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Revista Pensar Direito, v. 6, n. 1, jan. 2015. DIREITO INTERSISTEMÁTICO: análise comparativa entre os ordenamentos jurídicos brasileiro e português Flávia Fernanda de Sousa RESUMO O presente artigo analisa os ordenamentos jurídicos brasileiro e português buscando, por meio desse estudo comparativo, avaliar convergências e as divergências entre eles relativamente, verificando para tanto, as regras de conexão utilizadas em cada um e, em conseqüência, tratar de temas como o objeto do Direito Internacional Privado, bem como a definição da denominação mais apropriada para esta ciência. De forma concisa abordará as demais legislações que demonstrem pertinência com o tema, relativamente tratados e convenções que versem sobre os referidos ordenamentos jurídicos. Palavras-chave: Direito intersistemático. Regras de conexão. Equivalência. Ordenamento jurídico. Brasileiro. Português. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem por matéria oferecer uma perspectiva de como, desde a antiguidade, o Direito Internacional Privado mostra-se eficiente nas soluções para os conflitos encontrados entre os ordenamentos jurídicos de cada Estado. Mediante tal afirmação, o presente artigo, tratará especificamente das regras de conflitos existentes entre os ordenamentos jurídicos brasileiro e português. A base será a utilização da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (redação dada pele Lei n°12.376 de 2010) vigente em nosso ordenamento em que Bacharel em Direito. Avenida Raja Gabaglia 4859, sala 237, Santa Lúcia, Belo Horizonte/MG. [email protected]

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Revista Pensar Direito, v. 6, n. 1, jan. 2015.

DIREITO INTERSISTEMÁTICO: análise comparativa entre os ordenamentosjurídicos brasileiro e português

Flávia Fernanda de Sousa

RESUMO

O presente artigo analisa os ordenamentos jurídicos brasileiro e português

buscando, por meio desse estudo comparativo, avaliar convergências e as

divergências entre eles relativamente, verificando para tanto, as regras de conexão

utilizadas em cada um e, em conseqüência, tratar de temas como o objeto do Direito

Internacional Privado, bem como a definição da denominação mais apropriada para

esta ciência.

De forma concisa abordará as demais legislações que demonstrem pertinência com

o tema, relativamente tratados e convenções que versem sobre os referidos

ordenamentos jurídicos.

Palavras-chave: Direito intersistemático. Regras de conexão. Equivalência.

Ordenamento jurídico. Brasileiro. Português.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por matéria oferecer uma perspectiva de como, desde a

antiguidade, o Direito Internacional Privado mostra-se eficiente nas soluções para os

conflitos encontrados entre os ordenamentos jurídicos de cada Estado.

Mediante tal afirmação, o presente artigo, tratará especificamente das regras

de conflitos existentes entre os ordenamentos jurídicos brasileiro e português.

A base será a utilização da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

(redação dada pele Lei n°12.376 de 2010) vigente em nosso ordenamento em que

Bacharel em Direito. Avenida Raja Gabaglia 4859, sala 237, Santa Lúcia, Belo Horizonte/[email protected]

Revista Pensar Direito, v. 6, n. 1, jan. 2015.

ao longo do seu texto contêm regras de conexão compatíveis com o Código Civil

Português (Decreto-Lei n° 47 344 de 25 de Novembro de 1966).

Inicialmente, cumpre esclarecer que as normas do Direito Internacional

Privado classificam-se segundo a fonte, a natureza e a estrutura.

Pertinente ao tema, a classificação quanto a natureza refere-se a uma norma

indireta, norma essa que não soluciona o conflito em si, porém indica qual será o

direito interno aplicável ao caso concreto, por esse motivo é classificada de

sobredireito.As normas diretas dão solução ao conflito em si, por isso tratam-se de

normas substanciais.

Portanto, o presente artigo tratará dos temas a que se referem as normas

indiretas, ou de sobredireito, assim a análise decorrerá dos artigos 7° ao 14° da Lei

de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

No que diz a respeito à terminologia correta ou mais apropriada para definir a

natureza do direito internacional privado a divergência é grande e, por esse motivo,

várias denominações são usadas com a mesma finalidade.

É unânime entre vários autores a declaração sobre as primeiras aparições da

denominação "Direito Internacional Privado" que ao que parece, foi utilizada pela

primeira vez pelo jurista americano Joseph Story em sua obra “Commentaries on the

Conflict of Laws”, de 1834 e logo depois empregada pelo jurista francês Jean-

Jacques Gaspard Foelix no título de uma de suas obras, “Traité du Droit

International Prive” ou “du conflit des lois des differentes nations”, de 1843.

Desde então várias denominações surgiram como alternativas para esta

ciência. Raul Pederneiras criou um neologismo, “Nomantologia”, significando o

estudo (logos) do confronto (ante) das leis (nomos), outros criaram o direito

interespacial, o direito interjurídico e inclusive “Conflict of Laws” ("conflito de leis"),

expressão utilizada pelos juristas anglo-saxões, talvez o mais próximo do objeto

dessa ciência.

Contudo, a opção que definiria a denominação a ser utilizada no presente

artigo, sendo, pois, considerada a mais apropriada vem de Jacob Dolinger que

sugeriu ”Direito Intersistemático”, pois abrange todos os tipos de situações

conflitantes: conflitos interespaciais, tanto os internacionais como os internos, e

conflitos interpessoais, inclusive os problemas de natureza jurisdicional, eis que

Revista Pensar Direito, v. 6, n. 1, jan. 2015.

cobre todas as situações em que se defrontam dois sistemas jurídicos com

referência a uma relação de direito.

Entretanto, de uma forma majoritária e incompreensível, os juristas embora

discordem sobre a denominação Direito Internacional Privado, continuam lhe sendo

fiel ao uso.

A cerca do objeto do Direito Internacional Privado, como em quase tudo, não

há consenso, entretanto a concepção francesa é a mais ampla abrangendo

questões de nacionalidade, dos direitos do estrangeiro, do conflito de leis e do

conflito das jurisdições.

Sendo que, o conflito de leis segundo Dolinger:

[...] abrange leis de toda natureza e de toda origem: direito privado e direitopúblico, normas estabelecidas por Estados soberanos e por províncias,cantões ou estados-membro de uma Federação, bem como regras oriundasde sistemas pessoais, como as etnias e as religiões. (DOLINGER, 2011, p.38)

Porém, indubitavelmente trata-se de uma ciência que disciplina formas de

solucionar conflitos de interesses entre pessoas privadas, tendo por unanimidade

seu objeto regido por normas internas.

Cabe ainda atentar para a distinção entre competência judicial internacional e

competência legislativa, também presente no ordenamento jurídico português. Assim

sendo, apenas ocorrerá o conflito de competências quando dois ou mais tribunais da

mesma ordem jurisdicional se considerem competentes (conflito positivo) ou

incompetentes (conflito negativo) para conhecer da mesma questão.

A doutrina portuguesa define conflito de leis como objeto do direito

internacional privado, justificando que o estudo das regras que em cada ordem

jurídica, definem as conexões relevantes, ou não, e determina qual é o ordenamento

que deve regular os fatos ou relações em questão.

2 METODOLOGIA

2.1 Tipo de pesquisa

O intuito consiste em por meio desse estudo comparativo deparar as

convergências e as divergências entre os ordenamentos jurídicos brasileiro e

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português relativamente, verificando para tanto, as regras de conexão utilizadas por

eles. Busca-se na doutrina e primordialmente na legislação o embasamento teórico

necessário, para o exame da questão.

2.2 Técnicas

2.2.1 Descrição Qualitativa

Fizeram parte da fonte de pesquisa a internet, matérias jornalísticas,

jurisprudência, bem como doutrina e legislação. Foram fundamentais na formação,

construção e desenvolvimento do tema, objeto de toda explanação.

Diante da análise do material, foi possível estabelecer um ponto de partida,

para o desenvolvimento estrutural da obra.

2.2.2 Descrição Bibliográfica

Temos como a principal fonte de pesquisa os livros “Direito internacional

Privado: parte geral”, de Jacob Dolinger, o livro “Direito internacional Privado: Teoria

e Prática” de Beat Walter Rechsteiner, o livro “Direito internacional Público e

Privado” de Gustavo Bregalda Neves, o livro “Direito internacional Privado” de

Amílcar de Castro e primordialmente o livro “Lei de introdução ao código civil

brasileiro interpretada” de Maria Helena Diniz.

Bem como as legislações “Código Civil Português” e a “Lei de Introdução às

Normas Brasileiras”, título da lei de n° 12.376/2010 que alterou a leitura da “Lei de

introdução ao Código Civil” de 1942.

Outras fontes também serão utilizadas e encontram-se especificadas na

bibliografia.

3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A chamada “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” como diz

Maria Helena Diniz é autônoma ou independente, uma norma cogente brasileira, por

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determinação legislativa da soberania nacional, existente para tornar possível a

aplicação das leis, uma vez que, contém princípios gerais sobre as normas.

Considerada o Estatuto de Direito Internacional Privado, a “Lei de Introdução

às Normas do Direito Brasileiro” aponta, em seus arts. 7° a 14°, as diretrizes para a

solução dos conflitos de leis no espaço.

Ao contrário do que sucede no Brasil em que as regras de conflito encontram

se unicamente dipostas em uma lei a parte dos demais dipositivos legais, no Direito

Português as normas de conflito e os conflitos de leis constam essencialmente do

próprio Código Civil (arts.14° ao 65°), havendo, em legislação avulsa, várias outras

regras de conflitos (por ex.: em matéria de valores mobiliários, de direito das

sociedades, de direito do trabalho e de direitos de autor). Todavia, muitas dessas

regras encontram-se hoje derrogadas por força da entrada em vigor de

Regulamentos da União Européia que vieram unificar vários setores do DIP entre os

Estados-Membros.

Dessa forma, serão confrontados os referidos institutos jurídicos a fim de se

verificar semelhanças e impasses no âmbito de seus respectivos estatuto pessoal,

estatuto real e estatuto obrigacional, sem deixar de se mencionar os demais temas

relacionados.

3.1 Estatuto Pessoal

Passando à referida análise, cabe salientar que o Direito Internacional Privado

assegura direitos do estrangeiro no Brasil, desde que estes não ofendam a

soberania nacional, a ordem pública e aos bons costumes, bem como haja

permissão dada pelos governos estrangeiros para a aplicação da norma estrangeira

em seus territórios, que exista intercâmbio cultural, mercantil, ou de semelhante

gênero entre os povos submetidos aos referidos governos e ainda que haja

diversidade de leis regendo concomitantemente, de modo diverso, a mesma relação

jurídica.

Em regra, no momento em que o juiz se depara com um conflito de leis no

espaço, para solucionar o problema, deverá verificar a lex fori que contém critérios

de conexão tidos como convenientes em razão da política jurídica, ou seja, a

Revista Pensar Direito, v. 6, n. 1, jan. 2015.

qualificação do elemento de conexão ou referência só poderá ser fornecida pela lex

fori.

No que tange os conceitos de territorialidade e extraterritorialidade da lei

deve-se observar que o princípio leges non valent ultra territorium, não é absoluto,

pois as exigências da vida internacional conduzem o Estado a aplicar em seu

território leis de outros países. O Brasil adotou a doutrina da territorialidade

moderada, dessa forma verifica-se o princípio da territorialidade regulando o regime

de bens e obrigações e o princípio da extraterritorialidade regulando o estatuto

pessoal conforme verifica-se a seguir: “Art. 7o A lei do país em que domiciliada a

pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a

capacidade e os direitos de família”.

O denominado estatuto pessoal refere-se à situação jurídica que rege o

estrangeiro pela lei de seu país de origem baseando-se na lei da nacionalidade ou

na lei do domicílio. No Brasil, em virtude do disposto no caput do art.7° da “Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiro” o referido estatuto funda-se na lei do

domicílio ou lex domicilii, admitindo a aplicabilidade de norma estrangeira em

território nacional, valendo-se do princípio da extraterritorialidade, de modo que

apenas ao ser analisada a lei do Estado em que a pessoa for domiciliada, poderá

ser solucionada a questão em que se verifique o conflito.

A lei nacional e a lei do domicílio constituem critérios solucionadores de

conflitos interespaciais, tratam-se de elementos de conexão indicativos da lei

competente para reger o conflito de leis no espaço.

O artigo de referente equivalência no direito português é o art.31° que trata da

determinação da lei pessoal, que apresenta em sua primeira parte o seguinte texto:

“Art.31°: 1. A lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo”.

Portanto, equivalentes, no entanto, distintas.

O Brasil já adotou como critério a nacionalidade ou lex patriae, mas ante

demasiados problemas que esta opção acarretava, e as diversas reações

doutrinárias e jurídicas em favor da lex domicilii, esta finalmente passou a vigorar.

De fato esta escolha não foi mera coincidência, pois a lex domicilii é o critério

que corresponde de forma mais completa à conveniência nacional, se

considerarmos que o Brasil é um país de imigração que tem o interesse de sujeitar o

estrangeiro aqui domiciliado à sua lei. Isso demonstra que o critério do domicílio é

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político, geográfico e jurídico, pois o estrangeiro fará parte da população adquirindo

direitos e assumindo obrigações de ordem pública.

Exatamente o oposto ocorre em Portugal, país predominantemente de

emigrantes desde os tempos das descobertas, período em que se observa a

necessidade de povoar novas terras a fim de resignar-se a limitação nos aspectos

geográficos e mercantis da época.

Constata-se que a verificação da nacionalidade de um indivíduo mostra-se

relevante desde os mais remotos tempos, pois distingue os nacionais dos

estrangeiros e indica o direito de cada um, como se pode observar no clássico “A

Cidade Antiga”, de Fustel de Colanges (1975, p. 157) que demonstra que desde a

antiguidade é possível verificar os primeiros vestígios da aplicação do Direito

Internacional Privado ao constatar o fato que o estrangeiro foi sempre tratado com

distinção ao nacional. E em consequência desta distinção “[...] se verificou a

necessidade de haver justiça para o estrangeiro, teve de criar-se um tribunal de

exceção”.

Uma observação interessante sobre a nacionalidade refere-se ao

questionamento sobre esta ser ou não objeto do Direito Internacional, isso devido à

sua natureza já que não se trata de uma norma ou lei dispondo sobre leis e sim,

direito substancial interno.

Todavia, seria inegável a influência da nacionalidade, uma vez que a

aplicação das regras para sua imputação pode repercutir sobre situações criadas ou

garantidas pela legislação relativa à nacionalidade de outro Estado.

A nacionalidade pode, por assim se dizer, ser um fenômeno eminentemente

nacional, ou seja, nenhuma outra soberania irá interferir na elaboração de sua

política e de suas normas, mesmo porque refere-se a um conceito formado com

base em laços morais, jurídicos e embasamento sociológico.

O conceito de nacionalidade cuida da caracterização nacional de cada

Estado, portanto das suas formas originárias e derivadas de aquisição, da sua perda

e reaquisição, dos conflitos positivos e negativos, ocasionando respectivamente, a

dupla nacionalidade e a apatrídia, dos efeitos do casamento sobre a nacionalidade

da mulher e das eventuais restrições aos nacionais por naturalização.

Alguns países bem como Portugal usam o critério da nacionalidade para reger

seu estatuto pessoal como demonstrado em seu art.31°, entretanto o termo ao qual

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se referem para designar essa propriedade é o termo cidadão como se observa no

art.4°, da Constituição Portuguesa:

Art. 4.ºCidadania portuguesaSão cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam consideradospela lei ou por convenção internacional.

A confusão no uso das expressões nacionalidade e cidadania é comum entre

vários autores, porém segundo Dolinger: “A nacionalidade é o vínculo jurídico que

une, liga, vincula o individuo ao Estado e a cidadania representa um conteúdo

adicional, de caráter político, que faculta à pessoa certos direitos políticos, como o

de votar e ser eleito”.

Nesse sentido a nacionalidade acentua o aspecto internacional, enquanto que

a cidadania valoriza o aspecto nacional.

Nesse quesito, seguindo a análise comparativa, a exceção para exercer

certos direitos políticos sem serem nacionais são os portugueses, uma vez que a

cidadania pressupõe a nacionalidade e aquela configura o indivíduo como titular de

direitos políticos.

No Brasil a nacionalidade é um instituto conferido à União, com previsão

constitucional em seu art.22, XIII como se observa no disposto: “Art. 22. Compete

privativamente à União legislar sobre: XIII - nacionalidade, cidadania e

naturalização”;

O mesmo instituto legal dispõe em seu art.12 e respectivos parágrafos e

incisos, a definição sobre quem será considerado brasileiro nato ou naturalizado,

dispõem sobre a situação de portugueses residentes no Brasil a cerca dos direitos a

estes inerentes, trata da proibição da distinção relativa à nacionalidade originária e a

derivada, define os cargos privativos de brasileiros natos e ainda declara as

hipóteses de perda da nacionalidade.

Resta então definir nacionalidade originária, a adquirida no momento do

nascimento e a nacionalidade derivada ou secundária, adquirida mais tarde.

A nacionalidade originária se materializa por meio de dois critérios que

incidem no momento do nascimento, o ius soli que se estabelece pelo lugar do

nascimento, ou país onde se nasce e o ius sanguinis sistema pelo qual, os filhos

adquirem a nacionalidade dos pais.

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Os critérios de determinação da nacionalidade portuguesa originária estão

disciplinados no art. 1º da lei de nacionalidade regulada pela Lei nº 37/1981, com

alterações introduzidas pela Lei 25/1994. Majoritariamente Portugal adota o critério

do ius sanguinis para determinação da nacionalidade, enquanto que no Brasil a

nacionalidade será regida pelo critério do ius soli como é tradição nos países

americanos, tal critério é amainado na Lei brasileira com a adoção excepcional do

ius sanguinis.

Já a nacionalidade derivada ou secundária ocorre por via da naturalização,

seja ela voluntária ou imposta, de modo a tornar possível a continuação da vida no

exterior, como em certos países, por meio do casamento, assim poderá ser utilizado

o sistema do ius domicilii como critério autônomo para a aquisição da nacionalidade

e ou o ius laboris que admite o serviço em prol do estado como elemento

favorecedor e facilitador para a consecução da naturalização.

No que se refere à naturalização, os portugueses possuem privilégios no que

é cabível ao tema, sendo essa concessão ato discricionário do Chefe do Poder

Executivo, mesmo que preenchidos os requisitos para tal, isso se deve à previsão

feita pelo “Tratado de amizade, cooperação e consulta entre a República Federativa

do Brasil e a Republica Portuguesa”.

Segundo o §1.º do art. 12 da “Constituição Federal Brasileira”, serão

atribuídos aos portugueses com residência permanente no Brasil direitos inerentes

aos brasileiros, desde que haja reciprocidade em favor dos brasileiros que possuem

residência permanente em Portugal, hipótese de tratamento favorecido e não

concessão de nacionalidade.

O referido Tratado veio reforçar o disposto na Constituição Federal, trazendo

benefícios “de igualdade de direitos e deveres e o reconhecimento da capacidade de

gozo de direitos políticos sendo da competência do Ministro da Administração

Interna”.

Portanto, continuam com a nacionalidade portuguesa, os portugueses aqui

residentes, assim como continuam brasileiros os nacionais que residem em Portugal.

Porém, são concedidos direitos, a uns e outros, que, no geral, somente poderiam ser

concedidos aos nacionais de cada país, não precisando o português naturalizar-se

brasileiro para auferir os direitos correspondentes à condição de brasileiro

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naturalizado, nem o brasileiro em Portugal naturalizar-se português para conseguir

lá esses direitos.

Visto isso observa-se que os requisitos da capacidade de gozo e de exercício

de direitos públicos de cidadãos investidos no estatuto de igualdade são unicamente

os definidos pela lei portuguesa, demonstrando a condição do estatuto pessoal e

verifica-se que a condição recíproca prevista no estatuto não implica a perda da

nacionalidade nem prejudica a aplicação da lei brasileira, como lei nacional, sempre

que esta deva ser aplicada por força das normas de conflitos portuguesas.

Ainda sobre o disposto no art. 7° da ‘Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro’, é cabível algumas considerações a cerca do começo e fim da

personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família, que constituem o

estado civil. Segundo Maria Helena Diniz “o estado civil é o conjunto de qualidades

constitutivas da individualidade jurídica de uma pessoa”.

Prepondera-se ressaltar sobre a determinação do início da personalidade

natural que será dada pela lex domicilii, convencionando-se que os direitos do

nascituro (infans conceptus) serão determinados pela lei domiciliar dos pais.

Da mesma forma a lex domicilii também determinará as normas sobre o fim da

personalidade, as presunções de morte, comoriência e ausência.

O nome, palavra que designa a pessoa, porém o que melhor identifica a pessoa

é o nome de família, o gentilitium dos romanos, sendo que ao prenome se

acrescentam os apelidos familiares materno e paterno, nessa ordem. Este também

deverá ser regido pela lei do domicílio.

No que diz respeito ao casamento este segue o princípio da lex loci

celebrationis relativamente às formalidades de sua celebração, aos impedimentos

dirimentes absolutos e as nulidades, enquanto a capacidade matrimonial rege-se

pela lex domicilii, sendo considerado a lei domiciliar dos nubentes.

No que se refere à filiação matrimonial a lei aplicável é a domiciliar do pai na

época do nascimento.

A doutrina faz inúmeros questionamentos acerca do tema, mas nos deteremos

em observar a equivalência no Código Civil Português na secção destinada a Lei

reguladora das relações de família previsto nos arts. 49° a 61°, mais propriamente o

que diz o art.49°:ARTIGO 49º

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(Capacidade para contrair casamento ou celebrar convenções antenupciais)A capacidade para contrair casamento ou celebrar a convenção antenupcialé regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal, à qualcompete ainda definir o regime da falta e dos vícios da vontade doscontraentes.

Segundo lição de Ferrer Correia, o princípio da lei pessoal é complementado

pelo da igualdade dos nubentes. Isso significa que, se os nubentes não tiverem a

mesma nacionalidade, os requisitos intrínsecos ou pressupostos materiais do

casamento serão regulados quanto a cada um deles, pelos preceitos da respectiva

lei nacional.

Portanto, este preceito consagra o sistema de aplicação combinada de várias

ordens jurídicas, a qual se verifica sempre que os vários pressupostos de uma e

mesma conseqüência jurídica devam ser apreciados por leis diferentes.

3.2 Estatuto real

Na seqüência da análise, o art.8°, da “Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro” trata da situação dos bens móveis ou imóveis, bem como das relações

juridicas consernentes a eles, ou ainda lei reguladora das coisas como é

denominado no direito português com previsão dos arts. 46° ao 48° do Código Civil.

O art. 8°, da “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” tem a

seguinte redação:

Art. 8o Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes,aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.§ 1o Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quantoaos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outroslugares.§ 2o O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cujaposse se encontre a coisa apenhada.

Conforme o que se pode verificar, a qualificação dos bens rege-se pelo

princípio da territorialidade, portanto pela lex rei sitae.Os bens móveis são passíveis de mudanças repentinas de localização e num

só dia poderão encontrar-se em vários locais, assim diante de tal instabilidade os

bens móveis sem localização e que podem acompanhar o proprietário ou possuidor

serão regulados pela lei do domicílio do seu titular.

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Bem como o penhor que segue a mesma regra, ou seja, prevalecendo a lei do

domicílio que tiver a pessoa em cuja posse direta se encontrar o bem empenhado no

momento da constituição da garantia real, pouco importando a localização do

mesmo.

Semelhante situação pode ser averiguada no disposto do art.46 do Código

Civil Português:

Art.46°

1. O regime da posse, propriedade e demais direitos reais, é definido pelalei do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas.2. Em tudo quanto respeita à constituição ou transferência de direitos reaissobre coisas em trânsito, são estas havidas como situadas no país dodestino.

Aplica-se a lex situs em todo o domínio dos direitos reais, quer tenham por

objeto coisas móveis ou imóveis. É a lex rei sitae que determina a natureza real ou

não real de quaisquer direitos relativos às coisas corpóreas.

Dessa forma, o direito português prevê que as coisas corpóreas e os direitos

que sobre elas se constituem com eficácia erga omnes estão sujeitas á ordem

jurídica do Estado em cujo território se encontrem situadas.

No que tange o direito matrimonial, este será regido pela lei nacional dos

cônjuges conforme disciplina a doutrina portuguesa.

3.3 Estatuto obrigacional

Já sobre o disposto no art.9°, da “Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro” observa-se o seguinte:

Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país emque se constituírem.§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo deforma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da leiestrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar emque residir o proponente.

Com relação a tal tema vale lembrar que a natureza da obrigação contraída

consequentemente a denominará como principal ou acessória e determinará seus

efeitos.

Revista Pensar Direito, v. 6, n. 1, jan. 2015.

Como exemplo obrigações decorrentes da prática de delitos ou de atos ilícitos

serão regidas pelo princípio da lex loci delicti commissi, as obrigações decorrentes

de direito real, como as propter rem serão regidas pela lex rei sitae, bem como as

obrigações convencionais como civis e comerciais seguirão a forma ad probationem

tantum ou ad solemnitatem.

Sobre o tema Maria Helena Diniz leciona o seguinte:

A forma extrínseca dos atos e negócios jurídicos segue a locus regit actum,exceto nos executados no território nacional, aos quais se aplica a lex locisolutionis, quanto aos requisitos intrínsecos, exigindo-se o respeito à formaessencial requerida pela lei brasileira. (DINIZ, 2004, p. 422)

A lei reguladora das obrigações como conceituado pelo direito português,

possui seu âmbito de aplicabilidade delimitado dos arts. 41° a 45° do Código Civil

Português.

Contudo, a equivalência com o direito brasileiro encontra-se conforme o

explanado em seu art.41° que possui a seguinte redação:

Art.41

1. As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própriasubstância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiveremdesignado ou houverem tido em vista.

2. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre leicuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ouesteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveisno domínio do direito internacional privado.

Como se observa a lei reguladora das obrigações tem como princípio a

autonomia da vontade.

Como exemplo, as partes podem convencionar a aplicação da lei portuguesa

num contrato que deva ser executado no estrangeiro por forma tácita de haverem

tido em vista a aplicar daquela lei, essa intenção, por constituir matéria de direito,

pode apurar-se por qualquer meio de prova. Assim,caso seja aplicado a lei

portuguesa, a rescisão por mútuo acordo terá que obedecer aos requisitos daquela

lei, sendo necessário a manifestação de vontade inequívoca e bilateral da

desvinculação.

Ao que se percebe a autonomia da vontade no âmbito dos contratos

internacionais consiste no exercício da liberdade contratual dentro das limitações

Revista Pensar Direito, v. 6, n. 1, jan. 2015.

fixadas em lei, imposições de ordem pública, bem como interpretações

jurisprudenciais.

O direito português vale-se do mesmo preceito no que se refere aos contratos

trabalhistas uma vez que dispõem que empregador e empregado podem escolher a

ordem jurídica aplicável ao contrato de trabalho entre eles celebrado.

3.4 Lei reguladora das sucessões

O art.10°, da “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” possui a

seguinte redação:

Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país emque domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a naturezae a situação dos bens.§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será reguladapela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou dequem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoaldo de cujus. (Redação dada pela Lei nº 9.047, de 1995)§ 2o A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade parasuceder.

Embora haja três sistemas para solucionar conflitos de leis no caso da

sucessão do de cujus submeter-se a várias leis a “Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro”adotou como critério a teoria da unidade sucessória.

A referida teoria determina que apenas uma lei pode reger a transmissão causa

mortis, devendo essa lei ser a da nacionalidade ou a do domicílio do falecido,

portanto, caberá a essa lei determinar os herdeiros, a ordem de vocaçõa hereditária,

a quantia da legítima, a forma de concorrência, a maneira de colacionar co-

herdeiros, a validade formal intríseca do testamento, bem como os demais temas

relacionados ao assunto.

Seguindo a previsão do art. 10° ,a sucessão por morte ou ausência segue a lex

domicilii do falecido ou desaparecido, ao tempo de sua morte, não sendo para isso

levado em consideração sua nacionalidade, a situação dos bens ou ainda a lei

pessoal de seus herdeiros.

No que se refere ao testamento, conforme nos demonstra Maria Helena Diniz,

“a validade extrínseca do testamento rege-se pela lex loci actus e a intríseca pela lex

domicilli do de cujus”.

Revista Pensar Direito, v. 6, n. 1, jan. 2015.

O artigo com equivalência no Código Português contido na subsecção da Lei

reguladora das sucessões, qual seja o art.62° descreve o seguinte:

Art.62°

A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão aotempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes doadministrador da herança e do executor testamentário.

O presente artigo é expresso em dizer que a sucessão por morte é regulada

pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, devendo

relembrar que, neste caso, a lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo.

A doutrina portuguesa previne que a lei reguladora da sucessão é a lei

nacional do de cujus, salvo se esta envolver pensados princípios fundamentais da

ordem pública internacional do Estado português. Sabendo-se que contraria a ordem

pública portuguesa a lei estrangeira que negar direitos sucessórios aos filhos

ilegítimos.

Nesse aspecto, a doutrina contém previsão para que os nascituros já

concebidos tenham direito à indenização quanto a danos que sofram quando ainda

se encontrem no ventre materno.

3.5 Pessoas de interesse coletivo

O art.11°, da “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” dispõe o

seguinte texto:

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como associedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que seconstituírem.§ 1o Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ouestabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados peloGoverno brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.§ 2o Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquernatureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido defunções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis oususceptíveis de desapropriação.§ 3o Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédiosnecessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentesconsulares. (Vide Lei nº 4.331, de 1964)

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O art.11°, da legislação brasileira trata da lei do lugar da constituição das

pessoas jurídicas de direito privado destinadas à consecução de finalidades de

interesse coletivo e das pessoas jurídicas de direito público externo.

A necessidade dessa previsão advém das inúmeras atividades exercidas em

Estados diversos daqueles em que houve a constituição da pessoa jurídica.

Dessa forma, visando equilibrar as relações concernentes a essas atividades,

cada Estado será soberano ao adotar os critérios que regulem as formalidades

legais que facultem a existência, os direitos e deveres de tais pessoas jurídicas.

Seguindo tal critério, o princípio que regerá a nacionalidade da pessoa jurídica

segundo a lei da sua origem será o princípio locus regit actum.

As pessoas jurídicas estrangeiras constituídas em conformidade com a lei do

lugar onde nasceram terão reconhecimento de sua validade em outros Estados que

as reconhecerem.

No Brasil, a pessoa jurídica estrangeira que deseje conservar sua sede no

exterior ou deslocá-la para cá, desde que não contrarie a nossa ordem social, os

bons costumes e cumpra os requisitos impostos pelo Código Civil, gozarão da

capacidade de pleno exercício de seus direitos havendo restrições apenas por parte

das pessoas jurídicas de direito público no que se refere ao gozo e exercício do

direito real.

As pessoas jurídicas de direito público externo não poderão adquirir bens

imóveis ou bens susceptíveis de desapropriação no Brasil, exceto os necessários ao

funcionamento dos serviços diplomáticos ou consulares as sedes dos seus

representantes.

O artigo supracitado encontra seu equivalente no direito português na

descrição do art. 33° e, bem como, relevante interesse há, na descrição contida no

disposto do art. 34°, como se observa a seguir:

ART. 33º

(Pessoas colectivas)1. A pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do Estado onde seencontra situada a sede principal e efectiva da sua administração.

ART. 34º

(Pessoas colectivas internacionais)A lei pessoal das pessoas colectivas internacionais é a designada naconvenção que as criou ou nos respectivos estatutos e, na falta dedesignação, a do país onde estiver a sede principal.

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As referidas pessoas coletivas, como são indicadas pelo próprio nome,

possuem sua equivalência com as conhecidas organizações destinadas a fins de

interesse coletivo, como as sociedades e as fundações como são denominadas pelo

direito brasileiro.

A descrição a que se refere o art. 34°, abrange as pessoas coletivas que

devam a sua criação a uma fonte de direito internacional, ou seja, a tratados ou

convenções entre Estados, e não já as organizações com finalidades internacionais,

de natureza cultural ou econômica, que não devem a sua constituição a qualquer

convenção internacional.

O que se observa neste caso é a utilização de critérios diferenciados para

ambas as legislações no que tange o reconhecimento das regras de conexão

aplicáveis ao caso concreto, uma vez que a legislação portuguesa define como regra

a lei do Estado onde se encontra situada a sede principal e efetiva da administração

da pessoa coletiva.

3.6 Competência

Inicia-se a análise do disposto no art.12°, da “Lei de Introdução às Normas do

Direito Brasileiro” que possui a seguinte redação:

Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réudomiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.§ 1o Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das açõesrelativas a imóveis situados no Brasil.§ 2o A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur esegundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadaspor autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto aoobjeto das diligências.

O artigo em análise trata do critério de determinação da competência

internacional e da questão do conflito de jurisdição, sabendo-se que aquela

determinará o poder do tribunal para conhecer do litígio e para prolatar sentença em

condições de receber o exequatur em outro país.

Novamente encontra-se visível a aplicação do princípio da territorialidade,

uma vez que a competência do juiz ou do tribunal que deverá resolver a questão

será determinada pelo sistema de organização judiciária do país.

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Portanto, conforme explica Maria Helena Diniz (2004, p. 332), “[...] as normas

atinentes à delimitação da competência internacional são locais, de cada jurisdição,

determinando, ante os fatos, se essa jurisdição local é, ou não a competente para

apreciá-los”.

Como já havia sido dito anteriormente, Portugal teve várias legislações

avulsas sobre regras de conflitos, todavia, muitas dessas regras encontram-se hoje

derrogadas por força da entrada em vigor de Regulamentos da União Européia.

Dessa forma, é na legislação comunitária, ou seja, no Regulamento do

Parlamento europeu, que serão encontradas as regras concernentes à competência

da autoridade judiciária.

O referido Regulamento dispõe em seu preâmbulo que será utilizado o

princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e outras decisões das

autoridades judiciais como pedra angular da cooperação judiciária em matéria civil

com incidência além das fronteiras dos Estados-Membros e solicitou ao Conselho e

à Comissão que adotassem um programa legislativo para dar execução àquele

princípio.

Dessa forma entende-se que para o bom funcionamento do mercado interno

exige-se que, para favorecer a previsibilidade do resultado dos litígios, a certeza

quanto à lei aplicável e a livre circulação das decisões judiciais, as normas de

conflitos de leis em vigor nos Estados-Membros designem a mesma lei nacional,

independentemente do país em que se situe o tribunal no qual é proposta a ação.

3.7 Dos fatos

A redação dada ao artigo 13°, da “Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro” elucida o seguinte: “Art. 13°. A prova dos fatos ocorridos em país

estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de

produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira

desconheça”.

Interessante observação sobre a descrição do presente artigo é o fato de que,

embora o mesmo se refira as provas do direito estrangeiro, o tema a ele

concernente é, sem dúvidas, a prova dos fatos que se efetivam em território

estrangeiro como explica Maria Helena Diniz.

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O presente artigo em análise trata da prova dos fatos ocorridos no exterior,

que irão regular-se pelo princípio da lex loci, portanto, pelos meios apontados pela

lei do lugar onde ocorreram, porém, o modo de produzi-la em juízo será regulado

pela lex fori.

Novamente será invocado o princípio da territorialidade por parte da doutrina

para que se possa justificar a inadmissibilidade de prova proibida ou desconhecida

pela lex fori no decorrer do processo.

Portanto, se um ato foi celebrado de acordo com lei estrangeira, será esta

mesma lei que indicará sua prova.

O artigo 23°, do Código Civil Português, está dividido em duas partes, sendo

que sua equivalência com o artigo em análise encontra-se na primeira parte do

texto, qual seja: “ART. 23º - 1. A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a

que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas”.

Com base no exposto, verifica-se que diante do caso em concreto o juiz que

valer-se do direito estrangeiro há de interpretá-lo em conformidade com a

jurisprudência e doutrinas dominantes no país de origem. Devendo se observar

antes de mais, as regras estrangeiras sobre interpretação no respectivo Estado que

lhes forem atribuídas.

Portanto, como anuncia a doutrina portuguesa, quando a jurisprudência se

encontre dividida enquanto a interpretação de determinado preceito, deve-se

integrar, na medida do possível, as concepções jurídicas próprias do direito aplicado

procurando sempre ater-se à interpretação que razoavelmente se pareça com a que

irá prevalecer na jurisprudência do respectivo país.

3.8 Interpretação e averiguação do direito estrangeiro

A previsão do art.14, da “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”

anuncia: “Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a

invoca prova do texto e da vigência”.

O referido artigo pode ser considerado autoexplicativo se considerarmos a

essência do seu objeto. Pois, refere se a previsão na qual o juiz do processo poderá

exigir prova do direito estrangeiro que tenha sido invocado pela parte.

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Isso se deve por motivo de a lei estrangeira ser considerada como um fato,

competindo a quem alegá-la sua prova.

No que se refere aos meios de prova, estes serão indicados pelo ius fori.

No caso em concreto figura-se a utilização do principio iura novit curia em se

tratando de direito nacional, porém no caso do direito internacional privado, o juiz

deverá decidir se lhe será aplicável o direito nacional ou o alienígena. No caso da

inaplicabilidade da lei nacional, o juiz determinará pela norma mais apropriada que

poderá ser ex officio evidenciado neste caso a desobrigatoriedade do conhecimento

da lei alienígena e facultando-lhe a exigência da prova daquele que a invocou, bem

como seu teor e vigência.

A segunda parte do art.23°, apresenta o seguinte texto, em equivalência ao

exposto no art.14°, da lei brasileira:

ART. 23º

2. Na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável,recorrer-se-á à lei que for subsidiariamente competente, devendo adoptar-se igual procedimento sempre que não for possível determinar oselementos de facto ou de direito de que dependa a designação da leiaplicável.

O que se deve observar sobre a interpretação dada ao exposto pelo art.23°

em sua segunda parte é sobre a impossibilidade de determinação da conexão

relevante. Neste caso, deve-se seguir os seguintes critérios: a) verificar se há

conexão subsidiária, e neste caso utiliza-se desta; b) caso haja harmonia com o

direito conflitual do foro, a norma de conflitos não terá sucedâneo e nesse caso o

juiz deverá estabelecer uma conexão para o negócio jurídico e não sendo possível,

aplicará a lex fori; c) se há dúvidas apenas em saber qual de duas nacionalidades,

certas e determinadas, é a do interessado, o procedimento a ser adotado, será o

anteriormente indicado, mas apenas comprovadamente, após se averiguar a

impossibilidade de se determinar qual seria a mais provável das nacionalidades.

4 CONCLUSÃO

Tendo como motivação as notórias afinidades que marcaram a relação entre

os dois países, pois as relações entre Portugal e Brasil já duram mais de quatro

séculos e atualmente, os dois países compartilham uma relação privilegiada, como

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evidenciada em cooperações e ações coordenadas político-diplomáticas, estimando-

se que atualmente a migração recíproca seja em torno de 700.000 portugueses

vivendo no Brasil e 111.445 brasileiros vivendo em Portugal.

Essa motivação fomenta o estudo do direito comparado que por meio de

contrastes analisa os referidos sistemas jurídicos levando em consideração suas

normas positivas, suas fontes e os vários fatores sociais e políticos que os

influenciaram, resultando enfim, numa visão mais clara do próprio direito de cada

Estado.

Como resultado das considerações feitas ao longo do presente artigo verifica-

se que o estatuto pessoal lato sensu engloba o estado da pessoa e sua capacidade,

sendo utilizado como regra de conexão no Brasil a lex domicilii e em Portugal a lex

patriae.

Com relação ao estatuto real, as regras de conexão são todas aquelas que

encerram um elemento espacial seja a situação da coisa, lugar do ato ou do fato,

portanto, o que verifica como regra de conexão no Brasil é a lex rei sitae e de igual

forma Portugal.

As regras de conexão que qualificam e regem o estatuto obrigacional no

direito brasileiro seguem a locus regit actum, exceto nos atos executados no

território nacional, aos quais se aplica a lex loci solutionis, diferentemente o direito

português segue a lex voluntatis, ou seja, a autonomia da vontade.

No que tange às regras de conexão relativamente à sucessão, ambas as

legislações adotaram como critério a teoria da unidade sucessória, embora no Brasil

o estatuto pessoal seja regido pela lei do domícilio e em Portugal pela nacionalidade

do indivíduo.

A regra de conexão utilizada para definir as organizações de interesse

coletivo é a lei do estado em que se constituírem, portanto, segue o princípio locus

regit actum, já na legislação portuguesa será a lei do Estado onde se encontra

situada a sede principal e efetiva da administração da pessoa coletiva.

Conforme análise relativa à competência, verifica-se que o Brasil possui como

regra para verificação o caso concreto uma vez observado se, se trata de relativa ou

absoluta pelo que determina os arts. 88° a 90°, do “Código de Processo Civil”.

Entretanto, Portugal por ser país integrante da União européia vale-se do

princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e outras decisões das

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autoridades judiciais independentemente do país em que se situe o tribunal no qual

é proposta a ação visando, dessa forma, o bom funcionamento do mercado interno.

Para designar a regra de conexão utilizada quanto a prova dos fatos ocorridos

no exterior, estas irão regular-se pelo princípio da lex loci, porém, o modo de

produzi-la em juízo será regulado pela lex fori.

As considerações finais a serem atribuídas sobre as legislações comparadas

referem-se à interpretação e averiguação do direito estrangeiro, assunto

intimamente ligado à prova da existência e aplicação do mesmo, cabendo para

tanto, de forma subsidiária a interpretação no caso de impossibilidade de

reconhecimento da regra a ser utilizada.

Em consideração a todo o estudo, verifica-se que as regras de conexão são

normas estatuídas pelo Direito Internacional Privado que indicam o direito aplicável

às diversas situações jurídicas conectadas a mais de um sistema legal. Embora o

Brasil possua influências consideráveis das legislações portuguesa, dentre outras,

poucas semelhanças são encontradas no aspecto pertinente às regras de conexão.

Dito isso finalizaremos com oportuna lição sobre o tema: “A história do direito

alimenta a cultura jurídica no plano temporal, e o comparativismo, no plano

espacial”. (LOUSSOUARN, p. 306 citado por JACOB, 2011, p. 172)

Abstract

This article is assessing both Brazilian and Portuguese legal systems (jurisdictions),

seeking through this comparative review to find out convergences and divergences

between them. For this purpose, rules of connection used by each of them are

assessed and, as a consequence, it will be dealing also with matters such as the

purpose of Private International Laws, as well as the definition of the best form for the

denomination of this unit.

Concisely, it discusses other laws that demonstrate relevance to the matter in respect

of treaties and conventions that deal with those legal systems.

Keywords: Intersystems law. Rules for connection. Equivalence. Legal systems.

Brazilian. Portuguese.

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