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0 UNIMAR ALESSANDRO MARCOS KOBAYASHI REVISÃO DO CONTRATO COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR MARÍLIA 2010

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UNIMAR

ALESSANDRO MARCOS KOBAYASHI

REVISÃO DO CONTRATO COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR

MARÍLIA

2010

1

ALESSANDRO MARCOS KOBAYASHI

REVISÃO DO CONTRATO COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em

Direito da Universidade de Marília, como exigência

parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a

orientação da Professora Doutora Jussara Suzi Assis

Borges Nasser Ferreira.

MARÍLIA

2010

2

AUTOR: ALESSANDRO MARCOS KOBAYASHI

Título: REVISÃO DO CONTRATO COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,

área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,

sob a orientação da Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.

Aprovado pela Banca Examinadora em: 18 / 09 / 2010.

_________________________________________________

Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira

Orientador

__________________________________________________

Professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro

____________________________________________________

Professor Doutor Oscar Ivan Prux

3

Agradeço à colaboração, ao apoio e à dedicação da

Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges

Nasser Ferreira, que finalizou minha orientação,

bem como ao Professor Doutor José Luiz Ragazzi,

que a iniciou, pessoas que tornaram realidade a

conclusão do presente trabalho.

4

Dedico este trabalho a minha esposa Amarilis,

minha mãe Inês, minha irmã Alessandra, aos meus

sogros Ricardo e Rosa, bem como a todos os amigos

que torceram pelo meu sucesso, oferecendo apoio e

compreensão durante os períodos de ausência

necessários à conclusão deste trabalho.

5

REVISÃO DO CONTRATO COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR

Resumo: A importância do contrato é inconteste, pois é o instrumento que possibilita a troca

de riquezas na sociedade. Porém, preciso conhecer sua atual estrutura, diante das alterações

pelas quais passou a sociedade, principalmente após a promulgação da Constituição Federal

de 1988, a edição do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do Código Civil de 2002.

Por meio delas foram estabelecidos novos paradigmas para o direito contratual, não sendo

mais concebível a rígida adoção dos ideais liberais preconizados pela Revolução Francesa,

onde a contrato fazia lei entre as partes, mesmo existindo prestações manifestamente

desproporcionais para as partes. Atualmente, deve haver uma compatibilização,

harmonizando-se as diretrizes constitucionais de valorização da liberdade de iniciativa, com o

respeito à dignidade da pessoa humana, a defesa do consumidor, além daqueles previstos na

legislação ordinária: boa-fé objetiva e função social do contrato. Esses novos paradigmas têm

a finalidade de restabelecer o equilíbrio entre as partes contratantes e realização da igualdade

material, os quais são traços marcantes do CDC, onde expressamente se reconhece a

vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, prescrevendo instrumentos para sua

proteção contratual. O consumidor é realmente o elo mais fraco da relação contratual, com

destaque para os contratos celebrados com as instituições financeiras, objeto final do presente

estudo, pois nesses casos é flagrante o desequilíbrio de forças entre as partes, sendo

freqüentes os questionamentos acerca dos encargos cobrados. Nesses casos, para o

restabelecimento do equilíbrio entre as partes, nosso ordenamento concebeu maior liberdade

para o julgador que, diante do caso concreto e fundamentado nessas novas diretrizes, poderá

operar a revisão do contrato, para a exclusão de cláusulas abusivas e a revisão ou modificação

do contrato quando se constate a existência de prestações desproporcionais ou que venham a

se tornar excessivamente onerosas para o consumidor. Assim, a análise dos julgados

proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) se faz necessária, haja vista ser a instância

máxima para questões envolvendo aplicação da lei federal e seus julgados servirem de

paradigma para as decisões das instâncias inferiores. A análise revelou que o STJ vinha dando

efetividade aos comandos constitucionais e infraconstitucionais, ao reconhecer a

aplicabilidade do CDC aos contratos bancários e para as operadoras de cartão de crédito, a

necessidade de readequação do contrato quando comprovada a abusividade dos encargos

contratados, dentre outros. Porém, com a edição da Súmula n. 381, retrocedeu, manifestando-

se contra disposição expressa de lei (Art. 51 do CDC), ao proibir que a manifestação de ofício

do juiz acerca de abusividade de cláusulas nos contratos bancários. Analisando-se os

postulados constitucionais e infraconstitucionais, constata-se a necessidade de revisão desta

Súmula, pois nosso ordenamento preconiza pela harmonização entre a liberdade de iniciativa

e o respeito à dignidade da pessoa humana, neste caso, o consumidor, bem como pela

existência de uma igualdade material entre as partes, que preceitos estes que estão seriamente

prejudicados com tal entendimento.

Palavras-chave: Revisão. Contrato. Código de Defesa do Consumidor.

6

REVISION OF THE CONTRACT WITH BASE IN THE CODE OF

DEFENSE OF THE CONSUMER

Abstract: The importance of the contract is unquestionable, because it is the instrument that

makes possible the exchange of wealth in the society. However, it´s necessary to know its

current structure, due to the alterations in the society, mainly after the Federal Constitution of

1988, the Code of Defense of the Consumer (CDC) and of the Civil Code of 2002, that

established new paradigms for the contractual right, not being more conceivable the rigid

adoption of the liberal ideals extolled by the French Revolution, where the contract did law

between the parts, even existing flagrant disproportionate terms. Currently, a reestablishing

it‟s necessary, being harmonized the constitutional guidelines of valorization of the initiative

freedom, the respect to the human person's dignity, the consumer's defense, besides those

foreseen in the ordinary legislation: objective good-faith and social function of the contract.

Those new paradigms have the purpose of reestablishing the contractual balance and

accomplishment of the material equality, which are outstanding lines of CDC, where

expressly recognize the consumer's vulnerability in the consumption relationships, prescribing

instruments for his contractual protection. The consumer is really the weakest link of the

contractual relationship, with prominence for the contracts been celebrated with the banks, the

final object of the present study. In those cases it is flagrant the unbalance of forces between

the parts, being frequent the issues concerning the collected responsibilities. For the re-

establishment of the balance among the parts, our law conceived larger freedom for the judge

that in the concrete case and based in those new guidelines, it can operate the revision of the

contract, for the exclusion of abusive terms and the revision or modification of the contract

when the existence of disproportionate installments is verified or that it come becoming

excessively onerous for the consumer. Like this, the analysis of judgments uttered by the

Superior Tribunal of Justice (STJ) it´s necessary, because it´s the maximum instance for

subjects involving application of the federal law and yours judged they serve as paradigm for

the decisions of the inferior instances. The analysis revealed that STJ was giving effectiveness

to the constitutional and ordinary laws commands, recognizing the applicability of CDC to the

bank contracts and for the credit card operators, the need of re-establishment of the contract

when proven abusive terms. However, with the Understanding n. 381, there was a retreat,

showing against expressed disposition of law (Art. 51 of CDC), when prohibiting that the

manifestation of the judge's concerning about abusive terms in the bank contracts. Being

analyzed the constitutional and ordinary laws postulates, it´s verified the needed of revision of

this Understanding, because our law extols for the harmonization between the initiative

freedom and the respect to the human person's dignity, in this case, the consumer, as well as

for the existence of a material equality between the parts, precepts that are seriously harmed

with such understanding.

Keywords: Revision. Contract. Code of Defense of the Consumer.

7

REVISÃO DO CONTRATO COM

BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTRATO ................................................................ 14

1.1 O CONTRATO NO DIREITO ROMANO ...................................................................... 15

1.2 O CONTRATO NA IDADE MÉDIA ............................................................................... 17

1.3 CONCEPÇÃO TRADICIONAL DE CONTRATO ......................................................... 19

1.4 CONTRATO NO DIREITO CONTEMPORÂNEO ........................................................ 23

1.5 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO CONTRATO ....................................................... 29

1.5.1 A constitucionalização do direito civil .......................................................................... 31

1.5.2 Princípios e cláusulas gerais .......................................................................................... 36

2 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS ........................................................................................ 39

2.1. AUTONOMIA DA VONTADE ...................................................................................... 39

2.1.1 Liberdade contratual ...................................................................................................... 42

2.1.2 Os limites impostos pelo dirigismo contratual e pelo estado social à liberdade contratual

.................................................................................................................................................. 45

2.1.3 A intervenção do estado na autonomia da vontade segundo o código civil e o código de

defesa do consumidor ........................................................................................................ ...... 50

2.2 BOA-FÉ ............................................................................................................................ 53

2.2.1 Boa-fé subjetiva ............................................................................................................. 53

2.2.2 Boa-fé objetiva ............................................................................................................... 55

a Relação obrigacional complexa ........................................................................................... 57

b Momento de aplicação da boa-fé objetiva ........................................................................... 62

8

c Funções da boa-fé objetiva ................................................................................................... 65

2.3 FUNÇÃO SOCIAL ........................................................................................................... 74

2.3.1 Função social da propriedade ......................................................................................... 75

2.3.2 Função social do contrato .............................................................................................. 81

a Função social – aspecto interno ........................................................................................... 87

b Função social – aspecto externo ........................................................................................... 89

2.4 VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR .................................................................. 95

2.4.1 O consumidor vulnerável .............................................................................................. 99

2.4.2 Conceito de consumidor ............................................................................................... 104

a Consumidor stricto sensu ................................................................................................... 105

b Consumidor equiparado ..................................................................................................... 109

3 PROTEÇÃO E REVISÃO CONTRATUAL ................................................................. 114

3.1 CLÁUSULAS ABUSIVAS ............................................................................................ 115

3.2 CONTRATOS DE ADESÃO ......................................................................................... 119

3.3 INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO EM FAVOR DO CONSUMIDOR .................. 127

3.4 INVALIDADES .............................................................................................................. 131

3.4.1 Inexistência .................................................................................................................. 132

3.4.2 Nulidade e anulabilidade .............................................................................................. 134

3.4.3. Nulidade do contrato de consumo ............................................................................... 141

3.5 REVISÃO DO CONTRATO .......................................................................................... 144

3.5.1 Teoria da imprevisão .................................................................................................... 144

3.5.2 Caso fortuito e força maior .......................................................................................... 152

3.5.3 Erro ............................................................................................................................... 155

3.5.4 Lesão ................................................................................................................. ........... 157

3.5.5 Abuso de direito ...................................................................................................... ..... 161

3.5.6 Modificação e revisão do contrato de consumo ........................................................... 163

9

4 A ATUAÇÃO DO JUIZ NA MODIFICAÇÃO DA CLÁUSULA – SENTENÇA

DETERMINATIVA ............................................................................................................ 168

4.1 SENTENÇA DETERMINATIVA .................................................................................. 168

4.2 MODIFICAÇÃO DO CONTRATO PELOS TRIBUNAIS ........................................... 172

4.2.1 Capitalização de juros ............................................................................................... ... 173

4.2.2 Comissão de permanência ............................................................................................ 180

4.2.3 Juros remuneratórios .................................................................................................... 183

4.2.4 Juros moratórios ...................................................................................................... ..... 189

CONCLUSÕES ................................................................................................................... 196

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 202

ANEXO

ANEXO I – JULGADOS PROFERIDOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA .225

10

INTRODUÇÃO

O homem, desde os primórdios de sua existência, já realizava operações de troca,

principalmente a partir do momento em que deixou o modo de vida gregário para fixar-se em

tribos ou aldeias, as quais, no princípio eram desprovidas de regulamentação jurídica, mas

que, em conformidade com a evolução da sociedade, foram se aperfeiçoando, tornando-se

mais complexas, chegando ao atual patamar globalizado.

Em face dessas operações de troca contata-se que a vontade e, em especial, o contrato,

representa instituto de grande importância, sendo que seu desenvolvimento tem acompanhado

as mudanças pelas quais passou a sociedade. Assim, o contrato contemporâneo é o resultado

de todas essas transformações, sendo importante conhecer suas origens e seu desenvolvimento

para melhor compreensão de seu atual conteúdo.

No decorrer de sua evolução histórica, o contrato conheceu, no início do Direito

romano, a rigidez das fórmulas, para admitir, ao final da existência do Império romano, que o

consenso seria suficiente para a vinculação obrigacional entre as partes.

Em desenvolvimento posterior, já influenciado pelas idéias apregoadas pelo Direito

canônico, pelo liberalismo e pela Revolução francesa, ideais que foram consagrados pela

edição do Código Civil francês de 1808 – o Código Napoleônico ou Code – passou a

reconhecer que o contrato era a única fonte de obrigações, prevalecendo inclusive sobre a lei.

Essas concepções eram do interesse da emergente classe burguesa, que almejava

alterar a estrutura do poder vigente, ou seja, o poder absoluto dos monarcas, precisando de um

instrumento que lhes facilitasse a aquisição da propriedade da monarquia decadente,

fortalecendo-se, assim, o contrato.

Estas concepções, porém, foram abaladas pelas alterações produzidas pela Revolução

Industrial, as duas Grandes Guerras e a Crise de 1929, passando a haver o reconhecimento da

existência de uma desigualdade real entre as partes, a qual, por muitas vezes, proporcionava o

abuso do detentor do poder econômico sobre os menos favorecidos.

11

Em razão disso, a necessidade de intervenção do Estado na atividade econômica

passou a ser defendida, bem como a necessidade de preocupação com as questões sociais,

preocupações essas que, inclusive, passaram a ser inseridas nos Textos constitucionais.

Assim, ressurgiram os estudos acerca da boa-fé objetiva e da função social dos

contratos, que vieram a estabelecer novos limites para o exercício da autonomia da vontade

que, apesar de continuar a ser um dogma basilar do direito contratual, não poderia mais ser

analisada nos mesmos moldes em que foi concebida pelo Código Napoleônico.

Com os estudos acerca da boa-fé objetiva houve o reconhecimento da existência de

deveres que não estão relacionados diretamente com o objeto principal da obrigação e que não

precisam estar expressamente previstos no contrato, os chamados deveres laterais, os quais

também devem ser cumpridos para que o contrato se repute perfeitamente adimplido.

A função social do contrato trouxe o reconhecimento de que o contrato não tem apenas

interesse para as partes contratantes, como também para toda a sociedade, uma vez que seus

efeitos acabam atingindo terceiros que não fazem parte da relação contratual entre as partes.

Esses novos paradigmas do direito contratual tiveram por fim tentar restabelecer o

equilíbrio entre as partes contratantes, pois, foi reconhecido que a igualdade apregoada pela

Revolução francesa não se realizava na prática.

O Brasil, não seguiu alheio a todas essas alterações, pois, inicialmente, o contrato foi

regulamentado pelo Código Civil de 1916, nitidamente inspirado no Code. Porém, as

transformações posteriores, acima mencionadas, refletiram em nosso ordenamento,

culminando com a promulgação da Constituição Federal de 1998, a edição do Código de

Defesa do Consumidor (CDC) e o Código Civil de 2002, que introduziram novos paradigmas

para o instituto em nosso ordenamento.

A Constituição Federal, logo em seu Art. 1º, reconhece a dignidade da pessoa humana

como fundamento do nosso Estado Democrático de Direito, o que para o que interesse ao

presente estudo, implica o reconhecimento da dignidade do consumidor. Além disso, no

inciso XXXII do Art. 5º, reconhece dentre os direitos fundamentais, a defesa do consumidor.

Não bastasse isso, quando o legislador constituinte tratou da “Ordem Econômica e

Financeira”, embora assegure a liberdade de iniciativa, expressamente estabeleceu que a

ordem econômica tem por escopo proporcionar a todos uma digna, porém, respeitando-se,

12

dentre outros, a defesa do consumidor e a função social da propriedade, que serve de

fundamento para a função social do contrato.

Esse contrato contemporâneo, assim, apresenta-se como importante elemento para

estudo, uma vez que foi alterada a estrutura do contrato, para nela abarcar-se a noção de

função social do contrato, bem o respeito da boa-fé objetiva, as quais, além de previstas na

Constituição Federal, vêm previstas expressamente em nossa legislação infraconstitucional.

A compreensão do Código de Defesa do Consumidor é fundamental para a

compreensão desse contrato contemporâneo, uma vez que este diploma legal, para atingir o

escopo constitucional de proporcionar a igualdade material entre as partes, com vistas

assegurar a dignidade da pessoa humana, neste especial, o consumidor, expressamente

reconheceu a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo.

Além disso, o CDC prescreveu direitos básicos a esse consumidor, como, por

exemplo, a proteção contra as cláusulas abusivas, que são culminadas de nulidade, e a

possibilidade de modificação ou revisão de cláusulas que, respectivamente, estabeleçam

prestações desproporcionais e que venham a se tomar excessivamente onerosas ao

consumidor em razão de acontecimentos posteriores.

O Código Civil de 2002 também trouxe instrumentos para o restabelecimento do

equilíbrio entre as partes, destacando-se a possibilidade de resolução ou revisão do contrato

diante de acontecimentos imprevisíveis que afetem o equilíbrio contratual, ocasionando

excessiva onerosidade para uma parte e extrema vantagem para a outra.

Para a consecução desta proteção contratual, destaca-se a atuação dos juízes, pois cabe

ao julgador, diante das controvérsias judiciais existentes acerca de eventual abusividade ou

desproporcionalidade de cláusulas, que estariam afetando o equilíbrio contratual, analisar o

caso concreto e adequar essa situação, fundamentando-se nesses novos paradigmas

contratuais e as regras de interpretação previstas tanto no Código de Defesa do Consumidor

como no Código Civil de 2002.

Esses questionamentos judiciais são freqüentes em matéria de contratos bancários,

proporcionados pelo fato de que, nestes contratos, é latente o desequilíbrio de forças entre as

partes, razão pela qual se entende pertinente a realização do estudo de como essas

controvérsias têm sido dirimidas.

13

A relevância da problemática deve-se ao fato de que as instituições financeiras, não

obstante disposição expressa no CDC tende a envidar todos os esforços jurídicos para tentar

afastar a incidência das normas consumeristas. Além disso, faz-se necessário constatar-se a

forma pela qual os julgadores têm readequado o conteúdo desses contratos para restabelecer o

equilíbrio contratual.

Com o intuito de sistematizar e direcionar a pesquisa, interessante que sejam

analisados os julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, instância máxima para o

deslinde de questões envolvendo a aplicação da lei federal, cujas decisões servem de

paradigma e de fundamento para decisões tomadas pelas instâncias inferiores.

Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça possui enorme responsabilidade no

deslinde dessas questões, pois, seu posicionamento, no reconhecimento das cláusulas

abusivas, bem como ao modo de revisar os contratos, com destaque aos contratos bancários,

tem o condão de proporcionar o restabelecimento do equilíbrio contratual e a efetiva

igualdade entre as partes o que, em última análise, significa a realização da dignidade do

consumidor, ente expressamente reconhecido como vulnerável nas relações de consumo.

Este o objetivo do presente estudo.

14

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTRATO

O contrato, não seria desarrazoado dizer, representa importantíssimo fenômeno

jurídico, que possibilita e regulamenta a circulação de riquezas na sociedade contemporânea,

não sendo instituto por ela concebido, mas que vem sendo emoldurado desde épocas remotas,

influenciado pelos movimentos sociais, pelos costumes, pelos modelos econômicos de cada

período, bem como pelos fatores históricos e culturais “[...] o contrato, por assim dizer,

nasceu da realidade social”.1

Assim, é preciso recordar que o homem, desde os primórdios de sua existência,

conheceu de certa forma, a figura do contrato, uma vez que realizava operações de troca, as

quais, todavia, não possuíam nenhuma disciplina ou regulamentação específica, operando-se

somente entre grupos sociais, já que o estágio de desenvolvimento dos povos primitivos não

oferecia condições para o desenvolvimento de relações individuais. Contudo, com o passar do

tempo, passaram a ser realizadas pelos indivíduos entre si.2

O contrato, nos moldes como é conhecido nos tempos atuais, tem sua origem creditada

ao Direito Romano que desenvolveu doutrina sobre o instituto, concebendo as tradicionais

figuras de contrato: como a compra e venda, locação, mandato e sociedade.

Além disso, o Direito romano teceu as origens do consensualismo, que teve seu

desenvolvimento iniciado no final da idade Média e consagrado na Idade Moderna, quando a

autonomia da vontade e seus dogmas correlatos – liberdade contratual, obrigatoriedade dos

contratos e relatividade de seus efeitos, bem como a teoria acerca dos vícios do consentimento

n– se consagraram.

Entretanto, as transformações econômicas e sociais decorrentes da Revolução

Industrial ocasionaram profundas transformações no instituto, como a contratação em massa,

que levou o Estado a intervir na seara contratual, culminando com a disciplina constitucional

1 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo:RT, 2006, p.49. 2 NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de história do direito. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.77.

15

deste instituto e a valorização dos princípios, surgindo, assim, a contemporânea disciplina

contratual.

1.1 O CONTRATO NO DIREITO ROMANO

O Direito Romano, conforme já mencionado, possuiu importante papel para o

desenvolvimento da moderna concepção de contrato, uma vez que a estruturação conferida

pelos romanos ao instituto serviu de fonte para o desenvolvimento de sua dogmática

tradicional. O Direito romano, porém, passou por inúmeras transformações durante sua longa

existência, as quais refletiram no instituto do contrato.

O contrato, segundo a concepção tradicional, seria “[...] acordo de vontade de duas ou

mais pessoas que visa constituir, a regular, ou extinguir uma relação jurídica”.3 Todavia não

era essa a concepção do Direito Romano, uma vez que nem sempre o acordo de vontades

fazia nascer uma obrigação contratual.4

No Direito Romano Primitivo ou Arcaico havia diferenciação entre contrato e pacto,

onde o primeiro gerava obrigação jurídica e o segundo não.5 Naquele período, o simples

acordo de duas ou mais pessoas sobre o mesmo objeto (pacto) não bastava para gerar uma

obrigação jurídica. Para tal mister era necessário, ainda, a existência de uma causa civilis,

representada pelo cumprimento das formalidades prescritas.

Nesta época, existiam apenas os contratos formais, o nexum e a stipulatio:6 o primeiro

uma espécie de empréstimo de dinheiro que se realizava por meio de um ato solene (per est

libram), praticado na presença do portador de uma balança, do objeto do contrato, das partes e

de cinco testemunhas, caracterizado pelo emprego de fórmulas verbais e atos simbólicos; o

segundo, uma espécie de promessa solene, que consistia em uma pergunta do credor

(spondes?) e uma resposta do devedor (spondeo), cuja obrigatoriedade decorria de seu caráter

sacramental.

3 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v.II, p.107.

4 CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. 18.ed. Rio

de Janeiro: Forense, 1995, p.246-247. 5 MARKY Thomas. Curso elementar de direito romano. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p.119.

6 MACHADO, Yuri Restano. Breves Apontamentos Acerca da Evolução Histórica do Contrato: Do Direito

Romano à Crise da Modernidade. Revista dos Tribunais, ano 96, out.2007, v.864, p.86-87.

16

No período clássico, o desenvolvimento da sociedade romana pelo incremento do

comércio, demonstrou que o nexum e a stipulatio não atendia as novas situações, o provocou a

flexibilização da rigidez de outrora, com flexibilização da stipulatio que passou a admitir

novos verbos, surgindo os contratos verbais, e a construção de novas figuras contratuais,

surgindo, embora em caráter excepcional, um contrato formal caracterizado pelo registro

privado do credor da dívida do devedor, chamado de contrato literal.7

Surgiram, então, os contratos reais, como o mútuo, o depósito, o comodato e o penhor:

o primeiro era um empréstimo sem as formalidades do nexum, que se aperfeiçoava com a

entrega da coisa, a qual efetuava a transferência da propriedade, resultando dessa entrega o

dever de restituição; os últimos eram tipos contratuais onde a entrega da coisa não operava a

transferência da propriedade, mas apenas a posse ou a detenção da coisa conforme o caso.8

Após, na época de Gaio, surgiram os contratos consensuais, em que a obrigação se

aperfeiçoava apenas pelo consenso, ou seja, pelo acordo de vontades. Eram quatro os

contratos consensuais: a compra e venda, a locação, a sociedade e o mandato. Ainda, a regra

de que os pactos não geravam obrigações foi sendo atenuada, sendo reconhecida força

obrigatória a certos pactos: os pactos adjectos, os pactos pretorianos e os pactos legítimos.9

Nesta evolução do contrato romano, surgiram os contratos inominados, ou seja,

espécies contratuais que não estavam previamente tipificadas. Esses contratos formavam, ao

contrário dos contratos do início do período clássico, uma categoria geral e abstrata e que

possuíam dois pontos em comum: a ação que os tutelava e o fato gerador da obrigação, qual

seja, a execução da prestação por uma das partes, conferia o direito da outra em exigir a

contraprestação respectiva.10

Durante o período justinianeu passou-se a considerar que o acordo vontades era

suficiente para gerar obrigações, não sendo mais preciso, como em seu período Clássico, o

acréscimo do elemento objetivo, representado pela observância das formalidades ou a entrega

da coisa, o que representou uma profunda alteração na forma de se analisar o instituto do

7 MACHADO, Yuri Restano. Breves Apontamentos Acerca da Evolução Histórica do Contrato: Do Direito

Romano à Crise da Modernidade. Revista dos Tribunais, ano 96, out.2007, v.864, p.88. 8 MARKY Thomas. O Curso elementar de direito romano. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p.121.

9 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v.II, p.129.

10 Op.cit, p.129.

17

contrato, o que serviu de base para o desenvolvimento, em momento posterior, do

consensualismo e a consagração do dogma da autonomia da vontade.11

Desta forma, o Direito Romano, no decorrer de sua longa evolução, contribuiu de

forma significativa para lançar as bases do sistema contratual moderno, uma vez que, durante

esse período, foram concebidas algumas das formas contratuais conhecidas até os dias atuais,

além de lançar as bases do consensualismo e da autonomia da vontade, princípio de grande

importância para o direito contratual e que vai conhecer seu pleno desenvolvimento nos

séculos XVIII e XIX.

1.2 O CONTRATO NA IDADE MÉDIA

Com a queda do Império Romano, ocorreu a predominância do Direito Germânico,

menos evoluído que o romano, onde ainda persistia o apego ao simbolismo, à necessidade de

realização de rituais para a existência de uma obrigação, idéia que se fez presente durante

quase toda a Idade Média.12

Apesar das poucas informações sobre o direito obrigacional germânico, conclui-se

que, devido ao caráter essencialmente familiar de sua sociedade e a ausência de atividade

comercial, existiam poucas obrigações de origem contratual.13

No âmbito familiar, as

obrigações surgiriam apenas dos delitos e as raras relações que se davam entre os clãs

baseavam-se em trocas, sem a utilização de moeda.

No Direito Franco, que conservou traços do Direito Germânico, um formalismo

simbólico preponderou, pois, para a validade dos contratos exigia-se, além da pronúncia de

certas palavras, a entrega de um objeto, sendo conhecidas duas espécies contratuais: a fides

facta e a res prestita.14

A primeira, um contrato formal que se concretizava pelo emprego de

certas palavras e a entrega de um objeto simbólico ao credor. A segunda, um contrato real em

que alguém entregava uma coisa a outrem que possuía a obrigação de restituí-la.

11

ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v.II, p.129. 12

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2.ed. São

Paulo: Atlas, 2002, v.2, p.364. 13

GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p.730. 14

Op.cit, p.733.

18

Nas regiões em que o feudalismo se desenvolveu (século X a XIII), como no Direito

franco, o simbolismo também preponderou, existindo apenas os contratos formais e reais,

aparecendo, durante a Baixa Idade Média, três novos institutos que possibilitaram a

transformação dos contratos reais em formais: o dinheiro de Deus, o vinho de mercado e a

palmada.15

Ressalte-se que, nesse período, existiram, ainda, contratos puramente formais, como a

fides, semelhante à fides facta do Direito franco, que desapareceu entre os séculos XIV e XV,

e o juramento, uma promessa de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, que teve sua

formulação realizada pela Igreja, que invocava a presença de Deus como testemunha e

impunha a realização de alguns gestos sacramentais.16

Na Idade Média, a concepção de que a obrigação se originava do contrato e não

somente da vontade das partes, perdurou entre os séculos XII a XVII, pois partia do

pressuposto de que os contratos seriam tipos definidos, aos quais as partes aderiam quando

desejavam certas conseqüências jurídicas, ou seja, que possuía por sua própria natureza,

essência e acidentes, que os distinguia entre si. Outro pressuposto seria a existência de uma

ética contratual, ou seja, que seu fundamento era a realização de justiça entre as partes.17

Desta forma, embora a decisão de contratar ou não, coubesse individualmente às

partes, o contrato não se regulava em face do interesse de uma ou de outra, mas para a

realização de uma justiça comutativa, razão pela qual a regulamentação dos negócios

consistiria sempre num mecanismo de equilíbrio social, de paz e de justiça, o que justificaria a

afirmação feita anteriormente de que a fonte das obrigações era o contrato e não a vontade das

partes.18

Do pressuposto de justiça decorreria o princípio do preço justo, a communis

aestipulatio,19

ou seja, aquele preço praticado normalmente que, caso fosse estipulado de

forma equivocada, possibilitaria a imposição de controles pelo soberano ou pelo príncipe,

realizando ou substituindo o preço estipulado.

O desenvolvimento do comércio levou à necessidade de maior agilidade e

simplificação das relações contratuais, o que possibilitou a admissão de certos pactos – que só

15

GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p.734. 16

Op.cit, p.735. 17

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p.392-393. 18

Op.cit, p.393. 19

Op.cit, p.394.

19

obrigariam se fossem válidos e não alterassem elementos essenciais dos contratos – e à

criação de novas espécies contratuais, que permitiram a realização de atividades que,

posteriormente, deram origem às operações financeiras e de crédito.20

Essa estruturação do contrato foi suficiente para a regulamentação das atividades da

Idade Média, uma sociedade hierarquizada em classes, de economia eminentemente agrícola e

que se fundamentava na propriedade da terra. Porém, com a transição da economia feudal

para a mercantil, houve alteração nas estruturas sociais e econômicas, o que demandou uma

nova sistemática para a circulação da riqueza que, com o surgimento dos jusnaturalistas,

impulsionou o desenvolvimento da teoria contratual moderna.21

Assim, o contrato começou a surgir como um elemento que possibilitava a troca de

riquezas na sociedade, deixando de lado o formalismo característico do Direito Romano e que

ainda se fazia presente durante a Idade Média, para o reconhecimento de que a vontade das

partes poderia dar origem a uma relação obrigacional, o que se consolidaria com o advento

dos ideais liberais e a Revolução francesa.

1.3 CONCEPÇÃO TRADICIONAL DE CONTRATO

O contrato, conforme analisado até o presente momento, passou por um longo

processo evolutivo, sempre vinculado às mudanças sociais, econômicas e culturais de cada

época, iniciando seu desenvolvimento apegado ao rigoroso formalismo do Direito Romano e,

posteriormente, passando a admitir formas consensuais como fonte de obrigações entre as

partes. Porém, durante boa parte da Idade Média, ainda se encontrava muito apegado ao

formalismo do Direito Romano.

Apenas no final da Idade Média começou o desenvolvimento da concepção de que,

bastaria a vontade das partes em consenso para a criação de um vínculo obrigacional, que deu

início à consagração do primado da autonomia da vontade, razão pela qual muitos autores

entendem que a compreensão da concepção tradicional do contrato se faz mediante a

compreensão deste dogma basilar do Direito.

20

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p.393-394. 21

Op.cit, p.393.

20

Nesse sentido, de progressivo abandono do formalismo para a valoração da palavra

empenhada, do consentimento como fonte das obrigações, foi importante a contribuição do

Direito Canônico, uma vez que, desde cedo, a Igreja mostrou-se favorável ao respeito à

palavra dada, atribuindo a ela um caráter sagrado, onde descumprir com o acordado seria

cometer um pecado.22

Essa valoração da palavra dada representou uma forma de valorização e

fortalecimento do catolicismo, uma vez que a divulgação da fé cristã se operava por meio da

palavra falada.

Assim, os canonistas defenderam que a obrigação jurídica nasceria do simples pacto,

ou seja, que a promessa por si só possuiria força obrigatória, apregoando a fórmula ex nudo

pacto nascitur, ou ainda, que a palavra dada conscientemente criava uma obrigação de caráter

moral e jurídico para o indivíduo, permitindo o surgimento da concepção de contrato como

instrumento abstrato e categoria jurídica.23

Contudo, no século XVII, com a escola Naturalista, foram lançadas as bases para o

desenvolvimento da concepção tradicional de contrato e, conseqüentemente, para o primado

do princípio da autonomia da vontade, com a defesa da idéia de que “[...] a pessoa humana

tornou-se um ente dotado de razão, pois é através do agir, de sua vontade, que a expressão

jurídica se realiza [...] e que a autonomia da vontade seria „o único princípio de todas as leis

morais e dos deveres que lhe correspondem‟.”24

Analisando-se os jusnaturalistas daquela época, dentre eles, Grócio, Pufendorf e

Domat,25

constatou-se que todos conferiram especial atenção à promessa e ao cumprimento

dos pactos, defendendo que a manifestação de vontade seria fonte das obrigações, as quais

somente poderiam deixar de ser cumpridas por meio de outra manifestação de vontade, ou que

o cumprimento da palavra empenhada era um dever geral decorrente de um direito natural, ou

ainda, que as obrigações contraídas teriam força de lei.

As teorias econômicas também exerceram seu grau de influência. O liberalismo

econômico, baseado na idéia de igualdade idealizada pela Revolução francesa, defendeu que o

mercado deveria funcionar em liberdade de condições e que o contrato serviria para todas as

22

MACHADO, Yuri Restano. Breves Apontamentos Acerca da Evolução Histórica do Contrato: Do Direito

Romano à Crise da Modernidade. Revista dos Tribunais, ano 96, out.2007, v.864, p.91. 23

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.56. 24

Op.cit, p.56. 25

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p.395-396.

21

pessoas, independentemente de sua posição ou condição social.26

O contrato, assim, “[...]

traria em si uma natural eqüidade, proporcionaria harmonia social e econômica, se fosse

assegurada a liberdade contratual. O contrato seria justo e equitativo por sua própria

natureza”.27

O surgimento do modelo econômico capitalista também exerceu seu grau de

influência.28

O desenvolvimento do comércio fez nascer a necessidade de criação de

instrumentos que facilitassem a troca de mercadorias, que ainda eram realizadas entre

presentes e entre coisas presentes, dando-se origem então ao crédito e à moeda fiduciária. A

moeda, que antes possuía um valor intrínseco, passou a ser expressão de crédito e, como o

crédito era uma promessa de coisas futuras, foi necessário conferir segurança jurídica às

promessas, garantindo que elas não pudessem ser desfeitas.

Entretanto, à Revolução Francesa é creditada a origem do Direito contratual moderno,

destacando-se a Teoria do Contrato Social de Rousseau, onde se apregoou que o contrato seria

fonte de legitimação da autoridade do próprio Estado, ou seja, que teria surgido de um

contrato, no momento em que as pessoas resolveram abrir mão de parte de sua liberdade

individual para formá-lo.

Desta forma, o contrato não seria somente “[...] a fonte das obrigações entre os

indivíduos, ele seria a base de toda a autoridade. [...] O contrato não obriga porque assim

estabeleceu o direito. É o direito que vale porque deriva de um contrato”.29

Naquela época era vivenciada a ascensão da classe burguesa que, almejando alterar a

estrutura de poder vigente – o poder absoluto dos monarcas – defendeu os ideais de igualdade

e liberdade como o melhor instrumento para a consecução de seus anseios. Como o poder da

época era representado pelo capital imobiliário, precisavam de liberdade para contratar e de

um instrumento que lhes garantisse a aquisição da propriedade da monarquia decadente,

fortalecendo-se assim, o contrato.

Destaque deve ser dado ao Código Civil francês de 1808 – Code – que representou a

consagração da autonomia da vontade como valor supremo de seu sistema jurídico,

prescrevendo a regra de que o contrato faria lei entre as partes, ou como preceituava seu Art.

26

GOMES, Orlando. Contratos. 24.ed. Rio de janeiro: Forense, 2001, p.06. 27

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.59. 28

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p.394. 29

MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.08.

22

1134. “[...] As convenções legalmente formadas impõem-se como lei àqueles que as

celebraram.”30

O Code, assim, representou a superação do antigo regime feudal e das divergências

regionais e legislativas existentes naquela época, tendo com finalidade eliminar as

desigualdades, reconhecendo a igualdade dos cidadãos perante a lei.31

Com a consagração da autonomia da vontade, a discussão acerca da questão da justiça

interna, do conteúdo do contrato, foi sendo colocada de lado. Partindo-se da presunção de que

as partes estariam em pé de igualdade no momento da celebração da avença, o contrato seria

justo porque fruto da vontade das partes em consenso, não cabendo ao juiz analisar as

questões de igualdade e justiça do contrato.

Como corolário da consagração da autonomia da vontade, houve a consagração de

outros dogmas do direito contratual clássico, mencionando-se, em primeiro lugar, a liberdade

contratual, fundamentada no fato de que, sendo a vontade legitimadora do próprio Estado e a

única fonte legitimadora das relações obrigacionais, o indivíduo seria livre para celebrar os

contratos que desejasse.

A liberdade contratual poderia ser dividida em dois aspectos: a liberdade de contratar,

consistente na possibilidade de decidir entre contratar ou não contratar, ou decidir com quem

ou o tipo de negócio a ser realizado; e a liberdade contratual, que resultaria na possibilidade

de discutir livremente os termos e conteúdo do negócio a ser celebrado.32

Essa liberdade somente encontraria obstáculos nas regras imperativas determinadas

pela lei.33

Porém, como a vontade possuía prevalência sobre a lei, esta somente teria um

caráter supletivo ou serviria para fornecer parâmetros para a interpretação da vontade das

partes, onde o julgador não poderia analisar se o contrato era justo ou injusto, deveria apenas

analisar se o contrato era resultado da vontade livre das partes, o que serviu de base para a

teoria dos vícios do consentimento.

30

GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p.738. 31

MACHADO, Yuri Restano. Breves Apontamentos Acerca da Evolução Histórica do Contrato: Do Direito

Romano à Crise da Modernidade. Revista dos Tribunais, ano 96, out.2007, v.864, p.94. 32

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito Civil. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v.3, p.09-

10. 33

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.62.

23

Assim, a vontade somente seria apta a gerar obrigações para as partes quando fosse

resultado do consentimento livre e consciente entre elas, sem qualquer espécie de coação ou

fraude. Desta forma, a vontade manifestada sem vícios vincularia os contratantes, que só

poderiam desvencilhar-se por meio de outra manifestação de vontade, consagrando-se aí o

dogma da obrigatoriedade dos contratos, ou na fórmula romana pacta sunt servanda.

O Code representou um momento decisivo na história do Direito, que repercutiu na

legislação de diversos países, inclusive no Brasil, uma vez que o Código Civil de 1916, sob

inspiração dos ideais liberais, consagrou a autonomia da vontade de forma prevalente, o que

se manteve presente em nosso ordenamento até o ano de 2002, quando entrou em vigor o

novo Código Civil, não obstante a mudança de mentalidade em outros países e a promulgação

da Constituição Federal de 1998 e o Código de Defesa do Consumidor.

O contrato, assim, passou a ser reconhecido como a única fonte das obrigações,

atendendo às aspirações da classe em ascensão naquele momento histórico. Entretanto, as

transformações ocorridas na sociedade levaram a um redimensionamento da teoria contratual,

atendendo aos reclamos sociais e à necessidade de proteção das classes menos favorecidas,

onde o contrato passou a ter uma função social.

1.4 CONTRATO NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

A Revolução Francesa, como mencionado anteriormente, representou a vitória da

classe burguesa emergente, que aspirava por uma participação efetiva na vida social, almejava

o poder antes exclusivo dos monarcas, razão pela qual defendiam os ideais de liberdade e

igualdade, instrumentalizando uma forma mais ágil para a aquisição do real imobiliário

representativo do poder naquela época. Assim, consagraram a autonomia da vontade e a

liberdade contratual.

Se a Revolução Francesa representou o momento de consagração da autonomia da

vontade e da liberdade contratual, o período seguinte representou o momento de exploração

dessas conquistas. O desenvolvimento da sociedade, principalmente em decorrência da

Revolução Industrial, iniciada na segunda metade do século XVIII, provocou profundas

24

alterações na estruturas econômicas e sociais vigentes, que repercutiu sobremaneira na seara

do Direito e, em especial, nos contratos.

A revolução agrícola daquele período, com a produção em larga escala de gêneros

alimentícios, aliado ao crescente aumento da produção de minérios, à instalação dos grandes

portos e ao aperfeiçoamento da navegação interna, proporcionou o desenvolvimento da

atividade industrial em larga escala, o que ocasionou o deslocamento das atenções da

economia agrícola para a das fábricas. 34

Este processo de industrialização provocou a alteração do sistema produtivo vigente,

com a concentração empresarial e conseqüente declínio da produção familiar e artesanal.

Houve assim, uma alteração nas estruturas sociais, com o surgimento de duas classes sociais

bem definidas, os empresários e o proletariado.

A concentração do poder econômico nas mãos do empresariado, fez surgirem os

primeiros conflitos de interesses entre essas classes, tendo em vista os abusos

consubstanciados em condições precárias de trabalho, jornadas de trabalho exorbitantes,

baixos salários, dentre outros, o que demonstrou que a tão festejada igualdade formal não se

verificou na prática.

Esses abusos provocaram diversas formas de reação: culminaram com as primeiras

manifestações trabalhistas; levaram os pensadores da época a denunciar os abusos, surgindo

os primeiros movimentos sociais; a Igreja passou a defender em suas encíclicas uma doutrina

social, apregoando ser necessária uma mudança de mentalidade, que deveria passar da moral

individual para uma ética social, onde o Estado deveria zelar pelo bem comum, amparando o

direito dos cidadãos, principalmente os mais fracos.35

Não bastasse isso, o desenvolvimento da indústria ocasionou uma transformação do

modo de produção, onde as operações passaram a ser padronizadas, em série, diminuindo os

custos da produção e aumentando a quantidade de produtos postos a disposição do mercado, a

chamada produção em massa. O aumento da disponibilidade de produtos no mercado fez

também surgir a sociedade de consumo.36

34

LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2002, p.77-78. 35

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.164. 36

RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel. Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1, p.16.

25

Essa alteração gerou reflexos na seara contratual, uma vez que os produtores

precisavam de um meio ágil para negociar seus produtos e colocá-los no mercado, não sendo

mais possível sentar-se individualmente para negociar caso a caso a venda de seus produtos,

fazendo com que passassem a elaborar um modelo de contrato padrão para reger aquelas

situações semelhantes. A produção que era em massa proporcionou o surgimento dos

contratos em massa.37

A criação desses contratos-padrão restringiu o âmbito da liberdade contratual, pois as

partes poderiam apenas decidir se assinavam ou não um contrato, cujos termos já se

encontravam pré-definidos pelo produtor. Além disso, como não havia liberdade para discutir

os termos da avença, começou haver abusos por parte dos detentores do poder econômico,

que inseriram cláusulas prejudiciais ao outro contratante.

O surgimento desses novos conflitos, agravados com a fim da Primeira Guerra

Mundial, levou a um redimensionamento da concepção individualista, bem como ensejou uma

ação mais efetiva do Estado, que foi obrigado a intervir para manutenção da ordem pública e

restabelecimento das economias, tornando-se mais assistencialista, por meio da criação de

institutos jurídico-sociais, como os subsídios populares, os direitos trabalhistas, a previdência

social e o surgimento do crediário para fins de consumo.38

Assim, o Estado passou a intervir na atividade econômica, intervenção que se iniciou

por meio da planificação de determinadas atividades, passando pela sua fiscalização e

controle, culminando com a edição de leis limitadoras do poder de auto-regulamentação das

partes e, por fim ditando o conteúdo de determinados contratos, o chamado dirigismo

contratual.39

O dirigismo contratual pode ser sintetizado como o movimento do Estado

em direção à justiça dos contratos, em que a autonomia da vontade passa a

ser, em muitos casos, dirigida pela lei, como uma resposta da sociedade aos contratos injustos e desequilibrados. Substitui-se, então, a preocupação

excessiva em assegurar aos cidadãos a liberdade de contratar, pela

preocupação com a justiça contratual.40

37

RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel. Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1, p.16-17. 38

LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2002, p.79. 39

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.253. 40

KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.31.

26

Essa intervenção do Estado, tendo em vista a preocupação com a justiça contratual e o

equilíbrio do contrato, resultou no fortalecimento da lei em detrimento da autonomia da

vontade, onde o contrato “[...] seria um ato de auto-regulação de interesse das partes, e,

portanto, por excelência, um ato de autonomia privada, mas este ato deveria ser realizado nas

condições permitidas pelo direito, pois só assim a lei dotaria de eficácia jurídica o contrato.”41

O contrato deixou, assim, de ser instrumento destinado exclusivamente a atender os

interesses individuais das partes e passou a atender a uma função social, o que traçou um novo

limite para a autonomia da vontade, que repercutiu em outros dogmas tradicionais dos

contratos, como a liberdade contratual e a obrigatoriedade dos pactos.

A liberdade contratual sofreu uma limitação, constatando-se que essa liberdade era

apenas formal e não material. A concentração de empresas e os monopólios reduziram a

liberdade de escolha do parceiro contratual. A existência dos contratos de adesão provocou o

desaparecimento da liberdade contratual, uma vez que impossibilitada a discussão individual

do conteúdo e termos do contrato, podendo-se mencionar, ainda, que o conteúdo de

determinados contratos seria ditado pelo poder público.

Referida limitação da liberdade, ensejou que fossem verificados se os limites impostos

pelo poder público respeitavam os princípios constitucionais e a legislação vigente ou se o

contrato celebrado entre particulares estava de acordo com as novas diretrizes de respeito à

boa-fé e à função social, além de possibilitar a existência de novas obrigações, decorrentes do

dever de respeito aos princípios mencionados.

A limitação da liberdade contratual vai possibilitar, assim que novas

obrigações, não oriundas da vontade declarada ou interna dos contratantes, sejam inseridas no contrato em virtude da lei ou ainda em virtude de uma

interpretação dos juízes, demonstrando mais uma vez o papel

predominante da lei em relação à vontade na nova concepção de contrato.

42 (grifo nosso).

Esse processo de fortalecimento da lei em detrimento da autonomia da vontade levou à

relativização do dogma da força obrigatória dos contratos, pois, caso o contrato se revelasse

41

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.211-212. 42

Op.cit, p.270.

27

injusto, mesmo tendo sido querido pelas partes, seria possível ao juiz alterar o seu conteúdo

para adequá-lo aos valores sociais adotados pelo ordenamento, utilizando-se como critério de

interpretação não apenas a vontade das partes, mas os interesses sociais envolvidos e as justas

expectativas das contratantes.43

Nesta nova concepção de contrato, outro aspecto se revelou importante, a chamada

teoria da confiança, intimamente ligada a questão da boa-fé, teoria esta que, nas lições de

Cláudia Lima Marques:

[...] pretende proteger prioritariamente as expectativas legítimas que

nasceram no outro contratante, que confiou na postura, nas obrigações

assumidas e no vínculo criado através da declaração do parceiro. Protege-se assim, a confiança e a boa-fé que o parceiro depositou na declaração do

outro contratante. [...] tem o fim de proteger os efeitos do contrato e

assegurar, através da ação do direito, a proteção dos legítimos interesses e a

segurança das relações.44

A sociedade, em reação a esse processo de estatização do privado, onde o Estado

passou a alargar sua atividade por meio de um crescimento do serviço público e controle da

estrutura social, começou a se organizar de forma independente, constituindo os sindicatos, as

associações e os partidos políticos modernos, propiciando uma maior participação

democrática e o desempenho de funções que antes eram exercidas pelo Estado, ou seja: “[...]

À publicização do privado correspondeu a reação da sociedade com a privatização do

público.”45

Esse conjunto de atuações do Estado e do setor privado levou a um

redimensionamento da tradicional separação dicotômica entre o público e o privado, pois,

com os mecanismos acima mencionados, constatou-se que, em algumas situações, passou a

existir uma interpenetração entre essas esferas pública e privada.

Embora o mundo tivesse conhecido essa mudança de mentalidade no final do século

XIX e início do século XX, no Brasil ganharam corpo apenas na década de oitenta, com a

promulgação da Constituição Federal de 1988, que erigiu a pessoa humana como um dos

43

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.276. 44

Op.cit, p.281. 45

LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2002, p.80.

28

fundamentos do Estado Democrático de Direito, inseriu entre seus objetivos, a construção de

uma sociedade livre justa e solidária, além de inserir entre os princípios regentes da ordem

econômica, a função social da propriedade – que possui reflexos no campo contratual – e a

defesa do consumidor.

A legislação infraconstitucional consagrou essa nova estrutura do contrato, pois, o

Código de Defesa do Consumidor em 1990, expressamente prescreveu a necessidade de

respeito à boa-fé objetiva, a possibilidade de alteração do contrato em razão de excessiva

onerosidade, a proibição da utilização de cláusulas abusivas, enfim, interferiu na relação

contratual de consumo com vistas a proteger o contratante vulnerável. Além disso, o Código

Civil de 2002, expressamente prescreveu o respeito à função social do contrato e à boa-fé

objetiva.

O contrato deixou de ser um instrumento voltado exclusivamente para a satisfação dos

interesses puramente individuais, conduta típica do Estado liberal, tendo de cumprir também

sua função social, bem como a diretriz constitucional de que a atividade econômica deveria

ser exercida de forma ordenada e sustentável.

Para a consecução desse mister, revelou-se de suma importância o trabalho do

julgador ao interpretar a norma em relação aos casos concretos que lhe forem apresentados,

devendo analisar se o contrato, apesar de celebrar um acordo de vontades, possui equilíbrio

entre suas prestações e respeita as diretrizes de respeito à função social e à boa-fé objetiva.

Para a compreensão do contrato contemporâneo, portanto, é necessária a compreensão

da tradicional dogmática contratual, destacando-se a autonomia da vontade, no sentido de que

revelar-se como se manifesta na atualidade, uma vez que não mais se apresenta com o caráter

absoluto de outrora, devendo ser harmonizada com nos novos paradigmas, tanto

constitucionais como infraconstitucionais, destacando-se neste caso, a boa-fé e a função social

do contrato.

Esta compatibilização é necessária porque a autonomia da vontade não foi banida de

nosso ordenamento, ela ainda continua a reger as relações contratuais. Entretanto, seus

contornos foram alterados, não mais se admitindo que, a pretexto de defender a liberdade de

pactuação das partes, haja permissão para os detentores do poder econômico se sobreponham

aos mais vulneráveis, devendo, assim, ser compatibilizada com os novos institutos do direito

contratual.

29

1.5 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO CONTRATO

A compreensão do contrato, em face da Constituição Federal, a denominada

sistemática civil-constitucional, passa por uma análise do sistema jurídico adotado por nosso

ordenamento, que pode ser aberto, ou seja, concebido em razão de sua proximidade com uma

construção casuística afinada com a construção jurisprudencial, onde se reconhece sua

incompletude e a possibilidade de sua modificação ou, ao contrário, ser concebido em razão

do modelo codificado – fechado – que presume ser completo, não admitindo sua

modificação.46

O Código Civil de 1916, numa visão tradicional do ordenamento civil, baseado no

método lógico-dedutivo, fundamentava-se em uma concepção fechada de sistema jurídico,

caracterizado por sua pretensa completude e unidade, que não se comprovou na prática, haja

vista a existência de diversas leis especiais tratando da matéria cível, uma vez que o Código

não demonstrou ser capaz de regular todas as situações postas na sociedade, em especial, em

decorrência da acelerada evolução social e tecnológica verificada em nossos tempos.

Nos tempos atuais é defendida a idéia de um sistema aberto, também chamado de

teleológico, com o reconhecimento de não ser um sistema completo, uma vez que sujeito a

influências jurídicas e metajurídicas, o qual encontra sua origem na funcionalização dos

institutos jurídicos e no reconhecimento da influência social na aplicação da lei, consistindo

num método de pensamento mais tópico, organizado em torno da problemática jurídica.47

Nesse novo contexto se revela de sua importância o papel da jurisprudência, uma vez

que o juiz se encontra em constante provocação para resolver os casos que envolvem as

relações privadas, sempre em atenção aos valores estampados no Texto Constitucional.

O sistema jurídico, bem ao contrário, há de fazer convergir a atividade

interpretativa e legislativa de aplicação do direito, sendo aberto justamente para que se possa nele incluir todos os vetores condicionantes da sociedade,

inclusive aqueles que atuam na cultura do magistrado, na construção da

solução para o caso concreto. A pluralidade de fontes normativas, pois, não pode significar perda do fundamento unitário do ordenamento, devendo sua

46 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-

Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.65. 47 Op.cit, p 61-63.

30

harmonização se operar de acordo com a Constituição, que o recompõe,

conferindo-lhe, assim, a natureza de sistema. 48

Porém, adverte a melhor doutrina que apenas a jurisprudência não é suficiente para

abertura do sistema, pois, é preciso conferir a ela alguma cientificidade, a fim de possibilitar

que as soluções dos casos pontualmente apresentados sejam racionalmente comprováveis e

seu conjunto forme um sistema, razão pela qual se defende a utilização do recurso

principiológico.49

Para a aplicação dos princípios, segundo a moderna técnica legislativa, faz-se

necessária a utilização de cláusulas gerais, que seriam pontos de apoio, os liames que

permitiriam a conexão entre os valores e o sistema normativo e seu ingresso na ordem

jurídica, facilitando o trabalho do hermeneuta.50

Apesar de amplamente reconhecida da necessidade de abertura do sistema, o Código

Civil de 2002, não obstante prescreva a função social do contrato e a boa-fé objetiva, não

conferiu originalidade ao sistema, pois, estes institutos já se encontram previstos na

Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor, sendo que, ao apegar-se o

legislador ao modelo unitário e totalizante de uma codificação não será capaz de regulamentar

todas as situações que lhe forem colocadas, não sendo capaz, assim, de concretizar os valores

estampados na Constituição Federal.51

Desta forma, mostra-se cada vez mais necessário o entendimento do Direito Civil à luz

dos comandos constitucionais, a chamada constitucionalização do Direito Civil, pois, somente

assim o intérprete poderá conferir efetividade aos comandos e valores constitucionalmente

estabelecidos.

48 TEPEDINO, Gustavo. Direito Civil e Ordem Pública na Legalidade Constitucional. In FERREIRA, Jussara

Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima (org). Direito Empresarial Contemporâneo. São

Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.51-52. 49

NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-

Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.66-67. 50 MATTIUZO JUNIOR, Alcides; GAGLIARD, Maria Aparecida. A Constitucionalização do Direito Civil e a

Nova Ordem Contratual. In FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima

(org). Direito Empresarial Contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.33. 51 NALIN, Paulo. Op.cit, p.83.

31

1.5.1 A constitucionalização do direito civil

A promulgação da Constituição Federal de 1988 introduziu uma nova ordem jurídica

na qual, ao invés da tutela exclusiva das relações individuais, passou-se a buscar a tutela dos

interesses coletivos, exigindo que o Direito Civil e, em especial, os contratos, seja analisado

sobre outro prisma, despindo-se das concepções puramente liberais de outrora, uma vez que é

vivido um processo de constitucionalização dos direitos, processo esse fundamental e

indispensável para nosso ordenamento jurídico.52

Essa idéia de constitucionalização serve de fundamento para processo de

descodificação do Direito Civil, sendo necessária sua resistematização na busca de um novo

paradigma com a aproximação do Direito Constitucional ao Direito Civil, para seja possível a

concretização dos valores fundamentais estampados pela Constituição Federal, dentre os quais

se destaca a dignidade da pessoa humana erigida como um dos fundamentos do Estado

Democrático de Direito e onde o magistrado assume a função constitucional de dignificar o

homem e eliminar a desigualdade sócio-econômica.53

A afirmativa de que o princípio da dignidade da pessoa humana é aplicável no âmbito das relações privadas, entre os particulares, pode ser também

fundamentada na natureza igualitária e na idéia de solidariedade que se

encontram associadas a este princípio. Adotada a noção de Direito como sistema, como visto no Capítulo 2 deste trabalho, fácil nota a relevante

função delegada ao princípio da dignidade da pessoa humana, neste sentido

propiciando a necessária visão harmônica, unitária e coerente que se há de

extrair do conjunto de normas jurídicas, onde coabitam valores e princípios que emergem da realidade social em que este sistema se insere e da qual,

portanto, jamais podem ser desvinculadas, pena se de tornarem

incompreensíveis.54

52 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; MAZETO, Cristiano de Souza. Constitucionalização do

Negócio Jurídico e Ordem Econômica. ARGUMENTUM – Revista de Direito da Universidade de Marília.

Marília: UNIMAR, 2005, v.5, p.76. 53 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-

Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.85-87. 54

PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.

170 da Constituição Federal. 2.ed. São Paulo:RT, 2008, p.191.

32

Nos termos estabelecidos pela Constituição Federal, até mesmo ordem econômica,

onde é reconhecida a liberdade e iniciativa, deve ter por fim assegurar a todos uma existência

digna, o que nada mais é do que a efetivação da dignidade da pessoa humana.

A preceituação constitucional da dignidade da pessoa humana como finalidade da ordem econômica traduz-se numa imperiosa busca de

concretude deste valor, em cada passo que o intérprete trilhar nos caminhos

hermenêuticos palmilhados ao longo da tarefa exegética que se lhe impõe, valendo, porém, observar, igualmente, que, como em qualquer outro

princípio, nem mesmo a dignidade da pessoa humana pode ser absolutizada,

sofrendo ponderação quando em jogo a dignidade de outra ou mais

pessoas.55

Os pressupostos metodológicos para a descoberta desse novo paradigma e para a

compreensão da sistemática civil-constitucional, passa pela compreensão de que as normas

constitucionais não possuem apenas função interpretativa em nosso ordenamento, mas que

possuem também função normativa e que podem incidir diretamente sobre as relações de

direito privado.56

[...] a norma constitucional torna-se a razão primária e justificadora da relevância jurídica das relações sociais, não somente como regra de

hermenêutica, mas como norma de comportamento, apta a incidir sobre as

situações subjetivas, funcionalizando-as, conforme os valores constitucionais. Tal postura se apresenta ainda como reação à fragmentação

do saber jurídico, à insidiosa e excessiva divisão do direito em ramos e em

especializações que, a prevalecer, fariam do jurista, fechado em seu

microssistema, se bem que dotado de refinados instrumentos técnicos, um ser insensível ao projeto de sociedade contido na Lei Maior.

57

Também é preciso uma definição sobre essa nova sistemática Civil-Constitucional,

com o reconhecimento de que é composta de regras e princípios normativos institucionais,

55

PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.

170 da Constituição Federal. 2.ed. São Paulo:RT, 2008, p.193. 56 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-

Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.48. 57 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional. 2.ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2002, p.49.

33

todos interligados e integrados no corpo constitucional, formando um unitário ordenamento

jurídico.58

No caso brasileiro, a introdução de uma nova postura metodológica, embora

não seja simples, parece facilitada pela compreensão, mais e mais difusa, do

papel dos princípios constitucionais nas relações de direito privado, sendo

certo que a doutrina e jurisprudência têm reconhecido o caráter normativo de princípios como da solidariedade social, da dignidade da pessoa humana,

da função social da propriedade, aos quais tem assegurado eficácia imediata

nas relações de Direito Civil. “Consolida-se o entendimento de que a reunificação do sistema, em termos interpretativos, só pode ser

compreendida com a atribuição de papel proeminente à Constituição”.59

Ainda se faz preciso compreender que esse novo paradigma, ao contrário da

codificação civil liberal, que possuía a defesa do patrimônio como valor preeminente, está

centrado na pessoa, seja na sua tutela por si mesma, seja na tutela de suas dimensões outras,

como família e propriedade.

É certo que as relações civis têm forte cunho patrimonializante, bastando

recordar que seus principais institutos são a propriedade e o contrato (modo de circulação da propriedade). Todavia, a prevalência do patrimônio, como

valor individual a ser tutelado pelos códigos, submergiu a pessoa humana,

que passou a figurar como pólo da relação jurídica, como sujeito abstraído de sua dimensão real.

[...]

A patrimonialização das relações civis, que persiste nos códigos, é

incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana,

adotado pelas Constituições modernas, inclusive pela brasileira (artigo 1º, III). A repersonalização reencontra a trajetória longa da emancipação

humana, no sentido de repor a pessoa humana como o centro do direito

civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário.

60

58 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-

Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.89-90. 59

TEPEDINO, Gustavo. Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição, 1998/1999, p.22 apud

FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; MAZETO, Cristiano de Souza. Constitucionalização do Negócio

Jurídico e Ordem Econômica. ARGUMENTUM – Revista de Direito da Universidade de Marília. Marília:

UNIMAR, 2005, v.5, p.82. 60 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em 03nov.2008.

34

Ao reconhecer que a pessoa humana encontra-se no centro do ordenamento jurídico, é

necessário recordar-se que a dignidade da pessoa humana passou a ser considerada

fundamento maior do nosso Estado Democrático de Direito, ou seja, serve como princípio

norteador de todo nosso ordenamento jurídico.61

Há que se perseguir um amplo favorecimento da pessoa humana nas

relações jurídicas e, especialmente, nas contratuais; conforme reafirmado nesta tese, a vontade contratual deixou de ser o núcleo do contrato, cedendo

espaço a outros valores jurídicos, institutos fundados na Carta. O paradigma

da autonomia da vontade, em detrimento da pessoa humana na sua dimensão contratante, talvez até possa encontra (sic) legitimidade no espaço

do Código Civil [1916], pois do homem em si não se ocupa, mas sempre

estará em descompasso com a Constituição. Isso é observado com grande

destaque nas relações jurídicas contratuais, em que a vontade surge como mero papel de impulso, quando não, completamente inexistente, no âmbito

das relações de adesão e do contrato obrigatório, ambas conseqüências da

massificação negocial.62

O princípio da dignidade da pessoa humana, assim, deve ser entendido como a norma

embasadora de todo o sistema constitucional, devendo-se reconhecer sua força normativa,

“[...] dotada de plena eficácia jurídica nas relações públicas e privadas, seja na perspectiva

abstrata do direito objetivo, seja na dimensão concreta de exercício de direitos subjetivos

pelos cidadãos.”63

Denota-se, assim, que o Direito Civil não pode ser mais ser considerado o “[...] locus

normativo privilegiado do indivíduo [...]”,64

ou seja, não pode mais ser considerado como a

constituição do Direito Privado, devendo-se compreender que os critérios para a interpretação

do Direito Civil não se encontram mais no Código Civil, mas que são encontrados na

Constituição Federal.

Essa nova proposta interpretativa não tem por fim retirar do Direito Privado seu

espaço de incidência, ao contrário, pretende revitalizá-lo, alterando-o qualitativamente,

61 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4.ed. São Paulo: Max

Limonade, 2000, p.54-55. 62 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-

Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.91. 63 SOARES. Ricardo Maurício Freire. Repensando um velho tema: A dignidade da pessoa humana. Disponível

em: <http://www.cursoparaconcursos.com.br/arquivos/downloadsartigos/Ricardo_mauricio.p.d.f.>. Acesso em

07mai.2008. 64 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em 03nov.2008.

35

potencializando-o e redimensionando-o, mediante a funcionalização de seus institutos e

categorias à realização dos valores constitucionais.

Assim, constata-se que não existem mais setores que escapam de sua incidência

axiológica, onde a autonomia privada deixa de configurar uma espécie em si mesma e

somente será merecedora de tutela, caso consiga realizar concretamente os valores

constitucionais.65

Ainda, é preciso compreender que a análise do Direito Civil à luz da Constituição

Federal tem por fim manter a unidade de todo o sistema jurídico, pois, conforme mencionado,

sua fragmentação em leis especiais e em leis multidisciplinares, os chamados microssistemas

jurídicos, poderia levar à decomposição do sistema jurídico civil.

Desta forma, levando-se em consideração a necessidade de manutenção da unidade do

sistema jurídico, a interpretação desse complexo de normas há de ser feita à luz dos princípios

estampados na Constituição Federal, que “[...] centraliza hierarquicamente os valores

prevalentes no sistema jurídico, devendo suas normas, por isso mesmo incidir direitamente

nas relações privadas”.66

Em suma, como a Constituição Federal trouxe em seu bojo uma série de preceitos

civis e ante a existência de outras normas infraconstitucionais que tratam de matérias

originalmente confiadas ao Código Civil, é preciso harmonizar esses preceitos para a

manutenção da unidade de todo o ordenamento jurídico.

Referida harmonização somente poderá ser realizada partindo-se da Constituição,

porque nos traz os valores e princípios basilares de nossa sociedade, onde o patrimônio deixou

de ser o centro das atenções do ordenamento jurídico, que passa a se preocupar com a

proteção da dignidade da pessoa humana, erigida a princípio norteador de todo o ordenamento

jurídico.

Assim, é necessária a compreensão dos princípios e das cláusulas gerais, cuja

conceituação, bem como os seus contornos gerais serão analisados no próximo item.

65 TEPEDINO, Gustavo. Direito Civil e Ordem Pública na Legalidade Constitucional. In FERREIRA, Jussara

Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima (org). Direito Empresarial Contemporâneo. São

Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.46-47. 66 Op.cit, p.52.

36

1.5.2 Princípios e cláusulas gerais

O novo sistema de Direito Civil-Constitucional como visto, dever ser entendido por

meio da busca de novos paradigmas para o Direito o Civil e, conseqüentemente, para os

contratos, revelando-se importante o reconhecimento de que o sistema é composto de

princípios, os quais têm o condão de manter a unidade do sistema.

Em matéria contratual é possível conceituar os princípios como “[...] as idéias

jurídicas gerais que permitem considerar uma regulamentação normativa como conveniente

ou bem fundada, por referência à idéia de Direito ou a valores jurídicos reconhecidos”.67

Para a aplicação dos princípios, segundo a moderna técnica legislativa, faz-se

necessária a utilização de cláusulas gerais que seriam pontos de apoio, liames que permitiriam

a conexão entre os valores e o sistema normativo e seu ingresso na ordem jurídica, facilitando

o trabalho do hermeneuta.68

Judith Martins Costa, traz importantes lições sobre o tema:

Dotadas de grande abertura semântica, não pretendem as cláusulas gerais dar resposta, previamente, a todos os problemas da realidade, uma vez que estas

respostas são progressivamente construídas pela jurisprudência. Na verdade,

por nada regulamentarem de modo completo e exaustivo, atuam

tecnicamente como metanormas, cujo objetivo é o de enviar ao juiz para critérios aplicativos determináveis ou em outros espaços do sistema ou

através de variáveis tipologias sociais, dos usos e costumes.69

Complementa na obra a autora:

Não se trata – é importante marcar logo esse ponto – de apelo à

discricionaridade: as cláusulas gerais não contêm delegação de

discricionaridade, pois remetem para valorações objetivamente válidas na

67 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do Direito. Trad. José Lamego. 3.ed. Lisboa: Fundação Calostre

Gulbenkian, 1997, p.569 apud MATTIUZO JUNIOR, Alcides; GAGLIARD, Maria Aparecida. A

Constitucionalização do Direito Civil e a Nova Ordem Contratual. In FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges

Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima (org). Direito Empresarial Contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência,

2007, p.32. 68 MATTIUZO JUNIOR, Alcides; GAGLIARD, Maria Aparecida. A Constitucionalização do Direito Civil e a

Nova Ordem Contratual. In FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima

(org). Direito Empresarial Contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.33. 69 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999, p.299.

37

ambiência social. Ao remeter o juiz a esses critérios aplicativos, a técnica

das cláusulas gerais enseja a possibilidade de circunscrever, em determinada

hipótese legal (estatuição), uma ampla variedade de casos cujas características específicas serão formadas por via jurisprudencial, e não

legal. Em outros casos, por não preverem, determinadamente, quais são os

efeitos ligados à infringência do preceito, abrem a possibilidade de serem

também estes determinados por via de jurisprudência.70

Nesse ponto é preciso distinguir os princípios das cláusulas gerais. Os primeiros

podem ser considerados como normas, expressas ou não, que servirão de fundamento para

outra. As segundas serão sempre expressas, podendo até mesmo expressar um princípio, mas

diante de seu caráter vago, ou seja, por nada regulamentarem de modo completo e exaustivo,

exigem do intérprete uma atuação especial, sendo sua função principal, permitir ao intérprete

a criação de normas jurídicas com alcance geral.71

Desta forma, considerando que os princípios representam os valores eleitos como

primordiais para a sociedade, necessário que sejam reconhecidos e efetivados em nosso

ordenamento jurídico, pois diante da fragmentação da normativa civil, somente mediante sua

aplicação será possível conferir unidade ao sistema jurídico e conferir concretude aos valores

enunciados pelo Texto Constitucional.

Nesse aspecto, considerando que a Constituição é composta de princípios, os

quais são dotados de elevado grau de generalidade e forte carga valorativa, denota-se que,

para uma correta interpretação de seus dispositivos, não é possível ao intérprete utilizar-se

apenas do tradicional método subsuntivo, devendo utilizar-se também da técnica da

ponderação, ou seja:

Será preciso um raciocínio de estrutura diversa, mais complexo, que seja capaz de trabalhar multidirecionalmente, produzindo a regra concreta que

vai reger a hipótese a partir de uma síntese dos elementos normativos

incidentes sobre aquele conjunto de fatos. De alguma forma, cada um desses elementos deverá ser considerado na medida de sua importância e

pertinência para o caso concreto, de modo que na solução final, tal qual em

um quadro bem pintado, as diferentes cores possam ser percebidas, ainda

que uma ou algumas delas venham a se destacar sobre as demais. Esse é, de

70 MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999, p.299. 71 MATTIUZO JUNIOR, Alcides; GAGLIARD, Maria Aparecida. A Constitucionalização do Direito Civil e a

Nova Ordem Contratual. In FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser (org); RIBEIRO, Maria de Fátima

(org). Direito Empresarial Contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.34-35.

38

maneira geral, o objetivo daquilo que se convencionou denominar de

técnica da ponderação72

.

O correto entendimento do chamado sistema Civil-Constitucional, passa pela

compreensão dos princípios elencados em nosso ordenamento, os quais são aplicados

atualmente por meio das cláusulas gerais, permitido ao intérprete “criar” normas jurídicas que

possibilitam a solução dos novos casos que lhe são apresentados, o que restaria impossível

caso fosse analisado isoladamente o Código Civil, o que acarreta, além da harmonização e

unidade do ordenamento jurídico, a concretização dos valores elencados como primordiais em

nossa Constituição Federal.

Desta forma, constata-se que a teoria dos contratos sofreu profundas alterações,

devendo se analisada nos dias atuais em conformidade com a Constituição Federal, que

conferiu uma nova axiológica para nosso ordenamento jurídico.

Neste contexto, revelou-se a importância da compreensão da principiologia adotada

que, a par de reconhecer os princípios tradicionais oriundos do Code, confere-lhes nova

dimensão, uma vez que devem ser ponderados em face dos princípios da boa-fé objetiva e da

função social do contrato.

Na realização desta harmonização dos comandos constitucionais e infraconstitucionais

e a compreensão dos princípios adotados por nosso ordenamento ganha relevo a atuação do

julgador, pois será ele que, diante do caso concreto deverá promover essa adequação com

vista a dar efetividade aos comandos constitucionais.

72 BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação

constitucional e o papel desempenhado pelos princípios. Revista Interesse Público, n.19. Belo Horizonte:

Fórum, v.5, 2003, p.51-80.

39

2 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

Nos dias atuais, a compreensão do contrato não pode levar em conta a legislação

infraconstitucional, mas também os dispositivos e os princípios estabelecidos pela própria

Constituição Federal, harmonizando-se os comandos constitucionais e infraconstitucionais.

Para consecução desta harmonização, o intérprete e o aplicador da lei deverão nortear-

se pelo princípio da dignidade da pessoa humana, que deverá ser compatibilizado com os

demais postulados existentes em matéria contratual, destacando-se a autonomia da vontade,

cujo entendimento atual não pode ser o mesmo concebido pelos ideais liberais.

Ainda, também é necessário levar-se em conta os postulados da boa-fé objetiva e da

função social dos contratos, os quais, além de previstos expressamente na legislação

infraconstitucional, decorrem implicitamente da Constituição Federal.

Por fim, tendo em vista o escopo do presente estudo, necessária se faz a compreensão

do princípio da vulnerabilidade do consumidor, expressamente inserido em nossa legislação

pelo Código de Defesa do Consumidor, mas que também possui fundamento constitucional,

haja vista ser reflexo da busca da igualdade material estabelecida pela Constituição Federal.

Desta forma, serão apresentados os contornos que a autonomia da vontade possui

atualmente em nosso ordenamento, traçando-se também os contornos em que devem ser

entendidas a boa-fé objetiva, a função social do contrato e a vulnerabilidade do consumidor

nas relações de consumo.

2.1 AUTONOMIA DA VONTADE

A vontade sempre se apresentou como um importante elemento das relações humanas,

pois é por meio dela se estabeleceram as primeiras relações de troca na sociedade. Para o

direito, que tem por finalidade a regulação jurídica destas mesmas relações, também se

40

apresenta como de fundamental importância, tanto que aparece como elemento diferenciador

na conceituação dos fatos jurídicos, na compreensão do negócio jurídico e,

conseqüentemente, dos contratos.

Seguindo a orientação da doutrina mais tradicional, é possível conceituar os fatos

jurídicos como os “[...] acontecimentos que produzem efeitos jurídicos, causando o

nascimento, a modificação ou a extinção de relações jurídicas e de seus direitos”.73 Quando se

apresentam como simples manifestação da natureza, nos quais a vontade humana não

concorre, podem ser classificados como fatos jurídicos em sentido estrito ou fatos naturais.

Quando se apresentam como conseqüência da manifestação voluntária da vontade

humana, são classificados como atos jurídicos. Estes, por sua vez, são classificados como atos

jurídicos em sentido estrito, quando os efeitos desta manifestação de vontade já se encontram

previstos na lei, ou seja, sua eficácia é ex lege. Ainda, são classificados como negócios

jurídicos, quando os efeitos da manifestação de vontade são aqueles desejados pelo sujeito,

desde que permitidos pela lei, ou seja, sua eficácia é ex voluntate.74

No campo político, é possível destacar as idéias de Rousseau, com sua Teoria do

Contrato Social, onde o contrato é erigido a instrumento basilar da sociedade e do Estado.

Nesta teoria é destacada a vontade livre do homem, pois, a partir dela, os indivíduos

consentiriam em abrir mão de parte de sua liberdade para formar o Estado. Também seria por

meio da manifestação de vontade que assumiriam suas obrigações. Desta forma, o contrato

seria a fonte das obrigações dos indivíduos, bem como a fonte de autoridade do Estado.75

No campo econômico, destaca-se a influência exercida pelo liberalismo, que

representou a ascensão econômica e política da burguesia e o declínio da aristocracia, onde se

defendia a liberdade de contratação como instrumento hábil para reger a atividade econômica,

pois, segundo suas concepções, o mercado se auto-regularia.

Realmente, a burguesia necessitava de um instrumento que viabilizasse as trocas

econômicas na sociedade, principalmente, da propriedade dos bens de produção, bem como

necessitavam de liberdade para realizar seus negócios e escolher o melhor modo de atuação

no mercado, ou seja, desejavam o que hoje é denominado de liberdade de iniciativa

73 AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.343. 74 Op.cit, p.344. 75 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2005, p.57-58.

41

econômica.76 Isso representava o “[...] o mais amplo exercício do direito de propriedade e do

direito de contratar”.77

A autonomia da vontade traduz, portanto, um poder de disposição

diretamente ligado ao direito de propriedade, dentro do sistema de mercado

da circulação de bens por meio da troca, e de que o instrumento jurídico

próprio é o negócio jurídico. Essa autonomia significa, conseqüentemente, que o sujeito é livre para contratar, escolher com quem contratar e

estabelecer o conteúdo do contrato.78

Nos termos dos ideais liberais, os homens eram iguais – uma igualdade formal de

todos perante a lei – e o livre jogo das forças do mercado poderia garantir essa igualdade e o

equilíbrio nas relações, razão pela qual defendiam a idéia de um Estado Mínimo, que não

interviesse na atividade econômica e que se dedicasse unicamente à manutenção da ordem

pública, bem como pela criação de uma ordem jurídica básica, cuja função precípua seria

assegurar a liberdade contratual.79

Os ideais de igualdade e liberdade apregoados pela Revolução Francesa favoreceram o

fenômeno da codificação,80 pois, partindo da presunção de que os indivíduos eram iguais,

seria possível a existência de um conjunto de leis aplicáveis a todos eles, passando-se a

defender a idéia de um sistema fechado, no qual tudo o era direito deveria estar previsto no

Código e, para sua interpretação, bastaria utilizar-se do método hermenêutico do tipo

subsuntivo.

O Código Civil Francês de 1808 representou a consagração máxima da autonomia da

vontade, prescrevendo em seu Art. 1.134 que “[...] as convenções legalmente formadas têm

lugar de lei para aqueles que a fizeram”.81

76 AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.358. 77 GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. O contrato: uma nova concepção. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.); GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa; FERNANDES NETO, Guilherme. Os contratos de adesão e o controle de

cláusulas abusivas. São Paulo Saraiva, 1991, p.36. 78 AMARAL, Francisco. Op.cit, p.358. 79

GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. Op.cit, p.36-37. 79 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2005, p.59. 80 MARTINS-COSTA, Judith. Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro. Revista de Direito

do Consumidor, São Paulo: RT, n.03, p.131, set./dez. 1992. 81 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.59.

42

Ainda, “[...] considerava que a obrigação contratual tem por única fonte a vontade da

partes”, representando a garantia de liberdade concedida pelo Estado ao indivíduo, sendo

possível a este, por meio de sua manifestação de vontade, estipular praticamente sobre

qualquer matéria, desde o casamento até a aquisição de bens.82

A vontade particular passa a estabelecer o critério de solução dos conflitos de leis

em matéria contratual e, assim, a ser fonte de direito, o que bem a ser aceito no

direito civil, que também reconhece a vontade particular como poder de estabelecer

as regras de sua atuação jurídica, pelo menos no campo das obrigações, como

disposto no art. 1.134 do Código Francês, segundo o qual „as convenções legalmente

estabelecidas fazem lei entre as partes‟.83

Da maneira como foi interpretado o Code, consagrando a autonomia da vontade,

conferiu-se caráter subsidiário à lei, ou seja, as partes teriam ampla liberdade para celebrar

seus negócios. Somente naqueles espaços onde as partes deliberadamente deixaram de regular

é que incidiria o Código Civil, ou seja, a vontade constituiria a única fonte de obrigações,

estando limitada apenas pela ordem pública e pelos bons costumes.84

Consagrada a autonomia da vontade, houve importantes reflexos na seara do direito,

principalmente para a teoria contratual, pois, a partir dela, foram estabelecidos os tradicionais

dogmas da liberdade contratual (principal reflexo da autonomia da vontade), da

obrigatoriedade dos contratos e da relatividade de seus efeitos.

2.1.1 Liberdade contratual

A liberdade contratual significava que as partes eram livres para escolher se queriam

ou não contratar, com quem queriam contratar (liberdade de contratar) e de estabelecer o

82 MARTINS-COSTA, Judith. Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro. Revista de Direito

do Consumidor, São Paulo: RT, n.03, set/dez, 1992, p.131. 83 AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.355. 84 OLIVEIRA. Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da

vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, n.23-24, p.46-47, jul./dez.1997.

43

conteúdo do contrato celebrado (liberdade contratual), sendo apenas limitado pela ordem

pública e pelos bons costumes.85

Com relação à obrigatoriedade dos contratos, denota-se ser um reflexo direto da

liberdade contratual, pois, partindo-se da presunção de que os contratos eram celebrados em

igualdade de condições entre as partes, que possuíam ampla liberdade para contratar e discutir

os termos da avença, uma vez celebrado, representava o real querer das partes, sendo,

portanto, justo.

Desta forma, uma vez manifestada a vontade das partes por meio do contrato e

preenchidos todos os pressupostos e requisitos de validade, este era irretratável, no sentido de

que as partes não poderiam se desvincular das obrigações assumidas, a menos que

externalizassem outra manifestação neste sentido, o que representava segurança para os

negócios jurídicos, ou seja, as partes estavam obrigadas a cumprir o pactuado.86

Como conseqüência desta obrigatoriedade, adveio o dogma da relatividade dos efeitos

do contrato, significando que as obrigações assumidas ficavam limitadas às partes que assim

contrataram, não beneficiando nem prejudicando terceiros, pois, ninguém poderia ser

obrigado a ser credor ou devedor de outra pessoa.87

Referido modelo adaptava-se à sociedade da época, porém, com o advento da

Revolução Industrial e o conseqüente desenvolvimento social e econômico, tal panorama

começou a ser alterado, levando à constatação de que o dogma da autonomia da vontade não

era suficiente para reger as novas situações apresentadas.

De fato, a Revolução Industrial levou ao incremento da produção – que passou a ser

em massa – fazendo com que os produtores necessitassem de um instrumento para a rápida

circulação de seus produtos, não sendo mais possível sentar-se individualmente com cada

comprador para discutir os termos da avença, sendo elaborados, assim, os contratos de massa,

o que vai abalar o dogma da autonomia da vontade e seu reflexo mais importante, a liberdade

85 GOMES, Orlando. Contratos. 24.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.24-25. 86 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2.ed. São

Paulo: Atlas, 2002, v.II, p.376-377. 87 Op.cit, p.377.

44

contratual, pois com a introdução desta espécie de contrato, houve uma despersonalização da

relação obrigacional.88

Dentre esses contratos, destacaram-se os contratos de adesão e as condições gerais do

contrato, os quais, segundo Cláudia Lima Marques, não são sinônimos. Os primeiros seriam

aqueles contratos escritos em que o fornecedor, previamente e de forma unilateral,

preestabeleceria suas cláusulas, oferecendo-os uniformemente e em caráter geral para

aceitação do outro contratante, a qual se daria pela simples adesão ao conteúdo já estabelecido

pelo fornecedor. Alguns os denominam de contratos do tipo “take-it-or-leave-it”.89

As condições gerais, por seu turno, seriam aquelas cláusulas, elaboradas, prévia e

unilateralmente por uma das partes, para um número múltiplo e indeterminado de contratos,

escritos ou não escritos, as quais seriam oferecidas, no momento da celebração do contrato,

para disciplinar a relação a ser formada, sendo necessária a aceitação, expressa ou tácita, do

outro contratante. Essas condições poderiam estar em partes externas ao contrato ou inseridas

em texto, sendo necessário que o outro contratante tivesse conhecimento de seu conteúdo.90

Esses novos meios de contratação foram essenciais para a sociedade industrializada

que se formava, a qual necessitava de um meio mais ágil para a circulação da produção, o que

trouxe benefícios tanto para os produtores como para os consumidores. Para os primeiros,

porque proporcionava rapidez e maior previsão de riscos. Para os segundos, porque os

contratos seriam os mesmos para todos os consumidores, não importando sua classe social e a

redução dos custos da empresa proporcionaria uma redução dos preços dos produtos.91

Nesses contratos houve evidente diminuição do âmbito da liberdade contratual, pois

aos compradores apenas caberia a opção entre contratar e não contratar, não havendo

possibilidade para discussão dos termos do contrato. Isso possibilitou que, em alguns casos,

os detentores do poder econômico introduzissem cláusulas com desvantagens para o outro

contratante.92 Tal situação foi denominada de dirigismo contratual privado.93

88 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p. 65. 89

Op.cit, p.69-73. 90 Op.cit, p.79-85. 91 MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo. São Paulo: RT, 1996, p.127. 92 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2000, p.160. 93 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Dirigismo Contratual. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,

São Paulo: RT, n.52, p.74-75, abr./jun.1990.

45

O Estado Social surge como uma forma de corrigir os exageros e as

distorções provocadas pelo livre arbítrio das partes. A liberdade de contratar,

com a concentração crescente de capitais, aliada à formação de grandes e assustadores grupos econômicos, acabou transformando-se em imposição de

contratar às partes economicamente desprivilegiadas e desprotegidas.94

Assim, constatou-se que a tão comemorada igualdade não se verificava na realidade

prática. Aliado a isso, o crescimento das contratações coletivas em detrimento das individuais,

os impactos provocados pelas duas grandes guerras, bem como as idéias de forte atuação

estatal defendidas pelos ideais socialistas, levaram a uma mudança de mentalidade, passando

a solidificar-se a idéia de que o Estado deveria preocupar-se com o bem-estar das pessoas, ou

seja, que deveria preocupar-se com as questões sociais.95

2.1.2 Os limites impostos pelo dirigismo contratual e pelo estado social à liberdade contratual

Devido às influências acima mencionadas, operou-se um redimensionamento dos

deveres do Estado, que passou a atuar de forma mais direta na economia, entendendo-se que

deveria ir além da simples garantia do exercício de direitos, construindo uma rede de proteção

social, com o estabelecimento de programas e também uma intervenção nos contratos, ou

seja, com a “[...] criação de um sistema de vedações e exigências, a fim de impedir a

espoliação do fraco pelo forte, bem assim, assegurar a prevalência dos interesses do bem

comum sobre as questões individuais”.96

Assim, tem início o que se convencionou denominar dirigismo contratual público,

onde o Estado, por meio da edição de normas cogentes e de ordem pública, passou a intervir

nos contratos, estipulando seu conteúdo, exigindo autorização para a contratação ou proibindo

que certas disposições fosse objeto de estipulação contratual.97 Esta intervenção estatal,

embora tivesse por fim a tentativa de restabelecimento do equilíbrio entre as partes

94 GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. O contrato: uma nova concepção. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.);

GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa; FERNANDES NETO, Guilherme. Os contratos de adesão e o controle de

cláusulas abusivas. São Paulo Saraiva, 1991, p.41. 95 Op.cit, p.38-39. 96 Op.cit, p.39. 97 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Dirigismo Contratual. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,

São Paulo: RT, n.52, p.68-72, abr./jun.1990.

46

contratantes, com o amparo à parte mais fraca da relação, também representou uma limitação

à liberdade contratual.

Parece-nos que a causa maior está no predomínio do interesse social sobre o

interesse individual, oriundo do processo de evolução do Estado. A

contenção da parte contratual mais forte e a imposição heterônoma das

regras do jogo resultam desse processo. A proteção do contratante débil não

foi a causa, mas a conseqüência.98

O Estado, então, deveria realizar a compatibilização entre a livre iniciativa e a

realização do interesse social, levando os Estados Modernos, no século XX, a inserirem em

seus Textos Constitucionais normas que possibilitassem essa compatibilização, por meio da

introdução de capítulos destinados a “Ordem Econômica e Social”.99

No Brasil também começou a existir esta preocupação, tanto que a Constituição

Federal de 1934, seguida pela Constituição de 1946, bem como a Constituição de 1967, após

a Emenda Constitucional de 1969, trouxe alguns princípios sociais.100 Todavia, a grande

mudança veio com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao trazer novas diretrizes

para nossa sociedade, com a funcionalização dos institutos jurídicos, na busca de uma

igualdade material para os indivíduos.101

A Constituição, ao cuidar da ordem econômica e financeira, prescreveu em seu Art.

170 que, apesar de ser assegurada a livre iniciativa, deveria ter como finalidade a realização

da justiça social, prescrevendo, ainda, o dever de respeito a vários princípios, dentre eles, a

defesa do consumidor.

Este dispositivo constitucional, ao lado dos direitos e garantias fundamentais,

demonstra que o dirigismo contratual se faz presente em nosso ordenamento, pois, neste

mesmo capítulo, a Constituição apresenta diversas limitações ao exercício à iniciativa privada,

98 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Dirigismo Contratual. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,

São Paulo: RT, n.52, p.67, abr./jun.1990. 99

GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. O contrato: uma nova concepção. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.);

GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa; FERNANDES NETO, Guilherme. Os contratos de adesão e o controle de

cláusulas abusivas. São Paulo Saraiva, 1991, p.41-44. 100 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2.ed. São Paulo: Método, 2006, p.106-118. 101 NALIN, Paulo. Do Contrato: Conceito Pós-Moderno em busca de sua Formulação na Perspectiva Civil-

Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p.164-165.

47

destacando-se o Art. 174, no qual se estabelece expressamente que o Estado é o agente

normativo e regulador da atividade econômica.102

Isso não significa que o dogma da autonomia da vontade foi banido do nosso

ordenamento, pelo contrário, ainda representa um dogma basilar do direito contratual, porém,

não é mais visto como o centro do ordenamento jurídico, mas sim que é ordenamento jurídico

lhe confere legitimidade.103

Ao contrário, significa que a autonomia da vontade deva ser analisada em

conformidade com a Constituição Federal e com a legislação infraconstitucional, em especial,

o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil, que lhe trouxeram novos

contornos, os quais refletiram em outros dos princípios dela decorrentes, quais sejam, da

liberdade contratual, da obrigatoriedade e da relatividade dos efeitos dos contratos.

Como mencionado anteriormente, o reflexo mais importante da autonomia da vontade,

segundo a concepção tradicional, era a liberdade contratual. Entretanto, com o crescente

intervencionismo do Estado na atividade econômica constata-se a existência de limitações a

esta liberdade.

Inicialmente, a liberdade de contratar foi limitada por meio do dirigismo contratual,

representado por meio da edição de normas cogentes que impuseram severos limites a essa

liberdade, ora ditando o conteúdo de alguns contratos, ora determinando a necessidade de

autorização para a celebração de contratos, ora proibindo determinadas cláusulas contratuais.

Como conseqüência, novas figuras jurídicas surgiram, as quais vieram a alterar a

concepção tradicional de contrato, destacando-se: os contratos coativos, os contratos-tipo, os

contratos de adesão e os contratos necessários.104

Os contratos coativos seriam aqueles em que o Estado intervém determinando a

celebração do contrato, bem como o seu conteúdo, como no caso da renovação compulsória

do contrato de locação. Os contratos-tipo seriam aqueles em que os particulares devam

102 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Dirigismo Contratual. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial,

São Paulo: RT, n.52, p.66, abr./jun.1990. 103 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-

constitucional, p.168-170. 104 GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. O contrato: uma nova concepção. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.);

GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa; FERNANDES NETO, Guilherme. Os contratos de adesão e o controle de

cláusulas abusivas. São Paulo Saraiva, 1991, p.49-50.

48

obedecer às disposições de ordem pública, a qual impõe, para numerosos casos, uma mesma

fórmula contratual.105 Os contratos de adesão foram delineados linhas acima.

Os contratos necessários surgiram em decorrência da existência dos monopólios

naturais ou estatais, onde prestador do serviço público ou fornecedor de serviço, por meio do

próprio ente público ou seus concessionários ou permissionários, não poderiam deixar de

contratar com quem se propusesse a fazê-lo.106

Diante deste novo quadro, nosso ordenamento reconhece a existência de uma

liberdade contratual limitada, onde se destaca o papel da lei, que passa a legitimar o vínculo

contratual e protegê-lo, passando-se a analisar se esta limitação obedece aos preceitos

constitucionais e legais ou se respeitam os postulados da boa-fé, segurança e equilíbrio e

equidade contratual.107A autonomia da vontade continua a existir, mas não com a importância

e força que possuía nos moldes do liberalismo.

De fato, a autonomia privada não só sobrevive como convive com os limites impostos, indispensáveis à consagração dos interesses sociais, reafirmando, a

um só tempo, que a questão mais tormentosa refere-se à imposição de

limites. Nessa direção, a doutrina majoritária sustenta a necessidade de ser a autonomia privada redimensionada no ambiente negocial.

108

As limitações à autonomia da vontade, proporcionadas por esta teoria contratual

contemporânea, proporcionaram o aparecimento de novas obrigações contratuais, mesmo que

não tenham sido previstas ou mesmo queridas pelas partes, as quais podem ser consideras

como inseridas no contrato, seja em virtude da lei, seja em virtude da atividade interpretativa

dos juízes, tema que será abordado quando da análise do princípio da boa-fé.109

105 GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa. O contrato: uma nova concepção. In: BITTAR, Carlos Alberto (Coord.);

GARCIA JUNIOR, Ary Barbosa; FERNANDES NETO, Guilherme. Os contratos de adesão e o controle de cláusulas abusivas. São Paulo Saraiva, 1991, p.51. 106 OLIVEIRA. Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da

vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, n.23-24, p.54-55, jul./dez.1997. 107

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.268-275. 108 FERREIRA. Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Funcionalização do Direito Privado e Função Social. In:

FERREIRA. Jussara Suzi Assis Borges Nasser (org.); RIBEIRO, Maria de Fátima (org.). Direito contratual

contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência, 2007, p.90. 109 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.270.

49

O advento Novo Código Civil também representou importante intervenção no

princípio da liberdade contratual, haja vista haver expressamente inserido o dever de respeito

à boa-fé e à função social do contrato, embora estas sejam decorrência implícita do Texto

constitucional.

Porém, a grande alteração da liberdade contratual adveio com o Código de Defesa do

Consumidor. Este Código representou a grande expressão do dirigismo contratual em nosso

ordenamento, onde foi reconhecida a existência de um novo sujeito a ser tutelado em razão de

sua vulnerabilidade, o consumidor.

CDC não se limitou a regulamentar ou dirigir um tipo determinado de contrato, como fez o legislador das locações e com os planos de saúde. O

CDC foi mais além: estendeu seu leque de princípios e proteção legal não

apenas a um único tipo contratual, mas também a todos os contratos em que exista relação de consumo [...]. O princípio da autonomia da vontade foi

duramente limitado.110

O CDC, além de reconhecer a vulnerabilidade do consumidor, estabeleceu que suas

normas são de ordem pública e de interesse social, o que implica dizer, regra geral, serem

inderrogáveis pela vontade das partes contratantes, ressalvadas disposições de caráter

patrimonial, ou seja, mesmo que o consumidor queira delas abrir mão, tal cláusula contratual

será nula.111 Com isto, demonstra-se que a liberdade contratual do consumidor restou

extremamente reduzida, sendo, até mesmo completamente excluída em algumas hipóteses.

Neste ponto, importante destacar que, não obstante disposição expressa no Art. 1º do

Código de Defesa do Consumidor, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 381,

enunciando que “[...] nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da

abusividade das cláusulas”.112

Tal entendimento, vai de encontro ao estabelecido no CDC,

110 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa

do consumidor em juízo. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.32. 111

FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado

pelos autores do anteprojeto. GRINOVER Ada Pellegrini Et al. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

1999, p.24. 112 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.381. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=@docn&tipo_visualizacao=RESUMO&menu=SIM>.

Acesso em: 28maio2010.

50

retirando a natureza de ordem pública de suas normas quando se tratar de contratos

bancários.113

Como decorrência de todas essas alterações, também houve a necessidade de um

redimensionamento do princípio da obrigatoriedade dos contratos, possibilitando ao juiz, uma

maior possibilidade de análise do conteúdo do contrato, no sentido de constatar a ausência de

equilíbrio entre as prestações e contraprestações das partes.

2.1.3 A intervenção do Estado na autonomia da vontade segundo o código civil e o código de

defesa do consumidor

O advento do Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil representou,

assim, uma alteração do estado de coisas vigente, pois, ao permitir expressamente a análise do

conteúdo do contrato para alteração de suas cláusulas ou de seu conteúdo, promoveu uma

delimitação legal das hipóteses que já vinham sendo utilizadas, porém, de forma

assistemática.

Um das hipóteses de relativização do princípio da obrigatoriedade dos contratos nos é

fornecida pelo Código Civil de 2002 ao tratar, nos artigos 478 a 480 “Da Resolução do

Contrato Por Onerosidade Excessiva”, introduzindo expressamente em nosso ordenamento a

chamada Teoria da Imprevisão.114

O Art. 478 possibilita que o devedor, nos contratos de execução continuada ou

diferida, possa pleitear a resolução do contrato, quando, em virtude de acontecimentos

extraordinários e imprevisíveis, a prestação de uma das partes torne-se excessivamente

onerosa, com extrema vantagem para a outra.115

O campo de aplicação da mencionada teoria, restringe-se, regra geral, aos contratos de

execução continuada ou diferida, ou seja, aqueles “[...] que se protraem no tempo,

caracterizando-se pela prática ou abstenção de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais

113 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=@docn&tipo_visualizacao=RESUMO&menu=SIM>.

Acesso em 26mar.2010. 114 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das relações contratuais e extracontratuais.

19.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.3, p.38. 115

BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.203.

51

ou menos logo de tempo”.116 Por seu turno, o Art. 480, possibilita sua aplicação aos contratos

unilaterais, exigindo-se apenas o requisito da onerosidade excessiva.117

Os requisitos para aplicação da mencionada teoria são extraídos do próprio Art. 478: a

existência de onerosidade excessiva para uma parte com extrema vantagem para a outra; a

extraordinariedade e a imprevisibilidade.

O primeiro requisito representa a existência de um desequilíbrio no contrato, a perda

de sua comutatividade, que não resulta na inexecução do contrato, mas sim num obstáculo ao

seu cumprimento, que pode causar uma lesão virtual ao devedor,118 ou seja, uma

potencialidade de dano caso o contrato venha ser cumprido.

O Art. 479 do Código atua a regra do artigo antecedente, ao estabelecer a possibilidade

de revisão do contrato ao invés de sua resolução, quando a outra parte se oferece a modificar

eqüitativamente as condições do contrato.119

O Código de Defesa do Consumidor também promove uma relativização ao princípio

da obrigatoriedade, pois, ao prescrever os direitos básicos do consumidor, estabelece no Art.

6º, V, a possibilidade de “[...] modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam

prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que os tornem

excessivamente onerosas”.120

Referido dispositivo representa a adoção do princípio da

conservação dos contratos.121

Alguns autores entendem que o dispositivo em apreço representa a adoção pelo

Código de Defesa do Consumidor da Teoria da Imprevisão.122 Entretanto, apenas por meio de

uma interpretação literal do mencionado dispositivo, denota-se tratar-se de hipótese diversa

daquela tratada no Código Civil no Art. 478.123

116 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das relações contratuais e extracontratuais.

19.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v.3, p.100. 117

BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.203. 118 BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão: no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,

p.316-318. 119 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.203. 120 Op.cit, p.814. 121 NUNES, Rizzatto. Curso de direito do Consumidor. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.140. 122 FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo III. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado

pelos autores do anteprojeto. GRINOVER Ada Pellegrini Et al. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

1999, p.126. 123 NUNES, Rizzatto. Op.cit, p.141.

52

Conforme analisado anteriormente, nos termos do Código Civil, para que seja possível

a aplicação da Teoria da Imprevisão, é necessário dos seguintes requisitos: a onerosidade

excessiva de uma das partes e extrema vantagem para outra, devendo existir um nexo de

causalidade entre uma e outra, provocada por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece uma proteção mais ampla, pois, como

se constata da análise do Art. 6º, V, exige que haja apenas a onerosidade excessiva do

consumidor ou a existência de prestações desproporcionais. Ainda, não se exige que o fato

seja imprevisível, bastando que seja superveniente e proceda à quebra da base objetiva do

negócio, ou seja, do equilíbrio intrínseco das prestações entre consumidor e fornecedor.124

Com relação, ainda, ao princípio da conservação dos contratos, é importante destacar o

Art. 51, §2º do CDC, que, ao tratar da nulidade das cláusulas abusivas, apesar de reconhecer

serem nulas de pleno direito, estabelece que a decretação de sua nulidade não afete o contrato

quando este não causar ônus excessivo para qualquer das partes, ou seja, “[...] o que se busca

com o §2º do art. 51 é a manutenção sempre que possível do negócio jurídico, ainda que este

esteja contaminado com cláusulas abusivas ou nulas de pleno direito”.125

Em atendimento ao princípio da conservação do contrato, a interpretação das

estipulações negociais, o exame das cláusulas apontadas como abusivas e a análise da presunção de vantagem exagerada devem ser feitas de modo a

imprimir utilidade e operatividade ao negócio jurídico de consumo, não

devendo ser empregada solução que tenha por escopo negar efetividade à

convenção negocial de consumo.126

Referida proteção se justifica, uma vez que o Código reconhece a vulnerabilidade do

consumidor como um dos princípios norteadores das relações de consumo, o que se amolda

aos comandos constitucionais que estabelecem a defesa do consumidor como um dos

princípios que devem reger a ordem econômica, o que nada mais é do que uma forma de

efetivação da dignidade da pessoa humana, que foi erigida como fundamento do nosso Estado

Democrático de Direito.

124

KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa

do consumidor em juízo. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.93-94. 125 Op.cit, p.128. 126 NERY JUNIOR, Nelson. A proteção contratual. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado

pelos autores do anteprojeto. GRINOVER Ada Pellegrini Et al. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

1999, p.522.

53

2.2 BOA-FÉ

A evolução do contrato tem acompanhado as mudanças ocorridas pela sociedade,

destacando-se, neste contexto, os reflexos da concepção de que a autonomia da vontade não

seria um dogma absoluto, bem como às influências decorrentes do amadurecimento das

concepções de função social e de boa-fé.

A boa-fé, hoje positivada na legislação pátria, principalmente com o advento do

Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil, não é concepção originária dos

tempos atuais, uma vez que conhecida desde tempos mais remotos da história da humanidade,

embora não com a concepção adotada atualmente.

A idéia de boa-fé é originária do Direito romano, ligada ao vocábulo bona fides,

concepção que, no decorrer de sua evolução histórica e influenciada pelo direito canônico,

esteve inicialmente ligada à idéia de ignorância de estar agindo em desconformidade com o

Direito ou da intenção de não prejudicar o outro, concepção consagrada pelo Código Civil

napoleônico, que influenciou sobremaneira nosso Código Civil de 1916.

Posteriormente, como os estudos desenvolvidos pelo Direito alemão, retornando às

suas raízes romanas, a boa-fé foi associada ao sentido de lealdade e respeito à palavra

empenhada. No Brasil esses estudos foram estimulados pela promulgação da Constituição

Federal de 1988, pela edição do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002.

Analisando essas breves considerações, constata-se que a boa-fé pode ser entendida

sob dois aspectos: sob o aspecto subjetivo e sob aspecto objetivo, levando-se à sua divisão em

boa-fé subjetiva e objetiva. Assim, seu estudo será realizado em duas etapas, destacando-se,

em primeiro lugar, a boa-fé subjetiva e, na seqüencia, o estudo da boa-fé objetiva.

2.2.1 Boa-fé subjetiva

A boa-fé, quando considerada em seu aspecto subjetivo, leva em consideração o

estado do sujeito, seu aspecto interno, psicológico, acerca do conhecimento ou ignorância de

uma determinada situação, podendo ser conceituada como a “[...] a qualidade do sujeito e diz

54

com o estado de consciência da pessoa, cujo conhecimento ou ignorância relativamente a

certos fatos é valorizada pelo Direito, para fins específicos da situação regulada”.127

Desta forma, é possível dizer que a boa-fé subjetiva corresponderia ao “[...] estado

psicológico da pessoa, à sua intenção, ao seu convencimento de estar agindo de forma a não

prejudicar outrem na relação jurídica”.128

Ou, como leciona Judith Martins-Costa:

A expressão „boa-fé subjetiva‟ denota „estado de consciência, ou

convencimento individual de obrar [a parte] em conformidade com o direito [sendo] aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em

matéria possessória. Diz-se „subjetiva‟ justamente porque, para sua

aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção.

129

Complementa a autora:

A boa-fé subjetiva denota, portanto, primariamente, a idéia de ignorância, de

crença errônea, ainda que excusável, acerca da existência de uma situação

regular, crença (e ignorância excusável) que repousam seja no próprio estado

(subjetivo) da ignorância (as hipóteses de casamento putativo, da aquisição da propriedade alheia mediante usucapião), seja numa errônea aparência de

certo ato (mandato aparente, herdeiro aparente etc). Pode denotar, ainda,

secundariamente, a idéia de vinculação ao pactuado, no campo específico do direito contratual, nada mais aí significando do que um reforço ao princípio

da obrigatoriedade ao pactuado, de modo a se poder afirmar, em síntese, que

a boa-fé subjetiva tem o sentido de uma condição psicológica que normalmente se concretiza no convencimento do próprio direito, ou na

ignorância de se estar lesando direito alheio, ou na adstrição „egoística‟ à

literalidade do pactuado.130

A concepção subjetiva da boa-fé não fazia menção ao equilíbrio contratual,

preocupando-se apenas com o estado de espírito do contratante, no sentido de que atuasse na

crença de estar agindo corretamente, ou ainda, ignorando uma determinada situação pudesse

127 AGUIAR JUNIOR. Extinção dos contratos por imcumprimento do devedor: Resolução. 2.ed. Rio de Janeiro:

Aide, 2003, p.243 apud SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento

do contrato. São Paulo: LTr, 2008, p.80-81. 128 NOVAES, Alinne Arquette Leite. Os novos paradigmas da teoria contratual: o princípio da boa-fé objetiva e

o princípio da tutela do hipossuficiente. In TEPEDINO, Gustavo (coord.), Problemas de direito civil-

constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.22-23. 129 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.411. 130 Op.cit, p.411.

55

viciar sua vontade, concepção que foi recepcionada pelo Código Civil francês, uma vez que

servia plenamente aos ideais liberais inspiradores da Revolução Francesa, onde havia maior

preocupação “[...] com a segurança da circulação e desenvolvimento das relações jurídicas do

que com a justiça material dos casos concretos [...]”.131

No Brasil, o Código Civil de 1916, amplamente influenciado pelo Code, também fez

prevalecer a noção de boa-fé subjetiva, sendo encontrada principalmente no Direito das

Coisas, em matérias como usucapião, sendo também possível encontrá-la em matéria de

Direito de Família.132

Todavia, embora esta concepção pudesse satisfazer os interesses da época, com o

desenvolvimento da sociedade, principalmente após a Revolução Industrial, o surgimento de

novas situações fez com que se desenvolvessem estudos sobre a concepção de boa-fé em sua

vertente objetiva, que será objeto de estudo no próximo item.

2.2.2 Boa-fé objetiva

A boa-fé é conhecida desde o Direito Romano e a base de sua moderna concepção

pode ser creditada à fides romana, que representava a idéia de lealdade, vinculação à palavra

dada, expressão de cunho ético, que ganhou foros de juridicidade no Direito Romano quando

acrescida do adjetivo bona.133

Com o desenvolvimento do comércio romano, o crescente contato com estrangeiros e

a necessidade de maior celeridade da realização dos negócios, a bona fides ganhou

importância, servindo de fundamento para a obrigatoriedade das relações efetuadas sem

fórmulas específicas, propiciando que o juiz, ao analisar um caso concreto, não examinasse

apenas o preenchimento das formalidades, mas também investigasse as características

131

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. A boa-fé da formação dos contratos. Revista de Direito do Consumidor.

São Paulo: RT, n.03, p.78, set./dez.1992. 132 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São

Paulo: LTr, 2008, p.81. 133 VELASCO, Ignácio M. Poveda. A boa-fé na formação dos contratos: direito romano. Revista de Direito

Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo: RT, n.61, p.35-37, abr./jun.1990.

56

individuais do caso, analisando as convenções acessórias e o que os usos e a boa-fé exigiam

para aquele caso específico.134

Com a queda do império romano e a ascensão dos bárbaros, apegados ao simbolismo,

não houve campo propício para o desenvolvimento da boa-fé, o que se manteve durante a alta

idade média nas regiões em que o feudalismo se desenvolveu, ressurgindo somente na baixa

idade média e influenciado pelo Direito canônico.135

Entretanto, no Direito canônico a boa-fé passou a ser entendida no seu aspecto

subjetivo, equiparando-se à noção de ausência de pecado. Esta concepção subjetiva foi

consagrada com a edição do Código Civil francês de 1808, uma vez que satisfazia os

interesses da classe burguesa emergente, concepção que influenciou também o legislador

brasileiro, quando da edição do Código Civil de 1916.136

O Direito alemão, por sua vez, desenvolveu estudos sobre a boa-fé objetiva, ligada a

idéia de confiança, honra e lealdade à palavra empenhada, estudos que culminaram com a

edição do Código Civil alemão de 1900, onde esta concepção de boa-fé obteve sua

consagração.137

Os estudos acerca da boa-fé objetiva foram impulsionados também pelas

transformações trazidas pela Revolução Industrial, pelas duas Grandes Guerras e a Crise de

1929, que levaram a um grande desequilíbrio social, ressurgindo os estudos acerca das teorias

sociais, à intervenção do Estado na atividade econômica, bem como a noção de equilíbrio, de

boa-fé e de segurança das relações contratuais.138

No Brasil, como conseqüência de todas essas influências, foram editadas algumas leis

protecionistas, como a legislação trabalhista e a antiga lei de locações, culminando com a

promulgação da Constituição Federal de 1988, que pode ser considerada como a fonte da boa-

134 VELASCO, Ignácio M. Poveda. A boa-fé na formação dos contratos: direito romano. Revista de Direito

Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo: RT, n.61, p.37-38, abr./jun.1990. 135 Op.cit, p.40. 136

CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil português. 2.ed. Coimbra, Almedina, 2000, v.1,

parte geral, t.1, p.225. 137 Op.cit, p.227. 138 NOVAES, Alinne Arquette Leite. Os novos paradigmas da teoria contratual: o princípio da boa-fé objetiva e

o princípio da tutela do hipossuficiente. In TEPEDINO, Gustavo (coord.), Problemas de direito civil-

constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.18-20.

57

fé objetiva, embora não a prescreva expressamente ou, como entende Paulo Nalin, a boa-fé

objetiva seria derivada da Constituição Federal.139

Com a edição do Código de Defesa do Consumidor, a boa-fé objetiva é expressamente

inserida em nosso ordenamento jurídico, sendo uma dos princípios norteadores deste estatuto,

bem como um dos direitos básicos do consumidor. Na seqüência, houve a edição do Código

Civil de 2002, que também consagra a boa-fé em diversos dispositivos, não sendo mais

possível argumentar-se que seu alcance abrangeria apenas as relações de consumo.

Importante destacar, que os estudos acerca da boa-fé objetiva guardam íntima relação

com aqueles realizados acerca do caráter dinâmico da relação obrigacional – relação

obrigacional complexa – em contraposição à sua concepção estática. Esta última consagrava a

relação obrigacional como uma estrutura simples, traduzindo apenas o vínculo entre credor e

devedor em face ao cumprimento de uma prestação, concepção que, apesar de não ser

equivocada, não explicava outros fenômenos decorrentes da relação obrigacional, como, por

exemplo, a questão da boa-fé objetiva.140

a) Relação obrigacional complexa

A relação obrigacional, entendida de forma estática, partia do entendimento de que

possuía apenas um aspecto bipolar, ou seja, aquele que ligava o direito subjetivo do credor

(direito ao crédito) ao dever jurídico do devedor (a dívida), levando em consideração apenas o

vínculo externo da relação obrigacional.141

Esta concepção era típica do Estado Liberal, mas que não mais atendia às necessidades

da sociedade pós revolução industrial, avançando-se, assim, os estudos acerca de sua

concepção dinâmica, principalmente após a promulgação do Código Civil alemão em 1900,

139 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação civil-constitucional.

Curitiba: Juruá, 2001, p.128. 140 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé objetiva e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar,

2007, p.57. 141 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.383.

58

passando-se a defender a existência de “[...] um vínculo dialético entre devedor e credor,

elementos corporativos necessários ao correto adimplemento”.142

Esses estudos iniciaram-se com a constatação de que poderia ser realizada uma

diferenciação no conteúdo da obrigação, reconhecendo-se a existência de débito e

responsabilidade, desenvolvendo-se também estudos acerca da possibilidade de haver mora

também por parte do credor, o que levou a consideração de que, ao lado do direito de crédito e

débito, poderiam existir outros deveres para as partes, tanto para o credor como para o

devedor, deveres de conduta que não estavam previstos expressamente no contrato.143

Com base nesses estudos, poder-se-ia dizer que a relação obrigacional não poderia

mais ser entendida como “[...] um só vínculo, tal qual a noção baseada no direito romano, ou

eventualmente em um dever relativo a este vínculo, mas tem de atar-se a um modelo

estrutural e unitário, que congregue internamente um conjunto interligado de relações diversas

entre si”.144

Assim, „[...] os múltiplos elementos integradores da relação obrigacional

complexa, e o caráter indeterminado de alguns, ligam-se à aplicação de

conceitos indeterminados e de cláusulas gerais‟, permitindo que integrem

esta relação não apenas os fatores e circunstâncias que decorrem do modelo tipificado da lei ou os que nascem da declaração de vontade, mas por igual,

fatores extravoluntarísticos, atinentes à concreção de princípios e standards

de cunho social e constitucional [como por exemplo, a boa-fé].145

Essa totalidade da relação obrigacional deveria ser dirigida à realização de um fim,

representado pelo adimplemento da obrigação, que se daria “[...] quando se realizar o

conjunto dos interesses envolvidos na relação”.146

Por interesses envolvidos na relação poder-

se-ia compreender:

142 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São

Paulo: LTr, 2008, p.43. 143 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé objetiva e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar,

2007, p.62-63. 144 Op.cit, p.64-65. 145 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.395. 146 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Op.cit, p.69.

59

[...] não apenas os vinculados direta ou indiretamente à prestação principal,

mas também os derivados dos demais deveres de conduta, de modo especial

os vinculados à manutenção do estado pessoal e patrimonial dos integrantes da relação, advindos do liame de confiança que toda relação envolve.

147

Complementando esse entendimento tem-se que:

O entendimento da relação obrigacional como sendo uma relação complexa e dinâmica ampliou, portanto, a própria noção de inadimplemento, restando

insuficiente o modelo dicotômico (inadimplemento absoluto e mora) para a

resposta a diversas questões em torno do não cumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações verificadas no dia a dia forense. Assim, conforme

defendido pela doutrina moderna, o modelo dicotômico de inadimplemento

deve ser alargado, para que nele seja incluída uma terceira via, a violação

positiva do contrato.148

A relação obrigacional seria constituída, assim, de deveres principais, os quais

estariam diretamente relacionados com o objeto principal da obrigação, “[...] constituindo

estes o núcleo central da relação obrigacional e definindo o tipo contratual [...]”,149

como, por

exemplo, o pagamento do preço e a respectiva entrega da coisa em um contrato de compra e

venda.

Além disso, seria constituída por deveres secundários e laterais. Os secundários

poderiam ser meramente acessórios da obrigação principal, como o dever de conservar a coisa

até que seja entregue ao comprador ou, ainda, de prestação autônoma, substitutos da

obrigação principal, com o dever de indenizar em caso de inadimplemento.150

[...] sendo a relação obrigacional uma totalidade voltada para o

adimplemento, esta não possui apenas, como relação totalizante que é, o

dever principal de prestar, ou eventual dever secundário correlato, mas

147 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.66 apud SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o

inadimplemento do contrato. São Paulo: LTr, 2008, p.148. 148 SAVI, Sérgio. Inadimplemento das obrigações, mora e perdas e danos. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.).

Obrigações. Estudos em uma perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 459 apud

SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São Paulo:

LTr, 2008, p.148. 149 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.437-438. 150 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da

vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.23-34, p.73, jul./dez.1997.

60

também deveres acessórios ou implícitos, instrumentais e independentes, ao

lado da obrigação principal, todos voltados para o correto adimplemento.151

Os deveres laterais, também chamados de deveres instrumentais, de proteção e

tutela,152

seriam “[...] todos aqueles deveres decorrentes do fato jurígeno obrigacional cujo

escopo não seja, diretamente, a realização ou a substituição da prestação” (grifo do autor).153

Esses deveres existiram de maneira autônoma à obrigação principal, não dependendo da

manifestação de vontade das partes, sendo, por este motivo, chamados de avolutarísticos,

possuindo como fonte o contrato, a lei ou a boa-fé objetiva.154

Os deveres decorrentes da boa-fé podem, assim, não ser declarados pelas

partes, não ser por ela queridos ou ser por elas totalmente desprezados. Não

obstante, participarão do conteúdo jurídico da relação, assim como participa

desse mesmo conteúdo toda normatividade legal (em sentido estrito) não declarada ou querida pelas partes.

155

Importante destacar que esses deveres laterais foram reconhecidos a partir do

momento em que se reconheceu que a relação obrigação abrangeria outros deveres além

daqueles referentes ao crédito e ao débito e que todos esses deveres deveriam ser cumpridos

pelas partes para que houvesse o perfeito adimplemento da avença.156

A boa-fé atua nestes últimos, sendo função dirigida a ambas as partes contratantes,

que devem comportar-se de forma proba e honesta desde a fase pré-contratual e mesmo após a

execução do contrato, pois, analisando a relação contratual como um todo e sendo esta

contínua e complexa, é constada a existência de certos deveres de conduta, exigíveis mesmo

antes da celebração do contrato, ainda na fase das tratativas. Da mesma forma, após a

151 MOTA, Maurício Jorge Ferreira da. A pós-eficácia das obrigações. In TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.187-240 apud SOARES, Renata

Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São Paulo: LTr, 2008, p.43. 152 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da

vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.23-34, p.73, jul./dez.1997. 153 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé objetiva e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar,

2007, p.75. 154 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.438. 155 SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Op.cit, p.54. 156 Op.cit, p.91.

61

execução, podem ocorrer situações que imponham deveres contratuais para as partes. O

descumprimento destes deveres representa inadimplemento contratual.157

Esses deveres são conseqüência do entendimento de que as partes não estão mais em

posições antagônicas na relação contratual, ao contrário, deve haver entre elas uma relação de

cooperação, para que se atinja o fim último do contrato, o adimplemento.158

Assim, busca-se a

realização dos interesses das partes e o respeito às justas expectativas que elas tiveram no

momento da celebração da avença.

Assim, a boa-fé objetiva significa “[...] mais que uma conduta em si; é um padrão de

conduta; padrão este objetivo que impõe um dever de agir. Dever de agir esse de acordo com

determinados padrões, socialmente recomendados de correção, lisura, honestidade, para não

frustrar a confiança legítima da outra parte”.159

Complementando, segundo Judith Martins-

Costa, boa-fé objetiva significa:

[...] modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o

qual „cada pessoa deve ajustar a sua própria conduta a esse arquétipo,

obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade‟. Por este modelo objetivo de conduta, levam-se em consideração

os fatores concretos do caso, tais com o status pessoal e cultural dos

envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo.

160

Denota-se, portanto, que a noção de boa-fé objetiva está intimamente ligada ao

conceito do bom pai de família, a maneira pela qual age o homem médio, significando:

[...] uma atuação „refletida‟, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas

expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem

obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para

157 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.217-220. 158 FRADERA, Vera Lúcia M. Jacob de. A interpretação da proibição de publicidade enganosa ou abusiva à luz

do princípio da boa-fé: o dever de informar no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do

Consumidor. São Paulo: RT, n.4 especial, p.176, 1997. 159 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.66. 160 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.411.

62

atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a

realização dos interesses das partes.161

Desta forma, é preciso compreender o alcance da boa-fé objetiva, seu campo de

aplicação e suas funções, para que se possa compreender o fenômeno contratual de acordo

com essa visão dinâmica e entender quando o contrato pode reputar-se adimplido.

b) Momento de aplicação da boa-fé objetiva

A boa-fé objetiva, da mesma forma que os deveres laterais de conduta, incide em todas

as fases do contrato, abrangendo tanto a fase pré-contratual, como a fase pós- contratual, o

que foi reconhecido na I Jornada de Direito Civil.162

A boa-fé incide também nas fases pré e pós contratual, uma vez que „indiscutivelmente em todas as fases (pré-contratual, contratual e pós-

contratual) está ínsito o dever de boa-fé e probidade, mesmo porque se trata

de cláusula geral, que impõe essa atitude de probidade e correção não

somente nas relações contratuais, mas também em qualquer outra relação jurídica, comando esse de ordem pública, consoante estabelecido no

parágrafo único do art. 2035 do novo Código Civil‟.163

Na fase pré-contratual a boa-fé objetiva tem relação com a questão da chamada culpa

in contrahendo, onde se reconhece a possibilidade de responsabilização daquela parte que,

após haver criado na outra a crença, uma convicção razoável, de que seria celebrado um

contrato, rompe injustificadamente as tratativas, causando prejuízo para a outra parte,

devendo existir um nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e este rompimento

injustificado das tratativas.

161

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.216. 162 BRASIL. Portal da Justiça Federal: Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Direito Civil. Disponível em:

<http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 16maio2009. 163 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São

Paulo: LTr, 2008, p.91.

63

A doutrina da culpa in contrahendo foi formulada pioneiramente por Ihering,

entendendo-se, contemporaneamente, mediante tal noção, que incorre em responsabilidade

pré-negocial a parte que, tendo criado na outra a convicção, razoável, de que o contrato seria

formado, rompe intempestivamente as negociações, ferindo os legítimos interesses da outra

parte.164

O Código Civil de 2002, apesar de prescrever no Art. 422 a necessidade de obediência

à boa-fé (objetiva), apenas menciona as fases de formação e execução do contrato. Não

obstante, os doutrinadores convergem seus entendimentos no sentido de que a boa-fé objetiva

deve ser observada também na fase pré-contratual como na fase pós-contratual.

Corroborando o exposto, menciona-se emblemática decisão proferida pelo Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, onde se reconhece a existência do dever de

indenizar, decorrente da não observância da boa-fé objetiva na fase das tratativas, por haver o

réu gerado a confiança na outra parte de que o contrato seria celebrado.165

No caso, uma determinada empresa costumava fornecer a pequenos agricultores

sementes de tomate que eram plantadas, com a compra da safra por esta empresa. Em um

determinado ano, após fornecer a semente aos agricultores, como de costume, a empresa

acabou não adquirindo a safra respectiva, frustrando a legítima expectativa gerada por sua

conduta anterior.

O Desembargador relator do processo entendeu que, neste caso, a empresa havia

criado a legítima expectativa de que adquiriria a safra que, uma vez frustrada pela empresa,

deveria arcar com indenização por ofensa a boa-fé objetiva, no que se refere à confiança

gerada na outra parte.

Na fase contratual a boa-fé objetiva, conforme expressa disposição legal (Art. 422 do

Código Civil), incide desde o momento da formação até o momento da execução do contrato,

cujos deveres são os mesmos exigíveis na fase pré-contratual, porém, aqui, com maior

amplitude, podendo “[...] ser qualificada como a lealdade ao tratar, clareza e abstenção de

164 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.485. 165 BRASIL. Tribunal de Justiça/RS. Apelação Cível n. 59102829-5. Quinta Câmara. Relator: Desembargador

Ruy Rosado de Aguiar Junior. Porto Alegre, 06 de junho de 1991. Disponível em:

<http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php>. Acesso em: 15jan.2010.

64

qualquer forma de dolo que possa induzir a uma falsa determinação da vontade da parte

contrária. [...]”.166

A exigência de observância da boa-fé objetiva não significa que os contratos não

devam ser cumpridos, já que o princípio do pacta sunt servanda ainda vigora em nosso

ordenamento, apenas agora atenuado pelo primeiro, pois, o que se pretende é impedir “[...]

que o credor possa exigir mais do que o consentido pela equidade e esta atende basicamente

as circunstâncias do caso, e às particularidades da pessoa, tempo e lugar e modalidades do

negócio”.167

Durante a vigência da relação contratual, a observância da boa-fé objetiva encontra

respaldo na teoria dos atos próprios, também denominada venire contra factum proprium,

bem como a imposição de deveres de informação, lealdade, cooperação, segurança, sigilo, que

serão objeto de análise posterior.168

A boa-fé objetiva também é exigível após o cumprimento do contrato, ou seja, “[...]

implica deveres posteriores ao término do contrato – deveres post factum finitum, como

deveres de informação e segredo”.169

São exemplos: dever do empregado de não revelar

dados sigilosos da empresa em que trabalhava após o término da relação trabalhista (dever de

sigilo) e os chamados “recalls”, em que as empresas chamam seus consumidores para reparos

de vícios posteriormente descobertos em seus produtos (dever de informação e proteção).

Em julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, encontra-se

exemplo de violação da boa-fé após o cumprimento do contrato.170

No caso, foi vendido um

estabelecimento de ensino com o compromisso de renovação do contrato de locação do

prédio, que pertencia ao genitor das vendedoras.

Entabulado o negócio, foi renovado o contrato de locação nos termos do pactuado.

Porém, pouco tempo depois, o comprador foi notificado da intenção do proprietário em

vender o imóvel, o que provocou a desistência de alunos inviabilizando o exercício da

atividade.

166 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo Código Civil. São Paulo: Método, 2002,

p.73 apud SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato.

São Paulo: LTr, 2008, p.140. 167 Op.cit, p.140. 168 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São

Paulo: LTr, 2008, p.141. 169 Op.cit, p.142. 170 Op.cit, p.143-144.

65

Os julgadores entenderam que houve violação do princípio da boa-fé, consistente na

quebra dos deveres de lealdade e probidade dos contratantes, reconhecendo que o comprador,

autor da ação, fazia jus a uma indenização pelo valor efetivamente despendido.

Em face de todo o exposto, conclui-se que o respeito à boa-fé objetiva deve estar

presente em todo o momento contratual, desde a fase das negociações preliminares, haja vista

a necessidade de proteção das justas expectativas provocadas nas partes de efetiva celebração

do contrato, que não podem ser frustradas de modo injustificado, bem como na fase

contratual, de modo a impedir as partes atuem de modo a frustrar o cumprimento do contrato

e, ainda, após a execução do contrato, onde as partes ainda possuem deveres uma em relação à

outra, como os deveres de informação e sigilo.

A imposição desses deveres se justifica, porque a relação contratual não compreende

apenas a noção de débito e crédito, abrange mais, existindo deveres de conduta que não estão

previstos expressamente no contrato, mas que também são exigíveis, uma vez que a noção de

adimplemento não representa apenas o cumprimento da prestação principal do contrato.

c) Funções da boa-fé objetiva

A boa-fé objetiva encontra-se positivada em nosso Direito, de forma implícita na

Constituição Federal e de forma expressa tanto no Código de Defesa do Consumidor e no

Código Civil. No entanto, suas funções em nosso ordenamento não foram delineadas

expressamente, tarefa que coube à doutrina e a jurisprudência.171

A boa-fé objetiva foi introduzida em nosso ordenamento com a finalidade de

proporcionar uma maior flexibilidade ao nosso sistema jurídico, conferindo ao juiz um maior

poder de decisão, uma vez que precisa estabelecer para o caso concreto qual a conduta a ser

seguida e, depois disso, analisar o comportamento da parte para constatar se estão em

consonância.172

171 SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. Contornos dogmáticos e eficácia da boa-fé objetiva. O princípio da boa-

fé objetiva no ordenamento jurídico brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.144-145. 172 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São

Paulo: LTr, 2008, p.86-87.

66

Em primeiro lugar é possível destacar a função interpretativa, que guarda estreita

ligação ao preceito contido no Art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil, no sentido de

que, ao aplicar lei, deve o magistrado atender aos fins sociais e às exigências do bem comum.

Destaca-se, também, o Art. 2.035 do novo Código Civil, onde se prescreve que nenhuma

convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública.

O novo Código Civil expressamente consagra a adoção da boa-fé objetiva a todas as

espécies de relações contratuais e não apenas naquelas de consumo, enfatizando a função

interpretativa do princípio no Art. 113, ao estabelecer que os negócios jurídicos devam ser

interpretados de acordo com a boa-fé, preceito reforçado pela disposição do Art. 112, que

determina que a intenção das partes constante da declaração deva prevalecer ao sentido literal

da linguagem, bem como pelo Art. 422, que determina às partes o dever de agir de boa-fé.

Célia Barbosa Abreu Slawinski apresenta dois desdobramentos para o exercício da

função interpretativa da boa-fé objetiva:

O primeiro consiste na determinação de que os contratos (e os negócios

jurídicos unilaterais) sejam interpretados consoante o seu objetivo aparente,

a não ser que o destinatário tenha conhecimento da vontade real do

declarante, ou quando devesse conhecê-la, acaso tivesse agido com razoável diligência.

O segundo, quando o próprio sentido objetivo suscita dúvidas, devendo a boa-fé indicar a direção que seja a mais razoável.

173

Assim, por meio da boa-fé objetiva, o juiz, ao decidir um caso concreto, deve procurar

uma solução que reflita as expectativas das partes no momento da celebração da avença,

segundo padrões de conduta exigíveis do homem médio e de acordo com aquele caso

específico, extraindo um sentido mais recomendável para aquele caso concreto e socialmente

mais útil.174

Vinculada à função integrativa está sua função integradora. Neste aspecto, serve como

meio de suprir as lacunas, buscando a justiça interna do contrato, permitindo a sistematização

173 SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. Contornos dogmáticos e eficácia da boa-fé objetiva. O princípio da boa-

fé objetiva no ordenamento jurídico brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.146. 174 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 3.ed.

São Paulo: Saraiva, 2005, v.IV, t.1, p.69-70.

67

das decisões judiciais, “[...] surgindo, assim, o princípio da boa-fé objetiva como resultante da

„exigência de encontrar uma noção operativa, dotada de um real valor prático‟”.175

De fato, os julgadores, ao adotarem a boa-fé objetiva como fundamentação de suas

decisões, não precisão tecer longas fundamentações utilizando-se da conjugação de outros

princípios, sendo a boa-fé o fundamento suficiente, posto que expressamente positivado, o

que facilita a compreensão do tema, sistematizando as decisões em torno de um mesmo

paradigma.

Referidas funções – interpretativa e integrativa – foram reconhecidas pela I Jornada de

Direito Civil, nos termos do Enunciado de n. 25 que estabelece: “A cláusula geral contida no

Art. 422 no novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir

o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como exigência de comportamento leal dos

contratantes”.176

Outra função da boa-fé objetiva é a criadora de deveres anexos, que encontra ligação

com a função integrativa acima mencionada. Dentre esses deveres releva-se apontar o dever

de informar, que pode ser conceituado como “[...] um dever anexo de não enganar, de evitar o

erro explicando corretamente, de esclarecer, de comunicar as características essenciais do

objeto do contrato [...]”.177

Desta forma, por meio da boa-fé objetiva, não se tolera “[...] qualquer indução ao

erro, dolo ou falha na informação, por parte do fornecedor, uma vez que as informações

prestadas passam a ser juridicamente relevantes, integram a relação contratual futura e,

portanto, deverão ser cumpridas na fase de execução do contrato [...]”.178

O dever de informar revela sua importância em todas as fases da relação contratual,

porque, principalmente nas relações de consumo, o consumidor deve possuir amplo

conhecimento acerca do produto que irá adquirir, das prestações que irá assumir e dos

benefícios que irá adquirir e, mesmo após a execução do contrato, deve de ser informado

acerca das garantias que lhe são conferidas e dos riscos que determinado produto pode lhe

causar.

175 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.436. 176

BRASIL. Portal da Justiça Federal: Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Direito Civil. Disponível em:

<http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 16maio2009. 177 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São

Paulo: LTr, 2008, p.122. 178 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.224.

68

Referido dever pode ser considerado sob dois aspectos, o dever de conselho e o dever

de esclarecimento simples.179

O primeiro corresponde ao dever do fornecedor especialista de

informar de forma clara e eficiente ao consumidor leigo, sobre os riscos típicos e os aspectos

principais do negócio, dever que está ligado à confiança e a transparência que devem existir

nas relações contratuais. O segundo corresponde ao dever de redigir os termos do contrato de

forma clara e destacada, a fim de evitar cláusulas ambíguas e de difícil compreensão,

possibilitando a perfeita compreensão do conteúdo da avença.

A transparência, princípio decorrente da boa-fé objetiva [...] encontra sua justificativa no dever de informar o que recai sobre os contratantes [...].

[...]

A transparência faz com que se exija do pré-disponente, sobretudo, lealdade

ao estabelecer o conteúdo da avença e lealdade ao informar sobre ela ao

outro contratante, via de regra mero aderente, portanto vulnerável à vontade contratual que está a definir seus termos gerais, exigindo-lhe destarte

comportamento responsável.180

Nos termos do CDC, o dever de informar representa um direito básico do consumidor

(Art. 6º, III), que deve ser cumprido de maneira clara e adequada, preceito complementado

pelo Art. 31, ao exigir que os fornecedores não omitam informações essenciais sobre seus

produtos e serviços, bem como por meio da proibição da publicidade enganosa ou abusiva,

prevista no Art. 37, §1º do mesmo estatuto.181

Reflexo do direito à informação consiste no preceito do Art. 30, por meio da

vinculação da oferta e da mensagem publicitária ao futuro contrato a ser celebrado. Esta

proteção se mostra adequada, pois é comum o anúncio acerca do preço ou qualidades de

determinados produtos que não se confirmam na prática, levando o consumidor a adquirir

produtos ou serviços diferentes daqueles anunciados.

Em razão disso, o CDC prescreve que, mesmo a proposta não tecnicamente perfeita, a

chamada mensagem publicitária, aquela que se limita a anunciar as qualidades de um produto

179 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.228-231. 180 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação civil-constitucional.

Curitiba: Juruá, 2001, p.144-145. 181 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.71-73.

69

ou serviço, vincula o fornecedor. No que refere à proposta tecnicamente perfeita, o grande

avanço do CDC foi determinar sua irretratabilidade.182

Reflexo deste direito à informação, ainda, consiste na proibição do uso publicidade

enganosa ou abusiva, que caracteriza o princípio da veracidade da mensagem publicitária,

uma vez que o critério para identificá-las consiste, justamente, na veracidade da informação

prestada. Deste princípio emerge outro critério caracterizador, o critério do prejuízo, por meio

do qual se quer evitar comportamentos do consumidor prejudicais tanto para a sociedade

como para si próprio.183

Na fase pós-contratual, é possível mencionar o Art. 10, §1º do CDC, que estabelece

para o fornecedor o dever de informar sobre a periculosidade de produtos e serviços que

foram descobertos posteriormente à colocação do produto ou serviço no mercado. Exemplo

disso é o chamado “recall”, que é uma notificação administrativa para informação sobre

defeito de um produto já comercializado e a chamada dos consumidores para sua correção ou

troca, muito comum no setor automobilístico.184

Desdobramento do dever de informar é o dever que o fornecedor possui de permitir

que o consumidor tenha oportunidade de conhecer o conteúdo do contrato, que encontra

fundamento legal no Art. 46 do CDC, o que corrobora o dever de clareza, correção e destaque

das cláusulas contratuais, culminando de nulidade aquelas que forem consideradas abusivas,

conforme prescreve o Art. 51 do mesmo estatuto.185

Além do CDC, o novo Código Civil também prescreve o dever de informação,

destacando-se o Art. 613, que estabelece ao empreiteiro o dever de informar ao dono da obra

sobre a qualidade ou quantidade dos materiais por ele fornecidos, bem como o Art. 765, que

estabelece ao segurador e ao segurado o dever de agir com estrita boa-fé.186

Outro dever anexo decorrente da boa-fé objetiva é o dever de cooperação, consistente

na exigência de que ambos contratantes atuem de forma a não criar empecilhos para que o

contrato seja adimplido. No tocante ao fornecedor, reveste-se no dever de cumprir suas

obrigações, não criando obstáculos ou inviabilizando o exercício de direitos pelo consumidor,

182

KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.77-78. 183 Op.cit, p.78-81. 184 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São

Paulo: LTr, 2008, p.124. 185 Op.cit, p.124-125. 186 Op.cit, p.126-127.

70

ou ainda, não utilizando de mecanismos maliciosos ou sem qualquer necessidade,

caracterizando-se, também, pelo dever renegociar as dívidas.187

Cooperar aqui é submeter-se às modificações necessárias para a manutenção

do vínculo (princípio da manutenção do vínculo do art. 51, §2.º, do CDC) e à

realização do objetivo comum do contrato. Será dever contratual anexo,

cumprido na medida do exigível e razoável para a manutenção do equilíbrio contratual para evitar a ruína de uma das partes (exceção de ruína aceita pelo

art. 51, §2.º, do CDC) e para evitar a frustração do contrato: o reflexo será a

adaptação bilateral e cooperativa das condições do contrato.188

É possível mencionar, ainda, o dever anexo de cuidado ou dever de proteção, no qual,

tratando-se de relações de consumo, o fornecedor tem o dever de não causar danos à

integridade pessoal – moral ou física – e patrimonial ao consumidor. Significa, outrossim,

cuidado com as informações negativas dos consumidores, cuidado na maneira de se efetuar a

cobrança de dívidas, cuidado na execução do serviço etc.189

Cumpre ainda mencionar, proposta apresentada por Vera Lúcia Jacob Fradera,

durante a III Jornada de Direito Civil, em que defende a existência de um dever de

colaboração para o credor decorrente da boa-fé objetiva, consistente no dever do credor tomar

atitudes para mitigar seu próprio prejuízo, decorrente da clausula duty to mitigate de loss do

direito Anglo-Saxão.190

Referido dever anexo é inspirado no Art. 77 da Convenção de Viena

onde se estabelece que:

A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar todas as medidas razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela

compreendendo o prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais

medidas, a parte faltosa pode pedir a resolução das perdas e danos, em proporção

igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída.191

Assim, de acordo com a proposta defendida pela autora, uma vez descumprido este

187 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.233-236. 188

Op.cit, p.236. 189 Op.cit, p.239-240. 190 TARTUCE, Flávio. AA boa-fé objetiva e a mitigação do prejuízo pelo credor. Esboço do tema e primeira

abordagem. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos/Tartuce_duty.doc>. Acesso em:

03Dez.2009. 191 Op.cit.

71

dever anexo pelo credor, poder-lhe-ia ser imputada uma conseqüência de natureza econômica,

consistente no pagamento de eventuais perdas e danos ou, ainda, o abatimento no que teria

direito a receber.192

.

Por derradeiro, como função decorrente do princípio da boa-fé objetiva, tem-se

limitadora do exercício de direitos subjetivos, onde age como limitadora da vontade dos

contratantes, “[...] não admitindo condutas que contrariem o mandamento de agir com

lealdade e correção, pois só assim se estará a atingir a função social que lhe é cometida”.193

É possível mencionar, como primeira forma de limitação, a figura do adimplemento

substancial, onde o “[...] o cumprimento próximo do resultado final exclui o direito de

resolução, facultando apenas o pedido de adimplemento e o de perdas e danos [...]”.194

Neste caso, o direito subjetivo do credor é mitigado em razão dos deveres de lealdade

e cooperação decorrentes da boa-fé objetiva, pois, não seria justo que aquele que cumpriu

com quase todo o contrato seja penalizado com a resolução da avença, quando se comportou

durante todo o transcorrer do contrato de forma leal e honesta.

A segunda forma de limitação vem amparada pela chamada teoria dos atos próprios,

onde não se permite que alguém faça valer seu direito, quando antes também tenha deixado de

cumprir com seus deveres.

Esta limitação se refere à mitigação da utilização da exceção de contrato não

cumprido, cujo “[...] efeito principal é impedir que a parte que tenha violado deveres

contratuais exija o cumprimento pela outra parte, ou valha-se do seu próprio incumprimento

para beneficiar-se de disposição contratual ou legal”.195

Esta limitação se desdobra na

chamada regra tu quoque e na proibição do venire contra factum proprium.

A regra tu quoque196

impede que aquele que tenha descumprido uma norma legal ou

contratual, possa querer exigir do outro do outro contratante o cumprimento de um preceito

que ele mesmo já descumpriu. Assim, aquele que descumpre um comando, não pode se

192 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São

Paulo: LTr, 2008, p.121. 193 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.69. 194

SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. Breves reflexos sobre a eficácia atual da boa-fé objetiva no ordenamento

jurídico brasileiro. In TEPEDINO, Gustavo (coord.), Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro:

Renovar, 2000, p.82. 195 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.460-461. 196 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da

vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.23-34, p.45, jul./dez.1997.

72

aproveitar de alterações circunstanciais posteriores para pretender a revisão do contrato ou

pleitear direito à indenização pelo descumprimento do contrato pelo outro contratante.

Esta limitação se justifica porque o sinalagma que caracteriza os contratos bilaterais

deve perdurar da formação até sua execução. Nos contratos de longa duração, em virtude da

dinamicidade contratual, as alterações fáticas levam à constante necessidade de equalização

deste sinalagma, para que o contrato atinja seu escopo principal e respeite as justas

expectativas das partes contratantes.

Desta forma, produzindo deveres contrapostos para ambos contratantes, aquele que

primeiro descumpre um comando fere o equilíbrio contratual e não pode valer-se do

descumprimento posterior do outro para beneficiar-se.197

Por seu turno, a proibição do venire contra factum proprium, protege aquele que

confiou no comportamento anterior da outra parte, proibindo que esta pratique ato que

contrarie as expectativas geradas pelo seu comportamento anterior.

Um julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul elucida

melhor a questão: “O vendedor de estabelecimento comercial que, por algum tempo auxilia

no novo proprietário, inclusive preenchendo pedidos, fornecendo seu próprio número de

inscrição fiscal, não pode depois cancelar tais pedidos, sob a alegação de uso indevido de sua

inscrição”.198

Neste caso específico, decidiu-se que a conduta do vendedor frustrava as justas

expectativas do adquirente, o que poderia inviabilizar a atividade por ele desenvolvida.

O seu fundamento técnico jurídico – e daí a conexão com a boa-fé objetiva –

reside na proteção da confiança da contraparte, a qual se concretiza, neste

específico terreno, mediante a configuração dos seguintes elementos, objetivos e subjetivos: a) a atuação de um fato gerador de confiança, nos

termos em que esta é tutelada pela ordem jurídica; b) a adesão da contraparte

– porque confiou – neste fato; c) o fato de a contraparte exercer alguma atividade posterior em razão da confiança que nela foi gerada; d) o fato de

ocorrer, em razão de conduta contraditória do autor do fato gerador da

confiança, a supressão do fato no qual fora assentada a confiança, gerando

prejuízo ou iniqüidade insuportável para quem confiara.199

197 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p.465. 198 OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Princípios informadores do sistema de direito privado: a autonomia da

vontade e a boa-fé objetiva. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, n.23-34, p.74-75, jul./dez.1997. 199 MARTINS-COSTA, Judith. Op.cit, p.471.

73

Realmente, em face do dever de lealdade e da confiança que deve existir entre as

partes contratantes, uma das partes não pode praticar atos que contrariem as justas

expectativas que seu comportamento gerou na outra lhe causando prejuízos.

Outra limitação ao exercício de direitos subjetivos reside nas figuras da suppressio e

da surrectio. Na primeira, o não exercício de um direito por um determinado período faz com

que este não possa mais ser exercido, ao passo que a segunda aponta o nascimento de um

direito em decorrência da legítima confiança despertada na outra parte pela atitude de

determinado comportamento da parte contrária, como, por exemplo, o credor que costuma

receber sua prestação em local diverso do estabelecido, em virtude de sua conduta, cria um

direito para o devedor, presumindo-se uma renúncia ao estabelecido anteriormente.200

Assim, a suppressio e surrectio são dois lados de uma mesma moeda. Na

suppressio, „o não exercício de um direito‟, como aduz Laerte Marrone de Castro Sampaio, „num determinado quadro, leva à perda do direito, na

surrectio o raciocínio opera ao inverso. Está-se diante – para utilizar-se da

imagem de Menezes Cordeiro – da contraface da suppressio, vale dizer,

„uma pessoa veria, por força da boa-fé, surgir na sua esfera uma possibilidade que, de outro modo não lhe assistiria.‟ Deveras, a prática

reiterada de certos atos gera num dos figurantes da relação processual a

convicção de que possui um direito‟.201

Por todo o exposto, é possível concluir que a boa-fé objetiva incide sobre o contrato de

molde a tornar seu entendimento diverso daquele apregoado tradicionalmente, pois,

apresenta-se como um limite ao princípio da autonomia da vontade, tendo o condão de criar

deveres ou alterar situações independentemente da vontade das partes.

A boa-fé objetiva possibilita o reconhecimento de que contrato não se resume apenas

ao direito de crédito e débito, o que reflete na concepção de seu adimplemento. Ao contrário,

por conta da boa-fé objetiva passam a existir deveres para as partes, mesmo que não estejam

previamente previstos no contrato e o adimplemento passa a abranger a realização desses

deveres.

200 SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do contrato. São

Paulo: LTr, 2008, p.111-112. 201 Op.cit, p.112.

74

Dentre esses deveres, que devem ser cumpridos desde a fase pré-contratual até a pós-

contratual, destaca-se o de lealdade das partes contratantes, tendo como paradigma a figura do

homem médio, a conduta a ser exigida do bom pai de família. Além disso, a boa-fé objetiva

vem proteger aquela parte que acreditou na expectativa criada pela outra, bem como para

impedir que atue de forma contrária ao seu comportamento anterior.

Ainda, decorre da boa-fé o dever de cooperação, haja vista que o contrato tem como

finalidade o seu adimplemento que deve sempre ser buscado pelas partes contratantes,

destacando-se também o dever de cuidado e proteção que as partes devem possuir uma em

face da outra.

Outro fator importante decorrente da boa-fé objetiva é a necessidade de cumprimento

do dever de informação, que veio positivado em diversos dispositivos, tanto do Código de

Defesa do Consumidor, como no Código Civil de 2002.

Desta forma, ao lado da função social do contrato, a boa-fé objetiva incide sobre o

contrato alterando o paradigma tradicional da autonomia da vontade, pois, em face dessas

novas diretrizes foi ela limitada e o contrato passa a interessar não apenas as partes

individualmente consideradas, mas também para a coletividade.

2.3 FUNÇÃO SOCIAL

A função social do contrato, nos dias atuais, encontra-se expressamente prescrita no

Código Civil de 2002, que estabelece no Art. 421 que a liberdade de contratar deve ser

exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Entretanto, a discussão acerca da necessidade de funcionalização dos institutos

jurídicos, na qual se insere a função social do contrato, não adveio com o novo Código Civil,

sendo matéria analisada há algum tempo, tanto em nosso ordenamento, como na legislação de

outros países. Porém, entre nós, ganhou relevo a partir da promulgação da Constituição

Federal de 1988, que estabeleceu a necessidade de harmonização da liberdade de iniciativa

com as questões sociais.

75

A compreensão da função social do contrato encontra-se umbilicalmente ligada ao

entendimento acerca da função social da propriedade, pois, sendo o contrato o meio pelo qual

se promove a distribuição e circulação de riquezas na sociedade e, sendo a propriedade, uma

das mais antigas formas de expressa de riqueza, as alterações neste instituto refletem-se na

concepção dos contratos.

[...] a instituição jurídica do contrato é um reflexo da instituição jurídica da

propriedade privada. Ela é o veículo da circulação da riqueza, enquanto se

admita (não interessa em que medida) uma riqueza (isto é, uma propriedade) privada. Se não fosse admitida a riqueza (propriedade) privada, esta não

poderia circular e contrato careceria quase inteiramente de função prática.

Com o reconhecimento da propriedade privada se enlaça idealmente o princípio de liberdade contratual, o qual, se bem limitado em diversas

formas, constitui, como se tem dito, a pedra angular da disciplina geral do

contrato.202

Além disso, os questionamentos acerca da função social da propriedade são mais

antigos e os seus contornos jurídicos mais bem definidos, proporcionando certa sedimentação

acerca de seu conteúdo, principalmente após a promulgação da Constituição de 1988, que

expressamente a caracterizou quando tratou da ordem econômica e financeira. Assim, a

compreensão da forma como incide a função social para este instituto, fornecerá subsídios

para a compreensão da função social do contrato.

2.3.1 Função social da propriedade

A discussão acerca da função social da propriedade, não é algo que surgiu apenas com

a promulgação da Constituição de 1988, uma vez que discutida em ordenamentos estrangeiros

em épocas mais distantes e, mesmo em nosso Direito, a matéria já havia sido prescrita tanto

na ordem constitucional como na legislação ordinária.

202 MESSINEO, Francesco. Douctrina General del Contrato. Tradução de R. O. Fontanarosa, Santiago Melendo

e M. Volterra, Buenos Aires: EJEA, 1986, t.II, p.15 apud SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato.

2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.118.

76

Após a consagração do direito de propriedade como um direito absoluto e a autonomia

da vontade como fonte primeira do direito, decorrência da Revolução Francesa e dos ideais

que a inspiraram, as alterações sociais, econômicas e culturais, ocorridas posteriormente,

fizeram surgir, ao lado dos direitos individuais, os chamados Direitos Sociais, renascendo

com isso, a doutrina da função social.203

Importante destacar a doutrina social da Igreja que, desde São Tomás de Aquino,

passando pelas Encíclicas e Mensagens Papais – Rerum Novarum (Leão XIII, 1981),

Quadragesimo Anno (Pio XI, 1931), Mater Et Magistra (João XXIII), Populorum Progressio

(Paulo VI) – consagraram a existência do direito de propriedade, condicionando-o, entretanto,

ao cumprimento de sua função social, ou seja, defendiam que o homem teria direito à

propriedade dos bens, mas que seu exercício deveria dar-se em benefício do bem-estar

comum, defendendo até mesmo a possibilidade de expropriação.204

O pensamento da Igreja Católica se desenvolve na direção de que o direito de propriedade não deve ser exercido com o prejuízo da utilidade comum. O

Estado-juiz encontrará uma solução quando houver conflito entre os direitos

privados, dentre os quais ressaem a propriedade e as necessidades comunitárias, expressas na ativa participação das pessoas e dos grupos

sociais.205

Valendo-se das lições de Giselda M. Fernandes Hironaka complementa-se:

Constata-se, destas posições sociais contidas na História da Igreja,

especialmente dois elementos, no direito de propriedade. Um elemento, dito

de direito individual, que se refere ao fato de que todo homem tem direito – e se trata de um direito absoluto – a tantos bens quanto necessite para a

satisfação de sua condição pessoal, social, humana. E um outro elemento, do

Direito Social, pelo qual tudo aquilo que excede deve ser redistribuído em

proveito da sociedade, trata-se de um tipo de administração, remunerada sem

dúvida, que se passa por conta do interesse social.206

203 HIRONAKA, Giselda M. Fernandes Novaes. A função social do contrato. Revista de Direito Civil,

Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo: RT, n.45, p.142, jul./set.1988. 204 Op.cit, p.142-143. 205 SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.120. 206 HIRONAKA, Giselda M. Fernandes Novaes. Op.cit, p.144.

77

Importante ressaltar que a exigibilidade de que a propriedade cumpra sua função social

não significa a adoção do socialismo, mas apenas que deva ser exercida de modo a promover

não apenas os interesses individuais de seus proprietários, mas que venha a trazer algum

benefício ou que, ao menos, não cause prejuízos para a sociedade.207

No campo legislativo, a função social da propriedade foi reconhecida pela primeira

vez na Constituição mexicana de 1917, prescrevendo que o direito de propriedade deveria ser

submetido ao interesse público, porém, é reconhecida à Constituição de Weimar, na

Alemanha em 1919, a introdução da necessidade de harmonização da livre iniciativa com as

limitações ao direito de propriedade, sendo que, no Brasil, a primeira Constituição a tratar do

assunto foi a de 1934, seguindo nas constituições posteriores.208

Embora os Textos constitucionais estabelecessem a necessidade de cumprimento da

função social da propriedade, nosso Código Civil de 1916 ainda prescrevia a propriedade

como um direito absoluto, uma vez que inspirado no Código Civil Francês de 1808, o que

dificultou a consagração da função social da propriedade e, como conseqüência, a função

social dos contratos.

Contudo, a função social da propriedade veio a ser definitivamente consagrada em

nosso ordenamento com o advento da Constituição Federal de 1988, pois, com ela, houve

uma alteração do conteúdo do direito de propriedade que vigia até então, ou seja, a concepção

clássica do direito de propriedade, inspirada nos ideais liberais dos séculos XVIII e XIX e

sedimentada pelo Código Civil de 1916, não era mais compatível com os ditames

constitucionais, os quais prescrevem que a propriedade deve cumprir sua função social.

Analisando-se os dispositivos constitucionais que tratam da propriedade privada – Art.

5º, XXII e XXIII; Art. 170, II e III – forçoso reconhecer que o instituto sofreu uma profunda

alteração, havendo uma relativização do seu conceito e significado.

Houve, pois, mais recentemente, uma relativização desse direito (de

propriedade), que deixou de considerar-se absoluto. Essa mudança de

concepção caminhou paralelamente com o deslocamento do instituto do

Direito privado para o direito Público. Houve, desde cedo, a constitucionalização do direito de propriedade e, posteriormente, a

explicitação constitucional do conteúdo desse direito. Ademais, como

207 SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.99. 208 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2.ed. São Paulo: Método, 2006, p.88-116.

78

assinalam alguns autores, o direito de propriedade deixa de ser apenas um

direito individual, para figurar igualmente no capítulo constitucional relativo

à “ordem econômica”, como princípio constitucional-econômico, capaz de identificar um determinado sistema-econômico vigente.

209

A Constituição garante do direito de propriedade, mas desde que ela cumpra sua

função social, ou seja, a Constituição estabelece o regime jurídico da propriedade, cabendo à

legislação infraconstitucional regular o seu exercício e definir o conteúdo e limites desse

direito.210

Com o advento da Constituição de 1988 o direito de propriedade deixa de

ter sua regulamentação exclusivamente privatista, baseada no Código Civil,

e passar a ser um direito privado de interesse público, sendo as regras para seu exercício determinadas pelo Direito Público e pelo Direito Privado. Este

processo de publicização do direito de propriedade é fundamental para a

implementação da legislação referente à proteção do meio ambiente, que

impõe limites ao exercício daquele direito.211

Assim, conclui-se que o respeito à função social da propriedade faz parte da própria

estrutura desse direito, ou seja, constitui o fundamento do regime jurídico da propriedade, que

somente será assegurado quando ela cumprir sua função social. Ainda, é possível dizer que a

função social “[...] introduziu, na esfera interna do direito de propriedade, um interesse que

pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é estranho ao mesmo [...]”.212

(grifo do autor).

A circunstância de a propriedade apresentar caráter dúplice, servindo ao individualismo e às necessidades sociais, impõe, pois, a necessidade de uma

compatibilização de conteúdos os diversos mandamentos constitucionais.

Enquanto direito individual (art. 5o, especificamente), o instituto da

propriedade como categoria genérica, é garantido, e não pode ser suprimido

da atual ordem constitucional. Contudo, seu conteúdo já vem parcialmente

209 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2.ed. São Paulo: Método, 2006, p.150. 210 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.262-

263. 211 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade. Revista de Direito Ambiental. São

Paulo: RT, n.09, p.69, jan./mar.1998. 212 COLLADO, Pedro Escribano. La propriedad privada urbana: encuadramiento y régimen. Madrid:

Montecorvo, 1973, p.118-123 apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13.ed.

São Paulo: Malheiros, 1997, p.274.

79

delimitado pela sua função social, assegurando-se a todos uma existência

digna nos ditames da justiça social.213

(grifo do autor)

A Constituição Federal, ao tratar da Ordem Econômica e Financeira, dá importante

contribuição para o entendimento do conteúdo constitucional do direito de propriedade, ao

estabelecer no Art. 170 que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos a

existência digna conforme os ditames da justiça social, estabelecendo entre seus princípios

norteadores a propriedade privada (inciso II) e a função social da propriedade (inciso III).214

Da maneira como se encontra inserida na Constituição, denota-se que o exercício

econômico da propriedade não pode mais ser realizado tendo em vista apenas os interesses

individuais de seu proprietário, mas deve buscar agregar algo para sociedade, ajustando-se à

nova tábua de valores estabelecida pela Constituição Federal, na busca de uma existência

mais digna.

O Código Civil de 2002, acompanhando esta tendência de funcionalização, a par de

reconhecer o direito de propriedade, estabelece que também deva cumprir sua função social,

ao prescrever no §1º do Art. 1228, que ela deve ser exercida em consonância com suas

finalidades econômicas e sociais.

Além disso, no §4º do mesmo dispositivo, prescreve a possibilidade de expropriação,

para o assentamento de considerável número de pessoas que houverem realizado em extensa

área, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e economicamente

relevante.215

Neste ponto, importa destacar a relação existente entre contrato e propriedade, tanto

em seu aspecto econômico como jurídico, pois, sendo o contrato, por excelência, o meio de

circulação de riquezas na sociedade, dentre as quais a propriedade, as repercussões desta

refletirão naquele e vice-versa.

Com exceção da justiça social, a Constituição não se refere explicitamente à

função social do contrato. Fê-lo em relação à propriedade, em várias passagens, como no art. 170, quando condicionou o exercício da atividade

213 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2.ed. São Paulo: Método, 2006, p.154. 214

BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.59. 215 Op.cit, p.239.

80

econômica à observância do princípio da função social da propriedade. A

propriedade é segmento estático da atividade econômica, enquanto o

contrato é seu segmento dinâmico. Assim, a função social da propriedade afeta necessariamente o contrato, como instrumento que a faz circular.

216

No campo econômico, é possível mencionar que os contratos devem ser realizados de

molde a proporcionar a redução dos custos de transação, ou seja, “[...] diminuindo o

desperdício de recursos na sociedade, e contribuindo para uma maior produtividade”,217

o que

acarretará uma exploração da propriedade mais eficiente.

Esta relação se reflete também no campo jurídico, pois, estando a função social da

propriedade prevista expressamente tanto na Constituição como na legislação ordinária, o

contrato também deverá ser compatibilizado e harmonizado com essas diretrizes, devendo,

assim, também cumprir sua função social, função esta, hodiernamente, expressamente

determinada pela legislação civil.218

Outro ponto relevante a destacar é que, da análise do Texto Constitucional, mais

especificamente os artigos 182 e 186, vislumbra-se que conteúdo da função social da

propriedade varia, em conformidade com a espécie de propriedade sob análise, ou seja, a

concepção para propriedade rural é uma, ao passo que para a propriedade urbana é outra,

diferenciação esta que também se reflete na função do contrato, cujo conteúdo pode variar de

acordo com a espécie de contrato sob análise.219

Desta forma, constata-se que o contrato, da mesma forma que a propriedade, deve

cumprir uma função social, uma vez que importante instrumento para a realização da

atividade econômica que, nos termos da Constituição Federal, deve realizar-se de forma a

compatibilizar o direito à livre iniciativa com a necessidade de respeito às questões sociais.

Infere-se, ainda, que nosso ordenamento não desconfigurou o instituto do contrato, ou

seja, não se apregoa que os contratos devam ser descumpridos em razão da função social. Os

contratos são realizados com vistas a seu fiel cumprimento, caso contrário haveria

insegurança jurídica para as relações negociais.

216

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2796>. Acesso em: 29ago.2009. 217 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.82. 218 Op.cit, p.82-83. 219 Op.cit, p.83.

81

É importante destacar que, embora o contrato tenha uma função social a

cumprir, sua função econômica não foi afastada. De maneira que, ao mesmo

tempo em que deve haver a conciliação entre os interesses particulares e os da coletividade, os direitos individuais devem se respeitados, vez que

também protegidos constitucionalmente. O contrato continua um

instrumento eficaz na finalidade de possibilitar a circulação e acumulação de

riquezas, mas, da mesma forma que propriedade, atualmente é regulado e limitado, com o objetivo de alcançar sua função social.

220

O que se pretende, na verdade, é que o seu exercício seja realizado em observância aos

mandamentos constitucionais e os novos paradigmas adotados, como, por exemplo, a boa-fé

objetiva, impedindo-se que, de instrumento destinado a proporcionar a livre circulação de

riquezas na sociedade e proporcionar o desenvolvimento da atividade econômica, seja

transformado em instrumento de opressão do mais forte sobre o mais fraco.

2.3.2 Função social do contrato

O contrato deve cumprir uma função social, preceito expressamente consagrado no

Código Civil de 2002, considerado por alguns uma cláusula geral, cuja utilização em larga

escala é uma das características deste estatuto civil, que as inseriu de forma dispersa por todo

o seu texto, ao contrário do que ocorria com o Código Civil de 1916 que, não obstante

também as estabelecesse, eram em quantidade muito mais restrita.221

O Código Civil de 1916 não se utilizava muito desta espécie normativa devido à sua

inspiração no Código Civil francês que, com a finalidade de fortalecer a burguesia,

estabeleceu um conjunto normativo que não dava margens para uma ampla interpretação dos

juízes, os quais deveriam ater-se com maior destaque à interpretação literal da lei.222

A substituição do individualismo típico do Estado Liberal para o reconhecimento da

relevância dos valores sociais levou à necessidade de se atribuir uma maior amplitude para a

220

GOMES, Daniela Vasconcellos. Os princípios da boa-fé e da função social do contrato e a teoria contratual

contemporânea. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, abr./jun.2006, n.26, p.96. 221 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.15-16. 222 ALVIM, Arruda. A função social dos contratos no novo código civil. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT,

ano 92, v.815, p.20, set.2003.

82

interpretação do julgador, a fim de que este pudesse realizar uma interpretação teleológica da

lei e não apenas ater-se ao seu sentido literal.223

Referida necessidade possibilitou a alteração da técnica legislativa que, ao contrário do

que ocorria até então, não precisava descrever as condutas de formas tão detalhadas,

possibilitando, assim, a introdução das chamadas cláusulas gerais, as quais por “[...] não

conterem, deliberadamente, elementos definitórios mais exaurientes, demandam ou exigem o

preenchimento de espaços por obra da atividade jurisdicional à luz da conjuntura e das

circunstâncias presentes no momento de aplicação da lei [...]”.224

Preliminarmente, cumpre destacar a diferenciação realizada pela doutrina entre as

cláusulas gerais, os princípios gerais do direito e os chamados conceitos legais

indeterminados. Assim, as cláusulas gerais seriam:

[...] formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e

abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que

natureza de diretriz. As cláusulas gerais contêm preceitos vagos no

antecedente (necessidade, grave dano, obrigação excessivamente onerosa, prestação manifestamente desproporcional, exceder manifestamente...), não

apresentando uma solução para o juiz. Será o magistrado que aplicará no

caso concreto a solução para aquele determinado caso, de acordo com as

circunstâncias próprias daquela situação fática específica.225

Por sua vez, os princípios gerais não se encontrariam positivados no ordenamento,

sendo utilizados pelo julgador para nortear a interpretação de uma norma, de um ato ou de um

negócio jurídico, ou seja, seriam “[...] regras estáticas que carecem de concreção. Têm como

função principal auxiliar o juiz no preenchimento das lacunas.226

E por fim, os conceitos legais indeterminados seriam:

223 ALVIM, Arruda. A função social dos contratos no novo código civil. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, ano 92, v.815, p.20-21, set.2003. 224 Op.cit, p.21. 225 SOARES, Renzo Gama. Breves comentários a função social dos contratos. In NERY, Rosa Maria Andrade

(coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.442. 226 NERY JR, Nelson. Contratos no código civil. In MARTINS FILHO, Ives Gandra, MENDES, Gilmar

Ferreira; FRANCIULLI NETTO, Domingos (org.). O novo código civil: estudos em homenagem ao professor

Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003, p.406 apud SOARES, Renzo Gama. Breves comentários a função social

dos contratos. In NERY, Rosa Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico.

São Paulo: RT, 2006, p.441-442.

83

[...] palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão

altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é

abstrato e lacunoso. Sempre se relacionam com a hipótese de fato posto em causa. Cabe ao juiz, no momento de fazer a subsunção do fato à norma,

preencher os claros e dizer se a norma atua ou não no caso concreto.

Preenchido o conceito legal indeterminado, a solução já está preestabelecida

na própria norma, sem exercer nenhuma função criadora.227

Desta forma, as cláusulas gerais se distinguiriam dos conceitos legais indeterminados

porque nestes a própria norma estabeleceria a solução para o caso concreto, ao passo que, nas

cláusulas gerais caberia ao juiz, no caso concreto, “criar” a solução mais adequada para a

questão apresentada, frisando-se que não se trata de uma atividade totalmente discricionária

do magistrado, uma vez que deverá fundamentar sua decisão, não lhe sendo conferido o poder

de atuar de forma contrária ao ordenamento constitucional ou infraconstitucional.

A introdução das cláusulas gerais, assim, possibilita ao intérprete e ao julgador, uma

maior liberdade para adequá-la à situação apresentada ao caso em concreto. Entretanto, sua

aplicação não pode desvencilhar-se dos demais princípios e regras existentes em nosso

ordenamento civil e constitucional.

Ao contrário, devem ser utilizadas de molde a harmonizá-los, interpretando-os

conjunta e sistematicamente, para conferir uma aplicação do direito de forma isonômica,

conferindo um determinado grau de previsibilidade e segurança jurídica.228

A função social do contrato, assim introduzida no Código Civil, pode ser considerada

como uma cláusula geral, que deve compatibilizar-se com as diretrizes trazidas pelo novo

Código, ou seja, com a eticidade, a socialidade e a operabilidade.

A eticidade está presente no Código Civil de 2002 e representa “[...] a característica da

norma de privilegiar o julgamento ético do operador do direito que aplicará a norma ao caso

concreto”,229

sendo possível também dizer que se apresenta:

227 NERY JR, Nelson. Contratos no código civil. In MARTINS FILHO, Ives Gandra, MENDES, Gilmar

Ferreira; FRANCIULLI NETTO, Domingos (org.). O novo código civil: estudos em homenagem ao professor

Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003, p.406 apud SOARES, Renzo Gama. Breves comentários a função social

dos contratos. In NERY, Rosa Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico.

São Paulo: RT, 2006, p.442. 228 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.11-20.

84

[...] consubstanciado na utilização constante de princípios, cláusulas gerais e

conceitos jurídicos indeterminados, os quais fazem referencias as expressões

cujos significados exigem uma atividade valorativa do julgador no tocante à aplicação da regra infraconstitucional e possibilitam a superação do apego ao

formalismo jurídico.230

Este se mostra muito importante na integração da norma jurídica, pois:

Quando o juiz integra a norma jurídica, como demonstrado anteriormente,

ele o faz com base também em seus princípios éticos. Esta liberdade foi

concedida exatamente pelo princípio da eticidade, que não se encontrava presente na codificação anterior, uma vez que a sociedade daquela época não

aceitava tais conceitos. O século XX foi primoroso em fazer o homem

reconhecer a importância da coletividade e, por tal razão, agir com mais

ética.231

A socialidade, por sua vez, busca “[...] preservar o sentido de coletividade muitas

vezes em detrimento de interesses individuais”,232

daí a função social do contrato. A

operabilidade, por sua vez, “[...] importa na concessão de maiores poderes hermenêuticos ao

magistrado, verificando, no caso concreto, as efetivas necessidades a exigir a tutela

jurisdicional”.233

Ou ainda, “[...] é princípio pelo qual os autores do Código tentaram colocar

as normas de forma mais prática possível. Foram dirimidas dúvidas comuns à comunidade

jurídica por meio de técnicas simples”.234

A função social do contrato se compatibiliza com a operabilidade, permitindo uma

evolução do instituto de acordo com a realidade prática que for se apresentando, já que é

conferido ao julgador um maior poder para a interpretação dos casos concretos,

229 SOARES, Renzo Gama. Breves comentários a função social dos contratos. In NERY, Rosa Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.442. 230 SOARES, Mário Lúcio Quintão; BARROSO, Lucas Abreu. Os princípios informadores do novo código civil

e os princípios fundamentais: lineamentos de um conflito hermenêutico no ordenamento jurídico brasileiro.

Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, abr./jun. 2003, n.14, p.51. 231 SOARES, Renzo Gama. Op.cit, p.442-443. 232 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 11.ed. São

Paulo: Saraiva, 2009, v.I, p.51. 233 Op.cit, p.52. 234 SOARES, Renzo Gama. Op.cit, p.442.

85

harmonizando-se a solução com as demais normas, que devem ser aplicadas de forma

conjunta e sistemática.235

Também se compatibiliza, com o postulado da socialidade, uma vez que o contrato

deve ser analisado não apenas sob o enfoque individual, mas também sob o enfoque coletivo,

ou seja, considerando que também produz efeitos para a coletividade, mas devendo-se ter

sempre presente que a aplicação da função social, não pode representar uma negação à livre

iniciativa consagrada pela Constituição Federal como um dos fundamentos da ordem

econômica.236

As duas considerações acima representam também, de certa forma, respeito à

eticidade, pois, ao permitir a harmonização dos casos concretos a todo o sistema de normas,

analisando também o contrato sob o enforque coletivo, sem negar a existência da livre

iniciativa significa agir de forma ética.

Importante destacar também, que mesmo não estivesse consignada expressamente no

novo Código Civil, a função social do contrato já decorreria da própria interpretação de nossa

Constituição, pois esta consagra, ao lado da livre iniciativa, a necessidade de existência da

livre concorrência e, não bastasse isso, reconhece expressamente a função social da

propriedade, da qual decorre a função social do contrato, como alhures mencionado.

Assim, nos termos do Art. 421 do novo Código Civil, a função social do contrato

representa a razão e limite ao tradicional princípio da liberdade contratual, pois:

A função social do contrato, no artigo 421 do Código Civil, parece (sic)

expressa como fundamento que justifica a liberdade de contratar (“razão”),

ao mesmo tempo como fronteira dentro da qual este liberdade pode se manifestar (“limites”). A liberdade de contratar estaria condicionada pela

função social do contrato.237

A livre iniciativa, reconhecida constitucionalmente, fundamenta a liberdade contratual,

pois é na atividade econômica que este princípio se manifesta. Porém, ao exercê-la, não pode

235 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.11-16. 236 Op.cit, p.23-28. 237 Op.cit, p.29-30.

86

o agente econômico frustrar outros princípios também garantidos constitucionalmente, como a

livre concorrência e o respeito às questões sociais.

Neste ponto revela-se a importância da função social, pois, não se concebe que o

contrato seja utilizado apenas como instrumento para a satisfação dos interesses individuais

dos contratantes, embora estes também sejam considerados, mas também deve ser utilizado

para agregar algo para a coletividade.

Como se vê, a atribuição de função social ao contrato não vem impedir que as pessoas naturais ou jurídicas livremente o concluam, tendo em vista a

realização dos mais diversos valores. O que se exige é apenas que o acordo

de vontades não se verifique em detrimento da coletividade, mas represente

um dos seus meios primordiais de afirmação e desenvolvimento.238

A função social do contrato apresenta grande abertura semântica, sendo conceito

aberto que não pode ser delimitado a priori, podendo representar, como visto, uma cláusula

geral, que confere ao julgador um grande poder para a apreciação dos casos concretos.

Não é possível descurar, porém, para o fato de que a função social do contrato deve ser

compatibilizada com a livre iniciativa e demais princípios de nosso ordenamento, razão pela

qual deve ser procurada uma delimitação para seu conteúdo, a fim de se evitar abusos e a

inviabilização da atividade econômica.

A função social do contrato, da mesma forma que a função social da propriedade,

integra o conteúdo do contrato, mas sua delimitação deve ser verificada caso a caso, de acordo

com a espécie de contrato que se está sendo analisado, pois, um contrato que trata de relações

de consumo, por exemplo, onde se presume a vulnerabilidade do consumidor, não pode ser

analisado da mesma forma que o contrato celebrado entre duas grandes empresas.

Na busca de sua delimitação, alguns autores entendem que a função social pode se

manifestar de duas maneiras, tanto no aspecto interno do contrato, ou seja, no que diz respeito

às partes contratantes, como no aspecto externo, ou seja, sob os reflexos que pode ocasionar

238 REALE, Miguel. A função social do contrato. Disponível em:

<http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 04set.2009.

87

na sociedade.239

Assim, tendo em vista sua importância para a compreensão do tema, serão

analisados nos tópicos que se seguem.

a) Função social – aspecto interno

A função social do contrato é uma realidade em nosso ordenamento, auferida tanto de

uma análise do Texto Constitucional, principalmente da função social da propriedade da qual

é um reflexo imediato, como dos fundamentos e princípios da ordem econômica. Não bastasse

isso, hoje vem expressamente consignada no Código Civil de 2002.

É preciso, assim, delimitar os contornos em que deve ser entendida, para que não se

tenha uma interpretação que inviabilize a atividade econômica, pois a liberdade de iniciativa é

garantida pela Constituição Federal, nem torne o contrato um instrumento de opressão do

mais forte sobre o mais fraco, em respeito aos valores sociais também garantidos.

O reconhecimento do aspecto interno da função social do contrato não é aceito por

todos os doutrinadores. Alguns deles, como Humberto Theodoro Junior, reconhecem apenas

seu aspecto externo, entendendo que o aspecto interno seria analisado com base no princípio

da boa-fé.240

Entretanto, é preciso compreender que “[...] o que acontece dentro de uma relação

contratual, mesmo que não afete diretamente terceiros, tem o potencial de propagar efeitos por

toda a sociedade. Logo, tem repercussões sociais”.241

Assim, reconhece-se que pode incidir

também no aspecto interno.

Reconhecer este aspecto interno implica, todavia, tomar a cautela de não defini-lo de

modo tão amplo a torná-lo excessivamente fluido, ou seja, um instrumento que possibilite

239

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.46. 240 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 3.ed. Rio de janeiro: Forense, 2008, p.31-

38. 241 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.72.

88

uma ampla e desmesurada intervenção no conteúdo dos contratos que traga uma situação de

insegurança e imprevisibilidade para as relações jurídicas.242

O contrato, então, existe para propiciar circulação da propriedade e

emanações desta, em clima de segurança jurídica. Assegurada esta função

sócio-econômica, pode-se cogitar de sua disciplina e limitação. Não se pode,

contudo, a pretexto de regular a função natural, impedi-la. A função social é um plus que se acrescenta à função econômica. Não poderá jamais ocupar o

lugar da função econômica no domínio do contrato.243

Este aspecto interno vem também corroborado pelos Enunciados n. 22 e n. 23

aprovados durante a I Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos da Justiça

Federal, onde se reconheceu que a função social do contrato assegura a realização de trocas

úteis e justas, além de ser um limitador do princípio da autonomia da vontade.244

Entretanto, como mencionado acima, não se pode conferir à função social do contrato

uma dimensão tão ampla que venha a justificar uma desmesurada intervenção no conteúdo do

contrato, inviabilizando sua primordial função que é a de promover a circulação das riquezas

na sociedade, embora não seja possível desconsiderar a situação de desigualdade entre as

partes que ocorrem em algumas espécies de contratações, notadamente, nas relações de

consumo.

Por isso, em seu aspecto interno, a função social precisa ser compreendida em relação

às normas de ordem pública editadas com a finalidade de proteger o contratante mais fraco, na

tentativa de restabelecer o equilíbrio do contrato, intervenção esta que pode se verificar antes

dos contratos serem firmados, numa intervenção que se opera diante da atuação do legislativo,

o que vem a conferir maior previsibilidade para os agentes econômicos que saberão de

antemão o que é ou não proibido.245

Podem ser mencionados, nesta esteira, os institutos da revisão do contrato por

onerosidade excessiva, da lesão e do estado de perigo, os quais apesar de conterem conceitos

242 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.58. 243

THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 3.ed. Rio de janeiro: Forense, 2008,

p.118. 244 BRASIL. Portal da Justiça Federal: Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Direito Civil. Disponível em:

<http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 16maio2009. 245 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.61-65.

89

abertos, uma vez que não é possível determinar de antemão, por exemplo, o que seria uma

extrema vantagem ou uma premente necessidade, não podem ser interpretados de forma

desarrazoada, devendo ser demonstrada sua adequação aos requisitos legais autorizadores da

incidência dos institutos.246

Por isso se diz que a função social do contrato funciona como uma diretriz

interpretativa dos outros institutos jurídicos, pois, da mesma forma que a propriedade, a

função social do contrato possui um conteúdo que varia de acordo com a espécie de contrato

de que se está tratando, não sendo possível a mesma interpretação quando se está diante de

um contrato de índole civil em que figuram com partes dois grandes empresários, ou quando

se está diante de um contrato de consumo, onde o ordenamento reconhece a vulnerabilidade

do consumidor.247

b) Função social – aspecto externo

Analisada a função social do contrato em seu aspecto interno, ou seja, naquilo que diz

respeito à relação entre as partes contratantes, cumpre agora analisar seu aspecto externo, ou

seja, seu papel ultra partes, o que para alguns seria uma eficácia social do contrato.248

Para a

compreensão deste aspecto é preciso ter em mente que o contrato não pode mais ser

concebido como algo que interessa apenas às partes contratantes, sem quaisquer reflexos para

a coletividade.

A idéia de função social do contrato está claramente determinada pela

Constituição Federal, ao fixar, como um dos fundamentos da República, o

valor social da livre iniciativa (art. 1º, inc. IV); esta disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente

interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. O contrato, qualquer

contrato, tem importância para toda a coletividade e essa asserção, pro força da Constituição, faz parte hoje, do ordenamento positivo brasileiro – de

246 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.67. 247 Op.cit, p.68. 248 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo:

Saraiva, 2004, p.132.

90

resto, o art. 170, caput, da Constituição da República, de novo, salienta o

valor geral, para ordem econômica, da livre iniciativa.249

(grifos do autor)

De fato, o contrato, configura importante instrumento para a circulação de riquezas na

sociedade, sendo idealizado para ser cumprido, respeitando-se os interesses das partes

contratantes, não se configurando lícito que elas, sem qualquer fundamento, deixem de

cumprir o pactuado. Entretanto, o postado da liberdade contratual não pode ser utilizado como

subterfúgio para as partes prejudicarem outras pessoas não intervenientes diretamente na

avença ou que terceiros interfiram na execução do contrato.250

Assim, o aspecto externo da função social do contrato se refere aos impactos que

possa provocar aos terceiros não contratantes, impactos que podem se produzir tanto de

dentro para fora, ou seja, os benefícios ou prejuízos que o contrato pode trazer a terceiros, ou

de fora para dentro, nos benefícios ou prejuízos que os terceiros podem ocasionar aos

contratantes.251

Nesta ótica, sem serem partes do contrato, terceiros têm de respeitar seus

efeitos no meio social, porque tal modalidade de negócio jurídico tem

relevante papel na ordem econômica indispensável ao desenvolvimento e aprimoramento da sociedade. Têm também os terceiros direito de evitar

reflexos danosos e injustos que o contrato, desviado de sua natural função

econômica e jurídica, possa a ter na esfera de quem não participou de sua pactuação.

252

A relatividade dos efeitos do contrato representa um tradicional dogma da teoria

contratual, concebendo-se que o contrato não poderia beneficiar ou prejudicar terceiros que

não tivessem participado da avença, concepção que, mesmo naquela época do Código Civil de

1916, já apresentava exceções.

249 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado –

direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e responsabilidade

aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v.750,

p.116, abr.2008. 250 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.223. 251 Op.cit, p.39. 252 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 3.ed. Rio de janeiro: Forense, 2008, p.32.

91

Entretanto, diante da concepção contemporânea de contrato, a relatividade dos efeitos

não pode ser analisada nos mesmos moldes em que foi concebida, tendo em vista que os

contratos podem refletir sobre a esfera jurídica de terceiros e que os terceiros não pode atuar

de forma a prejudicar o fiel cumprimento dos contratos, provocando uma maior relativização

deste postulado.253

Este entendimento vem reforçado pelo Enunciado n. 21, proferido durante a I Jornada

de Direito Civil, onde se reconhece que a função social do contrato é uma “[...] cláusula geral

que impõe uma revisão ao princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a

terceiros, implicando a tutela externa do crédito”,254

o que vem corroborado pelo Art. 608 do

novo Código Civil que prescreve a possibilidade do terceiro vir a indenizar quando realizar o

aliciamento de uma das partes contratantes.255

Para a compreensão deste aspecto externo, é preciso destacar, em primeiro lugar,

aquelas situações em que a própria legislação expressamente reconhece a possibilidade de o

contrato afetar terceiros estranhos ao negócio, excepcionando o princípio da relatividade,

como na estipulação em favor de terceiros, hipótese prescrita tanto no Código Civil de 1916

(Art. 1.098) como no Código Civil de 2002 (Art. 436), na qual “[...] uma parte convenciona

com o devedor que este deverá realizar determinada prestação em benefício de outrem, alheio

à relação jurídica-base”.256

Porém, é na possibilidade de reflexos dos contratos a terceiros fora dessas hipóteses

expressamente consagradas na lei, que reside o aspecto mais importante da função social do

contrato, pois “[...] a nova teoria contratual impõe, antes, e posto que sem essa igual

exigibilidade da prestação principal contratada, uma expansão da eficácia de qualquer

entabulação”.257

(grifos do autor)

253 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado –

direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e responsabilidade

aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v.750, p.116, abr.2008. 254 BRASIL. Portal da Justiça Federal: Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Direito Civil. Disponível em:

<http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em: 16maio2009. 255

FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.48. 256 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.101-102. 257 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo:

Saraiva, 2004, p.137.

92

Assim, referindo-se aos terceiros ao vínculo contratual, surge a chamada tutela externa

do crédito, mencionada no enunciado acima, significando que os direitos do credor, quando

constituídos de forma legítima por meio do vínculo contratual, não podem vir a ser

prejudicados por atitude de terceiros cientes deste vínculo, pois, preservar os resultados úteis

do contrato é dever não só das partes contratantes, mas também de toda a sociedade.258

O terceiro que se alia a uma das partes, influenciando para que o contrato não seja

cumprido, atua como terceiro cúmplice, devendo ser responsabilizado pelos danos causados a

outra parte, responsabilidade esta considerada aquiliana, teoria esta que encontra fundamento

no Art. 608 do Código Civil, que também é conhecida no direito norte americano sob a

denominação de Intencional Interference with Performance of Contract by Third Person:259

One Who intentionally and improperly interferes with the performance of a

contract (expect a contract to marry) between another and a third person by inducing or otherwise causing the third person not to perform the contract, is

subject to liability to the other for the pecuniary loss resulting from failure of

the third person to perform the contract.260

Assim, a função social do contrato obriga “[...] os terceiros a aceitarem e respeitarem a

existência do vínculo contratual, de forma a prestigiar a conservação do contrato e permitir

que este atinja os fins aos quais se destina, a partir dos objetivos perseguidos pelas partes na

contratação original”.261

Com relação à proteção dos terceiros estranhos ao contrato, existem aquelas hipóteses

em que os contratos possuem cláusulas com potencialidade de causar danos para a

coletividade, atingindo terceiros que não são parte, ou seja, aqueles que podem atingir

indeterminada quantidade de pessoas, como, por exemplo, nos contratos de consumo, onde

existe a figura do by stander.262

258 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.52. 259 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. A doutrina do terceiro cúmplice: a autonomia da vontade, o princípio

res inter alios acta, a função social do contrato e a interferência alheia na execução dos negócios jurídicos.

Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v.821, p.92-95, mar.2008. 260 Op.cit, p.93. 261 FONSECA, Rodrigo Garcia da. Op.cit, p.53. 262 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo:

Saraiva, 2004, p.143-144.

93

É possível mencionar ainda, os chamados contratos coligados, ou seja, aqueles “[...]

ajustes independentes e inter-relacionados que, podendo vincular pessoas diversas, podem

bem fazer-lhes oponível um contrato de que não fizeram parte”,263

bem como a contratação

coletiva, criando obrigações para aquelas partes que não intervieram na avença, como

acontece nas relações de consumo e o contrato compulsório como, por exemplo, a renovação

compulsória do contrato de locação, em que se preserva o negócio e os empregos, além de

estimular a economia.264

No caso das relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor estabelece as

hipóteses de responsabilidade do fornecedor por acidente de consumo e por vício do produto

ou do serviço, nas quais, havendo danos ou prejuízo ao consumidor, a responsabilidade será

objetiva, independente de culpa do fornecedor.265

Referido preceito é complementado pelo

Art. 931 do novo Código Civil, onde se prescreve que os empresários respondem

objetivamente pelos danos causados por seus produtos postos em circulação.266

Assim, é importante compreender que a função social do contrato reclama uma nova

interpretação do postulado da relatividade dos efeitos dos contratos, pois o contrato não pode

mais ser considerado como se proporcionasse efeitos apenas para as partes contratantes, mas

que se insere no meio social, provocando efeitos ultra partes, mesmo naquelas hipóteses não

expressamente previstas na legislação.267

Por todo o exposto, constata-se que, hodiernamente, o contrato possui uma nova

roupagem, devendo, nos mesmos termos em que ocorreu com a com a propriedade, cumprir

uma função social, função esta que decorre implicitamente da Constituição Federal e que vem

prescrita expressamente no Código Civil de 2002. A função social do contrato, assim, vem

constituir o fundamento do regime jurídico deste instituto, introduzindo um elemento que não

existia em sua concepção clássica, uma vez que preocupado apenas com os interesses

individuais das partes contratantes.

Os exatos limites dessa função social não foram definidos pela legislação

infraconstitucional, pois o Código Civil de 2002, apenas a prescreve com uma cláusula geral,

263 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo:

Saraiva, 2004, p.147. 264 FONSECA, Rodrigo Garcia da. A função social do contrato e o alcance do artigo 421 do Código Civil. Rio

de Janeiro: Renovar, 2007, p.235. 265 Op.cit, p.145-146. 266 Op.cit, p.229-230. 267 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Op.cit, p.151.

94

cujo conteúdo varia caso a caso, cabendo ao julgador, diante do caso concreto, concretizá-la

para melhor solução da questão que lhe for apresentada. Em razão disso, é preciso

compreendê-la em seus devidos termos, a fim de que, a pretexto de concretização desta

função, não seja inviabilizada a atividade econômica no país, a qual é constitucionalmente

assegurada, posta que a liberdade de iniciativa é um dos princípios da ordem econômica.

Analisando-se o conteúdo da função social, denota-se que se reflete no aspecto interno

da relação contratual, representando uma limitação à liberdade de contratar. Esta limitação

encontra-se presente em diversos dispositivos legais, como por exemplo, as disposições do

Código Civil, que estipulam a nulidade de cláusulas que estabeleçam renúncia antecipada a

direito resultante da natureza do negócio, bem como a hipótese de resolução do contrato por

onerosidade excessiva.

O Código de Defesa do Consumidor é pródigo em limitações à liberdade contratual,

mencionando-se a nulidade de pleno direito das cláusulas consideradas abusivas, bem como a

possibilidade de modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações

desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem

excessivamente onerosas.

Este aspecto interno da função social do contrato reflete-se também, na interpretação

dos contratos, fornecendo subsídios para que o contrato seja interpretado de modo a proteger a

parte mais fraca da relação contratual, proporcionando o restabelecimento do equilíbrio do

contrato.

O aspecto externo da função social do contrato apresenta-se como instrumento para

redimensionar o tradicional dogma da relatividade de seus efeitos, pois, o contrato, embora

celebrado entre as partes contratantes, acaba gerando reflexos em outras pessoas que não

participaram diretamente da avença, as quais podem opor-se ao contrato para que não lhes

venha a causar prejuízo, ou que estes terceiros abstenham-se de condutas que possam vir a

frustrar o normal desenvolvimento do contrato e sua primordial função.

Este aspecto da função social do contrato pode ser auferido dos expressos preceitos

legais que reconhecem os efeitos do contrato para além das partes contratantes, como o Art.

436 do Novo Código Civil (Art. 1.098, CC/1916), bem como para aquelas hipóteses em que

não existe esta expressa menção, sendo estas últimas o aspecto mais importante da função

social do contrato.

95

Os terceiros devem respeitar o contrato entabulado entre as partes, para que ele possa

proporcionar a circulação de riquezas na sociedade. As partes também devem respeitar os

terceiros, não agindo de modo a prejudicá-los, o que revela sua importante nos contratos de

consumo, onde é comum a existência de cláusulas que possuem a potencialidade de causar

danos para a coletividade.

A delimitação do conteúdo da função social, tanto seu aspecto interno, como em seu

aspecto externo, caberá ao julgador, que exerce um importante papel nessa concretização,

pois, diante do caso concreto deverá estabelecer o conteúdo dessa função social, de molde a

realizar a compatibilização entre a liberdade de iniciativa e as questões sociais.

Assim, em face da exigência da função social do contrato, este instituto não pode mais

ser visualizado da maneira como tradicionalmente constituído, pois os postulados tradicionais

do direito privado apresentam-se de forma mais relativizada, destacando-se neste ponto, a

liberdade contratual e a relatividade dos efeitos dos contratos, de molde que o julgador ao

analisar o contrato, não pode mais olvidar que os contratos, embora celebrados entre duas

partes originais, seus efeitos podem refletir-se para terceiras pessoas que não fazem parte da

avença.

2.4 VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

A preocupação com a igualdade é algo buscado desde épocas remotas, destacando-se a

revolução francesa, onde este ideal foi consagrado com a edição do Código Civil

Napoleônico. Porém, a igualdade defendida era apenas formal, o que relevou não ser

suficiente para tutelar os interesses das pessoas em face das posteriores alterações ocorridas,

demonstrando-se a existência de uma desigualdade real entre as partes, sendo necessária a

busca de uma igualdade material.268

Devido à sua repercussão para a sociedade, a própria Organização das Nações Unidas

(ONU) preocupou-se com a defesa do consumidor: em 1969, por meio da Resolução n. 2.542,

foi proclamada a Declaração das Nações Unidas sobre o Progresso e Desenvolvimento Social;

em 1973, o reconhecimento dos direitos fundamentais do consumidor; e, em 1985, seu avanço

268 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.30.

96

mais significativo, com a Resolução n. 39/248, com o estabelecimento de normas cuidando

minuciosamente da proteção do consumidor.269

Nesta esteira, a Constituição Federal de 1998, no Art. 5º, além de reconhecer, dentre

os direitos fundamentais, a igualdade de todos perante a lei, prescreveu instrumentos para a

concretização desta igualdade, ou seja, para a busca da igualdade material, destacando-se o

inciso XXXII, onde se prescreve que o Estado deverá promover a defesa do Consumidor.

Não bastasse isso, ao disciplinar sobre a ordem econômica e financeira, apesar de

assegurar a liberdade de iniciativa, estabeleceu que a atividade econômica devesse ter por fim

a busca de uma vida digna para a população, por meio de alguns princípios, dentre os quais

aparece novamente a defesa do consumidor.

A preocupação do constituinte com o consumidor, não se resumiu a estas normas,

posto que, pelo Art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, houve a

determinação para a elaboração de um Código de Defesa do Consumidor, que culminou com

a edição da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), logo no Art. 1º, apresenta o alcance de

suas normas, prescrevendo serem destinadas à proteção e defesa do consumidor, sendo de

ordem pública e interesse social, significando, assim, que seus preceitos “[...] são

inderrogáveis por vontade dos interessados em determinada relação de consumo, embora se

admita a livre disposição de alguns interesses de caráter patrimonial, como por exemplo, ao

tratar o Código da convenção coletiva de consumo em seu art. 107 [...]”.270

Neste ponto, apenas a título de argumentação, causa espanto o teor da Súmula 381

expedida pelo Superior Tribunal de Justiça, ao estabelecer que “[...] nos contratos bancários, é

vedado ao julgador conhecer, de ofício da abusividade das cláusulas”.271

Analisando referida Súmula, constata-se que realiza uma a interpretação

manifestamente contra legem, do mencionado Art. 1º, que prescreve que as normas do CDC

269 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p.04. 270

FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I – Disposições Gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al.

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU,

1999, p.24. 271 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=36>. Acesso

em: 01mar.2010.

97

são de ordem pública e interesse social, assim sendo, a nulidade de cláusulas contratuais –

mesmo que em contratos bancários – poderia ser conhecida de ofício pelo juiz.

Ressalte-se, ainda, que a questão da submissão dos contratos bancários às normas dos

CDC já havia sido pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI

n. 2.591 proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro, que pretendia excluir

de sua incidência as operações de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária,

prevista no § 2º e Art. 3º do mesmo estatuto, julgando improcedente referida ação.272

Não bastasse isso, o próprio Superior Tribunal de Justiça havia editado anteriormente

a Súmula n. 297, que enuncia: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às

instituições financeiras”.273

A proteção do consumidor deveu-se à constatação de ser ele o elo mais fraco da

relação de consumo, razão pela qual deveria ser protegido para que se pudesse garantir um

equilíbrio de forças entre as partes e realizar-se a igualdade material.274

Segundo Marcelo Amaral da Silva275

o “[...] entendimento da igualdade material deve

ser o de tratamento eqüânime e uniformizado de todos os seres humanos, bem como a sua

equiparação no que diz respeito às possibilidades de concessão de oportunidades” ao passo

que a igualdade formal “[...] seria a pura identidade de direitos e deveres concedidos aos

membros da coletividade através dos textos legais”.

Nossas constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da

igualdade, como igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com isonomia formal, no sentido de que a lei e sua aplicação

tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos. A

compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5º, caput, não deve

ser assim tão estreita. O intérprete há que aferi-lo com outras normas constitucionais, conforme apontamos supra e, especialmente, com as

exigência de justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem

social.276

(grifos do autor)

272 NUNES, Luís Antônio Rizzato. A ADIn dos bancos terminou: a vitória da cidadania. Disponível

em:<http://www.saraivajur.com.br>. Acesso em: 22set.2008. 273 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1799. 274 RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel. Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1, p.50. 275 SILVA, Marcelo Amaral da. Digressões acerca do princípio constitucional da igualdade. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4143>. Acesso em: 23fev.2010. 276 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.209.

98

Sobre essas outras normas constitucionais José Afonso da Silva esclarece que:

Reforça o princípio com muitas outras normas sobre a igualdade ou

buscando a igualização dos desiguais, pela outorga de direitos sociais

substanciais. Assim é que, já no mesmo art. 5º, I, declara que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Depois, no art. 7º, XXX e

XXXI, vêm regras de igualdade material, regras que proíbem distinções

fundadas em certos fatores, ao vedarem diferença entre salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor

ou estado civil e qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de

admissão do trabalhador portador de deficiência.277

(grifos do autor)

Em razão disso, o Art. 4º do CDC, ao prescrever a Política Nacional das Relações de

Consumo, estabelece a obrigação de que ela busque o atendimento das necessidades dos

consumidores, bem como a harmonia das relações de consumo, devendo respeito a alguns

princípios, enumerando em primeiro lugar, o reconhecimento de sua vulnerabilidade.

A vulnerabilidade do consumidor é reconhecida pelo próprio legislador constituinte,

pois reconhece que, na busca da igualdade material, algumas pessoas merecem tratamento

diferenciado pela própria Constituição, tratamento este que também deve realizar-se pelo

aplicador da lei e pelo legislador infraconstitucional. 278

O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e o estabelecimento de

instrumentos para sua proteção representam, em última análise, a concretização do comando

constitucional esculpido no Art. 3º, no sentido de que seja assegurada a dignidade da pessoa

humana, pois:

Com a introdução do CDC, estabeleceu-se um novo referencial normativo,

fomentador de uma pululante e auspiciosa jurisprudência, mais consentânea com as hodiernas exigências de fortalecimento do indivíduo-consumidor

frente às realidades e vicissitudes do mercado e da vida, dando maior

concreção ao princípio da dignidade da pessoa humana e à solidariedade qe lhe é devida também na seara econômica.

279

277 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13.ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.206-

207. 278 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p.36. 279

PETTER, Rafael Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance

do art. 170 da Constituição Federal. 2.ed. São Paulo: RT, 2008, p.261.

99

Assim, assegurando-se o consumidor em face das vicissitudes do mercado de consumo

lhe é assegurada sua dignidade como pessoa humana, neste caso pessoa-consumidor o que

também propicia a efetivação de sua igualdade nas relações de consumo, possibilitando que a

ordem econômica promova o desenvolvimento econômico sem se esquecer do

desenvolvimento do indivíduo socialmente considerado.

2.4.1 O consumidor vulnerável

Consultando os léxicos, tem-se que vulnerabilidade é a “[...] qualidade ou estado de

vulnerável”280

ou, doutrinariamente, a qualidade “[...] daquele que está suscetível, por sua

natureza, a sofrer ataques. No Direito, vulnerabilidade é o princípio segundo o qual o sistema

jurídico brasileiro reconhece a qualidade do agente mais fraco na relação de consumo.”281

O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da Política Nacional das Relações de

Consumo em seu Art. 4º, expressamente reconheceu a vulnerabilidade do consumidor como

um de seus princípios norteadores, princípio considerado basilar para a defesa do consumidor,

sendo que, no entendimento de Rizzato Nunes, estaria implicitamente inserido no próprio

Texto Constitucional:

Da mesma forma é de observar que a Constituição reconhece a

vulnerabilidade do consumidor. Isto porque, nas oportunidades em que a

Carta magna manda que o Estado regule as relações de consumo ou quando põe limites e parâmetros para a atividade econômica, não fala simplesmente

em consumidor ou relações de consumo. O Texto constitucional refere-se à

defesa do consumidor, o que pressupõe que este necessita mesmo de

proteção.282

Importante esclarecer que a defesa do consumidor não representa um embate entre o

setor de produção e o setor de consumo, mas sim, um meio de harmonizar os interesses

envolvidos, tanto que, apesar de almejar o atendimento das necessidades dos consumidores,

280 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2.ed. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.1792. 281 BRITO, Alírio Maciel de Lima de; DUARTE, Haroldo augusto da Silva Teixeira. O princípio da

vulnerabilidade e a defesa do consumidor no direito brasileiro: origem e conseqüências nas regras

regulamentadoras dos contratos e da publicidade. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8648>. Acesso em: 13set.2008. 282 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p.36.

100

preocupa-se também “[...] com a transparência e harmonia das relações de consumo, de molde

a pacificar e compatibilizar os interesses eventualmente em conflito”.283

O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, também não representa uma

afronta ao princípio da isonomia consagrado na Constituição Federal, pelo contrário,

representa justamente sua efetivação no plano das relações de consumo, pois “[...] a regra da

igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se

desigualam”.284

A inserção em nosso ordenamento de instrumentos mais eficazes para a concretização

do princípio da igualdade contribuiu para uma nova visualização do contrato individual,

atribuindo-lhe uma dimensão mais social, tendo em vista a expressa menção feita em nosso

Código Civil acerca da função social do contrato, havendo a agregação de efeitos sociais que

se relutavam em reconhecer.285

Por meio do CDC o Estado estabeleceu regras para promover o restabelecimento do

equilíbrio da relação contratual, pois, é notório que numa relação de consumo, o consumidor é

o ente mais fraco, já que é o fornecedor quem detém as informações, técnicas e científicas,

sobre as regras de produção, é o especialista em seu ramo de atividade e o consumidor, muitas

vezes, não tem acesso a essas informações ou, diante da dinamicidade das relações atuais, não

lhe despertada a curiosidade em conhecê-las.286

O consumidor, em sua acepção ampla, é aquele sujeito que se utiliza do

fornecimento de produtos ou da prestação de serviços, de tal modo que sua

situação é de submissão ao poder dos fornecedores, já que a escolha de bens de consumo não poderá exceder ao que se oferece no mercado. E é,

justamente, essa submissão que originou e fundamentou a criação deste

princípio [vulnerabilidade], de onde se parte do pressuposto de que o

consumidor depende dos empresários, fornecedores, dentre outros, para a manifestação de sua vontade, o que inevitavelmente o torna a parte mais

frágil da relação em estudo.287

283 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p.10. 284

BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/aosmocos.htm>.

Acesso em: 28set.2009. 285 RAGAZZI, José Luiz. A intervenção de terceiros fornecedores no Código de Defesa do Consumidor. Bauru:

Edite, 2006, p.107. 286 Op.cit, p.110. 287 Op.cit, p.110.

101

A vulnerabilidade se relaciona com a idéia de hipossuficiência, porém, diante do que

estabelece o CDC, é possível distingui-las, no sentido de que a vulnerabilidade se refere a

todos os consumidores, considerando-a como um conceito de direito material, sobre o qual

paira uma presunção absoluta, bastando que se trate de um consumidor não profissional.288

Por sua vez, a hipossuficiência seria um conceito de direito processual, que se refere a

alguns consumidores individual e particularmente considerados, incidindo, regra geral, uma

presunção relativa, admitindo-se prova em contrário, mencionando-se como exemplo o Art.

6º, VII, do CDC, que possibilita a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, desde

que demonstrada sua hipossuficiência e a verossimilhança de sua alegação.289

Por não ser o especialista no produto ou serviço que está adquirindo, por não

conhecer profundamente esse produto ou serviço – enquanto o fornecedor tem o dever de ser um especialista no que fornece – o consumidor adentra na

relação de consumo muito menos aparelhado para contratar, ou seja, com

uma natural vulnerabilidade para a contratação. Esse traço comum à praticamente todos os consumidores, que faz deixá-los em certa

inferioridade quando da contratação, pode, porém, tornar-se ainda mais

agravado para uma parcela deles, no caso, aqueles que sejam portadores de determinadas características ou deficiências que os prejudicam sobremaneira

na contratação. Temos aí a hipossuficiência, que constitui-se uma

vulnerabilidade substancialmente agravada pelas condições peculiares do

consumidor.290

(grifo do autor)

É possível mencionar como exemplo de vulnerabilidade do consumidor, o seguinte

fato: ao comprar um litro de leite o consumidor não tem condições de saber se aquele produto

é realmente puro ou se contém alguma outra substância em seu conteúdo, haja vista que não

conhece e não tem acesso ao processo de produção do produto. Assim, ao adquiri-lo, confia

nas informações fornecidas pelo produtor de que o leite é realmente puro.

Já com relação à questão da hipossuficiência, José Geraldo Brito Filomeno291

apresenta um exemplo esclarecedor. Um consumidor é vítima de um acidente automobilístico

em que o laudo apresentado pela perícia realizada pela Polícia Civil apresenta como causa do

acidente a ruptura de uma das rodas do veículo.

288 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.35-36. 289 Op.cit, p.35-36. 290

PRUX, Oscar Ivan. A responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do consumidor. Belo

Horizonte: Del Rey, 1998, p.50. 291 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.367.

102

Assim, ao ingressar com competente ação judicial o consumidor apresenta como prova

inicial dos fatos alegados esta constatação preliminar apresentada pelos peritos. O juiz, caso

se convença de que este laudo aparenta ser a expressão da verdade, aliada à presunção de

vulnerabilidade do consumidor, chega à conclusão de que ele é hipossuficiente, determinando

a inversão do ônus da prova, ou seja, cabe à montadora do veículo a prova de que a roda não

apresentava qualquer vício.

Cláudia Lima Marques entende pela existência de quatro espécies de vulnerabilidade:

técnica, jurídica, fática e a informacional.292

A primeira, significa que o consumidor, não

possui todos os conhecimentos técnicos acerca dos produtos e serviços que adquire, pois, na

grande parte das vezes, atua na qualidade de leigo, de um não-profissional.293

Ricardo Luís Lorenzetti leciona que esta vulnerabilidade existe quando “[...] el

comprador no posee conociementos específicos a algún servicio y por ello puede ser

particularmente explotado, y ella se presume en el caso del consumidor no profesional.”294

A vulnerabilidade jurídica ou científica significa a falta de conhecimentos específicos

acerca de questões jurídicas, contábeis ou econômicas, vulnerabilidade esta que, segundo a

autora mencionada, seria presumida para os consumidores não-profissionais e consumidor

pessoa física, sendo que a pessoa jurídica deveria demonstrá-la no caso concreto.295

Neste

caso, Lorenzetti leciona:

[...] en neste caso hay una falta de conociemento jurídicos específicos, o

existe una falta de experiência en la contratación. El consumidor en este caso

firma contratos con cláusulas sorpresivas, abusivas, contrae obligationes engañado por lo que propaganda sugere, assume obligationes determinables

conforme a complejos cálculos econômicos que desconoce completamente y

hay una falta de experiência que lo debilita y que es aprovechada por

otros.296

Por seu turno, a vulnerabilidade fática ou sócio-econômica representaria a posição de

superioridade econômica ou de monopólio, fático ou jurídico, do fornecedor frente ao

292

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.320. 293 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.36. 294 LORENZETTI, Ricardo Luís. Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003, p.40. 295 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.322-323. 296 LORENZETTI, Ricardo Luís. Op.cit, p.40-41.

103

consumidor, o que poderia fazer com que impusesse essa condição aos consumidores que com

ele contratam.297

Lorenzetti, também reconhece que: “[...] Este tipo de vulnerabilidad es social y

econômica, y por ello se la há denominado fáctica: se refiere a la situación de hecho previa a

la decisón que toma el consumidor.”298

Complementa, lecionando que ela apresenta duas

faces, uma relacionada ao fornecedor e outra relacionada ao consumidor, nos seguintes

termos:

1) El oferente: se trata de uma falla del mercado em la que hay monopólio o

posición dominante, caracterizada por que no existe el suficientemente grado

de competitividad para assegurar la liberdad de elegir. [...] Esta se estructura se da de manera:

- General: cuando se trata de oferentes monopólicos o cuasimonopólicos

.- Especial: cuando se produce una cautividad especial en una relación

jurídica. 2) El consumidor: el consumidor normal puede comportarse racionalmente si

tiene información adecuada. Sin embargo, hay consumidores que estan

debajo del standard normal, y sufren coacción econômica que les impide actuar libremente. Se trata de los supuestos de subconsumidores o

consumidores especiales, que tratamos al examinar la relación de

consumo.299

Por fim, a vulnerabilidade informacional, que poderia ser abrangida pelo conceito de

vulnerabilidade técnica, mas é destacada como espécie própria por Cláudia Lima Marques,

devido à relevância que a informação apresenta nos dias atuais, sendo que “[...] a falta desta

representa intrinsecamente um minus, uma vulnerabilidade um tanto maior quanto mais

importante for esta informação detida pelo outro”.300

Esta vulnerabilidade significaria, assim,

a imposição de um dever aos fornecedores de realizar a compensação deste déficit, porque

seria a única forma de preservar o equilíbrio necessário nas relações de consumo.

Ainda, no que se refere à vulnerabilidade do consumidor, cabe mencionar o inciso II

do Art. 4º do CDC, que trata do princípio da necessidade de ação governamental no sentido

de proteger efetivamente o consumidor, que seria um princípio decorrente da vulnerabilidade,

ou conforme os ensinamentos de João Batista de Almeida:

297 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.323. 298 LORENZETTI, Ricardo Luís. Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003. Op.cit, p.39. 299 Op.cit, p.39-40. 300 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.329-330.

104

O princípio da presença do Estado nas relações de consumo é, de certa

forma, corolário do princípio da vulnerabilidade do consumidor, pois se há o

reconhecimento da situação de hipossuficiência, de fragilidade e desigualdade de uma parte em relação a outra, está claro que o Estado deve

ser chamado a proteger a parte mais fraca, por seus meios legislativos e

administrativos, de sorte a garantir o respeito de seus interesses.301

O Estado, apesar de já estar atuando, pois consagra na própria Constituição Federal a

defesa do consumidor, necessita, para a concretização deste princípio, não somente o

desenvolvimento de atividades neste sentido, sendo necessário que também que se promova a

instalação de órgãos públicos de defesa do consumidor, bem como se incentive a criação de

associações civis com o mesmo objetivo.302

Essa autorização para a ação governamental como verdadeiro poder-dever é

dada a fim de que a proteção do consumidor e a harmonia das relações de consumo se realizem de forma efetiva, seja para atuação direta do Estado, ou

por incentivo dos particulares, individualmente ou através de associações

criadas para a defesa dos consumidores. De tal modo que o Poder Público, em caráter meramente intervencionista no plano econômico nas últimas

décadas recebeu, no âmbito jurídico, esse poder/dever para intervir na

proteção do consumidor, não devendo e não podendo se omitir.303

Constata-se, assim, que o consumidor é considerado pelo nosso ordenamento, o ente

mais frágil da relação de consumo, sendo importante delimitar quem pode ser considerado

como tal, pois, caso haja fluidez na sua conceituação, sua proteção poderia se tornar inócua.

2.4.2 Conceito de consumidor

Analisada a questão da vulnerabilidade que, como já mencionado, além de estar

expressamente consignada no Código de Defesa do Consumidor (CDC), está também

301

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p.11. 302 FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I – Disposições Gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al.

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU,

1999, p.56. 303 RAGAZZI, José Luiz. A intervenção de terceiros fornecedores no Código de Defesa do Consumidor. Bauru:

Edite, 2006, p.114.

105

implícita no Texto constitucional, resta agora analisar quem é o sujeito sobre o qual incide

esta vulnerabilidade, no caso das relações de consumo, quem seria consumidor nos termos de

nosso ordenamento jurídico.

Temos dito que a definição de consumidor do CDC começa no individual, mais concreto (art. 2º, caput), e termina no mais geral, mais abstrato (art.

29). Isto porque, logicamente falando, o caput do art. 2º aponta aquele

consumidor real que adquire concretamente um produto ou serviço, e o art. 29 indica o consumidor do tipo ideal, um ente abstrato, uma espécie de

conceito difuso, na medida em que a norma fala da potencialidade, do

consumidor que presumivelmente exista, ainda que não possa ser

determinado.304

O próprio CDC cuidou de trazer o conceito de consumidor, porém, “[...] em face da

complexidade das matérias que cuida, o Código não se contentou com um único conceito de

consumidor. Há um geral (art. 2º, caput) e três outros por equiparação (arts. 2º, parágrafo

único, 17 e 29)”.305

Assim, para melhor sistematização da matéria, estes conceitos de

consumidor stricto sensu e consumidor equiparado serão apresentados em tópicos distintos.

a) Consumidor stricto sensu

O conceito geral de consumidor ou, ainda, de consumidor stricto sensu, é fornecido

pelo Art. 2º do CDC, que prescreve como tal, tanto a pessoa física ou como a pessoa jurídica,

as quais, adquirindo serviços ou produtos no mercado, o fazem como destinatário final.

Em princípio, quando se pensa em consumidor, geralmente vem a mente uma noção

subjetiva, ou seja, aquele não profissional que realiza negociações com um comerciante ou

empresário. Entretanto, pela descrição realizada pelo artigo em referência, é possível dizer

que, a princípio, foi adotada uma concepção mais objetiva, pois é reconhecida a qualidade de

304 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p.72. 305 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Das práticas comerciais. In In GRINOVER, Ada Pellegrini,

et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro:

FU, 1999, p.223.

106

consumidor tanto à pessoa física como à pessoa jurídica, sendo que o único traço restritivo é a

exigência de que adquiram ou utilizem produto ou serviço como destinatário final.306

Referida definição não oferece maiores problemas para a identificação da pessoa física

que adquire produtos ou serviços para satisfação de interesses pessoais, sem fins lucrat ivos. A

problemática é estabelecida, principalmente, quando se consideram as pessoas físicas que

adquirem produtos ou serviços para fins não-pessoais, ou mesmo a pessoa jurídica que, por

definição do CDC, também pode ser considerada consumidora stricto sensu, problemática que

se debate em torno do que significaria a locução “destinatário final”.

O CDC, segundo alguns, estabeleceu um conceito econômico de consumidor,

caracterizando-o, como a pessoa física ou jurídica, [...] que no mercado de consumo adquire

bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que

assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para desenvolvimento

de uma outra atividade negocial.”307

Porém esta definição não é aceita por todos os doutrinadores, tanto que se

desenvolveram duas correntes para a conceituação de consumidor, os maximalistas e os

finalistas.308

Os maximalistas realizam uma interpretação literal do CDC, entendendo que toda

pessoa física ou jurídica que adquire bens é consumidora, não cabendo ao intérprete

excepcionar a pessoa jurídica quando o legislador não o fez, não importando “[...] seja

economicamente forte ou não, se adquiriu um produto ou serviço para utilizá-lo em sua

atividade ou cadeia produtiva. Ou seja, para essa corrente é desinfluente o elemento

teleológico ou da finalidade desse „consumo‟, bastando a destinação fática do produto”.309

Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando

se a pessoa física ou jurídica tem ou não o fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático

306 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.302-303. 307 FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I – Disposições Gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al.

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU,

1999, p.26-27. 308 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.203. 309 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.44-45.

107

do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome [...].310

(grifos do autor)

Os finalistas, por sua vez, entendem que é necessário realizar-se uma interpretação

teleológica, desdobrando o vocábulo destinação final, em destinação fática e econômica, não

bastando a ocorrência da primeira (retirada o produto ou serviço do mercado), sendo

necessário que também ocorra a destinação final econômica (colocar um fim à cadeia de

produção).311

Desta forma, quando empresas que adquirem produtos ou serviços para o exercício de

sua atividade-fim, escapam do conceito de consumidor, ao contrário do que ocorre quando

esta aquisição não se destina a tal destino.312

Não se inclui na definição legal, portanto, o intermediário, e aquele que compra com o objetivo de revender após montagem, beneficiamento ou

industrialização. A operação de consumo deve encerrar-se com o

consumidor, que utiliza ou permite que seja utilizado o bem ou serviço adquirido, sem revenda. Ocorrida esta, consumidor será o adquirente da fase

seguinte, já que o consumo não teve, até então, destinação final.313

Ricardo Luís Lorenzetti esclarece que a legislação argentina também não reconhece a

qualidade de consumidor quando a destinação do produto ou serviço não põe fim à cadeia de

produção, pois: “La ley argentina establece que „No tendrán el carácter de consumidores o

usuarios, quienes adquieran, alamacenen, utilicen o consumam bienes o servicios para

intergraros em procesos de producción, transformación o prestación a terceros‟ (art. 2º)”.314

Cláudia Lima Marques entende correta a posição finalista, pois seria necessária a

restrição da figura do consumidor para que haja a tutela da parcela da sociedade que é mais

vulnerável, pois “[...] se a todos considerarmos „consumidores‟, a nenhum trataremos

310

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.304-305. 311 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.45. 312 Op.cit, p.45. 313 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p.28-29. 314 LORENZETTI, Ricardo Luís. Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003, p.91.

108

diferentemente, e o direito especial de proteção imposto pelo CDC passaria ser um direito

comum, que já não mais serve para reequilibrar o desequilibrado e proteger o não-igual”.315

Entretanto, salienta a autora que, após o advento do Código Civil de 2002, vem

surgindo uma nova tendência jurisprudencial a permitir que, nas questões envolvendo

pequenas empresas, mesmo que tenham adquirido produtos para sua atividade-fim, quando

demonstrada concretamente sua vulnerabilidade frente ao fornecedor, seja reconhecida como

consumidora.316

Como exemplos desta nova orientação, são mencionados dois julgamentos proferidos

pelo Superior Tribunal de Justiça, nos quais empresas com fins lucrativos são,

excepcionalmente, consideradas como consumidoras.

No primeiro julgamento, havia uma empresa com fins lucrativos que utilizava o

fornecimento de energia elétrica para viabilização de sua atividade, reconhecendo-se que,

neste caso, em face da hipossuficiência concreta da empresa, seria possível um abrandamento

da teoria finalista para considerá-la consumidora.317

O segundo exemplo refere ao julgamento em que envolvia uma drogaria,

reconhecendo que ela teria a qualidade de consumidora, uma vez que utilizava serviços de

cartão de crédito para a comercialização de seus produtos, sendo considerada como

destinatária final deste serviço.318

Esta nova tendência parece compatível com o “espírito” do CDC, que busca a proteção

da parte vulnerável da relação contratual, pois, não parece razoável que se observe o mesmo

tratamento quando se está diante de dois grandes empresários ou quando um deles é um

pequeno comerciante. Neste último caso, comprovada sua vulnerabilidade, acredita-se

perfeitamente cabível seu enquadramento como consumidora.

315 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.337-338. 316 Op.cit, p.347-348. 317 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n.661.145-ES. Quarta Turma. Relator: Ministro Jorge

Scartezzini. Brasília 22 de fevereiro de 2005. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400662207&dt_publicacao=28/03/2005>. Acesso

em: 27set.2009. 318 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CC n. 41056-SP. Segunda Seção. Relator p/acórdão: Ministra Fátima

Nancy Andrighi. Brasília 23 de junho de 2004. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200302274186&dt_publicacao=20/09/2004>. Acesso

em: 27set.2009.

109

b) Consumidor equiparado

Analisado o conceito de consumidor stricto sensu é preciso analisar quais são os

consumidores por equiparação, os quais são delimitados nos artigos 2º, 17 e 29 do CDC, cada

qual com suas particularidades. Esclarecendo que os dois últimos chamados de consumidores

by standard.

Em princípio, cumpre analisar o consumidor equiparado definido no parágrafo único

do Art. 2º do CDC, ou seja, a coletividade de pessoas que houver participado da relação de

consumo, regra que, em vez proteger um consumidor individualmente considerado, protege a

coletividade de consumidores, determinados ou indeterminados.

Este dispositivo representa uma norma genérica aplicável a todos os capítulos e seções

do CDC, permitindo uma extensão do conceito de consumidor que abranja um número

indeterminado de pessoas que possam ser prejudicadas em razão de uma dada relação de

consumo, o que significa uma proteção aos direitos de massa.319

Como exemplo, “[...] a massa

falida pode figurar na relação de consumo como consumidora ao adquirir produtos, ou, então,

o condomínio, quando contrata serviços.320

[...] o que se tem em mira no parágrafo único do art. 2º do Código do Consumidor é a universalidade, conjunto de consumidores de produtos e

serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que

relacionados a um determinado produto ou serviço, perspectiva essa extremamente relevante e realista, porquanto é natural que se previna, por

exemplo, o consumo de produtos perigosos ou então nocivos, beneficiando-

se, assim, abstratamente as referidas universalidades e categorias potenciais de consumidores. Ou, então, se já provocado o dano efetivo pelo consumo de

tais produtos ou serviços, o que se pretende é conferir à universalidade ou

grupo de consumidores os devidos instrumentos jurídicos processuais para

que possam obter a justa e mais completa reparação dos responsáveis [...].321

(grifos do autor)

319 RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel. Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1, p.31. 320 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p.84. 321 FILOMENO, José Geraldo Brito. Capítulo I – Disposições Gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al.

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU,

1999, p.35.

110

A relevância desta disposição é ressaltada quando se constata que ela “[...] dá

legitimidade para a defesa dos direitos coletivos e difusos, previstas no Título III da lei

consumerista (artigos 81 a 107) [...]”,322

sendo importante instrumento de proteção ao

consumidor.

Realmente, na sociedade atual é comum que um produto ou um serviço seja oferecido

a consumo com algum pequeno vício como, por exemplo, um papel higiênico com quantidade

menor do que a oferecida habitualmente. Nestes casos, devido ao pequeno valor do produto, o

consumidor individualmente considerado poderia ver-se desestimulado a ingressar em juízo

para pleitear qualquer reparação, questão que se modifica quando se permite uma tutela

coletiva desses interesses.

A segunda hipótese de consumidor por equiparação é prescrita pelo Art. 17 do CDC,

que protege o terceiro by standard, considerando consumidor todas as vítimas do evento,

regra que se aplica somente à seção da responsabilidade do produto ou do serviço, porque o

dispositivo é expresso neste sentido, possibilitando, assim, que a vítima de um acidente de

consumo se valha, por exemplo, da regra acerca sobre responsabilidade objetiva prevista no

CDC.323

[...] estende a proteção legal a todos os que tenham se envolvido em eventual acidente decorrente de uma relação de consumo, como por exemplo, todos

os envolvidos no trágico acidente da TAM, no aeroporto de Congonhas, no

mês de julho de 2007, quer sejam os passageiros, os funcionários que trabalhavam no prédio atingido, ou até mesmo os transeuntes que passavam

pela rua no momento do acidente.”324

Com este dispositivo identifica-se um consumidor fora da relação contratual

originária, protegendo as pessoas mesmo não tendo figurado na relação obrigacional, possam

ser atingidas pelo acidente de consumo, como na hipótese de uma pessoa que adquire um

produto contaminado no mercado que vem a ser consumido por seu vizinho, o qual, não

322 NUNES, Luís Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p.84. 323 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.356. 324 RAGAZZI, José Luiz; HONESKO, Raquel. Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1, p.32.

111

existisse esta regra deveria propor uma ação indenizatória com fundamento no Código Civil,

onde deveria demonstrar a culpa do fornecedor.325

Ao equiparar toda e qualquer vítima do acidente de consumo ao consumidor,

o CDC fez avançar o ordenamento jurídico brasileiro, criando uma outra

espécie de relação obrigacional, que não nasce nem do contrato nem do ato

ilícito, mas do simples fato do produto ou do serviço, ainda que sem culpa do fabricante, ou seja, por um ato lícito, causar danos a terceiros não

consumidores stricto sensu.326

Finalizando as hipóteses de consumidor por equiparação, tem-se o Art. 29 que, ao

tratar das práticas comerciais, considera consumidor todas as pessoas, determináveis ou

indetermináveis, expostas às práticas comerciais previstas naquele capítulo, bem como no

capítulo que trata proteção contratual. Especial para a proteção das vítimas de publicidade e

propaganda.

Aqui também se protege o consumidor by standard, aquele terceiro que mesmo não

sendo parte originária da relação contratual, está exposto às práticas comerciais, mesmo que

não tenha realizado nenhum contrato de consumo. Esta proteção ocorre na fase pré-contratual,

diante mesmo da oferta e da publicidade, por vezes enganosa ou abusiva, pois, se já houver

contratado, será enquadrado como consumidor stricto sensu, nos termos do Art. 2º do CDC.327

Consumidor, nos termos do mencionado dispositivo, pode ser qualquer pessoa,

identificada individualmente ou que pertença a uma coletividade indeterminada, que esteja

simplesmente exposta à prática comercial, não sendo necessário, desta forma, apontar um

consumidor que esteja prestar a adquirir um determinado produto ou serviço, o que se releva

importante para a prevenção em abstrato dessas práticas comerciais.328

Por meio deste dispositivo é possível proteger os consumidores em face de práticas

abusivas realizadas no mercado de consumo, sendo, inclusive, fundamento para se proteger,

excepcionalmente, as pessoas jurídicas, mesmo quando adquiram produtos para o exercício de

sua atividade fim, pois, como menciona Cláudia Lima Marques:

325

KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.53-54. 326 Op.cit, p.54. 327 Op.cit, p.50. 328 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Das práticas comerciais. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et

al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU,

1999, p.224.

112

Parece-nos que, para harmonizar os interesses presentes no mercado de

consumo, para reprimir eficazmente os abusos do poder econômico, para

proteger os interesses econômicos dos consumidores finais, o legislador colocou um poderoso instrumento nas mãos daquelas pessoas (mesmo

agentes econômicos), expostos às práticas abusivas. Estas, mesmo não

sendo „consumidoras stricto sensu‟, poderão utilizar as normas especiais do

CDC, seus princípios, sua ética de responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas.

329

Os Tribunais já se manifestaram neste sentido, mencionando-se decisão, em que se

ampliou o conceito de consumidor para abranger uma empresa em sua relação com instituição

financeira onde se discutia cláusulas de um contrato de crédito rotativo, entendendo-se que

seria possível o controle de cláusulas abusivas diante do preceito do Art. 29 do CDC.330

Outro exemplo pode ser conferido em julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça

do Estado do Paraná que, em ação revisional considerando que, nos termos do Art. 29 do

CDC, os tomadores de crédito bancário ou usuários de quaisquer serviços prestados por

instituição financeira, no caso, contrato de financiamento para aquisição da casa própria, são

considerados consumidores por equiparação.331

Por todo o exposto, constata-se que nosso ordenamento, de maneira implícita pela

Constituição Federal e expressa pelo CDC, reconhece a necessidade de salvaguardar o ente

mais fraco da relação contratual, havendo nas relações de consumo, o expresso

reconhecimento de que este ente é o consumidor, presumindo-se sua vulnerabilidade.

O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor tem por fim o restabelecimento

do equilíbrio nas relações de consumo, onde é flagrante a desigualdade entre as partes. Porém,

para que esta proteção seja efetiva é preciso uma correta delimitação do que seja consumidor,

para que não ampliado em demasia, tornando a proteção inócua.

Assim, os preceitos do CDC devem ser analisados de forma a não excluir o ente

vulnerável, bem como para não incluir quem não se encontra nessa situação. Por isso, correta

329 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.359-360. 330 BRASIL. Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 192188076. Segunda Câmara Cível.

Relator: Juiz Paulo Heerd. Porto Alegre 24 de setembro de 1992. Disponível em:

<http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/index.php>. Acesso em: 26set.2009. 331 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n. 0148370-3. Quinta Câmara Cível.

Relator: Desembargador Domingos Caminha. Curitiba 23 de março de 2004. Disponível em:

<http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/JurisprudenciaResultado.asp>. Acesso em:

26set.2009.

113

a corrente finalista, que analisa a destinação econômica do bem ou serviço adquirido,

ressalvando-se que, em casos excepcionais, pode haver uma relativização desse conceito, para

reconhecer como consumidora a pessoa jurídica adquire bens com fins lucrativos, desde que

demonstrada a sua vulnerabilidade.

114

3 PROTEÇÃO E REVISÃO CONTRATUAL

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), após reconhecer a vulnerabilidade do

consumidor, cuidou de estabelecer instrumentos para sua efetiva proteção, com vistas a

promover o equilíbrio contratual nas relações de consumo, tanto que, no Art. 4º estabeleceu a

vulnerabilidade dentre os princípios regentes da Política Nacional das Relações de Consumo.

O CDC, ainda com a finalidade da eficaz proteção do consumidor, prescreveu seus

direitos básicos no Art. 6º, dentre os quais se destacam: a proteção do consumidor contra

cláusulas consideradas abusivas (IV) e a possibilidade de modificação ou revisão de cláusulas

contratuais, quando, respectivamente, estabeleçam prestações desproporcionais, ou quando

estas prestações se tornem excessivamente onerosas em razão da ocorrência de fatos

supervenientes (V).332

Referida proteção contratual se mostra relevante, devido ao reconhecimento da

vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, mas não significa um direito ao

consumidor para descumprir o pactuado e causar insegurança nas relações comerciais, pois,

como leciona Humberto Theodoro Júnior:

Em todas essas hipóteses, o objetivo do legislador não foi o de fragilizar ou

inutilizar o instituto do contrato, tornando-o simplesmente rompível

unilateralmente pelo consumidor. Em nome do princípio da boa-fé o que se visou, antes de tudo, foi aperfeiçoar o negócio jurídico, revendo suas bases

para torná-lo eqüitativo, seja por reequacionamento das prestações seja por

eliminação das cláusulas abusivas.333

(grifos do autor).

Com relação a esta proteção contratual o autor leciona, ainda, que:

332

BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.801-802. 333 THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.26.

115

Na verdade, a lei protetiva do consumidor não lhe outorgou, nem mesmo

diante das cláusulas abusivas e do desequilíbrio das prestações, poder de

denunciar o contrato, por meio de simples exercício de direito potestativo (resilição unilateral). Uma faculdade como essa importaria eliminação

completa da força obrigatória do contrato, o que, evidentemente, não se

mostra compatível com as necessidades de segurança do comércio jurídico e

com os próprios e claros propósitos do Código de Defesa do Consumidor.334

(grifos do autor)

Esta proteção contratual se refere a todos os contratos que regem as relações de

consumo, abrangendo tanto os “[...] „contratos de comum acordo‟ (de gré a gré), ditos

também individuais, bem como os contratos de adesão”.335 A proteção contra as cláusulas

abusivas será objeto de análise na seqüencia, enquanto a possibilidade de modificação e

revisão contratual será analisada em item posterior.

3.1 CLÁUSULAS ABUSIVAS

A proteção contratual do consumidor é realizada de duas maneiras: na fase pré-

contratual e no momento da formação do vínculo, quando são estabelecidos os direitos

básicos do consumidor ao lado de deveres para os fornecedores. A segunda forma de proteção

é realizada a posteriori, quando o contrato já está formalmente perfeito, por meio do

estabelecimento de cláusulas consideradas abusivas, visando restabelecer o equilíbrio

contratual do contrato.336

O CDC não traz a definição de cláusulas abusivas, contentando-se apenas em trazer

um rol exemplificativo no Art. 51, culminando-as de nulidade, cabendo à doutrina sua

conceituação. Assim cláusula abusiva seria “[...] aquela que é notoriamente desfavorável à

parte mais fraca na relação contratual [...]. A existência de cláusula abusiva no contrato de

consumo torna inválida a relação contratual pela quebra do equilíbrio entre as partes [...]”.337

334

THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.26. 335 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.472. 336 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.897-898. 337 NERY JUNIOR, Nélson. Op.cit, p.489.

116

O novo Código Civil também traz algumas normas sobre as cláusulas abusivas

presentes nos contratos de adesão, ressalvando-se que essas cláusulas podem estar presentes

em quaisquer espécies de contratos. Ora, se até mesmo a legislação civil que trata de relações,

regra geral, estabelecidas entre partes em posição de igualdade, com muito mais razão a

proteção contra essas cláusulas abusivas virem previstas no CDC, haja vista o expresso

reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, necessitando de

especial tutela para o restabelecimento equilíbrio contratual.338

A doutrina costuma distinguir as cláusulas abusivas do abuso de direito. “O abuso de

direito não se refere ao teor da cláusula contratual elaborada, mas ao exercício de direito

subjetivo do qual não se discute mais a sua existência, validade e eficácia, porém há excesso

ou imoderação, na conduta do respectivo titular”.339 Pode-se dizer, assim, que a conduta

inicial é lícita, mas o resultado é ilícito, onde o ordenamento sanciona tal conduta com a

negação de efeitos daquela vontade declarada por meio do exercício abusivo de um direito.340

As cláusulas abusivas também são contrárias ao direito, porém o são desde o início,

desde o momento de sua inserção em um contrato, pois o caráter de abusividade é

concomitante com a formação do contrato e para considerá-las como tal não há que se

perquirir acerca boa-fé ou má-fé do estipulante.341

Aquela [cláusula abusiva] se refere a uma vantagem desproporcional,

estabelecida no conteúdo da avença, em prol de uma das partes, que seja o

caso de formulação conjunta dos dispositivos ou de contrato pré-redigido – no contrato de adesão, invariavelmente o beneficiário é o predisponente. É

cláusula excessiva, onerosa para o aderente.342

Traços característicos das cláusulas abusivas são: o seu fim, ou seja, a estipulação de

condições mais vantajosas para aquele que pré-estabelece o conteúdo do contrato em

338

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.898. 339 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2000, p.226. 340 MARQUES, Claudia Lima. Op.cit, p.900-901. 341 Op.cit, p.901-904. 342 LISBOA, Roberto Senise. Op.cit, p.225.

117

detrimento do aderente; e o seu efeito, consistente no desequilíbrio contratual em decorrência

da ausência de reciprocidade e unilateralidade dos direitos assegurados às partes.343

O CDC prescreve um rol exemplificativo de cláusulas abusivas nos dezesseis incisos

do Art. 51 e no Art. 53, merecendo destaque o inciso IV do primeiro dispositivo, ao

prescrever serem consideradas abusivas as cláusulas que estabelecerem “[...] obrigações

consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou

sejam incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade”.

O inciso IV do mencionado Art. 51, é reconhecido como uma regra geral sobre

cláusulas abusivas, proibindo qualquer espécie de abuso, tendo como paradigmas, a boa-fé e a

eqüidade. A eqüidade é considerada no sentido de equilíbrio contratual e vantagem

exagerada.344

O §1º do Art. 51 prescreve os casos em que se considera exagerada a cláusula

contratual. Nos termos de seu inciso I, presume-se exagerada aquela cláusula que “ofende os

princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence”, norma que possui estreita ligação

com aquela estabelecida no inciso XV do Art. 51, segundo o qual se consideram abusivas as

cláusulas que estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor.345

Assim, por exemplo, quando “[...] o contrato dispuser sobre matéria de Direito Civil,

enquadrar-se-á na presunção de exagero a cláusula que derrogar os princípios fundamentais

desse ramo do direito, o mesmo ocorrendo com a cláusula que estipular vantagem ao

fornecedor, derrogando princípios do Direito Comercial e Administrativo”.346

O inciso II presume exagerada a cláusula que “restringe direitos ou obrigações

fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio

contratual”.347

Neste dispositivo não se exige a presença de efetivo desequilíbrio contratual,

uma vez que o legislador já presume a vantagem exagerada todas às vezes que a cláusula

343 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.905. 344 NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3.ed. São Paulo:Saraiva, 2008, p.659-662. 345

BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.806. 346 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.520. 347 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.806.

118

ameace o objeto do contrato, destacando-se que tal análise vai depender do caso concreto, ou

seja, da natureza e da espécie de contrato sob análise.348

Por fim, o inciso III presume exagerada a cláusula que “se mostra excessivamente

onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse

das partes e as circunstâncias peculiares do caso”.349

Esta norma está relacionada com o princípio da equivalência material, ocorrendo sua

incidência nos casos em que, após a celebração do contrato, fatos supervenientes venham a

tornar a cláusula onerosa para o consumidor, onerosidade esta que será aferível objetivamente

segundo análise do caso concreto.350

Assim, havendo onerosidade excessiva, o consumidor poderá pleitear: a modificação

da cláusula contratual, para restabelecer o equilíbrio da avença (Art. 6º, V, CDC); a revisão do

contrato em razão de fatos supervenientes, que escapam aos acontecimentos decorrentes dos

riscos normais do negócio, e que não foram previstos pelas partes no momento da celebração

da avença (Art. 6º, V, CDC); a nulidade da cláusula quando não for possível a integração ou

manutenção do negócio.351

No que se refere às cláusulas abusivas, resta importante mencionar o §2º do Art. 51,

que trata do princípio da conservação do contrato. Segundo esta norma, a nulidade de cláusula

contratual não contaminará todo o contrato, quando for possível a integração do negócio de

modo a não ocasionar ônus excessivo para as partes, ou seja:

[...] a interpretação das estipulações negociais, o exame das cláusulas

apontadas como abusivas e a análise de presunção exagerada devem ser

feitas de modo a imprimir utilidade e operatividade ao negócio jurídico de consumo, não devendo ser empregada solução que tenha por escopo negar

efetividade à convenção negocial de consumo.352

Percebe-se, assim, que a finalidade da proteção não é destruir o instituto do contrato,

fundamental para o exercício da atividade econômica e para a circulação das riquezas. O que

348 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.521. 349

BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.806. 350 NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3.ed. São Paulo:Saraiva, 2008, p.661-662. 351

BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.802. 352 NERY JUNIOR, Nélson. Op.cit, p.522.

119

se almeja é que as contratações sejam equilibradas e que as partes mais fortes não se

aproveitem dessa situação para inserir cláusulas com vantagens exageradas para si em

detrimento da outra parte, principalmente quando esta outra parte for um consumidor, para o

qual é expressamente reconhecida sua condição de vulnerabilidade.

Por fim, destaca-se que, embora as cláusulas abusivas possam estar presentes em

qualquer espécie de contrato e não apenas nos contratos de adesão, é nestes que aparecem em

maior quantidade, razão pela qual esta forma de contratação será analisada mais detidamente

no item que segue.

3.2 CONTRATOS DE ADESÃO

Diante da produção em massa, conseqüência dos tempos modernos, os produtores se

viram diante da necessidade de realizar contratos por meio de uma nova técnica, que

possibilitasse maior rapidez para sua efetivação, surgindo, assim, o contrato de adesão, o qual

se trata “[...] de um fenômeno típico das sociedades de consumo, que não mais prescindem,

por inegáveis razões econômicas, das técnicas de contratação em massa”.353

Referida técnica de contratação trouxe muitas vantagens para consumidores e

fornecedores. Para os primeiros, porque proporcionava rapidez e maior previsão de riscos.

Para os segundos, porque os contratos seriam os mesmos para todos os consumidores, não

importando sua classe social e a redução dos custos da empresa proporcionaria uma redução

dos preços dos produtos.354

Os contratos de adesão diferenciam-se dos chamados contratos paritários, ou seja,

aqueles em que as partes estariam em real igualdade de condições para decidir entre querer ou

não contratar, de escolher a pessoa com quem contratar e estar em condições de discutir ou

fixar as cláusulas e condições do contrato.355

No contrato de adesão, por seu turno, há uma mitigação desta liberdade, pois as

cláusulas já estão predispostas pelo fornecedor, podendo, então, entender que seu elemento

353 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.121. 354 MANDELBAUM, Renata. Contratos de adesão e contratos de consumo. São Paulo: RT, 1996, p.127. 355 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.27.

120

essencial seria “[...] a ausência de uma fase pré-negocial decisiva, a falta um debate prévio das

cláusulas contratuais e, sim, a sua predisposição unilateral, restando ao outro parceiro a mera

alternativa e aceitar ou rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante.”356

Os contratos de adesão podem também ser diferenciados dos chamados contratos-tipo,

pois, apesar de se aproximarem em razão de possuírem cláusulas pré-estabelecidas, os

primeiros destinam-se a um grupo indeterminado de pessoas, ao passo que nos segundos os

contratantes são identificáveis e suas cláusulas decorrem de uma “[...] vontade paritária de

ambas as partes”.357

Assim, contratam, por exemplo, as empresas de um determinado setor da indústria e ou comércio com um grupo de fornecedores, podendo ou não

estar representadas por associações respectivas. No contrato-tipo, o âmbito

dos contratantes é identificável. No contrato de adesão, as cláusulas apresentam-se predispostas a um número indeterminado e desconhecido, a

priori, de pessoas.358

Diferencia-se, ainda, dos chamados contratos-ditados, nos quais o conteúdo de um

determinado contrato é estabelecido, “ditado” por uma lei ou por um regulamento

administrativo, como no caso dos contratos de consórcio cujo conteúdo é estabelecido por

meio de portaria ministerial.359

Doutrinariamente, o contrato de adesão é definido da seguinte forma: “El contrato se

celebra por adhesion cuando la redación de sus cláusulas corresponde a una sola das partes,

mientras que la outra se limita a aceptarlas o rechazarlas, sin poder modificarlas [...]”.360 Ou

ainda:

[...] aquele em que todas as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, de modo que a outra, no geral mais fraca e na necessidade de

contratar, não tem poderes para debater as condições, nem introduzir

356 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.71-72. 357 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2.ed. São

Paulo: Atlas, 2002, v.2, p.384. 358 Op.cit, p.384. 359 MARQUES, Cláudia Lima. Op.cit, p.72-73. 360 LORENZETTI, Ricardo Luís. Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003, p.234.

121

modificações, no esquema proposto. Este último contraente aceita tudo em

bloco ou recusa tudo por inteiro.361

A doutrina, ainda, faz uma distinção entre contrato de adesão e contrato por adesão. O

primeiro seria aquele no qual o aderente não pode rejeitar as cláusulas pré-estabelecidas, o

que se daria em algumas contratações com o poder público, como, por exemplo, as cláusulas

gerais para o fornecimento de energia elétrica. Contrato por adesão, por seu turno, seria

aquele em que o pretenso aderente pode rejeitar as cláusulas pré-estabelecidas, devendo

aceitá-las ou recusá-las em bloco.362

Entretanto, esta discussão perdeu fôlego com o advento do Código de Defesa do

Consumidor que tratou de definir o contrato de adesão no Art. 54, como sendo “[...] aquele

cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas

unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir

ou modificar substancialmente seu conteúdo”,363

englobando, assim, as duas definições

anteriores.

É possível, assim, extrair as seguintes características do contrato de adesão:

uniformidade, predeterminação unilateral, rigidez e abstração. A uniformidade significa que o

estipulante quer estabelecer o mesmo conteúdo contratual para o maior número de

contratantes, haja vista a exigência de racionalidade de sua atividade econômica, bem como

para garantir maior segurança nas contratações.364

A predeterminação unilateral significa que é o fornecedor quem estipula as cláusulas

contratuais anteriormente a celebração da avença, não havendo qualquer discussão com o

aderente para definir o seu conteúdo, ressalvando-se que “[...] a simples uniformidade não é

suficiente para se considerar um contrato como de adesão, pois é imprescindível que tais

cláusulas uniformes sejam impostas por somente uma das partes.”365

361 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 28.ed. São Paulo:

Saraiva, 2002, v.3, p.44. 362

NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.551. 363 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.807. 364 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.122. 365 Op.cit, p.122.

122

A rigidez advém do fato de que, “[...] além de uniformemente predeterminadas, não é

possível rediscutir as cláusulas do contrato de adesão, sob pena de descaracterizá-lo como

tal”.366

Existe a abstração porque o fornecedor pré-estabelece o conteúdo do contrato com a

finalidade de atingir todos aqueles que possam vir a efetuar com ele uma relação jurídica

futura, ressaltando-se que estas cláusulas somente têm eficácia concreta a partir do momento

em que houver a efetivação do vínculo contratual, pois, apesar de serem abstratas dependem

da adesão do outro contratante para sua concretização.367

Ricardo Luís Lorenzetti, analisando a legislação argentina, enumera como

características do contrato de adesão, a predisposição, a generalidade e a rigidez, definindo-as

da seguinte forma:

1. Predisposición: que una de las partes redacte las cláusulas, antes de

ponerse em contacto com la oferta. Esta redacción pude ser efectuada por un tercero, como cuando se hace un contrato em base a um modelo standard

que provee uma cámara empresarial.

2. Generalidad: que la redacción sea con alcance general, esto es, para

muchos contratos.

3. Rigidez: es decir que sus cláusulas se establecen em bloque sin

possibilidad de discutirlas en forma particularizada.368

(grifos do autor)

O CDC estabelece um regramento geral e um especial para os contratos de adesão. 369

O regramento especial está contido nos parágrafos do Art. 54. O regramento geral é

estabelecido no artigo 46 (e seguintes), especialmente no que se refere à interpretação do

contrato.

Com relação ao regramento especial, menciona-se, em primeiro lugar, que não

desnatura sua característica de adesão, o fato de ser inserida qualquer cláusula no formulário,

não importando tratar-se de cláusula essencial ou acidental, objetivando que não se fuja à

366 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.123. 367 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2000, p.158. 368 LORENZETTI, Ricardo Luís. Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003, p.233. 369 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.155.

123

aplicação do mencionado dispositivo apenas pelo fato de serem inseridas algumas cláusulas

manuscritas ou datilografadas.370

A segunda regra diz respeito à possibilidade de inserção de cláusula resolutória no

contrato de adesão. O CDC admite sua presença, trazendo uma novidade, a necessidade de

que seja alternativa, ou seja, que possibilite ao consumidor a opção entre rescindir o contrato

com direito ao recebimento de perdas e danos ou exigir o cumprimento da obrigação,

recordando-se que os contratos, regra geral, possuem cláusula resolutória tácita, decorrente do

inadimplemento de uma das partes, nos termos do que estabelece o Código Civil.371

Faz-se necessário, também, que o contrato de adesão seja regido de forma clara, com

caracteres ostensivos e legíveis, sendo que, conforme alteração determinada pela Lei n.

11.785/08, os caracteres devem possuir fonte de tamanho nunca inferior a doze, a fim de

facilitar a compreensão do consumidor, o que se justifica, pois, sendo as cláusulas contratuais

pré-estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor revela-se deveras importante que o

consumidor tenha plena consciência das obrigações que assumirá e, para isso, é necessário

que as cláusulas sejam claras e de fácil compreensão.372

Esta regra consagra a adoção do princípio da legibilidade das cláusulas contratuais,

permitindo que o consumidor tome conhecimento de seu conteúdo por meio de uma simples

leitura, impedindo que a inserção de estipulações em letras diminutas a dificultem. Esta

disposição não afasta o fornecedor do seu dever de informação, de esclarecimento acerca do

conteúdo contratual, tido de molde a garantir maior segurança para as relações contratuais, o

que também serve como garantia da liberdade contratual do consumidor.373

Ainda, o CDC, no §4º do Art. 54, estabelece que as cláusulas que impliquem renúncia

ou limitação de direito do consumidor devem ser redigidas de forma destacada, de modo a

permitir ao consumidor sua fácil e imediata compreensão,374

o que é corolário da regra

anterior de que os contratos de adesão escritos devem possuir termos claros com caracteres

ostensivos e legíveis.

370

NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.552. 371 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.156. 372 Op.cit, p.155-156. 373 NERY JUNIOR, Nélson. Op.cit, p.553-554. 374 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.807.

124

Ora, se o consumidor tem o direito de compreender de forma imediata as cláusulas que

lhe são apresentadas, como muito mais razão quando estas estabelecem renúncia ou limitação

de seus direitos. Esta a razão da regra, para que seja chamada a atenção do consumidor para

referidas cláusulas, permitindo, assim, uma avaliação real e correta de seus termos, impedindo

que seja induzido a erro por falta de compreensão de seu conteúdo.375

Com relação ao regramento geral, o Art. 46 estabelece que o contrato no qual não é

conferida oportunidade de prévio conhecimento do conteúdo ou é redigido de modo a

dificultar sua compreensão não obriga o consumidor, dispositivo que é corolário do direito

básico do consumidor à informação, expressamente previsto no Art. 6º, III, do CDC. Segundo

Rizzato Nunes seria também uma decorrência do princípio da transparência, esculpido no Art.

4º do CDC.376

O direito à informação clara e precisa é uma decorrência do princípio da boa-fé e deve

existir em todo modelo contratual, sendo dever do predisponente fornecer ao consumidor

todas as informações referentes ao negócio a ser celebrado, dever este que existe desde o

momento da oferta, abrangendo as condições de execução do negócio, índices de reajuste

etc.377

A norma do mencionado Art. 4º se desdobra em duas partes. A primeira se refere ao

dever fornecedor de dar oportunidade ao consumidor sobre o conteúdo do contrato,

significando que o consumidor deve tomar efetivo conhecimento de seu conteúdo, pois:

[...] não satisfaz a regra do artigo sob análise a mera cognoscibilidade das

bases do contrato, pois o sentido teleológico e finalístico da norma indica dever o fornecedor dar efetivo conhecimento ao consumidor de todos os

direitos e deveres que decorrerão do contrato [...].378

(grifos do autor)

A segunda parte do dispositivo proíbe a inserção de cláusulas que dificultem a

compreensão do consumidor sobre seu alcance e conteúdo, o que significa não apenas a

necessidade do emprego de termos comuns, mas também que o sentido das palavras seja claro

375 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.156. 376 NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3.ed. São Paulo:Saraiva, 2008, p.624. 377 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos. 2.ed. São Paulo: RT, 2000, p.163. 378 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.474.

125

e preciso, sendo que, para sua averiguação, prescinde-se da análise da intenção do fornecedor

no momento de sua inserção, uma vez que tal dever é decorrente da boa-fé que deve nortear

as relações contratuais, estando também vinculado ao fenômeno da oferta que, nos termos do

Art. 31 do CDC, deve ser correta, clara, precisa, ostensiva e em língua portuguesa.379

O Art. 48, por seu turno, estabelece a vinculação pré-contratual do fornecedor, ao

prescrever que as declarações de vontade constantes em escritos particulares, recibos e pré-

contratos vinculam o fornecedor, possibilitando, inclusive, a execução específica da

obrigação, regra que se assemelha aquele estabelecido no Art. 30 do mesmo estatuto que

confere caráter vinculante à oferta.380

No que se refere aos pré-contratos, recibos e escritos particulares, existe uma

“manifestação negocial do fornecedor”,381 justificando-se a imposição, como regra para esses

casos, da execução específica da obrigação em caso de inadimplemento, fugindo à concepção

tradicional de que o inadimplemento se resolve em perdas e danos, cujas regras para seu

processamento vem estabelecidas no próprio CDC no Art. 84 e respectivos parágrafos.

O CDC trata também do direito de arrependimento do consumidor nas vendas

realizadas fora do estabelecimento (Art. 49), a ser exercido dentro do prazo de sete dias a

contar da assinatura do contrato ou do recebimento da mercadoria, prescrevendo-se também o

direito à devolução dos valores eventualmente pagos ao fornecedor.

Referida proteção se justifica, pois, nesta espécie de contratação, o consumidor não

consegue analisar todas as características do produto a ser adquirido, bem como está mais

sujeito a agir sob impulso, influenciado pelas técnicas utilizadas pelos vendedores e

anunciantes, presumindo-se, nestes casos, que o consumidor está menos prevenido e menos

preparado do que quando decide dirigir-se a um determinado estabelecimento para realizar

uma compra.382

O conceito de venda fora do estabelecimento possui várias acepções, estabelecendo o

artigo em análise serem exemplos desta espécie a venda por domicílio e a por telefone.

Ressalte-se, que este direito pode ser exercido sem qualquer necessidade de motivação por

parte do consumidor, razão pela qual, inclusive, alguns doutrinadores preferem a utilização da

379 NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3.ed. São Paulo:Saraiva, 2008, p.625. 380 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.806. 381 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.478. 382 NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Op.cit, p.637.

126

expressão “prazo de reflexão”, não se exigindo nenhuma forma específica para utilização

deste direito.383

A contagem do prazo de sete dias é iniciada a partir da assinatura do contrato, quando

o produto é entregue no mesmo ato, ou do recebimento da mercadoria quando esta se dá em

momento posterior, prazo cuja contagem segue as normas estabelecidas pelo Código Civil,

sendo que, como o prazo é contado em favor do consumidor, considera-se a data da expedição

do aviso ao fornecedor sobre sua intenção de utilizar de seu direito de arrependimento.384

Ressalte-se que, ao exercer seu direito de arrependimento, as despesas de frete,

postagem ou quaisquer outros encargos ficarão a cargo do fornecedor, uma vez que a este

cabe o risco de sua atividade. Porém, é possível que se estipule a responsabilidade ao

consumidor quando este atue com dolo ou culpa grave, não sendo possível o estabelecimento

de cláusula genérica determinando o ressarcimento pelas referidas despesas, pois

inviabilizaria o exercício do direito conferido no dispositivo em referência.385

O Art. 50 estabelece que, havendo garantia contratual, ela será somada à garantia

legalmente estabelecida pelo Código, não sendo possível a substituição da segunda pela

primeira, pois esta é obrigatória e inderrogável. Exigindo-se, ainda, nos termos do parágrafo

único do mesmo dispositivo, que esta garantia seja conferida por escrito, bem como seja

padronizada para que possa atingir uniformemente todos os consumidores que adquiriram o

mesmo produto ou serviço.386

O dispositivo estabelece, ainda, os requisitos mínimos que a garantia contratual deve

conter: forma, prazo e o lugar em que puder ser exercida e os ônus a cargo do consumidor,

sendo que esta garantia faz parte do contrato de consumo, havendo, assim, o dever do

fornecedor de esclarecer ao consumidor sobre os efetivos termos desta garantia, ressaltando-

se que o referido termo deverá ser preenchido pelo fornecedor tão logo seja finalizado o

contrato de consumo, não se admitindo seja entregue em branco, havendo também a

obrigatoriedade de entrega do manual de instruções.387

383

NUNES, Luís Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 3.ed. São Paulo:Saraiva, 2008, p.637-639. 384 Op.cit, p.640. 385 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.483-484. 386 Op.cit, p.485. 387 Op.cit, p.485-486.

127

Por todo o exposto demonstra-se que o contrato de adesão é um instrumento

indispensável para a sociedade atual, cumprindo apenas observar que esta técnica de

contratação pode levar os seus estipulantes a inserem cláusulas com vantagens para si e

desvantagens para o outro contratante, ou mesmo conter cláusulas, as quais, como analisado

no item anterior, são proibidas pelo nosso Código de Defesa do Consumidor.

Desta forma, agiu bem o legislador ao estabelecer um regramento especial para os

contratos de adesão, devendo-se também respeito às regras gerais de contratação do CDC,

para que o contrato de adesão não seja um instrumento de opressão do mais forte sobre o mais

fraco e possa haver o restabelecimento do equilíbrio entre as partes contratantes.

Na verdade, o necessário é que a técnica contratual seja utilizada de modo a respeitar

os fundamentos constitucionalmente estabelecidos para a ordem econômica, além da boa-fé

objetiva e da função social do contrato, hoje expressamente reconhecidos em nosso

ordenamento infraconstitucional.

Por isso, o CDC estabeleceu regras de interpretação para estes contratos, bem como

hipóteses em que é possível a decretação de nulidade das cláusulas contratuais quando se

revelarem abusivas ou mesmo hipóteses em que se mostra possível a revisão do contrato. É o

que se analisará na seqüência.

3.3 INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO EM FAVOR DO CONSUMIDOR

Nosso Código Civil não possui capítulo específico sobre regras de interpretação, o

que, segundo Pablo Stolze, foi uma boa opção do legislador. Entretanto, é possível dizer que

nosso Código estabelece regras gerais de interpretação dos contratos, dispostas de forma

esparsa pelo seu texto, sendo que a doutrina as divide em regras de caráter subjetivo e regras

de caráter objetivo.388

As regras de caráter subjetivo cuidam da manifestação da vontade, sendo a regra

básica estampada no Art. 112 do novo Código Civil, no sentido de que as declarações de

vontade são interpretadas dando mais atenção à intenção nelas consubstanciada do que ao

388 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.170-171.

128

sentido literal da linguagem, ou seja, o hermeneuta deve buscar na própria declaração de

vontade a intenção das partes.

O hermeneuta deve, então, com base inicial na declaração, procurar o

verdadeiro alcance da vontade e, como quer o Código, dar proeminência à

vontade interna. Nessa pesquisa, o intérprete examinará o sentido gramatical

das palavras e frases, os elementos econômicos e sociais que cercaram a elaboração do contrato, bem como o nível intelectual e educacional dos

participantes, seu estado de espírito no momento da declaração etc.389

(grifo

do autor)

As regras de caráter objetivo dizem respeito ao exame do contrato e serão utilizadas

quando houver dúvida quanto à intenção das partes contratantes, analisando as regras editadas

pelo legislador ou preconizadas pela doutrina, tomando “[...] o contrato como produto

objetivo de uma declaração volitiva, e ordenam como procederá o juiz em face delas”.390

Aqui o juiz analisará o contrato em abstrato, baseando-se em algumas regras de

hermenêutica, dentre as quais é possível mencionar: as cláusulas ambíguas serão interpretadas

conforme os usos do lugar de sua estipulação; na dúvida com relação às cláusulas elaboradas

por meio de condições gerais serão interpretadas contra quem as estipulou.391

O Código Civil de 2002 também trouxe regras específicas para a solução de conflitos,

como, por exemplo, o Art. 114, prescrevendo que os negócios jurídicos benéficos e a renúncia

são interpretados restritivamente, além do chamado princípio da conservação, no sentido de

que os contratos devam ser interpretados para conseguir a máxima aplicabilidade de suas

cláusulas, a fim de que tenham aplicabilidade, sendo inaceitável que se queira a celebração de

um contrato que não produza qualquer efeito.392

389 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2.ed. São

Paulo: Atlas, 2002, v.2, p.451. 390 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 28.ed. São Paulo:

Saraiva, 2002, v.3, p.53. 391 Op.cit, p.53-54. 392 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.172.

129

Tem-se também a regra hermenêutica do Art. 113, pela qual os contratos devem ser

interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração, o que, segundo Pablo

Stolze, seria a regra de ouro em matéria de interpretação.393

O Código Civil, atento às particularidades do contrato de adesão, trouxe regras

específicas para sua interpretação, pois é evidente que, diante de sua maior limitação à

liberdade contratual, não poderia ser analisado da mesma maneira de quando se estivesse

diante de um contrato paritário.

Antes do novo Código Civil, a jurisprudência já interpretava o contrato de adesão de

maneira especial, utilizando-se das seguintes regras: havendo dúvida, seria interpretado contra

quem o estipulou; as cláusulas principais seriam distintas das acessórias, onde as últimas

teriam menos força vinculante que as primeiras, porque o aderente tende a prestar menos

atenção naquelas; e, as cláusulas manuscritas deveriam prevalecer frente às impressas, porque

as segundas presumem o propósito de revogação das primeiras, que chamam menos a atenção

do aderente.394

O novo Código Civil prescreveu duas importantes regras de interpretação dos

contratos de adesão. A primeira regra vem prevista no Art. 423, chamado por alguns de

interpretação contra stipulationem ou contra proferentem,395 significando que as cláusulas

ambíguas ou contraditórias devam ser interpretadas em favor do aderente.

A segunda regra que está prevista no Art. 424, é corolário do princípio da função

social do contrato e da boa-fé, pois impede que o aderente renuncie antecipadamente a

direitos decorrentes da natureza do negócio, culminando de nulidade tais cláusulas.396

Entretanto, em matéria de proteção contratual, o CDC estabeleceu uma concepção

mais ampla do que a consignada no Código Civil, pois seu Art. 47 prescreve que os contratos

serão interpretados de maneira mais favorável ao consumidor, ou seja, todos os contratos e

não apenas os contratos de adesão serão sempre interpretados de maneira mais favorável, não

havendo também a necessidade de existência de cláusulas ambíguas ou contraditórias.

393

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.174-175. 394 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 28.ed. São Paulo:

Saraiva, 2002, v.3, p.47. 395 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op.cit, p.176. 396 Op.cit, p.177.

130

O art. 47 do CDC representa, neste sentido, uma evolução em relação a essa

norma (e ao art. 112 do novo CC/2002), pois beneficiará todos os

consumidores, em todos os contratos, em todas as normas, mesmo clara e não contraditórias, sendo que agora a vontade interna, a intenção não

declarada, nem sempre prevalecerá. Em outras palavras, é da interpretação

ativa do magistrado a favor do consumidor que virá a “clareza” da cláusula e

que será estabelecido se a cláusula, assim interpretada a favor do

consumidor, é ou não contraditória com outras cláusulas do contrato.397

Em face do CDC não cabe ao intérprete apenas observar o disposto no Art. 47, mas

todas as normas deste estatuto que estabelecem novos direitos e deveres tanto para o

consumidor como para o fornecedor, podendo abranger não apenas as cláusulas inseridas no

contrato, mas circunstâncias que antecederam a contratação, como, por exemplo, a oferta por

meio da publicidade veiculada, a qual, por expressa disposição legal (Art. 30 e 48 do CDC),

tornou-se fonte contratual.398

Neste contexto, destaca-se, ainda, o paradigma da boa-fé, que deverá nortear o

intérprete, uma vez que esta também possui uma função interpretativa, uma vez que:

[...] é durante o exercício de interpretação conforme a boa-fé, que o magistrado irá identificar os limites à liberdade contratual; isto é, quais as

cláusulas ferem a boa-fé, cláusulas nulas e abusivas, que por isso não

poderão ser consideradas, cláusulas que não pertencem ao “pacto” (pacta), cláusulas que violam o direito e não poderão (sunt) ser “servidas (servanda)

ou ter eficácia, nem por vontade das partes, nem por decisão dos juiz, uma

vez que ofendem a ordem pública (art. 1º, do CDC).399

(grifos do autor)

A proteção contratual do consumidor não se esgota nas regras de hermenêutica

extraídas do CDC, pois se entende que as normas gerais de interpretação dos contratos

prescritas no novo Código Civil,400 são também aplicáveis às relações de consumo, como

aquelas mencionadas no início deste tópico, o que é defendido mesmo antes do da edição do

novo Código Civil:

397

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.877. 398 Op.cit, p.878-879. 399 Op.cit, p.882-883. 400 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.180.

131

Os princípios da teoria da interpretação contratual se aplicam aos contratos de consumo, com a ressalva do maior favor ao consumidor, por ser a parte

débil da relação de consumo. Podemos extrair os seguintes princípios específicos da interpretação dos contratos de consumo: a) a interpretação é

sempre mais favorável ao consumidor; b) deve-se atender mais à intenção

das partes do que à literalidade da manifestação de vontade (art. 85, Código

Civil [1916]); c) a cláusula geral de boa-fé reputa-se ínsita em toda relação jurídica de consumo, ainda que não conste expressamente do instrumento do

contrato (arts. 4º, caput e n. III, e 51, n. IV, do CDC); d) havendo cláusula

negociada individualmente, prevalecerá sobre as cláusulas estipuladas unilateralmente pelo fornecedor; e) nos contratos de adesão as cláusulas

ambíguas ou contraditórias se fazem contra stipulatorem, em favor do

aderente (consumidor); f) sempre que possível interpreta-se o contrato de

consumo de modo a fazer com que suas cláusulas tenham aplicação,

extraindo-se delas um máximo de utilidade (princípio da conservação).401

(grifos do autor)

Todavia, além das regras de hermenêutica, nosso ordenamento apresenta outras formas

de proteção contratual do consumidor, as quais representam exceção à regra de os contratos

são celebrados para serem cumpridos, pois é possível que surjam situações que impeçam o

cumprimento do pacto tal qual foi avençado pelas partes.

Caso estas circunstâncias já estejam presentes ao tempo da contratação, é possível

cogitar-se das hipóteses de nulidade e anulabilidade, bem como das hipóteses de lesão, abuso

de direito ou erro. Caso sejam posteriores, poder-se-á estar diante do caso fortuito ou de força

maior, da Teoria da Imprevisão, ou da hipótese de revisão ou modificação do contrato

prevista no CDC. Na seqüência, as hipóteses de nulidade e anulabilidade.

3.4 INVALIDADES

O negócio jurídico, onde está inserido o contrato, pertence à categoria dos fatos

jurídicos e, como tal, para que se repute perfeito, necessita seja analisado em face de três

planos: da existência, da validade e da eficácia, como bem acentua Antônio Junqueira de

Azevedo:402

401 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.476-477. 402 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4.ed. são Paulo: Saraiva,

2002, p.23-24.

132

Em tese, porém, o exame de qualquer fato jurídico deve ser feito em dois

planos: primeiramente, é preciso verificar se reúnem os elementos de fato

para que ele exista (plano da existência); depois, suposta a existência, verificar se ele passa a produzir efeitos (plano da eficácia). (grifos do autor)

Complementa o mesmo autor:

Sendo o negócio jurídico uma espécie de fato jurídico, também seu exame pode ser feito nesses dois planos. Entretanto, e essa é a grande

particularidade do negócio jurídico, sendo ele um caso especial de fato

jurídico, já que seus efeitos estão na dependência dos efeitos que foram manifestados como queridos, o direito, para realizar essa atribuição, exige

que a declaração tenha uma série de requisitos, ou seja, exige que a

declaração seja válida. Eis aí, pois, um plano para exame, peculiar ao

negócio jurídico – o plano da validade, a se interpor entre o plano da existência e o plano da eficácia. (grifos do autor)

Na análise do negócio jurídico verifica-se a necessidade de percorrer esse iter para

constatar se pode ser considerado como perfeito, ou seja, primeiro compete analisar se existe.

Existindo, se é válido. E, por fim, sendo válido, se é eficaz. Neste trabalho será destacada a

questão da existência, ou melhor, da inexistência do negócio jurídico, e a questão da validade,

uma vez que se relaciona com a nulidade e a anulabilidade, enfoque principal deste tópico.

3.4.1 Inexistência

A concepção do negócio jurídico inexistente não se encontra pacificada na doutrina,

pois alguns doutrinadores a consideram sem utilidade, por não pertencer a uma categoria

jurídica e porque não haveria necessidade de ser desconstituído judicialmente, pois, o que

nunca existiu não precisa ser desfeito, além do que, poderia ser trabalhada em sede de

nulidade.403

Seus defensores, entretanto, consideram-na importante, alegando ser uma decorrência

lógica, pois, considerando que a análise do negócio jurídico passa pelo plano da existência, é

403 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.59-

60.

133

possível reconhecer-se, assim, a inexistência, acrescentando que, enquanto o negócio nulo

pode produzir alguns efeitos, o inexistente não produz qualquer efeito, além de não ser

preciso a declaração judicial de sua inexistência.404

Ainda, acrescentam, para que um negócio jurídico seja nulo é necessário, primeiro,

que exista, onde “[...] há uma imagem exterior de seus elementos, valorável como válida ou

inválida e, eventualmente, capaz de gerar, pelo menos, qualquer efeito secundário, negativo

ou aberrante, embora a figura venha, depois, graças a uma análise mais profunda, revelar-se

inconsistente”.405

Reitera-se aqui o entendimento de que a distinção entre negócio jurídico inexistente e negócio jurídico nulo é fundamental para a elaboração da

científica da teoria do negócio jurídico, pois permite resolver, em definitivo

e de forma lógica, a contradição em que fatalmente incorrem os doutrinadores que confundem estes conceitos sempre que deparam com

aquelas situações em que, embora nulo, o negócio produz efeitos. Isto

porque não há como justificar a irradiação da eficácia do que não tem

existência jurídica.406

Colocada a divergência existente, cumpre destacar que os adeptos da concepção do

negócio inexistente consideram-no como “[...] aquele que carecesse de elementos

indispensáveis para sua própria configuração como figura negocial. Tais elementos são,

indiscutivelmente, dois: vontade e objeto”.407

No que tange à existência, importa aferir a suficiência do suporte fático, isto

é, se o negócio jurídico reúne os elementos de fato, que são considerados, por força de norma imperativa, essenciais tanto para sua configuração como

categoria abstrata quanto para sua estruturação nos termos específicos do

tipo negocial escolhido pelos contratantes para atender à finalidade por eles

perseguida.408

404 MIRANDA, custódio da Piedade Ubaldino. Teoria geral do negócio jurídico. São Paulo: Atlas, 1991, p.81. 405 BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Trad. Fernando Miranda. Coimbra: Coimbra Ed., 1969, v.3,

p.18 apud SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo:

Saraiva, 1985, p.54. 406 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,

1985, p.54. 407 ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.339. 408 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Op.cit, p.51.

134

Embora reconhecida a necessidade da análise do negócio jurídico no plano da

existência, Antônio Junqueira de Azevedo, acrescenta que a inexistência não se apresenta um

terceiro gênero, ao lado da nulidade e da anulabilidade, mas que se apresenta como oposição

ao negócio existente, confirmando a existência dos planos da existência, validade e eficácia,

como estágios a serem analisados quando do exame do negócio jurídico.409

Por fim, colocada a questão da inexistência e as divergências doutrinárias a seu

respeito, cumpre esclarecer que, não obstante as respeitáveis opiniões acerca de sua

importância para a questão da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico, essa questão não

possui maior relevância para o presente trabalho, razão pela qual foram apenas tecidos os

singelos comentários acima expostos. Assim, sendo as hipóteses de nulidade e anulabilidade o

cerne do presente tópico, sua apresentação será realizada na seqüência.

3.4.2 Nulidade e da anulabilidade

O negócio jurídico representa o ato de vontade ao qual a lei confere os efeitos

jurídicos que foram pretendidos pelas partes, desde que respeitados os preceitos legais,

conferindo-lhes, inclusive proteção do Poder Público. Por outro lado se o ato não obedecer

aos mandamentos legais, não será capaz de produzir os efeitos desejados pelas partes, sendo

passível de invalidação.410

No campo da Teoria Jurídica em que o direito é visto sob a perspectiva da

Dogmática Jurídica, validade é qualificação que se atribui a atos jurídicos, inclusive de natureza legislativa, que significa serem esses atos sem defeitos,

isto é, são conformes com o direito daquela comunidade, especificamente.

Sob esse aspecto é que se fala em negócio jurídico nulo ou anulável (=

inválido), bem assim em lei válida e em lei nula [...].411

(grifos do autor)

Dentre essas hipóteses de invalidade estão, assim, os casos de nulidade e

anulabilidade, também chamada de nulidade relativa, ressaltando-se que existe em sede

409 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4.ed. são Paulo: Saraiva,

2002, p.63. 410 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.283-284. 411 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.02.

135

doutrinária divergência quanto a esta nomenclatura, porém, seguindo os ensinamentos de

Silvio Rodrigues,412 bem como os dispositivos do próprio Código Civil, será esta a

denominação empregada no presente tópico.

Na nulidade há lesão a um interesse público e, em razão disso, o negócio jurídico não

terá o condão de produzir os efeitos jurídicos que foram queridos pelas partes, pois, em face

da gravidade dessa lesão, a ordem jurídica culmina de nulidade do ato.413

Ela [nulidade] é constituída como uma necessidade de resguardo às

disposições legais, da moral, dos bons costumes e da ordem pública. Por seu intermédio se sanciona a omissão dos requisitos estabelecidos pelo

ordenamento jurídico objetivando o interesse geral e também o interesse

particular da condição pessoal das partes.414

A nulidade pode ser classificada em textual e virtual. A primeira decorre de expressa

previsão legal, ao passo que a segunda decorre de “[...] uma proibição do ordenamento, ou se

acha submisso à observância e (sic) certos requisitos, necessários à sua validade.”

A nulidade pode ser ainda, total ou parcial. Será total quando sua ocorrência cause a

invalidação total do negócio e parcial quando o vício não afete o negócio por inteiro, mas

apenas fração deste. Com relação a esta última, importante destacar que sua aplicação resulta

da aplicação da regra da incomunicabilidade da nulidade, que encontra fundamento no

princípio da conservação dos negócios jurídicos.415

Para aplicação da regra da incomunicabilidade da nulidade, é preciso que se esteja

diante de um negócio jurídico único e complexo, ou seja:

Diz-se único, ou uno, o ato jurídico quando as suas disposições constituem

um todo indissociável, não se podendo separá-las em partes distintas sem

descaracterizá-lo. Há um só ato jurídico porque se lhe atribui especificidade única, o que se identifica pela existência de um só fim (=objeto) específico.

[...] Complexo, ou misto, é o ato jurídico, também único, em que algum, ou

412

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.284-285. 413 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1999,

p.504. 414 ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.344. 415 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,

1985, p.68.

136

alguns, desses elementos não é unitário, mas pelo menos um o é. A

complexidade pressupõe unidade e unicidade, ao menos, de um dos

elementos do ato jurídico [...].416

(grifos do autor)

Para aferição acerca da incomunicabilidade do defeito, pode utilizar-se do critério

subjetivo, consubstanciado na constatação de que as partes teriam realizado o negócio mesmo

que soubessem da existência do defeito que o inquinava, ou ainda, quando esta

incomunicabilidade vier expressamente determinada pela lei.417

Assim, constata-se que, ocorrendo nulidade total, o defeito causará a invalidação de

todo o negócio, ao passo que, ocorrendo nulidade parcial, apenas a parte defeituosa será

expurgada, desde que de defeito que não contamine todo o negócio e que as partes, caso o

conhecessem, o teriam efetuado mesmo assim, o que, aliás, prescreve o Art. 184 do Código

Civil.418

Nos termos do Art. 166 do Código Civil, o negócio jurídico será nulo quando:

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II – for ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto;

III – o motivo determinante de ambas as partes, for ilícito

IV – não revestir a forma prescrita em lei;

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para sua validade;

VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem

cominar sanção.419

A nulidade representa sanção de maior gravidade do que a anulabilidade, sendo

necessário, portanto, enunciar quais os efeitos decorrentes de seu reconhecimento,

416 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.61-

62. 417 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,

1985, p.68-69. 418 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.159. 419 Op.cit, p.157-158.

137

destacando-se, em primeiro lugar, o fato de poder ser alegada, nos termos do Art. 168 do

Código Civil, “[...] por qualquer interessando ou pelo Ministério Público, quando lhe couber

intervir”.420

A sentença que a reconhece é declaratória, sendo que seus efeitos retroagem à data da

celebração do negócio, ou seja, é ex tunc, uma vez que o negócio é nulo desde a sua formação

e o julgador apenas declara a existência de uma invalidade que existia desde o início do

negócio, donde decorre outro efeito, de que a nulidade se opera de pleno direito e que, regra

geral, não produz nenhum efeito.421

Nos termos do nosso Código Civil, a nulidade não pode ser suprida pelo juiz, mesmo

que haja requerimento das partes interessadas, competindo ao julgador tão logo dela tome

conhecimento, pronunciá-la de ofício, não sendo passível de confirmação, nem de

convalescimento pelo decurso do tempo, ou seja, é imprescritível.

Entretanto, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 381,422

em

flagrante interpretação contra legem estabelecendo que, em matéria de contratos bancários, os

juízes não podem declarar de ofício a nulidade de cláusula contratual abusiva.

Referida Súmula contraria o disposto no Art. 1º do CDC, que estabelece serem suas

normas de ordem pública e interesse social, bem como o disposto no Art. 51, onde é

expressamente previsto que as nulidades devem ser reconhecidas de ofício, uma vez que nulas

de pleno direito.423

Ao analisar o teor desta súmula observamos que o tribunal foi extremamente infeliz em editá-la, pois a mesma padece de vício insanável de ilegalidade e

inconstitucionalidade.

O microssistema onde está inserido o Direito do Consumidor, tratou das

cláusulas abusivas de forma extremamente inteligente ao dispor que estas são nulas de pleno direito. Desta forma não seguiu o parâmetro dualista

utilizado pelo Código Civil, onde observamos a existência de dois tipos

nulidades, as absolutas e as relativas. Assim, da simples leitura do artigo 51, caput do CDC, resta claro e evidente

que o Direito do Consumidor faz referência à nulidade absoluta, onde estas

cláusulas abusivas já nascem com um vício insanável, não havendo nenhuma

420 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.158. 421 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Teoria geral do negócio jurídico. São Paulo: Atlas, 1991, p.82. 422

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.381. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=@docn&tipo_visualizacao=RESUMO&menu=SIM>.

Acesso em: 28maio2010. 423 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.801-806.

138

possibilidade de se cogitar que esta venha se tornar válida por algum

motivo.424

Sobre o assunto, ainda é possível esclarecer que:

Sobre o pronunciamento de ofício do juiz podemos remeter ao artigo 168, parágrafo único do Código Civil, onde o legislador trata da necessidade do

pronunciamento ex officio do magistrado toda vez que observar nulidades em

negócios jurídicos, não podendo supri-las mesmo a requerimento das partes.

A justificativa para tal proteção ex officio se encontra no fato de garantir uma maior proteção ao consumidor/contratante que é a parte mais fraca da relação,

sendo este muitas das vezes hipossuficiente, reconhecendo assim a política

nacional que rege as relações de consumo conforme artigo 4º, I do CDC.425

Importante alteração legislativa trazida pelo Código Civil veio com o Art. 170, onde se

reconhece expressamente o instituto da conversão do negócio jurídico nulo, o qual, mesmo

antes da inserção legislativa já vinha sendo aplicado em matéria envolvendo Direito

Administrativo e Direito Processual Civil.426

Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o

teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.427

Assim, os requisitos para a conversão são: a) objetivos: necessidade que o negócio

jurídico nulo contenha os requisitos daquele que o vai substituir; b) subjetivos: análise da

vontade das partes, para pressupor que elas teriam realizado a conversão caso soubessem do

defeito que inquinava o negócio, ou seja, “[...] o elemento subjetivo consiste na aferição de

424 MALHEIROS, Nayron Divino Toledo. A inconstitucionalidade da Súmula 381 do STJ. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2009-jun-04/inconstitucionalidade-ilegalidade-sumula-381-stj>. Acesso em:

12fev.2010. 425 Op.cit. 426 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,

1985, p.85. 427 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.158.

139

uma vontade hipotética ou virtual, pois, é necessário constatar-se que os declarantes teriam

querido o negócio se tivessem previsto a nulidade daquele realizado”.428

A anulabilidade, por seu turno, representa uma lesão menos grave ao ordenamento,

pois as normas desrespeitadas protegem os interesses de certas pessoas, ou seja, protegem

interesses individuais.429 O Art. 171 do Código Civil prescreve que os negócios jurídicos

podem ser anulados, além dos casos expressamente previstos em lei, quando houver:

incapacidade relativa do agente; e vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo,

lesão ou fraude contra credores.430

Ela é também denominada de nulidade relativa e tem como principal

finalidade o resguardo ou proteção de determinadas pessoas que, por motivos peculiares, não estariam aptas a realizar determinados negócios, sem

a observância de cautelas especiais, ou, se portadoras de aptidão,

manifestaram, contudo, suas vontades, com conseqüência de vícios que afetaram o consentimento, alcançando, ainda, os atos praticados por

determinadas pessoas com ânimo de vulnerar regras contidas no

ordenamento.431

(grifos do autor)

Com relação aos seus efeitos, o negócio anulável produz efeitos até que o defeito seja

reconhecido judicialmente, cujos efeitos operam-se ex nunc, ou seja, é somente depois da

sentença que cessam os efeitos do negócio. A sentença tem natureza constitutiva, ressaltando-

se que, uma vez declarada a anulabilidade, a decisão retroagirá para recompor as partes ao

estado anterior à celebração do negócio.432

Destaca-se também, que a anulabilidade somente pode ser alegada pelos interessados,

não pode ser pronunciada de ofício pelo juiz, não se opera de pleno direito, além de ser

passível de confirmação pela vontade das partes e estar sujeita ao prazo decadencial de quatro

anos.433 Estas duas últimas são chamadas medidas sanatórias.

428 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,

1985, p.83. 429 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.555. 430 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.171. 431 ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.348. 432 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.514-515. 433 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Op.cit, p.57.

140

As medidas sanatórias, “[...] são instrumentos jurídicos destinados a salvaguardar a

manifestação de vontade das partes, preservando-a da deficiência que inquina o ato, tornando-

o nulo ou anulável”.434 Quanto aos atos nulos já foram tecidos comentários acerca da

conversão que é uma espécie de sanatória.

A primeira dessas medidas é a confirmação, prescrita no Art. 172 do Código Civil de

2002 e que no regime do Código Civil de 1916 era denominada de ratificação. A par da

divergência doutrinária quanto ao significado dos termos, tem-se que é o meio voluntário pelo

qual o negócio jurídico anulável é convalidado, expurgando-lhe o defeito que possuía, tendo

natureza de negócio jurídico unilateral não-receptício, cujos efeitos retroagem à data da

celebração do negócio,435 possuindo efeitos ex tunc, portanto.

A confirmação pode ser expressa ou tácita. Quando for expressa, deve conter a

substância do ato a ser confirmado bem como a menção expressa de querer confirmá-lo.

Silvio Rodrigues acrescenta que haver menção ao defeito que ser quer convalidar, pois, “[...]

como o conceito de ratificação envolve a idéia de confirmação de ato que se sabe infirme,

parece-me que a melhor maneira de se revelar tal propósito é mediante a expressa referência

ao defeito que se quer expurgar”.436

A confirmação será tácita quando houver a prática de um ato contrário ao desejo de

invalidar o negócio, ou seja, quando a parte a quem aproveita cumprir, mesmo que

parcialmente o negócio, ciente do defeito que o inquinava.437

Por fim, como última das medidas sanatórias mencionadas, tem-se a decadência. Em

primeiro lugar, cumpre esclarecer que, antes da vigência do atual Código Civil, os

doutrinadores falavam em prescrição, contudo, o novel diploma resolveu a controvérsia antes

existente entre as hipóteses de decadência e prescrição, prescrevendo expressamente tratar-se

de decadência, tudo em respeito ao princípio informativo da operabilidade.

Caso não alegada pelas partes em termo oportuno, o defeito do negócio se convalidará

diante de sua inércia. Defendem alguns que a decadência seria uma forma de confirmação

involuntária, enquanto outros entendem que pode representar tanto uma forma voluntária

quanto involuntária. Será voluntária quando a parte, ciente do defeito do negócio,

434 SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São Paulo: Saraiva,

1985, p.60. 435 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.515. 436 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.288-289. 437 ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.356-357.

141

propositalmente deixe fluir o prazo sem pleitear a anulação com o intuito de confirmar o

negócio e, involuntária, quando a parte possuir tal desiderato.438

Nos casos de nulidade e anulabilidade, para conclusão do presente tópico, constata-se

que são defeitos existentes no negócio jurídico no momento da celebração da avença, onde se

pleiteia, salvo nos casos em que possível a manutenção do negócio, a extinção da avença e o

retorno das partes ao estado em que se encontravam no momento da celebração.

Diferenciam-se, portanto, da imprevisão, onde as causas surgem após a celebração do

contrato, em decorrência de acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis, onde não se procura a

extinção do negócio, mas o restabelecimento do equilíbrio contratual e a manutenção da

avença.

3.4.3 Nulidade do contrato de consumo

O Código de Defesa do Consumidor, preocupando-se com a parte mais fraca da

relação jurídica de consumo, o consumidor, expressamente reconheceu a presunção de sua

vulnerabilidade e, para sua efetiva proteção contratual, estabeleceu seus direitos básicos,

destacando-se neste ponto, o inciso IV do Art. 6º, que prescreve a proteção do consumidor

contra práticas e cláusulas abusivas.

Referido preceito é complementado pelo Art. 51, que culmina de nulidade as cláusulas

consideradas abusivas. Neste caso, pode ocorrer tanto a invalidade apenas da cláusula, quando

possível sua integração sem que haja ônus excessivo para qualquer das partes, como a todo o

contrato, conforme dispõe o §2º do Art. 51.439

A cominação de nulidade da cláusula abusiva possui estreita ligação com o inciso IV

do Art. 6º do CDC, que estabelece ser direito do consumidor a proteção contra estas cláusulas.

Referido direito significaria a imposição do princípio da transparência e da boa-fé nos

contratos de consumo, sendo o primeiro destes princípios reflexo do segundo, onde o CDC

438 ABREU FILHO, José. O negócio jurídico e sua teoria geral. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.357. 439

Brasil. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.802-806.

142

não se preocupa apenas com o momento da formação do contrato, mas também com a fase

pré-contratual e a fase de sua execução.440

Não é demais lembrar que as relações de consumo são informadas pelo

princípio da boa-fé (art. 4º, caput e inc. III, CDC), de sorte que toda a cláusula que infringir esse princípio é considerada, ex lege, como abusiva.

Dissemos ex vi legis, porque o art. 51, n. XV, do CDC diz serem abusivas as

cláusulas que „estejam em desacordo com o sistema de proteção ao

consumidor‟.441

O CDC, ao estabelecer a sanção de nulidade quando da inserção de cláusulas abusivas

nos contratos, afastou-se do sistema do direito alemão, que estabelece duas listas de cláusulas

abusivas, em uma delas as cláusulas são sempre ineficazes e na outra podem ser declaradas

ineficazes pelo juiz, além de estabelecer uma cláusula geral de proibição de cláusulas

abusivas.442

No CDC, foi estabelecida apenas uma lista de cláusulas consideradas abusivas,

declarando-as nulas de pleno direito, estabelecendo um sistema próprio, afastando-se de

outros ramos do Direito pátrio, como o Direito Civil ou o Direito Administrativo, pois, “[...]

no regime jurídico do CDC, as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito porque

contrariam a ordem pública de proteção do consumidor”.443 (grifos do autor)

Referida assertiva encontra fundamento no Art. 1º do estatuto, quando declara que

suas normas são de ordem pública e interesse social, cabendo, portanto, ao magistrado, o

reconhecimento e a declaração de sua nulidade ex officio, independentemente de qualquer

manifestação do consumidor ou mesmo quando este figurar como réu, sendo que seu

reconhecimento independe da análise da boa ou má-fé do fornecedor e sua intenção de obter

vantagem indevida ou exagerada.444

440 MARQUES, Cláudia Lima. A Lei 8.078/90 e os Direitos Básicos do Consumidor. In. BENJAMIN, Antônio V. Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direitos do consumidor. São

Paulo: RT, 2007, p.57. 441 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.452. 442 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.910. 443 NERY JUNIOR, Nélson. Op.cit, p.454. 444 BESSA, Leonardo Roscoe. Proteção contratual. In. BENJAMIN, Antônio V. Herman; MARQUES, Cláudia

Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direitos do consumidor. São Paulo: RT, 2007, p.292-294.

143

Ressalve-se que, apesar da adoção desta lista única de cláusulas abusivas, o legislador

acabou inserindo no inciso IV do Art. 51, uma norma geral de proibição de cláusulas

abusivas, quando contrariarem a boa-fé ou a eqüidade, como já alhures mencionado.

Há que se asseverar que, reconhecendo-se a existência de uma cláusula abusiva, esta

será declarada nula, no caso, uma nulidade absoluta, pois as normas do CDC além de serem

de ordem pública, encontram fundamento constitucional, sendo este o entendimento do

STJ.445 Porém, com a edição da Súmula 381, retirou-se a possibilidade de reconhecimento de

ofício das cláusulas abusivas referente a contratos bancários.446

Entretanto, o reconhecimento da abusividade da cláusula e declaração de sua nulidade,

regra geral, não contaminará todo o contrato, pois o §2º do Art. 51 estabelece a possibilidade

de manutenção do contrato, caso seja possível sua integração, após a eliminação da cláusula

abusiva, sem que, com isso, ocorra onerosidade excessiva para qualquer das partes.

A sanção, portanto, é negar efeito unicamente para a cláusula abusiva, preservando-se, em princípio o contrato, salvo se a ausência da cláusula

desestruturar a relação contratual, gerando ônus excessivo a qualquer das

partes. Cuida-se do princípio da conservação do contrato. O magistrado,

portanto, após excluir o efeito da cláusula abusiva deve verificar se o contrato mantém condições – sem a cláusula abusiva- de cumprir sua função

socioeconômica ou , ao contrário, se a nulidade da cláusula irá contaminar e

invalidar todo o negócio jurídico.447

Esta possibilidade de revisão do contrato quando da extirpação de uma cláusula

abusiva representa uma das chamadas medidas sanatórias, que deve ser diferenciada daquela

prevista no inciso V do Art. 6º do CDC, que se refere às hipóteses em que a cláusula não se

insere no contexto de cláusulas abusivas, como será analisado detalhadamente ao se tratar das

hipóteses de revisão do contrato.

445 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.908-909. 446 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.381. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=@docn&tipo_visualizacao=RESUMO&menu=SIM>.

Acesso em: 28maio2010. 447 BESSA, Leonardo Roscoe. Proteção contratual. In. BENJAMIN, Antônio V. Herman; MARQUES, Cláudia

Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direitos do consumidor. São Paulo: RT, 2007, p.292-294.

144

3.5 REVISÃO DO CONTRATO

Ao tratar das invalidades, foi mencionada a possibilidade da ocorrência de situações

que impeçam o cumprimento normal do contrato. Neste ponto será apresentado outro

instrumento para a proteção contratual aplicável a esses casos. Trata-se da possibilidade de

modificação de cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão quando

fatos supervenientes a tornem excessivamente onerosas para o consumidor.

Referido instrumento de proteção contratual não se confunde com a hipótese prevista

no Art. 478 a Art. 480 do Código Civil de 2002, sob a denominação: “Da Resolução do

Contrato por Onerosidade Excessiva”, ou a chamada Teoria da Imprevisão.

Por critério didático, serão apresentados os contornos da Teoria da Imprevisão logo na

seqüencia, seguindo com a descrição de institutos previstos na legislação civil que lhe são

afins, mas que com ela não se confundem, para, ao final, apresentarem-se os contornos da

hipótese prevista no CDC e sua diferenciação com a Teoria da Imprevisão.

3.5.1 Teoria da imprevisão

A Teoria da imprevisão encontra suas remotas raízes no Código de Hamurabi, que já

possuía disposição acerca da imprevisibilidade na hipótese de caso fortuito ou força maior,

sendo que, no Direito romano, mesmo prevalecendo a regra do pacta sunt servanda, houve

reconhecimento, embora de forma esparsa e assimétrica, de que circunstâncias futuras e

imprevisíveis poderiam frustrar o cumprimento das obrigações.448

Contudo, é creditado ao Direito canônico o desenvolvimento teórico do instituto,

defendendo-se a idéia de que seria necessário preservar o equilíbrio das prestações, sendo

conhecida a lição de Santo Agostinho, no sentido de que o cumprimento de uma obrigação

somente seria exigível desde que todas as circunstâncias existentes ao tempo da contratação

permanecessem as mesmas durante sua execução, cláusula que estaria implícita em todos os

448 BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão: no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,

p.84-92.

145

contratos, diante da máxima “contractus qui habenti tractum successivum et dependentiam de

futuro, rebus sic stantibus intelliguntur, abreviada como rebus sic stantibus.449

O desenvolvimento do instituto começou a declinar no início do humanismo, declínio

que se consolidaria com a Revolução francesa, onde não se admitia a existência de cláusulas

implícitas, pois se as partes eram livres e iguais, tudo o que pretendiam estabelecer estaria

disposto no contrato. O que não estivesse estipulado era porque elas intencionalmente

renunciaram, ocorrendo, assim, a primazia dos postulados da obrigatoriedade e da

intangilidade dos pactos.450

A Teoria da Imprevisão, é de ressaltar, não é antagônica ao princípio da

obrigatoriedade dos contratos, ao contrário, serve para reforçá-lo, sendo uma exceção aquele,

que ainda é regra geral, sendo precisas as lições de Nelson Borges:451

[...] ao que se sabe, até hoje nenhum jurista de mediano senso defendeu a

aplicação da teoria da imprevisão em substituição ao postulado do pacta

sunt servanda. Por irônico que possa parecer, a sobrevivência da doutrina

da imprevisibilidade liga-se de forma definitiva à manutenção daquele postulado, como regra geral. (grifos do autor)

Complementa o autor:

O que se tem pretendido, por séculos e séculos, como exceção à

rigidez dogmática do postulado „o contrato faz lei entre as partes‟, é que em

casos de reconhecida patologia contratual, de comprovada anormalidade da base negocial, ou de seu desaparecimento, ocasionada por evento

imprevisível, presentes seus pressupostos de admissibilidade, em nome da

função social dos pactos, da mais elementar boa-fé ou, mesmo, da própria

estabilidade do comércio jurídico, objetivando não só a segurança como, também, a socialização das regras incidentes sobre as contratações, a visão

míope que afasta a aplicação da eqüidade e das anomalias surgidas por

força de um abalo econômico de grande magnitude [...] seja corrigida e o bom senso prevaleça.

449

DÍAZ, Julio Alberto. A teoria da imprevisão no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Privado. São

Paulo: RT, n.20, p.198, out./dez.2004. 450 SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de

Janeiro: Forense, 2001, p.99-102. 451 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,

p.139-140.

146

Após seu quase esquecimento, em período histórico posterior, principalmente após as

duas Grandes Guerras e a Crise de 1929, começaram a surgir os estudos recentes acerca do

instituto, tema também tratado pela doutrina e jurisprudência nacional, destacando-se a

decisão proferida em 1930, pelo ainda juiz Nelson Hungria que, não obstante a inexistência de

preceito expresso a seu respeito buscou fundamentos junto aos princípios gerais de direito,

decisão, porém, que não foi confirmada pelas instâncias superiores.452

Em sede doutrinária, merecem destaque os estudos realizados por Arnoldo Medeiros

da Fonseca, onde “[...] sustenta a tese de que a impossibilidade absoluta ou objetiva de

executar, isto é, a que atinge a prestação em si e existe com respeito a qualquer indivíduo

colocado em situação análoga ao do obrigado, não é nenhum requisito absurdo e

desumano”.453 (grifos do autor)

Em sede legislativa, também houve tentativas de implantação do instituto,

mencionando-se, em primeiro lugar, o projeto do Código de Obrigações, elaborado por Caio

Mário em 1963, que adotava o critério da resolução do contrato, com possibilidade de

revalidação do negócio pelo réu, excluindo expressamente do âmbito de sua incidência os

contratos aleatórios e aqueles em que somente uma das partes assumisse obrigações, sendo

que a sentença retroagiria à data da citação.454

Referido projeto acabou não sendo levado adiante, sendo apresentado em 1975 o

projeto do novo Código Civil onde, no Título “Dos contratos em geral”, inseriu-se uma seção

dentro do Capítulo “Da extinção do contrato” com a nominada “Da resolução por onerosidade

excessiva”.

De acordo com o projeto apresentado, poderiam ser visualizados os seguintes

requisitos para a aplicação da imprevisão: aplicação aos contratos de execução continuada ou

diferida, com exclusão daqueles de cumprimento instantâneo; onerosidade excessiva em razão

de fatos extraordinários e imprevisíveis ocorridos após a contratação e extrema vantagem para

a outra parte.455

452 SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de

Janeiro: Forense, 2001, p.117. 453 FONSECA, Arnoldo Medeiros. Caso Fortuito e teoria da imprevisão. Rio de Janeiro: Jornal do Comércio,

1932, p.82, 139, 192, 195; et passim apud SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1984, p.82. 454 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.101. 455 Op.cit, p. 104.

147

Ainda, é possível auferir que o projeto: privilegiava a resolução como regra, a qual

deveria ser pleiteada pelo devedor, com a possibilidade do credor converter a resolução em

revisão desde que se oferecesse a alterar, de forma equitativa, as condições do contrato;

possibilitava a aplicação do instituto aos contratos unilaterais, nada mencionando acerca dos

contratos aleatórios; conferia à sentença efeitos ex nunc, retroagindo à data da citação.456

Após anos de tramitação, o projeto foi convertido em lei, sendo publicado o Novo

Código Civil que entrou em vigor em 2002, introduzindo expressamente o instituto em nosso

ordenamento, mantendo-se mesma disposição do projeto elaborado em 1975, onde no Art.

478 a Art. 480 trazem os preceitos aplicáveis para a revisão do contrato por onerosidade

excessiva.

Assim, nos termos da legislação vigente a doutrina enumera com requisitos para a

aplicação do instituto: contratos de execução continuada diferida; imprevisibilidade e

extraordinariedade; ausência de estado moratório; lesão virtual; essencialidade;

inimputabilidade; excessiva onerosidade e extrema vantagem.457

Em primeiro lugar, tem-se a exigência do Art. 478, de que os contratos devam ser de

execução continuada ou diferida. Os primeiros seriam aqueles em a prestação pode prolongar-

se por determinado período ou reiterando-se periodicamente, enquanto os segundos seriam

aqueles em que o cumprimento da prestação pode ser postergado.458

Assim identificados, denota-se que determinação legislativa se justifica, pois nestes

contratos há a possibilidade de ocorrência fatos posteriores que venham a tornar a execução

do contrato extremamente onerosa para o devedor, sendo, portanto, campo fértil para a

aplicação do instituto da imprevisão.

Com relação a esses contratos, sendo eles comutativos, é fácil a conclusão acerca do

cabimento da mencionada teoria, pois há presunção de uma equivalência entre as prestações

que podem vir a se tornar desproporcionais. Quanto aos unilaterais, apesar da discordância de

456 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.104-105. 457 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,

p.298. 458 MARTINS, Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da

justa repartição dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p.270, jul./set.2007.

148

alguns doutrinadores, o Art. 480 expressamente prevê a possibilidade de aplicação da

imprevisão a essa modalidade de contrato.459

Já com relação aos contratos aleatórios, a restrição a aplicação da teoria é mais

vigorosa, sob a alegação de que a incerteza é a característica primordial desses contratos, ou

seja, a álea faz parte do próprio negócio. Todavia, cabe esclarecer que, apesar de ser

característica destes contratos a existência de um risco, podem ocorrem situações que

escapem ao risco normal do contrato, sendo que, nestes casos, poderia se falar em aplicação

da teoria da imprevisão.460

Já manifestamos nosso ponto de vista quanto a que, dos efeitos da teoria revisionista, sejam afastados, expressamente, os contratos aleatórios, não

generalizadamente, como insiste Ripert, nas Regras Morais, porém

distinguindo os riscos comuns, assumidos por quem está disposto a enfrentá-los, dos riscos não comuns, incertos e imprevisíveis, alheios a qualquer

manifestação de vontade.461

(grifos do autor)

O segundo requisito é a imprevisibilidade e extraordinariedade do acontecimento.

Consultando os léxicos462 tem-se que extraordinário é aquilo que não é ordinário, fora do

comum, ou seja, um acontecimento anormal. Imprevisível, por seu turno, é algo “não

previsível”, aquilo que não se pode prever, que dever ser distinguido de imprevisto, que

significa inopinado, inesperado, que estaria na esfera dos acontecimentos normais, mas que

não foi previsto.

Ainda, é possível dizer que a imprevisibilidade deve ser determinada “[...] com

referencia à diligência do „bom pai de família‟, ou de um homem de diligência ordinária que

exerça atividade do mesmo ramo que a do contratante que exige a resolução”.463 Já quanto à

extraordinariedade:

459 MARTINS, Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da

justa repartição dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p 270-271, jul./set.2007. 460

Op.cit, p.287. 461 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.116. 462 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3.ed. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p.241, p.297, p.441. 463 DÍAZ, Julio Alberto. A teoria da imprevisão no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Privado. São

Paulo: RT, n.20, p.205, out./dez.2004.

149

Um acontecimento é extraordinário quando sua ocorrência não obedece ao

curso normal, ou estatisticamente comum da vida ordinária. [...] A

delimitação do acontecimento é, necessariamente objetiva, ou seja, o fato excepcional não pode ter uma gravitação exclusivamente individual no

devedor prejudicado, senão que deve afetar toda uma categoria de

devedores. A valoração objetiva, proíbe qualquer tipo de indagação

individual acerca da fortuna ou consistência patrimonial de um determinado

devedor.464

O terceiro requisito é a ausência de estado moratório, pois se o acontecimento anormal

ocorreu após o termo em que deveria ser cumprida a obrigação, não é cabível que o devedor

se aproveite de sua desídia para pleitear a resolução do contrato. Porém, caso esse

acontecimento anormal tenha ocorrido antes da mora do devedor, não haverá óbice para a

aplicação da imprevisão.465 Este requisito encontra-se intimamente ligado com a ausência de

culpa do devedor, pois, este não pode ter dado causa à situação anormal, dentre as quais é de

se mencionar o descumprimento da obrigação no prazo estipulado.466

O concurso da ausência de mora ou culpa do contratante devedor,

pressuposto obscurecido tanto no Projeto do Código de Obrigações como no Projeto de Código Civil, quer-nos parecer um elemento inafastável de moral.

Antes de uma redundância, é regra de reforço, consoante o princípio que

preside todos os contratos bilaterais, mediante a exceptio non adimpleti

contractus.

Em obediência a essa defesa indireta, nenhum dos contratantes, sem o prévio

cumprimento de seu encargo, pode exigir a obrigação da outra parte, e havendo concorrência de culpa, nada podem reclamar as partes uma da

outra, se ambas contribuíram para a inexecução da verba contratual.467

(grifos do autor)

O requisito da lesão virtual refere-se ao fato de que a lesão ainda dever estar na

iminência de ocorrer, pois, caso já tenha ocorrido ou o contrato já tenha sido cumprido estará

inviabilizada a imprevisão, que está ligado ao requisito da essencialidade, ou seja, aquelas

464 DÍAZ, Julio Alberto. A teoria da imprevisão no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Privado. São

Paulo: RT, n.20, p.205, out./dez.2004. 465 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,

p.315. 466 SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de

Janeiro: Forense, 2007, p.113-114. 467 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.117.

150

situações que a alteração anormal do negócio afetem sua base negocial, exigindo do devedor o

cumprimento de uma obrigação que ofende os princípios da boa-fé e da eqüidade.468

Por fim, os requisitos da onerosidade excessiva e da extrema vantagem. Para a

aferição da onerosidade excessiva, o julgador analisará o caso concreto, realizando uma

comparação entre a onerosidade no momento da celebração do contrato e o momento de seu

cumprimento, ou seja, após a ocorrência do acontecimento anormal. 469

Ressalte-se que a onerosidade excessiva não se confunde com a impossibilidade, nem

com a dificuldade no cumprimento da obrigação. Havendo impossibilidade, há que se

perquirir sobre a existência de caso fortuito e de força maior, enquanto os casos de

onerosidade excessiva refletem um prejuízo que exceda os riscos normais do contrato,

diferenciando-se da mera dificuldade, pois a situação excessivamente onerosa situa-se entre

esta e a impossibilidade de cumprimento, em razão da situação anormal superveniente,

constatação que ficará a cargo do julgador.470

A questão da vantagem excessiva para o credor vem a acrescentar a exigência de que,

ao lado da onerosidade excessiva para devedor, o fato anormal superveniente também cause

uma vantagem exacerbada para o credor, o que demonstra a preocupação do legislador com a

questão do enriquecimento sem causa, vedação expressamente prevista no Art. 884.471

A introdução deste requisito foi alvo de críticas, por restringir o alcance do instituto,

além do que, hipóteses existem em que, embora haja uma excessiva onerosidade para o

devedor, não haverá vantagem alguma para o credor, ou mesmo situações em que também o

credor poderá sofrer prejuízo.472

Outros, porém, entendem correta a inserção do requisito, pois o credor quando não

aufere vantagem exagerada tem direito em exigir o cumprimento de uma obrigação assumida,

468 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,

p.316-319. 469 DÍAZ, Julio Alberto. A teoria da imprevisão no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Privado. São

Paulo: RT, n.20, p.207-208, out./dez.2004. 470 MARTINS, Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da

justa repartição dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p.271-273, jul./set.2007. 471 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.104. 472 SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de

Janeiro: Forense, 2007, p.113.

151

uma vez que, a estabilidade e a segurança da relação negocial não representa qualquer

injustiça.473

Alguns autores se manifestam de forma divergente quanto ao regime jurídico a ser

adotado por este instituto. Othon Sidou destaca que, enquanto alguns defendem que deveria

ser pleiteada apenas a revisão do contrato, outros entendem que deveria pleitear-se somente

sua resolução. Referido autor esclarece que também há o entendimento de que deveria

pleitear-se primeiramente a revisão e depois a resolução ou, como adotado por nosso Código

Civil em seus artigos 478 e 479, pleitear primeiramente a resolução para depois tentar-se a

revisão do contrato.474

Muito embora a adoção do regime misto represente a melhor solução para a aplicação

do instituto, a crítica que se estabelece com relação ao regime adotado pelo Código refere-se

ao fato de que, tendo em vista os princípios da função social do contrato e da manutenção dos

pactos, seria preferível que primeiro se tentasse a revisão do contrato, para só depois, em caso

de impossibilidade, fosse efetuada a revisão, mas nosso legislador atuou de forma contrária.475

Nos termos estabelecidos em lei, diante da presença dos requisitos autorizadores da

imprevisão, caberá ao devedor (autor da ação) pleitear somente a resolução do contrato,

cabendo ao credor, no momento contestar a demanda, nos termos do Art. 479, apresentar-se

para modificar o contrato em termos mais equilibrados, ponto também passível de crítica, por

deixar a critério do credor (réu) a faculdade de modificar ou não o contrato.

Alguns autores, dentre eles Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria

Celina Bondin de Moraes,476 têm buscado subsídios no próprio Código para que se possa

buscar, de forma alternativa, tanto a revisão como a resolução do contrato. Para tanto,

utilizam-se do Art. 317, que estabelece ser lícito ao juiz corrigir, a pedido da parte, o valor de

prestações que se tornaram desproporcionais, em face de acontecimentos imprevisíveis.

473 MARTINS, Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da

justa repartição dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p.274, jul./set.2007. 474 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.107-108. 475

BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,

p.328-329. 476 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código civil

interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.131 apud MARTINS,

Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da justa repartição

dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p.282-283, jul./set.2007.

152

Entretanto, Samir José Caetano Marins,477 discorda deste entendimento, entendendo

que este dispositivo somente se aplica aos casos desvalorização de moeda, haja vista que deve

ser analisado em sintonia com os artigos precedentes (Art. 315 e Art. 316).

Ainda, críticas são realizadas quanto ao legitimado para pleitear a medida, pois o

Código Civil é expresso em apenas conferi-la ao devedor, quando deveria também conferi-la

ao credor, já que ambas as partes estão sujeitas a acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis

que podem causar um extremo desequilíbrio no contrato. Como forma de remediar tal

situação, o Art. 479 faculta ao credor a possibilidade de apresentar-se para modificar o

contrato no caso de ser acionado pelo devedor.478

A par das críticas apontadas, vê-se que o instituto da imprevisão revela-se importante

para situações nas quais, acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis, possam alterar

profundamente o equilíbrio contratual, ocasionando prestações excessivamente onerosas para

uma parte e vantagem exagerada para outra. Diante a importância deste instituto, convém

diferenciá-lo de outros que possuem alguma similitude com ele, o que ser fará a seguir.

3.5.2 Caso fortuito e força maior

Embora nosso ordenamento estabeleça que os contratos sejam entabulados para serem

cumpridos, tanto que o Art. 389 Código Civil prescreve que, descumprida uma obrigação,

responderá o devedor por perdas e danos, o próprio Código estabelece algumas hipóteses de

exclusão desta responsabilidade, sendo uma delas na ocorrência de caso fortuito ou de força

maior, salvo quando o devedor tiver se responsabilizado por esses eventos.

Na doutrina há controvérsia sobre estes vocábulos, ou seja, se representariam

expressões sinônimas ou não. Enquanto alguns, na esteira de Hely Lopes Meirelles,479

conceituam separadamente essas hipóteses, outros, como Silvio Rodrigues,480 entendem que o

Código Civil as trata como expressões sinônimas. Dentre aqueles que as separam, uns

477

MARTINS, Samir José Caetano. A onerosidade excessiva no Código Civil: instrumento de manutenção da

justa repartição dos riscos negociais. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.8, p.282-283, jul./set.2007. 478 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,

p.679-680. 479 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.234. 480 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral das obrigações. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.2, p.238.

153

entendem que o caso fortuito estaria relacionado com os fatos decorrentes das forças da

natureza, ao passo que a força maior estaria relacionada a fatos alheio diretamente

relacionados com a atividade humana, enquanto outros entendem exatamente o contrário.481

Entretanto, esta discussão doutrinária não oferece maiores problemas na prática, pois,

tanto num como noutro caso, o devedor não será responsabilizado pelos prejuízos decorrentes

do descumprimento da avença, fazendo necessário, apenas, traçar os requisitos para sua

configuração: inimputabilidade, inevitabilidade, superveniência e irresistibilidade.

A inimputabilidade significa que “[...] a fortuidade e a força maior só são invocáveis

como causas justificadoras da inexecução quando não tiver havido com culpa a parte, isto é,

não tiver contribuído para colocar-se em situação de ser colhida pelo evento”.482

Por seu turno, para a configuração da inevitabilidade é necessário que aquele evento

não seja possível evitar, ao passo que a superveniência revela-se na necessidade de que a

causa para o não cumprimento do contrato ocorra após a contratação e antes do momento da

execução do contrato.483

Por fim, para a configuração da irresistibilidade “[...] é indispensável que fique claro

não ser oponível (ou oposta, se revele ineficaz), qualquer forma de energia, empenho ou força

humana ao fato que se abate sobre a contratação [...]”.484 Conclui Silvio Rodrigues que é neste

sentido que deve ser entendida a expressão “fato necessário”, constante do parágrafo único do

Art. 393, não se exigindo, para configuração do caso fortuito e da força maior, a existência da

imprevisibilidade.

A imprevisibilidade do evento não constitui requisito do caso fortuito, pois,

embora previsível o fato, não raro a vítima não se pode furtar sua ocorrência,

nem lhe resistir aos efeitos. A imprevisibilidade pode, contudo, intensificar o

elemento irresistibilidade, pois, se o devedor não podia prever o acontecimento, mais difícil lhe seria resistir aos efeitos.

[...]

É em tal sentido que se deve interpretar o parágrafo único do art. 393,

quando define o fortuito como fato necessário (isto é, evento inescapável,

481 BORGES, Nelson. A Teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2002,

p.147-148. 482 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.235. 483 BORGES, Nelson. Op.cit, p.149. 484 Op.cit, p.149.

154

ainda que diligente o devedor), cujos efeitos não era possível evitar ou

impedir (portanto, irresistível).485

(grifos do autor)

Assim, analisadas as hipóteses de caso fortuito e força maior, denota-se que possuem

algumas semelhanças com a Teoria da Imprevisão. Em primeiro lugar, destaca-se o fato de

ambas constituírem fatos jurídicos e, em segundo lugar, o momento em que ocorrem, ou seja,

são causas que surgem posteriormente à celebração do contrato, o que denota serem hipóteses

que apenas podem ocorrer nos contratos de execução diferida.486

Embora se assemelhem, não podem ser confundidas, pois, no caso fortuito e na força

maior a impossibilidade de cumprimento da obrigação é absoluta ao passo que na imprevisão

é apenas relativa, uma vez que, apesar de haver se tornado excessivamente onerosa para o

devedor, mas ainda é passível de cumprimento.487

No que se refere à imprevisibilidade, esta é fundamental na teoria da imprevisão, ao

passo que nas hipóteses de caso fortuito e de força maior esta não possui tanta relevância, uma

vez que seus requisitos essenciais são a inevitabilidade e a irresistibilidade do fato,

acrescentando-se que nesses últimos é apreciada a existência de lesões já consolidadas e na

teoria da imprevisão o que se exige é a iminência de ocorrência de uma lesão.488

Aponta-se também a questão da responsabilização do devedor, já que no caso fortuito

e na força maior, não se impõe qualquer dever de indenizar. Ao contrário, na imprevisão, a

regra é que o devedor deve cumprir sua prestação, que é apenas revista para restabelecer o

equilíbrio do contrato, sendo que, apenas em casos excepcionais, quando não foi possível

imputar às partes ou a terceiros qualquer responsabilidade não haverá o dever de indenizar.489

Prosseguindo, no caso fortuito e na força maior o devedor é atingido de maneira direta,

atingindo-se indiretamente o contrato. Já na imprevisão ocorre justamente o contrário,

acrescentando-se que nos primeiros é atingido inicialmente o devedor, ao passo que na

485 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral das obrigações. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.2, p.237-

238. 486

BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão no direito civil e no processo civil. São Paulo Malheiros, 2002,

p.152. 487 Op.cit, p.151-156. 488 Op.cit, p.155. 489 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.273.

155

imprevisão ambos os contratantes são atingidos, pois existe a possibilidade de uma extrema

vantagem para o credor e uma excessiva dificuldade para o devedor.490

Outra diferença a ser apontada refere-se à culpa. Nas hipóteses de caso fortuito e força

maior, é preciso que o devedor não esteja em mora. Na imprevisão, mesmo em mora, é

possível pleitear a revisão do contrato, desde que o acontecimento imprevisível tenha ocorrido

antes da mora do devedor.491 Ainda, ocorrendo caso fortuito ou força maior somente é

possível pleitear a resolução do contrato, enquanto na imprevisão, tendo em vista a adoção do

regime misto pelo novo Código Civil, é possível ocorrer tanto a resolução como a revisão do

contrato.492

Por fim, a questão da renúncia. Nas hipóteses de caso fortuito e força maior, as partes

podem pactuar acerca da renúncia ao direito de alegá-las, mas referida pactuação não encontra

foros de legitimidade na imprevisão, sendo irrenunciável o direito à revisão em face de um

acontecimento anormal, imprevisível. Primeiro porque representa princípio de ordem pública

e, segundo, porque não se pode renunciar aquilo que se desconhece.493

3.5.3 Erro

Desde o início deste trabalho tem-se divulgado a importância da vontade para o

desenvolvimento das relações contratuais. Devido à sua importância, nosso ordenamento

estabelece a possibilidade de anulação do negócio jurídico caso esta vontade apresente-se de

algum modo viciada.

Esta proteção já constava do Código Civil de 1916, no qual o Art. 147 estabelecia as

hipóteses de anulabilidade do ato jurídico, proteção que foi mantida no atual Código Civil,

que prescreve no Art. 171 as hipóteses que viciam a vontade, alterando a expressão ato

jurídico, por negócio jurídico, acrescentando os institutos da lesão e estado de perigo, além de

deslocar a simulação para as causas de invalidade do negócio jurídico.

490 BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão no direito civil e no processo civil. São Paulo Malheiros, 2002,

p.154. 491 Op.cit, p.157. 492 SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.107. 493 BORGES, Nelson. Op.cit, p.157.

156

Mantido instituto do erro pela codificação civil atual, faz-se necessária a compreensão

de seu alcance para diferenciá-la da imprevisão. Assim, o erro pode ser conceituado como

“[...] a idéia falsa da realidade, capaz de conduzir o declarante a manifestar sua vontade de

maneira diversa da que seria manifestada se porventura melhor a conhecesse”.494

Nosso código não diferenciou o erro da ignorância, equiparando os seus efeitos. Não

obstante, é possível diferenciá-los, uma vez que o “[...] erro manifesta-se mediante a

compreensão psíquica errônea da realidade, ou seja, a incorreta interpretação de um fato. A

ignorância é um „nada‟ a respeito de um fato, é o total desconhecimento”.495

Entretanto, não é qualquer espécie de erro que enseja a anulação do negócio jurídico,

sendo reconhecida doutrinariamente a exigência dos seguintes requisitos: que seja substancial;

escusável; e conhecido ou, pelo menos, passível de ser conhecido pelo outro contratante.496

Em primeiro lugar exige-se que o erro seja substancial, ou seja, “é o que tem papel

decisivo na determinação da vontade do declarante, de modo que, se conhecesse o verdadeiro

estado de coisas, não teria desejado, de modo algum, concluir o negócio”.497 A definição do

que seja erro substancial é dada pelo próprio Código Civil. O Art. 139 considera substancial o

erro quando:

I. interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a

alguma das qualidades a ele essenciais;

II. concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira

a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

III. sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, foi o motivo

único ou principal do negócio jurídico.498

O requisito da escusabilidade não é determinado expressamente pela lei, mas é

admitido pela doutrina como implícito do conceito de erro, pois se instalaria insegurança nas

494 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.187. 495 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.408. 496 RODRIGUES, Silvio. Op.cit, p.187. 497 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op.cit, p.411. 498 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.156.

157

as relações jurídicas se o ordenamento autorizasse o desfazimento de uma avença

beneficiando quem incidiu em erro inescusável.499

Para aferição desse requisito é preciso, nos termos do Art. 138 do Código Civil, levar-

se em conta o padrão do homem médio, ou seja, se “poderia ser percebido por pessoa de

diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”,500

revelando-se nessa análise das

circunstâncias a importância do papel do julgador, cabendo-lhe agir com prudência e bom

sendo para considerar as situações concretas ensejadoras do erro.501

O último requisito refere-se à conduta do outro contratante. Quando um contratante

pleiteia a anulação do negócio fundamentando-se no erro, além dos requisitos enumerados

acima, é preciso verificar se o outro contratante estava ou não de boa-fé, uma vez que, assim

atuando, o ordenamento jurídico lhe confere proteção, fazendo prevalecer o negócio jurídico

entabulado. Entretanto, caso tenha contratado, ciente do erro em que incidia a outra parte, ou

pelo menos, tivesse condições de conhecê-lo mediante diligência ordinária, não merece

amparo de nosso ordenamento, sendo o negócio anulado.502

Apresentado os contornos gerais do instituto do erro, constata-se que também não

pode ser confundido com a Teoria da Imprevisão, pois, enquanto no primeiro se pleiteia a

anulação do negócio jurídico, em face de uma circunstância concomitante à celebração da

avença, na imprevisão, em face de acontecimentos posteriores, pleiteia-se a resolução ou a

revisão de um contrato.

3.5.4 Lesão

O instituto da lesão, que encontra previsão normativa no Art. 157 do Código Civil de

2002, também não pode ser confundido com a Teoria da Imprevisão. Em termos doutrinários

este instituto é conceituado como “[...] o vício mediante o qual o contratante experimenta um

499 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.190-191. 500 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.156. 501 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.410. 502 RODRIGUES, Silvio. Op.cit, p.191-192.

158

prejuízo, quando, em contrato comutativo, não recebe, da outra parte, valor igual ao da

prestação que forneceu”.503

Embora expressamente consignada em nosso atual Código Civil, não é instituto

recente, uma vez que suas origens remontam ao Direito Romano, mais precisamente às

constituições imperiais de Diocleciano e Maximiliano, no qual a lesão era concebida levando-

se em consideração apenas o aspecto objetivo, consubstanciado na alienação da coisa por

menos da metade de seu valor.504

Prosseguindo em uma breve resenha de sua evolução histórica, o instituto desapareceu

na Alta Idade Média, ressurgindo apenas no século XII, com o Direito Canônico, que

introduziu o elemento subjetivo em seu conceito, consubstanciado no dolo por parte do

contratante beneficiado505. Ainda, verifica-se que o Code também conheceu o instituto,

restrito, porém, para apenas alguns contratos e para algumas espécies de pessoas506.

No Brasil pós-independência, as ordenações portuguesas ainda regiam nosso

ordenamento, sendo reconhecido o instituto da lesão em sua concepção objetiva, ou seja,

levava em consideração apenas a desproporção entre o valor e o preço, desconsiderando-se

aspectos de ordem psicológica. Nas ordenações Afonsinas era estendida para todos os

contratos e, nas Manuelinas e Filipinas, foram estabelecidas, respectivamente, a lesão enorme

e enormíssima.507

Todavia, o Código Comercial não previu este instituto, o mesmo ocorrendo com o

Código Civil de 1916, não obstante continuasse previsto no ordenamento de outros países

ocidentais, ressaltando-se que, antes do Código Civil de 2002, houve algumas tentativas de

introdução da lesão em nosso ordenamento, dentre elas, menciona-se a Lei n. 1.521/51(Dos

crimes contra a economia popular) que no Art. 4º, tarifa a lesão ou a estima de forma

quantitativa, com a novidade de concebê-la levando em conta também seu aspecto subjetivo,

nos mesmos moldes que as legislações da Itália, Suíça e Alemanha.508

503 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da

imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002, p.98. 504

SILVA, Luís Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de

Janeiro: Forense, 2001, p.70-71. 505 Op.cit, p.72. 506 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Op.cit, p.99. 507 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.488-489. 508 Op.cit, p.489.

159

[...] definidora embora do delito de usura, pecuniária ou real, não descurou a

lei a conseqüência cível ofensiva aos seus dispositivos. Além de punir com

pena corporal e pecuniária o infrator, volta sobre a avença e fere de nulidade a estipulação de juros ou lucros usurários, ao mesmo tempo em que arma o

juiz da faculdade de decidir por eqüidade, impondo-lhe o deve de „ajustá-lo à

medida legal ou ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com os

juros legais a contar da data do pagamento indevido.509

É possível mencionar, ainda, o Código de Defesa do Consumidor, que, apesar de não

prever de forma expressa o instituto da lesão, em alguns de seus dispositivos aparecem

algumas de suas características, mencionando-se o Art. 6º, V, que prevê a possibilidade de

modificação de cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais, o Art. 51, que trata

das cláusulas abusivas e o Art. 39 que proíbe as práticas abusivas que conferem vantagens

excessivas para os fornecedores, dentre outras.510

[...] a lesão prevista no CDC prescinde da demonstração do dolo de aproveitamento, por parte do fornecedor, bem como da premente

necessidade, por parte do consumidor. O CDC abdicou desses elementos

para atacar o negócio lesionário exatamente porque parte da presunção de que o consumidor é absolutamente vulnerável. Por outro lado, mesmo que o

fornecedor não tenha tido a intenção de aproveitar dessa vulnerabilidade do

consumidor, se o negócio foi celebrado com prestações manifestamente

desproporcionais, ter-se-á maltratado no caso concreto a boa-fé objetiva, incompatível com a obtenção da vantagem exagerada; vantagem esta que se

revela em uma prestação manifestamente desproporcional.511

O Art. 157 do Código Civil de 2002 expressamente introduziu o instituto da lesão em

nosso ordenamento, prescrevendo que ela ocorre quando uma pessoa se obriga a prestação

manifestamente desproporcional ao valor da contraprestação da outra parte, quando age

impelida por premente necessidade ou por inexperiência. Nos termos do mencionado

dispositivo, constata-se ser um direito conferido a ambas as partes contratantes e não apenas

ao devedor.512

509 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.137 apud

SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.170. 510 SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.170-171. 511 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.90. 512 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.490.

160

Prosseguindo com a análise, constata-se que o Art. 157 segue a diretriz do Código

Civil em privilegiar a manutenção do negócio, pois, o §2º do dispositivo em comento

prescreve que não será decretada a anulação do negócio se a parte favorecida pela avença

oferecer complemento do valor ou concordar com a redução de seu proveito.513

Referido instituto, nos termos estabelecido em nosso ordenamento, possui requisitos

objetivos e subjetivos. Os primeiros se referem à desproporção das prestações contratadas,

cuja aferição deve ser realizada levando-se em conta o momento da celebração da avença, nos

expressos termos do §1º do Art. 157. Ressalte-se, também, que a aplicação do instituto da

lesão somente é possível quando se tratar de contratos comutativos, pois é de sua essência a

equivalência das prestações,514 o que não acontece nos contratos aleatórios, os quais, assim,

escapam da incidência do instituto.

Os requisitos subjetivos se referem ao estado de ânimo do contratante, ou seja, à

premente necessidade ou à inexperiência, havendo entendimento doutrinário de que este

requisito compreenderia a noção do dolo de aproveitamento da parte beneficiária, embora o

Código Civil não se posicione expressamente a este respeito.515

Embora o art. 157 do Código Civil não faça menção expressa a esse

elemento [dolo de aproveitamento], somente aludindo de forma secundária no seu §2º, ele está subjacente na configuração da lesão. Foi necessário que

o Código Civil alemão colocasse o aproveitamento em seu art.138, para

trazer à luz o que vinha implícito ao longo dos tempos da dogmática da lesão. Quando o beneficiário do ato se aproveita de alguma circunstância

para obter vantagem, atua eludindo a boa-fé que deve reinar em todo o

negócio jurídico e, desta forma, é configurador de verdadeiro ilícito. A

exploração e o aproveitamento estão condensados na fórmula „prestação manifestamente desproporcional‟, observada no art. 157 do Código Civil,

bem assim na possibilidade de o contrato ser mantido, se „a parte favorecida

concordar com a redução do preço.516

Estabelecido o conceito e os requisitos da lesão, vislumbra-se que não se confunde

com o instituto da imprevisão, pois, ao contrário da imprevisão que surge após formação do

contrato, a lesão é concomitante ao nascimento do contrato. Ainda, a lesão pressupõe um

513 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.157. 514 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. 3.ed. São

Paulo: Saraiva, 2007, v.IV, t.1, p.272. 515 Op.cit, p.272. 516 SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.187-188.

161

requisito subjetivo, a premente necessidade ou a inexperiência do contratante, enquanto a

imprevisão exige tão somente a ausência de culpa e a diligência do homem médio.

É possível mencionar, ainda, que a lesão se enquadra como vício do consentimento ou

causa de rescisão do contrato, ao passo que a imprevisão como causa de revisão ou rescisão.

Por fim, a lesão exige a desproporção entre as prestações, enquanto a imprevisão não a exige

desproporção, bastando que durante a execução do contrato surjam situações que tornem a

execução do contrato mais gravosa para uma das partes.517

3.5.5 Abuso de direito

Nosso ordenamento protege o exercício regular de um direito, tanto que o Código o

Art. 160, I, do Código Civil de 1916, afastava a ilicitude da conduta daquele que exercitasse

regularmente um direito, preceito mantido pelo Código Civil de 2002 (Art. 188, I), havendo

norma semelhante no Art. 23 do Código Penal. Em matéria de responsabilidade civil é de

suma importância a questão da licitude ou não de uma conduta, haja vista que nosso

ordenamento reconhece o dever de indenizar a todo aquele que comete um ato ilícito.

A responsabilidade pelo cometimento de um ilícito pode ser contratual ou

extracontratual, também chamada de aquiliana. A primeira decorre do inadimplemento de

uma obrigação contratual, a segunda, da violação de uma norma legal ou norma de conduta,518

ambas encontrando previsão normativa no Código Civil (Art. 389 e Art. 186,

respectivamente). Aqui se dará ênfase apenas a esta última tendo em vista o objetivo do

presente estudo.

Tradicionalmente, para a imputação da responsabilidade civil, exigia-se a presença de

uma ação ou omissão voluntária, o prejuízo para a outra parte, o nexo de causalidade entre a

conduta e o dano, além da presença de dolo ou culpa do agente, entendimento que não dava

conta de abranger a situação daquele que atuasse exorbitando o exercício de um direito. Para

abranger essas situações começou a ser adotada a teoria do abuso do direito.519

517 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da

imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002, p.101. 518 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.308-309. 519 Op.cit, p.315-316.

162

O abuso de direito, nas lições de Sílvio de Salvo Venosa520, não se encontra no direito

positivo, decorrendo, antes da própria natureza das coisas e da condição humana, sendo um

conceito extralegal, portanto.

Não obstante, a noção de abuso do direito era retirada também de uma interpretação a

contrario sensu do Art. 160, I, do Código Civil de 1916, uma vez que, se o exercício regular

de um direito não era considerado ato ilícito, o exercício irregular então poderia ser assim

considerado, bem como do Art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que mencionada

sobre a necessidade de atender aos fins sociais da norma.

Entretanto, com o advento do Código Civil de 2002, o abuso do direito veio a ser

expressamente reconhecido como um ato ilícito, quando for exercido excedendo-se “[...]

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos

bons costumes”, nos termos estabelecidos no Art. 187.

A delimitação do que seria o exercício abusivo de um direito ocorre pela análise do

caso concreto, onde novamente é enaltecido o trabalho do julgador. Para tanto, deverá

considerar além da boa-fé e dos bons costumes, a questão da função social, razão pela qual

entende a doutrina que não se deverá perquirir acerca da intenção do agente em prejudicar

terceiros, ou seja, não se analisará o dolo ou culpa de sua conduta, bastando que a utilização

do direito de maneira desconsiderada.521

O exercício abusivo de um direito não se restringe aos casos de intenção de

prejudicar. Será abusivo o exercício fora dos limites da satisfação do

interesse lícito, fora dos fins sociais pretendidos pela lei, fora, enfim, da normalidade.

[...]

Daí sustentarmos que a transgressão de um dever legal preexistente, no

abuso de direito, é acidental e não essencial para configurá-lo. Essa também

parece ser a conclusão de Clóvis Beviláqua (1916, v. 1:473): „O exercício anormal de um direito é abusivo. A consciência pública reprova o exercício

do direito do indivíduo, quando contrário ao destino econômico e social do

direito, em geral.‟ (grifos do autor)

520 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2002, v.1, p.576-580. 521 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1, p.320.

163

Isto posto, resta analisar se o abuso do direito pode ser confundido com a teoria da

imprevisão. Alguns entendem que, caso o abuso do direito seja considerado apenas como o

exercício anti-funcional de um direito, essa atuação desconsiderada do agente serviria para

aplicação da teoria da imprevisão, negando a aplicação deste instituto caso fosse necessário

para a existência do abuso do direito a aferição da intenção de causar dano a outrem.522

A posição mais adequada, que apresenta a melhor interpretação segundo a legislação,

vigente é apresentada por Otávio Luiz Rodrigues Junior,523 entendendo que os institutos não

podem ser confundidos, uma vez que, na imprevisão, as partes não agem de forma contrária à

boa-fé, aos bons costumes ou à eqüidade, mas apenas ocorre um acontecimento imprevisível

que torna a prestação excessivamente onerosa, ao passo que, no abuso do direito, ocorre o

exercício irregular de um direito, que esse sim vem a ferir a boa-fé, os bons costumes e a

eqüidade.

3.5.6 Modificação e revisão do contrato de consumo

O inciso V do Art. 6º do CDC estabelece como direito básico do consumidor a

possibilidade de modificação de cláusula contratual que estabelecer prestações

desproporcionais ou possibilidade de sua revisão, quando, em razão de fatos supervenientes,

que as tornem excessivamente onerosas para o consumidor, o que representa uma exceção ao

sistema de nulidades absolutas das cláusulas.524

Referido dispositivo cuida da possibilidade de pleitear-se judicialmente a modificação

de cláusulas não-abusivas, que estabeleçam prestações desproporcionais ou, ainda, a

possibilidade de revisão do contrato na hipótese em que, não obstante houvesse equilíbrio

contratual no momento da avença, fatos supervenientes tornaram essas prestações

522 SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004, p.248. 523 RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da

imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002, p.102. 524 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.914.

164

excessivamente onerosas para o consumidor. Em ambos os casos se está diante de um caso de

revisão judicial unilateral, haja vista que este direito é conferido apenas ao consumidor.525

Este direito não representa, entretanto, uma autorização para que o consumidor deixe

de cumprir seus compromissos, inviabilizando toda a atividade econômica, o que seria uma

afronta ao próprio Texto Constitucional que assegura a liberdade de iniciativa. Por meio desta

norma objetiva-se, apenas, restabelecer o equilíbrio do contrato, mantendo-o íntegro e apto a

cumprir sua função sócio-econômica, representando, outrossim, uma mitigação ao princípio

da intangibilidade de seu conteúdo.526

A inserção desta norma em nosso ordenamento seria uma última tentativa, antes do

advento do Código Civil de 2002, de introdução do instituto da lesão em nosso ordenamento,

que no estatuto civil se configura quando uma pessoa se obriga a prestação manifestamente

desproporcional em decorrência de sua inexperiência ou premente necessidade, exigindo-se

dolo de aproveitamento da outra parte, hipótese menos ampla do que a consignada no CDC.527

Caberá ao julgador, constatando a presença de prestação desproporcional ou

onerosidade excessiva, instar as partes para uma composição a fim de que reequilibrem o

contrato. Não havendo acordo, o julgador, com fundamento na boa-fé objetiva e no equilíbrio

nas relações de consumo, proferir sentença estabelecendo novas bases ou nova cláusula para o

contrato. Nesta sentença, chamada determinativa, o juiz exercerá atividade de criação, de

molde a complementar ou alterar alguns dos elementos da relação de consumo sob análise.528

[...] a lesão prevista no CDC prescinde da demonstração do dolo de aproveitamento, por parte do fornecedor, bem como da premente

necessidade, por parte do consumidor. O CDC abdicou desses elementos

para atacar o negócio lesionário exatamente porque parte da presunção de que o consumidor é absolutamente vulnerável. Por outro lado, ainda que o

fornecedor não tenha tido a intenção de aproveitar dessa vulnerabilidade do

consumidor, o negócio foi celebrado com prestações manifestamente desproporcionais, ter-se-á maltratado no caso concreto a boa-fé objetiva,

incompatível com a obtenção de uma vantagem exagerada; vantagem

525 MARQUES, Cláudia Lima. A Lei 8.078/90 e os Direitos Básicos do Consumidor. In. BENJAMIN, Antônio

V. Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direitos do consumidor. São

Paulo: RT, 2007, p.58. 526 NERY JUNIOR, Nélson. Da proteção contratual. In GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código Brasileiro de

Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: FU, 1999, p.466-467. 527 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.89-90. 528 NERY JUNIOR, Nélson. Op.cit, p.467.

165

exagerada essa que se revela em uma prestação manifestamente

desproporcional.529

Nos termos do que estabelece o CDC, para que se possa pleitear a revisão ou

modificação do contrato, não se exige que os fatos supervenientes sejam imprevisíveis ou

excepcionais, não se exigindo também que haja vantagem excessiva para o outro contratante –

o fornecedor. Basta que a prestação a que se obrigou o consumidor seja considerada

manifestamente desproporcional ou que, embora houvesse equilíbrio no momento da avença,

fato superveniente venha tornar esta prestação excessivamente onerosa para ele.

Aliás, esta foi uma das conclusões a que se chegou no II Congresso Brasileiro de

Direito de Consumidor realizada no ano 2000: “Para fins de aplicação do art. 6º, V, do CDC,

não são exigíveis os requisitos da imprevisibilidade e excepcionalidade, bastando a mera

verificação da onerosidade excessiva”.530

A possibilidade de modificação ou revisão prevista no Art. 6º, V, do CDC, não se

confunde com a hipótese prevista no Art. 478 do novo Código Civil que trata da resolução do

contrato por onerosidade excessiva, onde se possibilita que o devedor, nos contratos de

execução continuada ou diferida, possa pleitear a resolução do contrato, quando, em virtude

de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a prestação de uma das partes se tornar

excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra.

O CDC almeja com a referida norma a manutenção do contrato, pois apenas se refere à

modificação e revisão do contrato, ao passo que o Código Civil, a princípio, trata da resolução

do contrato, regra apenas atenuada por seu Art. 479 que estabelece a possibilidade de sua

revisão ao invés de sua resolução, quando a outra parte se oferece a modificar eqüitativamente

as condições do contrato.

Outra diferença, o Código Civil exige a presença dos requisitos, imprevisibilidade,

extraordinariedade e a existência de extrema vantagem para a outra parte, enquanto o CDC

apenas exige a presença de prestação manifestamente desproporcional ou prestação

529 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.90. 530 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.918.

166

excessivamente onerosa em razão de fato superveniente, ou seja, exige a quebra da base

objetiva do negócio.531

Em outras palavras, o ordenamento autorizador da ação modificadora do

judiciário é o resultado objetivo da engenharia contratual, que agora apresenta a mencionada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado

de simples fato superveniente, fato que não necessita ser extraordinário,

irresistível, fato que podia ser previsto e não foi. O CDC também, não exige, para promover a revisão, que haja „extrema vantagem para a outra‟ parte

contratual, como faz o Código Civil (art. 478).532

Cláudia Lima Marques leciona que a jurisprudência passou a exigir outro requisito

para utilização do instituto, que o fato causador da onerosidade excessiva não possa ser

imputado ao consumidor, esclarecendo, ainda, que o vocábulo onerosidade excessiva

encontraria sua fonte na teoria da base do negócio jurídico.533

Desta forma, constata-se que a proteção contratual do consumidor, nos termos do que

foi realçado até o presente momento, comporta duas frentes. Havendo cláusulas consideradas

abusivas o julgador poderá ex officio ou a pedido do consumidor, mesmo quando for réu,

declarar a nulidade desta cláusula mantendo-se o contrato, quando for possível sua integração,

excluindo-se apenas a cláusula abusiva.

De outro lado, não havendo cláusulas abusivas, mas constatando-se que o consumidor

se obrigou a prestação manifestamente desproporcional, poderá ser pleiteada a modificação

desta cláusula contratual, ou ainda, caso o contrato, apesar de equilibrado no momento de sua

celebração, venha apresentar prestação excessivamente onerosa para o consumidor, poderá ser

pleiteada sua revisão.

Percebe-se em ambos os casos a importância da atuação do julgador que, sensível aos

princípios da boa-fé objetiva, a função social dos contratos e ao equilíbrio que deve nortear as

relações de consumo, deverá readequar o contrato para que as prestações sejam equilibradas e

não frustrem tanto os interesses do consumidor como os interesses da atividade econômica.

531

MARQUES, Cláudia Lima. A Lei 8.078/90 e os Direitos Básicos do Consumidor. In. BENJAMIN, Antônio

V. Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direitos do consumidor. São

Paulo: RT, 2007, p.58. 532 Op.cit, p.58. 533 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais. 5.ed. São Paulo: RT, 2006, p.920.

167

A proteção e revisão contratual, desta forma, apresentam-se em plena consonância

com a nova diretriz de respeito à função social do contrato, à boa-fé entre as partes

contratantes e à presença de uma real igualdade entre elas, pois, ao proteger-se o contratante

mais fraco contra as cláusulas abusivas, principalmente nos contratos de adesão, no qual seu

conteúdo já é predisposto por uma das partes, representa uma tentativa de restabelecer o

equilíbrio da relação contratual.

Além disso, revela-se que esta proteção contratual visa proteger não apenas as partes

contratantes, mas o próprio instituto do contrato, pois, ao mesmo tempo em que o

ordenamento comina a sanção de nulidade para as cláusulas abusivas, permite que se

mantenha o vínculo contratual, quando for possível a integração do contrato sem que haja

ônus excessivo para qualquer das partes.

Esta solução está em consonância com o princípio da função social do contrato, pois,

este não é mais analisado apenas do ponto de vista das partes individualmente consideradas,

mas também com base nos reflexos que este contrato trará para as pessoas que não

intervieram diretamente, além de ser, por excelência, o meio pelo qual se promove a

circulação de riquezas na sociedade.

Assim, naqueles casos expressamente permitidos em lei, permite-se que o juiz altere o

conteúdo do contrato para restabelecer o equilíbrio das partes, preferindo uma sentença que

realize sua integração. Em sua atuação, o magistrado, apesar de possuir discricionariedade,

não poderá agir de forma arbitrária, uma vez que deverá respeitar os limites estabelecidos pelo

próprio ordenamento, relevando-se, assim, de suma importância as regras de hermenêutica

para a correta atuação no caso concreto.

Por todo o exposto, denota-se que cabe ao julgador o importante papel de realizar a

compatibilização da liberdade de iniciativa com os postulados de igualdade material, da boa-

fé e do respeito à função social que o contrato hoje desempenha, ou seja, de instrumento de

desenvolvimento da sociedade e não de opressão do mais forte sobre o mais fraco.

168

4 A ATUAÇÃO DO JULGADOR NA MODIFICAÇÃO DA CLÁUSULA – SENTENÇA

DETERMINATIVA

A proteção contratual do consumidor é exercida, dentre outras, pela possibilidade de

revisão dos contratos, com vistas ao restabelecimento de seu equilíbrio diante de cláusulas

abusivas, de prestações onerosas ou desproporcionais. Esta adequação é realizava pela

atividade do julgador que, analisando as hipóteses legais e o caso concreto, deve estabelecer a

solução mais eficaz para o restabelecimento do mencionado equilíbrio. Para tanto, proferirá

uma sentença determinativa, cujos principais contornos serão analisados na seqüência.

4.1 SENTENÇA DETERMINATIVA

Nosso ordenamento, em casos expressos, autoriza que o juiz revise e modifique o

conteúdo do contrato, o que representa um aumento de seu poder e de sua responsabilidade na

solução dos casos concretos, realizando a compatibilização do contrato como instrumento de

circulação de riquezas, levando-se em conta também a função social que lhe conferida e sua

consonância com a boa-fé.

O contrato vai além do contrato, sem que isso seja um mero jogo de

palavras, porquanto atravessa o mundo jurídico, alcançando espaço territorial e moral dos contraentes e dos eventuais negócios jurídicos que

dele possam surgir, podendo, assim, produzir efeitos perante terceiros, o que

impõe a releitura do denominado princípio da relatividade de seus efeitos, sobretudo dentro do paradigma da função social; competindo ao magistrado

responsável a atitude de desenvolver uma hermenêutica comprometida que

veja o contrato como um fato social, sem clausura, o qual interage com o

complexo cotidiano e com a paz social [...].534

(grifos do autor)

534 RUSSO JUNIOR, Rômolo. O poder do juiz de integrar o contrato à realidade: ótica do declínio as

relatividade, do não isolamento, da função social orientadora e da dignidade da pessoa humana. In NERY, Rosa

Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.147-

148.

169

Nestes casos autorizados, a lei não especifica todas as particularidades para a solução

da controvérsia, abrindo-se a oportunidade para que o juiz, discricionariamente, mas desde

que respeitados o próprio conteúdo estabelecido pela lei, ou quando este não houver, com

fundamento na analogia e nos princípios gerais e respeitando os interesses dos sujeitos

envolvidos, possa solucionar a lide de modo a manter uma situação de equilíbrio entre as

partes.535

Significa dizer que todos os figurantes do sistema de direito, para agir, têm

de respeitar certos limites impostos. Depreende-se, então, que o valor primário da autonomia privada não pode ser trocado ou afetado pelo poder

de decisão do juiz; entretanto, caso as conseqüências deste valor primário da

autonomia privada afetem uma das partes ou mesmo terceiros, de forma a acarretar um desequilíbrio ou até mesmo prejuízo, ai sim, o juiz deve

„intervir‟, de forma a dar uma solução ao problema, ainda que esta solução

não esteja completamente expressa na lei, ou seja, poderá o juiz se socorrer de conceitos metajurídicos para chegar à melhor solução, que se espera ser a

mais justa para o caso concreto.536

O juiz, para a consecução deste mister, proferirá uma sentença determinativa, ou seja,

“[...] aquela que estabelece o conteúdo da vontade de uma norma que não define

completamente o caso concreto e suas conseqüências, ou seja, é uma sentença que completa

ou muda alguns elementos de uma relação jurídica já constituída”,537 exercendo, pois, uma

verdadeira atividade criadora.

Pedida a modificação da cláusula contratual que estabeleça prestações

desproporcionais ou a revisão do contrato por onerosidade excessiva, cumpre ao juiz proferir sentença determinativa. O magistrado irá integrar o

contrato, criando novas circunstâncias contratuais. Para tanto deverá

pesquisar e observar a vontade das partes quando da celebração do contrato de consumo, qual a dimensão da desproporção da prestação ou da

onerosidade excessiva, de forma a recolocar as partes na situação de

535 GONÇALVES, Graziela Marisa. As sentenças determinativas e o juiz. In NERY, Rosa Maria Andrade

(coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.94-96. 536 GAGO, Viviane Ribeiro. A intervenção do juiz na vontade de contratar. In NERY, Rosa Maria Andrade

(coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.182-183. 537 GONÇALVES, Graziela Marisa. Op.cit, p.94.

170

igualdade contratual em que devem se encontrar, desde a formação até a

execução completa do contrato.538

A sentença determinativa vem sendo abordada levando em consideração suas

diferentes formas de aplicação: tradicional processual, quando explica aquela sentença que

trata de situações continuativas, como a que fixa alimentos; de direito material, quando se

refere às decisões que alteram o conteúdo do contrato, quando reconhecida onerosidade

excessiva; e hermenêutico-integrativa, quando o juiz confere concretude a uma norma

imprecisa539.

Esta decisão não seria uma nova espécie de sentença, ao lado das já tradicionais

sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias, ou ainda, mandamentais e executivas

lato sensu, uma vez que poderá assumir qualquer destas eficácias nos casos em concreto,

atuando de forma a integrar uma dada relação jurídica, na qual o legislador a autorizar para

tanto.540

Esta autorização para que o julgador decida o caso concreto de acordo com as

particularidades que lhe são apresentadas, restabelecendo o equilíbrio contratual, vai de

encontro às mudanças de nossa sociedade, principalmente após a promulgação da

Constituição Federal de 1988, que conferiu ao julgador um importante papel para solução das

lides, o que foi reforçado com o advento do Código Civil de 2002 e pelo Código de Defesa do

Consumidor.

A importância da atuação do julgador é revelada quando se observa que foi adotado

pelo nosso ordenamento uma técnica legislativa que possibilita a flexibilização do sistema,

por meio da adoção de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, que são constituídos por

termos vagos onde, para sua aplicação, o julgador deve utilizar-se dos métodos de

interpretação para alcançar a solução mais adequada para o caso concreto.541

O julgador, assim, “[...] tem o poder de integrar o negócio jurídico, conferindo à

cláusula discutida o conteúdo vivo e concreto presente em sua inicial abstração, decorrência

538

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

processual civil extravagante em vigor. 4.ed. São Paulo: RT, 1999, p.1804, comentário n.4 ao artigo 6º do CDC. 539 LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. A sentença determinativa re-conhecida. In NERY, Rosa Maria

Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.150. 540 Op.cit, p.162. 541 Op.cit, p.152.

171

da normativa do novo sistema civil que impõe uma conexão interna em todos os institutos”.542

Porém, isso não significa uma total discricionariedade para o juiz, pois ele está limitado pelo

ordenamento jurídico, devendo apresentar os motivos que fundamentam sua decisão, ou seja:

Esta busca do juiz pela verdade tem limites impostos pela própria lei; deverá

ele, dentro do que for humanamente possível manter sua imparcialidade,

observar e respeitar o que é trazido ao processo, não poderá aleatoriamente trazer ou criar situações para defender o que subjetivamente entende ser o

correto, o verdadeiro.543

Merece destaque o fato de que, apresentada a questão ao juiz, este poderá decidir de

ofício, procedendo-se à revisão do contrato e à manutenção do vínculo estabelecido pelas

partes, pois o legislador entendeu que “[...] se garantidas a lealdade das partes e a boa-fé no

negócio, deveria ser protegida a vontade das partes, primando-se pela manutenção do contrato

requacionado, privilegiando-se a execução específica das obrigações assumidas, em

detrimento da resolução em perdas e danos.”544

Assim, constata-se que o juiz, na aplicação dos dispositivos constantes no Código

Civil e no Código de Defesa do Consumidor, autorizadores da modificação de cláusulas

contratuais e a revisão do contrato, deverá proferir uma sentença, mantendo, quando possível,

o vínculo contratual estabelecido, alterando o conteúdo do contrato em apreço para

restabelecer o equilíbrio entre as prestações das partes.

Esta manutenção do vínculo com o restabelecimento do equilíbrio entre as partes está

em plena consonância com o entendimento de que, havendo boa-fé entre as partes, deverá

atender-se à função social que contrato exerce na sociedade, pois, não pode ser concebido que

um contrato venha a ser celebrado para que não produza efeitos, já que estes efeitos podem se

refletir não apenas entre as partes contratantes, mas também para outras pessoas não

expressamente constantes da relação contratual.

542 RUSSO JUNIOR, Rômolo. O poder do juiz de integrar o contrato à realidade: ótica do declínio as

relatividade, do não isolamento, da função social orientadora e da dignidade da pessoa humana. In NERY, Rosa

Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.145. 543 GAGO, Viviane Ribeiro. A intervenção do juiz na vontade de contratar. In NERY, Rosa Maria Andrade

(coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006, p.181. 544 KURBHI, Pedro Luiz Nigro. Reflexões em torno da intervenção do juiz na vontade de contratar. In NERY,

Rosa Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006,

p.128.

172

4.2 MODIFICAÇÃO DO CONTRATO PELOS TRIBUNAIS

A compreensão do atual posicionamento do Poder Judiciário, no que tange à revisão

dos contratos envolvendo consumidores, com vistas à preservação do vínculo e

restabelecimento do equilíbrio entre as partes, com alteração ou manutenção de cláusulas,

revela-se de fundamental importância para constatação da efetivação das novas diretrizes

estabelecidas por nosso ordenamento.

Para a consecução desse mister, foram utilizados como paradigma os contratos

firmados pelas instituições financeiras, pois, nestes casos, é notório desequilíbrio de forças

entre as partes, sendo freqüentes os questionamentos judiciais acerca da abusividade de

cláusulas ou da excessividade dos encargos contratados.

O critério para a pesquisa consistiu na análise dos julgados proferidos pelo Superior

Tribunal de Justiça (STJ), no período entre 1º de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2009,

envolvendo pleitos acerca da revisão do contrato firmados em face das instituições financeiras

e, mais especificamente, as questões sobre capitalização de juros, comissão de permanência,

juros remuneratórios e juros moratórios. Quando houve necessidade, foram analisados

julgados referentes a períodos anteriores ou posteriores.

Preliminarmente, de forma geral, é importante consignar que a aplicação do Código de

Defesa do Consumidor às instituições financeiras já foi pacificada pelo STJ por meio da

Súmula n. 297 que traz o seguinte enunciado: “O Código de Defesa do Consumidor é

aplicável às instituições financeiras”.545

Complementando este entendimento, importante esclarecer que o STJ também

pacificou o entendimento acerca da aplicabilidade do CDC às operadoras de cartão de crédito,

nos termos do enunciado da Súmula n. 283: “As empresas administradoras de cartão de

crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não

sofrem as limitações da Lei de Usura”.546

Finalizando esses esclarecimentos preliminares, importante destacar a Súmula n. 381

do STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao judiciário conhecer de ofício, da abusividade

545 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo. Saraiva, 2009, p.1.799. 546 Op.cit, p.1.799.

173

de cláusulas”.547

Enunciado que vem corroborar o entendimento pacificado pelo Tribunal

quando de julgamento Recurso Especial, sob o argumento de que, conhecer de ofício a

respeito dessas cláusulas, representaria julgamento extra petita, ofendendo o princípio da

correlação.548

Como já esclarecido anteriormente, referida Súmula contraria texto expresso de lei,

uma vez que o CDC, além de reconhecer em seu Art. 1º, que suas normas são de ordem

pública e interesse social, ao tratar das cláusulas abusivas em seu Art. 51, expressamente

prescreve que estas cláusulas são nulas de pleno direito.549

Feitas estas considerações preliminares, são apresentadas, na seqüência, as conclusões

obtidas.

4.2.1 Capitalização de juros

A análise dos acórdãos, tendo como critério de busca a expressão “capitalização de

juros”, apresentou como primeira conclusão o fato de que, em sua maioria, as decisões

possuíam como objeto de análise, os contratos vinculados ao Sistema Financeiro de

Habitação (SFH).

Embora não diretamente relacionados com o tema da capitalização de juros, constatou-

se que esses contratos podem ou não estar sujeitos às normas consumeristas. Quando

vinculados ao Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS), em razão da presença do

Estado como garantidor do pagamento do saldo devedor, deverão sujeitar às normas especiais

protetivas do mutuário hipossuficiente, afastando-se a incidência do CDC. Nos demais

contratos, é possível a incidência das normas consumeristas.

547 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n.381. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=@docn&tipo_visualizacao=RESUMO&menu=SIM>.

Acesso em: 28mai.2010. 548

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.061.530-RS (2008/0119992-4). Segunda Seção.

Recorrente: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S/A . Recorrida: Rosemari dos Santos Sanches. Relatora:

Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 22 de outubro de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1061530&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.

Acesso em: 28mar.2010. 549 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo. Saraiva, 2009, p.801-806.

174

Com relação à capitalização de juros, é unânime o entendimento de que sua

contratação somente é possível quando expressamente autorizada por lei, o que não seria o

caso do Sistema Financeiro da Habitação. Assim, nesses contratos, ilícita a capitalização de

juros, em qualquer periodicidade, mesmo que expressamente pactuada. Neste último caso, a

cláusula seria abusiva, devendo ser expurgada do contrato.

Desta forma, incidiriam nestes casos o Art. 4º do Decreto n. 22.626/33 que prescreve:

“É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros

vencidos aos saldos líquidos em conta corrente ano a ano”.550

Este preceito é corroborado pelo

enunciado na Súmula n. 121 do STF: “É vedada a capitalização de juros, ainda que

expressamente convencionada”.551

Nesse ponto, importante destacar voto proferido pelo Ministro Luís Felipe Salomão,552

no qual esclarece que, não obstante o entendimento pacífico do STJ quanto à impossibilidade

de capitalização de juros nos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, com o

advento da Lei n. 11.977/2009,553

existe a possibilidade de capitalização mensal dos juros, o

que, presumivelmente, alterará a orientação deste Tribunal nos julgamentos posteriores.

Referida legislação alterou a Lei n. 4.380/64, acrescentando o Art. 15-A, com a

seguinte redação: “É permitida a pactuação de capitalização de juros com periodicidade

mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da

Habitação - SFH.” Ainda, houve o acréscimo do Art. 15-B, nos seguintes termos:

Nas operações de empréstimo ou financiamento realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro da Habitação que prevejam pagamentos

por meio de prestações periódicas, os sistemas de amortização do saldo

devedor poderão ser livremente pactuados entre as partes.

550 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo:Saraiva, 2009, p.1.151. 551 Op.cit, p.1.775. 552 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.070.297-PR (2008⁄0147497-7). Segunda Seção.

Recorrente: Banco Itaú S⁄A. Recorrido: Hiroyasu Mori e Outros. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão,

Brasília, DF, 09 de setembro de 2009. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1070297&b=ACO

R>. Acesso em: 30mar.2010. 553 BRASIL. Lei n.11.977, de 07 de julho de 2009. Presidência da República. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11977.htm>. Acesso em: 28maio2010.

175

Com relação à utilização da Tabela Price, constatou-se o entendimento unânime de

que sua utilização pode ocasionar a capitalização de juros, não sendo, porém, uma presunção

absoluta, devendo, assim, ser demonstrada sua irregularidade caso a caso, prova esta que deve

ser realizada nas instâncias ordinárias. Comprovada a capitalização, o STJ tem determinado a

revisão dos contratos.

Ainda, é unânime o entendimento, nos termos dos julgados apresentados no anexo I,

de que a fórmula utilizada para amortização do saldo devedor, por si só, não gera a

capitalização de juros, ou seja, é legítimo que primeiro seja calculada a correção monetária e

os juros, para somente depois se proceder ao abatimento da prestação mensal do contrato de

mútuo, não havendo afronta ao Art. 6º, “c”, da Lei n. 4.380/64, uma vez que:

[...] ao se extrair do total do saldo devedor, antes da atualização, o montante

referente à prestação, estar-se-ia deixando de remunerá-lo naquele mês. Caso contrário o mutuário teria permanecido coma disponibilidade do numerário

mutuado durante trinta dias, devolvendo-o com idêntico valor nominal,

porém com menor valor real.554

O dispositivo acima mencionado estabelece que:

Art. 6º O disposto no artigo anterior somente se aplicará aos contratos de

venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão, ou empréstimos que satisfaçam às seguintes condições:

[...]

c) ao menos parte do financiamento, ou do preço a ser pago, seja amortizado em prestações mensais sucessivas, de igual valor, antes do reajustamento,

que incluam amortização e juros;555

Nos contratos de crédito educativo, por sua vez, a primeira constatação é a de haver

controvérsia acerca da incidência das normas consumeristas. Na Primeira Turma do STJ,

prevalece o entendimento acerca da aplicação do CDC, enquanto na Segunda Turma,

554 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 919.693-PR (2007⁄0016152-4). Segunda Turma.

Recorrente: Neucileia Gerchevski. Recorrido: Banco Itaú S⁄A. Relator: Ministro Castro Meira, Brasília, DF, 14

de agosto de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=919693&b=ACOR

>. Acesso em: 30mar.2010. 555 BRASIL. Lei n.4.380 de 21 de agosto de 1964. Presidência da República. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4380.htm>. Acesso em: 01jun.2010.

176

prevalece o entendimento acerca da não aplicação, sob o fundamento de que a relação

existente não é bancária, mas sim um programa governo custeado pela União, onde a Caixa

Econômica Federal é apenas a mera executora do programa.

Especificamente quanto à capitalização de juros, segue-se o mesmo entendimento

relacionado aos contratos vinculados ao SFH, ou seja, pacífico que, para a possibilidade de

capitalização de juros, é necessária a existência de expressa autorização legal, o que não se

verifica nos contratos de crédito educativo. Assim, perfeitamente aplicável o Art. 4º do

Decreto n. 22.626/33 e a Súmula 121 do STF, proibindo-se a capitalização de juros nesses

contratos.

Nos contratos bancários, existe de divergência quanto à possibilidade de

capitalização em período inferior a um ano. Analisando-se os julgados, constata-se a

existência de divergência dentro das próprias Turmas do STJ, em especial, a Terceira.

De fato, quando do julgamento de questão envolvendo contrato de abertura de crédito

em conta corrente,556

bem como questão envolvendo contrato de financiamento com alienação

fiduciária em garantia,557

reconheceu o Tribunal ser possível a capitalização de juros, desde

que, em periodicidade não inferior a anual, ou seja, vedando a capitalização mensal, incidindo

no caso, o que prescreve o Art. 4º do Decreto 22.626/33.

Argumenta-se nesse caso, que a Medida Provisória n. 2170-36, não incidiria sobre

todas as aplicações financeiras, mas que trataria somente de matéria referente à gestão de

recursos públicos, assim, o Art. 5º desta norma deveria ser interpretado de forma sistemática,

não podendo se concluir, por extensão, que pudesse ser aplicada a qualquer aplicação

financeira.558

556 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.039.052-PR (2008/0051789-1). Terceira Turma.

Recorrente: Banco Rural S/A. Recorrido: Jussana Maria Frantzezos e outro. Relator: Ministro Massami Uyeda,

Brasília, DF, 12 de agosto de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1039052&b=ACO

R>. Acesso em: 30mar.2010. 557 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.036.793-RS (2008/0048797-3). Terceira Turma. Recorrente: HSBC Bank Brasil S/A. Recorrido: Dinara Cardoso Turkienicz. Relator: Ministro Massami Uyeda,

Brasília, DF, 20 de maio de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1036793&b=ACO

R>. Acesso em: 30mar.2010. 558 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.602.068 (2003/0191976-5). Segunda Seção.

Recorrente: Banco Santander Brasil S/A. Recorrido: Indústria Metalúrgica DP Ltda. Relator: Ministro Antônio

de Pádua Ribeiro, Brasília, DF, 24 de setembro de 2004. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=602068&b=ACOR

>. Acesso em: 02.jun.2010.

177

Complementa o raciocínio acima, o fato de que a Constituição Federal, ao tratar do

Sistema Financeiro Nacional prescreveu que deva ser regulado por meio de lei complementar

e, vedando a própria Constituição, que as medidas provisórias tratem de matéria reservada à

lei complementar, justificar-se-ia a não aplicação do mencionado Art. 5º, vedando-se, assim, a

capitalização mensal de juros.

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o

desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da

coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive,

sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.559

[...]

Art. 62. [...].

§1º. É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

[...]

III – reservada à lei complementar;560

Porém, esta mesma turma, em julgamento que envolveu contrato de financiamento,561

reconheceu a possibilidade de capitalização mensal de juros para os contratos firmados após

31/03/2000. O mesmo posicionamento foi constatado em julgados proferidos pela Quarta

Turma do Tribunal, em questão envolvendo mútuo bancário,562

utilizando-se como paradigma

julgamentos proferidos pela Segunda Seção do Tribunal563

em questão envolvendo contrato

de abertura de crédito em conta corrente.

559 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.62. 560 Op.cit, p.31. 561 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.821.357-RS (20060036491-0). Terceira Turma.

Recorrente: Banco ABN Amro Real S/A. Recorrido: Alcino Santos Genro. Relator: Ministro Carlos Alberto

Menezes Direito, Brasília, DF, 23 de agosto de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=821357&b=ACOR>. Acesso em: 30mar.2010. 562 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.906.054-RS (200602623339-1). Quarta Turma.

Recorrente: Banco Sudameris Brasil S/A. Recorrido: Iris Gena Silveira da Rocha e outro. Relator: Ministro Aldir

Passarinho Júnior, Brasília, DF, 07 de fevereiro de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=906054&b=ACOR

>. Acesso em: 30mar.2010. 563 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 602.068 (2003/0191976-5). Segunda Seção.

Recorrente: Banco Santander Brasil S/A. Recorrido: Indústria Metalúrgica DP Ltda. Relator: Ministro Antônio

de Pádua Ribeiro, Brasília, DF, 24 de setembro de 2004. Disponível em:

178

Neste caso, argumenta-se que a norma do Art. 5º da medida provisória em comento é

expressa ao prever sua aplicabilidade às instituições financeiras, sem qualquer ressalva, aliado

ao fato de ser comum, embora não desejável, que o legislador insira dispositivos em leis que,

aparentemente, não digam respeito ao assunto tratado.564

Ainda, argumenta-se que o STJ, ao tratar da questão envolvendo juros remuneratórios,

considerou que o tema encontra-se inteiramente regulado pela Lei n. 4.595/64 que possui

caráter de lei complementar e especial, aplicando-se o Art. 5º da referida medida provisória

em detrimento do Art. 591 do Código civil de 2002, devendo ser realizado o mesmo aplicado

à capitalização de juros, permitindo-se, assim, a capitalização mensal, nos seguintes termos:

No que tange à Medida Provisória n. 1.963-17 (2.170-36), evidentemente

que o primeiro fundamento não se aplica. Porém, entendo que o segundo

sim, por se direcionar às "operações realizadas pelas instituições integrantes

do Sistema Financeiro Nacional", especificidade que a faz prevalente sobre a lei substantiva atual, que não a revogou expressamente e não é com ela

incompatível, porque é possível a coexistência por aplicável o novo código

substantivo aos contratos civis em geral (art. 2º, parágrafo 2º, da LICC), não tratados na aludida Medida Provisória.

Ademais, em obediência ao princípio da simetria, não se pode pretender,

como visto no precedente acima transcrito, que aos juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras seja inaplicável o art. 591 do Código

Civil em vigor e ao mesmo tempo tê-lo como autorizativo da capitalização

apenas anual, eis que indissociável a parte final do restante do dispositivo

legal. Tem-se, assim, que a partir de 31.03.2000 é facultado às instituições

financeiras, em contratos sem regulação em lei específica, desde que

expressamente contratado, cobrar a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, direito que não foi abolido com o advento da Lei n.

10.406⁄2002.565

Por fim, no tocante às cédulas de crédito industrial, rural e comercial, é pacífico o

entendimento acerca da possibilidade de capitalização mensal dos juros, desde que seja

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=602068&b=ACOR

>. Acesso em: 02.jun.2010. 564 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.602.068 (2003/0191976-5). Segunda Seção. Recorrente: Banco Santander Brasil S/A. Recorrido: Indústria Metalúrgica DP Ltda. Relator: Ministro Antônio

de Pádua Ribeiro, Brasília, DF, 24 de setembro de 2004. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=602068&b=ACOR

>. Acesso em: 02.jun.2010. 565 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.906.054-RS (2006⁄0262339-1). Quarta Turma.

Recorrente: Banco Sudameris Brasil S⁄A. Recorrido: Iris Gena Silveira da Rocha e Outro. Relator: Ministro

Aldir Passarinho Junior, Brasília, DF, 07 de fevereiro de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=906054&b=ACOR

>. Acesso em: 30mar.2010.

179

expressamente pactuada, uma vez que existe expressa autorização legal, não necessitando,

assim, de expressa autorização do Conselho Monetário Nacional.566

Incide no caso a Súmula

n. 93 do STJ: “A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o

pacto de capitalização de juros”.567

Acrescente-se que, muito embora haja menção à capitalização semestral no Art. 5º do

Decreto n. 167/67, que cria a cédula de crédito rural, existe a ressalva do acordo entre as

partes, admitindo-se, assim, que possam pactual de forma diversa, respeitando-se o limite

mínino da capitalização mensal.568

Art. 5º As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros as taxas que o Conselho Monetário Nacional fixar e serão exigíveis em 30 de junho e

31 de dezembro ou no vencimento das prestações, se assim acordado entre as

partes; no vencimento do título e na liquidação, por outra forma que vier a ser determinada por aquele Conselho, podendo o financiador, nas datas

previstas, capitalizar tais encargos na conta vinculada a operação.569

Com relação às cédulas de crédito comercial, a autorização está expressa no Art. 5º, da

Lei n. 6840/64: “Aplicam-se à Cédula de Crédito Comercial e à Nota de Crédito Comercial as

normas do Decreto-Lei nº 413, de 9 de janeiro 1969 [...]”.570

Este Decreto-Lei, por seu turno,

no §2º, do Art. 11, expressamente autoriza a capitalização de juros nas cédulas de crédito

industrial, nos seguintes termos:

Art. 11 [Decreto-Lei n. 413/69]

[...]

566 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.256.128-RS (2000/0039419-0). Quarta

Turma. Agravante: Darcy Luiz Bortolazzo Vendrusculo e Outro. Agravado: Banco do Brasil S⁄A. Relator:

Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Brasília, DF, 17 de maio de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=256128&b=ACOR

>. Acesso em: 02jun.2010. 567 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1.795. 568 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo de Instrumento n.966.398-AL (2007/0235571-3).

Quarta Turma. Agravante: Banco do Nordeste do Brasil S⁄A. Agravado: Sururu de Capote – Marques e Rebelo

Ltda. Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior, Brasília, DF, 26 se agosto de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=966398&b=ACOR

>. Acesso em: 02jun.2010. 569 BRASIL. Decreto-lei n.167, de 14 de fevereiro de 1967. Presidência da República. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0167.htm>. Acesso em: 04jun.2010. 570 BRASIL. Lei n.6.840, de 03 de novembro de 1980. Presidência da República. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1980-1988/L6840.htm>. Acesso em: 04jun.2010.

180

§2º. A inadimplência, além de acarretar o vencimento antecipado da dívida

resultante da cédula e permitir igual procedimento em relação a todos os

financiamentos concedidos pelo financiador ao emitente e dos quais seja credor, facultará ao financiador a capitalização dos juros e da comissão de

fiscalização, ainda que se trate de crédito fixo.571

Por fim, no tocante à capitalização de juros, é importante mencionar o enunciado da

Súmula 102 STJ: “A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações

expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”.572

4.2.2 Comissão de permanência

No tocante à comissão de permanência, seguindo a metodologia alhures mencionada,

constatou-se que, nos contratos bancários, o STJ consolidou o entendimento acerca da licitude

de sua cobrança após o vencimento da dívida, desde que pactuada.573

Entretanto, o cálculo deve ser realizado tomando-se como base a taxa média dos juros

cobrados pelo mercado no dia do pagamento, apurado pelo Banco Central do Brasil, limitada

à taxa pactuada no contrato. Ainda, veda a cumulação de sua cobrança com correção

monetária, juros remuneratórios, juros moratórios e multa contratual. Caso haja referida

cumulação, os contratos deverão ser revistos para que estes últimos sejam expurgados,

mantendo-se a comissão de permanência.574

Nos termos dos julgados, ao tema se aplicam as seguintes súmulas editadas pelo

STJ:575

Súmula n. 30: “A comissão de permanência e a correção monetária são

inacumuláveis”; Súmula n. 294: “Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão

571 BRASIL. Decreto-lei n.413, de 09 de janeiro de 1969. Presidência da República. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0413.htm>. Acesso em 04jun.2010. 572 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo:Saraiva, 2009, p.1.795. 573 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.712.801-RS (2004⁄0183802-4). Segunda

Seção. Agravante: Banco do Brasil S⁄A. Agravado: Ervateira Foletto Importadora e Exportadora Ltda. e Outro. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Brasília, DF, 27 de abril de 2005. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=712801&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.

Acesso em: 20abr.2010. 574

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.032.737-RS (2008⁄0036670-0). Terceira Turma.

Recorrente: Banco Finasa S⁄A. Recorrido: Oni Elvis Machado Bang. Relator: Ministro Massami Uyeda, Brasília,

DF, 13 de maio de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1032737&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.

Acesso em: 28mar.2010. 575 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1.793-1.799.

181

de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil,

limitada à taxa de contrato; e Súmula n. 296: “Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a

comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média do mercado

estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado”.

Neste ponto, interessante apresentar a fundamentação apresentada pelo relator do

primeiro julgado mencionado:576

Com efeito, a comissão de permanência tem a finalidade de remunerar o

capital e atualizar o seu valor, no inadimplemento, motivo pelo qual é pacífica a orientação de que não se pode cumular com os juros

remuneratórios e com a correção monetária, sob pena de se ter a cobrança de

mais de uma parcela para se atingir o mesmo objetivo.

Por outro lado, a comissão de permanência, na forma como pactuada nos contratos em geral, constitui encargo substitutivo para a inadimplência, daí

se presumir que ao credor é mais favorável e que em relação ao devedor

representa uma penalidade a mais contra a impontualidade, majorando ainda mais a dívida.

Ora previstos já em lei os encargos específicos, com naturezas distintas e

transparentes, para o período de inadimplência, tais a multa e os juros

moratórios, não há razão plausível para admitir a comissão de permanência cumulativamente com aqueles, encargo de difícil compreensão para o

consumidor, que não foi criado por lei, mas previsto em resolução do Banco

Central do Brasil (Resolução. nº 1.129⁄86).

Por fim chega à conclusão de que:

Sob esta ótica, então, a comissão de permanência, efetivamente, não tem

mais razão de ser. Porém, caso seja pactuada, não pode ser cumulada com os encargos transparentes, criados por lei e com finalidades específicas, sob

pena de incorrer em bis in idem, já que aquela, além de possuir um caráter

punitivo, aumenta a remuneração da instituição financeira, seja como juros

remuneratórios seja como juros simplesmente moratórios. O fato é que a comissão de permanência foi adotada para atualizar, apenar e garantir o

credor em período em que a legislação não cuidava com precisão dos

encargos contratuais.

Ainda, importa destacar julgado proferido pela 2ª Seção do STJ, apresentando

entendimento de que a comissão de permanência é composta de três elementos, ou seja, os

576 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.712.801-RS (2004⁄0183802-4). Segunda

Seção. Agravante: Banco do Brasil S⁄A. Agravado: Ervateira Foletto Importadora e Exportadora Ltda. e Outro.

Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Brasília, DF, 27 de abril de 2005. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=712801&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.

Acesso em: 20abr.2010.

182

juros que remuneram o capital emprestado (juros remuneratórios); os juros que compensam a

demora no pagamento (juros moratórios) e a multa como penalidade pelo inadimplemento,

caso seja contratada.577

Desta forma, corrobora-se o entendimento de que a comissão de permanência não

pode ser cobrada de forma cumulada com referidos encargos, sob pena de se estar incorrendo

em um bis in idem.

Com relação às Cédulas de crédito rural, comercial e industrial há quase

unanimidade de entendimento, havendo inclusive precedente da Segunda Seção do

Tribunal,578

no sentido de que não ser possível a pactuação da comissão de permanência. A

única divergência é encontrada na Quarta Turma, em julgados de relatoria dos Ministros

Hélio Quaglia Barbosa579

e Luís Felipe Salomão,580

possibilitando sua pactuação nos mesmos

moldes dos contratos bancários, ou seja, não podem ser cumulados com demais encargos

moratórios, estando limitada à taxa média do mercado.

Nos julgados em que há posicionamento acerca da impossibilidade da pactuação de

comissão de permanência, o fundamento é o de que a legislação respectiva não autoriza a

contratação destes encargos, autorizando somente a contratação dos juros moratórios, juros

remuneratórios e multa contratual pelo inadimplemento.581

577 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.834.968-RS (2006⁄0069532-5). Segunda Seção.

Recorrente: Banco Santander Banespa S⁄A. Recorrido: Adão Batista de Castro. Relator: Ministro Ari Pargendler,

Brasília, DF, 14 de março de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=834968&b=ACOR>. Acesso em: 28mar.2010. 578 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos EDcl no Recurso Especial n.889.378-SP (2006/0211197-8).

Segunda Seção. Agravante: Banco do Brasil S⁄A. Agravado: Adriano Pereira dos Santos. Relator: Ministro Ari

Pargendler, Brasília, DF, 14 de maio de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=889378&b=ACOR

>. Acesso em: 07jun.2010. 579 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.456.087-RO (2002/0100140-7). Quarta

Turma. Agravante: Banco do Brasil S⁄A. Agravado: O Passarelli. Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa,

Brasília, DF, 19 de abril de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=456087&b=ACOR

>. Acesso em: 07jun.2010. 580 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.468.887-MG (2002/0113877-8). Quarta Turma.

Recorrente: COPAVE – Comércio Paraíso de Veículo Ltda. e Outros. Recorrido: Banco do Brasil S/A. Relator:

Ministro Luís Felipe Salomão, Brasília, DF, 04 de maio de 2010. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=468887&b=ACOR

>. Acesso em: 07jun.2010. 581 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.784.935-CE (2005/0158271-0). Quarta

Turma. Agravante: Banco do Nordeste do Brasil S⁄A. Agravado: Marques e Souza Publicidade Ltda. e Outros.

Relator: Ministro Honildo Amaral Filho de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), Brasília, DF,

02 de março de 2010. Disponível em:

183

4.2.3 Juros remuneratórios

Nos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, a Segunda Seção do

STJ582

consolidou o entendimento de que o Art. 6º da Lei n. 4.380/64, não estabelece

limitação para os juros remuneratórios, sob o fundamento de este dispositivo legal seria mera

condição de aplicabilidade do Art. 5º da mesma lei.

Art. 5º Observado o disposto na presente Lei, os contratos de vendas ou construção de habitações para pagamento a prazo ou de empréstimos para

aquisição ou construção de habitações poderão prever o reajustamento das

prestações mensais de amortização e juros, com a conseqüente correção do

valor monetário da dívida toda vez que o salário mínimo legal for alterado. [...]

Art. 6º O disposto no artigo anterior somente se aplicará aos contratos de

venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão, ou empréstimos que satisfaçam às seguintes condições:

[...]

e) os juros convencionais não excedam de 10% (dez por cento) ao ano;583

Fundamenta-se no fato de que, prescrevendo o mencionado Art. 6º que o disposto no

Art. 5º somente se aplica aos contratos com juros convencionais que não excedem 10% ano,

deixaria implícita a existência de outros contratos em que os juros convencionados seriam

superiores a 10% ao ano.

Nos contratados financiamento estudantil, constatou-se o reconhecimento da

legalidade de juros remuneratórios à taxa de 9% ao ano nos contratos firmados anteriormente

ao ano de 2006 e posteriormente a 1º de julho de 1996, quando o limite dos juros era

estipulado em 6% ao ano.584

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=784935&b=ACOR

>. Acesso em: 07jun.2010. 582 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.070.297-PR (2008⁄0147497-7). Segunda Seção.

Recorrente: Banco Itaú S⁄A. Recorrido: Hiroyasu Mori e Outros. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão.

Brasília, DF, 09 de setembro de 2009. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1070297&b=ACO

R>. Acesso em: 27mar.2010. 583 BRASIL. Lei n.4.380, de 21 de agosto de 1964. Presidência da República. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4380.htm>. Acesso em: 28maio2010. 584 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.058.325-RS (2008⁄0106733-6). Segunda Turma.

Recorrente: Lisiane Davesac Rodrigues e Outros. Recorrido: Caixa Econômica Federal - CEF. Relator: Ministro

184

O fundamento é o de que, nos termos do Art. 5º, II, da Lei n. 10.260/01, esses juros

são estipulados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) “aplicando-se desde a data da

celebração até o final da participação do estudante no financiamento”.585

Por sua vez, o CMN, no Art. 6º da Resolução n. 2.647/99, prescreve que: “Para os

contratos firmados no segundo semestre de 1999, bem como no caso daqueles que trata o art.

15 da Medida Provisória n. 1.865, de 1999, a taxa efetiva de jutos será de 9% a.a. (nove

inteiros por cento ao ano), capitalizada mensalmente”.586

Contatou-se, também, que o CMN possibilita a redução dos juros às taxas de 3,5% a

6,5% ao ano, mas somente nos contratos de financiamento estudantil, firmados a partir de 1º

de julho de 2006, nos termos do Art. 1º, I e II da Resolução BACEN n. 3.415/06, que

prescreve:

Art. 1º Para os contratos do FIES celebrados a partir de 1º de julho de 2006,

a taxa efetiva de juros será equivalente a: I - 3,5% a.a. (três inteiros e cinco décimos por cento ao ano), capitalizada

mensalmente, aplicável exclusivamente aos contratos de financiamento de

cursos de licenciatura, pedagogia, normal superior e cursos superiores de tecnologia, conforme definidos pelo Catálogo de cursos superiores de

tecnologia, instituído pelo Decreto nº 5.773, de 09 de maio de 2006;

II - 6,5% a.a. (seis inteiros e cinco décimos por cento ao ano), capitalizada

mensalmente, para os contratos do FIES não relacionados no inciso I.587

Esta mesma Resolução, no Art. 2º determina que: “Para os contratos do FIES

celebrados antes de 1º de julho de 2006 aplica-se a taxa prevista no art. 6º da Resolução nº

2.647, de 22 de setembro de 1999”.588

Castro Meira. Brasília, DF, 12 de agosto de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1058325&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.

Acesso em: 27mar.2010. 585 BRASIL. Lei n.10.260, de 12 de julho de 2001. Presidência da República. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10260.htm>. Acesso em: 28mai.2010. 586 BRASIL. Resolução CMN n.2.647, de setembro de 1999. Banco Central do Brasil. Disponível em:

<https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?N=099226586&method=detalharNormativo>.

Acesso em: 28maio10. 587

Brasil. Resolução BACEN n.3.415, de 30 de outubro de 2006. Diário das leis. Disponível em:

<https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?N=106330957&method=detalharNormativo>.

Acesso em: 28maio2010. 588 Brasil. Resolução BACEN n.3.415, de 30 de outubro de 2006. Diário das leis. Disponível em:

<https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?N=106330957&method=detalharNormativo>.

Acesso em: 28mai2010.

185

Nas questões envolvendo contratos bancários, a Segunda Seção do STJ, em

incidente de recurso repetitivo, definiu estes encargos como: “[...] aqueles que representam

o preço da disponibilidade monetária, pago pelo mutuário ao mutuante, em decorrência do

negócio jurídico celebrado entre eles”.589

Com esta decisão consolidou-se o entendimento de que, nas operações realizadas por

instituições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional, existe liberdade para contratação

dos juros remuneratórios e, sendo regidas pela Lei n. 4.595/64, não incidiria a limitação

prevista na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/33), nos termos da Súmula 596 do STF e, que a

simples estipulação em patamar superior a 12% ao ano, não implica abusividade.590

Súmula n.596. As disposições do Decreto n. 22.626/33 não se aplicam às

taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas pelas instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro

nacional.591

O fundamento é o de que as instituições financeiras não necessitam de autorização do

Conselho Monetário Nacional para contratação de taxas de juros, autorização que somente se

faz necessária em hipóteses determinadas, como, por exemplo, nas cédulas de crédito rural,

comercial e industrial.

A simples estipulação de taxas de juros superiores a 12% ao ano, por si só, não

caracterizaria abusividade, sendo necessária demonstração desta abusividade no caso

concreto, prova que deve ser produzida nas instâncias ordinárias, ou seja, deve ser

demonstrada de forma cabal a excessividade do lucro auferido pela instituição financeira, não

sendo argumento suficiente para tanto a alegação de estabilidade inflacionária do momento.592

589 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.061.530-RS (2008/0119992-4). Segunda Seção.

Recorrente: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S/A . Recorrida: Rosemari dos Santos Sanches. Relatora:

Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 22 de outubro de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1061530&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acesso em: 28mar.2010. 590 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.039.052-PR (2008⁄0051789-1). Quarta Turma.

Recorrente: Jorge Diniz Jahn E Outros. Recorrido: Banco Bradesco S⁄A. Relator: Ministro Fernando Gonçalves.

Brasília, DF, 25 de maio de 2004. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1039052&b=ACO

R>. Acesso em: 05maio2010. 591 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1.785. 592 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.590.573 - SC (2003⁄0160762-3).

Terceira Turma. Recorrente: Banco Rural S/A. Recorrida: Jussana Maria Frantzezos e Outro. Relator: Ministro

186

Corrobora este entendimento a Súmula n. 07 deste Tribunal que enuncia: “A pretensão

de simples reexame de prova não enseja recurso especial”,593

bem como da Súmula n. 05: “A

simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”.594

Não obstante o entendimento acima, concluiu-se ser possível a aplicação do Art. 39 do

Código de Defesa do Consumidor, onde se veda ao fornecedor: “Exigir do consumidor

vantagem manifestamente excessiva”, bem como o Art. 51, IV, que considera abusiva, dentre

outras, as cláusulas que: “Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que

coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou

eqüidade.”

Desta forma, em casos excepcionais, é possível a revisão do contrato em relação à taxa

dos juros contratada, quando caracterizada a relação de consumo e constatada a abusividade

da cláusula – a existência de uma desvantagem exagerada para o consumidor – cuja

comprovação dever ser realizada caso a caso pelas instâncias ordinárias.

Foram consideradas excessivas, ensejando a revisão do contrato, as taxas de juros

livremente contratadas pelas partes que excederam de modo substancial, da média do

mercado, bem como a taxa cobrada pelas demais instituições financeiras, salvo de justificada

pelo risco da operação, revisando-se o contrato para sua cobrança à taxa média do mercado à

época da contratação, não se aplicando o limite de 12% ao ano, pois o limite estabelecido pela

Lei de Usura não se aplica às instituições financeiras.595

Ainda, havendo previsão contratual de cobrança de juros remuneratórios sem,

contudo, estipulação de seu montante, reconheceu-se que seu cálculo deveria ser efetuado

segundo a taxa média do mercado para operações da mesma espécie à época da contratação,

considerando-s abusiva e, conseqüentemente nula, a cláusula que deixa tal estipulação ao

exclusivo arbítrio da instituição financeira.596

Massami Uyeda. Brasília, DF, 12 de agosto de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1039052&b=ACO

R>. Acesso em: 27mar.2010. 593 BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1.793. 594 Op.cit, p.1.793. 595 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no AgRg no Recurso Especial n.480.221-RS (2002⁄0166030-0).

Quarta Turma. Embargante: José Lúcio Jacobi Vianna e. Outro. Embargado: Banco ABN AMRO REAL S⁄A.

Relator: Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Brasília, DF, 27 de março de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=480221&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.

Acesso em: 05maio2010. 596 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.715.894-PR (2005⁄0005368-1). Segunda Seção.

Recorrente: Banco Banestado S⁄A. Recorrida: Urbalon Pavimentação e Obras Ltda. Relatora: Ministra Nancy

187

Entretanto, nos contratos de conta corrente em que há débitos indevidos e posterior

restituição ao cliente, a 2ª Seção do STJ597

posicionou-se no sentido de que os juros

remuneratórios devem ser calculados à taxa de um por cento ao mês e não de acordo com os

mesmos índices cobrados pelas instituições financeiras, uma vez que, somente as instituições

financeiras estão autorizadas a cobrar juros remuneratórios excedentes a 12% ao ano, pois as

taxas cobradas por elas cobradas não correspondem aos seus lucros, mas sim para custeio de

todo seu sistema operacional.

Nas questões envolvendo contratos de cartões de crédito, uma vez que submetidos

ao regime da Lei n. 4.595/94, não estão sujeitos aos limites impostos pelo Decreto n.

22.623/33, a chamada Lei de Usura, podendo, assim, os juros remuneratórios serem pactuados

em patamar superior a 12% ao ano, somente sendo possível a revisão do contrato quando

comprovada a abusividade, prova a ser realizada pelas instancias ordinárias, como

fundamento foi apresentado o seguinte julgado:

DIREITO COMERCIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. Os negócios bancários estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, inclusive

quanto aos juros remuneratórios; a abusividade destes, todavia, só pode se

declarada, caso a caso, à vista de taxa que comprovadamente discrepe, de

modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação. Recurso especial conhecido e provido.

598

Importante destacar que, nos contratos bancários em que há estipulação da chamada

comissão de permanência, os juros remuneratórios são devidos até a data do inadimplemento,

não podendo ser cobrados após este período, quando passam a incidir os encargos da

comissão de permanência pactuada.

Andrighi. Brasília, DF, 26 de abril de 2006. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=715894&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.

Acesso em: 05maio2010. 597 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.447.431-MG (2002⁄0085231-8). Segunda Seção. Recorrente: Benjamin Cruz Neves. Recorrido: Banco Bandeirantes S⁄A. Relator: Ministro Ari Pargendler.

Brasília, DF, 28 de março de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=447431&b=ACOR

>. Acesso em: 05maio2010. 598 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.407.097-RS (2002⁄0006043-2). Segunda Seção.

Recorrente: Banco Meridional S⁄A. Recorrido: Nova Geração Peças E Serviços Em Veículos Ltda. Relator:

Ministro Antônio De Pádua Ribeiro. Brasília, DF, 12 de março de 2003. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=407097&b=ACOR

>. Acesso em: 05maio2010.

188

No que tange às cédulas de crédito rural, comercial e industrial, o entendimento é o

de que compete ao Conselho Monetário Nacional fixar o limite para a taxa dos juros

remuneratórios e, na ausência de estipulação, aplicáveis os limites estabelecidos pela Lei de

Usura, ou seja, 12% ao ano.599

Nos contratos envolvendo empresas de factoring o posicionamento do Tribunal é no

sentido de que elas não integram o Sistema Financeiro Nacional, razão pela qual não estão

autorizadas a cobrar taxa de juros superiores a 12% ao ano, uma vez que sujeitas ao limite

imposto pela Lei de Usura.

Constatou-se que os recentes julgados remetem à decisão proferida em 1998, na qual

se entendeu que: “O FACTORING distancia-se da instituição financeira ou bancária

justamente porque seus negócios não se abrigam no direito de regresso (como no caso de

duplicatas, sob caução bancária) e nem na garantia representada pelo aval ou endosso.”600

(grifos do autor).

Nos termos do entendimento do Ministro relator do acórdão mencionado:

Ora, se a operação de factoring é de natureza comercial e, como se vê, até

sujeita à sanção se praticada por estabelecimentos bancários sem autorização

do BACEN, é porque se trata de contrato comercial, atípico, praticado entre empresas comerciais que, nessa cessa ode crédito, não têm direito de

regresso contra o cedente. Enfim, trata-se de contrato por meio do qual um

comerciante cede a outrem os créditos correspondentes às suas atividades,

total ou parcialmente, recebendo, em contra-partida, remuneração consistente em desconto sobre os respectivos valores.

601 (grifos do autor)

599 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n.256.128-RS (2000/0039419-0). Quarta

Turma. Agravante: Darcy Luiz Bortolazzo Vendrusculo e Outro. Agravado: Banco do Brasil S⁄A. Relator:

Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Brasília, DF, 17 de maio de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=256128&b=ACOR

>. Acesso em: 02jun.2010. 600 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.119.705-RS (1997/0010587-3). Terceira Turma. Recorrente: Organizações Lima Administração e Assessoria Financeira Ltda. Recorrido: Irmãos Thonnigs e Cia

e Ltda. E outro. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. Brasília, DF, 07 de abril de 1998. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=119705&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2#>.

Acesso em: 05maio2010. 601 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.119.705-RS (1997/0010587-3). Terceira Turma.

Recorrente: Organizações Lima Administração e Assessoria Financeira Ltda. Recorrido: Irmãos Thonnigs e Cia

e Ltda. E outro. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. Brasília, DF, 07 de abril de 1998. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=119705&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2#>.

Acesso em: 05maio2010.

189

Desta forma, não sendo integrante do Sistema Financeiro Nacional, em face da

ausência de permissivo legal, não podem estipular taxas de juros em patamares superiores

aqueles estipulados pela Lei de Usura.

4.2.4 Juros moratórios

Analisando a questões envolvendo os juros moratórios, constatou-se que a Segunda

Seção do STJ já consolidou entendimento acerca destes encargos quando se trata de contratos

bancários, definindo-os como “[...] aqueles encargos pagos pelo mutuário ao mutuante em

decorrência da mora no cumprimento da prestação estabelecida no contrato”.602

Em primeiro lugar, foi analisada a questão da configuração da mora, onde se

consolidou o entendimento do Tribunal no sentido de que, o simples ajuizamento de ação

revisional não é suficiente para descaracterizar a mora do devedor, sob o fundamento de que

seria preciso a comprovação, nas instâncias ordinárias, acerca da existência de cobrança de

encargos ilegais ou abusivos.603

Tal assertiva é corroborada quando o devedor não se utiliza de qualquer meio idôneo

capaz de afastar os efeitos da mora, como, por exemplo, nos contratos de financiamento

bancário,604

o depósito do valor das prestações ou os valores que entendesse devidos.

Assim, consolidou-se o entendimento de que, para descaracterizar a mora é necessária

a comprovação da existência de encargos ilegais e abusivos na contratação ou, em sentido

contrário, não comprovada a ilegalidade ou a abusividade dos encargos contratados resta

602 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.061.530-RS (2008/0119992-4). Segunda Seção.

Recorrente: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S/A. Recorrida: Rosemari dos Santos Sanches. Relatora:

Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 22 de outubro de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1061530&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.

Acesso em: 28mar.2010. 603 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.607.961-RJ (2003⁄0206911-4). Segunda Seção.

Recorrente: Tormec Fábrica de Parafusos e Peças Torneadas de Precisão Ltda. Recorrido: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 09 de março

de 2005. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=607961&b=ACOR

>. Acesso em: 16maio2010. 604 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.1.071.004-MS. Decisão Monocrática. Recorrente:

Osvaldo Antônio Brito da Silva. Recorrido: Banco Itaú S/A. Relator: Ministro Massami Uyeda. Brasília, DF, 1º

de agosto de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/doc.jsp?processo=1071004&&b=DTXT&p=true&t=&l=10&i=2>.

Acesso em: 16maio2010.

190

configurada a mora do devedor, comprovação que deve realizar-se nas instâncias

ordinárias.605

Este entendimento se repete quando se trata de cédula comercial.606

Ressalte-se que estes encargos devem incidir sobre o chamado “período de

normalidade”, como juros remuneratórios e sua capitalização,607

sendo interessante o

fundamento apresentado pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, em questão envolvendo

financiamento bancário:

Com efeito, a descaracterização da mora em face da exigência de encargos

abusivos no contrato, conquanto seja pacificamente admitida pela jurisprudência do STJ (Resp nº 163.884⁄RS, 2ª Seção, Rel. Min. Ruy Rosado

de Aguiar, DJ de 24.09.2001), deve ser analisada com base nos encargos

contratuais do chamado 'período da normalidade', ou seja, em relação à taxa

de juros remuneratórios e à capitalização de juros. Havendo ilegalidade em um desses encargos, tem perfeita incidência a

jurisprudência supra citada, pois, nesses termos, resta justificado o não

pagamento pelo devedor na medida em que este é cobrado de forma abusiva.

608

Constatou-se o entendimento, em um dos julgados apresentados como paradigma, em

questão envolvendo contato de crédito fixo,609

de que é justamente a cobrança destes

encargos não moratórios, abusivos ou ilegais, durante o período de normalidade, que causam

605 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.061.530-RS (2008/0119992-4). Segunda Seção.

Recorrente: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S/A. Recorrida: Rosemari dos Santos Sanches. Relatora:

Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 22 de outubro de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1061530&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.

Acesso em: 28mar.2010. 606 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo de Instrumento n.710.601-MS (2005⁄0156989-9). Segunda Seção. Recorrente: Banco do Brasil S⁄A. Recorrido: Curtume Campo Grande Indústria Comércio e

Exportação Ltda. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 16 de fevereiro de 2006. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=710601&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.

Acesso em: 15maio2010. 607 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDlc no AgRg no Recurso Especial n.842.973-RS (2006⁄0088839-8).

Terceira Turma. Embargante: Unibanco União de Bancos Brasileiros S⁄A. Embargado: Joaquim Gularte.

Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 21 de agosto de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=842973&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.

Acesso em: 16maio2010. 608 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no AgRg no Recurso Especial n.842.973-RS (2006⁄0088839-8).

Terceira Turma. Embargante: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S⁄A. Embargado: Joaquim Gularte. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 21 de agosto de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=842973&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.

Acesso em: 16maio2010. 609

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.965.353-RS. Decisão Monocrática. Recorrente:

Clara Zeferina Ferreira Nunes e Outro. Recorrido: Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Médicos e

demais Profissionais da Saúde de Pelotas - Ltda. Relator: Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA. Brasília, DF,

20 de agosto de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/doc.jsp?processo=965353&&b=DTXT&p=true&t=&l=10&i=4>. Acesso

em: 10maio2010.

191

dificuldade ao devedor para adimplir o pactuado e, conseqüentemente, sua inadimplência,

justificando-se, assim, a descaracterização da mora.

Por outro lado, a existência de eventual abusividade dos encargos moratórios, não tem

o condão de descaracterizar a mora de devedor, uma vez que não foram estes encargos que

deram causa ao seu estado de inadimplência.

Com relação à taxa dos juros moratórios, o STJ consolidou o entendimento de que, nos

contratos bancários, índice o limite legal de 0,5% ao mês, podendo haver pactuação até o

limite de 1% ao mês, desde que não regidos por legislação específica, incidindo, assim, as

disposições da Lei de Usura, Decreto n. 22.626/33.610

Para consolidação deste entendimento, foi utilizado com paradigma, dentre outras,

decisão proferida pela Segunda Seção do STJ, onde, em julgamento de questão envolvendo

contrato de abertura de crédito fixo, reconhecendo a possibilidade de contratação de juros

moratórios até o limite de 1% ao mês, reconhecendo-se, ainda, a possibilidade de sua

cumulação com os juros remuneratórios, diante da natureza diversa de cada um deles.

Os juros, considerados quanto à taxa aplicada, podem ser moratórios ou

compensatórios. Todavia, como gênero, os juros possuem natureza jurídica

de frutos civis, remunerando determinado capital empregado em dinheiro ou outros bens. Como vimos, os juros moratórios possuem gênese diversa

daquela decorrente dos juros compensatórios. Com efeito, os juros

compensatórios originam-se na simples utilização do capital. Portanto, são

juros que se contam pela utilização do capital durante determinado tempo. Por outro lado, os juros moratórios possuem gênese no atraso – mora ou

demora – na restituição do capital. Também são juros pela utilização do

capital, entretanto, constituem pena imposta ao devedor moroso. Nesse sentido, absolutamente possível a cumulação de uns com os outros.

611

610 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.061.530-RS (2008/0119992-4). Segunda Seção.

Recorrente: UNIBANCO União de Bancos Brasileiros S/A. Recorrida: Rosemari dos Santos Sanches. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 22 de outubro de 2008. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1061530&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>.

Acesso em: 28mar.2010. 611

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Obrigações: abordagem didática. 2.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira,

173 apud BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.402.483-RS (2002⁄0000391-4). Segunda

Seção. Recorrente: Banco Santander Brasil S/A. Recorrido: Costi S/A Indústria e Comércio Agricultura e

Pecuária. Relator: Ministro Castro Filho. Brasília, DF, 26 de março de 2003. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=402483&b=ACOR

>. Acesso em: 05maio2010.

192

Quando se trata de reparação dos débitos indevidos realizados em conta corrente,

constatou que o entendimento é o de que, “[...] os danos a serem indenizados pela instituição

financeira são aqueles decorrentes da transferência injustificada de fundos do correntista [...] e

as despesas [...] que em função do saldo negativo teve de suportar [...]”.612

Para referida reparação, não podem ser aplicados os mesmos percentuais utilizados

pelas instituições financeiras para cobrança de seus créditos, porque elas somente elas são

autorizadas a cobrar acima dos limites estabelecidos pela Lei de Usura. Não bastasse isso, em

nosso ordenamento a reparação das perdas e danos não tem função punitiva e, por fim, porque

as taxas cobradas pelas instituições financeiras não representam apenas seu lucro, mas

também a forma de custeio de suas operações.613

Assim, os juros moratórios devem ser cobrados a partir da citação da respectiva

demanda, nos seguintes termos: no período anterior ao atual Código Civil, devem ser

cobrados à taxa de 0,5% ao mês, acrescendo-se a correção monetária; no período posterior ao

Código Civil de 2002, devem se cobrados na forma prevista no Art. 406 do referido estatuto,

ou seja, o limite de 12% ao ano.614

Este entendimento é repetido quando se trata de reparação

de danos morais em face de instituição financeira.615

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou que

forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei,

612 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.447.431-MG (2002⁄0085231-8). Segunda Seção. Recorrente: Benjamin Cruz Neves. Recorrido: Banco Bandeirantes S/A. Relator: Ministro Ari Pargendler.

Brasília, DF, 28 de março de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=447431&b=ACOR

>. Acesso em: 07maio2010. 613 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.447.431-MG (2002⁄0085231-8). Segunda Seção.

Recorrente: Benjamin Cruz Neves. Recorrido: Banco Bandeirantes S/A. Relator: Ministro Ari Pargendler.

Brasília, DF, 28 de março de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=447431&b=ACOR

>. Acesso em: 07maio2010. 614 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 437.269-MG (2002⁄0057997-7). Quarta Turma.

Recorrente: Banco Bandeirantes de Investimentos S/A. Recorrido: Dalva de Andrade Resende. Relator: Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP). Brasília, DF, 20 de outubro de 2009.

Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=437269&b=ACOR

>. Acesso em: 08maio2010. 615 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no Recurso Especial n.595.006-RS (2003⁄0040928-9). Quarta

Turma. Embargante: Ademir da Rosa Silva. Embargado: Banco do Brasil S/A. Relator: Ministro Cesar Asfor

Rocha. Brasília, DF, 27 de março de 2007. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=595006&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.

Acesso em: 07maio2010.

193

serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento

de impostos devidos à Fazenda Nacional.616

Nas questões envolvendo as operadoras de cartões de crédito, haja vista o

entendimento que estão sujeitas às regras que regem o Sistema Financeiro, são válidas as

mesmas considerações acima esposadas em relação aos contratos bancários.

No caso das empresas de factoring, como funcionam apenas como cessionárias do

crédito, estão sujeitas aos limites impostos pela Lei de Usura, ou seja, os juros moratórios

estão limitados a 6% ao ano, podendo chegar a 12% mês, nos termos da mencionada

legislação, entendimento que se repete mesmo quando a empresa de factoring encontra-se

vinculada a instituição integrante do Sistema Financeiro Nacional, pois as relações

obrigacionais estabelecidas não são de índole bancária.617

Com base na análise dos julgados, constata-se que o STJ, regra geral, vinha

promovendo a efetivação dos comandos constitucionais e infraconstitucionais, apresentando

um desenvolvimento nas decisões para concretização da proteção do consumidor.

Neste sentido, nos contratos junto ao Sistema Financeiro da Habitação, vinculados ao

Fundo de Compensação de Variação Salarial o entendimento é de que não estariam sujeitos

ao CDC, pois a norma de proteção ao mutuário hipossuficiente seria mais benéfica,

entendimento em plena consonância com telos constitucional de defesa do consumidor.

Do mesmo modo, o entendimento de que, até o advento da Lei n. 11.977/2009 não

seria possível a capitalização de juros. Ainda, que a utilização da Tabela Price e o critério de

amortização do saldo devedor poderiam, eventualmente, proporcionar tal capitalização,

possibilitando a revisão do contrato caso houvesse comprovação dessa capitalização nas

instâncias ordinárias.

Com relação à capitalização de juros nos contratos bancários, apesar do entendimento

do Tribunal acerca da legalidade de sua cobrança, constatou-se a existência de divergência

entre as Turmas, acerca da possibilidade desta capitalização ser mensal ou anual. Neste caso,

616

BRASIL. Vademecum. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.174. 617 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.623.691-RS (2004⁄0001616-5). Quarta Turma.

Recorrente: Banco ABN AMRO Real S/A. Recorrido: Beatriz do Nascimento Koenich. Relator: Ministro Cesar

Asfor Rocha. Brasília, DF, 27 de setembro de 2005. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=623691&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>.

Acesso em: 10maio2010.

194

em face do critério de interpretação sempre favorável ao consumidor, deveria prevalecer o

entendimento da capitalização anual.

Quanto à comissão de permanência, nos casos em que se entendeu permitida,

prevaleceu o entendimento de que, comprovada a abusividade dos encargos contratados, a

decisão das instâncias inferiores deveria ser reformada, utilizando-se a taxa média do

mercado.

No tocante aos juros remuneratórios, foi seguido o mesmo raciocínio, pois, embora o

reconhecimento de que, nos contratos bancários – bem como aos cartões de crédito – ser livre

a pactuação da referida taxa, não estando sujeitas à Lei de Usura, foi reconhecido que,

comprovada a abusividade dos encargos contratados, a decisão das instâncias inferiores

deveria ser reformada, utilizando-se a taxa média do mercado ou estipulada por outras

instituições financeiras para situações semelhantes.

Ainda com relação aos juros remuneratórios, entendeu-se que, em caso de restituição

de débitos devidos em conta corrente, incidiria a limitação da Lei de Usura, porque as taxas

de juros cobradas das instituições financeiras não representariam apenas o lucro da instituição,

mas serviriam também para custear sua atividade, sendo o mesmo entendimento quanto às

empresas de factoring, uma vez que não integram o sistema financeiro nacional.

Nestes casos, as decisões do STJ foram de encontro às novas diretrizes traçadas por

nosso ordenamento, uma vez que, apesar de reconhecer regime de juros diverso para os

contratos bancários, reconheceu-se, também que, comprovada a abusividade, o contrato

deveria ser revisto, para o restabelecimento do equilíbrio contratual.

Até mesmo a decisão que limita os juros remuneratórios a 12% ao ano, no caso de

restituição de débito indevido em conta corrente, procura compatibilizar os comandos

constitucionais, pois, a Constituição Federal, quando trata da “Ordem Econômica e

Financeira”, expressamente prescreve que deva valorizar a livre iniciativa, desde que assegure

a todos existência digna. Não bastasse isso, o CDC prescreve que deve haver uma

harmonização das relações de consumo.

O entendimento acima promove tal harmonização, sendo notório que os juros

cobrados pelas instituições financeiras não refletem apenas seu lucro, mas também servem

para o custeio de sua atividade. Caso o consumidor fosse remunerado no mesmo patamar

estaria enriquecendo ilicitamente.

195

Desta forma, as decisões do STJ, que acabam sendo refletidas nas instâncias

inferiores, preconizavam as diretrizes traçadas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela

Constituição Federal, no sentido de que, deveria ser buscada a efetiva igualdade entre as

partes, com a qual se estaria assegurando a dignidade da pessoa humana, neste caso o

consumidor, além de realizar a harmonização da liberdade de iniciativa com as questões

sociais, que se refletem na harmonização das relações de consumo.

Porém, com a edição da Súmula n. 381, houve um retrocesso em todo este processo,

pois referida súmula além de contrariar texto expresso de lei, contraria todo o sistema de

defesa do consumidor, defesa esta expressamente consignada no Texto constitucional.

Portanto, para respeito e efetivação dos comandos legais e constitucionais, a Súmula n.

381 deveria ser revista, a fim de que fosse restabelecida a defesa do consumidor nos moldes

preconizados pela Constituição Federal, garantindo-se a dignidade do consumidor, que é

expressamente reconhecido como o ente mais fraco – vulnerável – das relações de consumo.

196

CONCLUSÕES

O contrato é importante instrumento para as relações negociais, sendo instituto que se

desenvolveu em conformidade com as transformações sofridas pela sociedade.

No Direito Romano é encontrada a raiz histórica do instituto. No início, foi um

instituto rigidamente marcado pelo apego ao formalismo, com a exigência de cumprimento de

rígidas fórmulas para a vinculação das partes em consenso, admitindo, em momentos

posteriores, que o simples consenso poderia dar origem ao vínculo obrigacional, servindo de

inspiração para o postulado da autonomia da vontade.

O desenvolvimento do instituto foi interrompido com a queda do Império romano, mas

retomados no final da Idade Média, influenciado pelo Direito canônico, o liberalismo e os

ideais liberais.

Este desenvolvimento foi consagrado com a edição do Código Civil Francês em 1808,

que consagrou a autonomia da vontade como princípio basilar do direito contratual,

prevalecendo, inclusive sobre a lei. Da autonomia da vontade decorreram outros postulados:

liberdade contratual, obrigatoriedade do contrato e relatividade de seus efeitos.

As transformações advindas da Revolução Industrial, das duas Grandes Guerras e da

Crise de 1929, provocaram um redimensionamento desses postulados, com a constatação de

que existia uma real desigualdade entre as partes, com freqüente o abuso do detentor do poder

econômico em face dos menos favorecidos.

Para realizar o restabelecimento da igualdade entre as partes o Estado passou a intervir

da atividade econômica, surgindo, também, a preocupação com as questões sociais, que,

inclusive, passaram a ser estampadas nos Textos constitucionais.

Ressurgiram, assim, os estudos acerca da boa-fé objetiva, bem como os estudos acerca

da função social dos contratos, estabelecendo contornos contemporâneos ao instituto do

contrato, com o reconhecimento de que a autonomia da vontade, apesar de ainda a ser um

197

dogma basilar do direito contratual, não pode mais ser concebida nos moldes dos ideais

liberais.

A autonomia da vontade é concebida contemporaneamente de forma relativizada,

compatibilizando-se com a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, que trouxeram

limitações para o exercício da autonomia da vontade, bem como aos postulados que lhe são

correlatos: liberdade contratual, obrigatoriedade dos contratos e relatividade de seus efeitos.

A boa-fé possui conotação subjetiva e objetiva. Sua vertente subjetiva possuiu maior

destaque até que os estudos acerca de sua vertente objetiva ganharam relevo no direito

alemão, impulsionados pela Revolução industrial, as duas Grandes Guerras e a crise de 1929.

A boa-fé objetiva, intimamente ligada com a noção relação obrigacional complexa,

levou ao reconhecimento de que, ao lado dos deveres principais, ligados ao objeto da

obrigação, existem deveres laterais, que existem de maneira autônoma à obrigação principal e

que não precisam estar expressamente previstos no contrato.

A boa-fé objetiva, que significa um modelo de conduta social, incide em todas as fases

da relação contratual, possuindo diversas funções: função interpretativa, função integradora,

função criadora de deveres anexos e função limitadora de direitos subjetivos.

A função social do contrato promoveu uma alteração no conteúdo do contrato, pois, o

ordenamento somente lhe conferirá legitimidade quando cumprir essa função social, onde o

contrato passa a interessar não apenas para as partes contratantes, uma vez que possui reflexos

em toda a sociedade.

A função social do contrato está relacionada com as normas de ordem pública editadas

com a finalidade de proteger o contratante mais fraco, restabelecendo o conteúdo do contrato

(aspecto interno), bem como com os impactos que o contrato pode provocar na esfera de

terceiros não contratantes, produzindo um redimensionamento do postulado da relatividade

dos efeitos do contrato.

O Brasil foi influenciado por todas essas transformações, pois, o Código Civil de 1916

foi inspirado no Código Civil de Napoleão, sendo que, as conseqüências das transformações

posteriores foram consagradas com a Promulgação da Constituição Federal de 1998, que

reconheceu a necessidade de compatibilização da livre iniciativa com as questões sociais.

198

Ainda, estabeleceu entre seus escopos, a busca da igualdade material entre as partes e

a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito,

inserindo instrumentos para sua concretização, dentre eles a defesa do consumidor e a

determinação da edição de um Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Esta defesa culminou com a edição do Código de Defesa do Consumidor que, com a

finalidade de realização desta igualdade material, expressamente reconheceu a

vulnerabilidade do consumidor como princípio basilar das relações de consumo. Referido

ordenamento, assim, tem por escopo final assegurar a dignidade da pessoa humana, com

ênfase no consumidor.

O CDC estabeleceu o conceito de consumidor, prescrevendo instrumentos para sua

proteção contratual, com o estabelecimento de seus direitos básicos, dentre eles: a proteção

contra as cláusulas abusivas e a possibilidade de modificação e revisão de cláusulas

contratuais.

A proteção contra cláusulas abusivas foi realizada por meio da apresentação de rol

exemplificativo, conferindo-lhes um regime de nulidade específico: serem nulas de pleno

direito, com a possibilidade de manutenção do contrato com a eliminação desta cláusula.

Neste ponto, destaca-se o retrocesso promovido pela Súmula 381 do STJ, que proíbe o

reconhecimento de ofício acerca da abusividade nos contratos bancários.

A proteção contratual do consumidor também é exercida por meio da possibilidade de

revisão de cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais, ou sua revisão, quando

fatos supervenientes tornem as prestações excessivamente onerosas para o consumidor (Art.

6º, V). Nestes casos, para a adequação do contrato, o juiz proferirá uma sentença

determinativa.

Apesar das semelhanças deste dispositivo legal com os institutos da lesão da resolução

do contrato por onerosidade excessiva, com eles não se confundem. Da mesma forma, o

instituto da resolução do contrato por onerosidade excessiva não se confunde com os

institutos da lesão, do caso fortuito e da força maior, do erro e do abuso de direito, previstos

no Código Civil.

Ainda, a proteção contratual do consumidor é exercida por meio das invalidades, ou

seja, por meio da nulidade, tanto das cláusulas abusivas, bem como se utilizando do sistema

199

de nulidades do CC/2002, ou por meio da anulabilidade. Por fim, destaca-se que o método de

interpretação, sempre favorável ao consumidor.

Todos esses instrumentos proteção contratual do consumidor somente são

concretizados por meio de uma atuação incisiva dos órgãos julgadores, os quais, naqueles

casos em que não especifica todas as particularidades para a solução da controvérsia e com

fundamento nos postulados contemporâneos aplicáveis à teoria contratual, têm maior

liberdade para decidir, adequando o conteúdo do contrato para restabelecer o equilíbrio do

contrato. Este decisão é chamada de sentença determinativa.

Neste contexto, foram analisados os julgados proferidos pelo Superior Tribunal de

Justiça (STJ), no período entre 01/01/2007 a 31/12/2009, em questões envolvendo contratos

bancários, temática escolhida diante do grande número de controvérsias judiciais existente,

bem como pela notória diferença de força entre as partes contratantes, destacando-se a

temática da capitalização de juros, da comissão de permanência, dos juros remuneratórios e

dos juros moratórios.

Com base nesses julgados, foi constatado que o STJ apresentou uma evolução em

direção à efetiva defesa do consumidor e à concretização da igualdade entre as partes, tendo

em vista a edição da Súmula n. 297, seguindo a decisão do STF quando do julgamento da

ADI n. 2951, bem como com a edição da Súmula n. 283, as quais reconheceram que as

instituições financeiras e as operadoras de cartões de crédito estão sujeitas às normas do CDC.

Em matéria de direito sumulado, o STJ, porém, retrocedeu com a edição da Súmula n.

381, na qual impede que os juízes conheçam de ofício acerca da abusividade de cláusulas em

contratos bancários. Tal entendimento, não importa quais fossem suas motivações, políticas

ou jurídicas, afronta dispositivo expresso de lei, lei esta que possui fundamento

constitucional.

No tocante os julgados propriamente ditos, regra geral, andou bem o STJ, pois, quando

instado a pronunciar-se sobre questões envolvendo o tema da capitalização de juros o

entendimento do STJ foi o de que, nos contratos do Sistema Financeiro da Habitação,

vinculados ao Fundo de Compensação de Variação Salarial não estariam sujeitos ao CDC,

pois a norma de proteção ao mutuário hipossuficiente seria mais benéfica.

Ainda, que nestes contratos, até o advento da Lei n. 11.977/2009 não seria possível a

capitalização de juros. Desta forma, reconhecendo que a utilização da Tabela Price, e o

200

critério de amortização do saldo devedor podem, eventualmente, proporcionar tal

capitalização, caso haja comprovação nas instâncias ordinárias, o contrato deverá ser revisto.

Quando trata dos contratos bancários, o entendimento do STJ é de ser permitida a

capitalização de juros, havendo divergência entre as Turmas acerca da possibilidade desta

capitalização ser mensal ou anual. Neste caso, em face do critério de interpretação sempre

favorável ao consumidor, deveria prevalecer o entendimento da capitalização anual.

A comissão de permanência, nos casos em que se entendeu permitida, prevalece o

entendimento de que, comprovada a abusividade dos encargos contratados, a decisão das

instâncias inferiores deveria ser reformada, utilizando-se a taxa média do mercado.

No tocante aos juros remuneratórios, foi seguido o mesmo raciocínio, pois, apesar do

entendimento de que, nos contratos bancários - bem como aos cartões de crédito - ser livre a

pactuação da referida taxa, não estando sujeitas à Lei de Usura, foi reconhecido que,

comprovada a abusividade dos encargos contratados, a decisão das instâncias inferiores

deveria ser reformada, utilizando-se a taxa média do mercado ou estipulada por outras

instituições financeiras para situações semelhantes.

Ainda com relação aos juros remuneratórios, defendeu-se que, em caso de restituição

de débitos devidos em conta corrente, haveria a limitação existente na Lei de Usura, porque as

taxas de juros cobradas das instituições financeiras não representariam apenas o lucro da

instituição, mas serviriam também para custear sua atividade.

Quanto às empresas de factoring, o entendimento é de que não integram o sistema

financeiro nacional e, por tal razão, os encargos remuneratórios estão sujeitos ao limitesda Lei

de Usura.

No tocante à questão dos juros moratórios, o entendimento foi o de que, nos contratos

bancários, de cartões de crédito e factoring, devam ser cobrados à taxa de 0,5% ao mês, no

período anterior ao atual Código Civil, acrescendo-se a correção monetária e no período

posterior ao Código Civil de 2002, devam ser cobrados na forma prevista no Art. 406 do

referido estatuto, ou seja, o limite de 12% ao ano.

Nestes casos, as decisões do STJ foram de encontro às diretrizes traçadas pela

Constituição Federal, uma vez que, apesar de reconhecer regime de juros diversos para os

201

contratos bancários, reconheceu-se, também que, comprovada a abusividade, o contrato

deveria ser revisto, para o restabelecimento do equilíbrio contratual.

Até mesmo a decisão que limita os juros remuneratórios a 12% ao ano, no caso de

restituição de débito indevido em conta corrente, o STJ procura compatibilizar os comandos

constitucionais, pois, a Constituição Federal, quando trata da “Ordem Econômica e

Financeira”, expressamente prescreve que deva valorizar a livre iniciativa, desde que assegure

a todos existência digna. Não bastasse isso, o CDC prescreve que deve haver uma

harmonização das relações de consumo.

Desta forma, o entendimento acima promove tal harmonização, sendo notório que os

juros cobrados pelas instituições financeiras não refletem apenas seu lucro, mas também

servem para o custeio de sua atividade. Caso o consumidor fosse remunerado no mesmo

patamar estaria enriquecendo ilicitamente.

Com base nestes julgados, foi constatado que as decisões do STJ, que acabam sendo

refletidas nas instâncias inferiores, preconizavam as diretrizes traçadas pelo Código de Defesa

do Consumidor e pela Constituição Federal, no sentido de que, deveria ser buscada a efetiva

igualdade entre as partes, pois, por meio da tal restabelecimento, estar-se-ia assegurando a

dignidade da pessoa humana, neste caso o consumidor, além de realizar a harmonização da

liberdade de iniciativa com as questões sociais, que se refletem na harmonização das relações

de consumo.

Porém, com a edição da Súmula n. 381, houve um retrocesso em todo este processo,

pois referida súmula além de contrariar texto expresso de lei, contraria todo o sistema de

defesa do consumidor, defesa esta expressamente consignada no Texto constitucional.

Portanto, para respeito e efetivação dos comandos legais e constitucionais, a Súmula n.

381 deveria ser revista, a fim de que fosse restabelecida a defesa do consumidor nos moldes

preconizados pela Constituição Federal, garantindo-se a dignidade do consumidor, que é

expressamente reconhecido como o ente mais fraco – vulnerável – das relações de consumo.

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RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade.

28.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.3.

______. Direito Civil: parte geral das obrigações. 30.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.2.

______. Direito Civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v.1.

RUSSO JUNIOR, Rômolo. O poder do juiz de integrar o contrato à realidade: ótica do

declínio as relatividade, do não isolamento, da função social orientadora e da dignidade da

pessoa humana. In NERY, Rosa Maria Andrade (coord.). Função do direito privado no atual

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SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2.ed. São Paulo: Método, 2004.

221

SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico: nulidades e medidas sanatórias. 2.ed. São

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SIDOU, J. M. Othon. A revisão judicial dos contratos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

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Janeiro: Renovar, 2007.

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Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

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no ordenamento jurídico brasileiro. In TEPEDINO, Gustavo (coord.), Problemas de direito

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SOARES, Mário Lúcio Quintão; BARROSO, Lucas Abreu. Os princípios informadores do

novo código civil e os princípios fundamentais: lineamentos de um conflito hermenêutico no

ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, n.14, p.49-54,

abr./jun.2003.

222

SOARES, Renata Domingues Balbino Munhoz. A boa-fé objetiva e o inadimplemento do

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TARTUCE, Flávio. A boa-fé objetiva e a mitigação do prejuízo pelo credor. Esboço do tema

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TEPEDINO, Gustavo. Direito Civil e Ordem Pública na Legalidade Constitucional. In

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Direito Empresarial Contemporâneo. São Paulo: Arte e Ciência, 2007.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos do consumidor. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense,

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______. O contrato e sua função social. 3.ed. Rio de janeiro: Forense, 2008.

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______. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2.ed. São

Paulo: Atlas, 2002, v.2.

224

ANEXO

225

ANEXO I

JULGADOS PROFERIDOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Para melhor sistematização do estudo e facilitar a consulta dos leitores, entendeu-se

por bem apresentar a enumeração dos julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça

no presente anexo, subdividindo-os de acordo com a temática analisada, a saber: 1)

capitalização de juros; 2) comissão de permanência; 3) juros remuneratórios; 4) juros

moratórios.

1 CAPITALIZAÇÃO DE JUROS

AgRg no Agravo de Instrumento n.966.398-AL; AgRg no Resp. n.256.128-RS; Resp.

n.1.004.205-PR; Resp. n.1.013.562-SC; Resp. n.1.018.094-PR; Resp. n.1.031.694-RS; Resp.

n.1.035.484-PR; Resp. n.1.036.793-RS; Resp. n.1.037.888-SP; Resp. n.1.039.052-PR; Resp.

n.1.050.858-SP; Resp. n.1.058.334-RS; Resp. n.1.063.910-RS; Resp. n.1.068.074-CE; Resp.

n.1.070.297-PR; Resp. n.1.090.398-RS; Resp. n.1.096.992-PR; Resp. n.1.135.006-PR; Resp.

n.337.572-SP; Resp. n.630.309-PR; Resp. n.630.404-RS; Resp. n.671.508-SC; Resp.

n.602.068-RS; Resp. n.680.237-RS; Resp. n.740.632-PR; Resp. n.756.973-RS; Resp.

n.793.037-RS; Resp. n.802.548-CE; Resp. n.806.395-RS; Resp. n.807.409-CE; Resp.

n.809.229-PR; Resp. n.823.040-RS; Resp. n.848.774-RS; Resp. n.848.855-RS; Resp.

n.852.941-SC; Resp. n.855.700-PR; Resp. n.866.277-PR; Resp. n.880.360-RS; Resp.

n.894.682-RS; Resp. n.906.054-RS; Resp. n.908.738-PE; Resp. n.910.084-SC; Resp.

n.913.589-SC; Resp. n.915.572-RS; Resp. n.919.693-PR; Resp n.920.944-RS; Resp.

n.934.011-PR; Resp. n.936.795-SC; Resp. n.942.014-SP; Resp. n.943.825-RS; Resp.

n.990.331-RS; Resp. n.821.357-RS.

226

2 COMISSÃO DE PERMANÊNCIA

Ag no Resp. n.712.801-RS; AgRg no Agravo de Instrumento 966.398; AgRg no Agravo de

instrumento n. 938.523; AgRg no Agravo de Instrumento n.1.035.865-MG; AgRg no Agravo

de Instrumento n.1.118.790-MG; AgRg no Agravo de instrumento n.765.674-GO; AgRg no

Agravo de Instrumento n.883.139-MG; AgRg no Agravo de Instrumento n.884.703-MG;

AgRg no Agravo de Instrumento n.919.864-MG; AgRg no Agravo de Instrumento n.938.523-

MS; AgRg no Resp. n.1.017.958-RS; AgRg no Resp. n.1.018.282-MS; AgRg no Resp.

n.1.050.286-MG; AgRg no Resp. n.1.104.750-RN; AgRg no Resp. n.327.513-MG; AgRg no

Resp. n.406.841-RS; AgRg no Resp. n.456.087-RO; AgRg no Resp. n.456.087-RO; AgRg no

Resp. n.469.538-RS; AgRg no Resp. n.703.070-CE; AgRg no Resp. n.703.070-CE; AgRg no

Resp. n.784.935-CE; AgRg no Resp. n.791.172-RS; AgRg no Resp. n.804.118-DF; AgRg no

Resp. n.852.532-MG; AgRg no Resp. n.958.662-RS; AgRg no Resp. n.959.002-MG; AgRg

no Resp. n.960.880-RS; AgRg no Resp. n.974.768-RS; AgRg no Resp. n.980.038-RS; AgRg

no Resp. n.985.334-BA; AgRg nos EDcl no Resp. n.889.378-SP; Resp. n.1.032.737-RS;

Resp. n.1.032.873-RS; Resp. n.1.036.358-MG; Resp. n.1.036.474-RS; Resp. n.1.036.793-RS;

Resp. n.1.036.793-RS; Resp. n.1.036.857-RS; Resp. n.1.039.878-RS; Resp. n.1.042.903-RS;

Resp. n.1.061.530-RS; Resp. n.1.063.818 (decisão monocrática); Resp. n.651.824-RN; Resp.

n.654.147-SE; Resp. n.697.379-RS; Resp. n.750.022-RS; Resp. n.821.357-RS; Resp.

n.834.968-RS; Resp. n.863.887-RS; Resp. n.868-887-MG; Resp. n.894.385-RS; Resp.

n.894.916 (decisão monocrática); Resp. n.897.148-MT; Resp. n.899.662-RS; Resp.

n.906.054-RS; Resp. n.925.064-MG; Resp. n.996.217 (decisão monocrática).

3 JUROS REMUNERATÓRIOS

AgRg no Resp. n.256.128-RS; AgRg no Resp. n.716.608-RS; AgRg no Resp. n.719.065-RS;

AgRg no Resp. n.829.710-SC; Edcl no AgRg no Resp. n.480.221-RS; EDcl no Resp.

n.592.611-RS; Resp. n. 208.713-SP; Resp. n.1.032.737-RS; Resp. n.1.036.474-RS; Resp.

n.1.036.818-RS; Resp. n.1.036.857-RS; Resp. n.1.036.999-RS; Resp. n.1.037.888-SP; Resp.

n.1.039.052-PR; Resp. n.1.039.878-RS; Resp. n.1.044.499-RS; Resp. n.1.045.110-PR; Resp.

n.1.048.341-RS; Resp. n.1.061.530-RS; Resp. n.1.063.120-SC; Resp. n.1.070.297-PR; Resp.

227

n.1.087.999-MG; Resp. n.1.058.325-RS; Resp. n.119.705-RS; Resp. n.208.713-SP; Resp.

n.271.214-RS; Resp. n.296.678-RS; Resp. n.330.845-RS; Resp. n.331.385-SP; Resp.

n.337.572-SP; Resp. n.407.097-RS; Resp. n.420.111-RS; Resp. n.447.431-MG; Resp.

n.450.453-RS; Resp. n.623.691-RS; Resp. n.715.894-PR.

4 JUROS MORATÓRIOS

Ag no AgRg no Agravo de instrumento n.729.936-RS; AgRg no Agravo de instrumento n.

558.753-RS; AgRg no Agravo de instrumento n.678.120-SP; AgRg no Agravo de instrumento

n.710.601-MS; AgRg no Agravo de instrumento n.765.674-GO; AgRg no Resp. n.1.017.958-

RS; AgRg no Resp. n.1.060.855-RS; AgRg no Resp. n.406.841-RS; AgRg no Resp.

n.469.538-RS; AgRg no Resp. n.533.704-RS; AgRg no Resp. n.593.205-RS; AgRg no Resp.

n.765.674-RS; AgRg no Resp. n.791.172-RS; AgRg no Resp. n.879.902-RS; AgRg no Resp.

n.916.008-RS; AgRg no Resp. n.917.459-RS; AgRg no Resp. n.958.662-RS; AgRg no Resp.

n.960.880-RS; AgRg no Resp. n.973.646-RS; AgRg no Resp. n.974.768-RS; EDcl no AgRg

no Resp. n.533.704; Edcl no AgRg no Resp. n.593.205-RS; EDcl no AgRg no Resp.

n.842.973-RS; EDcl no Resp. n.595.006-RS; Resp. n.1.007.561-RS (decisão monocrática);

Resp. n.1.036.474-RS; Resp. n.1.036.474-RS; Resp. n.1.038.417 (decisão monocrática);

Resp. n.1.061.530-RS; Resp. n.1.063.818 (decisão monocrática); Resp. n.1.071.004 (decisão

monocrática); Resp. n.188.674-MG; Resp. n.337.572-SP; Resp. n.400.255-RS; Resp.

n.402.483-RS; Resp. n.437.269-MG; Resp. n.447.431-MG; Resp. n.607.961-RJ; Resp.

n.623.691-RS; Resp. n.708.633-RS; Resp. n.750.022-RS; Resp. n.873.632-ES; Resp.

n.894.916 (decisão monocrática); Resp. n.996.217 (decisão monocrática).

228

Kobayashi, Alessandro M.

Revisão do contrato com base no Código de Defesa do Consumidor/

Alessandro M. Kobayashi -- Marília: UNIMAR, 2010.

... 227p.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da

Universidade de Marília, Marília, 2010.

1.Contrato 2.Código de Defesa do Consumidor I. Kobayashi,

Alessandro M.

CDD -- 342.231