-4)

Relator: Ministro Sidnei Beneti

Recorrente: Curtume Paquetá Ltda.

Advogado: Danilo Knijnik e outro(s)

Recorrido: Adenir Gandor Lopes e outro

Advogado: Osvaldo Simões Junior e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Indenização a pescador lesado por dano ambiental. Execução provisória individual alimentar de liminar de antecipação de tutela deferida em ação civil pública movida por entidade de pescadores. Bloqueio de bens da recorrente proporcional ao arbitrado ao pescador. Levantamento, contudo, condicionado à demonstração de situação de efetivamente lesado. Ofensa ao art. 535 CPC inexistente. Prequestionamento. Divergência jurisprudencial. Súmulas STJ n. 211 e STF n. 282, n. 356.

I. Deferida liminar de antecipação de tutela em ação civil pública, para bloqueio de bens da acionada e pagamento de pensão de um salário-mínimo mensal a cada pescador lesado por dano ambiental,

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 535

e promovida execução provisória individual, deve permanecer o bloqueio, proporcional ao valor a ser pago ao exequente, condicionado, contudo, o levantamento, à demonstração, na execução provisória individual, de se tratar efetivamente de pescador lesado.

II. Ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil inexistente.

III. Prequestionamento não realizado, exigência inafastável que impede o conhecimento de matérias sustentadas no recurso, visto que não examinadas, em que pese interpostos Embargos de Declaração.

IV. Recurso Especial improvido, com recomendação de agilização do andamento da ação-civil pública, de que dependentes as execuções individuais provisórias.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista regimental do Sr. Ministro Relator, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Nancy Andrighi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 04 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Sidnei Beneti, Relator

DJe 11.11.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1.- Curtume Paquetá Ltda. interpõe Recurso Especial com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Rel. Des. Odone Sanguiné), proferido nos autos de execução provisória de alimentos, assim ementado (fl s. 375):

Agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Execução provisória. Bloqueio de conta bancária e liberação de quantia relativa a verba alimentar. Necessidade de comprovação do direito a alimentos.

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1. A decisão que deferiu o bloqueio é capaz de causar lesão grave e de difícil reparação à fi rma, hipótese expressamente prevista no art. 522 do CPC, razão pela qual está preenchido o novo requisito de admissibilidade do agravo de instrumento.

2. A decisão a quo determinou o bloqueio da conta bancária do recorrente até o valor do débito constante destes autos, bem como deferiu a expedição de alvará para o seu levantamento. Assim, as insurgências recursais sobre a necessidade de prévia liquidação da decisão liminar ou acerca de eventual empecilho legal de execução de decisão liminar em território distinto do qual foi proferida desbordam da estreita cognição do recurso de agravo de instrumento. Tais matérias não foram objeto do comando judicial recorrido, motivo pelo qual eventual disposição deste Tribunal importaria em supressão de instância.

3. Por tais razões, impende conhecer em parte do agravo de instrumento.

4. O deferimento do levantamento de valores depositados em Juízo pelo pescador, a título de verba alimentar, requer a demonstração, no primeiro grau, da dependência desta verba para o sustento do pescador e de sua família.

5. Por ora, não demonstrado o direito do exeqüente, impende a reforma parcial da decisão a quo, com o escopo de manter o bloqueio da conta bancária da ré até o valor do débito, mas suspender a expedição de alvará e, por conseqüência, obstaculizar a liberação de quantia em favor do exeqüente, sem prejuízo de concessão do valor, pelo magistrado, acaso evidenciados os pressupostos do deferimento da verba alimentar no primeiro grau.

Conheceram em parte do agravo de instrumento e, nessa parte, proveram-no parcialmente unânime.

2. - O Acórdão recorrido foi lançado nos termos cujos excertos principais

se transcrevem (fl s. 375-379):

Relatório

Des. Odone Sanguiné (Relator)

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por Curtume Paquetá Ltda., irresignada com decisão proferida nos autos da execução provisória que lhe é movida por Colonia de Pescadores Z-5 Ernesto Alves, conjuntamente com Curtume Paqueta Ltda., na qual o ilustre juiz deferiu a expedição de alvará para levantamento da quantia em favor do autor e determinou o bloqueio destes valores até o valor do débito da execução provisória originária.

2. Em suas razões recursais (fl s. 02-21), a agravante sumariza a controvérsia, dizendo que interpôs agravo de instrumento, inicialmente distribuído à 2ª Câmara Cível, sendo-lhe agregado efeito suspensivo, decisão que não foi revogada até o momento. Narra que o Ministério Público na origem opinou no sentido da necessidade de prévia liquidação, o que foi ratifi cado pela decisão judicial. Relata

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RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 537

que, a despeito da decisão judicial no sentido da necessidade de prévia liquidação da decisão, a associação agravada ajuizou 501 (quinhentas e uma) execuções provisórias, todas per saltum da referida liquidação e ignorando a agregação de efeito suspensivo ao recurso de agravo de instrumento mencionado. Neste ponto, reitera que o efeito suspensivo impede o ajuizamento das execuções provisórias até o julgamento do mérito do recurso. Salienta a ilegalidade manifesta do bloqueio das contas bancárias, porquanto o cumprimento da decisão antecipatória, em ação coletiva, será promovido mediante nova demanda, dividida na fase da liquidação, destinada a complementar a atividade cognitiva e na fase da execução. Destaca que os recursos depositados pela co-ré Gelita foram levantados sem forma nem fi gura de juízo. Afi rma que aportaram ao foro de Estância Velha 501 execuções per saltum de liquidação, âmbito em que a associação já encaminhou idêntico pedido de bloqueio das contas bancárias. Alega desrespeito aos limites territoriais do decisum porque o segundo agravado é domiciliado em Canoas, não se podendo executar neste Município uma decisão proferida pelo Juízo de Estância Velha. Considera aplicável à espécie o art. 558 do CPC, pois presente o prejuízo que inviabilizará o empreendimento da peticionária. Por fi m, requer o deferimento do efeito suspensivo, sustando a efi cácia da decisão que, relativamente à ora recorrente, determinou o bloqueio de contas bancárias, até decisão fi nal desta Câmara, e posterior provimento do presente recurso.

3. Distribuído o feito, vieram os autos conclusos, ao que se sucedeu a concessão de efeito suspensivo ao agravo até o seu julgamento de mérito.

4. Em contra-razões (fl s. 303-322), o agravado requer a conversão do agravo de instrumento em agravo retido e pede a revogação do efeito suspensivo, com a manutenção da decisão a quo.

5. O Ministério Público, nesta Corte, opinou pelo conhecimento parcial do recurso e, nessa parte, pelo improvimento do agravo de instrumento (fl s. 369-372v.).

É o relatório.

Votos

Des. Odone Sanguiné (Relator)

Eminentes colegas.

6. Preambularmente, quanto à validade e efi cácia da decisão que concedeu efeito suspensivo ao agravo de instrumento inicialmente distribuído ao eminente Des. Arno Werlang, a matéria já foi por mim analisada em decisão nos autos do Agravo Instrumento n. 70.023.088.610, motivo pelo qual os seus fundamentos vão aqui adotados e reproduzidos, verbis:

Nos autos do Agravo de Instrumento n. 70.019.211.002, referente ao mesmo caso, com propriedade, a Desa. Íris Helena Medeiros Nogueira,

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manifestou-se sobre a alegação de que o efeito suspensivo conferido ao recurso pela Câmara de Direito Público desta Corte permanece hígido, embora o agravo tenha sido redistribuído em razão da incompetência daquele órgão fracionário. Suas bem lançadas razões vão aqui adotadas como fundamento de decidir o ponto, verbis: “o artigo 113, § 2º, do Código de Processo Civil dispõe que, em sendo declarada a incompetência absoluta, os atos decisórios serão nulos. Ora, nesse contexto, evidente que a decisão que deferiu o préstimo de efeito suspensivo não permanece surtindo efeitos. Inclusive, tal afi rmação encontra amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Agravo regimental. Mandado de segurança. Declaração de incompetência absoluta. Atos decisórios. Nulidade (art. 113, § 2º, CPC) I - A declaração de incompetência absoluta, com a determinação de remessa dos autos à justiça competente, acarreta a declaração de nulidade de todos os atos decisórios, só se aproveitando os demais atos processuais que não causarem prejuízos às partes.

II - Na espécie, não pode subsistir a liminar anteriormente concedida se decisão posterior reconheceu a incompetência absoluta deste e. Superior Tribunal de Justiça para o processamento e julgamento do mandado de segurança e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal de primeira instância (art. 113, § 2º, Código de Processo Civil).

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no MS n. 11.254-DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 25.10.2006, DJ 13.11.2006, p. 221)”.

7. De outra banda, é cediço o descabimento de conversão de agravo de instrumento em retido em sede de execução. Conforme bem asseverou o Ministério Público nesta Corte: “(...) a decisão que deferiu o bloqueio é capaz de causar lesão grave e de difícil reparação à fi rma, hipótese expressamente prevista no art. 522 do CPC, razão pela qual está preenchido o novo requisito de admissibilidade do agravo de instrumento, impondo o desacolhimento da tese sustentada pelos agravados em contra-razões”.

8. Ainda em preliminar, impende salientar que a decisão a quo determinou o bloqueio da conta bancária do recorrente até o valor do débito constante deste autos, bem como deferiu a expedição de alvará para o seu levantamento. Assim, as insurgências recursais sobre a necessidade de prévia liquidação da decisão liminar ou acerca de eventual empecilho legal de execução de decisão liminar em território distinto do qual foi proferida desbordam da estreita cognição do recurso de agravo de instrumento. Tais matérias não foram objeto do comando judicial recorrido, motivo pelo qual eventual disposição deste Tribunal importaria em supressão de instância.

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RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 539

9. Por tais razões, impende conhecer em parte do agravo de instrumento, conforme bem opinou a digna representante do Ministério Público nesta Corte, Dra. Sônia Mara Frantz.

10. Deferido o efeito suspensivo em 08.02.2008, o Juízo a quo, em 15.02.2008, providenciou diligentemente a suspensão dos alvarás em todas as execuções provisórias, em decisão assim lançada, conforme consulta no sistema eletrônico deste Tribunal, verbis: Considerando a decisão do Agravo n. 70.023.090.012, suspendo o alvará, bem como a expedição de ofício para o bloqueio de valores em conta, nestes autos, decisão que também é extensiva as demais execuções provisórias, nas quais já deferi a expedição. Nota-se que, embora o deferimento da liberação da verba alimentar, dispensa a comprovação de certos requisitos, conforme art. 475-O, III, c.c. § 2º, I, do CPC, como observado na decisão do relator, não deve ser dispensada a comprovação de que o exeqüente precisa do valor depositado para o sustento próprio e de sua família, o que não restou demonstrado nos autos. Aguarde-se a decisão do mérito do agravo.

11. Pois bem, quando do préstimo de efeito suspensivo aos agravos de instrumento interpostos no âmbito de execuções provisórias ajuizadas pela Colônia de Pescadores conjuntamente com certos membros, já me manifestei sobre a exigência de que cada um dos exeqüentes comprove, nos autos, no primeiro grau, o seu direito a alimentos, é dizer, o deferimento do levantamento de valores depositados em Juízo pelo pescador, a título de verba alimentar, exige a demonstração da dependência desta verba para o sustento do pescador e de sua família. No ponto, reproduzo os fundamentos da decisão lançada, verbis:

7. A documentação acostada à execução provisória em tela, noticia a instauração de Inquérito Policial (n. 3194/2007/100912), tramitante na 2ª Delegacia de Polícia de São Leopoldo-RS para averiguar a suposta prática de delito no que toca à declaração de alguns integrantes da Colônia no sentido de que são pescadores profi ssionais, fazendo da pesca o seu meio de sustento. No ponto, convém mencionar que, nos termos do relatório elaborado pelo Sr. Delegado de Polícia, “Inquirimos nos autos 95 dos 765 pescadores filiados na Colônia de Pescadores Z-5. Destes apenas 33 declararam que dependiam da pesca no Rio dos Sinos (...). Outros 62 pescadores listados declinaram que não autorizaram a inclusão de seus nomes como benefi ciários na ação (...). Inquirimos ainda os familiares de cinco pescadores já falecidos, conforme provam as certidões de óbito juntadas que, segundo a Colônia de pescadores Z-5, foram prejudicados pela mortandade de peixes no ano de 2006. (...) Quase 70% dos inquiridos afirmam que não dependem da atividade pesqueira.” A partir da investigação, o Sr. Delegado indiciou o presidente da Colônia de Pescadores Z-5, dois secretários da entidade e o seu tesoureiro como incursos nas sanções dos artigos 171, combinado com o artigo 14, inciso II e 299 do Código Penal (fl s. 86-89).

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8. Em processo anterior (n. 70.019.284.116) foi apresentado relatório investigativo sobre o patrimônio de alguns dos integrantes da Colônia de Pescadores, fazendo crer que alguns dos seus integrantes não fazem da pesca o seu meio de subsistência.

9. Tais questões individuais de cada um dos associados devem ser dirimidas na seara das execuções provisórias individuais, sob pena de a concessão genérica de alimentos a todo a qualquer integrante da lista de associados da Colônia subverter um dos requisitos fundamentais do deferimento de verba alimentar, qual seja, a necessidade do alimentando. Consoante já decidiu o E. STJ, a natureza individual homogênea do direito pleiteado produz decisão liminar e sentença genéricas, cuja execução individual exige uma cognição exauriente e contraditório amplo (vide EREsp n. 475.566-PR, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 13.09.2004; REsp n. 853.024-RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 06.02.2007, DJ 15.02.2007, p. 230) (grifei).

10. Por sua vez, o Juízo a quo já reconheceu, em decisão anterior, que o “trabalho de araponga” desenvolvido pelas co-rés, para comprovar que muitos benefi ciários não fazem jus à verba alimentar, possui sede própria na execução provisória individual (fl s. 140-141).

11. Todavia, a decisão agravada, proferida no âmbito da execução provisória originária, mesmo ausente a comprovação de que o exeqüente precisa da pesca para sobreviver, determinou o imediato bloqueio de valores da conta bancária da ora agravante para pagamento do valor da verba alimentar fi xada liminarmente.

12. Assentado o cabimento de execução provisória de liminar antecipatória, aplica-se o art. 475-O, III, c.c. § 2º, I, do CPC, conforme o qual o levantamento de depósito em dinheiro depende de caução sufi ciente e idônea, que pode ser dispensada quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade. No caso, a caução foi dispensada, mas a necessidade não foi provada.

13. Destarte, seja porque há verossimilhança na alegação de que muitos benefi ciários da verba não precisam dela, seja porque a caução foi dispensada, ainda que não comprovada a situação de necessidade do alimentando, se me afi gura temerária a liberação imediata de valores, mediante a expedição de alvará para levantamento da quantia em favor do autor.

14. Então, dado o contexto fático de que alguns dos membros da Colônia de Pescadores provavelmente podem estar se aproveitando da simples qualidade de fi liado para obter vantagem patrimonial indevida, se me afi gura prudente a suspensão da decisão a quo que determinou a expedição de alvará para levantamento da quantia em favor do autor, bem

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 541

como o bloqueio da conta bancária da empresa para imediato pagamento de alimentos, tendo em vista a indispensabilidade de comprovação, nos autos da execução provisória, de que o exeqüente preenche o requisito da necessidade da verba para o seu sustento e de sua família durante o curso da demanda coletiva.

12. A liberação de valores ao pescador fi ca sujeita à comprovação, no primeiro grau, de que ele faz jus à verba alimentar. Por ora, não demonstrado o direito do exeqüente, impende a reforma parcial da decisão a quo, com o escopo de manter o bloqueio da conta bancária da ré até o valor do débito, mas suspender a expedição de alvará e, por conseqüência, obstaculizar a liberação de quantia em favor do exeqüente, sem prejuízo de concessão do valor, pelo magistrado, acaso evidenciados os pressupostos do deferimento da verba alimentar no primeiro grau.

13. Ante o exposto, voto no sentido de conhecer em parte do agravo de instrumento e, nessa parte, provê-lo parcialmente, com o fim de manter o bloqueio da conta bancária da ré, obstaculizando, todavia, a expedição de alvará e a liberação de quantia em favor do exeqüente.

3. - Embargos Declaratórios foram rejeitados (fl s. 391).

4. - No presente Recurso Especial, a recorrente alega ofensa aos arts. 113, §

2º, 267, § 3º, 475-A, E, O, III, § 2º, I, 515, § 1º, 522, 524, II, 535, 580, 586, 618,

I, 655-A, § 3º, do Código de Processo Civil, 95, 97, 98, §§ 1º, 2º, do Código

de Defesa do Consumidor, 16 da Lei n. 7.347/1985, 2º da Lei n. 9.494/1997.

Aponta divergência jurisprudencial.

Sustenta, em síntese, que:

a) o acórdão recorrido é omisso, pois apesar de interpostos os Embargos

Declaratórios, o Tribunal a quo manteve silente quanto ao exame não apenas

a ilegalidade do bloqueio de suas contas bancárias, à mingua de liquidação prévia e

individual, mas o desrespeito aos limites territoriais da liminar, visto que, a teor dos

arts. 16 da Lei n. 7.347/1985 e 2º-A da Lei n. 9.494/1997, tal decisum somente

poderia benefi ciar domiciliados no foro do Juízo processante, consoante jurisprudência

iterativa do STF e STJ (fl s. 412-413);

b) o agravo produz efeito devolutivo, transferindo ao Tribunal ad quem

o conhecimento das matérias de ordem pública impugnadas, assim não havia

óbice para o exame da necessidade de prévia liquidação da decisão liminar e

acerca de eventual empecilho legal de execução de decisão liminar em território

distinto do qual foi proferida;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

542

c) Impõe-se, a mais de um título, liquidação prévia e individual, mormente

porque, segundo o próprio acórdão recorrido, “a necessidade não foi provada”,

afi gurando-se inviável não apenas a produção dessa prova “na seara das execuções

provisórias individuais”, mas, sobretudo, o bloqueio de contas bancárias antes de tudo

isso, como quis o r. acórdão recorrido. Daí ser de rigor o desbloqueio, daí ser de rigor a

liquidação prévia e individual (fl s. 425);

d) o Eg. Tribunal a quo determinou diretamente a medida drástica e simplista

de “bloqueio da conta bancária da ré”, ora Recorrente, em vez de, se fosse o caso, a

penhora de seu faturamento com a fi el e rigorosa observância dos requisitos legais (fl s.

432);

e) ao alvitar, no Agravo subjacente a este Especial, que “a decisão que deferiu

o préstimo de efeito suspensivo não permanece surtindo efeitos”, no Agravo n.

70.019.211.002, sob color da “incompetência absoluta” da 2ª Câmara Cível, que se

sabe ser “relativa”, o Eg. Tribunal de origem acabou por negar vigência ao disposto no

art. 113 e seu § 2º do CPC; e

f ) o decisório prolatado em ação coletiva visando à tutela de direitos individuais

homogêneos alcança apenas quem tem domicílio no âmbito da competência territorial

do respectivo Juízo prolator, ou seja, no caso dos autos, o Juízo de Estância Velha-RS,

sendo que a validade dessa limitação já não mais padece de dúvida (fl s. 442), assim o

segundo recorrido (Ademir Gandor Lopes) não poderia executar em seu favor a

liminar, pois reside em Canoas-RS.

5. - Contra-arrazoado (fls. 497-513), o Recurso Especial (fls. 401-

494) foi admitido (fl s. 515-516). Parecer do Ministério Púbico Federal pelo

improvimento do Recurso Especial (fl s. 522-527).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 6. - A Recorrente, que é uma

de cinco rés de Ação Civil Pública e de Execução Provisória de liminar

nela deferida em antecipação de tutela, visa à reforma de acórdão que deu

provimento em parte a Agravo de Instrumento, mantendo o bloqueio de contas

bancárias da recorrente até o limite do débito, mas impedindo o levantamento

do numerário pelo Recorrido, enquanto não comprovadas a legitimidade de

parte, consistente na demonstração da condição de pescador profi ssional, e a

necessidade alimentar.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 543

Note-se que se tem uma somatória de ajuizamentos e decisões sucessivas,

todas de natureza provisória.

Ajuizada Ação Civil Pública, decorrente de uma lesão ambiental gigantesca,

fato certo e imensamente reprovável, mas de autoria e responsabilidade não

imediatamente determinadas ante a multiplicidade de empresas existentes nas

proximidades, a cujos atos teriam de ser ainda ulteriormente estabelecidos nexos

de causalidade, e com lesados indeterminados, pois somente poderiam ser tidos

por lesados pescadores profi ssionais efetivamente atingidos, que dependessem

economicamente da pesca na região, veio a ser proposta, pela Associação

Autora, com participação de alguns dirigentes que chegaram a ser denunciados

por estelionato decorrente do fato, uma Ação Pública multitudinária, que a

Associação informou envolver nada mais nada menos que 756 lesados (pessoas

com “carteira de pescador profi ssional”, fi liadas è entidade, cf. fl s. 237-238

destes).

Seguiu-se a ansiedade antecipatória que grassa nos meios processuais

brasileiros – e que, em vez de encurtar a vida dos processos, acaba provocando

algo, permita-se, à moda de um “motu perpetuo” ou “bola de neve”, com a

produção serial de novos processos que antecipam consequências do antecipado,

vivendo da provisoriedade e da presumibilidade, sem aguardar o exame das

questões concretas substanciais e provocando, diante da massa de processos

e recursos superpostos, verdadeira paralisação do andamento do processo da

controvérsia básica, perdido o fulcro da objetividade processual nos desvãos da

multiplicação de maços de papéis – que açambarcam a atividade jurisdicional,

desefetivando-a – e isso trinta anos após as advertências clássicas de FRITZ

BAUR, sobre a necessidade de limitação da provisoriedade, advertências de

que nem se pode alegar ignorância, pois publicadas há décadas em magnífi ca

tradução brasileira (cf. BAUR, Fritz. in Estudo Sobre a Tutela Jurídica Mediante

Medidas Cautelares. Tradução: Armindo Edgar Laux, Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris Editor, 1985).

A verdade é que se ajuizaram, na sucessão de poucos dias: 1) uma Ação

Civil Pública, com deferimento de antecipação de tutela, de limites subjetivos

indeterminados, movida contra cinco rés, cujas responsabilidades não foram

adrede defi nidas; 2) a seguir, centenas de execuções individuais provisórias,

enquanto ainda em andamento a ação-mãe, isto é, a Civil Pública; 3) numerosos

bloqueios de conta bancária, com determinações de levantamento a título

alimentar; 4) enorme série de Recursos Especiais e Agravos de Instrumento

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544

para este Tribunal – que se tem de transformar em uma espécie de acertador geral da desenfreada dispersão processual multitudinária de uma única questão, que açambarca, por sua vez, relevantes setores da jurisdição de um dos Estados.

De qualquer forma, tem-se, agora, de julgar o presente caso, o que se fará nos termos a seguir – ressalvado, contudo, consigne-se, o enfoque de outros casos que vierem ao presente Relator, nos quais seja, eventualmente, possível, aglutinar o enfoque para julgamento único – operando-se aquilo que, na frase clássica, tantas vezes repetida por um Mestre, KAZUO WATANABE, signifi ca a “molecularização de demandas átomas”.

Permita-se recomendar à respeitada Magistratura do Estado de origem, tantas vezes destacada pela qualidade e seriedade, que faça confl uir todos os esforços preferenciais à aceleração do andamento e desfecho do processo-mãe, que é a Ação Civil Pública, desincentivando a ansiedade antecipatória interlocutorizadora da questão central e liberando-o, de vez, ao processo-mãe, se for o caso, para que nos Tribunais Superiores encontre seu termo, de modo a exterminar mais essa “macro-lide” – que já se espraia por várias centenas de autos, todos, afi nal de contas, dependentes do julgamento do processo principal que é a Ação Civil Pública.

7. - Recorde-se que o presente Recurso Especial é interposto com fundamento no art. 105, III, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Rel. Des. Odone Sanguiné, fl s. 375-379 destes autos), proferido nos autos do Agravo de Instrumento n. 70.023.087.596, interposto nos autos de Execução Provisória (Proc. 095/1.07.0004645-1 - Distr. 06.10.2007, fls. 23, decisão inicial 09.10.2007, fl s. 48 destes autos), promovida, esta, ante o deferimento de Liminar de Antecipação de Tutela em Ação Civil Pública (Proc. 095-1.07.000901-7, liminar de 19.03.2007, fl s. 28-30 destes autos), movida pela 1) Colônia de

Pescadores Z-5 - “Ernesto Alves” e contra 1) União dos Trabalhadores em Resíduos

Especiais e Saneamento Ambiental - Utresa; 2) Curtume Paquetá Ltda.; 3) Gelita do

Brasil Ltda.; 4) Curtume Kern Mattes Ltda.; 5) Psa Indústria de Papel S/A.

A Ação Civil Pública (Petição inicial, fl s. 197 destes autos, protocolada a 14.03.2007) visa à condenação das rés ao pagamento de indenização a pescadores lesados em conseqüência de despejo de substâncias químicas no Rio do Sinos, ocorrido entre os dias 07 e 09 de outubro de 2006 (inicial da Ação Civil Pública, fl s. 198 destes).

A cronologia de interesse para o caso, que se colhe da confusa documentação (não observada a ordem cronológica na juntada) é a seguinte:

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RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 545

1) 07.09.10.2006 - Ocorrência do fato (inicial da Ação Civil Pública, 198 destes),

2) 14.03.2007 - Ajuizamento da Ação Civil Pública no dia 14.03.2007 (Protocolamento da inicial, fl s. 197 destes);

3) 15.03.2007 - Despacho determinando esclarecimentos de benefi ciários (fl s. 236 destes);

4) 16.03.2007 - Indicação como benefi ciários de 765 pessoas com “carteira de pescador profi ssional” (fl s. 237-238 destes);

5) 04.10.2007 - Ajuizamento da Execução provisória individual pelos dois ora Recorridos - a Colônia de Pescadores Z-5 - “Ernesto Alves” e Adenir Gandor contra as cinco rés da Ação Civil Pública (fl s. 24-26 destes).

6) 09.10.2007 - Despacho inicial da Execução Provisória determinando a intimação da devedora para pagamento no prazo de 15 dias, nos termos do art. 475-J, 1ª Parte, do CPC, sob pena de multa (fl s. 48 destes).

7) 18.10.2007 - Ata da 3ª Reunião Ordinária do Plenário do “Comitesinos”, pretensamente comprovando a superação do problema amtiental (fl s. 284-291). reconhecendo

8) 17.01.2008 - Deferimento do levantamento e o “imediato bloqueio destes valores até o valor do débito destes autos, nos termos da manifestação do autor (fl s. 280 destes);

9) 15.02.2008 - Decisão monocrática do Relator do AI 70.023.087.596 deferindo o efeito suspensivo (Des. Odone Sanguiné) deferindo efeito suspensivo (fl s. 295-298).

10) 02.04.2008 - Sessão de julgamento da 9ª Câmara Cível do TJRS (Rel. Des. Odone Sanguiné) mantendo o “bloqueio da conta bancária da ré até o valor do débito”, mas impedindo “a liberação de quantia em favor do exequente, sem prejuízo da concessão do valor, pelo magistrado, acaso evidenciados os pressupostos do deferimento da verba alimentar no primeiro grau (Acórdão, fl s. 374-379, Ementa a fl s. 375).

8. - Nestes autos, a solução não pode ser outra senão a encontrada pelo

acórdão recorrido, lavrado com clarividência livre da obscuridade imposta pelas

partes ao entendimento do caso.

Note-se que, agora, nos limites da controvérsia posta aqui sub judice, não há

como avançar relativamente a outros recursos, integrantes da controvérsia central

única trazida a estes autos. Fica-se, pois, nos limites deste caso, enfocando-se o

acórdão cujos fundamentos objetivamente devolvidos a esta Corte.

Afi nal de contas, qual é a questão nestes autos? Deferida a antecipação

da tutela e iniciada a execução provisória – e não se discutindo, aqui, a

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admissibilidade ou não de execução provisória de antecipação de tutela, parte

daquele “motu perpetuo” ou “bola de neve” acima anotados – tem-se que ver se

adequados o bloqueio do numerário correspondente ao que o ora exeqüente

pessoa física terá direito se demonstrar a condição alimentar, e a possibilidade

de, desde já, levantar o dinheiro correspondente.

A solução dada é mais que adequada ao caso. Mantém-se o bloqueio

proporcional ao que deverá ser pago, se o exequente tiver direito material à

indenização, mas não se defere o levantamento, enquanto não o demonstre, no

processo de execução provisória individual incoado.

9. - Observa-se que o valor liminarmente fixado deverá permanecer

bloqueado na conta bancária da Recorrente, para levantamento pelo Autor

Adenir Gandor Lopes, levantamento esse condicionado à comprovação de sua

condição de pescador efetivamente lesado, por ter tido sua atividade profi ssional

interrompida pelo dano ambiental e a sua necessidade alimentar.

Esse valor provisório já está fi xado no equivalente a um salário mínimo

mensal válido na data do fato (R$ 350,00 - trezentos e cinquenta reais).

A Execução Provisória lida exclusivamente com esse valor, não com o valor

de indenização efetiva, que porventura se venha a se comprovar ulteriormente,

necessária de modo que não há razão para permanecer bloqueada, em prol deste

Autor ora recorrido, mais do que esse valor.

Não se trata, aqui, de estabelecimento de fundo garantidor de indenização

por danos ambientais, à moda do recentemente determinado, por ato do Poder

Executivo Norte-Americano, para o caso notório de vazamento de poço

petrolífero da British Petroleum, no Golfo do México, fundo para cuja satisfação,

dado o valor elevado, proporcionado à evidência de dano de dimensões

oceânicas, veio a obrigar a empresa responsável a alienar propriedades e empresas

subsidiárias em outros países.

Isso não se discutiu, nem se decide, nestes autos, mas, sim, eventualmente

poderá ser objeto de julgamento na Ação Civil Pública – por intermédio da

qual, aliás, se judicializa, à omissão do Poder Executivo, a questão de reparação

de danos a terceiros em decorrência do dano ambiental – de modo que não está

sub judice no momento.

10. - Limitado o julgamento ao posto nestes autos – e não se cogitando,

por ora, de tratamento como processo repetitivo representativo de controvérsia

(CPC, art. 543-C), restam fora deste julgamento algumas alegações a que as

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 547

partes deram ênfase, nas numerosas peças dos autos e nas sustentações orais, tais

como:

a) determinação da responsabilidade ou não da Ré ora Recorrente pelos fatos, de que resultaram os danos;

b) número de pescadores profi ssionais realmente lesados – número esse que, no processo possui indicações as mais diversas, variando entre 765 declarados pela Autora (fl s. 237-238 destes) e pouco mais de três dezenas (passim);

c) tempo de duração da lesão aos pescadores efetivamente atingidos, lembrando-se que nestes autos a Recorrente aponta o dia 18.10.2007 como data em que documentalmente consignado o desaparecimento das conseqüências lesivas, com base em Ata da 3ª Reunião Ordinária do Plenário do “Comitesinos”, pretensamente comprovando a superação do problema amtiental (fl s. 284-291);

d) conseqüências cíveis de persecução penal decorrente do fato central e dos fatos periféricos, como o indiciamento criminal por estelionato (CP, art. 171) de dirigentes da Autora.

e) bloqueio de valor total de monta, para satisfação de todos os lesados (cf. n. anterior, parte fi nal).

Será bom que se agilize sobremaneira o andamento da Ação Civil

Pública, abandonando-se o “coquetel” de antecipatoriedade em que se

vem desviando o caso, perdendo a efetividade em escalada de pretensões e

provimentos jurisdicionais novos, fundados em pressupostos de antigos ainda

não solidifi cados por coisa julgada ou preclusão, formando terreno movediço

de decisões sobre decisões não estabilizadas, as quais melhor seria tivessem sido

cortadas cerce, no aguardo da defi nição da matéria central no processo da Ação

Civil Pública, que é o “processo-mãe” do caso.

11. - Algumas questões processuais, contudo, atinentes ao presente recurso

devem ser referidas, para que a resposta jurisdicional não se desfalque de

motivação, geradora, aliás, da licença à interposição de Embargos Declaratórios,

tornados desvairados pelo atualmente generoso sistema processual brasileiro,

que se dá ao luxo de permitir, na lembrança da frase de THEOTÔNIO

NEGRÃO, a pressuposição de que todo Juiz erre sempre.

Analisam-se essas questões a seguir, sem interferência, entretanto, no

julgamento de fundo, que é da manutenção do julgado recorrido, como

esclarecido acima (n. 10, supra).

12. - De início, observe-se que não se viabilizava o especial pela indicada

violação do art. 535 do Código de Processo Civil. É que, embora rejeitados os

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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embargos de declaração, verifi ca-se que a matéria em exame foi devidamente

enfrentada pelo Colegiado de origem, que sobre ela emitiu pronunciamento de

forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da recorrente.

A jurisprudência desta Casa é pacífi ca ao proclamar que, se os fundamentos

adotados bastam para justifi car o concluído na decisão, o julgador não está

obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte.

13. - Quanto à alegada violação no que se refere ao cancelamento da

efi cácia da decisão que concedeu efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento, o

Tribunal de origem decidiu nestes termos (fl s. 376-377):

6. Preambularmente, quanto à validade e efi cácia da decisão que concedeu efeito suspensivo ao agravo de instrumento inicialmente distribuído ao eminente Des. Arno Werlang, a matéria já foi por mim analisada em decisão nos autos do Agravo Instrumento n. 70.023.088.610, motivo pelo qual os seus fundamentos vão aqui adotados e reproduzidos, verbis:

Nos autos do Agravo de Instrumento n. 70.019.211.002, referente ao mesmo caso, com propriedade, a Desa. Íris Helena Medeiros Nogueira, manifestou-se sobre a alegação de que o efeito suspensivo conferido ao recurso pela Câmara de Direito Público desta Corte permanece hígido, embora o agravo tenha sido redistribuído em razão da incompetência daquele órgão fracionário. Suas bem lançadas razões vão aqui adotadas como fundamento de decidir o ponto, verbis: “o artigo 113, § 2º, do Código de Processo Civil dispõe que, em sendo declarada a incompetência absoluta, os atos decisórios serão nulos. Ora, nesse contexto, evidente que a decisão que deferiu o préstimo de efeito suspensivo não permanece surtindo efeitos. Inclusive, tal afi rmação encontra amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Agravo regimental. Mandado de segurança. Declaração de incompetência absoluta. Atos decisórios. Nulidade (art. 113, § 2º, CPC) I - A declaração de incompetência absoluta, com a determinação de remessa dos autos à justiça competente, acarreta a declaração de nulidade de todos os atos decisórios, só se aproveitando os demais atos processuais que não causarem prejuízos às partes.

II - Na espécie, não pode subsistir a liminar anteriormente concedida se decisão posterior reconheceu a incompetência absoluta deste e. Superior Tribunal de Justiça para o processamento e julgamento do mandado de segurança e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal de primeira instância (art. 113, § 2º, Código de Processo Civil).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 549

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no MS n. 11.254-DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 25.10.2006, DJ 13.11.2006, p. 221)”.

Verifi ca-se que o acórdão encontra-se alinhado com a jurisprudência desta

Corte, pois a incompetência absoluta declarada do juízo, com a determinação de

remessa dos autos ao juízo competente, importa “em regra” a cassação do efeito

suspensivo anteriormente concedido, porquanto todos os atos decisórios são

considerados nulos, a teor do que dispõe o art. 113, § 2º, do CPC. Precedentes:

REsp n. 879.158-ES, DJe 04.08.2008; AgRg no MS n. 11.254-DF, DJ

13.11.2006; AgRg na Rcl n. 1.001-SP, DJ 04.02.2002; AgRg na SL n. 38-RS,

DJ 20.09.2004.

14. - Violação aos arts. 267, § 3º, 475-A, E, O, III, § 2º, I, 515, § 1º, 522,

524, II, 580, 586, 618, I, 655-A, § 3º, do CPC; 95, 97, 98, §§ 1º, 2º, do CDC; 16

da Lei n. 7.347/1985, 2º da Lei n. 9.494/1997.

Verifi ca-se que o conteúdo normativo desses dispositivos não foi objeto

de debate no acórdão recorrido, carecendo, a alegação, portanto, do necessário

prequestionamento viabilizador do Recurso Especial, malgrado a oposição de

Embargos Declaratórios. Carece, portanto, de prequestionamento, requisito

indispensável ao acesso às instâncias excepcionais. Incide, assim, o disposto na

Súmula n. 211 desta Corte.

Ressalte-se que confi gurava-se desnecessário o pronunciamento daquela

Corte acerca dos referidos dispositivos, porquanto os temas nele insertos são

desinfluente para solução da controvérsia, que foi dirimida com base nos

seguintes fundamentos (fl s. 377):

8. Ainda em preliminar, impende salientar que a decisão a quo determinou o bloqueio da conta bancária do recorrente até o valor do débito constante deste autos, bem como deferiu a expedição de alvará para o seu levantamento. Assim, as insurgências recursais sobre a necessidade de prévia liquidação da decisão liminar ou acerca de eventual empecilho legal de execução de decisão liminar em território distinto do qual foi proferida desbordam da estreita cognição do recurso de agravo de instrumento. Tais matérias não foram objeto do comando judicial recorrido, motivo pelo qual eventual disposição deste Tribunal importaria em supressão de instância.

15. - Quanto à suscitada divergência jurisprudencial, no tocante à penhora

sobre o faturamento da empresa em substituição ao bloqueio da conta corrente,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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tem-se que a tese recursal não foi enfrentada pelo Tribunal de origem, o que

atrai a incidência das Súmulas n. 282 e 356 do STF.

Além disso, esta Corte tem-se manifestado no sentido de admitir a penhora

sobre numerário de conta-corrente, por entender que essa é preferencial na

ordem legal de gradação. A propósito:

Processual Civil. Execução fi scal. Incompetência do STJ para apreciar matéria constitucional. Penhora sobre numerário de conta-corrente da empresa. Possibilidade. Ordem legal de penhora.

(...)

2. “Indicado bem imóvel pelo devedor, mas detectada a existência de numerário em conta-corrente, preferencial na ordem legal de gradação, é possível ao juízo, nas peculiaridades da espécie, penhorar a importância em dinheiro, nos termos dos arts. 656, I, e 657 do CPC” (REsp n. 537.667-SP, Quarta Turma, Relator o Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 09.02.2004)

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

(REsp n. 928.557-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 31.05.2007).

Tributário. Execução fi scal. Penhora. Bloqueio de valores em conta-corrente. Prequestionamento.

(...)

4. Admissível o bloqueio de valores em conta-corrente da executada somente após a constatação da inviabilidade dos meios postos à disposição do exeqüente para a localização de bens do devedor. Precedentes.

5. Recurso especial provido.

(REsp n. 904.385-MT, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 22.03.2007).

Agravo regimental. Ausência de argumentos capazes de infirmar os fundamentos da decisão agravada. Ausência de ofensa ao artigo 535 do CPC. Penhora. Conta-corrente. Possibilidade.

(...)

- É possível a penhora recair sobre saldo existente em conta-corrente sem que ocorra ofensa ao princípio da menor onerosidade para o devedor.

(AgRg no Ag n. 727.148-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 27.03.2006).

Processual Civil. Execução fi scal. Penhora sobre numerário de conta-corrente da empresa. Possibilidade. Ordem legal de penhora.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 551

1. “Indicado bem imóvel pelo devedor, mas detectada a existência de numerário em conta-corrente, preferencial na ordem legal de gradação, é possível ao juízo, nas peculiaridades da espécie, penhorar a importância em dinheiro, nos termos dos arts. 656, I, e 657 do CPC” (REsp n. 537.667-SP, Quarta Turma, Relator o Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 09.02.2004)

2. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp n. 809.086-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 03.04.2006).

16. - Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial, mantendo

o bloqueio, em valor limitado ao efetivamente destinado ao Recorrido Adenir

Gandor Lopes, caso prove na execução a condição de pescador lesado à base

de um salário mínimo mensal, pelo tempo em que ocorrida a lesão, cujo cálculo

o Juízo de 1º Grau realizará, recomendando-se a agilização do andamento da

Ação civil Pública.

VOTO-VOGAL

O Sr. Ministro Massami Uyeda: Srs. Ministros, eu havia recebido

antecipadamente o voto, estou de acordo, e entendo também que deva ser

divulgado o resultado desse julgamento, pela importância que isso tem em

matéria até de proteção ambiental.

Acompanho o Sr. Ministro Relator, negando provimento ao recurso

especial.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do

TJ-RS): Sr. Presidente, esse fato teve grande repercussão no Rio Grande do

Sul, pela grande mortandade de peixes. Um fato inusitado, por causa dessas

empresas de curtumes etc., e me recordo que o próprio Diretor Presidente teve a

prisão decretada, (...) depois de um tempo me parece que foi levantada.

O eminente Relator enfocou todos os aspectos importantes do processo. O

voto está muito bem lançado e não há por que divergir.

Acompanho S. Exa., negando provimento ao recurso especial.

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RECURSO ESPECIAL N. 1.079.499-RS (2008/0167455-2)

Relator: Ministro Sidnei Beneti

Recorrente: Janete Terezinha Silvello

Advogado: Rodrigo da Silva Bolzani e outro(s)

Recorrido: Unibanco AIG Seguros S/A

Advogados: Luiz Henrique Cabanellos Schuh e outro(s)

Milton Martins Neves Junior e outro(s)

Gabriel Lopes Moreira

EMENTA

Direito Civil. Ação de cobrança. Seguro obrigatório - DPVAT. Invalidez permanente. Prazo prescricional. Termo inicial.

Em se tratando de cobrança de indenização do seguro obrigatório - DPVAT, em decorrência de invalidez permanente, a contagem do prazo prescricional não se dá na data do acidente ou na data do julgamento administrativo, tem início quando o lesado tem conhecimento inequívoco de sua incapacidade, o que, via de regra, ocorre com a elaboração do laudo pericial, obrigatoriamente elaborado pelo DML - Departamento Médico Legal.

Recurso Especial provido, prescrição afastada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Nancy Andrighi e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 07 de outubro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Sidnei Beneti, Relator

DJe 15.10.2010

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 553

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1.- Janete Terezinha Silvello interpõe Recurso

Especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra

Acórdão unânime do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Rel.

Des. Osvaldo Stefanello) - integrado por Embargos de Declaração rejeitados (fl s.

91-93) -, assim ementado (fl . 75):

AC. Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores em Vias Terrestres (DPVAT). Invalidez permanente. Art. 3º, b, da Lei n. 6.194/1974. Prescrição trienal. Ocorrência. Aplicação do art. 206, § 3º, IX, c.c. art. 2.028 do CC. Termo inicial. Data do sinistro.

1. Para apurar a ocorrência de prescrição no caso de indenização securitária, deve-se verifi car se a ação foi proposta pelo próprio segurado ou pelo benefi ciário interessado.

2. Contudo, na hipótese, o texto legal apresenta ambiguidade, considerando que intencionalmente equipara o estipulante com o segurado - porquanto o proprietário do veículo ao efetuar o pagamento do IPVA garante a cobertura securitária, assim possibilita a cumulação da condição de benefi ciário. Assim, trienal a prescrição.

3. Com o advento do Código Civil de 2002, o prazo do benefi ciário de seguro, foi reduzido de vinte para três anos, consoante o disposto no art. 206, § 3º, inciso IX, circunstância que requer a análise do art. 2.028 do mesmo Diploma, objetivando saber qual prazo será utilizado no caso sub judice.

4.- Hipótese em que o sinistro ocorreu quando já vigente o atual Código Civil, porquanto, a prescrição é de 3 anos (art. 206, § 3º, IX, do novo CC), contados da data do acidente, uma vez que não há causa interruptiva a ser considerada. Destarte, quando do ajuizamento da ação, já havia se operado a prescrição trienal.

À unanimidade, negaram provimento ao recurso.

2. - Alega a recorrente violação do art. 206, § 1º, II, b, e § 3º, IX, do

Código Civil, além de dissídio jurisprudencial, sustentando, em síntese, que o

termo a quo da contagem do prazo prescricional é a data em que o segurado teve

ciência inequívoca de sua invalidez, o que, na hipótese, só ocorreu com a emissão

do laudo médico.

3.- Apresentadas as contrarrazões (fl s. 169-171), foi o recurso admitido

pela Terceira Vice-Presidência do TJRS (fl s. 173-174).

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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VOTO

O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 4.- Na origem, Janete Terezinha

Silvello, ora recorrente, propôs ação de cobrança de indenização do seguro

obrigatório (DPVAT) alegando que, em 03.02.2003, sofreu acidente de trânsito

que resultou em sua invalidez permanente, conforme laudo pericial do DML

(Departamento Médico Legal), datado de 28.01.2004, no qual concluíram

os peritos, após análise dos documentos e exame da paciente, que houve perda

total da uso da mão esquerda. Limitação dos movimentos próprios da mandíbula e

seqüelas neurológicas, confusão mental e desorientação temporal, portanto, invalidez

permanente parcial. (fl . 14)

5.- Citada, a ré, Unibanco AIG Seguros S/A, suscitou várias preliminares,

entre elas, a ocorrência de prescrição, à consideração de que o prazo prescricional

deveria ser contado a partir da data do acidente e não da elaboração do laudo

médico.

6.- A preliminar foi acolhida pela sentença (fl s. 46-47), da lavra do Dr.

Mário Roberto Fernandes Corrêa, mantido o entendimento, à unanimidade, em

grau recursal, pela 6ª Câmara Cível do TJRS (Rel. o Des. Osvaldo Stefanello),

nos termos seguintes (fl s. 77-79):

(...), no caso específi co, entendo trienal o prazo da prescrição, estendendo-se o referido prazo também ao estipulante/segurado/benefi ciário.

(...), por certo, a contagem do prazo prescricional deveria ser aplicada a partir momento em que o interessado tem ciência do fato gerador da pretensão, in casu, o sinistro, consoante dispõe o art. 206, § 1º, b, do CCB, e interrompida por determinação do inciso VI do art. 202, do mesmo código, quando efetuado o pagamento administrativo, haja vista o reconhecimento do direito do autor.

Ressalte-se que na hipótese de interrupção, o que ocorre é que, “interrompido o prazo, ele não mais levará em conta o período já decorrido, antes da interrupção, mas começará a correr novamente, como se não tivesse havido qualquer prazo anterior.” Interromper é, no caso da prescrição, inutilizá-la, apagando todo seu efeito produzido até o momento em que se verifi ca o fato interruptivo.

Assim, embora o direito subjetivo do segurado tenha surgido no momento da verifi cação do sinistro que gerou sua incapacidade laborativa, somente a partir do efetivo conhecimento do ato violador - negativa do pagamento da indenização -, se iniciaria a contagem do prazo extintivo do direito do autor, tendo em vista que o ordenamento jurídico pátrio adotou, no art. 189 do diploma civil, o princípio da actio nata, ao dispor que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, que se extingue pela prescrição”.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 555

De tudo se conclui que, independentemente de ser considerada a data da ocorrência do sinistro (gerador da pretensão) ou a data da negativa do pagamento para fins de indenização (violação do direito), o prazo prescricional deve ser contado por inteiro (três anos) a partir da data em que o ato interruptivo aconteceu, na hipótese, data do pagamento parcial por parte da seguradora, com base nas Resoluções do CNSP, porquanto também - nesta data -, nasce para o titular a pretensão.

No entanto, não havendo nos autos prova da data da negativa do pagamento da indenização, tem-se como termo inicial para a contagem do prazo prescricional a data do acidente.

Ocorre que, conforme antes explicitado, com o advento do Código Civil de 2002, em vigor a partir de 11 janeiro de 2003, o prazo do benefi ciário de seguro, foi reduzido de vinte para três anos, consoante o disposto no art. 206, § 3º, inciso IX do Código Civil atual, circunstância que requer a detida análise do art. 2.028 do mesmo diploma, objetivando saber qual prazo será utilizado no caso sub judice: se o da Lei nova ou o da Lei de 1916, sendo necessário, para tanto, fazer algumas considerações.

Compulsando os autos, verifi co que:

- a autora sofreu o sinistro em 03.02.2003 (fl . 12);

- não há requerimento ou pagamento administrativo;

- o ajuizamento da ação ocorreu em 20.10.2006.

Assim, tendo o sinistro ocorrido quando já vigente o atual Código Civil, a prescrição é de 3 anos (art. 206, § 3º, IX, do novo CC), contados da data do acidente (03.02.2003), uma vez que não há causa interruptiva a ser considerada. Destarte, quando do ajuizamento da ação (20.10.2006), já havia se operado a prescrição trienal.

7.- Em abreviada síntese, concluiu o Tribunal de origem que a contagem

do prazo prescricional de três anos para o recebimento da indenização do

seguro DPVAT, a que alude o art. 206, § 3º, IX, do CC/2002, se inicia a partir

momento em que o interessado tem ciência do fato gerador da pretensão -

princípio da actio nata -, o que se afi gura correto.

8.- Todavia, a afi rmação do Acórdão de que essa contagem tem início na

data do acidente deve ser recebida com ressalva, haja vista que, dependendo do

tipo de indenização pleiteada, em razão da pessoa vitimada, ou seja, se o pedido

é decorrente de morte, invalidez permanente ou simplesmente para o custeio de

despesas médicas e suplementares, a exigência da documentação muda, e, por

conseguinte, o termo inicial para a contagem do prazo prescricional também

poderá mudar.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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9.- Ressalte-se que, especificamente para o caso de indenização em

decorrência de invalidez permanente, que é objeto da presente ação, dispõe o

art. 3º, b, da Lei n. 6.194/1974, com redação dada pela Medida Provisória n.

340/2006, que o valor da indenização será de até R$ 13.500,00 (treze mil e

quinhentos reais), desvinculando-se do teto de 40 salários mínimos, previsto na

legislação anterior.

10.- Por sua vez, prevê o art. 5º, § 5º, do aludido diploma legal que:

O instituto médico legal da jurisdição do acidente também quantificará as lesões físicas ou psíquicas permanentes para fi ns de seguro previsto nesta lei, em laudo complementar, no prazo médio de noventa dias do evento, de acordo com os percentuais da tabela das condições gerais de seguro de acidente suplementada, nas restrições e omissões desta, pela tabela de acidentes do trabalho e da classifi cação internacional das doenças.

11.- Conforme se infere da leitura conjugada dos dispositivos retro

transcritos, o legislador estabeleceu apenas o limite máximo do valor da

indenização por invalidez permanente, correspondente a 40 salários mínimos,

na legislação anterior, e até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), na

redação atual, o que justifi ca a necessidade de que as lesões sejam quantifi cadas

pelo instituto médico legal competente, para que se possa apurar o grau de

incapacidade do segurado, fi xando-se, em razão da extensão das lesões por ele

sofridas, a respectiva compensação indenizatória.

12.- Nessa linha de entendimento, em sendo a realização do exame médico

condição sine qua non para o pagamento da indenização de seguro obrigatório

por invalidez permanente, a contagem do prazo prescricional só poderá ter

início a partir da ciência inequívoca da vítima quanto ao resultado do laudo

conclusivo apresentado nos autos, e não a partir da data do acidente, como

entendeu o Acórdão recorrido.

13.- Cumpre assinalar que no próprio sítio ofi cial do Seguro DPVAT

(www.dpvatseguro.com.br), consta das informações sobre prazo de prescrição

a observação de que, para acidentes envolvendo invalidez, nos quais o acidentado

esteve ou ainda está em tratamento, o prazo para prescrição levará em conta a data do

laudo conclusivo do Instituto Médico Legal - IML.

14.- Desse modo, considerando que, na hipótese, o exame na autora só

foi realizado no dia 28.01.2004 (fl . 14), foi nesse momento que surgiu para ela

o direito de reclamar o pagamento da indenização. Logo, quando a ação foi

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 557

ajuizada, em 20.10.2006 (fl . 2), ainda não havia escoado o lapso prescricional

trienal, o que só ocorreria em 28.01.2007.

15.- Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial, afastando a

ocorrência da prescrição, e, devido à necessidade de se proceder à adequação

do grau da invalidez ao valor da indenização, determina-se o retorno dos autos

ao Juízo a quo, que deverá prosseguir no julgamento da ação, decidindo-lhe o

mérito.

RECURSO ESPECIAL N. 1.120.676-SC (2009/0017595-0)

Relator: Ministro Massami Uyeda

Relator para o acórdão: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Recorrente: Nivaldo da Silva e outro

Advogado: Marcelo Battirola e outro(s)

Recorrido: Liberty Paulista Seguros S/A

Advogado: Vanessa Huppes Ripoll

EMENTA

Recurso especial. Direito Securitário. Seguro DPVAT.

Atropelamento de mulher grávida. Morte do feto. Direito à

indenização. Interpretação da Lei n. 6.194/1974.

1 - Atropelamento de mulher grávida, quando trafegava de

bicicleta por via pública, acarretando a morte do feto quatro dias

depois com trinta e cinco semanas de gestação.

2 - Reconhecimento do direito dos pais de receberem a

indenização por danos pessoais, prevista na legislação regulamentadora

do seguro DPVAT, em face da morte do feto.

3 - Proteção conferida pelo sistema jurídico à vida intra-uterina,

desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da

pessoa humana.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

558

4 - Interpretação sistemático-teleológica do conceito de danos

pessoais previsto na Lei n. 6.194/1974 (arts. 3º e 4º).

5 - Recurso especial provido, vencido o relator, julgando-se

procedente o pedido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça,

prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso

Sanseverino, por maioria, dar provimento ao recurso especial. Vencido o Sr.

Ministro-Relator Massami Uyeda. Votaram com o Sr. Ministro Paulo de Tarso

Sanseverino os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Nancy

Andrighi. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator

DJe 04.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Massami Uyeda: Cuida-se de recurso especial interposto

por Nivaldo da Silva e Márcia Regina da Silva, fundamentado no artigo 105,

inciso III, a e c, da Constituição Federal, em que se alega violação dos artigos 3º,

letra a, da Lei n. 6.194/1974; 2º, 542, 974, 1.609 e 1.779 do Código Civil, além

de dissenso jurisprudencial.

Subjaz ao presente recurso especial, ação de indenização do seguro

obrigatório DPVAT - de Danos Pessoais Causados Por Veículos Automotores

de Via Terrestre, promovida pelos ora recorrentes, Nivaldo da Silva e Márcia

Regina da Silva, em face da ora recorrida, Liberty Paulista Seguros S.A., tendo por

desiderato o recebimento da importância de R$9.600,00 (nove mil e seiscentos

reais), decorrente do acidente automobilístico que sofreram em 13.09.2003, o

qual ocasionou o aborto do feto da autora que contava, à época, com trinta e

cinco (35) semanas de gestação (fl s. 5-8 - e-STJ).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 559

O r. Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Chapecó/Santa

Catarina julgou a demanda improcedente, deixando assente, em suma, “que

não há como prosperar a tese de que teria direito à percepção da indenização

do seguro DPVAT por morte em razão do aborto que sofreu”, porquanto, “uma

vez adotada a premissa acima delineada de que o natimorto nunca adquiriu

personalidade civil, inexoravelmente não há como se admitir a ocorrência do

fato jurídico previsto no art. 3º da Lei n. 6.194/1974 (acidente de trânsito com

morte de pessoa)” ( fl s. 115-120 - e-STJ).

Irresignados, Nivaldo da Silva e Márcia Regina da Silva interpuseram

recurso de apelação, ao qual a colenda Terceira Câmara de Direito Civil do

egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou provimento, em

acórdão assim ementado:

Apelação cível. Cobrança de indenização do seguro obrigatório DPVAT. Acidente de trânsito. Autora com 35 (trinta e cinco) semanas de gestação. Nascituro que somente com o nascimento com vida iria adquirir personalidade jurídica e titularidade de direitos e obrigações, em termos de lei sucessória. Inteligência do art. 4º do Código Civil de 2002. Sentença de improcedência mantida. Prequestionamento. Assistência judiciária gratuita. Alteração ex offi cio da sentença a quo que condenou ao pagamento de honorários advocatícios. Suspensão da obrigação pelo prazo de 5 (cinco) anos - Inteligência do artigo 12 da Lei n. 1.060/1950. Recurso desprovido.

“O nascituro passa a ter personalidade jurídica material com seu nascimento com vida, a partir de quando será sujeito de direitos cuja aquisição até então fi cara sob condição suspensiva. Consequentemente, não tem a mulher que sofre aborto em decorrência de acidente de trânsito o direito à percepção da indenização por morte prevista no artigo 3º da Lei n. 6.194 (seguro obrigatório para o benefício da vítima fatal)” (TJSC, Apelação Cível n. 2005.039028-9, de Criciúma, Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, julg. em 29.06.2006).

“Não há que se cogitar de prequestionamento, quando toda a matéria posta em juízo foi suficientemente debatida e equacionada, não evidenciando a postulante recursos os pontos do decisum que teriam acarretado violação de dispositivos de lei” (TJ-SC; Apelação Cível n. 2006.017793-8, de Blumenau, Rel. Des. Trindade dos Santos, J. em 03.05.2007).

“Deferida o pedido de assistência judiciária, dada a presumida insufi ciência de recursos do benefi ciário, a condenação deste aos ônus de sucumbência fi ca suspensa enquanto perdurar sua incapacidade fi nanceira, pelo prazo máximo de 5 (cinco) anos, conforme preceitua o artigo 12 da Lei n. 1.060/1950” (TJSC; Apelação Cível n. 2006.028342-0, de Chapecó, Rel. Des. Fernando Carioni, J. em 28.11.2006.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

560

Buscam os recorrentes, Nivaldo da Silva e Márcia Regina da Silva, a

reforma do r. decisum, sustentando, em síntese, que “o direito à indenização

por morte é direito personalíssimo do benefi ciário não se transmitindo por

herança, assim não há que se falar em necessidade de aquisição de personalidade

jurídica da vítima, já que o direito a indenização jamais foi da vítima”.

Afi rmam, outrossim, mostrar-se despiciendo discutir se o nascituro adquiriu

ou não personalidade jurídica, na medida em que “o direito ao recebimento

da indenização do seguro obrigatório DPVAT é dos pais, quando da morte de

fi lhos, ou seja, os benefi ciários são os pais, portanto não há [...] se tratar do tema

sobre a aquisição de personalidade jurídica do nascituro”. Ressalta, ainda, que a

indenização do seguro obrigatório DPVAT é um seguro sui generis, pois tanto

pode ser tido como seguro de vida, como seguro de danos morais, a considerar

que o pagamento do seguro pode ser descontado da indenização por danos

morais eventualmente fi xada em favor das vítimas. Em caráter subsidiário,

caso se entenda necessário perscrutar a existência de personalidade jurídica

do nascituro, aduzem que a personalidade da pessoa humana começa com a

existência da vida, que se dá com a concepção e fi xação do embrião no ventre

materno, o que, afasta a conclusão adotada pelas Instâncias ordinárias acerca da

indenização ora pleiteada. Por fi m, anotam ter bem demonstrado a existência de

dissenso jurisprudencial acerca da controvérsia (fl s. 170-190).

A recorrida apresentou contrarrazões às fl s. 234-240.

É o relatório.

VOTO

Ementa: Recurso especial. Seguro DPVAT (Danos Pessoais

Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre). Pretensão de

obter indenização do seguro obrigatório, em razão de abortamento

provocado por acidente de trânsito. (Morte de nascituro).

Impossibilidade. Personalidade civil. Não-aquisição. Nascituro e

pessoa natural. Realidades jurídicas distintas. Recurso improvido.

I - A despeito da controvérsia existente na doutrina, acerca do

momento em que se inicia a personalidade civil, infere-se das teorias

que se propõem a resolvê-la, como ponto em comum, que o nascituro,

assim compreendido como o ser já concebido, mas ainda inserido no

meio intra-uterino, titulariza, sim, alguns direitos. Aliás, a parte fi nal

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do supracitado dispositivo legal é expresso em assentar que a lei põe a

salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

II - Na verdade, o nascituro titulariza todos os direitos

imprescindíveis para que este ente venha, em condições dignas, a nascer

vivo. O nascituro é, portanto, titular dos direitos da personalidade,

nestes compreendidos a vida (que, no meio intra-uterino, deve ser

propiciada por meio de assistência pré-natal, de alimentos - gravídicos

- e todas as demais condições que proporcionem o desenvolvimento

saudável da gestação), a honra, a imagem, o nome, etc;

III - A proteção à vida humana, desde o seu nascedouro

(concepção) até o surgimento da pessoa natural (nascimento com

vida), é refl exa, decorrente da proteção que o ordenamento jurídico

confere à pessoa natural, esta sim, centro de imputação de todos os

direitos e deveres na ordem jurídica por excelência. Assim, o período

em que o feto permanece no ventre materno, como etapa primordial

da vida humana, deve ser integralmente resguardado pelo direito

naquilo que disser respeito ao nascimento com vida daquele ser, favorecendo

e propiciando a eclosão da pessoa natural. (Numa conclusão prévia, já se

pode mensurar que a esta fi nalidade, a indenização pelo seguro DPVAT,

não se destina);

IV - Entretanto, o nascituro, como realidade jurídica distinta da

pessoa natural, não titulariza os mesmos direitos desta, nem com ela se

confunde. A diversidade destas realidades jurídicas (nascituro e pessoa

natural), no que se refere a sua proteção jurídica, é revelada pelo artigo

2º do Código Civil que adota, expressamente, como marco defi nidor

para a aquisição da personalidade civil, o nascimento com vida. É,

pois, pessoa natural aquele que sobreviveu ao parto, nasceu com vida,

adquirindo, com isso, personalidade civil;

V - Com exceção dos direitos da personalidade que são conferidos

ao nascituro com o desiderato único de assegurar o surgimento da

Pessoa Humana (e, por isso, decorrem, refl examente, ressalte-se, do

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana), este ente, por opção

legislativa que não comporta alargamento, não titulariza direitos

disponíveis/patrimoniais, bem como não detém capacidade sucessória.

Na verdade, sobre os direitos patrimoniais, o nascituro possui mera

expectativa de direitos, que somente se concretizam na hipótese de este

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ente vir a nascer com vida. Por conseqüência, assim como o nascituro

não incorpora, também não transfere, por sucessão, qualquer bem,

caso inocorrente a condição de nascer com vida. Se este é o sistema

vigente, mostra-se difícil ou mesmo impossível conjecturar a fi gura

dos herdeiros do natimorto, tal como propõem os ora recorrentes;

VI - Na hipótese dos autos, a vítima do acidente automobilístico,

para efeito legal, em que pese a dolorosa e irreparável perda do feto,

foi a autora, então gestante. O fato gerador, nos termos legais, apto

a ensejar a indenização do seguro DPVAT, na hipótese dos autos, é

a apresentação das despesas médicas (decorrentes do acidente), pela

autora suportadas, mediante reembolso;

VII - De fato, é de se reconhecer que se afi guraria salutar que a

Lei que disciplina o seguro DPVAT previsse uma faixa de indenização

própria para a hipótese de a gestante vir a abortar em razão de acidente

automobilístico. Entretanto, mesmo se a Lei assim preceituasse, a

vítima do sinistro continuaria sendo a então gestante, e não o feto,

natimorto, que, pelo todo já exposto, carece de personalidade jurídica;

VIII - Indiscutível a dor e o sofrimento suportados pelos autores,

em especial pela autora, que, em razão do acidente automobilístico,

teve a sua gestação, em estado já avançado, interrompida. Entretanto,

os fatos delineados nos presentes autos não dão ensejo, tal como

postulado (morte do nascituro), a indenização do seguro DPVAT

Nessa perspectiva, eventual pretensão de obter a reparação do apontado

(e inegável) sofrimento pode ser veiculada pela via indenizatória

própria contra o causador do acidente;

IX - Recurso especial improvido.

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): O recurso especial não merece

prosperar.

Com efeito.

A celeuma instaurada no presente recurso especial centra-se em saber se

a perda do feto, em abortamento provocado por acidente de trânsito, gera ou

não, aos genitores daquele, o direito à percepção da indenização decorrente do

seguro obrigatório de “Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de

Via Terrestre” - DPVAT.

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Controverte-se, outrossim, se o aborto, compreendido, nos dizeres dos

recorrentes, como a morte do nascituro, decorrente de acidente automobilístico,

confere ou não aos genitores, na qualidade de benefi ciários do natimorto, o

direito à indenização do referido seguro obrigatório.

Inicialmente, sobreleva ressaltar o caráter especial do seguro obrigatório

DPVAT que assume, indiscutivelmente, relevante fi nalidade social, tendente a

minorar os deletérios danos pessoais causados às vítimas do sinistro, inesperados,

como sói acontecer nos acidentes automobilísticos. Sobre a fi nalidade deste

seguro obrigatório, autorizada doutrina assim dispõe:

destina-se a atender as primeiras necessidades decorrentes de um acontecimento infausto, que apanha de surpresa as pessoas, e origina despesas repentinas e inadiáveis. Em outros termos, visa simplesmente dar cobertura às despesas urgentes de atendimento das vítimas dos acidentes automobilísticos, em risco permanente de vida. Daí a imposição legal da obrigatoriedade de seu pagamento até cinco dias após a apresentação dos documentos reveladores do sinistro e da qualidade do titular do direito (RIZZARDO, Arnaldo. A Reparação nos Acidentes de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ª ed., 1997, p. 202).

Para o deslinde da controvérsia, convém explicitar, nos termos da Lei

de regência, as hipóteses de cabimento da indenização decorrente do seguro

DPVAT, bem como os benefi ciários que a ela fazem jus.

Nesse jaez, consigna-se que o seguro obrigatório, destinado ao

ressarcimento dos danos pessoais causados por veículos automotores de via

terrestre, previsto na Lei n. 6.194/1974, tem como fato gerador a ocorrência de

morte ou invalidez permanente, casos em que a reparação se dará por meio de

indenização, e as despesas comprovadas com atendimento médico-hospitalar,

caso em que a reparação dar-se-á por meio de reembolso destas. Em qualquer

hipótese, o ressarcimento dos prejuízos, quanto ao valor, deve observar os

parâmetros estipulados na referida Lei.

Quanto aos benefi ciários do seguro ora examinado, assinala-se que, nos

termos da Lei n. 11.482/2007, que conferiu nova redação ao artigo 4º da Lei

n. 6.194/1974, a indenização, no caso de morte, será paga de acordo com o

disposto no art. 792 do Código Civil.

Desta feita, “na falta de indicação da pessoa ou do benefi ciário, ou por

qualquer motivo não prevalecer a que for feita”, o valor da indenização é dividido

simultaneamente, em cotas iguais, entre o cônjuge ou companheiro (50% -

cinqüenta por cento) e os herdeiros (50% - cinqüenta por cento). Conforme a

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quantidade de herdeiros, a cota é fracionada em partes iguais. Tal regramento, a

considerar a vigência da supracitada Lei, é aplicável para os acidentes ocorridos

a partir de 29.12.2006. Se o sinistro ocorreu antes de 29.12.2006, o cônjuge ou

companheiro recebe a indenização e, na falta destes, os fi lhos ou, nesta ordem, os

pais, avós, irmãos, tios ou sobrinhos.

Por oportuno, transcreve-se os dispositivos legais da Lei n. 6.194/1974

que disciplinam a concessão do seguro DPVAT, especifi camente na hipótese de

morte, decorrente de acidente envolvendo veículo automotor:

Art. 3º Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2º desta Lei compreendem as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada: (Redação dada pela Lei n. 11.945, de 2009). (Produção de efeitos).

I - R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de morte; (Incluído pela Lei n. 11.482, de 2007)

II - até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de invalidez permanente; e (Incluído pela Lei n. 11.482, de 2007)

III - até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) - como reembolso à vítima - no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas. (Incluído pela Lei n. 11.482, de 2007)

[...]

Art. 4 º A indenização no caso de morte será paga de acordo com o disposto no art. 792 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. (Redação dada pela Lei n. 11.482, de 2007)

Delineado o tratamento legal ofertado ao seguro DPVAT, conclui-se

ser devida a indenização do seguro obrigatório em tela à vítima do acidente

automobilístico, nas hipóteses de invalidez permanente ou de despesas médicas

por ela suportadas, ou a seus parentes, na ordem disposta pela lei civil, na

hipótese de morte daquela.

Portanto, a pessoa segurada é a vítima do sinistro. Na hipótese de a vítima

do sinistro falecer, em virtude deste, o capital segurado será pago aos herdeiros

dela.

In casu, diante da moldura fática delineada pelas Instâncias ordinárias, em

que se reconheceu que a autora da ação, Márcia Regina Da Silva, grávida, com

trinta e cinco (35) semanas de gestação na ocasião do acidente automobilístico,

veio a sofrer, em razão deste, abortamento, indaga-se, por meio do presente

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RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 565

recurso especial, se seria possível qualificar o natimorto, nos termos da

supracitada lei, como vítima do sinistro, conferindo a seus parentes o direito à

indenização do seguro DPVAT.

Tal pretensão, nesses termos submetida, requer, inevitavelmente, a incursão

nos temas afetos à extinção da pessoa natural, ao começo e fi m da personalidade

jurídica, bem como à delimitação dos direitos do nascituro.

Como visto, a Lei n. 6.194/1974 elege como um dos fatos geradores da

indenização do seguro obrigatório DPVAT o fato jurídico “morte”. Sua defi nição

jurídica encontra-se fi ncada no artigo 6º do Código Civil que preceitua ser a

morte o término da existência da Pessoa natural.

Para o Direito, Pessoa (gênero) é todo ente dotado de personalidade

jurídica, esta compreendida como sendo a aptidão genérica para ser titular

de direitos e obrigações na ordem jurídica. Por consectário lógico, para a

ocorrência de morte da Pessoa natural, imprescindível que esta tenha adquirido

personalidade jurídica.

Nessa linha de raciocínio, sobre o início da personalidade jurídica da

pessoa natural, o Código Civil, em seu artigo 2º, assentou que: “a personalidade

civil começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção,

os direitos do nascituro”.

No ponto, convém deixar assente que a doutrina, ao interpretar referido

dispositivo legal, com o escopo de delimitar o início da personalidade civil, não

se posiciona de forma pacífi ca, dividindo-se, como é de sabença, em três teorias:

a) Natalista, segundo a qual a personalidade civil somente se inicial com o

nascimento com vida;

b) da personalidade condicional, que preconiza que a personalidade tem inicio

a partir da concepção, porém fi cando submetida a uma condição suspensiva (o

nascimento com vida), assegurados, no entanto, desde a concepção, os direitos

da personalidade, inclusive para assegurar o nascimento;

c) concepcionista, que preceitua que a aquisição da personalidade é adquirida

com a concepção, ressalvados os direitos patrimoniais, decorrentes de herança,

legado e doação, que fi cam condicionados ao nascimento com vida.

A despeito da controvérsia acerca do momento em que se inicia a

personalidade civil, infere-se destas teorias, como ponto em comum, que o

nascituro, assim compreendido como o ser já concebido, mas ainda inserido

no meio intra-uterino, titulariza, sim, alguns direitos. Aliás, a parte fi nal do

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supracitado dispositivo legal é expresso em assentar que a lei põe a salvo, desde a

concepção, os direitos do nascituro.

Indaga-se, assim, quais seriam os direitos sobre os quais o nascituro é

titular.

Na verdade, o nascituro titulariza todos os direitos imprescindíveis para

que este ente venha, em condições dignas, a nascer vivo. O nascituro é, portanto,

titular dos direitos da personalidade, nestes compreendidos a vida (que, no meio

intra-uterino, deve ser propiciada por meio de assistência pré-natal, de alimentos

- gravídicos - e todas as demais condições que proporcione o desenvolvimento

saudável da gestação), a honra, a imagem, o nome etc.

A proteção à vida humana, desde o seu nascedouro (concepção) até o

surgimento da pessoa natural (nascimento com vida), é refl exa, decorrente da

proteção que o ordenamento jurídico confere à Pessoa natural, esta, sim, centro

de imputação de todos os direitos e deveres na ordem jurídica por excelência.

Ordenamento jurídico, ressalte-se, que tem por norte o Princípio da Dignidade

da Pessoa Humana.

Assim, o período em que o feto permanece no ventre materno, como

etapa primordial da vida humana, deve ser integralmente resguardado pelo

direito naquilo que disser respeito ao nascimento com vida daquele ser, favorecendo e

propiciando a eclosão da pessoa natural. Numa conclusão prévia, já se pode mensurar

que a esta fi nalidade, a indenização pelo seguro DPVAT, não se destina.

O nascituro, pois, como realidade jurídica distinta da pessoa natural, não

titulariza os mesmos direitos desta, nem com ela se confunde. O nascituro, como

assinalado, titulariza todos os direitos imprescindíveis para que este ente venha,

em condições dignas, a nascer vivo.

A diversidade destas realidades jurídicas (nascituro e pessoa natural),

no que se refere a sua proteção jurídica, é revelada pelo artigo 2º do Código

Civil que adota, expressamente, como marco defi nidor para a aquisição da

personalidade civil, o nascimento com vida. É, pois, pessoa natural aquele que

sobreviveu ao parto, nasceu com vida, adquirindo, com isso, personalidade civil.

Uma notável referência, para o presente julgamento, revela-se oportuna e

necessária.

Não obstante a diversidade de objetos das ações, bem como de abrangência

das respectivas decisões, sobreleva consignar que a Corte Excelsa, por

ocasião do julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade sobre a Lei

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de Biossegurança (ADI n. 3.510-DF), enfrentou temas afetos ao início da

personalidade civil, ponto fulcral da presente controvérsia.

No judicioso e percuciente voto-condutor, prolatado pelo eminente

Ministro Relator Ayres Brito, Sua Excelência, ao delimitar a existência do

nascituro e da pessoa natural, realidades jurídicas reputadas distintas, bem

explicita que somente à pessoa natural é reservado o atributo de personalidade

civil, o que se coaduna totalmente com os comandos da Constituição Federal,

na medida em que a proteção à vida humana, entre a concepção e o nascimento

(com vida), e, portanto, ao nascituro, destina-se a propiciar a eclosão da pessoa

natural. Daí o caráter refl exivo e interdependente dos direitos titularizados

pelo nascituro. E serão esses, os direitos (voltados à referida fi nalidade) que a

legislação infraconstitucional assegurará ao nascituro.

Pela relevância de seu conteúdo, transcreve-se o seguinte excerto de seu

voto:

[...] 19. Falo “pessoas físicas ou naturais”, devo explicar, para abranger tão-somente aquelas que sobrevivem ao parto feminino e por isso mesmo contempladas com o atributo a que o art. 2º do Código Civil Brasileiro chama de “personalidade civil”, literis: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Donde a interpretação de que é preciso vida pós-parto para o ganho de uma personalidade perante o Direito (teoria “natalista”, portanto, em oposição às teorias da “personalidade condicional” e da “concepcionista”). Mas personalidade como predicado ou apanágio de quem é pessoa numa dimensão biográfica, mais que simplesmente biológica [...]. 20. Se é assim, ou seja, cogitando-se de personalidade numa dimensão biográfi ca, penso que se está a falar do indivíduo já empírica ou numericamente agregado à espécie animal-humana; isto é, já contabilizável como efetiva unidade ou exteriorizada parcela do gênero humano. Indivíduo, então, perceptível a olho nu e que tem sua história de vida incontornavelmente interativa. Múltipla e incessantemente relacional. Por isso que defi nido como membro dessa ou daquela sociedade civil e nominalizado sujeito perante o direito. Sujeito que não precisa mais do que de sua própria faticidade como nativo para instantaneamente se tornar um rematado centro de imputação jurídica. Logo, sujeito capaz de adquirir direitos em sue próprio nome, além de, preenchidas certas condições de tempo e de sanidade mental, também em nome próprio contrair voluntariamente obrigações e se pôr como endereçado de normas que já signifi quem imposição de “deveres”, propriamente. O que só pode acontecer a partir do nascimento com vida, renova-se a proposição.

21. Com efeito, é para o indivíduo assim biografi camente qualifi cado que as leis dispõem sobre o seu nominalizado registro em cartório (cartório de registro civil das pessoas naturais) e lhe conferem uma nacionalidade.

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[...] Com o que se tem a seguinte e ainda provisória defi nição jurídica: vida humana já revestida do atributo da personalidade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte.

22. Avanço no raciocínio para assentar que essa reserva de personalidade civil ou biográfi ca para o nativo em nada se contrapõe aos comandos da Constituição. É que a nossa Magna Carta não diz quando começa a vida humana. Não dispõe sobre nenhuma das formas de vida humana pré-natal. [...]

24. Numa primeira síntese, então, é de se concluir que a Constituição Federal não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um automizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva e, nessa condição, dotada de compostura física ou natural. É como dizer: a inviolabilidade de que trata o artigo 5º é exclusivamente reportante a um já personalizado indivíduo [...]. E como se trata de uma Constituição que sobre o início da vida humana é de um silêncio de morte (permito-me o trocadilho), a questão não reside exatamente em se determinar o início da vida do homo sapiens, mas em saber que aspectos ou momentos dessa vida estão validamente protegidos pelo Direito infraconstitucional e em que medida [...]

26. Sucede que - este o “fiat lux” da controvérsia - a dignidade da pessoa humana é princípio tão relevante para a nossa Constituição que admite transbordamento. Transcedência ou irradiação para alcançar, já no plano das leis infraconstitucionais, a proteção de tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que deságue, justamente, no indivíduo-pessoa. Caso do embrião e do feto, segundo a humanitária diretriz de que a eminência da embocadura ou apogeu do ciclo biológico justifi ca a tutela das respectivas etapas. Razão porque o nosso Código Civil se reporta à lei para colocar à salvo, “desde a concepção”, os “direitos do nascituro” (do latim nasciturus) que são direitos de quem se encontre a caminho do nascimento. [...] Pois essa aptidão para avançar, concretamente, na trilha do nascimento é que vai corresponder ao conceito legal de “nascituro”. Categoria exclusivamente jurídica, porquanto não-versada pelas ciências médicas e biológicas, e assim conceituada pelo civilista Sílvio Rodrigues (in Direito Civil, ano de 2001, p. 36): “Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno”.

[...] Não estou a ajuizar senão isto: a potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-lo, infraconstitucionalmente, contra tentativas esdrúlulas, levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fi siológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Esta não se antecipa à metamorfose dos outros dois organismos. É o produto fi nal dessa metamorfose. [...] Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana, passando necessariamente por essa entidade a que chamamos de “feto”. Este e o embrião a merecer tutela infraconstitucional, por derivação que a própria Constituição dispensa à pessoa humana propriamente dita. Essa pessoa

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RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 569

humana, agora sim, que tanto é parte do todo social quanto um todo à parte. Parte de algo e um algo à parte. (STF, ADI n. 3.510-DF, Relator Ministro Ayres Brito, DJ 28.05.2010).

Feitos esses apontamentos, tem-se terreno fértil para aferir-se se é devida,

nos moldes pretendidos no presente recurso especial, a indenização do seguro

obrigatório DPVAT aos herdeiros dos nascituro, em razão da morte deste, em

acidente automobilístico.

Como anteriormente assinalado, com exceção dos direitos da personalidade

que são conferidos ao nascituro com o desiderato único de assegurar o

surgimento da Pessoa Humana (e, por isso, decorrem, refl examente, ressalte-se,

do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana), este ente, por opção legislativa

que não comporta alargamento, não titulariza direitos disponíveis/patrimoniais,

bem como não detém capacidade sucessória.

Na verdade, sobre os direitos patrimoniais, o nascituro possui mera

expectativa de direitos, que somente se concretizam (é dizer, incorporam em seu

patrimônio jurídico) na hipótese de este ente vir a nascer com vida.

Veja-se, assim, que a Lei Substantiva Civil aponta, de forma discriminada,

algumas relações jurídicas nas quais o nascituro pode fi gurar. Ressalte-se, no

ponto, que, somente por expressa disposição legal, o nascituro pode fi gurar em

determinadas relações. São elas: a doação feita ao nascituro (desde que aceita,

por seu representante legal) - artigo 542 do Código Civil; o testamento feito em

favor do nascituro - artigo 1.798 do Código Civil; o reconhecimento de fi liação

pode preceder ao nascimento do fi lho - Parágrafo único do artigo 1.609; a

nomeação de curador ao nascituro, se, por exemplo, o pai falecer estando grávida

a mulher que não possui o poder familiar - art. 1.779 do Código Civil.

É de se constatar que os atos que importem a transferência de patrimônio

ao nascituro, tais como a doação e a sua inclusão em testamento, encontram-

se inexoravelmente sob a condição suspensiva de nascer com vida. Caso tal

condição não se verifi que, não há falar em incorporação daqueles ao patrimônio

jurídico do nascituro. Por conseqüência, assim como o nascituro não incorpora,

também não transfere, por sucessão, qualquer bem, caso inocorrente a condição

de nascer com vida.

Se este é o sistema vigente, mostra-se difícil ou mesmo impossível

conjecturar a fi gura dos herdeiros do natimorto, tal como propõem os ora

recorrentes.

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De acordo com a Lei que disciplina o seguro DPVAT, é devida a

indenização do seguro obrigatório em tela à vítima do acidente automobilístico,

nas hipóteses de invalidez permanente ou de despesas médicas por ela

suportadas, ou a seus parentes, na ordem disposta pela lei civil, na hipótese de

morte daquela.

Na hipótese dos autos, a vítima do acidente automobilístico, para efeito

legal, em que pese a dolorosa e irreparável perda do feto, foi a autora, então

gestante. O fato gerador, nos termos legais, apto a ensejar a indenização do

seguro DPVAT, na hipótese dos autos, é a apresentação das despesas médicas

(decorrentes do acidente), pela autora suportadas, mediante reembolso.

De fato, é de se reconhecer que se afi guraria salutar que a Lei que disciplina

o seguro DPVAT previsse uma faixa de indenização própria para a hipótese

de a gestante vir a abortar em razão de acidente automobilístico. Entretanto,

mesmo se a Lei assim preceituasse, a vítima do sinistro continuaria sendo a

então gestante, e não o feto, natimorto, que, pelo todo já exposto, carece de

personalidade jurídica.

Tal consideração, é certo, só reforça a conclusão de que, nos termos

da legislação posta, cuja aplicação o magistrado encontra-se vinculado,

o alargamento das hipóteses legais, sem a correspondente lei aditiva,

consubstanciaria, na compreensão deste Relator, descabido ativismo judicial.

Como bem ponderado pelas Instâncias ordinárias, indiscutível a dor

e o sofrimento suportados pelos autores, em especial pela autora, que, em

razão do acidente automobilístico, teve a sua gestação, em estado já avançado,

interrompida. Entretanto, os fatos delineados nos presentes autos, tal como

postulados (morte do nascituro), não dão ensejo, a indenização do seguro

DPVAT. Nessa perspectiva, eventual pretensão de obter a reparação do apontado

(e inegável) sofrimento pode ser veiculada pela via indenizatória própria contra

o causador do acidente.

Por fim, reputa-se bem demonstrada a existência de dissenso

jurisprudencial. Porém, nos termos ora assentados, tem-se que a solução

conferida pelas Instâncias ordinárias à controvérsia encontra-se consentânea

com o sistema legal em vigor.

Assim, nega-se provimento ao presente recurso especial.

É o voto.

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VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Senhor Presidente, pedi vista dos autos em sessão de 18.11.2010 diante da relevante questão que se devolve ao conhecimento desta Egrégia Corte.

Com a devida vênia do eminente relator, estou em dar provimento ao presente recurso especial.

O sinistro automobilístico do qual decorrera o pedido de pagamento da indenização pelo seguro obrigatório DPVAT, envolvendo um veículo automotor e uma bicicleta e ocorrido em 13.09.2003, levara a vida da fi lha dos postulantes.

Ocorre que, e aqui está o centro da discussão jurídica a ser solvida, encontrava-se ela ainda no ventre materno, vindo a falecer quatro dias após o acidente, ou seja, em 17.09.2003, com 35 semanas completas de gestação.

O Decreto n. 73/1966, ao dispor acerca do Sistema Nacional de Seguros Privados, previu como sendo cobertos pelo seguro obrigatório os seguintes prejuízos: l) danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres e por

embarcações, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não; (art. 20, inciso I)

De sua parte, a LF n. 6.194/1974, que alterara o referido decreto e fora ainda alterada pelas LFs n. 11.945/2009 e n. 11.482/2007, defi niu com mais precisão o signifi cado dos chamados danos pessoais a serem cobertos pelo seguro, dispondo textualmente o seguinte:

Art. 3º Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2º desta Lei compreendem as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada: (Redação dada pela Lei n. 11.945, de 2009).

I - R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de morte;

II - até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de invalidez permanente;

III - até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) - como reembolso à vítima - no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas.

A polêmica central do presente recurso especial situa-se em se estabelecer

o enquadramento da situação ocorrida no presente processo, em que a vítima,

que estava no ventre de sua mãe no momento do sinistro de trânsito, veio a

falecer quatro dias depois, nascendo sem vida (e-STJ, fl s. 24 e 25).

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Em outras palavras, deve-se estabelecer se o presente caso enquadra-se na expressão “indenizações por morte” estatuída no enunciado normativo acima transcrito.

Tenho que a interpretação mais razoável desse enunciado normativo, consentânea com a nossa ordem jurídico-constitucional, centrada na proteção dos direitos fundamentais, é no sentido de que o conceito de “dano-morte”, como modalidade de “danos pessoais”, não se restringe ao óbito da pessoa natural, dotada de personalidade jurídica, mas alcança, igualmente, a pessoa já

formada, plenamente apta à vida extra-uterina, embora ainda não nascida, que, por uma fatalidade, acabara vendo a sua existência abreviada em acidente automobilístico.

Não consigo identificar, como o fizeram os nominalistas quando do enfrentamento das questões afeitas à personalidade, a pessoa (enquanto ser) ao sujeito de direitos.

Pouco defensável a tese de que quem esteja temporária ou defi nitivamente sob uma capitis diminutio não seja pessoa na mesma extensão daquele que não vê sua capacidade reduzida.

Em prevendo, a LF n. 6.194, o direito à percepção de indenização pelo seguro obrigatório DPVAT à pessoa vitimada, fez-se alcançar também o nascituro.

A ciência cuja missão é a investigação da vida - a biologia - coadjuvada pela medicina, racionalizando as fases da vida intra-uterina, do zigoto ao feto, externara a pré-viabilidade fetal desde a 22ª semana de gravidez e a sua viabilidade desde a 27ª semana (Viabilidade entendida como: a capacidade de manter uma existência

separada segundo o Oxford Universal Dictionary apud José Peixoto, Mário Branco,

Alice Freitas, Clara Dias, in Viabilidade - http://www.lusoneonatologia.net/usr/fi les/publications/ff 13c5881751fe6f1b9c3f32f005d7fd.pdf ).

Note-se que a fi lha dos postulantes encontrava-se na 35ª semana de vida, nono mês de gestação, ou seja, era plenamente hábil à vida pós-uterina, autônoma no seu desenvolvimento, apenas não independente, porque necessitava, ainda, por mais alguns dias, da “alimentação” que lhe provia sua mãe (alimentação aqui compreendida como o sustento para a sua sobrevivência no ambiente intra-uterino).

O ser que tinha transitória e brevemente o ventre materno como o seu abrigo sequer se confundiria com o seu “continente”, segundo as tradições romanísticas: “portio mulieris vel viscerum” (Caio Mário da Silva Pereira,

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Instituições ao Direito Civil, 23ª ed., Editora Forense, Rio de Janeiro: 2009, p. 183). Não! Era indivíduo totalmente autônomo, intrinsecamente dotado de individualidade genética, emocional e sentimental, como interessantemente relata Márcio Accioly de Andrade na obra Dignidade da Pessoa Humana,

Fundamentos e Critérios Interpretativos (Organizado por Agassiz Almeida Filho e Plínio Melgaré, Editora Malheiros, São Paulo: 2010, pp. 140-141):

Outros fenômenos semelhantes aos que ocorrem nas pessoas adultas são também constatados nas pessoas dos conceptos, como o sonho, que detectado por exame eletroencefalográfico, são caracterizados e observados pelos movimentos oculares no cristalino fetal; a reação a estímulos do som, revelado por meio da aceleração cardíaca ou da realização de movimentos; a capacidade degustativa demonstrada através da introdução de açúcar pelo líquido amniótico ocasionando o aumento da deglutição e a diminuição com substâncias amargas.

Aguardava, pois, tão-só o parto para que desse seguimento ao desenvolvimento que se iniciara desde a concepção.

O Código Civil Brasileiro, no art. 2º, concebe como necessário à aquisição da personalidade civil, o nascimento com vida (teoria natalista), resguardando, todavia, desde a concepção, os direitos do nascituro (teoria concepcionista).

Se é certo que a lei brasileira previu como aptos a adquirirem direitos e contraírem obrigações, os nascidos com vida, dotando-os de personalidade jurídica, não excluiu do seu alcance aqueles que, ainda não nascidos, remanescem no ventre materno, reconhecendo-lhes a aptidão de ser sujeitos de “direitos”.

Nessa toada, o legislador resguardou aos nascituros: direitos relacionados com a garantia do seu por vir (v. g. direito aos alimentos gravídicos, penalização do aborto, direito à assistência pré-natal), com o resguardo do seu patrimônio (v.g. doação; posse em nome do nascituro; percepção de herança ou legado), com a preservação da sua dignidade enquanto ser humano em formação (direito ao nome; ou, em infeliz situação como a presente, aos cerimoniais fúnebres), desse rol não havendo excluir-se a indenização securitária a ser alcançada aos ascendentes do segurado falecido em face do seu passamento.

Quando do julgamento da constitucionalidade da lei da Biossegurança (ADIn n. 3.510-DF), em que pese tenha manifestado sua adesão à teoria natalista, não deixou de registrar, o e. relator Min. Carlos Ayres Brito, o transbordamento do princípio da dignidade da pessoa humana ao ser em formação, de forma a preservarem-se os interesses daquele que “desaguará” no indivíduo-pessoa, pontifi cando em voto de destacada judiciosidade que:

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Sucede que - este o fiat lux da controvérsia - a dignidade da pessoa humana é princípio tão relevante para a nossa Constituição que admite transbordamento. Transcendência ou irradiação para alcançar, já no plano das leis infraconstitucionais, a proteção de tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que deságue, justamente, no indivíduo-pessoa. Caso do embrião e do feto, segundo a humanitária diretriz de que a eminência da embocadura ou apogeu do ciclo biológico justifi ca a tutela das respectivas etapas. Razão porque o nosso Código Civil se reporta à lei para colocar a salvo, “desde a concepção, os direitos do nascituro” (do latim nasciturus); Se se prefere - considerado o fato de que o fenômeno da concepção já não é exclusivamente intra-corpóreo -, direitos para cujo desfrute se faz necessário um vínculo operacional entre a fertilização do óvulo feminino e a virtualidade para avançar na trilha do nascimento. Pois essa aptidão para avançar, concretamente, na trilha do nascimento é que vai corresponder ao conceito legal de “nascituro”. Categoria exclusivamente jurídica, porquanto não-versada pelas ciências médicas e biológicas, e assim conceituada pelo civilista Silvio Rodrigues (in Direito Civil, ano 2001, p. 36): “Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno”.

Assim também, a e. Min. Carmen Lúcia que, discorrendo sobre o princípio

da dignidade, ponderara:

A espécie humana há que ser, pois, respeitada em sua dignidade, manifestada em cada um e em todos os homens, porque a condição digna de ser membro desta espécie toca todos e cada qual dos que a compõem. Por isto é que as constituições mais recentes mencionam a humanidade como o ponto que se busca atingir no respeito aos direitos.

Significa que o princípio constitucional da dignidade humana estende-se além de cada pessoa, considerando todos os seres humanos, os que compõem a espécie, dotam-se de humanidade, ainda que o direito sequer ainda reconheça (ou reconheça precariamente, tal como se tem na fórmula da Convenção Nacional de Ética francesa de pessoa humana em potencial) a personalidade. É o que se dá com o embrião e com o morto, que não dispõe das condições necessárias para titularizar a personalidade em direito (pelo menos em todas as legislações vigentes, hoje, no mundo), mas que compõem a humanidade e são protegidos pelo direito pela sua situação de representação da humanidade.

Com efeito, não haveria, sequer, necessidade de se proceder à nova exegese

do dispositivo de lei (art. 2º do CCB) que reconhece o início da personalidade

civil - não é o que aqui se pretende - senão evitar o esvaziamento da existência

digna de um ser humano que chegou, de forma tão serôdia, à morte, preservando-

se, ainda, o ideal que todo o pai faz em torno do seu fi lho, sua signifi cação, sua

relevância na vida familiar.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 575

Voltando a atenção à inestimável contribuição alcançada ao tema no

acórdão já referido, trago à lembrança breves e pertinentes considerações,

naquela assentada, feitas pelo Min. Gilmar Mendes:

Independentemente da concepção que se tenha sobre o termo inicial da vida, não se pode perder de vista - e isso parece ser indubitável diante de qualquer posicionamento que se adote sobre o tema - que, em qualquer hipótese, há um elemento vital digno de proteção jurídica. Muitas vezes passa despercebido nos debates que não é preciso reconhecer em algo um sujeito de direitos para dotar-lhe de proteção jurídica indisponível.

(...)

Assim, a questão não está em saber quando, como e de que forma a vida humana tem início ou fi m, mas como o Estado deve atuar na proteção desse organismo pré-natal diante das novas tecnologias, cujos resultados o próprio homem não pode prever.

No presente caso, sonegar-se o direito à cobertura pelo seguro obrigatório

de danos pessoais consubstanciados no fato “morte do nascituro” entoaria, ao

fi m e ao cabo - especialmente aos pais já combalidos com a incomensurável

perda - a sua não existência, malogrando-se o respeito e a dignidade que o

ordenamento deve reconhecer e reconhece inclusive àquele que ainda não nascera

(art. 7º da LF n. 8.069/1990).

Relembro magistério de Silmara Juny Chinelato a reconhecer o alcance

do conceito de criança ao nascituro, assim pontifi cando: Tendo em vista que o

nascituro é um ser humano, é plenamente defensável possa ser incluído no conceito de

criança do Estatuto da criança e do Adolescente, segundo interpretação sistemática do

ordenamento jurídico (in Novo Código Civil Questões Controvertidas, Coordenação

Mário Luiz Delgado e Jônes Figueiredo Alves, Ed. Método, São Paulo: 2004,

p. 361).

Sobrelevando-se os direitos à tutela da pessoa humana, tenho por

plenamente possível extrair da legislação infraconstitucional que disciplinara

o seguro obrigatório a contemplação do direito à indenização pela morte do

nascituro.

Com efeito, a reprodução é da essência humana.

Não é fato raro no Brasil a ocorrência de acidentes automobilísticos - aliás,

fato por deveras lamentável - não se mostrando menos corriqueiro restarem

envolvidos, em ditos acidentes, mulheres gestantes, que, pelo delicado estado em

que se encontram, acabam, fatalisticamente, perdendo os fi lhos que aguardam.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

576

Com a vênia das relevantes vozes em contrário, não logro retirar essa

importante parcela da população brasileira do alcance de seguro obrigatório,

seguro que, como bem destacou o e. relator, tem caráter especial devido a sua

marcante finalidade social, voltado a minorar os deletérios danos pessoais

causados às vítimas de sinistros automobilísticos.

Não se pode negar ter sido, a fi lha dos demandantes, vítima do relatado

incidente.

Da mesma forma, não vejo espaço para se diferenciar o fi lho nascido

daquele plenamente formado, mas ainda no útero da mãe, para fi ns da pretendida

indenização, ou mesmo daquele que, por força do acidente, acabe tendo o seu

nascimento antecipado e reste a falecer minutos após o parto.

A pretensa compensação advinda da indenização securitária estaria voltada

a aliviar a dor talvez não na mesma magnitude, mas muito semelhante sofrida

pelos pais diante perda de um fi lho, o que, ainda assim, sempre se mostra quase

impossível de se determinar, como bem já reconhecera esta Terceira Turma

quando do reconhecimento de dano moral pela morte do pai àquele que ainda

não havia logrado nascer (REsp n. 931.556-RS).

Relembre-se a ementa desse paradigmático precedente:

Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Morte. Indenização por dano moral. Filho nascituro. Fixação do quantum indenizatório. Dies a quo. Correção monetária. Data da fi xação pelo juiz. Juros de mora. Data do evento danoso. Processo Civil. Juntada de documento na fase recursal. Possibilidade, desde que não confi gurada a má-fé da parte e oportunizado o contraditório. Anulação do processo. Inexistência de dano. Desnecessidade.

- Impossível admitir-se a redução do valor fi xado a título de compensação por danos morais em relação ao nascituro, em comparação com outros fi lhos do de cujus, já nascidos na ocasião do evento morte, porquanto o fundamento da compensação é a existência de um sofrimento impossível de ser quantifi cado com precisão.

- Embora sejam muitos os fatores a considerar para a fi xação da satisfação compensatória por danos morais, é principalmente com base na gravidade da lesão que o juiz fi xa o valor da reparação.

(...)

Recurso especial dos autores parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. Recurso especial da ré não conhecido.

(REsp n. 931.556-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17.06.2008, DJe 05.08.2008)

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Por derradeiro, não haveria ainda considerar-se empecilho o fato de o

nascituro, em não possuindo personalidade jurídica, não ser apto à transmissão de

direitos aos seus ascendentes, porque aqui se está diante de contrato de seguro

(em que pese legal).

Os benefi ciários da indenização não serão chamados ao pólo ativo da

relação obrigacional por força de vínculo hereditário, senão obrigacional.

A LF n. 6.194/1974, ao referir-se aos benefi ciários do seguro reportou-se,

no seu art. 4º, ao art. 792 do CCB.

Aclarara, simplesmente, por se tratar de seguro obrigatório, em que não há

benefi ciários indicados consensualmente, que os benefi ciários deveriam manter

vínculo parental (hereditário) com o segurado. Assim o faz para sistematizar

o seu reconhecimento, evitando-se a pouco fecunda indicação de tal ou qual

benefi ciário (pais, fi lhos, irmãos etc.).

Ora, no caso dos autos, não há dúvida acerca de quem eram os ascendentes

(pais) da vítima do acidente, devendo eles fi gurar como os benefi ciários da

indenização e não como seus herdeiros.

Nessa linha e por todo exposto, pretendendo os recorrentes a percepção da

indenização securitária pela morte da sua fi lha, ocorrida, incontroversamente,

por força de acidente automobilístico terrestre, direito que, entendo, vem

resguardado na LF n. 6.194/1974, voto no sentido de dar provimento ao recurso

especial, julgando procedente o pedido inicial e condenando a parte ré ao

pagamento da indenização prevista no art. 3º, inciso I, da LF n. 6.194/1974. O

valor da condenação será acrescido de correção monetária desde a propositura

da demanda e juros legais moratórios desde a citação. Arcará a requerida com as

custas e honorários advocatícios do procurador dos autores, que arbitro em 15%

sobre o valor atualizado da condenação.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS): Sr. Presidente, a matéria é muito interessante.

Estaria propenso a acompanhar os votos divergentes, com os fundamentos

há pouco trazidos a público, apenas lembrando esses dois aspectos: o art. 2º do

Código Civil diz que a personalidade começa no nascimento com vida, mas

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a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. A par disso, o moderno Direito, está emprestando tanta signifi cação aos chamados direitos de personalidade, envolvendo a pessoa humana com todos os refl exos, mesmo no ventre uterino. Em princípio, pedindo vênia a V. Exa., estaria acompanhando a

divergência no sentido de dar provimento ao recurso especial.

RECURSO ESPECIAL N. 1.185.260-GO (2010/0044781-6)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Odilson Abadio de Resende e outro

Advogados: Guilherme Pimenta da Veiga Neves

Araken de Assis e outro(s)

Recorrido: Bunge Fertilizantes S/A

Advogado: Reinaldo Siqueira Barreto e outro(s)

EMENTA

Processo Civil. Recurso especial. Astreinte. Valor insufi ciente. Liminar obtida. Exigibilidade do título executivo suspensa. Obrigação de não fazer. Inclusão do nome do devedor em cadastro restritivo de crédito. Ajuizamento de ação de execução com fundamento em contrato de confi ssão de dívida. Exigibilidade suspensa. Negativação no Serasa. Consequência direta do ajuizamento da execução. Descaso do devedor. Descumprimento que persiste. Grande capacidade econômica do executado. Pedido de majoração. Deferimento. Multa cominatória majorada.

1. A negativação do nome do devedor em cadastro restritivo de crédito como consequência direta do ajuizamento de ação de execução lastreada em contrato de confi ssão de dívida, confi gura descumprimento de ordem judicial exarada em decisão que deferiu pedido liminar para suspender a exigibilidade do título executivo extrajudicial e determinar uma obrigação de não fazer, consistente no impedimento à exequente de lançar o nome do autor em cadastros negativos.

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2. Sendo o descaso do devedor o único obstáculo ao cumprimento da determinação judicial para o qual havia a incidência de multa diária e considerando-se que ainda persiste o descumprimento da ordem, justifi ca-se a majoração do valor das astreintes.

3. A astreinte deve, em consonância com as peculiaridades de cada caso, ser elevada o sufi ciente a inibir o devedor – que intenciona descumprir a obrigação – e sensibilizá-lo de que é muito mais vantajoso cumpri-la do que pagar a respectiva pena pecuniária. Por outro lado, não pode o valor da multa implicar enriquecimento injusto do devedor. Precedentes.

4. Na hipótese de se dirigir a devedor de grande capacidade econômica o valor da multa cominatória há de ser naturalmente elevado, para que se torne efetiva a coerção indireta ao cumprimento sem delongas da decisão judicial. Precedentes.

5. Recurso especial provido, para majorar a multa cominatória ao importe de R$7.000,00 (sete mil reais) por dia de descumprimento, sem prejuízo das atualizações legalmente permitidas, adotando como termo inicial, da mesma forma como fez o Tribunal de origem, a data da intimação pessoal do representante legal da recorrida, qual seja, 28 de julho de 2006, de modo que, até o presente momento, resultam aproximadamente 49 meses de descumprimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Massami Uyeda. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Dr(a). Araken de Assis, pela parte recorrente: Odilson Abadio de Resende. Dr(a). Sérgio Machado Terra, pela parte recorrida: Bunge Fertilizantes S/A.

Brasília (DF), 07 de outubro de 2010 (data do julgamento).

Ministra Nancy Andrighi, Relatora

DJe 11.11.2010

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RELATÓRIO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto

por Odilson Abadio de Resende e Silvana Márcia Sacardo de Resende com

fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão

proferido pelo TJ-GO.

Ação: revisional de contrato de confi ssão de dívida agrícola (e-STJ fl s. 848-

853) no valor de R$11.450.925,04 (onze milhões, quatrocentos e cinquenta mil,

novecentos e vinte e cinco reais e quatro centavos) e alteração do cronograma

de pagamento do crédito rural com pedido de tutela antecipada e preceito

cominatório ajuizada pelos recorrentes em face de Bunge Fertilizantes S.A.

(e-STJ fl s. 482-568).

Decisão interlocutória e seus desdobramentos: o Juízo da 2ª Vara Cível

da Comarca de Quirinópolis deferiu, em 30.06.2006, a antecipação dos efeitos

da tutela “para suspender a exigibilidade do instrumento particular de confi ssão

e prorrogação de dívida, de 03.10.2005; escritura pública de aditamento e

outras, de abertura de crédito rotativo para compra e venda de mercadorias

com garantia hipotecária, lavrada em 17.11.2005, livro 211, fl . 113-115, no

2º Tabelionato de Notas de Quirinópolis, inclusive escrituras anteriores nela

mencionadas; mantendo-se a garantia hipotecária de 1º Grau, como requerido

à alínea a da petição inicial; e vedar o assentamento dos nomes dos autores em

central de restrições ao crédito (Serasa, SPC ou similares), até julgamento fi nal;

sob pena de multa diária de 2% do valor do contratado e revisado – artigo 287

c.c. 461, § 4º do CPC” (sem destaque no original) (e-STJ fl s. 218-226). Com a

referida decisão, foi intimado pessoalmente o procurador da executada em 28 de

julho de 2006 (e-STJ fl . 1.645).

Essa decisão foi atacada pela Bunge mediante agravo de instrumento

interposto em 11.09.2006 com pedido de efeito suspensivo (e-STJ fl s. 863-901)

deferido por decisão monocrática. Contudo, em julgamento colegiado, o TJ-

GO não conheceu do recurso por intempestivo (e-STJ fl s. 902-914). Interposto

recurso especial, não foi admitido na origem. A ora recorrida interpôs contra

essa decisão agravo de instrumento perante esta Corte (Ag n. 902.523-GO, de

minha relatoria), ao qual foi negado provimento em razão da extemporaneidade

(e-STJ fl s. 918-919).

Sentença da ação revisional e seus desdobramentos: julgou parcialmente

procedentes os pedidos da inicial para alterar os vencimentos da dívida e

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 581

declarar a nulidade de cláusulas abusivas, determinando a manutenção da

decisão liminar (e-STJ fl s. 228-261). Inconformada, a Bunge interpôs recurso de

apelação às fl s. 264-283 (e-STJ), que restou desprovido. Contra essa decisão a

ora recorrida interpôs recurso especial, não admitido na origem. Dessa decisão

interpôs agravo de instrumento perante esta Corte (Ag n. 1.173.959-GO,

distribuído ao Min. Cesar Asfor Rocha), o qual não foi conhecido por ausência

de peças indispensáveis (e-STJ fl . 999).

Ação de execução proposta pela Bunge e seus desdobramentos: em

07.08.2006 (conforme informação extraída do sítio do TJ-GO na internet), ou

seja, após a ordem judicial que declarou suspensa a exigibilidade do Instrumento

Particular de Contrato de Confi ssão de Dívida e antes da interposição do agravo

de instrumento (interposto em 11.09.2006), a Bunge distribuiu contra os autores

ação de execução de título extrajudicial, com lastro no mesmo contrato de

confi ssão de dívida (e-STJ fl s. 848-852), o que acarretou a inclusão do nome do

autor Odilson Abadio de Resende em cadastro restritivo de crédito. Mesmo após

a sentença que extinguiu a execução, por inexigibilidade do título executivo, a

ora recorrida, dando prosseguimento ao trâmite da presente demanda, interpôs

recurso de apelação, ao qual o TJ-GO negou provimento. Contra essa decisão a

Bunge interpôs recurso especial, que não foi admitido na origem. Dessa decisão

interpôs agravo de instrumento perante esta Corte (Ag n. 1.174.349-GO,

distribuído ao Min. Cesar Asfor Rocha), o qual não foi conhecido por ausência

de peças indispensáveis (e-STJ fl . 1.000).

Execução da multa cominatória arbitrada em antecipação de tutela: foi

proposta pelos ora recorrentes em 23.07.2009, objetivando a cobrança da multa

diária fi xada na decisão que antecipou os efeitos da tutela (e-STJ fl s. 118-123).

Ao pedido executivo os autores deram o valor de R$ 293.201.402,80

(duzentos e noventa e três milhões, duzentos e um mil, quatrocentos e dois

reais e oitenta centavos), decorrente do principal acrescido de juros e correção

monetária, conforme demonstrativos de cálculo juntados às fl s. 1.014-1.047

(e-STJ). Os exequentes requereram, ainda, que fosse acrescido ao montante

apurado multa de 10% e honorários advocatícios.

Impugnação à execução: após a intimação da empresa executada para

efetuar o pagamento do montante da condenação, nos termos do art. 475-J do

CPC, sob pena de multa de 10% (dez por cento), a Bunge ofereceu impugnação

à execução (e-STJ fl s. 390-410).

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582

Decisão interlocutória: o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de

Quirinópolis, num primeiro momento, rejeitou liminarmente a impugnação

à execução por quantia certa por dois fundamentos: a executada deixou de

garantir o juízo da execução, conforme dispõe o art. 475-J, § 1º, do CPC e não

realizou a apuração dos valores que entendia correto (e-STJ fl s. 55-82). No

entanto, prosseguiu no exame meritório, examinando exaustivamente todas as

demais questões: falta de indicação dos temas elencados no art. 475-L do CPC;

preclusão quanto à reforma da sanção pecuniária e relevância da medida diante

da recalcitrância da ré ao cumprimento da antecipação de tutela. Acresceu,

ainda, ao valor apresentado pelo credor, a multa de 10% prevista no art. 475-

J do CPC, determinando, ainda, a realização de penhora on line pelo sistema

BacenJud, condicionando o levantamento dos valores ao trânsito em julgado.

Embargos de declaração: foi interposto pela ré às fl s. 1.325-1.361 (e-STJ)

com pedido de efeito suspensivo. Embora tenha sido rejeitado o declaratório, foi

deferido o pedido de efeito suspensivo para determinar “a suspensão provisória

das penhoras on line até decisão monocrática do E. Relator do futuro agravo

de instrumento; advertindo-se que se acaso o agravante não requeira efeitos

suspensivos ou tutela recursal – art. 527, III, do CPC, o fato poderá ser havido

como deliberadamente protelatório ou desidioso, prosseguindo-se com aquelas

regulares providências de segurança. Tomamos tal medida cautelar incidental,

inclusive, para permitir prequestionamento quanto à extensão da penhora on

line à holding; medida que posteriormente poderá advir, como requerido” (e-STJ

fl s. 1.370-1.382).

Agravo de instrumento de Bunge Fertilizantes S.A.: requereu-se a

manutenção do efeito suspensivo e o provimento do presente recurso no tocante

às seguintes questões suscitadas: (i) a nulidade da decisão dos embargos de

declaração; (ii) a inexistência de proibição imposta à agravante de executar a

dívida decorrente do contrato de confi ssão; e (iii) a necessidade de intimação

pessoal de representante da Bunge para fi xação do termo inicial da incidência

da multa cominatória. Aduz ainda que a inclusão dos agravados em órgãos de

proteção ao crédito não decorreu de ato da empresa e que é possível a revisão da

multa se essa mostrar-se insufi ciente ou excessiva. (e-STJ fl s. 05-53).

Agravo de instrumento de Odilson Abadio de Resende e outro: alegam que

o consectário lógico da rejeição liminar da impugnação seria o prosseguimento

defi nitivo da execução e não sua suspensão, conforme a contraditória decisão

do Juízo de origem. Sustentam ainda que a paralisação do cumprimento de

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 583

sentença somente se legitima quando fosse garantido o juízo, o que não teria ocorrido (e-STJ fl s. 1.624).

Decisão monocrática: deferiu a antecipação dos efeitos da tutela requerida pela Bunge para determinar a suspensão da execução (e-STJ fl s. 639-647).

Acórdão: o TJ-GO deu, por unanimidade, parcial provimento ao agravo de instrumento da Bunge, tornando sem efeito a liminar antes deferida e julgando prejudicado o agravo de instrumento dos autores, ora recorrentes. O acórdão restou assim ementada (e-STJ fl s. 1.621-1.670):

Agravos de instrumento. Cumprimento de astreinte. Contradição na decisão recorrida. Correção de ofício. Redução da multa cominatória. Valor exorbitante. Possibilidade. Ausência de preclusão.

1 - A prestação jurisdicional deve se pautar pela clareza e coesão em suas premissas. Verifi cando-se contradição entre os fundamentos do decisum e seu dispositivo é de se operar a respectiva correção, inclusive ex offi cio, para sanar a incongruência da deliberação. Hipótese em que o Juízo acolhe preliminar prejudicial ao mérito, mas prossegue analisando-o exaustivamente.

2 - No tocante à astreinte, o instituto da preclusão opera-se em relação à obrigação judicial imposta e à multa cominatória. Entretanto, a periodicidade e o valor da sanção cuida-se de matéria não abarcada pela imutabilidade dos atos judiciais. Com isso, buscou o legislador processual acertadamente evitar o locupletamento desarrazoado. Aplicação do artigo 461, § 6º do CPC. Redução da astreinte para valores razoáveis ao caso concreto.

Primeiro agravo de instrumento prejudicado. Segundo agravo de instrumento conhecido e parcialmente provido.

Recurso especial: interposto por Odilson Abadio de Resende e outro com base nas alíneas a e c do permissivo constitucional (fl s. 1.677-1.678), aponta, além de divergência jurisprudencial, ofensa ao art. 461 do CPC. Aduz que esse dispositivo de lei não estabelece ou permite a limitação da multa cominatória ao valor da obrigação principal. Sustenta que o acórdão recorrido teria violado a regra disposta no § 1º do art. 461 do CPC, porquanto teria reduzido o valor da astreinte sem a ocorrência de fato superveniente. Afi rma ainda que a multa cominatória, inicialmente fi xada, guardava proporcionalidade com o bem objeto de litígio. Como acórdãos paradigmáticos traz a recorrente julgados desta Corte e dos Tribunais de Justiça dos Estados de Minas Gerais e São Paulo.

Juízo de admissibilidade: apresentadas contrarrazões (fl s. 1.881-1.904), o Tribunal de origem admitiu o recurso especial (fl s. 1.906-1.907), determinando a remessa dos autos ao STJ.

É o relatório.

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VOTO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora):

I - Da delimitação da controvérsia

O ponto central da irresignação relaciona-se com a redução do valor da

astreinte e se, na hipótese em exame, a multa cominatória fi xada para o caso de

descumprimento da obrigação de não fazer, consistente na abstenção de incluir

o nome do autor em cadastro restritivo de crédito, seria insufi ciente, de modo a

autorizar, por esta Corte, a sua majoração.

II - Do prequestionamento

A matéria jurídica versada no art. 461 do CPC foi debatida no

acórdão recorrido de modo a evidenciar o prequestionamento, requisito de

admissibilidade do recurso especial.

III - Da redução do valor fi xado a título de astreinte. Da violação ao art.

461 do CPC e da divergência jurisprudencial

De início, para uma melhor apreciação do pedido, impõe-se rememorar

alguns dados relevantes. São eles: (i) o contrato de confi ssão de dívida montava

na quantia de R$11.450.925,04 (onze milhões, quatrocentos e cinquenta mil,

novecentos e vinte e cinco reais e quatro centavos); (ii) após revisionado, reduziu

para o montante de aproximadamente R$10.000.000,00 (dez milhões de reais)

(e-STJ fl . 1.011); (iii) a ação de execução proposta pela recorrida em face do

recorrente foi protocolizada em 08.08.2006, ou seja, antes da interposição do

agravo de instrumento (11.09.2006) que teve o pedido de efeito suspensivo

deferido, mas que não foi conhecido por ocasião do julgamento colegiado,

em razão de ser intempestivo; (iv) a inclusão do nome do autor no Serasa foi

consequência direta do ajuizamento de ação de execução fundada em título

extrajudicial, cuja exigibilidade fora suspensa por ordem judicial; (v) o valor da

multa fi xada pelo Juízo de primeiro grau de jurisdição, na ocasião da prolação

do acórdão recorrido, assumia a quantia aproximada de R$300.000.000,00

(trezentos milhões) de reais; (vi) o TJ-GO reduziu as astreintes para o valor

aproximado de R$480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais); e (vii) noticia-se

nos autos que o descumprimento da obrigação perdura até o presente momento.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 585

Os recorrentes defendem a tese de que o art. 461 do CPC teria sido violado, porquanto: (i) esse dispositivo de lei não estabelece a limitação da multa cominatória ao valor da obrigação principal; (ii) o acórdão impugnado não poderia ter reduzido o valor da astreinte sem a ocorrência de fato superveniente, conforme a regra disposta no § 1º do art. 461 do CPC; e (iii) a multa cominatória inicialmente fi xada guardava proporcionalidade com o bem objeto de litígio.

A recorrida, por sua vez, alega que a multa cominatória se tornou excessiva, confi gurando a hipótese de incidência do art. 461, § 1º, do CPC. Mantê-la no montante fi xado pelo Juízo de primeiro grau de jurisdição, sustenta a Bunge, faria das astreintes caminho para o enriquecimento sem causa dos autores.

A multa cominatória, prevista no art. 461 do CPC, representa um dos instrumentos de que o direito processual civil contemporâneo pode valer-se na busca por uma maior efetividade, principalmente no que diz respeito ao cumprimento das decisões judiciais. A astreinte não é, portanto, um fi m em si mesma, mas funciona como mecanismo de indução – mediante pressão fi nanceira –, a compelir o devedor ao cumprimento da obrigação e da própria ordem judicial emanada.

O valor da multa, conforme afi rma o professor Eduardo Talamini, deve atingir um “montante tal que concretamente infl ua no comportamento do demandado – o que, diante das circunstâncias do caso (a situação econômica do réu, sua capacidade de resistência, vantagens por ele carreadas com o descumprimento, outros valores não patrimoniais eventualmente envolvidos etc.), pode resultar em quantum que supere aquele que se atribui ao bem jurídico visado” (Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres

de entrega de coisa. São Paulo: RT, 2003, p. 248-254).

É certo que a fi xação do valor da multa cominatória não é tarefa fácil ao julgador. Se por um lado não há limites para determiná-la, que deve – em consonância com as peculiaridades de cada caso – ser elevada o sufi ciente a inibir o devedor – que intenciona descumprir a obrigação – e sensibilizá-lo de que é muito mais vantajoso cumpri-la do que pagar a respectiva pena pecuniária; por outro, não pode o valor da multa implicar enriquecimento injusto do devedor (ut REsp n. 793.491-RN, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 06.11.2006; REsp n. 1.060.293, 3ª Turma, minha relatoria, DJe 18.03.2010).

Por essa razão, esta Corte tem admitido a redução de astreintes fi xadas em valores elevados. Nesse sentido, vejam-se os seguintes precedentes: AgRg no Ag n. 1.248.157-RS, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 30.04.2010; REsp n. 732.189-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de

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12.04.2010 e REsp n. 1.060.293-RS, 3ª Turma, de minha relatoria, DJ de 18.03.2010.

Sob esse prisma e considerando-se o valor inicialmente arbitrado pelo Juízo de primeiro grau de jurisdição, quer seja, o percentual de 2% ao dia sobre o valor do contrato revisionado, outra conclusão não se permite chegar, que não a de que o valor assumiu um importe demasiadamente excessivo (300 milhões de reais). Primeiro, porque a cada 100 dias de descumprimento do mandamento judicial a multa cominatória atingiria o valor do próprio contrato revisionado – que, salienta-se, possui o vultoso valor de dez milhões de reais –, o que, sem necessidade de maiores ponderações, não se reveste de razoabilidade e bom senso. Segundo, porque a multa cominatória, conforme disposição expressa do art. 461, § 2º, do CPC, não possui caráter indenizatório, ao contrário do que pretendeu o Juízo de origem, convertendo-a em perdas e danos para os supostos prejuízos suportados pelos autores. Não se olvide que a reparação pelos danos, a que os autores alegam ter sofrido, poderia ser buscada em ação própria, de modo que manter a multa cominatória nesse importe, sob o fundamento de terem os autores arcado com prejuízos de elevada monta, acarretaria inevitavelmente o enriquecimento injusto dos recorrentes, que poderiam ser duplamente “premiados” pelo mesmo fato.

Igualmente em razão das astreintes não se revestirem de caráter indenizatório, não é relevante para a apreciação do pedido a ponderação feita pelo TJ-GO de que “mesmo antes da antecipação de tutela impedindo o registro de inadimplência do contrato, já havia outros inúmeros apontamentos de dívidas não quitadas” (e-STJ fl . 1.644). O que tem proeminência para a solução da controvérsia é o descumprimento da ordem judicial pela Bunge, que, não obstante a suspensão da exigibilidade do título extrajudicial, ajuizou ação de execução contra os autores, ocasionando a inclusão do nome de Odilson Abádio

de Resende no Serasa.

Por outro lado, partilho do entendimento, já consubstanciado em outros precedentes desta Corte, de que mesmo diante de multas elevadas, há de se rejeitar a pretensão de redução “se o único obstáculo ao cumprimento de determinação judicial para a qual havia incidência de multa diária foi o descaso do devedor”, haja vista que “a análise sobre o excesso ou não da multa não deve ser feita na perspectiva de quem, olhando para fatos já consolidados no tempo – agora que a prestação foi fi nalmente cumprida – procura razoabilidade quando, na raiz do problema, existe justamente um comportamento desarrazoado de uma das partes” (AgRg no REsp n. 1.026.191-RS, minha relatoria, DJe de 23.11.2009).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 587

Esse raciocínio pode perfeitamente ser aplicado na hipótese dos autos,

para, cumulativamente com outros fundamentos, justifi car a majoração do valor

das astreintes, o que, segundo entendimento desta Corte, é lícito a qualquer

tempo (art. 461, § 4º c.c. § 6º, do CPC), conforme se mostre insufi ciente.

Vejam-se, nesse sentido, os seguintes julgados do STJ: REsp n. 785.053-BA, 4ª

Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 29.10.2007; REsp n. 890.900-SP,

3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe de 13.05.2008; REsp n.

793.491-RN, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 06.11.2006.

Na hipótese em exame, a liminar obtida pelos autores na ação revisional,

além de ter suspendido a exigibilidade do contrato de confi ssão de dívida,

determinou uma obrigação de não fazer, ou seja, o impedimento à empresa ré

de lançar o nome dos autores em cadastros negativos. A Bunge, não obstante o

teor da primeira parte da liminar deferida, ajuizou ação de execução lastreada

em título extrajudicial cuja exigibilidade estava suspensa, o que culminou com

a inscrição do nome do autor em cadastro restritivo de crédito. Dessa forma,

buscando preservar a fi nalidade para a qual foi determinada pelo juiz obrigação

desse conteúdo, quer seja, preservar o nome do autor enquanto ainda em

discussão a dívida oriunda do contrato de confi ssão e, como única forma de

ilidir a incidência da multa cominatória, a exigência, antes de cunho negativo

(não fazer), se transforma em obrigação de fazer: retirar o nome do autor

outrora negativado. O descumprimento perdura, portanto, enquanto o nome do

autor permanecer em cadastro restritivo de crédito, em razão da existência da

ação de execução proposta pela ré.

Salienta-se que a recorrida, em momento algum suscitou a existência de

impedimentos excepcionais ao cumprimento da obrigação determinada por

ordem judicial. Pelo contrário, insistiu na ação de execução e, mesmo após

o trânsito em julgado, restando comprovado ter ela ponderado mal o que

imaginava ser o seu direito, não intentou realizar a baixa da inscrição.

Não obstante, o acórdão recorrido faz parecer bastante simples o

cumprimento da obrigação. Isso porque afi rma o quão “impressionante” parece-

lhe o fato de que “quando já ultrapassados mais de três anos do descumprimento

da ordem judicial, os recorrentes Odilson e Silvana pugnarem o cumprimento

da astreinte” e de que “fossem verossímeis as assertivas dos recorrentes Odilson

e Silvana, já naquela época poderiam requerer ao Juízo processante a expedição

de ofício diretamente ao cartório cível da comarca de Quirinópolis, ao Serasa

e à ANSA para a imediata retirada dos indevidos apontamentos” (e-STJ fl .

1.643). Entretanto, olvida-se que o destinatário da ordem judicial é a recorrida,

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quem insistiu numa execução lastreada em título executivo extrajudicial cuja exigibilidade foi suspensa por decisão judicial e que, repita-se, mesmo após o trânsito em julgado dessa execução, não diligenciou no sentido de realizar a baixa do nome do autor do Serasa.

Dessa forma, o valor que chegou o TJ-GO à multa aplicada, reduzindo-a para “R$12.000,00 para cada mês de descumprimento, o que, na prática equivale atualmente a aproximados R$480.000,00” (e-STJ fl . 1.645), acabou por premiar a insubordinação e o comportamento reprovável da recorrida, que, frise-se, segue

descumprindo a ordem judicial.

Ora, se a ré foi recalcitrante em cumprir ordem judicial quando a multa cominatória fi xada alcançou montante multimilionário, não será com a fi xação de um valor de menos de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), que esse instituto irá cumprir sua função coercitiva, intimidando uma empresa com atuação mundial do porte da Bunge. Pontue-se ainda que não há precedente nesta Corte que tenha reduzido o valor das astreintes, quando persiste o descumprimento da ordem, como é o caso dos autos.

Por oportuno, extrai-se excerto de voto da relatoria do i. Min. Sidnei Beneti, proferido por ocasião do julgamento do REsp n. 940.309-MT (3ª

Turma, DJe de 25.05.2010):

Por outro lado, a multa não podia olvidar a força econômica do devedor, para limitar-se à singeleza do valor.

Se o devedor, dotado de notório poder econômico-financeiro houvesse cumprido de pronto a obrigação de fazer, não teria a multa por pagar – multa que só se torna meio efetivo de coerção, em se tratando de devedor de acentuada posse, no caso de ser realmente de valor elevado, porque, caso contrário, fi caria a seu critério satisfazer a obrigação ou pagar multa ínfi ma para a própria força econômica, nulifi cando-se, portanto, a coerção indireta e passando a zombar da cominação.

9.- Como se vê, o fato de o valor alçar a patamar elevado é compreensível e, no caso, justifi ca-se ante a recalcitrância do Recorrente em cumprir o julgado, “empurrando” a questão por vários anos.

Despercebeu-se, contudo, o devedor, de que o sistema processual se alterou, em prol da efetividade, com a legitimação das astreintes, que são, relembre-se, apenas uma tímida modalidade brasileira do que seria a ofensa à Corte - o contempt of Court do Direito Anglo-Americano, pelo qual se determinam medidas de enorme força coercitiva no tocante à parte e, mesmo, ao patrocínio temerário, desempenhando papel importantíssimo em prol da própria funcionalidade do Poder Judiciário, ao impedir o afogamento do Poder Judiciário com a eternização da resistência, sobretudo por parte do litigante de grandes forças econômicas.

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Convém, realmente, que todos se apercebam de que o sistema de execução cível nacional vem se tornando cada vez mais severo com a resistência à satisfação dos direitos, com o fi to de chegar à efetividade - que afi nal de contas, certamente será reclamada pelo próprio Recorrente, quando na condição de credor.

Repita-se que, se o ora Recorrente houvesse de pronto cumprido a obrigação, não teria o acréscimo considerável que ora suporta, e que deve servir de desincentivo à recalcitrância empedernida no cumprimento de decisões judiciais.

É claro, evidentemente, que a cominação da multa não implica, em si, obrigação de cumprir a obrigação e, conseqüentemente, não afeta em nada o direito do devedor de invocar a atividade jurisdicional se entende que não há obrigação que cumprir. Mas o risco é seu, de modo que, se sustenta que não deve e, ao contrário, no fi m resta reconhecido que deve, recebe ele a conseqüência de haver ponderado mal o que imaginava ser seu direito – e, além do cumprimento da obrigação primária, tem de pagar a multa cominatória.

IV - Da divergência jurisprudencial

Por fi m, tendo em vista que a matéria impugnada pela recorrente com fundamento na alínea c do permissivo constitucional é a mesma tratada na alínea a, a análise do mérito da impugnação torna desnecessária a reapreciação da questão. A solução da causa, quanto à divergência, necessariamente convergirá para o que se decidiu quanto à violação.

Forte nessas razões, dou provimento ao recurso especial, para majorar a multa cominatória ao importe de R$7.000,00 (sete mil reais) por dia de descumprimento, sem prejuízo das atualizações legalmente permitidas, adotando como termo inicial, da mesma forma como fez o TJ-GO, a data de intimação pessoal do representante legal da recorrida, qual seja, 28 de julho de 2006, de modo que, até o presente momento, resultam 49 meses de descumprimento.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do

TJ-RS): Sr. Presidente, antes de mais nada quero cumprimentar os ilustres

Advogados, especialmente o ilustre ex-colega do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul, o Desembargador Araken de Assis, um dos mais brilhantes magistrados e juristas da nova geração do Rio Grande do Sul.

Quero também cumprimentar o colega que se fez sentir há pouco, com um brilhante trabalho, defendendo as teses da recorrida.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Gostaria de dizer que fi quei muito satisfeito por receber memoriais com lições de grandes juristas analisando essa matéria, a matéria das astreintes, e sua ampliação, redução, fi xação. Realmente, como se ouviu há pouco, pelo voto da eminente Ministra Nancy Andrighi, essa matéria é palpitante no Tribunal. E S. Exa., a eminente Relatora foi muito feliz, pois, abordou, a meu sentir, todos os ângulos da matéria, todos os pontos em que se debatem, hoje em dia, os doutrinadores, a respeito do tema, um tanto novo, qual seja, as astreintes.

Parece que, exatamente, consta do seu voto de S. Exa. o seguinte:

Se por um lado não há limites para determiná-la, que deve - em consonância com as peculiaridades de cada caso - ser elevada o sufi ciente a inibir o devedor - que intenciona descumprir a obrigação - e sensibilizá-lo de que é muito mais vantajoso cumpri-la do que pagar a respectiva pena pecuniária; por outro, não pode o valor da multa implicar enriquecimento injusto do devedor (ut REsp n. 793.491-RN, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 06.11.2006; REsp n. 1.060.293, 3ª Turma, minha relatoria, DJe 18.03.2010).

Assim que, guardadas as proporções e feito um paralelismo com o dano moral, parece que nós, no STJ, temos procurado um meio termo, para que não se defi ram valores altamente exagerados, nem, ao contrário, valores sem grande relevância.

A sugestão e o voto da eminente Ministra, ao meu entender, valida e dá força ao que aqui temos seguido, no sentido de situar uma linha relativamente intermediária entre os dois opostos.

Parabenizando o voto de S. Exa., pois S. Exa. sempre prima por seus doutos pronunciamentos, a acompanho integralmente, dando provimento ao recurso especial.

RECURSO ESPECIAL N. 1.186.325-MS (2010/0054038-3)

Relator: Ministro Massami Uyeda

Recorrente: Candido Aparecido Batista e outro

Advogado: Marco Antonio Novaes Nogueira e outro(s)

Recorrido: Samuel Garcia Alonso

Advogado: Carlos José Reis de Almeida e outro(s)

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EMENTA

Recurso especial. Ação de execução. Escritura de parceria pecuária com garantia hipotecária. Execução dirigida apenas contra os devedores principais. Citação dos garantes hipotecários. Desnecessidade. Intimação desses da penhora. Sufi ciência. Precedentes do STJ. Prescrição. Defi ciência na fundamentação do recurso especial. Incidência do Enunciado n. 284-STF, no ponto. Recurso especial improvido.

I - Quando a execução é dirigida apenas contra os devedores principais, é inadmissível a penhora de bens pertencentes ao terceiro garante que não integrou a relação processual executiva mediante citação pessoal ou intimação da penhora sobre o bem hipotecado;

II - No caso dos autos, os garantes hipotecários foram devidamente intimados e tiveram ciência de forma inequívoca a respeito da existência da execução contra os devedores principais, não havendo falar em ocorrência de nulidade da execução;

III - Com referência à prescrição, os recorrentes não apontaram qualquer violação a legislação infraconstitucional, tampouco fi zeram referência aos artigos de lei eventualmente violados, como seria de rigor, sendo inafastável a incidência do Enunciado n. 284-STF;

IV - Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça,

na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, A Turma, por

unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a)

Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso

Sanseverino, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS) e

Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 07 de outubro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Massami Uyeda, Relator

DJe 21.10.2010

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Massami Uyeda: Os elementos dos autos dão conta de que Samuel Garcia Alonso, ora recorrido, ajuizou ação de execução para a entrega de coisa incerta, lastreada em escritura de parceria pecuária, com garantia hipotecária, em face de Jaqueline Rodrigues Ferreira, Manoel Batista Dias, Maria Batista Dias e Moisés Batista Dias (fl s. 29-34).

Distribuída a ação, foram citados os devedores Jaqueline, Manoel, Maria e Moisés, bem como intimados pessoalmente os garantes hipotecários Cândido e

outro, ora recorrentes (certidão de fl . 59).

Os devedores Jaqueline, Manoel, Maria e Moisés deixaram transcorrer in albis o prazo para entrega, sendo que o recorrido Samuel requereu a busca e apreensão dos bens.

Apresentada exceção de pré-executividade por Moisés e Maria (fl s. 65-80), foi ela rejeitada por meio de decisão do r. Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Cassilândia-MS, tendo sido ainda deferido o pedido de busca e apreensão formulado pelo recorrido Samuel (fl s. 101-107).

Em face do r. decisum, os devedores Moisés, Maria, Manoel e Jaqueline interpuseram agravo de instrumento (fl s. 116-125), que foi recebido apenas em seu efeito devolutivo pelo Relator (fl s. 128-129) e, posteriormente, não foi conhecido pelo e. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul (fl s. 165 e 180).

O r. Juízo de Direito a quo determinou a expedição de carta precatória de busca e apreensão dos bens dos devedores Moisés, Maria, Manoel e Jaqueline (fl s. 140), sendo que, cumpridas as diligências de busca e apreensão, não foram encontrados bens (fl s. 156). Posteriormente, o mesmo Juízo proferiu nova decisão, convertendo a ação em execução por quantia certa (fl s. 229-232).

Foram citados os devedores Moisés, Maria, Manoel e Jaqueline para que pagassem o valor atualizado da dívida, sob pena de penhora do bem hipotecado de propriedade dos garantidores hipotecários Cândido e outro, sendo que esses últimos também foram intimados (fl s. 252-253).

Transcorrido o prazo legal para pagamento e oferecimento de bens à penhora, o Oficial da Justiça procedeu à penhora e à avaliação do imóvel hipotecado, intimando os devedores e os garantidores hipotecários do ato (fl s. 254-258).

Os devedores Jaqueline, Manoel, Maria e Moisés ajuizaram embargos à execução, que, ao fi nal, foram julgados improcedentes pelo r. Juízo de Direito a

quo (fl s. 292-297).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 593

Os recorrentes Cândido Aparecido Batista e outro, garantidores hipotecários, intervieram no feito, pugnando pela nulidade da execução, ao argumento de que não foram citados para integrar o pólo passivo da execução, a despeito de a penhora e a adjudicação recaírem sobre bem imóvel de sua propriedade. Apontaram, ainda, a ocorrência da prescrição (fl s. 326-341).

O r. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Cassilândia-MS rejeitou o pedido de nulidade, sob o fundamento de que os garantidores hipotecários foram devidamente intimados da penhora, sem, contudo, manifestarem qualquer insurgência, seja por meio de embargos de devedor, seja por meio de embargos de terceiro. Transcreve-se, por oportuno, o seguinte excerto:

Da penhora o garantidor hipotecária foi intimado e não se opôs. Claro que o poderia, mas não o fez. Talvez porque conveniente na época! Claro que ele teria legitimidade para se opor por meio de embargos. A espécie de embargos, se de devedor ou de terceiro, vai depender de circunstâncias, como a sua composição ou não no pólo passivo da execução. Não era obrigatória a sua composição no pólo passivo. Isso é faculdade do credor, talvez até para não expor o garantidor hipotecário. O que é obrigatório, isso sim e foi observador, é a sua intimação da penhora. [...]. É o que ocorreu na espécie, com ampla possibilidade de contraditório, por longos anos: o credor executou apenas os devedores principais, e o garantidor hipotecário foi intimado da penhora e nunca se opôs, exceto agora, quando já faz mais de década do vencimento da obrigação, e há quase uma do ajuizamento da execução (fl s. 360-365).

Em face dessa decisão, Cândido e outro interpuseram agravo de instrumento (fl s. 1-23), o qual, ao fi nal, restou improvido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, em acórdão assim ementado:

Agravo de instrumento. Execução. Citação dos intervenientes garantidores. Inexistência de litisconsórcio passivo necessário. Desnecessidade de citação. Prescrição. Ausência de manifestação. Recurso improvido.

Não sendo o terceiro interveniente hipotecário devedor, não precisa ser citado no feito executivo para pagar a dívida. Não há que falar em apreciação da alegada prescrição se esta questão nem ao menos foi apreciada pelo julgador de primeiro grau. (ut fl s. 442-444).

No presente recurso especial, interposto por Cândido e outro, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal de 1988, em que se alega negativa de vigência dos arts. 214, 568, I, c.c. 585, III, 618, II, e 652 do Código de Processo Civil, além de dissídio jurisprudencial, buscam os recorrentes a reforma do r. decisum, sustentando, em síntese, que, na condição de intervenientes hipotecários (litisconsortes passivos necessários), deveriam

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

594

ter sido necessariamente citados (e não apenas intimados) para a execução, havendo, por conseqüência, nulidade do feito. Aduzem, por fi m, a ocorrência da prescrição (fl s. 448-471).

O recorrido Samuel, embora devidamente intimado, não apresentou contra-razões ao recurso especial (fl . 495).

A Vice-Presidência do e. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul deu seguimento ao recurso (fl s. 496-497).

Por fim, anote-se que os recorrentes Cândido e outro ajuizaram duas cautelares sucessivas perante o STJ (MC n. 16.790-MS e MC n. 17.201-MS), objetivando a atribuição de efeito suspensivo ao apelo nobre, sendo a primeira cautelar indeferida e a segunda não conhecida por esta Relatoria.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): O inconformismo recursal não merece prosperar.

Com efeito.

Na realidade, veja-se que o entendimento do Tribunal de origem está em consonância com o posicionamento atual e majoritário desta Corte, no sentido de que, quando a execução é dirigida apenas contra o devedor principal, é inadmissível a penhora de bens pertencentes ao terceiro garante que não integrou a relação processual executiva mediante citação pessoal ou intimação da

penhora sobre o bem hipotecado. Não se exige, assim, nessa hipótese, a citação, mas a simples intimação do garantidor hipotecário para o processo de execução.

A propósito, confi ram-se os seguintes precedentes: REsp n. 527.515, 4ª Turma, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJ 21.10.2009; MC n. 14.739, Relatora Ministra Nancy Andrighi 17.09.2008; e REsp n. 326.201-SP, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ. 06.05.2002, este último assim ementado:

Processual Civil. Recurso especial. Embargos do devedor à execução. Terceiro garantidor hipotecário da dívida. Legitimidade. - Aquele que oferece bem imóvel de sua propriedade em garantia de dívida detém legitimidade ativa para oposição de embargos do devedor à execução, tenha havido sua citação para integrar o pólo passivo dessa demanda, ou apenas intimação da penhora realizada sobre o bem hipotecado. (REsp n. 326.201-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado 02.04.2002, DJ 06.05.2002, p. 287).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 483-595, janeiro/março 2011 595

No mesmo sentido, colhem-se as lições da doutrina:

Quando a execução tiver de recair sobre os bens de um dos responsáveis secundários enumerados na norma ora analisada, a citação do proprietário desses bens, para a ação de execução, não é exigida pela lei (CPC, 568). Nada obstante, feita a penhora sobre um desses bens, a intimação do devedor (executado) e do proprietário responsável secundário, que teve seu bem penhorado, é de rigor (CPC, 669, caput) (ut JÚNIOR, Nelson Nery, Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil em Vigor, 5ª Ed., RT)

In casu, nos termos relatados, os garantidores hipotecários, ora recorrentes, foram devidamente intimados da penhora, sem, contudo, manifestar, oportunamente, qualquer insurgência. Somente após prolongado período (uma década do ajuizamento da execução) e, na expressão adotada pelo Tribunal de origem, quando conveniente, os ora recorrentes impugnaram a falta de citação alegaram cerceamento de defesa.

Desse modo, conclui-se que os recorrentes, anuentes da garantia hipotecária, foram devidamente intimados e tiveram ciência de forma inequívoca a respeito da existência da execução contra os devedores principais, não havendo falar em ocorrência de nulidade da execução.

Por fim, quanto à questão da prescrição, verifica-se, que, de fato, os recorrentes não apontaram qualquer violação a legislação infraconstitucional, tampouco fizeram referência aos artigos de lei eventualmente violados, como seria de rigor. Por consectário, o recurso mostra-se defi ciente em sua fundamentação, atraindo, no ponto, a incidência do Enunciado n. 284 do STF, in verbis: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a defi ciência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

Assim sendo, nega-se provimento ao recurso especial.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS): Sr. Presidente, fazendo minhas as palavras do eminente Ministro Sidnei

Beneti, acompanho integralmente o bem lançado voto de V. Exa., negando

provimento ao recurso especial.

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Quarta Turma

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 29.213-SP (2009/0059131-5)

Relator: Ministro João Otávio de Noronha

Recorrente: Banco do Brasil S/A

Advogados: Ana Diva Teles Ramos Ehrich

Patrícia Helena Lopes e outro(s)

Recorrido: Estado de São Paulo

Interessados: Brasilivros Editora e Distribuidora Ltda. e outro

Advogado: Flávia Mileo Ieno - síndico

EMENTA

Recurso ordinário em mandado de segurança. Processo de falência. Determinação de bloqueio de conta-corrente. Cumprimento parcial da ordem judicial pelo banco. Penhora na “boca do caixa” da instituição fi nanceira. Ilegalidade. Terceiro à lide. Art. 14, inciso V e parágrafo único, do CPC. Responsabilidade civil. Necessidade de ajuizamento de ação autônoma.

1. O cumprimento parcial de ordem judicial para bloqueio de conta-corrente em processo falimentar não autoriza a penhora na “boca do caixa” da agência da instituição fi nanceira responsável. Ofensa ao devido processo legal e às garantias a ele inerentes.

2. A apuração de responsabilidade civil de terceiro à lide pelo descumprimento de ordem judicial requer o ajuizamento de ação autônoma (CPC, art. 14, inciso V e parágrafo único).

3. Recurso ordinário provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

600

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior.

Dr(a). Ana Diva Teles Ramos Ehrich (Protestará por Juntada), pela parte

Recorrente: Banco do Brasil S/A

Brasília (DF), 18 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro João Otávio de Noronha, Presidente e Relator

DJe 25.11.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se de recurso ordinário

em mandado de segurança interposto por Banco do Brasil S/A com apoio nos

arts. 105, II, alínea b, da Constituição Federal, e 539, II, alínea a, do Código

de Processo Civil, contra acórdão da Segunda Câmara de Direito Privado do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:

Mandado de segurança. Determinação de penhora de valor equivalente à soma dos valores pertencentes à massa falida, indevidamente disponibilizados pelo estabelecimento bancário. Alegação de violação de direito líquido e certo.

Inocorrência. Segurança denegada (e-STJ, fl . 388).

Sustenta o recorrente que os presentes autos versam sobre o cumprimento

parcial de ordem judicial – bloqueio de conta-corrente da empresa LCL

Distribuidora de Livros Ltda. – emanada de Juízo falimentar que foi interpretada

equivocadamente pela gerência da agência destinatária, levando inicialmente ao

bloqueio apenas do saldo do dia em que recebida. Diante disso, foi determinada

a penhora de R$ 611.875,04, relativa ao montante atualizado dos valores

debitados na mencionada conta desde o momento do recebimento da ordem.

Esclarece, ainda, que tais débitos referem-se a transferências para pessoas

físicas (em grande parte, para contas de funcionários da falida, no valor de

R$ 305.114,00), pagamentos de títulos de cobrança, emissão de cheques e

pagamentos de concessionárias de serviços públicos, perfazendo o total de R$

555.884,99.

Diante disso, aduz o seguinte:

Não obstante a descrição dos fatos ocorridos e a constatação de que o Banco do Brasil S/A não tem responsabilidade nos débitos promovidos pelos sócios-

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 601

gerentes da empresa falida, o fato primordial, que é objeto inclusive do Mandado de Segurança, é que houve decisão judicial determinando a constrição de bens do Banco em fl agrante desobediência aos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal, os quais asseguram o contraditório e ampla defesa decorrentes do devido processo legal.

(...)

Da mesma forma houve violação do art. 472 do Código de Processo Civil, uma vez que o Banco do Brasil S/A é terceiro em relação ao processo de falência do qual fora emanada a ordem de constrição de seus bens.

(...)

O direito líquido e certo do banco reside, simplesmente, na violação constitucional e infraconstitucional fl agrante na determinação de constrição de bem de terceiro à lide (e-STJ, fl s. 439-440).

Argumenta que não dispôs dos bens da massa falida e que todos os

débitos realizados na referida conta-corrente foram efetuados pelos próprios

sócios-gerentes da empresa; que não lhe pode ser imputada exclusivamente

a responsabilidade por tais débitos, a respeito dos quais nem sequer há

comprovação de que não reverteram em favor da massa falida. Ressalta ainda

que o Juízo de primeira instância, em desrespeito à liminar deferida pelo

Tribunal a quo, autorizou o levantamento parcial do depósito judicial efetuado

pelo banco.

Assim, assevera ser terceiro em relação ao processo de falência; portanto,

apenas em ação autônoma – em observância ao contraditório e ao devido

processo legal – é que seria possível apurar os verdadeiros responsáveis pelo

ressarcimento da quantia debitada.

Ao fi nal, pleiteia seja conferido efeito ativo ao mandamus e seja reformado

o aresto recorrido para que se determine a anulação da ordem de penhora com

a consequente devolução integral da quantia penhorada, inclusive do valor

levantado equivocadamente pela massa falida.

Sem contrarrazões (e-STJ, fl . 509), o recurso ordinário foi admitido.

O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso

(e-STJ, fl . 520-524).

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

602

VOTO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): Trata-se de recurso

ordinário em mandado de segurança interposto contra acórdão do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo que denegou a segurança impetrada contra ato

da Juíza de Direito da 8ª Vara Cível da comarca de São Paulo que, em processo

falimentar, determinara a penhora “na boca do caixa” do banco ora recorrente da

quantia de R$ 611.875,04, relativa ao valor atualizado dos débitos ocorridos na

citada conta desde o momento do recebimento da ordem judicial de bloqueio,

visto que cumprida parcialmente.

O Tribunal de origem denegou a segurança nos seguintes termos:

Em 8 de abril de 2005, a magistrada ofi ciou ao Banco do Brasil S/A para que fosse efetuado o bloqueio da conta corrente 9.558-3, da agência 3.340-5, em nome da LCL Distribuidora de Livros Ltda. (fls. 71), tendo o estabelecimento bancário comunicado ao Juízo da quebra a existência de R$89.009,96 (oitenta e nove mil e nove reais e noventa e seis centavos) (fl s. 72-73). Todavia, a conta continuou a ser movimentada com lançamento de novos créditos e débitos, estes atingindo o valor apontado para a penhora.

(...)

A determinação, todavia, foi interpretada de forma diversa, e, ante o lançamento de créditos na conta corrente indicada, procedeu-se também o lançamento de débitos. Estes consistiram em lançamento dos cheques apresentados pela compensação em 18.04.2005 (R$11.578,72), pagamento de títulos em cobrança (R$236.087,73), pagamento de concessionárias de serviços públicos (R$2.904,54) e transferências para contas de pessoas físicas (R$305.314,00), valores que, atualizados, atingiram o montante reclamado pela síndica.

Ora, todos os créditos beneficiavam a massa falida e todos os débitos estavam sujeitos ao processo concursal, não se sabendo a que título foram efetuadas as transferências para as pessoas físicas, e quais os benefi ciários dessas transferências.

Assim, a determinação de penhora do valor correspondentes aos valores indevidamente debitados nessas não ostenta ilegalidade, já que o estabelecimento bancário dispôs de bens pertencentes à massa falida, violando, isto sim, o direito dos credores que estão submetidos ao processo concursal.

Não há que se falar em obstáculo ao exercício de direito de defesa pois, a partir da comunicação para bloqueio, o estabelecimento bancário passou à condição de auxiliar do juízo da falência, submetido às suas determinações.

Ausente o direito líquido e certo, o mandado de segurança é de ser negado (e-STJ, fl s. 390-391).

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 603

Em parecer, a Procuradoria-Geral da República (e-STJ, fl s. 520-524), após observar que não fora demonstrado ser o acórdão atacado manifestamente ilegal, teratológico ou abusivo, manifestou-se contrariamente à pretensão do recorrente de serem os valores aqui discutidos buscados por meio de ação própria, e não

nos autos da falência, por tratar-se de terceiro estranho ao processo falencial:

Convém ressaltar, por fi m, que o próprio impetrante assumiu que a ordem judicial “foi equivocadamente interpretada como ordem de bloqueio do saldo do dia do protocolo do ofício judicial” (fl. 415) e, por outro lado, não seria o caso de levantamento dos valores por meio de ação própria, como pretende a impetração, tendo em vista que ao juízo é atribuída a competência para reprimir, nos próprios autos, qualquer ato atentatório à dignidade da justiça (artigo 125, inciso III, do CPC) (e-STJ, fl . 523).

Razão assiste ao recorrente.

Confi gura-se por demais violenta a penhora de valores na “boca do caixa” de instituição fi nanceira (mera detentora da conta-corrente da empresa falida) por causa de cumprimento parcial de ordem do Juízo da falência, que determinou o bloqueio da conta, tendo o banco acatado a determinação, inicialmente, apenas em relação ao saldo do dia.

Ora, em razão da patente condição do banco – terceiro à lide –, seus bens não podem sofrer constrição judicial sem obediência ao devido processo legal, com as garantias a ele inerentes, isto é, a instauração do contraditório e a ampla defesa. Diante disso, o caminho adequado para se apurar a responsabilidade pelo descumprimento da ordem judicial, como bem anotado pelo representante do parquet estadual (e-STJ, fl . 340), passa pela autorização da Juíza de Direito ao síndico da massa falida para propor ação de responsabilidade civil contra o Banco do Brasil S/A, com o que será possível, respeitados o contraditório e a ampla defesa, não só apurar a questionada responsabilidade, mas também, não menos importante, saber quem efetuou os referidos débitos e qual a sua destinação, não se podendo descartar, inclusive, a possibilidade de que tais valores tenham revertido em favor da própria massa falida, como alega o recorrente.

Entendo que a condição de auxiliar do Juízo não permite que se prescinda do devido processo legal, sempre necessário para que ocorra agressão ao patrimônio de quem não integra a lide.

Releva notar que o art. 14 do Código de Processo Civil, que cuidava dos deveres das partes e dos seus procuradores, sofreu alterações pela Lei n. 10.358/2001 (caput, parágrafo único e o acréscimo do inciso V), em razão

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

604

das quais o seu alcance foi estendido a “todos aqueles que de qualquer forma participam do processo”. Criou-se a fi gura do responsável pelo descumprimento de ordem judicial e fi cou estabelecido o dever de “cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou fi nal”. Trata-se do contempt of court

brasileiro, ou ato atentatório ao exercício da jurisdição, instituto de larga utilização no sistema da common law, introduzido em nosso ordenamento com adaptações e sem a força do originário.

Humberto Theodoro Júnior, com base no entendimento consagrado pela doutrina, leciona que o referido dispositivo autoriza o órgão judiciário, “sem prejuízo das sanções criminais, cíveis e processuais cabíveis, a aplicar ao responsável (parte, interveniente, ou quem, de qualquer forma, participe do processo) a multa de vinte por cento do valor da causa. O juiz arbitrará a pena nos próprios autos em que incorreu a infração e assinará prazo para seu pagamento. Para fi xar-lhe o montante levará em conta ‘a gravidade da conduta’ do infrator”. A questão, ao menos de forma indireta, é enfrentada pelo ilustre professor em nota de rodapé (n. 24), quando, a propósito do crime de desobediência e da possibilidade da prisão civil, diz: “Ao juiz cível cabe somente a aplicação da multa disciplinar do parágrafo único do art. 14, do CPC ...” (“Curso de Direito Processual Civil”, vol. I, 44ª ed., 2006, p. 95).

De igual modo, Rodrigo Xavier Leonardo, em obra coordenada por Luiz Guilherme Marinoni e Fredie Didier Jr., aponta para a necessidade de a parte interessada intentar ação própria para pleitear a reparação de possíveis danos:

Ressalte-se, assim, que a multa estabelecida também não impede que, havendo danos causados pelo ato atentatório à parte, esta venha a pleitear sua reparação civil. Chama-se mais uma vez atenção para a ressalva expressa no parágrafo único do art. 14: “sem prejuízo das sanções (...) civis”.

O dispositivo, portanto, abre possibilidade para, diante dos danos causados pelo ato atentatório, a parte lesada propor ação para ressarcimento de danos em face do responsável, seja ele a outra parte, seja ele terceiro. (“A segunda etapa da reforma processual civil”. Malheiros Editores, 2001, p. 419)

Cito, por fi m, a lição de Luiz Rodrigues Wambier, que, após discorrer sobre a inovação inserida no art. 14 do CPC pela Lei n. 10.358/2001 e afi rmar que a principal consequência dessa mudança é a possibilidade de imposição de multa ao responsável pelo descumprimento ou pelo embaraço ao cumprimento dos provimentos jurisdicionais, enfoca especifi camente a questão aqui tratada, ou seja, a necessidade de ação autônoma para o ressarcimento de prejuízos decorrentes do descumprimento, com exatidão, da ordem judicial, in verbis:

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 605

(...)

Diante de tais condutas, e de outras que se possam identifi car com essas, todas capazes de obstar ou dificultar o cumprimento de ordens judiciais, a principal conseqüência da regra do art. 14, da forma como foi posta no Código de Processo Civil em 2001, é, sem dúvida, a possibilidade de imposição de multa ao responsável pelo descumprimento ou pelo embaraço ao cumprimento dos provimentos jurisdicionais. De fato, verifi cada a situação perniciosa à efetividade do processo, poderá o juiz aplicar multa de até vinte por cento do valor da causa. Esse percentual poderá variar, para mais ou para menos, dependendo da gravidade da conduta que tenha dado causa ao descumprimento ou criado o embaraço. Trata-se, sem dúvida, de poderosa técnica em favor da efetividade do processo.

(...)

Se a parte sofrer prejuízos em decorrência da conduta do responsável, deverá fazer uso de ação autônoma se de responsável-parte não se tratar (i.e., se o responsável não for parte no processo). Na hipótese contrária, isto é, se o responsável for parte no processo, pensamos que bastará requerimento ao juiz da causa, nos termos do art. 18 do CPC. Assim, se houver a caracterização da litigância de má-fé, poderá ter lugar a condenação em perdas e danos, nos termos dos art. 16 a 18 do CPC. (In: Revista de Processo n. 119, jan/2005, p. 46 e 55)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para reformar o

acórdão recorrido, desconstituir a penhora realizada na “boca do caixa” do banco

recorrente e, por conseguinte, determinar a devolução atualizada do valor objeto

da constrição judicial aqui impugnada.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 599.513-PR (2003/0187576-9)

Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior

Recorrente: Jair Longhi

Advogado: Frederico Korndorfer Neto e outro(s)

Recorrido: Carlinho Wolschick e outro

Advogado: Aldriano Ribeiro Negrão

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

606

EMENTA

Processual Civil. Arrematação. Embargos. Intimação por

edital. Certidão do Ofi cial de Justiça atestando a não localização dos

executados. Posterior diligência com resultado contrário. Decisão

do Tribunal de Justiça que anula a alienação judicial por vício na

intimação por infi delidade na situação antes retratada pelo ofi cial.

Possibilidade. Súmula n. 7-STJ.

I. Conquanto goze a certidão do Ofi cial de Justiça de fé pública,

a presunção de veracidade não é absoluta, de sorte que pode o Tribunal

de Justiça, à luz de outros elementos fáticos concretos encontrados no

processo, desconsiderar o resultado da diligência e, em consequência,

anular a arrematação cuja intimação aos executados se deu pela via

editalícia.

II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso

Especial.” (Súmula n. 7-STJ)

III. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

a Quarta Turma, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, nos termos

do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha,

Luis Felipe Salomão, Raul Araújo Filho e Maria Isabel Gallotti votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 02 de setembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator

DJe 16.09.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Jair Longhi interpõe, pelas letras a

e c do art. 105, III, da Constituição Federal, recurso especial contra acórdão do

Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, assim ementado (fl . 64):

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 607

Embargos à arrematação. Rejeição liminar por intempestivos (art. 739, I, CPC). Intimação pessoal não verifi cada à luz da negativa. Certidão. Suplementaridade da editalícia, com outros aspectos formais, atacada ao apelo. Elementos circunstanciais posteriores à arrematação, hábeis postergar fl uência ao decêndio da ciência ao cumprimento material da imissão na posse. Acolhimento, portanto restrito à porção defensora à tempestividade. Demais questões aventadas não conhecidas. Provimento parcial.

Alega o recorrente que a decisão que permitiu, com grande liberalidade,

que a intimação via edital não prevalece e que considerou possível ao executado

vir ao processo e opor embargos à arrematação após a assinatura do auto, e isto

somente quando intimado da imissão na posse, viola o art. 687, parágrafo 5º, do

CPC, que admite a intimação por qualquer meio idôneo.

Diz que a certidão do Ofi cial de Justiça goza de presunção de veracidade,

portanto deve ser aceita a sua certifi cação de que os executados não mais residem

no endereço indicado, daí ser pertinente a intimação editalícia, que se seguiu. Se

os executados, depois de dezoito meses, voltaram ao referido endereço, isso não

signifi ca que na época da certifi cação lá se achavam e que, por isso, a primeira

certidão não teria validade.

No caso, salienta, o auto de arrematação foi assinado em 19.10.1998,

enquanto os embargos à arrematação foram protocolizados em 26.04.2000, um

ano e meio após.

Invoca dissídio jurisprudencial.

Sem contrarrazões (fl . 120).

O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho

presidencial de fl s. 122-123.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Trata-se de recurso

especial, aviado pelas letras a e c do autorizador constitucional, contra acórdão

do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná que considerou tempestivos os

embargos à arrematação opostos pelos executados.

Quanto à divergência, ela não veio apresentada nos moldes exigidos

processual e regimentalmente, faltando o confronto analítico entre as espécies e

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anotando-se que a simples transcrição de ementa é insufi ciente à caracterização do paradigma.

No tocante à letra a, é apontada ofensa ao art. 687, parágrafo 5º, do CPC, ao argumento de que é possível a intimação pela via editalícia, porquanto é meio idôneo previsto no regramento adjetivo.

Ocorre, porém, que a controvérsia descamba para a matéria de fato, pois o que entendeu o aresto objurgado, foi que há dúvida sobre a diligência anterior, quando o Ofi cial de Justiça certifi cara que os executados não mais residiam no endereço indicado, daí se procedendo à intimação pela via editalícia, porquanto por ocasião de nova intimação, posterior à arrematação, verifi cou-se que eles residiam efetivamente no dito endereço, tanto que a receberam pessoalmente. Em outras palavras, na compreensão do Tribunal de Justiça, a informação do Ofi cial de Justiça não correspondeu à realidade, não há certeza que os executados não mais habitavam no local, o que compromete o passo subsequente, que foi a intimação por edital.

Assim, não se cuida, exatamente, de afastar a validade da citação por edital, apenas que ela, como consabido, somente cabe se frustradas as tentativas de intimação pessoal, e, na conclusão da Corte estadual, não há certeza sobre a fi delidade da certidão do Ofi cial, ante os fatos verifi cados posteriormente.

Vale trazer à colação julgado da Egrégia 3ª Turma, de relatoria do eminente

Ministro Castro Filho, assim ementado:

Recurso especial. Embargos à arrematação. Intimação editalícia. Anulação da praça. Intimação pessoal do devedor. Obrigatoriedade.

O fato de o devedor não haver sido encontrado em seu domicílio, por si só, não autoriza a dispensa de sua intimação pessoal, nos termos do § 5º do artigo 687 do Código de Processo Civil; se há suspeita de manobra procrastinatória, pode ser ele cientifi cado da hasta pública até com hora certa, já que se aplicam à intimação as mesmas regras da citação. O que não se pode admitir é sua intimação pela só publicação do edital de praça, tendo ele endereço certo, informado pelo exeqüente nos autos.

Recurso conhecido e provido.

(REsp n. 779.860-GO, unânime, DJU de 18.12.2006)

Nessas circunstâncias dos autos, a apreciação da matéria exige o revolvimento de matéria de fato, incomportável na instância especial, ao teor da Súmula n. 7 do STJ.

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 609

RECURSO ESPECIAL N. 874.443-RS (2006/0171245-0)

Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior

Recorrente: E P P

Advogado: Fabio Milman

Recorrido: A L V - Espólio

Representado por: S E M V - inventariante e outros

Advogado: Maria Cristina Straatmann Ritter

EMENTA

Civil. Dissolução de sociedade de fato. Relação concubinária. Homem casado. Dissolução. Indenização por serviços prestados. Impossibilidade. Precedentes.

I. A jurisprudência do STJ fi rmou-se no sentido de que a relação concubinária, mantida simultaneamente a matrimônio, não gera, após seu encerramento, direito à indenização patrimonial ou direitos hereditários.

II. Recurso especial conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, conhecer do recurso especial, e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo Filho e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 24 de agosto de 2010 (data do julgamento).

Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator

DJe 14.09.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: - Aproveito o relatório do v.

acórdão recorrido, verbis (fl s. 386-vº-387):

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Por irreparável, adoto o relatório da lavra da eminente Dra. Procuradora de Justiça, constante das fl s. 353 a 356 dos autos, o qual abaixo transcrevo, naquilo que interessa:

Trata-se de recurso de apelação interposto por E. P. P., irresignado com a decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara de Família da Comarca de Canoas (fl s. 310-318) que, nos autos da ação de dissolução de sociedade de fato que propôs contra o espólio de A. L. V., julgou improcedente dita ação, em razão de ter havido apenas relacionamento amoroso entre a apelante e A., em determinado período, sem demonstração de que tenha havido comunhão de vida e interesses, estabilidade, fi delidade e publicidade da relação.

A apelante, em suas razões recursais (fls. 319-334), diz que a ação intentada, visa o reconhecimento da existência de sociedade de fato e, conseqüentemente, a declaração da dissolução dela, tendo como marco inicial o ano de 1971, confi rmado em abril de 1974 com o nascimento do primeiro fi lho do casal, em 1978, com o nascimento do segundo fi lho, tendo perdurado até o dia da morte de A. L., ocorrida em 06 de junho de 2002.

Todavia, a sentença recorrida é extra petita, por ter julgado de forma diversa do que fora requerido na peça inicial, que se cingira ao reconhecimento de sociedade de fato, e não de união estável, ante o estado de casado do de cujus. Observa, assim, que o julgador, ao prolatar a sentença, seguiu o entendimento do representante do Ministério Público na origem, e examinou somente os requisitos da união estável, como se fora esse o móvel da ação. Daí o equívoco, na medida em que, desde o advento da Constituição Federal de 1988, obviamente que, em casos como o dos autos, não se poderia cogitar de união estável, mas apenas de sociedade de fato.

Assim, entende que deve ser acolhida a nulidade da referida sentença, nos termos do artigo 460, primeira parte, do CPC.

Com relação ao mérito, destaca que a apelada, ao contestar o feito, não se refere à sociedade de fato, mas tão somente à união estável.

Acrescenta, ademais, que o sistema jurídico brasileiro não permite que seja declarada judicialmente união estável, quando o varão mantém-se como casado, conforme o contido no artigo 226, § 3º, da CF.

Portanto, tendo a procuradora da parte adversa, tanto na contestação como em memoriais, rebatido somente a existência de união estável, não tendo se pronunciado a respeito da relação do direito obrigacional que advém de uma sociedade de fato, reconheceu, por si só, os fatos e o pedido elencado na inicial.

Assim, entende que a referida ação deva ser julgada procedente, pelos fatos admitidos na contestação, bem como pelos elementos constantes

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nos autos, com o reconhecimento da sociedade de fato ocorrido entre a recorrente e o falecido, no período de 1971 até o falecimento, ocorrido em 2002, portanto, por mais de 30 (trinta) anos.

Ao final, requer o provimento do recurso, com o acolhimento da preliminar argüida. No mérito, que seja julgada procedente a presente demanda, com a inversão do ônus da sucumbência, bem como a mantença do benefício da gratuidade da justiça.

A apelada, em suas contra-razões de fls. 337-347, pugna pelo desprovimento recursal.

O Ministério Público emitiu parecer, às fl s. 353-367, opinando pelo acatamento da diligência requerida, pelo desacolhimento da preliminar de nulidade aventada pela apelante e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso.

Foi proferido despacho, às fl s. 372, pelo eminente desembargador José Carlos Teixeira Giorgis, em que acolheu a preliminar suscitada no parecer do Ministério público, determinando a conversão do julgamento em diligência, e determinou que fossem intimados a integrar a lide os herdeiros A. P. P. e F. L. P. P., reconhecidos como fi lhos na ação de investigação de paternidade movida contra o de cujus.

Às fl s. 377-378, os herdeiros A. P. V. e F. L. P. V., vieram aos autos manifestar a vontade de integrar a presente ação, e requerer o cadastramento dos mesmos com os nomes corretos, conforme certidões de nascimento retifi cadas em anexo, bem como o cadastramento da procuradora, conforme instrumento particular de procuração em anexo.

Subiram-me os autos conclusos para julgamento.

Registre-se, por fi m, que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 549, 551 e 552, do CPC.

A Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande

do Sul, por unanimidade, rejeitou a preliminar de nulidade da sentença e negou

provimento à apelação da autora, em acórdão assim ementado (fl . 386):

Apelação cível. “Ação de dissolução de sociedade de fato”. Nulidade da sentença inocorrente. Prova que escancara relacionamento concubinário do de cujus com a autora, sem jamais ter havido o rompimento do casamento daquele. Hipótese de improvimento da ação. Preliminar rejeitada e recurso desprovido.

Opostos embargos declaratórios por E. P. P. às fls. 393-399, foram

rejeitados às fl s. 403-404.

Inconformada, a autora interpõe, pela letra c do art. 105, III, da Constituição

Federal, recurso especial sustentando, em síntese, que as conclusões do acórdão

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estão em confronto com a jurisprudência deste Superior Tribunal, representada

pelo REsp n. 742.685-RJ (5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca) e

pelo REsp n. 229.069-SP (4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves), em que

se reconheceu que nada obstante a constância de casamento do concubino,

o relacionamento duradouro, do qual restou prole, assegura à concubina

participação no patrimônio amealhado pelo extinto.

Contrarrazões pelo espólio de A. L. V. às fl s. 436-440, no sentido da

inexistência do dissídio interpretativo, da ausência de prequestionamento e de

prova do esforço comum na consolidação do patrimônio do de cujus, cuja revisão,

de toda sorte, é inviável na espécie, nos termos da Súmula n. 7-STJ.

O recurso especial foi admitido na instância de origem pela decisão

presidencial de fl s. 444-445.

Parecer do douto Ministério Público Federal, da lavra do Dr. Fernando H.

O. de Macedo, pelo provimento do especial (fl s. 457-458).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): - Trata-se de ação de

dissolução de sociedade de fato proposta pela ora recorrente em desfavor do

espólio de A. L. V., que obteve juízo de improcedência em primeiro e segundo

graus.

O acórdão estadual, de relatoria do e. Desembargador Ricardo Raupp

Ruschel, traz a seguinte fundamentação (fl s. 387-vº-389):

Ao início é de se ver que, cumprida a diligência pleiteada pelo MP, com a intimação e habilitação de A. e F. L., nada foi requerido, sendo desnecessária nova vista àquele Órgão, autorizado o julgamento do feito.

A preliminar aventada no recurso não merece acolhida, impondo-se reproduzir, porque imelhoráveis, os argumentos aduzidos pela Dra. Ida Sofi a S. da Silveira, eminente Procuradora de Justiça, nestes termos:

Por primeiro, incumbe registrar, aqui, apesar dos longos anos decorridos desde a chegada da Constituição Federal de 1988, que tornou-se comum e rotineiro, nos pretórios, que as ações visando reconhecimento e dissolução de uniões estáveis, sejam rotuladas e nominadas, pelas partes, como ações de reconhecimento de sociedade de fato. Tão incontroversa,

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

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pública e notória essa realidade, que torna-se sufi ciente uma vista d’olhos no repertório de jurisprudência desse Tribunal de Justiça, entre outros, para verifi car que, pacientemente, magistrados de 1ª e 2ª instância, em prol da efetividade dos processos, não determinam, jamais, o aditamento das petições e, de acordo com o conteúdo dos feitos e dos petitórios, julgam e examinam a possibilidade de existência de união estável e das conseqüências daí advindas.

Nessa linha, com a devida vênia aos argumentos elencados pela parte apelante, veio a sua própria petição inicial, onde não escreveu uma palavra, sequer, acerca da convivência do casal em estado de adulterinidade ou de impedimento, pela convivência concomitante do varão com a mulher com que contraíra matrimônio. A única expressão utilizada, que poderia trazer alguma indagação, seria a palavra “concubinos”, o que, também, tem sido absolutamente comum, em referência a conviventes estáveis, até mesmo pela praxe do jargão jurídico, desacostumado, ainda, às defi nições específi cas trazidas pela nova legislação civil substantiva.

De resto, narrou a apelante que, da convivência com o falecido A., tiveram três fi lhos, e que a apelante, “como companheira fi el, sempre dedicou-se inteiramente à pessoa do réu, auxiliando-o com suas economias e suor do seu trabalho; prestou-lhe serviços úteis e rentáveis, dando-lhe toda assistência, tranqüilizando-o e assistindo em suas doenças e permanecendo com ele até sua morte, ocorrida aos 06.06.2002. Exclusivamente a ela cabiam as lides domésticas, sempre exercidas pessoalmente, sem contar com qualquer auxílio. Seu apoio ao réu, quer no aspecto econômico, moral e espiritual foi decisivo à aquisição do patrimônio, ora em exclusivo uso e gozo do espólio que aufere a integralidade dos frutos. Portanto, o auxílio da autora permitiu aquisição do patrimônio do falecido, no que pese restar em nome exclusivo do antigo companheiro.” Culminou pedindo a meação de tais bens, reserva da metade dos bens do espólio no inventário, indenização por serviços prestados e meação da pensão previdenciária originada pelo falecimento do antigo companheiro.

Em tudo e por tudo, portanto, plenamente razoável o exame levado a efeito pela sentença, no sentido da verificação ou não, pela prova, da existência de união estável, nada afigurando-se tenha sido tal fundamentação tisnada pelo conhecimento de questões estranhas ao pedido inicial.

Outrossim, e isso foi olvidado pelo apelo, o magistrado de 1º grau, embora de forma sucinta, examinou, também, o pedido de reconhecimento de sociedade de fato, rechaçando-o conforme bem pode ser visto na parte fi nal da sentença à fl . 317.

Ausente dos autos, portanto, a nulidade do ato sentencial esgrimida pela recorrente.

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No mérito, entretanto, tenho que a sentença merece mantida, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Muito embora os elementos de convicção coligidos aos autos apontem para a existência de relacionamento amoroso entre a autora e o falecido, ao longo de mais de 30 anos, não há como reconhecer a união estável porque igualmente comprovado que o de cujus não havia deixado o leito nupcial.

Com efeito, escancarado nos autos que não houve a ruptura do casamento de A. L. e S., tendo o consórcio perdurado por mais sessenta anos. Consta, ao contrário, que o falecido coabitava com a esposa, situação reconhecida pela própria recorrente, em seu depoimento pessoal. Os bilhetes de fl s. 176-177, não impugnados, bem demonstram as circunstâncias do relacionamento havido.

Ainda, há informações de que o falecido jamais pensou na hipótese da ruptura do seu casamento, como indica a testemunha O., quando refere: “...Pela personalidade de A., acha que isso nunca passou pela cabeça do mesmo...”

Ora, segundo dispõe o artigo 1.723 do Código Civil: “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” – norma que já era prevista no artigo 1º da Lei n. 9.278 de 1996.

Por conseguinte, para a confi guração do instituto exige-se, como elementos objetivos, a diversidade de sexos e a convivência pública, contínua e duradoura, e ainda o elemento anímico, que vem a ser a intenção de constituir família.

Na hipótese em apreço o relacionamento simultâneo do varão com a esposa e a autora não permite inferir a aff ectio maritalis.

Mais, estabelece o diploma legal, no artigo 1.727, que “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato” – com o que se exige para a declaração da união estável a inexistência de impedimento para contrair casamento.

O nosso sistema é monogâmico, razão por que não se há de admitir o concurso entre entidades familiares.

Nesta linha, decisões desta Corte e do STJ:

União estável. Reconhecimento. Prova. Requisitos evidenciadores. Elemento anímico não preenchido. Relacionamentos paralelos. Embora preenchidos os requisitos objetivos do instituto, não restou comprovado o elemento anímico. A relação amorosa paralela do varão não permite inferir a aff ectio maritalis. E o reconhecimento pela autora da existência de outro enlace impossibilita até mesmo o decreto de união estável putativa. É que sendo o nosso sistema monogâmico não se há de admitir o concurso entre entidades familiares, sendo descabido até mesmo apontar-se a situação putativa. Também não se há falar em mera infi delidade, pois esta, em se tratando de

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

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união livre, importa em indício da eventualidade do relacionamento. Apelo provido. (Apelação Cível n. 70008648768, Relator o Des. José Carlos Teixeira Giorgis, 7ª Câmara Cível, julgado em 02.06.2004).

A teor da jurisprudência desta Corte, a existência de impedimento para se casar por parte de um dos companheiros, como, por exemplo, na hipótese de a pessoa ser casada, mas não separada de fato ou judicialmente, obsta a constituição de união estável (REsp n. 684.407-RS, julgado pela 4ª Turma do STJ, em 03.05.2005, Relator o Ministro Jorge Scartezzini).

Processual Civil. Recurso especial. Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato. Partilha de bens. Concubinato. Casamento. Pré e coexistência. Impedimento matrimonial. Prevalência. Os efeitos decorrentes do concubinato alicerçado em impedimento matrimonial não podem prevalecer frente aos do casamento pré e coexistente.

Ainda que não se desconheça o entendimento doutrinário contido no parecer da ilustre Procuradora de Justiça, entendo, como a sentença, que a requerente “já foi muito bem gratifi cada pelos serviços que eventualmente prestou ao extinto, porquanto tinha sua moradia e despesas custeadas por ele”, além da casa que aquele adquiriu em nome desta, em Sapucaia do Sul, tendo presente, sempre, que a autora tinha plena ciência de que A. convivia com sua esposa, sendo ela, apenas, a concubina, não havendo substrato fático e jurídico para criar direitos e admitir indenizações, lastreadas, como se vê, em premissa equivocada.

Mesmo a existência de filhos reconhecidos judicialmente não autoriza qualquer indenização, eis que a estes ampara a lei com direito próprio.

Do exposto, rejeitada a preliminar, nego provimento ao recurso.

Na decisão dos aclaratórios opostos pela ora recorrente, E. P. P., esclareceu-

se que (fl . 404):

Não merecem acolhida os presentes embargos.

Não há qualquer mácula de ordem processual-formal que paire sobre a decisão recorrida.

É de se salientar que o acórdão embargado decidiu as questões que lhe foram postas, dando-lhes a interpretação que entendeu conveniente, apresentando fundamentação para tanto, não tendo havido qualquer omissão, contradição ou obscuridade que desafi e os presentes aclaratórios.

A propósito da diferença substancial entre os institutos da sociedade de fato e união estável, a questão restou superada quando do exame da preliminar suscitada na apelação, bastando ver o que refere o julgado ao adotar os fundamentos expendidos pela eminente Procuradora de Justiça, às fl s. 388.

Ademais, ainda que se examinasse a questão sob a ótica da sociedade de fato, e não da união estável, melhor sorte não socorreria à embargante, porquanto

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amplamente examinado na decisão a existência de prova que escancara o relacionamento concubinário mantido entre ela e o de cujus.

Não houve, portanto, nenhuma omissão no julgado, revelando-se a pretensão efetivo reexame da matéria, situação inadmissível pela via eleita.

Cabe esclarecer, por fi m, que, se o acórdão incorreu em error in judicando, não é em sede de embargos declaratórios que o mesmo poderá ser reapreciado, devendo a matéria ser devolvida à Superior Instância.

Assim, pelo exposto, rejeito os presentes embargos de declaração.

Tenho, assim, que a matéria foi sufi cientemente prequestionada, bem como que a divergência jurisprudencial com o REsp n. 229.069-SP acha-se demonstrada.

Inicialmente, necessário consignar que é incontroverso que E. P. P. e A. L. V. mantiveram relacionamento concubinário por 31 anos, a partir de 1971, até a morte do de cujus, em 2002, e que dele resultou o nascimento de dois fi lhos (fl s. 313, 388-vº e 389).

Contudo, a jurisprudência atual desta Corte firmou que a relação concubinária simultânea com casamento em que permanece efetivamente a vida comum entre marido e mulher, não gera direito à indenização, por incompatibilidade do reconhecimento de uma união estável de um dos cônjuges em relação a terceira pessoa. Nesse sentido:

Direito Civil. Concubinato. Indenização decorrente de serviços domésticos. Impossibilidade. Inteligência do art. 1.727 do CC/2002. Incoerência com a lógica jurídica adotada pelo Código e pela CF/1988, que não reconhecem direito análogo no casamento ou união estável. Recurso especial conhecido e provido.

1. A união estável pressupõe ou ausência de impedimentos para o casamento ou, ao menos, separação de fato, para que assim ocorram os efeitos análogos aos do casamento, o que permite aos companheiros a salvaguarda de direitos patrimoniais, conforme defi nido em lei.

2. Inviável a concessão de indenização à concubina, que mantivera relacionamento com homem casado, uma vez que tal providência eleva o concubinato a nível de proteção mais sofi sticado que o existente no casamento e na união estável, tendo em vista que nessas uniões não se há falar em indenização por serviços domésticos prestados, porque, verdadeiramente, de serviços domésticos não se cogita, senão de uma contribuição mútua para o bom funcionamento do lar, cujos benefícios ambos experimentam ainda na constância da união.

3. Na verdade, conceder a indigitada indenização consubstanciaria um atalho para se atingir os bens da família legítima, providência rechaçada por doutrina e jurisprudência.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 617

4. Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, a concessão de indenizações nessas hipóteses testilha com a própria lógica jurídica adotada pelo Código Civil de 2002, protetiva do patrimônio familiar, dado que a família é a base da sociedade e recebe especial proteção do Estado (art. 226 da CF/1988), não podendo o Direito conter o germe da destruição da própria família.

5. Recurso especial conhecido e provido.

(4ª Turma, REsp n. 988.090-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, unânime, DJe de 22.02.2010)

Direito Civil. Família. Recurso especial. Concubinato. Casamento simultâneo. Ação de indenização. Serviços domésticos prestados.

- Se com o término do casamento não há possibilidade de se pleitear indenização por serviços domésticos prestados, tampouco quando se finda a união estável, muito menos com o cessar do concubinato haverá qualquer viabilidade de se postular tal direito, sob pena de se cometer grave discriminação frente ao casamento, que tem primazia constitucional de tratamento; ora, se o cônjuge no casamento nem o companheiro na união estável fazem jus à indenização, muito menos o concubino pode ser contemplado com tal direito, pois teria mais do que se casado fosse.

- A concessão da indenização por serviços domésticos prestados à concubina situaria o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que o próprio casamento, o que é incompatível com as diretrizes constitucionais fi xadas pelo art. 226 da CF/1988 e com o Direito de Família, tal como concebido.

- A relação de cumplicidade, consistente na troca afetiva e na mútua assistência havida entre os concubinos, ao longo do concubinato, em que auferem proveito de forma recíproca, cada qual a seu modo, seja por meio de auxílio moral, seja por meio de auxílio material, não admite que após o rompimento da relação, ou ainda, com a morte de um deles, a outra parte cogite pleitear indenização por serviços domésticos prestados, o que certamente caracterizaria locupletação ilícita.

- Não se pode mensurar o afeto, a intensidade do próprio sentimento, o desprendimento e a solidariedade na dedicação mútua que se visualiza entre casais. O amor não tem preço. Não há valor econômico em uma relação afetiva. Acaso houver necessidade de dimensionar-se a questão em termos econômicos, poder-se-á incorrer na conivência e até mesmo estímulo àquela conduta reprovável em que uma das partes serve-se sexualmente da outra e, portanto, recompensa-a com favores.

- Inviável o debate acerca dos efeitos patrimoniais do concubinato quando em choque com os do casamento pré e coexistente, porque defi nido aquele, expressamente, no art. 1.727 do CC/2002, como relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casar; a disposição legal tem o único objetivo

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de colocar a salvo o casamento, instituto que deve ter primazia, ao lado da união estável, para fi ns de tutela do Direito.

Recurso especial do Espólio provido.

Recurso especial da concubina julgado prejudicado.

(3ª Turma, REsp n. 872.659-MG, Relatora Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJe de 19.10.2009)

No caso dos autos, como dessome-se do excerto do voto-condutor supracitado, o de cujus A. L. V. manteve relacionamento amoroso com a autora durante trinta anos, enquanto era casado com S.E.M.V por sessenta anos, o que recai na hipótese dos precedentes elencados, a afastar o direito postulado, de indenização por serviços prestados.

Ante o exposto, conheço do recurso para negar-lhe provimento.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 907.655-ES (2006/0266107-8)

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

Recorrente: Luiz Fernando de Assis Arantes e outro

Advogado: Marcus Felipe Botelho Pereira e outro(s)

Recorrido: Unimed Espírito Santo Federação das Cooperativas de Trabalho Médico do Espírito Santo

Advogado: Luciana Dezan Bertollo

EMENTA

Plano de saúde. Recusa injustifi cada de proceder internação

em UTI. Coma. Descumprimento de norma contratual a gerar dano

moral indenizável. Recurso especial provido.

1. A recusa injustificada para a internação de associado de

Plano de Saúde, em estado de coma, confi gura abuso de direito e

descumprimento de norma contratual, capaz de gerar dano moral

indenizável.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 619

2. A angústia experimentada pelo esposo e fi lhos da paciente, em

face do medo de óbito, o temor em não conseguir obter o numerário

necessário ás despesas de sua internação, acarretando a venda de

bem imóvel familiar, caracterizam situações que vão além de mero

aborrecimento e desconforto.

3. As cláusulas restritivas ao direito do consumidor devem ser

interpretadas da forma mais benéfi ca a este, não sendo razoável a

seguradora se recusar a prestar a cobertura solicitada, principalmente

existindo o risco de morte.

4. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria

Isabel Gallotti e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Brasília (DF), 02 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão, Relator

DJe 09.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Luiz Fernando de Assis Arantes e

sua esposa ajuizaram ação de indenização em face de Unimed, sustentando que a

requerente, em 23.10.1996, após apresentar quadro convulsivo nas dependências

do Hospital Praia da Costa, entrou em coma, necessitando de atendimento

médico-hospitalar urgente.

Como os autores possuíam contrato de prestação de serviços médicos

-hospitalares com a demandada, procedeu-se à transferência da paciente

para o CTI do Hospital Santa Rita, sendo necessária sua internação naquela

instituição de saúde. Contudo, mesmo com a apresentação dos documentos

exigidos, a cobertura foi negada ao argumento de que o plano não assegurava

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o direito reclamado, sendo-lhe informado que deveria transferir sua esposa a um hospital da rede pública de saúde, o que recusou-se a fazer, arcando com as despesas resultantes da internação.

O requerente afi rma que a recusa decorreu do fato de a sua esposa ter-se submetido 48h (quarenta e oito horas) antes do mal-estar, a uma cirurgia estética que não estaria coberta pelo contrato.

Asseveram ter sido injusta a recusa da requerida, pois o mal sofrido pela requerente não teve relação de causa e efeito com a cirurgia e, assim, fazem jus à indenização material e moral pleiteada.

A ação foi julgada procedente, conforme sentença prolatada às fl s. 412-417, que fi xou os danos materiais em R$ 17.087,09, e morais em R$ 10.000,00.

Dela apelaram os autores (fl s. 419-430), e a ré (461-481).

O TJES, em acórdão (fl s. 601-624) proferido por maioria de votos, deu parcial provimento à apelação da Unimed para afastar a indenização pelo dano moral, prejudicado o exame da apelação dos autores, que postulavam a majoração da indenização pelo dano moral.

Embargos de declaração opostos (fls. 632-637) pelos autores, foram rejeitados (fl s. 644-650).

Interpostos embargos infringentes (fl s. 676-682), o TJES (fl s. 693-705), novamente, por maioria, negou-lhes provimento conforme a seguinte ementa:

Embargos infringentes. Descumprimento contratual. Danos morais. Inocorrência. Ausência de nexo causal. Embargos infringentes desprovidos.

O inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância de cláusulas contratuais possa trazer desconforto ao outro contratante, e normalmente o traz, trata-se, em princípio, de desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade. Embargos infringentes desprovidos. Inexistência de nexo de causalidade entre o coma da paciente/autora e a cirurgia estética realizada pela mesma. em conformidade com a perícia dos autos. (fl . 693).

Opostos embargos de declaração (fl s. 712-719), foram rejeitados (fl s. 743-

752).

Inconformados, os autores interpõem recurso especial pela alínea a do

permissivo constitucional, alegando violação aos artigos 6º, VI e 14,§ 1º do

CDC e 159 do CC/1916.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 621

Os recorrentes afi rmam que, diversamente do que entendeu o acórdão

impugnado, uma vez reconhecido e assente que o descumprimento contratual

foi ilegal, impõe-se a indenização do dano moral.

Asseguram que, no caso concreto, o descumprimento contratual pela

recorrida ultrapassou o simples desconforto, causando sérios transtornos aos

autores, não só pela possibilidade de óbito da segunda requerente, como pela

angústia causada ante a necessidade de buscar, de forma inesperada, meios para

arcar com as despesas hospitalares da esposa.

Noticiam que este STJ possui precedentes considerando que gera dano

moral indenizável a negativa de cobertura de internação de emergência, sendo

que, ademais disso, o dano moral decorreu não só da negativa de internação mas,

ainda, dos desdobramentos que lhe sucederam.

Contra-razões, fl s. 783-801.

Recurso especial admitido às fl s. 803-804.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. De início, cumpre

assinalar o prequestionamento explícito dos preceitos insertos nos artigos 6º, VI

e 14,§ 1º do CDC e 159 do CC/1916, pelo acórdão de fl s. 743-752, prolatado

nos embargos de declaração opostos pelos recorrentes.

Consta expressamente do item III, de sua ementa que:

(...)

III - Embargos declaratórios improvidos. Ausência de qualquer ofensa aos artigos 6º, inc. VI e 14, par. 1º do CDC, bem como o art. 159 do CC/1916, vigente à época do ato (...).

Conforme relatado, o Tribunal de origem afastou, na hipótese vertente, a

indenização por danos morais ao fundamento de que o mero descumprimento

de cláusula contratual não gera direito a essa verba.

Firmou conclusão de que “embora a inobservância de cláusulas contratuais

possa trazer desconforto ao outro contratante, e normalmente o traz, trata-se,

em princípio, de desconforto a que todos podem estar sujeitos” (fl . 693).

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3. São fatos incontroversos nos autos a) ocorrência do estado comatoso; b)

recusa da recorrida em prestar o serviço de internação na UTI; c) ausência de

relação entre o coma e a cirurgia estética realizada pela paciente; d) obrigação

de a recorrida prestar a cobertura, ainda que o mal sofrido fosse decorrente

da cirurgia estética, pois o que o plano não cobre é a própria cirurgia e não

os males porventura dela advindos; e) carência fi nanceira da família que fi cou

inadimplente frente aos seus credores e que, para honrar as despesas, teve que

vender, às pressas, bem imóvel.

3.1. É bem verdade que esta Corte Superior possui entendimento no

sentido de que o mero descumprimento de cláusula contratual, em princípio,

não gera dano moral indenizável, mas observa que se há recusa infundada

de cobertura pelo plano de saúde, é possível a condenação, “pois na própria

descrição das circunstâncias que perfazem o ilícito material é possível observar as

conseqüências bastante sérias de cunho psicológico que são resultado direito do

procedimento culposo” (REsp n. 1.072.308-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi,

Terceira Turma, julgado em 25.05.2010, DJe 10.06.2010).

Nessa mesma orientação:

Direito Civil e Consumidor. Recusa de clínica conveniada a plano de saúde em realizar exames radiológicos. Dano moral. Existência. Vítima menor. Irrelevância. Ofensa a direito da personalidade.

- A recusa indevida à cobertura médica pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, pois agrava a situação de afl ição psicológica e de angústia no espírito daquele. Precedentes - As crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integridade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, nos termos dos arts. 5º, X, in fi ne, da CF e 12, caput, do CC/2002.

- Mesmo quando o prejuízo impingido ao menor decorre de uma relação de consumo, o CDC, em seu art. 6º, VI, assegura a efetiva reparação do dano, sem fazer qualquer distinção quanto à condição do consumidor, notadamente sua idade. Ao contrário, o art. 7º da Lei n. 8.078/1990 fi xa o chamado diálogo de fontes, segundo o qual sempre que uma lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo.

- Ainda que tenha uma percepção diferente do mundo e uma maneira peculiar de se expressar, a criança não permanece alheia à realidade que a cerca, estando igualmente sujeita a sentimentos como o medo, a afl ição e a angústia.

- Na hipótese específi ca dos autos, não cabe dúvida de que a recorrente, então com apenas três anos de idade, foi submetida a elevada carga emocional. Mesmo

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 623

sem noção exata do que se passava, é certo que percebeu e compartilhou da agonia de sua mãe tentando, por diversas vezes, sem êxito, conseguir que sua fi lha fosse atendida por clínica credenciada ao seu plano de saúde, que reiteradas vezes se recusou a realizar os exames que ofereceriam um diagnóstico preciso da doença que acometia a criança.

Recurso especial provido.

(REsp n. 1.037.759-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23.02.2010, DJe 05.03.2010).

Agravo regimental em recurso especial. Plano de saúde. Abusividade de cláusula. Recusa de atendimento. Dano moral. Caracterização.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 1.059.909-SP, desta relatoria, Quarta Turma, julgado em 19.08.2010, DJe 02.09.2010).

Agravo regimental. Plano de saúde. Procedimento cirúrgico. Recusa da cobertura. Indenização por dano moral. Cabimento.

I - Em determinadas situações, a recusa à cobertura médica pode ensejar reparação a título de dano moral, por revelar comportamento abusivo por parte da operadora do plano de saúde que extrapola o simples descumprimento de cláusula contratual ou a esfera do mero aborrecimento, agravando a situação de afl ição psicológica e de angústia no espírito do segurado, já combalido pela própria doença.

Precedentes.

(...)

(AgRg no Ag n. 884.832-RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 26.10.2010, DJe 09.11.2010).

3.2. Ficou comprovado nos autos a inexistência de nexo de causalidade

entre o coma sofrido e a cirurgia estética realizada pela recorrente.

Da mesma forma, ficou estabelecido que, ainda que assim não fosse,

caberia à recorrida cobrir a internação da UTI.

Primeiro, porque a recorrente arcou com a despesa relativa à cirurgia não

coberta pelo plano.

Segundo, o estado comatoso não foi decorrência da cirurgia.

E terceiro, o plano excluía apenas as despesas com a cirurgia, não

constando do contrato, como reconheceu a própria recorrida, a não-cobertura

pelos possíveis desdobramentos oriundos de uma cirurgia dessa natureza.

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O equívoco do Tribunal na valoração dos fatos fi ca ainda mais evidenciado

quando se lê os fundamentos do voto-vencido, abaixo reproduzido parcialmente:

Para a caracterização do dano moral, há que se considerar a existência de um “ato” ou “fato” causado pelo agente e que tenha o condão de provocar no cidadão médio o rompimento de seu equilíbrio psicológico em função da exposição a uma situação vexatória, causando-lhe dor, sofrimento, angústia ou humilhação, sendo certo, conforme abalizada doutrina e firma jurisprudência, que meros aborrecimentos, transtornos comuns no dia-a-dia e situações desconfortáveis pelas quais as pessoas passam no cotidiano não são adequadas a ensejar reparação.

In casu, as agruras experimentadas pelo marido, fi lhos e demais familiares até o pronto restabelecimento da esposa tornaram muito mais tormentosas em razão da negativa de atendimento por parte da embargada, levando-os a buscar recursos fi nanceiros de maneira inesperada para arcar com as despesas oriundas da internação.

Não se trata, pois, de um mero descumprimento contratual, sem qualquer conseqüência na esfera jurídica da outra parte na relação, motivado pelo entendimento de que os serviços médicos buscados pela 2ª embargantes não estaria coberto pelo contrato de prestação de serviços médico e hospitalares.

Ora, qualquer cidadão ao aderir a um plano de saúde, principalmente àqueles que prevêem completa assistência médica e hospitalar, busca principalmente obter tranqüilidade em momentos de emergência, embora ninguém deseje precisar dessa espécie de serviços.

(...)

Assim, não age no exercício regular de um direito a prestadora de serviço que nega a cobertura de procedimento emergencial indicado ao usuário, frustrando, pois, o objeto precípuo do contrato avençado entre as partes, que é, exatamente, assegurar o tratamento médico e hospitalar quando o aderente deles necessite.

Além disso, as cláusulas restritivas ao direito do consumidor devem ser interpretadas da forma menos gravosa a este, não sendo razoável que o aderente a plano de saúde veja-se desamparado no momento em que mais precise da prestação do serviço, quando caracterizada situação de urgência médica.

(...)

Contudo, agindo exatamente ao contrário, de forma a sobrelevar tão-somente os seus interesses, a embargada permitiu que os ora embargantes chegassem à beira do desespero de terem inesperadamente, que buscar recursos para arcarem com as elevadas despesas com internação e outras, decorrente apenas em razão da sua equivocada interpretação contratual, conforme restara comprovado nestes autos.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 625

Tanto é verdade que, em sua manifestação fls. 494-500, a embargada mostra-se resignada com a sua condenação apenas ao ressarcimento dos danos patrimoniais, como se demonstrasse ter ciência, o tempo todo, de que interpretara incorretamente o contrato celebrado.

(...)

É inquestionável que essa inesperada situação trouxe enorme desconforto, aborrecimento e angústia aos embargantes, emergindo evidente o seu ânimo abalado e lhe causando induvidosa dor interior, ensejadora de dano moral, merecedor de ressarcimento pecuniário. E ainda, repita-se, não me refi ro aos momentos difíceis ocasionados pelo repentino estado de coma em que entrara a segunda embargante, demandando atendimento médico especializado em caráter de urgência, mas sim, àqueles posteriores à negativa por parte da embargada em autorizar a sua internação, sob o argumento de que o plano não lhe assegurava tal direito. (fl s. 95-698).

3.3. Sendo assim, a recusa em autorizar a internação da UTI afi gura-se

injustifi cada e gera o direito à indenização por dano moral.

É de destacar, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor estabelece

normas de ordem pública e interesse social, consagrando, em seu artigo 4º, os

princípios da boa-fé objetiva, eqüidade, assim como coíbe o abuso de direito

que, no caso, restou confi gurado.

Efetivamente, a seguradora não poderia, absolutamente, se recusar a prestar

a cobertura solicitada, principalmente existindo o risco da sua segurada morrer.

3.4. Ademais, a angústia experimentada pelo esposo e fi lhos da paciente,

em face do medo de óbito, o temor em não conseguir obter o numerário

necessário ás despesas de sua internação, obrigando a alienação de imóvel

familiar para fazer frente às despesas, caracterizam situações que vão além de

mero aborrecimento e desconforto.

4. O descumprimento de norma contratual que não infl ige dano moral

é aquele que apenas causa desconforto ou aborrecimento superfi cial, como é

exemplo a ocorrência de pequeno atraso na realização de uma cirurgia de rotina.

Tais transtornos psicológicos não configuram conseqüência moral

indenizável, sendo mais uma reação aos incômodos naturais dos embates

normais presentes no dia- a dia de um indivíduo.

Nesse passo, tem-se que nada obsta a que o inadimplemento de cláusula

contratual possa vir causar dano moral passível de indenização, valendo, neste

contexto, trazer à baila excerto de texto de André Gustavo Corrêa de Andrade

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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(“Dano Moral em caso de descumprimento de Obrigação Contratual”; disponibilizado no site eletrônico http://www.tj.rj.gov.br/institucional/dir_gerais/dgcon/pdf/artigos/direi_civil/dano_moral_em_caso_de_descumprimento_de_obrigacao_contratual.pdf, consultado dia 25/11/2010)) no qual faz citação de Ramón Daniel Pizarro: “Um fato ilícito não deixa de ser tal, nem modifi ca sua natureza, pela mera circunstância de produzir-se ‘dentro’ de uma obrigação preexistente que resulta descumprida ou ‘fora’ dela” (“Daño moral, Buenos Aires; Hammurabi. 2000).

5. Na hipótese vertente, o próprio acórdão reconheceu que a recorrida deveria ter prestado os serviços médicos a que se propôs no contrato, por estarem cobertos pelo plano de saúde.

Por sua vez, a recorrida também assentiu em que interpretara erroneamente o contrato celebrado.

O descumprimento do contrato, em face da urgência da situação, trouxe, portanto, conseqüências que ultrapassaram o simples desconforto e mal-estar, agravando sobremaneira o equilíbrio emocional e psicológico dos embargantes, já afetado em face do risco de morte decorrente do coma que acometeu a esposa-segurada.

6. Releva apontar que os recorrentes pleiteiam danos morais no quantum fi xado pelo voto-vencido, que provia seu apelo para majora o valor de R$ 10.000,00 para R$ 15.000,00.

Este STJ tem fi xado danos morais em valores substancialmente superiores nos casos em que pacientes que devem ser submetidos a tratamentos de urgência, têm sua assistência securitária injustamente negada.

Neste sentido os seguintes precedentes: AgRg no Ag n. 520.390-RJ, DJ 05.04.2004, considerou ser justa a compensação de R$ 50.000,00 pelos danos morais oriundo da recusa de fornecer cobertura ao tratamento de câncer; Ag n. 661.853-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 04.04.2005, fi xou danos morais em R$48.000,00.

Em face dos escólios mencionados e do pedido expresso dos recorrentes, é razoável que estes venham a ser compensados no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais) pelos danos morais sofridos.

7. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar à Unimed-ES ao pagamento da importância de R$ 15.000,00 aos recorrentes, incidindo juros legais desde o evento danoso e correção monetária a contar desta data.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 627

Custas processuais pela recorrida. Honorários advocatícios em 10% sobre o

valor da condenação.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.139.330-RS (2009/0088381-8)

Relator: Ministro Raul Araújo

Recorrente: Brasil Telecom S/A

Advogado: João Paulo Ibanez Leal e outro(s)

Recorrido: Maria Isabel Bristott

Advogado: Pablo Pacheco dos Santos e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Processual Civil. Impugnação ao cumprimento

de sentença. Contrato de participação fi nanceira. Dobra acionária.

Título executivo judicial. Fixação do critério de cálculo do VPA.

Inviabilidade de alteração. Coisa julgada. Conversão da obrigação

de fazer em perdas e danos. Quantia certa. Execução (CPC, art.

475-J). Intimação do devedor, por publicação na imprensa ofi cial.

Descumprimento da obrigação no prazo. Aplicação da multa.

Cabimento. Honorários advocatícios. Retenção de imposto de renda

na fonte (Lei n. 8.541/1992, art. 46). Provimento parcial do recurso.

1. Em obediência à coisa julgada, entende-se descabida nova

discussão, em sede de cumprimento de sentença, a respeito do critério

de cálculo do valor patrimonial da ação (VPA), já fi xado no título

judicial exequendo.

2. Tendo em vista que: (i) no âmbito das ações em que se discute a

subscrição acionária decorrente de contrato de participação fi nanceira,

a fi xação do critério de cálculo do valor patrimonial tem, em última

análise, o fi m de obtenção do número de ações a que o acionista teria

direito no momento do aporte fi nanceiro, para, assim, verifi car-se o

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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diferencial acionário a ser complementado; e (ii) no caso, há expressa

previsão, no v. acórdão transitado em julgado, da quantidade de ações

da Celular CRT Participações a serem subscritas, assim como do

montante indenizatório devido à ora recorrida -, não há falar em

espaço para aplicação do balancete mensal como critério de cálculo

do VPA. Do contrário, a r. decisão transitada em julgado teria sua

parte dispositiva totalmente esvaziada, pois o novo valor patrimonial

alcançado na execução ensejaria um número de ações diverso do

deferido na fase de conhecimento e, consequentemente, um montante

indenizatório incompatível com o provimento jurisdicional alcançado

pela parte vencedora da demanda. Isso, inevitavelmente, confi guraria

ofensa à coisa julgada material.

3. Em sede de execução definitiva, somente é cabível a

incidência da multa prevista no caput do art. 475-J do CPC, quando

cumulativamente presentes os seguintes requisitos essenciais: (1º)

tratar-se de cumprimento de obrigação, prevista em título judicial,

de pagar quantia certa ou, em caso de iliquidez do título, de quantia

fi xada em liquidação, sendo certo que a referida obrigação (líquida,

certa e exigível) pode advir de decisão judicial que condene a parte,

originariamente, a pagar determinado valor ou pode resultar da

conversão em perdas e danos de condenação ao adimplemento de

obrigação de outra natureza (fazer, não fazer ou dar); (2º) intimação do

devedor, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado, por publicação

na imprensa ofi cial, deixando aquele transcorrer in albis o prazo de

quinze dias, previsto no art. 475-J do CPC, para o adimplemento

voluntário do valor constante da sentença condenatória ou de sua

liquidação.

4. Na hipótese em exame, acham-se preenchidos os requisitos

supramencionados, sendo, assim, devida a aplicação da multa prevista

no art. 475-J do CPC.

5. É auto-aplicável o disposto no art. 46 da Lei n. 8.541/1992,

de maneira que é cabível a retenção na fonte do imposto de renda

pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento dos honorários

advocatícios no momento em que o rendimento se torne disponível

ao benefi ciário. Precedente (“A exceção contida no inciso II do §

1º do art. 46 da Lei n. 8.541/1992 não ilide a auto-aplicação das

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 629

disposições contidas no caput do mesmo dispositivo, ou seja, que a

retenção do imposto de renda na fonte cabe à pessoa física ou jurídica

obrigada ao pagamento dos honorários advocatícios no momento em

que o rendimento se torne disponível para o benefi ciário”; REsp n.

687.437-RS, 2ª Turma, Relator o e. Ministro Franciulli Netto, DJ de

27.01.2006).

6. Recurso especial parcialmente provido, apenas para possibilitar

a retenção, na fonte, do imposto de renda incidente sobre a verba

honorária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,

decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso

especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria

Isabel Gallotti, Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha e Luis Felipe

Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 16 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Raul Araújo, Relator

DJe 30.11.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Raul Araújo Filho: Trata-se de recurso especial interposto

pela Brasil Telecom S/A, com fundamento no art. 105, III, a e c, da CF/1988,

contra acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,

assim ementado:

Agravo interno. Brasil Telecom. Pedido de cumprimento de sentença.

Argumentos já rechaçados quando do julgamento do agravo de instrumento. Diferencial acionário defi nido no comando judicial que transitou em julgado. Coisa julgada material que impede a rediscussão da matéria.

Aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC. Termo inicial.

A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se pela sua publicação, dispensando a intimação pessoal da parte ou

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de seu advogado para cumpri-la - art. 475-J do CPC. Cabe ao vencido cumprir, espontaneamente a obrigação, sob pena de incidência automática da multa de 10% sobre o valor da condenação. Nas ações de complementação de ações contra a Brasil Telecom, a execução é por quantia certa, sendo incidente as regras dos artigos 475-B e 475-J, ambos do CPC, redação da Lei n. 11.232/2005. Precedentes desta Corte e do STJ.

Dividendos. Excesso de execução não caracterizado. Termo inicial. O termo inicial é a data da integralização do capital.

Honorários advocatícios. Ausência de interesse recursal.

Multa pela má litigância. Afastamento.

Agravo interno desprovido. (fl . 249)

Em suas razões recursais, a ora recorrente sustenta, além da existência de

divergência jurisprudencial, violação aos arts. 475-J do Código de Processo

Civil, 170, § 1º, da Lei n. 6.404/1976 e 46 da Lei n. 8.541/1992, com base nos

seguintes argumentos:

(I) o v. acórdão hostilizado incorreu em violação à coisa julgada, ao

estabelecer que o VPA deveria ser apurado com base no balanço anterior

à data da integralização, aprovado pela Assembléia Geral Ordinária, em

desconformidade com o defi nido na decisão exequenda, a qual determinou a

complementação acionária tendo como parâmetro o valor patrimonial da ação

na data da integralização, sem fazer qualquer menção a respeito do critério

de cálculo do VPA, transitando em julgado nesses termos. Requer, assim, seja

utilizado o balancete do mês da integralização, na forma da jurisprudência

mais recente do Superior Tribunal de Justiça, como critério de cálculo do valor

patrimonial da ação;

(II) para a cobrança da multa prevista no art. 475-J do CPC é necessário

que se trate de quantia certa ou já fi xada em sede de liquidação, bem como

haja a intimação do devedor para cumprimento espontâneo da obrigação.

Nesse contexto, sustenta que “o não cumprimento da obrigação logo após a

prolação da sentença condenatória, não confi gura a intenção do devedor em

se esquivar do pagamento devido, mas sim, deve ser precedida da certeza da

imutabilidade da decisão, assim como precisão de liquidez do valor devido,

portanto, descabida a punição estipulada em multa do art. 475-J do Código de

Processo Civil sem aferição do valor e outorgado o prazo legal de 15 dias para

seu pagamento (...). Assim, imperiosa a reforma do acórdão recorrido, que não

aplicou adequadamente a disposição legal em comento, que exige dois requisitos

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

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- dívida líquida e intimação do devedor para que este pague o débito devido,

no prazo de 15 dias - e, em não o fazendo, sofrer a penalidade da multa de 10%

prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil” (fl s. 270-295);

(III) é devida a retenção na fonte do imposto de renda incidente sobre a

verba honorária, tendo em vista a responsabilidade da recorrente na condição de

fonte pagadora.

Contrarrazões apresentadas às fl s. 329-358.

Admitido o recurso na origem, subiram os autos.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Raul Araújo Filho (Relator): A irresignação merece parcial

acolhida, conforme a seguir será demonstrado.

I - CRITÉRIO DE CÁLCULO DO VPA:

No que se refere ao valor patrimonial da ação - VPA -, ressalte-se que deve

ser respeitado o critério adotado pela sentença exequenda para sua aferição,

independentemente de superveniente orientação jurisprudencial fi rmada nesta

Corte de Justiça no sentido de sua apuração com base no balancete mensal.

Por conseguinte, em obediência à coisa julgada, entende-se descabida nova

discussão, em sede de cumprimento de sentença, a respeito da forma de cálculo

do valor patrimonial da ação.

É claro que, se a decisão que transita em julgado não faz nenhuma menção

ao critério a ser adotado para a apuração desse valor patrimonial, torna-se

possível sua fi xação na fase executiva, sem que isso ofenda os limites da res

iudicata. Nesse sentido: AgRg no REsp n. 1.164.368-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti,

3ª Turma, DJe de 1º.07.2010; AgRg no Ag n. 986.433-RS, Rel. Min. Aldir

Passarinho Junior, 4ª Turma, DJe de 19.05.2008; AgRg no Ag n. 1.058.658-RS,

Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª Turma, DJe de 1º.12.2008.

No entanto, esta não é a hipótese dos autos.

Ao contrário, da análise da r. decisão que transitou em julgado, na fase

de conhecimento (fl s. 204-209), observa-se que houve expressa determinação

da quantidade de ações da Celular CRT Participações S/A a serem subscritas,

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e, com a conversão dessa obrigação de fazer em perdas e danos, nos termos

do art. 461, § 1º, do Código de Processo Civil, foram também expressamente

delineados os critérios de cálculo da respectiva indenização.

De fato, no v. acórdão exequendo, houve defi nição do diferencial acionário

a que faria jus a ora recorrida, no âmbito da telefonia móvel, levando-se em

consideração, para tanto, os critérios adotados na primeira demanda por ela

ajuizada para a complementação das ações da Companhia Riograndense de

Telecomunicações - CRT -, correspondente à telefonia fi xa. Assim, naquela

primeira demanda, obteve-se o valor patrimonial e o consequente número de

ações a serem subscritas, o qual foi utilizado, nesta demanda, para a aferição do

diferencial devido a título de dobra acionária, aplicando as instâncias ordinárias

os efeitos positivos da coisa julgada. Nesse ponto, no entanto, a Brasil Telecom

S/A não interpôs nenhum recurso, transitando em julgado, nesses termos, o v.

acórdão ora executado, de maneira que, embora seja questionável a aplicação

dos critérios de cálculo do VPA defi nidos em ação com pedido e causa de pedir

diversos da presente, não é viável discutir-se aqui questões sobre as quais se

operou a preclusão, estando o tema sob o inafastável manto da coisa julgada.

Cumpre transcrever o teor do r. decisum exequendo:

Contudo, necessário se faça uma breve resenha dos fatos que envolvem as partes nas duas ações:

Anteriormente, o autor ingressou com ação de complementação de obrigação contra a demandada, feito que tramitou perante a 2ª Vara Cível de Passo Fundo, autuada sob n. 02100605626. Em 26.12.2000 sobreveio sentença de improcedência do pedido (fl s. 22-25). A autora interpôs recurso de apelação que mereceu desprovimento (fl s. 44-52) e, contra esta decisão a requerida ingressou com recurso especial ao qual foi dado provimento, conforme cópia da decisão às fl s. 65-67. Em decorrência do trânsito em julgado da decisão, a Brasil Telecom cumpriu a obrigação e indenizou a autora, conforme comprovante de pagamento (guia de fl s. 80).

Com a presente demanda, pretende a parte autora o recebimento de diferença de ações (44.140), da empresa Celular CRT Participações S/A, de responsabilidade da Brasil Telecom, incorporadora da Companhia CRT, responsável por todos os atos por esta praticados até a cisão, ocorrida em 1999, conforme se depreende da ata n. 115 da Assembléia Geral e do ‘Protocolo e Justifi cação de Cisão Parcial’, em seu item 6.1, in verbis:

(...)

Assim que a responsabilidade pela eventual dobra de ações a menor é da sucessora da CRT, ora demandada, Brasil Telecom S.A. Esse é o entendimento consolidado no STJ e neste 5º Grupo Cível:

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(...)

Desta feita, com a máxima vênia do ilustre prolator do decisum vergastado, tenho que não há impossibilidade jurídica, ao contrário, conforme referências acima, inclusive com transcrição de julgados desta Corte, o pedido tem merecido amplo conhecimento, razão pela qual vai acolhido, consoante alternativa de pedido subsidiário, diante da impossibilidade da empresa demandada subscrever as ações de congênere distinta, ao efeito de condenar a requerida a indenizar o valor correspondente ao número de ações relativa à dobra, nos termos acima mencionados.

De conseqüência, são devidos os dividendos que a parte deixou de auferir sobre as ações que não lhe foram subscritas no momento próprio, tanto as ações da Brasil Telecom quanto às da Celular CRT.

Ante o exposto, dou provimento ao apelo, para desconstituir a sentença e forte no disposto no § 3º do art. 515 do CPC, julgo procedente a demanda e condeno a ré a indenizar à parte autora o valor correspondente ao número de ações relativa a dobra acionária, nos termos do voto acima proferido, tomando-se a cotação da ação na data da cisão, corrigido monetariamente pelo IGP-M, até o efetivo pagamento, bem assim, condená-la ao pagamento dos dividendos referentes a Brasil Telecom corrigidos monetariamente pelo IGP-M até a data do pagamento realizado na ação de complementação, anteriormente proposta (23.11.2004 - guia de fl. 80) e aos dividendos da Celular CRT, corrigidos monetariamente pelo IGP-M desde o momento em que se tornaram devidos, e acrescidos de juros legais, a contar da citação.

Via de conseqüência redimensiono os ônus de sucumbência. Arcará a requerida com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da autora, que vão arbitrados em R$ 900,00, corrigidos pelo IGP-M a contar do trânsito em julgado da decisão, considerando a singeleza da demanda e a repetição de ações desta natureza, forte no disposto no art. 20, § 4º, do CPC.

É o voto. (fl s. 204-209, grifo nosso)

Assim, não há falar em ausência, no título judicial exequendo, de fi xação

do número de ações devidas a título de dobra acionária, bem como da forma

de cálculo do quantum indenizatório. Portanto, é incompatível com o sistema

processual vigente e sobretudo com o princípio da segurança jurídica, alterar-

se, em sede de cumprimento de sentença, a condenação fi xada em decisão

transitada em julgado.

Destarte - tendo em vista: (i) que, no âmbito das ações em que se discute

a subscrição acionária decorrente de contrato de participação financeira,

seja da telefonia fi xa seja da móvel, a fi xação do critério de cálculo do valor

patrimonial tem, em última análise, o fi m de obtenção do número de ações

a que o acionista teria direito no momento do aporte fi nanceiro, para, assim,

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verifi car-se o diferencial acionário a ser complementado (nesse sentido: “a quantidade das ações seria obtida por meio da divisão entre o capital investido e o valor patrimonial de cada ação (...). O valor patrimonial da ação, por sua vez, é obtido pela divisão do patrimônio líqüido da sociedade pelo número de ações”, cf. trecho do voto proferido pelo saudoso Ministro Hélio Quaglia

Barbosa, no REsp n. 975.834-RS, Segunda Seção, DJ de 26.11.2007); e (ii) que, no caso, há expressa previsão no v. acórdão transitado em julgado, aqui objeto de cumprimento de sentença (fl s. 204-209), da quantidade de ações da Celular CRT Participações a serem subscritas, assim como do montante indenizatório devido à ora recorrida -, não há falar em espaço para aplicação do balancete mensal como critério de cálculo do VPA, porquanto a r. decisão transitada em julgado teria sua parte dispositiva totalmente esvaziada. Com efeito, o novo valor patrimonial alcançado na execução ensejaria um número de ações diverso do deferido na fase de conhecimento e, consequentemente, um montante indenizatório incompatível com o provimento jurisdicional alcançado pela parte vencedora da demanda, o que, inevitavelmente, ensejaria ofensa à res iudicata.

A propósito, confi ram-se:

Agravo regimental em recurso especial. Civil. Processual Civil. Empresa. Espécie de sociedade. Anônima. Subscrição de ações. Fase executória. Agravo de instrumento. Revisão do valor patrimonial da ação. Critério de apuração. Coisa julgada. Recurso inadmissível, a ensejar a aplicação da multa prevista no artigo 557, § 2º, do CPC. Agravo que se nega provimento.

1. Fixado o valor devido na complementação da subscrição de ações, em decisão com trânsito em julgado, quanto à matéria de mérito não cabe em fase de execução, apreciar eventual mudança na orientação jurisprudencial, ainda que julgada sob o rito dos recursos repetitivos, sob pena de ferir a garantia constitucional da segurança jurídica expressa na certeza da coisa julgada. Precedentes.

2. A interposição de agravo manifestamente inadmissível enseja aplicação da multa prevista no artigo 557 § 2º do Código de Processo Civil.

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.185.878-RS, Relator o eminente Ministro Honildo Amaral de Mello Castro - Desembargador convocado do TJ-AP, Quarta Turma, DJe de 24.05.2010)

Brasil Telecom. Cumprimento de sentença. Impugnação. Valor devido. Impossibilidade. Ofensa à coisa julgada. Agravo regimental a que se nega provimento. Aplicação da multa do artigo 557, § 2º do STJ.

1. Cumprimento de sentença. Impugnação. Impossibilidade. Coisa julgada: Este STJ já se manifestou diversas vezes em que não é possível alterar o critério

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fi xado na sentença de conhecimento, com trânsito em julgado, para o cálculo do valor patrimonial da ação, sob pena de ofensa ao instituto da coisa julgada.

2. Agravo regimental a que se nega provimento. (EDcl no Ag n. 953.968-RS, Relator o eminente Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 08.02.2010)

Com essas considerações, infere-se que o recurso especial não merece

provimento neste ponto, devendo ser mantida a conclusão do v. aresto recorrido

no sentido de que o diferencial acionário restou defi nido no comando judicial

que transitou em julgado, sendo vedada nova discussão sobre a matéria na fase

de cumprimento de sentença, sob pena de violação à coisa julgada material.

II - MULTA DO ART. 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL:

Por sua vez, o art. 475-J do Código de Processo Civil assim estabelece:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fi xada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

§ 1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.

§ 2º Caso o ofi cial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.

§ 3º O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.

§ 4º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante.

§ 5º Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte. (grifo nosso)

Da análise do caput do art. 475-J do Estatuto Processual, depreende-se

que para a incidência da multa ali prevista é necessário o preenchimento de

requisitos essenciais e cumulativos, a seguir indicados.

1º requisito: Há de se tratar de cumprimento de obrigação, prevista em

título judicial, de pagar quantia certa ou, em caso de iliquidez do título, de

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quantia fi xada em liquidação. Com efeito, “para que incida o caput do art. 475-

J, é preciso que a dívida seja líquida; enquanto não for liquidado o valor da

obrigação pecuniária devida, não se pode falar em inadimplemento, muito menos

de multa sobre o montante que não se sabe qual é. Eis a razão do trecho do caput:

condenado o devedor ao pagamento de quantia certa ou já fi xada em liquidação”

(DIDIER JR., Fredie, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira. Curso de Direito

Processual Civil: Direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da

sentença e coisa julgada, Vol. 2, 2ª ed., Bahia: Jus Podivm, 2008, p. 516).

O caput do art. 475-I do Estatuto Processual Civil estabelece que, nas

condenações em que se determine obrigação por quantia certa, o cumprimento

de sentença far-se-á por execução. Por sua vez, o citado art. 475-J, também em

seu caput, dispõe acerca da forma como deve-se processar esse cumprimento,

prevendo a possibilidade de aplicação de multa para os casos em que o devedor/

executado não satisfi zer, voluntariamente, no prazo de quinze dias, a obrigação

constante do título executivo, devendo esta se referir a quantia certa ou já fi xada

em liquidação.

Sob esse prisma, leciona o ilustre doutrinador Araken de Assis:

O art. 475-J, caput, não estabelece qualquer procedimento especial para se realizar o depósito. Mas, como o prazo de espera fl ui a partir do momento em que o crédito se torna exigível, e a exigibilidade assenta na liquidez, presume-se que o executado conheça precisamente o valor da dívida, porque indicada no título ou resultante do provimento que julga a liquidação (...). O objetivo da multa pecuniária consiste em tornar vantajoso o cumprimento espontâneo e, na contrapartida, onerosa a execução para o devedor recalcitrante.

(in Cumprimento de Sentença. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 222, grifo nosso)

Cabe salientar que a obrigação de que trata o referido dispositivo legal

pode advir de decisão judicial que condene a parte, originariamente, a pagar

determinado valor ou pode resultar da conversão em perdas e danos de

condenação ao adimplemento de obrigação de outra natureza (fazer, não fazer

ou entregar coisa, por exemplo). Basta que se trate de execução de obrigação

líquida, certa e exigível.

É certo que o cumprimento de sentença condenatória em que se

determine obrigação de fazer ou não fazer ou de entregar coisa está sujeito

às regras dos arts. 461 e 461-A do CPC. No entanto, uma vez convertidas

essas obrigações em perdas e danos (tutela substitutiva), por requerimento do

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credor ou por impossibilidade da tutela específi ca ou de obtenção do resultado

prático esperado, a execução passa a ser regulada pelo disposto nos arts. 475-J e

seguintes do Estatuto Processual Civil, desde que a indenização se relacione a

quantia certa ou determinada em liquidação.

Nessa linha de entendimento, convém citar a seguinte lição doutrinária, in

litteris:

A conversão da obrigação de fazer ou não fazer em perdas e danos exigirá, necessariamente a instauração de um incidente cognitivo durante a fase de execução do julgado. É nesse incidente cognitivo que deverão ser apuradas as questões relativas à superveniência e relatividade da impossibilidade de realização do objeto obrigacional, bem como será aferida, a partir das circunstâncias concretas, a existência de culpa (lato sensu) do devedor. É também nesse incidente que deverá ser apurado o valor relativo à conversão da prestação em perdas e danos.

(...)

Concluindo-se pela responsabilidade do devedor/executado e apurado o valor da indenização a ser paga, seguir-se-á o procedimento de efetivação das decisões que impõem obrigação de pagar quantia (art. 475-J e seguintes, CPC).

(DIDIER JR., Fredie, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira. Curso de Direito Processual Civil: Direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada, Vol. 2, 2ª ed., Bahia: Jus Podivm, 2008, p. 389, grifo nosso)

Nesse ínterim, convertida a obrigação de fazer em perdas e danos (CPC,

art. 461, § 1º), o cumprimento de sentença deve ser processado por execução,

nos moldes dos arts. 475-J e seguintes do Código de Processo Civil, desde que

seja conhecido o an debeatur e o quantum debeatur.

2º requisito: Após a intimação do devedor, pessoalmente ou na pessoa de

seu advogado, por publicação na imprensa ofi cial, aquele deixar transcorrer in

albis o prazo de quinze dias, previsto no art. 475-J do CPC, para o adimplemento

voluntário do valor constante da sentença condenatória ou de sua liquidação.

A respeito do tema, a eg. Corte Especial deste Pretório possui orientação

jurisprudencial consagrada no sentido de que, para o cumprimento voluntário

do julgado, deve o devedor ser intimado, por meio de seu advogado, sendo-lhe

disponibilizado, a partir daí, o prazo de quinze dias para efetuar o pagamento do

montante condenatório, sob pena de incidência da multa do art. 475-J do CPC.

Com efeito, “concedida a oportunidade para o adimplemento voluntário

do crédito exeqüendo, o não pagamento no prazo de quinze dias importará

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na incidência de multa no percentual de dez por cento sobre o montante da

condenação (art. 475-J do CPC), compreendendo-se o termo inicial do referido

prazo o primeiro dia útil seguinte à data da publicação de intimação do devedor

na pessoa de seu advogado, na Imprensa Oficial (...). O cumprimento da

sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em

julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-

B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular

cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê

ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo

discriminada e atualizada. Na hipótese em que o trânsito em julgado da sentença

condenatória com força de executiva (sentença executiva) ocorrer em sede de

instância recursal (STF, STJ, TJ e TRF), após a baixa dos autos à Comarca de

origem e a aposição do ‘cumpra-se’ pelo juiz de primeiro grau, o devedor haverá

de ser intimado na pessoa do seu advogado, por publicação na imprensa ofi cial,

para efetuar o pagamento no prazo de quinze dias, a partir de quando, caso não

o efetue, passará a incidir sobre o montante da condenação, a multa de 10% (dez

por cento) prevista no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil” (REsp n.

940.274-MS, Corte Especial, Relator para acórdão o eminente Ministro João

Otávio de Noronha, DJe de 31.05.2010).

3º requisito: Tratar-se de execução de condenação transitada em julgado,

como ocorre na espécie.

É que a respeito de execução provisória, doutrina e jurisprudência têm-se

dividido em duas correntes principais. Uma, repelindo a incidência do referido

dispositivo em caso de execução provisória, considerando necessária a existência

de decisão judicial transitada em julgado (cf. FREDIE DIDIER JUNIOR,

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR e CARLOS ALBERTO ALVARO

OLIVEIRA) e outra, entendendo plenamente devida sua utilização para os

casos de descumprimento de sentença sujeita a recurso ao qual não foi atribuído

efeito suspensivo, ou seja, execução de caráter provisório (cf. ARAKEN DE

ASSIS, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, ALEXANDRE FREITAS

CÂMARA, CASSIO SCARPINELLA BUENO e RODRIGO BARIONI).

No entanto, deixa-se aqui de examinar, com profundidade, essa questão,

sobretudo porque, como dito, na hipótese dos autos, o deslinde da controvérsia

independe dessa avaliação, pois cuida-se de execução defi nitiva, o que, a rigor, e

desde que cumpridos os dois outros requisitos anteriores, possibilita a incidência

da referida multa. Ademais, a c. Corte Especial deste Tribunal está analisando o

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 639

mérito do tema, no REsp n. 1.059.478-RS, de relatoria do eminente Ministro

Luis Felipe Salomão, que concluiu pela viabilidade de cominação da multa do art.

475-J às execuções provisórias, no que foi acompanhado pelo e. Ministro Felix

Fischer. Abriu divergência o e. Ministro Aldir Passarinho Junior, salientando que

essa cominação somente pode advir do trânsito em julgado da sentença. Nesse

ponto do julgamento do feito houve o pedido de vista da e. Ministra Nancy

Andrighi, fi cando suspenso.

De qualquer sorte, afastada, no caso em comento, a polêmica discussão

doutrinária e jurisprudencial sobre esse terceiro requisito - por se tratar a

hipótese de execução de condenação transitada em julgado, sobre a qual não há

nenhuma divergência quanto à aplicação da multa do art. 475-J do CPC -, tem-

se que, nos presentes autos, deve ser verifi cada a efetiva observância dos outros

dois pressupostos.

No caso sub judice, a ora recorrida - Maria Isabel Bristott - ajuizou contra a

Brasil Telecom S/A ação ordinária, objetivando a complementação do diferencial

acionário relativo à dobra de ações resultante da cisão parcial da CRT. Julgado

procedente o pedido veiculado na inicial e verifi cada a impossibilidade de

cumprimento da decisão, converteu-se a obrigação de fazer (subscrição de

ações) em perdas e danos, nos termos do art. 461, § 1º, do CPC, estipulando-se,

expressamente, o critério de cálculo do quantum indenizatório.

Após o trânsito em julgado e o retorno dos autos ao Juízo de origem, a

parte exequente apresentou o pedido de cumprimento de sentença, devidamente

instruído com memória discriminada e atualizada do cálculo, na forma dos arts.

475-B e 475-J do Estatuto Processual (fl s. 197-203). Devidamente intimada,

apresentou emenda ao pedido executivo. A seguir, o Juízo da 3ª Vara Cível do

Foro Central da Comarca de Porto Alegre, intimou a executada, em nome de

seu advogado, por publicação na imprensa ofi cial, para pagamento do montante

do débito, sob pena de aplicação da multa prevista no art. 475-J, conforme

salienta a própria recorrente em suas petições recursais (fl s. 2-50 e 291-295). No

entanto, ultrapassado o prazo de quinze dias, contado a partir dessa intimação,

a Brasil Telecom S/A não adimpliu voluntariamente o débito, o que ensejou a

aplicação da multa supracitada (fl s. 211-220 e 248-260).

Com isso, conclui-se que foram preenchidos os requisitos necessários à

aplicação do disposto no art. 475-J do CPC, como se explica na sequência.

Trata-se de condenação ao pagamento de quantia certa, na medida em que,

no v. acórdão exequendo, conforme anteriormente delineado, houve expressa

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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consignação do diferencial acionário devido em favor da ora recorrida, a título de dobra acionária, bem como da forma de cálculo da indenização, tendo por base a cotação da ação na data da cisão (fl s. 204-209). Assim, a execução está embasada em título judicial líquido, certo e exigível, dependendo de simples cálculo aritmético, na forma do art. 475-B do Código de Processo Civil, para o seu cumprimento. No mais, a parte executada foi devidamente intimada, por meio de seu advogado, por despacho publicado na imprensa oficial - sendo despicienda sua intimação pessoal -, para cumprimento voluntário da condenação. Todavia, no lapso temporal previsto em lei, não adimpliu a obrigação inserta no título judicial.

Portanto, entende-se viável o processamento da execução na forma do art. 475-J e seguintes do Código de Processo Civil, com a imposição da multa nele prevista. Deve, assim, ser mantido o v. aresto recorrido, ainda que por outros fundamentos, já que nele, conquanto existente nos autos a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, por nota de expediente, concluiu-se por sua desnecessidade, tal como da intimação pessoal.

III - RETENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA, NA FONTE, INCIDENTE SOBRE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS:

Por fi m, assiste razão à recorrente nesse tópico.

Esta eg. Corte de Justiça orienta-se no sentido da auto-aplicabilidade do disposto no art. 46 da Lei n. 8.541/1992. Desse modo, é cabível a retenção do imposto de renda pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento dos honorários advocatícios no momento em que o rendimento se torne disponível ao benefi ciário.

Efetivamente, “prevalece neste Sodalício o entendimento de ser auto-aplicável o disposto no art. 46 da Lei n. 8.541/1992, que reza que ‘o imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o benefi ciário’. A exceção contida no inciso II do § 1º do art. 46 da Lei n. 8.541/1992 não ilide a auto-aplicação das disposições contidas no caput do mesmo dispositivo, ou seja, que a retenção do imposto de renda na fonte cabe à pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento dos honorários advocatícios no momento em que o rendimento se torne disponível para o benefi ciário” (REsp n. 687.437-RS, 2ª Turma, Relator o saudoso Ministro Franciulli Netto, DJ de 27.01.2006).

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 641

Julgando demandas similares à dos presentes autos, em que fi gura como

parte a Brasil Telecom S/A, podem ser mencionados os seguintes precedentes

das Turmas que compõem a eg. Segunda Seção deste Tribunal: AgRg no REsp

n. 1.115.496-RS, Relator o Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe de

1º.07.2010; AgRg no REsp n. 1.138.863-RS, Relator o Ministro Luis Felipe

Salomão, Quarta Turma, DJe de 04.06.2010; AgRg no Ag n. 1.063.512-RS,

Relator o Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 15.06.2009;

AgRg no Ag n. 999.711-RS, Relator o Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta

Turma, DJe de 03.11.2008.

Diante do exposto, dá-se parcial provimento ao recurso especial, apenas

para possibilitar a retenção do imposto de renda sobre os honorários advocatícios,

nos termos da fundamentação.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.147.713-PB (2009/0129208-0)

Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti

Recorrente: Luzia Estêvão Fernandes

Advogado: Bruno de Andrade Lage - Defensor Público da União

Recorrido: Caixa Econômica Federal - CEF

Advogado: Carlos Alberto de Castro e Silva e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Sistema Financeiro da Habitação. Decreto-Lei

n. 70/1966. Ação de anulação de execução extrajudicial. Intimação

pessoal para purgação da mora. Intimação editalícia data leilões.

Ausência de irregularidades. Avaliação do imóvel.

1. O acórdão recorrido, com base na análise dos documentos

constantes dos autos, considerou que foi promovida a intimação

pessoal para a purgação da mora e também a intimação por meio de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

642

edital para o primeiro e o segundo leilão após a recorrente haver se

recusado a assinar a intimação a ela dirigida. Rever esta conclusão

encontra obstáculo na Súmula n. 7.

2. O rito da execução extrajudicial disciplinada pelo Decreto-Lei

n. 70/66, reiteradamente proclamado compatível com a Constituição

de 1988 pelo STF, não prevê etapa formal de avaliação do imóvel,

ao contrário do que sucede em execuções promovidas em juízo.

Embora o procedimento seja mais abreviado do que o das execuções

judiciais, a posse do imóvel somente será transferida para o adquirente

mediante ação de imissão de posse perante o Poder Judiciário, a qual,

após a contestação, assumirá o rito ordinário, ensejando o mais pleno

contraditório, inclusive acerca da publicidade dada à execução e do

valor da alienação (Decreto-Lei n. 70/1966, art. 37, § 2º). Igualmente

é possível o controle de legalidade do procedimento, durante o seu

próprio curso, pelos meios processuais adequados, ou, após o seu

desfecho, mediante a propositura de ação de anulação da execução

extrajudicial, no âmbito da qual pode ser requerida antecipação de

tutela ou ajuizada medida cautelar incidental.

3. Hipótese em que não se alega, na ação anulatória, a transferência

da propriedade por valor irrisório ou mesmo inferior ao de mercado,

outro motivo a evidenciar a falta de relevância da alegação, deduzida

apenas em grau de apelação, de nulidade por ausência de prévia

formalidade de avaliação do imóvel no procedimento de execução

extrajudicial.

4. Recurso especial conhecido em parte, e nessa parte, desprovido.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial, e nessa

parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os

Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha, Luis Felipe

Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 23 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora

DJe 15.12.2010

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 643

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Trata-se de recurso especial

interposto contra acórdão proferido pela 2ª Turma do Tribunal Regional Federal

da 5ª Região, assim ementado:

SFH. Ação de anulação de execução extrajudicial. Ocorrência da notifi cação. Regularidade do procedimento estabelecido no DL n. 70/1966.

1. A execução extrajudicial levada a efeito pela instituição credora rege-se pelo Decreto-Lei n. 70/1966 que estabelece expressamente, nos seus arts. 31, parágrafo 1º e 32, a forma de notifi cação do mutuário sobre os atos executórios.

2. Procedeu corretamente a instituição financeira, haja vista que tentou promover à notifi cação pessoal dos mutuários, através do Cartório de Títulos e Documentos, dando-lhes oportunidade de purgar a mora, no prazo de 20 dias, conforme se verifi ca dos documentos juntados às fl s. 80 e 84. Todavia, restou frustrada tal notifi cação, haja vista que a autora se recusou a assinar.

3. Não logrando êxito em relação à notifi cação pessoal, a instituição fi nanceira promoveu a notifi cação por edital intimando os mutuários e informando-os da realização do leilão (fl s. 85 a 93), conforme estabelece o art. 32 do DL n. 70/1966. Dessa feita, agiu regularmente a CEF.

4. Verifica-se, assim, a validade da execução extrajudicial promovida pela instituição financeira, por esta ter observado corretamente o procedimento previsto no DL n. 70/1966.

5. Apelação improvida.

Em suas razões, a recorrente alega violação aos arts. 31, § 2º, e 32, § 1º, do

Decreto-Lei n. 70/1966, argumentando não haverem sido esgotados os meios

para sua intimação pessoal antes de realizada a intimação por edital, além de

divergência jurisprudencial em relação à necessidade de prévia avaliação do bem

a ser leiloado, nos casos de execução extrajudicial de imóveis adquiridos pelo

Sistema Financeiro da Habitação.

Requer, ao fi nal, a nulidade do processo de execução extrajudicial movido

pela Caixa Econômica Federal (fl s. 206-207).

A recorrida, nas contrarrazões de fl s. 224-331, aduz, em suma, que a

tese da recorrente implica o reexame do contexto fático-probatório dos autos

e que não foi obedecido o comando legal contido no art. 255, do RISTJ, a

respeito do necessário cotejo analítico. Afi rma a CEF que fi cou assentado no

acórdão recorrido o cumprimento das formalidades prescritas no Decreto-Lei

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n. 70/1966, estabelecedor de procedimento especial, com o qual manifesta concordância o mutuário quando da assinatura do contrato, levado a efeito por terceiro devidamente credenciado pelo Bacen, o agente fi duciário.

Argumenta, ainda, que esse procedimento tem como fi nalidade manter o fl uxo de retorno dos recursos emprestados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação e que, embora possibilite a execução extrajudicial do contrato, a imissão de posse depende de decisão em processo perante o Poder Judiciário no âmbito do qual será possível amplo contraditório. Alega que o contrato foi executado após anos de mora e que os recorrentes continuam a morar no imóvel sem nada pagar.

O recurso foi admitido à fl . 234.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Primeiramente, vejo que

não existem irregularidades no tocante à notifi cação da recorrente para o leilão

do imóvel objeto da demanda. A respeito do tema, o acórdão recorrido assim

delimitou a controvérsia:

1. A apelante alega que não foi notifi cada pessoalmente acerca da adjudicação, e que por isso a execução restaria nula.

2. A execução extrajudicial levada a efeito pela instituição credora rege-se pelo Decreto-Lei n. 70/1966 que estabelece expressamente, nos seus arts. 31, parágrafo 1º e 32, a forma de notifi cação do mutuário dos atos executórios:

Art. 31.

(...)

1º Recebida a solicitação da execução da dívida, o agente fi duciário, nos dez dias subseqüentes, promoverá a notificação do devedor, por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos, concedendo-lhe o prazo de vinte dias para a purgação da mora.

Art. 32 - Não acudindo o devedor à purgação do débito, o agente fi duciário estará de pleno direito autorizado a publicar editais e efetuar, no decurso dos 15 (quinze) dias imediatos, o primeiro público leilão do imóvel hipotecado.

3. Assim, procedeu corretamente a instituição fi nanceira, haja vista que promoveu à notifi cação pessoal da mutuária, dando-lhe oportunidade de purgar a mora, no prazo de 20 dias, conforme se verifi ca do documento juntado às fl s. 80 e 84.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

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4. Ressalte-se que a CEF promoveu, ainda, a notifi cação por edital intimando a apelante e informando-a da realização do primeiro e do segundo leilão (fl s. 85 a 93). Dessa feita, agiu regularmente a CEF.

5. Não há como conceber a anulação da execução extrajudicial do referido imóvel já que a instituição credora a promoveu de forma adequada. Inexiste qualquer vício a ensejar a inefi cácia do referido procedimento. (...)

7. Assim, procedeu corretamente a instituição fi nanceira, haja vista que tentou promover à notificação pessoal da mutuária, através do Cartório de Títulos e Documentos, dando-lhe oportunidade de purgar a mora, no prazo de 20 dias, conforme se verifi ca dos documentos juntados às fl s. 80 e 84. Todavia, a mesma se negou a assinar.

8. Nesse passo, as alegações de que a execução extrajudicial deve ser anulada por descumprimento dos procedimentos previstos no DL n. 70/1966, não restaram comprovadas. (...)

(grifei)

Dessa forma, observo que o posicionamento do Tribunal de origem

encontra-se inteiramente de acordo com o entendimento desta Corte, segundo

o qual “nos termos estabelecidos pelo parágrafo primeiro do art. 31 do DL

n. 70/1966, a notificação pessoal do devedor, por intermédio do Cartório

de Títulos e documentos, é a forma normal de cientifi cação do devedor na

execução extrajudicial do imóvel hipotecado. Todavia, frustrada essa forma de

notifi cação, é cabível a notifi cação por edital, nos termos do parágrafo segundo

do mesmo artigo, inclusive para a realização do leilão.” (EAg n. 1.140.124-SP,

Corte Especial, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJe 21.06.2010).

No caso em exame, o acórdão recorrido, com base na análise dos

documentos constantes dos autos, considerou que foi promovida a intimação

pessoal para a purgação da mora e também a intimação por meio de edital para

o primeiro e o segundo leilão após a recorrente haver se recusado a assinar a

intimação a ela dirigida.

Logo, é clara a incidência do Verbete Sumular n. 83-STJ, em relação a esse

tópico.

Do mesmo modo, em relação à suposta ausência de avaliação do imóvel

leiloado, observo que melhor sorte não assiste à recorrente. O Tribunal de

origem fi rmou entendimento, à fl . 190, no sentido de que a recorrida se utilizou

de “prerrogativa conferida pela própria norma jurídica (DL n. 70/1966) e

também pelo instrumento contratual fi rmado com a mutuária, não havendo

qualquer ilegalidade no referido ato executório”, motivos pelos quais não

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existiriam “elementos capazes de ensejar a anulação do leilão do imóvel em

apreço, haja vista que não restou comprovada nenhuma irregularidade por parte

da instituição fi nanceira ao proceder tal execução”.

Segundo enfatizado pelo acórdão recorrido, foi seguido a risca o

procedimento estabelecido pelo Decreto-Lei n. 70/1966, cujos arts. 31 e 32

não fazem menção à formalidade de avaliação do imóvel, ao contrário do que

sucede em execuções judiciais, donde a inaplicabilidade, ao caso em exame, de

precedentes jurisprudenciais relativos à execução da Lei n. 5.741/1971 e art. 680

e seguintes do CPC.

É certo que a jurisprudência da 4ª Turma registra precedente, da relatoria

do eminente Ministro Barros Monteiro (REsp n. 480.475-RS), invocado como

paradigma no recurso especial, segundo o qual tanto na execução judicial

prevista na Lei n. 5.741/1971, quando na execução hipotecária extrajudicial

instituída pelo Decreto-Lei n. 70/1966, a prévia avaliação do imóvel a ser

alienado constitui uma exigência para a garantia do mutuário e de terceiros

eventualmente interessados.

Observo que o voto condutor do mencionado acórdão baseou-se em

doutrina relacionada a execuções processadas em juízo, considerando que “a

avaliação se impõe por ser uma das fases do processo de execução, intermediária

entre a penhora e a arrematação, cuja fi nalidade é a fi xação de uma estimativa

precisa para converter em dinheiro o objeto da penhora” (...)”

Conforme ressaltado, todavia, pelo voto vencido do Ministro Aldir

Passarinho Junior no mencionado REsp n. 480.475-RS, “o Decreto-Lei n. 70

dá um rito próprio à execução e é uma opção do agente fi nanceiro. Dessa forma

estaríamos criando uma exigência que não é da lei. Muito embora louvável

a cautela, não existe na lei essa obrigação; nem haveria, inclusive, como se

disciplinar essa avaliação, porque, como o processo é feito extrajudicialmente,

não se teria como proceder a uma perícia judicial e não se sabe o que poderia

substituí-la (...)”. Ademais, na linha do exposto no voto também vencido do

Ministro Fernando Gonçalves, “no caso do Decreto-Lei n. 70 o valor da execução

é o do saldo devedor.”

Acrescento que o rito da execução extrajudicial disciplinado pelo Decerto-

Lei n. 70/1966 já foi reiteradamente proclamado compatível com a Constituição

de 1988 pelo Supremo Tribunal e também pelo STJ. Embora o procedimento

seja mais abreviado do que o das execuções judiciais, a posse do imóvel somente

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 647

será transferida para o adquirente mediante ação de imissão de posse perante o

Poder Judiciário, a qual, após a contestação, assumirá o rito ordinário, ensejando

o mais pleno contraditório, inclusive acerca da publicidade dada à execução e do

valor da alienação (Decreto-Lei n. 70/1966, art. 37, § 2º). Igualmente é possível

o controle de legalidade do procedimento, durante o seu próprio curso, pelos

meios processuais adequados, ou, após o seu desfecho, mediante a propositura

de ação de anulação da execução extrajudicial, no âmbito da qual pode ser

requerida antecipação de tutela ou ajuizada medida cautelar incidental.

A pretensão de inserir, no rito da execução extrajudicial, a disciplina

própria das execuções procedidas em juízo (aplicação de regras do CPC),

sem a possibilidade de imprimir-lhe a eficácia prática de, ao final, chegar

ao desapossamento do bem com sua entrega ao adquirente, consequência

esta inerente apenas à execução judicial, além de todos os expedientes de

controle concomitantes e posteriores, por meio do uso das vias processuais

cabíveis, acabaria por retirar qualquer utilidade e sentido do rito do Decreto-

Lei n. 70/1966, procedimento instituído com a fi nalidade de favorecer o fl uxo

de retorno dos recursos emprestados no âmbito do Sistema Financeiro da

Habitação. Reitero que a execução extrajudicial do Decreto-Lei n. 70/1966

é opção contratual tida por recebida pela CF de 1988, na linha da pacífi ca

jurisprudência do STF e do STJ.

Assinalo, ainda, que a recorrente não alegou, na inicial, como causa de

nulidade da execução extrajudicial, a falta de avaliação e nem muito menos

tenha a arrematação sido realizada por valor ínfi mo ou mesmo inferior ao de

mercado (e-STJ 3-15). A alegação de que não havia sido documentada nos

autos do “presente processo judicial” (ação de anulação de leilão) a avaliação do

imóvel somente surgiu na apelação, mas também nesta não se alegou prejuízo

resultante do valor pelo qual foi transferida a propriedade do bem. Assim,

nenhum prejuízo se alega haver sofrido a recorrente em decorrência da suposta

falta de avaliação do bem (e-STJ 169-170).

Dessa forma, a tese defendida pela recorrente requer o reexame de

elementos fático-probatórios colhidos ao longo da demanda, circunstância que

acarreta o óbice intransponível das Súmulas n. 5 e 7-STJ.

Em face do exposto, conheço em parte do recurso especial, e nessa parte,

nego-lhe provimento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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RECURSO ESPECIAL N. 1.193.886-SP (2010/0085554-5)

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

Recorrente: Jorge Delmanto Bouchabki e outros

Advogado: Daniela de Oliveira Tourinho e outro(s)

Recorrido: Paulo José da Costa Júnior

Advogado: Sérgio Luiz Vilella de Toledo e outro(s)

EMENTA

Responsabilidade civil. Dano moral. Obra jurídico-informativa que faz ilações sobre a autoria de crime de repercussão nacional. Assertivas adstritas ao âmbito das cogitações. Prudência do autor evidenciada. Indenização indevida.

1. Com exceção das hipóteses de responsabilidade objetiva previstas no sistema de responsabilidade civil, não se concebe o dever de indenização se ausente o dolo, a culpa ou o abuso de direito.

2. No caso, as “conclusões” a que chegou o réu, no âmbito de obra jurídica intitulada “Crimes Famosos”, acerca do “Crime da Rua Cuba”, encontram-se no âmbito das incertezas razoáveis, das ilações plausíveis, as quais, aliás, podem estimular o estudo e a formação acadêmica do profi ssional do direito - a quem, principalmente, era dirigida a obra. O recorrido não se descurou, antes de proclamar as assertivas ora acoimadas por ofensivas pelos recorrentes, de ressaltar que se tratava de “conclusão possível”, de inclinação à “versão por muitos abraçada”, de “cenário, por muitos vislumbrado”, no qual não haveria imperfeição lógica.

3. É evidente que não se permite a leviandade por parte de quem informa e a publicação absolutamente inverídica que possa atingir a honra de qualquer pessoa, porém não é menos certo, por outro lado, que da atividade informativa não são exigidas verdades absolutas, provadas previamente em sede de investigações no âmbito administrativo, policial ou judicial. Exige-se, em realidade, uma diligência séria que vai além de meros rumores, mas que não atinge, todavia, o rigor judicial ou pericial, mesmo porque os meios de informação não possuem aparato técnico ou coercitivo para tal desiderato.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

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4. Ademais, ressalte-se que a educação e o ensino são regidos

pelo princípio da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar

o pensamento, a arte e o saber” (art. 205, inciso II, da CF/1988 e art.

3º, inciso II, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei

n. 9.394/1996), positivação esta que protege e garante a máxima, por

todos conhecida, de que os espaços acadêmicos - e, por consequência,

a literatura a estes direcionada - são ambientes propícios à liberdade

de expressão e genuinamente vocacionados a pesquisas e conjecturas.

5. Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

A Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos

do voto do Sr. Ministro Relator. Votou vencida a Sra. Ministra Maria Isabel

Gallotti.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de

Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). Samuel Mac Dowell de Figueiredo, pela parte recorrente: Jorge

Delmanto Bouchabki

Brasília (DF), 09 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão, Relator

DJe 07.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Jorge Delmanto Bouchabki,

Marcelo Delmanto Bouchabki e Graziela Delmanto Bouchabki ajuizaram ação

de reparação por danos morais em face de Paulo José da Costa Júnior.

Noticiaram na inicial que, em 24 de dezembro de 1988, Jorge Toufi c

Bouchabki e Maria Cecília Delmanto Bouchabki, pai e mãe dos autores,

foram encontrados mortos em seu quarto, episódio este amplamente noticiado

pela imprensa como o “Crime da Rua Cuba”. O primeiro requerente - Jorge

Delmanto Bouchabki - foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de

São Paulo como autor do crime, sendo que, em 10.12.1990, o Juízo da 5ª Vara do

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

650

Júri proferiu decisão de impronúncia, nos termos da lei processual penal. Depois

de passados dez anos do crime, o Ministério Público Estadual buscou, uma vez

mais, a reabertura do processo criminal, pretensão esta indeferida, notadamente

- segundo alegaram os autores - em razão de extinção da punibilidade pela

ocorrência da prescrição.

Após catorze anos dos fatos, o réu da presente ação publicou livro intitulado

“Crimes Famosos”, coletânea de comentários acerca de diversos casos criminais,

dentre os quais o chamado “Crime da Rua Cuba”, a respeito do qual foram

dedicadas cerca de 70 páginas. Após discorrer sobre as circunstâncias do crime

e de reproduzir trechos da denúncia e da decisão fi nal, o réu, em capítulo que

intitula de “conclusão”, afi rmou: “Maria Cecília foi morta pelo marido. E este

teria sido assassinado pelo fi lho” ( Jorge Delmanto Bouchabki, primeiro autor).

No mesmo sentido foi a entrevista do réu concedida em programas de

rádio e televisão, nos quais teria afi rmado a conclusão “...de que, juntando tudo,

quem matou Cecília foi o marido, e o fi lho veio a matar o pai” (fl . 08).

Nesse passo, afi rmam os autores que as declarações do réu, proferidas no

livro e na entrevista, são caluniosas, não só ao primeiro autor, Jorge Delmanto

Bouchabki, mas também atingindo os irmãos, pois afi rma que o pai morto matou

a mãe dos autores, Cecília Delmanto Bouchabki, razão pela qual requereram a

condenação do réu em indenização por danos morais.

O Juízo de Direito da 16ª Vara Cível do Foro Central da Comarca

de São Paulo-SP julgou improcedentes os pedidos autorais (fl s. 747-753),

entendimento este, em essência, mantido em grau de apelação, nos termos do

acórdão assim ementado:

Indenização por Danos Morais. Ausência dos requisitos necessários à sua concessão. Preliminares rejeitadas. Honorários Advocatícios. Valor fi xado que se mostra exorbitante, ensejando redução. Recurso parcialmente provido. (fl . 870)

Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados (fl s. 900-906).

Sobreveio, assim, recurso especial fundado na alínea a do permissivo

constitucional, no qual se alega ofensa ao art. 535, incisos I e II, do Código de

Processo Civil, arts. 159, 1.525 e 1.526 do Código Civil de 1916 (correspondentes

aos arts. 186, 927, 935 e 943 do Código Civil de 2002).

Em síntese, insurgem-se os recorrentes contra o acórdão por entenderem

que a decisão, além de ser omissa, “concedeu autorização a quem quiser -

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advogados renomados, como é o caso do recorrido, ou qualquer outra pessoa

- a escreverem, publicarem, dizerem, alardearem em televisão, por toda a

eternidade, que Jorge e os pais dos recorrentes são assassinos, sem que este e os

demais sucessores de seus pais tenham direito a nada; sem que a sentença de

impronúncia, confi rmada pelo próprio Tribunal a quo, há catorze anos, possa

produzir qualquer efeito jurídico” (fl . 952).

Assim, requerem os recorrentes a condenação do réu ao pagamento de

indenização a) ao primeiro recorrente, Jorge Delmanto Bouchabki, pelos danos

morais decorrentes da afi rmação ofensiva de que teria matado o pai e b) aos

três recorrentes, Jorge, Marcelo e Graziela, pelos danos morais decorrentes da

afi rmação ofensiva de que o pai morto teria matado sua mãe.

Contra-arrazoado (fl s. 989-991), o especial foi inadmitido, ascendendo os

autos a esta Corte por força de decisão proferida no Ag n. 862.458-SP.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. Afasto, de saída, a

alegada ofensa ao art. 535 do CPC, porquanto o acórdão recorrido dirimiu as

questões pertinentes ao litígio, afi gurando-se dispensável que venha a examinar,

uma a uma, as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. Basta ao órgão

julgador que decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo

exigível que se reporte de modo específi co a determinados preceitos legais.

3. No mérito, o cerne da discussão gira em torno da eventual

responsabilidade do ora recorrido - renomado criminalista e antigo professor da

Faculdade de Direito do Largo do São Francisco - em indenizar os recorrentes

por declarações proferidas em livro intitulado “Crimes Famosos”, precisamente

em capítulo dedicado ao chamado “Crime da Rua Cuba”, no qual o autor da

obra pronunciou conclusões acerca da autoria e das razões do crime, ocorrido no

ano de 1988.

A causa de pedir também é fundada em entrevista concedida pelo recorrido

a programa de televisão e rádio, no qual repete, em essência, o que já havia sido

dito na obra escrita.

Na obra em comento, depois de iniciar o capítulo dedicado ao “Crime da

Rua Cuba”, noticiando a estreita amizade que guardava com Dante Delmanto,

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pai de Maria Cecília Delmanto Bouchabki, uma das vítimas do crime, o autor

descreve os fatos que circundaram os acontecimentos daquela noite de 24 de

dezembro de 1988 - segundo o apurado em inquérito policial e pelo Ministério

Público Estadual -, transcrevendo ipsis literis a sentença que impronunciou

Jorge Delmanto Bouchabki - primeiro autor da presente ação de indenização.

Em seguida, passa ao subtítulo nomeado de “conclusão”, nos seguintes termos:

Até hoje, porém, não se chegou à conclusão defi nitiva e absoluta de quem foi o autor dos homicídios, apesar das exaustivas investigações realizadas. Note-se que houve até duas exumações dos cadáveres.

Atrevi-me a extrair, de todo o contexto, uma conclusão que me parece possível.

Parto do pressuposto de que os Delmanto não iriam auxiliar o sobrinho, se ele houvesse assassinado a irmã. Mesmo porque sobrinho é parente em terceiro grau e irmã o é em segundo grau. Recuso-me a aceitar que, se Jorginho tivesse assassinado a mãe, fosse ser auxiliado pelos tios.

Os fâmulos da casa foram excluídos da autoria do crime, pelas investigações minuciosas a que foram submetidos. Não tinham razões nem motivos para praticar o delito.

Quem teria matado Maria Cecília, se nenhum estranho penetrou na casa?

Só restava então como possível homicida o marido, com o qual Maria Cecília discurtira, na noite do crime, por causa do fi lho. Ao que parece, ela chegou a ser agredida pelo esposo.

As razões do assassinato da jovem permanecem nas sombras misteriosas e densas da dúvida. Ciúme? Desentendimentos pela educação do fi lho? Razões inúmeras percorrem a imaginação fértil de quem se põe a pensar.

Cheguei a exteriorizar meu ponto de vista a um dos juízes que instruiu o feito, no foro de Pinheiros, meu antigo discípulo nas Arcadas do Largo do São Franciso. E ele viu na minha versão graus de possibilidade.

Vai daí, inclino-me a aceitar versão por muitos abraçada, de que Maria Cecília foi morta pelo marido. E este teria sido assassinado pelo fi lho.

Aí se concebe então o auxílio que teria sido prestado ao sobrinho, por ter assassinado o pai.

Não posso admitir que tenham sido prestados auxílios materiais e espirituais a um sobrinho, que tivesse tirado a vida da mãe, que compunha a ilustre família Delmanto. Mas o sobrinho, que tira a vida de um cunhado, é coisa diversa. Principalmente se for em defesa da própria mãe.

Eis o cenário, por muitos vislumbrado, no qual não vejo imperfeição lógica, para o crime da rua Cuba: Jorginho matou o pai, após este ter assassinado a esposa. Uma solução que talvez possa ser acoimada de pirandeliana. De fato, cosi è, se vi pare.

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4. Para a caracterização de ato ilícito, é imprescindível ofensa a normas de

conduta preexistentes, de sorte não haver ilícito se inexistente procedimento

contrário ao direito.

Não por acaso o art. 188, I, do atual Código Civil (que corresponde

parcialmente ao art. 160 do CC/1916), proclama não constituir ato ilícito “os

praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”.

Porém - não é menos verdade -, o exercício de qualquer direito deve-se

adstringir ao âmbito da proporcionalidade, de sorte que aquele que, conquanto

exercendo um direito reconhecido, atinge injustamente bem jurídico de outrem,

causando-lhe mal desnecessário, comete abuso de direito, indenizável o dano

também em resposta aos excessos do causador.

SILVIO RODRIGUES considera que:

o abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a fi nalidade social do direito subjetivo, e, ao utilizá-lo desconsideradamente, causa dano a outrem. Aquele que exorbita no exercício do seu direito, causando prejuízo a outrem, pratica ato ilícito, fi cando obrigado a reparar. Ele não viola os limites objetivos da lei, mas, embora os obedeça, desvia-se dos fi ns sociais a que esta se destina, do espírito que a norteia (Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 49).

Portanto, com exceção das hipóteses de responsabilidade objetiva previstas

no sistema de responsabilidade civil, não se concebe o dever de indenização se

ausente o dolo, a culpa ou o abuso de direito.

Precisamente no que concerne aos ilícitos atentatórios contra a honra,

mostra-se lapidar o magistério de RUI STOCO, que, dissertando acerca do

elemento subjetivo de condutas desse jaez - por parte da doutrina chamado

de dolo específi co -, aduz que “há de emergir clara a intensão de benefi ciar-

se ofendendo, de enaltecer-se diminuindo ou ridicularizando o outro, ou

de ofender, seja por mera emulação, retorsão, vingança, rancor ou maldade”

(Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,

2004, p. 781).

5. Nesse passo, no caso posto em julgamento, a despeito do esforço

argumentativo dos recorrentes, afi gura-se acertada a decisão do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo.

5.1. Primeiramente, não se extrai dos excertos transcritos na inicial,

retirados da obra “Crimes Famosos”, qualquer intuito específi co de denegrir

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a imagem ou a honra do recorrido Jorge Delmanto Bouchabki, tampouco da

memória do seu falecido pai.

Em realidade, as conclusões exaradas pelo autor da obra estão adstritas ao

âmbito das suposições, cogitações e versões acerca do “Crime da Rua Cuba”.

Essa é a única solução a partir da leitura contextual do capítulo da obra que

ensejou a presente demanda, notadamente dos seguintes trechos que destaco:

“Até hoje, porém, não se chegou à conclusão defi nitiva e absoluta de quem foi o autor dos homicídios”; “Atrevi-me a extrair, de todo o contexto, uma conclusão que me parece possível”; “Só restava então como possível homicida o marido, com o qual Maria Cecília discurtira, na noite do crime”; “Vai daí, inclino-me a aceitar versão por muitos abraçada, de que Maria Cecília foi morta pelo marido. E este teria sido assassinado pelo fi lho”; “Eis o cenário, por muitos vislumbrado, no qual não vejo imperfeição lógica, para o crime da rua Cuba: Jorginho matou o pai, após este ter assassinado a esposa. Uma solução que talvez possa ser acoimada de pirandeliana. De fato, cosi è, se vi pare”. (sem grifo no original)

Daí já se percebe que as “conclusões” do recorrido acerca do crime, cujas investigações policiais envolveram como principal suspeito o primeiro autor, Jorge Delmanto Bouchabki, não possuem, deveras, a pretensão de imputar autoria certa e inquestionável a quem quer que seja, mas apenas de fazer ilações sobre versões possíveis e “abraçadas por muitos” acerca de crime que, como sói acontecer no caso de clamor público, acabou por permear a generalidade dos noticiários da época e, como agora se percebe, também da doutrina criminal.

Com efeito, muito embora as frases em relação às quais os recorrentes chamam a atenção possam causar estranheza ao julgador, quando analisadas isoladamente (por exemplo “Maria Cecília foi morta pelo marido. E este teria sido assassinado pelo fi lho” ou “Jorginho matou o pai, após este ter assassinado a esposa”), a bem da verdade, as teses voltadas à responsabilidade civil do recorrido não sobrevivem depois da análise contextual das declarações pretensamente ofensivas.

5.2. Por outro lado, em relação ao dolo com o qual teria agido o recorrido ao conceder entrevista sobre o livro, também não colhe êxito a irresignação, porquanto, a despeito da degravação das falas constante da inicial, não se pode, com segurança, extrair da palavra escrita, limitada que é por natureza, a aparente intenção do emissor das declarações orais.

Para melhor compreensão, transcrevo os fundamentos da sentença, no que concerne à entrevista veiculada no “Programa Jô Soares”, transmitido pela Rede Globo de Televisão e pela Rádio CBN:

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A entrevista teve início com a apresentação do paciente, defi nido como um dos grandes advogados criminalistas do País. Em seguida, foram feitas referências aos seus livros editados e a particularidade de seu passado e de sua mocidade. E no desenrolar dela, após referências a um criminoso denominado Meneghetti e ao crime envolvendo PC Farias, o apresentador indagou-lhe sobre o crime da Rua Cuba.

O paciente, então, fez uma breve referência a sua amizade com o Advogado Dante Delmanto e, instado, fez um apanhado muito rápido do fato em si, para concluir que Jorge Toufi c Bouchabki foi o autor da morte da esposa, Cecília, e que Jorge Delmanto Bouchabki, foi o autor da morte do primeiro.

(...)

Ninguém ofende por nada, sem razão e sem motivo, mormente quando sabe das conseqüências jurídicas decorrentes da conduta dessa natureza. Além disso, quem quer ofender não elogia. E o paciente, no curso da entrevista, não só esclareceu que Jorge Bouchabki havia sido absolvido, o que para o leigo dá a exata idéia de irresponsabilidade penal pelo ato imputado, como chegou a elogiá-lo, atribuindo a ele a característica de retidão moral.

(...)

Não bastasse isso, e como argumento principal, o fato objetivo é que o exame imparcial e sem conteúdo emocional da entrevista não dá ensejo a dúvida sobre a absoluta falta de intenção do paciente em ofender quem quer que fosse. Evidencia, sim, uma conclusão pessoal de um técnico, interessado no estudo do caso, de resto comentado por todos, juristas e leigos, e já inscrito nos anais da história judiciária, sem qualquer conotação com afi rmações maldosas, direcionadas intencionalmente a ferir os querelantes e familiares.

No exame da fi ta não se pode sequer cogitar que o paciente, ainda que em momento infi nitamente pequeno, estivesse imbuído, impregnado mesmo, da intenção menor de caluniar os querelantes ou ofender a memória de seu pai. Limitou-se a externar, porque instado, sua conclusão acerca dos crimes, após uma anterior análise técnica (no livro) dos dados, fatos e elementos circunstanciais dos homicídios, interpretando o fato em si em ensaio direcionado aos que lidam com o direito. (fl s. 752-753)

Nesse particular, aliás, a sensibilidade do julgador, quando analisou o habeas

corpus mencionado na sentença, deixou claro que:

No caso concreto, após o exame atento da degravação do aúdio e captura de imagens da fi ta de vídeo ... e após tê-la assistido reiteradas vezes, e, ainda, sem descurar que a avaliação de um delito contra a honra tem muito de subjetivo, não é possível qualifi car de dolosa a conduta do paciente (e-STJ-fl s 751).

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Assim, pelo óbice da Súmula n. 7, a conclusão a que chegou o acórdão acerca

da ausência de dolo, o qual, a sua vez, confi rmou a sentença de improcedência,

não se desfaz nessa instância superior.

5.3. Afastado o dolo do recorrido em imputar fato desabonador ao

recorrente Jorge Delmanto e à memória de seu falecido pai, passa-se a analisar a

ocorrência de abuso de direito ou culpa, caracterizada esta pela clássica tríade da

negligência, imprudência ou imperícia.

Nessa linha de argumentação, na relatoria do REsp n. 680.794-PR, afi rmei

entendimento acerca da liberdade de informação, que foi sufragado por esta e.

Quarta Turma.

Afi rmou-se naquela ocasião - com as adequações exigidas diante das

diferenças de situações - que a liberdade de informação assume um caráter

dúplice. Vale dizer, é direito de informação tanto o direito de informar quanto

o de ser informado, e, por força desse traço biunívoco, a informação veiculada

pelos meios de comunicação deve ser verdadeira, pois a imprensa possui a

profícua missão - como bem assinalado por Darcy Arruda Miranda - de

“difundir conhecimento, disseminar cultura, iluminar as consciências, canalizar

as aspirações e os anseios populares, enfi m, orientar a opinião pública no sentido

do bem e da verdade” (Comentários à lei de imprensa. 3 ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1995, p. 69).

Nada obstante, se, por um lado, não se permitem a leviandade por parte

de quem informa e a publicação de informações absolutamente inverídicas que

possam atingir a honra de pessoas, não é menos certo, por outro ângulo, que da

atividade informativa não são exigidas verdades absolutas, provadas previamente

em sede de investigações no âmbito administrativo, policial ou judicial.

Exige-se, em realidade, uma diligência séria que vai além de meros rumores,

mas que não atinge, todavia, o rigor judicial ou pericial, mesmo porque os meios

de informação não possuem aparato técnico ou coercitivo para tal desiderato.

Nessa mesma linha, a eminente Ministra Nancy Andrighi, na relatoria

do REsp n. 984.803-ES, lançou voto elucidativo acerca dos limites e deveres

investigatórios da imprensa:

Embora se deva exigir da mídia um mínimo de diligência investigativa, isso não signifi ca que sua cognição deva ser plena e exauriente à semelhança daquilo que ocorre em juízo. A elaboração de reportagens pode durar horas ou meses, dependendo de sua complexidade, mas não se pode exigir que a

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mídia só divulgue fatos após ter certeza plena de sua veracidade. Isso se dá, em primeiro lugar, porque a recorrente, como qualquer outro particular, não detém poderes estatais para empreender tal cognição. Ademais, impor tal exigência à imprensa signifi caria engessá-la e condená-la a morte. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e efi caz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial (REsp n. 984.803-ES, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 26.05.2009).

Afirma-se, com segurança, que o dever de veracidade ao qual estão

vinculados os órgãos de imprensa não deve consubstanciar-se dogma absoluto,

ou condição peremptoriamente necessária à liberdade de imprensa, mas um

compromisso ético com a informação verossímil, o que pode, eventualmente,

abarcar informações não tão precisas.

Com efeito, a questão resolve-se mesmo a partir da imposição de uma

prudente diligência por parte de quem noticia fatos potencialmente ofensivos a

outrem, prudência esta a ser extraída objetivamente da conduta realizada.

5.4. No caso concreto, a bem da verdade, as “conclusões” a que chegou

o recorrido acerca do “Crime da Rua Cuba” encontram-se no âmbito das

incertezas, das ilações plausíveis, as quais, aliás, podem estimular o estudo e a

formação acadêmica do profi ssional do direito - a quem, principalmente, era

dirigida a obra.

O recorrido não se descurou, antes de proclamar as assertivas ora acoimadas

por ofensivas pelos recorrentes, de ressaltar que se tratava de “conclusão

possível”, de inclinação à “versão por muitos abraçada”, de “cenário, por muitos

vislumbrado”, no qual não haveria imperfeição lógica, enfi m, de uma “conclusão

pirandeliana”, como alusão ao dramaturgo Luigi Pirandello e à sua clássica obra

“Assim é, se lhe parece” (cosi è, se vi pare), circunstância que sinaliza o intuito do

autor da obra em fl ertar mesmo com as certezas e incertezas que emergiam dos

fatos e, sobretudo, apoiadas na visão de cada observador.

Não houve, portanto, culpa ou abuso de direito, quando interpretada a

moldura fática apresentada pelo Tribunal de origem.

6. Ressalte-se, por fi m, que a educação e o ensino são regidos pelo princípio

da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o

saber” (art. 205, inciso II, da CF/1988 e art. 3º, inciso II, da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional - Lei n. 9.394/1996), positivação esta que protege

e garante a máxima, por todos conhecida, de que os espaços acadêmicos - e,

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por consequência, a literatura a estes direcionada - são ambientes propícios à

liberdade de expressão e genuinamente vocacionados a pesquisas e conjecturas.

7. De resto - e apenas com escopo informativo -, em consulta à 2ª edição

do livro “Crimes Famosos”, particularmente no fecho do capítulo dedicado ao

“Crime da Rua Cuba”, verifi ca-se não mais haver alusão à eventual autoria do

delito, antes cogitada como sendo do primeiro recorrente e do seu falecido pai.

Constam, como substitutivo, relatos acerca da retirada da antiga conclusão

- ressaltando o autor tratar-se de “conclusão pirandeliana” - e dos diversos

processos movidos pelo primeiro recorrente contra o recorrido, inclusive de

natureza criminal.

Quanto a estes últimos, as queixas-crimes foram trancadas, com decisão

confi rmatória deste e. Superior Tribunal (v.g. REsp n. 709.835-SP, relator Min.

José Arnaldo da Fonseca).

8. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

VOTO VENCIDO

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Sr. Presidente, com a devida vênia, se a questão se limitasse à publicação de um livro vocacionado ao estudo do Direito, concordaria com o voto do Relator, principalmente porque foi esclarecido que nesse livro foi citada a sentença de impronúncia. Seria, então, relevante a alegação de liberdade de manifestação e crítica acadêmica.

No caso em exame, penso que excedeu aos limites do ensino jurídico a entrevista concedida em um programa de televisão, que não é destinado ao público estudioso do Direito, mas à população em geral, em que o recorrido manifesta a sua opinião, embora esclarecendo que houve a sentença de impronúncia, afi rmando que, em sua opinião, o ora autor/recorrente foi, ao que tudo indica, o responsável pela morte do pai, após este haver assassinado a mãe.

Creio que se isso não for reconhecido como ofensivo à honra sequer para efeitos de reparação civil, não haveria para o autor nenhuma possibilidade de se resguardar desse tipo de afi rmação, que não será mais possível apreciar, no âmbito do Poder Judiciário, uma vez que ele já respondeu a esta acusação, foi impronunciado por falta de provas, e, depois, tentando o Ministério Público reabrir a questão, não foi possível, em face da prescrição. É, ao meu sentir, uma assertiva muito ofensiva, e causadora de dano moral, a divulgação, num

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programa de televisão de notório renome, em canal aberto, que a versão mais condizente com os fatos apurados nas investigações é que ele teria matado o próprio pai, após o pai haver matado a mãe.

Penso que a circunstância de o autor ser um reconhecido penalista, antes agrava, no caso, a seriedade e o efeito moral da sua opinião manifestada num meio de comunicação de ampla divulgação de que, apesar de impronunciado, foi ele o autor, ao que tudo indica, o mais provável assassino de seu pai, e penso que também é altamente lesivo à memória do pai dos três recorrentes a afi rmação, na mesma entrevista, de que, ao que tudo indica, foi a mãe/esposa assassinada pelo pai/marido.

Para que se confi gure a responsabilidade civil não é necessário que haja dolo de ofender a honra. Basta a afi rmação, feita e divulgada publicamente, de forma consciente, com conteúdo lesivo à honra objetiva ou subjetiva da vítima. A prevalecer a tese da ausência de responsabilidade sequer civil, a pessoa, numa situação dessa, acusada de ter matado o pai, depois de responder a processo criminal, fi ca sujeita a ter, perpetuamente, não só estampado num livro dedicado ao ensino do Direito, mas também, por meio da divulgação desse livro em televisão, esse veredicto, de que foi impronunciado por falta de prova, mas que expoentes da ciência jurídica consideram que, na verdade, foi ele quem matou o pai, depois de o pai haver matado a mãe. Penso que isso ultrapassa os limites do direito de expressão e, com a devida vênia, considero presente o dever de indenizar civilmente o ofendido.

Portanto, com a máxima vênia do voto do Relator, dou provimento ao recurso especial.

VOTO

O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Sr. Presidente, realmente, a posição

manifestada pela eminente Ministra Maria Isabel Gallotti é muito ponderável.

Apenas, a difi culdade que eu teria nesse caso seria ultrapassar a fronteira da

Súmula n. 7, porque para se chegar a uma conclusão diversa, não tenho como

somente, objetivamente, identifi car. Em relação ao conteúdo do livro, sem

dúvida nenhuma que a conclusão do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão se

enquadra no meu pensamento.

A questão da entrevista na televisão é mais séria. Realmente, não é

necessário ir-se à televisão para a difusão do pensamento jurídico. A minha

difi culdade é quanto a parte da televisão, que é em que realmente se poderia

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assinalar a possibilidade, ante as ponderações da Sra. Ministra Isabel Gallotti, de ter realmente havido essa extrapolação. Todavia, não se tem como extrair dos elementos dos autos uma conclusão de que a entrevista teria desbordado do aspecto acadêmico, sem que se revolva a matéria de fato, se aprecie a mídia. Admito que se possa dar uma entrevista sobre algum tema tormentoso que esteja em debate na sociedade, foi um crime realmente bárbaro e houve acusação em relação ao fi lho do casal, e agora essa versão de que, morta a mãe, o fi lho teria assassinado o próprio pai.

Tenho a difi culdade aqui, no caso, de, somente pelo que está posto no acórdão, chegar a uma conclusão diferente, em relação ao caráter da entrevista dada ao programa de televisão. Daí porque acompanho o voto do eminente Relator em relação ao primeiro tema, por considerar que efetivamente o caráter da obra é acadêmico. Em relação à entrevista, eu efetivamente não chego a tanto, porque em muito me impressionam as razões e os fundamentos apresentados pela eminente Ministra Isabel Gallotti.

Mas, para que houvesse uma convicção maior a respeito, teria de examinar o próprio conteúdo, contexto da entrevista, a forma como foi dada, já que sendo possível discutir um crime em um programa de televisão, gostaria de saber realmente se houve um contexto mais sensacionalista ou não e, efetivamente, teria de examinar a mídia, não apenas a transcrição. A forma de se fazer a entrevista, o tom de se dirigir ao entrevistado, o tom que o entrevistado usa, todo o contexto realmente tem que ser enfrentado. É inviável se fazer isso no Superior Tribunal de Justiça, ante o óbice da Súmula n. 7.

Acompanho o voto do Sr. Ministro Relator, com essas ressalvas, negando provimento ao recurso especial.

VOTO-VOGAL

O Sr. Ministro Raul Araújo: Sr. Presidente, gostaria de justifi car meu voto e o faço em atenção ao eminente Dr. Samuel Mac Dowell de Figueiredo, a quem também cumprimento pela brilhante sustentação que produziu, e, em razão das fundamentações densas do voto da eminente Ministra Isabel Gallotti. Entendo que a entrevista não foi acerca daquele crime, quer dizer, o promovido não foi ao programa para falar sobre esse fato, mas, sim, sobre seu livro, sua obra e sobre sua vida.

No meio da entrevista, o entrevistador pôde indagar sobre crimes de ação penal pública incondicionada que não foram solucionados, terminaram sem uma

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solução acerca da identifi cação dos responsáveis por sua ocorrência, sendo assim fatos de interesse público que me parece legitimam os estudiosos da ciência penal, do Direito Penal, a prosseguirem nessa discussão, em tese, a respeito da ocorrência desses lamentáveis fatos, desde que, naturalmente, o façam sem exageros, sem essas roupagens que preocuparam o eminente Ministro Aldir Passarinho Junior quando se referiu ao conteúdo midiático.

Entendo que aqui não houve qualquer exagero ou que, pelo menos, nada disso foi percebido pelo eminente Ministro Relator, como também não foi percebido nas instâncias ordinárias. Por essa razão, acompanhei S. Exa. e agora justifi co meu voto nesses termos.

RECURSO ESPECIAL N. 1.215.189-RJ (2009/0148899-4)

Relator: Ministro Raul Araújo

Recorrente: A G de O M

Advogado: Luiz Fernando Pinto Palhares e outro(s)

Recorrido: M P D

Advogado: Clovis Murillo Sahione de Araujo e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Processual Civil. Civil. Direito de família.

Investigação de paternidade. Anulação de registro civil. Coisa julgada.

Extinção de processo anterior sem resolução de mérito (CPC, art.

267, VI). Carência de ação. Possibilidade de ajuizamento de nova

ação (CPC, art. 268). Vícios anteriores sanados. Multa do art. 538,

parágrafo único do CPC. Afastamento. Recurso parcialmente provido.

1. Nas hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito,

por carência de ação (CPC, art. 267, VI), não há coisa julgada material,

mas apenas coisa julgada formal - a qual, em regra, inviabiliza somente

a discussão da controvérsia no mesmo processo, não em outro. Suprido

o vício detectado na demanda anterior, é possível o ajuizamento de

nova ação, observado o disposto no art. 268 do CPC.

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2. No caso dos autos, a nova ação ajuizada pela ora recorrida -

ação de investigação de paternidade c.c. anulação de registro civil - vem

escoimada dos vícios identifi cados na demanda anterior, na medida

em que estão confi gurados o interesse processual, em seu binômio

necessidade-utilidade ou necessidade-adequação, e a possibilidade

jurídica do pedido.

3. É possível a cumulação, no âmbito de uma mesma ação, dos

pedidos de investigação de paternidade e de anulação ou retifi cação do

registro de nascimento, tendo em vista que a modifi cação do registro é

consequência lógica da eventual procedência do pedido investigatório.

4. Não se deve perder de vista que a pretensão deduzida na

investigação fundamenta-se no direito personalíssimo, indisponível

e imprescritível de conhecimento do estado biológico de fi liação,

consubstanciado no princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana (CF, art. 1º, III), encontrando apoio na busca da verdade real.

Destarte, máxime em ações de estado, não se apresenta aconselhável

privilegiar a coisa julgada formal em detrimento do direito à

identidade genética, consagrado na Constituição Federal como direito

fundamental, relacionado à personalidade.

5. Descabe, assim, na espécie, recusar o ajuizamento da nova ação

(CPC, art. 268), quando há apenas coisa julgada formal decorrente da

extinção do processo anterior e a ação posteriormente proposta atende

aos pressupostos jurídicos e legais necessários ao seu processamento.

6. Os embargos de declaração, no caso, foram opostos pelo ora

recorrente com o intuito de prequestionar a matéria inserta no art.

471 do Estatuto Processual Civil. Tal o desiderato dos embargos, não

há por que inquiná-los de protelatórios, devendo ser afastada a multa

aplicada pela eg. Corte local em sede de declaratórios (Súmula n. 98-

STJ).

7. Recurso especial parcialmente provido, apenas para afastar a

multa aplicada no julgamento dos embargos de declaração.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,

decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

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especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria

Isabel Gallotti e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior. Ausente,

justifi cadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Presidiu o julgamento

o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Sustentou oralmente o Dr. Luiz Fernando

Pinto Palhares, pela parte recorrente.

Brasília (DF), 02 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Raul Araújo, Relator

DJe 1º.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Raul Araújo: Trata-se de recurso especial interposto por A.

G. DE O. M., com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal,

contra acórdão, proferido pelo c. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro, assim ementado:

Agravo de instrumento. Investigação de paternidade c.c. anulação de registro civil. Possibilidade de cumulação. Coisa julgada material. Inexistência.

É firme o entendimento jurisprudencial no sentido da possibilidade de cumular ação de investigação de paternidade com anulação de registro civil, bem como pode ser provada nos autos da investigatória a falsidade de registro com o seu cancelamento.

Não há coisa julgada material quando a sentença proferida, embora transitada em julgada, não apreciou o mérito.

Recurso desprovido, nos termos do voto do Desembargador Relator. (fl . 284)

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados, com aplicação da

multa prevista no art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Em suas razões recursais, o ora recorrente alegou que o v. aresto recorrido

incorreu em divergência jurisprudencial e em violação aos arts. 268, 468, 471,

535 e 538, parágrafo único, do Estatuto Processual Civil, sustentando, em

síntese, que:

(I) a extinção do processo sem resolução do mérito, por carência de ação

(CPC, art. 267, VI), obsta o autor de intentar nova ação, ante o óbice da coisa

julgada material e a impossibilidade de o julgador analisar novamente questões

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já decididas. Para tanto, colacionou nos autos os seguintes precedentes do

Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 103.584-SP, REsp n. 191.934-SP e REsp

n. 228.924-RS;

(II) “não se discute nos autos a possibilidade teórica” de cumulação dos

pedidos de investigação de paternidade e de anulação de registro civil, “mas

apenas se é possível a repetição ipsis litteris de ação anteriormente proposta

e da qual o autor foi julgado carecedor da mesma por acórdão transitado em

julgado. Mesmo como argumento não procede, d.v., porque a circunstância de

algumas decisões posteriores contrárias à decisão que constituiu a coisa julgada

representa apenas a volatividade da jurisprudência que, no próprio Tribunal onde

proferidas, também encontra julgados com o mesmo entendimento proclamado

na decisão do eg. 6º Grupo de Câmaras Cíveis” (fl . 298);

(III) deve ser afastada a multa imposta no julgamento dos embargos

declaratórios, porquanto estes foram apresentados com a finalidade de

prequestionar o art. 471 do CPC, o que descaracteriza eventual intuito

protelatório e permite a aplicação da Súmula n. 98-STJ.

Requereu, ao fi nal, o provimento do recurso especial, extinguindo-se o

processo, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, V, do Código

de Processo Civil, bem como afastando-se a multa aplicada nos embargos de

declaração.

Em um primeiro momento, o c. Tribunal de Justiça estadual estabeleceu

a retenção do recurso especial, nos termos do art. 542, § 3º, do CPC. No

entanto, por meio da análise da PET n. 6.626-RJ, o eminente Ministro

Fernando Gonçalves, Relator do feito em questão, determinou seu imediato

processamento.

Encaminhados os autos a esta Corte de Justiça, na forma de agravo de

instrumento, foram, oportunamente, atribuídos a este Relator, em virtude da

aposentadoria do e. Ministro Fernando Gonçalves.

Instado a se manifestar, o d. órgão do Ministério Público Federal, no

parecer de fl s. 345-352, opinou pelo afastamento do óbice da Súmula n. 7-STJ

e o consequente “provimento do agravo, com a determinação de seguimento do

apelo especial”.

Após o retorno dos autos, considerando a relevância da questão

controvertida, converteu-se o agravo de instrumento em recurso especial (fl .

354), os quais foram conclusos a este Relator, em 11 de novembro de 2010.

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A seguir, no dia 17 do mesmo mês, o ora recorrente apresentou, perante este Tribunal Superior, a MC n. 17.447-RJ, requerendo a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso especial, tendo em vista que o d. Juiz da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Leopoldina-RJ designou o dia 1º de fevereiro de 2011, às 15:30h, para a realização da audiência de instrução e julgamento, no âmbito da ação de investigação de paternidade c.c. anulação de registro de nascimento. Salientou que eventual provimento do apelo especial, com o reconhecimento da coisa julgada, por certo, obstaculizará o processamento daquela ação e, assim, esvaziará o direito da autora.

Considerando o caráter de urgência da demanda, determinou-se a intimação do d. Ministério Público Federal, para manifestar-se acerca do mérito da controvérsia, facultando-lhe a possibilidade de aplicação do disposto no parágrafo único do art. 64 do RISTJ (fl s. 361-362).

No parecer de fls. 364-374, ressaltou o Parquet, preliminarmente, a necessidade de correção da petição de recurso especial, por estar “incompleta, eis que inicia-se à fl . 298 e termina às e-STJ fl . 315”. No mérito, opinou pelo provimento do recurso, a fi m de que “seja reconhecida a existência de coisa julgada na espécie, impedindo o trâmite da nova demanda proposta pela ora recorrida sem a correção da eiva que levou ao primevo julgamento de extinção do feito sem resolução do mérito e, ainda, para que seja afastada a multa imposta ao recorrente em sede de embargos de declaração (CPC, artigo 538, parágrafo)”.

Autos conclusos em 26 de novembro de 2010.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): De início, cumpre esclarecer que não prospera a preliminar suscitada pelo d. Ministério Público Federal de incompletude da petição de recurso especial, na medida em que efetivamente consta dos autos seu inteiro teor.

Com efeito, a referida petição inicia-se às fl s. 298-315 (volume 2), tendo continuidade e término às fl s. 15-17 (volume 1). Isso ocorreu porque nos autos físicos houve juntada em separado dessa peça recursal e, por conseguinte, no momento da formação do processo eletrônico, o setor competente deste Tribunal, para não destoar do que constava do processo físico, teve que proceder à dupla indexação da petição do apelo especial. No entanto, tal fato não impede ou impossibilita a leitura da petição supracitada em sua integralidade.

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Afastado, assim, o mencionado vício e preenchidos os requisitos de

admissibilidade recursal, inclusive pelo afastamento de eventual aplicação da

Súmula n. 7-STJ, por se tratar de nítida questão de direito, cabível o exame do

mérito do recurso especial.

No que tange à alegada ofensa ao art. 535 do CPC, cumpre ressaltar que

o recorrente fez apenas menção genérica de sua vulneração, apresentando uma

fundamentação defi ciente que impede a exata compreensão da controvérsia.

Incide, na hipótese, a Súmula n. 284-STF. Nesse sentido, salienta o e. Ministro

Sidnei Beneti, que “a ausência de demonstração de como ocorreu a ofensa ao art.

535, do CPC é defi ciência, com sede na própria fundamentação da insurgência

recursal, que impede a abertura da instância especial, a teor do Enunciado n.

284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, também

ao Recurso Especial” (AgRg no Ag n. 1.162.073-MG, 3ª Turma, DJe de

12.05.2010).

No mais, o deslinde da controvérsia demanda a análise das seguintes

questões: (I) a extinção do processo sem resolução de mérito, por carência de

ação (CPC, art. 267, VI), confi gura coisa julgada material ou formal; (II) tal

desiderato inviabiliza o ajuizamento de nova ação, nos termos do art. 268 do

CPC; (III) o fundamento de extinção do feito, por falta de interesse processual

e impossibilidade jurídica do pedido - consubstanciado na inviabilidade de

cumulação, em uma mesma ação, dos pedidos de investigação de paternidade e

de anulação de registro de nascimento - seria capaz de desautorizar a propositura

de nova demanda; (IV) é viável a referida cumulação de pedidos no âmbito de

uma mesma ação.

Relativamente à primeira questão, cumpre salientar que a extinção do

processo sem exame de mérito (CPC, art. 267) tem o condão de produzir, em

regra, coisa julgada formal, ao passo que as decisões que resolvem o mérito da

demanda (CPC, art. 269) resultam em coisa julgada material. Assim, se o feito

transita em julgado, com base em decisão que aplicou alguma das hipóteses

de extinção previstas no mencionado art. 267 do Diploma Processual, torna-

se inviável qualquer discussão da controvérsia no âmbito do mesmo processo,

mas não em outro. Nesse caso, a imutabilidade do julgado opera-se de forma

endoprocessual.

Acerca da temática, “a doutrina costuma conceituar as chamadas sentenças

defi nitivas como sendo aquelas por meio das quais se põe fi m ao processo com

resolução de mérito, aplicando uma das hipóteses do art. 269 do CPC, ao

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passo que as chamadas sentenças terminativas são aquelas que põem fi m ao

processo sem exame de mérito, aplicando um dos casos do art. 267 do CPC.

Trata-se de lição bastante tradicional cujo objetivo principal é o de afi rmar que

sentenças defi nitivas, por resolverem o mérito da demanda, têm aptidão para

fi car acobertadas pela coisa julgada material, enquanto as terminativas, por não

versarem sobre o objeto litigioso do processo, não têm, submetendo-se apenas

à coisa julgada formal (...). A coisa julgada formal é a imutabilidade da decisão

judicial dentro do processo em que foi proferida, porquanto não possa mais

ser impugnada por recurso - seja pelo esgotamento das vias recursais, seja pelo

decurso do prazo do recurso cabível. Trata-se de fenômeno endoprocessual,

decorrente da irrecorribilidade da decisão judicial. Revela-se, em verdade, como

uma espécie de preclusão (...), constituindo-se na perda do poder de impugnar

a decisão no processo em que foi proferida. Seria a preclusão máxima dentro

de um processo jurisdicional. Também chamada de ‘trânsito em julgado’ (...). A

coisa julgada material é a indiscutibilidade da decisão judicial no processo em

que foi produzida e em qualquer outro. Imutabilidade que se opera dentro e

fora do processo. A decisão judicial (em seu dispositivo) cristaliza-se, tornando-

se inalterável. Trata-se de fenômeno com efi cácia endo/extraprocessual.” (in

DIDIER JÚNIOR, Fredie, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira. Curso de

Direito Processual Civil: Direito probatório, decisão judicial, cumprimento

e liquidação da sentença e coisa julgada, Vol. 2, 2ª ed., Salvador: Jus Podivm,

2008, pp. 310-311 e 553).

Destarte, a decisão transitada em julgado, fundada na extinção do processo

sem resolução de mérito (CPC, art. 267), está sob o manto da coisa julgada

formal e não material, o que, em tese, possibilita o ajuizamento de nova ação,

nos termos do art. 268 do Estatuto Processual, in verbis:

Art. 268. Salvo o disposto no art. 267, V, a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação. A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado.

Parágrafo único. Se o autor der causa, por três vezes, à extinção do processo pelo fundamento previsto no n. III do artigo anterior, não poderá intentar nova ação contra o réu com o mesmo objeto, fi cando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito.

Contudo, essa regra não é absoluta, porquanto, além da exceção

explicitamente prevista no referido art. 268 - no sentido de não ser possível

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intentar nova ação nos casos de extinção do feito sem resolução de mérito com base no inciso V do art. 267 (acolhimento de perempção, litispendência ou coisa julgada) -, existe também construção jurisprudencial e doutrinária que delineia ser necessário observar, em cada caso concreto, a possibilidade de novo ajuizamento da ação anteriormente extinta, ainda que sem resolução de mérito. Afi rma-se, para tanto, que há hipóteses em que a extinção do feito enseja análise, embora superfi cial, do mérito da controvérsia, de maneira que a propositura de nova demanda entre as mesmas partes, fundada no mesmo pedido e causa de pedir - como mera repetição da ação anteriormente ajuizada - poderia frustrar o propósito da própria jurisdição, bem assim do instituto da coisa julgada, ainda que formal. Entende-se, portanto, que, nessas hipóteses, apenas se for sanado o vício que inviabilizou a ação anterior é que poderia ser aplicado o disposto no art. 268 do CPC.

É o que ocorre, por exemplo, nos casos de extinção do processo sem resolução de mérito, por carência de ação (CPC, art. 267, VI). De fato, reconhecida em ação anterior a ilegitimidade passiva ad causam somente pode ser proposta nova ação, com o mesmo pedido e causa de pedir, se, nesta, constar no polo passivo parte legitimada ou se for superada a ilegitimidade anterior do réu. Do mesmo modo, se for reconhecida a inviabilidade da demanda por ausência de interesse de agir ou por impossibilidade jurídica do pedido, somente será viável o ajuizamento de nova demanda, com base no art. 268 do CPC, se a parte autora sanar os defeitos que ensejaram a propositura da ação anterior, então extinta, ou se restar suprimida a causa que ensejou a dita impossibilidade do pedido ou a falta de interesse processual, ou seja, se, no ordenamento jurídico, por alteração legislativa ou jurisprudencial, tornou-se possível a pretensão que se quer postular em juízo ou, de alguma forma, passou a se caracterizar o interesse do autor na tutela jurisdicional pleiteada.

Com efeito, “a extinção do processo com fundamento em impossibilidade jurídica do pedido não obsta a que o autor venha posteriormente a renová-lo em juízo, nos moldes preconizados pelo art. 268, CPC, sendo de assinalar-se, a título de justifi cativa, que uma determinada pretensão pode, em certo momento, não encontrar respaldo no ordenamento jurídico e o mesmo não se verifi car após o transcurso de certo tempo, em virtude de alterações legislativas ou da própria evolução do entendimento jurisprudencial” (REsp n. 25.297-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ de 20.03.1995).

Sob esse prisma, é salutar a lição do ilustre doutrinador Fredie Didier Junior, in litteris:

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A extinção do processo sem julgamento do mérito não obsta, como regra, a que o autor intente de novo a demanda, desde que seja possível sanar a falha que ensejou o juízo de inadmissibilidade e que se comprove o pagamento das custas processuais e dos honorários de advogado (art. 268 do CPC). A decisão não fi ca imutável pela coisa julgada material, porquanto não tenha examinado o mérito da causa. São as hipóteses que confi guram as chamadas sentenças terminativas ou sentenças processuais.

(...)

Diz-se, com bastante frequência, que as sentenças terminativas, por não versarem sobre o mérito da causa, não impedem a renovação da demanda (art. 268 do CPC). Compreenda-se por renovação da demanda, para evitar desentendimentos, a sua repropositura nos mesmos termos em que apresentada primeiramente.

(...)

A doutrina e a jurisprudência vislumbram, porém, no próprio art. 267 do CPC (que cuida da extinção do processo sem exame do mérito), outras hipóteses, além daquelas previstas expressamente, em que não será permitida a renovação da demanda. Há uma tendência de interpretação extensiva do art. 268 do CPC.

Não se admitirá a repropositura por impossibilidade material, nas hipóteses de sentença fundada no inciso IX do art. 267, tendo em vista o falecimento do autor e a intransmissibilidade do direito pleiteado. Do mesmo modo, não se admite a renovação da causa quando a sentença se tiver baseado no inciso X do mesmo artigo, que cuida da hipótese de extinção em razão da confusão, que é a causa de extinção da própria relação jurídica obrigacional discutida (art. 381 do CC/2002).

(...)

No entanto, parece indiscutível que decisões terminativas fundadas em abandono (de ambas as partes ou só do autor, incisos I e III) e desistência (inciso VIII) não implicam qualquer vedação à repropositura.

(...)

Sobram as hipóteses de extinção por inadmissibilidade previstas no art. 267 do CPC: a) indeferimento da petição inicial, juízo de inadmissibilidade liminar (I); b) falta de pressupostos processuais (IV); c) carência de ação (VI); d) existência de pressupostos negativos (V e VII). Todas elas levam a uma decisão terminativa, que, uma vez transitada em julgado, impede a renovação da demanda sem que se tenham consertado os defeitos identifi cados. O legislador previu isso expressamente no art. 268; a jurisprudência ampliou a vedação para as demais hipóteses. E a razão disso é bem clara: o juízo de inadmissibilidade consiste na aplicação da sanção de invalidade do procedimento; é uma decisão constitutiva negativa, que resolve defi nitivamente a questão da admissibilidade do procedimento; como sanção que é, tem de ser respeitada e cumprida; não teria sentido qualquer interpretação que permitisse

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à parte “escapar” à sanção, renovando a demanda com os mesmos defeitos já identifi cados.

O Juízo de admissibilidade é decisão, tanto quanto o juízo de mérito: possuem, certamente, objeto distinto, mas isso não autoriza a conclusão de que aquele merece tratamento menos rigoroso. O magistrado faz dois juízos: um sobre o processo e outro sobre a relação jurídica discutida, sendo que o primeiro é preliminar ao segundo. A imutabilidade somente pode recair sobre aquilo que foi decidido - obviamente, na extinção do processo sem exame do mérito, não há preclusão sobre a questão de mérito, que não foi apreciada; mas pode haver preclusão quanto à admissibilidade do processo, que foi apreciada. Não há a resolução de mérito, mas há resolução do processo; há decisão, que estabelece um preceito, que precisa ser respeitado. É certo, então, que não se pode retirar do juízo de admissibilidade do processo aptidão de impedir a renovação da demanda, chama-se ou não essa vedação de coisa julgada. (in DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento, Vol. 1, 9ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2008, pp. 524-527, grifo nosso)

O ilustre professor Humberto Th eodoro Júnior, em parecer trazido aos

autos do REsp n. 191.934-SP, também examinou o tema:

Efeitos da extinção do processo por falta de condição de ação.

É comum afi rmar-se que a extinção do processo por falta de condição de ação (CPC, art. 267, n. VI) não faz coisa julgada, porque a lei prevê que, em tal caso, não há óbice “a que o autor intente de novo a ação” (CPC, art. 268).

Acontece que o art. 268 engloba todas as hipóteses de extinção de processo sem julgamento de mérito e diante da variedade das previsões do art. 267, haverá o intérprete de analisar, caso a caso, para aferir em que situação e em que termos poderá se dar o novo ajuizamento da ação frustrada.

(...)

A situação será, ainda mais evidente, quando se tratar das condições de legitimidade ad causam e de possibilidade jurídica do pedido (CPC, art. 267, VI), já que ao tratar delas a sentença extintiva terá penetrado, embora vestibularmente, no terreno do mérito.

Na verdade, o juiz somente pode se pronunciar sobre qualquer das condições da ação fazendo alguma espécie de análise sobre o direito material subjetivo invocado pela parte para pretender a tutela jurisdicional.

Para Calmon de Passos, v.g., não há qualquer distinção entre a impossibilidade da tutela em abstrato e a pretendida no caso concreto. Com efeito, se se vê na própria inicial que falta um requisito para confi gurar o direito, em tese, argüido pelo autor, afi rma-se que há impossibilidade jurídica do pedido deduzido em juízo.

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Mas, se é na instrução que se apura que o autor jamais reuniu o mesmo requisito, o caso será de improcedência do pedido. Qual a diferença de substância entre as duas sentenças? Responde Calmon de Passos: “Nenhuma, rigorosamente nenhuma” (Rev. de Direito Processual Civil, São Paulo, Saraiva, 1964, vol. 4, p. 61).

A legitimidade de parte, por sua vez, somente pode ser apurada mediante investigação da relação de direito material controvertida, pelo que recusar a legitimidade ao litigante para demandar a satisfação de determinado direito subjetivo eqüivale a negar-lhe a respectiva titularidade. Não há, então, maior e mais substancial diversidade de efeitos entre o julgamento que qualifi ca o autor como carecedor da ação e aquele que decreta a improcedência do seu pedido.

(...)

Por isso, Adroaldo Furtado Fabrício não vê distinção substancial relevante entre a “carência de ação” e a “improcedência do pedido”, já que a propositura de uma nova ação entre as mesmas partes, ainda que se tratasse da extinção por falta de condição da ação, somente seria justifi cada pela superação da defi ciência registrada no primeiro processo. Mas, já aí não haveria repetição da mesma ação, e, sim, propositura de outra ação, visto que os elementos desta não seriam exatamente os mesmos da precedente. Objetiva ou subjetivamente, a lide trazida a juízo não se confundiria com a que fora objeto do processo extinto.

(...)

Dizer que, diante da regra genérica do art. 268 do CPC, o autor está sempre livre para forçar o juiz, em novo processo, a reapreciar as razões da sentença que pôs fi m ao processo anterior por falta de condição de ação, não parece a Ronaldo Cunha Campos “posição assentada em regra técnica convincente ou em razão sólida de política legislativa”. A seu douto juízo “inadequado é ter como nenhuma uma decisão válida, por vezes submetida a dois graus de jurisdição (CPC, art. 161, § 1º; 296; 267; 514)”.

(...)

Em suma: para que se confi gure o direito de a parte, em novo processo, deduzir novamente a pretensão que foi objeto, entre as mesmas partes, do processo anterior é necessário que a falta de condição de ação tenha sido superada concretamente. (grifo nosso)

Com espeque nessa orientação doutrinária, a eg. Corte Especial do STJ

fi rmou jurisprudência no sentido de que, embora não se possa falar em coisa

julgada material nas hipóteses de extinção do processo sem resolução de

mérito, por carência de ação, mas em coisa julgada formal - a qual, em regra,

impossibilita apenas a discussão da controvérsia no mesmo processo, não em

outro -, não se pode deixar de considerar que não é devido ajuizar nova ação

(CPC, art. 268), sem que seja suprido o vício detectado na demanda anterior,

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sob pena de subverter-se o sentido maior da preclusão consumativa e, assim,

sujeitar o julgador a rediscutir questão já decidida, em fl agrante ofensa ao

disposto nos arts. 471 e 473 do Diploma Processual Civil.

Convém transcrever a ementa do referido precedente:

Processo Civil. Ação civil pública. Extinção. Ilegitimidade passiva. Repetição da ação. Preliminar de coisa julgada. Regularização da falta de condição da ação. Necessidade. Exegese do art. 268, CPC. Embargos de divergência conhecidos mas desacolhidos.

I - A coisa julgada material somente se dá quando apreciado e decidido o mérito da causa.

II - A extinção do processo sem julgamento de mérito, por falta de legitimidade ad causam, não é passível de formar coisa julgada material, mas sim coisa julgada formal, que impede a discussão da questão no mesmo processo e não em outro. Isso quer dizer que não se pode excluir, prima facie, a possibilidade de o autor repropor a ação, contanto que sane a falta da condição anteriormente ausente.

III - Tendo sido o processo extinto por falta de legitimidade do réu, não se permite ao autor repetir a petição inicial sem indicar a parte legítima, por força da preclusão consumativa, prevista nos arts. 471 e 473, CPC, que impede rediscutir questão já decidida. (EREsp n. 160.850-SP, Rel. Min. Edson Vidigal, Rel. p/ acórdão o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Corte Especial, DJ de 29.09.2003)

Nesse sentido, ainda, podem ser mencionados os seguintes acórdãos: REsp n. 1.006.091-SP, Relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJe de 13.05.2008; AgRg no REsp n. 914.218-PR, Relatora a Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 02.08.2007; REsp n. 456.005-RS, Relator o Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, DJ de 15.10.2007; REsp n. 903.355-DF, Relator o Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 14.06.2007; AgRg no Ag n. 232.205-MG, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Segunda Turma, DJ de 26.06.2000.

Essas valiosas doutrinas e jurisprudência foram colhidas porque o presente caso exibe peculiaridades que recomendam especial atenção quanto à aplicação das normas dos art. 267, VI, e 268, ambos do Código de Processo Civil.

Na hipótese dos autos, a ora recorrida M. P. D. ajuizara, em 1997, ação

ordinária de reconhecimento de paternidade apenas contra o suposto pai e ora recorrente A. G. DE O. M., tendo sido, posteriormente, em razão de determinação do juiz da causa, incluídos no polo passivo dessa demanda também os genitores da autora constantes do assento civil -, ou seja, o pai registral A. B. D. e a mãe C. P. D.(fl . 158), o que ensejou a retifi cação do nomen iuris da ação

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 673

para anulação parcial de registro c.c. investigação de paternidade (ressalte-se, por oportuno, que o nome atribuído à ação é irrelevante para a aferição de sua natureza jurídica, a qual é defi nida com base no pedido e na causa de pedir. Nesse sentido: AgRg no Ag n. 740.560-SP, desta relatoria, DJe de 02.08.2010).

Nessa anterior ação, segundo a promovente, a causa de pedir relacionava-se ao direito da autora, nos termos do art. 27 da Lei n. 8.069/1990 - ECA -, ao reconhecimento de seu real estado de fi liação, mediante investigação da paternidade do primeiro réu, considerando o fato de que, à época da concepção da autora, sua genitora mantinha relacionamento amoroso com o investigado. O pedido, por sua vez, consubstanciava-se no reconhecimento, após a realização de exame de DNA, da paternidade do primeiro réu, e, por consequência, na anulação parcial do assento civil quanto à paternidade do segundo réu e na feitura de novo registro fazendo constar a correta fi liação, com as alterações (fl s. 128-131).

No entanto, esse processo veio ser extinto sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, por entender o d. Juízo a quo que faltava ao pedido de reconhecimento de nova paternidade “o indispensável interesse jurídico, enquanto que não se tenha por anulado o primitivo registro civil”, além de se tratar de pedido juridicamente impossível, “pois o ordenamento jurídico vigente não admite paternidade dupla” (fl . 159) e, portanto, cumulação entre os pedidos de reconhecimento de paternidade e anulação parcial de registro civil. De modo um tanto confuso, entendeu aquele julgador - o mesmo que antes havia determinado a inclusão no processo dos pais constantes do registro civil da promovente e, assim, induzido à retifi cação do nomen iuris da ação - que “a autora não pode, neste processo, contestar a paternidade e ao mesmo tempo investigá-la, haja vista a necessidade de anterior certeza quanto à suposta nulidade de seu assento de nascimento, pena de pretender prestação jurisdicional condicional, o que é vedado em lei” (fl s. 157-160).

Em face dessa sentença foi interposta apelação pela parte autora, a qual se deu provimento.

Todavia, em sede de embargos infringentes, o c. Tribunal de Justiça estadual restabeleceu a r. sentença (fl s. 161-166), olvidando-se do fato de que o interesse material da autora de anulação parcial de seu registro de nascimento somente se confi guraria após a verifi cação da efetiva paternidade do ora recorrente.

Após o trânsito em julgado dessa demanda, a ora recorrida M. P. D.,

procurando seguir o que fi cara, certo ou errado, bem ou mal, defi nido naquela

anterior decisão, ajuizou, em 2006, a presente ação, agora intitulada ação de

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investigação de paternidade c.c. anulação do registro de nascimento, em face das

mesmas pessoas anteriormente abrangidas na demanda. Aponta como causa de

pedir o direito de personalidade de conhecimento, por meio de exame de DNA,

de sua ascendência genética, ou seja, de seu real estado de fi liação, nos termos do

art. 27 do ECA, bem como o direito à retifi cação de seu registro de nascimento.

Fundamentou sua pretensão, para tanto, na existência de relação amorosa, à

época, entre sua genitora e o investigante, e também no fato superveniente de

que, após a realização de exame de DNA, fi cou, defi nitivamente, excluída a

paternidade do segundo réu, o pai registral (fl s. 170, 260-262 e 276) - o referido

exame genético “foi realizado em data posterior à prolação da sentença e do

acórdão proferido no recurso de apelação. Tampouco, foi objeto de consideração

no acórdão proferido no recurso de embargos infringentes” (fl . 262). O pedido, de

outro lado, alicerçou-se na “anulação do registro de nascimento da autora, após

a confi rmação da paternidade atribuída ao primeiro réu, através da expedição

de ofícios aos órgãos competentes, objetivando a retifi cação dos assentos de

nascimento” (fl s. 168-172).

Essa nova ação teve seu processamento deferido pelo d. Juízo a quo, que

afastou a preliminar, suscitada pelo ora recorrente, de ofensa à coisa julgada (fl .

206).

Contra esse decisum, houve a apresentação de agravo de instrumento, o qual

restou improvido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por

entender que a extinção do primeiro feito ensejou coisa julgada apenas formal,

o que viabilizaria o ajuizamento de nova ação. Acrescentou, além disso, que é

possível a cumulação de “ação de investigação de paternidade com anulação de

registro civil, bem como pode ser provada nos autos da investigatória a falsidade

de registro com o seu cancelamento” (fl . 284).

Da análise das petições iniciais de ambas as ações, depreende-se que,

embora fundadas na mesma causa de pedir remota - direito ao conhecimento

da real paternidade genética -, há um outro fundamento de fato a embasar

a segunda demanda - a existência de resultado negativo de exame de DNA,

afastando a paternidade genética do pai registral (causa de pedir próxima), o

qual corrobora ainda mais o interesse processual da ora recorrida à investigação

da paternidade do outro réu e à retifi cação de seu registro de nascimento.

Além disso, nessa segunda ação, justamente para atender ao comando

judicial ditado na primeira, a autora formulou pedido de anulação de seu

registro civil de nascimento - no qual consta como genitor o segundo réu -,

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 675

associando-o à investigação de paternidade do primeiro réu. É que agora o

interesse material de alteração dos assentos civis da autora se baseia não apenas

na verifi cação da efetiva paternidade do ora recorrente, como também no fato de

haver sido descartada a paternidade genética do pai registral.

Nota-se que os pedidos formulados em ambas as ações são sutilmente

diversos, justamente para procurar atender ao comando daquela coisa

julgada formal, produzida na ação anterior. Na primeira demanda, requereu-

se o reconhecimento da paternidade do ora recorrente, alterando-se, por

consequência, os assentos civis, enquanto na segunda, pleiteou-se a anulação

do registro de nascimento em relação ao segundo réu e a averiguação da

paternidade do ora recorrente.

É claro que, neste último caso, a investigação de paternidade do primeiro

réu, se o resultado do exame de DNA for positivo, também irá culminar,

inevitavelmente, no reconhecimento da nova fi liação e, por conseguinte, na

retifi cação do registro de nascimento, pois estes são consectários lógicos daquele

resultado. Entretanto, diante do óbice criado pela decisão judicial anterior,

transitada em julgado, não havia outro modo de a autora alcançar seu direito

subjetivo, senão por intermédio do ajuizamento de nova ação, agora fundada

no pedido aparentemente principal de anulação do referido assento civil -

requisito preliminar exigido pelo Poder Judiciário, na primeira demanda, para a

caracterização de seu interesse processual e da possibilidade jurídica do pedido.

Infere-se, por conseguinte, que, na tentativa de superar o equívoco

produzido na r. sentença de fl s. 157-160 e no v. acórdão de fl s. 161-166, que

confirmou tal decisão, a ora recorrida socorreu-se de nova ação contra as

mesmas partes e fundada na mesma causa de pedir remota, no entanto, procurou

adaptar sua pretensão ao que fora decidido anteriormente, reformulando o

pedido e a causa de pedir próxima. Não há, assim, violação à coisa julgada

formal anteriormente produzida. No ajuizamento da segunda ação, apenas

foram sanados os supostos óbices identifi cados no julgamento da primeira, o

que autoriza a aplicação do art. 268 do Código de Processo Civil.

De fato, quando da propositura da segunda ação, por meio da reformulação

do pedido e da causa de pedir próxima, não mais persistiam os óbices apontados

na primeira demanda. Estavam confi gurados o interesse processual, em seu

binômio necessidade-adequação, bem assim a possibilidade jurídica do pedido,

mormente considerando o entendimento doutrinário e jurisprudencial no

sentido da possibilidade de cumulação entre os pedidos de investigação de

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paternidade e de anulação do registro de nascimento, na medida em que este é

corolário lógico da procedência daquele.

A respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça consagra jurisprudência

no sentido da possibilidade de cumulação entre os pedidos formulados em ação

de investigação de paternidade e de anulação dos assentos civis do investigante,

quanto à paternidade registral, pois o cancelamento deste é simples consequência

da procedência do pedido formulado na investigatória.

A propósito:

Processo Civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade. Registro em nome de terceiro. Cumulação de pedidos contra réus diversos. Possibilidade. Aditamento da inicial.

- A ação de investigação de paternidade independe do prévio ajuizamento da ação de anulação de registro, cujo pedido é apenas conseqüência lógica da procedência da demanda investigatória. Precedentes.

- A pretensão concomitante de ver declarada a paternidade e ver anulado o registro de nascimento não confi gura cumulação de pedidos, mas cumulação de ações.

- É possível o aditamento da inicial para inclusão do litisconsorte unitário. Precedentes.

- Em demanda objetivando a declaração de paternidade e anulação de registro, o suposto pai biológico e aquele que fi gura como pai na certidão de nascimento devem ocupar, em litisconsórcio unitário, o pólo passivo.

Recurso especial não conhecido. (REsp n. 507.626-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 06.12.2004, grifo nosso)

Investigação de paternidade, cumulada com petição de herança. Cancelamento do registro de nascimento. Efeito da sentença de procedência. Citação do pai registral.

– É prescindível o prévio ou concomitante ajuizamento do pedido de anulação do registro de nascimento do investigante, dado que esse cancelamento é simples conseqüência da sentença que der pela procedência da ação investigatória. Precedentes do STJ.

– É litisconsorte passivo necessário o pai registral, cuja citação é de ser efetivada como interessado no desfecho da lide.

Recurso especial conhecido, em parte, e provido parcialmente. (REsp n. 402.859-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 28.03.2005)

Civil e Processual. Agravo regimental. Recurso especial. Investigação de paternidade e anulação de registro. Cumulação. Possibilidade. Recusa ao exame

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

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de DNA. Súmula n. 301-STJ. Alegação de ausência de indícios de paternidade. Súmula n. 7-STJ. Desprovimento. (AgRg no REsp n. 929.982-DF, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJe de 27.08.2010, grifo nosso)

Família. Investigação de paternidade. Negatória de fi liação. Petição de herança. Possibilidade jurídica do pedido. Prescrição. Decadência. ECA.

- O fi lho nascido na constância do casamento, tem legitimidade para propor ação para identifi car seu verdadeiro ancestral. A restrição contida no Art. 340 do Código Beviláqua foi mitigada pelo advento dos modernos exames de DNA.

- A ação negatória de paternidade atribuída privativamente ao marido, não exclui a ação de investigação de paternidade proposta pelo fi lho contra o suposto pai ou seus sucessores.

- A ação de investigação de paternidade independe do prévio ajuizamento da ação anulatória de fi liação, cujo pedido é apenas conseqüência lógica da procedência da demanda investigatória.

- A regra que impõe ao perfi lhado o prazo de quatro anos para impugnar o reconhecimento, só é aplicável ao fi lho natural que visa afastar a paternidade por mero ato de vontade, a fi m de desconstituir o reconhecimento da fi liação, sem buscar constituir nova relação.

- É imprescritível a ação de filho, mesmo maior, ajuizar negatória de paternidade. Não se aplica o prazo do Art. 178, § 9º, VI, do Código Beviláqua. (REsp n. 765.479-RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJ de 24.04.2006, grifo nosso)

Nessa espreita, leciona Maria Berenice Dias:

Em nome da preservação do núcleo familiar e da mantença da paz social, a lei prestigia a relação de paternidade por presunção legal (CC 1.597): o pai é o marido da mãe. Pela presunção pater est, prevalece a paternidade fi ctícia sobre a verdade biológica. Mesmo em época de pleno desenvolvimento da engenharia genética, que permite identifi car com certeza quase absoluta a verdade biológica, permanecem presunções na lei.

Se por um lado a identifi cação dos vínculos de fi liação pela verdade social goza de prestígio cada vez maior, os marcadores genéticos do DNA permitem chegar à verdade biológica com altíssimo grau de certeza. Dita possibilidade ocasionou uma reviravolta nos vínculos de fi liação, desencadeando uma corrida na busca da fi liação natural em substituição à verdade jurídica, defi nida muitas vezes por meras presunções. O direito à identidade genética passou a ser reconhecido como direito fundamental integrante do direito de personalidade, o que tem levado a jurisprudência a aceitar, cada vez com mais desenvoltura, a busca da identifi cação da paternidade. Os avanços são signifi cativos.

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(...)

O reconhecimento do estado de fi liação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível (ECA 27). O fato de esse dispositivo se encontrar em lei que rege direitos de crianças e adolescentes não signifi ca que não se estenda a todos, quer por se tratar de direito fundamental à identidade, quer por não ser admissível tratamento discriminatório com relação a fi lhos (CF 227 § 7º).

(...)

Ainda que alguém esteja registrado como filho de outrem, tal não pode obstaculizar o uso da ação investigatória. Não importa se o registro é falso ou decorreu da chamada adoção à brasileira. Sequer interessa se o investigante tem pai registral, foi adotado ou é fruto de reprodução assistida heteróloga. Em nenhuma dessas hipóteses, pode ser negado acesso à justiça. Nada pode impedir a busca da verdade biológica. Ainda há julgados que se inclinam em reconhecer a impossibilidade jurídica da ação quando o autor tem pai registral e já decorreu o prazo de impugnação ao reconhecimento. No entanto, já se encontra pacifi cada, no âmbito do STJ, a possibilidade da demanda investigatória independentemente da existência da fi liação registral. O assento civil não pode obstaculizar a busca da identifi cação do vínculo biológico. As sequelas registrais são efeitos anexos da sentença, e a simples imposição do limitado prazo de quatro anos para impugnar o registro (CC 1.614) não tem como suplantar a regra maior, que, por atender ao princípio da dignidade da pessoa humana, não prescreve.

O simples fato de algum dia alguém ter feito o registro de uma criança como sendo seu fi lho não pode impedi-la de buscar sua ascendência genética, sob pena de chegar-se a injustifi cável paradoxo: quem não foi registrado, ou seja, quem não faz parte de uma família, pode a qualquer tempo buscar sua identidade biológica. No entanto, aquele que, independentemente de sua vontade, foi registrado por quem não é seu genitor, acaba tendo prazo por demais exíguo para questionar o vínculo parental. Decorrido esse restrito lapso temporal, nunca mais poderia buscar sua verdadeira identidade.

(...)

O direito de conhecer a própria ascendência genética tem resguardo constitucional, pois integra um dos direitos da personalidade. Assim, o fato de estar alguém registrado em nome de outrem não impede o ajuizamento de ação para identificação dos vínculos parentais. Muito se discutiu acerca da necessidade de prévia desconstituição do registro. Argumentam alguns a impossibilidade jurídica do pedido, porquanto, já havendo um pai registral, vedado é investigar outro vínculo de filiação. Contudo, sob o argumento de que a procedência da ação implica, necessariamente, a anulação do registro anterior, seja pela natureza da sentença, seja pela presunção relativa imanente dos registros públicos, pacifi cou-se, no âmbito do STJ, o entendimento de que não se exige prévia desconstituição do assento de nascimento para que se viabilize a perquirição da verdade biológica.

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Jurisprudência da QUARTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 597-680, janeiro/março 2011 679

A existência de registro não pode afastar a busca da verdade biológica a qualquer tempo, até porque se trata de ação de estado, sempre imprescritível. (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 6ª ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 381-394, grifo nosso)

Dada a relevância da questão em apreço, não se pode perder de vista que a pretensão inserta na presente demanda fundamenta-se no direito personalíssimo, indisponível e imprescritível de conhecimento do estado biológico de fi liação, consubstanciado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A controvérsia dos autos está fundada em ação de estado, relevante não apenas ao direito individual das partes, mas também à sociedade (CF, art. 226, caput). Nas palavras de Maria Berenice Dias, “o direito de conhecer a origem genética, a própria ascendência familiar, é um preceito fundamental, um direito de personalidade: direito individual, personalíssimo, que é necessariamente o direito de fi liação” (ob. cit., p. 358).

Destarte, não se apresenta aconselhável privilegiar a coisa julgada formal, de duvidoso acerto, em detrimento do direito à identidade genética, consagrado na Constituição Federal como direito fundamental, relacionado à personalidade do indivíduo. Com efeito, não se pode inviabilizar o ajuizamento de nova ação (CPC, art. 268), quando houver apenas coisa julgada formal na extinção do processo anterior e a ação posteriormente proposta atender aos pressupostos jurídicos e legais necessários ao seu processamento. Deve, ao reverso, ser possibilitado, nesta segunda ação, o conhecimento pela autora de sua real fi liação, com a consequente alteração de seu registro civil de nascimento, se for o caso.

Por essas razões, não prosperam os argumentos do ora recorrente, não merecendo provimento, nessa parte, o recurso especial.

Finalmente, no que tange à alegada ofensa ao art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil, assiste razão ao recorrente.

Efetivamente, da análise dos autos, observa-se que os embargos de declaração, na espécie, foram opostos pelo ora recorrente com o intuito de prequestionar a matéria inserta no art. 471 do Estatuto Processual Civil. Tal o desiderato dos embargos, não há por que inquiná-los de protelatórios, devendo ser afastada a multa aplicada pela eg. Corte local em sede de declaratórios.

Esta é a jurisprudência firmada no âmbito desta Corte de Justiça e consolidada no Enunciado Sumular n. 98: “Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório.”

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Diante do exposto, dá-se parcial provimento ao recurso especial, apenas

para afastar a multa aplicada no julgamento dos embargos de declaração.

É como voto.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Sr. Presidente, a despeito do esforço

desenvolvido na sustentação oral, entendo que o voto do Sr. Ministro Relator

analisou detalhadamente a questão sob todos os seus aspectos, especialmente

observando que a demanda não é exatamente idêntica, tendo sido escoimados

alguns defeitos apontados na primeira ação. Além disso, enfatizo o fato de que

se trata de ação de investigação de paternidade e que não foi examinado, sequer

tangenciado, o mérito na primeira ação, extinta sem julgamento do mérito.

Acompanho, portanto, integralmente o voto do Sr. Ministro Relator, dando

parcial provimento ao recurso especial.

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Terceira Seção

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AÇÃO RESCISÓRIA N. 3.425-SP (2005/0167130-6)

Relator: Ministro Og Fernandes

Revisor: Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP)

Autor: Adão Batista de Oliveira

Advogado: Robson Viana Marques

Réu: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Procurador: Bren Orsano Machado e outro(s)

EMENTA

Ação rescisória. Processual Civil. Previdenciário. Violação a

literal disposição de lei. Erro de fato. Cumulação de aposentadoria com

auxílio-acidente. Possibilidade, desde que a moléstia incapacitante

tenha eclodido antes do advento da Lei n. 9.528/1997. Aplicação

do princípio tempus regit actum. Decisão rescindenda que não levou

em consideração afi rmação do autor segundo a qual a enfermidade

teria eclodido em momento anterior ao da entrada em vigor da Lei

n. 9.528/1997. Direito à comprovação suprimido. Necessidade de

restabelecimento do feito. Precedentes.

1. É cediço que a Lei n. 9.528, de 10 de dezembro de 1997,

alterou a redação do art. 86 da Lei n. 8.213/1991, excluindo a

condição de vitaliciedade do auxílio-acidente, que passou a ser devido

apenas enquanto não concedida a aposentadoria. Entretanto, a teor

do entendimento esposado por este Superior Tribunal de Justiça, é

possível a concessão do benefício acidentário em caráter vitalício, desde

que a moléstia tenha eclodido antes do advento da Lei n. 9.528/1997, por

força da aplicação do princípio tempus regit actum.

2. No caso dos autos, como bem observou o Ministério Público

Federal, em seu parecer às fl s. 125-129, “(...) o julgado rescindendo

entendeu ser inviável a pretensão de perceber, cumulativamente,

aposentadoria e auxílio-acidente a partir da vigência da mencionada

Lei n. 9.528/1997, sem ter em conta o fato de que o autor alegava que

adquirira a moléstia ocupacional progressiva antes do advento dessa lei.

Note-se que, na petição da ação acidentária [ação originária], aduziu o

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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autor que, em decorrência de suas atividades laborais, adquiriu L.E.R. e

foi submetido a uma cirurgia no ano de 1989, anteriormente, portanto,

ao advento da Lei n. 9.528/1997”. – grifos acrescidos.

3. Sendo assim, em havendo o autor alegado na inicial da ação

acidentária que a moléstia eclodiu em data anterior à alteração

proporcionada pela Lei n. 9.528/1997, bem assim a existência de

cirurgia correlata ao problema de saúde declinado na exordial, a

decisão rescindenda teria violado o disposto no § 3º do art. 86 (em

sua redação originária) da Lei n. 8.213/1991, que, antes do advento

da Lei n. 9.528/1997, possibilitava a cumulação do auxílio-acidente

com a aposentadoria por tempo de serviço, sobretudo porque tal

circunstância (a existência de afi rmação do segurado de que a doença

eclodiu em momento anterior ao da vigência da norma proibitiva

do acúmulo) não foi considerada, em nenhuma altura, pelo julgado

rescindendo.

4. Desse modo, ao negar a cumulação dos benefícios em tela, sem

que, dos autos, constasse prova de que a enfermidade era posterior à

Lei n. 9.528/1997, a decisão ora combatida viola o disposto no § 3º do

art. 86 (em sua redação original) da Lei n. 8.213/1991, que permitia

a percepção cumulada dos benefícios em debate, desde que a doença

precedesse a vigência da norma de 1997.

5. Somente poderá ser constatado, precisamente, em qual

momento foi contraída a moléstia laboral incapacitante mediante o

prosseguimento do feito, na origem, com a produção de provas técnicas

e testemunhais, sendo impróprio, desse modo, o indeferimento do

acúmulo, quando tal certeza ainda não se tenha estabelecido. Nesse

sentido Recurso Especial n. 661.157-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz,

DJ 14.03.2005 e Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.

434.066, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ 19.12.2005.

6. Procedência da ação, a fim de se desconstituir o julgado

rescindendo e, nesse passo, determinar que a ação acidentária prossiga

na origem, assegurando-se ao autor o direito de comprovar que a

incapacidade laboral por ele alegada se deu em momento anterior ao

da vigência da Lei n. 9.528/1997, tal como já havia determinado o

Tribunal paulista, ao julgar a apelação interposta pelo segurado.

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Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar procedente a ação rescisória, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP) (Revisor), Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ-AP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília (DF), 10 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Og Fernandes, Relator

DJe 29.11.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Ação rescisória proposta por Adão Baptista

de Oliveira, com base no art. 485, V (violação a literal disposição de lei) e IX

(existência de erro de fato), do CPC, visando a desconstituir decisão unipessoal

proferida pelo em. Ministro José Arnaldo da Fonseca, que, modifi cando o

acórdão proferido pelo Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, deu

provimento ao Recurso Especial n. 575.573-SP, por entender não ser possível a

cumulação de aposentadoria com auxílio-acidente a partir da vigência da Lei n.

9.528/1997.

Em sua inicial, alega o autor que: “(...) o art. 124 da Lei Federal n.

8.213/1991 não impede a percepção concomitante do auxílio-acidente de

trabalho com qualquer aposentadoria, porque advém de fato gerador distinto e

fonte de custeio diferente.” (fl . 03).

Acresce, ainda, que a enfermidade que o acomete, conforme consignado

no acórdão estadual, é anterior à lei restritiva, possibilitando, dessa forma, a

cumulação pretendida.

A autarquia previdenciária, em sua contestação, sustenta inocorrência de

violação a literal disposição de lei, porquanto a decisão se deu no mesmo sentido

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686

da jurisprudência dominante à época. Afi rma, também, que, no caso em debate,

sequer houve erro de fato por parte da decisão rescindenda.

Salienta, outrossim, que, tendo o acidente ocorrido quando o autor já se

encontrava aposentado por tempo de serviço, a decisão rescindenda julgou a

ação originária aplicando a legislação vigente de forma correta.

Razões fi nais remissivas pela parte ré.

Parecer do Ministério Público Federal pela procedência da ação.

É o relatório. Ao em. Ministro Revisor.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Sr.ª Presidente, cinge-se a

presente controvérsia acerca da possibilidade de cumulação de auxílio-acidente

com aposentadoria, quando o fato gerador do referido auxílio tiver se dado em

momento anterior à alteração da legislação que passou a vedar tal cumulação.

Extrai-se dos autos que, em 27 de maio de 1999, o segurado ajuizou ação

acidentária, alegando, na petição inicial, a existência de enfermidade na coluna,

a qual teria decorrido do exercício de atividades laborais. Com base nessas

considerações, requereu auxílio-acidentário (fl . 05).

O Juiz de primeiro grau extinguiu o processo, com base no art. 267, VI, do

CPC (impossibilidade jurídica do pedido). Segundo o referido magistrado, o

pleito de concessão do referido auxílio se demonstrava inviável, na medida em

que o autor já recebia aposentadoria. E, na forma do art. 86 da Lei n. 8.213/1991,

o acúmulo dos benefícios em tela (auxílio-acidente com aposentadoria) passou a

ser proibido a partir da entrada em vigor da Lei n. 9.528/1997. Não determinou

sequer a realização de qualquer prova, não obstante a existência de requerimento,

pelo autor, nesse sentido.

Inconformado, o segurado interpôs recurso ao Segundo Tribunal de Alçada

Civil de São Paulo, que, acolhendo a mencionada apelação, assim se manifestou:

No caso dos autos, a aposentadoria data de 1993. Antecede a regra nova e proibitiva, que, pois, não tem pertinência. Segue que nada obsta à eventual percepção simultânea de dois benefícios, um acidentário e outro previdenciário, e segue que é afastado o decreto de extinção, para que a demanda prossiga, com instrução e análise de mérito.

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Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

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É de se ver, portanto, que, na forma do acórdão do Tribunal paulista,

foi determinado o retorno dos autos para o Juízo de primeiro grau, para o

prosseguimento do feito, sobretudo para que a colheita de provas a respeito das

alegações deduzidas pela inicial da ação de origem.

Diante do mencionado aresto, a autarquia previdenciária ofereceu recurso

especial, o qual foi provido por decisão unipessoal da lavra do em. Min. José

Arnaldo da Fonseca, afi rmando Sua Excelência que: “(...) inviável a pretensão de

perceber, cumulativamente, aposentadoria e auxílio-acidente a partir da vigência

da mencionada Lei n. 9.528/1997”.

É, pois, contra essa decisão que a ação rescisória proposta pelo segurado se

insurge.

Pois bem.

É cediço que a Lei n. 9.528, de 10 de dezembro de 1997, alterou a redação

do art. 86 da Lei n. 8.213/1991, excluindo a condição de vitaliciedade do

auxílio-acidente, que passou a ser devido apenas enquanto não concedida a

aposentadoria. Entretanto, a teor do entendimento esposado por este Superior

Tribunal de Justiça, é possível a concessão do benefício acidentário em caráter

vitalício, desde que a moléstia tenha eclodido antes do advento da Lei n. 9.528/1997,

por força da aplicação do princípio tempus regit actum.

No caso dos autos, como bem observou o Ministério Público Federal, em

seu parecer às fl s. 125-129, “(...) o julgado rescindendo entendeu ser inviável

a pretensão de perceber, cumulativamente, aposentadoria e auxílio-acidente a

partir da vigência da mencionada Lei n. 9.528/1997, sem ter em conta o fato de que

o autor alegava que adquirira a moléstia ocupacional progressiva antes do advento

dessa lei. Note-se que, na petição da ação acidentária [ação originária], aduziu o autor

que, em decorrência de suas atividades laborais, adquiriu L.E.R. e foi submetido

a uma cirurgia no ano de 1989, anteriormente, portanto, ao advento da Lei n.

9.528/1997”. - grifos acrescidos.

Sendo assim, ao que me parece, em havendo o autor alegado na inicial

da ação acidentária que a moléstia eclodiu em data anterior à alteração

proporcionada pela Lei n. 9.528/1997, bem assim a existência de cirurgia

correlata ao problema de saúde declinado na exordial, a decisão rescindenda

teria violado o disposto no § 3º do art. 86 (em sua redação originária) da Lei

n. 8.213/1991, que, antes do advento da Lei n. 9.528/1997, possibilitava a

cumulação do auxílio-acidente com a aposentadoria por tempo de serviço,

sobretudo porque tal circunstância (a existência de afi rmação do segurado de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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que a doença eclodiu em momento anterior ao da vigência da norma proibitiva

do acúmulo) não foi considerada, em nenhuma altura, pelo julgado rescindendo (vide

fl s. 81-82).

Desse modo, ao negar a cumulação dos benefícios em tela, sem que, dos

autos, constasse prova de que a enfermidade era posterior à Lei n. 9.528/1997,

a decisão ora combatida viola, repito, o disposto no § 3º do art. 86 (em sua

redação original) da Lei n. 8.213/1991, que permitia a percepção cumulada dos

benefícios em debate, desde que a doença precedesse a vigência da norma de

1997.

Somente poderá ser constatado, precisamente, em qual momento foi

contraída a moléstia laboral incapacitante mediante o prosseguimento do feito,

na origem, com a produção de provas técnicas e testemunhais, sendo impróprio,

desse modo, o indeferimento do acúmulo, quando tal certeza ainda não se tenha

estabelecido.

Em situação análoga, trago os seguintes precedentes:

Processual Civil e Previdenciário. Recurso especial. Cumulação de aposentadoria por tempo de serviço com auxílio-acidente. Possibilidade.

1. É possível a cumulação do benefício previdenciário da aposentadoria por tempo de serviço com o auxílio-acidente, desde que a moléstia tenha eclodido antes do advento da Lei n. 9.258/1997, comprovados o nexo de causalidade entre a doença e a atividade exercida pelo benefi ciário, não havendo, desse modo, que se falar em impossibilidade jurídica do pedido.

2. Na hipótese, não merece reforma o acórdão que afastou a extinção do processo sem julgamento do mérito, ao entendimento de ser necessário o exame aprofundado de provas acerca da possibilidade de cumulação de benefícios previdenciários pelo Autor, cuja pretensão, em tese, encontra fundamento legal.

3. Recurso especial desprovido.

(REsp n. 661.157-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJ 14.03.2005) - grifos acrescidos.

Agravo regimental. Agravo de instrumento. Auxílio acidente. Vitaliciedade. Evento anterior à Lei n. 9.528/1997. Aposentadoria. Cumulação. Possibilidade. Provimento negado.

1. O auxílio acidente é vitalício quando o evento ocupacional danoso ocorrer antes da vigência da Lei n. 9.528/1997, que alterou os artigos 18, § 2º, e 86, § 2º, da Lei n. 8.213/1991, o que possibilita a sua cumulação com a aposentadoria por tempo de contribuição.

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2. In casu, o autor foi cerceado de provar que a ocorrência do infortúnio laboral deu-se em data anterior ao advento da norma legal proibitiva, ante a extinção do processo, sem julgamento do mérito, pela falta de uma das condições da ação, a possibilidade jurídica do pedido.

3. É imperioso que seja determinado o prosseguimento do feito, com a realização da instrução e novo julgamento, com o fi to de possibilitar ao segurado comprovar em qual tempo a moléstia profi ssional fora adquirida, pois a pretensão, em princípio, possui embasamento legal.

4. Decisão monocrática confirmada, agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag n. 434.066, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ 19.12.2005) - grifos acrescidos.

Com base nessas considerações, entendo que a presente ação deve ser acolhida, a fi m de se desconstituir o julgado rescindendo e, nesse passo, determinar que a ação acidentária prossiga na origem, assegurando-se ao autor o direito de comprovar que a incapacidade laboral por ele alegada se deu em momento anterior ao da vigência da Lei n. 9.528/1997, tal como já havia determinado o Tribunal paulista, ao julgar a apelação interposta pelo segurado.

Condeno o réu ao pagamento dos honorários advocatícios, no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, corrigido monetariamente, a teor do disposto no art. 20, § 4º, do CPC.

Assim é como voto.

ESCLARECIMENTOS

O Sr. Ministro Og Fernandes: Os honorários têm que ser fi xados pelo

valor da causa. Apliquei a base que se usa normalmente. Evidentemente que há

casos concretos.

VOTO-REVISÃO

O Sr. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP):

Trata-se de ação rescisória ajuizada por Adão Batista de Oliveira, com fundamento

no art. 485, V, do Código de Processo Civil, objetivando desconstituir decisão

monocrática do Exmo. Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca, nos autos do

Recurso Especial n. 575.573-SP, que impossibilitou o recebimento conjunto da

aposentadoria e do auxílio-acidente a partir da vigência da Lei n. 9.528/1997.

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Sustenta o autor que o art. 124 da Lei n. 8.213/1991, não revogado pela Lei n. 9.528/1997, não impede o recebimento conjunto do auxílio-acidente e da aposentadoria advindos de fatos geradores e fontes de pagamento distintos.

Afi rma, por outro lado, que o Instituto réu, embora possua agência na comarca onde foi outorgada a procuração, está ilegalmente representado por advogado estranho ao seu quadro, violando, assim, o art. 131 da Constituição Federal; a Lei Complementar n. 73/1993; o Decreto n. 767/1993; e a Lei n. 9.028/1995.

O réu, a fls. 99-104, apresentou contestação, afirmando inexistir erro de fato e violação legal, pois a matéria em debate envolve dispositivo legal interpretado no sentido da jurisprudência pacifi cada da Terceira Seção desta Corte.

Acrescenta, ainda, que o auxílio-acidente está fundamentado em moléstia ocorrida quando em vigor a Lei n. 9.528/1997, sendo proibida, diante disso, sua cumulação com a aposentadoria já recebida pelo autor.

Razões fi nais do réu a fl s. 122; o Ministério Público Federal opina pela procedência da ação rescisória (fl s. 125-129).

É o relatório.

A matéria tratada nos autos diz respeito à possibilidade de cumulação de aposentadoria e de auxílio-acidente.

Quanto ao tema, fi rmou-se jurisprudência nesta Corte no sentido da possibilidade de recebimento conjunto nas hipóteses em que a eclosão da moléstia incapacitante tenha ocorrido antes da vigência da Lei n. 9.528/1997, a qual proibiu a cumulação.

A propósito cito, por ilustrativos, os seguintes precedentes:

Agravo regimental em ação rescisória. Previdenciário. Cumulação de auxílio-suplementar/auxílio-acidente com aposentadoria por invalidez. Pedido de antecipação de tutela. Verossimilhança das alegações. Não confi gurada.

I. Não confi gurada a verossimilhança das alegações aduzidas, deve o pedido de antecipação dos efeitos da tutela ser rejeitado.

II. In casu, em juízo prévio, o entendimento constante do decisum rescindendo não difere daquele majoritário no âmbito desta e. Corte Superior, no sentido da possibilidade de cumulação do auxílio-suplementar/auxílio-acidente com o benefício de aposentadoria, desde que a lesão geradora do benefício acidentário tenha ocorrido antes da publicação da Lei n. 9.528/1997. Precedentes da e. Terceira Seção.

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Jurisprudência da TERCEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 23, (221): 681-692, janeiro/março 2011 691

Agravo regimental desprovido.

(AgRg na AR n. 4.309-SP, Rel. Ministro Felix Fischer, S3 - Terceira Seção, DJe 26.10.2009);

Previdenciário. Embargos de divergência em recurso especial. Cumulação de aposentadoria e auxílio-acidente. Ajuizamento da ação antes da norma proibitiva. Possibilidade.

1. É fi rme o entendimento esposado por este Superior Tribunal de Justiça, no sentido de considerar possível a concessão do benefício acidentário em caráter vitalício, desde que a moléstia tenha eclodido antes do advento da Lei n. 9.528/1997, por força da aplicação do princípio tempus regit actum.

2. No caso em apreço, tendo a ação ordinária sido ajuizada em 20.08.1997, antes, portanto, da Lei n. 9.528/1997, não há falar em proibição de cumulação dos benefícios, pois se evidencia que a incapacidade laboral diagnosticada deu-se em momento anterior à vigência do supracitado preceito legal.

3. Ademais, foi claramente mencionado pelo acórdão combatido no recurso especial, que a incapacidade ocorreu em data anterior ao advento da Lei n. 9.528/1997, devendo-se, portanto, reconhecer o direito à pleiteada cumulação.

4. Embargos de divergência acolhidos. Retorno dos autos ao relator do recurso especial, integrante da 6ª Turma, para que prossiga na análise do pedido subsidiário pleiteado pelo INSS nas razões recursais.

(EREsp n. 557.474-SP, Rela. Ministra Laurita Vaz, DJe 16.03.2009);

Embargos de divergência. Previdenciário. Auxílio-acidente e aposentadoria. Cumulação. Possibilidade. Moléstia anterior à Lei n. 9.528/1997. Ação. Ajuizamento posterior. Irrelevância.

1. É viável a acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria, desde que a moléstia incapacitante tenha surgido antes da vigência da Lei n. 9.528/1997. Não altera a conclusão a circunstância de a ação acidentária ter sido ajuizada após a edição do referido diploma legal. Precedentes da Terceira Seção.

2. Incidência da Súmula n. 168 do STJ.

3. Embargos de divergência não conhecidos.

(EREsp n. 431.249-SP, Rela. Ministra Jane Silva - Desembargadora convocada do TJ-MG, S3 - Terceira Seção, DJe 04.03.2008).

Na espécie, ocorreu o seguinte:

1) a sentença proferida na ação originária (fl s. 46, verso) impossibilitou a

cumulação do auxílio-acidente e da aposentadoria, em razão do que dispõe a Lei

n. 9.528/1997, extinguindo o feito com fundamento no art. 267, VI, do Código

de Processo Civil;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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2) o acórdão proferido pelo Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado

de São Paulo entendeu que a aposentadoria era anterior à citada lei, sendo,

diante disso, admitida a cumulação; afastou, assim, a extinção, para que a

demanda prosseguisse, com instrução e análise do mérito;

3) a decisão rescindenda deu provimento ao recurso do Instituto por

entender impossibilitado o recebimento conjunto dos benefícios depois da

edição da Lei n. 9.528/1997;

4) infere-se, nesse contexto, que a proibição de cumulação considerou,

apenas, a proibição contida na Lei n. 9.528/1997, sem observar que, acaso a

eclosão da moléstia fosse anterior, seria legitimo o recebimento conjunto;

5) esse entendimento violou o art. 124 da Lei n. 8.231/1991, que ressalva,

expressamente, o direito adquirido à percepção conjunta;

6) sendo assim, anulada a sentença que extinguiu o feito, conforme

determinou o acórdão proferido na ação originária, caberá ao juiz de primeira

instância prosseguir no julgamento, e, na amplitude instrutória que lhe é

conferida, verifi car o momento de início do mal incapacitante e o consequente

direito, ou não, à cumulação com a aposentadoria por tempo de serviço.

Em face do exposto, julgo procedente a ação rescisória para, em judicium

rescindens, rescindir a decisão proferida no Recurso Especial n. 575.573-SP e, em

judicium rescissorium, aplicando o direito à espécie, negar provimento a referido

recurso, para reconhecer a possibilidade de cumulação da aposentadoria por

tempo de serviço e do do auxílio-acidente nos casos de moléstia incapacitante

anterior à vigência da Lei n. 9.528/1997, e, como corolário, determinar o retorno

dos autos à origem para, afastada a extinção, prosseguir no julgamento do feito.

Custas e honorários pelo Instituto Nacional do Seguro Social, os quais

fi xo em 10% do (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, corrigidos

monetariamente.

É como voto.

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Quinta Turma

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HABEAS CORPUS N. 107.285-RJ (2008/0114769-1)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Impetrante: Leonardo Rosa Melo da Cunha - Defensor Público

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Paciente: Maria da Penha do Nascimento

EMENTA

Habeas corpus. Processual Penal. Delito de falsidade ideológica.

Pedido de trancamento da ação penal. “Privilégio constitucional

contra a auto-incriminação: garantia básica que assiste à generalidade

das pessoas. A pessoa sob investigação (parlamentar, policial ou

judicial) não se despoja dos direitos e garantias assegurados” (STF,

HC n. 94.082-MC-RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 25.03.2008).

Princípio nemo tenetur se detegere. Positivação no rol petrifi cado dos

direitos e garantias individuais (art. 5º, inciso LXIII, da Constituição

da República): opção do Constituinte Originário brasileiro de

consagrar, na Carta da República de 1988, “diretriz fundamental

proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda [à Constituição dos

Estados Unidos da América], que compõe o bill of rights” norte-

americano (STF, HC n. 94.082-MC-RS, Rel. Min. Celso de Mello,

DJ de 25.03.2008). Precedentes citados da Suprema Corte dos

Estados Unidos: Escobedo v. Illinois (378 U.S. 478, 1964); Miranda

v. Arizona (384 U.S. 436, 1966), Dickerson v. United States (530

U.S. 428, 2000). Caso Miranda v. Arizona: fi xação das diretrizes

conhecidas por “Miranda Warnings”, “Miranda Rules” ou “Miranda

Rights”. Direito de qualquer investigado ou acusado a ser advertido de

que não é obrigado a produzir quaisquer provas contra si mesmo, e de

que pode permanecer em silêncio perante a autoridade administrativa,

policial ou judiciária. Investigada não comunicada, na hipótese, de tais

garantias fundamentais. Fornecimento de material grafotécnico pela

paciente, sem o conhecimento de que tal fato poderia, eventualmente,

vir a ser usado para fundamentar futura condenação. Laudo pericial

que embasou a denúncia. Prova ilícita. Teoria dos frutos da árvore

envenenada (fruits of the poisonous tree). Ordem concedida.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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1. O direito do investigado ou do acusado de ser advertido de que

não pode ser obrigado a produzir prova contra si foi positivado pela

Constituição da República no rol petrifi cado dos direitos e garantias

individuais (art. 5º, inciso LXIII). É essa a norma que garante status

constitucional ao princípio do Nemo tenetur se detegere (STF, HC n.

80.949-RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ de 14.12.2001),

segundo o qual ninguém é obrigado a produzir quaisquer provas

contra si.

2. A propósito, o Constituinte Originário, ao editar tal regra, “nada

mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo

instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental

proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda [à Constituição dos

Estados Unidos da América], que compõe o Bill of Rights norte-

americano” (STF, HC n. 94.082-MC-RS, Rel. Min. Celso de Mello,

DJ de 25.03.2008).

3. “Qualquer pessoa que sofra investigações penais, policiais ou

parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado

– ainda que convocada como testemunha (RTJ 163/626 - RTJ

176/805-806) –, possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são

constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio

e de não produzir provas contra si própria” (RTJ 141/512, Rel. Min.

Celso de Mello).

4. Nos termos do art. 5º, inciso LXIII, da Carta Magna “o preso

será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,

sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Tal regra,

conforme jurisprudência dos Tribunais pátrios, deve ser interpretada

de forma extensiva, e engloba cláusulas a serem expressamente

comunicadas a quaisquer investigados ou acusados, quais sejam: o

direito ao silêncio, o direito de não confessar, o direito de não produzir

provas materiais ou de ceder seu corpo para produção de prova etc.

5. Na espécie, a autoridade policial, ao ouvir a Paciente durante

a fase inquisitorial, já a tinha por suspeita do cometimento do delito

de falsidade ideológica, tanto é que, de todas as testemunhas ouvidas,

foi a única a quem foi requerido o fornecimento de padrões gráfi cos

para realização de perícia, prova material que ensejou o oferecimento

de denúncia em seu desfavor.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 697

6. Evidenciado nos autos que a Paciente já ostentava a condição de investigada e que, em nenhum momento, foi advertida sobre seus direitos constitucionalmente garantidos, em especial, o direito de fi car em silêncio e de não produzir provas contra si mesma, resta evidenciada a ilicitude da única prova que embasou a condenação. Contaminação do processo, derivada da produção do laudo ilícito. Teoria dos frutos da árvore envenenada.

7. Apenas advirta-se que a observância de direitos fundamentais não se confunde com fomento à impunidade. É mister essencial do Judiciário garantir que o jus puniendi estatal não seja levado a efeito com máculas ao devido processo legal, para que a observância das garantias individuais tenha efi cácia irradiante no seio de toda a sociedade, seja nas relações entre o Estado e cidadãos ou entre particulares (STF, RE n. 201.819-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen

Gracie, Rel. p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes, DJ de 27.10.2006).

8. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia com base em outras provas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ-AP) e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 09 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 07.02.2011

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar,

impetrado em favor de Maria da Penha do Nascimento, contra acórdão proferido

pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Alega o Impetrante, em suma, a falta de justa causa para a ação penal

instaurada contra a Paciente por infração ao art. 299 do Código Penal, na

medida em que “a perícia (exame grafotécnico) realizada no bojo da inquisa

constitui prova ilícita, portanto processualmente inadmissível” (fl . 03). Salienta

que “a imprestabilidade jurídica do exame grafotécnico levado a cabo pela

Autoridade Policial para embasar a acusação criminal lançada contra o ora

Paciente prescinde de análise do valor daquela prova” (fl s. 03-04).

Requer, assim, a concessão de liminar “para sustar o trâmite do Processo

n. 2007.001.121607-7, ora em curso perante o juízo da 35ª Vara Criminal

da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, até o julgamento fi nal do presente

habeas” (fl . 29) e, no mérito, “a extinção do processo originário sem julgamento

do mérito [...] desentranhando-se, ainda, a prova ilícita, qual seja, o Laudo de

Exame de Documentos n. 1546894” (fl . 29).

O pedido liminar foi indeferido nos termos da decisão de fl s. 98-99.

Foram prestadas as informações da Autoridade Impetrada à fl . 104, com a

juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito.

A douta Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se às fl s. 297-

300, opinando pela concessão da ordem – o que se vê da seguinte ementa:

Habeas corpus. Falsidade ideológica - art. 299 CP. Trancamento de ação penal. Justa causa. Denúncia baseada em prova ilícita. Alegado cerceamento ao direito de não produzir prova contra si mesma que se verifi ca. Ordem concedida. (fl . 297)

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): A tese defensiva deve ser acolhida.

É sabido que o trancamento da ação penal por ausência de justa causa é

uma medida excepcional, somente cabível em situações, nas quais, de plano, seja

perceptível o constrangimento ilegal, o que ocorre na espécie.

A denúncia encontra-se assim fundamentada, ad lítteram:

[...] A acusada, Maria da Penha do Nascimento, era copeira na Empresa Comissária Rio, prestando serviços, há dois anos, no Instituto Municipal Fernando Magalhães, tendo promanado do seu punho os grafismos que preencheram os receituários médicos acima apontados, em um total de 07 (sete).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 699

Consoante o laudo acostado às fl s. 54-55: “...os receituários descritos... foram produzidos pelo punho gráfico de Maria da Penha do Nascimento, face as correspondências morfogenéticas constatadas entre tais grafi smos e os padrões gráfi cos da referida pessoa...”.

Assim agindo, a denunciada, consciente e voluntariamente, fez inserir declaração falsa em documento público, com o fi m de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, razão pela qual está incursa nas sanções do art. 299, caput, 07 (sete) vezes, na forma do artigo 69, ambos do Código Penal. (fl . 60)

Com efeito, verifica-se, na hipótese, que a Paciente, que trabalhava

como copeira do Instituto de Saúde Fernando Magalhães-RJ, foi denunciada

com base, apenas, no laudo pericial que atestou que a escrita constante nos

receituários são do punho da Paciente.

No despacho da autoridade policial que determinou sua oitiva na fase

inquisitorial, de 26.12.2005, já havia sido prevista a colheita de material

probatório da Paciente, para exame grafotécnico (fl . 220). Portanto, a despeito

de, no dia 13.01.2006, a Paciente ter sido ouvida na condição de “envolvida” (fl .

231), já ostentava, claramente, a qualidade de investigada.

Da leitura do termo de declaração da Paciente (repita-se, onde não consta a

Paciente na qualidade de indiciada), às fl s. 231-232, não há nenhuma menção ao

fato de que qualquer manuscrito seu seria comparado com as receitas falsifi cadas

em nome do Dr. Flávio Monteiro. Porem, a documentação de fl s. 234-237,

assinada pela Paciente, foi utilizada para fi ns periciais. Acrescente-se, ainda, que

a Paciente, não foi acompanhada de defensor ou de advogado, nem ninguém que

pudesse lhe esclarecer sobre o fato de que era desobrigada a produzir quaisquer

provas que pudessem ser utilizadas contra si.

[...] Nome: Maria da Penha do Nascimento (Envolvido)

[...] Constumes:

Contradita: (Sem)

Compromisso Legal:

Inquirido, disse:

Que trabalha como copeira na Empresa Comissaria Rio, prestando serviços há dois anos no Instituto Fernando Magalhães, sempre no horário noturno, de 19h às 17h da manhã do dia seguinte, em regime de plantão 12 h por 36 h; [...]; Que a declarante afi rma não conhecer o verdadeiro Dr. Flávio que foi vítima de furto de seu carimbo; Que se coloca à disposição para qualquer esclarecimento; E mais não disse. (fl . 231-232).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

700

Como bem observado pelo Ministério Público Federal em seu parecer,

a autoridade policial, ao inquirir a Paciente, nos autos do inquérito policial, já a

tinha por suspeita do cometimento do delito, tanto é que, de todas as testemunhas

ouvidas, a Paciente foi a única a quem foi requerido o fornecimento de padrões

gráfi cos para fi ns de realização de perícia (fl s. 220), como de fato ocorreu e

ensejou, como já assinalado, o oferecimento de denúncia em seu desfavor.

Nesse contexto, uma vez evidenciado nos autos que a Paciente já ostentava

a condição de investigada e que, em nenhum momento, foi advertida sobre seus

direitos constitucionalmente garantidos, em especial, o direito de fi car em silêncio e

de não produzir provas contra si mesma, resta evidenciada a ilicitude da prova, a

teor do disposto no art. 5º, incisos LVI e LXIII, da Constituição da República,

in verbis:

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícito;

[...] LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado

Em suma, a Paciente não foi informada de que não era obrigada e fornecer

qualquer material gráfi co, desde a sua assinatura, que pudesse incriminá-la. Nem

havia, durante o ato, defensor que pudesse esclarecê-la que qualquer manuscrito

seu, até mesmo sua assinatura, seria usada para fi ns periciais, o que de fato

ocorreu.

Cumpre reproduzir, quanto ao direito do investigado de ser advertido de

que não pode ser obrigado a produzir prova contra si, trecho de emblemática

decisão proferida pelo eminente Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal

Federal:

Qualquer pessoa que sofra investigações penais, policiais ou parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado – ainda que convocada como testemunha (RTJ 163/626 – RTJ 176/805-806) -, possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si própria, consoante reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 141/512, Rel. Min. Celso de Mello).

Esse direito, na realidade, é plenamente oponível ao Estado, a qualquer de seus Poderes e aos seus respectivos agentes e órgãos. Atua, nesse sentido, como poderoso fator de limitação das próprias atividades de investigação e de persecução desenvolvidas pelo Poder Público (Polícia Judiciária, Ministério Público, Juízes, Tribunais e Comissões Parlamentares de Inquérito, p. ex.).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 701

Cabe registrar que a cláusula legitimadora do direito ao silêncio, ao explicitar, agora em sede constitucional, o postulado segundo o qual “Nemo tenetur se detegere”, nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda que compõe o “Bill of Rights” norte-americano.

Na realidade, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal (HC n. 80.530-MC-PA, Rel. Min. Celso de Mello). Trata-se de prerrogativa, que, no autorizado magistério de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO (“Direito à Prova no Processo Penal”, p. 111, item n. 7, 1997, RT), “constitui uma decorrência natural do próprio modelo processual paritário, no qual seria inconcebível que uma das partes pudesse compelir o adversário a apresentar provas decisivas em seu próprio prejuízo (...)”.

O direito de o indiciado/acusado (ou testemunha) permanecer em silêncio - consoante proclamou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em Escobedo v. Illinois (1964) e, de maneira mais incisiva, em Miranda v. Arizona (1966) - insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal.

A importância de tal entendimento fi rmado em Miranda v. Arizona (1966) assumiu tamanha significação na prática das liberdades constitucionais nos Estados Unidos da América, que a Suprema Corte desse país, em julgamento mais recente (2000), voltou a reafi rmar essa “landmark decision”, assinalando que as diretrizes nela fi xadas (“Miranda warnings”) – dentre as quais se encontra a prévia cientifi cação de que ninguém é obrigado a confessar ou a responder a qualquer interrogatório – exprimem interpretação do próprio “corpus” constitucional, como advertiu o então “Chief Justice” William H. Rehnquist, autor de tal decisão, proferida, por 07 (sete) votos a 02 (dois), no caso Dickerson v. United States (530 U.S. 428, 2000), daí resultando, como necessária conseqüência, a intangibilidade desse precedente, insuscetível de ser derrogado por legislação meramente ordinária emanada do Congresso americano (“... Congress may not legislatively supersede our decisions interpreting and applying the Constitution ...”).

Cumpre rememorar, bem por isso, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n. 68.742-DF, Rel. p/ o acórdão Min. Ilmar Galvão (DJU de 02.04.1993), também reconheceu que o réu não pode, em virtude do princípio constitucional que protege qualquer acusado ou indiciado contra a auto-incriminação, sofrer, em função do legítimo exercício desse direito, restrições que afetem o seu “status poenalis”.

Esta Suprema Corte, fi el aos postulados constitucionais que expressivamente delimitam o círculo de atuação das instituições estatais, enfatizou que qualquer indivíduo submetido a procedimentos investigatórios ou a processos judiciais de natureza penal “tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. ‘Nemo tenetur

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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se detegere’. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal” (RTJ 141/512, Rel. Min. Celso de Mello).

Em suma: o direito ao silêncio - e de não produzir provas contra si próprio - constitui prerrogativa individual que não pode ser desconsiderada por qualquer dos Poderes da República. (STF, HC n. 94.082-MC-RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 25.03.2008).

É o que também se extrai do seguinte precedente de relatoria do eminente

Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, ad litteram:

Habeas corpus: cabimento: prova ilícita.

1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal.

II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais.

2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação.

III. Gravação clandestina de “conversa informal” do indiciado com policiais.

3. Ilicitude decorrente - quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita “conversa informal”, modalidade de “interrogatório” sub- reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-incriminação - nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade superveniente da parte fi nal do art. 186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em “conversa informal” gravada, clandestinamente ou não.

IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 703

5. A hipótese não confi gura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial.

6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado.

7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina - ainda quando livre o seu assentimento nela - em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha.

V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree).

9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido. (STF, HC n. 80.949-RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ de 14.12.2001).

A propósito, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:

Habeas corpus. Direito Penal. Crime de desobediência cometido por diretor administrativo da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. Recalcitrância ao chamamento de autoridade policial. Inocorrência. Atipicidade. Indiciado acobertado pelo princípio constitucional da ampla defesa. Prerrogativa de não produzir prova contra si. Trancamento da ação penal.

1. Consoante entendimento sufragado na jurisprudência desta Corte Federal Superior, o trancamento da ação penal na via angusta do habeas corpus, medida excepcional que é, somente cabe nas hipóteses em que se demonstrar, na luz da evidência, primus ictus oculi, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.

2. Para a confi guração do delito de desobediência, imprescindível se faz a cumulação de três requisitos, quais sejam, desatendimento de uma ordem, que essa ordem seja legal, e que emane de funcionário público.

Page 704: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

704

3. Em inexistindo recalcitrância do acusado ao cumprimento de ordem legal, não há falar em crime de desobediência.

4. Inerente ao princípio constitucional da ampla defesa está a prerrogativa de o acusado não produzir prova contra si, que compreende, induvidosamente, o direito de permanecer em silêncio, seja na fase inquisitorial, seja na judicial.

5. Ordem concedida para trancar a ação penal. (HC n. 17.121-ES, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 04.09.2001, DJ 04.02.2002, p. 566.)

Conclui-se que o direito a não se auto-incriminar contém cláusulas que devem

ser expressamente comunicadas a quaisquer investigados ou acusados, quais sejam,

o direito ao silêncio, o direito de não confessar, o direito de não produzir provas

materiais ou de ceder seu corpo para produção de prova etc.

Advirto, ainda, que a observância aos direitos fundamentais não se confunde

com fomento à impunidade. É mister essencial do Judiciário garantir que o jus

puniendi estatal não seja levado a efeito com máculas ao devido processo legal,

para que a observância das garantias individuais tenha efi cácia irradiante no

seio de toda a sociedade, seja nas relações entre o Estado e cidadãos ou entre

particulares (STF, RE n. 201.819-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/

Acórdão: Min. Gilmar Mendes, DJ de 27.10.2006).

Foi por tal razão, inclusive, que a Suprema Corte dos Estados Unidos,

no julgamento do caso Miranda v. Arizona (384 U.S. 436), já no ano de 1966,

defi niu que qualquer suspeito de cometimento de delito deve ser advertido,

antes de ser ouvido acerca dos fatos pela autoridade estatal, sobre seu direito de

permanecer em silêncio; de que poderá se consultar com advogado e, caso não

possa expender de recursos para a contratação, um defensor ser-lhe-á nomeado,

sem custos; e que eventual confi ssão ou fornecimento de outra prova poderá

eventualmente ser considerada em juízo contra si.

Na hipótese, repita-se, resta evidenciado nos autos que a Paciente era

suspeita do cometimento dos fatos e inclusive já ostentava a condição de

investigada, ainda que não tenha sido formalizado nos autos do inquérito

policial. Porém, em nenhum momento, foi advertida sobre seus direitos

constitucionalmente garantidos, em especial, o direito de fi car em silêncio e de

não produzir provas contra si mesma.

Assim, resta evidenciada a ilicitude da única prova que embasou o

oferecimento da denúncia. Consequentemente, é de se aplicar, no caso, a teoria

dos frutos da árvore envenenada, pois verifi ca-se a ocorrência de contaminação

do processo, derivada da produção do laudo ilícito.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 705

Ante o exposto, concedo a ordem, determinando o trancamento da ação

penal proposta em face da Paciente, sem prejuízo do oferecimento de nova

denúncia, com base em outras provas.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 130.981-RS (2009/0044054-1)

Relator: Ministro Jorge Mussi

Impetrante: Rodrigo Bittencourt Mudrovitsch e outro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Paciente: Luís Felipe Cunha

EMENTA

Habeas corpus. Termo circunstanciado instaurado para apurar a

suposta prática de crime de desobediência. Pedido de trancamento.

Requerimento do Ministério Público para que fossem fornecidos

dados cadastrais de usuário de telefonia fixa que expressamente

solicitou a não divulgação de tais informações. Existência de dúvida

sobre a legalidade do pedido ministerial. Ausência de dolo. Atipicidade

manifesta. Constrangimento evidenciado.

1. O trancamento de inquérito policial ou de ação penal é medida

excepcional, só admitida quando restar provada, de forma indubitável,

a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade, de ausência de

indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito e, ainda, da

atipicidade da conduta.

2. Para a configuração do crime de desobediência, exige-se

que a ordem, revestida de legalidade formal e material, seja dirigida

expressamente a quem tem o dever de obedecê-la, e que o agente

voluntária e conscientemente a ela se oponha.

3. No caso dos autos, percebe-se a patente atipicidade da conduta

atribuída ao paciente, uma vez que pairam dúvidas sobre a legalidade

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

706

da ordem emanada, inexistindo, ainda, o elemento subjetivo necessário

à confi guração do delito de desobediência, qual seja, o dolo.

4. Quanto à legalidade do requerimento formulado pelo

Subcorregedor-Geral do Ministério Público do Estado do Rio

Grande do Sul, o certo é que embora à época dos fatos existissem

decisões judiciais proferidas nas instâncias ordinárias que afi rmavam

a legitimidade do Parquet para requisitar informações cadastrais de

clientes do serviço de telefonia fi xa independentemente de autorização

judicial, a efi cácia de tais provimentos jurisdicionais encontrava-se

suspensa por força de medidas cautelares concedidas pelo Tribunal

Regional Federal da 4ª Região e pelo Supremo Tribunal Federal.

5. Assim, havendo dúvidas acerca da própria legalidade da

requisição feita pelo Ministério Público para que fossem enviados

dados cadastrais de usuário de telefonia fixa que expressamente

solicitou a não divulgação dessas informações, não há que se falar

em prática do delito de desobediência por funcionário da empresa de

telefonia que se julga impedido de fornecê-las.

6. Ademais, no que se refere ao elemento subjetivo necessário

à confi guração do delito previsto no artigo 330 do Código Penal,

na hipótese vertente não se pode considerar que o paciente tenha

deliberadamente se recusado a cumprir a determinação do Parquet,

tampouco que tenha agido com inequívoca vontade de desobedecer,

porquanto explicitou as razões jurídicas pelas quais entendia impossível

cumprir a solicitação formulada.

7. Ordem concedida para trancar o Termo Circunstanciado

n. 001/2.07.007.2857-1, em trâmite perante o 2º Juizado Especial

Criminal do Foro Central de Porto Alegre-RS.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto

do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro

(Desembargador convocado do TJ-AP), Laurita Vaz e Napoleão Nunes Maia

Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Page 707: Revista · 2011. 4. 7. · 2. Questão de ordem solucionada no sentido de permanecer o STJ competente para julgar a ação penal. 3. Nulidades procedimentais que, argüidas pela defesa,

Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 707

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília (DF), 25 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Jorge Mussi, Relator

DJe 14.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus substitutivo de

recurso ordinário com pedido liminar, impetrado contra acórdão proferido pelo

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (HC n. 70023016918).

Noticiam os autos que o paciente, na qualidade de gerente jurídico da

empresa Brasil Telecom S/A, teria se recusado a atender a requisição formulada

pelo Subcorregedor-Geral do Ministério Público do Rio Grande do Sul,

consistente no fornecimento de dados cadastrais de usuário de serviço de

telefonia fi xa, para fi ns de instrução de procedimento administrativo, já que

desprovida da necessária autorização judicial.

Tal negativa teria como fundamento o direito à intimidade dos usuários

que solicitaram a não divulgação de seus dados cadastrais, hipótese verifi cada

nos autos, em respeito ao disposto no artigo 5º, inciso X, da Constituição

Federal, bem como aos artigos 3º, incisos V, VI, IX e XII, e 72, ambos da Lei

Geral de Telecomunicações. Anunciam os impetrantes, também, a existência de

decisão judicial, proferida nos autos da Medida Cautelar n. 2007.04.00.020775-

0, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que “desautoriza o Ministério

Público (em qualquer de suas esferas) a requisitar dados cadastrais de assinantes

de serviços de telefonia diretamente às concessionárias, ausente decisão judicial

específi ca” (fl . 4).

Diante da negativa de fornecimento de tais dados, o Subcorregedor-Geral

do Ministério Público do Rio Grande do Sul determinou a remessa de cópia

do respectivo expediente para distribuição perante uma das varas criminais da

Comarca de Porto Alegre-RS, a fi m de se apurar eventual responsabilidade penal

do paciente na prática do crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal).

O feito foi distribuído ao 2º Juizado Especial Criminal da Comarca de Porto

Alegre-RS, sendo designada audiência preliminar do termo circunstanciado

para 08.04.2009.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

708

Sustentam os impetrantes que a conduta atribuída ao paciente seria atípica, pois teria atuado em conformidade tanto com o ordenamento jurídico pátrio, que veda a divulgação, sem autorização judicial, das informações cadastrais dos usuários do serviço de telefonia fi xa, como com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, que alberga tal sigilo, sob pena de violação aos direitos à intimidade e à privacidade.

Defendem, ainda, a existência de decisões judiciais que impedem o Ministério Público de requisitar, sem autorização judicial, informações sobre cadastros de usuários de serviços de telefonia, citando as decisões proferidas por ocasião do julgamento da Medida Cautelar Inominada n. 2007.04.00.020775-0, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, bem como da Ação Cautelar n. 1.928, do Supremo Tribunal Federal.

Alegam, também, que o Ministério Público não teria atribuição para requisitar informações cadastrais acobertadas pelo sigilo da intimidade, aduzindo que as disposições do artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal, e artigo 26, inciso II, da Lei n. 8.625/1993, devem ser interpretadas de acordo com os demais dispositivos que integram o ordenamento jurídico, “especialmente no que se refere aos núcleos de proteção das garantias constitucionais fundamentais” (fl . 17).

Com estas considerações, asseveram que a ordem emanada do Subcorregedor-Geral do Ministério Público do Rio Grande do Sul seria ilegal, razão pela qual a conduta do paciente, consistente na negativa de prestação das informações protegidas pelo sigilo, não confi guraria o ilícito previsto no artigo 330 do Código Penal, sendo, portanto, atípica.

Por esta razão, seria dever do representante do Ministério Público atuante perante o juízo de primeira instância apresentar pedido de arquivamento do termo circunstanciado, sob pena de violação ao disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal, já que sequer seria viável a proposta de transação penal, conforme o disposto no artigo 76 da Lei n. 9.099/1995.

Por fi m, asserem que, na hipótese de se ter por legal a requisição formulada pelo Subcorregedor-Geral do Ministério Público do Rio Grande do Sul, o paciente teria atuado em erro de proibição, pois baseou-se em precedentes jurisprudenciais de diversos tribunais pátrios, razão pela qual estaria afastada a sua culpabilidade.

Pretendem, alfim, o trancamento do Termo Circunstanciado n. 001/2.07.007.2857-1, em trâmite perante o 2º Juizado Especial Criminal do Foro Central de Porto Alegre-RS.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 709

A liminar foi deferida, nos termos da decisão de fl s. 257-259.

Prestadas as informações (fl s. 269-289 e 291-299), o Ministério Público

Federal, em parecer de fl s. 301-307, manifestou-se pela concessão da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas corpus pretende-se, em síntese, o trancamento de termo circunstanciado instaurado para apurar a suposta prática do delito de desobediência pelo paciente.

Segundo consta dos autos, o Subcorregedor-Geral do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul solicitou à Gerência Jurídica da Brasil Telecom o fornecimento dos dados de titular de linha telefônica fi xa (fl . 81), pleito que não foi prontamente atendido pela citada empresa de telefonia sob o fundamento de que seria necessária autorização judicial para a disponibilização das informações requeridas (fl . 82).

O órgão ministerial reiterou a solicitação formulada, esclarecendo a “dispensabilidade da providência reclamada”, tendo em vista que não se trataria “de quebra de sigilo telefônico ou escuta judicialmente deferida”, mas apenas de “identifi cação de titular de linha telefônica, para fi ns de instrução de procedimento de natureza administrativo-disciplinar” (fl . 83).

Em resposta, a Brasil Telecom insistiu na impossibilidade jurídica de fornecimento das informações requeridas, sob o fundamento de que os usuários que solicitaram a não divulgação de seus dados cadastrais teriam direito à intimidade, informando, ainda, que existiria decisão judicial, proferida nos autos da Medida Cautelar n. 2007.04.00.020775-0, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a respaldar a negativa de cumprimento da requisição formulada (fl s. 84-88).

O Subcorregedor-Geral do Ministério Público do Rio Grande do Sul determinou, então, a remessa de cópia do respectivo expediente para distribuição perante uma das varas criminais da Comarca de Porto Alegre-RS, a fi m de se apurar eventual responsabilidade penal do paciente na prática do crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal), tendo sido o feito distribuído ao 2º Juizado Especial Criminal da Comarca de Porto Alegre-RS, determinando-se a designação de audiência preliminar (fl . 110).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Impetrado habeas corpus na origem, a Turma Recursal Criminal dos

Juizados Especiais do Estado do Rio Grande do Sul denegou a ordem, em

acórdão que recebeu a seguinte ementa:

Habeas corpus. Alegação de constrangimento ilegal. Solicitação de informações cadastrais pelo Ministério Público. Recusa no fornecimento. Designação de audiência para oferta de transação. Pretensão de suspensão ou trancamento de procedimento penal.

O Ministério Público não solicitou que a empresa procedesse à quebra de sigilo telefônico, buscando tão somente informação cadastral visando instruir processo, no interesse da justiça.

Ausente pretensão de quebra de sigilo telefônico ou de comunicação telefônica ou, ainda, violação da intimidade do cliente da empresa de telefonia.

A designação de audiência para oferta de transação penal à paciente não se constitui em ato ilegal ou confi gurador de abuso que admita Habeas Corpus. (fl . 136).

Irresignada, a defesa aforou novo mandamus, o qual inicialmente não foi

conhecido (fl . 207), mas teve o seu mérito apreciado após a concessão da ordem

por esta colenda Quinta Turma, em aresto que restou assim resumido:

Habeas Corpus. Alegação de Ausência de justa causa. Trancamento da ação penal.

O trancamento da ação penal só se justifica quando, de plano, constatar-se a atipicidade do fato ou, que o acusado não é o autor ou, a existência de causa excludente de ilicitude. A via estreita do habeas corpus é imprópria para apreciação analítica da prova. Ordem denegada. (fl . 246).

Pois bem. De tudo quanto foi exposto, tem-se que assiste razão aos

impetrantes.

Inicialmente é preciso destacar que é cediço que o trancamento de

inquérito policial ou de ação penal é medida excepcional, só admitida quando

restar provada, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da

punibilidade, de ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do

delito e, ainda, da atipicidade da conduta.

Contudo, no caso dos autos percebe-se a patente atipicidade da conduta

atribuída ao paciente, uma vez que pairam dúvidas sobre a legalidade da ordem

emanada pelo órgão ministerial, inexistindo, ainda, o elemento subjetivo

necessário à confi guração do delito de desobediência, qual seja, o dolo.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 711

Quanto à legalidade do requerimento formulado pelo Subcorregedor-Geral

do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, o certo é que embora à

época dos fatos existissem decisões judiciais proferidas nas instâncias ordinárias

que afi rmavam a legitimidade do Parquet para requisitar informações cadastrais

de clientes do serviço de telefonia fi xa independentemente de autorização

judicial (liminar deferida na Ação Civil Pública n. 2006.71.00.033295-

7, da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, e Agravo de Instrumento n.

2006.04.00.034026-3, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região), a

efi cácia de tais provimentos jurisdicionais encontrava-se suspensa por força

da medida cautelar concedida nos autos da Medida Cautelar Inominada n.

2007.04.00.020775-0, daquele mesmo Sodalício, que atribuiu efeito suspensivo

ao recurso especial interposto pela Brasil Telecom S/A contra o acórdão do

aludido agravo de instrumento, efeito também atribuído ao respectivo recurso

extraordinário, em medida cautelar deferida pelo Supremo Tribunal Federal

(Ação Cautelar n. 1.928).

Denota-se, portanto, que a matéria debatida nos autos ainda não possui

solução pacífi ca na jurisprudência dos Tribunais pátrios o que, por si só, revela

a impossibilidade de se imputar ao paciente o delito de desobediência, que

pressupõe a emissão de ordem legal por funcionário público.

Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci leciona que “é indispensável

que o comando (determinação para fazer algo, e não simplesmente pedido ou

solicitação) seja legal, isto é, previsto em lei, formal (ex: emitido por autoridade

competente) e substancialmente (ex.: estar de acordo com a lei).” (Código Penal

Comentado. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 1.084-1.085).

Assim, havendo dúvidas acerca da própria legalidade de requisição pelo

Ministério Público, independentemente de ordem judicial, de dados cadastrais

de usuário de telefonia fi xa que expressamente solicitou a não divulgação dessas

informações, não há que se falar em prática do delito de desobediência por

funcionário da empresa de telefonia que se julga impedido de fornecê-las.

Ademais, no que se refere ao elemento subjetivo subjetivo necessário à

confi guração do delito previsto no artigo 330 do Código Penal, tem-se que o

agente deve voluntária e conscientemente se opor à ordem legal emanada de

funcionário público.

Como visto, na hipótese vertente não se pode considerar que o paciente

tenha deliberadamente se recusado a cumprir a determinação do Ministério

Público, tampouco que tenha agido com inequívoca vontade de desobedecer,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

712

porquanto explicitou as razões jurídicas pelas quais entendia impossível cumprir

a solicitação formulada.

Desse modo, não sendo certa a legalidade do requerimento ministerial

dirigido à Brasil Telecom, bem como não havendo dolo do paciente em

descumpri-lo, inviável o prosseguimento da investigação instaurada na origem.

Ante o exposto, concede-se a ordem para trancar o Termo Circunstanciado

n. 001/2.07.007.2857-1, em trâmite perante o 2º Juizado Especial Criminal do

Foro Central de Porto Alegre-RS.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 139.998-RS (2009/0121507-4)

Relator: Ministro Jorge Mussi

Impetrante: Augusto Fauvel de Moraes e outro

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 4ª Região

Paciente: Carlos Henrique de Almeida

Paciente: Carla Márcia Michelin de Almeida

EMENTA

Habeas corpus. Descaminho (artigo 334 do Código Penal).

Investigação criminal iniciada antes da conclusão do procedimento

administrativo fiscal. Impossibilidade. Constrangimento ilegal

evidenciado. Concessão da ordem.

1. Tal como nos crimes contra a ordem tributária, o início da

persecução penal no delito de descaminho pressupõe o esgotamento da

via administrativa, com a constituição defi nitiva do crédito tributário.

Doutrina. Precedentes.

2. Embora o delito de descaminho esteja descrito na parte

destinada aos crimes contra a Administração Pública no Código

Penal, motivo pelo qual alguns doutrinadores afi rmam que o bem

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 713

jurídico primário por ele tutelado seria, como em todos os demais

ilícitos previstos no Título IX do Estatuto Repressivo, a Administração

Pública, predomina o entendimento de que com a sua tipifi cação

busca-se tutelar, em primeiro plano, o erário, diretamente atingido

pela ilusão do pagamento de direito ou imposto devido pela entrada,

pela saída ou pelo consumo de mercadoria.

3. O delito previsto na segunda parte do caput do artigo 334

do Código Penal confi gura crime material, que se consuma com a

liberação da mercadoria pela alfândega, logrando o agente ludibriar as

autoridades e ingressar no território nacional em posse das mercadorias

sem o pagamento dos tributos devidos, não havendo, por conseguinte,

qualquer razão jurídica para não se lhe aplicar o mesmo entendimento

já pacifi cado no que se refere aos crimes materiais contra a ordem

tributária, cuja caracterização só ocorre após o lançamento defi nitivo

do crédito fi scal.

4. A confi rmar a compreensão de que a persecução penal no

crime de descaminho pressupõe a constituição defi nitiva do crédito

tributário, tem-se, ainda, que a própria legislação sobre o tema reclama

a existência de decisão fi nal na esfera administrativa para que se possa

investigar criminalmente a ilusão total ou parcial do pagamento de

direito ou imposto devidos (artigo 83 da Lei n. 9.430/1996, artigo 1º,

inciso II, do Decreto n. 2.730/1998 e artigos 1º e 3º, § 7º, da Portaria

SRF n. 326/2005).

5. Na hipótese vertente, ainda não houve a conclusão do

processo administrativo por meio do qual se apura a suposta ilusão do

pagamento de tributos incidentes sobre operações de importação por

parte dos pacientes, pelo que não se pode falar, ainda, em investigação

criminal para examinar a ocorrência do crime de descaminho.

6. Ordem concedida para trancar o inquérito policial instaurado

contra os pacientes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

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taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto

do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Honildo Amaral de Mello Castro

(Desembargador convocado do TJ-AP), Laurita Vaz e Napoleão Nunes Maia

Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília (DF), 25 de novembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Jorge Mussi, Relator

DJe 14.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido liminar

impetrado em favor de Carlos Henrique de Almeida e Carla Márcia Michelin de

Almeida, apontando como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal da 4ª

Região (HC n. 2009.04.00.012006-9-RS).

Noticiam os autos que os pacientes estão sendo investigados pela suposta

prática do crime de descaminho, pois, na qualidade de responsáveis legais da

empresa Max Nutrition Comercial, Importadora, Exportadora e Distribuidora

Ltda., teriam utilizado “faturas falsas ou adulteradas para subfaturar importações

realizadas por esta empresa como artifício para iludir o fi sco” (fl . 64).

Sustenta o impetrante que o inquérito policial teria sido instaurado antes

do lançamento defi nitivo do débito fi scal, tendo em vista a existência de recurso

pendente na esfera administrativa, faltando, por isso, justa causa à defl agração

do procedimento criminal, ao argumento de que o crime de descaminho deveria

receber o mesmo tratamento do crime de sonegação fi scal, já que o tipo penal

em tutelaria o interesse arrecadador do Estado, tratando-se de crime material.

Requer a concessão da ordem para que seja trancado o inquérito policial

em apreço.

A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fl s. 150-151.

Prestadas as informações (fl s. 156-181), o Ministério Público Federal, em

parecer de fl s. 183-189, manifestou-se pela concessão da ordem.

É o relatório.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 715

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas

corpus pretende-se, em síntese, o trancamento de inquérito policial instaurado contra os pacientes para apurar a suposta prática do delito de descaminho, ao argumento de que ainda não teria sido concluído o procedimento administrativo fi scal.

Segundo consta dos autos, o Ministério Público Federal requereu a abertura de inquérito policial em face dos pacientes, diante da possível prática do delito previsto no artigo 334 do Código Penal:

Remeto a Vossa Senhoria o anexo procedimento administrativo MPF/PR/RS 1.29.000.000259/2008-42 e requisito a instauração de inquérito policial para apurar a possível ocorrência de crime de descaminho, delito tipifi cado no artigo 334 do Código Penal, conduta atribuída aos gestores da empresa Max Nutrition Comercial, Importadora, Exportadora e Distribuidora Ltda., que teriam iludido o pagamento de tributos incidentes sobre operações de importação, por meio da apresentação de documentos inidôneos e de declarações falsas perante as autoridades alfandegárias, com o registro de preços subfaturados. (fl . 66).

Por meio de portaria, o Departamento de Polícia Federal iniciou

procedimento para investigar eventual responsabilidade penal dos pacientes:

Considerando o teor do ofício OF/COOCRIM/PR/RS n. 2.195/2008, oriundo do Ministério Público Federal em Porto alegre, o qual apresenta o mandado de segurança n. 2007.71.00.047419-7, protocolizada nesta SR/DPF/RS sob o n. 08430.010240/2008-10;

Resolve:

Instaurar Inquérito Policial para apurar a responsabilidade penal pela possível existência do crime de descaminho, previsto no artigo 334 do Código Penal, por Carlos Henrique de Almeida e Carla Marcia Michelin de Almeida, responsáveis legais da empresa Max Nutrition Comercial, Importadora, Exportadora e Distribuidora Ltda. - CNPJ n. 00.749.105/0001-48, sem prejuízo de outros que possam surgir no decorrer das investigações, haja vista que, em 31.07.2007, a Receita Federal instaurou Procedimento Especial de Controle Aduaneiro face a denúncias de utilização de faturas falsas ou adulteradas para subfaturar importações realizadas por esta empresa como artifício para iludir o fi sco. (fl . 64).

Foi impetrado, então, habeas corpus perante a 7ª Turma do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região, que denegou a ordem pleiteada, mantendo o

inquérito policial instaurado contra os pacientes, em acórdão que recebeu a

seguinte ementa:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Penal. Habeas corpus. Trancamento de inquérito policial. Delito de descaminho. Alegação de inexistência de lançamento definitivo do crédito tributário. Incabimento.

O argumento de que o delito de descaminho exige constituição defi nitiva do crédito tributário não tem sido acolhido neste TRF 4ªR, na medida em que o bem jurídico tutelado pelo delito previsto no art. 334 do Código Penal não se restringe ao mero interesse fiscal, razão pela qual não pode ser equiparado às típicas infrações penais contra a ordem tributária, de que é exemplo o art. 1º da Lei n. 8.137/1990, razão pela qual resta inviável falar-se em trancamento de inquérito policial (Precedentes). (fl . 139).

Pois bem. Compulsando os elementos constantes dos autos, tem-se que assiste razão aos impetrantes.

Inicialmente, é preciso destacar que existe controvérsia, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, sobre a possibilidade de se condicionar a persecução penal no delito de descaminho ao esgotamento da esfera administrativa.

Para uma primeira corrente, a inexigibilidade do exaurimento da via administrativa no ilícito disposto no artigo 334, caput, segunda parte do Código Penal decorreria, essencialmente, da diferença existente entre os crimes contra a ordem tributária e o delito de descaminho, notadamente no que se refere aos bens jurídicos por eles tutelados.

Contudo, tal objeção não prospera, devendo prevalecer a tese pela qual é indispensável a conclusão do procedimento administrativo fi scal para que possa ter início a apuração penal do crime de descaminho.

Topografi camente, o delito de descaminho encontra-se na parte destinada aos crimes contra a Administração Pública no Código Penal, motivo pelo qual há os que afi rmam que o bem jurídico primário por ele tutelado seria, como em todos os demais ilícitos previstos no Título IX do Estatuto Repressivo, a Administração Pública.

Por essa razão, aduz-se que não seria possível condicionar a persecução penal ao esgotamento das instâncias administrativas, uma vez que a tutela da moralidade pública, da regularidade nas importações e exportações, prescindiria da constituição defi nitiva do crédito tributário.

Todavia, embora o delito de descaminho seja, de fato, pluriofensivo, é certo que predomina o entendimento de que com a sua tipifi cação busca-se tutelar, em primeiro plano, o erário, diretamente atingido pela ilusão do pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 717

A propósito, é essa a lição de Cezar Roberto Bitencourt:

Bem jurídico tutelado, como em todas as infrações penais constantes do Título XI do Código Penal, Parte Especial, é a Administração Pública, no plano genérico. O bem jurídico tutelado específi co, no entanto - a despeito de todos os fundamentos que se têm procurado atribuir à criminalização do contrabando ou descaminho -, é, acima de tudo, a salvaguarda dos interesses do erário público, diretamente atingido pela evasão de renda resultante dessas operações clandestinas ou fraudulentas. Num plano secundário, não se pode negar, visa-se também proteger a moralidade pública com a repressão de importação e exportação de mercadoria proibida, que podem, inclusive, produzir lesão à saúde pública, à higiene, etc. e não deixa de proteger igualmente a indústria e a economia nacionais como um todo, com o fortalecimento de barreiras alfandegárias. (Código Penal Comentado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1.103).

Desse modo, percebe-se que assim como nos crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n. 8.137/1990, no descaminho a integridade do erário é o bem jurídico fundamentalmente protegido, o que, por si só, e num primeiro momento, já justifi ca o condicionamento da persecução penal à conclusão do procedimento administrativo de apuração do débito fi scal.

Isso porque o descaminho, na forma de iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria, configura crime material, que se consuma com a liberação do produto pela alfândega, logrando o agente ludibriar as autoridades e ingressar no território nacional em posse dos bens sem o pagamento dos tributos devidos.

Ora, como no delito previsto na segunda parte do caput do artigo 334 do Código Penal vislumbra-se a ocorrência de resultado naturalístico, consistente na falta de arrecadação dos tributos pertinentes, não há qualquer razão jurídica para não se lhe aplicar o mesmo entendimento já pacifi cado no que se refere aos crimes materiais contra a ordem tributária, cuja caracterização só ocorre após o lançamento defi nitivo do crédito fi scal.

Mas não é só. Apesar de haver quem entenda que o descaminho não pode ser equiparado aos crimes contra a ordem tributária, principalmente porque não confi guraria técnica estatal de arrecadação, tendo por fi nalidade única a repressão penal da conduta, sem qualquer preocupação com a satisfação do débito fi scal, o certo é que a infração penal prevista no artigo 334, caput, segunda parte, do Código Penal caracteriza, sim, um ilícito tributário, que em tudo se assemelha aos disciplinados na Lei n. 8.137/1990, constando do Código Penal somente por uma questão de opção legislativa.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Nessa esteira, Cezar Roberto Bitencourt, ao tratar da distinção entre o

descaminho e os demais crimes contra a ordem tributária, assinala que:

Com efeito, com o crime de descaminho deixa-se de recolher todos os tributos que lhe são inerentes, tais como o imposto de importação e exportação (II e IE); o imposto de produtos industrializados (IPI) - substituto do antigo imposto de consumo -, pois, via de regra, o objeto material do descaminho é produto industrializado; e o imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS). Constata-se que o descaminho, a despeito de implicar, direta e simultaneamente, “sonegação” automática de inúmeros impostos, é tipificado e classificado como crime contra a Administração Pública, por opção político-criminal do legislador, e não como crime contra a ordem tributária, que, tecnicamente, não constituiria nenhum disparate se houvesse opção legislativa em atribuir-lhe essa natureza. (Op. cit., p. 1.108).

Aliás, conveniente registrar que foi justamente a similitude existente

entre o descaminho e os crimes contra a ordem tributária que fez com que a

colenda Sexta Turma desta Corte Superior estendesse ao delito do artigo 334

do Código Penal a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento do

tributo, estabelecida no artigo 34 da Lei n. 9.249/1995, a qual, expressamente,

só abrangeria os ilícitos tributários defi nidos na Lei n. 8.137/1990 e na Lei n.

4.729/1965.

O acórdão recebeu a seguinte ementa:

Processo Penal. Habeas corpus. Descaminho. Extinção da punibilidade. Pagamento do tributo antes do oferecimento da denúncia. Aplicação do art. 34 da Lei n. 9.249/1995. Ubi eadem ratio ibi idem ius.

1. Não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral.

2. Diante do pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, de rigor o reconhecimento da extinção da punibilidade.

3. Ordem concedida.

(HC n. 48.805-SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 26.06.2007, DJ 19.11.2007, p. 294)

A confirmar a compreensão de que a persecução penal no crime de

descaminho pressupõe a constituição defi nitiva do crédito tributário, tem-se,

ainda, que a própria legislação sobre o tema reclama a existência de decisão fi nal

na esfera administrativa para que se possa investigar criminalmente a ilusão

total ou parcial do pagamento de direito ou imposto. Senão vejamos.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 719

O caput do artigo 83 da Lei n. 9.430/1996, estabelece que a representação

fiscal para fins penais nos crimes contra a ordem tributária e nos delitos

de apropriação indébita e de sonegação de contribuição previdenciária só

deve ser encaminhada ao Ministério Público após o esgotamento da esfera

administrativa, verbis:

Art. 83. A representação fi scal para fi ns penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão fi nal, na esfera administrativa, sobre a exigência fi scal do crédito tributário correspondente.

Por sua vez, o Decreto n. 2.730/1998, que dispõe sobre o encaminhamento

ao Ministério Público Federal da representação fi scal para fi ns penais de que

trata o artigo 83 da Lei n. 9.430/1996, prevê, expressamente, no inciso II do

artigo 1º, a fi gura típica do descaminho:

Art. 1º O Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional formalizará representação fi scal, para os fi ns do art. 83 da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, em autos separados e protocolizada na mesma data da lavratura do auto de infração, sempre que, no curso de ação fi scal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda ou decorrente de apreensão de bens sujeitos à pena de perdimento, constatar fato que confi gure, em tese;

(...)

II - crime de contrabando ou descaminho.

Finalmente, a Portaria SRF n. 326/2005, ao discriminar o procedimento

que deve ser observado pelo auditor-fi scal quando se deparar com a suposta

prática do delito previsto no artigo 334 do Código Penal determina que seja

formalizada representação fi scal para fi ns penais (artigo 1º), bem como que a

ela sejam anexadas as peças da decisão fi nal do processo administrativo fi scal

no qual não tenha havido o pagamento do tributo, para o encaminhamento ao

Ministério Público Federal, nos termos do artigo 3º, § 7º, que se encontra assim

redigido:

§ 7º Transitada em julgado a decisão sem que o crédito tenha sido extinto pelo pagamento, ressalvadas as hipóteses de que tratam o art. 15, caput e § 2º, II, da Lei n. 9.964, de 2000, e o art. 9º da Lei n. 10.684, de 2003, as peças da

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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decisão fi nal, que confi rmam a existência do ilícito tributário caracterizador de crime, serão juntadas, por cópia, à representação fi scal para fi ns penais, que será remetida, no prazo máximo de dez dias, pelo Delegado ou Inspetor da Receita Federal, responsável pelo controle do processo administrativo-fi scal, ao órgão do Ministério Público Federal que for competente para promover a ação penal.

Da leitura conjugada de todos os dispositivos legais acima mencionados,

conclui-se que a defl agração da persecução penal no delito de descaminho

pressupõe o trânsito em julgado da decisão na esfera administrativa, somente

após o que se poderá falar em ilícito tributário.

Sobre o tema, cumpre trazer à baila a posição de Celso Delmanto, Roberto

Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fabio M. de Almeida Delmanto, para

quem “a natureza tributária do delito de descaminho (art. 334, caput, segunda

parte)”, enseja o mesmo tratamento dado aos crimes contra a ordem tributária

e contra a Previdência Social, para os quais “é pacífi co o entendimento de que

o inquérito policial ou o processo criminal só poderão ser instaurados após o

término do processo administrativo-fi scal” (Código Penal Comentado. 8ª ed.

São Paulo: Saraiva, 2010, p. 960).

Guilherme de Souza Nucci adota idêntica orientação, consignando que se

houver o pagamento do imposto devido, falta justa causa para a ação penal pela

ausência de dolo do agente:

Atualmente, pode-se vincular o ajuizamento da ação penal ao término de procedimento administrativo instaurado para apurar a sonegação fiscal decorrente da importação ou exportação de mercadoria. É preciso considerar que, havendo plena quitação do imposto devido à Receita Federal, não se mantém a justa causa para a ação penal. O descaminho, por ausência de dolo, não subsiste, devendo, pois, ser trancada a ação penal ou o inquérito policial. (Código Penal Comentado. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 1.103).

Em arremate, vale ressaltar que esta também tem sido a orientação deste

Sodalício que, por meio da egrégia Sexta Turma, tem condicionado a persecução

criminal pelo crime de descaminho ao exaurimento da via administrativa:

Descaminho (caso). Habeas corpus (cabimento). Matéria de prova (distinção). Esfera administrativa (Lei n. 9.430/1996). Processo administrativo-fiscal (pendência). Ação penal (extinção).

1. Determina a norma (constitucional e infraconstitucional) que se conceda habeas corpus sempre que alguém esteja sofrendo ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação; trata-se de dar proteção à liberdade de ir, fi car e vir,

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 721

liberdade induvidosamente possível em todo o seu alcance. Assim, não procedem censuras a que nele se faça exame de provas. Precedentes do STJ.

2. A propósito da natureza e do conteúdo da norma inscrita no art. 83 da Lei n. 9.430/1996, há de se entender que a condição ali existente é condição objetiva de punibilidade, e tal entendimento também se aplica ao crime de descaminho (Cód. Penal, art. 334).

3. Em hipótese que tal, o descaminho se identifi ca com o crime contra a ordem tributária. Precedentes do STJ: HCs n. 48.805, de 2007, e 109.205, de 2008.

4. Na pendência de processo administrativo no qual se discute a exigibilidade do débito fi scal, não há falar em procedimento penal.

5. Recurso ordinário provido para se extinguir, relativamente ao crime de descaminho, a ação penal.

(RHC n. 25.228-RS, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 27.10.2009, DJe 08.02.2010)

Penal. Habeas corpus. Descaminho. Trancamento da ação penal. Ausência de prévia constituição do crédito tributário na esfera administrativa. Natureza tributária do delito. Ordem concedida.

1. Consoante recente orientação jurisprudencial do egrégio Supremo Tribunal Federal, seguida por esta Corte, eventual crime contra a ordem tributária depende, para sua caracterização, do lançamento defi nitivo do tributo devido pela autoridade administrativa.

2. O crime de descaminho, por também possuir natureza tributária, eis que tutela, dentre outros bens jurídicos, o erário público, deve seguir a mesma orientação, já que pressupõe a existência de um tributo que o agente logrou êxito em reduzir ou suprimir (iludir).

Precedente.

3. Ordem concedida para trancar a ação penal ajuizada contra os pacientes no que tange ao delito de descaminho, suspendendo-se, também, o curso do prazo prescricional.

(HC n. 109.205-PR, Rel. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Sexta Turma, julgado em 02.10.2008, DJe 09.12.2008, RT vol. 882, p. 569)

Na hipótese vertente, ainda não houve a conclusão do Processo

Administrativo n. 1094.000012/2008-49, por meio do qual se apura a suposta

ilusão do pagamento de tributos incidentes sobre operações de importação por

parte dos pacientes, mediante a apresentação de documentos inidôneos e de

declarações falsas perante as autoridades alfandegárias, conforme o documento

acostado à fl . 60, cuja veracidade e atualidade das informações foi atestada

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por meio de acesso à pagina do Ministério da Fazenda localizada na internet,

pelo que não se pode falar, ainda, em investigação criminal para examinar a

ocorrência de crime de descaminho.

Ante o exposto, concede-se a ordem para trancar o Inquérito Policial n.

1774/08-SR/DPF-RS instaurado contra os pacientes.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 146.790-SP (2009/0175157-7)

Relator: Ministro Gilson Dipp

Impetrante: Francisco Emerson Mouzinho de Lima

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Teresinha Monteiro dos Santos

EMENTA

Criminal. Habeas corpus. Estelionato. Pena-base fi xada acima

do mínimo legal. Maus antecedentes. Reincidência. Prazo de cinco

anos entre a extinção da pena e a data do novo delito não decorrido.

Ausência de bis in idem. Existência de duas condenações penais

transitadas em julgado. Regime aberto e conversão de pena corporal

em restritiva de direitos. Acusada reincidente. Impossibilidade de

concessão dos benefícios. Ordem denegada.

I. A teor do art. 63 do CP, o qual preleciona que apenas não deverá

ser reconhecida a reincidência quando decorrido o lapso temporal de

cinco anos entre a data do cumprimento da pena anterior ou de sua

extinção e o cometimento do novo delito, infere-se a incidência da

referida circunstância agravante.

II. A existência de duas condenações transitadas em julgado em

desfavor da agente permite a fi xação da pena-base acima do mínimo

legal e o reconhecimento da agravante da reincidência, sem que se

vislumbre a ocorrência de bis in idem.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 723

III. Não obstante o quantum da pena imposta, o fato de se tratar

de acusada reincidente e o reconhecimento de circunstâncias judiciais

desfavoráveis não permitem o desconto da reprimenda em regime

aberto (Precedentes).

IV. A conversão da pena corporal em restritiva de direitos

encontra óbice no inciso II do art. 44 do Estatuto Repressor, que veda

a concessão do benefício ao réu reincidente em crime doloso.

IV. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. “A

Turma, por unanimidade, denegou a ordem. “Os Srs. Ministros Laurita Vaz,

Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 16 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Gilson Dipp, Relator

DJe 1º.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilson Dipp: Trata-se de habeas corpus, com pedido de

liminar, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que

deu provimento parcial ao apelo interposto em favor de Teresinha Emerson

Mouzinho de Lima.

A paciente foi condenada à pena de 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de

reclusão, em regime inicialmente semiaberto, pela prática, por duas vezes, do

delito previsto art. 171, caput, c.c. art. 29 e art. 69, caput, todos do Código Penal.

Irresignada, a defesa interpôs apelo perante o Colegiado estadual, que

restou parcialmente provido, tão somente para reduzir o quantum da pena ao

patamar de 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, por cada

um dos crimes, totalizando 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias, a ser

descontada em regime intermediário.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

724

Daí a presente irresignação, na qual o impetrante alega que a sentença

condenatória merece reparo, uma vez que teria sido considerada a reincidência

da paciente, devendo ser aplicado o regime aberto para desconto da pena, assim

como convertida a reprimenda corporal em restritiva de direitos.

Ademais, assevera que a apenada não ostenta maus antecedentes, sendo

que a condenação nos autos da Ação Penal n. 2003/03 retroagiu em prejuízo da

ora paciente, já que, na data dos fatos descritos nos autos, era a acusada primária.

Pugna-se, assim, pelo estabelecimento do regime aberto, bem como pela

conversão da pena corporal por restritiva de direitos.

Liminar indeferida à fl . 100.

Informações prestadas às fl s. 105-137 e 154-182.

A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela denegação da

ordem (fl s. 141-146).

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

VOTO

O Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator): Trata-se de habeas corpus, com

pedido de liminar, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo, que deu provimento parcial ao apelo interposto em favor de Teresinha

Emerson Mouzinho de Lima.

A paciente foi condenada à pena de 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de

reclusão, em regime inicialmente semiaberto, pela prática, por duas vezes, do

delito previsto art. 171, caput, c.c. art. 29 e art. 69, caput, todos do Código Penal.

Irresignada, a defesa interpôs apelo perante o Colegiado estadual, que

restou parcialmente provido, tão somente para reduzir o quantum da pena ao

patamar de 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, por cada

um dos crimes, totalizando 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias, a ser

descontada em regime intermediário.

Daí a presente irresignação, na qual o impetrante alega que a sentença

condenatória merece reparo, uma vez que teria sido considerada a reincidência

da paciente, devendo ser aplicado o regime aberto para desconto da pena, assim

como convertida a reprimenda corporal em restritiva de direitos.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 725

Ademais, assevera que a apenada não ostenta maus antecedentes, sendo

que a condenação nos autos da Ação Penal n. 2003/03 retroagiu em prejuízo da

ora paciente, já que, na data dos fatos descritos nos autos, era a acusada primária.

Pugna-se, assim, pelo estabelecimento do regime aberto, bem como pela

conversão da pena corporal por restritiva de direitos.

Passo à análise da irresignação.

O Juízo de Direito da Comarca de Itatiba, no bojo da sentença

condenatória, asseverou:

Em primeira lugar, considerando as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, especialmente a existência de antecedentes criminais e o prejuízo suportado pelas vítimas, demonstrando conduta totalmente reprovável, fi xo a pena-base acima do mínimo legal, ou seja, em 02 (dois) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, para cada um dos crimes.

Tendo em vista que a ré é reincidente, conforme certidão de fl s. 198, deve ser reconhecida a agravante prevista no artigo 61 do Código Penal, em portanto, ocorrer um aumento da pena-base de 1/3 (um terço), o que refaz um total de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 66 (sessenta e seis dias-multa).

Não há causas de aumento ou diminuição a serem consideradas.

O regime inicial de cumprimento da pena é o regime semiaberto, tendo em vista o exposto quando da fi xação da pena-base, principalmente a existência de antecedentes e a reincidência da ré (fl s. 22-23).

O Colegiado de origem, por seu turno, ao reformar o julgado de primeiro

grau, consignou:

A dosimetria da pena merece reparo.

Na primeira fase, as penas foram fi xadas acima do mínimo legal, em dois anos de reclusão e pagamento de cinquenta dias-multa, para cada um dos crimes de estelionato, em razão dos maus antecedentes e pelo prejuízo suportado pelas vítimas.

A reprimenda da acusada Teresinha ainda foi majorada, na fração de um terço, pela reincidência.

O prejuízo patrimonial causado pelas condutas não autoriza o reconhecimento da circunstância judicial relacionada com as consequências do crime, porquanto ausentes maiores informações sobre a situação econômico-financeira das ofendidas, o que impede avaliar a extensão do desfalque aos patrimônios.

(...) No concernente a apelante Teresinha, apenas a certidão de fl s. 186 pode ser considerada como maus antecedentes, em atenção ao princípio constitucional da

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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presunção de inocência, de modo que é sufi ciente para o aumento em um sexto, perfazendo um ano e dois meses de reclusão, mais o pagamento onze dias-multa. Pela reincidência certifi cada a fl s. 198, majoro a sanção em um sexto, percentual que entendo mais adequado para reprovação do crime, totalizando um ano, quatro meses e 12 dias-multa, para casa um dos delitos.

(...) A reincidência da ré Teresinha desautoriza a substituição (art. 44, inciso II, do CP).

O regime prisional semiaberto foi corretamente fixado para a apelante Teresinha, considerando-se seus maus antecedentes e a reincidência, uma vez que o mais brando seria insufi ciente para reprovação e prevenção do crime (fl s. 11-14).

Com efeito, nos termos do consignado na certidão acostada aos autos às fl s. 86, a paciente foi condenada à pena de 01 (um) ano e 03 (três) anos autos do Processo n. 417/97, pela prática do delito previsto no art. 171, caput, c.c. art. 29, ambos do Código Penal. Ademais, os fatos apurados nos autos da ação penal retrocitada foram praticados em 06.08.1997, tendo a sentença condenatória transitado em julgado em 24.06.1998.

De outro lado, os delitos relacionados à presente impetração teriam sido levados a efeito em 24 de outubro de 2002 e 14 de janeiro de 2003.

Nesse contexto, a teor do art. 63 do CP, o qual preleciona que apenas não deverá ser reconhecida a reincidência quando decorrido o lapso temporal de cinco anos entre a data do cumprimento da pena anterior ou de sua extinção e o cometimento do novo delito, deve-se reconhecer a incidência da referida circunstância agravante.

Deveras, não obstante a ausência de informação acerca do término do cumprimento da pena corporal imposta à paciente nos autos do Processo n. 417/97, tendo sido a sentença proferida em 10.12.1997, com a expedição de mandado de prisão em 11.12.2007, não de infere o transcurso do prazo de 05 (cinco) anos entre a data da condenação emanada dos autos alhures mencionados e a data dos fatos apurados no Processo n. 463/03, o qual ensejou a presente impetração.

De outra banda, no tocante aos maus antecedentes, verifi ca-se a existência de outra condenação, nos autos do Processo n. 332/94, no qual foi condenada à pela de 01 (um) ano de reclusão, pela prática do delito de estelionato, o que possibilita a majoração da pena-base, nos termos do art. 59 CP.

Diante disso, a existência de duas condenações transitadas em julgado em

desfavor da agente, nos termos do consignado nas instâncias ordinárias, permite

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 727

a fi xação da pena-base acima do mínimo legal e o reconhecimento da agravante

da reincidência, sem que se vislumbre a ocorrência de bis in idem.

Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado deste Colegiado:

Habeas corpus. Penal. Tráfi co de drogas. Fixação da pena-base. Quantidade de droga. Justifi cativa válida. Reincidência e maus antecedentes. bis in idem. Inocorrência.

1. O art. 42 da Lei n. 11.343/2006 impõe ao julgador considerar, com preponderância sobre o previsto no art. 59, do Código Penal, a natureza e a quantidade da droga, tanto na fi xação da pena-base, quanto na determinação do grau de redução da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal.

2. A fixação da pena-base acima do mínimo legal também restou suficientemente justificada pelos antecedentes do Paciente - detentor de três condenações transitadas em julgado, respectivamente, em 28.10.2003, 09.01.2005 e 15.05.2006. Como se vê, na hipótese de o magistrado singular ter valorado negativamente os antecedentes do Paciente, para majorar a pena-base, em razão de uma condenação anterior transitada em julgado, e, na 2ª etapa, ter considerado outra condenação defi nitiva para agravar a pena pela reincidência, impossível falar-se em bis in idem.

3. Não obstante a constatação de algumas impropriedades, verifica-se que o quantum de aumento na fi xação da pena-base se revela proporcional e fundamentado, pois as instâncias ordinárias consideraram, concretamente, os elementos acidentais que extrapolam consideravelmente o tipo penal básico imputado ao Paciente. Como é cediço, excetuados os casos de patente ilegalidade ou abuso de poder, é vedado em sede de habeas corpus o amplo reexame das circunstâncias judiciais consideradas para a individualização da sanção penal, porquanto requerem a análise de matéria fático-probatória.

4. Desse modo, diante das circunstâncias judicias desfavoráveis, que, de fato, emprestaram à conduta do Paciente especial reprovabilidade e que não se afi guram inerentes ao próprio tipo penal em comento, não há como, diante da ausência de manifesta ilegalidade, redimensionar a pena aplicada pelo julgador, porquanto dentro dos limites da razoabilidade e proporcionalidade.

5. Ordem denegada.

(HC n. 134.433-MG, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe de 18.10.2010).

De outro lado, o artigo 33 do Código Penal, em seu § 2º, alínea c,

preleciona:

O condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Na hipótese, não obstante o quantum da pena imposta, o fato de se tratar de

acusado reincidente e o reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis

não permitem o desconto da reprimenda em regime aberto.

Nesse sentido, trago à colação o seguinte precedente deste Tribunal:

Habeas corpus. Furto qualifi cado. Dosimetria da pena. Pena-base fi xada acima do mínimo legal. Duas qualificadoras. Utilização de uma como circunstância judicial desfavorável. Possibilidade. Reincidência invocada na primeira e na segunda fase. Bis in idem. Regime semiaberto. Ilegalidade. Não ocorrência.

1. Na fixação da pena, adotou o legislador o sistema trifásico, devendo o magistrado, na primeira fase, estabelecer a pena-base entre os limites mínimo e máximo indicado na lei, observadas as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, sendo certo que a sua estipulação acima do mínimo legal exige devida fundamentação, a teor do disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

2. Existindo duas qualifi cadoras, uma pode servir para qualifi car o delito e a outra como circunstância judicial desfavorável. Precedentes.

3. A valoração da reincidência tanto na primeira fase, para aumentar a pena-base, quanto como agravante genérica, implica verdadeiro bis in idem.

4. Embora a pena privativa de liberdade não ultrapasse 4 anos de reclusão, havendo o reconhecimento de circunstância judicial desfavorável e sendo o paciente reincidente, não há como fi xar o regime aberto.

5. Habeas corpus parcialmente concedido tão-só para reduzir a pena do paciente para 3 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, e 70 dias-multa, mantido o regime semiaberto estipulado na sentença.

(HC n. 140.442-MS, Relator Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), Sexta Turma, DJe de 21.06.2010).

De igual modo, a conversão da pena corporal em restritiva de direitos

encontra óbice no inciso II do art. 44 do Estatuto Repressor, que veda a

concessão do benefício ao réu reincidente em crime doloso.

A propósito, trago à baila o seguinte precedente desta Turma:

Processual Penal. Habeas corpus. Art. 180, § 1º, do Código Penal. Nulidade. Não apreciação de pedido de vista dos autos fora de cartório. Inocorrência. Comparecimento do advogado constituído no dia do julgamento. Ausência de prejuízo. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Reincidência. Impossibilidade.

I - Ao contrário do que alega o impetrante, não houve cerceamento de defesa no julgamento do recurso de apelação, pois a respectiva sessão foi adiada em

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 729

duas oportunidades em atendimento a requerimento da defesa para melhor exame da quaestio. Ademais, o patrono do paciente compareceu à sessão de julgamento no dia aprazado sem manifestar interesse em realizar sustentação oral.

II - Constatado ser o paciente reincidente e, ainda, ressaindo do v. acórdão atacado que as circunstâncias do crime não lhe favorecem, escorreita se revela a decisão que não autorizou a substituição da pena (Precedente desta Corte).

Ordem denegada.

(HC n. 96.770-SP, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de 04.10.2010).

Ante o exposto, denego a ordem.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 160.590-SP (2010/0014825-7)

Relator: Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do

TJ-RJ)

Impetrante: Renata Simões Stabile Bucceroni - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: J A da S (preso)

EMENTA

Habeas corpus. Processual Penal. Órgão colegiado composto

majoritariamente por juízes convocados, por norma constitucional

ou legal. Nulidade. Inexistência. Ofensa ao princípio do juiz natural.

Inocorrência. Precedentes.

1. Através do julgamento do RE n. 597.133-RS (17.11.2010),

em regime de repercussão geral, o STF fi xou a orientação de que

não há nenhuma violação ao princípio do juiz natural quando a

Turma julgadora é composta, na sua maioria, por juízes convocados

de primeiro grau. Entendimento, esse, que homenageia a duração

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

730

razoável do processo, “materializando o ideal de uma prestação

jurisdicional célere e efetiva”.

2. Sendo tal entendimento adotado pela Quinta Turma do

Superior Tribunal de Justiça, aferindo estarem dentro da legalidade

os julgamentos proferidos pelos órgãos fracionários com quantitativo

majoritário de juízes convocados. Desta forma, resta superada a

jurisprudência em sentido contrário emanada anteriormente por esta

Corte.

3. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, denegar a ordem.

Os Srs. Ministros Gilson Dipp e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Laurita Vaz e Napoleão

Nunes Maia Filho.

Brasília (DF), 08 de fevereiro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-RJ),

Relator

DJe 21.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do

TJ-RJ): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial impetrado, ao

argumento de que o ora paciente sofre constrangimento ilegal, em virtude de o

recurso de Apelação ter sido julgado por Colegiado composto, em sua maioria,

por Juízes convocados, em afronta ao princípio constitucional do juiz natural.

Noticia que o apelo foi provido, em parte, para ser mantida a sentença

que o condenara pela prática do delito previsto nos artigos 213 e 214, c.c. o

artigo 223, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, reduzindo-se a pena

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 731

anteriormente aplicada em 1/6 (um sexto), fi xando-a, defi nitivamente, em 24

(vinte e quatro) anos de reclusão, em regime inicial fechado.

Postulara o provimento do mandamus, a fim de se anular o acórdão

vergastado, em obediência ao princípio do juiz natural.

Exmo. Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima indeferiu o pedido liminar (fl s.

36).

Informações prestadas (fl s. 40-48).

No seu parecer, o douto Ministério Público Federal opinou pela denegação

da ordem (fl s. 151-153).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do

TJ-RJ) (Relator): O pleito do impetrante, em síntese, é anular o acórdão do

Tribunal a quo sob a assertiva de violação aos princípios do juiz natural e do

duplo grau de jurisdição em face do colegiado não ter sido composto por

desembargadores em sua maioria.

Ao paciente não assiste razão, pois o inconformismo com o fato do

julgamento em segundo grau da ação ou recurso ter sido efetivado mediante a

participação em sua maioria por juízes convocados, que gozam de competência

e imparcialidade, não provoca constrangimento ilegal.

Ressalto, outrossim, que o órgão fracionário composto pelos referidos

magistrados, previamente indicados, com base na Constituição ou norma

legal, situa-se dentro da estrita observância dos princípios constitucionais do

juiz natural, da publicidade, duplo grau de jurisdição, da duração razoável do

processo e celeridade processual.

 É certo que a Terceira Seção desta Corte, anteriormente havia fi rmado o

entendimento de que o julgamento realizado por órgão fracionário, composto

única ou em maioria por juízes convocados, padecia de vício de nulidade

absoluta. Isso porque, fundamentava-se que tal fato violava o princípio do juiz

natural, bem como os artigos 93, III, 94, e 98, I, da Constituição Federal.

No entanto, este entendimento está superado quando, sob o regime de

repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal em sessão plenária, realizada em

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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17 de novembro de 2010, pacifi cou a tese de que o julgamento de apelação por

órgão composto majoritariamente por juízes convocados, conforme os preceitos

contidos em lei específi ca, não viola os princípios constitucionais do juiz natural,

duplo grau de jurisdição, do devido processo legal e seus consectários lógicos

da ampla defesa e do contraditório. (RE n. 597.133-RS, relator Min. Ricardo

Lewandowski)

Dentre outros precedentes do pretório Excelso, com a mesma

fundamentação, cito o seguinte julgado:

Habeas corpus. Princípio do juiz natural. Câmara composta majoritariamente por juízes de 1º grau convocados. Precedentes. Ordem denegada.

1. É pacífi ca a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que não viola o princípio do juiz natural a convocação de juízes de primeiro grau para compor órgão julgador do respectivo tribunal. Precedente: HC n. 86.889, da relatoria do ministro Menezes Direito.

2. No julgamento do HC n. 96.821 (Sessão de 08.04.2010 - acórdão pendente de publicação), o Plenário desta nossa Corte fi xou a orientação de que não há nenhuma violação ao princípio do juiz natural quando a Turma julgadora é composta, na sua maioria, por juízes convocados de primeiro grau. Entendimento, esse, que homenageia a duração razoável do processo, “materializando o ideal de uma prestação jurisdicional célere e efetiva”.

3. Ordem denegada (STF - HC n. 96.821, Rel. Ministro Ricardo Lewandowisk, Tribunal Pleno, DJe de 25.06.2010).

Diante da cristalização da orientação emanada pela Excelsa Corte, a

nova vertente vem sendo seguida pela Quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, aferindo estarem dentro da legalidade os julgamentos proferidos pelos

órgãos fracionários com quantitativo majoritário de juízes convocados, pois tal

ocorrência, por si só, não viola os princípios constitucionais do devido processo

legal e do juiz natural.

Extraio o seguinte julgado:

Habeas corpus. Processual Penal. Julgamento de recursos. Órgão colegiado composto majoritariamente por juízes convocados. Ausência de violação ao princípio do juiz natural. Convocação que atende à Constituição Federal e à lei federal. Ausência de intimação do defensor. Nulidade. Anulação do julgamento. Concessão da ordem.

1. Não ofende o princípio constitucional do juiz natural a convocação de juízes de primeiro grau para, nos casos de afastamento eventual ou férias de

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 733

desembargador titular, compor o órgão julgador do respectivo Tribunal, desde que observadas as diretrizes legais.

2. A composição majoritária do órgão julgador de Tribunal por juízes de primeiro grau, desde que observada a lei de regência, como se deu no caso, não viola o princípio constitucional do juiz natural.

Precedentes do STF e do STJ.

3. Esta Corte Superior de Justiça tem entendimento no sentido de que a ausência de intimação pessoal do defensor público da sessão de julgamento do recurso de apelação torna nulo o acórdão nela proferido, por cerceamento de defesa. Precedentes.

4. Ordem concedida em parte para determinar que outro julgamento seja proferido, desta vez com a devida intimação da Defensoria Pública.

(HC n. 167.512-SP, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ-AP), Quinta Turma, julgado em 09.11.2010, DJe 29.11.2010)

Com esses fundamentos, na esteira dos recentes julgados desta Egrégia

Corte e do Supremo Tribunal Federal, e por não haver qualquer nulidade na

composição da turma julgadora, em face dos motivos articulados, não merece

acolhida a pretensão postulada.

Diante do exposto, conheço do habeas corpus e denego a ordem.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 166.778-BA (2010/0053073-0)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Impetrante: Janjório Vasconcelos Simões Pinho e outros

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado da Bahia

Paciente: Itamar da Silva Rios

EMENTA

Habeas corpus preventivo. Crime de responsabilidade de

prefeito. Art. 1º, II do DEL n. 201/1967 (empréstimo de carro

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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da prefeitura para fi ns particulares de terceiros). Recebimento da

denúncia pelo Tribunal estadual, sem afastamento do prefeito do

cargo. Inadmissibilidade da pretensão de trancamento da ação penal.

Acusação aceita pelo Tribunal de forma motivada. Fato, em princípio,

típico. Recepção do DEL n. 201/1967 pela atual Constituição.

Violação ao princípio da indisponibilidade/indivisibilidade da

ação penal. Crime de responsabilidade que é próprio de prefeito.

Incompetência da 1ª Câmara Criminal para o julgamento do paciente.

Questão não enfrentada pelo Tribunal a quo. Ausência de documentos

comprobatórios da alegação. Parecer do MPF pela denegação da

ordem. Ordem denegada.

1. O trancamento da Ação Penal por meio de Habeas Corpus

é medida excepcional, somente admissível quando transparecer dos

autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da

conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias não evidenciadas

na hipótese em exame.

2. A impetração envereda por argumentação relativa ao mérito

da acusação, sustentando a ausência de dolo do acusado; todavia, a tese

defensiva não é daquelas que se apresentam induvidosa e somente por

meio da análise da prova a ser judicializada será possível concluir pela

existência ou não do dolo específi co na conduta do paciente.

3. Quanto à violação ao princípio da indisponibilidade/

indivisibilidade da Ação Penal, poque não denunciado o Vereador

condutor do veículo sinistrado, a tese não comporta acolhida, pois o

crime de responsabilidade em apuração é próprio de Prefeito.

4. A alegação de que, nos termos da Lei de Organização Judiciária

do Estado da Bahia, o julgamento de Prefeito compete ao Pleno do

Tribunal de Justiça, e não à Câmara Criminal, carece de adequada

comprovação, pois não juntados cópias das referidas normas estaduais,

fato que obstaculiza a análise da questão.

5. O DEL n. 201/1967 tem sido constantemente aplicado

tanto por esta Corte como pelo STF sem se cogitar de qualquer

inconstitucionalidade.

6. Ordem denegada.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 735

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros

Jorge Mussi, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 02 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator

DJe 13.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Habeas Corpus

com pedido de liminar impetrado em favor de Itamar da Silva Rios, Prefeito

do Município de Capim Grosso-BA, contra acórdão proferido pelo TJBA, que

recebeu a denúncia ofertada em desfavor do paciente pela suposta prática do

crime previsto no art. 1º, II do DEL n. 201/1967, nos termos do acórdão assim

ementado, por seu caput:

Ação penal originária. Prefeito municipal denunciado como incurso nas penas do art. 1º, inciso II do Decreto-Lei n. 201/1967. Alcaide que cedeu veículo ofi cial para vereador, tendo este procedido o traslado de amigos e familiares para festa junina, e antes de chegar ao seu destino envolveu-se em acidente automobilístico. Peça acusatória descrevendo regularmente os fatos e imputando a prática de crime em tese pelo acusado, alicerçada em elementos sufi cientes de materialidade e indícios de autoria. Desnecessidade de decretação da prisão preventiva e do afastamento doa alcaide. Denúncia recebida. (fl s. 196).

2. Aduz a impetração, em síntese: (a) a ausência de crime eis que o fato

constitui um indiferente penal; (b) ausência de dolo específi co, pois o veículo

foi utilizado de forma adequada e necessária para servir ao paciente enquanto

prefeito, que não autorizou o transporte de outras pessoas; (c) a não receptação

do DEL n. 201/1967 pela atual constituição; (d) violação ao princípio da

indisponibilidade/indivisibilidade da Ação Penal, porquanto não denunciado

o Vereador condutor do veículo sinistrado; (e) incompetência da 1ª Câmara

Criminal para o julgamento do paciente.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

736

3. Indeferido o pedido de liminar (fl s. 214), foram solicitadas informações,

as quais, contudo, não foram prestadas.

4. O MPF, em parecer subscrito pelo ilustre Subprocurador-Geral da

República Francisco Dias Teixeira, manifestou-se pela denegação da ordem (fl s.

247-252).

5. É o que havia de relevante para relatar.

VOTO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. No que interessa,

o Tribunal Baiano aduziu o seguinte:

Consta da denúncia oferecida pelo Ministério Público do Estado da Bahia que

(...) o Alcaide, inquinando os princípios da legalidade, moralidade e impessoabilidade, utilizou indevidamente veículo público pertencente à Comuna que dirige, para satisfazer fi ns particulares.

Com efeito, desde que assumiu a Prefeitura de Capim Grosso, o Alcaide, por diversas vezes, emprestou veículos ofi ciais ao Vereador Ednon Oliveira Queiroz, seu correligionário político, permitindo a este que usufruísse em suas atividades privadas.

Nessa toada, em 24 de junho de 2006, o Vereador Ednon utilizava o veículo municipal de marca Ford Ranger, com placa policial JQS 1422, para dirigir-se a uma festa junina, na cidade de Senhor do Bonfi m, levando consigo dois fi lhos, uma nora, um sobrinho e um outro EDIL.

Ocorre que, na data supra, próximo ao Município do Senhor do Bonfi m, por volta das 15:30 horas, o Vereador Ednon perdeu a direção do carro e capotou, conforme Boletim de Acidente de Trânsito 560799 às fl s. 10-14.

O veículo público sofreu diversas avarias, sendo o seu reparo arcado pelos cofres municipais, cujo valor total correspondeu a R$ 15.840,82 (quinze mil, oitocentos e quarenta reais e oitenta e dois centavos). Assim, além da conduta criminosa de utilizar de forma proposital e indevida o referenciado bem público em benefício de seu apadrinhado político, o Alcaide assumiu o risco e acabou concorrendo para o prejuízo suportado pelo erário.

(...).

Como se sabe, o recebimento da exordial acusatória, mero juízo de admissibilidade, envolve sempre a análise da peça vestibular, a qual deve

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 737

preencher os requisitos insculpidos no art. 41 do Código de Processo Penal Brasileiro.

Na atual fase do processo, este colegiado reúne-se unicamente para deliberar sobre o recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa, sendo, posteriormente, no caso de prosseguimento do feito, analisada a ação propriamente dita, depois de todos os demais trâmites processuais, onde, inclusive, existe o exercício do amplo direito de defesa.

(...).

A peça acusatória ora analisada contém a descrição precisa do fato considerado criminoso, com todas as suas circunstâncias, atribuindo ao acusado a prática de crime de responsabilidade, haja vista ter o réu cedido ao seu amigo e vereador Ednon Oliveira de Queiroz, nos termos das suas declarações prestadas no procedimento preparatório de Inquérito Civil (fl s. 24-25), o carro ofi cial, tendo este procurado efetuar o traslado de amigos e familiares para o município de Senhor do Bonfi m, em época de festividades juninas (24 de junho de 2006), fato, ademais, que gerou grande prejuízo ao erário em virtude do acidente com o mencionado veículo ocorrido quando se aproximava da supracitada municipalidade (fl s. 11-14), automóvel que precisou de reparos no valor total de R$ 15.840,82 (quinze mil, oitocentos e quarenta reais e oitenta e dois centavos) (fl s. 81-82), fato que se coaduna, portanto, com o tipo descrito no art. 1º, inciso II do Decreto-Lei n. 201/1967, a saber:

Art. 1º - São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

II - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;

Destarte, sendo o veículo um bem da Administração e confi gurada a utilização indevida, ou seja, imprópria, fora do âmbito da fi nalidade a que é destinado, está caracterizado, em tese, o tipo penal, razão pela qual, mesmo que não houvesse o acidente automobilístico, a exordial acusatória deveria ser recebida.

(...).

Além disso, não é demais ressaltar que a denúncia ou queixa não precisa ser demasiadamente extensa, devendo restringir-se ao indispensável à confi guração da fi gura delitual penal e às demais circunstâncias que envolvem o fato e que possam infl uir na sua caracterização (Fernando da Costa Tourinho Filho, in Código de Processo Penal Comentado, 8ª edição, p. 148).

Portanto, o fato descrito na peça de acusação adequa-se ao apontado tipo penal, até porque as questões envolvendo a atipicidade da conduta somente levam à rejeição da denúncia quando for evidente, mediante os elementos já

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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constantes dos autos, que o fato não constitui crime. Se houve a necessidade da produção de provas não é possível refutar-se a peça acusatória. Para o recebimento da denúncia basta que a conduta descrita, em tese, confi gure-se como crime.

(...).

Ademais, a análise acerca da possibilidade de acolhimento das alegações relativas à desclassifi cação da conduta para a infração político-administrativa descrita no art. 4º, inciso VIII do Decreto-Lei n. 201/1967, bem como ao dolo, requerem exame de provas a serem colhidas na instrução criminal. (fl s. 198-203).

2. Tenho reiteradamente afi rmado, seguindo a maciça jurisprudência das

Cortes Superiores do País, que o trancamento da Ação Penal por meio de

Habeas Corpus é medida excepcional, somente admissível quando transparecer

dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta

ou a extinção da punibilidade. Na hipótese, tais circunstâncias não estão

evidenciadas.

3. Com efeito, a impetração envereda por argumentação relativa ao

mérito da acusação. Sustenta a ausência de dolo do acusado, que estaria em festa

patrocinada por outro Município a serviço, tendo pedido ao colega Vereador que o

buscasse na referida localidade com o carro da prefeitura. Afi rma, ainda, que não teria

consentido com o transporte de terceiras pessoas.

4. Ora, a tese defensiva não é daquelas que se apresentam induvidosa.

Somente por meio da análise da prova a ser judicializada será possível concluir

pela existência ou não do dolo específi co na conduta do paciente. Nesse sentido:

Ementa: Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Processual Penal. Crime de responsabilidade de prefeito. Alegação de falta de justa causa. Trancamento de inquérito. Habeas corpus denegado no Superior Tribunal de Justiça. Decisão em perfeita consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Análise de matéria fático-probatória: impossibilidade. Recurso ao qual se nega provimento. 1. O trancamento de inquérito, em habeas corpus, apresenta-se como medida excepcional, que só deve ser aplicada quando evidente a ausência de justa causa, o que não ocorre quando a lei supostamente violada pelo Paciente não foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça e a denúncia descreve conduta que confi gura crime em tese. 2. Decisão do Superior Tribunal de Justiça devidamente fundamentada e em consonância com o entendimento deste Supremo Tribunal sobre a matéria. 3. Na tímida via do habeas corpus, não se permite a análise do conjunto fático-probatório, em evidente substituição ao processo de conhecimento. Precedentes. 4. Recurso ao qual se nega provimento. (RHC n. 100.961-SC, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 20.05.2010).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 739

Processo Penal. Habeas corpus. Crime de responsabilidade de prefeito. Decreto-Lei n. 201/1967, art. 1º, XIII. Contratação temporária, sem concurso, fora das hipóteses legais. Remissão a lei municipal de 1990. Existência de lei federal relativamente mais restritiva em 1993. Fatos ocorridos em 2003. Contratação tida por ilegal em duas instâncias judiciais. Atipicidade não manifesta. Trancamento. Impossibilidade.

1. O trancamento da ação penal, por falta de justa causa, na angusta via do habeas corpus, pressupõe manifesta atipicidade ou o claro afastamento do jus puniendi. In casu, a alegação de atipicidade se embasa no fato de o paciente determinar a realização de contratação temporária, sem concurso, lastreando-se em lei municipal. Ocorre que: a) quando da deliberação, vigia lei federal relativamente mais restritiva (especifi camente em relação ao caso em testilha, visto que não preveria a hipótese de contratação de guardas municipais), não sendo evidente, portanto, a alegação de legalidade do comportamento; b) o Poder Judiciário, já em duas instâncias, considerou a contratação ilegal. Daí ser mais apropriado destinar o debate acerca da vexata quaestio às vias ordinárias.

2. Ordem denegada, cassada a liminar. (HC n. 78.218-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 17.05.2010)

Habeas corpus. Prefeito municipal. Crime de responsabilidade e formação de quadrilha. Trancamento da ação penal. Inépcia da denúncia inexistente. Contas julgadas irregulares pelo TCE-TO. Prazo de 15 dias para o oferecimento da denúncia. Obediência ao prazo impróprio, cuja inobservância não causa nulidade. Rito da lei especial (Lei n. 8.038/1990) observado. Prévia notifi cação do paciente para o oferecimento de defesa antes do recebimento da denúncia. Acusação aceita pelo Tribunal de forma motivada. Afastamento do paciente do cargo de prefeito devidamente fundamentado na garantia da ordem pública, do erário municipal e da instrução criminal. Parecer do MPF pela denegação do writ. Ordem denegada, cassando a liminar inicialmente deferida.

1. Inviável o pleito de trancamento da Ação Penal por inépcia da denúncia, porquanto a inicial acusatória descreve minimamente os fatos e suas circunstâncias, possibilitando o amplo exercício do direito de defesa.

(...).

4. O egrégio Tribunal a quo, ao aceitar a acusação, o fez de forma motivada, manifestando-se, inclusive, sobre os pontos levantados pelo ora paciente quando da apresentação da defesa preliminar.

(...).

6. Ordem denegada, cassando-se a liminar inicialmente deferida, em conformidade com o parecer ministerial. (HC n. 102.818-TO, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 27.04.2009)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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5. Quanto à violação ao princípio da indisponibilidade/indivisibilidade

da Ação Penal, porquanto não denunciado o Vereador condutor do veículo

sinistrado, a tese não comporta acolhida, pois o crime de responsabilidade

em apuração é próprio de Prefeito. Eventual conduta criminosa ou infração

administrativa cometida pelo Vereador deve ser apurada em outra sede.

6. No tocante à alegação de que, nos termos da Lei de Organização

Judiciária do Estado da Bahia, o julgamento de Prefeito compete ao Pleno do

Tribunal de Justiça, e não à Câmara Criminal, conforme previsto no Regimento

Interno daquela Corte de Justiça, como bem assinalou o douto representante

do Parquet Federal, carece de mínima comprovação, pois não foram juntados

cópias das referidas normas estaduais, fato que obstaculiza a análise do pedido,

no ponto.

7. Por fi m, ressalte-se que o DEL n. 201/1967 tem sido constantemente

aplicado tanto por esta Corte como pelo STF sem se cogitar de qualquer

inconstitucionalidade.

8. Ante o exposto, denega-se a ordem, em consonância com o parecer

ministerial.

HABEAS CORPUS N. 181.848-MS (2010/0147020-9)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Impetrante: Henoch Cabrita de Santana - Defensor Público

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

Paciente: Luís Antônio de Souza

Advogado: Fabiano Caetano Prestes - Defensor Público da União

EMENTA

Habeas corpus. Violação de direito autoral (art. 180, § 2º do CPB). Pena: 2 anos de reclusão e 180 dias-multa. Regime inicial fechado. Sanção substituída por duas restritivas de direitos. Exposição à venda, de 2.000 dvd’s e cd’s piratas. Inadmissibilidade da tese de

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 741

atipicidade da conduta, por força do princípio da adequação social. Incidência da norma penal incriminadora. Parecer pela denegação da ordem. Ordem denegada.

1. A pretensão em reconhecer-se causa excludente de ilicitude, consubstanciada no estado de necessidade, ante a alegada crise financeira pela qual o paciente passava, requisita, à evidência, aprofundada dilação probatória, o que se mostra inexeqüível na estreita via cognitiva do writ.

2. O paciente foi surpreendido por policiais comercializando, com violação de direito autoral, 2.000 dvd’s e cd’s conhecidos vulgarmente como piratas; fi cou constatado, conforme laudo pericial, que os dvd’s e cd’s são cópias não autorizadas para comercialização.

3. Mostra-se inadmissível a tese de que a conduta do paciente é socialmente adequada, pois o fato de que parte da população adquire tais produtos não tem o condão de impedir a incidência, diante da conduta praticada, do tipo previsto no art. 184, § 2º do CPB.

4. Ordem denegada, conforme parecer ministerial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros

Jorge Mussi, Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 02 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator

DJe 13.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Cuida-se de Habeas

Corpus, sem pedido liminar, impetrado em favor de Luís Antônio de Souza, em

adversidade ao acórdão proferido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado

Mato Grosso do Sul, que negou provimento ao Apelo defensivo. O aresto

objurgado restou assim ementado:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Apelação criminal. Penal e Constitucional. Violação de direitos autorais. Venda de CD e DVD falsificados. Suposta ausência de exame das teses defensivas. Improcedência. Pleito absolutório. Aplicação do princípio da insignificância. Não incidência. Arguição incidental de inconstitucionalidade do art. 184, § 2º, do Código Penal. Situação diversa da prevista no art. 12, da Lei n. 9.609/1998. Proteção de bens jurídicos diferentes. Confl ito aparente de normas. Critério da especialidade. Inconstitucionalidade não reconhecida. Pedido de aplicação do art. 21 do Código Penal. Impossibilidade. Não provimento.

Não se cogita a nulidade da sentença, por suposta falta de análise de teses defensivas argüidas por ocasião das alegações fi nais, quando o magistrado a quo, além de tê-las examinado, ainda que sucintamente, expendeu argumentação que, por sua própria coerência e lógica, afastam as argumentações contrárias ao raciocínio exposto.

A alegação de se encontrar em difi culdades fi nanceiras, e até mesmo a de que a conduta perpetrada vem sendo aceita socialmente não afastam a incidência do tipo penal, quando há clara ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Assim, aquele que é flagrado com enorme quantidade de CD e DVD falsifi cados não pode alegar que sua conduta seja insignifi cante, tampouco que o fato seja um irrelevante penal e muito menos seja possível a incidência da regra inserta no art. 21, do Código Penal.

O crime previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal, refere-se à proteção de direitos autorais envolvidos com as obras fonográfi cas – objetos de falsifi cações em larga escala – e por esta razão recebeu proteção maior do legislador, sendo diversa é a situação albergada pela norma do art. 12, da Lei n. 9.609/1998, que se refere especifi camente à violação de direitos de autores de programas de computador.

O estabelecimento de pena maior a uma espécie de delito, em detrimento das reprimendas previstas para tipos penais que protegem bens jurídicos diversos, não ofende o princípio da proporcionalidade, haja vista que ao legislador não é vedado criar punição maior às condutas ilícitas que causam maior prejuízo à sociedade.

Não há inconstitucionalidade na criação de tipo penal mais gravoso previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal, mas apenas confl ito aparente entre essa regra jurídica e aquela prevista no art. 12, da Lei n. 9.609/1998, que se resolve pelo critério da especialidade.

Apelação Criminal defensiva a que se nega provimento, dado o acerto do apreço singular (fl s. 337).

2. Depreende-se do autos que o paciente foi condenados a 2 anos de

reclusão e 180 dias-multa, em regime inicial aberto, por infração ao art. 184, §

2º do CPB, sendo a pena privativa de liberdade substituída por duas restritivas

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de direitos consistentes na prestação de serviço à comunidade e limitação de fi m

de semana.

3. Sustenta a impetração, em síntese, a aplicação, na espécie, do princípio

da adequação social da ação praticada, requerendo, consequentemente, o

reconhecimento da atipicidade da conduta.

4. Indeferida a liminar (fl s. 364), o MPF, em parecer subscrito pelo ilustre

Subprocurador-Geral da República Pedro Henrique Távora Niess, manifestou-se

pela denegação da ordem, porquanto a norma penal incriminadora aplicada à

espécie é taxativa (fl s. 207-211).

5. Era o que havia para relatar.

VOTO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Cinge a questão

sobre viabilidade da aplicação, na espécie, do princípio da adequação social da

ação praticada, com o consequente reconhecimento da atipicidade da conduta.

2. Inicialmente, referente à pretensão em reconhecer-se causa excludente

de ilicitude, consubstanciada no estado de necessidade, ante a alegada crise

fi nanceira pela qual o paciente passava, a tese, à evidência, requisita aprofundada

dilação probatória, o que se mostra inexequível na estreita via cognitiva do writ.

3. No tocante à aplicação do princípio da adequação social, consignou o

acórdão objurgado, in ipsis verbis:

De fato, este e. Tribunal, por diversas vezes já entendeu pela aplicação do princípio da insignifi cância e, por conseguinte, a atipicidade da conduta quando, em tese, infringiram direitos autorais por pequenas quantias de produtos de reprodução fonográfi ca.

In casu, tratam-se de 985 CD’s e 1.016 DVD’s, conforme relação circunstanciada às f. 10-25.

Embora seja de conhecimento de todos que os preços praticados, em geral, não ultrapassam os valores de R$ 3,00 e R$ 5,00 a unidade, a quantidade apreendida em uma única ocasião torna expressiva a lesividade da conduta, mormente considerada a sua distribuição no pequeno município de Vicentina.

Alegar as mazelas sociais e até mesmo adequação social de condutas, não afasta a incidência do tipo penal quando há verdadeira ofensividade ao bem jurídico-penal, não se encontrando insignifi cância na conduta ou resultado e, tampouco, a irrelevância penal do fato (fl s. 272-273).

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4. Nessa esteira, conforme fundamentado pela decisão do Tribunal a quo,

mostra-se improsperável a tese de que a conduta do paciente é socialmente

adequada, pois o fato de que parte da população adquire tais produtos não tem

o condão de impedir a incidência, diante da conduta praticada, do tipo previsto

no art. 184, § 2º do CPB.

5. Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, denega-se a

ordem.

6. É o voto.

HABEAS CORPUS N. 189.541-MT (2010/0203400-0)

Relator: Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do

TJ-RJ)

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso

Advogado: Marcio Frederico de Oliveira Dorileo - Defensor Público

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso

Paciente: César Augusto Andrade Pereira (preso)

Advogado: Antonio Ezequiel Inácio Barbosa - Defensor Público da União

EMENTA

Habeas corpus. Tráfi co de drogas. Pedido de liberdade provisória.

Impossibilidade. Art. 44, caput, da Lei n. 11.343/2006. Vedação legal.

Não revogação pela nova redação do art. 2º da Lei n. 8.072/1990,

conferida pela Lei n. 11.464/2007. Alegação de condições pessoais

favoráveis como fundamento para concessão de liberdade provisória.

Insufi ciente. Ordem denegada.

1. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça vem decidindo

no sentido de que ao acusado por tráfi co de drogas, cumprindo prisão

cautelar, é vedada a concessão de liberdade provisória. Tal proibição

legal contida no art. 44 da Lei n. 11.343/2006, não foi revogada com

a alteração do art. 2º, II, da Lei 8.072/1990 pela Lei n. 11.464/2007.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

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2. O reconhecimento da repercussão geral pelo Supremo

Tribunal Federal no RE n. 601.384-RS, sob a relatoria do Min. Marco

Aurélio, com referência ao mérito deste writ, em regra, não sobresta os

processos pendentes de julgamento nesta Corte.

3. As Turmas componentes da Terceira Seção do Superior

Tribunal de Justiça já cristalizaram o entendimento de inexistir

constrangimento ilegal quando a manutenção da custódia cautelar

sufi cientemente fundamentada, retratar a necessidade da medida para

a garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.

4. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, denegar a ordem.

Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz, Napoleão Nunes Maia Filho

e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 03 de fevereiro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-RJ),

Relator

DJe 21.02.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do

TJ-RJ): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado

em favor de César Augusto Andrade Pereira, ao argumento de que o ora paciente

sofre constrangimento ilegal, porque o Tribunal a quo denegou a ordem onde se

pleiteava o relaxamento da prisão cautelar em face da ausência dos requisitos da

preventiva.

Noticia que o paciente foi preso em fl agrante pela prática, em tese, do

crime de tráfi co de substância entorpecente previsto no art. 33, caput, da Lei n.

11.343/2006.

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Aduz o impetrante que a segregação do paciente deve ser desconstituída

em face do constrangimento ilegal perpetrado, pois a decisão que determinara

sua prisão cautelar é desprovida dos requisitos autorizadores preconizados no

art. 312 do Código de Processo Penal.

Postulara o provimento do mandamus, a fim de se conceder a ordem

liberatória, em face dos seu induvidoso direito em responder ao processo

criminal em liberdade, em obediência ao princípio da presunção de inocência.

Exmo. Sr. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador

convocado do TJ-AP) indeferiu o pedido liminar (fl s. 116-117).

Informações prestadas (fl s. 129-147).

No seu parecer, o douto Ministério Público Federal opinou pela denegação

da ordem (fl s. 151-153).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do

TJ-RJ) (Relator): O pedido inicial, em síntese, expõe a tese da possibilidade da

concessão de liberdade provisória ao acusado por crime de tráfi co de drogas, a

despeito do previsto no art. 44 da Lei n. 11.343/2006.

Ao paciente não assiste razão pelos fundamentos a seguir.

É notório que o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária realizada em

11.09.2009, reconhecera a Repercussão Geral no julgamento do RE 601.384-

RS, sob a relatoria do Exmo. Sr. Min. Marco Aurélio cujo mérito refere-se à

impossibilidade de concessão de liberdade provisória aos acusados por crime de

tráfi co de drogas, preconizado pelo art. 44 da Lei n. 11.343/2006. No entanto,

enquanto o mérito do referido Recurso Extraordinário não for julgado pela

Excelsa Corte, persiste o entendimento cristalizado deste Colegiado.

No mesmo sentido:

Agravo regimental. Processual Civil. Embargos de divergência em recurso especial. Sobrestamento. Repercussão geral reconhecida pelo STF. Descabimento. Acórdão embargado que examina o mérito do recurso especial. Paradigmas que não conhecem do apelo. Não cabimento dos embargos de divergência. Acórdão embargado em consonância com a jurisprudência atual da Terceira Seção. Súmula n. 168-STJ.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

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1. É descabido o pedido de sobrestamento do julgamento do presente recurso, em decorrência do reconhecimento da repercussão geral da matéria objeto nele veiculada pelo Supremo Tribunal Federal. De acordo com o prescrito no art. 543-B do Código de Processo Civil, tal providência apenas deverá ser cogitada por ocasião do exame de eventual recurso extraordinário a ser interposto contra decisão desta Corte.

2. Não são cabíveis embargos de divergência quando o aresto paradigma adentra no mérito do recurso e o embargado sequer o conhece, especifi camente quando o acórdão embargado adentra no mérito do recurso especial e os acórdãos paradigmas sequer conhecem do apelo por reconhecer a natureza constitucional da matéria.

3. Estando o acórdão embargado em sintonia com o atual entendimento consolidado deste Superior Tribunal, deve incidir a Súmula n. 168-STJ, que preconiza que “Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado.” 4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg nos EREsp n. 863.702-RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe 27.05.2009)

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça em remansosos

julgados expõe o entendimento de que a vedação expressa do art. 44, da Lei n.

11.343/2006, norma especial e anterior, não confl ita com a não proibição do

inciso II, do art. 2°, da Lei n. 8.072/1990, com redação dada pelo art. 1º, da Lei

n. 11.464/2007, norma geral e posterior ou com a norma geral do parágrafo

único do art. 310 do Código de Processo Penal.

Com efeito, a Lei dos Crimes Hediondos e a Lei do Tráfico de

Entorpecentes de 2006 demonstram relação de especialidade com o Código

de Processo Penal, por disciplinarem através de critérios distintos a liberdade

provisória. Todavia, é de sobrelevar-se que a primeira, ao elencar todos os tipos

penais considerados hediondos faz-se genérica para com a segunda, já que se

refere a um deles, qual seja o tráfi co ilícito de entorpecentes.

Diante do exposto, a expressa proibição legal à concessão do benefício do

réu responder a ação penal em liberdade, enquanto cumpre prisão cautelar, é

razão idônea e sufi ciente para a denegação do pleito deste writ.

Confi ra-se o seguinte precedente:

Criminal. Habeas corpus. Tráfi co de entorpecentes. Pleito de absolvição. Provas insufi cientes à condenação. Análise inviável na via estreita do writ. Necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório. Liberdade provisória. Réu preso

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em fl agrante e que respondeu ao processo sob custódia. Vedação à liberdade provisória mantida. Apelação julgada. Execução da pena. Sentença transitada em julgado. Ordem parcialmente conhecida e denegada.

I. A análise das alegações concernentes ao pleito de absolvição do réu demandaria análise do conjunto fático-probatório, inviável em sede de habeas corpus.

II. É sabido que a via estreita do writ é incompatível com a investigação probatória, nos termos da previsão constitucional que o institucionalizou como meio próprio à preservação do direito de locomoção, quando demonstrada ofensa ou ameaça decorrente de ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, inciso LXVIII), sendo que nenhuma dessas hipóteses restou prontamente evidenciada, razão pela qual a impetração não merece ser conhecida no particular.

III. Hipótese em que o juízo de primeiro grau negou ao réu o direito ao apelo em liberdade, considerando o fato desse ter sido preso em fl agrante delito, tendo permanecido sob custódia durante o curso do processo, bem como a existência de vedação expressa à concessão de liberdade provisória os apenados pela prática do delito de tráfi co de entorpecentes, conforme disposto no art. 44 da Lei n. 11.343/2006.

IV. No tocante à alegada inconstitucionalidade da vedação ao direito de liberdade provisória aos acusados pela prática do delito de tráfi co de drogas, em que pese o Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário n. 601.384-RS, ter se manifestado pela existência de repercussão geral, a questão constitucional ainda não foi dirimida, devendo prevalecer o entendimento consolidado no âmbito desta Turma até o julgamento final da matéria pelo Pretório Excelso, no sentido da existência de vedação expressa à concessão do benefício aos acusados pela prática do delito de tráfi co de entorpecentes.

V. Considerando-se a validade da proibição prevista no art. 44 da Lei n. 11.343/2006, no que se refere à concessão de liberdade provisória, conclui-se também pela vedação ao apelo em liberdade a réu que não pode ser benefi ciado com o direito à liberdade provisória (Precedentes).

VI. Apelação defensiva que já foi julgada, tendo a sentença condenatória transitado em julgado, sem a interposição de recursos extraordinário e especial em favor do impetrante.

VII. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.

(HC n. 139.475-RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 21.10.2010, DJe 08.11.2010)

Outrossim, a tese da ausência de fundamentação capaz de justifi car a

manutenção da prisão cautelar não prevalece. Ressalto que o entendimento

supramencionado se demonstra suficiente para denegar a irresignação do

impetrante.

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O Tribunal a quo ao denegar a ordem fundamentou que o paciente não

afastara, de forma inequívoca, as razões da ordem judicial que determinara

sua segregação, diante da necessária garantia da exiquibilidade da efetivação

da reprimenda ou, ainda, comprovara através dos elementos colacionados ser

possuidor das condições pessoais favoráveis.

Desta forma, verifi co que o acórdão hostilizado se fi rmou no mesmo sentido

da orientação do Superior Tribunal de Justiça que perfi lha o entendimento de ser

legal a manutenção da custódia cautelar quando sufi cientemente fundamentada,

em face das características delineadas, retratam, in concreto, a necessidade da

medida para a garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.

Em conformidade, o precedente:

Processual Penal. Habeas corpus. Duplo homicídio qualifi cado e estelionato. Prisão preventiva. Apontada ausência de fundamentação. Segregação cautelar fundamentada na garantia da aplicação da lei penal. Peculiaridades do caso. Réu que, após ser benefi ciado com o relaxamento de sua custódia, ausentou-se reiteradamente do distrito da culpa, sem informar ao juízo processante seu novo endereço.

I - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional (HC n. 90.753-RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 22.11.2007), sendo exceção à regra (HC n. 90.398-SP, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 17.05.2007).

Assim, é inadmissível que a finalidade da custódia cautelar, qualquer que seja a modalidade (prisão em fl agrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de pronúncia ou prisão em razão de sentença penal condenatória recorrível) seja deturpada a ponto de configurar uma antecipação do cumprimento de pena (HC n. 90.464-RS, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 04.05.2007). O princípio constitucional da não-culpabilidade se por um lado não resta malferido diante da previsão no nosso ordenamento jurídico das prisões cautelares, por outro não permite que o Estado trate como culpado aquele que não sofreu condenação penal transitada em julgado (HC n. 89.501-GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 16.03.2007). Desse modo, a constrição cautelar desse direito fundamental (art. 5º, inciso XV, da Carta Magna) deve ter base empírica e concreta (HC n. 91.729-SP, Primeira Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 11.10.2007). Assim, a prisão preventiva se justifi ca desde que demonstrada a sua real necessidade (HC n. 90.862-SP, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJU de 27.04.2007) com a satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do Código de Processo Penal, não bastando, frise-se, a mera explicitação textual de tais requisitos (HC n. 92.069-RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 09.11.2007). Não

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se exige, contudo fundamentação exaustiva, sendo suficiente que o decreto constritivo, ainda que de forma sucinta, concisa, analise a presença, no caso, dos requisitos legais ensejadores da prisão preventiva (RHC n. 89.972-GO, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 29.06.2007).

II - Na hipótese, a segregação cautelar encontra-se devidamente fundamentada em dados concretos extraídos dos autos que denotam que o paciente, benefi ciado com o relaxamento de anterior prisão cautelar, ausentou-se, reiteradamente, do distrito da culpa sem comunicar ao Juízo processante o seu novo endereço, vindo a ser localizado, através de reportagem televisiva, em localidade próxima à fronteira com outro país.

III - Condições pessoais favoráveis não têm o condão de, por si só, garantirem a revogação da prisão preventiva, se há nos autos, elementos hábeis a recomendarem a manutenção da custódia cautelar (Precedentes).

Ordem denegada.

(HC n. 127.036-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Rel. p/ Acórdão Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 19.08.2009, DJe 08.03.2010)

Diante do exposto, conheço do habeas corpus e denego a ordem.

É como voto.

RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 29.027-SP (2010/0176974-6)

Relator: Ministro Gilson Dipp

Recorrente: Dante Prati Fávaro

Advogado: Tales Castelo Branco

Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo

EMENTA

Criminal. Recurso ordinário em habeas corpus. Crimes praticados

em procedimento licitatório. Emendatio libeli. Extinção da punibilidade.

Subsunção não verifi cada de imediato. Recurso desprovido.

I. O reconhecimento da falta de justa causa para a ação penal,

na via estreita do habeas corpus, somente é possível se constatado, de

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pronto, sem a necessidade de exame valorativo dos elementos dos

autos, a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a

acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, o que não se verifi cou

no caso.

II. Recurso ordinário desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. “A

Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso.” Os Srs. Ministros

Laurita Vaz, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Sustentou oralmente: Dr. Frederico Crissiúma de Figueiredo (p/ recte)

Brasília (DF), 14 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Gilson Dipp, Relator

DJe 17.12.2010

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilson Dipp: Trata-se de recurso ordinário em habeas

corpus, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que

denegou a ordem no writ impetrado em favor de Dante Prati Fávaro. O

julgamento restou assim ementado:

Habeas corpus. Crime. Classifi cação. Denuncia. Falsifi cação de documento público. Falsidade ideológica. Peculato. - Pretendida mutação da classificação do delito para os crimes previsto nos artigo 92 e 93, ambos da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, com a conseqüente extinção da punibilidade - Impossibilidade - Questão tine exige discussão aprofundada da prova inadmissível em sede de habeas corpus. Denúncia que descreve deforma correta as condutas imputadas em consonância com os tipos penais indicados pela Justiça Pública. Hipótese em que a classifi cação aventada pelo impetrante não se amolda prima facie ao caso vertente. - Matéria fática que deve ser apreciada oportunamente porque diz respeito ao mérito da causa e extrapola os limites do writ - Constrangimento ilegal - Inexistência - Ação penal que não se mostra manifestamente ilegal nem contempla constrangimento ou abuso - Ordem de habeas corpus denegada. (fl . 93).

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Infere-se dos autos ter sido o recorrente denunciado como incurso nas penas dos arts. 297, caput (Falsifi cação de documento público), 299, caput (Falsidade Ideológica) e 312, caput (Peculato), todos do Código Penal, por fatos ocorridos no âmbito do Departamento de Limpeza Urbana do Município de São Paulo-SP.

Notifi cado para apresentar resposta preliminar, a defesa buscou demonstrar que a imputação subsumia-se a um único contexto fático, devendo os delitos serem classifi cados juridicamente para o disposto nos arts. 92 e 93, ambos da Lei n. 8.666/1993, pugnando pela incidência da prescrição da pretensão punitiva, ante o máximo da pena in abstrato prevista para aqueles delitos.

A pretensão defensiva não logrou êxito.

Em seguida, foi impetrado habeas corpus na Corte local, apontando como autoridade coatora o Juízo de Direito da 18ª Vara Criminal da Comarca de São Paulo, no qual o impetrante pretendia o reconhecimento da extinção da punibilidade do paciente.

A Corte a quo, à unanimidade de votos, denegou a ordem, por entender que as condutas descritas na denúncia, em tese, amoldam-se a tipos penais descritos na norma incriminadora, sendo inadequada a via eleita para o exame de provas e do mérito da causa, cuja análise melhor seria enfrentada no curso da instrução processual, sob o crivo do contraditório e do devido processo legal (fl s. 95-97).

Daí a presente irresignação, na qual são repisados os argumentos aventados na ordem originária, no sentido de que “os artigos 89 a 98 da Lei de Licitações dispõem, especifi camente, sobre os crimes passíveis de serem praticados durante o processo licitatório (...) inquestionavelmente trata-se de lei especial, que prevalece à regra geral, por aplicação do princípio da especialidade, contido no artigo 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil.” (fl s. 110-111).

Ademais, aponta constrangimento no prosseguimento da ação penal quando a pretensão punitiva estatal já teria sido alcançada pela prescrição.

Pugna-se pela reforma do acórdão recorrido, com a incidência do instituto da emendatio libeli e o reconhecimento da extinção da punibilidade do recorrente.

A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fl s. 140-153).

Em petição juntada aos autos, a defesa informa que a ação penal em análise foi suspensa no juízo de primeira instância, aguardando-se o deslinde deste recurso.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 753

Em sede de memoriais, reitera os argumentos contidos na impetração.

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

VOTO

O Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator): Trata-se de recurso ordinário em

habeas corpus contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que

denegou a ordem no writ impetrado em favor de Dante Prati Fávaro.

Infere-se dos autos ter sido o recorrente denunciado como incurso nas

penas dos arts. 297, caput (Falsifi cação de documento público), 299, caput

(Falsidade Ideológica) e 312, caput (Peculato), todos do Código Penal, por fatos

ocorridos no âmbito do Departamento de Limpeza Urbana do Município de

São Paulo-SP.

Notifi cado para apresentar resposta preliminar, a defesa buscou demonstrar

que a imputação subsumia-se a um único contexto fático, devendo os delitos

serem classifi cados juridicamente para o disposto nos arts. 92 e 93, ambos

da Lei n. 8.666/1993, pugnando pela incidência da prescrição da pretensão

punitiva, ante o máximo da pena in abstrato prevista para aqueles delitos.

A pretensão defensiva não logrou êxito.

Em seguida, foi impetrado habeas corpus na Corte local, apontando como

autoridade coatora o Juízo de Direito da 18ª Vara Criminal da Comarca de

São Paulo, no qual o impetrante pretendia o reconhecimento da extinção da

punibilidade do paciente. Sem êxito.

Daí a presente irresignação, na qual são repisados os argumentos aventados

na ordem originária, no sentido de que “os artigos 89 a 98 da Lei de Licitações

dispõem, especifi camente, sobre os crimes passíveis de serem praticados durante

o processo licitatório (...) inquestionavelmente trata-se de lei especial, que

prevalece à regra geral, por aplicação do princípio da especialidade, contido no

artigo 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil.” (fl s. 110-111).

Aponta constrangimento no prosseguimento da ação penal quando a

pretensão punitiva estatal já teria sido alcançada pela prescrição.

Pugna-se pela reforma do acórdão recorrido, a incidência do instituto da

emendatio libeli e o reconhecimento da extinção da punibilidade do recorrente.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

754

Passo à análise da irresignação.

A controvérsia posta em debate neste recurso cinge-se a dirimir a dúvida

sobre o confl ito aparente de normas entre os arts. 297, caput (Falsifi cação de

documento público), 299, caput (Falsidade Ideológica) e 312, caput (Peculato),

todos do Código Penal e os dispositivos inseridos nos arts. 92 e 93 da Lei n.

8.666/1993.

A prevalecer a norma especial de licitações, que prevê penas menores, em

tese, estaria prescrita a pretensão punitiva estatal, favorecendo os interesses da

defesa e do recorrente, pois os fatos em análise datam de outubro do ano 2000.

Consultando os autos, verifi ca-se que a exordial acusatória narra fatos

que se amoldam in abstrato a delitos previstos no Código Penal. Neste aspecto,

transcreve-se trechos da denúncia, relevante para o julgamento. Vê-se:

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 30 de outubro de 2000, nas dependências do Departamento de Limpeza Urbana do Município de São Paulo, nesta cidade e Comarca, o primeiro valendo-se do cargo público que exercia, agindo em concurso e previamente combinados entre si, Antonio Fernando Gimenez e Dante Prati Favaro qualifi cados às fl s. 150 e 156 respectivamente, falsificaram e alteraram, em parte, documento público verdadeiro (...) os denunciados fi zeram inserir, em documento público, declaração falsa, com o fi m de prejudicar direito e criar obrigação para a Municipalidade.

(...) agindo em concurso e previamente combinados entre si e com outros indivíduos ainda não identificados, Antonio Fernando Gimenez (funcionário público em função de direção) e Dante Prati Favaro substituíram folhas do contrato elaborado pela municipalidade, alterando o conteúdo da cláusula 7ª, referente à duração do negócio jurídico.

(...)

Desta forma, falsifi cou, em parte, documento público verdadeiro.

(...)

No ensejo, para supostamente validar os delitos cometidos, Maria do Espírito Santo Gama de Souza e Adílson Sirabello inseriram, no mencionado documento público, informação falsa, após ser-lhes entregue o documento por Antonio Fernando Gimenez, o qual levou os primeiros a crer, em evidente erro, na regularidade do ato realizado.

Estes imaginavam que o contrato gozava de licitude, desconhecendo, portanto, o elemento subjetivo do injusto presente no artigo 299, caput, do Código Penal. Estas elementares, por sua vez, os indiciados muito bem conheciam.

(...)

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Inequívoco que o desvio dos valores relativos a estes negócios jurídicos foram causados pelo denunciado Antonio Ferraz Gimenez, uma vez que, ao dar feição de licitude ao contrato - inclusive à cláusula 7ª, que permitia a prorrogação contrária ao edital - induziu Marco Antonio Fialho e Alfredo Luiz Buso, bem como os representantes da Empresa que sucederam o Codenunciado, a acreditarem lícitas tais prorrogações.

Todavia, estes não sabiam que a continuidade do negócio era ilícita verdadeiramente e, assim, ao darem destinação dos dinheiros a esta operação, incidiram na conduta capitulada no artigo 312, caput, do Código Penal.

As infrações penais previstas na lei de licitações, cuja subsunção a defesa

pretende incidir no caso em análise têm o seguinte regramento:

Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modifi cação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: (Redação dada pela Lei n. 8.883, de 1994)

Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. (Redação dada pela Lei n. 8.883, de 1994)

Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.

Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Com efeito a jurisprudência desta Corte fi rmou entendimento no sentido

de que o reconhecimento da falta de justa causa para a ação penal, na via estreita

do habeas corpus, somente é possível se constatado, de pronto, sem a necessidade

de exame valorativo dos elementos dos autos, a atipicidade do fato, a ausência

de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade.

Contudo, na singularidade do caso em análise, vê-se que as condutas

imputadas na denúncia não se distanciam dos tipos penais indicados pela

acusação nem tampouco se amoldam perfeitamente aos dispositivos da lei

especial, a ensejar o imediato reconhecimento da alegada prescrição da pretensão

punitiva deduzida pela defesa.

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Nesta linha de raciocínio, inviável em sede de mandamus alterar a

classifi cação jurídica indicada na exordial do Parquet e reconhecer a extinção da

punibilidade do recorrente sem que sejam suprimidas as instâncias ordinárias

na cognição aprofundada das demais circunstâncias elementares e do acervo

probatório a serem colhidos ao longo da instrução, sob o crivo da dialeticidade

que inspira o devido processo legal.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.142.630-PR (2009/0102844-1)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Procurador: Fabiano Haselof Valcanover e outro(s)

Recorrido: Ministério Público Federal

Recorrido: Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil

Advogado: Marcelo Augusto Angioletti e outro(s)

EMENTA

Processual Civil e Previdenciário. Recurso especial. Ação civil pública destinada à tutela de direitos de natureza previdenciária (no caso, revisão de benefícios). Existência de relevante interesse social. Legitimidade ativa ad causam do Ministério Público. Reconhecimento.

1. Para fi ns de tutela jurisdicional coletiva, os interesses individuais homogêneos classifi cam-se como subespécies dos interesses coletivos, previstos no art. 129, inciso III, da Constituição Federal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Por sua vez, a Lei Complementar n. 75/1993 (art. 6º, VII, a) e a Lei n. 8.625/1993 (art. 25, IV, a) legitimam o Ministério Público à propositura de ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, sociais e coletivos. Não subsiste, portanto, a alegação de falta de legitimidade do Parquet para a ação

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RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 757

civil pública pertinente à tutela de direitos individuais homogêneos, ao argumento de que nem a Lei Maior, no aludido preceito, nem a Lei Complementar n. 75/1993, teriam cogitado dessa categoria de direitos.

2. A ação civil pública presta-se à tutela não apenas de direitos individuais homogêneos concernentes às relações consumeristas, podendo o seu objeto abranger quaisquer outras espécies de interesses transindividuais (REsp n. 706.791-PE, 6ª Turma, Rel.ª Min.ª Maria Th ereza de Assis Moura, DJe de 02.03.2009).

3. Restando caracterizado o relevante interesse social, os direitos individuais homogêneos podem ser objeto de tutela pelo Ministério Público mediante a ação civil pública. Precedentes do Pretório Excelso e da Corte Especial deste Tribunal.

4. No âmbito do direito previdenciário (um dos seguimentos da seguridade social), elevado pela Constituição Federal à categoria de direito fundamental do homem, é indiscutível a presença do relevante interesse social, viabilizando a legitimidade do Órgão Ministerial para fi gurar no polo ativo da ação civil pública, ainda que se trate de direito disponível (STF, AgRg no RE AgRg/RE n. 472.489-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 29.08.2008).

5. Trata-se, como se vê, de entendimento fi rmado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a quem a Constituição Federal confi ou a última palavra em termos de interpretação de seus dispositivos, entendimento esse aplicado no âmbito daquela Excelsa Corte também às relações jurídicas estabelecidas entre os segurados da previdência e o INSS, resultando na declaração de legitimidade do Parquet para ajuizar ação civil pública em matéria previdenciária (STF, AgRg no AI n. 516.419-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 30.11.2010).

6. O reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública em matéria previdenciária mostra-se patente tanto em face do inquestionável interesse social envolvido no assunto, como, também, em razão da inegável economia processual, evitando-se a proliferação de demandas individuais idênticas com resultados divergentes, com o consequente acúmulo de feitos nas instâncias do Judiciário, o que, certamente, não contribui para uma prestação jurisdicional efi ciente, célere e uniforme.

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7. Após nova reflexão sobre o tema em debate, deve ser

restabelecida a jurisprudência desta Corte, no sentido de se reconhecer

a legitimidade do Ministério Público para fi gurar no polo ativo de ação

civil pública destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária.

8. Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar provimento. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2010 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 1º.02.2011

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ementado, essencialmente, nos seguintes termos, in verbis:

Ministério Público Federal. Ação civil pública. Benefi ciários da Previdência Social. Legitimidade ativa.

O Ministério Público Federal tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de direitos individuais homogêneos dos benefi ciários da Previdência Social. Precedentes desta Corte e do STF.

Sendo o Ministério Público Federal autor da ação civil pública, desnecessária sua atuação como custos legis, conforme decidiu esta 5ª Turma por ocasião do julgamento da Apelação Cível n. 2002.72.05.001195-1-SC, Rel. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, D.E. de 13.05.2008.

Previdenciário. Revisão de benefício. Renda mensal inicial. IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

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“O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%)”, nos termos da Súmula n. 77 deste TRF4ª Região.

[...]. (fl . 175)

Nas razões do recurso especial, além de dissídio pretoriano, aponta o INSS violação aos arts. 1º, 2º e 6º, todos da Lei Complementar n. 75/1993, bem como ao art. 21 da Lei n. 7.347/1985 c.c. os arts. 81, 82 e 92, da Lei n. 8.078/1990.

Pugna pela extinção do feito sem julgamento do mérito, alegando a ilegitimidade do Ministério Público Federal para promover ação civil pública pertinente a reajustes e revisões de benefícios previdenciários.

Aduz, inicialmente, que os direitos relativos a benefícios previdenciários

são disponíveis, e que a Constituição Federal, em seu art. 127, atribui ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, entende que, ausente o caráter da indisponibilidade, não estaria o Órgão Ministerial legitimado para a propositura da ação civil pública (fl s. 196-197).

Sustenta a ilegitimidade do Ministério Público para a defesa de qualquer

direito individual homogêneo, asseverando que, uma interpretação sistemática, sob o prisma da Constituição Federal (arts. 127 e 129, III), levando em conta a ordem cronológica em que foram editados os principais diplomas que tratam das funções do Ministério Público, conduz à conclusão de que não é função do Parquet a proteção de direitos individuais, ainda que homogêneos, e que o Ministério Público “somente possui legitimidade para a ACP destinada à defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos – ou seja – não a tem quanto aos interesses ou direitos individuais homogêneos, pois destes não cogita a CF/1988 (art. 129, III), nem a LC n. 75/1993 (art. 83, III)” (fl s. 198-199).

Alega, ainda, a ilegitimidade ad causam do Ministério Público para defesa de direitos individuais homogêneos sem relação de consumo, bem como a inadequação

da ação civil pública para tal fi m. Para tanto, aduz que a ação civil pública, embora sirva para a defesa do consumidor, não serve para a defesa de direitos individuais homogêneos de outras espécies de interesses, como, no caso, os interesses dos segurados da Previdência Social, por falta de previsão legal (fl . 202), e, ainda, que “a relação jurídica entre os benefíciários e o INSS nada tem de relação de consumo, uma vez que não se trata de fornecimento de bens ou serviços” (fl . 206).

Oferecidas as contrarrazões (fl s. 229-235), e admitido o recurso na origem, ascenderam os autos à apreciação desta Corte.

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): A controvérsia posta em análise

no presente recurso consiste em verifi car se o Ministério Público Federal tem

legitimidade para fi gurar no polo ativo de ação civil pública relativa à matéria de

natureza previdenciária.

A questão de fundo, não atacada no apelo nobre, diz respeito à revisão de

benefícios previdenciários concedidos a partir de março de 1994, com inclusão

da variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%) nos salários-de-

contribuição integrantes do período básico de cálculo, antes da conversão em

URV. A Corte de origem entendeu ser cabível a revisão, e, tal como a magistrada

de primeiro grau, restringiu os efeitos do julgado à Subseção Judiciária de

Curitiba-PR, na forma do art. 16 da Lei n. 7.347/1985.

A preliminar em discussão já foi objeto de vários julgados proferidos

no âmbito da Terceira Seção deste Tribunal, cuja jurisprudência oscilou,

inicialmente, ora a favor, ora contrariamente à legitimidade do parquet para o

ajuizamento de ação civil pública no trato de questões previdenciárias.

Posteriormente, veio esta Corte a sedimentar a atual orientação,

desfavorável à tese da legitimidade, com base nas seguintes premissas: (a) o

benefício previdenciário traduz direito disponível, não abrangido pelo art.

127 da Constituição Federal, que assegura ao Ministério Público a defesa dos

interesses individuais indisponíveis e (b) as relações jurídicas entre o INSS e

os benefi ciários do regime de Previdência Social não são relações de consumo,

afastando, assim, a aplicação do art. 81, III, do Código de Proteção e Defesa do

Consumidor, que trata dos direitos individuais homogêneos.

E com base nesse entendimento, este Tribunal tem recusado a legitimidade

ad causam do Ministério Público em ações civis públicas que objetivam discutir

questões ligadas à seguridade social, como, por exemplo, direitos relativos à

concessão de benefício assistencial a idosos e portadores de defi ciência, revisão

de benefícios previdenciários, equiparação de menores sob guarda judicial a

fi lhos de segurados, para fi ns previdenciários.

Em que pese o atual e respeitável posicionamento, acima explanado,

entendo que deve haver nova refl exão sobre o tema ora em debate, em face

das razões adiante expostas, calcadas, sobretudo, no relevante interesse social

envolvido no ajuizamento da ação civil pública de natureza previdenciária.

Pois bem.

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Registre-se, desde logo, que não prospera a genérica alegação autárquica de ilegitimidade ad causam do Ministério Público para defesa de “qualquer direito individual homogêneo”, ou, ainda, de direitos individuais homogêneos sem relação de consumo, bem como não subsiste a alegação de inadequação da ação civil pública para a tutela de direitos individuais homogêneos sem relação de consumo.

Tais insurgências encontram obstáculo, de início, na Lei Complementar n. 75/1993, cujo art. 6º, quanto ao ponto, estabelece textualmente que, in verbis:

Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:

[...]

VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

[...]

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;

[...]

XII - propor ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos (grifei)

É o que também se observa da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional

do Ministério Público) que, em seu art. 25, autoriza o Ministério Público a

fi gurar como titular da ação civil pública para a proteção de outros interesses

difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos. Confi ra-se, por

oportuno, o texto da aludida norma, litteris:

Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

[...]

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente [...], e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; (grifei)

Vale ainda registrar que, após a alteração promovida pela Lei n. 8.078/1990

(Código de Proteção e Defesa do Consumidor), incluindo o art. 21 na Lei n.

7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), o alcance desse instrumento processual

restou ampliado, de modo a abranger a defesa de interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos fora das relações de consumo.

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Nesse sentido já se manifestou esta Corte Superior de Justiça, conforme se

verifi ca do seguinte julgado, in verbis:

Recurso especial. Processo Civil. Ação civil pública. Defesa de direitos individuais homogêneos de servidores públicos federais. Cabimento. Legitimidade do sindicato. Precedentes.

1. De acordo com a jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, o artigo 21 da Lei n. 7.347/1985, com redação dada pela Lei n. 8.078/1990, ampliou o alcance da ação civil pública também para a defesa de interesses e direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores.

2. Recurso especial improvido. (REsp n. 706.791-PE, 6ª Turma, Rel.ª Min.ª Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 02.03.2009 - grifei)

Acerca do tema, conclusiva é a lição doutrinária de HUGO NIGRO

MAZZILI, ao afi rmar que, litteris:

E a defesa de ‘interesses individuais homogêneos? Só os interesses individuais homogêneos de consumidores podem ser protegidos no processo coletivo, ou qualquer interesse individual homogêneo pode ser objeto de ação civil pública da Lei n. 7.347/1985, sejam eles de consumidor ou não?

Como em momento algum a LACP se refere expressamente aos interesses individuais homogêneos, uma análise mais apressada poderia fazer crer que essa espécie de interesses transindividuais estaria fora da cobertura da ação civil pública, exceto, apenas, quanto aos interesses individuais homogêneos relativos aos consumidores, que poderiam ser defendidos por meio de ação coletiva prevista no CDC. Nesse teor, aliás, alguns acórdãos chegam a afi rmar que “os interesses e direitos individuais homogêneos, de que trata o art. 21 da Lei n. 7.347/1985, somente poderão ser tutelados, pela via da ação coletiva, quando os seus titulares sofrerem danos na condição de consumidores”.

Esse entendimento restritivo não se sustenta, porém, em face do sistema conjugado da LACP e do CDC, que se integram reciprocamente. Com efeito, estão também alcançados pela tutela coletiva os interesses individuais homogêneos, de qualquer natureza, relacionados ou não com a condição de consumidores dos lesados. Por isso, e em tese, cabe também a defesa de “qualquer interesse individual homogêneo” por meio da ação civil pública ou coletiva, até porque seria inconstitucional impedir o acesso coletivo à jurisdição.

Inexiste taxatividade de objeto para a defesa judicial de interesses transindividuais. Por isso, além das hipóteses já expressamente previstas em diversas leis (defesa de meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, crianças e adolescentes, pessoas portadoras de defi ciência, investidores lesados no mercado de valores mobiliários, ordem econômica, economia popular, ordem urbanísticas) –

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quaisquer outros interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos podem em tese ser defendidos em juízo por meio da tutela coletiva, tanto pelo Ministério Público como pelos demais co-legitimados do art. 5º da LACP e art. 82 do CDC. (in “A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio público e outros interesses” - 21ª ed. rev., ampl. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 718-719 - grifei).

Melhor sorte não assiste ao INSS quando, pugnando por uma interpretação

sistemática sob o prisma de dispositivos da Constituição Federal, alega que (a) o

inciso III do aludido art. 129 da Lei Maior viabiliza a legitimidade do Ministério

Público apenas para a defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos, mas

não para a defesa de direito individual homogêneo e que (b) sendo disponíveis os

direitos relativos a benefícios previdenciários, o Ministério Público não teria

legitimidade para a ação civil pública, uma vez que estaria ausente o caráter de

indisponibilidade a que alude o art. 127 da Carta Magna.

Ressalte-se, nesse ponto, que a legitimidade do Ministério Público para a

ação civil pública, embora disciplinada em lei complementar e em leis ordinárias,

como visto, é tema de envergadura constitucional, tratado diretamente pela

Carta Magna nesses artigos.

E, sendo certo que a Constituição Federal confi ou ao Supremo Tribunal

Federal a última palavra em termos de interpretação de seus dispositivos, a

solução do tema em apreço, mormente das questões em torno dos mencionados

preceitos constitucionais, reclama necessária incursão, também, na jurisprudência

daquela Augusta Corte.

A começar pelo art. 129, inciso III, da Constituição Federal, registre-

se que o Pretório Excelso, apreciando o RE n. 163.231-SP, fi rmou diretriz

jurisprudencial no sentido de que, no gênero “interesses coletivos”, ao qual se

refere tal inciso, compreendem-se os “interesses individuais homogêneos”, como

subespécie, cuja tutela pode ser requerida pelo Ministério Público mediante

ação civil pública.

A propósito, confi ra-se a ementa do referido julgado, in verbis:

Recurso extraordinário. Constitucional. Legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública em defesa dos interesses difusos, coletivos e homogêneos. Mensalidades escolares: Capacidade postulatória do Parquet para discuti-las em juízo.

1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa

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da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).

2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).

[...]

4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.

4.1. Quer se afi rme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classifi cam como direitos individuais para o fi m de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção fi nalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.

[...]

Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação. (Tribunal Pleno, DJ de 29.06.2001, Rel. Min. Maurício Corrêa - grifei)

Em outra oportunidade, ao apreciar o RE n. 195.056-PR, embora

recusando a legitimação do Órgão Ministerial no feito, o Supremo Tribunal

Federal assentou que “Certos direitos individuais homogêneos podem ser

classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com

interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública

presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa.

CF, art. 127, caput, e art. 129, III” (Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ

de 30.05.2003).

E em julgado mais recente:

Recurso extraordinário. Agravo regimental. Ação civil pública. Legitimidade ativa. Ministério Público. Defesa de direitos individuais homogêneos. Súmula STF n. 286: inaplicabilidade.

[...]

2. O Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos (CF/1988, arts. 127, § 1º, e

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 765

129, II e III). Precedente do Plenário: RE n. 163.231-SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 29.06.2001.

3. Agravo regimental improvido. (AgRg no RE n. 514.023-RJ, 2ª Turma, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, DJ de 05.02.2010)

Desse modo, cai por terra a tese recursal de que o Ministério Público

não tem legitimidade para a ação civil pública quanto aos direitos individuais

homogêneos, ao argumento de que nem a Constituição Federal, em seu art. 129,

III, e nem a Lei Complementar n. 75/1993, em seu art. 83, III, teriam cogitado

de tais direitos (fl . 199).

E não se perca de vista que o art. 6º, VII, a, da Lei Complementar

n. 75/1993, bem como o art. 25, IV, a, da Lei n. 8.625/1993, dispositivos

anteriormente citados, estabelecem ser competência do Ministério Público

promover a ação civil pública não apenas para a defesa de direitos individuais

homogêneos, como, também, para a proteção de interesses sociais e coletivos.

Ainda nesse particular, registrem-se os seguintes julgados, destacados

dentre outros, em que a Corte Especial deste Tribunal firmou orientação

no sentido de que, havendo relevante interesse social, é cabível o manejo da

ação civil pública pelo Órgão Ministerial para defesa de direitos individuais

homogêneos:

Processual Civil. Embargos de divergência. Ação civil pública. Legitimidade. Ministério Público. Contratos de fi nanciamento. SFH. Súmula n. 168-STJ.

1. O Ministério Público possui legitimidade ad causam para propor ação civil pública objetivando defender interesses individuais homogêneos nos casos como o presente, em que restou demonstrado interesse social relevante. Precedentes.

[...]

3. Embargos de divergência não conhecidos. (EREsp n. 644.821-PR, Corte Especial, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 04.08.2008)

Agravo regimental. Embargos de divergência. Processo Civil. Julgamento monocrático. Jurisprudência pacífica acerca da matéria. Ação civil pública. Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Ministério Público. Legitimidade ativa. Precedentes.

[...]

II - O Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação civil pública na defesa de mutuários do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), uma vez que os contratos para a aquisição da casa própria são firmados por pessoas

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hipossuficientes, restando caracterizado, assim o relevante interesse social. Precedentes da “e. Corte Especial”.

Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EREsp n. 274.508-SP, Corte Especial, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 10.04.2006)

Também não há como prevalecer a alegação autárquica, fundada no art. 127

da Constituição Federal, de que, em se tratando, in casu, de direitos disponíveis,

o Órgão Ministerial não teria legitimidade ad causam.

O fato de o direito perseguido por determinada classe ou grupo de pessoas

ser disponível não constitui fundamento sufi ciente para afastar a sua tutela pelo

Parquet, mediante a ação civil pública, pois, conforme já proclamado, há muito,

nesta Quinta Turma, “Há certos direitos e interesses individuais homogêneos

que, quando visualizados em seu conjunto, de forma coletiva e impessoal,

passam a representar mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, mas

verdadeiros interesses sociais, sendo cabível sua proteção pela ação civil pública”

(REsp n. 95.347-SE, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 1º.02.1999).

Não é outro o posicionamento de ADA PELEGRINI GRINOVER:

Muito embora a Constituição atribua ao MP apenas a defesa de interesses individuais indisponíveis (art. 127), além dos difusos e coletivos (art. 129), III), a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos levou o legislador ordinário a conferir ao MP a legitimação para agir nessa modalidade de demanda, mesmo em se tratando de interesses ou direitos disponíveis. Em conformidade, aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de outras funções ao MP, desde que compatíveis com sua fi nalidade (art. 129, IX).

A dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu objeto, insere-as sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no art. 127 da CF. (in “A Ação Civil Pública e a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos, Revista de Direito do Consumidor - São Paulo: RT, n. 5, jan/mar. 1993, p. 213).

Assim, para fins de legitimidade do Ministério Público para a ação

civil pública, quando se tratar de direitos individuais homogêneos, ainda que

disponíveis, o que deve ser observado é a presença do relevante interesse social

de que se reveste o direito a ser tutelado.

E isso ocorre com os direitos sociais insertos na Constituição Federal,

conforme resta claro do seguinte julgado, recentemente prolatado por esta

Corte, tendo em mira a incumbência constitucional atribuída ao Ministério

Público no art. 127, caput, da Lei Maior, litteris:

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 767

Processual Civil. Ação civil pública. Direitos individuais homogêneos. Relevante interesse social. Ministério Público. Legitimidade. Registro profissional no Conselho de Medicina Veterinária. Exame.

[...]

2. O Superior Tribunal de Justiça reconhece a legitimidade ad causam do Ministério Público, seja para a tutela de direitos e interesses difusos e coletivos seja para a proteção dos chamados direitos individuais homogêneos, sempre que caracterizado relevante interesse social.

[...]

5. O Ministério Público é legítimo para defender, por meio de ação civil pública, os interesses relacionados aos direitos sociais constitucionalmente garantidos.

Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 938.951-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 10.03.2010 - grifei)

Desse entendimento não destoa a jurisprudência da Suprema Corte, que

tem reconhecido a legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública

destinada à proteção de direitos sociais, tais como a moradia e a educação.

Nesse sentido, vale observar o pronunciamento monocrático da lavra

do Min. Carlos Velloso, no qual restou assente que “Se se tem presente, por

exemplo, a relevância que a Constituição empresta à moradia, consagrada

como direito social, assim direito fundamental, CF, art. 6º [...] a interpretação

abrangente, ora preconizada, tal como preconizamos relativamente à educação,

no acórdão do RE n. 195.056-PR, linhas atrás indicado, para o fi m de tornar

o órgão do Ministério Público legitimado para a defesa do direito ou interesse

aqui discutido, decorrente de um direito fundamental, ajusta-se ao espírito da

Carta, porque confere maior efi cácia aos princípios por ela consagrados” (RE n.

247.134-MS, DJ de 09.12.2005 - grifei).

Por oportuno, anote-se o entendimento adotado no já citado RE n.

163.231-SP, quando a Corte Constitucional assinalou que, “Cuidando-se de

tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado

e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da

capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que

se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de

extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o

abrigo estatal.” (grifei).

E tal como o fez quanto à moradia e à educação – que, na linha do

entendimento do Pretório Excelso, podem ser objeto de tutela pelo Ministério

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Público –, a Constituição Federal, em seu art. 6º, elevou a previdência social à

categoria de garantia fundamental do homem, inserindo-a no rol dos direitos

sociais.

Veja-se que os direitos sociais, nas palavras de ALEXANDRE DE

MORAES, “são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como

verdadeiras liberdades positivas de observância obrigatória em um Estado Social

de Direito, tendo por fi nalidade a melhoria de condições de vida aos hipossufi cientes,

visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos

do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal” (in “Direito

Constitucional” - 17ª ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 177 - grifei).

A relação existente entre o art. 1º, da Constituição Federal, acima citado,

e as funções institucionais do Ministério Público foi demonstrada com precisão

quando do julgamento do RE n. 228.177-MG, relatado pelo Min. Gilmar

Mendes, conforme se percebe do seguinte trecho extraído desse julgado:

[...] a Constituição, ao tratar do Ministério Público como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe do indisponível dever de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os “interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput). E não há dúvida de que o dispositivo constitucional do art. 127, caput, remete para os valores fundamentais protegidos pela Constituição, especialmente os expressos em direitos e interesses decorrentes da dignidade da pessoa humana, a soberania, a cidadania, dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e do pluralismo político, como fundamentos da República, tal como defi nido no art. 1º. (RE n. 228.177-MG, 2ª Turma, DJe de 05.03.2010)

Desse modo, há de se constatar, no âmbito do direito previdenciário,

um dos seguimentos da seguridade social, expressamente elencado no rol dos

direitos sociais, a indiscutível presença do relevante interesse social, que viabiliza

a legitimidade do Órgão Ministerial para fi gurar no polo ativo da ação civil

pública.

Ainda do magistério doutrinário de HUGO NIGRO MAZZILLI, extrai-

se a seguinte lição:

Em vista de sua destinção, o Ministério Público está legitimado à defesa de quaisquer interesses “difusos”, graças a seu elevado grau de dispersão e abrangência, o que lhes confere conotação social. E quanto aos interesses “coletivos” (em sentido estrito) e “individuais homogêneos”, estaria o Ministério Público sempre autorizado à sua defesa?

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 769

Há três linhas principais de respostas que costumam ser dadas a essa indagação.

[...]

Assim, passemos à terceira linha de resposta à indagação acima, e que é aquela por nós preconizada. Para esta posição, deve-se levar em conta, em concreto, a efetiva conveniência social da atuação do Ministério Público em defesa de interesses transindividuais. Essa conveniência social em que sobrevenha atuação do Ministério Público deve ser aferida em concreto a partir de critérios como estes: a) conforme a natureza do dano (p. ex., saúde, segurança e educação públicas); b) conforme a dispersão dos lesados (a abrangência social do dano, sob o aspecto dos sujeitos atingidos); c) conforme o interesse social no funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico (previdência social, captação de poupança popular, questões tributárias etc.)

[...]

Enfi m, se em concreto a defesa coletiva de interesses transindividuais assumir relevância social, o Ministério Público estará legitimado a propor a ação civil pública correspondente. Convindo à coletividade como um todo a defesa de um interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, aí sim é que não se há de recusar ao Ministério Público assuma sua tutela. Corretamente destacou Consuelo Yoshida que a legitimidade ad causam ativa e o interesse processual do Ministério Público na tutela jurisdicional coletiva dos direitos individuais homogêneos decorrem da relevância social dos interesses materiais envolvidos.

Assim, é incorreto dizer, “simpliciter”, que o Ministério Público não pode defender interesses individuais homogêneos disponíveis. Se a defesa de tais interesses envolver larga abrangência ou acentuado interesse social, deverá ser empreendida pela instituição. (ob. cit., pp. 106-108 e 110 - grifei)

Convém destacar a lição do Min. Sepúlveda Pertence em judicioso voto-

vogal proferido no julgamento do RE n. 195.056-PR, anteriormente citado.

Na ocasião, Sua Excelência, chamava a atenção para a análise do art. 127

da Constituição Federal sob a ótica da expressão “interesses sociais” contida

nesse dispositivo, no que denominou de interesse social segundo a constituição,

expressão essa que, como se pode perceber, tem perfeita aplicação à seguridade

social. Veja-se:

[...] para orientar a demarcação, a partir do art. 129, III, da área de interesses individuais homogêneos em que admitida a iniciativa do MP, o que reputo de maior relevo, no contexto do art. 127, não é o incumbir à instituição a defesa dos interesses individuais indisponíveis mas, sim, a dos interesses sociais.

[...]

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[...] a eventual disponibilidade pelo titular de seu direito individual, malgrado sua homogeneidade com o de outros sujeitos, não subtrai o interesse social acaso existente na sua defesa coletiva.

Ao contrário, são de direitos disponíveis as hipóteses mais notórias de indiscutida legitimação do MP para a ação civil pública de defesa de interesses homogêneos, a começar daqueles dos consumidores e dos outros casos de anterior previsão legal, já referidos.

O problema é saber quando a defesa da pretensão de direitos individuais homogêneos, posto que disponíveis, se identifi ca com o interesse social ou se integra no que o próprio art. 129, III, da Constituição denomina patrimônio social. Não é fácil, no ponto, a determinação do critério da legitimação do Ministério Público.

[...]

Penso, como visto, que a adstrição da legitimidade do MP aos casos de previsão legal expressa, embora razoavelmente objetiva, seria um critério insufi ciente para a identifi cação do interessa social na defesa de direitos coletivos: dado que deriva da Constituição a legitimação do MP para a hipótese, não se pode reputar exaustivo o critério que delega ao legislador o poder de demarcar a função de um órgão constitucional essencial à jurisdição.

Creio, assim, que - afora o caso de previsão legal expressa - a afi rmação do interesse social para o fi m cogitado há de partir da identifi cação do seu assentamento nos pilares da ordem social projetada pela Constituição e na sua correspondência à persecução dos objetivos fundamentais da República, nela consagrados.

[...]

Esse critério – que se poderia denominar de interesse social segundo a Constituição – ainda que nem sempre explicitado em tese, parece estar subjacente a diversas decisões judiciais, algumas já citadas, que tem reconhecido a legitimação do MP para a defesa de direitos individuais homogêneos, seja ou não a hipótese simultaneamente enquadrável no âmbito da tutela dos consumidores: recorde-se, por exemplo, as questões relativas ao custo da educação privada [...], à seguridade social, à saúde – desde o caso dos usuários de planos de assistência ao do conjunto de trabalhadores carentes, vítimas de doença profi ssional oriunda das condições de trabalho de determinada empresa (STJ, REsp n. 58.682, 08.10.1996, Direito, RDA 207/283). (grifei)

É oportuno o exemplo da seguridade social citado no trecho acima

transcrito, pois, conforme preconiza a Lei Complementar n. 75/1993, em

seu art. 5º, II, d, é função institucional do Ministério Público da União zelar

pela observância dos princípios constitucionais relativos à seguridade social.

Ressalte-se, ainda, que, conforme estabelece esse mesmo art. 5º, em seu inciso

I, é função institucional do Ministério Público a defesa da ordem jurídica e dos

interesses sociais.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 771

Também por ser pertinente à análise do tema deduzido no presente apelo,

traz-se à colação recente julgado do Supremo Tribunal Federal, prolatado no

AgRg/RE n. 472.489-RS, interposto pelo INSS, no qual era discutido o direito

dos segurados da previdência social à obtenção de certidão parcial de tempo de

serviço.

Nesse julgado, restou rechaçada a alegação do INSS de violação aos arts.

127 e 129, inciso III, da Constituição Federal, sendo reconhecida a legitimidade

do Ministério Público para a defesa daqueles direitos individuais homogêneos,

tendo em vista a existência do relevante interesse social discutido na ação.

Merecem transcrição as doutas razões veiculadas nesse julgado, litteris:

Esse entendimento - que reconhece legitimidade ativa ao Ministério Público para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social - refl ete-se na jurisprudência fi rmada por esta Suprema Corte [...].

[...]

Tenho para mim que se revela inquestionável a qualidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública objetivando, em sede de processo coletivo - hipótese em que estará presente “o interesse social, que legitima a intervenção e a ação em juízo do Ministério Público (CF 127 caput e CF 129 IX)” (NELSON NERY JUNIOR, “O Ministério Público e as Ações Coletivas”, in “Ação Civil Pública”, p. 366, coord. por Édis Milaré, 1995, RT - grifei) -, a defesa de direitos individuais homogêneos, porque revestidos de inegável relevância social, como sucede com o direito de petição e o de obtenção de certidão em repartições públicas (CF, art. 5º, XXXIV), que traduzem prerrogativas jurídicas de índole eminentemente constitucional, ainda mais se analisadas na perspectiva dos direitos fundamentais à previdência social (CF, art. 6º) e à assistência social (CF, art. 203).

Na realidade, o que o Ministério Público postulou nesta sede processual nada mais foi senão o reconhecimento - e conseqüente efetivação - do direito dos segurados da Previdência Social à obtenção da certidão parcial de tempo de serviço.

Nesse contexto, põe-se em destaque uma das mais significativas funções institucionais do Ministério Público, consistente no reconhecimento de que lhe assiste a posição eminente de verdadeiro “defensor do povo” (HUGO NIGRO MAZZILLI, “Regime Jurídico do Ministério Público”, p. 224-227, item n. 24, “b”, 3ª ed., 1996, Saraiva, v.g.), incumbido de impor, aos poderes públicos, o respeito efetivo aos direitos que a Constituição da República assegura aos cidadãos em geral (CF, art. 129, II), podendo, para tanto, promover as medidas necessárias ao adimplemento de tais garantias, o que lhe permite a utilização das ações coletivas, como a ação civil pública, que representa poderoso instrumento processual

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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concretizador das prerrogativas fundamentais atribuídas, a qualquer pessoa, pela Carta Política, “(...) sendo irrelevante o fato de tais direitos, individualmente considerados, serem disponíveis, pois o que lhes confere relevância é a repercussão social de sua violação, ainda mais quando têm por titulares pessoas às quais a Constituição cuidou de dar especial proteção” [...].

[...]

A existência, na espécie, de interesse social relevante, amparável mediante ação civil pública, ainda mais se põe em evidência, quando se tem presente - considerado o contexto em causa - que os direitos individuais homogêneos ora em exame revestem-se, por efeito de sua natureza mesma, de índole eminentemente constitucional, a legitimar, desse modo, a instauração, por iniciativa do Ministério Público, de processo coletivo destinado a viabilizar a tutela jurisdicional de tais direitos. (Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe de 29.08.2008 - grifei)

Tal julgado restou assim ementado:

Direitos individuais homogêneos. Segurados da Previdência Social. Certidão parcial de tempo de serviço. Recusa da autarquia previdenciária. Direito de petição e direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Prerrogativas jurídicas de índole eminentemente constitucional. Existência de relevante interesse social. Ação civil pública. Legitimação ativa do Ministério Público. A função institucional do Ministério Público como “defensor do povo” (CF, art. 129, II). Doutrina. Precedentes. Recurso de agravo improvido.

- O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações.

- A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública.

- O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes. (grifos no original)

Registre-se que o entendimento em prol da legitimidade do Parquet para a

ação civil pública tanto em matéria relativa à previdência social quanto à matéria

relativa à assistência social vem sendo reiteradamente adotado no âmbito

do Supremo Tribunal Federal, resultando, inclusive, em reforma de acórdãos

prolatados pelas Quinta e Sexta Turmas deste Superior Tribunal de Justiça.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

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Com efeito, ao apreciar, por decisão monocrática, o AG n. 516.419-

PR (DJe de 12.02.2010), o relator do feito, Min. Cezar Peluso, acolheu o

agravo e proveu o Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público,

reconhecendo ao Parquet a legitimidade para ação civil pública, cujo objeto era a

revisão de benefícios previdenciários.

É o que se verifi ca dos seguintes trechos dessa decisão:

1. Trata-se agravo de instrumento contra decisão que indeferiu processamento de recurso extraordinário interposto de acórdão do Superior Tribunal de Justiça e assim ementado:

Processual Civil e Previdenciário. Ação civil pública. Revisão de benefício previdenciário. Direitos individuais disponíveis. Ausência de relação de consumo entre o INSS e o segurado. Ministério Público Federal. Ilegitimidade ativa ad causam.

I - Trata-se de Ação Civil Pública objetivando a condenação da autarquia à revisão da renda mensal inicial de benefícios previdenciários concedidos anteriormente à vigência da Lei Maior, com a correção dos 24 primeiros salários de contribuição integrantes do PBC pelos índices das ORTNs/OTNs/BTNs.

II - A quaestio trazida à baila diz respeito a direito que, conquanto pleiteado por um grupo de pessoas, não atinge a coletividade como um todo, não obstante apresentar aspecto de interesse social. Sendo assim, por se tratar de direito individual disponível, evidencia-se a inexeqüibilidade da defesa de tais direitos por intermédio da ação civil pública. Destarte, as relações jurídicas existentes entre a autarquia previdenciária e os segurados do regime de Previdência Social não caracterizam relações de consumo, sendo inaplicável, in casu, o disposto no art. 81, III, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Precedentes.

Recurso conhecido e provido. (fl . 07).

Sustenta o recorrente, com base no art. 102, III, a, ofensa ao disposto nos arts. 127 e 129, II e III, da Constituição da República. Aduz que

Por sua vez, a indisponibilidade do direito não está relacionada com o direito patrimonial. No caso, tendo sido atingido direito fundamental do homem, como é a previdência social, tem-se por violado interesse indisponível, ainda que desse mesmo interesse decorra parcela patrimonial. (fl . 30).

2. Consistente o recurso.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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A tese adotada está em desconformidade com a jurisprudência desta Corte, que reconhece a legitimação ad causam do Ministério Público, assim para a tutela de interesses e direitos difusos e coletivos – os transindividuais de natureza indivisível –, como para a proteção de direitos individuais homogêneos, sempre que estes, tomados em conjunto, ostentem dimensão de grande relevo social, ligada a valores e preceitos que, hospedados na Constituição da República Federal, sejam pertinentes a toda a coletividade. Nesses casos, a atuação do Ministério Público afeiçoa-se a seu perfi l institucional, voltado ao resguardo do interesse social e dos direitos coletivos, considerados em sentido amplo (CF, art. 127 e 129, incs. III e IX). [...].

[...]

3. Do exposto, acolho o agravo e, desde logo, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento, para declarar a legitimidade do Ministério Público. (grifos no original)

Registre-se que, contra tal decisão, o INSS interpôs agravo regimental,

aduzindo que, em se tratando de direitos individuais disponíveis, de interesse de

grupo ou de classe de pessoas, o Parquet não possuiria legitimidade para discutir

a concessão/revisão de benefícios previdenciários por meio de ação civil pública.

O regimental foi relatado pelo Min. Gilmar Mendes, tendo a Segunda

Turma do Pretório Excelso, à unanimidade, negado provimento ao recurso

autárquico, em acórdão assim ementado, in verbis:

Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Ação civil pública. Interesse individual homogêneo. 3. Relevância social. Ministério Público. Legitimidade. 4. Jurisprudência dominante. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AI n. 516.419-PR, DJe de 30.11.2010)

O mesmo posicionamento foi adotado no RE n. 613.044-SC (DJe

de 25.06.2010), da relatoria da Min.ª Carmen Lúcia, restando declarada a

legitimidade do Parquet para a propositura de ação civil pública que objetivava

discutir critérios de concessão de benefício assistencial a idosos e portadores de

defi ciência física (art. 203, V, da Constituição Federal):

[...]

1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

Previdenciário. Ação civil pública. Benefício assistencial de prestação continuada. Lei n. 8.742/1993. Modifi cação dos critérios legais textualmente

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 775

previstos para a concessão. Ilegitimidade ativa do Ministério Público. Direitos patrimoniais disponíveis. Relação de consumo descaracterizada. Precedentes do STJ. Recurso do INSS provido.

1. O Ministério Público não detém legitimidade ad causam para a propositura de ação civil pública que verse sobre benefícios previdenciários, uma vez que se trata de direitos patrimoniais disponíveis e inexistente relação de consumo. Precedentes.

2. Prejudicado o exame do recurso especial da União.

3. Recurso especial da autarquia provido para declarar a ilegitimidade ativa do Ministério Público (fl . 514).

[...]

2. O Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts. 93, inc. IX, 127 e 129, inc. III, da Constituição da República.

[...]

4. Razão jurídica assiste ao Recorrente.

5. A controvérsia em debate cinge-se à legitimidade do Ministério Público para a interposição de ação civil pública na qual se discutem os critérios adotados pela autarquia previdenciária para a concessão do benefício assistencial, previsto no art. 203, inc. V, da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal fi rmou entendimento no sentido de ser legítima a atuação do Ministério Público na defesa de direitos que, embora individuais, possuam relevante interesse social, pois os chamados direitos individuais homogêneos estariam incluídos na categoria de direitos coletivos abrangidos pelo art. 129, inc. III, da Constituição da República (RE n. 163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 29.06.2001).

Ressalte-se, nesse sentido, o voto proferido pelo Relator do Agravo de Instrumento no Recurso Extraordinário n. 472.489, Ministro Celso de Mello, no qual se reconheceu o direito de segurados da Previdência Social à obtenção de certidão parcial de tempo de serviço e a legitimidade do Ministério Público para propor ação com esse objetivo [...]

[...]

6. Na espécie vertente, pretende o Recorrente ver declarada sua legitimidade para a propositura de ação civil pública na qual se discutirão os critérios adotados pela autarquia previdenciária para a concessão do benefício assistencial, previsto no art. 203, inc. V, da Constituição da República.

Não há como deixar-se de reconhecer o relevante interesse social que a questão apresenta, ainda que não trate de relação de consumo, como afi rmado a título de óbice pelo Tribunal de origem. Além disso, é de se considerar que

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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a Constituição da República dispensa atenção especial aos portadores de defi ciência e aos idosos (art. 203, inc. V).

O acórdão recorrido, portanto, diverge da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

7. Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1ª-A, do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) para declarar a legitimidade do Ministério Público Federal para propor ação civil pública nos termos postos e determino o retorno dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para que prossiga no julgamento do recurso especial. (Grifos no original)

Também foi reconhecida naquela Augusta Corte a legitimidade do

Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública nos seguintes

julgados monocráticos:

(a) RE n. 549.419-DF, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 06.08.2010, objeto da

ação civil pública: revisão de benefício previdenciário;

(b) RE n. 607.200-SC, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 06.08.2010, objeto da

ação civil pública: revisão de benefícios previdenciários;

(c) RE n. 491.762-SE, Rel.ª Min.ª Carmen Lúcia, DJe de 26.02.2010,

objeto da ação civil pública: equiparação de menores sob guarda judicial a fi lhos

de segurados, para fi ns previdenciários;

(d) RE n. 444.357-PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 11.11.2009,

objeto da ação civil pública: critério de concessão do benefício assistencial a

portadores de defi ciência e idosos (art. 203, V, da Constituição Federal).

Impende ainda ressaltar que o reconhecimento da legitimidade do

Ministério Público para a ação civil pública em matéria previdenciária implicaria

inegável economia processual, evitando a proliferação de demandas individuais

idênticas com o consequente acúmulo de feitos nas instâncias do Judiciário.

A propósito:

Recurso especial. Previdenciário. Ação civil pública. Ministério Público Federal.

O Ministério Público está legitimado a defender direitos individuais homogêneos, quando tais direitos têm repercussão no interesse público.

O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com largueza. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra o Poder Judiciário da maior praga que o afl ige, a repetição de processos idênticos.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 693-780, janeiro/março 2011 777

Recurso conhecido, mas desprovido. (REsp n. 413.986-PR, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 11.11.2002)

Acrescente-se, ainda, a lição de RODOLFO CAMARCO MANCUSO,

para quem “... especialmente nos casos em que há expressiva dispersão dos

lesados (por exemplo, aplicadores em caderneta de poupança de certo Banco,

prejudicados pelo incorreto índice remuneratório), haverá extrema conveniência

em que o trato jurisdicional da matéria se faça em modo molecular, assim evitando

a atomização do fenômeno coletivo em múltiplas demandas individuais, ao risco de

decisões discrepantes, em processos mais demorados e onerosos” (in “Interesses Difusos,

conceito e legitimação para agir” - 6ª ed., São Paulo: RT, 2004, p. 49 - grifei).

Na hipótese sob exame, a ação civil pública titularizada pelo Parquet tem

por objeto a revisão dos benefícios previdenciários de inúmeros aposentados,

tendo a Corte de origem assinalado, com profi ciência, que, in verbis:

No caso dos autos, o interesse social sobressai, pois evidenciado pelo avultado número de benefi ciários da Previdência Social que tiveram calculada de forma errônea e prejudicial a renda mensal inicial de seus benefícios previdenciários, com significativa redução de seus proventos ao longo dos anos, a projetar refl exos não apenas nas suas próprias vidas e nas de suas famílias, mas em toda a sociedade, com um empobrecimento injustifi cado a levá-los a um processo de exclusão social expressamente repelido pela Constituição Federal e à oneração dos serviços públicos de saúde, educação e assistência social.

A Ação Civil Pública, portanto, é o instrumento adequado, face à economia e praticidade da medida, a obviar o inconveniente do ajuizamento de centenas de ações individuais e a injustiça de não se reparar o prejuízo daqueles que, por ignorância ou difi culdade de meios, não vão à Justiça vindicar seus direitos. (fl . 165)

Assevere-se que, embora esta Corte tenha firmado jurisprudência

desfavorável à tese de legitimidade do Ministério Público em matéria

previdenciária, alguns posicionamentos demonstram ainda existir polêmica em

torno da questão.

É o que se deu, por exemplo, quando do julgamento do REsp n. 396.081-

RS (DJe de 03.11.2008), em que se discutia a legitimidade do Parquet para

ajuizar ação civil pública cujo objeto era garantir o direito de crianças e

adolescentes, sob guarda judicial, à inscrição no RGPS como dependentes, para

fi ns previdenciários.

Na ocasião, embora decidindo conforme a atual jurisprudência, a relatora

do feito, Min.ª Maria Th ereza de Assis Moura, com sua habitual competência,

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ressalvou o seu ponto de vista exatamente em razão do relevante interesse social

presente na lide, manifestando-se nos seguintes termos, litteris:

Consoante previsão do parágrafo único do artigo 1º da Lei n. 7.347/1985, introduzido pela Medida Provisória n. 2.180-35/2001, “não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos benefi ciários podem ser individualmente determinados.”

Conquanto referido dispositivo legal não tenha aplicação para os feitos que versam sobre benefícios previdenciários, mas apenas para os casos que cuidam de contribuições previdenciárias, predomina na Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça a tese de que não é cabível a propositura de ação civil pública que verse sobre a concessão de benefícios previdenciários, por cuidarem de direitos individuais disponíveis.

[...]

Com a devida vênia da tese que prepondera na Terceira Seção deste egrégio Tribunal, entendo que, em casos como o presente, ainda que os direitos defendidos sejam divisíveis, há legitimidade do Ministério Público diante da existência de relevante interesse social na causa, que versa sobre interesses individuais homogêneos consubstanciados em interesses de crianças e adolescentes sob guarda judicial de serem inscritas como dependentes no Regime Geral da Previdência Social.

[...]

No entanto, em respeito à jurisprudência fi rmada pela Terceira Seção, com a ressalva do meu entendimento acerca do tema, adoto a tese segundo a qual o Ministério Público não tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública em defesa de direito à percepção de benefício previdenciário.

Diga-se o mesmo do douto voto-vogal vencido proferido pelo Min.

Napoleão Nunes Maia Filho, prolatado julgamento do REsp n. 661.701-SC (DJe

de 18.05.2009) – cujo acórdão foi posteriormente reformado pelo Supremo

Tribunal Federal, no já citado RE n. 613.044-SC –, in verbis:

1. Senhores Ministros, gostaria de mencionar, não propriamente lembrando, mas apenas frisando, à douta Turma que a categoria da legitimidade processual é muito cara ao processo civil e que surgiu em cena ainda no Século XIX, com a questão do interesse de agir e da possibilidade jurídica quando o processo civil foi estruturado nos seus começos para regular ações e litígios simplesmente binários, ou seja, um indivíduo contra outro. Essa categoria - disse isso em um julgamento da Seção em que fi quei vencido - não dá conta do processo civil

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

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contemporâneo em que os direitos coletivos e multitudinários surgiram com a força decorrente dos direitos fundamentais e com tal força avassaladora que quebrou essa categoria tradicional do processo civil, que é da legitimidade. No caso, é evidente que o direito subjetivo ou material está patente e presente e que o Ministério Público, ao propor essa ação, na verdade, resguarda e tutela um direito multitudinário de pessoas sabidamente hipossufi cientes e que, deixadas ao relento da proteção do Ministério Público, com certeza não demandarão esses direitos ou haverá até retardo admirável na demanda, com prejuízo evidente para a subsistência das pessoas hipossufi cientes ou pobres. A Defensoria Pública poderia também propor a ação, mas nem todas as comarcas nem todos os Estados possuem Defensoria Pública tão capilarizada e tão presente, tão dinâmica até diria e tão empenhada quanto o Ministério Público.

2. Daí por que, Ministro Arnaldo Esteves Lima, reconhecendo a grande ponderabilidade de suas palavras, penso que não há prejuízo para ninguém em se admitir que o Ministério Público promova esse tipo de ação e haverá uma vantagem evidente para as pessoas que são credoras desses benefícios. Quando, na verdade, esses benefícios deveriam ser pagos na via administrativa, sem necessidade de demanda alguma.

3. Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima, com o devido respeito a V. Exa. e ao seu voto, penso que esse rigor na apuração da legitimidade subjetiva ativa do Ministério Público, vem em desfavor das pessoas que estão carecendo de proteção, daí por que quem quer que promova a ação no sentido de amparar os carentes deve merecer acolhida a iniciativa.

4. Assim, mais uma vez, reconhecendo a grande lucidez do voto de V. Exa., peço vênia, respeitosamente, para reconhecer que o Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ações em benefício de hipossufi cientes que têm direito a perceber benefícios previdenciários. A questão posta no recurso especial é exclusivamente da legitimidade.

5. Peço vênia a V. Exa. para negar provimento ao recurso do INSS pelas razões que acabei de alinhavar. E julgo prejudicado o recurso especial da União.

Tenho, por fi m, que as razões veiculadas tanto na doutrina quanto na

jurisprudência anteriormente apreciadas embasam, a meu ver, a mudança

de posicionamento desta Corte, no sentido de que, diante da presença do

relevante interesse social envolvido no assunto, seja reconhecida a legitimidade

do Ministério Público para figurar no polo ativo de ação civil pública na

defesa de direitos de natureza previdenciária, cujas normas, constitucionais e

infraconstitucionais, têm por destinatários, em grande parte, pessoas desvalidas

social e economicamente.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Assim, entendo que deve ser restabelecida a antiga jurisprudência desta

Corte, que, com sabedoria e justiça, já reconheceu a legitimidade do Parquet

sobre a questão, conforme inicialmente afi rmado e exemplifi cado no precedente

a seguir citado, in verbis:

Agravo interno. Processual Civil. Ação civil pública. Direitos individuais homogêneos. Ministério Público Federal. Legitimidade. Precedentes do STJ.

I - Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “O Ministério Público possui legitimidade para propor ação coletiva visando proteger o interesse, de todos os segurados que recebiam benefício de prestação continuada do INSS, pertinente ao pagamento dos benefícios sem a devida atualização, o que estaria causando prejuízo grave a todos os benefi ciários. Sobre as atribuições dos integrantes do Ministério Público, cumpre asseverar que a norma legal abrange toda a amplitude de seus conceitos e interpretá-la com restrições seria contrariar os princípios institucionais que regem esse órgão.” (REsp n. 211.019-SP, Relator Min. Felix Fischer).

II - Agravo interno desprovido. (AgRg no AgRg no AG n. 422.659-RS, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 05.08.2002)

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

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Sexta Turma

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HABEAS CORPUS N. 92.194-CE (2007/0237686-6)

Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura

Impetrante: Paulo Napoleão Gonçalves Quezado e outro

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Ceará

Paciente: Frederico Antônio Araújo Bezerra

EMENTA

Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Exploração de prestígio.

1. Atipicidade. Não ocorrência. 2. Competência. Justiça Estadual.

Interesse da União. Inexistência. Ordem denegada.

1. Em se tratando do crime de exploração de prestígio, não é

necessário que o funcionário exista, podendo ser uma fi gura puramente

imaginária.

2. Constatada, no caso, a inexistência do servidor federal que

supostamente seria infl uenciado pelo paciente, a competência é da

Justiça Estadual.

3. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto

da Sra. Ministra Relatora.” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Celso Limongi

(Desembargador convocado do TJ-SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador

convocado do TJ-CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 18 de agosto de 2010 (data do julgamento).

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora

DJe 06.09.2010

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Frederico Antônio Araújo Bezerra, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (HC n. 2007.0010.4566-9/0)

Consta dos autos que o paciente foi denunciado como incurso no art. 357, parágrafo único, do Código Penal, por supostamente ter exigido de um cliente valores para manipular processo em curso na 11ª Vara da Justiça Federal do Ceará, sob a alegação de que infl uenciaria um servidor na referida unidade judiciária.

O juízo de primeiro grau recebeu a denúncia e determinou a citação do paciente para interrogatório e a quebra de seu sigilo bancário.

A defesa, irresignada, ajuizou prévio writ, perante o Tribunal de origem, mas não obteve êxito. O tribunal a quo, ao denegar a ordem, ementou (fl . 20):

Habeas corpus. Penal e Processo Penal. Crime de exploração de prestígio. Incompetência absoluta da Justiça Estadual para o processo e julgamento da causa penal. Não confi guração. Inaplicabilidade ao caso do artigo 109, IV, da CF/1988. Negativa de autoria. Sede inviável para apreciação desta alegação.

1. Para que se aplique o artigo 109, IV, da CF/1988, estabelecendo-se, por ilação, a competência da Justiça Federal para o processamento de causa penal é necessária a ocorrência de lesão direta e específi ca a bens, serviços ou interesse da União, de suas entidades autárquicas ou de empresa pública, fato que não ocorreu nos presentes autos, tendo havido tão somente para a perpetração do delito menção de falso prestígio junto a servidor público federal que sequer existia.

2. Não se afi gura possível a análise da alegação de negativa de autoria do paciente, uma vez que ensejaria, necessariamente, ampla dilação probatória, o que se afi gura inviável nesta sede.

3. Ordem denegada.

Alegam os impetrantes a ausência de justa causa para a ação penal, tendo em vista a atipicidade da conduta narrada na denúncia, já que o servidor federal a ser infl uenciado sequer existia.

Sustentam que, caso configurada a justa causa, a competência para processar e julgar a citada ação penal é da Justiça Federal.

Pretendem, liminarmente, seja sustado o andamento da Ação Penal n. 2007.0004.4116-1, em curso na 2ª Vara de Crateús-CE, até o julgamento fi nal do presente writ.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 781-849, janeiro/março 2011 785

No mérito, requerem o trancamento da ação penal por ausência de justa

causa ou o reconhecimento da incompetência da Justiça Estadual para processar

e julgar a referida ação penal, com a conseqüente anulação de todos os atos

praticados a partir da denúncia.

O pleito liminar foi indeferido às fl s. 66-67.

As informações prestadas pela autoridade apontada como coatora

encontram-se às fl s. 73-88.

O Ministério Público Federal, às fl s. 90-94, manifestou-se pela denegação

da ordem.

Em resposta ao despacho de fl. 96, o Tribunal de origem prestou

informações complementares às fl s. 119-156, destacando-se as seguintes:

a) ainda não foi proferida sentença na ação penal em apreço;

b) o paciente encontra-se em liberdade.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Relatora): As questões a

serem enfrentadas no presente habeas corpus consistem na atipicidade da conduta

descrita na denúncia e na incompetência da Justiça Estadual para processar e

julgar a ação penal em apreço.

Conforme relatado, o paciente foi denunciado como incurso no art. 357,

parágrafo único, do Código Penal, por supostamente, no exercício da advocacia,

ter exigido de um cliente valores para manipular processo em curso na 11ª Vara

da Justiça Federal do Ceará, sob a alegação de que infl uenciaria um servidor na

referida unidade judiciária.

Segundo a impetração, a atipicidade da conduta residiria na inexistência do

referido servidor federal.

Razão não assiste ao impetrante.

Segundo doutrina de escol, “não se exige que o funcionário seja determinado

nem que seja competente para o ato em que tenha interesse o lesado, podendo

também ser uma fi gura puramente imaginária” (Heleno Cláudio Fragoso. Lições

de Direito Penal, parte especial, vol. II, 6. ed., atualizada por Fernando Fragoso.

Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1988, p. 488).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

786

No mesmo sentido, Magalhães Noronha, em Direito Penal, parte especial,

11. ed., Ed. Saraiva, 1979, p. 326, quando afi rma que “não se desnatura o delito

se o funcionário pseudocorrupto não existe ou é imaginário”.

A jurisprudência segue no mesmo trilho:

Penal. Recurso especial. Exploração de prestígio. Confi guração.

1. O crime de exploração de prestígio exige, à sua confi guração, apenas a obtenção de vantagem, ou promessa desta, junto a funcionário público no exercício da função. Dispensável a identifi cação expressa do servidor.

2. Recurso Especial provido. (REsp n. 76.211-PE, DJ de 06.09.1999).

Assim, tem-se que a impetração não prospera em relação à primeira insurgência.

No que se refere à alegada incompetência da Justiça Comum, melhor sorte não assiste aos impetrantes.

Como cediço, a fixação da competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da ação penal pressupõe a ocorrência de lesão direta e específi ca a bens, serviços ou interesse da União, de suas entidades autárquicas ou de empresa pública.

Nesse sentido, o CC n. 37.073-PR, de minha relatoria, DJ de 26.03.2007, assim sintetizado:

Confl ito negativo de competência. Processual Penal. Estelionato. Prejuízo ao patrimônio alheio. Ausência de detrimento de bens, serviços ou interesses da União e de suas entidades. Competência da Justiça Estadual.

1. Para delinear-se a competência da Justiça Federal o interesse requerido no preceito constitucional, art. 109, IV, tem de ser de tal sorte que resulte em prejuízo potencial à União ou a seus entes, não cabendo a afetação por via intermediária.

2. In casu, inexistindo prejuízo ao patrimônio público, já que os agentes, sem qualquer vinculação com a Administração, buscaram tão-somente conseguir vantagem indevida de particular, não caracteriza hipótese de competência da Justiça Federal, pois incogitável o detrimento de bens, serviços ou interesses da União e de suas entidades.

2. Confl ito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da Comarca de Rio Negro, PR, suscitado.

Repise-se: o funcionário público que supostamente seria infl uenciado

sequer existe. Transcrevo, por oportuno, o seguinte trecho do acórdão

impugnado:

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 23, (221): 781-849, janeiro/março 2011 787

Segundo a denúncia o suposto delito teria sido praticado em detrimento dos interesses de Francisco das Chagas Nunes, à época cliente do ora paciente.

Na exordial delatória, o Ministério Público Estadual afi rma que o ora paciente ludibriou a vítima, aplicando-lhe um golpe para dela subtrair a quantia de R$ 7.000,00 (sete mil reais), sob a alegação de que conseguiria a revogação de uma prisão preventiva contra si decretada, através de um servidor que seria assessor do Juiz Federal atuante na 11ª Vara Federal do Estado do Ceará.

Segundo o Parquet, restou apurado que referido servidor, o qual supostamente seria corrompido, sequer existe, não havendo nenhum servidor do sexo masculino que seja magistrado titular da 11ª Vara Federal do Estado do Ceará.

Não se vislumbra, portanto, o interesse da União na apuração dos fatos

narrados na inicial.

O comportamento irrogado, penso, não afeta a esfera da União, dada a mis-

en-scène supostamente encetada pelo paciente.

Assinalou o Ministério Público Federal que “o que se protege no delito

mencionado é a dignidade e o prestígio da justiça, que não foram ofendidos,

pois a conduta praticada não foi apta a tanto” (fl s. 91-92).

Assim, percebe-se que as irresignações não se amparam na doutrina e na

jurisprudência desta Corte.

Ante o exposto, denego a ordem.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 96.601-MS (2007/0296925-4)

Relator: Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do

TJ-CE)

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul

Advogado: Elizabeth Fátima Costa - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

Paciente: Ademir Ciriaco Duarte (preso)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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EMENTA

Habeas corpus. Violência doméstica. Lesões corporais leves. Lei Maria da Penha. Ação penal pública condicionada. Representação. Prescindibilidade de rigor formal. Audiência prevista no artigo 16 da Lei n. 11.340/2006. Obrigatoriedade apenas no caso de manifestação de interesse da vítima em se retratar.

1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.097.042-DF, ocorrido em 24 de fevereiro do corrente ano, fi rmou a compreensão de que, para propositura da ação penal pelo Ministério Público, é necessária a representação da vítima de violência doméstica nos casos de lesões corporais leves, pois se cuida de ação penal pública condicionada.

2. A representação não exige qualquer formalidade específi ca, sendo sufi ciente a simples manifestação da vítima de que deseja ver apurado o fato delitivo, ainda que concretizada perante a autoridade policial.

3. A obrigatoriedade da audiência em Juízo, prevista no artigo 16 da Lei n. 11.340/2006, dá-se tão somente no caso de prévia manifestação expressa ou tácita da ofendida que evidencie a intenção de se retratar antes do recebimento da denúncia.

4. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por maioria, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencida a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Os Srs. Ministros Og Fernandes e Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 16 de setembro de 2010 (data do julgamento).

Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Relator

DJe 22.11.2010

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RSTJ, a. 23, (221): 781-849, janeiro/março 2011 789

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-

CE): Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Ademir Ciriaco Duarte,

denunciado pela suposta prática de crime de lesão corporal de natureza leve no

âmbito familiar, previsto no artigo 129, § 9º, do Código Penal, apontada como

autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.

Busca a impetração o “trancamento da ação penal por falta de condição

de procedibilidade, visto que o crime de lesão corporal leve é de ação pública

condicionada, ou seja, a denúncia só pode ser oferecida e recebida, com a

representação das partes, e em audiência judicial especialmente designada para

esse fi m, à luz da norma consubstanciada no artigo 16 da Lei n. 11.340/2006”

(fl . 05).

A liminar foi indeferida pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima, antigo

relator, à fl . 78.

Dispensada as informações, a douta Subprocuradoria-Geral da República,

ao manifestar-se (fl s. 81-84), opinou pela denegação da ordem.

Posteriormente, os autos foram atribuídos à minha Relatoria (fl . 102).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-

CE) (Relator): Inicialmente, cabe registrar que a Terceira Seção do Superior

Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.097.042-DF,

ocorrido em 24 de fevereiro do corrente ano, fi rmou a compreensão de que, para

propositura da ação penal pelo Ministério Público, é necessária a representação

da vítima de violência doméstica nos casos de lesões corporais leves, pois se

cuida de ação pública condicionada. O julgado restou assim ementado:

Recurso especial repetitivo representativo da controvérsia. Processo Penal. Lei Maria da Penha. Crime de lesão corporal leve. Ação penal pública condicionada à representação da vítima. Irresignação improvida.

1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima.

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2. O disposto no art. 41 da Lei n. 11.340/2006, que veda a aplicação da Lei n. 9.099/1995, restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras.

3. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real espontaneidade da manifestação apresentada.

4. Recurso especial improvido.

(REsp n. 1.097.042-DF, Relator para Acórdão o Ministro Jorge Mussi, DJe de 21.05.2010).

Entendo, contudo, que tal representação não depende de qualquer

formalidade específi ca, sendo sufi ciente a simples manifestação da vítima de que

deseja ver apurado o fato delitivo, ainda que concretizada perante a autoridade

policial.

Nesse sentido:

A - Habeas corpus. Lei Maria da Penha. Crime de lesão corporal leve. Alegação de ausência de representação. Tese de falta de condição de procedibilidade. Não ocorrência. Inequívoca manifestação de vontade da vítima. Oferecimento de notitia criminis perante a autoridade policial. Validade como exercício do direito de representação. Inexigibilidade de rigores formais. Precedentes. Pleito de concessão do benefício do sursis processual. Impossibilidade. Não-incidência da Lei n. 9.099/1995.

1. A representação, condição de procedibilidade exigida nos crimes de ação penal pública condicionada, prescinde de rigores formais, bastando a inequívoca manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal no sentido de que se promova a responsabilidade penal do agente, como evidenciado, in casu, com a notitia criminis levada à autoridade policial, materializada no boletim de ocorrência.

2. Por força do disposto no art. 41 da Lei n. 11.340/2006, resta inaplicável, em toda sua extensão, a Lei n. 9.099/1995.

3. Ordem denegada.

(HC n. 130.000-SP, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe de 08.09.2009)

B - Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Art. 214, c.c. 224, alínea a, do Código Penal. Ação penal pública condicionada. Representação. Desnecessidade de rigor formal. Crime hediondo. Progressão de regime. Possibilidade. Inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990 declarada pelo STF. Requisitos. Necessidade de apreciação prévia pelo juízo da execução. Agravante da reincidência.

I - Em se tratando de crime de ação penal pública condicionada, não se exige rigor formal na representação do ofendido ou de seu representante legal, bastando a sua

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manifestação de vontade para que se promova a responsabilização do autor do delito.

II - O Pretório Excelso, nos termos da decisão Plenária proferida por ocasião do julgamento do HC n. 82.959-SP, concluiu que o § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990 é inconstitucional.

III - Assim, o condenado por crime hediondo ou a ele equiparado pode obter o direito à progressão de regime prisional, desde que preenchidos os demais requisitos.

IV - Decorridos mais de cinco anos da extinção da pena da condenação anterior e a prática do novo delito, deve ser afastada a agravante da reincidência (art. 64, inciso I, do CP).

Ordem parcialmente concedida.

(HC n. 86.232-SP, Relator o Ministro Felix Fischer, DJU de 05.11.2007)

C - Recurso especial. Lesão corporal. Representação. Registro de ocorrência perante a autoridade policial. Validade. Conhecimento e provimento do apelo.

O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que o simples registro da ocorrência perante a autoridade policial equivale a representação para fins de instauração da instância penal.

Recurso conhecido e provido.

(REsp n. 541.807-SC, Relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJU de 09.12.2003)

No caso, disse o Tribunal de Justiça:

Quanto à tese de ausência de representação, consoante sobressai dos autos, às fl s. 11, 12 e 13, consta, respectivamente, Boletim de Ocorrência, laudo referente às lesões corporais sofridas pela vítima e Termo de Declaração desta, demonstrando, com tal procedimento, a inquestionável vontade de ver seu agressor processado.

A intenção da vítima para que o delito fosse apurado já foi demonstrada, e devem ser consideradas válidas, para tanto, as declarações fi rmadas nesse sentido perante a autoridade policial.

Além disso, é cediço que a representação, como condição de procedibilidade, prescinde de rigor formal, e basta a demonstração inequívoca da vontade do ofendido, de que sejam tomadas providências em relação ao fato e à responsabilização do autor, sendo, portanto, aceitável formulação perante a autoridade policial, ainda que essa se dê em forma de Boletim de Ocorrência e Termo de Declaração.

(...)

Assim, entendo que a vítima, ao procurar a Delegacia de Polícia Civil e registrar Boletim de Ocorrência, prestar Declarações e se submeter a exame de corpo de

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delito, demonstra de maneira inequívoca a vontade de representar contra seu agressor. (fl s. 72-73)

Assim, conforme visto no acórdão atacado, restou demonstrada a

inequívoca intenção da vítima no sentido de que se promova a responsabilidade

penal do ofensor, notadamente pelo registro do Boletim de Ocorrência na

Delegacia de Polícia, bem como por ter se submetido a exame de corpo de

delito a fi m de comprovar a materialidade do suposto crime, ausente, portanto, o

alegado constrangimento ilegal nesse ponto.

De outro lado, quanto à tese de nulidade do procedimento ante a ausência

de designação da audiência prevista no artigo 16 da Lei n. 11.340/2006, também

não assiste razão à impetrante.

Veja-se o teor do referido artigo:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal fi nalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Com efeito, extrai-se desse dispositivo que a obrigatoriedade da audiência

em Juízo se dá tão somente se houver prévia manifestação expressa ou tácita da

vítima que evidencie a intenção de se retratar antes do recebimento da denúncia,

o que não se verifi cou no caso dos autos.

Em outras palavras, não é necessário que o Juiz de primeiro grau designe

audiência antes de receber a denúncia em todos os casos de ação penal pública

condicionada para que a vítima ratifi que ou renuncie à representação.

A razão desta audiência é justamente para que o magistrado possa analisar

acerca da real intenção da vítima em se retratar da representação, ou seja, para

garantir a livre e espontânea manifestação da ofendida.

Ante o exposto, em consonância com o parecer do douto Ministério

Público Federal, denego o habeas corpus.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Sra. Ministra Presidente, a condição para a

realização dessa audiência – pelo que se depreende do art. 16 – é garantir que,

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feita a representação, o arrependimento que se produza em seguida, faça-se de

forma a que o juiz perceba sinceridade e ausência de coação.

Se feita a representação, em nenhum instante houve um gesto de

arrependimento no sentido de movimentar a máquina estatal para processar o

eventual causador da ofensa, essa audiência é despicienda.

De modo que peço vênia a Sra. Ministra Maria Th ereza para acompanhar

o voto do Sr. Ministro Relator, denegando a ordem de habeas corpus.

HABEAS CORPUS N. 101.570-RJ (2008/0050242-7)

Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura

Impetrante: José Carlos Dias e outro

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Paciente: Ricardo Sérgio de Oliveira

EMENTA

Processo Penal. Habeas corpus. Gestão temerária. Falta de justa causa. Atipicidade. (1) Ação penal. Vários investigados. Um deles, o artífi ce do indigitado plano, possuidor de prerrogativa de foro, sobre cuja específi ca conduta houve manifestação do PGR pela atipicidade. Impossibilidade lógica de prosseguimento da ação em relação aos demais. Princípio da indivisibilidade. (2) Crime doloso. Descrição de fato culposo. Atipicidade. (3) Ordem concedida. Outras alegações prejudicadas.

1. A manifestação da Procuradoria Geral da República, destacando a atipicidade da conduta daquele que seria considerado o principal artífi ce da operação fi nanceira em foco, inviabiliza, logicamente, a responsabilização daqueles que seriam apenas partícipes. Quando o Parquet se pronuncia em relação a um, ou alguns dos corréus, destacando a atipicidade do fato, tal manifestação, de caráter objetivo, estende-se aos demais, pelo princípio da indivisibilidade da ação penal.

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2. A denúncia que emprega os termos imprudência e negligência, descrevendo, pois, comportamento culposo, apesar da imputação de crime punível apenas a título de dolo, conduz ao reconhecimento da atipicidade.

3. Concedida a ordem em razão de dada alegação, o exame das demais resta prejudicado.

4. Sendo o motivo da concessão do writ de caráter objetivo - atipicidade do fato - devem seus efeitos ser estendidos aos demais corréus.

5. Ordem concedida para trancar a Ação Penal n. 2002.5101.501869-1, da 3ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, estendido o trancamento, nos moldes do art. 580 do CPP, aos demais corréus.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “Prosseguindo no julgamento após voto-vista do Sr. Ministro Og Fernandes concedendo a ordem de habeas corpus, com extensão aos corréus, e os votos dos Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE) no mesmo sentido, a Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, com extensão aos demais corréus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 21 de setembro de 2010 (data do julgamento).

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora

DJe 11.10.2010

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: Trata-se de habeas corpus,

substitutivo de recurso ordinário, impetrado contra acórdão da Primeira Turma

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RSTJ, a. 23, (221): 781-849, janeiro/março 2011 795

do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que, denegando anterior writ em favor de Ricardo Sérgio de Oliveira, manteve o regular processamento da Ação Penal n. 2002.51.01.501869-1, em trâmite perante a 3ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, cuja denúncia o traz como incurso nas sanções do art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986, juntamente com mais onze co-réus.

Aduzem os impetrantes que o paciente foi denunciado pela prática do crime de gestão temerária de instituição fi nanceira, tendo em vista que teve participação, juntamente com os demais co-réus, na qualidade de representantes do Banco do Brasil S.A., na concessão de carta de fi ança no valor de R$ 874.200.000,00 (oitocentos e setenta e quatro milhões e duzentos mil reais) da referida instituição bancária em favor da empresa Solpart Participações S.A., em 28.07.1998, para fi ns de participação no leilão de privatização da estatal Telecomunicações Brasileiras S.A. - Telebrás, ocorrido em 29.07.1998.

Segundo a denúncia, a suposta conduta delituosa atribuída ao paciente residiria na irregular concessão da referida carta de fiança, por falta de observância de critérios fi xados pelo Banco Central do Brasil - Bacen, a qual teria colocado em risco tanto o patrimônio do Banco do Brasil S.A., como o próprio Sistema Financeiro Nacional globalmente, confi gurando gerenciamento temerário da referida instituição, tipifi cado no art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986.

Em apertada síntese, a alegada irregularidade se verifi cou no processo de concessão da carta de fi ança à empresa Solpart Participações S.A., eis que esta apresentava capital social de R$ 1.000,00 (mil reais), considerado incompatível com a soma garantida pelo Banco do Brasil S.A. para sua participação no leilão de privatização da Telebrás. Somado a este fato, a referida empresa apresentou como garantia apenas o aval de outra empresa, denominada Techold Participações

S.A., cujo capital social alcançava o montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), igualmente inapto à satisfação do crédito do Banco do Brasil S.A, caso a instituição tivesse que honrar a fi ança prestada.

A denúncia aponta, ainda, displicência por parte dos denunciados no procedimento de concessão da referida carta de fi ança, tendo em vista que todo seu trâmite se deu no prazo de vinte e quatro horas, tempo insufi ciente para a análise das “questões necessárias com o grau de atenção e seriedade devidos.” (fl . 522)

Alegam os impetrantes que não existiu qualquer irregularidade no

procedimento de concessão da carta de fi ança à referida empresa, tendo em vista

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que esta apresentava-se como um consórcio, ou uma Sociedade de Propósito

Específi co, constituída apenas para a participação no leilão de privatização da

Telebrás, da qual faziam parte, dentre outras empresas de grande porte, a Previ

- Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil - e a Sistel, fundo

de pensão dos funcionários do Sistema Telebrás, os quais possuíam expressivo

volume de recursos aplicados no Banco do Brasil S.A.

Sustentam, ainda, que a operação, ao fi nal, mostrou-se exitosa e lucrativa,

tendo em vista que neste curto espaço de tempo o Banco do Brasil S.A. auferiu

lucro de R$ 218.575,80 (duzentos e dezoito mil, quinhentos e setenta e cinco

reais e oitenta centavos), a título de comissão remuneratória previamente

estipulada, circunstância que foi reconhecida pelo Tribunal de Contas da União

ao julgar tal operação, que considerou aceitável o risco assumido pelo Banco do

Brasil S.A, inerente à sua atividade empresarial. E, com base na regularidade

da operação reconhecida pelo Tribunal de Contas da União, que absolveu os

denunciados na via administrativa, alegam que a ação penal acabaria prejudicada,

por falta de justa causa.

Defendem, também, que o fato narrado na denúncia pelo Ministério

Público não constitui crime, o que ensejaria a declaração de inépcia da denúncia,

nos moldes do disposto no art. 43, I, do Código de Processo Penal, tendo

em vista que a carta de fi ança foi concedida à empresa Solpart Participações

S.A. com base na solidez fi nanceira dos fundos de pensão que a integravam,

que asseguravam ao Banco do Brasil S.A. a lisura na atuação do consórcio no

leilão da estatal, os quais, por si sós, tinham capacidade de honrar eventual

compromisso assumido perante a União, caso fossem detentores da melhor

oferta.

Sustentam que a prática de um ato isolado, como foi a operação realizada

para a concessão da carta de fi ança à empresa Solpart Participações S.A., não pode

ser considerado como gestão temerária de instituição fi nanceira, cujo conceito

seria bem mais amplo, vinculado à uma continuidade temporal, argumentando,

ainda, que a referida operação não trouxe qualquer prejuízo ao Banco do Brasil

S.A., tampouco ao Sistema Financeiro Nacional.

O Tribunal de origem, por ocasião do julgamento do prévio writ impetrado

em favor do paciente, assentou:

4. Os impetrantes sustentam a presença de constrangimento ilegal devido ao processo penal instaurado contra o Paciente que, segundo alegam, teria se baseado em denúncia inepta por falta de descrição dos requisitos e elementos

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previstos no art. 41, do Código de Processo Penal, não havendo justa causa para a deflagração e desenvolvimento da ação penal (art. 43, do mesmo diploma processual penal).

5. Assim dispõe o art. 4º, caput, e seu parágrafo único da Lei n. 7.492/1986:

(...)

6. Como se vê, o tipo, ao conceituar a infração, é extremamente amplo e genérico, dando margem a interpretações extremamente subjetivas. Manoel Pedro Pimentel, após tecer ásperas críticas ao dispositivo legal em apreço, traça parâmetros para interpretação do que seja gestão temerária fraudulenta:

(...)

7. Essa é, a meu ver, a única interpretação possível para o artigo, e à luz da qual cabe examinar a conduta do Paciente, que, inclusive, se assemelha àquela atribuída aos Pacientes de que tratava o Habeas Corpus n. 2007.02.01.002320-5 (DJ 19.06.2007 - trânsito em julgado: 1º.08.2007), de minha relatoria, originário da mesma ação penal e impetrado pelo Banco do Brasil em favor de ex-diretores. Esta 1ª Turma, naqueles autos, denegou, à unanimidade, o habeas corpus, cujos fundamentos a seguir transcritos adoto como razões de decidir:

(...)

8. A conclusão que se impõe é que, ao menos em tese, a operação, de cuja aprovação o Paciente participou, foi realizada com assunção de riscos que extrapolam os limites da prudência que se espera do administrador de uma instituição fi nanceira.

9. Não procede a alegação de que, para o fi m de confi guração do crime de gestão temerária, seria necessária a presença de várias operações fi nanceiras, e não apenas uma única concessão de carta-fiança. O crime descrito no art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986, é classificado como crime habitual impróprio, ou acidentalmente habitual, em que apenas uma ação pode ter relevância para a confi guração do tipo penal, ainda que a reiteração da mesma prática não enseje a consideração de que haveria pluralidade de crimes.

10. Apesar de alegar não possuir atribuição estatutária para a gestão das operações ora incriminadas, teve sua ligação com os fatos atestada, pelo fato de ter participado de reunião da diretoria executiva, e votado, na condição de diretor, à concessão de fi ança bancária de alto risco, previsivelmente lesiva aos interesses da instituição fi nanceira.

(...)

13. Há forte indício da materialidade delitiva, bem como de ser seu co-autor o ora Paciente, o quanto basta para a formação do juízo de deliberação, sufi ciente ao recebimento da denúncia, conferindo justa causa para a instauração da ação penal contra o mesmo.

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14. O certo é que o remédio jurídico do habeas corpus - com toda a sua importância - somente pode ser concedido na eventualidade de verifi cação de manifesta ilegalidade ou constrangimento abusivo por parte das autoridades públicas, o que não se verifica no caso em tela. A culpabilidade, ou não, do Paciente, é matéria que depende da produção e cotejo de provas complexas, inclusive periciais, somente cabíveis no curso da ação penal. (fl s. 46-51)

Contrariamente, os impetrantes aduzem que a matéria não demanda

exame de questões de prova, eis que a alegada ausência de justa causa

defl uiria da atipicidade da conduta irrogada, que foi radicalmente afi rmada

em outro procedimento. O Subprocurador-Geral da República Flávio Giron

e o, então, Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, analisando

o comportamento de Pedro Pullen Parente, Presidente do Conselho de

Administração, dotado de prerrogativa de foro, determinaram o arquivamento

do feito, em razão da ausência de justa causa. Daí, a irresignação decorrente do

desrespeito ao princípio da indivisibilidade da ação penal. Não seria lógica a

instauração de inquérito policial e de respectiva ação penal quando o Ministério

Público Federal, por seus órgãos de cúpula, reconheceu a atipicidade.

Apontaram que, contestando o discurso do governo Fernando Henrique,

lideranças políticas e sindicais associaram-no a um projeto desnacionalizador

de nossa economia e o repeliram mediante manifestações públicas. Teriam,

então, tais lideranças promovido verdadeiras batalhas judiciais para impedir a

concretização das medidas propostas. Prosseguem, então, destacando que o leilão

da holding Tele Centro Sul, uma das 12 empresas que se encontravam em vias

de privatização, foi intenso e uma guerra judicial foi desencadeada. Concluído

o certame, ainda houve a tentativa de anulá-lo. Não se conseguiu, entretanto, e

a Tele Centro Sul foi comprada pelo Consórcio Solpart Participações S.A. O

quadro político confl itivo gerado por aquelas iniciativas governamentais teria

motivado a defl agração de vários processos administrativos e criminais contra

pessoas identifi cadas com a operacionalização das ações privatizantes - o caso

do paciente, diretor do Banco do Brasil.

Pontuaram que o aresto guerreado passou ao largo de opiniões de experts

do mercado financeiro, que depuseram indicando que outras instituições

fi nanceiras também forneceram cartas de fi ança à Solpart, como o Unibanco, o

Citibank e o BFB.

A pedido dos impetrantes, foi colhido parecer do Professor Modesto

Carvalhosa, no qual foi asseverdado:

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RSTJ, a. 23, (221): 781-849, janeiro/março 2011 799

A regulamentação então vigente, como se extrai de seu exame, impunha regras somente em relação à instituição fi nanceira concedente da fi ança, determinando a observância de certos princípios e fi xando um limite percentual de diversifi cação de risco em relação ao seu próprio patrimônio, nada especifi cando quanto à magnitude ou espécie de garantias e nem efetuando exigências dirigidas ao afi ançado.

(...) a concessão de Carta de Fiança pelo Banco do Brasil S/A à Solpart Participações S/A, consideradas a forma e as condições em que foi realizada, não caracteriza nenhuma ilicitude face às normas pertinentes à área de atuação do Banco Central do Brasil vigentes à época, cujas exigências dirigidas ao fi ador (Banco do Brasil) restaram devidamente cumpridas.

Por fi m, salientaram que a conduta dos denunciados não possui o elemento

subjetivo requerido pelo tipo da gestão temerária, que é o dolo direto ou

eventual.

Pretendem, liminarmente, a suspensão do trâmite da Ação Penal n.

2002.51.01.501869-1, até o julgamento do mérito do writ, no qual se requer

o reconhecimento de inépcia da denúncia com o conseqüente trancamento da

ação penal por ausência de justa causa.

Em favor de co-réus do ora paciente foi impetrado prévio writ perante

esta Corte, autuado como HC n. 86.075-RJ, através do qual pretende-se o

trancamento da aludida ação penal, cujo pleito liminar foi indeferido.

A liminar foi indeferida às fl s. 1.364-1.367.

As informações foram prestadas às fl s. 1.376-1.393.

O Ministério Público Federal apresentou parecer, fl s. 1.395-1.402, da lavra

do Subprocurador-Geral da República Francisco Dias Teixeira, opinando pela

denegação da ordem.

Foi requerida a intimação da sessão de julgamento, fl . 1.404, o que foi

deferido à fl . 1.405.

Em consulta telefônica à Vara de origem, obteve-se a informação de

que ainda não se ultimou a instrução. Já o processo administrativo punitivo,

instaurado perante o Banco Central, já teve sua primeira instância concluída,

com a condenação dos administradores do Banco do Brasil à multa de vinte

e cinco mil reais. Irresignados, interpuseram recurso, encontrando-se os autos

conclusos com o relator, Dr. Raul Jorge de Pinho Curro.

É o relatório.

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VOTO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Relatora): O objeto da

impetração cinge-se ao trancamento da ação penal, alegando-se a ausência de

justa causa, em razão da atipicidade da conduta.

Eis, no que interessa, o teor da incoativa:

Em 28.07.1998, os denunciados, na condição de funcionários do Banco do Brasil, concederam Carta de Fiança à empresa Solpart Participações S/A, no valor de R$ 874.200.000,00 (oitocentos e setenta e quatro milhões e duzentos mil reais), para que esta participasse do leilão de privatização da estatal Telecomunicações Brasileiras S/A - Telebrás, ocorrido em 29.07.1998.

Ocorre que a concessão da referida garantia foi feita de forma fl agrantemente irregular, porquanto não observou os critérios fi xados pelo Banco Central do Brasil - Bacen, expondo a risco o patrimônio do Banco do Brasil e o Sistema Financeiro Nacional como um todo, através do gerenciamento temerário daquela instituição bancária, como se demonstrará a seguir.

Primeiramente, há que se destacar que, quando da concessão da Carta de Fiança, o capital social da empresa Solpart Participações S/A era de míseros R$ 1.000,00 (mil reais), conforme registro na Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro - Jucerja, o que já denota irregularidade, vez que a garantia concedida era absolutamente incompatível com o porte da empresa afi ançada.

Ademais, a única garantia que a Solpart apresentou foi o aval da empresa Techold Participações S/A cujo capital social era de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Logo, percebe-se que não havia garantias sufi cientes para assegurar ao Banco do Brasil a satisfação de seu crédito, caso a fi ança tivesse de ser honrada. Ouvidos em sede policial, os ora denunciados argumentaram que foram uníssonos em aprovar a operação, por que constataram a participação de grandes agentes econômicos, tais como o Grupo Opportunity, a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil - Previ e a Fundação Sistel de Seguridade Social; situação que, na ótica dos mesmos, minimizaria os riscos e dava credibilidade à Solpart, recomendando o negócio. Tal argumentação pode ser facilmente refutada, à medida que estes fundos participavam apenas indiretamente do consórcio e, assim sua responsabilidade era limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas, conforme dispõe o art. 1º da Lei n. 6.404/1976. Note-se, ainda, que as assertivas dos ora denunciados no sentido de que se Solpart S/A não honrasse o negócio, os agentes econômicos indiretamente envolvidos teriam suas credibilidades afetadas no mercado financeiro em geral, revela-se mera elucubração, já que suas capacidades econômico-financeiras continuariam integralmente preservadas.

Neste contexto, há de se dar razão às conclusões expressas no parecer do Bacen (fl s. 10-26). Os técnicos do órgão fi scalizador consideraram subjetivos os critérios levados em conta pelos funcionários do Banco do Brasil na concessão

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da Carta de Fiança, porquanto os mesmos se prenderam aos nomes das grandes empresas que fi guravam indiretamente na operação, ao invés de averiguar a existência de capital e patrimônio próprios da Solpart. Como bem disse a analista do Bacen, Ormina de Almeida Ferreira, fl s. 197-190, para o deferimento de um negócio dessa monta, deve ser analisado o comportamento da empresa em uma situação em que esta não conseguisse honrar seus compromissos. E, na hipótese, em caso de difi culdades fi nanceiras da Solpart, o Banco do Brasil não teria meios de resgatar todo o seu investimento, uma vez que as empresas que a integram pagariam apenas no limite de suas participações.

(...)

Por outro lado, entre a elaboração da “Súmula de Estudo de Operações - Prestação de Garantia” - documento resultante da análise do risco da operação, fruto de decisão conjunta do Comitê de Crédito da Superintendência Estadual do Rio de Janeiro, ambas do Banco do Brasil aprovada pela Diretoria do órgão, e a celebração do contrato de fi ança, passaram-se menos de vinte e quatro horas, o que, de antemão, já revela que os responsáveis agiram displicentemente, não analisando todas as questões necessárias com o grau de atenção e seriedade devidos.

Da mesma forma, o ora denunciado Ricardo Sérgio de Oliveira, em depoimento de fl s. 355, afi rmou que muitos riscos e limites não precisavam ser apurados, pois já se encontravam previamente definidos em documentos internos do Banco do Brasil. Algumas empresas poderiam eventualmente nem mesmo estar catalogadas, mas por serem largamente conhecidas no mercado, dispensavam um processo formal e prévio de aprovação de crédito.

Deve-se destacar ainda que, por conta da magnitude do valor envolvido, a competência para a aprovação, em última análise, da garantia era do Conselho de Administração do Banco do Brasil. Sob a justifi cativa da exigüidade temporal, a concessão da garantia foi aprovada ad referendum por Pedro Pullen Parente, na qualidade de Presidente daquele Conselho, tal qual confi rma o depoimento de João Batista de Camargo, às fl s. 196. Note-se que tal aprovação contrariou o procedimento previsto no Estatuto daquela sociedade; qual seja, a convocação de reunião extraordinária para casos urgentes.

Por fi m, cabe ressaltar que o crime de gestão temerária de instituição fi nanceira não exige, para a sua consumação, tenha havido o efetivo prejuízo ao Sistema Financeiro, mas apenas o risco causado à sua higidez e estabilidade, por um atuar imprudente ou negligente. (fl s. 521-523, destaquei).

Motivam a pretensão os seguintes pilares:

1) Violação do princípio da indivisibilidade da ação penal, visto que o autor

da concessão da fi ança, Pedro Pullen Parente, foi eximido de responsabilidade

pela Procuradoria Geral da República, que teve por atípico o fato descrito na

inicial acusatória;

2) Ausência de elemento subjetivo do tipo: dolo direto ou eventual;

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3) A operação fi nanceira foi vantajosa para o Banco do Brasil, que já alcançou signifi cativo lucro a partir de então. Ademais, outras instituições fi nanceiras também concederam cartas de fi ança à Solpart;

4) As normas do Banco Central, vigentes à época, referiam-se ao concedente e, não, à concedida, logo, as particularidades da Solpart - por exemplo, o inexpressivo capital social - não seriam obstáculo para o fechamento do negócio. As sócias da Solpart representariam solidez sufi ciente para embasar o negócio jurídico;

5) Prolação de acórdão do Tribunal de Contas da União, que afastou a ilegalidade da assunção de risco na operação de concessão de carta de fi ança; e,

6) Inexistência de habitualidade na conduta irrogada;

1) MANIFESTAÇÃO DO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA RECONHECENDO A ATIPICIDADE DO FATO E A INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL

Os fatos estampados na denúncia envolvem condutas dos denunciados e de Pedro Pullen Parente, então Presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil. Todavia, como este último assumira o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil, passou, então, a dispor de prerrogativa de foro. Em razão disso, foram encaminhadas cópias do inquérito ao Procurador-Geral da República, que arquivou o protocolado, acolhendo o parecer do Subprocurador-Geral da República Flavio Giron, lançado nos seguintes termos

Trata-se de cópia de procedimento administrativo, posteriormente transformado em inquérito civil público, instaurado no âmbito da Procuradoria da República do Estado do Rio de Janeiro com o escopo de apurar eventual improbidade administrativa por parte dos representados.

Após o ajuizamento da ação de improbidade os membros daquele Parquet Federal remeteram à Procuradoria-Geral da República cópia do mencionado procedimento administrativo onde entenderam, além dos ilícitos civis, poder existir condutas criminosas (tipos penais descritos nos artigos 321, 319 e 335 do Código Penal e artigo 4º, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986) que, em face das normas constitucionais que concedem foro por prerrogativa de função aos representados [Pedro Pullen Parente (Ministro-Chefe da Casa Civil) e Luiz Carlos Mendonça de Barros (Ministro das Comunicações)], não teriam atribuição para analisá-las, ou mesmo, se for o caso, oferecer denúncia.

(...)

No entanto, após acurada análise dos autos verifi ca-se que não há elementos (documentos, depoimentos prestados pelos depoentes ...) para que se possa

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inferir que o senhor Pedro Pullen Parente cometera os crimes de advocacia administrativa; impedimento, perturbação ou fraude de concorrência e crime contra o sistema fi nanceiro nacional. De fato, consta apenas afi rmação do Ministério Público Federal no Estado do Rio de Janeiro no sentido de que o mesmo, por ocasião do leilão de privatização da empresa Tele Norte Leste Participações Ltda., teria favorecido o consórcio integrado pelo grupo Opportunity mediante a concessão de carta de fi ança à empresa Solpart Participações Ltda. que fazia parte desse grupo, sem as devidas contragarantias.

É certo que essa conduta poderia, em tese, confi gurar ato de improbidade administrativa; todavia, consta que o mesmo já está sendo alvo de ação de improbidade proposta pela Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, já que, como é cediço, em sede de ação de improbidade administrativa, não existe foro por prerrogativa de função, devendo as causas serem conhecidas e julgadas, em primeiro grau, pelo Juízo Federal de 1ª instância, onde atuam os Procuradores da República.

Especifi camente quanto à notícia do cometimento do crime de prevaricação por parte do atual Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, que teria como Presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil aprovado carta de fi ança em favor da Solpart Participações Ltda., em desconformidade com instruções internas desse Banco e resoluções do Banco Central do Brasil; verifi ca-se que o tipo penal do aludido crime exige o elemento subjetivo do tipo expresso pela especial finalidade de agir (para satisfazer interesse ou sentimento pessoal), o que na doutrina tradicional denomina-se dolo específi co. Não restou confi gurada a presença do elemento tradicional necessário à confi guração do ilícito penal, já que em nenhum momento fi cou caracterizado que esse ato foi realizado para a satisfação de interesse ou sentimento pessoal.

Também é atípica a conduta porquanto o tipo penal exige que a conduta seja realizada contra disposição expressa de lei (elemento objetivo do tipo); o que não é o caso já que o ato, no máximo, pode ter infringido normas internas do Banco do Brasil e do Banco Central.

Desta forma, a autorização da aludida carta de fi ança, mesmo que entendendo-se realizada em desacordo com normas internas do Banco do Brasil e do Banco Central, não configura o crime de prevaricação, o que, todavia, não afasta a hipótese de confi gurar ato de improbidade administrativa movida pelo Parquet Federal no Estado do Rio de Janeiro.

Nessa esteira de pensamento, a instauração de inquérito policial para apuração de fato penalmente atípico confi gurar-se-ia em constrangimento ilegal, que o Parquet repele e certamente não há de patrocinar.

(...)

Isto posto, opina o Ministério Público Federal, por seu órgão, pelo arquivamento do presente procedimento administrativo no tocante ao Ministro Pedro Pullen Parente, contudo, no que se refere ao cometimento, em tese, dos crimes de advocacia administrativa, prevaricação, impedimento, perturbação ou fraude

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concorrência e crime contra o sistema nacional, que teriam sido praticados pelo ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, opina no sentido de que volvam-se os presentes autos à Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro para que tome as medidas que entender cabíveis, já que o mesmo não goza de foro privilegiado. (fl s. 245-246 e 248-249).

Seguiu-se, então, o despacho do Procurador-Geral da República:

Nos termos da manifestação do eminente Subprocurador-Geral da República Flávio Giron, (fls. 236 a 240), que adoto como razão de decidir, Determino o arquivamento do presente feito no tocante às acusações contra o Ministro Pedro Pullen Parente. (fl . 251).

Não ignoro a existência de precedentes desta Corte, afastando a incidência

do princípio da indivisibilidade em relação à ação penal de iniciativa pública:

Habeas corpus. Processual Penal. Crime de tortura. Pedido de trancamento. Alegação de arquivamento implícito. Paciente não denunciado na primeira exordial acusatória oferecida pelo Parquet Estadual. Não ocorrência de constrangimento ilegal quanto a este tocante. Ausência de intimação do advogado para a audiência de oitiva de testemunhas no juízo deprecado, a despeito de despacho judicial que determinou a realização de tal diligência. Cerceamento de defesa confi gurado. Ordem concedida.

1. O não oferecimento imediato da denúncia com relação ao Paciente não implica na renúncia tácita ao jus puniendi estatal, pois o princípio da indivisibilidade não é aplicável à ação penal pública incondicionada, diferentemente da ação penal privada. Segundo o ordenamento jurídico pátrio, o arquivamento da ação penal pública depende de pedido expresso do Ministério Público, e somente pode ser determinado pelo Juiz.

2. O Juízo deprecado proferiu despacho determinando a intimação do Advogado da nova data de realização da audiência de oitiva de testemunhas, que não se realizou na primeira oportunidade.

Entretanto, a audiência foi realizada posteriormente, sem a intimação do Causídico. Evidente o prejuízo para a Defesa no caso, que foi desonerada da incumbência de acompanhar a tramitação da carta precatória perante o Juízo deprecado.

3. Ordem concedida, tão-somente para anular o processo-crime desde a audiência de oitiva de testemunhas no Juízo deprecado, garantindo-se a intimação do Advogado de defesa da realização do ato.

(HC n. 95.344-RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Rel. p/ Acórdão Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 15.12.2009, destaquei).

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Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Falsidade ideológica. Peculato. Lavagem de dinheiro. Quebra do sigilo fiscal. Falta de prévia decisão judicial. Matéria não examinada pela Corte de origem. Supressão de instância. Investigações preliminares realizadas pelo Parquet Estadual. Possibilidade. Denúncia, ademais, baseada em inquérito policial. Ausência de nulidade. Ofensa ao princípio da indivisibilidade da ação penal. Falta de comprovação. Observância necessária apenas na ação penal privada. Trancamento da ação penal. Ex-governador do Estado do Rio Grande do Norte. Desvio de verbas públicas (representação de gabinete) em proveito próprio e de terceiros. Anterior posse do quantum. Termo que deve ser interpretado em sentido amplo, abrangendo a disponibilidade jurídica da res. Falta de provas quanto à falsidade ideológica. Estreita via do writ. Necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório. Ordem denegada.

1. Inviável o exame originário por este Superior Tribunal de Justiça de tese não debatida perante o Tribunal de origem (quebra do sigilo fi scal de terceiros sem prévia decisão judicial), sob pena de inequívoca e indevida supressão de instância, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Precedentes.

2. Em que pese o entendimento pessoal desta Relatora em sentido contrário, os precedentes desta Corte são uníssonos em admitir a legitimidade das investigações preliminares por parte do Ministério Público, como titular da ação penal pública.

3. Ademais, a denúncia, in casu, encontra-se escorada por inquérito policial.

4. O princípio da indivisibilidade da ação penal aplica-se apenas à ação penal privada, mas não à pública. Precedentes.

5. O termo “posse” contido no tipo penal descrito no caput do artigo 312 do Código de Processo Penal deve ser interpretado de maneira ampla, abarcando, assim, qualquer tipo de disponibilidade jurídica da res apropriada/desviada. Precedente.

6. Evidenciando-se que o agente teria a anterior disponibilidade jurídica do quantum em tese desviado em proveito próprio e de terceiros, mostra-se viável a acusação pelo delito de peculato.

7. A estreita via do habeas corpus, carente de dilação probatória, não comporta o exame de questões que demandem o profundo revolvimento do conjunto fático-probatório colhido nos autos do inquérito policial instaurado contra o paciente, bem como da ação penal que o seguiu. Precedentes.

8. Evidenciando-se que a tese de falta de justa causa para sua persecução penal em juízo quanto ao crime de falsidade ideológica por falta de provas demanda o aprofundado exame dos elementos de convicção até então colhidos, porquanto não demonstrada cabal e inequivocamente por aqueles colacionados aos autos, mostra-se inviável seu acolhimento por meio da via eleita.

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